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O ARAÇAZEIRO CAPÍTULO 8 INTERAÇÕES HERBÍVORO - PLANTA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O CONTROLE BIOLÓGICO - QUE TIPOS DE INIMIGOS NATURAIS PROCURAR? Alessandro Camargo Ângelo Departamento de Ciências Florestais Universidade Federal do Paraná Anamaria DalMolin Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Entomologia) Universidade Federal do Paraná A compreensão das interações de herbivoria é de grande importância para qualquer programa de controle biológico de plantas, podendo fornecer de antemão informações sobre quais tipos de inimigos naturais pode-se esperar que afetem a planta e, muitas vezes, explicar por que outros não tiveram o impacto esperado. Coley & Barone (1996) usaram o termo herbivoria (lat. herba, grama, erva + vorare, comer) para designar danos por insetos, mamíferos e patógenos. Neste texto, utilizamos de maneira equivalente o termo fitofagia (gr. phytón, planta + phageîn, comer), mas este foi evitado onde pudesse gerar duplicidade de sentido em relação ao grupo de besouros (Phytophaga). A idéia de senso comum é que as plantas são seres passivos frente àqueles que se alimentam delas. Na verdade, as plantas apresentam um verdadeiro arsenal de defesas, que são sobrepujadas por alguns grupos de herbívoros. Em outras palavras, apesar de o ambiente terrestre ser “verde” (Hairston et al., 1960), não é todo esse “verde” que pode ser consumido. O objetivo deste capítulo é apresentar os conceitos essenciais para a caracteri- zação dessas interações e contextualizá-los perante os programas de controle bioló- gico. Não se pretende, porém, realizar uma revisão ou discussão exaustiva dos tópi- cos apresentados, embora tenham sido inseridos comentários sobre os diversos enunciados e indicada a literatura onde essas discussões são realizadas com maior profundidade. Também é importante ressaltar que foi dado maior foco às interações inseto-planta, uma vez que os insetos representam cerca de 53% das espécies conhecidas (Hammond, 1992, 1994), representando parte significativa do número total de espécies mundiais (até 10 milhões, segundo Gaston & Hudson, 1994) e com forte correlação entre o número de espécies de árvores tropicais e o número de espécies de insetos herbívoros (Novotny et al., 2006). Dentre as interações tróficas em ecologia, normalmente a herbivoria é coloca- da na mesma classe que o predatismo e parasitismo, em que um organismo se Angelo, A. C.; DalMolin, A. Interações Herbívoro-Planta e suas Implicações para o Controle Biológico: Que tipos de inimigos naturais procurar? In: Pedrosa-Macedo, J. H.; DalMolin, A.; Smith, C. W. (orgs.). O Araçazeiro: Ecologia e Controle Biológico. FUPEF, Curitiba, 2007. p. 71-91.

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O ARAÇAZEIRO

CAPÍTULO 8

INTERAÇÕES HERBÍVORO - PLANTA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA OCONTROLE BIOLÓGICO - QUE TIPOS DE INIMIGOS NATURAIS

PROCURAR?

Alessandro Camargo ÂngeloDepartamento de Ciências Florestais

Universidade Federal do Paraná

Anamaria DalMolinPós-Graduação em Ciências Biológicas (Entomologia)

Universidade Federal do Paraná

A compreensão das interações de herbivoria é de grande importância paraqualquer programa de controle biológico de plantas, podendo fornecer de antemãoinformações sobre quais tipos de inimigos naturais pode-se esperar que afetem aplanta e, muitas vezes, explicar por que outros não tiveram o impacto esperado.

Coley & Barone (1996) usaram o termo herbivoria (lat. herba, grama, erva +vorare, comer) para designar danos por insetos, mamíferos e patógenos. Nestetexto, utilizamos de maneira equivalente o termo fitofagia (gr. phytón, planta +phageîn, comer), mas este foi evitado onde pudesse gerar duplicidade de sentidoem relação ao grupo de besouros (Phytophaga).

A idéia de senso comum é que as plantas são seres passivos frente àquelesque se alimentam delas. Na verdade, as plantas apresentam um verdadeiro arsenalde defesas, que são sobrepujadas por alguns grupos de herbívoros. Em outraspalavras, apesar de o ambiente terrestre ser “verde” (Hairston et al., 1960), não étodo esse “verde” que pode ser consumido.

O objetivo deste capítulo é apresentar os conceitos essenciais para a caracteri-zação dessas interações e contextualizá-los perante os programas de controle bioló-gico. Não se pretende, porém, realizar uma revisão ou discussão exaustiva dos tópi-cos apresentados, embora tenham sido inseridos comentários sobre os diversosenunciados e indicada a literatura onde essas discussões são realizadas com maiorprofundidade. Também é importante ressaltar que foi dado maior foco às interaçõesinseto-planta, uma vez que os insetos representam cerca de 53% das espéciesconhecidas (Hammond, 1992, 1994), representando parte significativa do númerototal de espécies mundiais (até 10 milhões, segundo Gaston & Hudson, 1994) e comforte correlação entre o número de espécies de árvores tropicais e o número deespécies de insetos herbívoros (Novotny et al., 2006).

Dentre as interações tróficas em ecologia, normalmente a herbivoria é coloca-da na mesma classe que o predatismo e parasitismo, em que um organismo se

Angelo, A. C.; DalMolin, A. Interações Herbívoro-Planta e suas Implicações para o Controle Biológico: Que tipos de inimigos naturais

procurar? In: Pedrosa-Macedo, J. H.; DalMolin, A.; Smith, C. W. (orgs.). O Araçazeiro: Ecologia e Controle Biológico. FUPEF, Curitiba, 2007. p. 71-91.

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beneficia à custa de outro (interação +/-). No entanto, essas definições são basea-das no impacto da interação sobre a vida dos organismos analisados (positivo/negativo), o que significa que potencialmente essa interação pode evoluir paraneutra (+/0) e até mesmo positiva (+/+, como no caso das vespas polinizadoras defigueiras). Dessa maneira, apesar de se estar enfocando basicamente interaçõespositivas/negativas, que são aquelas de interesse para o controle biológico, énecessário ter em mente que os outros tipos de interação também existem, comonos casos dos polinizadores e das plantas insetívoras.

