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Conceito
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Interdisciplinaridade: da origem atualidade1
Monica Aiub
Resumo
Iniciando o percurso na etimologia da palavra, o estudo da interdisciplinaridade exige a
compreenso e o sentido da abordagem disciplinar. Recebendo uma primeira acepo na
Antiguidade, a diviso do estudo em disciplinas recebe caractersticas de sua verso
contempornea na Modernidade, com as Revolues Cientficas, advindas das
contribuies de Galileu, com uma nova metodologia para a fsica, e de Descartes, com
seu dualismo de substncias. Somente na segunda metade do sculo XX a fragmentao
do conhecimento vista como um entrave e, como alternativa a ela, surge a
interdisciplinaridade. Contudo, muitas so as dificuldades de uma abordagem
interdisciplinar, que exige, alm da transferncia de mtodos de uma disciplina para
outra, mudana nos hbitos de alunos, professores, pesquisadores e profissionais. Alm
disso, so exigidas tambm modificaes no hbito social. Todavia, o sculo XX
marcado por duas guerras mundiais, pelo surgimento da fsica quntica e pelo
conseqente questionamento aos princpios bsicos da Lgica Clssica. Atendendo s
necessidades dessa nova compreenso de mundo, surge a transdisciplinaridade, que
possui como fundamentos a existncia de diferentes nveis de realidade, a complexidade
e o terceiro includo. O conhecimento compreendido como construo e sua principal
caracterstica a plasticidade. Considerando-se este percurso e as caractersticas do
trabalho em Reabilitao, conclui-se pela necessidade de constitu-lo como um trabalho
transdisciplinar, que permita o terceiro includo, a constituio do outro como um ser
legtimo e a compreenso das muitas possibilidades que a complexidade da vida nos
apresenta.
A etimologia
Para abordar o tema interdisciplinaridade a partir de sua origem, necessrio investigar,
inicialmente, o significado da palavra. O termo interdisciplinaridade composto por trs
termos: inter que significa ao recproca, ao de A sobre B e de B sobre A; 1 Palestra apresentada no I Frum de Reabilitao do Centro Universitrio So Camilo, em 18.03.2006. Artigo publicado na revista O Mundo da Sade. So Paulo: 2006; jan/mar 30 (1): 107-116.
disciplinar termo que diz respeito disciplina, do latim discere aprender, discipulus
aquele que aprende. Contudo, o termo disciplina tambm se refere a um conjunto de
normas de conduta estabelecidas para manter a ordem e o desenvolvimento normal das
atividades numa classe dizemos habitualmente que esta classe disciplinada, ou
aquele aluno indisciplinado, significando que a classe ou o aluno em questo respeita
as normas de conduta estabelecidas; outro significado para o termo consiste em ordem
conveniente a um funcionamento regular, submisso, subordinao a regulamento
superior manter a disciplina equivale, nesta acepo, a seguir o regulamento, adequar-
se a uma hierarquia; outro significado para disciplina matria, como quando nos
referimos matria Introduo Filosofia ou Fundamentos da Matemtica ou
Fisiologia; tambm possvel entender disciplina como um tipo de saber especfico,
com objeto determinado, conhecimentos e saberes relativos a este objeto e mtodos
prprios. O termo dade corresponde a qualidade, estado ou resultado da ao. Desta
forma, uma ao recproca disciplinar entre disciplinas, ou de acordo com uma ordem
promovendo um estado, qualidade ou resultado da ao equivaleria ao termo
interdisciplinaridade.
O conhecimento em disciplinas
Conforme observado, a palavra disciplina possui diversas acepes, e por ser tomada
em diferentes significados, provoca-nos a refletir acerca de cada um deles. Se
resgatarmos sua origem, retornaremos Antiguidade, quando os conhecimentos so
divididos em disciplinas: o trivium correspondendo s artes da linguagem (gramtica,
retrica e dialtica) e o quadrivium referindo-se s artes matemticas (geometria,
aritmtica, msica e astronomia). Porm, mesmo distinguindo entre artes da linguagem
e artes matemticas, essa diviso era somente metodolgica, pois o universo era
compreendido como totalidade, e a educao grega atendia o ideal de universalidade;
formao do cidado grego cabia o domnio de todas as artes.
As Mathemata representam o elemento real da educao sofstica; a gramtica, a
retrica e a dialtica, o elemento formal. A posterior diviso das artes liberais no
trivium e no quadrivium depe tambm a favor daquela separao em dois grupos de
disciplinas. A diferena entre a funo educativa de cada um dos dois grupos tornou-se
permanente e notria. O esforo para unir os dois ramos baseia-se na idia da harmonia
2
ou, como em Hpias, no ideal da universalidade; mas nunca se trata de alcan-lo pela
simples adio. (JAEGER, 1989: 256).
No mundo antigo o universo era um cosmos, era ordenao, e o ser humano estava
inserido nesta organizao, harmonizando-se com a natureza e a sociedade sua volta.
