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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito INTERESSE PROCESSUAL E INTERSUBJETIVIDADE RACIONAL Francis Vanine de Andrade Reis Belo Horizonte 2009

INTERESSE PROCESSUAL E INTERSUBJETIVIDADE … · silenciamento do outro, como forma de causar o menor prejuízo possível aos litigantes, abandonando-se a promessa ambiciosa de uma

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

INTERESSE PROCESSUAL E INTERSUBJETIVIDADE RACIONAL

Francis Vanine de Andrade Reis

Belo Horizonte

2009

1

Francis Vanine de Andrade Reis

INTERESSE PROCESSUAL E INTERSUBJETIVIDADE RACIONAL

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Direito da Faculdade Mineira de

Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, nível Mestrado, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Direito Processual.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Horta Tavares

Belo Horizonte

2009

2

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Reis, Francis Vanine de Andrade

R375i Interesse processual e intersubjetividade racional / Francis

Vanine de Andrade Reis. Belo Horizonte, 2009.

190f.

Orientador: Fernando Horta Tavares

Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de

Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito.

1. Ação judicial. 2. Direito processual. 3. Interesse de agir

(Direito). 4. Intersubjetividade. I. Tavares, Fernando Horta. II.

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de

Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.922

3

Francis Vanine de Andrade Reis

Interesse Processual e Intersubjetividade Racional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de

Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, nível Mestrado, como requisito

parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Processual.

Belo Horizonte, 2009.

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Fernando Horta Tavares (orientador) – PUC Minas

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Rosemiro Pereira Leal – PUC Minas

___________________________________________________________________________

Prof. Dra. Soraya Regina Gasparetto Lunardi - UNIMAR

Belo Horizonte, 03 de abril de 2009.

4

DEDICATÓRIA

A Clélia Rodrigues Teixeira de Andrade, pelo exemplo de

que a luta pela vida é a que vale a pena.

5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, José Maria e Cirléia, por todo o apoio, incentivo e incondicional amor.

À Kathya, por ter vivido, também, cada angústia e ajudado a superar cada dificuldade

com muito amor e carinho.

Ao meu orientador, professor Fernando Horta Tavares, pela paternal atenção e pela

sinceridade absoluta no trato pessoal e intelectual.

Aos professores Rosemiro Pereira Leal e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, pela

intensa convivência de um ano no programa de pós-graduação da PUC Minas, e pelas

essenciais contribuições ao presente texto.

Aos colegas, a quem faço menção especial ao Marius, Wagner, Bruno Bini, Zamira

Assis e Maria Cecília, pela interlocução sempre rica e pela convivência especial.

Aos funcionários da PUC Minas e aos amigos do Coral da PUC, por todo apoio.

À professora Rozirene Emetérito Leite, coordenadora do Curso de Direito das

Faculdades Pitágoras – Campus FADOM, pelo apoio incondicional.

A todos que participaram desse grande processo de construção da presente hipótese

que se apresenta à crítica.

6

EPÍGRAFE

“(...) diante da lei está postado um guarda. Até ele se

chega um homem do campo que lhe pede que o deixe

entrar na lei. Mas o sentinela lhe diz que nesse momento

não é permitido entrar (...). Quando o guarda percebe

isso [que o homem olha através da porta da lei, semi-

aberta] desata a rir e diz: „Se tanto lhe atrai entrar,

procura fazê-lo não obstante a minha proibição. Mas

guarda bem isso: eu sou poderoso e contudo não sou mais

do que o guarda mais inferior; em cada uma das salsa

existem outros sentinelas, um mais poderoso do que o

outro. Eu não posso suportar já sequer olhar do terceiro‟.

O camponês não esperara tais dificuldades; parece-lhe

que a lei tem de ser acessível sempre a todos (...)

Franz Kafka

7

RESUMO

Com a redemocratização brasileira completando vinte anos, necessária se faz a releitura de

vários institutos jurídicos, para analisar sua pertinência ao padrão adotado pela

constitucionalidade em vigor no pós 1988. A Ação, tratada de forma essencialista ao ser

definida como poder ou como direito subjetivo, ganha novas possibilidades críticas ao ser

vista como seqüência de atos jurídicos (procedimento), por potencializar a visualização da

participação dos litigantes na construção da decisão jurisdicional. O interesse processual, bem

como as demais condições da ação, tem desservido, em sua acepção tradicional, à democracia

por se constituir em um anteparo ao acesso à jurisdição. Essa, por sua vez, não pode mais ser

vista como atividade do juiz (judicação), mas como atividade de um juízo compartilhado, no

qual se operacionalizam os princípios do devido processo. Para tanto, a importância da adoção

de uma metodologia baseada em mecânica social gradual, na qual se evita ao máximo o

silenciamento do outro, como forma de causar o menor prejuízo possível aos litigantes,

abandonando-se a promessa ambiciosa de uma pacificação social por uma jurisdição

salvadora. O Interesse Processual, neste quadro, ganha contornos de instituto jurídico ao

permitir a aproximação das partes a fim de que apresentem críticas mútuas, se assim

desejarem, aos discursos pretensionais apresentados nos autos, tudo visando o esclarecimento

do melhor critério para agir em face do problema levado a juízo.

Palavras-chave: Ação Processual e acesso à jurisdição. Condições da Ação. Interesse

Processual. Intersubjetividade Racional. Princípios democráticos do

Processo.

8

ABSTRACT

Since the Brazilian redemocratization is completing twenty years, it is necessary to review

several juridical institutes, in order to analyze its pertinence to the pattern adopted by the

constitutionalism in force since 1988. The Action, treated in an essentialist form when being

defined as power or as a subjective right, faces new critical possibilities when being seen as a

sequence of juridical acts (procedure), for it strengthens the visualization of the litigants'

participation in the construction of the judicial decision. The procedural interest, as well as the

other conditions of the action, has not served, in its traditional meaning, to the democracy for

it constitutes a barrier to the access to the jurisdiction. That, for its time, cannot be seen as the

judge‟s own activity, but as an activity of a shared judgment, in which the principles of due

process operationalize. In so being, the importance of the adoption of a methodology based on

gradual social mechanics, in the which it is avoided to the maximum, the silence of the other,

as a form of causing the smallest possible damage to the litigants, setting aside the ambitious

promise of a social pacification by a saving jurisdiction. The Procedural Interest, in this

picture, gains contours of juridical institute when allowing the approach of the parties so that

they present mutual critics, when they feel it necessary, to the pretentious speeches presented

in the solemnities, all this aiming at an explanation of the best criterion to act in face of the

mischievous problem to judgement.

Key-words: Procedural action and access to the jurisdiction. Conditions of the Action.

Procedural Interest. Rational Intersubjectivity. Democratic principles of the

Process.

9

LISTA DE ABREVIATURAS

Art. – artigo

Arts. – artigos

Ed. – Editor

n. - número

Org. – Organizador

Col. – Colaborador

Coord. – Coordenador

10

LISTA DE SIGLAS

AI – Ato Institucional.

CCB/1916 – Código Civil Brasileiro de 1916 (Lei nº 3.071/1916).

CCB/2002 – Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei nº 10.406/2002).

CF – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

CNJ – Conselho Nacional da Justiça.

CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito.

CPB – Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940).

CPC – Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n° 5.869/1973).

CPC/1939 – Código de Processo Civil Brasileiro de 1939 (Decreto-Lei 1.608/1939).

CR/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

EC – Emenda Constitucional.

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social.

LICC – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942).

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil.

REsp – Recurso Especial.

STF – Supremo Tribunal Federal.

STJ – Superior Tribunal de Justiça.

TJMG – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................13

2 A VISÃO ESSENCIALISTA DO DIREITO E SUA CONSEQÜENTE

OBSTACULARIZAÇÃO AO ATINGIMENTO DE UM ESTÁGIO DE SOCIEDADE

ABERTA E DEMOCRÁTICA..............................................................................................16

2.1 O padrão democrático adotado pelo Brasil em 1988 e sua necessidade de expansão.17

2.2 A visão de Karl Popper a respeito de democracia e sociedade aberta.........................24

2.2.1 Idéias popperianas sobre democracia............................................................................25

2.2.2 Características e mazelas de uma sociedade fechada: fatores de sua derrocada.........29

2.2.3 O projeto para instauração de uma sociedade aberta (democrática)............................35

2.3 A necessária distinção entre natureza e convenção e suas conseqüências

metodológicas na desnaturalização do direito......................................................................38

2.4 A proposta popperiana de análise dos institutos jurídicos a partir da teoria da

mecânica social gradual..........................................................................................................49

2.5 A teoria neo-institucionalista do processo e sua proposta de democratização do

direito pelo processo................................................................................................................53

3 A VISÃO ESSENCIALISTA DA AÇÃO E DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO: evolução

teórico-histórica.......................................................................................................................57

3.1 As principais teorias a respeito do conceito de Ação.....................................................58

3.1.1 Ação como poder.............................................................................................................58

3.1.2 Ação como direito subjetivo............................................................................................66

3.1.3 Ação como seqüência de atos jurídicos (procedimento)................................................74

3.2 As “condições da ação” na literatura jurídica brasileira..............................................79

3.2.1 As “condições” como requisitos de existência da ação a partir do pensamento de

Adolf Wach e Enrico Tullio Liebman.....................................................................................81

3.2.2 As “condições” como requisitos de validade da ação e como técnica de sumarização

da cognição...............................................................................................................................88

3.2.3 As condições como requisitos de procedibilidade a partir da visão de Rosemiro Pereira

Leal...........................................................................................................................................92

12

4 O INTERESSE PROCESSUAL COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO.................................96

4.1 A idéia de interesse a partir de Rudolf von Ihering.......................................................98

4.2 As várias distinções na idéia de interesse na ciência do processo...............................102

4.2.1 Interesse substancial.....................................................................................................102

4.2.2 Interesse processual......................................................................................................105

4.2.2.1 Interesse de agir........................................................................................................107

4.2.2.2 Interesse em contestar..............................................................................................113

4.2.2.3 Interesse em recorrer................................................................................................115

4.3 Aspectos essencialistas na tradicional visão do Interesse e sua contribuição ao

impedimento ao atingimento de uma sociedade aberta pela supressão da principiologia

do Processo.............................................................................................................................116

5 O PRINCÍPIO DO “ACESSO À JUSTIÇA” E A CRIAÇÃO DE ANTEPAROS

COMO SOLUÇÃO DO “PARADOXO DO ACESSO À JURISDIÇÃO”......................120

5.1 O direito de ação em seu aspecto pragmático: a correlação com a idéia de “acesso à

justiça”...................................................................................................................................120

5.1.1 A evolução teórico-histórica do conceito de jurisdição: do direito romano ao

instrumentalismo....................................................................................................................121

5.1.1.1 Jurisdição no Direito Romano: acepção privatística.............................................122

5.1.1.2 Jurisdição em Liebman: confusão teórica com a judicação..................................123

5.1.1.3 Jurisdição na escola instrumentalista: centro das reflexões por conta da missão

de executar escopos metajurídicos.......................................................................................124

5.1.2 O “Acesso à Justiça” na teoria instrumentalista do processo: interpretação do art. 5º,

XXXV, da CR/1988.................................................................................................................126

5.2. O “paradoxo do acesso à jurisdição” e sua solução pela criação de anteparos: papel

das condições da ação...........................................................................................................130

5.3 O conceito de jurisdição na teoria neo-institucionalista do processo e a superação do

paradoxo do acesso sem a supressão de direitos fundamentais........................................133

5.3.1 A releitura do conceito de jurisdição pela teoria neo-institucionalista do processo..134

5.3.2 A Ação Processual (procedimento) e a Jurisdição: vinculação à principiologia do

processo e a conseqüente criação de espaço para discursividade autocrítica.....................137

6 INTERESSE PROCESSUAL E INTERSUBJETIVIDADE RACIONAL...................148

6.1 Interesse processual na estrutura da decisão juridicamente democrática................150

13

6.1.1 A impossibilidade de aplicação da interdital teoria da asserção em face da teoria da

cognição processual compartilhada......................................................................................150

6.1.2 A inserção do Interesse Processual no espaço do mérito: supressão do espaço pré-

merital como condição necessária para democratização do procedimento.........................156

6.2 O Interesse Processual como Instituto Jurídico...........................................................160

6.2.1 A construção das idéias de necessidade/utilidade a partir da aproximação dos

discursos num espaço lógico processualizado (procedimento)............................................161

6.2.2 A adequabilidade como demarcação do discurso pretensional das partes.................166

6.3 O papel do Interesse Processual como fator de expansão do princípio do acesso ao

direito pelo devido processo.................................................................................................169

7 CONCLUSÃO....................................................................................................................172

REFERÊNCIAS....................................................................................................................174

14

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa envolve uma releitura do Interesse Processual, encarando-o como

instituto jurídico capaz de aproximar as partes para construção compartilhada do melhor meio

de agirem em face de um problema apresentado no ambiente jurisdicional. Para tanto,

problematiza-se a possibilidade de o Interesse Processual ser um anteparo ao acesso à

jurisdição, como defendia Liebman, principalmente em face da constitucionalidade brasileira

em vigor no pós 1988.

A seguir, será apresentado, no primeiro capítulo, intitulado de “A visão essencialista

do direito e sua conseqüente obstacularização ao atingimento de um estágio de sociedade

aberta e democrática” as razões da opção do Povo brasileiro na adoção do modelo

democrático de regulação do conviver. Serão analisados os princípios democráticos da

Constituição da República Federativa do Brasil, de 01 de outubro de 1988, e como estes

princípios possibilitarão a evolução da sociedade brasileira, do autocrático modelo de

“sociedade fechada” que imperou nos anos do Regime Militar, para uma sociedade aberta.

A idéia de sociedade aberta será abordada com base na obra “A Sociedade Aberta e

Seus Inimigos”, de Karl Popper (1998a e 1998b), identificando, a partir do autor austríaco,

suas características, bem como a diferenciando da chamada “sociedade fechada”, totalitária e

autocrática.

Uma das características da sociedade aberta, a ser abordada, é justamente a

diferenciação entre “natureza e convenção”, fundamental para a desmistificação da análise do

direito. Num quadro de sociedade aberta, todos os institutos jurídicos são abertos à crítica,

porque são considerados como criação do gênio humano.

Ainda, no primeiro capítulo, será abordada a teoria da mecânica social gradual e como

esta pode ser útil para a criação de políticas públicas para evitar o sofrimento da população.

Os institutos jurídicos serão abordados a partir da sua visualização prática dentro do objetivo

aqui narrado. Discorrer-se-á, dentro da idéia de mecânica social gradual, sobre a teoria neo-

institucionalista do Processo, e seu papel como construtora de institutos jurídicos que sejam

abertos a crítica e visem, simplesmente, superar o sofrimento da população.

No segundo capítulo, intitulado de “A visão essencialista da ação e das condições da

ação”, discorrer-se-á sobre as teorias da “Ação como poder” e “Ação como direito subjetivo”,

destacando seus aspectos essencialistas e como estas têm contribuído para o impedimento de

se atingir um estágio de sociedade aberta.

15

Num segundo momento, será proposto o conceito de “Ação Processual” a partir da

teoria da “Ação como seqüência de atos jurídicos (procedimento)”, elaborada por Rosemiro

Pereira Leal e por Elio Fazzalari, destacando como esta, ao valorizar a participação das partes

nos atos no procedimento, contribuirá com a democratização da função jurisdicional do

Estado, pela adoção da principiologia do Processo (contraditório, ampla defesa e isonomia).

Em seqüência, serão analisadas as “condições da ação”, em Liebman e Wach, de

forma a entender o seu papel dentro da ciência do processo como uma das soluções para o

paradoxo do acesso universal à jurisdição. Serão narrados os fundamentos que motivaram a

criação das condições da ação, bem como sua operacionalidade no Código de Processo Civil

Brasileiro.

No terceiro capítulo, será desenvolvida a noção tradicional de Interesse Processual

para problematizar se esta condição da ação, assim como as demais (legitimidade para causa e

possibilidade jurídica do pedido), tem servido à democratização da função jurisdicional do

Estado pelos princípios do Processo.

No quarto capítulo, será abordado o problema do “paradoxo do acesso universal à

função jurisdicional” e como as condições da ação tem sido utilizadas como uma das técnicas

para sua solução. Será demonstrada a impropriedade desta saída para o problema da

“morosidade do Judiciário”, apontando outras soluções que não firam direitos fundamentais

dos litigantes.

Por fim, uma releitura do Interesse Processual como instituto jurídico capaz de

contribuir para o esclarecimento de qual o melhor critério para o agir em face do problema

levado à jurisdição, pelas partes, através do Processo.

O objetivo da presente pesquisa, portanto, é conjecturar uma solução para o seguinte

problema: é possível a convivência entre o interesse processual como anteparo ao acesso à

jurisdição e os princípios constitucionais do processo? A hipótese que será proposta passa

pelo confronto entre o texto do Código de Processo Civil Brasileiro, em especial o dos artigos

3º e 267, VI, e o texto da Constituição Federal, quando esta positiva os princípios da

inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal.

Justifica-se o estudo do problema apresentado porque ele tem reflexos gerais em

vários institutos processuais, tais como a cognição processual, a prova, a coisa julgada e a

preclusão.

O tema proposta passa pelo estudo do Direito Processual como um todo, não ficando

dissociado do Direito Constitucional, porquanto ambos estão conectados juridicamente pela

principiologia democrática da Constituição Federal.

16

O presente trabalho, por fim, apresenta-se, como conjectura quanto à possibilidade de

inclusão do Interesse Processual no espaço merital e da supressão do espaço pré-merital em

que são tratadas as questões prévias (dentre as quais se incluem os pressupostos processuais e

as condições da ação), e de como esta modificação teórica poderá contribuir para

democratização das decisões jurisdicionais. É apenas mero passo inicial para abertura de

novas possibilidades críticas em relação à milenar polêmica em torno do acesso à formas

pacíficas de solução de conflitos.

17

2 A VISÃO ESSENCIALISTA DO DIREITO E A OBSTACULARIZAÇÃO AO

ATINGIMENTO DE UM ESTÁGIO DA SOCIEDADE ABERTA E DEMOCRÁTICA

O presente capítulo aborda a idéia de democracia desenvolvida na obra de Karl Popper

(1998a e b) e sua adequação ao propósito contido no texto da Constituição de 1988, bem

como apresenta, a partir do mencionado autor, argumentos para um a distinção entre natureza

e convenção, fundamental para construção de uma sociedade aberta, de modo a enquadrar o

Direito na segunda categoria. Por fim, apresenta uma sugestão metodológica para visualização

das questões jurídicas a partir de uma análise pragmática, e não mais essencialista, a

possibilitar a consecução do objetivo constitucional de expansão da legitimidade do direito

pela redução da coatividade, apresentando-se, para tanto, explicitação acerca do projeto de

mecânica social gradual, teorizado por Popper.

Cumpre ressaltar, previamente, que se tratará da legitimidade como aceitação racional

de uma idéia, por um processo dialógico de construção de consenso pelo conhecimento,

visando redução da utilização de mecanismos de coação da vontade utilizados pelo direito,

como forma de se evitar a intimidação física e psicológica do sujeito, mesmo que

institucionalizada através dos mecanismos estatais (coerção).

Para tanto é essencial a visão popperiana de sociedade aberta e as alternativas que o

citado autor propõe para redução da coatividade da legislação, alternativas que serão muito

úteis no pensar da Ação Processual e do Interesse Processual sob seu prisma funcional,

visando, sempre a abertura do direito para o diálogo que estabilize as relações intersubjetivas

por meio de uma racionalidade que se expresse discursivamente, e não mais por meio de força

física e psicológica, da qual um direito de viés mais autoritário se tem valido, para construção

de seus mecanismos de sanção.

O presente capítulo, portanto, visa o estudo de como é possível a adoção de caminhos

dialógicos para a estabilização das relações intersubjetivas, no sentido de permitir o

cumprimento das regras, pela redução da violência e do constrangimento da vontade, mesmo

que institucionalizados através da legislação. Os reflexos das conclusões que serão abaixo

elaboradas, por sua vez, servirão como ponto de partida para a análise das teorias em voga

sobre a Ação Processual e seu condicionante Interesse Processual, problematizando se tem

servido ao atingimento de uma sociedade democrática ou se são resquícios de um modo

autoritário de regular o viver entre os homens.

18

2.1 O padrão democrático adotado pelo Brasil em 1988 e sua necessidade de expansão

A Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor desde 1988, é um marco

dentro da regulação da vida dos brasileiros. Em um processo legislativo democrático de

incorporação de anseios populares, revolucionou a legislação brasileira ao buscar, por seu

texto, a completa transformação de um país que conviveu por mais de vinte anos com uma

feroz ditadura militar, pautada, conseqüentemente, em formas absolutamente autoritárias de

governabilidade (SILVA, 2005, p.126). A entrada em vigor, em 1º de outubro de 1988, de

uma positividade constitucional voltada para a construção de uma democracia real, em

substituição à fictícia versão em vigor no pós Golpe Militar de 1964, é confirmada por meio

de uma série de regras e princípios a serem concretizados no espaço territorial brasileiro.

Vale ressaltar que a Constituição, como lei maior dentro de nosso ordenamento, foi

elaborada após processo legislativo realizado na Assembléia Constituinte, reunida entre

fevereiro de 1987 e outubro de 1988, a partir de uma livre eleição de representantes de todos

os segmentos sociais, da qual participou toda população brasileira, que foi capaz de

proporcionar um amplo campo para debates, sem precedentes em nossa história (SARLET,

2007, p.75-76). Como reflexo desse processo, positivou-se na referida Constituição o desejo

do Povo Brasileiro de constituir um Estado Democrático de Direito e a compreensão do

significado desta expressão é essencial para a interpretação de todo do direito a partir da

adoção dessa nova forma de organização do viver entre os homens.

Tal desejo é facilmente explicável ao se tomar em conta os tempos do autoritarismo

que imperou em nosso país desde a tomada do poder pelo Golpe de Estado de 1964, que

dominou as formas institucionalizadas de organização do Estado por mais de vinte anos. A

relevância dada pela Constituição Brasileira à democracia, ao caráter pluralista e aos direitos

fundamentais, em especial, só demonstra a reação do constituinte ao regime de restrição e de

aniquilação das liberdades imposto pelos governos militares (SARLET, 2007, p.78).

Essas opções do Povo Brasileiro, escolhidas por meio de seus representantes eleitos,

têm tanta importância que constam no preâmbulo da citada Constituição1, bem como no seu

1 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um

Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direito sociais e individuais, a liberdade, a segurança,

o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,

com a solução pacífica das controvérsias, promulgados, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da

República Federativa do Brasil.”.

19

artigo 1º, caput2, este como primeiro dispositivo de seu Título I, nominado “Dos Princípios

Fundamentais”. A fundamentalidade da escolha realizada em 1988 deve ser sempre destacada,

pois traz o padrão hermenêutico para nortear todas as discussões a respeito do conviver no

espaço físico e jurídico do Estado Brasileiro. São, portanto, pontos de partida para análise de

todo o agir do Povo Brasileiro que, segundo o parágrafo único do já citado dispositivo

constitucional3, é o único titular do poder no Brasil, cujo exercício pode ser delegado aos seus

representantes ou mesmo exercido diretamente.

A democracia, pelo visto, foi o modo de vida escolhido pelo Povo Brasileiro para a

construção de suas relações intersubjetivas. Essa preferência é significativa, em face dos já

citados fatores históricos que levaram ao afastamento de uma forma de convivência pautada

em relações baseadas em poder autoritário, na qual a racionalidade é colocada em segundo

plano, porquanto o principal e primordial meio utilizado para a estabilização das decisões

proferidas é a utilização da violência física e psicológica, visando, principalmente, o

aterrorizamento e o silenciamento dos indivíduos. Neste quadro não há mais que se falar em

cidadãos livres, mas em meros meios de subsistência da administração governativa,

responsável pela aplicação desta violência física institucionalizada e detentora deste poder de

subjugação da vontade. O viver naquela época, longe de ser forma de desenvolvimento das

faculdades humanas dos cidadãos, consistia num mero sobreviver em seu aspecto biológico.

Há de se pensar na idéia de democracia como forma de regulação da convivência entre

sujeitos, a qual não visa à superação das vontades divergentes pela utilização de força física.

O poder, visto como faculdade de fazer com que uma ou mais pessoas realizem determinadas

ações ou tarefas, submetendo-se à vontade de outrem (CHALITA, 2005, p.21), na

democracia, está muito mais voltado para a dialogicidade do que para utilização de meios

violentos que levem, portanto, ao silenciamento.

Bonavides também trabalha com este conceito ao informar que o poder é a energia que

anima a existência de uma comunidade humana, a qual consiste na faculdade de tomada de

decisões, seja por força, seja por competência (2008, p.115). Anota que esta energia de

realização da vontade subordinando a vontade do outro, nos Estados modernos, vem passando

por um processo de despersonalização, visto que, ao invés dos indivíduos, agora são as

instituições que o detém. Isso significa que, de um atributo pessoal, agora passa a ser algo, no

âmbito individual, transitório, pois dependerá de quem exerce o cargo e do processo que se

2 Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel entre os Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...].”. 3 Art. 1º. [...] Parágrafo único. “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição.”.

20

utilizou para lá chegar. Essa transitoriedade ainda ganha mais força pelo fato de a noção

moderna de poder informar que este é fundado na aprovação do grupo, de forma que a

autoridade já não pode mais andar dissociada da legitimidade, esta no sentido de adesão

voluntária à ordem emanada. Poder, para Bonavides, muito mais do que simples força, passa a

ser a disciplinação da força (2008, p.116).

A idéia de legitimidade, por sua vez, passa por um processo de valoração do poder.

Com os Estados de Direito, a capacidade de fazer valer decisões em relação a terceiros é

conferida pela lei, e esta só pode surgir, na democracia, como fruto de discussões populares

(2008, p.121). Logo, legítimas são as decisões de quem exerce o poder e apresenta

justificativas que buscam a adesão da vontade dos populares que delegam tal função pública4.

São decisões consentidas visto que a vontade daquele que exerce o cargo público é obedecida

como fruto de uma concordância de seu destinatário, de um consenso, como “comunhão de

senso” pela coincidência de objetivos na transformação da realidade. Isso só pode ser

alcançado pela explicitação das justificativas, dos fundamentos, com base nos quais cada

decisão foi tomada.

Ainda, para que o poder seja exercido de forma legítima e conte com a adesão do

povo, aquele que o delegou, são necessários mecanismos para seu controle por parte dos seus

destinatários. Para tanto, a Constituição cria institutos jurídicos que permitem aos populares o

questionamento crítico das decisões tomadas por seus mandatários, de forma que o obedecer

dos comandos também passe a ser um racional ato de vontade do destinatário. Assim, busca-

se, cada vez mais, a substituição da submissão pela força, pela construção de adesão por uma

vontade autônoma de cada um dos destinatários das decisões. Conforme veremos adiante, o

processo, pelo menos a partir das teorias constitucionalista5 e neo-institucionalista, tem

assumido este papel de instituição de controle popular do poder delegado, trazendo

legitimidade para as decisões.

4 Vale a pena citação literal de Bonavides em trecho bem elucidativo sobre o tema: “A legitimidade abrange por

último duas categorias de problemas distintos. O primeiro problema se relaciona com a necessidade e a

finalidade mesma do poder político que se exerce na sociedade através principalmente de uma obediência

consentida e espontânea, e não apenas em virtude da compulsão efetiva ou potencial de que dispõe o Estado –

instrumento máximo de institucionalização de todo o poder político.”. (2008, p.128). 5 Nesse sentido, imprescindível a lembrança dos estudos do brasileiro José Alfredo de Oliveira Baracho (1997,

1999 e 2006), bem como do jurista italiano Ítalo Andolina, da qual vale a pena citação literal: “A ordem

democrática impõe que a cada poder corresponda uma responsabilidade, e por isso, cada poder (recte: o

exercício de cada poder seja objeto do controle correlato). [...] À difusão (no sentido democrático) do „poder da

política‟ (recte: deve corresponder) uma correlata dilatação do sistema de controles, e, portanto, do „poder das

garantias.”. (1997, p.63). O processo jurisdicional é visto pelo autor como a última forma de controle por ser

uma das formas de atuação do sistema de garantias que tem a população de controlar o exercício do poder por

ela delegado (1997, p.64).

21

O Direito, por se tratar de uma criação humana, é forma de se disciplinar o exercício

do poder, é forma de controle, portanto. Ao ser colocado como mecanismo de estabilização da

convivência dos homens pela aplicação da lei e esta ser é fruto de um processo de discussão

de várias vontades individuais, o Direito assume um papel de regulamentador de condutas, ou

seja, consiste em adequar o agir do sujeito ao padrão permitido pela lei, ou impedir este agir

quando for contrário a um padrão proibido, bem como exigir um agir quando se tratar de um

padrão devido. O Direito é, portanto, instrumento de previsibilidade de condutas.

Uma grande polêmica que tem acompanhado o estudo da idéia de Direito como

instrumento de controle do poder, é se necessita da violência física para buscar sua força, no

sentido de eficiência na consecução do objetivo de ser observado o padrão de condutas na lei

definido. Mata Machado (1999), em essencial estudo sobre o tema, buscou investigar os

conceitos de coação6 e coerção

7, bem como sua necessidade de presença no direito, como seu

elemento. A conclusão que chegou, após minuciosa análise de autores tanto coercitivistas8,

como Ihering e Kant, quanto anti-coercitivistas9, como Jellinek, foi que a força do direito não

está na coerção, que é apenas um efeito seu, mas na liberdade (1999, p.221). Percebe que a

coerção é apenas um dos instrumentos de que a lei se vale para ser observada, sendo fruto de

específicas condições existenciais do homem (1999, p.243). Dessa forma pode, portanto, tanto

quanto possível, ser substituída por outros instrumentos, criados pelo próprio direito, dentre

os quais destacamos a adesão racional, aqui traduzida como legitimidade.

Essa conclusão é essencial para a análise que faremos adiante a partir da construção de

uma sociedade aberta pela redução paulatina da coerção no direito. O abrandamento da força

física ou violência psicológica, com substituição pela adesão por ato de vontade formada após

um racional processo de convencimento do cidadão, é tema caro para Popper e definirá a

forma como discorrerá sobre sua idéia de democracia. Para ele, conforme veremos, um direito

6 Coação é entendida pelo autor como o ato de obrigar alguém a fazer algo contra sua vontade, através da

utilização de violência. O ato de coagir envolve constrangimento pela utilização de força e é causa de defeito do

negócio jurídico, por ser vício na formação da vontade do indivíduo (MATA MACHADO, 1999, p.15). Essa

idéia está positivada em nosso ordenamento pátrio no art. 151 do CCB/2002 (Código Civil Brasileiro de 2002). 7 Coerção, por sua vez, está ligada à idéia de coação institucionalizada, ou seja, na utilização de violência

prevista no texto da lei. É expressão social, surgida da necessidade do grupo de fazer valer suas decisões e atua

de forma indireta ou moral, por ter sua expressão de forma potencial ou virtual. Explica-se: enquanto a coação é

a efetiva utilização da violência para efetivação de regra descumprida, a coerção é a previsão da utilização da

coação (MATA MACHADO, 1999, 37-43). 8 O autor destaca como outros teóricos da imanência da coercitividade no conceito de direito: Stahl, Holzendorf,

Lasson, Stammler e Kohler (MATA MACHADO, 1999, p.40) 9 Outros autores destacados como anti-coercitivistas, por entenderem ser a coerção elemento do direito a fim de

que ele cumpra sua missão: Bergbohm, Trendelenburg, Thon, Bierling e Liesker (MATA MACHADO, 1999,

p.40).

22

que se quer democrático deve pautar a sua força, na efetiva produção das condutas por ele

previstas, pela legitimidade.

Essa constatação é de suma importância para a identificação do padrão democrático de

convivência escolhido pelo Povo Brasileiro em 1988, pois ao se optar pelo sistema

democrático, fixou-se a necessidade da construção de um conviver fundamentado primordial

e expansivamente na legitimidade, abandonando, tanto quanto possível, a coercitividade que,

por ser pautada na utilização da força na aplicação da sanção, é marca dos sistemas

autoritários. Como afirma Mata Machado: o Estado autoritário é aquele que possui o

monopólio do direito e o faz valer pela força (1999, p.246).

A busca pela substituição da coerção, como ameaça de utilização de violência para

realização do direito criado pela lei, encontra guarida no texto do artigo 3º da Constituição de

1988, ao traçar como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção

de uma sociedade livre, justa e solidária. Tais objetivos indicam para uma necessidade de

expansão dos princípios institutivos10

da Democracia Brasileira, o que também está positivado

em seu artigo 5º, §2º11

.

Ao informar que os direitos fundamentais devem passar por atividades de constante

expansão, conforme a previsão de interpretação ampliativa contido no citado art. 5º, §2º, da

CR/1988, o comando do texto constitucional determina regra de otimização12

do regime

democrático e dos princípios por ela adotados, de forma paulatina. Positiva, portanto, o desejo

popular de busca por uma constante e radical democratização da vida em conjunto no Brasil,

10

Princípios institutivos são aquele que, por comportarem desdobramentos em seu âmbito jurídico devido ao seu

amplo grau de fecundidade, ou seja, de expansividade com a elaboração de outros princípios, assumem a

característica de autênticos institutos. Princípio pode ser entendido como marco teórico introduzido pelo texto da

lei com a função de ser referente interpretativo das regras legais e dos conceitos delas extraídos (LEAL, 2008,

p.96-97 e 273), traduzido numa expressão ou enunciado sintético. Instituto pode ser entendido como

agrupamento de princípios que guardam afinidades ou unidade de conteúdos lógico-jurídicos conforme a

previsão legal (LEAL, 2008, p.273). Pelo exposto, princípios institutivos da democracia podem ser entendidos

como o discurso legal que procura traçar as diretrizes de concretização e demarcação do significado de

democracia para o Povo brasileiro, e são ponto de partida para confecção e aplicação (interpretação) de regras

jurídicas deles derivadas. O que se pode dizer é que criação e aplicação de regras fora dos princípios institutivos

da democracia, deduzidos de todo o texto constitucional é verdadeira negação desta e, portanto, são atitudes

absolutamente incompatíveis com o modelo de viver adotado pelo Brasil após 1988. 11

Art. 5º. [...] §2º. “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil

seja parte.”. 12

Por regra de otimização podemos entender o dever de aprofundamento dos princípios institutivos, buscando

cada vez mais a elaboração de princípios informativos e regras operacionais, tudo no sentido de aplicação prática

das teorias e institutos presentes na Constituição, a permitir a realização do modo de vida democrático. Ademais,

o comando de expansividade envolve a criação de novos princípios institutivos, informativos e regras

operacionais, visando, sempre a elevação do nível de dignidade do povo brasileiro. O interesse processual será

encarado como um instituto processual voltado para essa missão de ampliação da dignidade das partes pela

abertura ao diálogo, conforme veremos no capítulo 06 do presente estudo.

23

pela adoção de formas de aceitação da vontade por adesão legitimada, em substituição às

coercitivas formas pela submissão física e psicológica, tão ao gosto dos regimes autoritários.

Em interpretação em conjunto do citado dispositivo com o texto do art. 5º, §1º13

, da

Constituição de 1988, as chamadas “normas programáticas” deixam de ser qualificadas como

comandos para a construção de uma legislação posterior à edição do texto constitucional,

conforme vêm defendendo alguns constitucionalistas14

, para se tornarem cláusulas de

salvaguarda dos direitos já positivados, o que se dá através dos mecanismos garantidores do

instituto jurídico do controle de constitucionalidade15

. Além do mais, a expansividade do

texto constitucional como diretriz de aplicação imediata, envolve comando à função

legislativa do Estado em momento posterior ao da finalização do processo legislativo da

Assembléia Constituinte, responsável pelo incremento da democracia com a criação de novos

princípios informativos e regras operacionais, situação que pode ser perfeitamente debatida e

exigida através dos procedimentos constitucionais de suprimento de omissões por parte de

administração governativa.

13

Art. 5º. [...] §1º. “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”. 14

Alguns autores têm definido normas programáticas como exortações morais, declarações, sentenças políticas,

aforismos políticos, promessas, apelos ao legislador ou programas políticos, juridicamente desprovidos de

qualquer vinculatividade, distinguindo-as das chamadas normas constitucionais atuais. Gomes Canotilho critica

esta posição ao afirmar que são estas “normas-tarefa” de observância obrigatória por parte do legislador por

trazerem dever de sua concretização o quanto antes, bem como vinculação de todos os órgãos à adoção das

diretrizes por elas traçadas; e, por fim, obediência aos limites negativos que estas traçam, cominando com o vício

de inconstitucionalidade dos atos que as contrariarem (efeito derrogatório ou invalidante). (2002, p.1160-1164).

Conclui o autor: “[...] Não há, pois, na constituição, „simples declarações‟ (sejam oportunas ou inoportunas,

felizes ou desafortunadas, precisas ou indeterminadas) a que não se deva dar valor normativo, e só o seu

conteúdo concreto poderá determinar em cada caso o alcance específico do dito valor‟.”. (2002, p.1161). Sobre o

mesmo tema ver também interessante exposição, em literatura nacional, de Bonavides (2003, p.244-250). 15

Controle de constitucionalidade é o instituto jurídico criado para operacionalização do princípio da supremacia

da Constituição: toda atividade estatal, seja no âmbito executivo, legislativo ou judiciário deverá conformar-se

com as regras e princípios nela contidos. É dotado de mecanismos (procedimentos) para anular ou conformar

textos que se mostrem incompatíveis à positividade constitucional. Há dois sistemas, aqui no Brasil, para tanto: o

do controle concentrado (o qual é exercido de forma preventiva ou repressiva, por iniciativa de determinadas

pessoas listada pela própria Constituição em seu art. 103, o que a literatura jurídica tem chamado de técnica de

“representação adequada”, bem como por ação ou omissão dos agentes públicos) e o controle difuso (exercitado

pelo cidadão de forma direta, mas incidentalmente em causa específica, através das argüições incidentais de

inconstitucionalidade). Os principais mecanismos de controle de constitucionalidade são a Ação Direita de

Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, previstas no art. 102, I, a, da CR/1988, com

regulamentação na Lei 9.868/1999, além da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102,

§1º, da CR/1988, regulamentada pela Lei 9.882/1999), relativas ao controle concentrado por ação; o Mandado de

Injunção (art. 102, I, q, e art. 5º, LXXI, da CR/1988) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art.

103, §2º, da CR/1988), relativas ao controle concentrado por omissão; e as argüições incidentais e os recursos

constitucionais, como o extraordinário (art. 102, III, da CR/1988), relativos ao controle difuso. Destaca-se que o

cumprimento da Constituição pode ser exigido pelo cidadão através dos procedimentos para sanar omissões por

postergações legislativas, previstos na Ação Direta por Omissão, na Argüição de Descumprimento e no próprio

mandado de injunção, como anotado, com aplicação, inclusive, de decisões antecipatórias de eficácia imediata

através da concessão de medida cautelar ou liminar (art. 10, da Lei 9.868/1999 e art. 5º, da Lei 9.882/1999), em

situações de urgência.

24

Critica-se, em face do disposto nos citados §§ 1º e 2º do art. 5º, da CR/1988, a tese de

que as normas constitucionais teriam diferentes graus de eficácia, podendo algumas ter a sua

aplicabilidade postergada, ficando a regulação da vida dos cidadãos brasileiros à mercê da

boa-vontade de um sábio legislador que teria o condão de, a partir de vontade pessoal,

escolher, arbitrariamente, o momento de executividade da Constituição, com base em

axiológicos critérios de conveniência e oportunidade. O texto do citado §1º, ao trazer a ordem

de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, é de clara interpretação quanto à sua

liquidez e certeza, a exigir sua imediata implementação, conforme já defendido por Leal

(2005a e b).16

As posições aqui exposta encontram eco, também, no constitucionalismo português.

Gomes Canotilho (2002) vem defendendo que a Constituição Portuguesa de 1976, cujo texto

é bem próximo ao da Brasileira, traz como fundamento axial a conjugação dos princípios do

Estado de Direito, voltado para proteção de liberdades negativas de defesa da individualidade;

e do Estado Democrático, este voltado para proteção de liberdades positivas, no sentido de

participação política individual (GOMES CANOTILHO, 2002, p.98-99). O autor defende que

a Constituição Portuguesa traz como norte a necessidade de expansão da democracia

participativa, em que pese não ser possível a substituição do sistema representativo, tudo no

sentido de construção de uma sociedade aberta, com base nos fundamentos que veremos a

seguir (GOMES CANOTILHO, 2002, p.287-291)17

.

Percebe-se, pelo exposto, que o poder delegado pelo Povo Brasileiro aos seus

representantes constitui-se em um “processo” a regular as relações intersubjetivas entre todos

os cidadãos, com uma grande novidade desde 1988: a adoção de um padrão democrático que

16

“Os direitos postos por uma vontade processualmente demarcada, ao se enunciarem constitucionalmente

fundamentais, pertencem a um bloco de direitos líquidos (auto-executivos) e certos (infungíveis) de

cumprimento insuscetível de novas reconfigurações provimentais e, por conseguinte, só passível de lesões ou

ameaças após efetivamente concretizados ex-officio pela Administração Governativa ou por via das ações

constitucionais (devido processo legal) a serem manejados por todos indistintamente ao exercício da auto-

inclusão auferidora dos direitos fundamentais criados e garantidos no nível constituinte da normatividade

indeclinável.”. (LEAL, 2005a, p.26). Vale a pena citação literal de mais um trecho elucidativo da obra de Leal:

“Nas democracias, a constituição escrita, quanto aos direitos econômicos fundamentais, equivale a um título

executivo extrajudicial de obrigação infungível do fazer da Administração Pública, por seus agentes legais, em

prol da Comunidade Jurídica, devendo o Estado Institucional Democrático de Direito, como espaço jurídico da

processualidade, acolher o resgate desses direitos líquidos, certos e exigíveis pelo princípio da substitutibilidade

judicial, mediante a utilização das tutelas legais de urgência em suas modalidades mandamentais e executivas

(inibitórias) e supletivas (de adimplemento).”. (2005b, p.38) 17

Pela clareza, vale a pena citação literal do autor: “[...] a estrutura de processos que ofereçam aos cidadãos

efectivas (sic) possibilidades de aprender a democracia, de participar nos processos de decisão, exercer controlo

(sic) crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.”. (GOMES CANOTILHO, 2002,

p.288). E, ainda: “[...] a democracia é um processo dinâmico inerente a uma sociedade aberta e activa (sic),

oferecendo aos cidadãos a possibilidade de desenvolvimento integral e de liberdade de participação crítica no

processo político em condições de igualdade econômica, política e social [...].”. (2002, p.289).

25

exige, o quanto antes, a substituição de formas de subordinação coativa pela força física ou

pressão psicológica, por dialógicas formas de aceitação consensual de decisões, o que pode

ser denominado, conforme já anotado, de adesão por legitimação. Vejamos, então, parâmetros

para esclarecimento da idéia de “padrão democrático”, a partir das propostas apresentadas por

Karl Popper (1998a e b).

2.2 A visão de Karl Popper a respeito de democracia e sociedade aberta

A idéia de democracia, da evolução de sua interpretação como governo (cratos) do

povo (demos), para o atual estágio do conviver compartilhado com a escolha racional das

vontades que prevaleceram no agir em face dos outros, demanda a explicitação de algumas

posições teóricas acerca da idéia de democracia, a fim de constituição de premissas para as

discussões a respeito do desenvolvimento de conceitos de Ação e Interesse Processuais que

sirvam para expansividade da principiologia constitucional.

Adota-se, no presente trabalho a idéia de democracia trazida por Karl Popper em sua

obra “A Sociedade Aberta e seus Inimigos” (1998a e b), que será aqui exposta, visto que

trabalhou o autor com a identificação de fatores a auxiliar a diagnose de modos autoritários de

regulação da vida, além de apresentar sugestões para a construção de uma sociedade baseada

na liberdade e no desenvolvimento das faculdades humanas.

As idéias popperianas que veremos agora, muito contribuirão, nos capítulos seguintes,

para a análise de diversas teorias sobre a Ação e o Interesse Processual, visto que demarcarão

critérios para identificação de formas autoritárias de regulação da vida e construirão as

premissas a serem observadas na proposta que será apresentada para a instituição de novos

conceitos de Ação Processual, como ato jurídico18

, e de Interesse Processual, este criado a

partir de instrumentos de abertura ao diálogo entre os cidadãos, tudo a possibilitar um

caminho para racionalidade pela intersubjetividade19

.

18

Conferir capítulo 03 supra. 19

Conferir capítulo 06 supra.

26

2.2.1 Idéias popperianas sobre democracia

Para Karl Popper democracia constitui-se de um modo de convivência no qual os

assuntos políticos são resolvidos pelo uso da razão, em substituição aos sistemas que se

utilizam da violência para formação de quadros de adesão da vontade dos governantes. Assim,

o uso da racionalidade expressada pela linguagem torna possível a construção de caminhos

pacíficos para a adoção de reformas dentro dos institutos que regulam a maneira de viver dos

indivíduos. Se a via dialógica é a utilizada, ou seja, se são adotados caminhos de abertura ao

discurso de modo a incluir todos os envolvidos nas decisões que serão tomadas e lhes afetarão

o modo de viver, estabelece-se a oportunidade de liberdade e de desenvolvimento das

faculdades críticas do homem, com rejeição da idéia de autoridade, mas desde que haja

compartilhamento da carga de responsabilidade entre todos os cidadãos que se propõem a

participar do processo político (1998a, p.09-18).

A democracia é uma proposta para a resolução do “paradoxo da liberdade”20

através

do desenvolvimento de um difícil processo de determinação aproximada da limitação

necessária e útil das liberdades individuais em prol do objetivo de convivência harmônica e

pacífica com o Outro (1998a, p.125)21

. O Estado aqui, não é visto mais como uma metafísica

pessoa jurídica de Direito Público encobridora da responsabilidade de seus agentes22

, mas

20

Paradoxo pode ser definido como uma idéia autocontraditória, ou seja, uma assertiva cuja realização plena

envolve sua negação. Vejamos a palavras de Popper sobre o paradoxo da liberdade: “O chamado paradoxo da

liberdade é o argumento de que a liberdade, no sentido de ausência de qualquer controle restritivo, deve levar a

maior restrição, pois torna os violentos livres para escravizarem os fracos”. (1998a, p. 289). A lei é a instituição

humana desenvolvida para limitação da liberdade no mínimo possível a possibilitar a convivência harmônica

entre os indivíduos. 21

“[...] Estou perfeitamente disposto a ver algo restringida minha própria liberdade de ação, desde que possa

obter proteção para a liberdade restante e desde que saiba que certas limitações de minha liberdade são

necessárias [...]. Mas exijo que não se perca de vista o objetivo fundamental do estado, quero dizer, a proteção

daquela liberdade que não causa dano aos outros cidadãos. Exijo, assim, que o estado deva limitar a liberdade

dos cidadãos tão igualmente quanto possível, e não além do que for necessário para conseguir uma limitação

igual da liberdade.”. (POPPER, 1998a, p.125). 22

O ocultamento da classe dirigente por uma espectral figura do Estado e de um indemarcado “interesse

público” é que tem desservido às discussões que visam o esclarecimento dos objetivos traçados pelas políticas

públicas postas à legitimação pelos representantes do Povo. É nesse sentido que Leal e Maciel Júnior vêm

criticando duramente a idéia de responsabilização da pessoa jurídica do Estado em proveito dos agentes

individuais que praticam os atos, quando estes, ao solidarizarem os prejuízos, entre todos os demais cidadãos,

com a utilização de recursos públicos para pagamento de indenizações resultantes de condenações por seus atos

ilícitos (art. 37, §6º, da CR/1988), assumem-se em um verdadeiro estado de imunidade. Essa postura de

irresponsabilidade do agente público pode ser perfeitamente configurada como absoluta quebra da idéia de

isonomia, sintoma visualizado na instituição de formas diferenciadas de apresentação de meios de prova nas

questões envolvendo atos ilícitos por eles praticados. Vale a pena citação, aqui, de importantes reflexões de Leal:

“A concepção de Estado, como lugar do bando soberano significa [...] uma consciência desencarnada de uma

razão universal (Espírito) que, habitando in-obsconditum a morada final da história dos povos, produziria, no

percurso da dialética dos conflitos humanos, a inexorável (escatológica) síntese ética integrativa de todos numa

27

como uma associação de indivíduos para a prevenção das condutas que estes elegeram como

inadequadas na convivência entre si, o que pode ser chamado de ilícito23

. Essa associação de

indivíduos tem como objetivo primordial a proteção da liberdade minimamente limitada,

através da construção de políticas públicas, numa idéia de cooperativismo e colaboração

protecionista (1998a, p.127-129). A quebra da idéia de Estado como ente externo e, às vezes,

encarado até como inimigo do indivíduo, pode ser vista de forma explícita em Popper quando

este afirma que os governados devem ver o Estado como seu (1998b, p.169).

Estado protecionista em Popper, longe da visão de um ente provedor, é construído

com base na idéia de um espaço de instituição de garantias às liberdades não restringidas pelo

mínimo previsto pela lei. Logo, pode ser visualizado como um campo de proteção à liberdade

não restringida (1998a, p.126 e 1998b, p.137), no qual é buscada isonomia entre os indivíduos

ordem justa. [...] Essa idéia de Estado em Hegel é que [...] se transformou em instrumento dos políticos (líderes

sociais de várias procedências ideológicas) para, não mais como lugar somente de espera espiritual sublimadora

do drama humano, intervir nas sociedades políticas e resgatá-las, de modo dirigista ou estatutário, de seu fatal

sofrimento com a promessa constitucionalmente escrita de busca empolgante dos fins do Estado que seriam a

paz perpétua de Kant ou a ordem celestial de Hegel”. (2005h, p.162-163). Outro trecho, da obra do citado autor,

bem elucidativa quanto à referida denúncia: “A expressão Estado Democrático é que, no contexto das cogitações

feitas, não pode mais significar instituição inesclarecida e agente fantasmal de direitos legislados ou adotados

numa ordem jurídica qualquer, sequer pode esse Estado se jactar como recinto axiológico de uma decidibilidade

governativa, administrativa e judiciária, comprometida com uma pauta de valores não juridificados e não

processualmente dada à fiscalidade irrestrita. No direito democrático, o que primeiro se impõe é a

despersonalização do Estado (disregard doctrine) para tornar visíveis as individualidades componentes da

Administração Governativa em todos os segmentos da Comunidade Jurídica cuja proposta constitucional é sua

transformação em Sociedade Jurídico-Política Democrática de Direito pela possibilidade cognitiva de todos no

espaço processual (Estado Democrático) de produção, recriação afirmação ou destruição da lei.”. (2005a, p.26).

E ainda: “[...] O Estado não é um ente oco (fantasmal) e, uma vez desconsiderada a sua pessoa jurídica, surge a

Administração-Governativa (em todos os âmbitos: administração, legislação, judicação) que se responsabiliza

pela sua atuação nos limites da competência de cada qual dos agentes públicos, seus mandatários,

concessionários, permissionários ou credenciados diversos.”. (2008, p.59) Importantes reflexões sobre o tema

também podem ser encontradas em Vicente de Paula Maciel Júnior, ao identificar, inclusive, nos artigos 43, 47 e

50 do CCB/2002, previsão legal para as idéias aqui expostas (2006b). 23

Leal faz uma interessante reflexão sobre a ilicitude ao defini-la como situação contraposta ao âmbito da

liberdade permissível (2008, p.294). A medida da liberdade permissível se faz pela norma legal, ou seja, o texto

escrito da lei, conforme a expressa previsão do art. 5º, II, da CR/1988, enquanto que a norma jurídica surge pela

interpretação deste texto legal, a qual só se dá de forma legítima pela abertura, aos envolvidos nas conseqüências

de sua aplicação, de um processo de explicitação de seu sentido, dialógico e racional, portanto, democrático. A

conduta permitida e desejada num Estado de Direito é aquela que se adéqua a um padrão de licitude definido no

texto da lei interpretado. Só daí, conforme preceitua Leal (2008, p.125) surge o direito (2008, p.294). Vale a

pena citação literal do autor: “Entendemos que não é suficiente dizer que a norma legal qualifica e valora a

conduta como devida, permitida ou vedada, porque é importante destacar que a norma não é algo escrito, mas

uma categoria intelectiva que, inferida do texto da lei, indica o padrão de licitude adotado pelo Estado na criação

e disciplinação de direitos. [...].”. (2008, p.124-125). A forma de se tratar o ilícito, bem como sua percepção e

prevenção são parâmetro para percepção do nível evolucionário de cada Estado, conforme preceitua o mesmo

autor: “Em qualquer hipótese, poderíamos anotar que a norma é categoria lógica de dicção dos conteúdos

jurídicos da Sociedade Jurídico-Político-Econômica, que se fazem pela dosagem de permissão-repressividade

dos comandos estatais em face dos indivíduos. São os conteúdos normativos do Ordenamento Jurídico que

informam o grau de civilização dos Estados-Nações: se explicitamente autocráticos, se retoricamente

democráticos ou se concretamente democráticos. [...].”. (2008, p.125). O ilícito, portanto, é o comportamento

fora da liberdade legal trazida pelo texto positivado da lei, após sua regular interpretação em um processo

democrático de construção compartilhada do sentido por todos os envolvidos nas conseqüências do ato que se

discute.

28

pela impossibilidade da intimidação dos fracos pelos fortes (1998a, p.130). A proteção à

liberdade dos cidadãos aqui é vista como limitação do poder (1998b, p.139) pela

institucionalização de mecanismos de controle do processo de busca pela adesão da vontade,

o que Popper denomina de “intervencionismo indireto”. Tais meios de controle são capazes

de impedir que mesmo os maus governantes, que, porventura tenham alçado ao cargo público,

causem demasiado dano, já que há mecanismos de defesas contra arbitrariedades pessoais

(1998b, p.138)24

.

Idéia de Estado como associação e não como ente mítico, conforme já anotado, é de

grande importância na proposta democrática porque destaca a responsabilidade individual do

membro da associação, que passa a ser agente efetivo no funcionamento da convivência

pública (intersubjetiva). Assim, cada atitude pessoal é importantíssima para os rumos das

políticas públicas exercidas no espaço estatal, como local de expressão da individualidade e

não mais de uma confluência mítica de um espírito nacional.

A lei, aqui, funciona como limitadora do desejo25

, forma de superação do paradoxo da

liberdade. Lei cuja força vem da obediência dos indivíduos numa atitude de adesão moral,

construída com base na idéia de legitimidade, em substituição à idéia de sanção que se dá por

atos de coação (POPPER, 1998a, p.130)26

.

24

Pela clareza do texto, vale a pena citação literal do trecho em questão: “A distinção importante que ali fizemos

foi entre pessoas e instituições. Indicamos que, enquanto a questão política atual pode exigir uma solução

pessoal, toda política a longo prazo – e especialmente toda política democrática a longo prazo – deve ser

concebida em termos de instituições impessoais. E mostramos que, mais especificamente, o problema de

controlar os governantes e de equilibrar seus poderes era, de suma, de idear instituições para impedir que mesmo

maus governantes causem demasiado dano.”. (POPPER, 1998b, p.138). Continua o autor, em outra passagem de

citação imprescindível: “[...] O intervencionismo é, portanto, extremamente perigoso. Isso não é argumento

decisivo contra ele; o poder do estado deve sempre permanecer um mal perigoso, ainda que necessário. Mas é

uma advertência de que, se relaxarmos nossa vigilância, se não fortalecermos nossas instituições democráticas ao

mesmo tempo que dermos maior poder ao estado através de „planejamento‟ intervencionista, então poderemos

perder nossa liberdade. E, se a liberdade for perdida, estará perdido tudo mais, inclusive o „planejamento‟. Por

que, de fato, se levariam avante planos para o bem do povo, se o povo não tem poder para apoiá-los? Só a

liberdade pode tornar segura a segurança.”. (POPPER, 1998b, p.137) 25

Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira, em singular estudo sobre as aplicações da psicanálise no Direito,

aponta que a lei tem como primordial objetivo o refreamento do desejo que, governando o homem, só lhe traz

pulsões voltadas para o excesso de gozo, instalando, assim, o caos. Vale a pena citação literal da conclusão do

autor sobre o assunto: “Portanto, o Direito, por meio de seus instrumentos normativos, a que genericamente

chamarei de leis, vem organizar, limitar e barrar o excesso de gozo, frear ou conter os impulsos, principalmente

para aqueles que não conseguem fazê-lo por si mesmos. Em outras palavras, a lei jurídica é um interdito

proibitório dos impulsos inviabilizadores do convívio social”. (PEREIRA, 2000, p.45). 26

A discussão, explicitada anteriormente (conferir notas 06 e 07 da página 20), sobre ser a coação elemento do

conceito do direito ou ter apenas um papel instrumental e, assim, poder ser substituída por outras formas de

efetivação das regras de conduta, é bem explicita na tese de doutoramento de Fernando Horta Tavares quando

apresenta interessante estudo sobre a Ação de Incumprimento no Processo Comunitário Europeu (2002).

Entendendo norma como interpretação da lei, aponta que o art. 228 do Tratado de Amsterdã informa que as

decisões contra Estados-membros da Comunidade Européia não possuem força executiva na acepção tradicional

e, assim, a eficácia das decisões é garantida pela especial atenção que é dada à sua fase de construção, chamada

de pré-contenciosa. O autor defende que a força dos julgados não está na ameaça de retaliações contra o Estado-

membro inadimplente, ou seja, nos mecanismos de coação presentes no texto da decisão ou da legislação, até

29

Para operacionalização da legitimação, um dos objetivos primordiais da democracia é

a educação do Povo. Mas não uma educação dogmatizada, pautada pela repetição da tradição

e dos argumentos de autoridade27

. Volta-se, aqui, para a construção de espaço de

esclarecimento que habilite a todos os cidadãos a compartilhar da vida da comunidade e o

fazer uso de qualquer oportunidade de desenvolver seus dotes e interesses especiais

(POPPER, 1998a, p.147).

Essas reflexões foram construídas a partir da identificação das características e

mazelas encontradas em uma sociedade fechada, tribal e arcaica. Popper discorre longamente

em sua obra sobre o tema e apresenta-se aqui uma pequena síntese de suas idéias.

porque estes, no direito comunitário, estão absolutamente ausentes. As decisões são cumpridas porque sua

observância é o que permite a consecução dos objetivos comuns da Comunidade Européia pela integração de

cada Estado-membro. A efetividade dos acórdãos situa-se, portanto, na aplicabilidade do princípio do

acatamento da ordem jurídica que, ao trazer vantagens para o Estado-membro na participação da Comunidade,

impõe deveres de fazer que a normatividade desta seja cumprida. Cada Estado é, dessa forma, responsável pela

manutenção da harmonia da Comunidade. A tese do autor, assim, é a de que a imperatividade da norma, no

sistema comunitário europeu, está em uma razão lógico-jurídica: se a norma emanou de ato de vontade do

destinatário, refoge a lógica o seu descumprimento, porque ninguém autoriza a ação de sanção a si mesmo se não

tiver intenção de reconhecer os efeitos jurídicos de um mecanismo destinado à promoção da legalidade.

(TAVARES, 2002, 163-176). Vale a pena citação literal do autor sobre a temática: “Assim, a conclusão a que se

chega é que o acórdão é cumprido por respeito e acatamento lógico-jurídico à imperatividade da norma

comunitária, fixada na decisão judicial, como medida de proteção do próprio ordenamento jurídico comunitário e

encontra fundamento nas finalidades que levaram à criação e à manutenção do espaço democrático

supranacional das comunidades.”. (TAVARES, 2002, p.176). Se é possível a eficiência no sistema comunitário

europeu com uma normatividade que não retira sua força da coercitividade, não seria o caso de se pensar a

adoção desta idéia, tanto quanto possível, em nossas relações subjetivas? 27

Importante destacar a idéia socrática de educação para auto-esclarecimento e conscientização das próprias

limitações, em detrimento de uma idéia de educação como reprodução do pensamento das “autoridades do

saber”. Os cursos jurídicos, hoje, passam por um momento de intensa discussão a respeito de um antigo objetivo

de dogmatização do aluno para construção de um mero saber técnico que não consegue desenvolver habilidades

críticas sobre o seu fazer, limitando-se à atividade de reprodução de julgados e argumentos de “doutrinadores”.

Essa visão é essencial para toda a discussão de inclusão do povo na atividade democrática e para libertação dos

grilhões que prendem os brasileiros, em sua maioria, a um Estado Paternal a impedir sua responsabilização pelas

atitudes tomadas. A esse respeito, trabalho anterior da lavra deste subscritor, bem como de Tavares e Assis

(2008), apresentado no XVI Congresso Nacional do CONPEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Direito), no qual foi defendida metodologia do Grupo de Estudos José Alfredo de Oliveira

Baracho, na PUC Minas, com o fim de democratização do processo de ensino-aprendizagem, ilustrada pela

teoria neo-institucionalista do processo, de Rosemiro Pereira Leal. Lá se defendeu que só a partir de uma teoria e

prática educacionais voltadas para o desenvolvimento de habilidades críticas e de liberdade intelectual é que

poderá ser efetivado o direito fundamental de acesso à educação, previsto no art. 208, V, da CR/1998. Leal

sugere que apenas o incentivo à pesquisa é canal possibilitador de auto-ilustração ao povo, criticando o modelo

de dogmatização adotado por muitos cursos de direito: “[...] Transforma-se assim a instituição de ensino em

agência arrecadadora pela oferta de um saber não questionado e reprodutivo de uma existência desumana que o

homem atual não consegue debelar. Vive-se o desespero incontornável da incerteza e os horrores da violência

social (que se diz inevitável pela ausência de um pensar científico-reconstrutivo). Proíbe-se assim, a auto-

ilustração pela transmissão de um conhecimento não interrogado (criticado) cientificamente em seus

fundamentos de pretendida validade. [...]”. (2005i, p.190)

30

2.2 Características e mazelas de uma sociedade fechada: fatores de sua derrocada

Popper identifica o fundamento teórico da sociedade fechada no historicismo por ele

definido como “doutrina de que a história é controlada por leis históricas ou evolucionárias

específicas, cujo descobrimento nos capacitaria a profetizar o destino do homem”. (1998a,

p.22). Esse controle incluiria a idéia determinista de destino, o que tornaria o ser humano uma

mera marionete de forças misteriosas, só podendo este tentar, o máximo possível, através do

observacional método indutivo, descobrir tais forças para poder planejar atitudes a partir

delas, principalmente, no sentido de sua homologação.

Desenvolve a idéia de que tal sociedade fechada teria como característica principal a

marca do tribalismo, definido aqui como o dogma de que o indivíduo é um nada absoluto fora

da tribo, pensamento que deu origem às “teorias do povo escolhido” que ao longo dos tempos

da experiência humana no mundo têm tentado justificar os seus mais sangrentos capítulos.

Destaca duas vertentes mais recentes dessas teorias como sendo o nazi-fascimo,

fundamentado na idéia de raça escolhida, e marxismo, pautado na idéia de classe escolhida

(1998a, p.23).

Um cientista social, num ambiente de sociedade fechada, tem como objetivo

primordial a contemplação dos fatos históricos, para “descoberta” das leis que condicionaram

os acontecimentos (1998a, p.24). O legislador não fugiria da regra do cientista social. A partir

de uma atitude mágica, a qual parte da crença de pertencimento a um círculo encantado, seria

o responsável por traduzir as leis universais (numa primeira interpretação histórica teísta)

ditada pelos deuses, ou pela natureza (jusnaturalismo), em legislação humana, marcada pela

inevitabilidade. Constrói-se, nesse quadro, um ambiente de obediência irrefletida a tabus

imutáveis construídos a partir de supostas regularidades naturais, uma vez que o viver em

sociedade, longe de ser opção, seria expressão da “natureza humana” (1998a, p.71).

Essa sociedade é caracterizada, ainda, pelo que o autor chama de “monismo ingênuo”,

entendido como indistinção entre leis naturais e convenções humanas (1998a, p.73), tema que

será abordado com mais vagar adiante, quando da distinção entre essencialismo e

convencionalismo.

