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 ECONOMIA DA FELICIDADE: Implicações para Políticas Públicas Pedro Fernando Nery Textos para Discussão 156 Outubro/2014

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  • ECONOMIA DA FELICIDADE: Implicaes para Polticas Pblicas

    Pedro Fernando Nery

    Textos para Discusso 156Outubro/2014

  • SENADO FEDERAL

    DIRETORIA GERAL

    Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho Diretor-Geral

    SECRETARIA GERAL DA MESA

    Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho Secretrio Geral

    CONSULTORIA LEGISLATIVA

    Paulo Fernando Mohn e Souza Consultor-Geral

    NCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS

    Fernando B. Meneguin Consultor-Geral Adjunto

    Ncleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa

    Conforme o Ato da Comisso Diretora n 14, de 2013, compete ao Ncleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa elaborar anlises e estudos tcnicos, promover a publicao de textos para discusso contendo o resultado dos trabalhos, sem prejuzo de outras formas de divulgao, bem como executar e coordenar debates, seminrios e eventos tcnico-acadmicos, de forma que todas essas competncias, no mbito do assessoramento legislativo, contribuam para a formulao, implementao e avaliao da legislao e das polticas pblicas discutidas no Congresso Nacional.

    Contato: [email protected]

    URL: www.senado.leg.br/estudos

    ISSN 1983-0645

    O contedo deste trabalho de responsabilidade dos autores e no representa posicionamento oficial do Senado Federal.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Como citar este texto:

    NERY, P. F. Economia da Felicidade: Implicaes para Polticas Pblicas. Braslia: Ncleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Outubro/2014 (Texto para Discusso n 156). Disponvel em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 1 Out. 2014.

  • ECONOMIA DA FELICIDADE: Implicaes para Polticas Pblicas

    RESUMO

    O que torna algumas pessoas mais felizes do que outras? Essa uma das perguntas que a Economia da Felicidade, campo emergente e interdisciplinar, busca responder. Este texto uma introduo ao estudo da felicidade, suas principais descobertas e consequncias, e sua aplicao para polticas pblicas no Brasil. Sem impor ao Estado um papel paternalista, a Economia da Felicidade traz muitos insumos para o debate poltico do pas, mesmo em reas que no esto tradicionalmente no domnio da cincia econmica. Alm dos fatores econmicos por trs da satisfao individual, so enfatizadas as descobertas das pesquisas em relao a instituies, mobilidade urbana, desenho urbano, sade, avaliao de polticas pblicas e indicadores de felicidade, entre outros.

    PALAVRAS-CHAVE: Economia da Felicidade, Economia Comportamental, Polticas Pblicas, Economia do Trabalho, Economia do Setor Pblico.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO......................................................................................................................5

    2 COMO SE ESTUDA A FELICIDADE? ......................................................................................6

    3 FATORES ECONMICOS ......................................................................................................9

    3.1 RENDA ................................................................................................................ 10 3.2 OUTROS FATORES ECONMICOS: DESEMPREGO, INFLAO E DESIGUALDADE .......... 13 3.3 CONSUMO ........................................................................................................... 17 3.4 O RESULTADO DAS PESQUISAS E A REALIDADE BRASILEIRA .................................... 18

    4 FATORES NO ECONMICOS ............................................................................................21

    4.1 INSTITUIES ...................................................................................................... 21 4.2 MOBILIDADE URBANA .......................................................................................... 25 4.3 DESENHO URBANO ............................................................................................... 28 4.4 SADE ................................................................................................................ 29 4.5 OUTROS FATORES ................................................................................................ 30

    5 AVALIAO DE POLTICAS PBLICAS ...............................................................................34

    6 INICIATIVAS PELO MUNDO ...............................................................................................35

    7 DEVEMOS BUSCAR MAXIMIZAR UM INDICADOR DE FELICIDADE? ....................................40

    8 CONCLUSO .....................................................................................................................43

    REFERNCIAS .........................................................................................................................44

  • ECONOMIA DA FELICIDADE: Implicaes para Polticas Pblicas

    Pedro Fernando Nery (Senado Federal)1

    1 INTRODUO

    A Economia da Felicidade investiga os fatores por trs da felicidade das pessoas,

    usando no apenas conceitos e ferramentas da economia, mas tambm da sociologia, da

    cincia poltica, e, especialmente, da psicologia. Os estudos em Economia da Felicidade

    so fundamentalmente empricos e baseados em surveys (pesquisas de opinio) sobre o

    nvel de felicidade das pessoas: a relao entre as caractersticas econmicas, sociais e

    demogrficas entre outras e o nvel de felicidade reportado pelos entrevistados

    analisado estatisticamente, para que se compreenda o que torna alguns indivduos mais

    felizes do que outros.

    Apesar de novo, o campo conta com contribuies de acadmicos importantes.

    Vrios estudos em Economia da Felicidade se baseiam em trabalhos de vencedores do

    Prmio Nobel em economia, como Daniel Kahneman, Amartya Sen e Gary Becker2.

    O professor Bruno Frey, um dos principais expoentes da rea, listado entre os

    cinquenta economistas mais influentes do mundo, frente de macroeconomistas

    conhecidos3. Assim, o ramo vem se consolidando como uma rea emergente, cada vez

    mais distante de ser apenas uma mera curiosidade.

    Compreendendo o que torna os cidados mais felizes, uma anlise cuidadosa dos

    resultados das pesquisas em Economia da Felicidade pode prescrever mudanas em

    algumas polticas pblicas, com a cautela de no sugerir uma atuao paternalista por

    parte do Estado. Vrios dos servios que um governo busca prover aos seus cidados,

    principalmente em pases democrticos, j so servios que se relacionam com o nvel

    1 Mestre em Economia pela UnB. Consultor Legislativo do Senado Federal. O autor agradece os comentrios de Benjamin Miranda Tabak e Andr Afonso de Castro.

    2 Agraciados com o Prmio, respectivamente, por integrar insights da psicologia cincia econmica (2002), contribuies economia do bem-estar (1998), e estender o domnio da anlise microeconmica a uma ampla variedade de comportamento humano e interao (1992).

    3 Economist Rankings at IDEAS (RePEc): http://ideas.repec.org/top/top.person.all.html. Acesso em junho de 2014.

  • de felicidade e bem-estar das pessoas, como os servios de sade. Por outro lado, a

    Economia da Felicidade traz insights de reas que esto ligadas felicidade dos

    indivduos e onde ainda h espao para atuao do governo.

    Neste texto, apresenta-se de uma maneira geral e introdutria a metodologia

    usada na Economia da Felicidade e os principais resultados das pesquisas, dividindo os

    fatores econmicos e no econmicos por trs da felicidade. Ainda, discute-se como

    esses resultados se encaixam na realidade brasileira, to diferente da dos pases em que

    muitos dos estudos foram realizados, e como as descobertas se inserem no mbito das

    polticas pblicas. Respeitando o interesse interdisciplinar na questo, a linguagem

    busca ser acessvel, deixando apenas indicaes para referncias mais complexas.

    2 COMO SE ESTUDA A FELICIDADE?

    Para compreender bem os resultados das pesquisas em Economia da Felicidade,

    importante entender a sua metodologia. Apesar de envolver pesquisadores de reas

    diferentes, os trabalhos possuem, em geral, metodologias parecidas. Na maioria desses

    estudos, dados provenientes de surveys amplos e representativos so analisados com

    mtodos estatsticos, de modo a observar a correlao entre os nveis de felicidade e

    fatores (econmicos ou no) da vida dos indivduos.

    Assim, os indivduos so entrevistados e eles prprios reportam o seu nvel de

    felicidade subjetivo, em escalas que variam em cada pesquisa. Alm dessa informao

    sobre a satisfao com a vida, vrias outras informaes so colhidas dos participantes

    (ex: renda, idade), mas no so eles que relacionam essas informaes com o seu nvel

    de felicidade. Dessa forma, se uma pesquisa conclui que dinheiro no traz felicidade,

    isso no ocorre porque os entrevistados afirmaram isso sobre a relao da sua renda com

    a sua felicidade, mas sim porque dados de milhares de indivduos foram analisados e

    essa concluso foi extrada pelos pesquisadores.

    Entre as maiores e mais conhecidos surveys que incluem perguntas sobre

    felicidade e satisfao com a vida esto a Gallup World Poll, com mil entrevistados em

    160 pases, a World Values Survey, que na coleta de 2011/2012 entrevistou mais de 84

    mil pessoas em 56 pases; a americana General Social Survey, com amostra de 55 mil

    indivduos; a Eurobarometer, da Unio Europeia, que entrevista mil cidados de cada

    estado-membro; e a Latinobarmetro, com abrangncia de 18 pases latino americanos

    (alm da Espanha) e 23 mil entrevistados. Apesar de abrangido por pesquisas

    6

  • internacionais, no h no Brasil ainda uma pesquisa nacional contnua e no mesmo

    formato sobre o tema. Entre as iniciativas mais promissoras, est o ndice de Bem-Estar

    Brasil (Well Being Brazil Index), liderado pela Fundao Getlio Vargas e pelo

    Movimento + Feliz, criador da rede social My Fun City, com resultados at agora

    apenas para a cidade de So Paulo.

    Apesar de predominante nos estudos, o uso do nvel de felicidade reportado

    pelos entrevistados em surveys como medida da felicidade desses indivduos no

    consensual. Essa tcnica de mensurao recebe crticas porque a resposta dos

    entrevistados poderia ser influenciada por emoes momentneas, que no se

    enquadram nas concepes de felicidade da psicologia. Essa metodologia tambm

    estaria sujeitas a outros possveis vieses existentes nesse tipo de pesquisa, como o

    causado pela ordem das questes. Na literatura, outras metodologias foram sugeridas,

    inclusive pelo prmio Nobel Daniel Kahneman4. Entretanto, como as desvantagens do

    uso de surveys so consideradas pequenas em relao s suas vantagens, esse tipo de

    tcnica considerada satisfatria e foi validada por estudos especficos5. Frey (2008)

    salienta ainda que uma tradio na teoria econmica confiar no discernimento das

    pessoas, que so considerados os melhores juzes das prprias vidas, sendo natural

    mensurar a felicidade das pessoas simplesmente perguntando a elas sobre seu bem-estar.

    Organismos internacionais tambm tm validado essa metodologia. De acordo

    com o The World Happiness Report 2013 (p. 3), publicado pelo The Earth Institute, da

    Universidade Columbia, e pela Organizao das Naes Unidas (ONU), os

    entrevistados pelas pesquisas claramente reconhecem a diferena entre felicidade como

    uma emoo e felicidade no sentido de satisfao com a vida. A Organizao para a

    Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) foi alm, e publicou, em 2013,

    documento oficial com diretrizes tcnicas orientando os pases em como mensurar o

    bem-estar subjetivo, usando a metodologia6.