A princpio, a unidade encontrava-se nos mitos. Prometeu rouba o fogo sagrado e
presenteia os humanos, que passam a possuir o saber, mas a ira de Zeus fragmenta o
humano e seu saber, que s restaura a totalidade, tanto subjetiva, quanto objetiva, no
encontro com a divindade. Com o advento da filosofia, as explicaes fundamentadas
na observao da natureza e na construo de um pensamento lgico racional passam a
constituir a totalidade como cosmos. Conhecer o universo e conhecer o interior do
humano a mesma tarefa. A formao do cidado grego compreende o domnio de
todas as artes que lhe permitam conhecer a natureza, a sociedade e a si mesmo,
encontrando o equilbrio gerador da sade: sade do ambiente, do entorno e de sua
estrutura interna, em suas mltiplas relaes. A constituio do saber nas disciplinas do
trivium e do quadrivium, visando formao do homem integral, continua presente
durante a Idade Mdia, sendo, por vezes, a noo de totalidade entendida como o
conceito de Deus.
A Modernidade marcada por contribuies como as de Galilei (1564-1642) e
Descartes (1596-1650). Galilei (2004), com a teoria do corpo isolado, enunciando as
leis do movimento, permite uma nova forma de constituio do saber: a fsica moderna.
Ao invs de estudar um fenmeno inserido em seu entorno, como se fazia na
Antiguidade, a fsica de Galileu trata os fenmenos isoladamente, tais como eles
ocorrem sem a interferncia dos conceitos prvios do cientista observando suas
constantes e variveis, a partir das quais so compreendidas e constitudas as leis gerais,
capazes de explic-lo. Explicar implica, como ocorria desde a Antiguidade com
Aristteles (1973), em definir pelas causas, em estabelecer relaes de causalidade.
Em 1641 Descartes publica Meditaes da Filosofia Primeira, formulando o dualismo
de substncias que compreende o universo constitudo por duas substncias de natureza
distinta: fsica (res extensa) e mental (res cogitans inextensa). A res extensa
cartesiana relaciona-se ao corpo, ao fisiolgico, conforme podemos observar em As
Paixes da Alma, onde ele descreve a forma toda de que se compe a mquina do
3
nosso corpo (1973:228), composta por uma fisiologia que inclui msculos, rgos,
veias, e tudo o que material em nosso corpo. A res cogitans corresponde ao
pensamento, ao psquico, como apresentado em Objees e Respostas, Tudo o que
pode pensar esprito, ou se chama esprito. Mas como o corpo e o esprito so
realmente distintos, nenhum corpo esprito. Logo, nenhum corpo pode pensar (1973:
163).
Sendo o corpo uma mquina, ele possui um funcionamento interno. Para conhec-lo
preciso abrir a mquina e ver como por dentro, como uma criana que deseja conhecer
o funcionamento interno de um relgio, ou de qualquer outra mquina, e para tal
desmonta-o. Esse perodo constitudo por um grande avano nos estudos da fisiologia,
e as autpsias permitem um conhecimento muito mais preciso acerca do interior do
corpo. Se a alma de outra natureza e relaciona-se com o corpo atravs da glndula
pineal2, no h problemas em dissecar o corpo para conhec-lo, em identificar os
problemas da mquina, verificando quais peas esto danificadas, a fim de consert-
las, ou talvez substitu-las, para o bom funcionamento da mquina. A m utilizao da
mquina pode gerar defeitos, que podero ser corrigidos com a substituio das peas
danificadas. Algumas mquinas podem apresentar defeitos de fabricao, e isso
poder ser tratado na medida em que for possvel interferir no funcionamento da
mquina, identificando a falha e corrigindo-a. Uma boa mquina apresenta, em seu
funcionamento, relaes lineares de causa e efeito. Uma engrenagem causa o
movimento da outra, como um msculo, da ponta do p, caso movido, provoca
movimento em todo o corpo. Descartes estuda, nas Paixes da Alma, a fisiologia do
corpo humano, e permite compreend-lo como uma mquina cujas partes relacionam-se
compondo um todo.
Nas Meditaes, assim como no Discurso do Mtodo, ele prope uma ciso
metodolgica, uma diviso em partes que permita analisar cada parte, para, a seguir,
organiz-las, das mais simples s mais complexas, compreendendo, assim, o todo.
Contudo, os leitores de Descartes parecem s ter observado a ciso, e parecem tambm
2 Segundo Descartes (1641), a glndula pineal a nica parte do crebro que no existe nos dois hemisfrios, ela faria a ligao entre eles e seria responsvel pela comunicao entre o corpo e a alma. Da constitui-se um problema, pois como possvel que naturezas distintas como corpo e alma possam provocar interferncias mtuas? Qual a natureza da glndula pineal para permitir tal relao? Este um problema filosfico que se constitui com o pensamento cartesiano e permanece ainda hoje, na filosofia contempornea, consistindo no problema mente-corpo.
4
ter compreendido o que consistia numa ciso metodolgica, como uma ciso ontolgica.
As implicaes disso, na Cincia Moderna, levam a um olhar para as partes em
detrimento do todo. O corpo a ser estudado isolado de seu contexto, dividido em
partes, estudado parte a parte, at que se encontre a parte defeituosa, que dever ser
substituda por uma nova pea, ou extirpada, como se extirpa o mal.