O Estado nas sociedades fechadas é considerado como um verdadeiro organismo,

numa teoria que pode ser classificada como biologicista28

, no qual se vê a unidade entre seus

28

“Uma sociedade fechada, no seu aspecto mais completo, pode ser justamente comparada a um organismo. A

chamada teoria orgânica ou biológica do estado pode ser-lhe aplicada em considerável extensão. Uma sociedade

31

indivíduos como meio de sua subsistência construído pelo traço da comunhão de valores, pela

identificação e exacerbação de semelhanças, tais como parentesco, esforços, perigos,

aparência, religião etc. Isso é responsável por proporcionar aos indivíduos pertencentes à

comunidade um sentimento de identificação que elimina a sensação de “estar sozinho”,

substituindo-a por uma idéia de pertencimento.

Os padrões da sociedade fechada procuram manter um Estado que seja instrumento de

dominação de seus cidadãos pela classe dirigente, através do desenvolvimento de instituições

políticas sacrossantas, marcadas pela, tanto quanto possível, imutabilidade e pela redução ao

máximo da tensão social, com eliminação desta se necessário, de forma bruta e exemplar. Um

dos instrumentos utilizados para eliminação desta tensão desagregadora é a inibição da crítica,

visto que ela, por se tornar forma de questionamento da ordem vigente, pode levar ao repensar

das regras de conduta em vigor, atitude intelectiva que é, pela maioria das teorias autocráticas,

vista como traidora do “espírito da nação”, responsável pela estabilização e unificação de toda

a sociedade fechada (POPPER, 1998a, p.188-189).

O diferente é visto como um pária a ser, o mais rapidamente possível, eliminado,

silenciado, escondido, tudo a fim de não se quebrar o encanto do conjunto harmônico. Para

tanto, é necessária a eleição de um “escolhido” capaz de captar a essência do espírito nacional

a fim de ditar as regras que serão capazes de unificar as condutas e formas de pensar, tudo a

possibilitar a harmonia, que aqui é construída pela interdição do pensar livre. Veremos, nos

capítulos seguintes deste estudo, como a idéia de Interesse Processual, na literatura jurídica

tradicional, tem contribuído para a perenização destas formas de dominação pelo

silenciamento das partes que apresentam pretensões diferentes daquelas que o magistrado,

como autoridade escolhida por um saber pressuposto, entende como úteis e necessárias.

A sociedade fechada é a agregação de homens pela comunhão de valores estéticos a

que são compartilhados pela maximalização de uma simbologia de identificação. Explica-se:

pela criação de cânticos, hinos, brasões e bandeiras oficiais, culto a autoridades, além de

exacerbação de cultura e costumes irrefletidos, torna-se possível a consecução de um estado

de obscurecimento do pensar pelo impedimento de se visualizar alternativas para o viver que

não são apontadas pelos caminhos oficiais escolhidos por uma autoridade guiadora dos

destinos de seus súditos. Esse deslumbre do cidadão pelos símbolos do Estado, bem como seu

amedrontamento pela mitificação das instituições guardadas em grandes prédios públicos nos

fechada se assemelha a uma horda ou tribo por ser uma unidade semi-orgânica cujos membros são mantidos

juntos por laços semi-orgânicos – parentesco, coabitação, participação dos esforços comuns, nos perigos

comuns, nas alegrias e aflições comuns. [...]”. (POPPER, 1988a, p.188-189).

32

quais funcionários utilizam vestimentas e linguajar sacramentados, acaba por auxiliar na

construção das barreiras que veremos nos capítulos seguintes da presente pesquisa, porque, ao

se impedir que o novo venha a ser debatido no âmbito da jurisdição, procura-se a preservação

de uma série de valores impostos sem qualquer possibilidade de abertura para reflexão.

O Estado, na sociedade fechada, é orgânico e paternal por ser o local de proteção do

indivíduo contra os inimigos da nação. Daí a facilitação do aparecimento de tiranos, que

concentram poderes sob o argumento de capacidades pessoais diferenciadas para identificação

e combate dessas forças desagregadoras da unidade. Para tanto, com o fim de justificação

dessa concentração, sempre é necessária criação de novas forças malignas, pela perenização

da presença de inimigos (POPPER, 1998a, p.198)

O impedimento à crítica tem sido um mecanismo utilizado pelos Estados autoritários

ao longo da história, talvez por terem aprendido a lição de Maquiavel29

. Numa sociedade

regida por ideologias, ou seja, por teorias impostas sem possibilidade de questionamento de

seus fundamentos, o que se consegue é a supressão das faculdades intelectivas do homem.

Nesse quadro, a sanção coativa é o instrumento que se utiliza para gerar eficácia nas decisões

proferidas. Essa atitude culmina por impedir a expressão da subjetividade intelectiva de cada

cidadão, supressão que pode ser considerada, inclusive, como forma de desumanização30

.

Segundo Popper, Platão foi um grande filósofo que trabalhou um programa político a

justificar uma sociedade fechada ao cogitar as vantagens de políticas públicas que visassem o

combate à mudança, vez que o movimento do mundo seria sempre no sentido de degeneração

das formas originais e que o conhecimento destas formas seria a única solução para o homem.

Logo, dever-se-ia buscar, o tanto quanto possível, o retorno a estes modelos fundadores do

mundo (1998a, p.33-35 e 49-50).

A base da sociedade fechada está na desigualdade. Ela trabalha com a idéia platônica

de estabilização das posições sociais, para evitar indesejáveis mudanças voltadas apenas para

29

Maquiavel, em tratado de política chamado de “O Príncipe” (2008), defende que um governante só terá

sucesso se administrar os sofrimentos à população de uma só vez e lançar de forma paulatina as benesses.

Ademais, quando assume de forma revolucionária ou conquista um povo estrangeiro, deve ceifar a vida da classe

dirigente anterior, geralmente a mais esclarecida do local, para ter um maior controle sobre os novos súditos,

tudo no sentido de impedimento da crítica. 30

Importantes considerações sobre as conseqüências da ausência de processualidade na reflexão sobre a vida e

morte biológicas do homem podem ser encontradas em Leal (2005g, 111-119). O autor ainda procura diferenciar

vida humana (intelectiva e discursiva) da biológica: “[...] o direito à vida só seria direito à vida humana se esta

fosse criada no plano de um sistema lingüístico teoricamente constitucionalizado, de modo a permitir que todos

os integrantes de uma comunidade jurídica pudessem dela fruir ou questioná-la juridicamente como sujeitos

legitimados ao discurso de construção de uma sociedade política, segundo o exercício pleno, ininterrupto e

irrestrito de um controle processualizado dos conteúdos de constitucionalidade nas bases instituinte, constituinte

e constituída de direitos.”. (LEAL, 2006b, p.92). Daí, porque Leal liga o direito à vida ao contraditório (2006b,

p.96).

33

a concretização de interesses individuais. Assim, tem-se aqui, a prevalência da coletividade

sobre o cidadão, haja vista que aquela possui um status de superioridade (POPPER, 1998a,

p.211).

Esse modelo platônico sugere a construção de fatores de união entre a população pela

intimidação do indivíduo que se apresenta diferente do padrão oficial e pelo adestramento dos

cidadãos desta sociedade, capaz de gerar estabilidade no cumprimento das metas traçadas

pelos dirigentes, através do desenvolvimento de metodologias de educação dogmatizada.

Nesse quadro, o que se vê é a presença de governantes armados e educados e governados

desarmados e deseducados, numa imagem de gado humano cuja finalidade única é a de prover

as necessidades da classe dirigente, entendida como casta superior, só submetida ao seu

próprio autocontrole. Um Estado ideal seria o pautado pela eliminação dos fatores de

desunião com a redução dos interesses pessoais (POPPER, 1998a, p.58-69), no qual a

definição do que é bom deixa de ser individual e passa a ser construída por esta figura mítica

do Estado. O indivíduo, aqui, é apenas meio de funcionamento de todo o organismo estatal,

num quadro que Popper denomina de “egoísmo coletivo” (1998a, p.122-123).

Esse cenário não perdurou por muito tempo nem na sociedade grega. Pode-se destacar

como fatores que levaram à sua derrocada o crescimento da população e o despertar de um

desejo de liberdade intelectual. A expansão populacional trouxe grandes dificuldades para a

continuação de um sistema de fomento a um “tribalismo orgânico”, criando o que se pode

denominar de “tensão social” no interior da sociedade fechada. A política imperialista

helênica fez com que os gregos tivessem contato com outras culturas e, assim, acesso a outros

tabus e totens31

diferenciados daqueles que achavam os únicos existentes, colocando,

portanto, em dúvida sua infalibilidade32

.

O estremecimento das classes dirigentes na sociedade grega clássica pelas disputas

internas ao redor do poder político começaram por explicitar que a “vontade do Estado” não

passava da vontade dos indivíduos que o governavam e, assim, trouxe a percepção para os

gregos de que se tratava não de uma vontade metafísica, mas humana, real e concreta.

31

“Totem é um animal ou raramente, um vegetal, um fenômeno natural (chuva, água, por exemplo), ou mesmo

um objeto, que mantém uma relação peculiar com o clã, sendo, pois, o objeto de tabus, proteção e deveres

particulares. O toem é o antepassado comum do clã, ao mesmo tempo que é o espírito guardião e auxiliar. Cada

clã possui seu totem, e os seus integrantes têm a obrigação sagrada de não destruí-lo. Na relação de subordinação

ao totem está a base de todas as obrigações sociais e restrições morais das tribos. [...].”. (PEREIRA, 2000, p.38). 32

“A sociedade tribal começa a desmoronar na Grécia, por volta do século VI a. C., tendo como causa inicial o

aumento da população com a conseqüente diversificação de funções. Aos poucos, a estrutura da organização

grega passo do clã patriarcal à pólis (Cidade-Estado), fazendo a complexificação da vida social aumentar; o que

ocasionou dúvida sobre a maneira correta de proceder e impulsionou as primeiras rupturas com alguns mitos e a

manutenção e criação de outros.”. (ALMEIDA, 2005, p.29-30).

34

Surgem, aqui, as primeiras condições para reflexão crítica, para decidibilidade individual e

para responsabilização pelas escolhas pessoais.

O desenvolvimento das comunicações marítimas e o comércio foram fatores

importantíssimos, porquanto propiciou o contato com outros povos, influência capaz de minar

o sentimento de necessidade das instituições tribais, haja vista que as duas atividades

dependem da presença de iniciativa individual e independência Ademais, o contato com o

diferente mina o sentimento de necessidade de ser igual. (POPPER, 1998a, p.192-193).33

Outro ponto a ser destacado é a percepção da falibilidade do modelo correcional da

legislação autoritária já na Grécia antiga. Esta busca sua estabilização pela perene ameaça de

sanção pelo descumprimento, por punição vinculada a diversas formas, tais como castigos

físicos, restrições sociais, ou até, a ligação entre transgressão e pecado, com castigos

recebidos dos deuses durante a vida e perenizados em fase pós-morte. Porém, quando se passa

a perceber que é possível a transgressão sem a aplicação da sanção, esta perde sua força

estabilizadora e leva a um questionamento dos fundamentos das medidas que foram adotadas

autoritariamente (POPPER, 1998a, p.74).

Mas o desmoronamento da sociedade fechada como teoria a justificar o Estado

autoritário, iniciado por volta do século VI antes de Cristo, a partir dos fatores já apontados

nos parágrafos anteriores (POPPER, 1998a, p.191) tem como um efeito colateral a chamada

“tensão da civilização”. Se o indivíduo é criado num ambiente de proteção, de segurança

paternal, e, assim, de irresponsabilidade pessoal, é extremamente dificultoso que se sinta

confortável com uma situação da superação das facilidades que as certezas pré-concebidas

proporcionam34

.

Uma sociedade aberta exige muito de cada um: preceitua que só se atinge um estágio

completo de humanidade com a possibilidade de utilização plena das capacidades intelectuais

de cada homem e, mesmo hoje, reclama responsabilização por escolhas pessoais, já que o

mundo jurídico que construímos também pode ser alterado por estas escolhas pessoais. Passa-

se, portanto, para um incômodo mundo de incertezas, no qual, no máximo, o agir é

fundamentado a partir de conjecturas, hipóteses mais razoáveis para cada momento da

escalada do conhecimento.

33

Popper cita a Guerra do Peloponeso como fator determinante de reação às tendências democráticas e

transformadoras de Atenas e suas conseqüências revolucionárias em todo mundo grego (1998a, p.193). 34

“A afirmação de que quem deseja segurança deve abandonar a liberdade tornou-se o bastião da revolta contra

a liberdade. Nada, porém, é menos verdadeiro. Não há, é claro, segurança absoluta na vida. Mas a segurança que

pode ser atingida depende de nossa própria vigilância, reforçada por instituições que nos ajudem a vigiar, isto é,

por instituições democráticas que são planejadas (para usar linguagem platônica) a fim de que o rebanho possa

vigiar e julgar os cães de guarda.”. (POPPER, 1998a, p.345)

35

Não há mais, ao se abandonar as teorias que procuram edificar a sociedade fechada,

espaço para a acalentadora situação de que nada pode ser feito e a conformação com um

destino imposto. Adotando a sociedade aberta, o homem passa a ser dono de si mesmo, o

responsável por se construir perante o Outro. Isso não é fácil e, daí, as grandes reações

teóricas35

dos autores que buscam um retorno ao tribalismo, conforme veremos em momentos

posteriores desta pesquisa, cujos resquícios encontram-se, ainda, muito presentes nas teorias

da ação, jurisdição e processo, que teimam ainda em permanecer numa idéia de misticismo,

pela tentativa de manutenção de uma ineficaz unidade tribal pela promessa de um mundo

melhor e menos dividido.

Todas essas reflexões podem ser incorporadas à nossa contemporaneidade, visto que,

apesar de iniciadas há mais de dois milênios, possuem efeitos até os dias atuais. O embate

entre a sociedade fechada e a aberta pode ser sentido, inclusive, e daí o motivo da análise da

oba de Popper, até no texto de nossa Constituição. Parece, porém, que a opção do constituinte

de 1988 foi no sentido de superação desta sociedade fechada porque, ao eleger a defesa do

pluralismo como missão fundamental do Estado Brasileiro, conforme expressa previsão no

art. 1º, V36

, da CR/1988, abre espaço para a construção de uma cidadania participativa, tudo

em prol do desenvolvimento das capacidades individuais de cada cidadão. (POPPER, 1998a,

p.191-198).37

35

Popper identifica como teorias tribalistas as que fundamentam movimento como o da Juventude Alemã

(1998a, p.346) e podemos apontar todos aqueles que, buscando construir anteparos à crítica livre, impedem o

pensamento livre do homem. São esses, em sua grande parte, os movimentos fundamentalistas religiosos, mesmo

os atuais, bem como as teorias que impedem a construção de espaços críticos para o pensar, ou que esses sejam

pseudo-espaços, conforme veremos quando da teoria da asserção em relação à análise do interesse processual

como condição da ação. 36

Art. 1º. “A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] V – o pluralismo político.”. 37

“Essa tensão, esta inquietação é uma conseqüência do desmoronamento da sociedade fechada. É ainda sentida

mesmo em nossos dias, especialmente em tempos de mudança social. É a tensão criada pelo esforço que a vida

em uma sociedade aberta e parcialmente abstrata continuamente exige de nós, – pelo afã de ser racionais, de

superar pelo menos algumas de nossas necessidades sociais emocionais, de cuidar de nós mesmos e de aceitar

responsabilidades. Em minha opinião, devemos suportar esta tensão como o preço pago pelo incremento de

nossos conhecimentos, de nossa razoabilidade, de cooperação e ajuda mútua e, em conseqüência, de nossas

possibilidades de sobrevivência e do vulto da população. É o preço que temos de pagar por sermos humanos.”.

(POPPER, 1998a, p.192). Em outro trecho: “Parte desta tensão está em nos tornarmos cada vez mais

dolorosamente conscientes das grandes imperfeições da nossa vida, das imperfeições pessoais e institucionais, de

sofrimento evitável, do desperdício, da desnecessária hediondez e, ao mesmo tempo, do fato de não ser

impossível fazer ago com relação a tudo isso, mas de que tais melhoramentos seriam tão árduos de realizar

quanto são importantes. Essa consciência aumenta a tensão da responsabilidade pessoal de carregar a cruz de ser

humano.” (1998a, p.214-215). Leal, também, faz uma importante reflexão sobre o tema, a partir a análise de

Freud sobre o que denominou como “mal-estar da civilização”: “Conclui-se que o mal-estar da civilização

registrado por Freud é o desespero (aumento de repressão) contemporâneo (sintoma) da sociedade civil em ver

ameaçados seus padrões civilizatórios e já quase impotentes seus velhos aparelhos ideológicos, provocando-lhe

uma preocupante e terrível instabilidade atribuída a uma violência social praticada pelos vilejantes que transitam

nas cidades ainda não devidamente cidadanizados (o potus).”. (LEAL, 2005k, p.6).

36

Se são permitidas diversas posições políticas, também o são as teóricas, filosóficas,

religiosas, tudo a permitir que cada cidadão participe apresentando suas idéias próprias, para a

construção do modo de viver em conjunto em nosso país, utilizando-se, primordialmente,

conforme discorreremos adiante, da instituição do processo.

A adoção da democracia pelo Brasil só demonstra que foi criado um ambiente

propício à abertura crítica para que a cidadania se dê com a participação intelectual dos

cidadãos. Esses, agora, passam a poder visualizar os fundamentos das decisões que

influenciarão em suas vidas, tudo voltado à superação de um estado de cega, ou melhor, de

inquestionada e acrítica obediência aos comandos legislativos, pelo simples fato de terem sido

emanados por autoridades constituídas para tanto. Passa-se, de um estado de obediência por

temor da violência, como o presente nos tempos em que perdurou o regime de terror imposto

pelo Golpe de 1964, a um estado de obediência por adesão racional aos fundamentos

explicitados de cada decisão política ou jurídica.

2.2.3 O projeto para instauração de uma sociedade aberta (democrática)

Como conseqüência da percepção das falácias ficcionais defendidas pelas teorias da

sociedade fechada, como anteriormente retratado, bem como pelo desejo da maioria dos

homens de viver em regimes de não sufocamento de sua subjetividade, fato facilmente

perceptível por todo o movimento das Declarações de Direitos e pelo Constitucionalismo,

abre-se espaço para a construção teórica da sociedade aberta, da qual o regime democrático é

condição de realização. Uma sociedade aberta é construída a partir do reconhecimento de que

as instituições sociais são feitas pelo homem e que sua modificação é voluntária e envolve

juízos de conveniência para alcance de objetivos traçados, num quadro de interferência ativa e

busca consciente dos interesses pessoais e coletivos (POPPER, 1998a, p.322).

Pode ser considerada como sociedade abstrata por conta da perda de caráter de grupo

concreto, ou seja, passa a ser despersonalizada pelo abandono da idéia de comunhão,

desvelando a presença de cada um de seus membros. É fundada no individualismo e na

liberdade das relações, proporcionando níveis maiores de intercâmbio de conhecimento e

cooperação para um viver mais digno (POPPER, 1998a, p.191). Individualismo nela é oposto

a coletivismo, no sentido de valorização de cada cidadão, em substituição ao destaque de um

“todo místico”, de uma visão holística presente nas teorias totalitárias. Nessa linha, o

37

indivíduo passa a ser o centro das reflexões e políticas públicas, ao invés da tribo, raça,

Estado, Cidade etc. (POPPER, 1998a, p.114-116). Destaca-se, aqui, a origem desta discussão

com Protágoras, ao defender ser o homem o centro de seus próprios interesses (POPPER,

1998a, p.206).

Outro aspecto importante na sociedade aberta é o do igualitarismo. Essa teoria, surgida

com o grego Péricles, exige que todos os cidadãos do Estado sejam tratados imparcialmente e,

portanto, combate a idéia de privilégios por nascimento, posição, riqueza, sem qualquer

cogitação a aspectos naturalistas, haja vista que os homens são realmente muito semelhantes

em alguns pontos e muito diferentes em outros (POPPER, 1998a, p.109-110).38

O igualitarismo aqui destacado importa na percepção de que, em que pesem as

diferenças de diversas categorias apontadas, os homens podem convencionar o recebimento

de iguais oportunidades, benesses e ônus pelo produto de seu agir em conjunto. O que o

argumento do chamado “igualitarismo material” (construído a partir do raciocínio de que os

homens não podem ser tratados igualmente pelo fato de serem ontologicamente diferentes)

procura velar é a constatação de que a instituição de vantagens pessoais não se baseia, como

regra, em aspectos biológicos ou de caráter dos privilegiados (POPPER, 1998a, p.111).

Portanto, o igualitarismo que aqui se defende não importa na exclusão do individualismo e da

subjetividade, mas ao contrário, destaca as diferenças por potencializar seu desenvolvimento

no quadro de acesso aos direitos fundamentais, conforme já defendido por Leal (2005j).

Apesar de ser racional, a sociedade aberta para Popper, parte de uma premissa

irracional: a fé no humanitarismo, ou seja, nas possibilidades da razão, da liberdade e da

fraternidade entre todos os homens (1998a, p.199).39

Essa “Fé”, na realidade, é uma decisão

38

Leal indica que o modelo constitucional brasileiro supera esta vetusta teoria da igualdade material, por instituir

em seu princípio de isonomia um padrão de igualdade de oportunidades pelo acesso aos direitos fundamentais:

“Ora, se os direitos fundamentais não forem executados judicialmente, nunca se poderá falar num piso de

igualdade para incluídos e excluídos como ponto de partida ao reconhecimento cognitivo, por igual tempo de

argumentação processual (isonomia), de direitos a serem alegados ou pretendidos pelas minorias e diferentes.

[...] Antes de atendimento desses direitos fundamentais, as pessoas estarão sempre em níveis de uma

desigualdade ilegal que os impedem de debater e pretender, no espaço-tempo procedimental, direitos em

condições argumentativas isonômicas.”. (2005j, p.79). Ainda prossegue o autor em outro trecho elucidativo:

“Claro que, afora esses devaneios dos voluntários de uma pátria gestora de ações afirmativas, seria um disparate,

no Estado Democrático, falar em desigualdade fundamental de direitos, porque, uma vez cumpridos os já

constitucionalmente acertados direitos fundamentais, o que se tem são desníveis patrimoniais e de

personalidades (identidades) que certamente poderiam causar um diferencial de estoques jurídicos patrimoniais

financeiros ou éticos entre as pessoas, sem que tal aspecto pudesse quebrar a isonomia entre as partes [...].”.

(2005j, p.80). 39

Popper não critica o elemento fé, crença, dentro do conhecimento, trazendo reflexões sobre elementos

irracionais dentro de todo conhecimento. Cita como exemplo a matemática, ciência abstrata que ainda não

conseguiu explicar a racionalmente solução da raiz quadrada de π (pi) (1998a, p.273-277). Defende que, apesar

de não ser possível, sempre, esclarecer tudo, isso não impede o agir, que é regulado pela hipótese com maior

grau de corroboração, após a devida testificação pela crítica do outro. Apesar de não haver certeza da verdade da

conjectura apresentada, ela é um suficiente critério para um agir provisório, por se acreditar na sua maior

38

moral individual baseada na adesão a uma teoria para o agir (POPPER, 1998b, p.239).

Afirma-se isso porque a opção pela construção de uma sociedade de liberdade também

envolve sacrifícios e dificuldades, o que pode ser visto como desvantagem em relação a um

modelo autoritário. A favor de sua defesa, no contexto em que são apresentadas estas

reflexões, está a opção constitucional brasileira pela adoção deste modelo democrático do

viver.

Quebra-se, aqui, a idéia de patriotismo, como vinculação a um Estado Paternal40

, o

que permite a percepção que são os próprios cidadãos os responsáveis pelo construir do seu

viver através das instituições por eles mesmos desenvolvidas. É a conclusão de que as

instituições humanas são convencionais e, assim, podem ser analisadas criticamente, de forma

desmitificada por não serem mais produtos da observação da natureza ou da concessão dos

totens (POPPER, 1998a, p.200-201).

A lei, como instituição humana, por questões operacionais, apesar de os atos de sua

confecção ser delegados a poucos, através do desenvolvimento de um processo legislativo

indireto pelo mandato popular no sistema de democracia representativa, permite o julgamento

por todos, em atos de legitimação posterior do texto legal pelo processo de controle de

constitucionalidade. Se assim o é, deve ser aberto a qualquer um do povo, sendo

antidemocráticos os sistemas de criação de anteparos à discussão do texto da lei por teorias

como, por exemplo, a da “representação adequada” no qual se elege um portador dos

interesses das partes, capaz de ser um receptáculo de uma metafísica vontade popular

(LEONEL, 2002, p.168-180).41

proximidade da verdade que uma anterior teoria refutada por não ter suportado um processo de testes rigorosos.

Isso o autor deu o nome de princípio da transferência, como mecanismo psicológico que proporciona a crença no

acertamento da decisão tomada pela sensação de adequação do agir baseado em teoria testificada, apesar de se

saber da incerteza quanto à veracidade das conclusões (POPPER, 1999, p.28-37). 40

Habermas cita o declínio da tese do “Estado-nacional” nos dias atuais, com a formação de um amplo espaço

de legalidade na Comunidade Européia, pautada pela união política mesmo sem identificação muito grande entre

os povos. Hoje, os critérios do nascimento (jus soli) e da descendência (jus sanguinis) estão muito mais para

mera presunção de pertencimento a uma nação, haja vista que a regra é a liberdade de locomoção e

estabelecimento e o ser cidadão de um Estado específico passou a ser opção pessoal, como forma de

manifestação da autonomia da vontade. Logo, há uma quebra da paternalidade estatal pela escolha de qual

ordenamento adotar, de qual forma de vida buscar, por parte de cada indivíduo. (2003b, p.279-305). 41

França defende que os limites ao controle de constitucionalidade, num Estado democrático, perdem a

importância a partir do momento em que a verificação da adequação ao texto constitucional deixa de ser uma

disputa entre poderes e passa a ser vista como forma de integração social (2003). Isso leva qualquer intérprete a

ficar perplexo perante os anteparos criados para a “representação adequada” no controle de constitucionalidade

abstrato (ações diretas) bem como com o recente obstáculo constitucional instituído pela Emenda Constitucional

45 de 2004, ao criar, no art. 102, §3º, da CR/1988, regulamentado pela Lei 11.418/2006 que incluiu os artigos

543-A e 543-B no CPC, o pressuposto da “repercussão geral” para o controle difuso por meio de recurso

extraordinário. Vale a pena citação literal do autor: “[...] Se a lei é geral e abstrata, dirigindo-se a todos

indistintamente, torna-se inconcebível que a legitimação para argüir sua inconstitucionalidade seja privilégio de

uns poucos representantes da maioria política em um dado momento histórico. [...].”. (FRANÇA, 2003. p.23)

39

A sociedade aberta caracteriza-se, dessa forma, pela criação de um espaço de

discursividade e crítica incessante, na qual o objetivo é o desenvolvimento de canais para a

intersubjetividade. Num ambiente deste, o direito passa a depender, cada vez menos, de

elementos de coerção, de força física ou pressão psicológica, para buscar a estabilização das

relações através do consenso, da legitimação, da inclusão dos indivíduos no processo de

construção dos critérios para o agir perante o Outro. Dentre as várias formas de busca deste

consenso, conforme abordaremos adiante, a teoria neo-institucionalista do processo tem

procurado resolver esta questão através da releitura de institutos jurídico-processuais sob o

prisma da democracia e da sua possibilidade de libertação do homem pela discursividade. O

processo, nela, passa a ser o meio de condução da subjetividade, por conta de sua

principiologia que institui uma metodologia de discussão que favorece a crítica esclarecedora

e, assim, objetiva os resultados do conhecimento.

2.3 A necessária distinção entre natureza e convenção e suas conseqüências

metodológicas na desnaturalização do Direito

Popper, analisando algumas teorias sociológicas sobre supostas leis naturais de

desenvolvimento e evolução (ou involução) da sociedade pela história (chamadas pelo autor

de “historicismo”), chega à conclusão que estas leis naturais, defendidas por autores tais como

K. Marx, Hegel, Aristóteles e Platão, são absolutamente incorretas. Baseia sua conclusão

apontando que o erro dos mencionados autores foi partir de uma análise essencialista da

sociedade, ou seja, de uma organização do viver entre outros, constituída com base em leis

doadas pela natureza e, portanto, imutáveis e universais.

Para Popper, a sociedade não é constituída de leis imutáveis, descritas a partir de

observações de regularidades do agir humano, mas a partir de instituições, como fruto de

convenções entre os homens. Logo, não há que se falar aqui em “destino social”, mas em

responsabilidade por escolhas, haja vista que a regulação da vida em conjunto é ato humano42

(POPPER, 1998a, p.71-90).

42

Em sentido muito próximo, é de imprescindível lembrança o que disserta Rosemiro Pereira Leal a respeito da

análise do direito como produto da natureza: “As expressões ibi jus, ubi jus ibi societas ou ibi societas ibi jus são

imperativos mascaradores da história, sem qualquer impacto na reflexão jurídica, porque o direito não é uma

coisa (vires occultae) vinda do cosmo inefável ou da sabedoria da natureza anímica, física ou biológica, ou coisa

40

Para Platão, segundo análise apresentada por Popper, o conhecimento só era adquirido

pela intuição, haja vista que a percepção do mundo através dos sentidos só seria capaz de

formação de deturpada opinião, considerando o contato com as coisas em fluxo, portanto,

corrompidas pelo afastamento do modelo original, que se encontra fora do tempo e do espaço.

Só havia uma forma de se conhecer o elemento “Original”: através da observação das

essências, vistas aqui como elementos comuns entre as coisas, pertencentes a todas porque

não se diferenciaram no processo de degeneração e, assim, seriam uma espécie de “pista” do

modelo ancestral (1998a, p.43).

Tal visão pode ser nominada como “essencialismo metodológico”, por defender que a

tarefa do conhecimento seria a descrição das essências ocultas das coisas, essências pautadas

nas regularidades. As descrições, contudo, são construídas a partir da linguagem, do uso de

palavras, que são meros instrumentos, condições, para a atividade racional (1998a, p.46-47).

Cogita-se, aqui, da possibilidade de influência desta concepção da realidade na

construção dos conceitos jurídicos como descritivos de essências. Tal raciocínio é comum nas

teorias mais festejadas a respeito da “natureza jurídica” da Ação, ora vista como “poder”, ora

vista como “direito subjetivo”, mas todas sempre tentando destacar qual seria a essência deste

instituto. A conjectura que se apresenta é a de que tal instituto jurídico, na verdade, seria mera

convenção humana e, assim, qualquer discussão sobre natureza jurídica só teria alguma valia

se referente à procedência teórica do objeto em análise, não a uma suposta existência fora da

elaboração intelectual humana, como algo físico ou metafísico por herança teísta ou biológica.

Para Popper, a não diferenciação entre natureza e sociedade (aqui vista como

instituição constituída pela convenção do viver em conjunto) é o marco caracterizador das

chamadas sociedades fechadas ou tribais, como já apontamos, as quais adotam uma atitude

mágica baseada em irrefletida obediência a tabus, leis e costumes inevitáveis, todos

justificados a partir de uma idéia de que as normas seriam fruto de observação de

regularidades naturais (1998a, p.71). Seria como se as leis normativas (as que proíbem ou

exigem condutas, construindo critérios para agir em face dos outros) fossem meras leis

descritivas de movimentos regulares e, portanto, imutáveis e inevitáveis. O papel do

legislador, nesta perspectiva seria o de um observador que tenta “descobrir” as leis naturais

que regulam o conviver dos homens e construir, dessa forma, a legislação real baseada nesta

atividade de contemplação.

eternamente contida no cérebro do homem ou na sociedade, que possa ser pinçada, com um diamante numa

cata”. (LEAL, 2008, p.01)

41

Popper destaca que as leis naturais, sendo descritivas, podem ser falsas ou verdadeiras,

na medida em que a invariabilidade é sua característica fundamental. Isso quer dizer que, em

face de uma lei natural, um teste que demonstre um comportamento não previsto, só pode

trazer a conclusão da falsidade do postulado que se colocou em análise. Logo, seriam

regularidades porque estão fora do controle humano e, assim, só são passíveis de observação

sensorial (1998a, p.71).

Já as leis normativas têm caráter absolutamente diferenciado. São marcadas pelo

predicado da alterabilidade, pois têm como função a criação de diretrizes para o

comportamento o que, diferentemente das leis naturais, permitem sua violação sem que sejam

declaradas falsas. As reflexões sobre leis normativas envolvem questões sobre sua invalidade,

inefetividade ou ilegitimidade, problemas que são objeto de estudo do Direito, como ciência

social aplicada (POPPER, 1998a, p.72).

A percepção deste dualismo entre leis naturais e leis normativas é, para o mencionado

autor, o marco diferenciador entre uma sociedade fechada (tribal, totalitária) e uma sociedade

aberta (democrática), porque há uma desmistificação da construção das regras de conduta que,

de fatos observáveis, passam a ser tratadas como decisões pelas quais seus autores têm

controle e podem, dessa forma, ser responsabilizados.

Percebe-se, pelo visto, que não se deve falar em construção do direito a partir de fatos,

ou seja, de regularidades, mas de convenções sobre como encarar as regularidades do mundo

e como limitar a liberdade para que esta não seja tolhida pela força do outro. É a crítica que

Popper apresenta, por exemplo, ao positivismo jurídico que, ao igualar normas a fatos43

,

dogmatiza o direito por obstar a crítica, a partir da tese de que as normas não são estabilizadas

por terem sido objeto de conhecimento e aceitação racional por seus destinatários, mas por

passarem por um processo formal de elaboração por parte de uma autoridade autorizada por

possuir uma percepção diferenciada do mundo, o que impede o julgamento dos fundamentos

que esta autoridade utilizou para a formulação de sua decisão (1998a, p.85).

Há que se destacar aqui que as decisões humanas para regulação de condutas são

referentes a fatos levando-os em consideração, mas não são deles derivadas. Isso significa que

o homem, tanto quanto possível, busca a modificação de sua realidade, e pode fazê-lo, não

havendo nada que seja determinado pelo destino. Mais uma vez se percebe que esta conclusão

traz grande carga de responsabilidade e é um dos fatores para geração da chamada “tensão da

43

“Todas as decisões morais se relacionam desse modo a um ou outro fato, especialmente a algum fato da vida

social, e todos os fatos (alteráveis) da vida social podem dar origem a muitas decisões diferentes. Isso mostra que

as decisões não podem nunca derivar-se desses fatos ou de uma descrição de tais fatos.”. (1998a, p.76).

42

civilização”. Por fim, sempre vale à pena lembrar que a tomada de uma decisão é um fato,

mas o conteúdo desta decisão não o é. Não passa de um padrão, de uma escolha, e, assim,

pode ser objeto de crítica e, portanto de modificação, situação que não se dá com os

fenômenos naturais (Popper, 1998a, p.76-78).

Leal destaca, apresentando reflexões sobre o positivismo jurídico, que seu objetivo foi,

por partir de um raciocínio indutivo, identificar elementos comuns em todos os ordenamentos

jurídicos a fim de destacar suas regularidades para construção de normas universais, numa

atitude de unificação jurídica. Tal unificação daria origem a uma síntese principiológica capaz

de, por ser homologatória, explicar uma realidade histórica apreendida pela perspicaz

observação de um jurista neutro, cujo razão não fosse influenciada por várias teorias44

(2008,

p.10-12).

Brandão defende que a percepção da mutabilidade do direito, ao invés das teses de sua

estabilidade defendida pelas escolas jusnaturalistas, teísta ou tradicionalista, é marca da

positivação dos sistemas jurídicos. Aqui se percebe a necessidade de construção de técnica

para produção da lei como fonte do direito, e, para tanto, de procedimentos regulamentados,

institucionalizados que trouxessem previsibilidade para tal técnica (2008, p.01-11).

Mas essa percepção deve ir além da conclusão de que a realidade pode ser modificada

através da aplicação de políticas traçadas pelo texto legal. Não basta a criação de meios

técnicos para produção da lei. Essa tem de ser construída com base em teorias que

fundamentem as escolhas para os “agires” definidos na legislação. Aí se mostra

imprescindível o papel de abertura à análise por parte de uma sociedade de intérpretes deste

direito posto.

Uma sociedade deve ser como comunidade jurídica45

, no sentido de legitimados a

interpretar a legislação, para aceitá-la, negá-la, criticá-la, desenvolvê-la, destruí-la, por

qualquer um do Povo. Só com a clara identificação de teorias é possível uma discussão

racional sobre eventuais aporias nos fundamentos apresentados para a justificação das

decisões, seja no âmbito de institucionalização das regras, seja no campo de sua aplicabilidade

44

“É de se notar facilmente que os positivistas inferem indutivamente uma síntese principiológica dos sistemas

normativos para explicar uma realidade histórica meramente vegetativa, que, per se, nasce, cresce, vive, morre e

renasce num círculo vicioso natural e sob aguda observação isenta e purificadora do jurista exercitada por uma

gnose mística, com se a razão pudesse ficar inteiramente apartada do desenrolar dos fatos sociais e

econômicos.”. (LEAL, 2008, p.11). 45

Comunidade jurídica é o termo que Leal utiliza para denominar o agrupamento humano constituído de sujeitos

de direito conscientes desta condição e, portanto, legitimados para o processo de regulação de suas vidas (2006b,

p.90). Faz um contraponto entre esta comunidade e a “sociedade civil”, vista como núcleo de comando por parte

de uma classe dirigente educada e patrimonializada que escraviza uma massa ignorante e despatrimonializada. O

desvelamento do conceito de sociedade civil é essencial para o avanço para um modelo de sociedade

democrática (2005k).

43

em face de problemas específicos, e a técnica de produção com a eleição de “autorizados a

fazer” não pode ser um obstáculo à crítica por qualquer um dos destinatários.

O que Popper e Härbele46

demonstram é que a eleição de autorizados a construir o

sentido da norma, não abrindo a interpretação da lei a qualquer um do povo não tem sentido e

é perigoso. A criação de anteparos à possibilidade de interpretação da lei, como a adoção de

intérpretes autorizados pode, simplesmente, afastar o cidadão da discussão dos rumos de sua

vida. Para tanto é necessária a constante simplificação do “código do direito”47

para

facilitação do entendimento da lei e, assim, sua desmistificação com a conseqüente abertura

da porta legal para ampla e fundamental discussão a fim de busca pela estabilização dos textos

por sua aceitação racional.

O que se busca aqui não é a despositivação do direito, enquanto regra de conduta

interpretada a partir do texto da lei, o que seria impossível em nosso sistema constitucional,

porquanto pautado no princípio da legalidade48

que é a marca conquistada pelo

desenvolvimento do Estado de Direito (BRÊTAS C. DIAS, 2004a, p.93-107). A lei, antes de

dogma homologatório da realidade, é produto humano aberto a incessante crítica e análise

46

O alemão Peter Häberle tem desenvolvido importante tese a respeito da hermenêutica constitucional, como

teoria a esclarecer a técnica de vivência do texto constitucional por sua interpretação por todos os seus

destinatários. É o que o autor chama de sociedade aberta dos intérpretes da constituição, ao defender que todos

devem ter papel importante na definição do sentido da norma, abandonado a antiga idéia de intérprete

autorizado, o que seria resquício de uma sociedade fechada. Entende que a sociedade aberta é uma exigência do

pluralismo e só pode ser construída pelo pluralismo, e depende de uma individual atitude de interpretação da

norma, de sua atualização, portanto. O papel do técnico (do qual se destaca o jurista) é apenas co-interpretativa: é

um auxiliar neste processo. A jurisdição, aqui, é importantíssima por ser um espaço catalisador das

subjetividades por permitir um técnico diálogo jurídico e confluência de interesses divergentes, tudo a permitir

formação de consensos, no sentido de explicitação de conflitos e construção de compromissos. A abertura pela

legitimação universal integra o direito à realidade, para o citado autor, mas desde que esta participação se der de

forma qualitativa e qualificada, capaz de influenciar previamente na decisão a ser tomada, seja no nível

instituinte, seja no nível instituído. Só a abertura poderia possibilitar unidade do texto Constitucional, por este se

tornar fonte de integração entre os diversos interesses de cada um do povo. A tese desenvolve as reflexões de

Popper, por imaginar a busca de objetividade da interpretação constitucional com base no racionalismo crítico

(1997). Vale a pena citação literal de dois trechos imprescindíveis de sua obra: “[...] Democracia desenvolve-se

mediante controvérsia sobre alternativas, sobre possibilidades e sobre necessidades da realidade e também o

„concerto‟ científico sobre questões constitucionais, nas quais não pode haver interrupção e nas quais não existe

e nem deve existir dirigente.”. (1997, p.36-37). E continua: “Povo não é apenas um referencial quantitativo que

se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão.

Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no

processo constitucional: como grupo de interesse, como cidadão. Sua competência objetiva para a interpretação

constitucional é um direito de cidadania [...].”. (1997, p.37). Por fim: “[...] A sociedade torna-se aberta e livre

porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucional [...]”.

(1997, p.43). 47

“[...] o que se assistiu no decorrer do último século, ao menos para o direito continental, foi uma crescente

preocupação com códigos internos de acesso à Justiça, quando doutrinas foram elaboradas e livros foram escritos

não na busca da melhor solução para os conflitos apresentados, mas para sistematizar coerentemente a natureza

jurídica dos institutos criados, desvendando antes o nome do recurso cabível em sede de segunda instância do

que qual seria o papel da Justiça numa sociedade que cada vez mais demanda novas soluções por parte do Poder

Judiciário. [...].”. (BRANDÃO, 2008, p.8). 48

Art. 5º. [...] II – “Nem será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...].”.

44

racional, e é apenas o ponto de partida para as discussões de como se agir perante o outro em

determinada circunstância49

.

A contribuição de Popper para a discussão que aqui se abre é a de que, numa idéia de

sociedade aberta, reconhece-se que as instituições sociais são produtos dos esforços humanos

e que sua modificação é voluntária e envolve conveniência para alcance dos objetivos

traçados, ou seja, depende de uma interferência ativa dos interesses pessoais (1998a, p.322).

A democracia ajusta-se adequadamente a esta conclusão, porque é o único regime que permite

a crítica e modificação de padrões de forma pacífica e discursiva (POPPER, 1998a, p.18).

Em suma, enquanto os indivíduos que pertencem a uma sociedade não percebem que

sua legislação é fruto de decisões pessoais daqueles que são os responsáveis por sua

elaboração, não evoluem de um estado de misticismo para um estado de esclarecimento e

responsabilização daqueles que são os construtores das regras que organizam as condutas em

face do outro. Essa idéia tem muito a contribuir para o direito que, como veremos abaixo,

ainda persiste em ser entendido como fruto da observância de míticas regularidades supostas,

visualizadas pelos “doutrinadores”50

, que resultam no desenvolvimento de institutos não

esclarecidos. Tal atitude apenas mascara as finalidades não confessadas de seus autores, de

construção de discursos de justificação de um modo de viver autoritário que transforma a

população de fim das políticas públicas para mero meio de subsistência da classe dirigente. A

utilização do termo doutrinador tem sido forma de busca de título a tornar o discurso

certificado com uma pressuposta sabedoria e, assim, trazer confiança ao interlocutor, que

passa a acreditar no acerto dos argumentos expostos sem questionar seus fundamentos.

49

“Nessa linha, a escrituração de uma Constituição é o ponto de partida do discurso normativo, delineando

alguns conceitos básicos (falseáveis e abertos à crítica) que podem, inclusive, ser rejeitados por meio do discurso

processualizado. No Direito Democrático, o texto normativo não necessita de um guardião, daí por que o tirano o

vê como um malefício, uma inutilidade, uma ameaça a sua soberania.”. (MADEIRA, 2007, p.127). 50

Destaca-se a periculosidade do termo “doutrina” e “doutrinador” se for utilizado com o fim de fixação do

argumento de autoridade que não se oferece à crítica e, portanto, parte de algo afirmado e não esclarecido

(LEAL, 2008, p.08). Chama-se a atenção para importantes reflexões de Marçal sobre o tema: “[...] O termo

„doutrina‟ deriva de docere: ensinar e é, geralmente, empregado para designar um conteúdo apresentado como

produto pronto e ao qual se adere por força do exemplo, da autoridade ou da respeitabilidade moral daquele que

o transmite. Como tal foi e é ainda usual falar-se de doutrina para se referir, por exemplo, a crenças religiosas.

[...] a doutrina demanda adesão da vontade e o emissor, original ou intermediário, desempenha importante papel

na adesão: ou é fonte sublime e transcendente da doutrina ou é a testemunha ou o exemplo, que arrasta e move a

vontade do adepto. O termo doutrina é, assim, adequado para indicar a organização do conteúdo do dogma, da

mensagem cifrada, como tal sempre aberta à inclusão de qualquer conteúdo pelo respectivo receptor, e do

mistério. Isso não é o que ocorre no Direito enquanto conhecimento científico. A designação „doutrina‟ não é

adequada e não corresponde, pois, ao estatuto cognitivo do Direito, se é que correspondeu inteira ou

parcialmente em alguma época e, sobretudo, se o Direito deve se constituir como ciência.”. (2007, p.45-46). O

que se critica, aqui, é a idéia de doutrinação como moldagem de mentes para o hábito de não realizarem nada

independentemente, conforme já apontado por Popper (1998a, p.147)

45

Decisões jurídicas endossadas pela doutrina, assim, não passam por um processo de crítica,

haja vista que o cidadão é diminuído em face do prestígio da figura do doutrinador.

Popper demonstrou, a partir de seus estudos epistemológicos, que os conceitos

jurídicos não devem ser tratados como coisas de um mundo imaginário, mas como descrições

de instituições criadas pelo (e para) o homem e que, assim, são, ao contrário das “coisas

naturais”51

, absolutamente passíveis de adequação a partir das finalidades para as quais foram

criadas. Inclusive, nos faz perceber que as finalidades da lei, como decisões humanas que são

também podem ser questionadas. A essa idéia de que os institutos jurídicos devem ser sempre

revisitados, ressemantizados, reanalisados, mas sempre tendo em vista o padrão principal que

se adotou como ponto de partida (aqui, a democratização do Estado pelo Direito) é que o

primeiro autor deu o nome de “mecânica social gradual”.

Vê-se, aqui, a possibilidade de construção do conviver através da visualização destas

regras como produto da intelectividade humana, voltada para a tentativa de subsistência

harmônica e pacífica, desde que esta seja a finalidade eleita (POPPER, 1998a, p.36-38 e 174).

É esse o ponto de reflexão sob o qual será abordada a figura jurídica do “interesse

processual”, de criação que remota à obra de Wach (SILVA; GOMES, 2002, p.104-105), e

desenvolvimento até a positivação atual nos artigos 3º52

; 50, caput53

; 267, VI54

; e 295, III55

,

todos do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei 5.869/1973), que serão analisados, não

mais sob um prisma de descrição de um metafísico fenômeno jurídico, mas sobre a ótica de

um instituto cuja aplicabilidade deve obedecer à finalidade de operacionalização de um

Estado Democrático, expressamente eleita pelo artigo 1º, caput, da CR/1988.

51

É o que explica Leal, para quem: “A naturalização da língua [...] tornou as palavras coisas [...]. Esse fetiche

(efeito externo encobridor das causas existenciais), que iguala coisa com coisa (a res indecifrável dos romanos e

a physis grega), vedando a abertura conjectural (problematização-teorização dos conteúdos de significância das

linguagens), é que vem mitificando a „linguisticidade‟ jurídica (possibilidades refutativo-discursivo-

argumentativas) a ponto de criar um mundo imaginário, fantasístico e virtual, que se afirma como realidade

reflexa (absolutamente gozosa) em troca da própria vida reflexivo-enunciativa e proposicional. A adoção das

palavras como coisas (e não mais para descrever, conjecturar e argüir a linguagem) é um empreendimento tão

vitorioso na contemporaneidade exasperante que a própria coisa freudiana (das ding) passou a significar um

lugar físico-neurológico de horror e inexplicável pela inteligência humana, lugar de mistério a ser lobotomizado,

esquecido, evitado ou lacrado, longe da escuta, percepção ou olhar escópico do homem. Condenam-se assim, as

ciências do Direito e da Psicanálise a um desterro perpétuo, criando-se o „fora-da-lei‟ [...], e ao mesmo tempo

excluindo-o autoritariamente da possibilidade de ser si mesmo, ter e compreender (construir, reconstruir,

modificar ou destruir) a lei, ontológica ou jurídica”. (2006b, p.89-90) 52

Art. 3º. “Para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade.”. 53

Art. 50. “Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro que tiver interesse jurídico em que a

sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.”. 54

Art. 267. “Extingue-se o processo, sem resolução do mérito: [...] VI – quando não concorrer qualquer das

condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.”. 55

Art. 295. “A petição inicial será indeferida: [...] III – quando o autor carecer de interesse processual; [...].”.

46

O que importa ressaltar, neste momento, é que a desmistificação da imutabilidade das

normas permite a problematização quanto ao seu grau de permissibilidade e repressividade.

Diversas teorias do direito tentaram explicar tal questão, mas sem passar por uma análise das

escolhas que levam a adoção de cada grau de coerção ou de esclarecimento. Leal (2008, p.07-

08) faz um importante estudo sobre o tema, conforme demonstraremos a seguir, o que

permitirá a visualização, nos capítulos posteriores, do interesse e da ação processual de forma

racionalizada e desideologizada56

.

O idealismo jurídico57

, preconizado de Platão a Hegel, passando pelo jusnaturalismo

de Pufendorf, Locke, Leibniz, Montesquieu e Rousseau, encara o direito como “coisa”

exterior ao homem, advindo do mundo cósmico dos deuses. O legislador, neste quadro, é

responsável pela “colheita” desta metafísica coisa e por sua tradução, descrição, no texto da

lei, buscando sua imutabilidade visto que baseada no modelo imortal, eterno e não escrito

advindo de algo supranatural. Essa é a teoria que comungam também os jusnaturalistas, ao

imaginarem a possibilidade de que a razão intuitiva dos homens seria capaz de produção de

um direito puro e eterno (LEAL, 2008, p.08-09). Aqui, alguns homens com capacidades

especiais teriam esta percepção especial para criação de um direito intuitivo no qual a idéia de

justo e de equidade pudesse ser por estes definida. Daqui, a origem de importantes teorias

sobre princípios jurídicos abertos, dissociados do texto legal, conforme defenderam Kelsen

(com base na sua teoria da norma fundamental) e R. Dworkin (com base em sua teoria da

integridade)58

.

56

“O que muitos chamam atualmente de teorias do direito, em suas diversas acepções, não são teorias na

concepção científica moderna que envolve um esclarecimento do Direito, por meio da formulação e organização

de idéias críticas para elucidar as contradições existentes na realidade jurídica produzida pelas diversas

sociedades humanas. Trata-se, pois, de teorias no sentido de proposições ideologizadas (idéias dominantes em

períodos históricos) não inteiramente explicadas por seus próprios autores, porque procuram definir, achar,

reencontrar ou relembrar um direito como se este fosse um ente-objeto perdido dentro ou for do tempo-espaço ou

embutido no cérebro ou esquecido pela natureza humana.”. (LEAL, 2008, p.08). Löwy, remetendo-se a

Mannhein, defende que a idéia de ideologia está ligada a doutrinas de caráter conservador, para manutenção do

status quo por meio de construção de canais de estabilização para reprodução de uma ordem estabelecida (1985,

p.13). 57

Por esta teoria a experiência jurídica é advinda de um processo espiritual constante, na busca pela idéia

perfeita, de um ideal jurídico, ordenado por princípios racionais, cujos resultados seriam alcançados através de

um processo intelectual dialético, purificando as idéias pela busca de sínteses. Os institutos jurídicos seriam fruto

do contato entre a moralidade (espírito subjetivo) e o desenvolvimento histórico que provoca modificações nas

necessidades humanas de ordem material e econômica, além de novos interesses comuns, superadores da

identidade moral originária. O Estado seria a maior síntese nesse processo dialético, como a personificação do

espírito do povo, como o receptáculo da vontade comum. (GUSMÃO, 1973, p.416-421). 58

Assim, na teoria dworkiana, o juiz não possui discricionariedade judicial justamente porque o ordenamento

jurídico é formado não apenas por regras judiciais, mas também por princípios jurídicos. E, justamente por esta

concepção, o material jurídico é suficiente para dar uma resposta correta ao problema proposto.”. (CARVALHO,

2007, p.92). Os princípios, tanto em Dworkin, quanto em Kelsen, são tradução ora de uma moralidade, de ética e

da história da população, ora de uma metafísica norma fundamental que seria a essência nacional (CARVALHO,

2007).

47

A escola do Direito Natural Racional, também chamada de realismo jurídico59

, não

consegue, infelizmente, superar o citado problema, por imaginar um direito advindo

puramente da razão, sem influência externa, de geração racional apriorística decorrente de

ajustes lógicos da razão aos fatos sociais, vistos como regidos por leis naturais da convivência

humana. É a razão aqui divinizada, deificada, como se fosse possível sua infalibilidade,

bastando que o construtor do direito fosse habituado a um grau de neutralidade. Novamente,

esta escola destaca a figura daquele jurista especial, o capaz de ser neutro e, portanto, o

especialista designado para comandar o destino dos demais homens que não possuem tal

característica peculiar (LEAL, 2008, p.09-10). O Direito não deixa de ser “coisa” nesta

acepção, mas já evolui para “algo criado”, mas imutável, por ser a tradução da razão universal

dos homens, traduzida por juristas clarividentes.

A escola fenomenológica60

, por sua vez, parte do objetivo de descobrimento da

essência imutável das coisas, numa busca pelo elemento fundamental de sua constituição.

Daqui, se percebe a construção de um direito baseado numa razão imutável e divorciada da

realidade social, visto que seu objetivo era de purificação (LEAL, 2008, p.12-13). Busca-se

uma autonomia da ciência jurídica, como um arcabouço construído com base na lógica de

uma reflexão de juristas isentos, o que nos levou a chamada ciência nominalista e dogmática

já apontada.

O formalismo jurídico61

não deixa de lado, também, essa visão essencialista do

Direito62

. Só que agora abre mão da previsibilidade da lei institucionalizada para abertura à

59

Para esta teoria, a experiência jurídica teria sua origem na experiência dos tribunais, devendo ser estudadas as

decisões proferidas pelos órgãos oficiais, bem como os fatores de ordem social ou psicológica que influenciaram

sua prolatação. Há grande preocupação de afastamento de valores metafísicos, como a “justiça”, da teoria do

direito, tendo como objetivo a consecução, pelo direito, de bem-estar social. O fator de validade das normas,

para Alf Ross, por exemplo, consistia na sua efetiva observância pelos tribunais. Assim, a grande preocupação é

com o comportamento dos magistrados, entendendo que a atividades destes é que seria a verdadeira fonte do

direito. (GUSMÃO, 1973, p.460-461). 60

Para esta teoria que tem como principal expoente o jurista austríaco Hans Kelsen, a experiência jurídica teria

origem na atividade legislativa, responsável pela criação da normatividade, ou seja, que a realidade jurídica

estaria totalmente contida no texto das normas, sendo este um mundo diverso e autônomo das relações sociais.

Assim, produzida norma dentro de um processo legislativo também previsto em lei, esta já seria, por isso mesmo

válida (LEAL, 2008, p.12-13). É uma escola que se preocupa, portanto, com o afastamento de elementos

externos ao direito (metajurídicos), criando a distinção entre ser (sein) e dever-ser (sollen), sem que um seja

derivado do outro. O direito, por não estabelecer o que ocorre, mas o que deve ocorrer, pertenceria ao campo do

dever-ser, regido, portanto, pela lei da imputabilidade (juízo hipotético que imputa uma sanção a ser aplicada ao

transgressor de uma norma), não da causalidade. O Direito buscava sua validade em uma cadeia de normas,

sendo cada norma hierarquicamente inferior a aplicação da norma superior, sua razão de justificação, num

processo findo na norma fundamental (grundnorm), de validade pressuposta, como espírito do povo traduzido

pelo Estado, visto como entidade de unificação desse espírito. (GUSMÃO, 1973, p.457-459). 61

Escola que tem como ideário a afirmação de que o direito é um conjunto de normas concordantes,

responsáveis pela criação de justiça e paz, tendo como principais expoentes Weill e Mazeaud. Para eles, o seria

direito construído a partir de naturais leis humanas ou sociais, cabendo ao jurista descobri-las, para que se

tornasse ser salvador da natureza humana, física e social (LEAL, 2008, p.13-18). Leal aponta como herdeiros

48

complementação e efetivação do direito posto por autoridades autorizadas (LEAL, 2008,

p.13-18). Cria-se, neste quadro, a prevalência de um direito jurisprudencial no qual o

responsável por identificação do direito é o julgador solitariamente, por conta de suas

especiais capacidades adquiridas pela aprovação em concurso público. É interessante observar

aqui que as decisões nesta visão são o direito, não se abrindo à crítica, considerando a posição

superior daquele que julga. Esse fato é agravado nos tribunais superiores brasileiros,

considerando que seu acesso é vinculado a um obscuro critério de notável saber jurídico

auferível por supostas sabatinas no Senado Federal, conforme expressa previsão dos artigos

10163

e 104, parágrafo único64

da CR/88, além do art. 52, III, „a‟65

, da mesma Constituição,

procedimento de seleção não controlável pelo povo.

O ideário formalista tem trazido funestas conseqüências para o estudo do Direito,

inclusive, em relação aos institutos do chamado “Direito Processual”. As escolas do processo,

da jurisdição e da ação, em suas grandes teorias, não conseguiram perceber que é chegado o

tempo do abandono pela procura da essência dos institutos a partir de visualização de

coincidências entre sua manifestação no direito comparado. Não é mais necessário que se

busque a construção de um universal direito a partir da observação das variadas formas de

dominação que as classes dirigentes vêm impingindo nos diversos ordenamentos pelo mundo.

O que se precisa, urgentemente, é a percepção de que o direito é fruto das reflexões humanas,

e, portanto, será construído e servirá para os objetivos traçados pelo homem para sua

convivência e desenvolvimento pacífico perante o Outro. Para tanto, só uma ciência jurídica

que seja aberta à incessante crítica permite a forma democrática de evolução do mundo dos

homens.

dessa escola, no campo do direito processual Bülow, Carnelutti, Calamandrei e Liebman, autores

importantíssimos para a construção das teorias em voga sobre o interesse processual, conforme veremos no

capítulo seguinte (LEAL, 2008, p.16). 62

“Percebe-se que a escola do formalismo jurídico irreducionista acredita que a natureza do homem ou da

sociedade tem suas leis imanentes e imutáveis, cabendo ao jurista descobrir o direito na sistemática jurídica,

como um personagem ou uma coisa oculta e autônoma nessa sistematicidade. Não admite que o homem tenha

criado leis para ocultar e mascarar propósitos de dominação. Afirma que o direito é ainda um ser salvador

embutido na natureza humana, física ou social, jamais uma expressão normativa teórica ou ideologicamente

produzida pelo homem e simultaneamente entrelaçada às demais instâncias político-sociais e econômicas.”.

(LEAL, 2008, p.14). 63

Art. 101. “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de

trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.”.

Parágrafo único. “Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República,

depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.”. 64

Art. 104. [...]. Parágrafo único. “Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente

da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber

jurídico e de reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal” [...]. 65

Art. 52. “Compete privativamente ao Senado Federal [...] III – aprovar previamente, por voto secreto, após

argüição pública, a escolha de: a) magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;” [...].

49

O estruturalismo jurídico66

não foge à tendência apontada. Ao imaginar a vinculação

do direito à estrutura sócio-econômica da comunidade, percebe-o como fruto inevitável desta,

nunca visualizando seu potencial transformador. Aqui há também “coisificação” do direito,

porque ele é apenas conseqüência da causalidade social e, assim, seu entendimento passaria,

apenas, por uma investigação histórica dos fatores que levaram à formulação da legislação

(LEAL, 2008, p.18-19).

O que é necessário, hoje, é o abandono dessa visão essencialista. Se o direito deve ser

visto como produto humano, positivado com finalidades específicas, abre-se a possibilidade

de diversas investigações esclarecedoras: sobre a efetividade e eficiência das instituições

criadas pela legislação; sobre a moralidade das escolhas dos padrões adotados; sobre as causas

de justificação de ambas, ao nível, portanto, de sua legitimidade; sobre a necessidade de graus

de coercitibilidade por deficiências no nível da aceitação racional do direito posto.

Há que se destacar, agora, que há importante distinção entre norma e lei adotando-se

este ponto de vista. Norma deixa de ser algo pré-escrito, para se tornar categoria intelectiva

inferida do texto da lei, ou seja, é a indicação do padrão de licitude das condutas como fruto

da interpretação do texto legal (LEAL, 2008, p.124-125 e LEAL, 2000, p.117).

A argumentação jurídica, com esta percepção, também passa por uma revolução ao

ver-se desprendida de leis naturais pressupostas, com total liberdade para a construção de

sentidos pelos homens a partir de seus atos de interação comunicativa (LEAL, 2005l, p.3).

É com base nesses critérios que será abordada a temática da Ação Processual e do

Interesse Processual, pensando, principalmente, como estes podem contribuir para

implementação e expansão do sistema democrático, além de que forma tem permitido a

criação de padrões de conduta com base em intersubjetividade dos envolvidos no conflito.

66

Escola do direito que, tendo como principal expoente Lévi-Strauss, se preocupa com a investigação de

estruturas neutras e imutáveis a sustentar os ordenamentos jurídicos, visto que a legislação estatal seria fruto de

leis reais e fixas que orientassem seu processo de criação, assim como orientam o das leis sociais e econômicas.

Tais estruturas só seriam perceptíveis, tal a sua complexidade, por juristas vocacionados. A investigação dessas

estruturas permanentes nas quais se baseiam todas as relações sociais tornariam o viver do ser humano no mundo

regido por uma essência que envolveria modificações cíclicas, o que, no fundo, só manteria a imutabilidade.

Assim, o direito teria um conteúdo invariante, apreensível pela descoberta da essência dos fenômenos jurídicos,

ao se observar a história do comportamento humano. Logo, as normas jurídicas, como fruto dessa essência, só

podem homologá-la e, portanto, são inevitáveis. (LEAL, 2008, p.18-19).

50

2.4 A proposta popperiana para análise dos institutos jurídicos a partir da teoria da

mecânica social gradual

Para Leal, instituto jurídico pode ser definido como “agrupamento de princípios que

guardam unidade ou afinidade de conteúdos lógico-jurídicos no discurso legal” (LEAL, 2008,

p.273). A partir desta idéia, pretende-se, agora, analisar como uma metodologia de mecânica

social gradual servirá para elucidação dos conteúdos da lei de uma forma aberta e

desmistificada.

Os princípios, segundo o mesmo autor, que formam os institutos jurídicos, seriam

referentes lógico-jurídicos não variáveis, estabelecidos pelo texto legal e deles extraídos de

forma explícita ou por inferência lógica a partir de construção taxionômica. O princípio é o

limite originário de interpretação e aplicação do direito legalmente formulado. Funciona como

marco teórico, de forma a ser sempre o referente para interpretação de conceitos dele inferidos

(LEAL, 2008, p.273).

O direito é formado, dessa forma, por regras extraídas da norma legal. Essas, de

acordo com seu conteúdo e finalidade, são divididas em regras jurídicas (normas-disposições)

e em normas-princípios (BRÊTAS C. DIAS, 2004a, p.119). Os institutos jurídicos, conforme

o que aqui se expõe, são constituídos de uma série de princípios extraídos do texto legal, bem

como de uma série de regras para sua operacionalização, todos com o objetivo de ser o ponto

de partida para a reflexão a respeito de possíveis soluções para os diversos problemas

surgidos na vida em conjunto.