    4 Outros mtodos incluem o mtodo de amostragem de experincia (experience sampling method ESM), o mtodo de reconstruo do dia (day reconstruction method DRM), o ndice-U (U-index), e o uso de imagens do crebro.

    5 Entre outros, Fordyce (1988), Headey and Wearing (1991), Sandvik et al (1993), Ehrhardt et al (2000) e Helliwell (2006).

    6 ORGANIZAO PARA A COOPERAO E DESENVOLVIMENTO ECONMICO (2013). Guidelines on measuring subjective well-being. Paris: OCDE. Disponvel em: http://www.oecd.org/statistics/Guidelines on Measuring Subjective Well-being.pdf

    7

  • A medida de felicidade usada nas pesquisas de felicidade dialoga ainda com um

    importante conceito da teoria econmica: o de utilidade. Esse um termo que, na

    economia, tem acepo diferente do seu significado popular. Para os economistas, de

    maneira simplificada, a utilidade o nvel de satisfao de um indivduo, o que ele

    busca maximizar, de maneira que a utilidade est para os indivduos assim como o lucro

    est para as firmas. Quando o conceito surgiu, no se considerava possvel nem

    necessrio medi-lo. Atualmente, conforme apresentado nos pargrafos anteriores,

    existem vrias opes para mensur-lo e as medidas de felicidade da psicologia

    descritas so consideradas uma boa aproximao (proxy) deste conceito da economia.

    Este tipo de abordagem subjetivista marcadamente diferente da abordagem

    tradicional da teoria econmica (objetivista), que considera que a utilidade no pode ser

    observada, apenas inferida pelas preferncias reveladas. Como explica Amartya Sen

    (1986, p. 18), isso se relaciona com a noo de que a escolha (...) o nico aspecto

    humano que pode ser observado. Assim, consideraes sobre a utilidade de um

    indivduo s poderiam ser feitas com a observao de seu comportamento, j que suas

    escolhas revelariam suas preferncias. Kahneman (1991, 1997, 2006) tambm faz

    ressalvas teoria tradicional e trouxe o conceito de utilidade experimentada

    (experienced utility), remetendo ao conceito hednico de utilidade usado pelo filsofo

    Jeremy Bentham no sculo XIX. Kahneman (2005) prope ainda que ele seja usado na

    avaliao de polticas pblicas, lembrando que a abordagem objetivista popular na

    economia usada, alm de no caso da utilidade individual, na mensurao do bem-estar

    social.

    Entretanto, o nvel de felicidade das pessoas no a nica varivel estudada nas

    pesquisas de Economia da Felicidade. Ela apenas a varivel dependente, e boa parte

    da ateno dos estudos se concentra em como ela se relaciona com outros fatores que a

    explicam, as variveis independentes. Assim, de maneira parecida com o que ocorre

    com o conceito de utilidade, o interesse no no valor absoluto da medida de felicidade

    ou em sua varincia entre as pessoas. Como em outras reas da economia, tcnicas de

    econometria so usadas para estudar essa relao entre as variveis. Formalmente, a

    equao abaixo explicita tal relao:

    8

  • em que W o nvel de felicidade subjetivo reportado pelo indivduo i no perodo

    t e X um vetor de caractersticas desse indivduo (por exemplo, econmicas, sociais e

    demogrficas como emprego, escolaridade, gnero, entre muitas outras), associado

    aos coeficientes estimados ( ) de influncia dessas variveis em W. Como em outras

    aplicaes, o intercepto, que se refere a um nvel de felicidade basal que no

    depende das variveis em X, e o termo erro.

    O modelo est sujeito a problemas de estimao comuns na anlise

    economtrica. Como recorrente, a princpio difcil separar correlao de causalidade.

    Por exemplo, observado que a correlao entre o nvel de felicidade e a renda dos

    indivduos positiva, preciso determinar a direo da causalidade. As pessoas podem

    ser mais felizes porque tm mais dinheiro, mas pode ser tambm que pessoas felizes, ao

    possuir atributos desejveis no mercado de trabalho, ganhem mais ou ainda pode ser

    que as duas coisas aconteam simultaneamente, em ambas as direes. Ainda, pode ser

    que algum outro fator no includo no modelo afete tanto a renda quanto felicidade.

    Vrias tcnicas de estimao buscam contornar esse problema7, conhecido de maneira

    ampla como vis de endogeneidade8. Uma relao potencialmente endgena aparece

    entre o nvel de felicidade e vrias caractersticas dos indivduos, sendo talvez o

    principal desafio emprico da Economia da Felicidade. No entanto, vrios pesquisadores

    adeream o problema de maneira criativa, com solues consideradas satisfatrias e

    resultados bem aceitos como ser visto adiante.

    Na prxima seo, discute-se os primeiros resultados nesse texto: a relao entre

    fatores econmicos e o bem-estar subjetivo (felicidade).

    3 FATORES ECONMICOS

    Naturalmente, as pesquisas em Economia da Felicidade analisam como variveis

    econmicas afetam o bem-estar subjetivo dos indivduos, dando particular ateno

    influncia da renda e do emprego na felicidade mas tambm da desigualdade e da

    inflao. Os estudos referendam a noo de que dinheiro traz felicidade, mas essa

    influncia limitada e muito menor do que o senso comum acredita. Ainda, a satisfao

    com a vida no est muito associada ao consumo de bens materiais. Entre as variveis

    7 Entre outras, variveis instrumentais e experimentos naturais. 8 Para uma abordagem mais rigorosa da endogeneidade, ver Wooldridge (2002, p. 50).

    9

  • econmicas, nenhuma tem mais impacto na felicidade do indivduo do que o

    desemprego (mesmo quando se controla o nvel de renda). O bem-estar individual

    tambm diminui em sociedades agredidas pela inflao. J o impacto da desigualdade

    de renda na felicidade ainda no consenso entre os pesquisadores. Esta seo adentra

    no debate sobre essas descobertas.

    3.1 RENDA

    De fato, encontrou-se em vrios estudos uma correlao positiva entre renda e

    felicidade. No entanto, estudos cross country no encontraram uma relao to bvia

    entre essas duas variveis ao comparar renda per capita e felicidade em vrios pases.

    Mesmo em nvel individual, o efeito da renda sobre o nvel de bem-estar no to

    grande. Boas solues foram encontradas para contornar o j citado problema de

    endogeneidade envolvendo a relao, validando as descobertas das pesquisas.

    Os estudos demonstram que mais do que a renda absoluta, o que importa para a

    satisfao das pessoas a renda relativa, baseada na comparao com alguns grupos

    especficos prximos do indivduo. Verificou-se tambm que a influncia do dinheiro

    na felicidade cada vez menor medida que a renda cresce. Assim, a relao entre

    renda e felicidade no linear, com as pesquisas confirmando, por outro lado, que a

    pobreza uma importante fonte de infelicidade.

    Comparaes entre pases indicam que a relao entre felicidade e renda mdia

    no to forte. Frey e Stutzer (2002a, p. 7) resumem o resultado das pesquisas:

    A evidncia disponvel sugere que renda e felicidade so correlacionadas entre as

    naes, mas que os efeitos so pequenos e decrescentes. De fato, o nvel de bem-estar

    subjetivo nos pases ricos tende a ser maior do que nos pases pobres, mas, entre pases

    em um mesmo patamar de renda, a variao nos nveis de felicidade no se correlaciona

    com a renda, o que ocorreria tanto entre pases ricos quanto entre pases pobres. Essa

    relao pode ser bem visualizada na Figura 1, retirada de Borrero et al (2013): os

    autores relacionaram o nvel de bem-estar subjetivo e a renda nacional bruta per capita

    para 197 pases. No mesmo sentido, Easterlin (1974) observou que, no perodo ps-

    Segunda Guerra, o nvel de felicidade dos pases desenvolvidos se manteve constante ao

    10

  • longo das dcadas, mesmo com o grande crescimento da renda real fato estilizado que

    conhecido na literatura como Paradoxo de Easterlin 9.

    Figura 1 Satisfao com a vida e Renda nacional bruta per capita

    Fonte: Borrero et al (2013)

    Tambm os estudos em Economia da Felicidade que focam na comparao em

    nvel individual encontraram limites para o efeito da renda sobre a felicidade. De fato,

    as pesquisas mostram que, na mdia, pessoas com renda maior tm um nvel de bem-

    estar subjetivo tambm maior10, resultado considerado por Stutzer e Frey (2010) como

    geral e robusto. Entretanto, o impacto da renda adicional no nvel de felicidade diminui

    medida que a renda aumenta. Frey (2008) ressalta que essa descoberta coaduna com a

    teoria econmica tradicional, que considera decrescente a utilidade marginal da renda.

    Kahneman e Deaton (2010) estimaram, para os Estados Unidos, que, a partir de uma

    renda anual de 75 mil dlares, mais dinheiro no aumentava o bem-estar emocional

    das pessoas.

    H uma preocupao nesses estudos em resolver o problema da direo da

    causalidade entre renda e felicidade, j que uma possibilidade para explicar a correlao

    entre as variveis de que indivduos mais felizes tendem a possuir caractersticas que

    levam a uma renda maior. Este problema de endogeneidade envolvendo renda e

    caractersticas individuais de difcil mensurao estudado na economia pelo menos

    desde Mincer (1958) (at hoje muitos pesquisadores se dedicam a mensurar

    corretamente o efeito da educao na renda, modelado na chamada equao

    minceriana). Como saber se as pessoas ficam mais felizes porque tm mais renda ou

    9 Deaton (2007) se contrape maior parte da literatura e percebe efeitos fortes da renda na felicidade. 10 Ver, entre outros, Clark et al (2008). O resultado tambm foi encontrado para a Amrica Latina, vide

    Graham e Pettinato (2002ab).

    11

  • tm mais renda porque so mais felizes? A soluo de parte dos estudos em Economia

    da Felicidade foi analisar o efeito, no nvel de bem-estar, de variaes na renda no

    associadas ao trabalho, e, portanto, no associadas a caractersticas pessoais dos

    indivduos, o que enviesaria a anlise. Assim, exemplos de mudana de renda

    exgena usadas incluem o recebimento de heranas e de prmios de loteria11.

    Tipicamente, outras variveis independentes controladas nesses estudos incluem idade,

    escolaridade, emprego e gnero, entre outras.

    A felicidade mais afetada pela posio relativa da renda do que pela renda

    absoluta de um indivduo. Como indica Torgler et al (2008), a descoberta referendada

    por uma ampla literatura. Isso quer dizer que, mais do que a renda absoluta, a renda do

    indivduo comparada com a de outros indivduos prximos que tem efeito significativo

    no nvel de bem-estar subjetivo. Clark e Oswald (1996) analisaram empiricamente esse

    efeito entre grupos no mercado de trabalho, mas a literatura aponta para comparaes

    tambm entre familiares e pessoas da mesma faixa etria e nvel de escolaridade.