Ainda como implicaes, uma crescente especializao, que traz para o final do sculo
XX uma situao difcil, onde os especialistas so especialistas em partes cada vez
menores, e tendem a perder a dimenso da totalidade do universo. As dificuldades da
crescente especializao podem ser observadas nos casos em que um paciente
encaminhado a diferentes especialistas, um a um observando sua especialidade,
enquanto o sofrimento do paciente aumenta e nenhum procedimento pode ser aplicado
at que ele descubra e encontre o especialista adequado para aquela parte de seu corpo
onde o problema est instalado. Chegamos a um grau em que existem especialistas para
problemas na primeira falangeta do indicador da mo esquerda, e se o problema
identificado estiver na primeira falangeta do indicador mo direita, o paciente dever
procurar o especialista em mo direita3. Observem que a crtica no se dirige a
Descartes, que em sua poca, assim como Galileu, propiciou uma metodologia que
trouxe grandes avanos cincia, assim como o abandono de crenas que
compreendiam a doena como possesso demonaca, e ao invs do cuidado, tais crenas
levavam punio ou ao abandono do doente.
Tambm no se trata de uma crtica especializao que pretenda abandon-la,
retornando idia do sbio da Antiguidade, que rene, em uma nica pessoa, todo o
saber. Muito se conquistou com a especializao, e seria impossvel, a uma nica
pessoa, conhecer tudo o que produzido em termos de conhecimento, em uma nica
rea; que dir em todas as reas do saber. Trata-se de rever este olhar constitudo na
Modernidade, estabelecendo o dilogo entre as diferentes reas do conhecimento.
Ainda no sculo XVII, o surgimento da Didtica, com Comenius (1592-1670) registra a
preocupao com a integrao dos saberes. Pois assim como as partes so seccionadas e
estudadas separadamente, as disciplinas estabelecem os limites de seus objetos de
estudo, criando mtodos e linguagens adequadas a tais objetos. Comenius (2002) prope 3 O exagero aqui caracterizado tem como objetivo apontar as dificuldades, que no ocorrem necessariamente nesse grau, mas aproximam-se a ele.
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uma metodologia que consiste em ensinar tudo a todos, pois sua preocupao inicial era
a formao do bom cristo, ensinando-lhe os fundamentos para que pudesse ser ator de
sua prpria vida; tudo o que era ensinado o deveria ser em sua aplicao prtica, de
maneira clara e direta, ensinando a natureza das coisas a partir de suas causas; ensinar
cada coisa em seu devido tempo e no abandonar nenhum assunto at sua perfeita
compreenso, assim como dar a devida importncia s diferenas existentes entre as
coisas, tambm eram passos constituintes do mtodo de Comenius.
A crtica causalidade
No sculo XVIII, David Hume (1711-1776) questiona o conceito de causalidade.
Segundo a perspectiva tradicional, as relaes causais existem no mundo e podem ser
conhecidas por ns tais como ocorrem na realidade. Hume (1973) mostra-nos que a
causalidade no existe no mundo, nas questes de fato, ela est em nossas mentes, ao
associarmos fenmenos que habitualmente vemos juntos. Isso tornaria as concluses da
cincia, obtidas atravs de processos indutivos, sempre provveis. Desta forma, para
questes de fato, cujo conhecimento se d atravs da experincia, no possvel
concluir de forma universal e necessria, criando leis gerais que se apliquem para todos
os casos. possvel obter concluses provveis, tanto mais provveis quanto maior o
nmero de vezes em que os fenmenos observados apresentam as mesmas constantes e
variveis.
Essa observao provoca Kant (1724-1804) a sair de sua modorra dogmtica, e
promover uma verdadeira revoluo copernicana no que concerne ao conhecimento.
O que isto significa? Quando se acreditava que a Terra o centro do universo e os
astros giram em torno dela, Coprnico afirmou que no eram os astros a girar em torno
de ns, mas ns girvamos em torno deles. Enquanto acreditava-se que o conhecimento
est nos objetos e ns somos os sujeitos que o apreendemos, Kant (1973) afirmou que
construmos os conhecimentos, organizando os dados adquiridos na experincia
segundo os princpios e formas de nossa razo. Questionar os limites da razo humana,
assim como a objetividade do mundo, a tarefa da filosofia kantiana.
Outra contribuio crtica da causalidade encontra-se em John Stuart Mill (1806-
1873). Em Sistema de Lgica (1973), Mill aponta para o fato de construirmos nossos
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conhecimentos fundamentados em uma relao de causalidade linear: A causa de B.
Isso implica em excluirmos a possibilidade de explicar o surgimento da novidade. Ele
alerta para o fato desta relao explicar muito bem fenmenos da fsica, mas no servir
aos fenmenos qumicos e biolgicos. Nas molculas de hidrognio e de oxignio que
juntas formam a gua, no encontrada a propriedade da liquidez, que existe na gua. O
modelo qumico permite a compreenso da emergncia de novas propriedades. Segundo
Mill, organismos biolgicos no podem ser conhecidos apenas por relaes de
causalidade linear, o modelo qumico da causao aproxima-se muito mais ao que
ocorre aos organismos vivos.