O resultado da interação existente entre esses organismos, em que defesas deplantas selecionam alguns grupos de herbívoros e em que herbívoros influenciama evolução das defesas nas plantas (Coley & Barone, 1996), pode, em algunscasos, ser visto como um processo coevolutivo (Ehrlich & Raven, 1964; mas verJanzen, 1980). Alguns modelos de coevolução entre plantas e artrópodos sãoexemplificados em Futuyma & Keese (1992). Alguns casos são bem ilustrativos,como a associação existente entre a família Agaonidae (Hymenoptera) e espéciesde Ficus spp. (Moraceae), estudada por Wiebes (1979): as vespas induzem galhasdentro de flores em sicônios, sendo que, ao deixar aquela em que nasceu, a vespacarrega o pólen das flores vizinhas e será obrigada a realizar a polinização quandoprocurar outro sicônio para realizar a oviposição, devido ao formato da inflorescência.

Tipos de Defesa contra a Herbivoria

Uma planta possui defesas de vários tipos, as quais muitas vezes podem serinferidas se for considerada sua história evolutiva. Parte dessa informação vem desua constituição genética, ou seja, são fenótipos (que normalmente refletem emsua posição taxonômica). Como fenótipos, essas defesas são influenciadas tantopelo patrimônio genético da planta quanto pelo ambiente. Assim, é esperado que,de acordo com a variedade de defesas apresentadas pela planta, ela esteja sujeita aníveis diferentes de herbivoria (Abrahamson & Weis, 1997).

Karban et al. (1997) dividem as defesas das plantas contra herbívoros em doistipos: defesas constitutivas, que estão presentes na planta antes de o problema terse apresentado, e defesas induzidas, que são produzidas ou translocadas somentediante de um dano ou situação de estresse. As defesas induzidas são aquelas queaparecem depois que as plantas são atacadas pelos herbívoros e têm sido objetode um número considerável de estudos recentes, porque apresentam impacto sig-nificativo nos níveis de herbivoria, não só momentaneamente, mas podendo seestender a até vários anos após a sua indução (Lombardero et al., 2006). Green &Ryan (1972) constataram que ocorreu aumento de inibidores de proteinase emfolhas de tomate, Lycopersicon esculentum Mill. (Solanaceae), quando estavam

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sendo dadas ao besouro Leptinotarsa decemlineata (Say) (Coleoptera:Chrysomelidae). Eles observaram que 48 horas após terem ocorrido danos severossobre as folhas, os inibidores de proteinase alcançaram cerca de 2% das proteínassolúveis nas folhas. Baldwin & Schultz (1983) mencionam as chamadas “árvoresfalantes”, o caso de algumas plantas com galhos danificados emitirem substânciasque, liberadas no ar, induzem defesas em outras.

Defesas mecânicas/morfológicas

Dentro do espectro de mecanismos de defesa usados pelas plantas para sedefenderem dos herbívoros estão as chamadas defesas mecânicas. Essas defesasconstituem obstáculos para a inserção de aparelho bucal, para a realização deoviposição ou para a simples fixação e permanência do herbívoro. Exemplos deestruturas ligadas à obstrução física da herbivoria são o enrijecimento de tecidos,tricomas, pêlos, espinhos, deposição cuticular e secreção de resinas.

O enrijecimento dos tecidos consiste principalmente no acúmulo de lignina nostecidos, principalmente na forma de fibras. Essa estratégia é considerada a forma maisefetiva de defesa (Aide & Londoño, 1989; Coley, 1983). Conforme explicado porColey & Barone (1996), esse enrijecimento não é compatível com órgãos jovens,como folhas em expansão, uma vez que isso prejudicaria seu desenvolvimento, demaneira que esses órgãos normalmente apresentam outros tipos de defesa.

Muitas superfícies de plantas não são lisas, mas revestidas de minúsculos apên-dices epidérmicos, como tricomas ou pêlos. Essas estruturas afetam a textura da plantae representam obstáculos para o estabelecimento de herbívoros (Edwards & Wratten,1981). Alguns tricomas desenvolvem grossas paredes secundárias, algumas vezesimpregnadas com sílica e carbonato de cálcio, funcionando como espinhos. Algunstipos de tricomas, além de representarem obstáculos físicos, podem estar associados adefesas químicas, tais como terpenóides e fenóis (Bernays & Chapman, 1994).

Os espinhos são ramos modificados que também podem estar relacionados à redu-ção de herbivoria. Geralmente seu impacto é mais efetivo em herbívoros maiores (ex.Cooper & Owen-Smith, 1986, com ungulados; Cooper & Ginnett, 1998, com roedores).

A deposição cuticular, além de diminuir a evapotranspiração da planta, alteraa textura das folhas, tornando-as mais rígidas e dificultando sua digestão, além defechar possíveis portas de entradas para patógenos (ex. Chassot & Métraux, 2005).

Algumas plantas, finalmente, produzem resinas, como ocorre com os canaisresiníferos de Picea sitchensis (Bong.) Carrière e Picea glauca (Moench) contraPissodes strobi (Peck) (Coleoptera: Curculionidae) (O’Neill el al., 2002).

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Defesas químicas

Qualidade nutricional/nutrição subótima. Um dos problemas enfrentadospelos herbívoros é a pequena quantidade de elementos necessários para a suanutrição, tais como aminoácidos essenciais, nitrogênio ou água (White, 1993). Issoocasiona uma necessidade de maior quantidade de alimento ou pode conduzir auma redução na preferência pela planta como recurso. O conteúdo nutricional variaentre espécies de plantas e ao longo do ciclo de vida dessas espécies (Moran &Hamilton, 1980; Coley & Aide, 1991). Coley & Barone (1996) afirmam que folhasjovens possuem maiores conteúdos de nitrogênio e água do que folhas maduras,sendo, portanto, recursos melhores para o consumo por herbívoros. Além da qua-lidade nutricional considerada inadequada para os herbívoros, existem substânci-as que dificultam o processo de assimilação dos nutrientes eventualmente disponíveis.Essas substâncias são conhecidas como redutores de digestibilidade (ver adiante).

Produtos do metabolismo secundário. A presença de substâncias de defesa esuas diferentes concentrações durante as diferentes fases de vida da planta influ-enciam muito a sua suscetibilidade à herbivoria. Devido ao fato de algumas subs-tâncias não terem um papel evidente no metabolismo primário, elas foram inicial-mente chamadas de componentes do “metabolismo secundário” (Whittaker & Feeny,1971). Observações sugerem que tais produtos podem servir como substâncias dedefesa contra herbívoros (Fraenkel, 1959; Ehrlich & Raven, 1964), entre outrasfunções, como a proteção contra radiação UV (Stapleton & Walbot, 1994 sobreflavonóides e ceras), interferência em comportamento, crescimento e sobrevivên-cia de outras espécies (aleloquímicos sensu Whittaker, 1975), armazenamento denutrientes tais como nitrogênio e fósforo, regulação do crescimento de algumasplantas (flavonóides) e ciclagem de nutrientes (ácidos fenólicos e taninos).