    O economista brasileiro Andr Lara Resende reflete nessa linha: no a riqueza

    absoluta, mas a riqueza relativa que importa. No nos basta ser apenas ricos, mas, sim,

    mais ricos do que nossos pares12. No mesmo sentido, Kahneman (2011) explica que a

    relao entre satisfao e renda depende de pontos de referncia estabelecidos pelos

    prprios indivduos. Para Frey (2008), preocupaes posicionais como essa so um

    aspecto antigo da natureza humana, mas a existncia, nos tempos modernos, de mais

    possibilidades de comparaes entre as pessoas acentuaria essas preocupaes.

    Da psicologia vem um conceito que explica o porqu de ganhos de renda no

    trazerem sempre ganhos proporcionais em bem-estar. No apenas os indivduos se

    comparam, mas tambm se adaptam a seus nveis de renda. Frederick e Loewenstein

    (1999, cap. 16) definem adaptao como qualquer ao, processo ou estmulo que

    reduz os efeitos de um estmulo constante ou repetitivo e Lyubomirsky (2010, p. 201)

    define adaptao hednica como o processo psicolgico pelo qual as pessoas se

    acostumam com um estmulo positivo ou negativo, de forma que os efeitos emocionais

    do estmulo so atenuados ao longo do tempo. Assim, mais renda no traria mais

    felicidade porque as pessoas se acostumariam com a renda maior. Frey e Stutzer (2003)

    resumem adaptao em bom economs: A utilidade de bens materiais desaparece.

    11 Ver, entre outros, Gardner e Oswald (2001). 12 LARA RESENDE, A. Alm da conjuntura. Valor Econmico, So Paulo, 21 dez. 2012.

    12

  • Segundo Easterlin (2004), a adaptao maior para o dinheiro do que para vrios

    eventos da vida, como o casamento, cujo impacto hednico duraria mais. Outras

    pesquisas sugerem que o efeito da adaptao eliminaria entre 60 e 80% do efeito da

    renda no bem-estar13.

    Compreendido o conceito de adaptao, chegamos teoria dos nveis de

    aspirao14, que explica de maneira mais ampla a ligao entre renda e felicidade. Frey

    e Stutzer (2002a, p. 414), explicam que De acordo com a teoria dos nveis de

    aspirao, o bem-estar individual determinado pela distncia entre aspirao e

    realizao. Dessa forma, tanto a noo sobre a renda relativa e o processo de

    comparao entre os indivduos quanto ideia de adaptao hednica em relao

    renda anterior fazem parte de uma teoria mais ampla, a dos nveis de aspirao. Frey

    (2008) conclui que, juntos, os dois processos fazem os indivduos buscarem aspiraes

    maiores. Seria esta teoria a explicao para o Paradoxo de Easterlin.

    Entretanto, a relao entre renda e felicidade no linear e a renda tem sim

    efeitos significativos em nveis menores de renda. Os resultados apresentados acima das

    pesquisas em Economia da Felicidade poderiam corroborar Plato A pobreza resulta

    do aumento dos desejos do homem, no da diminuio de sua propriedade , mas os

    estudos indicam que a pobreza material sim fonte de infelicidade, com as aspiraes

    tendo importncia maior somente em patamares de renda menos baixos. Para Kahneman

    (2011, p. 396), ser pobre torna uma pessoa miservel e ele ressalta ainda que

    a pobreza extrema amplifica os efeitos e de outros infortnios da vida. Em particular,

    doenas so muito piores para os muito pobres. J Frey (2008, p. 76) afirma que

    a noo de que as pessoas em pases pobres so mais felizes porque vivem em

    condies mais naturais e menos estressantes um mito.

    3.2 OUTROS FATORES ECONMICOS: DESEMPREGO, INFLAO E DESIGUALDADE

    Com a importncia da renda sobre a felicidade relativizada, focamos a ateno

    para outra varivel econmica que tem impacto bastante devastador nos nveis de

    satisfao individual: o desemprego. Frey (2008) ressalta que a forte influncia negativa

    do desemprego no bem-estar subjetivo uma das descobertas mais robustas da

    13 van Herwaarden et al (1977) e van Praag e van der Sar (1988). 14 Ver Irwin (1944).

    13

  • Economia da Felicidade e que as pessoas nessa condio se tornam muito infelizes.

    Considera-se que o desemprego impe grandes custos no financeiros aos indivduos, j

    que eles se encontram em situao pior do que pessoas empregadas que possuem a

    mesma renda e menos tempo livre dois outros fatores que se relacionam positivamente

    com o nvel de felicidade. Clark e Oswald (1994), em pesquisa com cidados britnicos,

    observaram que nada diminui mais o bem-estar individual do que o desemprego, nem

    mesmo uma situao de divrcio ou separao. A Economia da Felicidade tambm

    analisa, luz dessas descobertas, o antigo trade off entre desemprego e inflao.

    O que muda na vida de um indivduo que passa da situao de empregado para a

    de desempregado? Uma anlise objetiva dessa mudana permite ver o porqu da

    descoberta dos pesquisadores sobre o forte efeito negativo do desemprego na felicidade

    no ser trivial. Frey (2008) lembra que o custo individual , a princpio, a perda de

    renda. Em compensao, esses indivduos tambm tm mais tempo livre, que pode ser

    despendido com mais lazer. Entretanto, os que os estudos indicam que mesmo quando

    controlada a mudana de renda, o bem-estar individual afetado de maneira

    significativa pelo desemprego. As descobertas vo de encontro teoria econmica

    tradicional. Para a influente escola novo clssica, o desemprego uma escolha

    voluntria do trabalhador, que no reduz sua utilidade se o mercado de trabalho

    estiver funcionando bem. Para os novos keynesianos, existe perda de utilidade, mas a

    perda compensada por benefcios como o seguro-desemprego. As duas vises no so

    respaldadas pelas pesquisas em Economia da Felicidade.

    As pesquisas que investigam a relao entre desemprego e felicidade tm

    metodologia anloga a do caso da renda. Os estudos estatsticos controlam o efeito de

    outras variveis no bem-estar subjetivo. Assim, de maneira simplificada, se dois

    indivduos diferem apenas na situao de emprego e possuem fora isso as mesmas

    caractersticas como escolaridade e renda , o desempregado ter um nvel de bem-

    estar marcadamente menor. Di Tella et al (2001a), com base em dados de vrios pases

    e anos, observaram ainda que o seguro-desemprego no diminui este diferencial.

    Como antes, tambm na relao entre desemprego e felicidade existe o desafio

    de se determinar a direo da causalidade15. Afinal, pessoas infelizes podem ter uma

    atuao inferior no mercado de trabalho e essas caractersticas indesejveis poderiam

    15 Ver, entre outros, Winkelmann e Winkelmann (1998) e Marks e Fleming (1999).

    14

  • levar ao desemprego. Como no caso da renda, experimentos naturais foram usados

    para solucionar esse problema de endogeneidade, isto , fatos exgenos que levaram a

    situao de desemprego, que no tm relao com caractersticas individuais.

    Um exemplo o desemprego causado pelo fechamento de uma fbrica. Outra soluo

    de estudos em psicologia social foi acompanhar, por um perodo de tempo, as mesmas

    pessoas, analisando os efeitos da sada e do retorno ao mercado de trabalho16. Ressalta-

    se ainda que os estudos focam no mbito no indivduo diretamente afetado, no

    considerando portanto consequncias indiretas da elevao da taxa de desemprego,

    como o aumento da violncia ou de tenses sociais.

    Segundo Frey, se a queda de bem-estar no explicada pela mudana de renda

    nem pela autosseleo de pessoas que j eram infelizes, o desemprego possui custos no

    financeiros, sendo o principal o custo psicolgico a alterao no bem-estar devida

    ao desemprego tambm se relacionaria com normas sociais de cada cultura.

    Goldsmith et al (1996) encontraram evidncia do desemprego como importante causa

    de problemas de depresso, ansiedade e outros problemas de autoestima.

    Os entusiastas da Economia da Felicidade defendem uma nova tica para a

    relao entre desemprego e inflao, muito discutida por dcadas pelos economistas.

    Frey critica o ndice da Misria, proposto por Arthur Okun (o economista clebre pela

    Lei de Okun17), que avaliaria o bem-estar de um pas ao somar a taxa de desemprego

    com a taxa de inflao. Naturalmente, quanto maior o ndice, pior seria a situao de um

    pas. Para Frey, fica implcita no ndice da Misria a noo de que um ponto de

    desemprego equivaleria a um ponto de inflao, o que seria um equvoco. Di Tella et al

    (2001b) estimam que, em relao ao impacto na felicidade das pessoas de pases

    desenvolvidos, 1 ponto de desemprego equivaleria a 1,7 ponto de inflao, tamanho o

    efeito do desemprego no bem-estar subjetivo. No entanto, essencial olhar com cautela

    o resultado: como veremos a seguir, as pesquisas em Economia da Felicidade

    encontram efeito negativo da inflao no bem-estar. A discusso sobre este trade off

    para o caso brasileiro ser retomada mais adiante.

    De acordo com Frey (2008, p. 56), O estudo da felicidade encontra que a

    inflao sistemtica e marcadamente reduz o bem-estar individual reportado. Como a

    experincia brasileira ensina, o autor ressalta que as pessoas precisam despender muitos

    16 Murphy e Athanasou (1999). 17 A Lei de Okun descreve a relao entre a taxa de desemprego e o crescimento do PIB.

    15

  • esforos em se informar sobre a alta de preos esperada, e tambm em se isolar dela.

    Do histrico brasileiro com a inflao tambm sabemos que a renda real dos mais

    pobres a que mais corroda vimos que a pobreza extrema um determinante

    importante da infelicidade dos indivduos. Di Tella et al (2001b), no entanto,

    consideram o efeito da inflao na felicidade substancial, mas no to grande. Frey

    (2008) afirma que, segundo os economistas, seria perigosa apenas uma inflao

    rampante, mas uma inflao de at 5% (baixa) no causaria maiores problemas.

    Ao contrrio das pesquisas sobre o efeito da renda, do desemprego e da inflao

    na felicidade, as pesquisas sobre o efeito da desigualdade no convergem, observando

    impactos diferentes de acordo com o pas pesquisado. Alesina et al (2004) argumentam

    que a desigualdade diminui o nvel de felicidade dos europeus, mas no dos americanos.

    Segundo os autores, a diferena seria explicada por percepes diferentes em relao s

    possibilidades de ascenso social: os americanos as considerariam altas, enquanto para

    os europeus as chances de mobilidade social para cima seriam baixas.