Fragmentao x Interdisciplinaridade
Em meio a essas discusses, com a crtica ao excesso de racionalidade vigente no incio
de nosso sculo4 excesso de racionalidade incapaz de evitar duas guerras mundiais em
to curto perodo , com a evidente fragmentao do conhecimento e a constatao da
necessidade do dilogo entre as diferentes disciplinas para compreender o mundo e o ser
humano da contemporaneidade, ocorre um movimento de promoo da
interdisciplinaridade. Constatada a impossibilidade de ensinar tudo a todos, como
propunha Comenius, visto no ser possvel a um mesmo profissional dominar saberes
de todas as reas, faz-se necessrio um trabalho que estabelea relaes entre as
diferentes disciplinas. A segunda metade do sculo XX o cenrio onde a
interdisciplinaridade apresenta-se como alternativa diante da fragmentao dos saberes.
Segundo Ivani Fazenda (1995), h trs momentos distintos na histria da
interdisciplinaridade. O primeiro, na dcada de 70, o momento da definio; na dcada
de 80, a explicitao do mtodo; na dcada de 90, a construo da teoria. Em comum
aos trs momentos, a interdisciplinaridade apresenta a perplexidade diante da
fragmentao do conhecimento e um esforo por buscar alternativas diante da
racionalidade herdada.
O que caracteriza um trabalho interdisciplinar a transferncia de mtodos de uma
disciplina para outra, o que pode ocorrer em diferentes graus. Segundo Nicolescu (2000)
4 Crticas presentes, por exemplo, nos conceitos de: ideologia, de Marx; dionisaco, de Nietzsche; inconsciente, de Freud.
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h trs graus de transferncia de mtodos: de aplicao, por exemplo, mtodos da fsica
nuclear transferidos para a medicina levam ao aparecimento de novos tratamentos para
o cncer; epistemolgico, exemplo: a transferncia de mtodos da lgica formal para o
campo do direito produz anlises interessantes na epistemologia do direito; de gerao
de novas disciplinas, por exemplo, a transferncia de mtodos da matemtica para o
campo da fsica gerou a fsica matemtica; os da fsica de partculas para a astrofsica, a
cosmologia quntica; os da matemtica para os fenmenos meteorolgicos ou para os da
bolsa, a teoria do caos; os da informtica para a arte, a arte informtica.
Embora essas discusses datem de dcadas atrs, ainda hoje h dificuldades em
conceber o ensino e o trabalho interdisciplinares. Autores como Castoriadis (1922-
1997) e Bourdieu (1930-2002) avaliam essas dificuldades considerando outros
significados da disciplinarizao. Segundo Castoriadis (1982), as instituies legitimam
o modo de ser de uma sociedade e a maneira como esta compreende a si mesma. Desta
forma, a escola legitima os modos de ser e compreender o mundo, ou seja, a
fragmentao dos saberes denota um universo fragmentado, um ser humano
fragmentado, uma sociedade fragmentada e um olhar cindido sobre si mesmo. Esta
ciso, segundo Bourdieu (2005), revela uma lgica da racionalizao que implica na
burocratizao do ensino. A disciplinarizao implica em poder e controle dos
mecanismos de socializao; os enquadramentos rigorosos caracterizam sistemas
fortemente centralizados, relaes verticalizadas e pouca iniciativa para professores e
alunos. A tendncia a descompartimentalizar disciplinas provoca o enfraquecimento dos
enquadramentos curriculares, o favorecimento da inventividade e a autonomia do grupo.
Desta forma, o fato de, apesar de dcadas de discusso, no termos conseguido tornar a
interdisciplinaridade uma prtica, no termos conseguido efetivar alternativas
racionalidade do mundo moderno, revela uma estrutura social compartimentalizada,
dividida, burocratizada, centralizada em uma hierarquia verticalizada favorecendo os
mecanismos de poder e controle social vigentes, e impedindo iniciativas que provoquem
modificaes.
Alguns obstculos prtica da interdisciplinaridade so apresentados por Proust (1993)
a partir de suas pesquisas. O primeiro consiste no que ele denomina esprito de
parquia, ou seja, a tendncia a privilegiar sua metodologia, desqualificando as
demais. Ocorre como se valorizssemos nossa disciplina, entendida como rea do saber,
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mais do que qualquer outra. Assim sendo, que motivos teramos para estabelecer um
trabalho interdisciplinar? Se, por exemplo, o problema do paciente de ordem
fisiolgica, em que um profissional da psicologia poderia ajudar? Por que permitir que
profissionais de outras reas, que nada tem a ver com a minha disciplina interfiram em
meu trabalho? Este exemplo denota o olhar fragmentado. O foco a doena, que de
ordem fisiolgica, mas ela encontra-se em um ser humano, que possui outras dimenses
que extrapolam os limites da fisiologia. Um trabalho interdisciplinar permitiria uma
abordagem mais ampla, e consequentemente, ofereceria mais elementos para o paciente
lidar com suas dificuldades.