Analisaremos a Ação Processual e o Interesse Processual por este ponto de vista, ou

seja, como institutos jurídicos criados pela lei humana e, assim, como convenções passíveis

de crítica e de modificações. Para tanto, será investigada a sua procedência teórica, bem como

sua adequação ao padrão democrático adotado pela Constituição da República Federativa do

Brasil, de 1988. A metodologia aqui utilizada é a sugerida por K. Popper no trato dos

problemas envolvendo a construção de políticas públicas, a saber: a sua teoria de modificação

do mundo por uma mecânica social gradual.

Popper inicia sua sugestão metodológica, apontando, como já discorrido, sobre o erro

provocado pela confusão entre natureza e convenção na análise das leis humanas e naturais.

Demonstra que o grande equívoco tem ocorrido pela utilização de idéias cartesianas na análise

das questões sociais, como se elas fossem próximas das questões naturais. Isso não tem

sentido, partindo das premissas que foram anteriormente lançadas no presente estudo.

51

O que o autor sugere é que o “viver no mundo entre outros” seja encarado como

produto do intelecto humano. Para tanto, pode ser modificado de acordo com a vontade do

homem. Mas por uma vontade que passe do campo da subjetividade inconsciente do desejo,

para a da expressão racional pela linguagem. Nesse sentido, a necessidade de se buscar

sempre o esclarecimento e a oportunização da apresentação das pretensões para o Outro,

destinatário de tal desejo, a fim de construção de relações de poder por uma intersubjetividade

baseada na adesão pelo consenso, pela legitimidade.

Desenvolve sua teoria da mecânica social gradual a partir da tese de que não é

relevante qualquer indagação a respeito das tendências históricas ou destino do homem, haja

vista que este é senhor de seu próprio destino. Logo, os fins são escolhidos e criados por cada

indivíduo e, assim, este é responsável por suas conseqüências. As instituições humanas, dessa

forma, não são estudadas a partir de suas origens históricas, mas a partir de seus objetivos, de

sua fundamentação e da eficiência no alcance dos fins propostos, como verdadeiros meios

para alcance de objetivos pré-determinados (POPPER, 1998a, p.36-38).

Defende a possibilidade de uma inversão do papel do Estado: ao invés de uma

aristotélica busca pela máxima felicidade, procura desenvolver a idéia de que se deve, apenas,

como linha mestra de qualquer política pública, evitar o sofrimento dos demais. Aqui, Popper

procura diferenciar duas tendências: a do mecânico utópico, cujo objetivo é a elaboração de

um Estado Ideal e, para tanto, que todas as instituições devem ser desenvolvidas para

consecução deste objetivo, em face do mecânico gradual, que pensa a curto prazo e traça

metas menos ambiciosas, só tentando um desenvolvimento que permita uma sobrevivência

menos penosa no mundo e, se o sofrimento for inevitável, que ele seja distribuído de forma

igualitária entre todos os membros da comunidade (1998a, p. 172 e 311).

Aponta que sua teoria da mecânica gradual não é utópica, no sentido de inatingível,

porque o combate aos males sociais tem mais possibilidades de consenso que a luta por um

ideal, até porque a eleição deste ideal, salvo em momentos particulares da vida comunitária, é

de difícil definição, e pode mudar durante o seu processo de implantação (1998a, p. 174).

Se não se busca um distante bem, mas o combate a um mal presente, são possíveis

ações imediatas. A melhora é gradual porque parte da solução paulatina de problemas, com

menos danos e dificuldades quanto ao consenso, já que não há grandes ambições, e as

negociações são mais razoáveis e podem ser desenvolvidas pelo dificultoso e trabalhoso

processo democrático de formação da estabilidade das pretensões que se quer validar (1998a,

p.174-175).

52

Fins concretos e realizáveis podem justificar medidas temporárias, mas sem se

esquecer de visualizar o processo como um todo, não se subestimando o fim pelo custo dos

meios para que este seja atingido (1998a, p.314).

Apresenta crítica ao método utópico por afirmar que ele, ao prometer ambiciosamente

a felicidade de todos, realizando a felicidade de poucos, tem de partir de duas difíceis

premissas. Em primeiro lugar, dever ser adotado um método racional de identificação do ideal

a ser buscado. Em segundo lugar, deve ser adotado um método racional de identificação dos

meios de sua realização. O grande problema desta forma de construção do mundo é que ela

exige uma intuição infalível e uma sufocação de divergências que forem surgindo com a

explicitação de pontos de vista diferenciados (1998a, p.176), o que pode influenciar

negativamente o processo e atrapalhar o atingimento do fim, que recebe uma carga de dogma

e de grande sacralidade.

Quando se tem uma ambição muito grande, em termos de políticas públicas, há um

grande problema também: estas exigem, para sua implementação, controle de um

conhecimento quase que absoluto do mundo e do futuro, inclusive, para haver uma

previsibilidade e controle de todas as variáveis que podem atrapalhar o processo de sua

implantação (1998a, p.177).

Numa visão de mecânica gradual, por outro lado, é possível o trabalho com

experiências sociais em pequena escala que permitam contínuos ajustamentos porque, se o

trabalho é paulatino, é possível a percepção dos enganos e adoção de uma metodologia

científica de tentativa e erro, o que pode levar a salutares mudanças de rumo (1998a, p.178-

179).

A única coisa que o mecânico social deve pensar, em termos de longo prazo, é a

constituição de instituições sociais impessoais que independam, por conta de seus

mecanismos de controle, de quem as operacionaliza (1998b, p.138). Aqui, as instituições têm

um papel absolutamente imprescindível: não o de planejar a histórica através de teorias

proféticas (como foi o caso do marxismo ao imaginar que, naturalmente, surgiria o modo de

viver comunista), mas o de garantir e proteger a liberdade que permita a análise crítica dos

resultados das políticas públicas, o apontamento de seus erros e a modificação dos rumos

durante o caminhar (1998b, p150). Isso Popper anuncia como a grande diferença entre o

homem e os animais ao afirmar que o primeiro tem a capacidade de abandonar suas teorias

sem o sacrifício de sua própria existência (1999).

A mecânica social permite ver que os resultados científicos são relativos, pois são

encarados como etapas do desenvolvimento científico e, para tanto, precisam de cooperação,

53

publicidade e intersubjetividade para seu desenvolvimento. Essa metodologia é, portanto,

baseada em testificação pelo oferecimento à crítica do outro, por desmistificar a idéia de

objetividade pessoal desenvolvida, como já apontado, nas teorias naturalistas ou essencialistas

do direito, que partem do pressuposto de possibilidade de neutralidade do jurista (POPPER,

2004, p.13-21).

Uma metodologia de mecânica social gradual propugna uma reforma gradual e setorial

controlada por uma comparação crítica entre os resultados esperados e os obtidos, através da

apresentação de crítica racional, ou seja, formulada por argumentos apresentados por meio da

linguagem. Tudo isso tem como finalidade a redução paulatina dos níveis de violência no

conviver humano67

.

Aqui, abandonam-se as possibilidades discursivas que envolvam vazio verbalismo. O

objetivo não será a discussão dos conceitos que formam as instituições, mas suas teorias, e os

fins e meios que estas utilizam68

. É sobre essa perspectiva que o direito deveria ser analisado,

como ciência social aplicada que é, ou seja, voltada para a pragmática atividade de regulação

pacífica, racional e democrática do conviver entre outros.

Conclui-se, portanto, que sob o prisma de um mecânico social estas seriam as questões

relevantes para o jurista: qual é o padrão adotado para o conviver que o direito se propõe a

regular? Qual é o objetivo deste padrão? Como os institutos operacionalizam este padrão?

Abrem-se mão, assim, das intermináveis discussões sobre essências, naturezas jurídicas, para

reserva de energias quanto às finalidades e resultados dos institutos.

A teoria neo-institucionalista do processo tem procurado desenvolver, no campo do

direito, as bases traçadas por Popper em sua proposta de mecânica social gradual. Ela trabalha

com princípios autocríticos que permitem a inclusão do cidadão na construção das decisões

que regerão sua vida através da instituição do processo. Veremos, agora, como ela trabalha

com essas bases, a sua contribuição na (des) construção do conceito de Interesse Processual e

sua relação com o princípio do acesso à jurisdição.

67

“[...] Se o método da discussão racional crítica se estabelecer, tal fará o uso da violência obsoleto: a razão

crítica é a única alternativa, descoberta até hoje, para a violência. Parece-me claro ser a tarefa óbvia de todos os

intelectuais contribuir para „esta‟ revolução – pela substituição da função eliminatória da violência pela função

eliminatória da razão crítica. Para se trabalhar, porém, com vistas a este fim, é necessário escrever e falar

constantemente numa linguagem clara e simples.”. (POPPER, 2004, p.39) 68

“Conceitos ou palavras são meros instrumentos para formular proposições, conjecturas e teorias. Conceitos ou

palavras não podem ser verdadeiros per se: eles servem meramente à linguagem humana descritiva e de

argumentação. Nosso objetivo não deveria ser analisar „significados‟, mas buscar „verdades‟ importantes e

interessantes, ou seja, teorias verdadeiras.”. (POPPER, 2004, p.91).

54

2.5. A teoria neo-institucionalista do processo e sua proposta de democratização do

direito pelo processo

A teoria neo-institucionalista do processo merece destaque por ser expressão desse

ideário de mecânica social gradual. Por ser informadora de uma técnica para construção de

procedimentos jurisdicionais voltados para democratização da resolução dos conflitos entre

sujeitos de direito, é pautada por um sistema de redução paulatina de coercitibilidade das

decisões69

, sejam no âmbito de instituição da legalidade (processo legislativo), seja no âmbito

de aplicabilidade do direito posto (processo jurisdicional), pela abertura de instrumentos de

controle para qualquer do povo fiscalizar as atuações no ambiente estatal (LEAL, 2008,

p.288).

Por meio desta teoria é possível o asseguramento da fruição de direitos criados pelas

partes, a partir do texto legal, através de sua discussão em procedimentos também traçados

pela lei. Ela envolve os ideais democráticos aqui expressos porque, ao trazer as partes para o

papel de co-autoras da decisão que regulará suas condutas interpretando o texto da lei,

tornam-nas responsáveis pelas conseqüências de seus atos.

Daí ser chamada pelo autor de referente jurídico-discursivo, por ser demarcadora do

discurso (LEAL, 2008, p.86). Se há responsabilidade, há autonomia (criação de norma, no

sentido de interpretação própria da lei) e, portanto, há cidadania universal, já que todos são

legitimados ao processo. A lei tem um papel fundamental nesta teoria, porquanto é o marco

inicial das discussões que permite a possibilidade de previsibilidade nas decisões, que se

tornam impessoais por serem construídas intersubjetivamente, entre partes e julgador (LEAL,

2008, p.88).

Leal constrói sua teoria do processo afirmando ser este uma instituição70

humana

baseada em três princípios institutivos: contraditório, isonomia e ampla defesa, todos

previstos como direitos fundamentais do cidadão brasileiro no texto constitucional do art. 5°,

caput, e incisos LIV e LV da CR/88, e com função de fundar um ambiente lógico para a

construção de oportunidades críticas71

(LEAL, 2006a, p.13).

69

“[...] A institucionalização constitucional do processo acarreta a impessoalização das decisões, porque estas,

assim obtidas, se esvaziam de opressividade potestativa (coatividade, coercibilidade) pela deslocação de seu

imperium (impositividade) do poder cogente da atividade estatal para a conexão jurídico-política da vontade

popular constitucionalizada.”. (LEAL, 2008, p.88). 70

Conjunto de princípios e institutos jurídicos reunidos e aproximados pelo texto constitucional. 71

“Na Teoria Neo-Institucionalista, o processo devido (direito-a-advir) é institucionalizante do sistema jurídico

por uma principiologia autodiscursiva (contraditório, isonomia, ampla defesa) fundante de uma

55

O autor define contraditório como dialogicidade, ou seja, a possibilidade de

apresentação de argumentação tendo-se em vista ciência necessária da pretensão que o outro

lhe apresenta (LEAL, 2008, p.97), entrelaçando-o com o direito à vida, mas não em seu

aspecto meramente biológico: é o contraditório o responsável por permitir a expressão

lingüística da subjetividade da parte, o que lhe confere o caráter diferenciador dos animais e

lhe dá, portanto, a condição de humano.

Ampla defesa, por sua vez, é vista como a argumentação das partes envolvidas no

conflito, ampla, mas restringida (no sentido de demarcada) pelo texto legal. Aqui, o autor

trabalha uma nova teoria da prova na qual a ampla defesa entrelaça-se com a liberdade de

argumentação, traduzida nas possibilidades legais de encaminhamento de elementos da vida

para a estrutura física dos autos através dos meios argumentativos legais (LEAL, 2005d,

p.50). Ampla defesa está voltada para as capacidades de argumentação e compreensão do

mundo jurídico pelos destinatários da decisão jurisdicional, de forma que possui como um de

seus princípios informativos o da indispensabilidade do advogado (TOLENTINO, 2007,

p.177-190), expressamente positivado no art. 13372

, da CR/88, bem como pela assistência

jurídica gratuita aos desvalidos de recursos, conforme preceitua o art. 5º, LXXIV73

, da mesma

Constituição, através da figura do Defensor Público e dos advogados particulares dativos,

previstos respectivamente no art. 13474

, da CR/88, e no art. 5º, da Lei 1.060/1950. A ampla

defesa envolve, também, o desenvolvimento da teoria da cognição, de forma a possibilitar a

construção de uma decisão que vise o esclarecimento dos envolvidos (MADEIRA, 2006 e

2008).

Isonomia, por sua vez, envolve o princípio da igualdade de todos na lei75

(não mais

perante, conforme discorremos ao longo deste estudo), igualdade que envolve dignidade pela

procedimentalidade a ser adotada como hermenêutica de legitimação auto-includente dos destinatários

normativos nos direitos líquidos, certos e exigíveis já assegurados no discurso constituinte da

constitucionalidade. [...].”. (LEAL, 2008, p.289). 72

Art. 133. “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”. 73

Art. 5º. [...] LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos; [...].”. 74

Art. 134. “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados [...].”. 75

“O esforço cientificamente representativo de situar o contraditório no âmago da isonomia só se destacaria, nas

democracias jurídico-discursivas, se essa “igualdade perante a lei” oportunizasse, antes, capacitação técnico-

científica pelo domínio de “teorias jurídicas” para obviar testabilidade recíproca pelos sujeitos do processo

quanto aos conteúdos argumentativos da interpretação (hermeneutização) das leis asseguradoras de possíveis

liberdades iguais para todos em participarem do processo (isomenia-isocrítica) ou de se habilitarem ao exercício

de uma escolha qualificada de um representante legal para se valer do contraditório como princípio fundamental

do direito ao processo. O velamento do que seja “igualdade de oportunidade” fetichiza uma abertura para ficar

“perante a lei” e não dentro da lei a fruir da compreensão e debate (ampla defesa) de seus conteúdos no espaço

da procedimentalidade processualizada pelo tempo-lógico-jurídico-discursivo (prazos). Aqui não se instala um

56

isonomização de oportunidades e distribuição mais igualitária possível de benesses e ônus,

sempre respeitando as diferenças pessoais de cada um. Igualdade que é conquistada pelo

acesso ao padrão mínimo de dignidade: a fruição dos direitos fundamentais (DUARTE, 2007,

p.296). Isonomia possui três níveis, a saber: é visualizada como isocrítica (capacidade de

análise do texto legal para apontamento de suas falhas); isomenia (igualdade de oportunidades

em face dos bens oferecidos no espaço estatal); e isotopia (igualdade de tratamento pelo texto

legal).

Toda esta base de construção é desenvolvida no sentido, como já apontado, de redução

da coercitividade, considerando o que potencializa as possibilidades de entendimento,

esclarecimento e debate pacífico, pela simples oportunização de uma discursividade no

ambiente do processo. Daí, o porquê de ele ser definido como uma instituição: é construído

pelo homem e para o homem, com uma finalidade específica de solução pacífica, racional e

democrática de conflitos. Não há nesta teoria qualquer ambição de salvar a humanidade por

meio de uma justiça sobrenatural e, assim, trabalha com a pequena meta de aumento dos

espaços de entendimento, paulatinamente, a fim de redução da coerção, essa forma

institucionalizada de adoção de meios violentos, seja pela força física, seja pela pressão

psicológica, de adesão às decisões legais ou jurídicas

A necessidade de redução da coerção é traçada, como já visto, pela própria

Constituição que, ao adotar a democracia, impõe, por vontade popular, que haja substituição

da violência pela racionalidade. É neste sentido toda a construção de direitos fundamentais,

como parâmetros de vida digna do povo brasileiro, todos no sentido de possibilitar, a cada

um, o poder de decidir e participar dos processos decisórios.

Essa redução da coercitividade do direito é ponto essencial para o estudo do acesso à

função jurisdicional do Estado e o papel que a criação do Interesse Processual como condição

da ação e, assim, como anteparo a esse acesso. Ao se entender que, o direito deve ser fruto da

interpretação da lei por um processo que inclua o destinatário do comando legislativo, o

acesso deste destinatário ao processo de construção do significado da norma é essencial. Para

tanto, a forma deste acesso e os problemas que podem ser gerados com sua universalização

devem ser estudados, não mais com base em idéias essencialistas, ou naturalistas, que

impedem discussões pragmáticas, mas sob o prisma dos efeitos que as teorias que justificam

gerencialismo-elitista da compreensão da lei, mas um direito fundamental ao lúcido (teórico) exercício da

discursividade formalizada.”. (LEAL, 2006a, p.11).

57

os institutos da ação e do interesse, e seus reflexos no acesso à jurisdição, podem ser

encarados.

Traçadas essas bases da mecânica social e da teoria neo-institucionalista, capazes de

realizar a tarefa de democratização do Brasil pela abertura de um espaço para expressão da

subjetividade de cada um do povo por meio do processo, como veículo de encaminhamento

de um discurso que se submeta à crítica, é momento de adentrarmos, no capítulo seguinte, na

análise das teorias históricas (e historicistas) que desenvolveram os conceitos de Ação

Processual e Interesse Processual, a fim de responder a indagação sobre sua eficácia em razão

do fim traçado pelo constituinte de 1988: expansão dos princípios democráticos no ambiente

da estatalidade brasileira.

58

3 A VISÃO ESSENCIALISTA DA AÇÃO E DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO: evolução

teórico-histórica

A Ação tem sido tratada, na história da literatura jurídica, como um fenômeno natural

por grande parte das teorias que procuraram e procuram explicar os diversos efeitos

provocados por sua instituição. O presente capítulo, analisará algumas das teorias sobre

“natureza jurídica”76

da Ação, divididas em duas vertentes: Ação como poder77

e Ação como

direito subjetivo78

.

Num segundo momento, será apresentada uma proposta que visa ser

metodologicamente adequada à teoria da mecânica social gradual e da teoria neo-

institucionalista do processo. Essa proposta, que será denominada de “Ação como ato

jurídico”79

, permitirá a construção do conceito de Ação Processual80

, básico para a posterior

releitura do conceito de Interesse Processual81

com finalidade voltada para expansão do

sistema democrático no espaço da estatalidade brasileira.

O Interesse Processual, tema central da presente pesquisa, é enquadrado dentro dos

“requisitos de existência” da Ação, como, na linguagem de Liebman e seus discípulos, uma de

suas “condições”. Assim, vital o estudo do vocábulo “Ação” para se adentrar na discussão do

conceito de Interesse Processual. A análise dos fundamentos teóricos para a construção,

também, do conceito de “condições da ação” é imprescindível para a análise da utilização

tradicional que se tem feito Interesse Processual como anteparo ao acesso à jurisdição82

e para

permitir sua releitura como um instituto jurídico83

.

76

Natureza jurídica, em um contexto de desmistificação, só pode ser entendida, conforme apontado por Leal,

como procedência teórica (2008, p.297). É de se concordar com o processualista mineiro, porque uma teoria é na

mais é do que a expressão do pensamento abstrato organizado, como conclusão a respeito do processo científico

de tentativa de solução de problemas apresentados (LEAL, 2008, p.43-44). Logo, “natureza jurídica” pode ser

entendida como característica do objeto em análise capaz de enquadrá-lo em uma série organizada de conjecturas

já testificadas ou em fase de testificação. Daí, o porquê de se dizer da “natureza jurídica” processual de um

instituto, por exemplo, como sendo sua identificação com as teorias que constroem conceitos na área do

conhecimento conhecida como Processo. 77

Item 3.1.1 supra. 78

Item 3.1.2 supra. 79

Item 3.1.3 supra. 80

Conferir item 3.1.3 supra. 81

Conferir capítulo 6 supra. 82

Conferir capítulo 5 supra. 83

Conferir item 6.2 supra.

59

3.1 As principais teorias a respeito do conceito de Ação

Serão expostas, a partir deste momento, três grandes vertentes teóricas, na ciência84

processual, as quais procuraram classificar a Ação como poder (facultas agendi), como direito

(jus agendi), e como ato jurídico. O estudo que se parte segue a sugestão teórica apresentada

por Couture (1946, p.21), ao dizer que, em termos de ciência processual, a Ação apresenta,

pelo menos, as três acepções, a seguir, analisadas.

Cumpre adiantar que, conforme veremos adiante, as duas primeiras proposições que se

lançaram a explicar o conceito de Ação não levaram em conta as considerações traçadas no

capítulo anterior, ou seja, a de que o direito é convencional por se tratar de fruto da atividade

humana. Entre estas, destacamos as concepções da ação como um poder e da ação como um

direito subjetivo, cujas características essencialistas serão listadas adiante85

.

Cogitar-se-á, com a terceira posição (“Ação como ato jurídico”), a possibilidade de a

Ação não ser “coisa” a ser descoberta e descrita da forma como se manifesta na natureza. Esta

última não se empenhará na busca pela identificação de uma essência e sua conseqüente

classificação ontológica, o que, conforme já discorrido86

, consiste em um grande equívoco

metodológico. Há que se ressaltar que o tratamento da Ação como instituto jurídico (e não

mais como um suposto fenômeno natural) implica na necessidade de investigação de algumas

confusões conceituais, considerando a ambigüidade que o citado termo tem assumido ao

longo da história da ciência processual (LEAL, 2008, p.129).

3.1.1 Ação como poder

A grande maioria dos autores de Teoria Geral do Processo tem adotado como marco

inicial das discussões a respeito da Ação a célebre definição de Celso, no direito romano:

“actio autem nihil aliud est quam ius persequendi in iudicio quod sibi debetur” (CARREIRA

84

A ciência possui, em geral, duas acepções: conjunto de conhecimentos a respeito de determinada área, ou a

atividade de produção desses conhecimentos (GONÇALVES, 1992, p.19-20). Em comum, as duas acepções

definem que o objetivo da ciência é o esclarecimento daquele que procura conhecer e, assim, que o

conhecimento não é um objeto a ser encontrado, mas a ser construído. Daí, poder se afirmar que o conhecimento

é a hipótese teorizada ainda resistente a testes realizados por novos enunciados, mas nunca imune a esses

(LEAL, 2008, p.267). 85

Conferir itens 3.1.1 e 3.1.2 supra. 86

Conferir item 2.3 retro.

60

ALVIM, 2000, p.130), ou seja, “a ação nada mais é que o direito de pedir em juízo o que nos

é devido”, conforme o que se extrai das Institutas, Livro IV, Título VI (BAPTISTA DA

SILVA; GOMES, 2002, p.95).

Interessante destacar a diferença nas formas de manifestação da actio no direito

romano, com rápida descrição dos três grandes modelos procedimentais87

, de acordo com sua

evolução histórica: as ações da lei (legis actiones), o processo formulário (per formulas) e a

cognição extraordinária (cognitio extra ordinem).

No sistema das legis actiones88

, a acepção mais comum do termo Ação era de ato

(actus). Era este entendido como série de atos solenes, constituídos de palavras sacramentais,

realizados de forma oral perante o magistrado89

, tudo visando obter a autorização para

realização de algo perante o cidadão romano que opunha resistência à pretensão de quem

buscava o auxílio. Esse cidadão honrado com um cargo público era o responsável por doar as

soluções para as contendas entre as partes, que eram encaminhadas por três ações: a actio

sacramenti90

, a judicis postulatio91

e condictio92

. Além disso, era o responsável pela execução

dos direitos subjetivos através das ações de manus injectio93

e pignoris capio94

. (PETIT, 2003,

p.821)

87

Anota-se que os três grandes sistemas romanos de resolução de conflitos são tratados na ordem que se segue

por conta de sua anterioridade histórica. Cumpre ressaltar que, conforme preleciona Madeira (2008, p.63), as

ações da lei chegaram a conviver harmonicamente com o processo formular e este com o da cognição

extraordinária. 88

As legis actiones têm origem história incerta, sendo a tese mais aceita a de que surgiram com a Lei das XII

Tábuas (Lex duodecim tabutarum) que, segundo Cretella Júnior (2003, p.32), foi redigida por reivindicação após

revolta da plebe habitante em Roma. Sabe-se que, segundo Madeira (2008, p.54), vigorou, como principal

sistema de resolução de conflitos, entre os séculos VIII a V a.C e, portanto, no período histórico conhecido como

Realeza. O significado do termo, ainda segundo Madeira (2008, p.55), seriam as “ações que procediam da lei”. 89

Magistrado, em Roma, era o cidadão (patrício, ou seja, descendente da linhagem que fundou a Cidade)

responsável pelas funções de exercício do poder: administrativas, executivas, militares e judiciárias. Com o

passar do tempo, em especial no período da República (510 a.C a 27 a.C.) passaram a ser eleitos e foram

paulatinamente se especializando. Os pretores eram os magistrados romanos responsáveis, a partir da república,

pela “administração da justiça” (FIUZA, 2007, p.43-46). 90

Procedimento comum empregado todas as vezes que a lei não exigia forma especial e que se caracterizava

pelo fato de que as partes depositavam, em forma de aposta (sacramentum), uma quantia em dinheiro, sendo que

o condenado a perdia em favor do Estado (PETIT, 2003, p.825). Hoje, temos como figura análoga a

sucumbência, regra em nosso modelo procedimental codificado (art. 20, CPC). 91

Procedimento especial para a divisão e fixação de limites, bem como herança e cobrança de crédito decorrente

de promessa, na qual não havia necessidade de depósito pecuniário (PETIT, 2003, p.829). Essa desnecessidade

de depósito pode ser encontrada, em nosso modelo procedimental, no módulo especial dos juizados de pequenas

causas (art. 54, caput, da Lei 9.099/1995). 92

Procedimento especial simplificado para cobrança de quantias determinadas, bem como obrigações de fazer

(PETIT, 2003, p.829). 93

Execução de sentença condenatória, que atacava a pessoa do devedor, podendo o mesmo ser transformado em

escravo, ou ser morto e ter seu corpo repartido entre os credores, e atingia seus bens apenas indiretamente

(PETIT, 2003, p.830). 94

Procedimento pelo qual o credor tomava em garantia certos bens do devedor para forçá-lo pagar dívida, cuja

aplicação se dava apenas em casos excepcionais como cobrança de soldos e compra de cavalos e ocorria sem a

presença do magistrado (PETIT, 2003, p.831-832).

61

Esse procedimento teve de ser reformulado por conta de seus graves problemas: a

solenidade extremada da sacralidade das palavras (verba certa) a serem pronunciadas perante

o magistrado impedia quaisquer erros, o que importava em automático insucesso da Ação

Processual pela impossibilitação do acesso à fruição do direito subjetivo.

O segundo grande modelo romano, chamado de per formulas, ou formulário95

, tinha

como idéia de Ação como poder concedido pelo pretor para ver julgada por um iudex

(cidadão romano escolhido pelas partes para julgar o conflito) a pretensão apresentada,

através da concessão da fórmula (PETIT, 2003, p.287). Era dividido em duas fases distintas96

:

uma primeira perante o praetor (cidadão romano eleito para a magistratura da administração

da justiça), chamada de in jure, na qual havia a exposição da pretensão do autor e das defesas

do réu, com a fixação dos pontos da controvérsia em um instrumento chamado de fórmula.

Nesta fase era possível o estabelecimento de debates sobre a matéria restrita à viabilidade da

concessão da fórmula, ou seja, se havia dentro do rol legalmente previsto a presença da actio

invocada pelo autor, bem como sobre o conteúdo da fórmula, referente ao procedimento a ser

adotado pelo iudex privado na fase posterior de instrução e julgamento (PETIT, 2003, p.839).

O terceiro grande sistema de resolução de conflitos em Roma, seguindo a linha

cronológica aqui adotada, é a da cognitio extra ordinem, ou da cognição extraordinária97

. É

marcado pela de concentração das funções de admissibilidade da actio e de seu julgamento na

figura do praetor, o que levou ao abandono do modelo privado da ordo judiciorum

privatorum dos sistemas anteriores.

A Ação passa a ser vista como ato de reclamar perante a autoridade e como poder de

reclamar perante a autoridade o que é devido (PETIT, 2003, p.287-288). A decisão, agora,

diferentemente do que ocorria com o julgamento de um árbitro privado, possui imperium

(caráter de imperatividade), e é chamada de decretum (PETIT, 2003, p.864).

O que se percebe nesta análise, é que a Ação, no direito romano, encontrava-se no que,

hoje, denominaríamos de “direito privado”. Possuía, assim, como principais acepções, o poder

95

O processo formular, segundo Madeira (2008, p.63), é dividido em duas fases, sendo que a primeira tem

origem no século V a. C e duração até o século II a. C, e a segunda, início nesta última época e término no século

III d. C, sendo como marcos a Lex Aebutia de Otávio e o governo de Diocleciano (284 a 305 d.C). As fases são

dividas conforme a clássica divisão entre o direito romano arcaico e o direito romano clássico. Esteve presente

como o principal sistema de resolução de conflitos em Roma entre os períodos históricos da República e do

Baixo Império (FIUZA, 2007, p.36). 96

Anota-se que, segundo Madeira (2008, p.57-58), essa divisão já ocorria nas legis actiones sendo a caraterística

diferenciadora do processo formular, justamente, a confecção da fórmula pelo pretor. 97

Com o enfraquecimento do Império Romano e com o imperador Diocleciano assumindo o poder, há uma

tendência de centralização do poder em Roma. É a fase conhecida como “direito romano pós-clássico”

(MADEIRA, 2008, p.71) e que historicamente é identificada com o Baixo Império (FIUZA, 2007, p.36). Recebe

esta denominação pelo fato de abandonar a divisão em fase dos procedimento (a chamada secundum ordem) e já

marca uma maior profissionalização dos pretores (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p.307-309).

62

de recorrer ao auxílio do cidadão romano que ocupante do cargo público para administração

da justiça, de forma a autorizar atos concretos para realizar pretensões. Ao mesmo tempo, era

vista como o conjunto de atos realizados de forma ritual e solene para o julgamento desta

pretensão.

De toda essa construção, o que se destaca é de um poder inerente e inato ao sujeito. A

Ação seria uma forma de potencialização deste poder, já contido em cada um, de “colocação

em movimento”, de realização, de concretização, mas de uma forma convencionada. Daí a

análise de Leal (2008, p.290), ao afirmar que, no direito romano, a Ação era forma

institucionalizada de realização da vontade, pela utilização de um símbolo: a Ação era aquilo

que propiciava o acesso à fruição do bem da vida desejado por seu titular, ou seja, a

concretização de uma vontade que se encontrava em um estado de abstração, de latência, de

adormecimento, tudo visando o abrandamento da vingança privada. Considerando as

formalidades solenes e divinas dos rituais, a Ação não passava de uma sacralizada “palavra de

passe”, ou seja, de uma “senha de acesso” à fruição do direito subjetivo que integra a

substância formadora do indivíduo.

A Ação abria a porta para o poder de agir em face do outro que estava obrigado a

tolerar, pelo que se tornava verdadeira palavra sagrada, ao levar o direito subjetivo ao seu

fazer no mundo, direito que já era anteriormente pertencente ao indivíduo por ter lhe sido

doado pela natureza quando de sua concepção ou por outro fato. A presença da Ação,

portanto, criava poder de agir ao direito subjetivo, pelo que pode ser classificada como

facultas agendi (LEAL, 2008, p.290 e LEAL, 2005, p.02).

Em Roma, portanto, a Ação, era vista como o elemento de movimento da vontade do

pretendente, substância latente no indivíduo. Se a lei era doada pela natureza e captada por um

sábio legislador, estava a demonstrar um perfeito modelo de sociedade fechada.

As idéias da actio romana encontram eco na literatura jurídica brasileira hodierna,

conforme de pode observar na obra de Fábio Gomes (BAPTISTA DA SILVA; GOMES,

2002), quando este formula uma teoria sobre “Ação Material” acessada por uma “Ação

Processual”. Afirma, o processualista gaúcho, que no Direito Romano a actio era responsável

por criar condições para o autor agir no mundo em face do réu. Naquela época, a sentença não

cumprida no tempus iudicati de sessenta dias (PETIT, 2003, p.862), possibilitava que o autor

buscasse auxílio do magistrado para inserir, através da actio iudicati98

, característica de

imperatividade ao julgamento do árbitro privado. Assim, com a chancela do pretor, abria-se a

98

Inserida no direito romano em substituição à manus injectio das ações da lei (PETIT, 2003, p.862).

63

porta para a ação material do autor vitorioso, material no sentido de tornar real a vontade ao

providenciar os meios de sua concretização na vivência dos litigantes.

A “Ação Material” como realização do direito subjetivo no mundo através dos meios

concedidos pela “Ação Processual”, entendida como o procedimento do acesso à fruição de

direitos, também tem sido a tônica de vários autores que defendem a chamada escola do

“instrumentalismo substancial”, uma variação das teorias do processo como relação jurídica e

como instrumento da jurisdição. Essa teoria, da qual citamos como representantes atuais

Ricardo de Barros Leonel99

no Direito Coletivo, José Roberto dos Santos Bedaque (1997) e

Ovídio Araújo Baptista da Silva100

, dentre outros, cuja nomeação é dispensada por se tratar de

escola majoritária nos estudos processuais brasileiros, tem trazido a idéia de que a função do

processo, realizado através da “Ação Processual” (procedimento) seria a de efetivar (tornar

real, permitir a fruição) do direito material e, assim, as ações teriam de ser adaptadas às

características de cada direito material específico, afastando, cada vez mais, a presença da

ordinariedade e da cognição plenária, que seriam os maiores problemas da chamada

“morosidade do Judiciário”101

.

Os reflexos da actio romana, como poder, ainda podem ser encontrados na obra de

Chiovenda (1998), ao defender que esta seria um direito potestativo contra o adversário que,

uma vez exercido, simplesmente sujeitava-o a obedecer a vontade concreta da lei declarada

pelo Estado102

. Essa idéia também é encontrada em Couture quando defende a ação como

99

Teoria que se enxerga como evolução do praxismo do século XIX, com o processo sendo apêndice do direito

material e do conceitualismo vago da fase autonomista. A teoria instrumentalista é voltada para efetivação do

direito material pela jurisdição e, em sua atual acepção substancial, é pautada pela diferenciação dos

procedimentos para adaptação às peculiaridades do direito material (LEONEL, 2002, p.17-23). Dinamarco

identifica a três citadas fases como sincretista, autonomista e instrumentalista (DINAMARCO, 1987, p.13-24). 100

“Somente agora, passado mais de um século, é que os juristas procuraram restabelecer o elo perdido entre

processo e direito material, seja para resgatar o princípio da instrumentalidade do processo, seja, a partir desta

idéia fundamental, para investigar os instrumentos de tutela processual, de modo que o direito material se liberte

da servidão a que fora submetido pela ciência processual.”. (BAPTISTA DA SILVA, 2007, p.155). 101

O tema da “morosidade do Judiciário” é o mote de inspiração para Liebman criar suas “condições da ação”,

conforme será discorrido abaixo no item 3.2.1 supra. O tema será objeto, ainda, da formulação do chamado

“paradoxo do acesso à jurisdição”, que será examinado no capítulo 5 do presente estudo. 102

Para Chiovenda os direitos potestativos são aqueles tendentes a modificar um estado jurídico existente (1998,

p.26). Vale a pena citação literal de trecho da obra do autor elucidativo sobre o tema: “Em muitos casos, a lei

concede a alguém o poder de influir, com sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outro, sem o

concurso da vontade deste: a) ou fazendo cessar um direito ou um estado jurídico existente; b) ou produzindo um

novo direito, ou estado ou efeito jurídico.”. (1998, p.30-31). Explicitando que são poderes exercitados mediante

mera declaração de vontade, continua: “[...] Têm todas de comum tender à produção de um efeito jurídico a

favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efeito,

permanecendo sujeito de sua produção. A sujeição é um estado jurídico que dispensa o concurso da vontade do

sujeito, ou qualquer atitude dele. São poderes puramente ideais, criados e concebidos pela lei [...].”. (1998, p.31).

A Ação processual é, para o autor, o direito potestativo surgido pelo fato da lesão ao direito subjetivo de

submissão do Estado à aplicação da vontade concreta da lei contra o adversário. Nas palavras do autor: “A ação

é, portanto, o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade concreta da lei. [...]” (1998, p.42).

E prossegue: “A ação é um poder que nos assiste em face do adversário em relação a quem se produz o efeito

64

direito de petição103

, noção que evoluiu para o conceito, em terras brasileiras de

constitucional, chamado de poder de demandar por Freitas Câmara104

.

Todas essas teorias abordam a “Ação Processual” diferente da “ação material” como

um poder de buscar a efetivação de um direito subjetivo. A única que tem procurado se afastar

dessa idéia, é a teoria de Rosemiro Pereira Leal, conforme veremos quando da análise da

“Ação como ato jurídico”105

. É importante, aqui, o destaque para o fato de que os citados

autores têm partido de uma tendência da literatura processual em dividir o estudo da Ação em

duas partes: na ação processual e na ação material. Para cada uma delas, buscam um

fundamento e uma construção separada no sentido que veremos agora.

jurídico da atuação da lei. O adversário não é obrigado a coisa nenhuma diante deste poder: simplesmente lhe

está sujeito. Com seu próprio exercício exaure-se a ação, sem que o adversário nada possa fazer, quer para

impedi-la, quer para satisfazê-la. [...].”. (1998, p.42) 103

Para o autor uruguaio, o direito de ação seria substitutivo civilizado da vingança privada, como poder jurídico

de se pedir algo, ao tribunal, contra o demandado. A ação seria, então, direito à jurisdição, como aspecto do

direito de petição a todos os órgãos públicos, a possibilitar manifestação do indivíduo mediante o poder estatal.

A ação é a espécie de direito de petição em face do Poder Judiciário e é a garantia que este dá ao cidadão do

asseguramento da eficácia dos direitos substanciais. Qualquer supressão deste acesso, portanto, por ser missão

estatal, estaria eivada de inconstitucionalidade. (COUTURE, 2003, p.21-25; COUTURE, 1946, p.41-42 e 53). 104

Freitas Câmara, para citar um autor nacional, trabalha com um conceito de ação também baseado na idéia de

poder. Em trecho de sua obra universitária: “Assim é que podemos conceituar ação como poder de exercer

posições jurídicas ativas no processo jurisdicional, preparando o exercício, pelo Estado, da função

jurisdicional.”. (2002, p.105). Trabalha com a idéia de ser a ação um poder a ser exercido durante todo o tramitar

do procedimento, sendo também de titularidade do demandado, ao exercer posições ativas garantidas pelo direito

de defesa, um reflexo do seu poder de agir. Esse poder de agir, quando visualizado pelo ponto de vista do autor,

no ato de inauguração do procedimento chama-se poder de demandar. Em um segundo momento, o poder de

participar do procedimento é condicionado às regras processuais e o poder de subjugar o demandado fica

condicionado à presença do direito subjetivo material. Finaliza sua análise ao afirmar que a ação incondicionada

ou abstrata é esse poder de agir e de provocar a instauração do processo, diferindo-se da ação concreta, como

poder de subjugar o demandado, ou condicionada, como poder de agir no procedimento já instaurado pelo poder

de demandar (2002, p.105-106). Pela lavra do autor: “Verifica-se aqui, pois, uma verdadeira escalada de

posições entre os três distintos fenômenos explicados pelas três teorias que acabam de ser referidas. Em primeiro

lugar, o poder de demandar (explicado pela teoria abstrata), também chamado de „ação incondicionada‟ ou „ação

abstrata‟, que é o poder de provocar a instauração do processo. Tal poder a todos pertence, já que qualquer

pessoa pode demandar por qualquer fundamento e em busca de qualquer objeto, pouco importando se tem ou

não razão, ou se preenche ou não as „condições da ação‟. Em um segundo momento, verifica-se a presença do

poder de ação, também chamado „ação condicionada‟ (conceito este explicado pela teoria eclética). Este é o

poder de provocar a prolação de um provimento de mérito, obtendo-se a extinção normal do processo. Tal poder

só está presente se o demandante preencher as „condições da ação‟. Pode, assim, perfeitamente acontecer de

alguém ter o poder de demandar e não ter o poder de ação, por lhe faltar alguma das „condições da ação‟. Neste

caso, então, o demandante terá „ação incondicionada‟ mas não terá „ação condicionada‟, o que acarretará a

extinção anômala do processo, sem emissão de um provimento de mérito. Por fim, o direito à tutela jurisdicional,

também chamado de „ação concreta‟ (conceito explicado pela teoria concreta da ação). Este é o direito de obter

um resultado final favorável e se trata de posição jurídica de que só será titular aquele que, no plano do direito

substancial, demonstre ter razão. Assim sendo, pode perfeitamente ocorrer um caso em que alguém que tenha

„ação abstrata‟ e „ação condicionada‟ não tenha a „ação concreta‟ ou, em outras palavras, pode ocorrer de o

demandante ter o poder de demandar e o poder de ação, mas não ter direito à tutela jurisdicional, o que acarretará

a improcedência do pedido.”. (2002, p.106-107). 105

Conferir item 3.1.3 supra.

65

Os que defendem a Ação como um poder do cidadão em face do Estado, na literatura

jurídica brasileira, baseiam-se no texto do art. 5º, XXXV106

, da CR/1988 e, assim, tratam

como um poder de sujeição do Estado ao dever de entregar a prestação jurisdicional107

através

de uma resposta ao pedido encaminhado pelo autor. Pelo fato de o Estado ter assumido o

monopólio da força (ou seja, por concentrar em si a coercitividade validada pelo texto da lei,

o que se pode ver com a tipificação como delito penal do ato da vingança privada no art.

345108

, do CPB), deixou para o indivíduo a faculdade de utilizar dessa força institucionalizada

para fazer valer seu direito subjetivo. Percebe-se que o legislador constituinte de 1988 ainda

não conseguiu sair da amarra ideológica do direito subjetivo que tem sido bastante criticada

por diversos autores, dentre os quais citamos Vicente de Paula Maciel Júnior (2006a, 2006 e

2009), Elio Fazzalari (2006) e Aroldo Plínio Gonçalves (1992).

A definição da Ação como poder de fazer o Estado realizar o direito subjetivo

eliminando a resistência por parte do demandado seu destinatário, também possui uma grande

divergência teórica. Alguns autores109

têm entendido ser este poder incondicionado, um

106

Art. 5º. “[...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”. 107

A expressão “prestação jurisdicional” é emblemática por buscar a conciliação entre duas teorias que estamos

analisando neste capítulo: a da Ação Processual como direito subjetivo e a do processo como relação jurídica.

Conforme será disposto com mais vagar adiante, o direito subjetivo é tratado com poder de realizar uma vontade

subjugando o outro, de titularidade de um sujeito concedido pela norma (direito objetivo). Logo, é regra de

conduta que surge da previsão legal, realizada com a manifestação de vontade do indivíduo (SILVA PEREIRA,

1990a, p.11 e 21-36). O direito subjetivo liga-se à relação jurídica, pelo fato de esta ser o vínculo entre sujeitos,

um possuindo um direito (posição de vantagem) e outro possuindo um dever (posição de desvantagem) em face

da norma. Nesta bilateralidade poder-dever é constituída a relação jurídica entre pessoas, que dá origem à noção

de obrigação, como vínculo de submissão à vontade do outro por ato de adesão próprio ou por determinação

legal, tornando o obrigado submetido à realização de uma atividade, ou de uma abstenção. Seu objeto, portanto,

é a prestação (SILVA PEREIRA, 1990b, p.03 e 13). A teoria do processo como relação jurídica, desenvolvida a

partir dos estudos de Oskar Von Bülow (2005), defendeu a idéia de ser o processo uma relação entre três

pessoas: juiz, autor e réu, trabalhando com vínculos de subordinação. O Estado teria do dever obrigacional de

responder ao direito subjetivo público de ação do autor, sendo devedor da prestação jurisdicional (objeto da

obrigação), consistente na sentença do juiz. Dever que só ocorria na presença de alguns pressupostos. Essa seria

a compensação do Estado por assumir o monopólio da força ao proibir a vingança privada. A relação, porém, é

diferenciada da relação obrigacional bilateral, por se dar de forma continuada durante todo processo, por ser,

portanto dinâmica, iniciada no ato contratual da litis contestatio. Hodiernamente, nos herdeiros de tal concepção

teórica, já se fala, até, em uma relação de consumo entre partes e Estado, tratando como hipossuficientes os

jurisdicionalizados. Tal tese é defendida, por exemplo, por Bedaque quando afirma ser a resposta do Estado ao

direito de ação do autor, independente de seu conteúdo, a prestação que este lhe deve, prestada através de um

serviço do qual a parte se vale para buscar a satisfação total de seus interesses, desde que sejam postulados de

forma legítima (1997, p.265-269). 108

Art. 345. “Fazer justiça com as próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei

o permite: [...].”. 109

Wach distingue a diferença entre a pretensão de proteção do direito do poder subjetivo de demandar, que

sustenta a pretensão de proteção e é fornecido pelo ordenamento jurídico. Trabalha, assim, também com a idéia

de ação abstrata: “[...] Mas ela [a pretensão de proteção] tampouco é aquela faculdade, do direito público, de

demandar, que compete a qualquer que, dentro das formas estabelecidas e com fundamento jurídico, sustenta

uma pretensão de proteção do direito [...]” (p.39). Tradução livre da versão argentina: “[...] Pero ella tampoco es

aquella faculdad, del derecho público, de demandar, que compete a cualquiera que, dentro de las formas

estabelecidas y con fundamento jurídico, sostenga una pretensión de protección de derecho. [...].”. Em outro

trecho da obra do mesmo autor: “[...] O direito de acionar, abstrato e publicista, que ele estabelece [§231 do

66

verdadeiro direito da personalidade110

e têm construído um conceito de ação constitucional

diverso de ação processual111

, ligando a primeira ao direito de petição, relembrando a lição de

Couture, com espécie do gênero previsto no art. 5º, XXXIV, a, da CR/1988112

. Outros, já têm

entendido ser a Ação condicionada aos requisitos exigidos na legislação processual, teoria que

será mais bem analisada adiante.

Por fim, o que se tem a dizer sobre a teoria da “Ação como um poder” é esta idéia é

ainda adotada modernamente: é um poder concedido pela lei que retira a liberdade do

indivíduo para conservação da paz e unidade sociais e, assim, por impedir a autotutela,

submete o Estado ao dever de responder a todos os pedidos daqueles cujos direitos subjetivos

foram ofendidos ou, modernamente, ameaçados.

ZPO], ou seja, o direito de iniciar o processo, não é o direito a obter uma sentença favorável, ou seja, a

declaração solicitada [...]”. (p. 27) Tradução da versão argentina: “[...] El derecho de accionar, abstracto y

puclicista, que él establece, o sea el derecho a iniciar juicio, no es el derecho a obtener una sentencia favorable, o

sea la declaración solicitada [...].”. , Posteriormente, o próprio Liebman, cuja teoria será analisada no item

seguinte, desenvolveu a mesma idéia, conforme se vê neste trecho de obra de sua lavra: “[...] A possibilidade de

requerer dos órgãos jurisdicionais uma decisão, seja qual fôr (sic), mesmo uma decisão que recuse o julgar o

pedido, não é um direito subjetivo, porque compete a todos, em qualquer circunstância, e constitui, por assim

dizer, o ar que vive uma ordem jurídica constituída. [...].”. (1947, p.146). Seria um direito tão indeterminado que

seria incluído na categoria dos direitos cívicos e, assim, não mereceria maior atenção, por ser, simplesmente, um

reflexo do estabelecimento dos tribunais pelo Estado (1947, p.146). Em outro texto no qual o autor explicita essa

posição mais claramente: “Um direito desta espécie existe sempre sem dúvida e é o reflexo ex parte subiecti da

instituição dos tribunais por parte do Estado: esses têm o dever de dar justiça a quem a demande e por isso a

ordem jurídica garante a todos a possibilidade de dirigir seus pedidos a quem a demande e por isso a ordem

jurídica garante a todos a possibilidade de dirigir seus pedidos com os efeitos previstos pela lei (art. 24 da

Constituição). Mas, como nos ensinam os constitucionalistas, esse é um direito, ou melhor, um poder de direito

público, totalmente genérico e indeterminado, sem particulares relações com um tipo concreto e por isso - se me

permitem a expressão – inexaurível e inconsumível, permanecendo íntegro e sempre idêntico em todos os casos

em que é exercitado, e é a extrinsecação imediata e direta da capacidade jurídica geral. Essa não é então ação, no

sentido em que esta figura tem relevância no sistema do processo, mas a sua base, o seu pressuposto de direito

constitucional, a estrada sempre aberta sobre a qual o cidadão pode de vez em vez aviar a sua ação, nos diversos

casos concretos em que pretende dirigir-se à autoridade judiciária para a proteção de um interesse seu lesado ou

ameaçado.”. Tradução livre do original: “Um diritto di questa specie esiste senza dubbio ed è il riflesso ex parte

subiecti dell‟instituzione dei tribunalli da parte dello Stato: essi hanno il compito di renderi giustizia a qui la

domandi e perciò l‟ordine giuridico garantisce a tutti la possibilità di rivolgere loro analoga richiesta co gli effetti

previsti dalla legge. Ma, come ci insegnano i constituzionalisti, esso è un diritto, o meglio un potere di diritto

pubblico, del tutto generico e indeterminato, senza particolari rapporti con una fattispecie concreta e perciò – se

mi si consente l‟espressione – inesauribile e inconsumabile, rimanendo integro e sempre identico in tutti i casi in

cui venga esercitato, ed è l‟estrinsecazione immediata e diretta della capacità giuridica generale. Esso non è

dunque l‟azione, nel senso in cui questa figura ha rilevanza nel sistema del processo, ma la sua base, su

pressupposto di diritto constizionale, la strata sempre aperta sula qualle il cittadino può di volta in volta avviare

le sue singole azione, nei diversi casi concreti in cui intendi rivolgersi all‟autorità giudiziaria per la protezione di

un suo interesse leso o minacciatto (art. 24 della Const.).”. (LIEBMAN, 1950, p.61-62). 110

“Agora, ante este (sic) fenômeno que consiste em não se poder exigir de antemão do autor nem sequer uma

aparência de razão, surge a pergunta fundamental: uma faculdade assim concebida não será porventura um

daqueles direitos cívicos, inerentes a todo sujeito de direito em virtude dessa sua própria condição? O direito de

agir, concebido como pura e simples faculdade de acesso ao tribunal, não fará parte dêsse (sic) mínimo de

poderes jurídicos inerentes à própria condição humana e que tôdas (sic) as Constituições enumeram em suas já

clássicas disposições sôbre (sic) direitos e garantias? O direito de ação, à autoridade, consagrado pela maioria

das Constituições vigentes?”. (COUTURE, 1946, p.47). 111

Aqui a expressão equivale ao que temos chamado de ação material. 112

Art. 5º. “[...] XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de

petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...].”.

67

3.1.2 Ação como direito subjetivo

Alguns estudiosos também chegaram a definir a Ação como direito subjetivo. Na

verdade simplesmente transportaram o conceito de poder delegado pelas fontes do direito para

a formação de um novo direito distinto do direito material, que surgiria da violação deste

último. Seria um direito subjetivo público, porque voltado contra o Estado, um poder da

vontade conferido pela lei com o objetivo de obrigar aquele que monopoliza a força a

responder à pretensão do autor.

Para Silva Pereira, o direito, como vocábulo equívoco, tem várias acepções dentre as

quais se destacam a de direito objetivo e de direito subjetivo. Seria o primeiro norma agendi,

ou seja, norma de conduto emanada da autoridade, de forma abstrata para todos os indivíduos

submetidos a sua potestade. Já o direito subjetivo, é entendido como ius est facultas agendi,

ou seja, poder de ação contido na norma (direito objetivo), bem como também é a faculdade

de exercício em favor de seu titular (1990a, p.11).

O que se precisa sempre perguntar, como o faz Dinamarco (2000, p.44) é se o direito

subjetivo nasce anteriormente ao processo ou é fruto deste. Essa questão é que nos ocupará

agora ao analisar as teorias que trabalham a Ação como direito subjetivo público e autônomo

contra o Estado, a fim de compreendermos a evolução trazida pelo pensamento de Leal e

Fazzalari, a respeito do conceito de “Ação Processual” e como esta pode contribuir para o

atingimento de uma sociedade aberta e democrática.

Os professores alemães Windscheid e Müther, travaram no século XIX importante

polêmica sobre a interpretação do conceito da actio romana em face dos institutos alemães da

anspruch (pretensão) e da klage (direito a uma resposta à pretensão apresentada ao tribunal).

A conclusão que se chegou é que a pretensão seria o direito subjetivo de se exigir algo do

outro através do Estado, desde que em conformidade com a lei, enquanto que a klage, seria o

direito subjetivo de se exigir uma conduta do Estado no sentido da prática de atos até a

resposta à pretensão apresentada (LEAL, 2008, p.290). Segundo Liebman, numa concepção

essencialista, os citados autores demonstraram a “existência” de um direito subjetivo

processual diferenciado do direito subjetivo substancial (2003, p.135).

A Ação, então, seria um direito subjetivo, porque referente a um poder de subjugação

do Estado a dar uma resposta à pretensão apresentada pelo autor. Seria anterior ao processo e

concedida pela lei, considerando a idéia contratualista de cessão da liberdade em troca de

segurança pela atuação monopolizada e organizada do Estado. Logo, se percebe que a Ação

68

está inserida dentro do esquema obrigacional de criação de vínculo entre o cidadão e o

Estado.

Bülow (2005) desenvolve essa idéia também acrescentando que esta Ação como

direito subjetivo envolveria um vínculo de sujeição do Estado, numa relação jurídica, porém,

bem diversa da relação obrigacional: seria, agora, uma relação com três partes (juiz, autor e

réu), na qual o Estado estava subordinado ao autor, este ao juiz, e o réu ao autor, também, de

forma dinâmica, durante todo o tramitar do procedimento113

.

Wach, por sua vez, defendeu o direito de ação como direito a uma decisão favorável à

realização da pretensão114

, que poderia ser referente a um direito subjetivo ou não115

. Na

presença de direitos subjetivos, o que se buscava era uma ação declaratória da existência

destes e abertura da possibilidade de utilização dos meios coercitivos para sua concretização

no mundo com a eliminação de todos os obstáculos para tanto116

. O autor mostra, em sua

113

“A relação jurídica processual se distingue das demais relações de direito por outra característica singular [...].

O processo é uma relação jurídica que avança gradualmente e que se desenvolve passo a passo. Enquanto as

relações jurídicas provadas que constituem matéria do debate judicial, apresentam-se como totalmente

concluídas; a relação jurídica processual se encontra em embrião. Esta se prepara por meio de atos particulares.

Somente se aperfeiçoa com a listiscontestação (sic), o contrato de direito público, pelo qual, de um lado, o

tribunal assume a obrigação concreta de decidir e realizar o direito deduzido em juízo e de outro lado, as partes

ficam obrigadas, para isto, a prestar uma colaboração indispensável e a submeter-se aos resultados desta

atividade comum. [...].”. (BÜLOW, 2005, p.06). Remetendo ao direito romano, o autor ainda afirma que o

judicium é definido como actus trium personarum sc. Judicis rei actore (ato de três pessoas, a saber, o juiz, o réu

e o autor). (2008, p.07). 114

“[...] O pensamento básico é que o direito civil regula a acionabilidade dos direitos, que este constitui a regra

e que a lei processual oferece as formas das quais há de se valer o autor. O direito de ação, se é que se estabelece

tal direito, é transportado para a esfera do direito privado subjetivo. A sentença favorável ao autor é o resultado

real e efetivo de uma ação de afirmação admissível, e prova efetiva para ela.”. (WACH, p.34). Tradução livre da

versão argentina: “[...] El pensamiento básico es que el derecho civil regla la accionabilidad de los derechos, que

ésta constituye la regla y que la ley procesal ofrece las formas de las cuales há de valerse el accionante. El

derecho a accionar, si es que se establece tal derecho, es trasladado a la esfera del derecho privado subjetivo. La

sentencia favorable al actor es el resultado real y efectivo de uma acción de afirmación admisible, y prueba

efectiva para ella.” 115

“A tese da imanência do direito de ação ao direito subjetivo privado, é de todo impossível e inconcebível,

quando existem direitos de ação, independentemente dos direitos subjetivos privados que devem ser protegidos

por aqueles. Sua existência, hoje em dia, já não pode ser negada por nada, tendo em vista a ação declaratória

negativa.”. (WACH, p.51) Tradução livre da edição argentina: “La tesis de la inmanencia del derecho de acción

en el derecho subjetivo privado, es del todo imposible e inconcebible, cuando existen derechos de acción,

independientemente de los derechos subjetivos privados que deben ser protegidos por aquéllos. Su existência,

hoy em dia, ya non puede ser negada por nadie, em vista de la acción de declaración negativa.”. 116

“Com a pretensão de proteção do direito tem se estendido a ponte entre direito privado e o processo. [...] O

Estado estabelece para si mesmo a garantia e proteção do direito privado. Como temos visto, se põe ao lado deste

último o direito à condenação, à declaração, à execução ou às medidas cautelares. Que outro poderia ser o

obrigado a prestar o dito resguardo que não o Estado, de qual exclusivamente emana a proteção do direito? A ele

somente o autor peticiona, e, o que pede não é um ato de benevolência nem de discricionariedade. É um direito,

que o demandado seja condenado, de que se decretem contra ele medidas compulsórias etc. [...].”. (WACH,

p.59). Tradução livre da edição argentina: “Con la pretensión de protección Del derecho se ha tendido el puente

entre el derecho privado y el proceso. [...] Se establece el Estado a sí mismo como garantía y protección del

derecho privado. Como hemos visto, se ponde al lado de este último el derecho a condena, a la declaracíon, a

ejecución o a medidas precuatorias. ?Quién outro podría ser el obligado a prestar dicho resguardo que el Estado,

del cual exclusivamente emana la protección del derecho? A el somente el actor su petición, y, lo eu El pide no

69

teoria, que esta abertura só poderia ser concedida para aquele que detivesse razão, elemento

este encontrado pelo juiz, na evidência do direito alegado. O juiz, aqui, teria um papel de

descobrir desse direito pré-existente a autorizar o agir no mundo117

.

Liebman, por sua vez, trabalha com um direito de Ação Processual, como um ônus da

parte a ser exercido por iniciativa sua, considerando o princípio da inércia, bem como um

direito de realizar o direito subjetivo obstaculizado pela outra parte118

. Esse direito seria

subjetivo119

, por pertencer ao sujeito pela dotação legal na troca de liberdade pela segurança;

público porque voltado contra o Estado120

, o detentor do poder de resolução dos conflitos

sociais, através das decisões jurisdicionais121

; e abstrato, porque desvinculado do direito

es um acto de gracia ni um acto discrecional sino su derecho. Es su derecho, que el demandado sea condenado,

de que se decreten contra El medidas de compulsión, etc. [...].”. 117

“[...] O juiz coloca-se frente à parte apenas como órgão do Estado. [...] O Estado não pode ser compelido:

nem tampouco necessita de compulsão, pois é o Estado o direito vivente. Nas normas constitucionais sobre a

independência da justiça e a exclusão de uma justiça de gabinete, estão as garantias sagradas do cumprimento

das obrigações do Estado referente à proteção do direito. [...].”. (WACH, p.63-64) Tradução livre da edição

argentina: “[...] El juez obra frente a la parte solamente como órgano del Estado. [...] El Estado no puede ser

compelido: ni tampoco se necesita la compulsión, pues el Estado es el derecho viviente. Em las normas

constitucionales sobre la independencia de la justicia y la exclusión de una justicia de gabinete, están las

garantias sagradas del cumplimiento de las obligaciones del Estado referente a la protección del derecho. [...].”.

Esse direito subjetivo surgia dos fatos da vida encaminhados pela parte e provados para o juiz, responsável por

identificar sua existência no mundo: “[...] A pretensão de proteção do direito é uma pretensão conforme o direito

processual. Não é de natureza formal, em um sentido de direito especificamente processual, que se vincula com a

posição de parte como tal. É, como temos assinalado, a conseqüência de fatos extraprocessuais, e tem por

conteúdo o direito a um debate judicial (Verhandlung) e sentença, sendo o ato de proteção do direito em favor do

titular.”. (WACH, p. 67-68). Tradução livre da edição argentina: “La pretensión de protección del derecho es una

pretensión conforme al derecho procesal. No es de naturaleza formal, en el sentido del derecho específicamente

procesal, que se vincula com la posición de la parte como tal. Es, como hemos señalado, la consecuencia de

hechos extraprocesales, y tiene por contendio no el derecho a debate judicial (Verhandlung) y sentencia, sino al

acto de protección del derecho em favor del titular. [...].”. 118

“Mas a iniciativa do processo representa ao mesmo tempo também o exercício de um direito da parte, isto é, o

direito de provocar a manifestação da jurisdição no que toca a uma situação jurídica em que ela tem interesse,

com o fim de obter do juiz a proteção de um interesse próprio ameaçado ou ignorado, a satisfação de um direito

próprio que afirma insatisfeito.”. (LIEBMAN, 2003, p.133). Diferencia ainda, o agir como ato jurídico garantido

pelo direito de ação: “Na linguagem jurídica agir significa perseguir em juízo a tutela do próprio direito e o

termo ação designa o correspondente direito. É a actio dos juristas romanos [...].”. (2003, p.134) 119

“O direito de ação adquiriu assim uma fisionomia suficientemente precisa: é um direito subjetivo diverso

daqueles do direito substancial, porque se dirige contra o Estado, sem pretender uma prestação dele: é antes um

direito de iniciativa e de impulso, com o qual o cidadão põe em movimento o exercício de uma função pública,

da qual espera obter a proteção das próprias razões, dispondo para tal fim dos meios fornecidos pela lei para

fazê-las valer (embora sabendo que o resultado poderá também lhe ser desfavorável); é portanto um direito

fundamental do cidadão, que qualifica a sua posição no ordenamento jurídico e em confronto com o Estado,

conferido e regulado pela lei processual, mas reforçado por uma garantia constitucional em que encontramos

delineados seus contornos essenciais. [...].”. (LIEBMAN, 2003, p.137). 120

“[...] a ação visa provocar uma atividade os órgãos judiciais [...] se dirige contra o Estado e tem por isso

sempre natureza pública e um conteúdo uniforme, ou seja, a demanda de tutela jurisdicional do próprio direito

(embora variando o tipo de providência que a cada vez se pede ao juiz).”. (LIEBMAN, p.136). 121

“[...] Os direitos subjetivos processuais conferem ao titular o poder de produzir um efeito jurídico no âmbito

do direito processual, efeito que consiste no verificar-se do evento, ao qual a lei condiciona uma determinada

atividade do órgão judiciário: em outras palavras, direito subjetivo processual é o poder de determinados efeitos

sobre a situação jurídica das partes, as quais a sofrem e não podem evitá-la: esta é a figura da sujeição.”.

(LIEBMAN, 2003, p.47).

70

material, já que, na mesma linha defendida por Wach, passa a existir sem prova do direito

material, mas como mera afirmação de lesão ou ameaça.

Em Liebman, a Ação Processual é o direito a uma sentença de mérito122

, um

julgamento sobre a existência do direito subjetivo material afirmado pelo autor123

. É direito de

acesso à jurisdição, como atividade de declaração sobre o mérito124

, dizendo quem tem razão

na situação de conflito apresentada em juízo. O autor chega a afirmar que entre ação e

jurisdição existe uma correlação necessária, não podendo existir uma sem a outra (1950,

p.66).