Existe uma grande diversidade de substâncias nessa categoria. Gullan &Cranston (1994) mencionam a classificação dos metabólitos secundários em quali-tativos ou tóxicos e quantitativos. Compostos qualitativos seriam toxinas que in-terferem no metabolismo do herbívoro, enquanto compostos quantitativos seriamos chamados redutores de digestibilidade.

Bernays & Chapman (1994) dividiram os metabólitos secundários em cincogrupos distintos: 1) os compostos nitrogenados (aminoácidos não-protéicos,aminoácidos e alcalóides, glicosídeos cianogênicos e betacianinas); 2) os compos-tos fenólicos, envolvendo ácidos fenólicos, fenilpropanóides, flavonóides,quinonas e taninos; 3) os terpenóides; 4) os ácidos orgânicos, lipídeos e acetilenos;e 5) os compostos sulfurosos. A maioria dos produtos do metabolismo secundáriopresentes nas plantas são tóxicos, não apenas para os herbívoros em potencial,mas para as próprias plantas. Por isso, eles geralmente são compartimentalizados eseparados do citoplasma, ou são armazenados em uma forma inativa. Alguns exem-plos de metabólitos secundários envolvidos com a defesa das plantas são:

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• Alcalóides, como a nicotina, presentes em plantas do gênero Nicotiana L.(Solanaceae), e alcalóides pirrolizidínicos em Senecio jacobea L. (Asteraceae), quesão tóxicos ao metabolismo celular, podendo afetar o funcionamento do sistemanervoso (ex. nicotina, morfina, alcalóides tropânicos) ou produzir lesões (ex. cirrosepor alcalóides pirrolizidínicos; Hartmann, 1999).

• Fenóis e taninos (compostos fenólicos), encontrados em diversos gruposde plantas. O acúmulo de compostos fenólicos é visto como uma resposta primáriade defesa e cicatrização de muitas plantas, que leva à necrose do tecido que estáexposto ao ambiente (ex. após perfuração) ou em contato com um corpo estranho(ex. um galhador), protegendo o restante da planta de possíveis oportunistas.Algumas vezes, o “suicídio” dessas células também é suficiente para intoxicar ematar o fitófago (ex. Abrahamson et al., 1991).

• Taninos também são repelentes, inibidores de crescimento e tóxicos. Estu-dos pioneiros sobre a função deles como compostos secundários e a variação desuas concentrações nas plantas foram publicados por Feeny (1970) e corrobora-dos em diversas situações, como no caso da inibição da infestação de sorgo porContarinia sorghicola (Coquillet, 1899) (Diptera, Cecidomyiidae).

• Lignina, outro composto fenólico encontrado em tecidos rígidos de diver-sos grupos de plantas, acumulando-se na parede celular, é vista como redutor dedigestibilidade.

• Furanocumarinas, compostos fenólicos presentes em Apiaceae e Rutaceae(ex. glândulas de óleo de Citrus), que, se expostas à luz, interagem com compostoscelulares produzindo lesões (Kuster & Rocha, 2001); também inibem algumas enzimasintestinais.

• Terpenóides, presentes em gêneros como Pinus L. (Pinaceae), interferem emdiversos processos do metabolismo, incluindo a respiração, sistema nervoso ehormonal (Langenheim, 1994).

Como seria esperado, existem custos metabólicos relacionados aos produtosdo metabolismo secundário, como, por exemplo, para síntese, transporte, construçãode canais para a circulação, a renovação de estoques ou reciclagem (Gershenzon,1994). O custo da defesa para o fitness resulta da diversidade de recursos (comoenergia e elementos químicos, sobretudo carbono e nitrogênio) alocados para outrasnecessidades. Dessa forma, na ausência de inimigos naturais, indivíduos com meno-res investimentos em defesa são favorecidos em relação aos indivíduos melhor de-fendidos, pelo fato de esses últimos terem investido seus recursos em defesas (Stamp,2003). Isso significa que, em ambientes tomados por plantas invasoras, é provávelencontrar espécimes com menores concentrações de compostos de defesa.

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Defesas fenológicas

Além dos aspectos morfológicos e nutricionais ligados à defesa das plantascontra herbívoros, pode-se considerar o tempo como um fator envolvido nas estra-tégias de defesa. As defesas fenológicas (ou “cronológicas”, a grosso modo) com-preendem características de velocidade de desenvolvimento da planta que influen-ciam na sua suscetibilidade ao ataque de herbívoros.

Fenologia foliar. Algumas plantas evitam a herbivoria, particularmente sobrefolhas jovens, pela produção de tecidos em períodos menos favoráveis aos inimi-gos naturais (Aide, 1988; Lieberman & Lieberman, 1984). De acordo com Aide(1993), existem dois caminhos básicos: a) produção de folhas em um momento demenor incidência de herbivoria; ou b) produção simultânea de folhas. A produçãode folhas em período menos favorável aos herbívoros é observada principalmenteem locais com climas que possuem estações secas definidas (ex. Murali & Sukumar,1993; Aide, 1992). Nesses estudos foi constatado escape sazonal de indivíduosque emitiram brotações na estação seca, em comparação com os indivíduos queemitiram brotações no período mais úmido. Coley & Barone (1996) reforçam a idéiade que as plantas obrigadas a produzir novas folhas na estação úmida são forçadasa suportar significativamente mais herbivoria, embora Wolda (1988) afirme que nãoestá claro se a mudança na sazonalidade da produção foliar para evitar a herbivoriaé uma estratégia viável para plantas em florestas com estiagens curtas, uma vez quea abundância de herbívoros pode não declinar dramaticamente nessas condições.A sincronicidade da brotação, ou seja, brotações produzidas de maneira simultâ-nea pela planta, ocorre de forma que algumas escapem da herbivoria (ex. Lieberman& Lieberman, 1984). Segundo Coley & Aide (1991), esse fenômeno ocorre pelomenos em algumas espécies de florestas tropicais. Assim, se a maior parte dosdanos é causada por herbívoros generalistas, a pressão favorecerá a sincronizaçãoentre espécies de plantas; por extensão, se a maior parte do dano for ocasionadapor herbívoros especializados, a pressão selecionará indivíduos que foramsincrônicos dentro da espécie, mas estes não terão nenhuma vantagem em relaçãoà brotação simultânea. Moles & Westoby (2000) discutiram a velocidade de forma-ção das folhas em relação à herbivoria.