O segundo obstculo diz respeito perda informacional, traduz o receio de perda de
informao e de banalizao do saber. Como posso utilizar mtodos de outras
disciplinas? Isso descaracterizaria a minha disciplina, que poderia ser banalizada. De
fato, o risco da banalizao constante, mas no h relao direta entre
interdisciplinaridade e banalizao. Interdisciplinaridade equivale a interpretao entre
disciplinas, transferncia de mtodos entre as diferentes disciplinas, enquanto
banalizao corresponde inexistncia de mtodos, tratando-se de uma abordagem de
senso comum. Aproximar esses conceitos revela, mais uma vez, o olhar fragmentado:
para um trabalho srio, com contedos adequados, necessrio especializar-se e,
consequentemente, saber tudo o que for possvel acerca do objeto delimitado. Esquece-
se que este objeto delimitado est inserido em um universo, em relao com outros
objetos, e, principalmente, que as questes humanas so advindas deste universo ou da
relao que estabelecemos com ele.
O conservadorismo institucional, que teme a transgresso de fronteiras levando ao
descrdito da instituio outro ponto apresentado por Proust. Aqui disciplina
entendida como ordem. Como confiar numa instituio que no opta por um sistema,
um mtodo nico de soluo dos problemas? Novamente o olhar cindido, que impe a
necessidade de escolha de um nico sistema, de uma especialidade que explique o
mundo, sem sair de seus limites. Desta vez, a cobrana institucional e o que se teme
perder o prestgio.
Por ltimo, o conservadorismo individual representa a insegurana e o desconforto
provocados quando nosso territrio invadido ou quando adentramos em territrios
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desconhecidos. Dialogar com outras disciplinas implica em abertura, em assumir que
no se sabe tudo, em disposio ao novo, ao outro e sua legitimidade.
Perrenoud (1997) aponta outra natureza de obstculos, visto que a interdisciplinaridade
exige a modificao dos hbitos dos alunos, que necessitaro maior envolvimento nas
tarefas, assim como mais transparncia na elaborao de seus trabalhos e estudos. O
mesmo diz respeito aos profissionais. Para que seja possvel estabelecer um trabalho
interdisciplinar, preciso que as aes de cada profissional sejam transparentes, que se
saiba o que se faz e que se disponibilize a pensar junto com os demais profissionais
envolvidos no projeto, considerando as necessidades que a questo impe. Todas essas
modificaes exigem alteraes nos hbitos, pois o saber no apenas uma disciplina,
ele incorpora-se s relaes interpessoais e prpria corporeidade do sujeito. No
modelo disciplinar, a produo do conhecimento individual. No modelo
interdisciplinar faz-se necessria a inter-relao pessoal. No modelo disciplinar no h
iniciativa de professores e alunos; no modelo interdisciplinar, a iniciativa de professores
e alunos, assim como a autonomia do grupo fomentada.
Multi, Inter, Transdisciplinar...
Apesar de nosso tema ser interdisciplinaridade, faz-se necessrio abordar outras formas
de relaes entre as disciplinas. Nicolescu (2000) distingue entre multi, inter e
transdisciplinaridade. A multidisciplinaridade supe a mesma questo sendo tratada
por disciplinas diferentes. As disciplinas mantm seus limites e mtodos, estabelecem
um dilogo abordando a questo a partir de sua perspectiva. Na interdisciplinaridade,
h transferncia de mtodos de uma disciplina para a outra, conforme exemplificado
anteriormente e a transdisciplinaridade supe outro grau de relao. Trans significa o
que est ao mesmo tempo entre e alm. Haveria alguma coisa entre e atravs das
disciplinas? E ao mesmo tempo, alm delas?
O mundo contemporneo no mais o cosmos, no mais a ordem da Antiguidade
Clssica, qual deveramos nos ordenar. Aps as guerras mundiais, a teoria da
relatividade, a fsica quntica, no possvel pensar atravs de uma relao de
causalidade linear, que j era questionada, conforme exposto, na Modernidade. O
universo do sculo XXI compreende diferentes nveis de realidade, catico, o ser
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humano tambm catico. Buscamos ordenar este caos, mas constatamos a
impossibilidade de uma ordem universal e necessria. A cada interferncia provocada
no mundo ele se movimenta, problemas so resolvidos, mas outros surgem e nos
causam perplexidade.
O modelo disciplinar de aquisio de conhecimento supe conhecer algo que est fora,
no mundo, apreend-lo, e quando perguntado, oferecer esta resposta. Esse modelo
utilizado constantemente, em todos os nveis de ensino. Ensina-se ao aluno um contedo
e a avaliao exige que o aluno reproduza o contedo adquirido. Contudo, se o universo
est em constante movimento, se mudamos a cada instante, as respostas construdas
num determinado contexto no se aplicam ao novo contexto. O que responde a um
plano de realidade, no responde ao outro. Aprender no a aquisio de algo que est
l, uma transformao em coexistncia com o outro (MATURANA, 2000:84).
Utilizemos a imagem de um surfista. Como ele aprende a surfar? Por mais que ele
estude teoricamente todos os movimentos possveis com sua prancha, que elabore um
roteiro dos movimentos que far, este estudo ser insuficiente diante do mar, e de nada
adiantar no caso da inexistncia das ondas. Seu equilbrio depende do movimento das
ondas, e no existe sem elas. em interao com o mar que o surfista aprende a
responder com movimentos adequados s solicitaes dos movimentos das ondas.