    Em outro estudo, Alesina e La Ferrara (2005) ressaltam que em muitos pases, a

    sociedade demanda do governo polticas de redistribuio de renda, demanda que

    depende das convices acerca da origem da desigualdade. Outros autores, como Fong

    (2001), compartilham dessa viso de que a conduta das pessoas em relao

    redistribuio depende de como a desigualdade se originou. Nas prximas pginas, este

    assunto retomado em uma breve discusso sobre a realidade do Brasil.

    Para Frey e Stutzer (2002b), as pessoas ricas acabam impondo uma

    externalidade negativa sobre as pessoas mais pobres. De modo simplificado, pode-se

    definir uma externalidade como sendo um efeito da atividade de um agente econmico

    sobre outro, sem que o afetado possa decidir a respeito desse efeito. No mesmo sentido,

    o economista brasileiro Eduardo Giannetti considera que a desigualdade exacerba o

    poder do dinheiro (...) quem no o tem acaba supervalorizando-o18. Vale ressaltar que

    os estudos sobre desigualdade citados no pargrafo anterior tratam do efeito da

    desigualdade de renda em toda a sociedade e no da comparao do indivduo com

    pessoas prximas a ele esta comparao, como vimos, tem influncia significativa no

    bem-estar individual segundo as pesquisas.

    18 GIANNETTI DA FONSECA, E. O Preo da Felicidade. [27 de novembro, 2006]. So Paulo: Revista da Folha. Entrevista concedida a Sandra Balbi. Disponvel em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2006/maisdinheiro2/rf2711200608.shtml. Acesso em: 17/07/2014.

    16

  • 3.3 CONSUMO

    A Economia da Felicidade tambm analisa o papel do consumo da satisfao das

    pessoas. Como lembra Frey (2008), o dinheiro valorizado pelo status que gera, mas

    principalmente porque permite a aquisio de mais bens materiais e servios.

    No entanto, vrios conceitos da psicologia desafiam a ideia de que mais consumo gera

    mais bem-estar.

    Para o psiclogo agraciado com o Prmio Nobel de Economia Daniel

    Kahneman, o conceito de iluso de foco (focusing illusion) um conceito cientfico

    to importante que deveria ser amplamente popularizado19. Tambm conhecido como

    focalismo (focalism), se refere a um vis cognitivo que ocorre quando muita ateno

    dada a um nico aspecto de uma situao, gerando uma previso errada sobre o bem-

    estar futuro20. Na presente discusso, este aspecto seria o consumo de um bem material

    e a situao, de maneira ampla, a satisfao de um indivduo com a sua vida. Para

    Kahneman, a publicidade se baseia na iluso de foco, de modo que os agentes erram ao

    imaginar o impacto que um produto ter na sua qualidade de vida a iluso de foco

    varia de acordo com o grau de ateno que os bens de fato recebem no dia a dia.

    A iluso de foco seria uma das causas do que Wilson e Gilbert (2003) chamam de erro

    de previso afetiva (affective forecasting error), que ocorre quando os indivduos

    erram ao imaginar o seu futuro estado emocional, e que pode ter como consequncia

    ms escolhas ou decises (miswanting no termo criado por Wilson e Gilbert). Tais

    conceitos explicariam porque o consumo de vrios bens materiais no eleva os nveis de

    felicidade21.

    Nesse sentido, Andr Lara Resende critica a nfase dada a esse consumo:

    J no faz mais sentido associar desenvolvimento exclusivamente ao crescimento e ao

    aumento do consumo material22. O economista considera que, ultrapassado um

    19 KAHNEMAN, D. 2011: What scientific concept would improve everybodys cognitive toolkit? Edge. Disponvel em: http://edge.org/responses/what-scientific-concept-would-improve-everybodys-cognitive-toolkit. Acesso em: 21/07/2014.

    20 Vass (2012). 21 Outros conceitos relacionados apresentados por Kahneman (2011) so os de negligncia com a

    durao (duration neglect) e regra do pico-fim (peak-end rule), que explicariam o pequeno efeito do consumo pelo relativamente pouco tempo gasto com os bens adquiridos.

    22 LARA RESENDE, A. preciso crescer com qualidade de vida, diz Lara Resende. [8 de maro, 2014]. So Paulo: O Estado de So Paulo. Entrevista concedida a Alexa Salomo e Ricardo Grinbaum. Disponvel em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-crescer-com-qualidade-de-vida-diz-lara-resende,179169e. Acesso em: 21/07/2014

    17

  • determinado nvel de renda, a qualidade de vida no est mais necessariamente

    associada ao consumo material. Para ele, as polticas pblicas devem ser revistas para

    que se alcance o bem-estar. Esta reviso no implica na escolha por menos crescimento,

    mas por mudana na composio do produto, um aumento do peso dos servios mais

    entretenimento, mais esporte, mais educao, mais sade, mais msica, concluindo que

    as indstrias do setor de servios que lideraro o crescimento no futuro23. Ainda neste

    texto, a discusso sobre os fatores no econmicos que influenciam os nveis de bem-

    estar subjetivo ser apresentada adiante.

    3.4 O RESULTADO DAS PESQUISAS E A REALIDADE BRASILEIRA

    Boa parte das pesquisas citadas at agora se utilizam de dados amostrais de

    pases desenvolvidos, de modo que oportuno discutir as aplicaes desses estudos ao

    caso brasileiro. Como os resultados das pesquisas se relacionam com os indicadores

    brasileiros de renda, desemprego, inflao e com a realidade da desigualdade e do

    consumo?

    Voltando discusso sobre o efeito da renda na felicidade, Frey (2008, p. vi)

    conclui que o o objetivo de aumentar a renda no uma maneira efetiva de aumentar a

    utilidade (satisfao) de uma maneira sustentvel. Provavelmente na anlise do caso do

    Brasil tal concluso no pode ser simplesmente importada. Dados atualizados em

    meados de 2014 colocam o pas respectivamente apenas nas 75 e 79 posies dos

    rankings do Banco Mundial e do FMI de renda per capita24, atrs de Gabo, Botswana,

    Azerbaijo, Cazaquisto, Iraque, Suriname e Palau.

    Boa parte da populao do pas possivelmente ainda se encontra em um nvel de

    renda em que mais dinheiro de fato significa mais bem-estar. Segundo publicao do

    IPEA em 2013, o Brasil ainda tinha em 2012 entre dez e quinze milhes de pessoas

    vivendo abaixo da linha da pobreza, sendo que, destas, cerca de seis milhes eram

    consideradas extremamente pobres25. De fato, em outra publicao, o IPEA, usando

    dados prprios, conclui que a renda familiar um determinante da felicidade

    23 LARA RESENDE, A. Obra citada, p. 12. 24 Critrio de paridade do poder de compra. Ver World Development Indicators Database (disponvel

    em: http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators) e World Economic Outlook Database (disponvel em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/01/weodata/index.aspx).

    25 Comunicado do IPEA n 159 Duas dcadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE.

    18

  • brasileira26 relao que tambm foi encontrada por Corbi e Menezes-Filho (2006).

    Poder preterir medidas que busquem o crescimento da renda e focar somente em outras

    iniciativas que visem o bem-estar deve ser atualmente privilgio para apenas poucos

    municpios brasileiros que possuam patamares mais elevados de renda. Para Armnio

    Fraga (2014), o crescimento no tudo, mas um pas como o nosso precisa crescer

    para melhorar o padro de vida das pessoas, em resposta a um questionamento sobre se

    os pases deveriam focar mais em qualidade de vida do que em crescimento27.

    Em relao s descobertas da Economia da Felicidade sobre o desemprego,

    preciso cautela. O fato de o desemprego pesar mais do que a inflao no bem-estar

    coletivo periga ser usado para justificar polticas populistas de estmulo demanda, que

    sejam insustentveis e deletrias no longo prazo. Ademais, preciso sempre lembrar

    que a convivncia com nveis mais altos de inflao pode levar perda de controle e a

    um espiral inflacionrio, tendncia que no existe na taxa de desemprego e que no

    levada em conta na relao estimada apresentada anteriormente. No caso brasileiro,

    atualmente a taxa de desemprego tem sucessivamente alcanado mnimos histricos,

    enquanto a taxa de inflao tem sucessivamente estado acima do centro da meta e

    ameaado furar o seu teto28. O estado atual desses indicadores sugere que a descoberta

    das pesquisas em Economia da Felicidade a respeito da predominncia do desemprego

    sobre a inflao nos nveis de infelicidade no legitimam uma mudana nos objetivos

    da poltica econmica do pas que vise um desemprego menor e aceite uma inflao

    maior.

    No que tange ao desemprego, a ateno pode se voltar para o perfil da

    desocupao (sendo, por exemplo, o desemprego de longa durao menos aceitvel do

    que o desemprego de busca, friccional) e para o desenho de polticas como o seguro-

    desemprego (que deve ajudar na transio para a reinsero no mercado de trabalho, em

    vez de ser parte do caminho para o desalento). Em respeito inflao, as taxas que vm

    sendo atingidas (IPCA acima de 6,5% em junho de 2014, no acumulado de 12 meses)

    no so consideradas baixas, como visto anteriormente, pelos prprios pesquisadores

    26 Pgina 20 do Comunicado do IPEA n 158 2012: Desenvolvimento Inclusivo Sustentvel?. Cabe ressaltar, entretanto, que a metodologia deste estudo menos elaborada do que os estudos internacionais.

    27 FRAGA, A. Confiana e Competio. [23 de agosto, 2014]. So Paulo: VEJA. Entrevista concedida a Joice Hasselmann.

    28 O trade off entre inflao e desemprego fonte de muito debate na literatura: entrar no mrito deste debate no faz parte do propsito deste texto.

    19

  • da Economia da Felicidade que prescrevem maior sensibilidade taxa de desemprego

    do que de inflao.

    O efeito da desigualdade de renda na felicidade do brasileiro no foi estudado,

    mas, em consonncia com o que foi previamente apresentado sobre demanda por

    redistribuio em outros pases, a noo de que existe no Brasil uma fortssima

    demanda por redistribuio, que afeta o funcionamento de nossa economia, cada vez

    mais discutida. Giambiagi (2013) afirma que a desigualdade vista unanimemente

    como um elemento negativo da imagem nacional. Pessoa (2011) considera que a forte

    desigualdade de renda eleva a demanda por transferncias governamentais parte

    importante do contrato social da redemocratizao, enquanto Alston et al (2012)

    avaliam que a desigualdade contribuiu para gerar uma convico de incluso social

    que tambm integra o contrato social do pas ps-198529. Para eles em sintonia com a

    literatura que relaciona a demanda por redistribuio com a origem da desigualdade ,

    essa convico surgiu da opresso ditatorial antes de 1985 e da herana da histria do

    Brasil de desigualdades e injustias.