Rápida expansão foliar/tempo/delayed greening. McKey (1979) consideraque a herbivoria sobre folhas jovens compreende a maior parte dos danos sobreesses órgãos em espécies tropicais, de maneira que a redução no período de expan-são foliar pode ser uma alternativa para redução de danos. O mesmo autor afirmaque a velocidade de expansão foliar também possui relação com o teor de defesas

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encontradas nas folhas. Rhoades & Cates (1976) consideraram que o investimentoem metabolismo secundário pode ser menor em plantas com expansão foliar rápida;Orians & Janzen (1974) e Rehr et al. (1973) mencionam que ramos que crescem maislentamente possuem maiores quantidades de defesas químicas.

O adiamento do estabelecimento de clorofilas pode também ser considerado umcaso particular da alteração de períodos de desenvolvimento. Isso ocorre até o momen-to em que as plantas tenham completado a sua expansão foliar (Baker & Hardwick,1973; Baker et al., 1975), ou seja, o desenvolvimento dos cloroplastos é postergado atéo momento em que as folhas completam o seu desenvolvimento em tamanho e enrijecem,estando melhor protegidas dos herbívoros (Kursar & Coley, 1992). Segundo essesautores, essa estratégia é viável principalmente em sub-bosques de áreas tropicais, ouseja, restringe-se a plantas tolerantes à sombra, sendo mais comum nas espécies comrápida expansão e com baixos investimentos metabólicos em defesas. Coley & Kursar(1996) mencionam que em uma relação de 250 espécies tropicais, pertencentes a 44famílias, 33% das espécies e 61% das famílias apresentam esse mecanismo.

Defesa ecológica/atração de inimigos naturais

Os inimigos naturais dos organismos herbívoros desempenham um papel im-portante na dimensão da própria herbivoria, através da eventual redução da popu-lação desses organismos. Price et al. (1980) ressaltam a importância do chamadoterceiro nível trófico, relacionando predadores, parasitóides e patógenos, e suainfluência nas interações entre as plantas e os herbívoros que as consomem.

As plantas atraem os inimigos naturais dos herbívoros liberando substânciasquímicas que funcionam como sinalizadores ao serem atacadas, ou formando estru-turas que favorecem determinados organismos, como nectários extraflorais e domácias.Essas respostas são consideradas formas de defesas ativas da planta (ex. Paré &Tumlinson, 1999; Dicke & Van Loon, 2000). Sabe-se também que o substrato do qualum herbívoro se alimenta pode torná-lo quimicamente mais fácil de ser detectado porseus inimigos naturais (Morgan & Hare, 1998; Hare & Morgan, 2000).

A interação entre acácias e formigas é considerada um exemplo clássico decoevolução (Janzen, 1966) e é uma boa ilustração da manutenção de inimigos natu-rais como forma de defesa, tal como exemplificado por Young et al. (1997) em estudossobre a composição da fauna de formigas e o nível de herbivoria que a planta sofre.O caráter de “defesa induzida” dessas estruturas, além dos compostos voláteis emi-tidos pelas plantas, foram relacionados por Agrawal & Rutter (1998) nesses sistemasplanta-formiga, bem como a eficiência dessas reações para “atrair” as formigas(Agrawal, 1998). Esse fenômeno também foi observado em orquídeas (Almeida &Figueiredo, 2003). Já em relação a domácias, Walter (1996) demonstrou que essasestruturas estimulam os ácaros mutualistas a permanecerem sobre folhas de plantas.

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Características Ofensivas dos Herbívoros

Na relação entre plantas e herbívoros, também é possível considerar as estraté-gias pelas quais os organismos fitófagos reconhecem e conseguem explorar suasplantas hospedeiras, ou seja, as chamadas “características ofensivas dos herbívo-ros” (Karban & Agrawal, 2002).

Para fins didáticos, é comum a classificação dos seres que se alimentam deplantas de acordo com o órgão que consomem e o tipo de dano que produzem, ouseja, aproximadamente em guildas ecológicas. A terminologia agrícola, de maneirageral, distingue mastigadores (incluindo desfolhadores), sugadores, minadores,broqueadores e galhadores (figura 8.1). O termo pastador, em sua definição mais

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Figura 8.1. Exemplos de formas de ataque de herbívoros a plantas. A, desfolhador; B, minador; C, broqueador;D, galha induzida por microorganismos; E, galha induzida por inseto; F, sugador; G, patógeno. Ilustrações:Luana F. Rodrigues.

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abrangente, aplica-se a “consumidores móveis de presas sésseis”. Assim, apesar deo termo ser aplicado com maior freqüência a animais, como os mamíferos ruminantesque arrancam partes inteiras de plantas, praticamente todos os exemplos listadosaqui poderiam, em algum momento, ser chamados de situações de “pastoreio”.

Os microorganismos parasitas que provocam algum tipo de dano são generi-camente chamados patógenos. Esses danos podem ser produzidos pelo consumoda matéria vegetal ou dos nutrientes essenciais à planta pelas colônias de organis-mos, mas normalmente estão ligados à produção de toxinas que possuem impactosobre a planta.

Note-se que não é possível traçar uma linha bem definida entre quais estraté-gias estão presentes nos chamados herbívoros “generalistas” e nos “especialis-tas”. A tabela 8.1 resume alguns tipos de hábitos alimentares de herbívoros e seusefeitos sobre as plantas.

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Tabela 8.1. Hábitos de vida de herbívoros e exemplos de casos em que espécies com esses hábitos foramutilizadas em controle biológico. Compilado pelos autores.

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Karban & Agrawal (2002) consideraram três diferentes estratégias usadaspelos herbívoros para sobrepujarem as defesas das plantas: a seleção ou escolha,a alteração da morfologia e/ou fisiologia da planta e a “manipulação do hospedei-ro”. Nesse ponto de vista, é possível agrupar essas estratégias como adaptaçõescomportamentais, morfofisiológicas e ecológicas:

• O processo de seleção da planta pode ser considerado uma adaptaçãocomportamental, ocorrendo em resposta à limitação de nutrientes fornecidos pelasplantas e as substâncias que atuam como redutores de digestibilidade. Algumasrespostas discutidas por Karban & Agrawal (2002) são a escolha de múltiplasfontes de alimento (hábito generalista), a identificação inata e o aprendizado, àsquais pode-se acrescentar o aumento de ingestão de alimento (Young Owl & Batzli,1998) e mesmo o armazenamento de alimentos, para consumi-los em época queapresentem melhor palatabilidade (Muller-Schwarze et al., 2001, Dearing, 1997a,b).