O processo, em Liebman, é o instrumento de que o juiz se vale para análise das provas

e alegações a fim de que possa ocorrer o julgamento do mérito125

. O processo é uma relação

jurídica de vínculos de sujeição diferente da obrigacional, porque envolve subordinação de

122

“[...] A ação, como direito de provocar o exercício da jurisdição, significa o direito de provocar o julgamento

do pedido, a decisão da lide. É abstrata, porque tendo por conteúdo o julgamento do pedido inclui ambas as

hipóteses em que êste (sic) fôr (sic) julgado procedente ou improcedente, mas é subjetiva determinada, porque é

condicionada à existência dos requisitos definidos como condições da ação. [...].”. (LIEBMAN, 1947, p.146). 123

“As condições da ação, ilustradas acima, são os requisitos constitutivos da ação: com o concurso delas, a ação

deve considerar-se existente, como direito de provocar o exame e a decisão de mérito; esta decisão poderá

portanto ser, conforme o resultado do julgamento, tanto favorável quando desfavorável, no sentido de que a

demanda poderá ser acolhida ou rejeitada e o provimento demandado poderá conseqüentemente ser deferido ou

negado.”. (LIEBMAN, 2003, p.143). Na presença das condições da ação, o autor anota que se trata do fenômeno

da “ação existente”, enquanto que na presença da razão do autor quanto ao mérito, estar-se-ia diante de “ação

fundada” (2003, p.143). 124

“Entendendo por jurisdição a atividade do poder judiciário, destinada a realizar a justiça mediante a aplicação

do direito objetivo às relações humanas intersubjetivas, no processo de cognição sòmente (sic) a sentença que

decide a lide tem plenamente natureza de ato jurisdicional, no sentido mais próprio e restrito. Tôdas (sic) as

demais decisões têm caráter preparatório e auxiliar: não só as que conhecem dos pressupostos processuais, como

também as que conhecem das condições da ação e que, portanto, verificam se a lide tem os requisitos para por

ser decidida. Recusar o julgamento ou reconhecê-lo possível não é ainda, pròpriamente (sic), julgar: são

atividades que por si próprias nada têm de jurisdicionais e adquirem êsse (sic) caráter só por ser uma permissão

necessária para o exercício da verdadeira jurisdição.”. (LIEBMAN, 1947, p.144). Em outro texto do mesmo

autor: “[...] No seu significado pleno e verdadeiro, a ação não compete de fato a qualquer pessoa e não tem

conteúdo genérico. Ao contrário, ela se refere a um tipo jurídico individual e determinado, e é o direito a obter

que o juiz proveja a sua cautela, formulando (ou atuando) a regra jurídica especial que a governa. Ela é por isso

condicionada a alguns requisitos (que devem ser verificados caso a caso em via preliminar, ainda que em geral

implicitamente). [...] Faltando uma destas condições se tem aquela que, com exata expressão tradicional, se

qualifica de carência de ação, e o juiz deve recusar-se a prover sobre o mérito da demanda. Neste caso não existe

verdadeiro exercício da jurisdição, mas somente uso das suas formas para fazer aquele crivo preliminar

(confiado por necessidade aos mesmos magistrados) que serve para excluir desde o começo aquelas causas as

quais têm defeitos de condições requeridas para o exercício da autoridade jurisdicional.”. (LIEBMAN, 1950,

p.65-66). Tradução livre do original: “[...] Nel suo significato pieno e vero, l‟azione non compete infatti a

chiunque e non ha contenuto generico. Al contrario, essa si riferisce ad una fattispecie determinata ed

esattamente individuata, ed è il diritto ad ottenere que il giudice provveda a suo riguardo, formulando (od

atuando) la regola giuridica speciali che la governa. Essa è perciò condicionata ad alcuni requisiti (che devono

verificarsi caso per caso in via preliminare ache se di solito per implicito) [...] Mancando una de questa

condizioni, si ha quella che, con esatta esprezione tradizionale, si qualifica „carenza di àzione‟, e il giudice deve

rifiutarsi di provvedere sul merito della domanda. In questo caso non c‟è vero esercizio della giurisdizione, ma

soltanto uso delle sue forme per fare quel vaglio preliminare (affidato per necessità agli stessi magistrati) che

serve ad escludere in partenza quelle cause nelle qualli fano difetto le condizione che non sono richieste per

l‟esercizio della postestà giurisdizionale.”. 125

Para Liebman, o julgamento é uma atividade de declaração da pertença da razão entre dois contendores

(2003, p.145), ou seja, em outras palavras, a resolução de uma questão duvidosa (LIEBMAN, 1947, p.133).

71

ambas as partes ao julgador126

, e é formado após a demonstração da presença dos

pressupostos de sua existência e validade e das condições da ação, ou seja, após o saneamento

dos atos que foram praticados na fase preparatória à de instrução127

. Essas condições são o

que possibilitariam a existência da Ação Processual para que a jurisdição pudesse ser

acessada128

. Na teoria de Liebman, portanto, conforme a conclusão de Leal, a jurisdição só se

manifesta após a formação do processo (2008, p.293).

Toda a construção do autor italiano, conforme aponta Costa (2005, p.101-102), se deu

com o objetivo de criação de técnica de sumarização da cognição129

para evitar a audiência de

instrução, obrigatória no direito italiano de sua época, bem como no Código de Processo Civil

126

“A partir do momento da propositura do processo, o órgão que é nele investido e as partes se encontram de

fato numa relação particular, que cria em seus confrontos recíprocos conseqüências juridicamente relevantes.

Trata-se naturalmente de uma relação de direito processual, diferente pelo seu conteúdo das relações do direito

substancial. Ela se baseia na potestade do órgão judiciário de solucionar o confronto das partes; esta potestade é

por certo conferida ao órgão diretamente pela lei como sua finalidade institucional, mas se torna efetiva e pode

ser exercida em concreto apenas em seguida a uma demanda judicial que seja proposta. Neste momento surge a

relação processual [...].”. (LIEBMAN, 2003, p.48-49). Em outra obra do mesmo autor, passagem também

elucidativa: “[...] processo como uma relação jurídica de direito público, fundada no poder jurisdicional da

autoridade judiciária, combinado com a iniciativa dos interessados. Essa iniciativa cabe ao autor [...]. A atitude

do réu para com êsse (sic) efeito é sem conseqüências. [...].”. (1947, p.136) E ainda: “Reconhecendo na ação a

índole de um direito subjetivo instrumental, se desfazem as dificuldades que são até então encontradas quando se

procurar delinear exatamente o tipo jurídico. Esta é um direito subjetivo mas não de natureza obrigatória. O

esquema habitual de relação civilística não tem aqui razão alguma de ser reclamado. A ação se dirige, de fato,

contra o Estado, na sua qualidade de titular da autoridade jurisdicional, e é por isso no seu exato significado, o

direito à jurisdição; mas não se está defronte a uma obrigação do próprio Estado, porque a sua característica

consiste em ser um direito de impulso e de iniciativa ao desenvolvimento de uma função a que o Estado é nela

também interessado. O poder do sujeito vai por isso de encontro à autoridade do órgão público e provoca o seu

exercício. O seu conteúdo é portanto aquele de produzir um efeito jurídico relevante no âmbito das normas

instrumentais, efeito que consiste em verificar-se o evento a que o Estado condicionou o exercício efetivo da

autoridade jurisdicional. [...].”. (LIEBMAN, 1950, p.65). Tradução livre do original: “Riconoscendo all‟azione

l‟indole di um diritto soggettivo strumentale, scompaiono le difficoltà che si sono finora incontrate quando si è

cercato di delinearne esattamente la figura. Essa è un diritto soggettivo, ma non de natura obbligatoria. Lo

schema consueto del rapporto civilistico non ha qui ragione alcuna di essere di richiamatto. L‟azione si dirige

infatti verso la Stato, nella sua qualità di titolare della potestà giurisdizionale; ma non le sta di fronte dun obbligo

dello Stato stesso, perchè la sua caractteristica consiste nell‟essere un diritto d‟impulso e d‟iniziativa allo

svolgimento di una funzione a cui lo Stato è ach‟esso interessato. Il potere del singolo va perciò incontro alla

potestà dell‟organo pubblico e ne provoca l‟esercizio. Il suo contenuto è pertanto quello di produrre un effeto

giuridico rilevantte nell‟ambito delle norme strumentale; effetto che consiste nel verificarsi dell‟evento a cui lo

Stato ha condizionato l‟esercizio effettivo della potestà giurisdizionale. [...]”. 127

“Tôdas as atividades que se realizam até o despacho saneador, inclusive, têm a natureza de um contentio de

ordenando judicio e a função de abrir o caminho e preparar tècnicamente o verdadeiro debate sobre a lide, que se

deve fazer-se na audiência. [...].”. (LIEBMAN, 1947, p.119). 128

“Êstes (sic) são, pois, os requisitos que deve preencher a lide para poder ser julgada, porque sem eles a lide

está mal posta e não oferece garantias de uma solução justa e adequada do conflito de interêsses, para cuja

eliminação se invocou a autoridade da lei e a sabedoria do poder judiciário. Recebem o nome de condições da

ação, porque são verdadeiras condições de existência da ação, requisitos cuja falta produz a carência de ação.”.

(1947, p.143) 129

“A sumarização da cognição, por sua vez, consiste na exoneração do órgão judicial de proceder ao exame

concreto da matéria litigiosa, que se dá através da manifestação de juízos meramente hipotéticos. A

conseqüência é a geração de provimentos provisórios, ou seja, aqueles cuja matéria analisada é passível de

reexame, não formando, portanto, coisa julgada material. Por outro lado, em relação ao contraditório passa a ter

caráter eventual, por iniciativa do demandado, e.g. procedimento monitório. Assim, envolvem juízos de

probabilidade, conforme preleciona Barbosa Moreira.”. (REIS, 2007, p.122-123).

72

Brasileiro de 1939130

, como ato processual de operacionalização do princípio da oralidade.

Assim, era a audiência de instrução ato processual logicamente antecedente ao julgamento do

mérito131

, e sua tese de afastamento das condições da ação no despacho saneador visava,

justamente, ao deslocar a decisão para fora do mérito, possibilitar decisão sem a necessidade

da audiência.

O Código de Processo Civil brasileiro em vigor buscou resolver o problema apontado

pelo autor italiano ao permitir situações de decisão sem a necessidade de realização da

audiência de instrução, quando se tratassem de questões fora do mérito ou referentes à

autocomposição, bem como a decadência e prescrição. Tal dispositivo, previsto no art. 329132

,

foi denominado de “extinção do processo” e faz parte do capítulo do “julgamento conforme o

estado do processo”133

.

Já buscando uma visão sobre o mesmo tema na literatura processual brasileira,

podemos apontar a diferenciação que Leal faz entre direito de ação e direito-de-ação. O

primeiro seria o direito de agir (jus agendi), configurado como definidor de condutas a serem

praticadas na estrutura do procedimento, sendo, portanto, ao contrário das teorias anteriores,

de manifestação endoprocessual (LEAL, 2008, p.290). Esse é o que os autores chamam de

ação condicionada, ou “ação processual”, como direito de estar em juízo após a abertura pelo

130

O procedimento comum do processo ordinário sob a vigência do Código de Processo Civil Brasileiro de 1939

era constituído de uma fase de formação da instância, que se encerrava com a citação válida do réu (art. 196 e

292) para apresentar contestação em 10 (dez) dias; apresentada a defesa ou decorrido o seu prazo em inércia do

réu, os autos eram conclusos para o despacho saneador, no qual o juiz poderia determinar algumas providências

de emenda da inicial (art. 294), e, após, era obrigatoriamente designada audiência de instrução e julgamento (art.

296). 131

Para Liebman, o mérito não poderia ser decidido sem a realização da audiência de instrução e julgamento

(1947, p.119). Afirmava isso fundamentado no princípio da oralidade que determinava a concentração das

atividades instrutórias na audiência, o contato do imediato do juiz com os meios de prova a permitir sua livre

convicção quando da apreciação destes, e a concepção do processo como instrumento de administração da

justiça pelo juiz. O palco da oralidade seria a audiência até porque seriam restritos os debates escritos que lhe

antecedem, todos com o exclusivo objetivo de sua preparação. A oralidade é que seria responsável pelo

desenvolvimento mais completo das razões das partes (1947, p.119-120). Chega o autor a dizer: “A súbita

decisão da lide, proferida num momento em que o juiz está apenas habilitado a sanear o processo, constituiria

uma surpresa (sic) que poderia ser fonte de graves e irreparáveis conseqüências e deve por isso ser considerada

como motivo de nulidade da sentença intempestivamente pronunciada.”. (1947, p.122). 132

Art. 329. “Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V, o juiz declarará extinto o

processo.”. 133

Alfredo Buzaid apresenta incontidos elogios à novidade legislativa trazida pelo CPC de 1973, em sua

“Exposição de Motivos”, conforme demonstra a seguinte passagem: “Cumpridas as providências preliminares ou

não havendo necessidade delas, o juiz profere julgamento conforme o estado do processo. Esta atribuição lhe

permite, logo após os articulados, ou extinguir o processo [...] ou decidir imediatamente a causa [...]. O que o

processo ganha em condensação e celeridade, bem podem avaliar os que lidam no foro. Suprime-se a audiência,

porque nela nada há de particular a discutir. Assim, não se pratica ato inútil. De outra parte, não sofre o processo

paralisação, dormindo meses nas estantes dos cartórios, enquanto aguarda uma audiência, cuja realização

nenhum proveito trará ao esclarecimento da causa, porque esta já se acha amplamente discutida na inicial e na

resposta do réu.”.

73

direito incondicionado de ação134

. É o direito de estar no procedimento, no qual cabe a

discussão de sua validade, conforme veremos quando da análise das “condições da ação”

como requisitos de procedibilidade135

. Seria este também direito fundamental regulado pelo

art. 5º, LIV e LV da CR/1988 (REIS, 2000, p.55-58).136

O que se percebe dessa análise é que agora já se parte para uma abordagem mais

convencionalista do conceito de Ação. Deixa-se de lado a atribuição de um poder inerente ao

fato de ser humano, para a construção de um instituto jurídico por dotação legal. É a lei que

confere o direito de acesso aos tribunais (ação constitucional ou incondicionada137

) para fazer

valer o direito subjetivo “substancial”, bem como o direito de ver decidida a pretensão de

proteção de um interesse ou de um direito subjetivo violado ou ameaçado (ação processual ou

condicionada). Aqui se tem um direito instrumental para concretização de um direito material,

mas, ainda, de formação anterior ao processo.

Apesar da evolução que a teoria da “Ação como direito subjetivo” trouxe às

discussões sobre o conceito de Ação, já abrindo espaço para a desmistificação da anterior

idéia de poder inerente à personalidade do indivíduo, ainda pode ser criticada, senão vejamos.

Há, aqui, ainda, a construção de uma identificação solitária da presença do tal “direito

subjetivo substancial” ou do “interesse legítimo”. Solitária porque parte do próprio autor

identificar se sua vontade de praticar determinada conduta que afete outrem é lícita, por ser

permitida pela legislação. Solitária, também, porque é o juiz, de forma isolada, quem tem a

capacidade para identificar a presença deste direito, devendo o autor assumir o risco da

134

Por todos, conferir Vicente Greco Filho (2006, p.78), anotando, porém, que o direito de ação incondicionada

é o mesmo direito de ação processual, sendo apenas garantia genérica de seu exercício, o que já abre caminho

para as discussões das condições da ação como requisitos para sua validade, como aptidão para produção de

efeitos dentro de um padrão de licitude. Vale a pena citação literal do autor: “O direito de ação é dividido em

dois planos: o plano do direito constitucional e o plano processual, tendo o primeiro um maior grau de

generalidade. Sob este aspecto o direito de ação é amplo genérico e incondicionado, salvo as restrições

constantes na própria Constituição Federal. [...].”. (2006, p.78). E continua: “Já o chamado direito processual de

ação não é incondicionado e genérico, mas conexo a uma pretensão, com certos liames a ela. O direito de ação

não existe para satisfazer a si mesmo, para fazer atuar toda a ordem jurídica, de modo que o seu exercício é

condicionado a determinados requisitos, ligados à pretensão, chamados condições da ação.”. (2006, p.78). Por

fim: “Convém esclarecer, contudo, que não há dois direitos de ação, um constitucional e um processual; o direito

de ação é sempre processual, pois é por meio do processo que ele se exerce. O que existe é a garantia

constitucional genérica do direito de ação, a fim de que a lei não obstrua o caminho do Judiciário na correção das

lesões a direitos, porém o seu exercício é sempre processual e conexo a uma pretensão.”. (2006, p.78). 135

Conferir item 3.2.3 supra. 136

“[...] o direito de agir corresponde à possibilidade de a parte assumir posições ativas dentro da construção

dialética do processo, para que, ao final veja satisfeita a pretensão levada a juízo.”. (REIS, 2004, p.56). E

continua: “O direito de agir, em que pese estar regulamentado por legislação ordinária, possui orientação

constitucional, devendo respeitar sempre o princípio do devido processo legal, bem como os sub-princípios que

dele decorrem, o contraditório e a ampla defesa.”. (REIS, 2004, p.57). 137

Conferir sobre ela o item 3.1.1 retro.

74

atividade que desencadeou, conforme bem apontou Liebman138

(1950, p.65). Não há aqui,

qualquer incursão na principiologia do Processo, o que se dará apenas com a teoria da “Ação

como ato jurídico”, a ser analisada a seguir139

.

A teoria da Ação como direito subjetivo é baseada também na tese chiovendiana da

dualidade do ordenamento jurídico. Defende o autor italiano que a lei processual seria a

reguladora dos modos e condições da atuação da lei no processo, assim como a regulação da

relação jurídica processual. Seria diferente do direito substancial, privado ou público, já que a

vontade deste é que seria investigada pela atividade interpretativa realizada no processo. A

regulação desta atividade interpretativa dar-se-ia pela lei processual (CHIOVENDA, 1998,

p.97-98).

A Ação seria um direito subjetivo se presente a “vontade concreta da lei” processual

no caso exposto pelo autor. Daí o porquê de ser chamada de direito instrumental, já que sua

função seria a de realização do direito subjetivo material, o que lhe daria substância para a

forma prevista.

Carnelutti, por sua vez, entende que as normas “materiais” têm por objetivo a

composição de conflitos de interesses, enquanto que as normas processuais têm por objetivo a

atribuição do poder de compor estes conflitos (2000, p.110).

Em terras brasileiras é importante anotar a posição de Leal a respeito do tema. Ele

defende que as normas “materiais” seriam um critério para o ser, haver e o ter, enquanto que

as normas processuais seriam um critério para o proceder, todas criadas a partir de um

processo legislativo responsável pela criação do ponto de partida para sua definição: a lei

(2008, p.126-127).

Mas o que se tem de destacar deste ponto é que o citado autor brasileiro vem

defendendo que, partindo do pressuposto da aplicação da mesma metodologia de construção

para ambas as espécies de normas, não há muita importância nesta distinção na

138

“[...] A única coisa segura é que o juiz proverá, e a ação tem por objeto imediato exatamente esse seu

provimento, qual que possa ser, favorável ou desfavorável. Se entende que as esperanças do autor vão mais

longe que seu objetivo ulterior é aquele de vencer; mas só o experimento da ação lhe fará saber se tem deveras

razão ou não razão: somente afrontando o risco de perder, o autor poderá procurar vencer. A ação, como todos os

direitos processuais, tem em si um elemento de risco (não desconhecido de outras relações jurídicas), que não

poder ser eliminado e que constitui o verdadeiro substrato do jogo de “chances opostas e mutáveis [...].”.

(LIEBMAN, 1950, p.65). Tradução livre do original: “[...] L‟unica cosa sicura è che il giudice provvederà, e

l‟azione ha per oggetto immediato appunto questo suo provvedimento, quale che possa essere, favorevele o

sfavorevele. S‟intende che le speranze dell‟attore vanno più lontano e che il suo scopo ulteriore e quello di

vincere; ma solo sperimento dell‟azione gli fará sapere se ha poi davvero ragione o torto. Sollo afrontando il

rischio di perdere, l‟attore potrà cercare di vincere. L‟azione, come tutti i diritto processuali, ha in sé un elemento

di rischio (non ignoto del resto ad altri rapporti giuridici), que non può essere e che constituisce il vero substrato

di quel gioco di „chances‟ opposte e mutevoli [...].”. 139

Conferir item 3.1.3 retro.

75

contemporaneidade democrática (LEAL, 2008, p.297)140

. Nas teorias citadas anteriormente,

por outro lado, tal diferença era importantíssima, visto que as normas processuais apenas

regulavam a sujeição das partes e eram construídas por interpretação solitária daquele que as

sujeitava: o juiz.

Assim, a Ação visualizada como um direito subjetivo processual tem seu caráter

autoritário potencializado, porque sua identificação, principalmente a partir da teoria de

Liebman, se dava a partir de uma realidade pré-processual só apreensível pelo julgador, o que

será mais bem examinado quando da análise da teoria das condições da ação.

Nessa linha, o direito processual seria “adjetivo” ao direito “material”, conhecido

como substancial, porque criado para ser seu instrumento de realização141

e, portanto, como já

visto, tem de ser adequado àquele. Normas primárias, substanciais ou materiais, seriam

relativas às relações entre pessoas, e as normas secundárias, instrumentais, formais, seriam

relativas às formas de sujeição que as partes se colocam perante o Estado para fazer valer o

direito sobre as de outrem, o que, conforme Liebman, constituiria um verdadeiro

“metadireito”, ou seja, um direito sobre o direito (2003, p.45). O direito processual, portanto,

seria o conjunto de normas instrumentais de atuação jurídica para aplicação do direito

objetivo aos casos concretos em que ele já estivesse subjetivado por uma das partes.

A teoria que veremos a seguir é uma tentativa de superação desta construção

solipsista, por visualizar a formação do direito subjetivo pela racionalidade das partes

mediada pelo processo e não por uma razão solitária anteriormente a ele.

3.1.3 Ação como seqüência de atos jurídicos (procedimento)

Numa abordagem inovadora do conceito de Ação, Leal (2005l, p.2) busca explicá-la

retomando a idéia de praxis dos gregos. Ao ligar a actio moderna com a praxis grega o autor

140

Sobre o tema conferir o item 6.1.2 supra. 141

“[...] A ordem jurídica portanto é constituída de dois sistemas de normas distintos e coordenados, que se

integram e completam reciprocamente: aquele das relações jurídicas substanciais, representado pelos direito e

obrigações correspondentes, conforme as várias situações em que as pessoas venham a encontrar-se; e o do

processo, que fornece os meios jurídicos para tutelar e fazer atuar o sistema de direitos. Seria contrário à

realidade pretender hoje absorver um no outro; mas seria também pouco concludente discutir qual dos dois

sistemas é, do ponto de vista lógico, prioritário: nós o vemos em situação paritária, necessário e complementares

um ao outro. [...].”. (LIEBMAN, 2003, p.135). Percebe-se a visão essencialista do autor, ao anotar que a

dualidade do ordenamento jurídico se dá por imposição da realidade.

76

busca demonstrar que é a iniciativa do indivíduo, pela prática do ato jurídico142

de

encaminhamento da petição inicial, que abre um espaço para a expressão de sua subjetividade

através do discurso (lexis) e construção de critérios para agir perante o outro.

Em Leal, a Ação é processual, porque corresponde a uma série de atos jurídicos

praticados no procedimento e constitutivos deste, mas realizados a partir da principiologia do

Processo. Assim, pode-se, a partir de análise do mineiro, utilizar a expressão “Ação

Processual” como seqüência de atos jurídicos processuais como manifestações de vontade

dos sujeitos do processo, seja por ações comissivas ou omissivas, no sentido de criar,

extinguir, modificar, ou resguardar situações jurídicas no iter procedimental143

.

A Ação Processual é instrumento de agregação dos homens por possibilitar a

comunhão de interesses e vontades a serem realizados de forma dialógica, superando a idéia

de que a “força do direito” vem da coerção144

, substituindo-a por uma estabilização das

decisões por sua aceitação racional, situação que definimos anteriormente por legitimação.

Leal liga a idéia de Ação Processual ao procedimento, portanto, como seqüência de

atos humanos fixados pelo texto legal.

O direito-de-ação, para o Leal (2005c, p.43), é o direito de acessar a função

jurisdicional, a nada condicionado, que se esgota na via instrumental da petição inicial, esta

como forma gráfica de apresentação da pretensão. É entendido, portanto, como direito-

garantia fundamental (o que lhe retira o anterior caráter de direito subjetivo, no sentido

individual-patrimonialista) porque é definido, simplesmente, como uma situação de vantagem

142

Segundo Silva Pereira (1990a, p.326-328), “atos jurídicos” são as manifestações da vontade humana em

conformidade com a ordem jurídica e, assim, são capazes de produzir resultados em conformidade com a

vontade expressada pelo agente. Se estas se derem em desconformidade, são classificadas como atos ilícitos, e

produzirão conseqüências impostas pela ordem jurídica, tais como deveres e penalidades. Ato jurídico, portanto,

seria toda manifestação de vontade individual capaz de adquirir, resguardar, transferir ou modificar situações da

vida em conformidade com o direito. Ainda, segundo Fiúza (2007, p.200-201), ato jurídico é todo fato jurídico

humano, ou seja, toda ação ou omissão do homem, voluntária ou involuntária que cria, modifica ou extingue

relações ou situações jurídicas. Possui, portanto, dois elementos: vontade humana manifestada e conformidade

com o ordenamento jurídico. 143

É de se notar este conceito afasta-se da linha na qual trabalha a maioria dos processualistas brasileiros, por

serem filiados à escola do processo como relação jurídica. Por todos, conferir a definição de Amaral Santos

(2007, p.285), in verbis: “Atos processuais são atos do processo. A relação jurídica processual que se contém no

processo se reflete em atos. São atos processuais os atos que têm importância jurídica para a relação processual,

isto é, aqueles atos que têm por efeito a constituição, a conservação, o desenvolvimento, a modificação ou a

cessão da relação processual.”. 144

“[...] A ação (praxis), significando estar em presença do outro (estar entre os outros – inter homines esse),

concorrer para a caracterização do bios polytikos com agregação da retórica (lexis). Para resumir, pode-se dizer

que a praxis coletiva, como corpo social (demos), transmutava-se na ágora (espaço público) numa comunidade

(polys) que se definia como corpo político decisório pelo critério da lexis (palavra persuasiva). De conseguinte,

esse corpo político decisório, por eleger a palavra persuasiva como forma de exclusão da violência na fundação

do mundo humano, assume o status de polys engendrada pelo bios-polytikos a que se refere Hanna Arendt”.

(LEAL, 2005l, p.2).

77

do Sujeito perante a norma. Percebe-se que, aqui, há uma desubjetivação da anterior noção de

facultas agendi145

.

A Ação Processual nada mais é do que isto: ato de expressão da subjetividade em um

espaço diferenciado do atmosférico, ou seja, no procedimento jurisdicional processualizado.

O desenvolvimento de um espaço lógico para a discursividade tem como objetivo a

potencialização dos canais de esclarecimento e entendimento dos envolvidos na realização do

interesse que foi encaminhado. As partes constroem o caminho do procedimento, juntamente

com o juiz, pela prática de atos jurídicos previstos na legislação. Esses atos são a forma de

expressão de suas subjetividades, de teorias a respeito da melhor forma de agir no mundo em

uma situação específica que, submetidas à análise crítica do outro, poderão evoluir, ganhando

um caráter objetivo. É o desenvolvimento, no campo do processo jurisdicional, da

metodologia popperiana do racionalismo crítico, que pode ajudar a democratização do

conviver, com a adoção de uma simples medida baseada na teoria da mecânica social:

abertura ao diálogo das partes.

A abertura de um espaço para apresentação de argumentos e provas com a participação

de um terceiro não envolvido diretamente nas conseqüências do pedido do autor é o grande

salto que a humanidade pretende traçar com a construção da instituição do Processo e da

jurisdição. Aqui, no procedimento jurisdicional, pode ser, por diversos atos jurídicos

discursivos, apontadas as aporias nas teorias concorrentes discorridas pelas partes, auxiliadas

por um terceiro não envolvido diretamente nas conseqüências: o juiz.

A Ação Processual como procedimento é apenas a previsão legal de diversos atos

jurídicos que podem ser praticados dentro de um espaço lógico para desenvolvimento racional

e democrático de agires. A democracia se vê presente no espaço procedimental construído

pelas ações dos sujeitos do processo, porque esses atos são fixados no texto da lei a partir de

regras que operacionalizam a principiologia do Processo e, portanto, que desenvolvem formas

de aplicação de princípios autocríticos dos discursos encaminhados.

As “ações” previstas na lei, como os procedimentos comuns (ordinário e sumário),

especiais (Livro IV do CPC) e extravagantes (legislação esparsa), podem receber essa

denominação como uma figura de linguagem: a adoção da nomenclatura de uma parte pelo

todo (metonímia). Logo, são estruturas a serem construídas pelas partes segundo o modelo

legal. É meio legal para obter decisão sobre uma situação da vida (LEAL, 2008, p.301).

145

Sobre a idéia de facultas agendi conferir item 3.1.1 retro.

78

Ação Processual como procedimento, formado por agires no ambiente jurisdicional

definidos na lei, também cria obrigações para o sujeito imparcial do procedimento, o juiz. Ele

também está vinculado ao modelo legal e participa deste ativamente, considerando que

apresenta por diversas vezes instrumentos discursivos, todos visando a construção de um

critério final para o agir, numa situação que colocará as partes em situações de vantagem

perante o texto da lei. O direito, aqui, como regra de conduta para o caso concreto em

discussão, deixa de ser revelado para ser construído. (LEAL, 2008, p.290).

O direito subjetivo, nesta condição, passa a ser aquela situação de vantagem perante a

lei, ou seja, de coincidência entre a vontade expressa e o agir pretendido com a interpretação

que se deu ao critério de licitude definido na lei.

A grande vantagem desta teoria é que ela desmistifica a Ação, por não mais se

preocupar com sua natureza jurídica. Passa a ser fruto de uma convenção humana com a

adoção do Processo como instituição capaz de desenvolver uma principiologia que permita a

construção de espaço, na função jurisdicional do Estado, para uma discursividade racional e

democrática.

Nesta linha, simplesmente não mais se preocupa se a origem da admissibilidade deste

ato se dá por um direito ou poder inerente ao indivíduo. Aqui, o que se tem agora, é a previsão

legal para o acesso a uma instituição humana de pacificação pela discursividade dialógica

que, na democracia, deve ser a mais ampla possível.

Há que se destacar que essa visão da Ação Processual como ato jurídico de instauração

e de prática de atos no procedimento jurisdicional afasta-se da tradicional escola da relação

jurídica processual. Afirma-se isso porque na teoria relacionista não há qualquer vinculação

da atividade procedimental à principiologia do Processo ao se construir o procedimento como

um amontoado caótico de atos sem obediência aos modelos legais. Aliás, tem sido regra a

utilização da técnica legislativa de utilização de cláusulas abertas que tem tornado o

procedimento um mero caminhar ritualístico pela fórmula individual do julgador (LEAL,

2008, p.290).

Leal já denuncia isso com as recentes reformas do Código de Processo Civil146

, dentre

as quais destacamos a falta de previsibilidade do procedimento da alienação por iniciativa

146

“[...] O aumento crescente dos poderes dos juízes, com preterição de defesa plena e dos juízos de direito para

que se exercito o contraditório como direito fundamental de argumentação jurídica, desfigura o pensar discursivo

de uma sociedade que se pretenda democrática e condena ao horror alguns poucos decisores que ainda

preservam sua fidelidade ao saber científico-jurídico.”. (LEAL, 2007b, p.253-254).

79

particular no procedimento de execução, conforme se vê pelo texto do art. 685-C, §1º147

, do

CPC. Num procedimento assim ritualístico, o fazer das decisões não surge da atividade das

partes na construção do direito pela interpretação da lei, mas da revelação do juiz, verdadeira

encarnação da jurisdição, conforme veremos no capítulo seguinte.

No mesmo sentido, trazendo uma abordagem um pouco diferente quanto ao padrão de

licitude dos atos praticados pelas partes no iter procedimental, bem como analisando os atos

praticados pelo juiz, imprescindível menção às idéias de Fazzalari (2006). O autor italiano

defende que a ação identifica-se com o procedimento por se tratar de uma situação legitimada

pela lei, ou seja, que consiste numa série de atos jurídicos, consistentes em faculdades,

poderes ou deveres de cada parte, a realizar condutas na estrutura do procedimento (2006,

p.497-506). Assim, o modo pelo qual cada parte deve agir para a construção da solução para o

caso exposto, é definida pela lei, ponto de partida para realização de agires neste espaço

lógico aberto pela utilização do procedimento jurisdicional, não ficando restrito apenas ao ato

inaugural do autor ao instaurar o procedimento148

(2006, p.505). Os atos efetivamente

realizados são tratados pelo autor como “ações exercitadas” (2006, p.509).

Trata dos atos do juiz, diferenciando-os dos da parte, ao afirmar que aquele por se

tratar de órgão da estrutura do Estado, possui deveres e, portanto, funções. Dessa forma

destaca que, enquanto as partes e intervenientes, como protagonistas do processo, possuem

ação, o juiz, como funcionário do Estado, possui “função” (2006, p.512).

A teoria neo-institucionalista do processo, ao defender que a Ação Processual é a

seqüência de atos jurídicos que traça a metodologia de racionalização e democratização na

definição dos agires no mundo, retira essa aura mística depositada no julgador. Passam, por

ela, as partes a serem os construtores de toda a estrutura procedimental e, assim, a serem

responsabilizados pelos resultados que este obtiver.

Aqui há de se perceber que cada indivíduo envolvido é incluído no processo de

formação do direito, de forma direta, porque tem a oportunidade de interpretar e, até, criticar o

texto da lei, expondo suas teorias sobre o mundo e como este tem sido regulado por seus

147

Art. 685-C. [...] §1º. “O juiz fixará o prazo em que a alienação deve ser efetivada, a forma de publicidade, o

preço mínimo (art. 680), as condições de pagamento e as garantias, bem como, se for o caso, a comissão de

corretagem.”. 148

“Configurada a „ação‟ como a seqüência das posições processuais que cabem à parte, ao longo do curso do

processo, não é, pois considerar que tenha „ação‟ somente a parte que promove o processo (assim, no processo

civil, o autor): também tal limitação, afirmada ainda hoje, é conseqüência da originária união entre direito

subjetivo e ação, pela qual tem ação quem é (ou se afirma) titular de um direito lesado). A verdade é invés, que

tem ação própria qualquer outra parte (como, ainda no processo civil, o réu, o interveniente): de fato cada parte

tem uma série de poderes, faculdades, deveres, assinalados exatamente para realizar, como uma série de atos, a

sua participação no processo, ou seja, o contraditório.”. (FAZZALARI, 2006, p.505).

80

representantes. Ressaltamos, novamente, que esta metodologia enquadra-se perfeitamente ao

que Popper denominou de mecânica social gradual: construção da convivência pela

aproximação das partes num ambiente diferenciado em que cada qual tem a liberdade de

expor sua subjetividade e buscar a melhor solução pela eliminação de falhas na argumentação

do outro.

Entendida a idéia de Ação Processual e de procedimento, passa-se ao próximo

momento da investigação que aqui se apresenta: pode a legislação infraconstitucional limitar

os atos de discursividade dialógica com a instituição de anteparos ao acesso à jurisdição? Será

sob este ponto de vista que analisaremos as condições da ação dentro de três vertentes

teóricas: a de Wach (concreta), de Liebman (eclética) e seu posterior desenvolvimento pelos

processualistas brasileiros que adotam a teoria da asserção. A partir destas reflexões é que se

discorrerá sobre o objeto principal da presente pesquisa: o Interesse Processual149

.

3.2 As “condições da ação” na literatura jurídica brasileira

A Ação Processual como série de atos jurídicos previstos na lei, tem se mostrado a

mais compatível com o complexo de normas constitucionais relativas ao tema do acesso à

jurisdição. Afirma-se isso porque, ao entender que o direito de ação consiste na realização de

condutas dentro de um padrão de licitude interpretado a partir do texto legal, trabalha-se

com um instituto jurídico de inclusão da parte que se utiliza da principiologia do Processo

(contraditório, ampla defesa e isonomia), informadora e vinculativa da atuação da função

jurisdicional do Estado, para a construção compartilhada de uma decisão que defina a melhor

forma para agir em face da situação posta pelas partes nos autos.

Ao entender a Ação Processual como procedimento, visualiza-se as atividades das

partes e o seu primordial papel na construção da decisão, o que não se dá nas teorias

anteriores, que ora visualizam a Ação como poder de subjugação, ora visualizam a Ação

como um direito subjetivo, para alguns em face do Estado, para outros, em face do

demandado.

Como visto as duas vertentes anteriores à teoria da Ação Processual como complexo

de atos não têm servido ao ideal democrático, por não possibilitarem uma abertura de

149

Conferir análise da acepção tradicional do Interesse Processual no capítulo 4 da presente pesquisa e a uma

proposta para sua releitura no capítulo 6.

81

extensão a um espaço de construção das decisões com base em princípios autocríticos. Ambas

procuraram ver, apenas, os efeitos da manifestação da vontade do autor, não se preocupando

com a possibilidade de construção do conhecimento e do consentimento por meio de

oportunização de um debate qualificado das partes.

Qualificado porque mediado pela principiologia autocrítica do Processo, tudo no

sentido de construção de meios de se buscar a realização prática das decisões pela coesão de

vontades das partes, ao invés de sua efetividade pela elevação dos níveis de sanção, inevitável

nas teorias anteriores, porquanto não estão preocupadas com o processo de construção da

decisão.

A Ação Processual vista como ato jurídico permite a visualização de uma atividade

concreta da parte no sentido de construir a decisão. Essa mudança de perspectiva leva o

estudioso da ciência do processo a voltar-se aos reais atos que as partes podem praticar

quando acessam a função jurisdicional do Estado. Para tanto, a vinculação de toda atividade

jurisdicional à principiologia do Processo (contraditório, ampla defesa e isonomia) é

fundamental para viabilizar o controle crítico dos atos praticados por todos os sujeitos do

processo, de forma a se evitar ao máximo o arbítrio e a necessidade de utilização de meios

coativos para efetivação das decisões.

Daí é que não se pode escapar de uma interpretação sobre a (in) compatibilidade das

chamadas “condições da ação” com a teoria da Ação Processual como ato jurídico. Para tanto,

é necessária uma visão sobre a construção do instituto jurídico das condições da ação a partir

da teoria da Ação como direito subjetivo150

, visualizando a construção de Wach, Liebman e

de dois autores brasileiros que debruçaram sobre o problema recentemente: Didier Júnior e

Susana Costa.

150

A teoria da ação como poder, na acepção romana, não se preocupou com qualquer trato científico da matéria.

Ou o pretor concedia a actio ao autor, ou não concedia, num juízo absolutamente discricionário. Por outro lado,

para os que trabalham com a “ação constitucional” como um poder, este é “inerente” ao indivíduo, como

expressão de seu direito de personalidade. Neste sentido, conferir as observações de Couture, no item 3.1.1 retro.

82

3.2.1 As “condições” como requisitos de existência da ação a partir do pensamento de

Adolf Wach e Enrico Tullio Liebman

Como já destacado anteriormente151

, para os cultores da teoria da Ação como direito

subjetivo, esta seria concedida pré-processualmente pelo texto da lei. Ocorreria, aqui,

anteriormente à abertura de um espaço para discussão entre as partes, uma atividade

intelectual de enquadramento da situação fática narrada pelo autor em sua petição inicial aos

requisitos exigidos na legislação, atividade que é chamada pelos alemães de tatbestand, pelos

italianos de fattispecie e pelos brasileiros de subsunção.

O surgimento do “direito subjetivo de ação” dar-se-ia, portanto, com a ocorrência

fática de todos os elementos previstos na norma abstrata (direito objetivo), ou seja, no texto da

lei152

, que na positividade do CPC em vigor, são a legitimidade para causa, o interesse

processual e a possibilidade jurídica do pedido (art. 267, VI, do CPC), mas que encontram

variações em outras legislações, mesmo em se tratando de textos legais brasileiros153

. Só com

a presença, portanto, da identificação nos fatos narrados pelo demandante de todos os

elementos descritos na lei, estaria presente, no patrimônio jurídico do requerente, o “direito

subjetivo de ação”.

Para Adolf Wach, processualista alemão adepto da “teoria da ação como direito

subjetivo”, seria requisito para “existência” da ação o atendimento, na decisão do juiz, da

pretensão declaratória do autor ou a do réu. Assim, caberia ao julgador identificar a presença

do direito subjetivo “substancial”154

e do interesse na declaração (no caso da ação declaratória

positiva e na condenatória) para que também estivesse presente o direito subjetivo de ação155

.

Na ausência destes requisitos, o resultado seria a inexistência da ação, e assim, da pretensão,

151

Conferir itens 3.1.2 retro. 152

“É um direito subjetivo, e propriamente o direito de ação, aquêle (sic) que, nas condições indicadas, compete

a uma pessoa, que pretende obter do poder judiciário a aplicação do direito a um conflito de intêresses (sic).”.

(LIEBMAN, 1947, p.146-147). 153

Anota-se que outras legislações brasileiras, segundo a literatura jurídica, adotam outros elementos, tais como

a “justa causa” no “Processo Penal” e a “conciliação prévia” no “Processo do Trabalho”. 154

Sobre a diferença entre direito subjetivo substancial (material) e direito subjetivo instrumental (processual),

conferir o item 3.1.2. 155

Vale a pena citação literal de importante estudo sobre o tema, realizado por Henning: “Para que alguém seja

titular da pretensão em debate [declaratória positiva], é essencial que exista um direito subjetivo deste: ninguém

pode exigir declaração de existência de um direito... que não existe. Assim, a pretensão de tutela positiva toma

por base a existência de um direito próprio, encontrando aí um de seus requisitos. Essa vinculação permite

afirmar que ela é um direito secundário.”. (2000, p.54). E continua: “Mas a existência de um direito subjetivo,

embora seja uma condição necessária, não é condição suficiente para exista a pretensão de tutela declaratória

positiva. A ela deve-se agregar um segundo elemento, que Wach denomina interesse na declaração. Esse

consiste na necessidade de obter a declaração incontestável da existência do direito, que surge nos casos em que

houver insegurança ou incerteza de terceiros quanto à situação jurídica existente [...].”. (2000, p.54-55).

83

com a improcedência do pedido156

. Considerando que, na realidade, essa sentença de

declaração, como reconhecimento da realidade, era baseada apenas na visão do julgador, este

poderia ser considerado, como órgão do Estado, o verdadeiro doador do direito.

Em se tratando da ação declaratória negativa, por sua vez, para que esta fosse

considerada como existente, o autor teria de demonstrar justamente na ausência de direito

subjetivo “substancial”, Portanto, bastava evidenciar a presença do interesse legítimo, que,

neste caso, consistia na dúvida de terceiro (juiz) sobre a situação jurídica exposta157

, para que

o pedido do demandante fosse acolhido.

Já na construção liebmaniana, também adepto da teoria da ação como direito

subjetivo, as condições da ação seriam uma forma de julgamento fora do mérito158

, como

técnica de aceleração do procedimento visando economia processual, tudo a evitar a audiência

de instrução e julgamento, absolutamente obrigatória pelo rigor do princípio da oralidade nos

ordenamentos brasileiro e italiano vigentes à época de seus escritos, conforme já apontado

alhures159

.

Liebman também é considerado como o construtor de uma teoria que organizava

logicamente a atividade cognitiva do juiz quando da análise das questões a ele postas nos

autos: a chamada teoria do trinômio. Por ela, as questões a serem examinadas por parte do

julgador seriam divididas em três espécies, a saber: pressupostos processuais, condições da

156

“O preenchimento destas duas condições – existência de um direito e existência de interesse na declaração –

faz nascer para o titular do direito a pretensão de declaração positiva. Ocorridas aquelas circunstâncias, pode ele

dirigir-se ao Judiciário e exigir a concessão de uma sentença declaratória, obtendo aquela declaração

incontestável da existência do direito subjetivo. Doutro lado, falecendo qualquer daquelas condições, falece

também a pretensão de declaração, caso em que a sentença será de improcedência.”. (HENNING, 2000, p.55). 157

“A única condição que necessita ser preenchida para o surgimento da pretensão de declaração negativa é a

existência da situação de incerteza que caracteriza o interesse na declaração. Existindo uma situação de

insegurança que possa levar o terceiro a supor existente um direito subjetivo em verdade inexistente, pode o

sujeito passivo do suposto direito dirigir-se ao Judiciário, exigindo deste a concessão da declaração negativa. Por

esta via, obterá a certificação da inexistência do direito afirmado pelo adversário.”. (HENNING, 2000, p.55-56). 158

Liebman, assim como o Código de Processo Civil brasileiro que em sua teoria foi baseado, liga o conceito de

mérito ao conceito de lide, tornando-os coincidentes. O autor italiano define lide como a pretensão do autor

insatisfeita ou resistida pelo réu, encaminhada ao juiz nos autos. Para tanto, pressupõe um conflito de interesses

externo, mas que é apresentado apenas parcialmente nos autos. Daí o porquê de o objeto do processo, para o

autor, ser o pedido, justamente pelo fato de este ser a conclusão da parte da lide narrada pelo autor. O juiz não

resolverá o conflito, apenas lhe dará a solução jurídica, dando provimento ao pedido do autor ou negando-lhe, de

acordo com as regras jurídicas aplicáveis ao caso. Em contraposição ao pedido do autor, há o pedido do réu

contido em sua contestação e, se este for procedente, o do autor será improcedente. Seria este conflito o substrato

formal do processo, enquanto o conflito de interesses seu substrato material. A lide, portanto, seria a parcela

formalizada, encaminhada ao juiz nos autos, pelos pedidos das partes, conflito para o qual o juiz apresentará uma

solução. Liebman trata, dessa forma, o processo como uma estrutura dialética de conflito de pedidos. Todas as

questões não abrangidas por este conceito de mérito estariam fora dele e, assim, lhe seriam questões prévias a

definir, apenas, a aptidão do processo para receber uma solução da lide (LIEBMAN, 1947, p.124-137). 159

Conferir item 3.1.2 retro.

84

ação e mérito, as quais deveriam ser analisadas nesta seqüência lógica160

. Enquanto que o

mérito seria a “questão de fundo”, por ser relativa ao pedido do autor e, portanto, ao direito

substancial debatido, os pressupostos processuais seriam discussões a respeito do “direito

instrumental”, por serem referentes à relação jurídica processual e, portanto, antecedentes

lógicos ao mérito.

Já as condições da ação seriam um elemento “intermediário” entre os pressupostos e o

mérito, por possuírem tanto elementos de “direito material”, como de direito processual,

fazendo, assim, o “elo” entre as duas matérias (COSTA, 2005, p.41; LIEBMAN, 1947,

p.139)161

. Seriam, como já anotado, requisitos de existência do direito de ação, como direito à

prestação jurisdicional, entendida como decisão de mérito.

Mérito, por sua vez, estaria ligado à lide, à controvérsia fática entre as partes na forma

como foi apresentada em juízo pelo autor, em seu texto pretensional.

As condições da ação, originalmente para o autor italiano, seriam a possibilidade

jurídica do pedido, o interesse de agir e legitimidade162

. A primeira foi renegada pelo autor

quando da elaboração da terceira edição de seu Manual, quando, na Itália, foi revogado o seu

principal exemplo: a proibição do divórcio163

. Assim, incluiu no interesse de agir todas as

situações que, anteriormente, enquadrava-se na possibilidade jurídica do pedido (LIEBMAN,

2003, p.138).

Para o autor italiano, possibilidade jurídica seria a possibilidade para o juiz, na ordem

jurídica à qual pertence, de pronunciar a espécie de decisão pedida pelo autor (LIEBMAN,

160

“Mas o exame do mérito pressupõe a validade do processo e a existência dos requisitos da ação. Por isso o

processo, antes de poder dedicar-se às atividades que constituem seu verdadeiro objetivo, deve voltar-se sobre si

mesmo e controlar a sua própria idoneidade para cumprir sua função: há assim em todo o processo singular uma

fase logicamente preliminar, mais ou menos laboriosa, destinada a tal controle e se possível à eliminação dos

defeitos que invalidam o processo, de modo que este possa prosseguir mais desenvolto e seguro e enfrentar com

o menor impacto possível a sua obra principal.”. (LIEBMAN, 2003, p.153). No mesmo sentido, ainda, Lima

Freire (2005, p.80-81) ao entender, ainda, que seriam as condições da ação “ontologicamente” anteriores aos

pressupostos processuais, enquanto que logicamente sua análise é posterior. 161

“O pedido do autor, para merecer a atenção do juiz, deve oferecer alguns requisitos, cuja falta autoriza o juiz

a recusar-lhe o conhecimento. As condições da ação, portanto, são os requisitos que a lide deve possuir para

poder ser julgada. Êles (sic) dizem respeito às relações entre a lide e o conflito de interêsses (sic) que a fêz (sic)

surgir, porque a lide só pode ser decidida se fôr (sic) adequada e apropriada àquele conflito.”. (LIEBMAN, 1947,

p.139). 162

Vale a pena citação literal da primeira posição: “São condições da ação a possibilidade jurídica, o interêsse

(sic) processual e a legitimação. [...].”. (LIEBMAN, 1947, p.139). E da segunda: “As condições da ação, há

pouco mencionadas, são o interesse de agir e a legitimidade. [...].”. (LIEBMAN, 2003, p.138). O autor trazia

como exemplo da possibilidade jurídica o divórcio conforme demonstra o seguinte excerto: “Por possibilidade

jurídica entendo a possibilidade para o juiz, na ordem jurídica à qual pertence, de pronunciar a espécie de

decisão pedida pelo autor. Por ex., um pedido de divórcio carece hoje, no Brasil, de possibilidade jurídica,

porque as leis brasileiras não permitem decretar a dissolução do casamento. [...]”. (LIEBMAN, 1947, p.140).

Cita, ainda, como exemplo, mandado de segurança contra ato do Presidente da República e Ministros de Estado

(LIEBMAN, 1947, p.140). 163

Nesse sentido conferir, por todos: Lima Freire (2005, p.125-126) e Didier Júnior (2002, p.278).

85

1947, p.140). Na presença de proibição legislativa ao pedido do autor, o juiz estaria, portanto,

impedido de conhecer a lide narrada, porque, de qualquer modo, não poderia proferir a

decisão pleiteada pelo demandante.

A legitimidade ad causam, ou legitimação, seria a pertinência subjetiva da lide nas

pessoas do autor e do réu, justamente porque a lei só atribuiria o poder se de dirigir ao juiz

para que intervenha e imponha o “império da lei”, em face daqueles envolvidos diretamente

nos fatos narrados, salvo exceções legais164

(LIEBMAN, 1947, p.142-143).

O Interesse Processual, ou interesse de agir, ocorreria com a demonstração, por parte

do autor, da utilidade e necessidade de conseguir o recebimento de seu pedido, a fim de obter

por meio da atuação do juiz, a satisfação de seu interesse material que ficou frustrado pela

atitude do demandado. Portanto, sua existência ficaria condicionada à ocorrência de um

conflito fora do processo (LIEBMAN, 1947, p.140-141)165

.

O Interesse Processual, inclusive, tem sido considerado como síntese das demais

condições da ação. Afirma-se isso porque só terá necessidade e utilidade a providência

requerida pelo lesado em face do lesante (legitimação), bem como que o pedido do autor não

seja vedado pelo ordenamento jurídico (possibilidade jurídica). Isso levou alguns autores,

inclusive a defender que, em verdade, a única condição da ação seria, justamente, o

Interesse166

.

O interessante é que estas condições eram consideradas pelo autor italiano como

requisitos de “existência” da ação, que deveriam ser reconhecidos em juízo antes do exame do

mérito. Assim, juiz só teria o dever de pronunciar sobre a demanda, na presença da

legitimidade e do interesse (considerando a inclusão da possibilidade jurídica neste último),

de forma que poderiam ser consideradas como “condições de admissibilidade da demanda”,

ou seja, as condições para o exercício da jurisdição propriamente dita.

A grande crítica que sofreu Liebman foi justamente o enquadramento da atividade de

afastamento das condições como não propriamente jurisdicional167

. Parte-se, daqui, para a

164

É a linha seguida pelo CPC ao diferenciar as figuras da “legitimação ordinária” e da “legitimação

extraordinária” em seu art. 6º, in verbis: “Ninguém poderá pleitear em nome próprio, direito alheio, salvo

quando autorizado por lei.”. 165

O interesse processual será objeto de reflexões mais demoradas no capítulo seguinte do presente estudo. 166

“Ao nosso ver não existem as denominadas „condições específicas da ação‟ (pagamento do preço na

adjudicação compulsória, periculum in mora e fumus boni juris na ação cautelar etc). Todas essas „condições

específicas‟ são, na verdade, subsumíveis à condição „genérica‟ do interesse processual.”. (NERY JÚNIOR,

1991, p.38). 167

Fábio Gomes apresenta a seguinte crítica sobre a questão: “O segundo [vício insuperável da teoria eclética de

Liebman] foi a redução do campo da atividade jurisdicional. Para aceitar-se a posição de Liebman ter-se-ia que

criar uma atividade estatal de natureza diversa das três existentes (executiva, legislativa e judiciária), para

86

divisão entre decisão e julgamento e para as grandes divergências quanto à qualidade da

fundamentação de ambos, as quais encontram eco em dispositivos legais do CPC brasileiro.

A divisão entre decisão e julgamento, exige o raciocínio de que a primeira seria

referente às questões processuais de admissibilidade da demanda, enquanto a segunda, ao

mérito. Só o “julgamento” estaria vinculado ao princípio da fundamentação das decisões em

sua acepção máxima, enquanto que a mera “decisão” seria redigida com base numa

principiologia diferenciada, a da fundamentação concisa. Isso, inclusive, está expressamente

positivado no CPC brasileiro, conforme se pode ver pela redação do art. 165168

e do art.

459169

.

Entretanto, essa situação, na constitucionalidade brasileira em vigor, se mostra

insustentável, porque a fundamentação das decisões foi elevada, pela CR/1988, ao status de

direito fundamental com sua positivação no art. 93, IX170

, sendo corolário lógico do devido

processo.

Não é qualquer fundamentação que se presta ao cumprimento do citado preceito

constitucional. Só aquela que se dê a partir da vinculação do julgador a todos os argumentos

apresentados pelas partes nos autos171

, devendo estes ser analisados de forma exaustiva numa

atividade racional baseada no apontamento das aporias de cada tese apresentada por todos os

participantes do procedimento é que é capaz de ser local de visibilidade de toda participação

dos litigantes envolvidos na construção da decisão que orientará o agir em face do problema

apresentado pelo demandante.

Daí, não se poder mais falar em diferenciação entre a fundamentação das decisões

interlocutórias e sentenças, conforme apresenta a vetusta redação do CPC/1973, porquanto a

enquadrar aquela exercida pelo Juiz ao decidir sobre as condições da ação.”. (BAPTISTA DA SILVA; GOMES,

2002, p.118). 168

Art. 165. “As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais

decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.”. 169

Art. 459. “O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo

autor. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz decidirá em forma concisa.”. 170

Art. 93. “Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário

serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...].”. Anota-se que o citado dispositivo

constitucional é considerado como direito fundamental a teor da cláusula de expansão prevista no art. 5º, §2º, da

CR/1988. Sobre o tema, conferir o item 2.1 retro. 171

Segundo Brêtas C. Dias, analisando o princípio da fundamentação das decisões a partir da idéia de Estado de

Direito como aquele que procura a justificação das decisões de seus agentes: “A justificação se faz dentro de um

conteúdo estrutural normativo que as normas processuais impõem à decisão („devido processo legal‟), em forma

tal que o julgador lhe dê motivação racional com observância do ordenamento jurídico vigente e indique a

legitimidade das escolhas adotadas, em decorrência da obrigatória das partes, em contraditório, em torno das

questões de fato e de direito sobre as quais estabeleceram a discussão. Portanto a fundamentação da decisão

jurisdicional será o resultado lógica da atividade procedimental realizada mediante os argumentos produzidos em

contraditório pelas partes, que suportarão os seus efeitos.”. (2005a, p.153).

87

própria Constituição Brasileira não faz essa distinção, e nem o poderia. Se ambas têm como

objetivo a interpretação do texto da lei para construção do critério de conduta, o momento em

que são proferidas não pode gerar qualquer disparidade na qualidade do texto apresentado

pelo julgador, porque ambas influenciaram no agir das partes, no tramitar do procedimento.

Ademais, a suposta diferenciação entre matéria de mérito e questões prévias também

não pode ser marco para redução qualitativa da atividade intelectual do julgador. Se se tratam

de discussões sobre normas referentes ao “direito material” ou ao “direito processual”,

nenhuma diferença há, porque ambas envolvem condutas a serem realizadas pelas partes. Não

por serem ontologicamente iguais, mas porque a referida diferenciação não encontra nenhuma

justificativa jurídica e tem gerado, apenas, a possibilidade de redação de decisões que não se

vinculam à argumentação das partes e, assim, não são o resultado dos atos produzidos na

estrutura do procedimento, estando muito mais voltadas para uma solitária subjetividade do

julgador172

.

Essa situação leva ao abandono da possibilidade de um processo participativo, em que

a interpretação do texto da lei é construída de forma compartilhada, trazendo, por

conseqüência, a adoção de um esquema autoritário por uma diferenciação de questões

também inesclarecida.

A concisão das decisões, dessa forma, deve ser analisada, tão somente, como requisito

de inteligibilidade do texto, não como “válvula de escape” para o autoritarismo de um

julgador que não se justifique os fundamentos de sua decisão na argumentação apresentada

pelas partes, ou mesmo levantada, para o debate, de forma oficiosa173

.

Liebman, como já dito alhures, ligava a existência da ação ao exercício da função

jurisdicional por excelência. Na ausência da ação, por não ter havido o preenchimento das

condições de configuração deste direito subjetivo processual do autor, não haveria atividade

jurisdicional. A presença das condições pode ser entendida como “senha” de acesso à

jurisdição.

O autor fundamentou sua tese com base no art. 24, §1º, da Constituição italiana, que

assim preceitua: “Todos podem agir em juízo para a tutela de seus direitos e interesses

legítimos”. (LEIBMAN, 2003, p.136). Ora, a grande questão é que esta teoria importada para

172

Sobre o tema conferir, ainda, o item 6.1.2 supra. 173

Nesse sentido importante referência de Oliveira (1994, p.11-14) ao art. 183, III, do Código de Processo Civil

Italiano, bem como de Gonçalves ao art. 16 do novo Código Civil Francês e ao § 278, III, do ZPO alemão. Ao

nosso ordenamento jurídico, apesar de não haver previsão explícita no Código de Processo Civil, adotando o

princípio do contraditório como garantia de não surpresa (NUNES, 2004, p.50-53), bastaria que o juiz levantasse

a questão oficiosa e abrisse vista às partes para discussão sobre o tema.

88

o Código de Processo Civil brasileiro, conforme expressa previsão dos artigos 3º174

e 267,

VI175

, bem como de diversos outros dispositivos, não está de acordo com o texto diferenciado

do art. 5º, XXXV176

, da CR/1988, o que tem gerado grandes discussões a respeito do tema, a

ponto de alguns autores negarem a existência das condições qualificando-as como matéria de

mérito177

.

O grande problema de toda esta discussão está, justamente, na busca pela “natureza

jurídica” das condições. Se seriam, realmente, matéria de processo ou de mérito, e qual seriam

os efeitos da decisão que resolve tal questão em um caso concreto. Reafirma-se, aqui, que a

descoberta da “natureza” de algo convencional não faz o menor sentido178

, pelo que esta

pesquisa não estará, portanto, preocupada com esta questão179

, vez que a discussão da

natureza de algo convencional só obscurece os fundamentos e as finalidades pelos quais

foram criadas as condições da ação.

Não há que se buscar por pontos de semelhança e, portanto, regularidades observáveis,

nas chamadas “matéria de mérito”, “matéria de ação” e “matéria de processo”. O foco da

análise que aqui se apresenta é se estas condições, em especial, o Interesse Processual, têm

cumprido um papel de potencialização da forma democrática de construção das decisões

jurisdicionais, exigida no pós 1988.

Para finalizar a questão das condições da ação em Liebman, cumpre ressaltar que o

autor imaginava que, não havendo exercício da jurisdição, não haveria julgamento e, portanto,

não se estaria diante do “caso julgado”, a res iudicata, pela absoluta ausência de apreciação

do pedido do autor. Dessa forma, como a via de acesso do autor à jurisdição lhe fora fechada,

poderia tentar novamente encaminhar sua pretensão, desde que preenchendo as ditas

condições. Essa posição também foi positivada em no ordenamento jurídico brasileiro,

174

Art. 3º. “Para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade.”. 175

Art. 267. “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] VI – quando não concorrer qualquer das

condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.”. 176

Art. 5º. “[...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”. 177

Nesse sentido, conferir, por todos: Araken de Assis (2002, p.105-108), Susana Costa (2005, p.105), Fábio

Gomes (BAPTISTA DA SILVA; GOMES, 2002, p.129). 178

Conferir, sobre o tema, o item 2.3 retro. 179

Veja-se a que ponto foi capaz de chegar a visão essencialista no texto de Susana Costa: “Todavia, apesar do

texto legal, o intérprete não pode se furtar a buscar o verdadeiro conteúdo dos institutos fundamentais de sua

ciência. Assim, independentemente do previsto em lei, não há como negar que as condições da ação,

ontologicamente, não diferem das questões de mérito.”. (2005, p.105). E continua: “O ordenamento jurídico não

é capaz de alterar a natureza de um instituto. Há de se reconhecer que o CPC, ao inserir as condições dentre as

hipóteses de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267) e ao eleger a carência de ação como

preliminar ao mérito, a ser alegada pelo réu, em sede de contestação (art. 301), cometeu erros. Distinguiu

realidades que, na essência, são a mesma.”. (2002, p.105). Por fim: “Os estudiosos do direito, todavia, não

podem aceitar estes equívocos e se absterem de questionar a escolha realizada pelo legislador. Devem buscar o

real conteúdo dos institutos, ainda que não corresponda ao positivado.”. (2002, p.105).

89

conforme expressa redação do art. 268, caput180

, do CPC, ao institucionalizar o princípio da

repetibilidade.

A literatura processual brasileira, por sua vez, em que pese a adesão explícita do CPC

à teoria de Liebman, construiu algumas novas perspectivas sobre o tema a partir da discussão

sobre a “natureza jurídica” da decisão que declarava inexistentes as condições da ação,

também chamada de decisão de carência de ação. Duas dessas posições merecem destaque

para novidade e profundidade da análise, além do fato de terem caminhado em lados

diametralmente opostos. São a teoria das condições da ação como requisitos de

admissibilidade do procedimento, de Fredie Didier Júnior (2005), e a teoria das condições da

ação como técnica de sumarização da cognição, de Susana Costa (2005).

3.2.2 As “condições” como requisitos de validade da ação e como técnica de sumarização

da cognição

Para Didier Júnior, o procedimento, como ato jurídico complexo formado por outros

diversos atos jurídicos (2005, p.18), para se revestir de validade, deve preencher uma série de

requisitos legais (2005, p.03). Seriam as condições alguns desses requisitos legais

responsáveis por trazer aptidão de provocar efeitos no mundo jurídico daquele ato do autor,

ou seja, seriam referentes à viabilidade do pedido (2005, p.213). Percebe-se que o jurista

baiano concentra sua análise na petição inicial, dizendo que se esta estiver viciada por

ausência de interesse de agir, legitimidade para ser parte, ou que o pedido se mostrasse

juridicamente impossível, os atos subseqüentes também seriam invalidados, porque

contaminados pelo vício do primeiro (2005, p.20). Logo, o procedimento todo não poderia

provocar efeitos no mundo jurídico dos envolvidos, por ser este vício cominado com a sanção

da nulidade, tanto que poderia ser repetido normalmente após o saneamento do defeito

apresentado.