    Trazendo a discusso sobre o consumo para a realidade brasileira, pertinente a

    apresentao de alguns dados. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de

    Domiclios (PNAD) de 2012, quase a totalidade dos domiclios brasileiros possuem

    fogo, TV e geladeira (respectivamente, 98,7%, 97,2% e 96,7%). Por outro lado, apenas

    40,3% possui computador com acesso Internet, mas o nmero vem crescendo

    rapidamente. J estaramos em um nvel de desenvolvimento em que poderamos

    negligenciar o crescimento do consumo de bens materiais?

    Para Lara Resende, o Brasil, em parte pelo estgio em que se encontra,

    poderia sair frente de um novo desenvolvimento, mais baseado na educao, na

    sade, no entretenimento, no esporte e na cultura, do que no consumo material 30.

    Ele ressalta que a crtica ao consumo material rende acusaes de pretender negar o

    acesso dos mais pobres ao consumo, mas justifica que apesar do extraordinrio

    crescimento do consumo material, a pobreza persiste e a desigualdade at se agravou

    nas ltimas dcadas, tanto nas economias emergentes quanto nos pases desenvolvidos.

    A discusso certamente controversa, mas a prescrio de Lara Resende de maior

    29 Para ticas diferentes, de trabalhos que tambm privilegiam a relao entre desigualdade e crescimento do pas, ver Lisboa e Latif (2013) e Mendes (2014).

    30 LARA RESENDE, A. Obra citada, p. 12.

    20

  • nfase em determinados setores de servios encontra respaldo nas pesquisas em

    Economia da Felicidade, que, como veremos adiante, observa a influncia de muitas

    variveis no econmicas no nvel de bem-estar individual subjetivo.

    Portanto, a anlise conjunta dos resultados das pesquisas e da realidade brasileira

    indica que, por ora, a Economia da Felicidade tem pouco a acrescentar ao debate de

    poltica econmica do pas. Neste debate, as principais foras polticas concordam que a

    renda ainda deve crescer, a desigualdade diminuir e que o atual nvel da inflao

    desconfortvel. Talvez as maiores contribuies da Economia da Felicidade para o caso

    brasileiro seja em outras polticas pblicas e desenhos institucionais essas

    contribuies so apresentadas a seguir.

    4 FATORES NO ECONMICOS

    A Economia da Felicidade estuda tambm, alm dos fatores econmicos, a

    influncia de fatores no econmicos no nvel de satisfao das pessoas. Nesta seo,

    destaca-se o efeito, sobre a felicidade, de boas instituies, de uma mobilidade urbana

    eficiente, de um desenho urbano que privilegie a convivncia, e da boa sade fsica,

    entre outros. Ainda no mbito das polticas pblicas, apresenta-se como as pesquisas

    podem contribuir para a avaliao delas.

    4.1 INSTITUIES

    De maneira ampla, instituies so entendidas como os mecanismos que

    moldam o comportamento dos indivduos ou as regras do jogo. Assim, em cincias

    sociais, o termo instituies tem uma acepo particular e no deve ser confundido,

    por exemplo, com rgos pblicos. Muitos pesquisadores descobriram efeitos

    importantes de boas instituies no bem-estar subjetivo.

    Frey (2008, p. 64) conclui que as instituies democrticas aumentam o bem-

    estar das pessoas consideravelmente. Uma parte importante deste efeito se daria na

    utilidade processual (procedural utility), conceito muito difundido na Economia da

    Felicidade que explicaria o efeito desse e tambm de outros fatores na satisfao

    individual. De maneira diversa da utilidade concebida na teoria econmica tradicional,

    em que predomina a importncia de resultados (objetivos), a utilidade processual

    contempla a satisfao que decorre das situaes que levam a um resultado, e no

    apenas a que decorre do resultado. No caso da democracia, por exemplo, existiriam

    21

  • ganhos porque o processo democrtico traria como resultado decises mais prximas

    das preferncias das pessoas (utilidade tradicional) e tambm porque os cidados

    apreciam participar do processo (utilidade processual).

    A democracia interfere positivamente no bem-estar, mas o impacto de outras

    instituies tambm foi estudado. Dorn et al (2007) compararam os nveis de felicidade

    em 28 pases e concluram que a extenso das instituies democrticas explica parte da

    diferena nesses nveis. Segundo Helliwell e Huang (2007), essas diferenas nos nveis

    de bem-estar tambm so explicadas pela qualidade dos governos: por trs das

    diferenas estariam honestidade, eficincia, ausncia de corrupo e a existncia de um

    Estado de Direito (rule of law). Analisando pases europeus, Hudson (2006) observou

    que a felicidade aumenta com a confiana em organismos como a Unio Europeia e o

    Banco Central Europeu, alm da confiana no prprio governo de cada pas.

    Em outro estudo, Frey e Stutzer (2000) estimaram efeitos considerveis de

    maiores mecanismos de participao direta dos cidados na democracia sobre o bem-

    estar subjetivo individual eles concluem ainda que o direito de participar que na

    realidade afeta a felicidade, e no a participao de fato. Para diagnosticar corretamente

    a direo da causalidade, os autores se valeram da autonomia que os cantes suos

    possuem para determinar o grau de participao direta de seus cidados nas decises

    polticas. Assim, a concluso foi baseada na observao de que aqueles que migram de

    um canto onde o direito de participao menor para um canto onde o direito de

    participao maior reportam maior nvel de bem-estar, controladas outras variveis.

    Para alm do caso das instituies agora tratado, Frey considera o conceito de

    utilidade processual de grande importncia para polticas pblicas. Ele ressalta sua

    importncia argumentando que a felicidade dificilmente atingida diretamente, sendo

    ela mais um produto de uma vida boa31, o que significa que processos importam e

    no apenas o resultado (p. 5). Para ele, o prmio Nobel Amartya Sen seria o

    economista mais proeminente a fazer ressalvas aos modelos de escolha da teoria

    econmica, em que tipicamente maximiza-se uma funo objetivo. Sen (1995, p. 18)

    argumenta que a viso processual deve ser conjugada com a viso tradicional

    (consequencialista), sendo essa combinao especialmente importante em adaptar

    31 Na psicologia positiva, a vida boa (the good life), tambm conhecida pela palavra grega eudaimonia, se refere qualidade de vida alcanada ao se desenvolver e realizar o potencial de uma pessoa (Frey (2008), p. 5)

    22

  • liberdades e direitos em julgamentos sociais, assim como nos mecanismos de deciso

    social. Para ele, a violao de direitos e liberdades bsicas tende a ser ignorada na

    economia do bem-estar tradicional e utilitria (Sen (1995, p. 13)).

    A utilidade processual est muito relacionada com a teoria da autodeterminao,

    difundida pelos estudos dos psiclogos Edward Deci e Richard Ryan. Segundo a teoria,

    visando o bem-estar, trs necessidades psicolgicas tm de ser satisfeitas: as

    necessidades por autonomia, pertencimento e competncia. A primeira se refere

    valorizao de possuir controle sobre as prprias vidas; a segunda est ligada vontade

    de interagir com outros e de fazer parte de um grupo social; e a ltima a necessidade

    que os indivduos tm de se sentir capazes. Dessa forma, instituies tm um efeito

    direto no bem-estar dos indivduos ao aderear necessidades inatas de autonomia,

    pertencimento e competncia (Frey (2008, p. 111)). Para Frey, como exemplo, uma

    constituio que garanta liberdades, como a de expresso, contribuiu para elevar a

    autoestima dos cidados.

    No caso da participao democrtica, ainda segundo Frey, a utilidade processual

    auferida pelos cidados derivaria dos sentimentos de envolvimento, de influncia

    poltica, de incluso, de identidade e de autodeterminao o bem-estar duraria e seria

    afetado para alm do perodo eleitoral. Sem o sentimento de participao, o resultado

    seria alienao e apatia. inevitvel no lembrar do caso especfico do Brasil, j que

    muitas das propostas feitas no mbito do debate sobre a reforma poltica visam

    justamente aproximar os eleitos dos eleitores, como as propostas de implantao do

    voto distrital para a eleio de vereadores e deputados e de alterao das regras de

    suplncia para a eleio de senadores.

    A discusso sobre utilidade processual e democracia tambm ajuda a explicar a

    questo trazida pelo economista Steven Levitt, conhecido pelo livro Freakonomics,

    sobre o porqu de as pessoas votarem32. Se votar custa tempo, esforo e a probabilidade

    de um determinado voto alterar o resultado das eleies muito prxima de zero, os

    indivduos racionais concebidos na teoria econmica tradicional simplesmente se

    absteriam de votar. O fato deste e outros processos democrticos levarem a ganhos de

    utilidade processual explicaria o enigma.

    32 DUBNER, S; LEVITT, S. Why Vote? The New York Times Magazine, Nova York, 6 nov. 2005.

    23

  • A ligao entre instituies, bem-estar e a autodeterminao pode ser ainda mais

    profunda. Para Frey (2008), as instituies fornecem os incentivos para as interaes

    cotidianas dos cidados, e as pessoas avaliam aes no apenas pelos seus resultados,

    mas tambm pela forma como foram tratadas. No mbito da atuao estatal, isso

    implica que o contato direto entre servidores e cidados possivelmente deveria ser alvo

    de mais ateno. Frey d como exemplo um maior grau de humanizao na relao

    mdico-paciente, mas o exemplo provavelmente se aplica a uma ampla gama de

    relaes entre servidores e cidados. Para o caso brasileiro, chama a ateno tambm

    percepo sobre violncia policial, exemplificada em pesquisa divulgada em maio de

    2014 pela Anistia Internacional, que revelou que 80% dos brasileiros acreditavam na

    possibilidade de serem torturados caso fossem detidos, maior taxa entre todos os pases

    pesquisados33.

    Tambm indiretamente as instituies afetariam o bem-estar da forma

    preconizada pela teoria da autodeterminao. Novamente segundo Frey (2008, p. 112),

    mesmo a maneira com que a autoridade exercida na administrao pblica ou no

    Judicirio afeta as necessidades inatas de autodeterminao, pelas informaes que os

    processos transmitem em relao confiabilidade das autoridades, ao grau de

    dignidade com que os indivduos sentem que esto sendo tratados e ao quanto de voz

    dada aos indivduos. Outra pesquisa recente ilustra a realidade brasileira nesse

    sentido: segundo dados divulgados pelo Datafolha em junho de 2014, entre as quatro

    instituies consideradas menos confiveis pelos brasileiros figuram a Presidncia da

    Repblica, o Congresso Nacional e os partidos polticos34.