• Entre as adaptações morfofisológicas, pode-se citar a produção de enzimasque atuam sobre as substâncias de defesa das plantas (Brattsten, 1988), permitindoaos insetos se alimentarem de tecidos tóxicos, como Helicoverpa zea sobre Nicotianatabacum (Eichenseer et al., 1999; Peiffer & Felton, 2005), processo também chamadode biotransformação (Dearing et al., 2005). Os produtos do metabolismo secundáriodas plantas também podem ser seqüestrados e utilizados pelos herbívoros em suaprópria defesa contra seus predadores e parasitóides, como no caso descrito porHuheey (1984), em que a borboleta-monarca (Danaus plexippus L.) armazena osglicosídeos de Asclepias spp.

• Outra adaptação fisiológica e ecológica é a alteração da sazonalidade daalimentação. Feeny (1970) descreveu essas alterações no hábito de lagartas deOperophtera brumata L. e outras espécies de Lepidoptera sobre carvalhos noReino Unido, que iniciam sua alimentação na primavera. Foi observado que o con-teúdo de taninos nas folhas, que inibe o crescimento das lagartas, aumenta duranteo verão e proporciona folhas menos favoráveis ao crescimento dos insetos porreduzir a disponibilidade de nitrogênio e talvez por influenciar a palatabilidade.

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• Entre as principais adaptações ecológicas estão as associações commicroorganismos. Estes podem ser capazes de facilitar a digestão de compostosvegetais, aumentando a disponibilidade de nutrientes, como no caso de mamíferosruminantes para degradação de celulose, dos besouros de casca para digestão dalignina (Paine et al., 1997) ou mesmo de metabolizar compostos secundários, pro-movendo a desintoxicação (Dowd, 1989; Shen & Dowd, 1991).

A manipulação da planta-hospedeira é um conjunto complexo de adaptações,sendo considerada a estratégia de maior impacto sobre ela. O exemplo típico demanipulação do hospedeiro é a indução de galhas. O conceito mais simples de“galha” ou cecídia diz que elas são tumores induzidos pela presença de um orga-nismo no interior dos tecidos vegetais (Mani, 1964). Galhas são tumores porqueresultam da proliferação e diferenciação de células ao redor do indutor. Essa proli-feração é vista primariamente como uma defesa da planta (uma tentativa deencapsular do indutor), mas o galhador sobrevive e passa a aproveitar essas célu-las como abrigo e alimento, caracterizando uma interação de parasitismo típica(Price et al., 1987). No entanto, a estrutura da galha é tida como resultante dainteração (Weis et al., 1998) ou ainda como extensão do fenótipo (Dawkins, 1982)do indutor (Stone & Shönrogge, 2003). O parasitismo é caracterizado porque osrecursos que a planta normalmente estaria alocando para outros órgãos acabamsendo aproveitados pelo galhador. Tendo em vista que esse parasitismo dependeda integração de ciclos e de adaptações fisiológicas que permitam a indução dagalha, a interação galhador-planta é de alta especificidade, e pode chegar a umponto em que é difícil quantificar o impacto sobre a planta, razão pela qual, naprimeira tentativa de sistematização da avaliação de agentes (Harris, 1973), osgalhadores foram colocados como tendo impacto nulo. No entanto, após estudosmais detalhados sobre a indução dessas estruturas, de anatomia e de impacto,tornou-se claro que galhas causam um impacto significativo como drenos de nutri-entes, além do impacto variável que depende da função do órgão no qual se for-mam (Goeden, 1983; Harris & Shorthouse, 1996).

Outra forma de manipulação é aquela ocasionada por alguns enroladores defolhas, uma vez que a redução na superfície foliar associa-se muitas vezes à redu-ção em teores de determinados compostos de defesa das plantas. Esse é o caso dePyralidae e Ctenuchidae estudados por Sagers (1992). Essas lagartas enrolam fo-lhas de Psychotria horizontalis Sw. (Rubiaceae), promovendo uma redução nacaptação de luminosidade (95%), que, por sua vez, está associada ao decréscimode teores de tanino e ao aumento do nível de nitrogênio. Essas mudanças facilitama atividade do herbívoro, já que foram mantidas condições favoráveis, como aqualidade nutricional, a concentração de nitrogênio e a quantidade de água nostecidos (ex. Costa & Varanda, 2002).

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Hipóteses sobre as Defesas das Plantas contra Herbívoros

Está bem estabelecido atualmente que, assim como nem todas as plantasservem de alimento para todos os herbívoros, normalmente os herbívoros queconseguem se alimentar de determinada espécie de planta não proliferam excessi-vamente. Modelos para as razões desse fenômeno começaram a partir da coloca-ção da pergunta de Hairston et al. (1960): “por que o mundo é verde e tende apermanecer assim?”.

Existem duas linhas principais de explicação para esse fenômeno: a de queessas populações são mantidas sob pressão de parasitas e predadores (idéia origi-nal de Hairston et al., 1960) e a de que as populações de herbívoros não “explo-dem” porque as plantas são alimentos nutricionalmente pobres, combinados atoxinas e redutores de digestibilidade (McNeill & Southwood, 1978; White, 1993;Crawley, 1997). Atualmente, é mais forte a linha de Lawton & McNeill (1979), segun-do a qual esses dois componentes são importantes.

As hipóteses propostas buscando elucidar padrões gerais, como o que determi-na o número e a quantidade de metabólitos secundários numa planta, e por quediferentes plantas possuem diferentes substâncias de defesa, têm sido empregadaspara tentar explicar a variação geográfica, genética e fenotípica encontrada nas defe-sas das plantas (Stamp, 2003). Essas colocações são importantes para a adequaçãode programas de controle biológico de plantas, pois permitem estimar que tipo deherbívoros ofereceriam maior impacto e quais as condições em que as plantas-alvoestariam mais vulneráveis aos agentes de controle, entre outras variáveis.