A questão que o autor não se pergunta é se a legislação, considerando a disposição

constitucional, poderia ou não criar requisitos de validade para a petição inicial, e qual seria o

procedimento de apuração destes requisitos de validade. O que pode ser problematizado é a

180

Art. 268. “Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a

ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos

honorários de advogado. [...].”.

90

constitucionalidade da possibilidade de o julgador reconhecer tais vícios de forma oficiosa e

sem a utilização do princípio do contraditório, o qual permitiria a criação de um ambiente de

debate entre as partes.

A rejeição liminar de tentativa de abertura da via jurisdicional pelo autor foi o

caminho seguido por Didier Júnior, fundamentando, justamente, que tal ato viciado, se não

passível de convalidação, não poderia provocar nenhum efeito, independente da vontade da

outra parte, tudo visando economia processual de uma atividade que seria inútil, bem como

celeridade pela busca de eficiência pela desassoberbação do Judiciário.

Susana Costa, por sua vez, trabalha com uma idéia bem interessante sobre o tema.

Defende em sua obra que as condições da ação seriam técnica, tecnologia ou método de

sumarização da cognição (2005, p.124), mas sem a justificativa das técnicas comuns que

passam pela teoria da cautelaridade, ao serem exigidas por uma pretensão “urgência de tutela”

(2005, p.129).

A fundamentação para a adoção de uma cognição sumarizada estaria justamente na

economia processual, ou seja, na redução, ao máximo possível, de atos no iter procedimental

a fim de que seja prolatada a decisão resolutiva do problema posto181

. Imagina, a autora, que

se trata, no indeferimento liminar oficioso da petição inicial, de antecipação de tutela para o

réu, visto que, se há vícios na pretensão encaminhada, este não teria qualquer interesse em

participar do feito182

(2005, p.132-133).

Ademais, seria do interesse do Estado, porque evitaria o prosseguimento de um

procedimento fadado ao insucesso, evitando um desgaste desnecessário das partes,

principalmente do réu que, por ser o “sujeito passivo” do processo, sofre, com isso, o

chamado “dano marginal”, ou seja, recebe a pecha social de ser demandado judicialmente

(2005, p.134).

O efeito de extinção do processo pela carência de ação envolve, para autora, também,

combate ao abuso do exercício do direito subjetivo de ação pelo autor (COSTA, 2005, p.133),

cominando a pena de arcar com as custas processuais e honorários de advogado que, na forma

do art. 268, caput, segunda parte, do CPC, tem de ser recolhidas para que o vencido possa

ajuizar nova ação processual.

181

“O que justifica a adoção de um provimento definitivo fruto de uma cognição sumária é a „evidência‟ da

existência ou inexistência do direito material alegado pelo autor.”. (COSTA, 2005, p.133). 182

“A tutela diferenciada do réu é a sentença de carência de ação, quando proferida no início do processo, ou

seja, sem que o juiz tenha apreciado a existência de qualquer das condições da ação, de forma aprofundada, com

cognição exauriente. Essa sentença evita que o réu se submeta a um processo, que se mostra evidentemente

improcedente. Ela evita o tempo do processo traga prejuízo ao réu injustificadamente processado.”. (COSTA,

2005, p.134-135).

91

A autora utiliza, para justificar teoricamente a técnica de sumarização da cognição, a

teoria da asserção (prospettazione). Defende que, em relação às condições da ação, o

magistrado deva analisá-las hipoteticamente e de forma provisória, imaginando a correção de

tudo quanto o autor tenha afirmado em sua petição inicial (in statu assertiones) e, se perceber

a presença das citadas condições, no estado das afirmações apresentadas, declara presentes as

condições (DIDIER JÚNIOR, 2005, p.216-217). Tal declaração é implícita no deferimento da

petição inicial e determinação dos atos de citação, conhecido como despacho inicial positivo,

e, explícita, quando do saneamento do feito, na forma do art. 331, §§2º e 3º183

, do CPC.

Não haveria que se falar, aqui, em definitividade da decisão, porquanto esta não estaria

baseada em um juízo de verdade, mas de mera verossimilhança, visto que não passaria pela

teoria da cognição e pelo instituto da prova. Não seria pautada na principiologia do processo,

mas num simples juízo solitário do julgador.

Se, por outro lado, presentes, hipoteticamente, as condições com base neste juízo

liminar, pode sua ausência ser provada durante toda a instrução no procedimento, através de

alegações e provas conduzidas aos autos pelo demandado, assumindo, agora, ele este ônus.

Para a doutrinadora, independente do momento em que há decisão sobre o tema, por se

tratar de ato jurisdicional que diz respeito ao direito material apresentado pelo autor, há

produção de coisa julgada (2005, p.148).

Algumas reflexões, no entanto, devem ser feitas sobre a posição de Susana Costa. Em

primeiro lugar, o ordenamento constitucional brasileiro não permite a sumarização da

cognição184

, porque, com a Constituição de 1988 e com base no que preceitua a teoria neo-

institucionalista do processo, a decisão do juiz sobre o problema apresentado pelas partes

deixou de ser ato solitário para ser atividade co-participativa entre julgador e litigantes

(MADEIRA, 2008, p.139). Dessa forma, absolutamente despropositada a teoria da asserção

por permitir juízos liminares que não passam pela abertura do procedimento à tentativa de

aproximação das partes a resolverem seus conflitos através de uma racionalidade

processualizada185

.

183

Art. 331. “[...] §2º. Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos

controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas,

designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. §3º. Se o direito em litígio não admitir transação,

ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o

processo e ordenar a produção da prova, nos termos do §2º.”. 184

Conferir item 3.1.2 retro. 185

“Por tudo isso, com quietação, pode-se dizer que a cognição jurisdicional não pode sofrer nenhuma restrição

quanto aos princípios institutivos do processo (contraditório, isonomia e ampla defesa) a não ser que se queira

obter somente um rito, uma forma, uma ilusória aparência de processo. Portanto, caso o juiz (ou qualquer outro

agente governativo) suplante ou reduza um dos princípios institutivos do processo quando da atividade cognitiva

92

Por outro lado, não há mais que se preocupar com o enquadramento das condições da

ação no mérito, até porque este conceito só tem sido utilizado para criação de técnicas de

diferenciação da qualidade das decisões, bem como de seus efeitos, o que, como será

demonstrado adiante, é absolutamente inconstitucional186

.

Ainda há que se pensar na questão da economia. Defende Susana Costa que o réu não

teria qualquer interesse em discordar da posição do juiz que afasta a ação do autor. Pensar

assim só demonstra que ainda se encara o procedimento como um campo de batalha, só

passível da busca por uma vitória triunfal pelo esmagamento de uma parte pela outra.

Não se visualiza, com esta formulação teórica, a mínima possibilidade de o

procedimento ser um espaço de argumentação que vise o esclarecimento. Assim, mesmo que

o texto pretensional contido na petição inicial apresentada em juízo pelo autor, supostamente,

possua defeitos na forma foi encaminhado, não há justificativa em não se permitir que o réu

tomasse contato com ela. A interdição da oitiva do réu apenas impede a possibilidade de

resolução pacífica do problema pelas partes, solução muito menos traumática que o simples

silenciamento do autor por não ter encaminhado seu discurso de forma, a princípio, não

adequada.

O argumento da economia por parte do Estado também não se sustenta187

. Busca-se

com a mencionada argumentação, a todo custo, a diminuição do número de feitos em

tramitação sem se problematizar as causas para tal assoberbamento da função jurisdicional.

Assim, esta idéia de que seria interesse do Estado a redução e encerramento a todo custo dos

procedimentos a ele encaminhados, só encobre suas deficiências físicas, tecnológicas e

científicas no trato do acúmulo de feitos.

Ademais, os problemas estruturais da função jurisdicional ocorrentes devido ao

descumprimento do texto constitucional e infra-constitucional, não podem ser justificativa

para redução do direito fundamental de acesso a este espaço de discursividade que o Processo

propicia188

.

estará cometendo ilegalidade que culminará na anulação do provimento exarado, haja vista que ilegítimo e

inconstitucional.”. (MADEIRA, 2008, p.129). 186

Conferir item 6.1.2 supra. 187

Conferir reflexões contidas no capítulo seguinte. 188

Tavares aponta como grandes vícios a impedir uma melhor eficiência da função jurisdicional, que têm

justificado medidas de concentração de poderes nas mãos dos julgadores, principalmente através das técnicas de

sumarização da cognição, os problemas operacionais e de gerenciamento da função jurisdicional, aptos a gerar os

chamados “tempos mortos” do processo, situações em que os autos permanecem por longos períodos de tempo

sem qualquer tramitação, descumprindo as previsões legais, tempos que são justificados pela inconstitucional,

por ferir o princípio da isonomia, teoria dos “prazos impróprios”. Cita, ainda, como fator de agravamento a não

profissionalização das administrações do foro, cumuladas por magistrados não preparados para tanto, bem como

o descumprimento de diversos dispositivos constitucionais. Vale a pena citação literal de trecho da obra do autor:

93

Necessário, portanto, perquirir a utilidade da idéia de condições da ação em face da

missão constitucional de potencialização dos princípios democráticos. Para tanto, apresenta-

se, agora, a visão de Rosemiro Pereira Leal a respeito das condições da ação como requisitos

de procedibilidade analisando, também, sua serventia dentro do ideal democrático.

3.2.3 As “condições da ação” como requisitos de procedibilidade a partir da visão de

Rosemiro Pereira Leal

Leal busca solução do problema de enquadramento das condições da ação na teoria da

ação como procedimento, com uma tese aproximada da de Didier Júnior. Trata das condições

como elementos estruturais da ação, fundacionais ou formativos, a alicerçar o procedimento a

ser construído pelas partes ao longo do tempo jurídico até a sentença (2008, p.134).

Ao conceituar as condições da ação como requisitos de procedibilidade189

, Leal que

dizer que são formas legais de encaminhamento do discurso e, portanto devem ser apuráveis

pelo mérito (2008, p.135). O demandante, assim, tem de observar requisitos legais, voltados

para inteligibilidade, previsibilidade e uniformização das formas da fala para que possa

encaminhar suas pretensões e para que o outro tenha condições de exercitar sua liberdade

crítica dentro de padrões de entendimento mínimo.

Aqui ganha destaque a idéia de que as condições são exigências legais para construção

do procedimento, referentes ao conteúdo dos atos discursivos. Há que se questionar, porém,

buscando sempre pensar na questão pragmática, se a legitimidade, a possibilidade jurídica e o

interesse processual, como requisitos previstos no Código de Processo Civil Brasileiro têm

servido a esta função. A estrutura legal atual, baseada na teoria de Liebman, adotou a

“A eficiência da função estatal de dirimir os conflitos e aplicar a sanção penal pode ser resultante do simples

cumprimento das regras constitucionais, como aquele que determinam que o número de juízes deva ser

proporcional à demanda e à população (art. 93, inc. XIII), em clara sintonia com o denominado princípio de

acesso à justiça; da concreta e efetiva ininterrupção da atividade da função estatal judiciária (art. 93, inc. XII) –

perfeitamente possível a realização de audiências no período de 6:00 às 20:00, como já há muito prevê o próprio

CPC, inclusive audiências de justificação; da delegação, concreta e operacional, da prática de atos processuais

sem caráter decisório (art. 93, inc. XIII).”. (2007a, p.117). E finaliza: “Por fim, a almejada celeridade de

tramitação em tempo adequado passa, simplesmente, pelo aspecto da estrita legalidade dos próprios Códigos de

Processo, isto é, a Administração judiciária deve, como as demais pessoas a ela equiparadas pelo princípio da

isonomia, cumprir e praticar os atos processuais segundo a moldura definida pela norma procedimental,

expungindo-se do ordenamento jurídico brasileiro, por incompatíveis com os princípios constitucionais do

processo, os prazos diferenciados para a Fazenda Pública e os mal denominados „prazos impróprios‟ para o juiz

e seus auxiliares.”. (2007a, p.117). 189

Requisitos são “atributos legais de existência da realidade imputável antes da procedimentalização” (LEAL,

2008, p.306).

94

identificação das condições de forma pré-processual com base em apriorísticos juízos

hipotéticos que não passam nem pela teoria da prova, nem pela teoria da cognição190

.

Interessante, também, a visualização da noção de mérito na obra de Leal. Mérito é um

espaço jurídico-processual de discussão do objeto mediato do pedido. Dentro da estrutura do

CPC, vai envolver a idéia de lide, como conflito de um bem da vida jurídica, ou seja, cujo

acesso encontra-se dentro do padrão de licitude trazido pelo texto legal (LEAL, 2008, p.307).

Logo, a parcela do conflito pré-processual encaminhada aos autos pelo demandante, através

do texto pretensional formalizado (instrumentalizado) em sua petição inicial, definirá o limite

das discussões que serão travadas entre as partes. A parte autora, assim, em sua petição

inicial, demarca o objeto do processo de crítica sobre o que pretende realizar no mundo da

vida, eliminando os obstáculos que também listará em sua petição.

A atuação do demandado, lado outro, fica, dessa forma, vinculada à atuação do

demandante quando da demarcação do limite das discussões visualizada pelo texto

pretensional. Tanto que eventuais alargamentos, dentro de nossa positividade procedimental,

estão vinculados ao objeto mediato do pedido do autor, ou à sua causa de pedir, conforme

demonstra o texto dos artigos 300191

(princípio da eventualidade) e 302, caput192

(princípio do

ônus da impugnação especificada), do CPC, e os artigos 315, caput193

e 278, §1º194

, do

mesmo Código, estes responsáveis por definir as figuras da reconvenção e pedido

contraposto, submetidas à disciplina jurídica da conexão (art. 103195

, do CPC).

Se o objeto mediato do pedido, como o ato que o demandante deseja praticar no

mundo da vida (“ação material”), define o que seja mérito, todas as discussões a respeito

desse ato serão matéria merital. Dentre elas, facilmente podem ser incluídas a necessidade de

demonstração prefacial da titularidade do direito alegado (legitimidade ad causam); da

existência, no ordenamento jurídico, de texto legal assegurador do direito pleiteado

190

“Na linguagem forense, muitos falam, genericamente, ao se referirem aos pressupostos de constituição,

desenvolvimento válido e regular do processo e requisitos da ação, em pressupostos de admissibilidade sem

distinguir pressupostos ou requisitos de procedibilidade, talvez porque, a rigor, por ser a matéria de ação

apurável pelo mérito, como veremos, e não processual a priori, como a princípio quis Liebman e como está no

Código de Processo Civil brasileiro.”. (LEAL, 2008, p.135). 191

Art. 300. “Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de

direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.”. 192

Art. 302. “Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial.

Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados [...].”. 193

Art. 315. “O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a

ação principal ou com o fundamento da defesa.”. 194

Art. 278. “[...] §1º. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que fundado nos

mesmos fatos referidos na inicial.”. 195

Art. 103. “Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.”.

95

(possibilidade jurídica do pedido); e, ainda, a relação entre a necessidade do pedido e a

atuação jurisdicional (interesse processual), conforme afirma Leal (2008, p.135).

Por outro lado, poderia ser questionada a inclusão, no mérito, das discussões que

envolvam problemas no encaminhamento do texto pretensional, essas como matérias relativas

a defeitos no procedimento. Conforme visualizou, de forma muito clara, Didier Júnior (2005),

se a Ação Processual, encarada como procedimento, envolve a prática de atos jurídicos, estes

devem estar enquadrados dentro de um padrão de licitude estabelecido pela lei e, para tanto,

devem cumprir, sim, requisitos legais. Esses requisitos, por sua vez, são voltados,

principalmente, a inteligibilidade e clareza dos atos jurídicos e facilitam a condução a um

processo de esclarecimento, seja das partes, seja do tertius que mediará às discussões, o

sujeito imparcial que se encontra na figura do julgador.

As “condições da ação”, como requisitos de procedibilidade na conjectura de Leal,

estão voltadas para a visualização da argumentação encaminhada pelo demandante e na sua

aptidão de gerar esclarecimento, o maior objetivo do processo numa teoria democrática como

a neo-institucionalista196

. Elas estão, portanto, diretamente relacionadas à extensão dos atos

do procedimento que dependerão de sua presença para avançar no sentido apontado pelo autor

em seu texto pretensional.

As condições da ação não podem, portanto, ser fator de impedimento da inclusão das

partes em níveis de cidadania pela participação efetiva na construção das decisões que

influenciarão suas vidas, sendo apenas critério para aferimento da possibilidade de

atendimento da pretensão do autor. Não mais objetivam identificação, como na teoria de

Liebman e de seus discípulos, da viabilidade do demandante conseguir a fruição do objeto

mediato de seu pedido. A tutela específica (atendimento do pedido mediato do autor)

dependerá, exclusivamente, dos atos que ambas as partes vierem a praticar na estrutura do

196

A teoria neo-institucionalista do processo pode ser definida como democrática porque, ao identificar os

princípios constitucionais do processo como autocríticos, explica como estes permitem o exercício de atos de

liberdade pelo contraditório, capazes de proporcionar maiores níveis de intercâmbio de conhecimento e de

cooperação para um viver mais digno. A isonomia trabalha com a idéia de igualitarismo, no qual o indivíduo é

valorizado e sempre levado em conta independe de suas diferenças pessoais, devendo, as partes, receberem, em

igual medida, as benesses e ônus da utilização dos procedimentos. A ampla defesa está ligada à possibilidade de

argumentação demarcada pelo texto da lei. Com tudo isso, as partes são responsabilizadas por seus atos, porque

são estes baseados em autonomia intelectual adquirida pela liberdade de se auto-incluírem no processo de

construção do sentido da legalidade. A teoria neo-institucionalista é a única que permite, pelo processo, a

criação, no ambiente da função jurisdicional do Estado, de uma sociedade aberta, porquanto é voltada para o

desenvolvimento das faculdades críticas e discursivas das partes, em abandono ao fechado modelo autoritário

das teorias anteriores, com sua dependência dos predicados pessoais do julgador. Conferir maiores explanações

sobre os aspectos democráticos da teoria neo-institucionalista do processo no item 2.5 da presente pesquisa e a

obra “Teoria Processual da Decisão Jurídica” de Rosemiro Pereira Leal (2002).

96

procedimento e das conseqüências que esse contato intersubjetivo pode provocar, justamente

pelo fato de ocorrer em uma estrutura que possibilita um elevado nível de racionalidade.

A grande contribuição de Leal está em, justamente, problematizar a suposta “diferença

ontológica” entre as “matérias do mérito” e as da “ação”, incluindo as últimas nas primeiras.

O acerto de sua proposta está justamente em desmistificar o argumento essencialista de que as

matérias de mérito e de ação teriam de ser tratadas de forma diversa, por conta de suas

diferentes “naturezas jurídicas”. Esse argumento só tem obscurecido as discussões e, no caso

das condições da ação, só tem servido para que estas recebam uma análise de “segunda

classe”, ou seja, se tornem matéria que não passe para realização plenária da teoria da

cognição e da prova, com a adoção da metodologia sugerida pela teoria da asserção.

Explanadas as teorias da ação e das condições da ação, é tempo de apresentar reflexões

sobre o objeto principal desta pesquisa: o Interesse Processual, o que se apresenta agora no

capítulo seguinte da presente pesquisa.

97

4 O INTERESSE PROCESSUAL COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO

Analisadas as condições da ação, no capítulo anterior, passa-se, agora, a examinar o

Interesse Processual como uma delas, a fim revistar as bases teóricas utilizadas pela

“doutrina” nacional, para formulação dos conceitos de “interesse”; “interesse substancial” e

“interesse processual”. Essa análise é importante para identificação, no capítulo seguinte, do

Interesse Processual, bem como das demais condições da ação, como anteparos ao acesso à

jurisdição, investigando a constitucionalidade da solução adotada para superação do paradoxo

que a universalização deste acesso estabeleceu. Por fim, a fixação dos conceitos que serão

estudados abaixo permitirá uma releitura, no capítulo final, do Interesse Processual como

instituto jurídico a operacionalizar uma vivência democrática no ambiente jurisdicional

ilustrado pela principiologia do Processo, conforme a linha seguida pela teoria neo-

institucionalista.

Conforme já visualizado anteriormente197

, a tipificação das condições da ação é

inaugurada na obra de Wach e ganha os contornos que se trabalha atualmente, a partir dos

primeiros estudos de Liebman.

O CPC brasileiro adotou duas tipificações diferenciadas: uma trazendo duas condições

para “propor ou contestar uma ação”, definidas como a legitimidade e o interesse legítimo,

conforme expressa previsão do art. 3º, do CPC. E, em outra passagem, lista como três

condições da ação cuja ausência permite a “extinção” do processo sem resolução do mérito,

somando-se às já listadas, a possibilidade jurídica do pedido, conforme a redação do art. 267,

inciso VI.

São matérias consideradas como questões prévias ao exame do mérito198

e, assim,

alegadas, dentro da técnica legal de redação da defesa do demandado, como preliminares na

contestação, na forma do art. 301, X199

, do mesmo Código. Parece ter havido, na redação do

Código, alguma confusão teórica em relação à possibilidade jurídica do pedido200

, mas que

não será objeto de nossa análise por não ser o problema central da presente pesquisa.

197

Conferir item 3.2.1. 198

Pela posição majoritária na literatura processual brasileira, conferir Humberto Theodoro Júnior, cujas

seguintes observações ilustram o afirmado: “Sendo condições de existência do direito de ação, devem, por isso

mesmo, ser objeto de investigação prévia no processo, isto é, anterior ao exame de mérito. [...].”. (1988, p.14). 199

Art. 301. “Compete-lhe [ao réu], porém, antes de discutir o mérito, alegar: [...] X – carência de ação; [...].”. 200

Conferir sobre o tema, por todos, o que afirma Freitas Câmara: “Outros autores, porém, ampliam o conceito

desta „condição da ação‟, afirmado que a mesma alcança, também, a causa de pedir. Em outros termos, significa

dizer que não só o pedido, mas também o seu fundamento devem ser juridicamente possíveis, sob pena de se ter

presente o fenômeno da „carência de ação‟. Fala-se, então, e a nosso juízo mais propriamente, em „possibilidade

98

Tipificação destas condições pode ser questionada por se pautar em critérios

inesclarecidos, bem como pela sua não diferenciação do conceito de mérito, o que tem

justificado, apenas, discussões a respeito da análise ontológica do instituto fora mesmo do

texto legal.

Mesmo os que tentam partir pelo caminho essencialista não têm conseguido sucesso

na busca de um consenso sobre a natureza processual ou merital das “condições”201

. E tais

discussões têm gerado importantes polêmicas na prática forense, principalmente em relação à

interpretação da cláusula de repetibilidade contida no art. 268, do CPC e da chamada “coisa

julgada material”, contida no texto dos artigos 467202

e 468203

, ambos do mesmo Código204

.

Nesse contexto, a condição da ação “interesse processual”, também parte de outro

vocábulo equívoco, a gerar inúmeras dúvidas em sua aplicabilidade prática. Para a percepção

do sentido que vem sendo empregado pela “doutrina” processual ao conceito de Interesse

Processual, será resgatada a concepção de “Interesse” em Ihering para depois descrever e

como esta foi aproveitada pelos processualistas, na construção dos conceitos de “interesse

jurídica da demanda‟.”. (2002, p.112-113). Sobre o mesmo tema, conferir ainda pausadas reflexões de Didier

Júnior (2002). 201

Sobre o tema, conferir Botelho de Mesquita, cuja passagem de recente artigo ilustra a polêmica: “O sistema

constituído pelas três categorias – pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa – sofre uma

espécie de colapso gravitacional que principia pelo esmaecimento da separação entre condições da ação e mérito

da causa e prossegue no sentido de absorvê-las entre as preliminares do mérito, pondo em crise sua autonomia

frente ao direito material. No momento seguinte, atraídas pela força gravitacional irresistível do núcleo formado

pelo mérito, acabam as condições da ação entrando em estado de fusão com ele, até ponto em que já não mais se

distingue no fenômeno da extinção do processo as duas espécies primitivas – com e sem julgamento do mérito –

nem na coisa julgada as diferenças que lhes corresponderiam. O ponto máximo da desordem vai se observar na

implosão da regra de que a extinção do processo sem julgamento de mérito não obsta a que o autor intente de

novo a ação, já aí fragmentada em diversas interpretações entre si colidentes e irredutíveis a uma nova

organização do sistema.”. (BOTELHO DE MESQUITA; et all, 2007, p.12-13). 202

Art. 467. “Denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não

mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”. 203

Art. 468. “A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das

questões decididas.”. 204

Leal (2005m) aponta para a absoluta impropriedade da discussão sobre as hipóteses de incidência de coisa

julgada material ou formal. Para o citado o autor, o que o art. 5º, XXXVI, da CR/1988 determina é a

exigibilidade do agir definido na decisão jurisdicional, exigibilidade que garante a possibilidade de realizar no

mundo a conduta definida no julgado, mas de forma provisória até que outra decisão sobre o tema seja proferida.

Vale a pena citação literal de trecho de sua obra: “A garantia da coisa julgada, como acima exposto, não tem

escopo de gerar segurança, porque, no Estado Democrático, não é da segurança em si que se cogita como

fundamento dos atos jurídicos, mas da legitimidade obtida pelo processo jurídico que venha estabelecer a

segurança almejada [...].”. (LEAL, 2005m, p.04). E continua: “Assim, sentença de mérito pressupões obediência

ao direito fundamental do devido processo e este é que é objeto de expansão pela coisa julgada constitucional, ut

art. 5º, XXXVI, da CB/88, porque também criada pelo devido processo constituinte para esse fim. Portanto, não

é mais a sentença (ato judicacional do juiz) que adquire autoridade de coisa julgada, mas esta é instituto

impositivo do devido processo para tornar juridicamente existente, líquida, certa, exigível e eficaz (eficiente-

efetiva) a sentença de mérito transitada em julgado ou tornar inexigíveis e ineficazes os efeitos da sentença de

mérito transitada em julgado.”. (LEAL, 2005m, p.05). O que define a presença de coisa julgada, portanto, como

exigibilidade do definido na decisão, para o referido autor, é a presença da principiologia do processo (princípio

do devido processo legal) a informar todos os atos utilizados para sua construção, não havendo que se diferenciar

entre mérito e preliminares, para tanto.

99

substancial” e “interesse processual”, sendo este último uma das “condições da ação”. A

compreensão deste conceito permitirá a formulação da conjectura, apresentada no capítulo

final da presente pesquisa, quanto à possibilidade de inserção do Interesse Processual no

espaço do mérito.

Serão expostas, também, as várias acepções jurídicas adquiridas pelo Interesse

Processual dentro do Código de Processo Civil e suas divisões entre interesse de agir, de

contestar e de recorrer, bem como pelas idéias de interesse legítimo, moral e econômico.

O estudo do Interesse é essencial para a compreensão do papel relegado a este, no

Código de Processo Civil em vigor, como um anteparo ao acesso à jurisdição, tema que será

abordada no capítulo 5 da presente pesquisa. Ademais, a compreensão do vocábulo Interesse e

suas variantes são relevantes para buscar, no capítulo final deste estudo, uma perspectiva de

sua releitura a partir da teoria neo-institucionalista do processo, a fim de que assuma um papel

de instituto jurídico a potencializar a via democrática para construção dos critérios de

conviver entre as partes pelo Processo.

4.1 A idéia de Interesse a partir de Rudolf von Ihering

Lima Freire (2005, p. 19-20), em interessante pesquisa sobre a idéia de Interesse,

defende que este tem sua origem etimológica na expressão latina inter esse, o qual pode

significar tanto obstáculo quanto empenho em relação a algo que tenha utilidade, no sentido

de visar lucro, proveito, vantagem, conveniência, desejo, importância, ou necessidade para o

sujeito.

Esta também é a idéia defendida por Ihering (2002, p.39) ao visualizar o Interesse

como alavanca utilizada pela vontade dirigida à realização de uma finalidade. Nesse sentido,

as atitudes do indivíduo são os meios de se buscar a realização desta finalidade. As ações

poderão ser acertadas (adequadas) ou contraproducentes, de acordo com os meios que foram

eleitos buscar a realização finalidade eleita pelo indivíduo (2002, p.17-25).

Trabalha, por fim, com a idéia de que as finalidades são construídas por uma lei

natural que leva o ser humano, inevitavelmente, a procurar sempre o prazer e a evitar a dor,

tudo como prêmio e pena ao egoísmo de cada um dos indivíduos (IHERING, 2002, p.35). O

Interesse, para o autor, consistiria no pressuposto de cada ato jurídico, porquanto seria o

responsável por colocar a vontade do sujeito em movimento (2002, p.48), e o que forma esse

100

interesse é o sentimento egoísta de uma vantagem a partir do acesso a algum bem, mesmo que

para isso tenha de ser eliminado qualquer obstáculo que se coloque à frente205

.

A idéia utilitarista, segundo Lima Freire (2005, p.22) foi utilizada pelo Direito para

construir seu conceito de Interesse como produto de um juízo realizado pelo homem para

posicionar-se favoravelmente à satisfação de suas necessidades por meio de determinados

bens considerados úteis para este fim. Nesta linha, as necessidades estariam ligadas à idéia de

finalidade e os bens à idéia de meio.

Ihering entendeu que seria função do Estado a eleição dos interesses, como finalidades

a serem perseguidas pelos atos práticos, cuja realização seria garantida pela força cogente

institucionalizada, ou seja, por meio da utilização da violência física ou psicológica permitida

ao Estado dentro dos limites da legalidade. Desta idéia, a origem do conceito de interesse

jurídico, ou legítimo, como aquele relevante para o ordenamento jurídico. Direito aqui é o

interesse juridicamente protegido, através de um critério de valoração axiológica por parte do

legislador, buscando as finalidades que possam se adequar ao ideal de vida em comum206

.

O Estado, nessa visão, tem duas funções primordiais: a de eleger, através do

legislador, os interesses cuja relevância merece proteção, e a de ser o meio de realização dos

interesses através de seus órgãos coercitivos (IHERING, 2002, p.62; MACIEL JÚNIOR,

2006, p.23-24), mesmo que, para tanto, se utilize de violência física ou psicológica, que deve,

inclusive, ser conhecida e temida pela população (IHERING, 2002, p.104).

205

“O interesse, em sentido subjetivo, designa o sentimento que se tem em relação às condições para a vida. Se

me interesso por uma pessoa, por um objeto, por uma situação, é porque eu sinto que dependo dela, do ponto de

vista de minha existência ou do meu bem estar, de minha satisfação ou de minha felicidade. Os interesses são,

pois, as condições da vida em seu sentido lato. O sentido do qual tomamos aqui a noção de condição da vida é

completamente relativo; o que para um constitui parte da vida em sua plenitude, quer dizer, o bem-estar, está

desprovido de todo valor para o outro. [...] Como os interesses do povo se modificam também, é o Direito, cuja

missão consiste precisamente em assegurar pela coação exterior das condições indispensáveis para a vida em

sociedade. A medida dos interesses é, portanto, variável, e seria realmente desconhecer por completo a

importância do assunto, pretender tratar abstratamente a questão dos interesses que devem ser protegidos

juridicamente, como se fosse possível dar a mesma solução para todos os ovos e para todos os tempos. [...]”.

Tradução livre da versão argentina: “El interes, em el sentido subjetivo, designa el sentimiento que se tiene de

las condiciones de la vida. Si me intereso por una persona, por um objeto, por una situación, es porque yo siento

que dependo de Ella, desde el punto de vista de mi existencia o mi bienestar, de mi satisfacción o de mi

felicidad. Los intereses son, pues, las condiciones de la vida em su sentido lato. El sentido em el cual tomamos

aqui la noción de la condición de la vida, es completamente relativo; lo que para uno constituye parte de la vida

en su plenitud, es decir, el bienestar, está desprovisto de todo valor par otro. [...] Con los intereses del pueblo se

modifica también el Derecho, cuya misión consiste precisamente em asegurar por la coacción exterior las

conciones indispensables de la vida em la sociedad. La medida de desconocer por completo la importancia del

asunto, el pretender tratar abstractamente la cuestión de los intereses que se deben proteger jurídicamente, como

si fuera posible llegar a la misma solución para todos los pueblos y para todos los tiempos. [...].”. (IHERING,

1974, p.143). 206

“[...] A concepção de que o direito parte, é a de que cada uma das partes pensa no proveito próprio, cada uma

se esforçando no sentido de explorar em seu favor o desfavorecimento da situação de outra. [...].”. (IHERING,

2002, p.99)

101

A coação é vista pelo autor alemão como o meio mais eficaz de realização do fim

eleito, através de constrangimento da vontade alheia, sendo o Estado e o Direito os

responsáveis por sua organização e limitação, através de regras (IHERING, 2002, p.165-166).

O Direito seria, neste quadro, aquele que, elegendo os interesses relevantes para manter a

coesão social, realiza a paz pela organização do uso da força (IHERING, 2002, p.171). O

Direito, portanto, para o autor, é construído como meio de organização da violência207

.

O interesse juridicamente relevante, por ter sido aquele eleito para ser digno de receber

a proteção estatal, deve ser aquele que traz mais vantagens para a sociedade como um todo208

.

E, uma vez impossibilitada sua satisfação, no sentido de necessidade individual não realizada

por resistência apresentada por outrem, surge o direito subjetivo do lesado, que vai impor ao

Estado a obrigação de eliminação, até mesmo pela força, de todos os obstáculos. Essa é a

idéia tradicional de tutela jurisdicional como entrega do bem da vida, objeto do direito

subjetivo. Logo, haveria pela legislação, chamada de direito objetivo, a eleição das

necessidades a serem atendidas.

O que se percebe da visão de Ihering é que ele parte de premissas essencialistas. Em

primeiro lugar, de uma “lei de finalidade” que moveria todos os atos do homem, cuja

motivação sempre seria a incessante busca de vantagens para ter acesso aos bens, ou seja, pela

cultivação de um sentimento egoístico. Para tanto, num ambiente em que cada um só pensa

em si, o Direito só poderia estabilizar as relações intersubjetivas pelo amedrontamento,

evitando a formação da vontade, ou combatendo os atos a ele contrários, através da utilização

de meios violentos.

A “lei da finalidade” formulada por Ihering é idéia que ainda está presente na ciência

processual, visto que o conceito tradicional de interesse processual é construído, conforme

veremos abaixo, a partir deste sentimento egoístico de busca, a qualquer preço, por uma

posição de vantagem perante a um bem, pela eliminação do obstáculo que, geralmente, é o

outro indivíduo.

Uma sociedade constituída com base num sentimento de egoísmo a determinar todas

as ações humanas é facilmente identificável, conforme os critérios apontados no capítulo

207

“Em caso extremo, a força pode viver sem o direito, o que já tem demonstrado efetivamente. Entretanto, o

direito sem a força não passa de um nome vazio sem qualquer realidade, porquanto somente a força, ao realizar

as normas do direito, faz dele aquilo que ele é e deve ser. Se a força não houvesse desbravado o caminho para o

direito, quebrando, com punhos de ferro, a vontade opositora da resistência, habituando o homem à disciplina, à

obediência, ignoro como o direito poderia ter edificado seu reino em outro solo senão de areia movediça. [...].”.

(IHERING, 2002, p.177) 208

“[...] Ao interesse do egoísmo individual tem a sociedade não só legitimidade, como obrigação de impor seu

próprio interesse. [...].”. (IHERING, 2002, p.104).

102

primeiro da presente pesquisa209

, com a idéia que Popper (1998a e 1998b) traz de sociedade

fechada. A “lei da finalidade” impede que se imagine a possibilidade de o homem agir

fundamentado em sentimentos abnegados, nem que possa ter como o objetivo que impulsiona

suas atitudes no mundo o esclarecimento e evolução de seu conhecimento pessoal. Só

imaginou o autor alemão, que o fato de ser humano envolve a maldição de ser escravo do

próprio desejo de satisfação a todo custo, nunca pensando no outro.

A teoria de Ihering de que o homem é só movido por um sentimento egoísta de atingir

vantagens a todo custo, e que o Interesse seria produto desta “lei da finalidade”, foi utilizada

pelo direito processual, conforme as idéias dos autores que serão analisados nos itens abaixo,

em especial do alemão Adolf Wach, do italiano Enrico Tullio Liebman e seus respectivos

discípulos. Para tanto, discorrer-se-á, a partir de agora, sobre as várias distinções do vocábulo

“interesse” no direito processual, com destaque para os momentos de “formação do interesse

substancial” e do “interesse processual”, para só depois analisar as três acepções que este

último tem recebido, seja como interesse de “agir”, “contestar” ou “recorrer”, dando especial

destaque ao primeiro que, na doutrina tradicional é identificado como condição da ação.

4.2 As várias distinções na idéia de Interesse na ciência do processo

O conceito de Interesse tem suas bases vinculadas à noção desenvolvida por Ihering,

como autorização para agir a partir da demonstração que a conduta desejada se dá com base

na busca por uma posição de vantagem. Quando visualizado, a partir do ponto de vista do

autor-demandante, será considerado como “condição da ação”.

Anota-se que a inclusão do Interesse Processual como “condição da ação”,

principalmente após os estudos de Dinamarco (2002), não parte apenas da idéia de

bilateralidade entre “ação” e “defesa”210

, ou seja, da viabilidade da consecução da vantagem

almejada pelo autor (interesse de agir) no atendimento de seu pedido, ou do ponto de vista do

réu (interesse em contestar), que não teria a mínima vontade de suportar o custo do processo.

O Interesse Processual também será examinado pelo ponto de vista do Estado de forma que

este também teria de obter vantagem do encaminhamento de uma pretensão para análise de

seu representante, o magistrado.

209

Conferir item 2.2 deste trabalho. 210

Conferir, sobre essa, o que foi explanado no item 3.1.1.

103

Todas essas acepções dão o contorno atual à positividade brasileira e, assim, serão

agora analisadas nos itens que se seguem. Anota-se, aqui, que o exame sugerido dar-se-á pela

reflexão a partir da adequação de cada uma das construções teóricas e legislativas abordadas

em relação ao modelo democrático de vivência instituído pela Constituição de 1988.

4.2.1 Interesse substancial

É muito comum a divisão da idéia de Interesse em dois momentos distintos211

. Fala-se

em um interesse que surge para a formação do direito subjetivo material, denominado de

interesse primário. Esse seria a posição de vantagem desejada em relação a um bem da vida e

teria aptidão para a formação do direito subjetivo se estivesse o ato que se quer praticar para a

fruição de tal bem dentro de um padrão de licitude previsto na norma.

O interesse primário, se juridicamente relevante, portanto, seria o responsável pela

formação do direito subjetivo material, ou melhor, o seu “núcleo” (LIMA FREIRE, 2005,

p.144). Para tanto, este interesse pessoal deveria estar acorde com o interesse da coletividade,

identificável no texto da legislação. A lei teria este papel primordial: através do legislador

elegem-se os interesses a serem protegidos pelo Estado, no sentido de se criar meios a fim de

garantir a fruição do bem da vida a que o autor, através de seu desejo, gostaria de ter acesso.

Para Liebman (2003, p.139), o interesse primário forma o conteúdo do direito

subjetivo deduzido pelo demandante.

O que se percebe desta construção é que a vontade de fruição de um bem, a partir dos

estudos de Ihering, assume papel de formadora da noção de interesse, ponto de partida para o

surgimento do direito subjetivo como o interesse juridicamente relevante. Uma vontade

individual que poderia realizar no mundo prático da vivência seria aquela chancelada pelo

211

Essa, por exemplo, é a sugestão de Moacyr Amaral Santos que, pela clareza, merece ser citada literalmente:

“O direito de agir, direito de ação, já o dissemos, é distinto do direito material a que visa tutelar. A ação se

propõe a obter uma providência jurisdicional quanto a uma pretensão e, pois, quanto a um bem jurídico

pretendido pelo autor. Há, assim, na ação, como seu objeto, um interesse de direito substancial consistente no

bem jurídico, material ou incorpóreo, pretendido pelo autor. Chamamo-lo de interesse primário.”. (2007, p.178).

E continua: “Mas há um interesse outro, que move a ação. É o interesse em obter uma providência jurisdicional

quanto àquele interesse. Por outras palavras, há o interesse de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do

Estado, para que este tutele o interesse primário, que de outra forma não seria protegido. Por isso mesmo o

interesse de agir se confunde, de ordinário, com a necessidade de se obter o interesse primário ou direito material

pelos órgãos jurisdicionais.”. (AMARAL SANTOS, 2007, p.178). Ainda, vale a pena lembrança de que esta

divisão do interesse em dois momentos já remonta à obra de Carnelutti (2002), Satta, Redent, José Frederico

Marques e Arruda Alvim, apenas a título do exemplo que traz Lima Freire (2005, p.143-146).

104

texto da lei, o que só poderia se dar com o exercício da atividade racional de subsunção,

percebendo-se a incidência da norma sobre o desejo, visualizando se este se encontra dentro

de um padrão de licitude.

Mas tal atividade, num primeiro momento, para a formação do simples interesse

pessoal, seria individual do sujeito desejante: para adquirir seu aspecto jurídico, como o

desejo selecionado e, assim, adjetivado com o aspecto da relevância, seria necessária

interpretação de um terceiro que pudesse oficializar a forma de se identificar tal direito

subjetivo, principalmente em se tratando de uma situação de conflito. Este terceiro seria o juiz

que, para a posição tradicional, é o interprete da lei mais qualificado intelectual e eticamente,

pelo desenvolvimento rotineiro da virtude da imparcialidade212

.

Da situação de obstacularização pelo outro à realização do interesse primário, seja pela

resistência, seja pela simples insatisfação por uma abstenção, surgiria a chamada “lide”, como

conflito de pretensões (CARNELUTTI, 2000, p.93). Essa é o ponto base para o

desenvolvimento da idéia de Interesse Processual, ligado ao direito subjetivo processual de

ação213

, como um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de se obter uma providência

jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão (AMARAL SANTOS,

2007, p.178).

Tal interesse substancial pode assumir, ainda, contornos de interesse jurídico, de

interesse meramente moral, ou interesse meramente econômico. Só o primeiro seria capaz de

gerar, como regra, o interesse processual, enquanto que os demais não.

O aspecto econômico do interesse envolve a fruição de um bem desejado pelo sujeito

que seja traduzível em uma expressão pecuniária, o que, para Ihering (1974) é apenas um dos

aspectos do interesse pessoal protegido pelo direito. Se a fruição deste bem trouxer uma

elevação pecuniária no patrimônio do sujeito, pode-se dizer que se está diante de uma

vantagem econômica e, portanto, de um interesse econômico.

O que se critica desta visão é que ela é formada, principalmente, a partir de uma

reflexão sob o ponto de vista do modo de produção capitalista. Segundo Leal, a exacerbação

da busca por bens de valorização pecuniária tem gerado o extermínio gradual daqueles que

são excluídos sociais, por serem despatrimonializados. Esse extermínio apenas visa redução

212

Conferir, sobre o tema da jurisdição vinculada à figura do julgador e, portanto, confundindo-se com

“judicação”, o item 4.1.1.2 supra, no qual será analisada, inclusive, a tese da melhor preparação do magistrado,

como o “intérprete autorizado” pela investidura no cargo. 213

“Basta considerar que o exercício do direito de ação, para ser legítimo, pressupõe um conflito de interesses,

uma lide, cuja composição se solicita do Estado. Sem que ocorra a lide, o que importa numa pretensão resistida,

não há lugar à invocação da atividade jurisdicional. O que move a ação é o interesse na composição da lide

(interesse de agir), não o interesse em lide (interesse substancial).”. (AMARAL SANTOS, 2007, p.178-179).

105

das perdas do modo de produção capitalista e, sob este ponto de vista, o juiz, ao dizer o direito

em nome do Estado, representa apenas os civis patrimonializados e transforma as partes em

meros consumidores de uma prestação jurisdicional214

(LEAL, 2005k, p.8).

O aspecto moral do interesse, por sua vez, envolveria uma posição pessoal de

vantagem na fruição de um bem da vida que, não, necessariamente, seria monetariamente

valorizável. Seria a simples situação de satisfatividade pelo acesso a um bem, mesmo que

dissociado de elevação pecuniária do patrimônio do indivíduo.

Ambos então, o interesse moral e o interesse econômico, se enquadrados dentro de um

padrão de licitude, a partir da eleição pelo legislador, são os responsáveis pela formação do

interesse substancial, no direito brasileiro, responsável pela formação do direito subjetivo. A

falta deste interesse seria auferível no espaço do mérito e levaria à improcedência do pedido

(DIDIER JÚNIOR, 2005, p.281).

Cumpre ressaltar que o interesse substancial encontra abrigo em algumas regras

procedimentais do Código de Processo Civil Brasileiro. Anota-se, a título de exemplo, a

necessidade de demonstração de interesse “jurídico”215

para o acesso de terceiros, não

envolvidos originalmente na discussão encaminhada nos autos, figura conhecida como

“assistência” (art. 50, caput216

, do CPC), ou mesmo pela demonstração de um interesse moral

ou econômico a autorizar a participação de terceiros pela regra do amicus curiae217

.

214

Conferir sobre o tema, o item 5.1.1.3 supra que tratará da suposta “relação de consumo” entre cidadão e

função jurisdicional do Estado. 215

“O interesse, que legitima o terceiro a agir como assistente de uma das partes, conquanto não seja um simples

interesse de fato, mas um interesse jurídico, não se confunde com direito seu, que não está em lide. O assistente

intervém fundado no interesse jurídico, que tem, de que a sentença não seja proferida contra o assistido, porque

proferida contra este poderia influir desfavoravelmente na sua situação jurídica. [...].”. (AMARAL SANTOS,

2008, p.51) 216

Art. 50. “Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a

sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.”. 217

Intervenção de terceiros, próxima da assistência, mas baseada não em um interesse jurídico, mas moral ou

econômico quando a questão for socialmente relevante. Ela é utilizada, em nossa legislação, no incidente de

declaração colegiada de inconstitucionalidade em controle difuso na via ordinária de recursos (art. 482, §3º, do

CPC), bem como no controle concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade (art. 7º, §2º, da Lei

9.868/1999), todas por provocação do relator. Além dessas hipóteses, existe a possibilidade de intervenção do

“amigo da corte” nos pedidos de uniformização de interpretação de lei federal por Turmas Recursais federais,

cabe a citada intervenção de terceiro, por iniciativa da parte interessada no resultado do referido julgamento,

conforme expressamente preceitua o art. 14, §7º, da Lei 10.259/2001, que regulamenta os Juizados Especiais

Federais.

106

4.2.2 Interesse processual

Da insatisfação do “interesse substancial”, surgiria o Interesse Processual. Este seria,

portanto, dependente do fato da presença de um obstáculo imposto pelo outro e, portanto,

seria secundário e instrumental, pois envolveria o desejo de assumir uma posição de vantagem

pela superação do empecilho, utilizando-se, pela proibição da vingança privada, da função

jurisdicional do Estado218

.

O interesse processual, assim como o substancial, seria identificável na causa de pedir

contida no texto pretensional cartularizado na petição inicial. Na técnica de sua elaboração,

prevista no art. 282, III219

, do CPC, envolve o capítulo dos “fatos” e a atividade intelectual de

subsunção nos “fundamentos jurídicos” do pedido, uma vez que se trabalha aqui com uma

mitigação do adágio iura novit curia pela adoção do princípio da substanciação220

. São nestes

capítulos do texto encaminhado pelo autor (petição inicial) é que este deverá demonstrar os

dois elementos pelos quais se forma a noção de interesse processual: a necessidade de

utilização da função jurisdicional para remoção do obstáculo apontado, além da utilidade da

218

“O interesse de agir é portanto um interesse processual, secundário e instrumental com respeito ao interesse

substancial primário, e tem por objeto o provimento que se pede ao magistrado, como meio de obter a satisfação

do interesse primário, lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela situação de

fato objetivamente existente. Por exemplo, o interesse primário de quem se afirma credor de 100 é obter essa

soma; o interesse de agir surgirá se o devedor não pagar no vencimento terá por objeto a condenação do devedor

e a sucessiva execução forçada contra o seu patrimônio.”. (LIEBMAN, 2003, p.139). 219

Art. 282. “A petição inicial indicará: [...] III – os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido; [...].”. 220

Fritz Baur, em interessante estudo sobre o tema em face do direito alemão, afirma que a origem do citado

adágio é incerta e ele tem sido utilizado, comumente, à falta de argumentos reais para justificar o seu significado

como sendo o de “o juiz sabe o direito”. Anota que sua provável origem ocorreu no direito romano pós-clássico,

com o nascimento de uma magistratura especializada, e tem assumido várias interpretações como a de que as

normas jurídicas não precisam de prova; a de que as partes não precisam passar pela atividade de subsunção

(narra nihi factum, narro tibi ius); que o juiz não está vinculado à opinião das partes; ou que o juiz é o dono da

lei. O autor alemão afirma que o adágio não tem aplicação no direito moderno alemão em face da redação do §

296 do ZPO, que obriga o magistrado a decidir apenas após discussão das questões fáticas e jurídicas com as

partes, o que lhe retira, assim, a titularidade única sobre a sapiência da interpretação da lei. Dessa forma, fica

vinculado à parcela da controvérsia demarcada pelas partes a fim de que profira sua decisão, podendo, inclusive,

apresentar argumentação contrária em pontos de consenso na interpretação da lei, desde que submetida a novo

debate pelas partes (BAUR, 1976. p.169-177). Na positividade brasileira em vigor, a questão não deixa de ser

vultuosa e atual, visto que, para o juiz, há limitações legislativas à sua decisão que deverá ser a respeito das

questões controvertidas das partes, inclusive quanto à interpretação do direito, conforme o previsto no art. 458,

II, do CPC, interpretação que é requisito de inteligibilidade tanto do pedido do autor, quanto do réu, conforme

dicção dos artigos 282, III, e 300, ambos do mesmo Código. O princípio da substanciação consiste justamente

nisto: na necessidade de as partes apresentarem a sua interpretação jurídica sobre a licitude dos atos que

pretendem praticar, a fim de tentar esclarecer, tanto o outro, quanto ao tertius, dos fundamentos de sua pretensão

que se quer tornar legítima. Sobre o tema, conferir ainda estudo da lavra deste subscritor, no qual é defendida a

tese que de que a obrigatória análise de todas as alegações das partes nos autos, no texto das decisões

jurisdicionais, aplicando a estrutura já prevista na procedimentalidade em vigor, é técnica eficaz para

operacionalização da democracia pelo processo, aumentando, assim, o grau de legitimidade dos julgados (REIS,

2008a e 2008b).

107

providência que se pede para a fruição do bem da vida desejado. Estes são a base para a

definição do conceito de um dos aspectos do interesse processual: o interesse de agir.

Há ainda que se destacar que tem este interesse processual sido subdividido em vários

outros, a partir do ponto de vista observado. Em relação ao demandante, visando à discussão

da idoneidade da pretensão por este encaminhada, é chamado de interesse de agir; em relação

ao demandado, em interesse em contestar; em relação ao sucumbente, em interesse em

recorrer. Liebman chega até mais longe ao afirmar que o interesse é base para formação de

todos os direitos subjetivos processuais, como o é dos direitos subjetivos materiais221

.

Vejamos, agora, o interesse sob o ponto de vista do demandante e sob o ponto de vista

do demandado, ou seja, o interesse de agir e de contestar, visto que estes são os que darão

acesso, ou impedirão, dentro da teoria de Liebman, à possibilidade de construção racional de

um caminho para a fruição do bem da vida obstacularizado pela atuação do outro.

4.2.2.1 Interesse de agir

Para Liebman, o interesse de agir é o interesse processual do ponto de vista do autor,

sendo o elemento material do direito de ação (2003, p.139), não explicando, porém, o que

seria este “elemento material”.

Envolve o interesse em obter a providência requerida, devendo ser esta uma posição

de vantagem em relação à situação fática anterior ao encaminhamento do pedido. É diverso do

interesse substancial, por ser instrumental, ou seja, ser um interesse de proteção deste outro,

através da utilização da ação222

. Seu objeto é a tutela, provimento, sentença, requerida ao

magistrado, como meio de obtenção da satisfação do interesse primário lesado pelo

comportamento do adversário (LIEBMAN, 2003, p.138-139), superando, portanto, o conflito

extraprocessual pela medida a ser realizada por meio do Estado.

221

“O interesse é um requisito não só da ação, mas de todos os direitos processuais: direito de contestar, isto é,

de se defender [...], direito de impugnar uma sentença favorável etc.”. (LIEBMAN, 2003, p.140). 222

“Em conclusão o interesse de agir é dado pela relação entre a situação antijurídica que vem denunciada e a

decisão que se pede para lhe por remédio, mediante a aplicação do direito, e esta relação deve consistir na

utilidade do provimento, como meio de reparar o interesse lesado a proteção fornecida pelo direito. [...].”.

(LIEBMAN, 2003, p.140).

108

Não existindo um conflito prévio, não haveria, portanto o interesse de agir, por não

haver obstáculo a ser superado pelo Estado223

. Daqui começou a discussão, aprofundada

atualmente por Dinamarco quando do desenvolvimento da tese da construção do aspecto

econômico do interesse de agir, sob o ponto de vista do Estado, imaginando o mencionado

processualista que, se a pretensão encaminhada for de valor inferior ao das custas, não ficar

demonstrada qualquer utilidade no acesso da estrutura da função jurisdicional do Estado, será

economicamente inviável224

.

Tal teoria tem sido responsável pela criação de técnica de especialização de

procedimentos e vedação do uso de alguns em relação ao valor da causa, conforme se pode

ver pelo art. 94, I225

, da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005), ao

vedar a utilização do procedimento se o valor pecuniário da dívida for inferior a 40 (quarenta)

salários mínimos, além da criação de procedimentos diferenciados a partir dos efeitos

econômicos do pedido, conforme se vê pela Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais). Conforme

veremos adiante, esta teoria tem sido positivada com muita ênfase em relação ao acesso aos

atos procedimentais da fase recursal do procedimento, através, principalmente, do pressuposto

recursal da repercussão geral226

, a lembrar a triste memória da argüição de relevância dos

tempos da ditadura militar227

.

223

“[...] A existência do conflito de interêsses (sic) fora do processo é a situação de fato que faz nascer no autor

interêsse de pedir ao juiz uma providência capaz de resolver. Se não existe o conflito ou se o pedido do autor não

é adequado para resolvê-lo, o juiz deve recusar o exame do pedido como inútil, anti-econômico e dispersivo.”.

(LIEBMAN, 1947, p.141). 224

“[...] Prometendo exercer a jurisdição, o Estado o faz antes de tudo com visto ao seu próprio interesse de

pacificação social e manutenção da ordem político-jurídica; ele o faz, então, limitadamente aos casos em que,

segundo seus critérios insondáveis e soberanos, a utilidade do provimento esperado possa ser de maior

significado social e político que o custo social do próprio processo [...]”. (DINAMARCO, 2002, p.414) E

continua o mesmo autor: “A ausência do interesse de agir é sempre resultado de um juízo valorativo

desfavorável feito discricionariamente na lei sempre que, a seu juízo insondável pelo juiz (apenas interpretado

racionalmente), a atividade preparatória do provimento custe mais, em dinheiro, trabalho ou sacrifícios, do que

valem as vantagens que dele é lícito esperar”. (DINAMARCO, 2002, p. 419). 225

Art. 94. “Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga, no

vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o

equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência; [...].”. 226

A repercussão geral é pressuposto recursal inserido em nossa positividade pela Emenda Constitucional

45/2004, responsável pela chamada “Reforma do Judiciário”, que inseriu no texto constitucional o novo §3º, do

art. 102. Tal dispositivo, por sua vez, passou a ter aplicabilidade real em nossa positividade com a entrada em

vigor da Lei 11.418/2006, responsável por adicionar ao CPC os artigos 543-A e 543-B do CPC. Esse pressuposto

tem por objetivo apenas o encaminhamento, ao STF (Supremo Tribunal Federal), em juízo do órgão judiciário, a

relevância das questões contidas em seu pedido de revisão ou invalidação da decisão recorrida, tanto do ponto de

vista econômico, político, social ou jurídico, de forma a ultrapassar os interesses subjetivos da causa. Trabalha-

se, neste pressuposto, com atividade de absoluta retórica e de perigosa abertura à discricionariedade do órgão

julgador, o responsável por selecionar o que seria relevante. 227

Na vigência da Constituição de 1967, com a redação da Emenda 03/1975, foi criado recurso para discussão

das restrições regimentais do STF aos recursos extraordinário, chamado de argüição de relevância da questão

federal. O julgamento de tal pedido de revisão se dava, segundo a norma regimental vigente à época, de forma

secreta e sem motivação, com julgamentos de centenas de recursos em sessões a portas fechadas, sem a presença

das partes e de seus advogados. (BRÊTAS C. DIAS, 2004a, p.152).

109

O conflito, portanto, envolve o aspecto da necessidade no interesse de agir e, como já

visto, é identificado na causa de pedir remota (LIEBMAN, 1947, p.131), ou seja, no fato de

obstacularização de acesso ao bem da vida cujo interesse primário foi frustrado. Só havendo,

portanto, lesão ao interesse material juridicamente protegido e, portanto, ao direito subjetivo,

é que seria a pretensão do autor passível de análise por parte do juiz, só podendo, nestas

condições, ser acessada a função jurisdicional do Estado. Destarte, a necessidade para

Liebman, envolveria a lesão ao direito subjetivo material, acrescida da idoneidade da decisão

que se pede para a satisfação do autor228

(LIEBMAN, 2003, p.139). Dessa idoneidade,

inclusive, foi desenvolvido o segundo aspecto do interesse, a utilidade, como veremos a

seguir.

Para Wach, ainda, na ação declaratória, seja positiva, seja negativa, a idéia de interesse

envolveria dúvida de um terceiro sobre a real interpretação do direito ao caso concreto229

,

porque na ausência desta, não poderia o autor ocupar o tempo do Judiciário com simples

questionamentos.

Atualmente, há grande discussão nos tribunais brasileiros a respeito desta questão de

qual seria o alcance do significado de “necessidade” no interesse de agir. Anota-se que a

posição majoritária a de que o Judiciário não se presta ao atendimento de simples consultas

das partes. A tese, inclusive, encontra reflexos na desvinculação da sentença aos argumentos

produzidos pelas partes, na idéia de que esta não seria um “laudo pericial” a responder todos

228

“O interesse de agir surge da necessidade de obter do processo a proteção do interesse substancial; pressupõe

por isso a lesão deste interesse e a idoneidade da decisão pedida para protegê-lo e satisfazê-lo. Seria de fato inútil

examinar a demanda para conceder (ou negar) o provimento pedido, caso na situação de fato que vem exposta

não seja afirmada uma lesão de direito ou interesse imputada à parte contrária, ou se os efeitos jurídicos que se

esperam do provimento tenham sido de qualquer forma já conquistados, ou se o provimento for por si mesmo

inadequado ou inidôneo para reparar a lesão, ou enfim se o provimento pedido não pode ser pronunciado, porque

não admitido pela lei (por exemplo, a prisão do devedor). Naturalmente o reconhecimento da existência do

interesse de agir não significa ainda que o autor tenha razão: quer dizer apenas que sua demanda apresenta as

exigências para ser examinada; e ao mérito, não ao interesse de agir, pertencem as questões de fato e de direito

relativas ao fundamento da demanda, isto é, à conformidade com o direito da proteção jurídica que se pretende

para o interesse substancial.”. (LIEBMAN, 2003, p.139). 229

“[...] Por sua parte, a incerteza subjetiva sobre a situação jurídica existente, constitui a verdadeira causa da

declaração. Ela não concebida com uma dúvida do próprio titular do direito, se bem que esta última também é

possível, pois ela se apresenta como ação declarativa afirmando positivamente seu direito. É a incerteza que

alcança a situação jurídica ao apresentar-se para um terceiro, a partir do ponto de vista deste. O interesse exigido

pela lei está no prejuízo que causa a impossibilidade de prever o próximo desenvolvimento das coisas, na

incerteza a respeito de como se resolverá num futuro juízo, a influência prejudicial que no momento respectivo

exerce esta situação duvidosa sobre o autor que demanda por declaração judicial [...].”. (WACH, p.111)

Tradução livre da edição argentina: “[...] Por su parte, la incetidumbre subjetiva sobre la situación jurídica

existente, constiuye la verdadera causa de la declaración. Ella no es concebible como una Duda del propio titular

del derecho, si bien esta última es también posible, pues Ella se presenta con la acción declarativa afirmando

positivamente su derecho. Es la incertidumbre con la llega a presentarse la situación jurídica desde el punto de

vista de terceros. El interes exigido por la ley está em el perjuicio que causa la imposibilidad de prever el

próximo desarrollo de las cosas, la incertidumbre respecto de cómo ser resolverá un futuro juicio, la influencia

perjudicil que en el momento respetivo ejerce esta situación dudosa sobre el actor que demanda por declaración

judicial [...].”.

110

os quesitos apontados pelos participantes do procedimento230

. Mas há, no nível

jurisprudencial, uma abertura na citada regra em se tratando de interpretação de cláusula

contratual, conforme se vê pelo texto da Súmula 181231

do STJ, além das exceções legais

referentes às questões eleitorais (DIDIER JÚNIOR, 2005, p.283) o que torna, no mínimo,

contraditória a tese da vedação a consultas.

Já na ação condenatória, para o processualista alemão, o Interesse estaria vinculado à

presença do direito subjetivo exigível, situação como visto superada por Liebman que, ao

diferenciar o interesse de agir do mérito, afirmava que bastava a alegação da lesão ao direito

subjetivo substancial para a configuração do Interesse.

De outro lado, a necessidade no interesse, também, tem sido abordada, conforme se vê

em Lima Freire (2005, 182-183), como a exigência de que o Judiciário seja a última ou a

única forma de eliminação do obstáculo apontado pelo autor. Esse argumento, porém, tem

sido temperado em relação ao entendimento de que o princípio do acesso é incondicionado e,

portanto, não é necessário o esgotamento das vias administrativas (e sua prova), para que

“surja” o direito de ação da parte por ser o Judiciário imprescindível para a resolução do

problema232

. A única exceção legal é o art. 217, §1º233

, da CR/1988, nas questões relativas ao

desporto.

A “utilidade”, por sua vez, envolve a aptidão da providência requerida pelo autor

atingir o resultado por este desejado conforme o exposto no texto da petição inicial (DIDIER

JÚNIOR, 2005, p.282; LIMA FREIRE, 2005, p.198). A utilidade é encontrada na análise

comparativa do texto da causa de pedir com o texto do pedido. Seria a aptidão do objeto

mediato do pedido em satisfazer o desejo do autor. Mas desejo juridicamente relevante, por

seu atendimento envolver conduta prevista dentro do padrão de licitude conferido pela

legislação.

Assim, Liebman, com a revogação da proibição do divórcio na Itália, acabou por

incluir a possibilidade jurídica dentro do Interesse Processual, visto que a pretensão fora do

padrão de licitude não poderia ser atendida e, assim, seu encaminhamento seria absolutamente

230

É a posição que assumiu, por exemplo, o Ministro Fraciulli Netto, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no

REsp (Recurso Especial) de número 215.625, publicado em 2001, ao afirmar que a função do Tribunal é a de

compor o litígio, não devendo se preocupar em ser peça acadêmica ou doutrinária, tampouco destinando-se a

responder os argumentos das partes à guisa de quesitos, como se laudo pericial fosse (REIS, 2008b, p.888). 231

Súmula 181 do STJ. “É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de

cláusula contratual.”. 232

Essa posição é, inclusive, pacífica no nível jurisprudencial desde a edição da Súmula 89 do STJ, in verbis: “A

ação acidentária prescinde do exaurimento da via administrativa.”. 233

Art. 217. “[...]. §1º. O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas

após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas por lei. [...].”

111

inútil234

. A utilidade é vista, assim, como regra, pelo ponto de vista do demandante, no sentido

de possibilidade de atendimento do pedido formulado. Este, porém, deve ser rejeitado

liminarmente se se mostrar manifestamente inviável, por estar fora do padrão de licitude,

conforme prevê, inclusive, o art. 295, I e parágrafo único, III235

, do CPC. Tal dispositivo legal

tem a função, portanto, de anunciar que petição inicial formulada com tal vício é taxada de

inepta, ou seja, inapta para produzir os efeitos desejados pelo autor da ação.