    Ademais, para Frey (2008, p. 177), duas instituies bsicas que afetam a

    felicidade significativamente so a democracia direta e federalismo. Formas de

    participao mais direta dos cidados no processo poltico so sugeridas por vrios

    trabalhos, mas a literatura reconhece a possibilidade de limitar a participao em caso

    de temas sensveis ou complexos. No caso do Brasil, uma boa oportunidade de discutir

    a possibilidade de maior participao poltica foi recentemente desperdiada, quando o

    debate sobre a Poltica Nacional de Participao Social (Decreto n 8.243, de 2014)

    33 Attitudes to Torture: Stop Torture Global Survey. Disponvel em: http://www.amnesty.ie/stoptorture/campaign/global-survey-attitudes-torture-2014

    34 Datafolha: Partidos polticos e o Congresso Nacional so as instituies menos confiveis. O Globo, 21 jul. 2014. Disponvel em: http://oglobo.globo.com/brasil/datafolha-partidos-politicos-o-congresso-nacional-sao-as-instituicoes-menos-confiaveis-13332916 Acesso em: 29/07/2014.

    24

  • instituda aps os protestos de junho de 2013 se transformou em um embate

    polarizado e pouca nfase foi dada na discusso para a essncia da proposta. No caso do

    federalismo, os ganhos adviriam do fato de a tomada de deciso ser feita mais prxima

    de onde h as informaes relevantes a respeito das preferncias dos cidados e mais

    prxima de seu controle. Entretanto, por conta de dificuldades metodolgicas, os

    estudos se concentram nos Estados Unidos e na Sua, onde os diferentes graus de

    autonomia das regies permitem comparaes vlidas: existe dvida se a concluso se

    aplica a outros pases.

    4.2 MOBILIDADE URBANA

    O estudo da felicidade mostra tambm que existe uma forte relao negativa

    entre o tempo gasto no percurso casa-trabalho e os nveis de felicidade. O resultado

    observado mesmo quando so controladas outras variveis, como a renda. importante

    ressaltar que, conforme a metodologia das pesquisas apresentada anteriormente, no so

    os prprios indivduos que alegam estarem mais infelizes por conta do tempo perdido

    no trajeto, mas sim os pesquisadores que constatam a relao.

    Stutzer e Frey (2007a), ao observarem a relao, a definiram como O paradoxo

    do deslocamento casa-trabalho (The commuting paradox)35. Eles argumentam que,

    apesar de para a maioria das pessoas tal deslocamento ser um fardo mental e fsico, na

    teoria econmica o tempo gasto com o percurso seria apenas mais uma deciso racional

    tomada pelos indivduos. De acordo com o prescrito pela Economia Regional e pela

    Economia Urbana, no deveria haver desutilidade em morar longe do trabalho, j que,

    em contrapartida, haveria ganhos de utilidade, por meio de um custo de vida menor

    (imvel residencial mais barato) ou de um emprego com remunerao maior (em linha

    com o que o conceito da Economia do Trabalho de diferenciais compensatrios).

    Entretanto, a observao emprica foi de encontro com a teoria, e, mantidas

    outras variveis constantes, o nvel de bem-estar individual negativamente afetado

    pelo tempo gasto com a viagem verificando-se o paradoxo. Para os autores, uma

    possvel explicao para o paradoxo seria que os indivduos, ao decidir onde morar e

    35 O verbo ingls to commute se refere no apenas ao trajeto de casa at o trabalho, mas tambm a um local de estudo. Por simplificao, adota-se aqui o termo casa-trabalho.

    25

  • trabalhar, erram ao prever o grau de adaptao futuro em relao ao tempo do trajeto, e

    acabam no se acostumando com um tempo maior36.

    Outro estudo que analisou os determinantes do bem-estar subjetivo e encontrou

    efeitos negativos do tempo de deslocamento casa-trabalho foi o de Kahneman et al

    (2004). Para uma amostra de cerca de mil mulheres, o perodo gasto no trajeto matinal

    casa-trabalho foi o mais associado com emoes negativas, a frente at mesmo do

    perodo no prprio trabalho e do perodo gasto com tarefas domsticas37.

    As perdas de bem-estar ocorreriam porque, alm de estar associado a um maior

    custo financeiro, um tempo maior no deslocamento casa-trabalho implica em menor

    tempo de lazer. Como ressalta Frey (2008), a Economia da Felicidade coloca grande

    nfase no tempo alocado ao lazer para o bem-estar individual. Nesse sentido, Andr

    Lara Resende (2014), considera que a melhora do transporte pblico seria a primeira

    medida para melhora da qualidade de vida. Para ele, reduzir o tempo de deslocamento

    e o estresse do trnsito, aumentar o tempo com a famlia e os amigos, significa um

    ganho inequvoco de qualidade de vida. Alm de maior eficincia da mobilidade

    urbana, outra proposta popular visando dar mais tempo de lazer para o trabalhador a

    reduo da jornada de trabalho, que tem apoio dentro e fora do Brasil38. Entretanto, a

    reduo da jornada, ao contrrio da melhoria no transporte urbano, suscita controvrsia

    por impactos negativos que traria economia.

    Os efeitos negativos do deslocamento casa-trabalho no se limitam, porm,

    apenas aos aspectos financeiro e de lazer. Revisando a literatura sobre os efeitos do

    deslocamento, Koslowsky et al (1995) associam um maior tempo no trajeto casa-

    trabalho a problemas de presso sangunea, angina, dores crnicas (transtornos

    musculoesquelticos), ansiedade e raiva, alm de problemas cognitivos.

    36 Uma explicao dentro da teoria econmica para o paradoxo passa pela existncia de custos de transao e frices no mercado imobilirio e de trabalho. Isto , a impossibilidade de se mudar rapidamente de residncia ou emprego impediria que os agentes fossem compensados totalmente.

    37 O trabalho se valeu do mtodo de reconstruo do dia (DRM) e do ndice-U (U-index). 38 Tramita no Congresso a Proposta de Emenda Constituio n 231, de 1995, de autoria

    dos atualmente Senadores Incio Arruda e Paulo Paim, que reduz a jornada semanal de 44 para 40 horas, aprovada por uma Comisso Especial da Cmara dos Deputados em 2009. Para o economista Marcio Pochmann, presidente do IPEA no Governo Lula, a jornada poderia ser reduzida para apenas 12 horas semanais (Ver, entre outras, http://www.conjur.com.br/2008-abr-30/pochmann_insiste_jornada_12_horas_semanais). Mais recentemente, a reduo da jornada tambm tem sido sugerida por grandes empresrios internacionais, como Carlos Slim e Larry Page (Ver, entre outras, http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/07/1488634-bilionario-carlos-slim-recomenda-semana-com-tres-dias-de-trabalho.shtml)

    26

  • Nesse sentido, a realidade da mobilidade urbana no Brasil chama a ateno.

    O trabalho dos pesquisadores Rafael Pereira, do IPEA, e Tim Schwanen, da

    Universidade de Oxford, com base em dados da PNAD, aponta que o tempo mdio do

    deslocamento casa-trabalho nas nove maiores regies metropolitanas brasileiras era de

    38 minutos em 2009. Comparando o tempo das regies metropolitanas brasileiras com o

    de regies metropolitanas de outros pases, os autores concluem que o tempo de

    viagem tende a ser relativamente mais alto nas reas urbanas brasileiras, levando em

    considerao o tamanho populacional (Pereira e Schwanen (2013), p. 13)). Entretanto,

    o tempo de deslocamento difere muito entre pobres e ricos. Em So Paulo, no decil mais

    pobre dos trabalhadores, mais de 25% gastam mais de uma hora no deslocamento casa-

    trabalho, enquanto no Distrito Federal apenas 2% do decil mais rico despende mais de

    uma hora no trajeto. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e

    Estatstica (IBOPE) divulgada em 2014, um tero dos brasileiros estaria disposto a

    comprar tempo se ele estivesse venda e os homens, em mdia, estariam dispostos a

    pagar R$ 85 por uma hora adicional de tempo livre, o que corresponde a mais de 10%

    do salrio mnimo nacional39.

    As pesquisas sobre felicidade indicam ainda que no apenas o tempo de

    deslocamento influencia o bem-estar, mas tambm as condies do deslocamento.

    De acordo com Koslowsky et al (1995), entre as condies que causam reaes fsicas e

    emoes negativas esto o desconforto com a temperatura, a existncia de multides,

    barulho e poluio. Todas so caractersticas notrias do transporte pblico nas grandes

    cidades do pas.

    Para Kahneman (2011, p. 395), as descobertas sobre o efeito do deslocamento

    casa-trabalho no bem-estar tm implicaes para a sociedade e ele defende que

    um transporte melhor para a fora de trabalho est entre as maneiras relativamente

    eficientes de elevar o bem-estar da populao. Naturalmente, os impactos sobre a

    felicidade no so o nico motivo para se aderear com maior nfase a questo da

    mobilidade no Brasil. Entre outras razes est a baixa produtividade do pas,

    39 INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIO PBLICA E ESTATSTICA. Jogo do tempo. Disponvel em: http://www.e-survey.com.br/comunicacao/jogo_do_tempo_v/images/ibope_tempo.pdf. Acesso em: 06/08/2014.

    27

  • considerada atualmente por muitos economistas o principal problema da economia

    brasileira40.

    4.3 DESENHO URBANO

    A insero em comunidades um dos principais fatores relacionados

    felicidade para a Psicologia Positiva ramo da psicologia que, em vez de focar em

    patologias, estuda, entre outras coisas, o bem-estar41. Para Frey (2008, p. 154), existe na

    Psicologia Positiva um reconhecimento de que as pessoas e experincias integram um

    contexto social. Comunidades positivas como a igreja ou a famlia so consideradas

    fatores importantes para alcanar a felicidade. Assim, um desenho urbano que

    privilegie a convivncia e d espao a essas comunidades contribuiria positivamente

    para o bem-estar individual.

    No estudo de Helliwell e Barrington-Leigh (2010), o sentimento de

    pertencimento a uma comunidade foi considerado um dos principais fatores por trs do

    bem-estar subjetivo. Para Helliwell, espaos pblicos que permitam a convivncia

    agradvel geram cidados mais felizes42.

    Para Carter e Gilovich (2010), aquisies de experincias tendem a deixar os

    indivduos mais felizes do que aquisies materiais. Ao comentar sobre resultado de sua

    pesquisa, os autores concluem que fortes conexes sociais, como as decorrentes de

    organizaes recreativas e cvicas so essenciais para o bem-estar psicolgico. Para

    Gilovich, o resultado sugere que as polticas pblicas devem permitir que os cidados

    tenham essas experincias e opina que as comunidades devem ter parques, trilhas e

    assim por diante, que promovam experincias que produzam satisfao real.43

    Algumas grandes cidades j abraaram essa noo e tomaram iniciativas

    pioneiras em integrar as descobertas do estudo da felicidade ao planejamento urbano.

    Melhorar o bem-estar fsico, espiritual, social e mental das comunidades o objetivo

    40 Entre outros, Giambiagi e Schwartsman (2014) consideram que a elevao da produtividade deveria se tornar uma obsesso nacional.