Price (1997) e Hartley & Jones (1997) revisaram essas hipóteses, indicandoque elas envolvem diferentes escalas, incluindo desde a variação dentro das plan-tas até as diferenças entre ambientes, de efeitos climáticos por vários anos atémudanças momentâneas na qualidade do alimento, de mecanismos próximos fisica-mente a relações coevolutivas, com focos ecológicos ou evolutivos. Price (1997)ressaltou que, durante muitos anos, a variação na qualidade da planta foi ignorada,com ênfase sendo dada ao papel dos inimigos naturais na mortalidade dos herbívo-ros. Mais recentemente, a área das interações herbívoro-planta tem se tornado umaciência com perspectiva de integração, tal como entre fitoquímica e fisiologia, dinâ-mica populacional, papel de inimigos naturais, interações entre níveis tróficos,além de forças abióticas, como clima e qualidade do solo, o que pode trazer grandesmudanças no futuro. Esse aumento na abrangência pode ser observado na crono-logia resumida de algumas dessas hipóteses (tabela 8.2)

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Tabela 8.2. Resumo das hipóteses sobre defesas das plantas contra herbívoros. Compilada pelosautores.

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A consideração do panorama geral das interações herbívoro-planta pode for-necer possibilidades de inferências sobre como a sua suscetibilidade à herbivoriaé afetada em diferentes tipos de ambiente. Algumas dessas hipóteses são resumi-das em maior detalhe a seguir. É interessante notar uma tendência de que algumasdessas hipóteses sejam fundidas (Stamp, 2003), buscando oferecer cenários maisabrangentes, originando, por exemplo, a “hipótese HT-PD” (Habitat template –plant defense hypothesis) de Coley (1987), que combina a teoria de defesa dasplantas baseada em diferenças interespecíficas na razão de crescimento e nas ca-racterísticas relacionadas à aparência em um modelo único.

Liberação pelo clima (Climatic release hypothesis). Blais (1952 e 1953) eMiller (1957) verificaram que a qualidade da folhagem afeta a fecundidade de fême-as de insetos. Por sua vez, Greenbank (1956) e Stark (1959) estudaram a mudança naqualidade das plantas sob altas temperaturas. Nesses casos, a temperatura foi ofator mais relevante na dinâmica populacional de insetos que atacavam cones depinheiros. Esses autores observaram também que a idade da planta influenciava osefeitos da infestação. Esses trabalhos envolveram os primeiros experimentos sobreo efeito da qualidade de plantas na dinâmica populacional de insetos. Isso foiimportante porque os estudos iniciais apenas observavam o efeito do clima,parasitóides e predadores na dinâmica populacional dos insetos. Posteriormente,Mattson & Haack (1987) citaram 20 exemplos de explosões populacionais queocorreram depois de períodos de secas, metade deles envolvendo besouros decasca de coníferas da família Scolytidae.

Recuperação dos Nutrientes (Nutrient recovery hypothesis). A nutrient recoveryhypothesis foi desenvolvida por Pitelka (1964) e Schultz (1964). Esses autores obser-varam que com uma baixa densidade de lemingues (Rodentia, Cricetidae) ocorria umaumento na densidade da vegetação. Isso diminuía a incidência de raios solares nosolo, provocando seu congelamento permanente. Em função disso, ocorreu um au-mento de concentração de nutrientes no solo e nas plantas, fazendo com que asplantas se tornassem recursos de melhor qualidade para os lemingues, propiciandoseu aumento populacional. Esse aumento populacional reduz a quantidade de vege-tação e, com isso, a densidade de lemingues também é reduzida. Dessa forma, tinhainício, ou melhor, reinício, o ciclo. Posteriormente, Laine & Henttonen (1983) verifica-ram que os ciclos das plantas são independentes dos ciclos dos roedores; entretan-to, os ciclos dos roedores oscilam de acordo com o das plantas. Em latitudes maisaltas, o ciclo é maior devido à menor produtividade e período mais curto para alimen-tação. O comprimento do ciclo vai de 3 anos na região central e sul da Finlândia atéquatro a cinco anos na região norte daquele país.

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Nível de Estresse da Planta (Plant stress hypothesis). A opservação de que ainfestação de diversos organismos era favorecida em hospedeiros estressadosoriginou a plant stress hypothesis. A fundamentação dessa idéia pode ser verificadaem Mattson & Haack (1987a, b). Segundo esses autores, o estresse hídrico é o fatormais importante na explosão populacional de insetos, sendo que os aumentospopulacionais de diversas espécies de insetos ocorriam após períodos de estia-gem. Um dos trabalhos precursores que desencadeou essa hipótese foi produzidopor White (1970), envolvendo Cardiaspina densitexta Taylor, 1962 (Hemiptera:Psyllidae) sobre Eucalyptus fasciculosa F. Muell. (Myrtaceae) na Austrália. A hi-pótese de estresse foi expandida por Rhoades (1979), com a afirmação de queplantas produzem toxinas sob estresse, reduzindo a produção de aleloquímicos dealto custo metabólico e direcionando recursos para a produção de aleloquímicosbaratos. Assim, aumenta a produção de toxinas e é reduzida a produção de com-postos que reduzem a digestibilidade. A literatura apresenta um grande número decitações envolvendo a hipótese do estresse sobre plantas e sua relação com herbí-voros. Exemplos podem ser encontrados em Austarå & Midtgaard (1987), comNeodiprion sertifer (Geoffrey) (Hymenoptera: Diprionidae) sobre Pinus sylvestrisL. (Pinaceae) após chuva ácida; Cates et al. (1983), com Choristoneura occidentalis(Freeman) (Lepidoptera: Tortricidae) sobre Pseudotsuga menziesii (Mirbel) Franco(Pinaceae) após exposição à estiagem; Coleman & Jones (1988), com Plagioderaversicolora (Laicharting, 1781) (Coleoptera: Chrysomelidae) sobre Populusdeltoides Bartr. ex Marsh (Salicaceae) após exposição a ozônio, entre outros.

Evidência da planta hospedeira (Plant apparency hypothesis). De acordo comFeeny (1976), as plantas seriam divididas em dois grupos, o das plantas “aparen-tes” (evidentes) e o das plantas “não-aparentes” (não-evidentes). As plantas “apa-rentes” são de grande porte, surgem tarde na sucessão, possuem vida longa e, emfunção dessas características, precisam investir muito metabolicamente em defe-sas, que, no caso, são defesas quantitativas (metabolicamente “caras”, como redu-tores de digestibilidade, mas eficientes para qualquer tipo de herbívoro em geral).Por sua vez, as plantas “não-aparentes” são de pequeno porte, aparecem cedo nasucessão, apresentam vida curta e, uma vez que “escapam” dos herbívoros notempo e espaço, precisam de defesas químicas menos sofisticadas, ou seja, asdefesas qualitativas, que são metabolicamente mais “baratas” (como toxinas), sãomais facilmente superadas por herbívoros especialistas (por exemplo, por via dedesintoxicação). Rhoades & Cates (1976) expandiram a idéia de Feeny (1976), defi-nindo as defesas quantitativas como redutores generalizados de digestibilidade,enquanto as defesas qualitativas são toxinas que entram nas paredes do intestinoe interferem com o processo de absorção. Essas toxinas são muito diversas emetabolicamente “baratas”, sendo efetivas contra herbívoros generalistas, comoos glucosinolatos, os alcalóides e os cardenolídeos. As toxinas não são efetivascontra herbívoros especializados, de maneira que pode ocorrer um aumento de

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insetos em resposta à melhoria no estado nutricional das plantas e diminuição nosníveis de redutores de digestibilidade. Outro aspecto a ser ressaltado é que asplantas aparentes podem apresentar as duas formas de defesa, dependendo damaturidade da folha. As toxinas estão geralmente em folhas jovens, enquanto osredutores de digestibilidade estão presentes em folhas maduras.