A utilidade envolve, portanto, a idoneidade do pedido apresentado pelo demandante,

ou melhor, da fruição do objeto mediato do pedido. Para tanto, se a lei trouxer especializações

para o procedimento que vise esse atendimento, através das “ações especiais”, bem como das

“extravagantes”, o texto da petição inicial deverá estar adequado, inclusive, à técnica

específica exigida pela lei.

É isso o que a literatura jurídica tem chamado de aspecto da adequação do interesse

processual, porquanto baseado no princípio da infungibilidade das ações e da falta de

liberdade da parte na escolha do módulo procedimental a ser utilizado para abertura de um

processo de análise da pretensão apresentada à jurisdição236

. Seria o aspecto “formal” do

interesse, no sentido da linguagem em que ele foi encaminhado se foi àquela prevista na

legislação, causa, inclusive de indeferimento liminar oficioso da petição inicial, a teor do que

dispõe o art. 295, V237

, do CPC.

234

“Quando Liebman elaborou sua doutrina sobre as condições da ação, tinha como único exemplo da

impossibilidade jurídica do pedido a pretensão de divórcio, que extinguiria o vínculo do casamento. Com a

superveniência de norma legal na Itália permitindo o divórcio, o mestre peninsular acabou por abandonar esse

requisito como condição da ação, mencionando já a partir da 3.ª edição de seu Manuale di diritto processuale

civile, v. I, apenas a legitimidade das partes e o interesse processual como requisitos para que o juiz possa

examinar o mérito.”. (NERY JÚNIOR, 1991, p.37). Figueira Júnior traz, também, interessante observação sobre

o tema: “Atualmente a doutrina italiana é praticamente unânime em acolher a teoria binômica das condições da

ação, sem atribuir relevância à possibilidade jurídica, que é considerada matéria pertinente ao interesse de agir.”.

(1993, p.346). E continua o autor: “Dentro dessa concepção, o autor não pode apresentar qualquer interesse se

não existir precedentemente uma norma que garanta o pronunciamento sobre a providência requerida. A

possibilidade jurídica não chega a ser propriamente desconsiderada; perde, contudo, sua verdadeira importância

como condição autônoma, terminando por ser analisada limitadamente sob a perspectiva do interesse de agir.”.

(FIGUEIRA JÚNIOR, 1993, p.37). 235

Art. 295. “A petição inicial será indeferida: I – quando for inepta; [...]. Parágrafo único. Considera-se inepta a

petição inicial quando: [...] III – o pedido for juridicamente impossível; [...].”. 236

“O traçado do quadro dos procedimentos em dada ordem jurídico-processual, acompanhado da minuciosa

definição das causas a serem processadas segundo cada um eles, é regido por razões de ordem pública que se

impõem à vontade das partes e prevalecem sobre ela, ainda quando estejam de acordo. Essa é uma característica

das normas processuais cogentes, não-dispositivas. Para a boa ordem dos serviços judiciários, o Estado quer que

seus juízes exerçam uma função que é sua – a jurisdição – pelos modos que ele indica na lei e não como

preferirem os particulares. Daí a indisponibilidade dos procedimentos, que é um ponto verdadeiramente fixo na

teoria e na disciplina destes.”. (DINAMARCO, 2004, p.337-338). 237

Art. 295. “A petição inicial será indeferida: [...] V – quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não

corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se

ao tipo de procedimento legal; [...].”.

112

Essa especialização, inclusive, é defendida com ardor pelos autores da escola

instrumentalista do processo, como forma de buscar a efetividade do direito material. Aqui há

a criação de técnicas diferenciadas para sua fruição do direito material adaptadas às suas

características particulares (BEDAQUE, 1997).

A especialização de procedimentos também envolve uma idéia de tipicidade, ou seja,

de previsibilidade legal de procedimentos específicos para a fruição de cada direito material, o

que não deixa de ser um retorno à idéia trazida pela regra do art. 75 do revogado Código Civil

de 1916. Há, porém, de se destacar que, no ordenamento jurídico brasileiro atual, sempre

existe a possibilidade de utilização do procedimento ordinário, como forma residual de

encaminhamento das pretensões, conforme o previsto no art. 271238

, do CPC.

O interesse, portanto, segundo a teoria de Liebman, positivada no CPC brasileiro,

envolverá um binômio: necessidade-utilidade, como aspecto “substancial”, bem como

adequação, como aspecto “formal”, do discurso inicial encaminhado pelo demandante.

Ressalta-se, ainda, que, com base na teoria da asserção239

, tais elementos são

analisados de forma hipotética, desvinculados da teoria da prova240

, com o exame da petição

inicial, numa atividade de antevisão do juiz (DIDIER JÚNIOR, 2005, p.282).

Por outro lado, tem se defendido ainda, que o Interesse, mesmo que ausente quando do

ajuizamento da ação, pode se tornar presente durante o tramitar do feito, da mesma forma que

pode desaparecer, dependendo dos fatos novos que ocorrerem no iter procedimental. No

último caso, haverá necessário encerramento do procedimento pelo que se tem chamado de

“perda do objeto” da ação241

(DIDIER JÚNIOR, 2005, p.283).

A não demonstração do interesse de agir, pelo demandante que deve propiciar ao

magistrado a “antevisão” de que fala Didier Júnior da necessidade e da utilidade do

atendimento de seu pedido é, ainda, causa de indeferimento da petição inicial, conforme o que

238

“Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei

especial.”. 239

Sobre a teoria da asserção, conferir o item 3.2.2 retro. Cita-se, aqui, apenas a título de lembrança, o que

informa Figueira Júnior sobre o tema: “[...] As condições da ação devem ser consideradas na hipótese figurada

na inicial pelo autor, levando-se em conta a situação fática e o direito alegado, em tese.”. (FIGUEIRA JÚNIOR,

1993, p.339). 240

Lima Freire (2005, p.182-183) destaca que, porém, vinculado ao meio de prova documental,

instrumentalizada nos documentos juntados com a petição inicial, que deverão ser analisados pelo magistrado

mesmo liminarmente e, portanto, de forma oficiosa. A isso, crítica de Leal (2008, p.145), ao afirmar que com o

princípio da imutabilidade da petição inicial, a não ser por ato do autor, previsto no art. 294, do CPC, com a

redação que lhe deu a Lei 8.718/1993, revogou a possibilidade de determinação liminar e oficiosa por parte do

julgador da convalidação de defeito, prevista no art. 284, do CPC. 241

A fim de ilustrar a hipótese de perda superveniente do “objeto da ação”, pode-se lembrar do ajuizamento de

pedido de despejo com a posterior desocupação voluntária do inquilino, sem a necessidade de qualquer

pronunciamento jurisdicional sobre a situação problematizada. Quanto à superveniência de interesse ausente

quando do ajuizamento do pedido, pode se pensar na hipótese de pedido de divórcio direto por separação de fato

a menos de dois anos, quando este prazo se completa no tramitar do procedimento.

113

está expresso no art. 295, III242

, do CPC. Um indeferimento liminar e oficioso que está

absolutamente dissociado da principiologia do processo243

.

4.2.2.2 Interesse em contestar

Da mesma forma que o autor-demandante deve demonstrar interesse em ajuizar a

ação, o réu-demandado, quando da apresentação de sua resposta ao pedido inicial, se quiser

formular pedido a ele contrário, deverá demonstrar que o atendimento do pleito do

demandante lhe trará prejuízo. Esse também se dá, em primeiro lugar, com um fato a fazer

surgir tal necessidade de busca de evitar uma posição de desvantagem: a citação válida, que,

na teoria do processo como relação jurídica, vinculará o demandado ao autor, e o submeterá,

mesmo contra a vontade, aos efeitos provocados pela decisão jurisdicional que se seguirá.

O demandado, portanto, não poderá simplesmente contestar. Deverá, para exercer esta

forma de resposta, basear sua discordância em relação ao pedido do autor, impugnando a

veracidade dos fatos por ele apresentados no texto de sua petição inicial, bem como

apresentando novos fatos que sejam impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do

autor, conforme previsão do art. 326244

, do CPC.

Se isto ocorrer, será necessário, na fase das providências preliminares, que o autor

seja, em via de tréplica, ou “impugnação da contestação”, ouvido sobre a veracidade da

versão apresentada pelo demandado, podendo também negá-los. Nessa hipótese, serão

considerados como fatos controvertidos e sobre eles incidirá o instituto da prova a fim de

cessar a presunção de sua inveracidade, conforme previsão do art. 334, III245

, do CPC. Vale

ressaltar que dos fatos não impugnados não será produzida qualquer prova, considerando a

adesão, expressa ou tácita, de uma parte à versão apresentada pela outra.

Ademais, se não concorda com a imputação jurídica dos fatos apresentados pelo autor,

conforme o texto de sua causa de pedir próxima, contida no capítulo “fundamentos jurídicos

do pedido”, deverá, também, em seu texto de defesa, apresentar as falhas na argumentação do

242

Art. 295. “A petição inicial será indeferida: [...] III – quando o autor carecer de interesse processual.”. 243

Sobre o tema, conferir reflexões lançadas no capítulo final do presente estudo, quando da análise do aspecto

interdital da teoria da asserção. 244

Art. 326. “Se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser impeditivo, modificativo

ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de

prova documental.”. 245

Art. 334. “Não dependem de prova os fatos: [...] III – admitidos, no processo, como incontroversos; [...].”.

114

autor, trazendo, ele réu, a sua interpretação do texto legal, e demonstrando em que esta supera

a do autor. Em se tratando de argumentação sobre pontos não abordados pelo autor,

principalmente se se tratarem de questões jurídicas referentes ao texto pretensional da petição

inicial, apresentará preliminares que, obrigatoriamente, devolverão ao autor a possibilidade de

apresentar seus argumentos por ocasião da tréplica.

Percebe-se que, para contestar, portanto, o demandado deve apresentar tanto um

interesse substancial, surgido dos fatos narrados pelo autor negados por este, ou mesmo de

fatos novos que não foram narrados pelo autor, ou por diversa interpretação do texto legal que

fundamenta o padrão de licitude a permitir o acesso à fruição do bem objeto do pedido

autoral.

Ademais, deverá demonstrar a necessidade de contestar trazendo a tona o prejuízo que

o atendimento ao pedido do autor provocaria em sua esfera jurídica e a utilidade do

indeferimento do pedido inicial para a manutenção das coisas no estado em que se

encontravam antes do ajuizamento da ação. O interesse processual do demandado em

contestar, portanto, é preventivo quanto aos efeitos que, na hipótese de um atendimento do

pedido do autor, poderiam provocar na sua esfera jurídica.

A adequação, por sua vez, é adotada pela previsão legal de formas de resposta. A

contestação, acima explorada é uma. Mas outras defesas, classificadas como “exceções

dilatórias”, têm requisitos diferenciados para serem encaminhadas, como, por exemplo, a

impugnação do valor da causa, do pedido de gratuidade judiciária e as exceções de

incompetência, impedimento e suspeição, que se realizam em uma estrutura física

diferenciada dos chamados “autos principais” do procedimento em sua forma ordinária. Em

outros procedimentos, em que pese estes requisitos serem a regra, poderão ter forma

diferenciada, como é o caso do procedimento sumário.

Pode se pensar em uma mitigação do citado requisito na contestação por negativa

geral que ocorre em caso de réu ausente por citação ficta (por edital ou hora certa), quando lhe

é nomeado um curador especial que não tem o dever de apresentar fatos que justifiquem sua

discordância com o pedido do autor, podendo se limitar a negar de forma genérica toda a

narrativa contida no texto da petição inicial, tudo conforme a expressa previsão do art. 302,

parágrafo único246

, do CPC.

Anota-se que a única exceção legal a esse interesse em contestar está na assistência,

intervenção de terceiro voluntária porque prescinde de provocação judicacional para ocorrer,

246

Art. 302. “[...] Parágrafo único. Esta regra, quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos, não se

aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público.”.

115

bastando que o assistente, em qualquer fase do procedimento, demonstre ter interesse jurídico

na causa.

Didier Júnior anota que uma das principais conseqüências legais do interesse em

contestar é a formulação da teoria do abuso do direito de defesa e, assim, da sua conseqüente

apenação pelos institutos jurídicos da litigância de má-fé e da antecipação de tutela por defesa

protelatória (2005, p.289)247

.

Pode se problematizar, a partir da construção tradicional, aqui apresentada, o interesse

em contestar com um dos aspectos do interesse processual, sob o ponto de vista do réu se este

também seria um limitador do direito de ação e, portanto, um anteparo ao acesso à jurisdição.

A questão será desenvolvida no capítulo seguinte, com proposta de solução no capítulo final

da presente pesquisa.

4.2.2.3 Interesse em recorrer

O interesse em recorrer, por sua vez, como mais uma manifestação do interesse

processual, passa pela idéia de sucumbência, no sentido de ocorrência de decisão desfavorável

ao pedido de alguma das partes. Liebman já entendia haver uma lide processual diferenciada

da lide “sociológica” apresentada pelo demandante, ao afirmar que o objeto do julgamento

seria o conflito de pedidos das partes (1947, p.137). A sucumbência estaria, justamente, no

desatendimento, seja do pedido negatório do demandando, seja no pedido do autor, e consiste,

como conseqüência, na imputação de responsabilidade pecuniária pelos custos do acesso à

função jurisdicional do Estado, com o ressarcimento das custas processuais e com a

condenação em honorários advocatícios.

A idéia de sucumbência vai envolver, portanto, a formação de um interesse econômico

das partes na vitória de seus argumentos, a fim de que não sejam onerados com o valor

pecuniário do processo. O instituto jurídico-processual lembra a figura da sposio da actio

sacramentum romana, com perda do valor apostado pelas partes.

247

A respeito da impropriedade da antecipação de tutela por conta de abuso do direito de defesa, prevista no art.

273, II, do CPC, importantes reflexões de Leal (2005n, p.57-61), ao identificar que a defesa, por ser garantida

constitucionalmente, não pode ser objeto de abuso, até pelo fato de ser ampla. Anota que o que tem ocorrido é a

confusão teórica entre a figura do abuso com a da fraude, esta sim passível, na prova de prejuízo, por se dar fora

do padrão de licitude, de ser imputada responsabilidade ao seu agente, em procedimento autônomo de cunho

indenizatório.

116

Hoje, temos um custo econômico para a utilização da função jurisdicional do Estado

através do recolhimento de uma taxa voltada para sua manutenção. Ainda se trabalha com a

idéia de premiação do advogado da parte vencedora (honorários sucumbenciais), que teve o

trabalho técnico de, em grande parte dos casos pela utilização de habilidade retórica,

convencer o julgador das razões de seu mandatário. Isso só tem proporcionado o agravamento

da idéia de processo como um campo de batalha, no qual apenas a vitória triunfal de uma

parte com o esmagamento da outra interessa, por, inclusive, não envolver prejuízos

econômicos.

O interesse em recorrer vai pautar-se, justamente, na tentativa de se evitar este

prejuízo, do qual a questão econômica é apenas um de seus aspectos. A esse requisito para a

co-extensão do procedimento a um ambiente colegiado de julgadores, como regra geral, são

somados diversos outros que, com o objetivo de evitar o abarrotamento dos tribunais têm,

cada vez mais, dificultado o acesso daquele que se sente prejudicado pela decisão primeva.

Relembramos, novamente, aqui, o requisito da repercussão geral para o recurso

extraordinário, bem como o requisito da cautelaridade, da demonstração do prejuízo e da

urgência, para prosseguimento do agravo por instrumento, no novo regime adotado pela Lei

11.187/2005.

4.3 Aspectos essencialistas na tradicional visão do Interesse e sua contribuição ao

impedimento ao atingimento de uma sociedade aberta pela supressão da principiologia

do Processo

O Interesse processual, nas teorias que foram expostas no item anterior, tem sido

tratado sob um ponto de vista essencialista, como se tivesse origem biológica em uma suposta

lei natural de busca humana sempre por vantagem, independente de meio pelo qual se

buscasse tal desiderato.

Nessa teoria instrumentalista do processo, o magistrado é aquele que tem a função

primordial, como encarnação do Estado-juiz, de filtrar as posições de vantagem das partes

(pretensões), encaminhadas à “justiça”, dizendo quais são aquelas cuja necessidade foi

entendida como relevante pela lei, bem como se a atuação do Estado será passível de,

hipoteticamente, concretizar os resultados imaginados pelo demandante. Com isso, inclusive,

117

estar-se-ia realizando um interesse “público” de pacificação dos conflitos, sem oneração

econômica dos demais indivíduos pela realização de uma atividade inútil.

O juiz, aqui, tem a função de selecionador: um selecionador que, para os adeptos da

teoria da asserção, sequer precisa de contato com o instituto jurídico da prova, bastando, para

identificação da viabilidade da pretensão encaminhada, um raciocínio quanto à probabilidade

de justificação da atividade estatal. Uma atividade de identificação de utilidade, necessidade e

adequação no encaminhamento da pretensão do demandante, baseado num juízo, inclusive,

discricionário de conveniência248

.

A idéia de utilidade é baseada numa suposta lei natural de busca pelo prazer e fuga da

dor. Não há notícia de testificação desta idéia, além do fato de que o prazer é um sentimento

individualista, baseado em critérios pessoais249

. Não teria o Estado como buscar o prazer

máximo dos cidadãos, pois, segundo Popper, esta é uma política equivocada, haja vista que,

no fim das contas, passará por um critério de institucionalização, talvez até inconsciente, dos

prazeres do governante. Para o citado autor, a função do Estado seria a de evitar o máximo

possível de dor dividindo os ônus desta busca, equitativamente, entre os cidadãos, assim como

as benesses alcançadas (1998a, p. 174).

A busca de evitar impingir dor traz uma grande vantagem para o Interesse: será uma

noção pautada no olhar sobre o outro e, assim, da importância de sua participação na

definição do que seria útil para as partes. Veja-se por este prisma: enquanto a utilidade

baseada no prazer envolve um olhar lançado unicamente sobre o postulante, a busca por não

mortificação desloca o outro, de meio para fim. Parece ser esta a orientação constitucional ao

eleger como prioridade os direitos individuais fundamentais dos cidadãos brasileiros, cuja

observância integral constitui o critério de análise dos níveis de dignidade250

.

248

“A ausência do interesse de agir é sempre resultado de um juízo valorativo desfavorável feito

discricionariamente na lei sempre que, a seu juízo insondável pelo juiz (apenas interpretado racionalmente), a

atividade preparatória do provimento custe mais, em dinheiro, trabalho ou sacrifícios, do que valem as vantagens

que dele é lícito esperar”. (DINAMARCO, 2002, p. 419). 249

“Acredito que não há simetria do ponto de vista ético, entre sofrimento e felicidade, ou entre dor e prazer.

Tanto o princípio da felicidade máxima dos utilitários como o princípio de Kant – „promover a felicidade dos

demais‟ – parecem-me fundamentalmente errados neste ponto, que, entretanto, não é de argumentação racional.

[...] Em meu parecer [...] o sofrimento humano faz um direto apelo moral, a saber o apelo por auxílio, ao passo

que não há tal apelo para que se aumente a felicidade de um homem que de qualquer modo vá indo muito bem.

Outra crítica da fórmula utilitária „levar ao máximo o prazer‟ é que ela admite, em princípio, uma escala

contínua prazer-dor, que nos permite tratar os graus de dor como graus negativos de prazer. Mas do ponto de

vista moral, a dor não pode ser pesada pelo prazer e, especialmente, não a dor de uma pessoa pelo prazer de

outra pessoa. Em vez de maior felicidade para o maior número, dever-se-ia mais modestamente reclamar o

menor quinhão de sofrimento evitável para todos; e, mais, que o sofrimento inevitável [...] seja distribuído tão

igualmente quanto possível. [...].”. (POPPER, 1998a, p.311). 250

“Portanto, a importância suprema do princípio da dignidade da pessoa humana está no fato de ele ser um

elemento comum à civilização ocidental contemporânea. É um princípio praticamente aceito no mundo e que

vem sedimentando-se ao longo do tempo, historicamente, e que adquiriu um significado relativamente constante

118

Uma segunda observação: todos os doutrinadores anotados, ao pensar no Interesse

como condição da ação, encaram o tema como se estivesse diante de uma “coisa” a ser

descrita. Seria como um elemento cuja presença determinaria a existência ou validade da ação

processual, independente do ordenamento jurídico em que se observasse (DIDIER JÚNIOR,

2005, p.280). Ora, tal idéia não faz o menor sentido, haja vista que a ação, seja como direito,

seja como ato jurídico, é uma mera convenção, uma figura lógica e racionalmente criada para

representação da busca de um espaço institucionalizado para discursividade251

.

A demonstração de necessidade e utilidade prévias ao debate entre as partes, só

obscurece a percepção de que o Processo deixa de ser meio para ser instituição que informa a

construção de uma metodologia de encaminhamento de pretensões para testificação. O que

precisa ficar claro neste momento é que a idéia de Interesse só tem sentido se ela puder trazer

alguma contribuição para o objetivo de operacionalização do padrão democrático de

construção do direito.

Se houver a desmistificação da ação como “coisa”, conceito ontológico, para buscar o

instituto que tenha um valor deontológico, de aplicabilidade para consecução dos objetivos

tratados pela Constituição brasileira, poderemos avançar, de um direito que cultua figuras

tradicionais como se fossem tabus, para uma ciência que se preze a desenvolver a democracia

no conviver intersubjetivo.

Para tanto, deve-se avançar de uma noção de Interesse baseada em uma utilidade

voltada para o prazer do autor e do “Estado”, para uma noção de Interesse que vise o

esclarecimento pelo outro e diminuição, no máximo possível, do sofrimento para os cidadãos

(POPPER, 1998a, p. 311).

Ademais, a utilização da técnica das cláusulas abertas, como os conceitos de

necessidade e utilidade, só decifráveis pelo transcendental “poder do juiz”, é sintoma do

abandono da trabalhosa atividade de desenvolvimento da legislação através de regras claras e

inteligíveis a serem cumpridas em contraditório (LEAL, 2005c, p.45).

Se há margem para grande subjetividade, há margem para menos controle dos

atingidos pela decisão quanto ao seu conteúdo e, assim, abre-se espaço para o

no tempo e universal no espaço: o valor do homem como um fim em si mesmo e a idéia de que só é digno aquele

que pode fruir de todos os demais direitos fundamentais.”. (TAVARES; REIS; JEHA; COSTA, 2007b, p. 06-

09). 251

Próximo desta conclusão, Calamandrei: “O problema não pode ser formulado nestes termos absolutos; o

mesmo somente pode ter sentido sempre que se coloque historicamente em relação a um determinado

ordenamento positivo, numa certa fase de seu desenvolvimento. Não se trata de investigar a verdadeira teoria,

com se não existisse mais do que uma que pudesse ser considerada absolutamente exata diante de todas as outras

que seriam consideradas equivocadas [...]. (CALAMANDREI, 1999, p. 203). Conferir, também, Orestano (1978,

p. 81-85).

119

desenvolvimento de atividades que envolvam a construção de argumentos somente voltados

para a vitória, encaminhados por técnicas de pura retórica.

O reflexo dessas teorias é não perceber que o Interesse processual, da forma como foi

aqui apresentado, não permite a construção de um espaço democrático de esclarecimento pelo

Processo. Situações como vitória e derrota, e penalizações por isso, como ocorre com a

sucumbência, além da já apontada litigância de má-fé, impedem a manifestação de uma

racionalidade que se fizesse pela busca do esclarecimento ao invés de consecução, a qualquer

preço, do bem da vida que se quer fruir.

Daí, então, a necessidade de desenvolvimento de meios cada vez mais coativos e

autoritários para a consecução do objetivo de estabilizar a relação conflituosa entre as partes,

haja vista que a discursividade apresentada não teria condições de buscar o esclarecimento e,

assim, evolução das partes da situação de conflito para um provável consenso.

O Interesse visto sob a perspectiva aqui apresentada impede, por conseguinte, o

atingimento de uma sociedade aberta, por fomentar a utilização de estratégias para uma

vitória triunfal ao invés da busca pelo esclarecimento. Também trabalha com a idéia de que

apenas um homem com virtudes pessoais aristotélicas, porque treinadas com o tempo de

serviço, seria capaz de superar o egoísmo inerente a cada uma das partes.

Esses raciocínios deterministas só são a mostra de que ainda se trabalha a teoria da

ação e, principalmente, suas condições sob a perspectiva de uma sociedade fechada, na

direção, portanto, absolutamente contrária da finalidade de democratização do viver do povo

brasileiro, instituída com a promulgação da Constituição de 1988.

Precisa-se, então, urgentemente, problematizar a real função deste Interesse processual

em face do princípio do “acesso à justiça”. Essa será a tarefa do capítulo seguinte do presente

trabalho, que analisará a idéia tradicional da função instrumental do interesse como anteparo

ao acesso da jurisdição a resolver o paradoxo do acesso, bem como apresentar a crítica de

como esta teoria tem desservido à busca de uma sociedade aberta pelo processo.

120

5 O PRINCÍPIO DO “ACESSO À JUSTIÇA” E A CRIAÇÃO DE ANTEPAROS

COMO SOLUÇÃO DO “PARADOXO DO ACESSO À JURISDIÇÃO”

O presente capítulo abordará o papel instrumental que foi dado ao Interesse processual

como “condição da ação” a fim de resolver o problema do que aqui se denominará de

“paradoxo do acesso”. Em primeiro lugar, será descrito o papel da “Ação Processual” em face

do princípio do “acesso à justiça”. Este termo, por sua vez, também será investigado,

buscando uma acepção que seja adequada ao ideário constitucional no Brasil pós 1988.

Num segundo momento será investigada a noção de acesso à jurisdição, distinguindo

esta da atividade judicante do magistrado, bem como mostrando sua vinculação, conforme o

que preceitua a teoria neo-institucionalista, à principiologia do Processo. Será perquirida,

quando desta análise, a possibilidade de sumarização da cognição em relação

às chamadas questões da “matéria de ação”, dentre as quais o interesse processual tem posição

de destaque.

Será, ainda, analisada a aplicabilidade da principiologia do Processo descrita na teoria

neo-institucionalista em relação à atividade jurisdicional, bem como sobre a forma cognitiva

sugerida por esta para exame do Interesse processual, apontando à possibilidade de o Processo

ser a instituição jurídica que, na contemporaneidade, tem mais condições de busca pelo ideal

de esclarecimento pelo discurso, cogitando-se da possibilidade de a Ação Processual ser

veículo de encaminhamento do acesso ao direito.

Apontar-se-á, por fim, formas diversas de superação do paradoxo pela sumarização

dos procedimentos e busca por eficiência da função jurisdicional do Estado, de forma a não se

suprimir a aplicabilidade dos direitos fundamentais dos cidadãos.

5.1 O direito de ação em seu aspecto pragmático: a sua correlação com a idéia de

“acesso à justiça”

O pensar sobre a idéia de “acesso à justiça” envolve a discussão do significado de um

vocábulo absolutamente equívoco252

. Sem aprofundarmos nesse debate, por não ser o tema

252

“[...] o termo justiça é usado na linguagem jurídica, na maioria dos autores, com significação equívoca, como

também se encontra no texto de leis brasileiras e estrangeiras. Não se sabe se justiça é o Poder Judiciário, se é o

121

central do presente estudo, adotaremos a acepção de “acesso à jurisdição”, como o têm feito a

maioria dos autores nacionais, para, a partir dela, iniciarmos o caminho até o moderno

conceito de “acesso ao direito” a ser estruturado no capítulo final da presente pesquisa.

Nery Júnior (2002, p.98-100) aponta que o princípio do acesso à justiça está previsto

no art. 5º, XXXV, da CR/1988, e tem duas acepções: proibição ao legislador quanto à criação

de anteparos ao acesso à função jurisdicional do Estado, bem como o direito de o

jurisdicionado obter, do Judiciário, resposta adequada para a pretensão a este encaminhada.

Ambas as acepções estão a merecer problematização e envolvem a discussão a respeito das

“condições da ação”, dentre as quais, o Interesse processual assume papel de destaque.

Mas, antes de adentrarmos na questão do acesso é importante que fique clara a idéia

tradicional de jurisdição, tanto na sua acepção original, quanto em Liebman e na teoria

instrumentalista do processo, bem como os motivos pelos quais os autores representantes

desta citada corrente colocaram o tema no centro de seus estudos processuais.

5.1.1 A evolução teórico-histórica do conceito de jurisdição: do direito romano ao

instrumentalismo

O conceito de jurisdição, de uma atividade privatística no direito romano, até uma

atividade eminentemente pública na contemporaneidade, passou por grande evolução teórica.

Apresentam-se, agora, quatro momentos da visualização deste conceito, desde o direito

romano e sua acepção privada, passando por Liebman e sua ligação à judicação, pela escola

instrumentalista e sua missão metajurídica, até a visão formulada pela teoria neo-

institucionalista do processo. Essa análise é essencial para a compreensão da expressão

“acesso à justiça” na acepção aqui trabalhada e para compreensão do papel do Interesse

processual como anteparo a este acesso.

resultado de um julgamento popularmente aplaudido, se um valor só perceptível pelo solipsismo da jurisdição ou

um valor que esteja acima da lei e que seja o fim último de uma sociedade ideal e carismática ainda a se

construir sobre princípios não esclarecidos de uma eticidade social de vocação hegeliana.”. (LEAL, 2005c, p.40).

122

4.1.1.1 Jurisdição no Direito Romano: acepção privatística

No direito romano, jurisdição, do latim jurisdictio, jus dicere, tinha o significado do

ato de “dizer o direito”. Isso significava propor regra de conduta para um caso concreto, como

interpretação de regra preexistente, de forma abstrata, no texto da fonte do direito de dada

época (PETIT, 2003, p.816). Julgamento, como o ato jurisdicional, vinha do termo latino

judicare.

Para Baptista da Silva (2007, p.15-29), a jurisdictio, à época, era mera função

interpretativa, de auxílio por um terceiro para a resolução de um problema trazido pelas partes

nele envolvidas e interessadas em sua solução. Consistia em atividade que visava um

julgamento que, dentro da estrutura privatística da ordo judiciorum privatorium, consistia

numa mera exortação ao cumprimento da regra nele formulada, desprovido de imperium,

conforme já apontado no capítulo anterior.

Destarte, a jurisdição era forma de resolução de conflitos como evolução da

arbitragem que, no período da cognitio extra ordinem, passou a ser monopolizada pelo

Estado253

. A esse monopólio, para maioria dos autores, exigiu-se uma contrapartida que

possibilitasse o mais amplo acesso à população: a Ação Processual.

O conceito de jurisdição, ao longo do percurso das teorias do processo, não variou

muito de sua acepção original, incluindo-se, com sua assunção pelo Estado, a idéia de

soberania e, assim, de imperatividade, passando a ser tratado como um dos “Poderes do

Estado”254

.

253

“Ampliou-se, nessa época, ainda mais, o poder dos pretores que, nesse período pós-clássico, também

chamado período do Principado e da monarquia absoluta (284 d.C. – 656 d.C.), agiam por um sistema jurídico

paralelo à ordem vigente, conhecendo e julgando diretamente os litígios sem a interferência de árbitros, não mais

podendo os particulares, nessa época pós-clássica, utilizar-se da arbitragem, por qualquer de suas formas. Essa

fase, conhecida como a da cognitio extra ordinem, assinala a passagem do modelo romano da Justiça Privada

para a Justiça Pública.”. (LEAL, 2008, p.26). E continua o autor: “[...] ao se irrogar o conhecimento e o

julgamento das causas, e assumindo o Estado Romano, per lege et jura (com base nas constituições imperiais e

pareceres dos jurisconsultos), o monopólio da atividade de dizer o direito, abolindo oficialmente a arbitragem

facultativa, era o pretor o órgão jurisdicional do Estado e o Estado o único e exclusivo árbitro dos litígios. [...].”.

(LEAL, 2008, p.26). 254

Para Brêtas C. Dias, o poder delegado pelo Povo ao Estado, para que seja juridicamente atuado, é organizado

em três funções: a executiva; a legislativa e a judicial, as quais são exercidas por órgãos da estrutura do Estado.

O autor anota que o termo mais técnico é a divisão do exercício do poder em funções, que denotam deveres, ao

invés de tripartição de poderes, teoria surgida de uma interpretação deturpada das idéias de Montesquieu e

Locke. A locução “separação de funções”, em detrimento da “separação de poderes”, permite desvelar-se a

responsabilidade dos agentes estatais no exercício do dever ao qual estão incumbidos pela delegação popular,

quebrando a idéia de soberania, que só traz a visualização de privilégios impossíveis num sistema democrático

que se pauta pela isonomia. A teoria das funções do Estado tenta buscar, através da instituição de mecanismos de

controle, um equilíbrio que pudessem garantir a liberdade individual, pelo impedimento de desvios, abusos ou

descaminhos quando de seu exercício. (BRÊTAS C. DIAS, 2004a, p.61-74). Vale a pena citação literal do autor

123

5.1.1.2 Jurisdição em Liebman: confusão teórica com a judicação

Em Liebman (2003, p.23), a jurisdição é formulada como função do Estado

responsável pela resolução dos conflitos interpessoais e, assim, pela pacificação social. Como

função do Estado, para o autor italiano, é exercida por um agente público responsável por sua

concretização: o juiz. Ele é o titular do poder jurisdicional255

a partir do momento da

investidura (art. 37, caput, II256

, da CR/1988) em seu cargo257

, exercendo seu comando sobre

uma determinada área geográfica (competência), sendo suas decisões, por motivos de

segurança jurídica, a última palavra sobre a questão a ele submetida (coisa julgada, em sua

acepção tradicional)258

.

Ao ligar o conceito de jurisdição à atividade do juiz, o autor italiano coloca este

funcionário público do Estado acima das partes, já que é o responsável pelo exercício de um

poder soberano259

. Essa superioridade é o que marca, como visto no capítulo anterior, a teoria

mineiro: “[...] O que é repartida ou separada é a atividade e não o poder do Estado, daí resultando diferenciação

de funções exercidas pelo Estado, por intermédio de órgãos criados na sua estruturação jurídico-constitucional.

Por conseguinte, o argumento da soberania do Poder Judiciário, expressão envolta por atecnia, carece de base

científica e nos afigura desajeitada e injurídica desculpa gerada como escudo protetor do Estado, para colocá-lo a

salvo das pretensões indenizatórias dos indivíduos, diante das crescentes anomalias verificadas no exercício da

função jurisdicional, causadoras de prejuízos ao particular. A se aceitar o argumento da soberania do Poder

Judiciário, por certo não poderia o Estado ser responsabilizado por atos praticados pelos órgãos administrativos

(em virtude de uma similar soberania do Poder Executivo), possibilidade que não mais é contestada no atual

estágio de desenvolvimento da ciência jurídica. Sem dúvida, o argumento falacioso da soberania da função

jurisdicional, a ser admitido, levaria à conclusão de que o Estado também é irresponsável pelos atos decorrentes

das funções administrativa e legislativa, estas não menos „soberanas‟ do que aquela, ou seja, ter-se-ia um Estado

totalmente irresponsável, tese juridicamente insustentável nos dias de hoje. [...].”. (BRÊTAS C. DIAS, 2004a,

p.163). 255

Teoria adotada pelo ordenamento jurídico conforme se vê pela redação do art. 1º do CPC, in verbis: “A

jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as

disposições que este Código estabelece.”. 256

Art. 37. “[...] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso

público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na

forma prevista em lei [...].”. 257

“Esse requisito impõe que o praticante da atividade jurisdicional esteja investido [na posse] no cargo de juiz

do Poder Judiciário, adquirindo, assim, a condição de magistrado, selecionado e aprovado por via de concurso

público em que demonstrara ser diplomado por Faculdade de Direito regular, bem assim ter conhecimento

técnico-científico para o exercício das funções. [...].”. (LEAL, 2008, p.116). 258

“Julgar quer dizer valor um fato do passado com justo ou injusto, com lícito ou ilícito, segundo o critério do

juízo fornecido pelo direito vigente, e enunciar em conseqüência a regra jurídica concreta destinada a valer como

disciplina do fato típico em exame [...]. A operação lógica do juízo pode ser feita por quem quer que seja dotada

da necessária cognição e dará lugar a um parecer, uma opinião; mas apenas a que advém do juiz e é expressa

numa sentença tem um conteúdo vinculativo e uma eficácia vinculante.”. (LIEBMAN, 2003, p.23) 259

“Outro é, invés, o que varia entre a visão das partes e aquela do juiz, o qual senta na frente deles e está fora da

divergência de interesses que os divide, e trabalha sobre e acima dela. A imparcialidade do juiz à contenda das

partes, o seu desprendimento nos confrontos às suas posições, sobre seus pontos de vista, dos seus interesses, é

assunto de grande importância: porque não é só condição de seu correto trabalho (e isto preserva a idoneidade de

sua pessoa ao passo que o espelha no processo singular); mas é também conotação essencial da mesma noção

lógica da jurisdição, da qual ele é o órgão no seu concreto exercício. [...].”. (LIEBMAN, 1950, p.47-48)

124

da relação jurídica processual, caracterizada por vínculos de subordinação das partes ao

julgador.

A Ação, aqui, como já apontado, era o poder de buscar do Estado a solução para um

problema, cuja resolução privada foi por este proibida, poder este conferido por um direito

subjetivo.

5.1.1.3 Jurisdição na escola instrumentalista: centro das reflexões por conta da missão

de executar escopos metajurídicos

O conceito de jurisdição em Liebman, presente de forma constante no Código de

Processo Civil brasileiro, também inspirou a criação da teoria instrumentalista do processo

por Cândido Rangel Dinamarco. Este, por entender ser a função jurisdicional a responsável

pela solução dos conflitos entre as partes, faz com que essa assuma um papel de pacificadora

social, sendo o juiz o responsável, como titular deste poder do Estado, em realizar, até,

escopos metajurídicos (DINAMARCO, 1987).

O objetivo da proposta instrumentalista é a integração da ciência processual no quadro

das instituições sociais, do poder e do Estado, com a fixação dos objetivos que o direito

processual deve perseguir como sendo a pacificação dos conflitos com justiça e a educação

dos cidadãos à busca do respeito pelos direitos subjetivos e cumprimento do ordenamento

jurídico (DINAMARCO, 1987, p.09-10, p.112).

A teoria instrumentalista trabalha com uma visão social do Estado, como sendo este a

“Providência” de seu povo, o único responsável por garantir o bem estar de cada um

(DINAMARCO, 1987, p.34-35). Nesse quadro, o Poder Judiciário seria o guarda último da

constitucionalidade, seu intérprete autorizado por ser o mais qualificado, e, portanto, possui

um compromisso axiológico, até porque os tribunais são os receptáculos da vontade da nação,

e sua atividade é de mera descoberta desta, num ato de revelação (DINAMARCO, 1987,

p.51). O juiz é um agente a ser iluminado pela visão dos resultados sócio-econômicos e

Tradução livre do original: “Altro è invece il divario tra la visione delle parti e quella del giudice, il quale siede

loro di fronte e sta fuore della divergenza del‟interessi che le divide e opera al di sopra di essa e su di essa.

L‟estraneità del giudice all contesta delle parti, il suo distacco nei confronti delle loro posizione, dei loro punti di

vista, dei loro interessi, è assunto di grande importanza: perchè non è solo condizione del suo retto operare (e

questo riguarda l‟idoneità della sua persona al compito che gli spetta nel singolo processo); ma è anche

connotato essenziale della stessa nozione logica della giurisdizione, di cui egli è l‟organo nel suo concreto

esercizio. [...].”.

125

políticos a que suas decisões poderão conduzir, atuando de forma imparcial, mas não

indiferente, ou insensível (DINAMARCO, 1987, p.42)260

.

O objetivo principal da atividade jurisdicional é o de pacificação social, através da

inserção, no espírito das partes, da certeza jurídica quanto à melhor interpretação para o

direito no qual suas pretensões estão baseadas (DINAMARCO, 1987, p.51). Essa certeza

jurídica é construída com base na idéia de segurança jurídica, ou seja, na eficácia da aplicação

da decisão, cuja eficiência é medida por um sistema de pressões sobre a vontade do obrigado,

dentre as quais as ameaças de penalização física e pecuniária assumem importantíssimo papel

(DINAMARCO, 1987, p.58).

O ato pacificador do juiz (sentença) é o responsável pelo fim das insatisfações das

partes, por criar, por meio das citadas pressões, a predisposição para aceitação de uma decisão

favorável, trazendo, assim, agregação. (DINAMARCO, 1987, p.223).261

O fim do processo

traz sensação de alívio pela certeza que pacifica por conta da eliminação do estado anímico de

insatisfação (1987, p.224). A idéia de segurança jurídica é aqui ligada, ainda, ao sentimento

de confiança na idoneidade pessoal dos julgadores (1987, p.225).

Nesse quadro, o Estado tem papel preponderante sobre o indivíduo e Processo não

passa de um instrumento formal de realização dos fins do Estado262

, o que supera as visões de

superioridade da ação, por sua índole privatística, e do Processo, por sua índole formalista

(DINAMARCO, 1987, p.107-108). Aqui, o centro das reflexões é a jurisdição, como forma

de exercício do poder de dominação do Estado, poder em que a vontade do destinatário é

completamente desconsiderada (1987, p.139)

Para o autor paulista, os escopos metajurídicos da jurisdição, como expressão do fim

do Estado de realizar o bem comum, seriam a pacificação com justiça, a educação para

exercício, respeito e defesa de direitos e a manutenção da autoridade do ordenamento jurídico.

A Ação não seria nada mais que uma garantia ao cumprimento da promessa de pacificação

apresentada pelo Estado (DINAMARCO, 1987, p.109).

260

“[...] Assim inserido nas estruturas estatais do exercício do poder, o juiz é legítimo canal através do qual o

universo axiológico da sociedade impõe as suas pressões destinadas a definir e precisar o sentido dos textos, a

suprir-lhes eventuais lacunas e a determinar a evolução do conteúdo substancial das normas constitucionais.

[...].”. (DINAMARCO, 1987, p.49). 261

“[...] O importante não é o consenso em torno das decisões estatais, mas a imunização contra os ataques dos

contrariados [...].”. (DINAMARCO, 1987, p.222-223). 262

“Essa visão instrumentalista favorece e explica as preocupações com numerosos pontos onde o interesse

público no efetivo e adequado exercício da jurisdição sobreleva aos individuais em conflito e onde se restringe

ou minimiza o valor da autonomia da vontade, para que a de uma das partes não possa prejudicar indevidamente

os interesses da outra.”. (DINAMARCO, 1987, p.70).

126

Em síntese, essa é a visão da escola instrumentalista sobre a jurisdição e os motivos

pelos quais esta foi colocada no centro de suas reflexões. Vejamos, agora, como esta teoria

tem entendido a interpretação do princípio do acesso à justiça, e a forma como seus autores

formulam e resolvem o paradoxo do acesso.

5.1.2 O “Acesso à Justiça” na teoria instrumentalista do processo: interpretação do art. 5º,

XXXV, da CR/1988

A questão da proibição ao legislador de vedação ao acesso, nesse quadro, é muito

discutida, em face, principalmente, da interdição da autodefesa, regra geral, como forma de

solução dos conflitos intersubjetivos263

. A Ação processual é entendida, como visto no

capítulo anterior, como instrumento deste acesso.

O que Liebman problematizou em seus estudos é que o princípio do acesso à

Jurisdição envolvia o acesso ao Judiciário ou à atividade jurisdicional propriamente dita.

Como visto alhures, para o autor italiano, a questão do acesso ao Judiciário seria tão trivial a

não merecer maior atenção de qualquer pensador do direito, pelo que o que deveria ser

realmente estudado era o direito que se exercia por este acesso, incondicionado por conta de

norma constitucional: o direito de receber uma solução do mérito da pretensão exposta, ou

seja, o direito de acesso à jurisdição.

Com a indistinção sugerida por parte da “doutrina” brasileira, em seu viés

instrumentalista, entre a atividade jurisdicional propriamente dita (exame do mérito) e a

preparatória, as questões do acesso ao Judiciário e do acesso à Jurisdição também foram

fundidas. E estas, como se viu quando do estudo da ação processual como poder em sua

acepção constitucional, também se dão, pelo menos na constitucionalidade brasileira em

vigor, de forma incondicionada.

A problemática das condições da ação, portanto, no dizer de Bedaque (1997, p.25),

passou a ser encarada na divergência entre direito à prestação jurisdicional e direito à tutela

jurisdicional, sendo que, enquanto a primeira é referente a qualquer resposta por parte do

órgão julgador ao pedido do demandante, a segunda envolve a resposta de mérito, concedendo

263

“[...] A garantia de obter justiça através das instituições do Estado decorre da interdição, desse mesmo Estado

ao indivíduo, de fazer justiça, ele mesmo: um sistema social e legal, que impeça, aos seus cidadãos de realizar,

eles mesmos, os seus direitos, fica obrigado a colocar „uma substituição‟ à disposição dos cidadãos.”.

(HABSCHEID, 1978, p.136).

127

ou negando, o provimento requerido por este mesmo demandante. Os autores

instrumentalistas têm anotado que o direito de ação constitucional incondicionado seria

referente ao primeiro, enquanto que o direito de ação condicionado, no sentido de ação válida,

seria referente à segunda.

O princípio do acesso à jurisdição tem sido interpretado, conforme aponta o relatório

do Congresso de Gand, como direito a uma resposta adequada por parte do Estado264

. Para

tanto, defende-se uma ligação entre acesso à jurisdição e devido processo legal, previsto no

art. 5º, LIV e LV, da CR/1988, como critérios de aferimento do que seria “resposta

adequada”. O grande problema é que, ainda, a visão de devido processo não passa pela

construção de uma principiologia a informar a criação dos procedimentos, mas pela simples

observância das regras infraconstitucionais, muitas vezes dissociadas dos princípios

autocríticos apontados pela Constituição Federal brasileira, cujos padrões de esclarecimento

aqui adotados são os já descritos no primeiro capítulo do presente estudo, na teoria neo-

institucionalista.

Questões envolvendo o acesso à Jurisdição têm sido extensamente debatidas e busca-

se a criação de formas de sua facilitação pela superação de barreiras econômicas e sociais.

Exemplos dessa situação são encontrados em vários ordenamentos mundiais, dentre os quais

o Brasil tem papel de destaque, com a construção de institutos como a assistência judiciária e

a gratuidade de justiça, sempre visando à superação do obstáculo econômico do custo

tributário que a parte tem de arcar na utilização, obrigatória, do aparelho judiciário para

superação de uma situação conflituosa.

Merece destaque, no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei 1.060/1950, ao permitir

que aquele que se declare pobre no sentido legal, por não ter condições de arcar com as custas

processuais e honorários advocatícios sem prejudicar seu sustento próprio ou de sua família

(art. 2º, parágrafo único)265

, seja isento do recolhimento dos tributos exigidos para o acesso à

função jurisdicional, bem como não arque com honorários sucumbenciais (art. 3º e incisos)266

,

consistindo, assim na garantia de gratuidade judiciária para os necessitados.

264

“Tal garantia [acesso à justiça], com alguma minúcia compreende: a aceitação da demanda, pelo Tribunal; a

fixação da audiência pelo juiz; a condução de um debate; o exame dos fatos e dos argumentos jurídicos da

demanda; enfim, a promulgação de uma decisão.”. (HABSCHEID, 1978, p.136). 265

Art. 2º. “[...] Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação

econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento

próprio ou da família.”. 266

Art. 3º. “A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I – das taxas judiciárias e dos selos; II –

dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; III – das

despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV – das

indenizações devidas às testemunhas [...]; V – dos honorários de perito e advogado; VI – das despesas com

128

Há, ainda, em relação à possibilidade de assistência judiciária gratuita, a possibilidade

de nomeação de defensor dativo para o caso de a parte não ter condições de contratação de

profissional particular. Esse será o defensor público local, ou defensor particular indicado pela

própria parte, preferencialmente, ou dentro da lista de profissionais inscritos para essa função

nos quadros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Na ausência das duas situações

anteriores, deverá ser profissional de confiança do magistrado nomeado por este (art. 5º, §§1º

a 4º)267

(BARBOSA MOREIRA, 2001, p.10).

A assistência e gratuidades judiciárias, ainda, foram erigidas ao patamar de direitos

fundamentais pela CR/1988, conforme redação do art. 5º, LXXIV268

. Isso só prova que o

acesso à função jurisdicional, pela previsão constitucional, deixa de ser apenas um garantia

presente de forma retórica no texto constitucional, para possuir meios efetivos de sua

realização.

Nesse sentido, ainda, há a Defensoria Pública, prevista no art. 134269

, da mesma

Constituição, erigida ao patamar de instituição essencial à função jurisdicional do Estado,

tendo o assessoramento jurídico daqueles que não têm condições financeiras para buscar um

patrocínio de advogado privado como um de seus principais deveres funcionais270

.

Se não bastassem essas situações, também são criados procedimentos absolutamente

gratuitos para a população, facilitando o acesso, como os previstos nas Leis 9.099/1995 e

realização do exame do código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de

investigação de paternidade ou maternidade. [...].”. 267

Art. 5º. “[...] Deferido o pedido [de assistência e gratuidade judiciárias], o juiz determinará que o serviço de

assistência judiciária [hoje, a Defensoria Pública], organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no

prazo de 2 (dois) dias úteis, o advogado que patrocinará a causa do necessitado. §2º. Se no Estado não houver

serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções

Estaduais, ou Subseções Municipais. §3º. Nos municípios em que não existirem Subseções da Ordem dos

Advogados do Brasil, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado. §4º.

Será preferido para defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo. [...].”. 268

Art. 5º. “[...] LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos; [...].”. 269

Art. 134. “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. [...].”. 270

Veja-se, sobre o tema, interessante reflexão de Barbosa Moreira: “O art. 134 da CF individualiza o órgão a

que incube, além da „orientação jurídica‟, „a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,

LXXIV‟: tais atribuições estão confiadas à Defensoria Pública, a que o texto dá a honrosa qualificação de

„instituição essencial à função jurisdicional do Estado‟. Lamentavelmente, o poder público nem sempre se

mostra solícito em prover o órgão dos meios necessários ao desempenho cabal de sua elevada função e em

assegurar aos defensores públicos condições de trabalho compatíveis com suas responsabilidades. Seria de

desejar que o litigante pobre pudesse contar com serviços do mesmo nível dos que um bom escritório de

advocacia presta aos clientes, de tal sorte que seus interesses se vissem defendidos em juízo com tanta eficiência

quanta resultasse, para o adversário mais abastado, da contratação de advogado competente.”. (2001, p.11).

129

10.259/2001, ao regularem os Juizados Especiais Estaduais e Federais, conforme previsão do

art. 54, caput271

, da primeira, aplicado na segunda a teor de seu art. 1º272

.

Há também a previsão de gratuidade contida no art. 5º, LXXVII273

, para as ações

constitucionais de habeas corpus e habeas data, envolvendo, respectivamente, o direito

fundamental de liberdade de locomoção e de informação sobre dados pessoais, conforme

previsão dos incisos LXVIII274

e LXXII275

, do mesmo art. 5º. Ademais, há previsão de

postergação do recolhimento do custo tributário da função jurisdicional para o final da causa,

nas causas que tramitam sob o procedimento da Ação Popular (Lei 4.717/1965), conforme seu

art. 10276

, e da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), como prevê seu art. 18277

. Todas essas

visam facilitar à população o acesso à jurisdição pela supressão da barreira econômica.

Nesse quadro, além do “direito de entrada” garantido pelo acesso incondicionado,

cujos limites econômicos vêm sendo paulatinamente superados, o “direito de saída”, como

momento de fruição do bem da vida desejado pelas partes, também passa a ser discutido

(TAVARES, 2009, p.269). Hoje é absolutamente relevante o pensar sobre a questão temporal

do trâmite procedimental até a consecução das condições para prolatação da decisão, sendo

que a duração exacerbada tem sido considerada como “denegação de justiça”278

, encarada,

como já visto, como direito fundamental e, assim, aspecto da dignidade humana, conforme a

redação do art. 5º, LXXVIII279

, da CR/1988.

Dentro da idéia de resposta jurisdicional em forma e tempo adequados, a questão das

condições da ação tem assumido papel ainda mais relevante do que o imaginado na original

formulação liebmaniana, como técnica de sumarização do procedimento, pela supressão da

271

Art. 54. “O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas,

taxas ou despesas. [...]”. 272

Art. 1º. São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no

que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995.”. 273

Art. 5º. “[...] LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos

necessários para o exercício da cidadania.”. 274

Art. 5º. “[...] LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de

sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; [...].”. 275

Art. 5º. “[...] LXXII – conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas

à pessoa do impetrante, constantes de registrou ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter

público; b) para a retificação de dados, quando não prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou

administrativo; [...].”. 276

Art. 10. “As partes só pagarão custas e preparo ao final.”. 277

Art. 18. “Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários

periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em

honorários de advogado, custas e despesas processuais.”. 278

“Do aforisma „a justiça tarda mas não falha‟ passamos para „justiça que tarda é sempre falha‟ como

termômetro da insatisfação geral com a ausência de resposta e a frustração permanente em face da longa

tramitação dos litígios colocados ao manejo pelas partes e submetidos ao conjunto de órgãos estatais, judiciários

e administrativos.”. (TAVARES, 2009, p.270). 279

Art. 5º. “[...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurado a razoável duração do

processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.

130

audiência de instrução e julgamento, como apontado no capítulo anterior. O porquê de se

trazer qualquer condicionamento ao acesso à decisão de mérito encontra-se na formulação do

que, aqui, se denomina de “paradoxo do acesso”.

Vale ressaltar que em meio às questões do “acesso” e da “saída”, infelizmente, vem

sendo deixada de lado a da qualidade da resposta construída, bem como da forma utilizada

para sua efetivação: se baseada em meios coativos ou se pautada, principalmente, por meios

que busquem sua legitimidade. As condições da ação, e o Interesse processual, em especial,

passam também por essa reflexão, conforme discorreremos a seguir.

5.2. O “paradoxo do acesso à jurisdição” e sua solução pela criação de anteparos: papel

das condições da ação

Paradoxo pode ser definido como uma idéia que encerra em si uma auto-contradição

(POPPER, 1998a, p.289). Por paradoxo do acesso, podemos entender a idéia de que a abertura

incondicionada, e facilitada, a todos, da possibilidade de encaminhamento de suas pretensões

a um espaço para debate e julgamento no âmbito da função jurisdicional do Estado envolveria

um tamanho assoberbamento desta que impediria qualquer resposta, pelo menos, em tempo

razoável280

.

Uma das soluções para superação deste paradoxo, que vem sendo desenvolvida desde

os tempos de Liebman, seria a construção de anteparos ao acesso à jurisdição, tais como as da

época do regime militar281

, situação de defesa pela atual constitucionalidade, em face do

princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CR/1988).

280

Um interessante registro histórico sobre o problema é citado por René David, ao colacionar em sua obra, as

reflexões do imperador chinês K‟ang Hsi, que governou no século XII, a respeito do acesso incondicionado a um

sistema judiciário eficiente. Para o imperador, isso só faria com que os processos se multiplicassem de modo

assombroso, chegando à conclusão de que nem o emprego de metade da população no trabalho de solucionar os

litígios da outra, seria suficiente para dar vazão às demandas. Sua solução para o paradoxo foi a de que o

Judiciário deveria ser construído como um ambiente de atemorização da população, que deveria ser tratada sem

nenhuma piedade pelos tribunais, de forma a desestimular a busca por essa solução na resolução dos conflitos

interpessoais (1998, p.473). Ver nesse sentido, formulação a respeito do problema em nossa contemporaneidade,

por Maciel Júnior que informa que a razão para do citado paradoxo seria político-institucional, por conta da

desproporção entre a estrutura aritmética da organização judiciária e o crescente número geométrico da demanda

pela função jurisdicional do Estado (2009, p.306). 281

Nery Júnior traz a triste memória do AI (Ato Institucional) nº 5, de 13.12.1968, outorgado pelo Presidente da

República, que, em seu art. 11, excluía da apreciação jurisdicionais todos os atos praticados com base no citado

Ato Institucional e nos seus Atos Complementares. Tal ato cumpre ressaltar, no funesto período de exceção do

regime militar, foi “constitucionalizado”, pela EC (Emenda Constitucional) 1/1969 que, em seus artigos 181 e

131

Nesse quadro, a engenhosa solução encontrada para burlar a incondicionalidade do

acesso, foi o aproveitamento da teoria das condições da ação282

como forma de aceleração da

resposta jurisdicional, visto que o exame do mérito e sua vinculação à plenariedade da

cognição e ao modelo procedimental da ordinariedade seriam morosos e caros283

.

As condições da ação, em especial o Interesse Processual, funcionam como

instrumento de rápida resposta negativa à pretensão encaminhada ao Estado-juiz, o que, para

os teóricos instrumentalistas, não ofende o princípio do acesso à jurisdição, porquanto, em

que pese não ter havido tutela, houve regular resposta do Estado. Resposta esta que, inclusive,

para cumprir com seu objetivo de incremento de velocidade na “saída” da pretensão, é

dissociada da cognição plenária, da principiologia do Processo, da teoria da prova e da

fundamentação das decisões.

O grande problema das condições da ação está justamente no fato de, por se pautarem

na teoria de distinção entre “direito instrumental” (“adjetivo” ou “processual”), em

contraponto ao “direito substancial” (“material”), trabalham com a idéia, segundo a já citada

teoria da asserção, de que a profundidade da cognição está ligada ao objeto e ao momento da

pesquisa do magistrado: se no limiar do procedimento, é provisória e relativa às condições; se,

a critério do magistrado, posterior, é profunda e envolve definitivo juízo de mérito.

182, excluía da apreciação jurisdicional todos os atos práticos pelo “comando da revolução” de 31.03.1964.

(NERY JÚNIOR, 2002, p.99). 282

O termo “teoria” utilizado nessa expressão tem como objetivo a desmistificação das condições da ação, numa

visão não mais essencialista. Para Leal, uma teoria é a resultante discursiva, ou seja, a idéia conclusiva de uma

reflexão sobre a existência de uma especialidade temática (2008, p.268). Como tal, podem ser sempre

testificadas por serem falseáveis. As “condições da ação” possuem, assim, uma teoria a justificar sua presença,

com os fundamentos que se utilizam para sua inclusão no espaço pré-merital e como anteparo ao acesso à

jurisdição. Ao se submeter às condições da ação à testificação, que é o principal objetivo da presente pesquisa,

procura-se o questionamento de sua justificação em sua configuração atual e, não, a mera repetição de uma

posição ideologizada (como idéia dominante neste período histórico) ainda não inteiramente explicada por seus

defensores (LEAL, 2008, p.08). 283

Para Baptista da Silva, apesar de o procedimento ordinário ser capaz analisar toda a lide que eventualmente

possa ser apresentada pelas partes, possui como grande desvantagem o fato de ser exacerbadamente moroso e

complicado e, assim, absolutamente inoperante. Anota que o procedimento ordinário é de índole conservadora,

por imputar ao autor o ônus de aguardar a decisão, enquanto o demandado teria a possibilidade de se beneficiar

desta situação, já que a situação fática anterior ao processo é preservada durante todo o seu tramitar, que pode

chegar a vários anos. Afirma, ainda, que essa é uma característica herdada do século XIX, quando o juiz, e o

próprio Estado, no ideário liberal, não possuía poderes de intervenção no objeto litigioso, o que caracterizaria

uma atitude de passividade. Sugere a superação deste modelo pela adoção de um processo pautado pela

interditalidade, no qual o juiz tem poderes de outorga de decisões liminares e provisórias com o fim de

executividade imediata para alteração da situação fática dos envolvidos no conflito. (BAPTISTA DA SILVA,

2002, p.120-129). Vale a pena citação literal do autor: “Ocorre, no caso dos processos sumários, a reprodução do

velho e conhecido princípio segundo o qual o demandado antes de tudo prestará, para só depois discutir seu

direito e recobrar-se do que haja prestado injustamente solve et repete).”. (BAPTISTA DA SILVA, 2002, p.130).

Sobre o tema, discorrer-se-á mais pausadamente no próximo capítulo da presente pesquisa, quando da análise da

incompatibilidade das bases da interditalidade, da qual se vale a teoria da asserção para o exame das condições

da ação, em face dos princípios que norteiam nossa constitucionalidade democrática.

132

Leal (2005k, p.8) já aponta que urge a necessária desfragmentação do direito para

evitar a estigmatização e compartimentação das condutas humanas, situações que só tem tido

finalidade retórica, inquisitória e punitiva. As situações, portanto, baseadas na teoria da

asserção, visando à permissividade de uma justificação concisa e hipotética, só abrem

margem para o descumprimento do princípio constitucional da fundamentação das decisões,

já que a validade das decisões, aqui, passaria apenas pelo respeito ao seu prolator e aos meios

coativos utilizados para seu cumprimento, dos quais se menciona o traumático procedimento

da execução284

.

Ademais, a ausência das condições da ação é capaz de imputar ao demandante punição

exemplar por ter de arcar com os ônus econômicos da sucumbência (art. 20285

, do CPC).

Assim, o autor tem de ter “certeza na vitória” para se arriscar no retórico jogo de

convencimento que se forma no Processo, porque o risco de “perder” é punido com pesada

carga financeira: além de perder o valor despendido com a contratação de advogado e com as

despesas judiciais, tem de arcar com os honorários e despesas eventualmente despendidos

pela outra parte.

O Interesse processual, como barreira ao prosseguimento do procedimento, em

especial, dificulta ainda mais a tarefa de formação desta “certeza” no demandante,

constituído, em seu conceito tradicional, por elementos que facilitam incentivam juízos

arbitrários do magistrado, porquanto é exigido deste que complete, solitariamente, o sentido

das cláusulas abertas necessidade/utilidade. Tal situação só dificulta o esclarecimento, porque

este passa a ser um luxo caro, pela absoluta interdição da derrota286

.

284

Em que pese a maioria da literatura jurídica considerar a execução como um processo autônomo, esta visão é

formada a partir da confusão entre processo e procedimento. Esses autores imaginam uma principiologia,

inclusive, diversa na execução, mais aproximada de uma atividade administrativa do que de jurisdicional

propriamente dita. Esquecem que, na constitucionalidade em vigor, o processo é instituição jurídica cuja

principiologia é operacionalizada pela técnica procedimental. A execução nada mais é do que uma série de atos

previstos em lei com objetivo de efetivação de comandos adimplenciais (LEAL, 2008, p.300). Na positividade

infraconstitucional do Código de Processo Civil, a execução pode ser considerada como traumática por trabalhar

com meios coativos de cumprimento das decisões que, regra geral, lhes são precedentes, sanções que visam

exercer pressões psicológicas sobre o obrigado (como as medidas de apoio: astreintes, swang e contempt of

court), ou mesmo, a retirada forçada de bens do patrimônio do executado, independente e apesar de sua vontade.

É um procedimento que, na positividade atual, está construído por meios de aterrorização da parte com o fim de

cumprimento da obrigação, dando-se pouca atenção às razões do inadimplemento. A execução foi escolhida para

ilustrar esta passagem, justamente, pelo fato de esta se dar justamente quando o objetivo de esclarecimento e

legitimação, buscados pela utilização da principiologia do processo, não consegue ser atingido. Pode se pensar

na seguinte construção lógica: quanto menor for o grau de legitimidade da decisão, maior será a probabilidade de

esta só ser cumprida com utilização de violência. 285

Art. 20. “A sentença condenará o vencido a pagar à parte vencedora as despesas que antecipou e os

honorários advocatícios. [...].”. 286

Segundo Cappelletti e Garth, a sucumbência é responsável erigir barreiras ao “acesso à justiça”, por se tratar

de uma penalização dupla ao vencido, já que terá de que arcar com custas de ambas as partes. Isso levou os

autores a cogitarem a formulação da figura da “demanda fútil” como aquele que o custo econômico é superior ao

133

Ora, essa conclusão refoge, por inteiro, a uma metodologia do Processo baseada em

princípios autocríticos. Se o apontamento das aporias na argumentação do demandante é o

maior objetivo do contraditório, a fim de se buscar uma evolução da situação das partes pelo

esclarecimento trazido pela superação das falhas do discurso, isso não ocorre com a adoção do

instituto da sucumbência, porque esta atemoriza a parte quanto à possibilidade da refutação da

tese que esta apresenta para justificar sua pretensão.