A congruncia estrutural, a congruncia dinmica entre a estrutura dos sistemas vivos e
suas circunstncias o resultado de uma histria de mudanas estruturais coerentes dos
sistemas vivos e do meio no qual eles existem. A inteligncia a capacidade de
plasticidade dos seres em suas relaes com o meio (MATURANA, 2000: 83).
Alguns seres vivos possuem a capacidade de plasticidade, de modificar-se de acordo
com as necessidades do ambiente. A inteligncia humana consiste em oferecer respostas
adequadas s situaes, a responder diferentemente quando a circunstncia assim o
exigir. Conhecer possuir habilidades para construir as respostas possveis ou
necessrias a cada contexto. Um estudo disciplinar permite apenas responder dentro dos
limites de uma disciplina. Um atendimento disciplinar limita o olhar ao objeto de estudo
de uma disciplina. O estudo ou o trabalho interdisciplinar permite a transferncia de
mtodos e, consequentemente, um olhar mais abrangente. Todavia, a
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transdisciplinaridade permite o espao do entre, o ir alm e atravs das disciplinas, a
construo de um conhecimento plstico, flexvel s necessidades singulares de cada
contexto, mas com abrangncia suficiente para permitir a compreenso da diferena e o
surgimento da novidade.
Os pilares da transdisciplinaridade so, segundo Nicolescu (2000): os diferentes nveis
de realidade, a lgica do terceiro includo e a complexidade. Sigamos acompanhados da
leitura de Nicolescu, a fim de compreender tais princpios.
A descoberta do quantum, por Max Planck (1858-1947), revolucionou a fsica e nossa
viso de mundo. O conceito de descontinuidade presente no quantum supe um novo
tipo de causalidade entendida at ento como forma de conhecer o mundo e abre
outras perspectivas compreenso da realidade. No mundo quntico, as interaes no
exigem proximidade, h uma espcie de causalidade global. Por exemplo, uma cidade
no se reduz soma de seus habitantes, mas no existe sem eles. As entidades qunticas
no so corpsculos ou ondas, so ao mesmo tempo, corpsculo e onda, ou so ao
mesmo tempo, nem corpsculo, nem onda. Os quantum so probabilidades.
Os princpios da Lgica Clssica identidade, no contradio e terceiro excludo, que
regiam toda a construo do conhecimento, so questionados. O princpio de identidade
afirma que o que , ; A idntico a A. O quantum no idntico a si mesmo, est
em constante movimento entre ser partcula corpuscular e ser onda. O princpio da no-
contradio afirma que uma coisa no pode ser e no ser ao mesmo tempo; o
quantum e no partcula corpuscular, e no onda, ao mesmo tempo. E por fim, o
princpio do terceiro excludo afirma que nada existe entre ser e no ser; no momento
da passagem entre corpsculo e onda, o quantum entre ser corpsculo e ser onda ,
um terceiro, que no corpsculo, nem onda.
Isso nos permite compreender outros nveis de realidade. Como afirma Nicolescu
(2000) temos nveis de realidade diferentes em ns mesmos: um corpo com uma
estrutura macrofsica e uma estrutura quntica:
A descontinuidade que se manifestou no mundo quntico manifesta-se tambm na
estrutura dos nveis de Realidade. Isto no impede os dois mundos de coexistirem. A
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prova: nossa prpria existncia. Nossos corpos tm ao mesmo tempo uma estrutura
macrofsica e uma estrutura quntica.
(...)
O surgimento de pelo menos dois nveis de Realidade diferentes no estudo dos sistemas
naturais um acontecimento de capital importncia na histria do conhecimento. Ele
pode nos levar a repensar nossa vida individual e social, a fazer uma nova leitura dos
conhecimentos antigos, a explorar de outro modo o conhecimento de ns mesmos, aqui
e agora (NICOLESCU, 2000: 19).
Se existem diferentes nveis de Realidade, por que nos limitamos a um olhar para nossas
circunstncias como nica possibilidade? Por que aceitamos determinaes como se
tivssemos um conhecimento absoluto de um universo tambm absoluto e imutvel? Se
existem outros nveis de Realidade, possvel repensar nossa vida, nossa prtica
profissional, nossas relaes, nossas circunstncias. possvel lidar com as questes
cotidianas de outras maneiras, criar um outro cotidiano. possvel construir no apenas
uma nova prtica profissional, mas uma nova Realidade.
Dessas constataes, inferimos que o universo complexo, mas sua complexidade
desordenada. No se trata de um caos completo, mas uma tentativa de equilbrio entre
ordem e caos. Seria a complexidade existente no mundo ou fruto de nossas mentes?
Nicolescu argumenta:
A complexidade das cincias antes de mais nada a complexidade das equaes e dos
modelos. Ela , portanto, produto de nossa cabea, que complexa por sua prpria
natureza. Porm, esta complexidade a imagem refletida da complexidade dos dados
experimentais, que se acumulam sem parar. Ela tambm est, portanto, na natureza das
coisas.