Equilíbrio Carbono x Nutriente (Carbon/Nutrient balance hypothesis). A hi-pótese do equilíbrio carbono versus nutrientes foi fundamentada nos artigos deBryant et al. (1983), Bryant (1987) e Larsson et al. (1986). Segundo essa idéia, apobreza em nutrientes, principalmente nitrogênio, faz com que haja baixa concentra-ção desses elementos. Sob essa condição, ocorre diminuição das defesas baseadasem nutrientes (alcalóides e outros compostos), enquanto as defesas baseadas emcarbono (os chamados redutores de digestibilidade) são favorecidas, sob condiçõesnormais de luz e disponibilidade de gás carbônico para ser fixado nesses compostos.Por outro lado, se ocorre pobreza em carbono, como em ambientes de sombra, porredução na taxa de fotossíntese, o carbono disponível é reduzido, levando à reduçãonas taxas de crescimento e proporcionalmente uma maior absorção de nutrientes edas defesas baseadas neles. Dessa maneira, conforme o ambiente em que está cres-cendo, uma planta pode apresentar níveis diferentes de defesas, conforme o que ocomposto é capaz de sintetizar. Bryant (1987) realizou experimentos de herbivoria decoelhos sobre Betula papyrifera humilis (Regel) Fernauld & Raup (Betulaceae) noAlasca, aplicando fertilizantes sobre as plantas, e verificou efeitos diferentes sobreos herbívoros conforme as estratégias de defesa (“C” ou “N”) das plantas.

Hipótese da disponibilidade de recursos (Resource availability hypothesis).Os trabalhos de Coley (1983) e Coley et al. (1985) forneceram o embasamento paraoutra hipótese, a chamada resource availability hypothesis. De acordo com osautores, os níveis de herbivoria em folhas jovens não diferem entre as plantaschamadas pioneiras (que ocorrem em áreas degradadas, como clareiras, com cres-cimento rápido e com reposição rápida de danos) e as persistentes (que sobrevi-vem na sombra, possuem vida longa, com crescimento lento, investimentos maio-res em defesas e menor capacidade de compensação de danos) (Kursar & Coley,2003), mas essa diferença existe em folhas maduras. A hipótese prevê que defesas“móveis” (substâncias que podem ser reabsorvidas pelas plantas) se acumulam emfolhas de vida curta, e defesas “imóveis” (substâncias mais complexas, e portantonão-reabsorvíveis) em folhas mais permanentes. Em folhas de árvores persisten-tes, os compostos fenólicos existem em maiores quantidades, bem como os con-teúdos de celulose, taninos e fibras, enquanto o conteúdo de água decresce. Aexplicação fornecida é que em clareiras existe mais luz, nutrientes e carbono, quesão consideradas como condições propícias para o crescimento. Assim, as plantas

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persistentes podem apenas crescer vagarosamente devido à competição no dossel,e portanto devem ser mais fortemente defendidas. O menor valor de herbivoriasobre plantas persistentes correlaciona-se com o conteúdo de fenóis, taninos,fibras, celulose e baixo conteúdo de água. Os autores chegaram então à conclusãode que isso não é devido à aparência, mas sim à disponibilidade de recursos. Maistarde, a classificação de estratégias de defesas de plantas de Grime (1977) serviu debase para que Coley (1987) combinasse a hipótese da disponibilidade de recursosà da aparência das plantas num único modelo.

Vigor da Planta (Plant vigor hypothesis). A observação de que árvores jo-vens e vigorosas são mais suscetíveis aos herbívoros deu origem à chamada plantvigor hypothesis (Price et al., 1987a, b; Price, 1991). De acordo com essa hipótese,as plantas ou os módulos de plantas maiores ou mais vigorosos possuem caracte-rísticas que são adequadas para um grande número de herbívoros. Segundo Price(1997), a hipótese do vigor é uma variação da hipótese da disponibilidade dosrecursos que enfatiza a variação dentro das espécies e indivíduos, ao invés deenvolver diferenças entre espécies. Baker (1972) cita diversos exemplos de insetosassociados a culturas florestais que demonstram preferência por indivíduos jo-vens e vigorosos. Na sua lista pode-se encontrar Eucosma gloriola Heinrich, E.sonomana Kearfott e Petrova albicapitana (Busck) (Lepidoptera: Tortricidae) so-bre Pinus banksiana Lamb. (Pinaceae), Gypsonoma haimbachiana (Kearfott)(Lepidoptera: Tortricidae) sobre Populus deltoides. Existem diversos exemplos quesustentam a hipótese do vigor com organismos galhadores; por exemplo, pode-secitar Whitham (1978) a respeito de Pemphigus betae Doane (Hemiptera: Aphidiidae)sobre Populus angustifolia James (Salicaceae).