O amedrontamento é, ainda, potencializado em se tratando das condições da ação, pela

dissociação da fundamentação qualificada da decisão e pelo abandono da cognição plenária,

ficando a parte à mercê, inclusive, de um juízo meramente hipotético que não precisa se

justificar de forma exaustiva.

O que se pode problematizar é a questão de um eventual “abuso” do direito. Sem

aprofundar no tema, o que se pode pensar, neste momento, é que, em casos de fraude

processual, ou seja, no cometimento de atos ilícitos no tramitar do procedimento, há que se

pensar na responsabilização do demandante, o que deverá ocorrer em um procedimento

autônomo, com cognição plenária287

.

5.3 O conceito de jurisdição na teoria neo-institucionalista do processo e a superação do

paradoxo do acesso sem a supressão de direitos fundamentais

Outro grande fator a dificultar a adoção de um ideário voltado para a evolução da

sociedade para o modo aberto do conviver está, justamente, na construção de um conceito de

jurisdição vinculado ao de judicação, conforme apontado por Liebman e por seus discípulos

da teoria instrumentalista. Ao se eleger apenas um dos Sujeitos como o selecionador das

pretensões que, hipoteticamente, terão condições de ser atendidas, trabalha-se com um

modelo autoritário de concentração de poder, por ser dificultado o controle da decisão

reflexo monetário da pretensão, apontando que, quanto menor o valor da causa, proporcionalmente, são maiores

os custos do processo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.17-19). 287

Nesse sentido, conferir Maciel Júnior (2009, p.301), bem como Leal, o qual se cita literalmente: “A prática de

penalizar as partes (seus procuradores) em ações (procedimentos) não instaurados a esse fim, como está nos arts.

17 e 18 do CPC, com sanção simultânea à declaração auto-executiva de direitos ressarcitórios, é negação

explícita do devido processo legal (art. 5º, LIV, CR/88) para a construção de sentença de mérito ressarcitório

que, no direito brasileiro, em face do paradigma constitucional de Estado de Direito Democrático, não pode

revestir a forma de ato interditivo. Daí a inconstitucionalidade dos arts. 17 e 18 do CPC, bem como do item II do

art. 273, que não geram validade no Estado de Direito Democrático em razão de admitirem decisão interditiva

por fatos só suscetíveis de verificação de certeza pelo processo legal específico.”. (2008, p.170).

134

proferida pelo magistrado. Primeiro, porque as justificativas de tal decisão não são aparentes

em seu texto por esta ser “concisa”. Em segundo lugar, porque, se os critérios são arbitrários e

subjetivos, a via recursal só encaminharia a outro juízo, agora colegiado, com subjetividade e

arbitrariedade formada por soma de votos a constituir uma maioria absoluta.

5.3.1 A releitura do conceito de jurisdição pela teoria neo-institucionalista do processo

Pode se pensar numa releitura do conceito de jurisdição, ao sugerir-se, conforme

defende Brêtas C. Dias, como a atividade estatal responsável pela aplicação imperativa e

imparcial do direito (2004a, p.76), e o conceito de tutela jurisdicional como a responsável pela

definição dos conteúdos da lei (LEAL, 2008, p.277). Tal atividade, exercida por todos os

sujeitos do processo, só poderia ocorrer a partir da prévia definição de uma metodologia

técnica a guiar a interpretação, como uma série de atos previstos na lei (procedimento),

pautada em uma hermenêutica definida na Constituição brasileira.

Essa seria a teoria de Processo adotada pelo constituinte, que, no ordenamento

brasileiro, é definidora de uma conduta, para todos os partícipes, pautada pela dialogicidade

entre todos os envolvidos na atividade, sejam os sujeitos parciais (partes), seja o sujeito

imparcial (juiz). Divorcia-se da antiga idéia de judicação como atividade apenas da

magistratura, defendida por Liebman (2003, p.23), para adoção de uma função de

compartilhamento de subjetividades e, portanto, de criação de intersubjetividades.

Muito mais que atividade do juiz, a jurisdição passa a ser a atividade do juízo, como

órgão do Estado responsável pela criação de um ambiente propício ao surgimento de

discussões que se pautem por uma racionalidade que busque o esclarecimento288

. Este sim

será o responsável por conferir legitimidade a estabilizar a decisão proferida, ou seja, a

garantir sua efetividade sem que seja necessário lançar mão de meios de amedrontamento dos

seus destinatários pela ameaça de uma sanção violenta. Logo, contribui-se com a redução de

coatividade e sua substituição por legitimidade, no quadro dos meios de efetivação das

288

“O juiz é a pessoa física representante e atuadora exclusiva do órgão jurisdicional (juízo) de que é titular.

Lembre-se que, em harmonia às correntes teóricas modernas, a sentença não é mas ato solitário do juiz, mas

decisão do juízo que impessoaliza a atividade jurisdicional, porquanto, ao se proferir julgamento no sistema de

civil Law, não se conta a sensibilidade do juiz, mas a observância do princípio da legalidade que se lhe sobrepõe

por força constitucional, como dissertado longamente em tópicos deste trabalho.”. (LEAL, 2008, p.250).

135

decisões jurídicas, objetivo principal da ordem constitucional atual quando, em 1988, assumiu

a tarefa de construção de uma sociedade democrática289

.

Na constitucionalidade brasileira em vigor o acesso à função jurisdicional é

incondicionado, conforme a expressa previsão do art. 5º, XXXV, da CR/1988, justamente

porque envolve o acesso a uma via de realização de vida (contraditório), igualdade (isonomia)

e liberdade (ampla defesa). Mas não o acesso a uma jurisdição que seja sinônima de

judicação290

.

Hoje, busca-se visualizar a atividade jurisdicional pelo prisma do juízo, como espaço

em que se constroem procedimentos aptos a permitir a participação dos destinatários da

decisão em sua construção, haja vista se trata de uma visão de acesso ao devido processo291

.

Nesse quadro, não há que se falar em interesse do Estado dissociado do interesse do cidadão.

Ambos, pela leitura do princípio da isonomia, têm igualdade de tratamento legal. Logo, não se

pode falar em sobreposição do custo econômico dos procedimentos como óbice ao

encaminhamento das discussões.

Visualizando o Processo não mais como o “espírito que move a estrutura extrínseca do

procedimento”, animado pela relação processual (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,

2001, p.277), mas como instituição que permite a construção do direito de forma participada

por todos os envolvidos na regra de conduta a ser aplicada para o agir em face do outro, torna-

se insustentável a defesa de um instituto jurídico como o Interesse processual nos moldes

atuais.

Afirmamos isso porque, com uma modificação na idéia de Processo para o meio de

construção pacífica e racional de soluções, que prima pela participação amplamente permitida

pela lei de forma isonômica (LEAL, 2008, p.35-39), a idéia tradicional de interesse perde seu

sentido.

289

“[...] Na democracia, a mundanidade do direito não tem existência coercitiva ou força normativa enquanto

não se encaminha ao espaço legiferante ou correcional reconstrutivo da procedimentação devidamente

processualizada.”. (LEAL, 2002, p.104). O autor ainda informa que, a partir dos estudos de Habermas, já se sabe

que, na democracia, a força do direito não está na possibilidade de utilização da violência física ou psicológica,

mas no fato de cada um cumprir as determinações legais interpretadas por se enxergar como autor destas (LEAL,

2002, p.131). 290

Aqui, sinônimo de atividade do juiz, como queria Liebman: [...] “as pessoas que exercem a jurisdição são os

juízes e forma em seu conjunto a magistratura [...]”. (2003, p.23). O juiz também é visto como o intérprete

qualificado da lei (2003, p.24). Também, entre nós, Dinamarco: “Essa explicação segue a linha usual, na

indicação da jurisdição pelo tríplice aspecto da atividade (conjunto de atos do juiz), da função (escopo primacial

de pacificar com justiça) e do poder. [...]” (2000, p. 116). 291

“O amplo acesso à justiça, compreendida como jurisdição, conclama uma reflexão sobre o tempo e o espaço

de participação no procedimento, estrutura técnica do processo. [...] Deve-se democratizar o devido acesso à

justiça (jurisdição) pelo acesso ao devido processo legal a qualquer da coletividade ou do povo ou mesmo a

qualquer pessoa, física ou jurídica, sem restrições quanto à legitimidade e aos interesses. Inexiste autêntica e

legítima democracia sem que haja autêntica e legítima participação facultada pelo processo, iniciado pelo

advogado ou pelo defensor público, capaz de concretizar a ação e a defesa técnica”. (SANTOS, 2007, p. 12-14).

136

Num pensamento tradicional em que a jurisdição e Processo são institutos jurídicos

utilizados para batalhas entre as partes, baseadas sempre na idéia de busca por uma vitória

triunfal, a idéia de interesse processual até teria alguma serventia. Se se busca a todo custo a

vitória total292

, evitando-se a penalização pela sucumbência, realmente podemos pensar em

inutilidade de atividades e de custo social pela “importunação” da autoridade com “súplica”

desprovida de fundamento. Nesse quadro, em que o cidadão é visto como inferior aos

funcionários públicos responsáveis pelo recebimento de sua queixa, pode-se, realmente, na

necessidade e utilidade de construção de anteparos ao acesso, seja à jurisdição, na visão de

Liebman, seja ao devido processo, num ponto de vista mais moderno.

O grande problema é que o paradoxo do acesso à jurisdição, em um sistema que se

quer democratizar, não pode ser resolvido pelo mero silenciamento das partes e por sua tutela

por um julgador pressupostamente idôneo. Franz Kafka, na memorável obra Der Process (O

Processo), já criticava a construção de anteparos para as pretensões dos cidadãos, ao criar a

brilhante alegoria do indivíduo que nunca é atendido por sempre estar perante a lei, e nunca

nela, barrado que sempre fica pelo porteiro da lei (KAFKA, 2007, p.238-240)293

. Se nenhuma

lesão ou ameaça a direito pode se ver impossibilitada de apreciação jurisdicional, não tem

292

Anote-se que a “vitória” parcial também é penalizada pela sucumbência recíproca, conforme a previsão do

art. 21, do CPC, in verbis: “Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e

proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.”. Nunca é demais lembrar,

sobre o tema, a visão de James Goldschmidt, ao imaginar o processo como local de estruturação de situações

jurídicas trazidas pelas partes, cujo estado de incerteza seria superado pela decisão judicial que apontaria o

vitorioso num jogo retórico de convencimento do julgador, retórico a ponto de o juiz não ser passível de erros e

não estar vinculado à argumentação das partes (LEAL, 2008, p.79-80). Segundo reflexão de Leal: “[...] Por fim,

para Goldschmidt, o processo era uma forma alegórica de canteiro judicial onde as partes lançavam suas

alegações que poderiam ou não germinar pelo adubo íntimo do julgador. [...].”. (LEAL, 2008, p.81). Pela

clareza, imprescindível citação da explanação de Couture, ao utilizar a analogia da guerra para ilustrar a teoria do

processo como situação jurídica: “Sob a égide de uma frase de Spengler, que concita a substituir a justiça estática

dos romanos por uma justiça dinâmica, o autor adverte que o espetáculo da guerra o convenceu de que o

vencedor pode vir a desfrutar um direito que se legitima pela única razão da luta. Em tempo de paz o direito é

estático e constitui um domínio intocável: essa situação do direito político reflete-se de idêntica no direito

privado. Rebenta, entretanto, a guerra, e então o direito fica pendente da ponta da espada: os direitos mais

intangíveis são afetados pela luta e todo o direito, em seu conjunto, não é mais que um complexo de

possibilidades, de encargos e espectativas (sic). Também no processo o direito fica, da mesma forma, reduzido a

possibilidades, ônus e espectativas (sic), já que não é outra coisa o estado de incerteza que se segue à propositura

da ação e que faz com que, pelo exercício de uma atividade, ou pelo seu abandono ou negligência, possam vir a

ser reconhecidos, exatamente como na guerra, direitos que não existem.”. (COUTURE, 1946, p.98). Em síntese,

a teoria do processo como situação jurídica tem como seus dois fundamentos a não relação do juiz com as partes,

já que este decide por conta de um dever funcional, e a mutação do direito de um estado estático para um estado

dinâmico, no processo, que consiste em sua transformação em simples expectativa (COUTURE, 1946, p.97-99). 293

“[...] diante da lei está postado um guarda. Até ele se chega um homem do campo que lhe pede que o deixe

entrar na lei. Mas o sentinela lhe diz que nesse momento não é permitido entrar [...]. Quando o guarda percebe

isso [que o homem olha através da porta da lei, semi-aberta] desata a rir e diz: „Se tanto lhe atrai entrar, procura

fazê-lo não obstante a minha proibição. Mas guarda bem isso: eu sou poderoso e contudo não sou mais do que o

guarda mais inferior; em cada uma das salsa existem outros sentinelas, um mais poderoso do que o outro. Eu não

posso suportar já sequer olhar do terceiro‟. O camponês não esperara tais dificuldades; parece-lhe que a lei tem

de ser acessível sempre a todos [...] (KAFKA, 2007, p. 239).

137

sentido dizer que essa apreciação ocorre justamente com a decisão que denega sua análise, por

suposta inutilidade e desnecessidade. Talvez, o que se tenha de pensar são os motivos de

aumento da litigiosidade, aspectos pouco estudados294

. Não dilapidar o acesso à jurisdição, ou

construir teorias que justifiquem um “pseudo-acesso”, como as atuais que procuram dizer que

a chamada “ação constitucional” estaria garantida pela decisão que impedisse a plena

discursividade entre as partes.

O paradoxo do acesso à jurisdição não pode ser combatido pela interdição a um espaço

de discursividade processualizada. Maciel Júnior aponta que, até por uma questão de lógica,

por ser a Ação Processual um meio de fruição do direito, não pode criar, por ela própria,

obstáculos ao atingimento deste fim (2009, p.301), o que nos leva a cogitar outras soluções

para o problema, diversas da interdição da discursividade das partes, conforme veremos

abaixo.

5.3.2 A Ação Processual (procedimento) e a Jurisdição: vinculação à principiologia do

processo e a conseqüente criação de espaço para discursividade autocrítica

A Ação Processual como instituto de acesso à jurisdição, ao ser tratada como

seqüência de atos jurídicos na estrutura procedimental, vincula-se ao devido processo e a sua

principiologia. Não há que se falar em ação, portanto, condicionada à presença de

legitimidade, interesse e possibilidade jurídica, considerando ser ela o direito fundamental do

cidadão brasileiro de poder discutir a forma de seu viver em um diálogo qualificado por

características de autocrítica: contraditório, ampla defesa e isonomia.

Para tanto, analisaremos como convivem os procedimentos e a Jurisdição com a

principiologia do processo e como a aplicação desta permite a superação do paradoxo do

acesso pela discursividade esclarecedora e não pelo silenciamento dos indivíduos.

A adoção de uma jurisdição compartilhada295

já é um grande caminho para o

atingimento de uma sociedade aberta. Abre-se mão de um intérprete iluminado e autorizado,

294

Segundo relatório do Ministério da Justiça intitulado de “Acesso à Justiça por Sistemas Alternativos de

Administração de Conflitos”, entre 1989 e 2004 houve um aumento enorme do número de pedidos junto à

função jurisdicional do Estado, que tem sido utilizada, na grande maioria das vezes, por grandes corporações e

pela própria Administração Pública, em todos os seus níveis, estando, ainda, a população de baixa renda alijada

desta função do Estado (2005b, p.07-09). 295

Por jurisdição compartilhada, conforme preceitua Madeira, deve-se entender a função do Estado em que

consiste na atividade de construção do sentido (conteúdo) da lei, a partir da aproximação dialógica dos sujeitos

138

para responsabilização das partes na atividade de esclarecimento e construção do sentido da

lei ao definir se a pretensão de qualquer uma delas encontra-se dentro do padrão de licitude

definido na legislação. A principiologia do Processo, por informar a construção dos

procedimentos, portanto, vincula a atividade judicial, como a realizada no ambiente do juízo,

por ser a responsável por viabilizar a atitude crítica de todos os partícipes. Nunca é pouco

lembrar que, segundo Popper, a crítica é a única forma de se superar pontos de discordância

por caminhos não violentos (1999, p.75, 88).

Leal, ao afirmar que o direito de ação é co-extensão do procedimento, apresenta

proposta para superação do “paradoxo do acesso”. O afirmar que a Ação Processual, como ato

jurídico, é a constante participação discursiva durante todo o tramitar no espaço lógico da

formulação das decisões, dá ao instituto papel importantíssimo na efetivação dos padrões de

dignidade traçados na Constituição brasileira e, assim, potencializa o sentido de cidadania296

,

que evolui da mera retórica do direito à identificação, ao alistamento militar, pedido de

informações e voto, conforme redação do art. 1º297

, da Lei 9.265/1996, regulamentador do art.

5º, LXXVII, da CR/1988, para estado de fruição dos direitos fundamentais.

Só pela abertura a um procedimento de cognição plenária em que todas as questões

encaminhadas pelas partes tenham igual peso e forma de serem decididas é que será possível a

superação da idéia dos anteparos, a criação de mais espaços de dignidade para o cidadão

brasileiro298

.

Daí a crítica de Leal (2005k) aos autores que constroem um conceito de jurisdição

dissociada da teoria do processo como instituição de uma racionalidade discursiva balizada

por princípios autocríticos (neo-institucionalista). Se a função estatal estiver desvinculada de

uma principiologia autocrítica, são muito diminutas as chances de construção de legitimidade,

do processo (partes e julgador). Segundo o autor mineiro: “Ambas, cognição e jurisdição, devem se apresentar

como atividades compartilhadas, regidas pela Teoria do Processo, num espaço procedimental formalizado e

orientado pelos princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia. [...].”. (MADEIRA, 2006, p.111). 296

“[...] Na contemporaneidade dos estudos da teoria da democracia, a legitimidade e aplicação do direito são

entendidos como irrestrito direito-de-ação coextenso ao procedimento (legitimatio ao processo) como direito

fundamental de aquisição e atuação de cidadania.”. (LEAL, 2005l, p.7). 297

Art. 1º. “São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados: I – os que capacitam

o cidadão ao exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da Constituição; II – aqueles referentes ao

alistamento militar; III – os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a

instrução e defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na ordem pública; IV – as ações de

impugnação de mandato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude; V – quaisquer

requerimentos ou petições que visem as garantias individuais e a defesa do interesse público; VI – o registro civil

de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.”. 298

“[...] O preâmbulo constitucional é, portanto, o portal aberto a esses direitos (discurso retoricamente

afirmativo) sem que ninguém mais possa abri-los, porque já se encontram abertos ante todos, como no conto de

Kafka (perante a lei) e guardados em seus sentidos herméticos pelos três poderes (legislativo, executivo e

judiciário) que se incumbem de assegurar que todos fiquem perante a lei sem jamais nela entrarem para

intratextualizá-la e fruí-la em seus conteúdos de validade e legitimidade.”. (LEAL, 2006b, p.90).

139

considerando que, com a complexidade social que impera na contemporaneidade, não há mais

espaço para adesão às opiniões de um julgador que se apresente como um totem299

. Nesse

quadro, a efetividade das decisões é buscada por meios cada vez coativos, pelo

amedrontamento da população, seja pela eleição de anteparos cada vez mais presentes, seja

pelo aumento da violência institucionalizada, de forma cada vez mais ostensiva, tudo em um

padrão digno de uma autoritária sociedade fechada300

.

Para tanto, só a vinculação dessa atividade estatal responsável pela solução pacífica e

democrática dos conflitos, por meio de uma racionalidade discursiva que aproxime os sujeitos

afastados por suas divergências, a uma principiologia que permita a objetivação do órgão

estatal será capaz de levar a uma sociedade aberta. Nunca é demais lembrar que, na

democracia, as decisões buscam seu efeito vinculativo na legitimidade alcançada pelo

Processo no qual os destinatários participam ativamente. Ademais, as instituições

democráticas devem ser despersonalizadas, de forma que elas sejam sólidas, independente dos

indivíduos que estejam ocupando os cargos responsáveis por sua operacionalização prática,

sempre havendo a possibilidade de controle pelos destinatários das decisões301

.

Jurisdição, como atuação dos conteúdos da lei (LEAL, 2008, p.283), por ser a função

estatal a permitir a utilização de um espaço lógico para o esclarecimento por uma

discursividade autocrítica, passa a trabalhar com base em um ideário de mecânica gradual.

Deixa de lado a missão de pacificação social, até porque esta é uma meta muito ambiciosa, e,

portanto, utópica, por exigir a eliminação da “tensão social”, o que os fatores da derrocada da

sociedade fechada demonstraram ser uma tarefa por demais impossível.

Passa, então e apenas, a tentar buscar um critério para o agir em face de uma situação

litigiosa pela construção conjunta do sentido do padrão de licitude contido na lei, visando

legitimidade na decisão final a este processo. Assim, é possível a consecução por parte de

todos os sujeitos envolvidos no processo do objetivo, modesto, de redução da utilização de

299

“[...] A jurisdição, sem procedimento e processo, é a tônica da contemporaneidade tirânica, travestida de uma

efetividade processual, que prolonga secularmente a sociedade civil, fixando-a dentro e fora do Estado, à

margem da lei [...] ao se encravar numa zona de anomia que embosca a lei estatal num espaço extra-sistêmico

com força de lei e em nome da lei (caráter constitutivo e legiferativo-suplementar da atividade jurisdicional).”.

(LEAL, 2005k, p.5). 300

“[...] Por isso é que a jurisdição nessa conjectura atua pelo Estado-Juiz que é a forma secular de expressão

(seqüela) da sociedade civil como vontade suprema dos patrimonializados (civis). O julgamento do povo

cidadanizado e descidadanizado fica à mercê, sem o devido processo democraticamente constitucionalizado, de

uma Justiça concebida como poder de sentenciar (declarar e executar) o destino dos despossuídos. [...].”. (LEAL,

2005k, p.4). 301

“O que se teria no direito democrático constitucionalizado é a despersonalização de uma justiça de um

Judiciário mítico (vassalo de Themis) e a instituição de um logos argumentativo-discursivo pelo direito ao

contraditório na formação das opiniões e vontades construtivas, reconstrutivas e aplicativas da lei jurídica. [...].”.

(LEAL, 2005l, p.7).

140

meios violentos para efetivação das decisões, pelo fato de o cidadão se enxergar co-autor da

decisão em questão.

A idéia da jurisdição como pacificadora, inclusive, encerra em si uma contradição

imanente. Ao se exigir que, para que a jurisdição pacifique pela sentença de mérito, a parte

demonstre um conflito prévio, o resultado prometido, ao se concretizar de forma universal,

acabará por tornar toda função jurisdicional, e a burocracia responsável por sua

operacionalização, absolutamente inúteis, já que não haverá mais qualquer conflito a ser

“pacificado”.

O objetivo, portanto, de pacificação pode ser considerado como uma utopia,

considerando ser de impossível atingimento por conta dos interesses envolvidos na estrutura

econômica criada pela burocracia, mitificada pela presença de grandes edifícios, vestes

cerimoniais, e linguagem excluidora. Pode-se até cogitar, como o faz Leal (2009, p.285), se

não há, por esta “justiça civil”, arbitradora de conflitos (disputa de poderes), a fomentação de

uma sociedade contenciosa (dialética)...

A paz, na jurisdição instrumentalista, é considerada como uma espécie de prazer

(satisfatividade) e, portanto, não passa de uma ambição desmedida. Daí a sugestão de se

buscar a realização de uma promessa mais simples: a mera facilitação da solução do conflito,

pela abertura para um espaço de racionalidade diferenciada, pelo fato de seu único objeto ser

o esclarecimento das partes quanto à melhor forma de agirem no mundo, construindo em

conjunto o sentido da legalidade. Assim, poder-se-ia falar em uma jurisdição que se fizesse a

partir de uma mecânica social gradual, conforme já mencionado no primeiro capítulo desta

pesquisa, o que efetivamente ocorre quando esta é regida pela principiologia do Processo.

Idéia de construção de certezas pela decisão jurisdicional, também, não passa de uma

utopia, até porque, segundo Popper, a certeza não passa de uma hipótese psicológica (2006,

p.48), o que informa a contemporânea idéia de ciência como saber precário, provisório, a ser,

a toda oportunidade, testificado (POPPER, 2004, p.54; 2006, p.56; 1998b, 394-396).

Adotando-se o falibilismo das decisões jurisdicionais, as sentenças deixariam de ter ênfase

numa teoria de declaratividade, para possuírem efeitos constitutivos de um novo estado

mental nas partes, pela adoção do princípio da transferência302

: de um estado sempre

302

O princípio da transferência, segundo Popper (1999), é o que defende que, em que pese a consciência de que

cada resultado de uma discussão não passa de uma teoria, ou melhor, de uma mera conjectura hipotética sobre a

verdade. Ele serve de critério para o agir no mundo enquanto não se inicia novo processo de testificação e se

busquem conclusões melhores. O princípio da transferência tem sido muito útil ao direito na releitura sobre a

coisa julgada, quando esta, a partir dos estudos de Leal já apontados no capítulo anterior, deixa de ser cláusula de

silenciamento por impedir a discutibilidade ou mutabilidade do julgado, para ser simplesmente sua exigibilidade

(aptidão para produzir efeitos no mundo da vida) provisória enquanto não se constrói regra melhor.

141

provisório porque falível e falseável, o que nos remonta à nova visão da coisa julgada, agora

apenas como exigibilidade do decidido, não como imutabilidade e indiscutibilidade303

.

Nesse quadro, os procedimentos jurisdicionais também precisam ser cada vez mais

processualizados, ou seja, serem local de operacionalização técnica da principiologia do

Processo, já que muitos foram construídos antes da ordem constitucional em vigor e outros,

criados posteriormente, são absolutamente inconstitucionais por vinculação ao modelo

autoritário a ser superado pela democracia. Afirma-se isso porque, enquanto formados por um

modelo legal, composto de regras definidas na legislação, os procedimentos são construídos e

interpretados através dos princípios processuais, conforme o que vem defendendo Leal, em

visão que já supera a de Fazzalari304

.

Cita-se, como bom exemplo de processualização do procedimento, a permitir sua

democratização, a audiência do art. 331, do CPC, que, ao criar um ambiente de debate oral

entre as partes, seus procuradores e o magistrado, para tentativa de conciliação mediada,

saneamento do feito, fixação de pontos controvertidos e análise da pertinência das provas,

aproxima as partes e é capaz de permitir um exemplo de que a decisão é efetivamente

construída de forma compartilhada305

.

303

Se o que se busca pelo processo não é mais a certeza ou segurança jurídica, mas o esclarecimento das partes

pelo discurso encaminhado por meio de sua principiologia no espaço jurisdicional, a coisa julgada também deixa

de ser cláusula de silenciamento de novo encaminhamento de pretensão. Ao ser a coisa julgada tratada como

característica de exigibilidade que a decisão ganha por ter passado por um processo que buscou sua legitimidade,

os resultados do debate das partes, sempre provisórios, poderão ser revistos em novo procedimento, desde que

sejam apontados novos argumentos que problematizem eventuais aporias presentes na discussão já findada e que

se quer, novamente, iniciar. Supera-se, assim, a estranha e polêmica distinção entre coisa julgada “formal” e

“material”, bem como as tentativas de “temperamento” da radicalidade da segunda, como as teorias da “coisa

soberanamente julgada” (que supostamente ocorreria após o prazo decadencial de dois anos para ajuizamento da

ação rescisória, a teor do art. 495 do CPC), e da “relativização da coisa julgada”. 304

Fazzalari teve o grande mérito, em sua teoria, de erigir o contraditório como elemento formativo do conceito

de processo, elemento que lhe transformava em um procedimento qualificado por buscar a participação ativa dos

envolvidos na formação da decisão. Ocorre que, justamente por ser um qualificativo, o contraditório não é

elemento essencial dos procedimentos, de forma a permitir a construção de decisões, dentro da positividade, sem

sua aplicação. O autor italiano, portanto, vê a possibilidade, apesar de não ser a melhor opção, de construção de

procedimentos fora da estrutura do processo (FAZZALARI, 2006; GONÇALVES, 1992). Leal (2008) avança,

justamente, por buscar a construção dos procedimentos a partir da principiologia do processo, por não conseguir

imaginar como uma decisão poderia conviver de forma válida e legítima na democracia se não foi construída em

um ambiente de contraditório, ampla defesa e isonomia, principalmente pela expressa previsão do art. 5º, LIV e

LV, da CR/1988. 305

“[...] Essa audiência pode ser considerada o momento mais democrático de todo o procedimento ordinário,

porque quebra o paradigma monológico da fase predominantemente postulatória e instaura uma atividade

dialógica entre os sujeitos do processo (tanto os parciais – as partes – quanto o imparcial – o juiz).”. (REIS,

2007, p.135) E ainda: “A audiência do art. 331 é um importantíssimo mecanismo de sumarização do

procedimento, visto que, com sua realização, as partes têm um contato direto e podem chegar a auto-

composição. Se não se atingir esse objetivo, através de uma atividade dialógica dirigida pelo magistrado, esse

fixa, em conjunto com as partes, ouvindo e ponderando seus argumentos, os pontos controvertidos (questões) da

lide para que, também em conjunto, discutam a respeito da pertinência das provas requeridas e especificadas por

ocasião da defesa e petição inicial. A prática dessa atividade, certamente, evitaria qualquer recurso de agravo a

respeito do provimento interlocutório fruto da audiência, porquanto se todos os sujeitos do processo participam

142

Há outros exemplos no ordenamento jurídico brasileiro, como, menciona-se ainda, o

caso da elaboração do plano de recuperação judicial, sujeito a um amplo debate na assembléia

de credores, conforme o previsto nos artigos 35 a 46, da Lei 11.101/2005.

Com o instituto do Interesse processual funcionando como anteparo à plena

discursividade entre as partes, principalmente pela necessidade e utilidade serem encaradas

sob argumentos subjetivos e axiológicos do julgador, trabalha-se, com uma pacificação pelo

silenciamento. Silenciamento construído a partir de penalização cada vez mais onerosa para

aquele que se atreveu a encaminhar sua pretensão e a insistir nesta discussão.

Têm os mais brilhantes sociólogos de nossos tempos, dos quais citamos Habermas

como exemplo, defendido a idéia de que, em sociedades pós-modernas, marcadas pelo

pluralismo, a força e as sanções são incapazes de estabilização das relações (apud CRUZ,

2006, p.129-130). Para tanto, o meio mais eficaz para a execução prática da decisão no mundo

da vida, é através da construção do entendimento, numa epistemologia linguagem-mundo, ou

seja, através da busca pelo esclarecimento pela discursividade, como já reiteradamente

registrado nesta pesquisa. A argumentação, aqui, deixa de ser estratégica, por não haver mais

medo de derrota, para ser perlocucionária, no sentido de visar apenas o esclarecimento, a

validação de sua pretensão perante o outro.

O papel do Processo, na contemporaneidade está completamente modificado, assim,

como o do procedimento e o da jurisdição. O primeiro passa a ser a instituição que informa as

condições básicas para uma comunicação que possa resultar nos resultados acima descritos306

.

O procedimento, como série ordenada de atos pela legislação, estabiliza a forma de

encaminhamento da discussão, operacionalizando os princípios processuais. E a jurisdição,

como função do Estado, deixa de ser atividade do juiz, para se tornar espaço lógico de

discursividade, de construção compartilhada da razão que, a partir da lei como padrão

comportamental, criará a regra a ser adotada pelas partes no caso concreto.

ativamente de sua construção, essa decisão será fruto de um consenso e, assim, não haverá qualquer interesse em

recorrer.”. (REIS, 2007, p.135). 306

“Aqui, o que se pretende ressaltar é a total inocuidade de um discurso constitucional, quanto a direitos

porventura ali assegurados, se não considerados como conteúdos de um sistema lingüístico permanente aberto à

textualização (LOPES, 1978, p.5-7) por todos os integrantes de uma comunidade jurídica como conjunto total de

legitimados ao processo e processo como o lócus (interpretante) teórico-jurídico do exercício intertextual do

discurso da constitucional segundo princípios autocríticos (contraditório, ampla defesa, isonomia) como direitos

fundamentais de desconstrução de sentidos (argumentação) ao controle proposicional da normatividade à

fundação de uma sociedade jurídico-político-democrática. Exatamente essa teoria (paradigma), que já se

encontra conotada na escritura (discurso) constitucional brasileira (art. 5º, incisos LIV e LV) e que não vem

sendo hermeneutizada, está a provocar o caráter tópico-retórico e pragmático-lingüístico dos pleitos de

estatalidade, cidadania, dignidade, vida, liberdade, igualdade, por significados equívocos miticamente

denotados.”. (LEAL, 2006b, p.90).

143

Neste contexto, o magistrado é apenas mais um dos interlocutores, aquele que, por

função, mediará, através das regras construídas por uma legislação processualizada, as

pretensões das partes, tudo de forma a visar, sempre, o esclarecimento e pacificação pela

razão. A função jurisdicional, portanto, é a que responde pelo dever de garantir a vigência da

instituição do Processo (LEAL, 2005c, p.42).

Deixa-se, adotando este ponto de vista, de se trabalhar uma idéia de Processo como

campo de batalha, em que haverá vencedores e vencidos. Passa-se a visualizá-lo como

instituição a balizar oportunidades de esclarecimento pela discursividade e, assim, pela

expressão da individualidade voltada para o outro, que passa a ser o destinatário de toda a

razão. É, o processo, chamado por Leal, de medium lingüístico, justamente, por ser o canal de

construção compartilhada do sentido da norma, numa atividade de interpretação que testifica

as conjecturas apresentadas por cada parte, e até mesmo pelo julgador307

. Construção de uma

racionalidade solidária e, portanto, intersubjetiva, é um dos objetivos do sistema

constitucional brasileiro, conforme o expressamente disposto no art. 3º, I308

, da CR/1988.

Construção de decisões justas, no sentido de equilibradas pela participação de todos os

destinatários que serão sempre seus co-autores.

O Interesse processual, nesse quadro, dissociado do individual desejo de realização de

uma pretensão, tende a desenvolver-se no sentido de seu termo original inter esse – “entre

esses” – como forma de inclusão na cidadania pelo Processo. Se a parte tem a possibilidade de

tentar realizar seu desejo junto com o outro, e não contra o outro, se o “adversário” deixa de

ser o obstáculo a ser eliminado para ser o destinatário da vontade de esclarecimento, não

poderemos trabalhar um instituto que se forme pré-processualmente e cuja presença seja

auferida solitariamente pelo julgador através de juízos hipotéticos e axiológicos.

Logo, só há espaço, a partir destas considerações, para um Interesse processual que se

desenvolva no e pelo Processo, instituição que permite a construção de um espaço lógico de

aproximação das individualidades para o esclarecimento.

Popper já trabalhava com essa idéia, ao afirmar que urge a construção uma nova ética

de convivência na qual o sucesso não seja mais o supremo juiz (1998b, p.286). Pela proposta

aqui apresentada, o esclarecimento é o fim último. Se assim for, qualquer discussão é útil e

necessária, não se podendo falar em anteparos.

307

“[...] Advindo o homem de línguas que originalmente não criou, há de ser posto um direito que lhe permita

ser autor de si mesmo pela possibilidade de contrariar linguagens pré-unificantes e fundar lingüisticidades

habilitadas a legislar suas opiniões e vontades por critérios continuamente obtidos em bases processualizadas.”.

(LEAL, 2006b, p.98). 308

Art. 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade

livre, justa e solidária [...].”.

144

Se os sujeitos participantes são esclarecidos por um procedimento que culmina em

uma decisão, não há que se falar, sequer, em derrotados. Todos saem vitoriosos, até por terem

tido a oportunidade de perceber o desacerto de sua pretensão inicial (seja, inclusive, de

resistência), por ter sido ela testificada pela crítica do outro309

. Assim, passa-se a buscar uma

decisão desubjetivada do julgador, para ser objetivada pelo juízo compartilhado.

Percebe-se que o Interesse não consegue resolver o problema do paradoxo do acesso.

O silenciamento das partes só aumenta a tensão social, por trazer absoluta descrença em um

sistema judiciário que não busca legitimação. O problema da morosidade e abarrotamento da

função jurisdicional só pode ser resolvido por duas frentes: evolução das relações pessoais,

por sua processualização pela expansão dos princípios do Processo para as relações privadas

(FAZZALARI, 2006, p.38) e rediscussão do orçamento público para cumprimento das

garantias constitucionais (TAVARES, 2007, p.117), até porque, o que se tem hoje, em termos

de operacionalidade da função jurisdicional é o desenvolvimento de uma atividade meramente

fabril (LEAL, 2009, p.297), a qual interdita a possibilidade de formulação de uma linguagem

autocrítica em que a parte seja visualizada como parceiro do sistema normativo (LEAL, 2009,

p.290-291).

Outras soluções para desabarrotamento da função jurisdicional já vem sendo

trabalhadas dentro de nossa positividade. Cita-se, como exemplo, a facultatividade da

utilização de arbitragem privada, conforme previsão do art. 1º310

da Lei 9.307/1996; pelo

incentivo à conciliação311

; pela tentativa de solução administrativa de problemas312

; pela

309

Visão que se tem quando se adota uma metodologia falibilista, em que o conhecimento evolui na submissão

das conclusões apresentadas ao teste da crítica do outro (intersubjetividade). Ver, nesse sentido, POPPER, 1999,

p.23-33. 310

Art. 1º. “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a

direito patrimoniais disponíveis.”. 311

A conciliação é forma de resolução de conflitos pela auto-composição mediada pela atuação do julgador, no

ambiente jurisdicional, o que é sua marca diferenciadora para a mediação, por ter esta característica contratual

(RODRIGUES, 2008, p.39). A grande característica da conciliação é que nesta as partes são efetivamente os

construtores da decisão, sendo apenas auxiliados por ponderações do terceiro escolhido para auxiliar no processo

de busca pela produção de consenso. É tratada por nosso ordenamento com grande vulto, em especial, no Código

de Processo Civil que impõe como dever do juiz tentar, a qualquer momento do processo, a conciliação das

partes (art. 125, IV). Há momentos específicos dentro da procedimentalidade civil, como, por exemplo, na

abertura da audiência do art. 331 do CPC e na abertura da audiência do art. 448 do mesmo Código. Em Minas

Gerais, conforme aponta Rodrigues, há um grande projeto do TJMG (Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais) no sentido de universalização da conciliação, iniciado no ano de 2002 com a denominação de “Projeto

Conciliação”, o qual evoluiu para a “Central de Conciliação”. A referida Central, regulamentada pela Resolução

407/2002 do TJMG, prevê juízes com preparo técnico e competência específica para a realização de audiência

com este fim, bem como a possibilidade de delegação a terceiros especificamente treinados para o trabalho de

aproximação das partes, sempre sob a supervisão do magistrado. O projeto tem alcançado importantes

resultados, principalmente no setor de família, no qual já se trabalha com uma equipe interdisciplinar para

atendimento sócio-psicológico das partes. (RODRIGUES, 2008, p.89-97). 312

Cappelletti e Garth citam como exemplo desta, o que eles chamam de “tribunais especiais”, conhecidos em

nosso país como os populares “Procons”, os quais têm a função de utilização de técnicas de persuasão em face

145

criação de tribunais de vizinhança responsáveis por aplicação de técnicas de mediação para

resolução dos conflitos313

; pela desjudicionarização, ou melhor, desjudicalização de alguns

procedimentos, tais como os inventários e partilhas, separações e divórcios extrajudiciais314

;

pela adoção, ainda tímida e vinculada à chancela judicacional da alienação particular nos

procedimentos executivos315

; e, por fim, para finalizar este rol meramente exemplificativo, o

projeto da nova Lei de Execuções Fiscais no âmbito administrativo316

.

O que não se pode esquecer é que todas essas formas diferenciadas de resolução de

conflitos, de construção de regras para o agir no mundo pautadas no padrão de licitude

fornecido pela legalidade, não podem, nunca, estar divorciadas da principiologia do Processo,

nem serem obrigatórias para as partes, sendo, por exemplo, “condição prévia” para a

formação do Interesse processual em seu aspecto da necessidade, dentro da linha já abordada

no capítulo anterior.

A melhoria dos serviços judiciários também é um fator de resolução do “problema da

saída”, a qual não importa em sacrifício de direitos fundamentais e, portanto, em redução do

dos fornecedores inadimplentes, utilizando, se for o caso, até de publicidade negativa pela exposição pública do

caso (1988, p.120-132) 313

Tavares anota que, em face da constitucionalidade em vigor, a mediação, como técnica de solução de

conflitos, também deve ser processualizada. Para tanto é fundada no princípio da Autonomia da Vontade Legal e

Responsável que informa da necessidade de observância dos princípios constitucionais do contraditório, da

isonomia, da ampla defesa, além de destacar o direito ao advogado. A grande vantagem da mediação é que esta

traz em si uma maior possibilidade de adimplemento da decisão obtida por seu intermédio, considerando que é

formada pela participação efetiva dos próprios envolvidos no dissídio. (TAVARES, 2009, p.277). Sobre o tema

conferir, ainda, a excelente dissertação de mestrado de Rodrigues (2008, p.36-38). 314

Novidade no Código de Processo Civil, introduzida pela Lei 11.441/2007, ao alterar o art. 982, permitindo o

inventário e partilha por escritura pública extrajudicial, na presença de interessados capazes e concordes

assistidos por advogado. Em relação à separação e divórcio, a possibilidade, também, de sua celebração por

escritura pública em cartório extrajudicial, está prevista no art. 1.124-A, do CPC, inserido pela citada Lei

1.441/2007. 315

Outra alteração interessante na reforça do processo de execução, com a inserção do art. 685-C no CPC, pela

Lei 11.382/2006, o qual prevê a possibilidade de, não adjudicados os bens penhorados pelo exeqüente, por

iniciativa deste e para evitar o moroso e burocratizado procedimento da alienação judicial em hasta pública,

poderá indicar terceiro (ou ele mesmo assumir o encargo) para alienar o bem, conforme orientações do julgador.

A crítica que se faz ao presente procedimento é, justamente, a presença de cláusula de abertura de

discrionaridade ao julgador que pode, ao seu alvedrio, definir o prazo, publicidade, preço mínimo, condições de

pagamento, garantias e o valor (ou mesmo a presença) da comissão de corretagem (art. 685-C, §1º, do CPC). 316

O Projeto de Lei de nº. 5.615/2005, de autoria do deputado federal Celso Russomanno, ao dispor sobre

procedimento de cobrança administrativa do crédito da Fazenda Pública, traz importante passo no rumo da

desjudicalização da atividade jurisdicional. O projeto de lei pretende regular as execuções fiscais relativas a

quaisquer créditos das Fazendas Públicas Federal, Estaduais ou Municipais (art. 1º) com competência para

processamento nas Procuradorias Fiscais dos entes públicos citados (art. 8º). Os atos executivos, em caso de sua

aprovação pelo Congresso Nacional, serão realizados por Agentes Fiscais, que têm para o cumprimento de seu

mister de obedecer o princípio do devido processo legal (art. 9º). O Procurador Fiscal será o agente público

responsável pela direção do procedimento, podendo praticar atos executivos, tais como arresto, penhora,

notificação, registros, e avaliações, além de atos tipicamente decisórios, como o exame de questões de “ordem

pública” declaráveis de ofício, com a positivação da figura da “exceção de pré-executividade” (art.10). Se o

executado optar por apresentação de embargos, estes serão processados junto à estrutura jurisdicional tradicional

(art.11 e 17), mesma situação dos embargos de arrematação (art. 27).

146

nível de dignidade dos litigantes. A abertura da “caixa-preta” do Judiciário317

, o qual tem sido

eficazmente mapeado pelo Ministério da Justiça e pelo CNJ (Conselho Nacional de

Justiça)318

, conforme dados estatísticos que podem ser consultados em seus sítios

eletrônicos319

, também é forma efetiva de superação do paradoxo do acesso.

A profissionalização da administração do foro; a aplicação do princípio da

proporcionalidade entre julgadores e demandas (art. 93, XIII320

, CR/1988); delegação de atos

não decisórios para outros funcionários públicos, como, por exemplo, ao escrivão do juízo

(art. 162, §4º321

, do CPC); e o princípio da ininterruptividade da atividade jurisdicional (art.

93, XII322

, da CR/1988), são excelentes exemplos de simples iniciativas que podem eliminar o

problema da dilação indevida dos procedimentos pela modernização da função jurisdicional

317

Expressão utilizada pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em solenidade realizada no

Estado do Espírito Santo na data de 22.04.2003, quando criticou duramente a função jurisdicional do Estado por

ser esta absolutamente hermética. Pela clareza, vale a pena citação literal de reportagem da Revista Veja de 30

de abril de 2003: “Poucas vezes se viu um presidente da República desferir um ataque tão duro contra outro

poder como Lula ao falar do Judiciário na semana passada. Nas palavras do presidente, ditas de improviso

durante solenidade em Vitória, „a Justiça não age, enquanto Justiça, no cumprimento da Constituição, que diz

que todos são iguais perante a lei. Muitas vezes, uns são mais iguais do que outros, e é o que eu chamo de

„Justiça classista‟. É uma Justiça que favorece uma classe‟. Para reforçar seu diagnóstico cáustico acerca dos

homens de toga, Lula citou pela segunda vez desde que tomou posse uma frase atribuída ao cangaceiro Lampião,

o bandido que durante quase vinte anos matou e roubou, aterrorizando o sertão: „Neste país, quem tiver 30

contos de réis não vai para a cadeia‟. Para atualizar a referência histórica nordestina, Lula emendou, dizendo que

„ainda, em muitos casos, prevalece exatamente isso‟. Não ficou clara qual a intenção do presidente ao enfatizar

que ricos e pobres recebem tratamentos diferenciados quando acionam a Justiça. Pode ter pretendido dizer que os

ricos se dão bem nos tribunais porque têm dinheiro para contratar bons advogados. Ou pode ter querido dizer que

alguns juízes estariam mercadejando sentenças em troca de propina e por isso os pobres se prejudicam. Lula não

explicou, mas levantou uma inconveniente nuvem de suspeitas. Antes de encerrar o discurso, pediu a abertura da

„caixa-preta‟ do Poder Judiciário e propôs o controle externo do trabalho dos juízes para que a Justiça aja

„enquanto Justiça‟.”. (SECCO, 2003). Cumpre anotar que, as referidas e polêmicas declarações do Presidente

abriram um grande debate público que culminou, inclusive, com a criação do Conselho Nacional de Justiça pela

Emenda Constitucional 45/2004. 318

O CNJ é órgão da estrutura do “Poder Judiciário”, previsto no art. 103-B, da CR/1988, responsável pelo

controle da atuação administrativa e financeira desta função do Estado, bem como sobre a atuação funcional dos

juízes, devendo zelar pela autonomia, eficiência e demais princípios da administração pública, oficiosamente ou

mediante provocação de qualquer do povo por meio de reclamações a ele dirigidas. Ademais, passa a ser órgão

de publicização de dados estatísticos sobre a função jurisdicional, tudo de forma a facilitar a busca de políticas

públicas para melhor desenvolvimento desta função do Estado. 319

Apenas a título de ilustração, apresentam-se dados do Ministério da Justiça (BRASIL, 2004), relativos ao ano

de 2003, para uma diagnose do Judiciário, a informarem o rumo das reformas dos procedimentos. Anota-se que

na data da pesquisa possuía o Brasil, na primeira instância da “Justiça Comum” (Estadual), 8.687 (oito mil

seiscentos e oitenta e sete) magistrados, totalizando uma média de 7,7 juízes para cada grupo de 100.000 (cem

mil habitantes). Essa média não é pouco superior à mundial (7,3), mas bem inferior, por exemplo, à alemã (28,0).

Comparando dados entre as entradas e saídas de procedimentos ajuizados, em relação à “Justiça Comum” a

média nacional é de 68% (sessenta e oito por cento) de julgados, o que denota um grande déficit. E a média de

custo das despesas por processo, à época, era de R$ 1.848,00 (um mil oitocentos e quarenta e oito reais). 320

Art. 93. “[...] XIII – o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial

e à respectiva população; [...].”. 321

Art. 162. “[...] §4º. Os atos meramente ordinatório, como a juntada e a vista obrigatória, independem de

despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.”. 322

Art. 93. “[...] XII – a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e

tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em

plantão permanente; [...].”.

147

do Estado, também submetida ao princípio da eficiência (art. 37, caput323

, CR/1988) que rege

todas as demais funções públicas na estatalidade brasileira324

.

Por todo exposto, urge o imediato abandono da teoria das condições da ação como

instrumento de superação do paradoxo do acesso, porquanto absolutamente incompatíveis

com a constitucionalidade democrática instaurada em nosso país no pós 1988, por ser pautada

em ideário que só contribui para a perpetuação de uma autoritária sociedade fechada, em que

o direito se estabiliza por instrumentos de amedrontamento da população.

A busca da legitimidade das decisões por um Processo que institui uma principiologia

autocrítica na busca da construção do sentido da lei pelos próprios destinatários modifica

totalmente o papel do Interesse processual, com sua inserção como instituição jurídica a

operacionalizar uma aproximação das partes (intersubjetividade) na construção de uma

solução pacífica e democrática de suas divergências quanto ao agir no mundo. Esse será o

tema das reflexões do capítulo final da presente pesquisa.

323

Art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência [...].”. 324

“Obter-se-á funcionalidade do serviço público prestado pela administração estatal brasileira a partir, por

exemplo, do deslocamento dos encargos de gestão da máquina judiciária para administradores profissionais

diferentes dos próprios magistrados, reformulando a vetusta acumulação das funções de magistratura e „direção

do foro‟, sobrelevando a função que lhe é atribuída de observar e fazer observar o instituto do Devido Processo e

Princípios que lhe fundamentam, construindo democraticamente com as partes o provimento final resolutivo do

conflito.”. (TAVARES, 2009, p.275). E ainda continua: “A eficiência da função jurisdicional de dirimir conflitos

e aplicar a sanção penal pode ser resultante do simples cumprimento das regras constitucionais como aquelas

previstas nos incisos XI a XIII, do art. 93, da Constituição Brasileira, os quais i) determinam que o número de

juízes seja proporcional à demanda e à população, em clara sintonia com o Princípio de Acesso ao Direito; ii) a

concreta e efetiva ininterrupção da atividade da função estatal judiciária em horário há muito tempo previsto nos

Códigos de Processo Civil e Penal, isto é, período de 6:00 às 20:00 horas; e iii) a delegação, concreta e

operacional, da prática de atos processuais sem caráter decisório.”. (TAVARES, 2009, p.275).

148

6 INTERESSE PROCESSUAL E INTERSUBJETIVIDADE RACIONAL

A compreensão do Interesse Processual em teorias que busquem criar modos

operacionais para aplicabilidade e observância dos princípios da Democracia remete à revisão

do instituto325

, visto que, conforme apontado nos capítulos anteriores, as formas tradicionais

de seu tratamento só tem obscurecido as discussões no ambiente do procedimento

jurisdicional. Afirma-se isso porque o Interesse Processual, assim como a Ação Processual,

foi tratado como um “ser” natural, a impedir a investigação de suas finalidades práticas.

O Interesse tem sido utilizado, mesmo com a entrada em vigor da Constituição de

1988, como forma de impedimento da discursividade, já que, inserido nas chamadas

“condições da ação”, recebeu a função de ser cláusula de abertura para atuação arbitrária de

um magistrado selecionador de pretensões, principalmente para os cultores da teoria da

asserção.

A justificativa da economia processual (redução ao máximo de atos jurídicos na

estrutura espácio-temporal do procedimento) e, conseqüentemente, financeira, pelo não

alargamento do iter procedimental, para resolução de um paradoxo do acesso à jurisdição só

tem servido ao propósito de supressão de direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. No

quadro de impedimento de acesso completo aos direitos fundamentais do processo, o Povo

brasileiro se vê obrigado à submissão ao selecionamento de pretensões por fundamentação

“sucinta” do magistrado, baseado em subjetivos e solipsistas critérios de necessidade e

utilidade.

Anota-se que, conforme pesquisa recente do Ministério da Justiça (BRASIL, 2005a),

sequer a questão da universalização do acesso à função jurisdicional é apontada como um dos

fatores responsáveis pela “morosidade” atribuída à tramitação procedimental326

.

A proposta de inserção do Interesse Processual numa teoria que se mostre em

compasso com o regime democrático adotado pelo Constituinte de 1988, a partir de uma

análise que se submeta à crítica, porque não passa pela busca de uma suposta “essência” do

instituto jurídico, é o que se apresenta a partir de agora, conjecturando uma releitura do

325

A qualificação do Interesse Processual como instituto jurídico será desenvolvida no item 6.2 supra. 326

Para recente pesquisa elaborada pelo Ministério da Justiça (BRASIL, 2005a), os grandes problemas

responsáveis pela morosidade do Judiciário e, assim, pelas perdas financeiras do país são relativos à alta

litigiosidade de poucos, e não à universalização do acesso a todos, responsável por trazer uma média de 10,20

procedimentos por habitante. Ademais, como problemas pontuais, o relatório indica o procedimento da

execução, a citação, a penhora, as causas repetitivas e o sistema recursal, nada dizendo sobre a questão do acesso

ou da forma como se realiza a atividade cognitiva. Nas referências bibliográficas do presente estudo encontra-se

o endereço eletrônico do Ministério da Justiça para fim de consulta à citada pesquisa.

149

Interesse Processual no qual este seja construído sem a supressão dos direitos fundamentais

responsáveis pela construção de um discurso que possibilite o esclarecimento das partes, bem

como pela utilização da plenariedade cognitiva.

Formular-se-á, ainda, perspectiva de re-construção dos elementos componentes do

Interesse Processual, isto é, da necessidade e da utilidade, conjecturando a possibilidade de

seu sentido ser compartilhado pelas partes e julgador, todos tentando o esclarecimento quanto

à pretensão apresentada pelo demandante e as possíveis resistências apresentadas pelo

demandado, ou mesmo pelo julgador quando este levanta um tema oficiosamente.

Será abordada, ainda, a possibilidade de escrituração de um critério de demarcação do

discurso pretensional das partes, apresentado na estrutura física dos autos pelas petições nas

quais estas defendem os fundamentos de seus pedidos. Essa será a releitura do requisito da

adequação que, a partir da proposição que será desenvolvida abaixo, terá como desígnio a

construção de uma racionalidade a partir da objetivação dos argumentos produzidos na

estrutura do procedimento, pelo fato de serem submetidos à crítica de todos os sujeitos do

Processo.

Assim, será possível se falar em uma decisão, fruto de uma intersubjetividade dos

sujeitos do Processo, porque estes passarão, com a supressão da penalização da derrota, a agir

no procedimento em busca de um ideal de esclarecimento, isto é, com o objetivo de

construírem, em conjunto, a melhor interpretação do sentido da lei a fim de regular a conduta

da situação fática apresentada para o debate.

Por fim, apresenta-se a nova leitura do Interesse Processual como mecanismo de

aproximação dos sujeitos do Processo, sendo elemento endoprocedimental a possibilitar,

assim, um acesso democrático ao direito, porque o sentido da lei é construído pelas partes

numa técnica interpretativa vinculada a uma hermenêutica democrática por aplicar os

princípios constitucionais do processo (ampla defesa, isonomia e contraditório).

150

6.1 O Interesse Processual na estrutura da decisão juridicamente democrática327

Como visto nos capítulos anteriores, o Interesse Processual como condição da ação,

foi inserido dentro da teoria do trinômio das questões a serem apreciadas pelo julgador, como

questão da “matéria de ação” e, assim, de análise logicamente prévia ao mérito328

. Ocorre que,

segundo a teoria da asserção, esta análise não necessita de passar pela teoria da cognição

processual329

e da prova e, assim, pode ocorrer de forma interdital, o que, pelo que aqui se

defende, é de, no mínimo, duvidosa constitucionalidade.

Passa-se, agora, a analisar as origens teórico-históricas da interditalidade, bem como

os argumentos utilizados pelos que defendem sua aplicação em detrimento da cognição

processual plenária para, a partir daí, pensar-se na possibilidade de inserção do Interesse

Processual no espaço merital de reflexão jurídica, a partir de uma interpretação nas bases

lançadas pela teoria neo-institucionalista do processo.

6.1.1 A impossibilidade de aplicação da interdital teoria da asserção em face da teoria da

cognição processual compartilhada

Como visto nos capítulos anteriores, a teoria da asserção, a informar a atividade do

julgador na análise das condições da ação como matéria prévia ao exame do mérito e, assim,

dissociada das teorias da cognição processual e da prova, pode ser ligada à interditalidade,

327

Anota-se que decisão juridicamente democrática é aquela que é expressão, em seu processo de formação, das

características apontadas para a vivência democrática. São elas, relembrando o já dito nos itens 2.2.1, 2.2.3 e 2.5

da presente pesquisa: uso da razão para resolução de problemas em substituição à violência (redução da coação

no direito); garantia da liberdade por sua limitação ao mínimo necessário para a convivência pacífica entre as

partes; pela valorização do indivíduo e o incentivo à expressão de sua subjetividade; pelo igualitarismo do

tratamento isonômico entre todos os sujeitos do processo (em especial quando da análise de seus argumentos);

pela possibilidade de controle das decisões e atuações de todos os sujeitos do processo; pela abertura à

discursividade que aproxime as partes. 328

Por todos veja-se o que afirma Joel Dias Figueira Júnior: “O trinômio processual, constituído pelos

pressupostos processuais, as condições da ação e o mérito da causa, forma o arcabouço do processo civil

moderno, tendo em visto que nele residem as concepções básicas sobre institutos indispensáveis à obtenção do

remédio processual articulado pelos jurisdicionados no conseguimento da tutela prestada pelo Estado-Juiz, sendo

essas as principais matérias postas como objeto de análise ao órgão julgador.”. (1993, p.335). E continua: “O

alcance metodológico do exame desses três institutos encontra ressonância teórico prática no sentido de que a

concatenação investigatória deve seguir (sempre que possível) uma seqüência harmônica, capaz de levar o

julgador ao conhecimento da pretensão formulada pelo autor na peça inaugural, tornando-o habilitado a dizer o

direito.”. (FIGUEIRA JÚNIOR, 1993, p.335). 329

A teoria da cognição processual será desenvolvida no item 6.1.1 retro.

151

cuja universalização vem sendo defendida por diversos processualistas brasileiros, dentre os

quais se destaca o gaúcho Ovídio Araújo Baptista da Silva.

A interditalidade tem como sua raiz histórica os interdicta romanos, como atos de

imperium do pretor, no exercício de sua potestas pelo fato de ser “funcionário público” em

Roma. Os atos deste eram considerados como nobres e tinham natureza jurídica aproximada

dos atos que hoje qualificamos como administrativos330

, baseados, portanto, mais em

voluntariosos critérios de conveniência e oportunidade do que em ato intelectual propriamente

dito331

.

Destinados à proteção dos valores jurídicos mais relevantes para os romanos, os

interditos eram ordens para realização de atos, marcadas pelo poder de coerção do pretor332

(“coertio”), baseados em um juízo desassociado da idéia de certeza e, assim, passível de

revisão por conta de sua provisoriedade (BAPTISTA DA SILVA, 2007).

Baptista da Silva tem defendido o resgate e a universalização desta interditalidade

romana por apontar a falência do modelo da ordinariedade processual, sempre ligada à

cognição plena e busca por certeza (2007, p.187-192). Nesse sentido, entende que, mesmo no

direito processual civil atual, a probabilidade de vitória do demandante, isto é, a viabilidade

do atendimento de seu pedido, deve ser avaliada pelo magistrado aprioristicamente, já na

leitura da petição inicial, e, se presente, é o que deve bastar para que ele prolate ordens

imperativas e efetiváveis por medidas coativas.

Os atos jurisdicionais devem, nessa linha, ser discricionários, como eram os proferidos

pelo pretor romano quando da concessão dos interditos. Para Baptista da Silva, a

racionalidade que a ordinariedade seria capaz de conferir à decisão é absolutamente falsa, haja

vista que as decisões dos magistrados, em verdade, são todas subjetivas e discricionárias. O

330

Segundo Fiuza (2007, p.33) os romanos não faziam qualquer distinção, como se faz hodiernamente, entre os

“ramos” do direito, completamente despreocupados com construções científicas a respeitos de quaisquer regras

de conduta a regular suas relações interpessoais. Em Roma, para regulação das relações entre os cidadãos

romanos, havia apenas o Ius Civile (Direito Civil), como o Direito da Cidade de Roma, lembrando que o termo

civil é referente a cidadão. Di Pietro (194, p.19), por sua vez, na mesma linha, anota que o direito administrativo,

como “ramo autônomo”, só nasceu em fins do século XVIII e início do século XIX, o que não impedia a

existência, anteriormente, de normas de caráter administrativo, encontradas no ius civile romano. 331

“Atos discricionários são os que a administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de

seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização. A rigor, a

discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e

nas condições que repute mais convenientes ao interesse público. [...].”. (MEIRELLES, 1993, P.150-151). 332

“Mediante o imperium, poder de ordenar ou de proibir certos atos, têm os magistrados romanos a faculade de

intervir nos litígios entre os particulares. Podem aplicar interditos [...].”. (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p.304-

305). E continua o autor: “Interditos são providências de autoridade tomadas pelo pretor, em virtude do seu

imperium, para decidir uma controvérsia entre particulares, ordenando ou proibindo alguma coisa.”.

(CRETELLA JÚNIOR, 2003, p.305). Anota-se que, segundo Cretella Júnior, os interditos foram desenvolvidos

na fase do procedimento formular (2003, p.299-312).

152

processualista propõe a adoção do modelo da “jurisdição voluntária”333

, no qual as decisões

não estão vinculadas, sequer, à legalidade (art. 1.109334

, do CPC) e são marcadas pela

provisoriedade (art. 1.111335

, do CPC). Não passaria, portanto, em sua tese, de mero

fingimento uma suposta neutralidade do julgador, buscada pela utilização do procedimento

ordinário de cognição plena e análise dos argumentos produzidos nos autos.

Baptista da Silva entende que a supressão da interditalidade pela universalização do

modelo privatístico da actio romana e, assim, da ordinariedade ligada à cognição antes da

execução é forma de sacrifício do direito verossímil do demandante em face de um

inverossímil suposto direito do demandado. Para o processualista gaúcho, é como se partisse

do pressuposto de que o demandante, qualquer que seja ele, não tenha razão até que se prove

o contrário. (BAPTISTA DA SILVA; GOMES, 2002, p.22-23). A volta à interditalidade,

portanto, seria forma eficaz de resolução do problema da morosidade, responsável por trazer

ineficácia e ineficiência da função jurisdicional do Estado, já que, ao adotar os juízos

discricionários, mesmo que provisórios, confiando na preparação e “bom senso” do julgador,

haveria presteza na “pacificação social”.

Pode-se enquadrar a teoria da asserção, também, como um retorno à interditalidade,

quando esta defende a pressuposição da veracidade dos argumentos do demandante quanto

aos fatos narrados em sua petição inicial. Seguindo esta teoria, o julgador confere a presença

das condições da “existência” do “direito de ação” apriorísticamente, através da técnica da

subsunção dos fatos narrados pelo autor ao ordenamento jurídico. Aqui não há a presença de

qualquer abertura ao demandado para questionamento do que foi argumentado pelo autor, o

que só ocorrerá após o “despacho inicial positivo”, isto é, com um juízo (em regra, tácito) da

presença das condições e da determinação da expedição da citação do réu (art. 285336

, do

CPC).