    41 Ver, entre outros, Seligman e Csikszentmihalyi (2000). 42 Bogotas Urban Happiness Movement [25 de junho, 2007]. Toronto: The Globe and Mail. Entrevista

    concedida a Charles Montgomery. Disponvel em: http://www.theglobeandmail.com/life/bogotas-urban-happiness-movement/article1087786/?page=all . Acesso em: 06/08/2014.

    43 GILOVICH, T. Glee from Buying Objects Wanes, While Joy of Buying Experiences Keeps Growing. [31 de maro, 2010]. Ithaca: Cornell Chronicle. Entrevista concedida a George Lowery. Disponvel em: http://www.news.cornell.edu/stories/2010/03/study-shows-experiences-are-better-possessions. Acesso em: 06/08/2014.

    28

  • do Healing Cities Institute, ligado cidade de Vancouver, no Canad, considerada

    repetidamente a melhor cidade das Amricas e uma das melhores do mundo para se

    viver pelo ranking internacional da consultoria Mercer44. A ligao entre Economia da

    Felicidade e o desenho urbano tambm foi vista nas polticas do economista Enrique

    Pealosa, ex-prefeito de Bogot, quando enfatizou a recuperao de espaos pblicos e

    priorizou a mobilidade urbana: Voc precisa realizar seu potencial como ser humano.

    Voc precisa caminhar. (...) desenhar uma cidade pode ser um meio muito poderoso de

    gerar felicidade.45

    Na principal experincia de planejamento urbano no Brasil a do Plano Piloto

    de Braslia , as reas residenciais foram desenhadas de acordo com o conceito de

    unidades de vizinhana, e grandes reas foram destinadas exclusivamente a ocupao

    de organizaes como templos religiosos, associaes e clubes. Se o modelo foi bem

    sucedido ou no razo de controvrsia, mas Braslia parece revelar um precedente

    compatvel com as prescries da Economia da Felicidade para o desenho urbano e a

    sua experincia pode contribuir para o debate sobre a aplicabilidade das prescries para

    o Brasil.

    4.4 SADE

    Um importante aspecto ligado felicidade e que diretamente afetado por

    polticas pblicas o estado de sade de um indivduo. Alguns pesquisadores defendem

    que, por conta da adaptao hednica, algumas condies de sade no influenciam

    tanto os nveis de bem-estar, que seria mais afetado por condies que retm de forma

    quase permanente a ateno do doente mas essa viso contestada por outros

    pesquisadores. No entanto, todos concordam que pelo menos alguns estados de sade

    tm forte efeito permanente sobre a satisfao com a vida. Ainda, muitos pesquisadores

    apontam a relevncia da sade mental para o bem-estar individual.

    Kahneman (2011) reconhece a importncia da sade fsica, mas considera que

    a adaptao existe para vrios problemas de sade, como a deficincia fsica causada

    por um acidente. Os principais problemas que afetariam os nveis de felicidade seriam

    aqueles em que no se pode deslocar a ateno do indivduo, como dores crnicas e

    depresses severas condies em que a adaptao no seria possvel.

    44 Disponvel em: http://www.imercer.com/products/2014/quality-of-living.aspx. Acesso em: 07/8/2014. 45 Bogotas Urban Happiness Movement. Obra citada, p. 28.

    29

  • Easterlin (2003), ao analisar da maneira minuciosa dados de surveys sobre

    satisfao com a vida, tambm enfatiza o papel de doenas crnicas, e igualmente de

    doenas que deterioram o estado de sade progressivamente. Ele no concorda, porm,

    com a viso dominante sobre a adaptao e doenas: No h adaptao hednica

    completa para mudanas adversas na sade. (Easterlin (2003), p. 9).

    O The World Happiness Report 2013, relatrio publicado pelo The Earth

    Institute e pela ONU, como Kahneman, tambm enfatiza a sade mental (p. 5):

    a doena mental a principal causa individual de infelicidade, mas amplamente

    ignorada pelos formuladores de polticas pblicas. Ainda segundo a publicao, 10%

    da populao mundial sofreriam de depresso clnica ou transtornos de ansiedade

    incapacitantes, sendo essas as principais de causas de invalidez e absentesmo, o que

    traria no apenas custos econmicos diretos para a sociedade, mas pesados custos

    pessoais para os afetados. Argumenta-se que tratamentos com boa relao custo-efetivo

    existem, mas so pouco usados mesmo em pases desenvolvidos.

    Outras sugestes feitas pelos pesquisadores na publicao so a de que os

    ambientes de trabalho e escolas sejam mais atentos para a questo de sade mental, que

    os gastos com sade sejam reorientados para levar mais em conta os fatores que incidem

    sobre o bem-estar e tambm que esses gastos priorizem a preveno j que a

    recuperao de problemas de sade mental pode ser lenta e incompleta.

    A situao da sade no Brasil bastante conhecida da populao e da classe

    poltica. Neste caso, o estudo da felicidade refora a necessidade de solues duradouras

    para os nossos vrios problemas na rea.

    4.5 OUTROS FATORES

    O estudo da felicidade encontrou ainda a influncia de outros fatores no

    econmicos no nvel de bem-estar subjetivo. Eles so listados resumidamente abaixo:

    Insegurana: Luechinger et al (2007), entre outros trabalhos, observaram grandes efeitos negativos no nvel de felicidade causados pela insegurana, com foco no terrorismo. A consequncia no bem-estar subjetivo do terrorismo foi muito mais estudada do que o da violncia urbana, mas provvel que a sensao de insegurana decorrente de crimes violentos, de incidncia elevada no Brasil, tambm tenha fortes efeitos nos nveis de bem-estar.

    30

  • Voluntariado: As pesquisas apontam que o trabalho voluntrio tm fortes efeitos positivos na satisfao com a vida. Para resolver o problema relacionado direo da causalidade (voluntrios so mais felizes ou pessoas mais felizes tornam-se voluntrias?), Meier e Stutzer (2008) usaram como experimento natural o colapso da Alemanha Oriental. Segundo eles, l o trabalho voluntrio era bastante difundido e a infraestrutura de voluntariado principalmente clubes ligados s empresas ruiu com a unificao, fazendo que com as oportunidades de voluntariado se extinguissem de maneira aleatria. Antes do fim da Alemanha Oriental, o Painel Socioeconmico Alemo (SOEP) j coletava informaes sobre os nveis de bem-estar subjetivo, permitindo comparaes antes e depois do choque exgeno da unificao.

    Para Frey (2008), o fato de as pessoas fazerem previses erradas sobre a utilidade futura de suas atividades explicaria o porqu do trabalho voluntrio no ser to popular. No Brasil, o voluntariado ainda menos disseminado: o pas ocupa apenas a 90 posio, entre 135 pases, na classificao do World Giving Index de 2013, com base no tempo mdio que os cidados dedicam ao trabalho voluntrio46. Campanhas poderiam incentivar o voluntariado, levando em conta ainda outras consequncias positivas que ele traz, especialmente para setores mais carentes da sociedade. Ainda, considerando a melhora de bem-estar, incentivos poderiam ajudar a populao para despertar para o voluntariado, ainda que essa noo parea contraditria47.

    Degradao ambiental: Em pesquisa cobrindo mais de trs dcadas e 21 pases, Tiwari (2011) v efeitos negativos da degradao ambiental nos nveis de felicidade da populao. Brereton et al (2009) destaca que a literatura j encontrou influncias negativas na satisfao com a vida de fatores ambientais especficos, como desastres naturais, poluio do ar e poluio sonora. J considerando a preocupao das pessoas, Ferrer-i-Carbonell e Gowdy (2007) concluram que a preocupao com a poluio afeta negativamente o bem-estar, mesmo controlados outros fatores como os traos individuais de personalidade.

    46 CHARITIES AID FOUNDATION. World Giving Index 2013. Disponvel em: https://www.cafonline.org/publications/2013-publications/world-giving-index-2013.aspx. Acesso em: 14/09/2014.

    47 Um exemplo o Projeto de Lei do Senado n 339, de 2013, que permite o aproveitamento do servio voluntrio em cursos de nvel superior, na forma de crditos curriculares.

    31

  • Discriminao: Bjrnskov et al (2007) percebem efeitos negativos da discriminao de gnero na satisfao com a vida, resultado que no se limitaria ao bem-estar individual das mulheres, mas tambm dos homens. Para Frey e Stutzer (2002), as descobertas da Economia da Felicidade tambm apontam para o efeito da discriminao em relao a raa, etnia e idade.

    Preferncias bem informadas ou Inteligncia emocional: Considerando que a psicologia mostra que os indivduos cometem erros sistemticos ao tomar decises contrariamente aos agentes racionais da teoria econmica clssica , Easterlin (2003, p. 28) sugere que as polticas pblicas devem dar sria ateno para o estabelecimento de preferncias mais bem informadas, e coloca a educao como o melhor meio para alcanar esse objetivo. No mesmo sentido, Layard (2011) prope um curso, no ensino bsico, cobrindo uma diversa gama de assuntos, que Frey (2008) chama de Educao para a Vida, mas que poderia tambm ser chamado de Inteligncia Emocional48.

    Boyce e Wood (2010) conduziram pesquisa mostrando a importncia de terapia para o bem-estar subjetivo, estimando que um tratamento psicolgico 32 vezes mais efetivo do que um aumento da renda em tornar os indivduos mais felizes. Alm da sensvel discusso sobre paternalismo, propostas como as dos economistas Easterlin e Layard parecem pouco viveis a curto prazo no Brasil, j que notrio que o sistema educacional pblico do pas enfrenta dificuldades em fornecer com qualidade mesmo as disciplinas mais bsicas, como Matemtica ou Portugus.

    Publicidade: Benesch et al (2006) discutem a viso de alguns autores de que a informao transmitida pela televiso seria um bem meritrio, o que daria ensejo interveno do governo na publicidade. Segundo Musgrave (2008), o termo bem meritrio tem vrias aplicaes, mas, em geral, entende-se que ele um bem que deve ser provido por conta de valores sociais e no por conta da escolha individual. Nesse sentido, ele um bem que considerado necessrio para o indivduo, ainda que ele no o deseje ou queira pagar por ele e por isso a atuao do governo (exemplos incluem sade, educao e moradia).

    48 Layard (2011) considera que o curso poderia ter contedo semelhante ao do best-seller Inteligncia Emocional, de Daniel Goleman.

    32

  • Layard (2011) enfatiza o papel que a publicidade tem em moldar as preferncias, por vezes de forma negativa. Ele elogia a experincia sueca, de proibir propagandas para crianas at doze anos e prope que a proibio seja adotada em outros pases, sugerindo que at mesmo a publicidade dirigida a adultos deveria ser mais regulamentada. Para Sachs (2011), os pases deveriam restringir a propaganda voltada a crianas de alimentos que viciam e prejudicam a sade, criticando ainda a publicidade voltada para a populao em geral, que causaria outros vcios de consumo custosos para sociedade. Para Klepacz (2011, pp. 125-127), um psiquiatra, h uma epidemia de estados depressivos ligados sensao de inadequao e insuficincia que pode ser associada mdia.