Equilíbrio Crescimento/Diferenciação (GDB – growth/differenciation ba-lance). A hipótese GDB refere-se ao equilíbrio da alocação de recursos que ocorreentre os processos relacionados ao crescimento e à diferenciação sob determina-das condições ambientais. O crescimento refere-se à produção de raízes, ramos efolhas, ou qualquer processo que requeira divisão e alongamento celular. A dife-renciação refere-se ao amadurecimento e à especialização de tecidos existentes. Ahipótese originalmente delineada por Loomis (1932) afirma que a alocação de car-bono para essas diferentes funções não pode ocorrer simultaneamente. Quemenfatizou a interpretação para as plantas foram Herms & Mattson (1992), segundoos quais o equilíbrio entre os processos de crescimento e diferenciação interagecom forças seletivas de competição e herbivoria que definem as estratégias dasplantas. Para Stamp (2003), a competição em ambientes ricos em recursos conduz aestratégias voltadas para o crescimento, enquanto que o estresse de ambientesmais pobres leva a estratégias de diferenciação. Herms & Mattson (1992)

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exemplificaram como produtos relacionados à diferenciação aqueles obtidos dometabolismo secundário, assim como a produção de tricomas e o enrijecimento decutículas foliares. A alocação e a diferenciação incluem processos e produtos en-volvendo, por exemplo, o custo de enzimas, o transporte e as estruturas dearmazenamento envolvidas na defesa. Lorio (1986) investigou Dendroctonusfrontalis Zimm. (Coleoptera: Scolytidae) sobre Pinus taeda L. (Pinaceae). Nessaplanta, ocorre uma disputa de recursos envolvendo o crescimento radial de ramosversus síntese de óleo-resinas que são usadas na defesa. Durante a primavera, aplanta direciona recursos para o seu crescimento, tornando-a mais suscetível aoataque dos herbívoros. Quando chega o verão, ocorre incremento na produção deóleo-resinas, reduzindo a vulnerabilidade contra os insetos.

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DEFESA E INIMIGOS NATURAIS DE Psidium cattleianum

Psidium cattleianum normalmente é apontada como uma planta origináriada floresta baixa de restinga. Esse tipo de vegetação desenvolve-se nas proximi-dades do litoral e, portanto, é comum a adaptação das plantas a condições de secafisiológica, dada a natureza do solo (predominantemente arenoso), a salinidade eas altas temperaturas. O araçazeiro reflete esse conjunto de adaptações, como oacúmulo de lipídios. Isso é observado claramente na grande espessura da cutículade suas folhas. A presença de glândulas de óleo foi observada inclusive nosbotões florais.

Outra característica evidente é a grande quantidade de compostos fenólicos,inclusive nos órgãos em que foram observadas as galhas. Devido a essas subs-tâncias, a velocidade de oxidação dos órgãos que sofrem injúria é muito acentu-ada e não é raro o seu aborto após a oxidação. Macroscopicamente, isso podeser observado quando ocorre o escurecimento acelerado dos órgãos danifica-dos ou removidos da planta. Compostos fenólicos são considerados “defesasimóveis”, ou seja, possuem um alto custo energético para sua formação, mas,uma vez formados, são metabolicamente inertes. Isso era esperado em P.cattleianum, pois a planta possui folhas perenes, o que significa que essescompostos são mantidos por um período relativamente longo de tempo, haven-do pouco desperdício de energia nesse sentido. No entanto, vale lembrar quede acordo com as projeções de Coley (1983), essas características não seriamnormalmente esperadas numa planta pioneira.

As defesas do araçazeiro são consideradas generalistas (sensu Rhoades &Cates, 1976): esclerofilia (Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume), cristais,cutícula espessa, ceras superficiais abundantes e glândulas de óleo, perceptíveistanto nas folhas (Arruda & Fontenelle, 1994) quanto nos botões foliares e florais.

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Ocorrem também grandes quantidades de taninos e triterpenóides (Butignol& Pedrosa-Macedo, neste volume; Varella et al., neste volume). Esse espectrode defesas pode justificar em parte a velocidade com que a planta colonizanovas áreas sem estar sujeita a ataques imediatos de fitófagos (Butignol &Pedrosa-Macedo, neste volume). A hipótese do escape dos inimigos naturais(enemy release hypothesis) sobre invasões biológicas (Keane & Crawley,2002; Joshi & Vrieling, 2005), segundo a qual a ausência de inimigos aptos asobrepor as defesas dessa planta seriam um facilitador de sua capacidadeinvasora, seria uma extensão desse raciocínio.

Por outro lado, o conjunto de defesas identificadas também dá indíciosde que a maioria dos inimigos naturais deve ter longa história evolutiva deadaptação. O fato de que, apesar de ser ecologicamente pioneira, P.cattleianum é uma planta de comportamento perene (crescimento lento ealto investimento em defesas), significa que apresenta ciclos mais previsí-veis, facilitando a especialização de seus inimigos naturais. Isso foi compro-vado durante o levantamento de fauna em seu ambiente nativo, que revelouque uma parte significativa das espécies associadas com impacto sobre aplanta são galhadoras (Tectococcus, Dasineura, Neotrioza, Prodecatoma,Eurytoma; seção IV deste volume).

É interessante notar também que aspectos característicos das defesas daplanta, como a ocorrência de diversos compostos fenólicos, culminando emlignificação, também foram observados em estudos anatômicos das galhas deDasineura, Neotrioza e de Prodecatoma (Angelo, neste volume; Butignol &Pedrosa-Macedo, neste volume; DalMolin & Melo, neste volume). Além disso,considerando o hábito de crescimento lento, era esperado que fossemencontrados mecanismos de defesa já nas fases iniciais de desenvolvimento, oque não impede que os ataques de alguns inimigos naturais ocorrampreferencialmente em folhas jovens, como no caso de Tectococcus (Vitorino etal., neste volume) e de Neotrioza (Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume).

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Conclusão

O protocolo de seleção de agentes de controle biológico dá clara preferênciaaos inimigos naturais específicos, ou seja, agentes monófagos ou no máximooligófagos (Harris, 1973; Goeden, 1983). Apesar disso, a análise das interaçõesentre os agentes e a planta hospedeira é essencial para que seja determinada aadequação de determinado grupo de agentes em relação às formas de defesa daplanta-alvo, uma vez que algumas delas são alvos preferenciais de espéciesgeneralistas, e não de especialistas.

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De maneira geral, o estudo dessas interações permite identificar três questõesessenciais para o sucesso de um programa de controle biológico:

- Que tipo de agente (ou seja, qual hábito) realmente produz impactosobre a capacidade de colonização da planta?

- Em que fases de desenvolvimento a planta está mais suscetível ao ataquepor herbívoros?

- Em que época os agentes devem ser liberados para maximização do im-pacto, de acordo com o previsto pelas defesas fenológicas e químicas?

Com relação aos hábitos, muitas vezes há a necessidade de combinar agentesque afetem tanto a capacidade vegetativa (como desfolhadores) quanto reprodutivada planta (como parasitas de sementes). Já em relação aos outros dois itens – a faltade sincronia entre a liberação dos agentes e os períodos suscetíveis – provavel-mente são a causa da falha de vários programas de controle biológico. A atuaçãodo agente também precisa ser levada em consideração em relação ao clima da área-alvo e sua capacidade de sincronizar o ciclo com a planta-alvo.