Alm disso, a fsica e a cosmologia qunticas nos mostram que a complexidade do
Universo no a complexidade de uma lata de lixo, sem ordem alguma. Uma coerncia
atordoante reina na relao entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Um
nico termo est ausente nesta coerncia: o vertiginoso vazio do finito ? O nosso. O
indivduo permanece estranhamente calado diante da compreenso da complexidade. E
com razo, pois fora declarado morto. Entre as duas extremidades do basto ?
simplicidade e complexidade ?, falta o terceiro includo: o prprio indivduo (2000:
21).
13
O terceiro includo: a lgica do terceiro includo supe a possibilidade da existncia de
um terceiro termo entre A e no-A. Isso no implica, necessariamente, em contradio,
apenas na possibilidade de uma terceira via, de outras muitas formas existentes entre ser
e no-ser.
A lgica do terceiro includo no abole a lgica do terceiro excludo: ela apenas limita
sua rea de validade. A lgica do terceiro excludo certamente validada por situaes
relativamente simples, como, por exemplo, a circulao de veculos numa estrada:
ningum pensa em introduzir, numa estrada, um terceiro sentido em relao ao sentido
permitido e ao proibido. Por outro lado, a lgica do terceiro excludo nociva nos casos
complexos, como, por exemplo, o campo social ou poltico. Ela age, nestes casos, como
uma verdadeira lgica da excluso: bem ou mal, direita ou esquerda, mulheres ou
homens, ricos ou pobres, brancos ou negros. Seria revelador fazer uma anlise da
xenofobia, do racismo, do anti-semitismo ou do nacionalismo luz da lgica do terceiro
excludo (NICOLESCU, 2000:25).
Seria tambm revelador fazer uma anlise do paciente, do ser humano que est diante de
ns e diferente por possuir um modo de ser diferente do nosso, ou possuir uma
estrutura fsica diferente da nossa a partir da lgica do terceiro includo. Ao invs de
nos utilizarmos de uma lgica da excluso: ou , ou no normal, compreenderamos
outros modos de ser possveis, diferentes de um padro, mas nem por isso, melhores ou
piores, simplesmente diferentes e to legtimos quanto o nosso modo de ser. Mais
revelador ainda seria estabelecermos uma anlise de ns mesmos a partir da lgica do
terceiro includo: o que somos, o que no somos, o que podemos ser.
Para Maturana, Se no vemos o outro como um outro legtimo, no nos importamos,
esse o nosso problema. No vemos, no expandimos nossa viso, agimos colocando
fronteiras. (2000: 99). Se no somos capazes de ver o outro como um ser legtimo, s
porque difere de ns em algum aspecto, provocamos excluso, mas tambm limitamos
nossa viso, no ampliamos nossas prprias possibilidades de existncia. Quando
conseguimos enxergar a legitimidade do outro, confrontamos nosso prprio modo de
existir, e somos capazes de avaliar a qualidade de nossa existncia, de aperfeioar nossa
prtica profissional, nossas relaes interpessoais, nossa corporeidade, nossa vida.
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Maturana (2000) compreende conhecimento como paixo. Paixo supe intensidade,
no estabelece limites nem fronteiras, amplia nossa existncia. Ele distingue paixo de
ambio. Na ambio h foco, mas o olhar limitado. A ambio e a competio
restringem o olhar, no nos permitem ver o outro, no nos revelam possibilidades de
outros planos de Realidade.
Uma abordagem disciplinar tpica de um olhar ambicioso, que valoriza apenas a si
mesmo, que teme a diferena, e supe que seu objeto, seus mtodos e sua linguagem so
mais adequados, e absolutamente capazes de responder s questes presentes no
universo. Uma abordagem transdisciplinar caracterstica de um olhar apaixonado, que
compreende que o universo muito maior e mais complexo do que cabe em uma
disciplina; que por mais que conheamos em profundidade nossa rea de atuao, ainda
assim existiro situaes em que no teremos respostas, pois no h disciplina que
responda a tudo, e no h respostas prontas a todas as questes que ainda viro a ser
formuladas. Construir conhecimentos implica em construir modos de ser, em exercitar a
plasticidade que nos torna essencialmente humanos.
Transdisciplinaridade e Reabilitao
Aps este longo percurso, retornamos ao tema de nosso Frum: Reabilitao.
Pontuemos algumas questes pertinentes ao trabalho em reabilitao.
Se somos seres plsticos, capazes de nos modificar para sobrevivermos s situaes
adversas ou para respondermos s necessidades que nos so impostas, o fato de um
acidente ou uma doena ter provocado a perda de uma capacidade ou de uma parte ou
rgo de nosso corpo, no significa, necessariamente, limitao. Significa que nossa
condio foi modificada e que talvez precisemos aprender a viver e a lidar com a nova
situao. Neste sentido, o trabalho em reabilitao ser uma espcie de aprendizagem,
onde novas habilidades sero desenvolvidas. No se trata de passar de um estado de
normalidade para anormalidade, de viver com uma deficincia, mas de viver em
uma condio diferente da anterior, que talvez exija hbitos e habilidades novos.