    Mais uma vez, h uma polmica discusso sobre o tipo de interveno sugerida pelos economistas Layard e Sachs. Recentemente a publicidade dirigida ao pblico infantil, inclusive fora da TV, foi significativamente restringida pela Resoluo n 163, de abril de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (Conanda), rgo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica49.

    Convvio social:

    Ainda, Kahneman (2011, p. 395) destaca que as pesquisas reconhecem a importncia do contato social para o bem-estar e ressalta que um dos melhores preditores dos sentimentos em um dia se a pessoa teve ou no contatos com amigos ou familiares. Frey (2008) remete a conceitos da teoria da autodeterminao para explicar a importncia desse contato: a adaptao hednica seria menor para necessidades intrnsecas (como tempo com a famlia e amigos e hobbies) do que para desejos externos (como renda e status).

    Nessa mesma linha, para Andr Lara Resende (2014), qualidade de vida sobretudo tempo com a famlia, tranquilidade (...) insero numa comunidade com a qual se tem empatia. No mbito das polticas pblicas, essa discusso remete questo do tempo, e, assim, j discutida questo sobre a mobilidade urbana, mas, para Frey, tambm a uma legislao trabalhista flexvel, que desse maior liberdade escolha das jornadas nos contratos trabalhistas.

    49 No Congresso Nacional, tramitam o Projeto de Lei n 5.921, de 2001, e o Projeto de Lei do Senado n 493, de 2013, que tambm restringem a publicidade destinada a crianas.

    33

  • Por fim, o estudo da felicidade observou a importncia de alguns outros fatores

    mais distantes do mbito de atuao das polticas pblicas em afetar os nveis de

    satisfao com a vida. Entre os mais importantes esto a gentica e a personalidade

    individuais, a idade, o casamento (positivamente), o hbito de assistir TV

    (negativamente, por estar ligado procrastinao) e um ambiente hierrquico forte no

    trabalho (negativamente).

    5 AVALIAO DE POLTICAS PBLICAS

    Vrios autores vm ressaltando o papel que as pesquisas sobre a felicidade

    podem ter na avaliao de polticas pblicas e na avaliao do valor de bens pblicos.

    Uma vasta metodologia de avaliao j existe para as polticas pblicas50 e para o valor

    dos bens pblicos: o que vem sendo ressaltado so os casos em que a metodologia da

    Economia da Felicidade soluciona desvantagens de outras metodologias.

    A ideia que, medindo o bem-estar subjetivo e controlando o efeito das vrias

    variveis que o afetam, o impacto de alteraes de determinadas polticas pblicas nos

    nveis de satisfao com a vida poderia ser isolado e avaliado. Para Frey (2008), essa

    metodologia poderia superar os problemas com mtodos tradicionais na avaliao de

    bens pblicos como os de valorao contingente e os mtodos de revelao de

    preferncia (como o mtodo de preos hednicos), e, alm disso, capturaria efeitos

    diretos e indiretos das externalidades envolvidas. Um exemplo destacado o trabalho de

    Van Praag e Baarsma (2004), que avaliaram os custos do Aeroporto de Amsterd para

    os moradores de sua vizinhana. Para Frey e Stutzer (2009, p. 10): Com o bem-estar

    subjetivo reportado como uma medida proxy da utilidade, os bens pblicos podem ser

    diretamente avaliados em termos de utilidade.

    Para Corbi e Menezes-Filho (2006, p. 535), um exemplo de uso das medidas de

    felicidade seria a avaliao de mudanas dos gastos governamentais, e mtodos

    tradicionais poderiam ser complementados por funes micro-economtricas de

    felicidade com um grande nmero de determinantes, permitindo a avaliao dos feitos

    de polticas extensivas de gastos. Prearo (2013), analisando dados para a regio do

    Grande ABC paulista, observa correlao entre os servios pblicos e o bem-estar

    subjetivo individual, mas ressalva que a relao mais forte quando a anlise se d em

    50 Ver, entre outros, Menezes-Filho (2012) e Angrist e Pischke (2008).

    34

  • estratos especficos, de acordo com as caractersticas socioeconmicas e demogrficas

    da populao alvo da poltica.

    6 INICIATIVAS PELO MUNDO

    Em vrios pases, uma ateno maior tem sido dada aos indicadores de bem-

    estar. Para o economista Sir Gus ODonnell (2013, p. 100), chefe de gabinete de trs

    primeiros ministros britnicos entre 2005 e 2011, h um consenso crescente entre

    governos e instituies internacionais de que medidas de bem-estar subjetivo tm um

    importante papel a desempenhar em definir o sucesso (de um pas). J h alguns anos

    que muitos governos e organismos internacionais tm patrocinado iniciativas para dar

    mais ateno felicidade. O professor Lorde Richard Layard, cuja obra foi citada

    anteriormente, foi assessor, do tema, do ex-primeiro ministro britnico Tony Blair.

    O ex-presidente francs Nicholas Sarkozy tambm foi entusiasta da questo, como ser

    visto adiante. Nesta seo, apresentamos algumas iniciativas pelo mundo e no Brasil

    ligadas Economia da Felicidade, desde a discusso sobre novos indicadores at a

    divulgao de rankings de bem-estar individual.

    No incio de 2008, antes da Grande Recesso, o presidente francs Nicholas

    Sarkozy formou uma comisso para identificar os limites do PIB como um indicador da

    performance econmica e considerar como poderiam ser produzidos outros indicadores

    relevantes de progresso social, alm de avaliar a viabilidade de medidas. Liderada pelos

    vencedores do prmio Nobel em Economia Joseph Stiglitz e Amartya Sen (criador do

    ndice de Desenvolvimento Humano IDH), e pelo economista francs Jean-Paul

    Fitoussi, a Comisso para a Mensurao da Performance Econmica e do Progresso

    Social (Comisso Stiglitz-Sen) contou com a participao tambm, entre outros, dos

    tambm prmio Nobel Daniel Kahneman, James Heckman e Kenneth Arrow, alm de

    acadmicos eminentes como os economistas Angus Deaton e Alan Krueger e o jurista

    Cass Sunstein, e de participantes da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento

    Econmico (OCDE). A Comisso apresentou seu relatrio no fim de 2009, tambm

    publicado na forma de um livro51.

    51 COMISSION ON THE MEASUREMENT OF ECONOMIC PERFORMANCE AND SOCIAL PROGRESS. (Mis)Measuring our lives: why GDP doesnt add up / the report by the Comission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress. Nova York: The New Press, 2010.

    35

  • As contradies do PIB como indicador de progresso so apontadas h muito

    tempo. Exemplos comuns so produtos (contabilizados positivamente no PIB) cujos

    processos produtivos causam degradao ambiental (que no contabilizada);

    congestionamentos que elevam o consumo de gasolina (contabilizada no PIB) e que

    deterioram a qualidade de vida (no contabilizada); e acidentes de carro, que geram

    gastos com hospitais, seguradoras e at advogados (tambm entram no PIB) e impe um

    grande custo humano (que no abatido do PIB). Essas desvantagens so bastante

    conhecidas e apresentadas mesmo em livros-texto introdutrios de economia,

    entretanto, a Comisso e o seu relatrio representaram um esforo de propores talvez

    inditas em discuti-las.

    Para os autores, o tema central do relatrio o amadurecimento dos atuais

    sistemas de mensurao existentes, deslocando a nfase da mensurao da produo

    econmica para a mensurao do bem-estar das pessoas (p. 12). Tal amadurecimento

    seria importante porque, segundo a publicao, medidas estatsticas afetam diretamente

    a tomada de decises: se aquelas falham, essas falhariam tambm. feita a distino

    entre dois tipos de avaliao: a do bem-estar corrente e a de sustentabilidade (que indica

    se o bem-estar poder durar ao longo do tempo). A Comisso ressalta que a mudana de

    nfase no implica abandonar o uso de indicadores econmicos como o PIB e defende

    que indicadores econmicos ainda fornecem respostas a muitas questes importantes,

    como monitorar a atividade econmica. Nesse sentido, conclui que as dimenses que

    deveriam ser levadas em conta so as condies materiais de vida (renda, consumo e

    riqueza); sade; educao; atividades pessoais (incluindo trabalho); participao poltica

    e governana; conexes sociais e relacionamentos; meio ambiente (condies atuais e

    futuras); e insegurana (de natureza econmica e fsica).

    A Comisso faz ainda vrias recomendaes. Dentre elas, est a recomendao

    de que as pesquisas sejam desenhadas para avaliar as ligaes entre vrios domnios de

    qualidade de vida para cada pessoa, argumentando que essas informaes devem ser

    usadas ao se desenhar polticas pblicas em vrias reas (p. 15). Outra recomendao

    de que os rgos estatsticos nacionais incorporem em suas pesquisas perguntas sobre

    avaliaes pessoais de satisfao com a vida, alm de experincias hednicas e

    prioridades individuais.

    Na mesma linha, em 2011, a Assembleia Geral da ONU aprovou unanimemente

    a Resoluo 65/309, convidando os pases membros a medir a felicidade de seus

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  • cidados e a usar os dados para orientar suas polticas pblicas. Na Resoluo, a ONU

    coloca a busca da felicidade como um objetivo humano fundamental, reconhece que o

    objetivo da felicidade e a sua aspirao encarna o esprito dos Objetivos de

    Desenvolvimento do Milnio, avalia que o PIB no reflete adequadamente a felicidade e

    o bem-estar, e defende uma abordagem mais equilibrada para o crescimento econmico,

    que promova, alm da erradicao da pobreza e do desenvolvimento sustentvel,

    tambm a felicidade e o bem-estar de todos os povos. Os pases j contam tambm com

    um padro internacional para a mensurao do bem-estar, por meio do documento da

    OCDE apresentado na seo 2.

    Para contribuir para o debate de quais deveriam ser o Objetivos de

    Desenvolvimento Sustentvel para os anos de 2015-2030, foi publicado pelo The Earth

    Institute, da Universidade Columbia, e pela ONU o j citado The World Happiness

    Report, com a ltima verso em 2013. Organizado por John Helliwell, Richard Layard e

    Jeffrey Sachs, o estudo defende que o conhecimento gerado nas pesquisas sobre

    felicidade pode ser usado para desenvolver polticas pblicas melhores, tanto em relao

    a resultados quando em relao ao modo de formulao. Para eles, existe uma demanda

    que cresce no mundo todo para que as polticas pblicas estejam mais alinhadas com o

    que realmente importa para as pessoas (p. 6).

    O estudo tambm apresenta iniciativas especficas ao redor do mundo nessa

    direo. A mais conhecida a do Reino do Buto, que j nos anos 70 colocou como

    objetivo do pas aumentar a Felicidade Interna Bruta, aludindo ao Produto In