A teoria da asserção trabalha, igualmente, com a característica interdital da

provisoriedade. Ao se fazer o juízo de presença das condições, a decisão, dentro da

333

“Esta é a razão que explica a transferência para a chamada „jurisdição voluntária‟ dos casos em que o

julgamento se baseie em juízos discricionários, orientado por critérios de simples conveniência, sob a falsa ilusão

de que os verdadeiros juízos jurisdicionais não seriam, em proporção de menor ou maior relevância, igualmente

discricionários. É assim, que, em nosso sistema, o magistrado da jurisdição comum, mesmo que se apóie em

critérios de conveniência finge ideologicamente decidir com a racionalidade matemática que o paradigma lhe

impõe.[...].”. (BAPTISTA DA SILVA, 2002b, p.18). 334

Art. 1.109. “O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critérios de

legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna.”. 335

Art. 1.111. “A sentença poderá ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem

circunstâncias supervenientes.”. 336

Art. 285. “Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu, para

responder [...].”.

153

positividade do CPC, a decisão poderá ser, posteriormente, modificada por seu prolator

quando da análise da prova produzida nos autos, bem como das argumentações do

demandado, não ocorrendo a preclusão pro iudicato, conforme o que preceitua a Súmula n.

424 do STJ.

Mesmo o juízo de ausência das condições é marcado pela provisoriedade, visto que,

por se enquadrar, dentro do CPC brasileiro em vigor, fora da estrutura do mérito, não faz

“coisa julgada material”, sendo passível de revisão, portanto, em outro procedimento, por

conta da cláusula de repetibilidade do art. 268 do citado Código.

Ao se utilizar da interditalidade na técnica de construção dos procedimentos, ao se

adotar uma idéia de cognição não plenária e, portanto, sumária, a positividade

infraconstitucional do Código de Processo Civil, ilustrada pela teoria da asserção, conforme já

anotamos anteriormente na presente pesquisa, é operacionalizada por diversos dispositivos

legais a permitirem ao julgador o afastamento de pretensões antes mesmo de oferecidas à

crítica da outra parte.

Menciona-se, aqui, como técnica interdital, a possibilidade de indeferimento da

petição inicial porque considerada inepta, por ser o pedido do demandante juridicamente

impossível ou mesmo, sendo apta, ser indeferida quando a parte requerente for

“manifestamente” ilegítima ou não possuir interesse processual (art. 295, do CPC). Anota-se

que o indeferimento liminar aqui tratado não passa pela oitiva da outra parte na estrutura do

procedimento e, assim, não se faz de forma democrática.

Mas como identificar a presença do interesse antes da aplicação do instituto da prova?

A teoria da asserção tentou resolver a questão ao construir a presunção da veracidade dos

fatos alegados pelo autor a fim de que o magistrado pudesse conferir a presença de utilidade e

necessidade na pretensão a ele encaminhada, num juízo de verossimilhança. Ocorre que,

como visto, mesmo na infraconstitucionalidade brasileira, a solução é impossível, por ser

absolutamente ilegal.

Conforme estudos de Thibau (2007, p.91), as presunções são forma de supressão do

ônus de provar fato desconhecido e incerto por parte daqueles que se beneficiam. Dessa

forma, competirá aos prejudicados pelas conseqüências da aceitação da presunção a

demonstração de que o fato, em verdade, não ocorreu. Na positividade brasileira em vigor, a

presunção é meio de prova337

nas hipóteses previstas na lei, conforme o que preceitua o art.

334, IV338

, do CPC, bem como o art. 212, IV339

, do CCB.

337

A prova, para Leal (2005d), na contemporaneidade democrática, é instituto jurídico regido pelos princípios da

indiciariedade (ligado aos elementos de prova); da ideação (ligado aos meios legais de encaminhado da reflexão

154

Ora, se não há na legislação nenhuma regra referente à presunção de presença do

Interesse Processual a ser superada pela utilização do instituto da prova por conta da parte

contrária, seria do próprio demandante o ônus340

de demonstração da necessidade e utilidade

da pretensão por ele encaminhada, a teor do que dispõem o art. 333, I341

, do CPC.

Mas ao mesmo tempo, a necessidade de se discutir a questão probante só surge por

ocasião do saneamento, após o contraditório, visto que os fatos não impugnados não são

considerados como controvertidos e, assim, como regra, não necessitam de maiores

demonstrações nos autos, além das alegações das partes342

. Se há, mesmo dentro da

positividade do CPC brasileiro, a necessidade de contraditório para que se pudesse dizer que o

autor não conseguiu demonstrar que tem Interesse Processual, não tem, absolutamente,

nenhum respaldo legal a teoria da asserção: em primeiro lugar, porque não há previsão

legislativa para a presunção que é base de seus fundamentos; em segundo lugar, porque sendo

ônus do autor provar a presença do interesse, só surge necessidade de discussão sobre o tema

na hipótese de o demandado apontar a sua ausência.

Se não bastassem esses argumentos, no nível infraconstitucional, há outros que podem

ser apontados com base no texto da Constituição. A teoria da asserção, por envolver uma

atividade de selecionamento absolutamente volitivo por parte do julgador, ficando

sobre os elementos da prova); e da instrumentalidade (ligado à fixação física dos elementos e meios de prova na

estrutura dos autos). Os meios de prova, portanto, estão ligados à argumentação jurídica sobre os fatos,

argumentação que é demarcada pelo texto da lei. Para o autor, meio lícito é “[...] desenvolvido em paradigmas do

devido processo legal que impõe a participação lógico-procedimental probatícia das partes na preparação do

provimento (sentença) e não como sujeitos passivos (privados de liberdade procedimental) de um provimento em

tempo insuficiente e em espaço vazio do procedimento que se defina pela radicalização do „princípio da

oralidade‟ para realização de direitos. [...].”. (LEAL, 2005d, p.54). Portanto, se há previsão legal, a presunção,

assim como a perícia técnica ou a inquirição de testemunhas, é técnica de apreensão de fato, ou seja, de

transporte de elemento fático para a estrutura física dos autos através de simples argumentação no texto da

petição da parte. Nesse ponto de vista, a prova é fator de visualização da argumentação jurídica (LEAL, 2005d,

p.55). Conferir, também, sobre o tema: Leal (2008, p.312-315) e Madeira (2006, p.145-183). 338

Art. 334. “Não dependem de prova os fatos: [...] IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de

veracidade.”. 339

Art. 212. “Salvo o negócio em que se impõe formalidade especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:

[...] IV – presunção; [...].”. 340

Leal (2008, p.318), define ônus como encargo, ou seja, aquilo que é conseqüência do não exercício de uma

faculdade legal. Essa, por sua vez, consiste na liberdade para agir, conferida pela lei, com o objetivo de

implementar um direito (conduta lícita). O não exercício da liberdade de provar o fato constitutivo do direito

(conduta dentro do padrão de licitude) alegado (pretendido) pela parte importará, em caso de sua contestação

pelo demandado, na improcedência do pedido, já que o elemento de prova não foi transportado aos autos pelo

meio legal. 341

Art. 333. “O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; [...].”. 342

Isso porque o juiz possui o dever de controle da legalidade e, apesar de ser pautado em critério de subjetiva

desconfiança nas afirmações das partes, tem a possibilidade de determinação oficiosa na produção de provas

com o intuito de evitar que a decisão jurisdicional possa estar marcada pela ilicitude, a teor do que dispõe o art.

129, do CPC, in verbis: “Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do

processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste os

objetivos das partes.”.

155

demonstrada, assim, sua ligação com a interditalidade romana, não pode conviver com a

constitucionalidade em vigor, porque envolve atividade estatal absolutamente imune ao

controle dos destinatários da decisão.

Em primeiro lugar, o autor é privado do seu direito de encaminhar discussão em face

do demandado, porque é entendido que esta será absolutamente inútil343

.

Em segundo lugar, o demandado é privado da possibilidade de um contato racional

com o demandante, porque se entende que este não teria nenhum interesse nesta atividade344

.

O argumento é de que, se o julgador pode falar pela parte, não teria qualquer sentido em se

ouvir o demandado, porque sua contestação seria absolutamente inútil pelo fato de já ter sido

atendida pelo juiz, mesmo sem qualquer pedido neste sentido. E a forma de encerramento da

discussão se faz por meio de medidas coativas, dentre as quais a ameaça financeira da

sucumbência tem papel preponderante, tudo no sentido de utilização de uma pressão

psicológica a desestimular o demandante.

O que os defensores da interdital teoria da asserção não percebem é que a grande

conquista do direito processual brasileiro com a Constituição de 1988, a instituir um modo de

convivência democrático e a determinar sua expansão para níveis cada vez maiores, é a

possibilidade de aproximação das partes a fim de que possam solucionar seus problemas

através de um diálogo que vise o esclarecimento. Para tanto, é imperiosa toda revisão do

Interesse Processual como matéria prévia ao exame do mérito, porquanto a vedação à

discursividade, como forma de resolução de conflitos, não foi recepcionada pela Constituição

de 1988.

Nesse quadro, a cognição processual, hoje, já não pode mais ser encarada como

atividade, técnica, método ou operação lógica do juiz para valoração dos argumentos e provas

suscitados pelas partes para que o julgador possa, por ato de inteligência e após a formação de

um juízo de valor, decidir as questões surgidas nos autos (MADEIRA, 2006, p.102). Para

Madeira, a cognição, em seu sentido processual, seria o instituto jurídico que permite a

valoração e valorização compartilhada dos argumentos e provas produzidos no iter

343

Só poderá tentar reverter a decisão do julgador através da estranha apelação sem contraditório, com juízo de

retratação, previstas para as hipóteses de indeferimento da petição inicial, conforme art. 296 do CPC, in verbis:

“Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas,

reformar sua decisão. Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente

encaminhados ao tribunal competente.”. Anota-se que a possibilidade recursal não anula o aspecto interdital, por

levar o autor a um caminho mais longo e oneroso dentro do iter procedimental, além de submetê-lo, agora, ainda

sem a oitiva do outro interessado (o demandado), a subjetividade de três julgadores do órgão colegiado... 344

Conforme já discorrido no item 4.2.2.2 retro, para formação do “interesse em contestar” do demandado, este

teria de demonstrar sua necessidade no afastamento do pedido do autor pelo prejuízo que sua realização poderia

trazer a seu patrimônio jurídico. Com o afastamento do pedido do autor liminarmente, sem oitiva do demandado,

não haveria qualquer prejuízo a ser demonstrado, portanto.

156

procedimental e registrados nos autos, tudo com o fim de fornecer os elementos para

construção da decisão que definirá o agir das partes em relação à situação fática por elas

apresentada nos autos (MADEIRA, 2006, p.116).

A cognição processual é instituto jurídico regido pela principiologia do processo e,

assim, não comporta sumarização, porque esta feriria os direitos fundamentais do devido

processo (MADEIRA, 2006, p.117). E ferindo esses direitos fundamentais, coloca-se em risco

a democracia por não se abrir espaço para que a subjetividade das partes se manifeste de

forma discursiva e crítica345

. Daí o porquê da impossibilidade de sumarização da cognição,

seja por conta de qualquer justificativa, mesmo que a de que a pretensão autoral seja

“manifestamente inviável” ou a de que se evitará um sofrimento desnecessário causado pelo

“dano marginal” do processo por sobre o demandado346

.

Daí é que se impõe, a seguir, analisar a inserção do interesse processual dentro do

espaço do mérito e a conjecturar a supressão do espaço pré-merital das questões prévias como

forma de atingimento de uma democratização total na procedimentalidade brasileira.

6.1.2 A inserção do Interesse Processual no espaço do mérito: supressão do espaço pré-

merital como condição necessária para democratização do procedimento

Mérito, aproximado ao conceito de lide, como conflito de interesses, tem sido critério

para a criação de diversos institutos do direito processual347

. Mas este é um conceito que na

345

“Por tudo isso, com quietação, pode-se dizer que a atividade cognitivo-processual (análise dos instrumentos

de provas e argumentos) não pode sofrer nenhuma restrição quanto aos princípios institutivos do processo

(contraditório, isonomia e ampla defesa) a não ser que se queira obter somente um rito, uma forma, uma ilusória

aparência de processo. Portanto, caso o juiz (ou qualquer outro agente governativo) suplante ou reduza um dos

princípios institutivos do processo quando da atividade cognitiva estará cometendo ilegalidade que culminará na

anulação do provimento exarado, porquanto ilegítimo e inconstitucional.”. (MADEIRA, 2007, p.134). E

continua: “Os princípios institutivos do processo possibilitam um discurso democrático incessante, garantindo

uma fiscalidade irrestrita e a não-petrificação do direito. A norma (bem como em torno da extensão de sua

aplicação) fazem com que o Direito não se dogmatize, não se petrifique, à medida que sempre haverá reflexão

em torno do caso concreto.”. (MADEIRA, 2007, p.135). 346

“O que importa neste estudo é que a decisão judicial no direito moderno não se define pela summaria

cognitio, a não ser nas tutelas de urgência (liminares e antecipadas) que, não mais se regendo pela

interditalidade, seguem obediência ao devido processo legal, como direito-garantia no Estado democrático de

direito. O encontro histórico que fundiu decisão e deliberação é no direito político uma conquista que hoje é

reconstruída e reconscientizada pelo devido processo constitucional, que distingue um ordenamento jurídico de

conteúdo democrático de outro de substância cultural tradicionalizada por uma jurisdição redentora.”. (LEAL,

2002, p.26). 347

Vale a pena citação de trecho da exposição de motivos do CPC, de autoria do então Ministro da Justiça

Alfredo Buzaid, a representar toda essa corrente: “[...] O projeto só usa lide para designar o mérito da causa.

Lide é, consoante lição de Carnelutti, o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e

157

literatura jurídica é de difícil esclarecimento, apesar das diversas conseqüências práticas que

sua identificação tem trazido na positividade procedimental brasileira.

Ao se pensar o mérito como o julgamento quanto ao pedido do autor, ou como as

questões referentes à possibilidade de fruição do objeto mediato de seu pedido348

, tudo pode

nele ser inserido. Se o autor demarca na inicial os limites sobre nos quais será enquadrada a

discussão no espaço do procedimento, todas as possibilidades argumentativas do demandado

e do julgador estarão para ele voltadas349

. Dessa forma, não há como se pensar em qualquer

discussão que seja fora do espaço do mérito, pelo fato de seu conceito estar ligado ao texto

pretensional do autor, bem como do demandado, e, até mesmo, do julgador, quando este

levanta oficiosamente questão a ser debatida pelas partes.

O mérito, numa proposta de revisão, deixaria de ser identificado com o “direito

material”, para ser conceituado como um espaço lógico de dialogicidade racional, balizada

pela principiologia do Processo a trazer a metodologia de encaminhamento das

argumentações das partes350

. Nesse quadro, a discussão sobre a necessidade ou a utilidade do

que o autor busca com seu pedido, também passaria a situar-se neste espaço e, assim, não

poderia estar desvinculada de uma cognição plenária e baseada no contraditório, ampla defesa

e isonomia.

A supressão do espaço pré-merital das questões prévias é imperiosa, porque este é

absolutamente inconstitucional, por ser mais ato de vontade do julgador do que de

racionalidade pela análise crítica dos argumentos apresentados pelas partes. Na forma como

vem sendo tratada pela “doutrina” tradicional, as questões prévias (pressupostos processuais e

pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões mediante o qual o juiz, acolhendo ou

rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A

lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os

litigantes.”. (BRASIL, 2008, p.591-592). 348

Enquanto a pretensão é a articulação textual contida na petição inicial, a informar o desejo do autor quanto à

fruição de determinado bem, o pedido é a conclusão deste texto, como sendo o objetivo da pretensão (LEAL,

2008, p.303). O pedido possui dois objetos, sendo um mediato (referente ao bem jurídico cuja fruição é

pretendida pela parte) e o imediato (solicitação de providência judicial a garantir a fruição do bem da vida em

questão). (LEAL, 2008, p.304). 349

Em relação ao demandado e sua vinculação ao pedido do autor, conferir item 3.3.4.2 da presente pesquisa.

Em relação ao julgador, citam-se, a título de exemplo, o texto dos artigos 459 e 460, caput, do CPC, sendo que a

redação do último merece reprodução neste momento: “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de

natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi

demandado. [...].”. 350

“A matéria de mérito que se constitui do equivocadamente chamado direito material (direito alegado e

examinável no espaço-tempo do mérito) passa a ser reconhecida judicialmente através do processo que

especifica a lide, nos limites do petitum, a que se referia Carnelutti, por indicar o ponto crítico (culminante-

meridium) da litigiosidade entre as partes sobre um bem da vida jurídica – a res in judicium deducta [...].”.

(LEAL, 2008, p.135-136).

158

condições da ação) são analisadas por uma metodologia que abandona a teoria da cognição

processual democrática.

O espaço pré-merital, nesta visão, nada mais é do que um local de exacerbação do iura

novit curia351

pela criação de inesclarecidas “matérias de ordem pública”, situação que só tem

servido como cláusula de abertura para autoritarismo de uma decisão que não precise

esclarecer seus fundamentos352

. Anota-se que a complexidade da contemporaneidade, está a

exigir o abandono desta perspectiva, haja vista que a simples crença na idoneidade do

julgador não é mais fator preponderante para que as decisões sejam cumpridas353

. Ao

contrário: o que se exige hoje é a busca, cada vez maior, por legitimidade nos julgamentos, a

qual consiste na visualização da participação das partes em todo o procedimento demonstrada

pela narrativa e análise da participação no texto decisional.

A utilização de um espaço pré-merital, oficioso pela presença das “questões de ordem

pública” só tem servido, como já apontado por diversas vezes, para interdição da

discursividade das partes. Trabalha-se, ainda, com um contraditório pautado por uma idéia de

“simétrica paridade de armas”, no sentido de que o processo é mera batalha em busca de uma

vitória triunfal354

. A inserção do Interesse Processual, assim como as demais questões prévias

no espaço do mérito é capaz, com a adoção do objetivo de esclarecimento, superar a utilização

351

Sobre o referido adágio jurídico, conferir nota de rodapé 24 do item 4.2.2 retro. 352

Numa revisão do conceito de concisão, Leal, ao invés da tradicional abertura de espaço para arbitrária escolha

dos argumentos a serem examinados na decisão, pelo subjetivo critério da “relevância”, anota que este é apenas

requisito de inteligência de qualquer texto jurídico, o qual consiste na “mínima extensão narrativa com máxima

compreensão”. (2008, p.320). Anota ainda, que há mais dois requisitos: clareza (inteligibilidade como

explicitude dos fundamentos da decisão) e correção vernacular (como atendimento às regras gramaticais). Este

último requisito está, inclusive, expressamente positivado no art. 156 do CPC, in verbis: “Em todos os atos e

termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo.”. 353

Para Leal, a parte é o agente procedimental legitimado, através do exercício autônomo de sua liberdade

jurídica, a construir o sentido da lei, como o princípio ou regra a regular a conduta a ser adotada no mundo da

vida. Daí define o “dever-ser jurídico” como o conteúdo da lei (o “ser” jurídico). A construção do “dever-ser”

pela parte, e não a doação deste pelo julgador é elemento caracterizador da democracia porque permite que cada

um dos cidadãos assuma sua responsabilidade pela construção de seu destino pessoal e também da coletividade,

já que, ao ser o construtor do sentido da lei (ou mesmo até do seu texto original, no processo legislativo) é

responsável por conservar ou transformar sua realidade, o que o autor citado chama de “devir” (LEAL, 2008,

p.55-64). 354

Essa noção é bem desenvolvida por Fazzalari (2006, p.121-124) que, em sua obra, buscou a evolução do

conceito de contraditório como “bilateralidade de audiência”, com sua vinculação ao princípio da isonomia.

Assim, usa constantemente a expressão “simétrica paridade”, ligando à idéia de contraditório à utilização de

meios e tempo igualitários na estrutura do procedimento, o que levou muitos autores a questionarem o sentido da

criação de prazos diferenciados para determinadas partes (e.g., Fazenda Pública que possui, pelo CPC, prazo em

quádruplo para contestar e em dobro para recorrer – art. 188) ou mesmo a dispensa de advogado na assistência

de uma das partes, como ocorre nos Juizados Especiais (nas causas até 20 salários mínimos, conforme o disposto

no art. 9º, da Lei 9.099/1995). O que se precisa pensar é na evolução da simetria de “armas”, conforme a antiga

noção desenvolvida por Ihering, citado por Gonçalves (1992, p.119-120), para igualdade nas oportunidades do

pensar e expressar teorias sobre a interpretação do direito, no qual a vitória completa é o esclarecimento, mesmo

que obtido à custa do afastamento da tese defendida pela parte ou apresentado pelo julgador.

159

meramente estratégica da retórica, como arte do convencimento voltada apenas para a vitória

na batalha lógica daquele que argumenta.

Passa o contraditório, dessa forma, a ser encarado como oportunidade de produção

formalizada de sentido do texto da lei encaminhado pelo discurso pretensional das partes

(LEAL, 2005l, p.10) não supõe mais bilateralidade simétrica (LEAL, 2005c, p.39), numa

atividade meramente dialética, não dialógica. O que se cogita agora é a criação de um tempo

processual estruturado no contraditório, como oportunidade de pensar e argumentar o direito,

no qual os prazos procedimentais têm papel preponderante, juntamente com a organização da

atividade argumentativa pelo instituto da preclusão355

. Só assim o destinatário da legalidade

será juiz último da lei (LEAL, 2005l, p.11).

Visto desta forma, o contraditório não pode ser mais suprido, até porque é considerado

como direito fundamental356

e, assim, critério para aferição do nível de dignidade das partes

em sua atividade de construção do sentido da lei357

. Na visão tradicional, não há sentido em se

355

Preclusão pode ser definida como esgotamento do tempo legal para argumentação num ponto do espaço

estrutural do procedimento, sendo fator de transformação dos fatos, atos ou situações. É, portanto, instituto

processual de fixação de fato-ato ou registro de ausência de fato-ato no espaço procedimental pelo transcurso do

tempo, criador de situação jurídica pela consumação do tempo legal em fase da estrutura procedimental. É, por

fim, fato de distribuição isonômica, entre os sujeitos do processo, do tempo-espaço procedimental. (LEAL, 2008,

p.323). Vale a pena, pena clareza, a citação literal de Madeira, em suas reflexões sobre o tema: “No Direito

Democrático, a preclusão não é penalidade ou sanção, embora, por muitos, ainda seja vista como um instrumento

arcaico de repressão da autoridade contra a suposta negligência (direito de não-dizer) das partes e de seus

procuradores. Hodiernamente, a preclusão é uma garantia dos demandantes, e não uma forma de punição, visto

que a mesma assegura o prosseguimento da estrutura procedimental rumo ao provimento final ainda que uma das

partes seja omissa. Percebe-se que a preclusão evita a desorientação e a arbitrariedade na construção das decisões

judiciais, pois, concedida a oportunidade de manifestação e não sendo esse direito exercido, a estrutura

procedimental continuará a se soerguer, sem possibilidade de retrocessos, salvo quando a lei assim permitir.”.

(2006, p.206). Encerra o autor com as seguintes reflexões: “Se a manifestação de uma parte é uma faculdade,

não é lícito que a outra espere eternamente para que o procedimento se estruture rumo ao provimento final.

Justamente por isso, o Direito acolheu a idéia de preclusão que preenche os vazios deixados pelas partes na

estrutura procedimental. Em assim sendo, a preclusão e o prazo processual garantem a estruturação e a

celeridade procedimental, salvaguardando a prolatação futura da decisão judicial, pois, dada a oportunidade de

manifestação e esgotados os prazos, não poderá mais a parte realizá-lo, devendo-se passar para os atos e fases

subseqüentes.”. (MADEIRA, 2006, p.206-207). 356

“Assim, na teoria da democracia os direitos fundamentais são inafastáveis não porque já estejam impregnados

na consciência dos indivíduos, mas porque são pressupostos jurídicos da instalação processual da movimentação

do sistema democrático, sem os quais o conceito de Estado democrático de direito não se enuncia.”. (LEAL,

2002, p.31). 357

“Há uma íntima conexão entre a violação dos princípios processuais, como no caso de inobservância do

contraditório – que é o impedimento da participação no processo em simétrica paridade – e lesão grave à

dignidade humana. Os direitos fundamentais são expressões do princípio da dignidade e a violação de qualquer

um deles importa no impedimento da plena vivência digna.”. (DUARTE, 2008, p.298). E conclui a autora:

“Somente com a percepção de que não existem direitos constitucionais mais ou menos importantes, mais ou

menos aplicáveis, uma vez que todos são positivados na Carta Magna em respeito à soberania popular, é que se

determinará a obediência nos mais variados níveis de todos os direitos fundamentais. Não haverá supremacia

mercadológica capaz de ditar as normas preferenciais, em detrimento das demais; não serão aceitas ingerências

desse „ente superpoderoso‟ na escolha dos mecanismos de preservação de direitos duramente conquistados. Não

e não. Quando houver o despertar de que no regime democrático, a detenção de „superpoderes‟ só cabe ao povo

ao arbítrio, à demagogia, aos „magistrados-deuses‟, ao autoritarismo, não estará alternativa que não seja a de

mudar, talvez, e possivelmente, de país. [...].”. (DUARTE, 2008, p.302).

160

ouvir a outra parte porque ela teria todo o interesse em que a pretensão do autor fosse

rechaçada de pronto, porquanto só lhe interessaria ser vitoriosa, visto que a “derrota” é um

luxo caro pela sucumbência. Não há, portanto, a menor possibilidade de esclarecimento, de

todos os sujeitos do processo, o que é superado pela supressão da possibilidade de derrota e

inserção da discussão num quadro de plenariedade discursiva em tempo e modo adequados.

Com a universalização do espaço merital, como aquele em que há plenariedade

cognitiva, democratiza-se por completo o procedimento, sem a cogitação de morosidade.

Basta que os prazos legais sejam cumpridos com a modernização da malha burocrática do

serviço jurisdicional e adoção de formas alternativas de solução de conflitos, conforme

soluções já apontadas no capítulo anterior para solução do paradoxo do acesso à jurisdição358

.

Com essas conclusões, é tempo de formulação de uma hipótese de releitura do

Interesse Processual a possibilitar, por meio da construção compartilhada do que seria

necessário e útil às partes, a aproximação destas para construção de uma intersubjetividade

que se dê por meio de uma racionalidade discursiva.

6.2 O Interesse Processual como Instituto Jurídico

Pode se pensar numa releitura do Interesse Processual, enquadrando-o, agora, como

instituto jurídico. Partindo da concepção de Leal de que instituto jurídico seria um “conjunto

de princípios que se unificam pela conexão normativa determinante de seu significado e

aplicação” (2008, P.200), o Interesse Processual, para cumprir com sua finalidade de

aproximação das partes no Processo a fim de buscar seu esclarecimento por meio da

testificação dos argumentos apresentados é regido pelos seguintes princípios: a) construção

compartilhada das idéias de necessidade e utilidade e b) adequação da linguagem do discurso

pretensional aos requisitos legais de inteligibilidade que demarcam as possibilidades de fala

das partes. Passa-se ao exame pormenorizado de cada um deles, na proposta que se apresenta

com esta pesquisa.

358

Neste sentido, conferir importantes reflexões de Tavares (2007a e 2009).

161

6.2.1 A construção das idéias de necessidade/utilidade a partir da aproximação dos

discursos das partes num espaço lógico processualizado (procedimento)

O modelo do CPC em vigor informa que a análise do Interesse Processual pressupõe

uma suposta neutralidade do observador adquirida pelo simples fato de este não estar

envolvido no conflito pré-procedimental das partes359

. Essa eqüidistância e objetividade, que

são supostamente atingidas a partir da observação de alguém externo ao conflito, recebem

críticas contundentes de Popper (1999, p.77-78; 2006, p.61) quando afirma que todas as

observações são baseadas em teorias360

e, assim, não há “fatos inocentes”361

.

Portanto, não tem sentido a criação de uma teoria que justifique a posição de um

julgador selecionador de pretensões por conta de uma suposta posição eqüidistante e superior

a das partes. Para Popper, a objetividade não está na imparcialidade pessoal, tratada pelo CPC

como uma virtude aristotélica362

, mas no texto da decisão que encerra a descrição e o

resultado da atividade crítica das partes no espaço do procedimento363

.

Popper (2004, p.23-24) defende que a objetividade é encontrada pelo oferecimento das

impressões subjetivas à crítica do outro. Só assim é possível a produção de um conhecimento

que se aproxime mais da verdade, pela testificação das aporias das teorias formuladas, no que

359

O contato com as partes, inclusive, é critério para aferimento do pressuposto processual da imparcialidade. É

o que se vê pela redação, por exemplo, do art. 135, IV, do CPC, quando prevê que é motivo para afastamento do

julgador, por ser suspeito, o fato de ter previamente aconselhado uma das partes quanto ao objeto da causa.

Percebe-se, pela análise de todas as causas de impedimento e suspeição, que a imparcialidade é vista, pelo CPC,

em seus artigos 134 e 135, como virtude pessoal do magistrado, não sendo auferida, assim, pelo texto da decisão.

A objetividade da decisão, aqui, está muito mais na distância pessoal do julgador das partes do que em seu

conteúdo propriamente dito. 360

“[...] Em poucas palavras, entendo que nossa linguagem comum está repleta de teorias; que a observação é

sempre uma observação à luz de teorias; que só o preconceito indutivista leva as pessoas a pensarem em uma

possível linguagem fenomênica, livre de teorias, distinguível de uma „linguagem teórica‟ [...].”. (POPPER, 2006,

p.61). 361

“Assim, cada um de nós vê seus deuses, e seu mundo, de seu próprio ponto de vista, de acordo com sua

tradição e sua criação; e nenhum de nós está isento dessa parcialidade subjetiva.”. (POPPER, 1998b, p.407). E

continua o autor austríaco: “Os fatos em que se baseia este argumento devem ser admitidos; e, na verdade, nunca

nos poderemos livrar de parcialidade. [...] Pois, antes de tudo, podemos, por etapas, libertar-nos de parte dessa

parcialidade por meio de pensamento crítico e, especialmente, dando ouvido à crítica. [...].”. 362

Para Aristóteles as virtudes seriam desenvolvidas pelo hábito ou pelo ensino este através do tempo e da

experiência, podendo ser conceituadas como o meio termo entre as características humanas da falta e do excesso.

Nas palavras do autor grego: “Em uma palavra: nossas disposições morais nascem de atividades semelhantes a

elas. É por esta razão que devemos atentar para a qualidade dos atos que praticamos, pois nossas disposições

morais correspondem às diferenças entre nossas atividades. [...].”. (ARISTÓTELES, 2008, p.41). Dessa forma, a

imparcialidade, como meio termo (eqüidistância) entre as partes, é construída por hábitos da pessoa do julgador

podendo variar de acordo com a formação de cada magistrado. 363

Anota-se que, inclusive, esses são requisitos legais da sentença, conforme expressa previsão do art. 458 do

CPC.

162

pode ser definido como um processo de intersubjetividade, isto é, de aproximação das partes

para discussão sobre suas noções quanto o problema apresentado.

No caso da atividade jurisdicional, anota-se que o responsável pela demarcação das

discussões e, assim, pela formulação do problema, é o demandante. Demarcada a discussão,

abre-se espaço para a crítica que eventualmente pode ser apresentada pelo réu em suas

diversas formas de defesa, numa atividade que epistemologicamente pode ser enquadrada no

nível da linguagem-mundo364

.

A intersubjetividade que ocorre pela aproximação discursiva das partes, visando à

evolução do conhecimento sobre os fatos do problema formulado pelo demandante, bem

como pelo melhor critério jurídico para agir perante o demandado, é capaz de propiciar uma

racionalidade que leve as partes ao esclarecimento pela superação das aporias nas teorias que

sustentam cada uma das posições que os litigantes apresentam nos autos.

A adoção de uma epistemologia linguagem-mundo supera a fase da consciência-

existência365

em que o imaginado pelo julgador se torna realidade, indiscutível e imutável pela

coisa julgada, realizável no mundo pelo coativo procedimento da execução366

. Esta forma de

se enxergar a racionalidade, utilizada na visão tradicional do Interesse Processual, é

responsável por construir a figura de um juiz que se faça termômetro ético das relações entre

os sujeitos, já que é o responsável, solitariamente, por definir o que é necessário e o que é útil

para as partes.

O problema é que, neste caso, é preciso a adoção de um totem, teoria, portanto,

baseada em um personalismo hermenêutico, no qual há a presença de uma “melhor

inteligência”, identificada pela presunção legal instituída pela investidura no cargo de

magistrado367

(LEAL, 2005c, p.41). Há ainda que se destacar que, nesse quadro, há uma

verdadeira infantilização dos litigantes, já que se pressupõe não serem capazes de

364

Aquela na qual o produto da conscientização da existência da informação é formalizado através de

proposições escritas e ofertado para a crítica científica, considerando a perene falibilidade de todo o

conhecimento humano. 365

Acumulação e significação de dados a partir de observação de algo (sujeito-objeto). 366

O processo de execução é considerado por Liebman como aquele responsável pela atuação prática da sanção

(conseqüência jurídica) do direito, independentemente da vontade do obrigado. Para tanto são utilizados meios

objetivando a realização do ato omitido através de pressão psicológica ou substituição da atividade do obrigado,

mas sempre às expensas deste. (1980, p.01-05). Nas palavras do autor italiano: “Mas, como todos sabemos, nem

sempre os homens cumprem as suas obrigações e obedecem aos imperativos decorrentes do direito, de maneira

que a ordem jurídica não seria completa, nem eficaz se não contivesse sem si própria aparelhamento destinado a

obter coativamente a obediência de seus preceitos.”. (LIEBMAN, 1980, p.02) 367

Essa afirmativa pode parecer exagero ao leitor que não conhece a praxe forense, mas é tão grave que foi

objeto de positivação por parte do artigo 6°, caput, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e OAB – Ordem

dos Advogados do Brasil) que preceitua, in verbis: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados,

magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito.”.

163

selecionamento de pretensões que se justifiquem perante o ordenamento jurídico e, assim, não

poderiam ser responsabilizados por eventuais danos que suas discussões pudessem causar.

A possibilidade de construção, pelo juiz, da utilidade e necessidade sem a oitiva da

outra parte interessada, com base no espaço de pouca compreensibilidade do texto legal dos

artigos 3º e 267, VI, do CPC, é campo para decisões que se fazem fora do sistema legal,

apesar de este prever essa situação de “escape” para uma subjetividade solitária do julgador

(LEAL, 2005l, p.6). A utilização da técnica da cláusula aberta368

na redação dos citados

artigos, deixando a cargo apenas do julgador completar o “sentido da lei”, retira das partes a

possibilidade de sua participação na construção deste sentido, bem como lhes retira a

possibilidade de controle sobre a atuação do magistrado. Anota-se que, é sempre

recomendável, ser o texto legal o mais claro e objetivo possível, evitando-se expressões

polissêmicas, conforme o que expressamente preceitua o art. 11369

, da Lei Complementar

95/1998.

A teoria do processo como relação jurídica é responsável por colocar o juiz numa

relação geometricamente pitagórica (triangular) com as partes, exercendo poder sobre elas, e

só tem servido para criação da terrível ilusão nos julgadores de que estes possuem poderes

sensitivos de escolha do que é bom ou ruim, do que é útil e necessário. Isso configura

verdadeira relação de subordinação das partes à sabedoria do juiz (LEAL, 2005c, p.39-40).

Essa postura vai de encontro ao princípio democrático de desubjetivação do poder370

,

o qual demonstra que as instituições é que devem ser fortalecidas, sempre trazendo

mecanismos de controle sobre aqueles responsáveis por sua operacionalização. Nunca é

demais lembrar a advertência de Popper (1998a) sobre a necessidade de criação de

instituições na democracia que permitam que mesmo os maus governantes não causem

demasiado estrago.

368

“Essa hubris, como lugar do caos e do vazio inerente ao nomos, é a lacuna da lei hoje invadida, em várias

legislações, inclusive na nossa, pelo despotismo estatal de uma judicância judicial e administrativa em nome da

realização mítica de uma justiça social célere. A usurpação da hubris pelo julgador talentoso, inato e

supostamente esclarecido (tirano iluminado), estabelece, na aplicação das leis na contemporaneidade, um ethos

por uma jurisprudência de interesses escorada na tópica heróica, fundando assim, no dizer de Agamben, uma

zona de anomia onde se aloja o Estado de Exceção salvífico pela intervenção prestante e redentora (violência

sublime de um decisor onipotente (juiz corajoso).”. (LEAL, 2005l, p.5). 369

Art. 11. “As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para

esse propósito, as seguintes normas: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu

sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a

nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; [...] II - para a obtenção de precisão: a) articular a

linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu

texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; [...] c) evitar o

emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso,

observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;

[...].”. 370

Conferir item 2.1 retro.

164

O Processo visto como instrumento, não passa, portanto, de meio autocrático a ser

manejado por uma jurisdição de juízes, com escopos metajurídicos371

, que transcendem o

espaço físico e lógico dos autos do procedimento (LEAL, 2005c, p.41). O grave problema de

se adotar esta posição está, justamente, no Povo estar excluído da participação da eleição

destes escopos, ou que estes sejam discutidos dentro dos autos pelos indivíduos envolvidos

nas conseqüências da decisão (LEAL, 2005l, p.7).

A definição de necessidade e utilidade não pode ser objeto de interdição da

discursividade das partes nos autos, porque a solução tradicional da teoria da asserção, ao

permitir selecionamento inexplicado de pretensões, passa, justamente, pela consecução de

escopos de política pública para uma suposta elevação da eficiência da função jurisdicional,

com a criação de respostas dissociadas dos princípios constitucionais.

A superação deste quadro autocrático, reflexo de uma teoria com resquícios atávicos

de uma sociedade fechada, é a principal finalidade da constitucionalidade democrática em

vigor no pós 1988. Para consecução do objetivo de se alcançar uma sociedade aberta, é de

grande importância a recordação do chamado “matema de Protágoras”, o qual define que “é a

linguagem que mensura o homem” (LEAL, 2005l, p.12). É a linguagem o lugar de construção

do homem de forma que só o discurso submetido à crítica, pode objetivar a discussão e, só a

abertura para a linguagem é capaz de agregar o homem já que passa a visualizar o outro como

meio de sua evolução cognitiva e não mais, como inimigo a ser fragorosamente derrotado no

procedimento. Daí o porquê de não se imaginar qualquer possibilidade de “pacificação” pelo

silenciamento das partes.

Há que se repensar, portanto, dentro de uma nova visão de Interesse Processual, o que

seria “posição de vantagem”. Pode ser cogitado, conforme já apontado por Maciel Júnior

(2009, p.305), que a vantagem que o acesso à função jurisdicional é capaz de conferir às

partes está em ser ouvido e ouvir, e, portanto, na busca pelo esclarecimento, até porque a

vitória está, justamente, na construção do melhor critério para agir em face da situação

problematizada pelo demandante.

Pensa-se no que seria necessidade. O necessário para os litigantes não pode mais ser

visto como simples o encerramento da discussão contida nos autos do procedimento por uma

decisão que seja a última e única solução, qualquer que seja seu conteúdo ou teor. Não é este

o caminho apontado por uma teoria democrática, como a que informa a constitucionalidade

brasileira contemporânea. A necessidade passaria pelo desejo de acesso a um espaço lógico

371

“[...] O processo seria, assim, o instrumento da subjetividade do juiz na pacificação dos conflitos, cumprindo

objetivos sociais, jurídicos e políticos.”. (LEAL, 2005c, p.40).

165

para a expressão de uma racionalidade intersubjetiva, diferenciada do pensar individual

(sujeito-objeto e consciência-existência). A necessidade está em, portanto, haver

permissibilidade na busca pela crítica, com o fim de esclarecimento, o que será responsável

pela superação da idéia de vitória individual e, portanto, de um processo monológico.

Pode se conjeturar uma utilidade ligada à idoneidade do discurso pretensional das

partes a possibilitar a aproximação do outro litigante para que exerça sua liberdade crítica.

Não no sentido da busca do atendimento da pretensão do demandante, auferida por graus de

“probabilidade” de eficácia e eficiência na realização prática do pedido do autor, por estar em

conformidade com o ordenamento jurídico, segundo o juízo solitário do julgador.

Cogita-se a possibilidade da produção dos efeitos de esclarecimento pela utilização, no

procedimento, da principiologia do Processo (ampla defesa, contraditório e isonomia). Se este

for o objetivo da atuação dos litigantes no iter procedimental, serão sempre úteis os atos

processuais discursivos contidos nas petições apresentadas nos autos, em tempo e modo

previstos na legislação, já que a viabilidade do atendimento da pretensão do demandante

passará por discussão com o réu.

A ausência de oposição do demandado, ou seja, a presença de adesão, expressa ou

tácita, à teoria formulada pelo do autor em seu discurso pretensional, pela não resistência do

demandado no espaço do procedimento, por exemplo, só demonstra que a utilização da

atividade jurisdicional foi, por demais, útil372

, porque permitiu a construção de um critério

para o agir sem a necessidade de subjugação com violência.

Visualizado assim o Interesse Processual, perde inteiramente a importância de sua

vinculação à presença de lide pré-processual, que passa a ser eventual. Como o papel da

função jurisdicional do Estado, por ser vinculada à principiologia do Processo, será o de

fornecer um espaço lógico para a manifestação de subjetividades que se entrecruzem por meio

de uma discursividade mediada por um terceiro (o julgador), responsável por auxiliar as

partes na construção do sentido da lei, o que se buscará é, apenas, a melhor interpretação do

padrão de legalidade a ser adotado, independentemente de qualquer contato antes da

instauração do procedimento.

A necessidade está, portanto, no esclarecimento de qual é o melhor caminho para

eventual fruição do bem da vida pretendido. O que se busca é a eliminação dos defeitos

372

Não é isso o que já entendeu o STJ no REsp 147.408/MG, julgado em 11.12.1997, que, ao apreciar pedido de

pensão por morte, julgou a autora “carecedora de ação” por falta de interesse processual, porquanto não procurou

receber seus proventos na via administrativa e a autarquia federal (INSS – Instituto Nacional de Seguridade

Social) limitou-se, nos autos, a apresentar defesa alegando essa ausência de contato prévio com a parte. O

Tribunal, na ocasião, através do voto do Ministro Relator Fernando Gonçalves, entendeu não poder o Judiciário

julgar a causa por absoluta ausência de lide pré-processual.

166

apresentados pelas teorias formuladas pela parte em seus discursos pretensionais (texto das

petições apresentadas nos autos), a partir da utilização da crítica da outra parte, por meio de

argumentos capazes de apontar, de forma racional, eventuais aporias na argumentação

anteriormente trazida aos autos.

A utilidade, por sua vez, passa pela probabilidade de a aproximação entre as partes a

fim de levá-las à construção do melhor modo de agir em face da situação concreta apresentada

nos autos. Nesse sentido, o Processo, de método de organizar batalha intelectual373

, passa a

ser principiologia que permite a construção compartilhada pelas partes do critério da atuação

destas quando da fruição de um direito.

Fixadas as bases de uma releitura do Interesse Processual pela construção

compartilhada do sentido de necessidade/utilidade do pedido do demandante, exige-se, agora,

a análise da demarcação dos critérios para encaminhamento do discurso das partes nos autos,

o que pode ser chamado de “adequabilidade”.

6.2.2 Adequabilidade como demarcação do discurso pretensional das partes

A compreensão atual do Interesse Processual, em face das cogitações em prol do

alcance da democracia que aqui se apresentam, leva a pensar na possibilidade de criação de

um ambiente, para usar a expressão de Leal (2008, p.89), de “compreensão interprocessual”.

O Interesse Processual, numa releitura, tem como função facilitar a inter-normatividade, ou

seja, a construção compartilhada do sentido do texto da lei, através da demarcação do discurso

das partes.

Quando se fala em demarcação, está a se referir na criação, no próprio texto da lei, de

requisitos de inteligibilidade, ou seja, de elementos que deverão constar no texto pretensional

das partes a lhe trazer uma maior possibilidade de entendimento pelo outro. Logo, o Interesse

Processual, em seu aspecto da adequação, está muito mais ligado à forma de encaminhamento

373

“Claro que atualmente já não se pode achar que um „verdadeiro jurista‟ há de ser um romanista exímio, a não

ser para estabelecer uma notícia histórica do direito e principalmente evitar a repetição de um passado repressor

amparado por um direito belicioso, fundado na tradição e na autoridade, e conduzido pelas velhas escolas da

interpretação jurídica expressas nos métodos exegético (escritural-gramatical), dogmático (tópico-retórico) e

histórico (sistemático) que, em direito processual transformam a lide em pugna, as partes em guerreiros e o juiz

em comandante em chefe da força das armas utilizadas pelos demandantes, que fatalmente se rotularão em

vencidos e vencedores, com severa punição do derrotado pela vergonhosa sucumbência.”. (LEAL, 2002, p.58).

167

das petições das partes, cujos eventuais defeitos, apontados pela outra parte ou pelo próprio

julgador, deverão ter como regra, a possibilidade de convalidação.

O aspecto da adequação pode ser plenamente aplicado na constitucionalidade em

vigor, com a utilização de técnicas diferenciadas para sumarização de procedimentos374

.

Anota-se que, no entanto, para que isso se dê de forma legítima, é necessário que, em

primeiro lugar, não seja sumarizada a cognição processual e, em segundo, que a criação de

procedimentos especiais passe por prévia discussão quanto aos seus critérios políticos. Não se

vislumbra, dessa forma, qualquer dificuldade de exigência de uma procedimentalidade

específica para casos de urgência, por exemplo, desde que esta não ofenda a principiologia

constitucional do processo (ampla defesa, contraditório e isonomia)375

.

O aspecto “adequação”, tradicional na discussão da utilidade no Interesse, pode ser

relido como adequabilidade do discurso encaminhado por qualquer uma das partes, em

relação aos critérios legais de inteligibilidade, exigidos na petição inicial, nas defesas e,

decisões376

. Em suma, em quaisquer das petições produzidas no iter procedimental, que

deverão primar por técnica que permita a compreensão pelo outro.

Explica-se que o Interesse Processual, em seu aspecto da adequação, envolve

discussão sobre os eventuais defeitos na argumentação do demandante, por esta não ter

preenchido os requisitos legais. Ao situar-se fora do padrão de licitude trazido pelo texto

legal, conforme o previsto nos artigos 104377

e 166, IV378

, ambos do CCB, ou mesmo nos

artigos 243379

; 244380

; 249381

; e 250382

, todos do CPC, pode ser cominada sanção para o ato

374

Sumarização do procedimento é a técnica legislativa que visa imprimir maior rapidez ao prolatação da

decisão jurisdicional sem sacrifício da atividade cognitiva plenária, preservando todas as garantias fundamentais

dos litigantes e levando a procedimentos especiais ou modificação do próprio procedimento ordinário, como, por

exemplo, pela positivação da “antecipação de tutela” (art. 273, do CPC) e o “julgamento antecipado”. Conferir

neste sentido, Reis (2007, p.122) e Barbosa Moreira (2003b, p.05-06). 375

“É possível, contudo, formular uma teoria da efetividade do direito, fruto do adequado equilíbrio entre o

processamento de pedidos amparados em tutelas provisórias – os procedimentos de urgência de tutela a direitos

fundamentais, pela via das antecipações de tutela e cautelares – e o respeito aos princípios do contraditório, da

isonomia e da ampla defesa, e da reserva legal, por que regentes do Estado de Direito Democrático, de que não

se pode afastar. Esta harmonia pode ser alcançada na utilização de determinadas técnicas procedimentais, sem

malferimento do processo devido, muito menos com sumarização da cognição.”. (TAVARES, 2007, p.118). 376

Destaca-se, aqui, o importantíssimo papel dos embargos de declaração, como recurso previsto no art. 535 do

CPC, destinado a buscar a superação de omissões, obscuridades e contradições nas decisões jurisdicionais. 377

Art. 104. “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou

determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.”. 378

Art. 166. “É nulo o negócio jurídico quando: [...] IV – não revestir a forma prescrita em lei; [...].”. 379

Art. 243. “Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser

requerida pela parte que lhe deu causa.”. 380

Art. 244. “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido

o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.”. 381

Art. 249. “O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências

necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados. §1º. O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta

168

viciado: se não convalidável, será declarado como nulo e, conseqüentemente, buscar-se-á

revisão de todos os efeitos por ele provocados, com o desfazimento e retorno ao estado

anterior ao seu exercício (art. 169383

, do CCB) ou compensação ou indenização dos efeitos

que não puderem ser recuperados384

. Frisa-se, novamente, porém, que a convalidação deve ser

a regra geral, só não podendo ser aproveitado o ato que trouxer prejuízo comprovado à outra

parte, prejuízo que consiste, justamente, na incompreensão do pretendido e, assim, que

obstacularize uma crítica racional.

O que se tem de problematizar é o porquê de se diferenciar a metodologia utilizada na

análise da forma de encaminhamento do discurso pretensional do demandante, adotando-se

uma teoria desprocessualizada como a da asserção, se se trata, também, da análise sobre a

licitude de ato jurídico praticado. Não há quaisquer motivos para o abandono da teoria da

cognição processual, em sua forma plenária, quando da análise da adequação do discurso das

partes, de forma que esta discussão, também, deve passar pelos princípios do contraditório,

ampla defesa e isonomia, pelo fato, por serem de caráter autocrítico, viabilizarem as

possibilidades de aproximação das partes na busca por esclarecimento do melhor critério para

agirem em face do problema apresentado pelo demandante.

quando não prejudicar a parte. §2º. Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a

declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.”. 382

Art. 250. “O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser

aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as

prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte

prejuízo à defesa.”. 383

Art. 169. “O negócio jurídico nulo não suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.”. 384

Para Leal, as matérias de ação são inconvalidáveis e acarretam a “extinção do processo sem resolução do

mérito” por “carência de ação” (2008, p.136-137). Anota, ainda, que em relação ao interesse processual, em seu

aspecto de adequação, os tribunais têm adotado o princípio da infungibilidade na escolha equivocada do

procedimento para encaminhamento da pretensão (LEAL, 2008, p.135). Para a possibilidade da convalidação de

vícios de adequação do discurso pretensional basta a modificação da positividade em vigor com a instituição de

atos procedimentais voltados para a superação de eventuais defeitos de inteligibilidade do texto pretensional de

cada uma das partes, não só em relação ao pedido inicial, mas a qualquer manifestação nos autos, já que o

objetivo do procedimento é justamente o esclarecimento. Buscar-se-á, assim, uma universalização da salutar

regra sob a qual está submetido o texto decisional do julgador, que pode ser aprimorado através do recurso dos

“embargos de declaração”, voltadas para superação de omissões, obscuridade ou contradições da argumentação

do magistrado.

169

6.3 O papel do Interesse Processual como fator de expansão do princípio do acesso ao

direito pelo devido processo

Responde-se, ao final, o problema que motivou a realização de toda esta pesquisa: é

possível a convivência do interesse processual como anteparo ao acesso à jurisdição? A

conclusão que se chega é que não. O instituto do Interesse Processual pode muito bem

conviver com a democracia em uma releitura. A inserção do instituto Interesse no espaço do

mérito, utilização deste como critério demarcador do discurso e como elemento de

aproximação das partes para construção compartilhada do sentido de necessidade e utilidade

da pretensão encaminhada à função jurisdicional, são essenciais para construção de um

procedimento pautado pela racionalidade atingida pela utilização da crítica intersubjetiva.

Essa releitura passa pela reflexão do instituto Interesse Processual a partir da teoria

neo-institucionalista do processo, por conta do apelo que esta tem feito à adoção de uma

metodologia crítico-discursiva na instauração de procedimentos na jurisdicionalidade, vista

como atividade de aplicação dos conteúdos da lei (LEAL, 2008, p.88). Assim, tem-se tese

diametralmente oposta à do interesse processual como anteparo ao acesso à jurisdição, visto

que a agregação dos homens se dá justamente pelo interesse como contato entre sujeitos, mas

não contato físico passível de trazer lesão antijurídica, e sim pelo fato de se aproximarem, por

meio de seus discursos pretensionais, visando esclarecimento pela crítica385

.

Daí o porquê de o Interesse, como necessidade, encontrar-se, justamente, na

discursividade. Se a necessidade não está na vitória prazerosa, mas no esclarecimento capaz

de trazer evolução para o relacionamento intersubjetivo, é um total absurdo se trabalhar com

uma teoria que busque, justamente, a interdição desse espaço de fala386

.

385

“[...] o bios-polytikos na democracia contemporânea é obtido na estrutura da linguagem discursiva

processualizada e não pelo estar (inter-pares) corporalmente ou entre os outros (inter homines esse) com iguais

propósitos guiados por uma fala erística e inerente a um entendimento escatológico (multidão reunida, encontro

festivo).”. (LEAL, 2005l, p.9). 386

“A psicanálise já demonstrou, de Freud a Lacan, e por toda a escola lacaniana, que é na linguagem que o

humano se distingue do animal, uma vez que demanda e desejo não são da ordem de necessidades. [...]. O

abafamento (interdição) do sujeito de direito (legitimado ao processo) barra o sujeito da psicanálise pelo sintoma

de um eu sombrio e paranóico [...].”. (LEAL, 2006b, p.91). E continua em outro trecho: “Em face disso é que

hoje se pensa, a partir do falibilismo de Popper, do real lacaniano e da ferida narcisística de Freud, apartar o

homem da escatologia maldita de uma coerência perpétua, substantivada no jogo das palavras pedagógicas

(disciplinarizantes), que vêm impondo penalizações e criminalizações generalizadas em nome de uma paz social

mitológicas ou da utopia do bem-estar de uma sociedade civil enfurecida (delirante) que, não querendo aceitar a

sua condição de usurpadora (ocupante impostora do pai estatal), dá continuidade à mímeses da barbárie pelo

engodo da defesa de um comunidade político-fantasística e processualmente inexistente.”. (LEAL, 2006b, p.97).

170

O interesse, portanto, deixa de ser pré-processual: ele surge no estar entre os outros, na

participação pública da explicitação dos desejos pessoais, na possibilitação de caminhos de

satisfação pela intersubjetividade. Só há, portanto, interesse no processo e pelo processo. A

idéia de interesse pré-processual só poderia surgir num quadro de comunhão de sentido

pressuposto, talvez baseado em leis da natureza humana que determinassem as necessidades

puramente biológicas. Daí, o juiz, através de uma aristotélica prática virtuosa, seria o capaz de

“ver” a lei natural e filtrar, naquelas necessidades encaminhadas, as que seriam “úteis” para

manutenção da “coesão e harmonia sociais” (pacificação). Na conjectura que aqui se

apresenta a necessidade, a utilidade e a adequação têm sentido construído pela aproximação

das partes nos autos.

Mais até do que intersubjetividade, num sentido de mera aproximação biológica dos

sujeitos, o Interesse Processual sob a perspectiva da teoria neo-institucionalista é capaz de

trazer “interanunciatividade”, como, segundo preleciona Leal (2009, p.290), a possibilidade

de o sujeito ser teoricamente significante para outrem. Intersubjetividade sem

interanunciatividade não passa de mera queda numa pauta de desejos egoístas de fundo

estratégico utilitarista, a buscar vantagens a todo custo, com vedação da auto-ilustração,

situação absolutamente comum na forma tradicional pela qual o Interesse tem sido tratado em

nossa literatura jurídica.

Há de se destacar que o Interesse Processual, agora construído como elemento de

aproximação das partes através da abertura de um espaço para uma discursividade que visa à

construção do melhor sentido possível da lei que regulará o agir no mundo, é verdadeiro

elemento de acesso ao Direito, muito mais até do que acesso à Jurisdição. Aqui se tem a

possibilidade de acesso à função do Estado (jurisdição) que tem o dever de possibilitar o

controle quanto à metodologia para construção do sentido do texto da lei (direito). Assim,

tem-se acesso aos Tribunais como um dos vários locais em que é possível o acesso ao sentido

da lei, que é o objeto da construção nos procedimentos. Destaca-se, sempre a importância da

função jurisdicional, como o local de criação de uma racionalidade diferenciada, já que lá

deve ser possibilitado, a partir da principiologia do Processo, o exercício das faculdades

autocríticas das partes.

Só assim, será possível a inserção das partes num processo em que seja expressão de

sua cidadania. Só assim poder-se-á alcançar o objetivo constitucional de construção de uma

sociedade que se abra pela discursividade daqueles que construirão o sentido da lei. Só assim,

o interesse processual, de anteparo, passa a ser instituição a instrumentalizar o acesso ao

171

direito, não pela doação do julgador, mas pelo incentivo a racionalidade das partes, uma

perante a outra, e ambas ansiosas pela crítica que está por vir387

.

Encerram-se estas reflexões com um pensamento de Leal a respeito de um processo

que não preze pela discursividade:

O que se põe de relevo a indagar, nesse passo, é se o silêncio, a ausência

premeditada, a apatia, a negligência, a revelia da parte, implicariam negativa ou

prejuízo ao direito fundamental do devido processo nas democracias não paideicas

que, por sua vez, só são realizáveis na exauriência dos direitos fundamentais pela

binomialidade-discursiva de contraditório-vida, ampla defesa-dignidade e isonomia-

igualdade. Na teoria neoinstitucionalista, a indiferença (alheiamento) da parte

(legitimado ao processo) ao exercício efetivo de direitos fundamentais

processualmente produzidos e constitucionalizados é sintoma a explicitar frustrações

continuadas ante a aspectos de persistência de entraves ideológico-judicacionais à

implementação do sistema democrático. (LEAL, 2006a, p.14)

387

“Ao se falar num direito processual da pós-modernidade, almeja-se, com esta expressão, identificar nos textos

positivados o conjunto de normas institucionalizadas pelo modelo jurídico do devido processo constitucional

que, em sua gênese, reúna significância de superação da heteronomia produtiva do direito de tal modo a ensejar a

construção procedimental de uma legalidade que se abre à crítica corretiva ampla e irrestrita. Esse direito

processual assume compromisso teórico com as respostas a serem dadas numa universalidade pós-metafísica de

instalação de comunidades jurídicas autorais, simultaneamente destinatárias, confirmadoras, reconstrutoras e

operadoras do Estado democrático de direito discursivamente instituído.”. (LEAL, 2002, p.28).

172

6 CONCLUSÃO

A presente pesquisa procurou demonstrar que há possibilidade de se pensar o direito

processual, de forma científica, afastando-se da vetusta visão de um “direito de segunda

classe”, “instrumental”, utilizado apenas para “batalhas” em razão do direito “material”. Ao se

cogitar um Processo que busque uma racionalidade capaz de trazer aos litigantes o

esclarecimento da melhor forma de agir perante um problema encaminhado para solução

pacífica na função jurisdicional, abre-se a possibilidade de democratização dos procedimentos

com a aproximação dos envolvidos em uma convivência dialógica e crítica.

A democracia é o princípio basilar do Estado Brasileiro no pós 1988 e deve ser

expandida como forma de regular o conviver entre os cidadãos em todos os seus níveis. O

Processo tem contribuído, com sua principiologia autocrítica, para democratização da função

jurisdicional do Estado que, de uma jurisdição solitária e salvadora por predicados pessoais do

julgador, passa a ser local de intersubjetividade, ou melhor, de interanunciatividade.

As críticas, portanto, apresentadas aos modelos autocráticos da “Ação como poder” e

da “Ação como direito subjetivo” são fundamentais para a percepção da necessidade de

valorização da atividade das partes na construção das decisões que regularam suas condutas

em face de um problema apresentado no espaço da jurisdição. Só a criação de uma “Ação

Processual” como Procedimento submetido à principiologia do processo é capaz de expor o

fato de que é possível que discurso dos litigantes, formulado na estrutura física dos autos,

possa gerar resultados muito mais legítimos do que a imposição de decisões por meios

coativos, tais como o custo financeiro da sucumbência.

A legitimidade é meio muito mais eficaz de estabilização das decisões do que a

utilização da violência física ou psicológica, por conta da dificuldade lógica de se descumprir

algo que foi determinado pelo próprio destinatário.

A própria segmentação do Direito em “ramos”, com tratamento diverso nas teorias que

são utilizadas para sua interpretação, não deixa de ser, também, fonte de constantes

obscurecimentos que só tem servido como válvula de “escape” para realização de atos com

nítido viés autoritário. É nesse sentido que se critica a teoria da asserção e as regras de

“fundamentação concisa” que o Código de Processo Civil brasileiro, ao admitirem uma

sumarização da cognição processual e uma diferenciação dos elementos da decisão

jurisdicional, simplesmente, por interpretarem normas de “segunda classe” (direito

processual).

173

A cogitação de que o acesso à função jurisdicional do Estado, direito fundamental do

cidadão brasileiro, constitucionalidade em 1988, só é efetiva com a plenariedade da cognição

processual e da aplicação dos princípios do Processo (contraditório, ampla defesa e isonomia)

é imprescindível para se atingir, no nível da resolução de conflitos, uma sociedade aberta. Não

se procura, aqui, a realização de uma utopia com a promessa de pacificar os “espíritos de uma

nação” cuja litigiosidade não mais se contém. Oferece-se, apenas, como um mecânico social

gradual, o simples objetivo de diminuir o sofrimento dos indivíduos pelo oferecimento de um

espaço que permita sua aproximação para dialogarem no sentido de construírem a melhor

solução de um problema.

O Interesse Processual, dessa forma, deixa de ser instrumento de interdição do diálogo

das partes, para ser instituto jurídico de agregação, por permitir, em sua principiologia, a

aproximação das partes para justificarem sua necessidade de agirem da forma pretendida, bem

como a utilidade de aceitação do outro, através de um discurso que seja balizado pelo texto

legal.

Insere-se, assim, o Interesse Processual no espaço do mérito, por ser este o local da

cognição processual plenária e, portanto, de realização integral dos direitos fundamentais do

Processo.

Não é demais, lembrar, ainda, que a pesquisa demonstrou, inclusive com dados

estatísticos, que a utilização da teoria da asserção como informadora de uma técnica de

sumarização da cognição, não tem quase nenhum peso nas soluções que vem sendo buscadas

para resolução do paradoxo criado pelo acesso universal à função jurisdicional. Basta lembrar

o papel relevante que tem assumido a conciliação processualizada, a simplificação dos

procedimentos e a profissionalização e desburocratização dos tribunais.

Anota-se, por fim, que a conjectura aqui proposta remete a um pensar sobre a tese de

que a democratização do procedimento pelo incentivo à discursividade crítica dos sujeitos do

Processo, não causará mais morosidade ao Judiciário. Ao contrário: permitirá a construção de

decisões a serem cumpridas espontaneamente por serem objeto do trabalho intelectual e

argumentativo de seus próprios destinatários. A inserção do Interesse, portanto, na

democracia, é capaz de atender aos ditames da Constituição Federal de 1988 e ser instrumento

de inclusão do cidadão brasileiro no Processo de regulação de sua própria vida.

174

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argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do §1.º do art. 102 da

Constituição Federal. In: TOLEDO PINTO, Antônio Luiz de; WINDT, Márcia Cristina Vaz

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extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. In: TOLEDO PINTO,

Antônio Luiz de; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Códigos

Civil; Comercial; Processo Civil; Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

p.1.052-1.085.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 89. A ação acidentária prescinde do

exaurimento da via administrativa. In: TOLEDO PINTO, Antônio Luiz de; WINDT, Márcia

Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Códigos Civil; Comercial; Processo Civil;

Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.1.578.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 181. É admissível ação declaratória,

visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual. In: TOLEDO

PINTO, Antônio Luiz de; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia.

Códigos Civil; Comercial; Processo Civil; Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Saraiva,

2008. p.1.581.

BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Súmula n. 213. O exaurimento da vai administrativa

não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária. In: TOLEDO PINTO,

Antônio Luiz de; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Códigos

Civil; Comercial; Processo Civil; Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

p.1.573.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 424. Transita em julgado o despacho

saneador de que não houve recurso, excluídas as questões deixadas explícita ou

implicitamente para sentença. In: TOLEDO PINTO, Antônio Luiz de; WINDT, Márcia

Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Códigos Civil; Comercial; Processo Civil;

Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.1.560.

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conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie. In:

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