O profissional que atua em reabilitao tambm chamado a exercitar a plasticidade,
pois poder encontrar, em seu trabalho, situaes no contempladas pela teoria de sua
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disciplina; situaes que ultrapassem os limites disciplinares; casos em que toda a
tcnica seja aplicada perfeitamente, mas os resultados no sejam obtidos por outros
fatores, alheios sua rea de atuao. Diante das dificuldades, ampliar seus estudos,
pesquisar, conhecer elementos significativos ao paciente so atitudes fundamentais,
porm, nem sempre suficientes. Constituir um trabalho transdisciplinar pode ser um
excelente caminho, mas trata-se de um caminho que exige posturas novas, que exige
construo de conhecimentos, e, principalmente, um olhar para outros nveis de
Realidade, para a descoberta de possibilidades, para a incluso de outros modos de ser.
A abordagem cartesiana do corpo, o homem mquina, permitiu, durante muito tempo,
um tipo de tratamento ao ser humano como se ele fosse, de fato, uma mquina. A
compreenso da mquina no sistema capitalista aliada produo. Se funciona bem,
tem utilidade social, produz, , tem estatuto de humano. Se est defeituosa, deve ser
encostada em algum ferro velho ou poro, onde incomode o mnimo possvel.
Contudo, h mquinas que podem ser consertadas, peas trocadas, restauradas, e que,
apesar do investimento, ainda so capazes de produzir, e, consequentemente, ser. H
outras que podem adquirir outras funes, diferentes da original, ou ter suas peas
aproveitadas na construo de outros equipamentos.
Parece excessivamente cruel essa leitura, mas o processo de excluso dos
improdutivos gritante na sociedade moderna. Por este motivo, as relaes
interpessoais precisam ser observadas, pois, muitas vezes so elementos extremamente
significativos para um bom resultado no trabalho em reabilitao.
Considerando o corpo como uma estrutura, no apenas fisiolgica, material uma
mquina, mas um todo que integra nossos pensamentos, sentimentos, sensaes,
percepes como nosso lugar existencial5, amplia-se o conceito de corporeidade.
Considerando, ainda, a corporeidade em um constante processo de epignese6, nos
permitimos um olhar para o terceiro includo, para a possibilidade da diversidade, para a
legitimao de outras corporeidades diferentes dos padres estabelecidos.
5 Conforme Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da Percepo. 6 Termo da biologia que se refere s alteraes provocadas no corpo em relao ao ambiente.
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O profissional que trabalha com reabilitao tambm necessita trabalhar sua
corporeidade de maneira transdisciplinar. As relaes com outros profissionais, com o
paciente, com os familiares, com os cuidadores, exigem deste profissional que seu
trabalho no seja isolado. necessria a postura de abertura para a contribuio de
outros profissionais, para a compreenso das necessidades do paciente, para as
possibilidades e os limites dos familiares e cuidadores. Isso, muitas vezes, afeta o
profissional em sua atividade, provocando-lhe a questionar e rever o seu fazer. Mais que
seu fazer, h casos em que a reviso diz respeito ao seu modo de ser, ao seu lugar
existencial, a seu olhar sobre si mesmo. No sentido da Paixo, que Maturana nos
apresenta, a intensidade nos envolve a tal ponto que expandimos nosso ser.
Compreender sua prpria historicidade como profissional e como pessoa fundamental
ao profissional de reabilitao, a fim de estar consciente de seus referenciais e no
avaliar e julgar seu paciente, ou o cuidador, ou outros profissionais a partir destes
referenciais. Se preciso ver o outro como um outro legtimo, preciso ter cincia de
sua prpria constituio, para no ser absorvido pelo outro, no impor o outro a si
mesmo, nem impor seu modo de ser ao outro. Novamente a abertura e a constituio de
uma relao que permite a complexidade, diferentes nveis de Realidade, a contradio
e a incluso do terceiro. Por tudo isso, o trabalho em reabilitao precisa ser um
trabalho transdisciplinar.
Algumas questes:
Para finalizar, deixo algumas questes para o I Frum de Reabilitao, para o Ncleo de
Reabilitao, para os alunos, professores e profissionais da Reabilitao; questes sobre
formao, entendendo que a formao no apenas o que se aprende num curso, ela
contnua e integral, ela diz respeito aos projetos nos quais nos envolvemos, s pesquisas
que realizamos, ao que lemos, estudamos, buscamos.
De que maneira formado o profissional que atuar em reabilitao?
A maneira escolhida para a formao propicia o olhar transdisciplinar? Permite a
compreenso da complexidade, dos diferentes nveis de Realidade e do terceiro
includo?
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A formao atual permite a iniciativa e a plasticidade diante do conhecimento
disponvel ou apenas propicia respostas coerentes dentro dos limites disciplinares?
O I Frum de Reabilitao um espao para refletirmos sobre nosso fazer, fazer e
reflexo que nos provocam ao movimento, que nos tornam o que somos, que nos
permitem enxergar a legitimidade de ser do outro e de ns mesmos, proporcionando-nos
uma existncia e um fazer ticos.
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