interpretação quanto ao filme a ponte para Terabita análise psicologoca segundo Jung

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC CURSO DE PSICOLOGIA

LEANDRO NUNES

PONTE PARA TERABTIA: ANLISE JUNGUIANA DO PROCESSO DE INDIVIDUAO ATRAVS DA FANTASIA EM UMA OBRA CINEMATOGRFICA

CRICIMA, JULHO DE 2010.

LEANDRO NUNES

PONTE PARA TERABTIA: ANLISE JUNGUIANA DO PROCESSO DE INDIVIDUAO ATRAVS DA FANTASIA EM UMA OBRA CINEMATOGRFICA

Trabalho de Concluso do Curso, apresentado para obteno do grau de Bacharel em Psicologia no Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientador: Prof. MSc. Paulo de Tarso Ferreira Corra

CRICIMA, JULHO DE 2010

LEANDRO NUNES

PONTE PARA TERABTIA: ANLISE JUNGUIANA DO PROCESSO DE INDIVIDUAO ATRAVS DA FANTASIA EM UMA OBRA CINEMATOGRFICA

Trabalho de Concluso do Curso, apresentado para obteno do grau de Bacharel em Psicologia no Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Psicologia Analtica e Cinema.

Cricima, 01 de Julho de 2010.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Prof. Paulo de Tarso Ferreira Corra - Msc - (UNESC) Orientador

__________________________________________________________________ Prof. Denise Nuernberg - Esp - (UNESC)

__________________________________________________________________ Prof. Jeverson Rogerio Costa Reichow - Msc - (UNESC)

Dedico esse trabalho aos meus pais Anselmo dos Passos Nunes & Ivone Pereira Nunes, pelo auxlio nessa caminhada.

AGRADECIMENTOS

Agradeo o que me fez tomar a deciso de estar nesse caminho hoje, e ter fora para enfrentar os no, os quem sabe, os talvez e os sim, alm dos quais os qus dos quais, os porns e os afins. Agradeo aos docentes do curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) por ter me mostrado o caminho e terem feito de mim um iniciado na rea de Psicologia. Com muita estima agradeo aos colegas, tambm acadmicos (as), que seguiram comigo nessa jornada e contriburam, com seus espritos crticos e sensibilidade, no meu aprendizado. Aos mestres que me orientaram e aguaram minha sensibilidade. So eles: Joo Luiz Brunl, orientador do Estgio Supervisionado em Psicologia na Educao; Myrta Carlota Glauche Jaroszewski, orientadora do Estgio Supervisionado em Psicologia Organizacional; Paulo de Tarso Ferreira Corra, orientador do Estgio Supervisionado em Psicologia Social e do Estgio Supervisionado em Psicologia Clnica, bem como meu Orientador e companheiro amigo que me ajudou a percorrer esse caminho durante todo o trabalho.

Vamos passear depois do tiroteio / Vamos danar num cemitrio de automveis / Colher as flores que nascerem no asfalto / Vamos todo mundo... tudo que se possa imaginar / Vamos duvidar de tudo que certo / Vamos namorar luz do plo petroqumico / Voltar pra casa num navio fantasma / Vamos todo mundo... ningum pode faltar / Se faltar calor, a gente esquenta / Se ficar pequeno, a gente aumenta / E se no for possvel, a gente tenta / Vamos velejar no mar de lama / Se faltar o vento, a gente inventa / Vamos remar contra a corrente / Desafinar do coro dos contentes / Vamos velejar no mar de lama / Se faltar o vento, a gente inventa / Vamos remar contra a corrente / Desafinar do coro dos contentes (Engenheiros do Hawaii, Pose, 2004).

RESUMO

Com recorrncia acompanhado contedos culturais e artsticos que faz perguntar se a realidade que est expressa nesses materiais possvel de estar expressa na realidade cotidiana. Em certas ocasies pessoas se identificam com tais contedos. Alm do mais, o que est expresso na obra cultural, ou artstica uma projeo da psique do prprio autor da obra. E quando uma obra cinematogrfica j uma adaptao da obra literria ocorre antes uma identificao do autor que adapta a obra para o cinema, para com a literatura. Ponte para Terabtia uma obra cinematogrfica dirigida pelo diretor Gabor Csupo, adaptada de uma obra literria com o mesmo titulo, tendo como autora Katherine Paterson. O trabalho faz uma anlise do processo de individuao atravs da fantasia, do personagem principal Jesse Oliver Aarons Jr. com o olhar da Psicologia Analtica, tomando como base o contexto familiar, fase do desenvolvimento humano, realidade cultural e relacionamento com pares. Jesse Aarons um garoto que mora em um lugar chamado Crrego da Cotovia, tem trs irms e o nico filho homem, sua famlia passa por problemas econmicos, e por isso tem algumas dificuldades. Jesse conhece Leslie Burke, filha nica que veio com os seus pais de Washington morar em crrego da cotovia. Leslie filha de escritores, e tem como cultura a leitura, tendo uma imaginao frtil, ela convida Jesse a participar de suas fantasias, intitulando-os de os futuros soberanos de Terabtia. Jesse em meio aos contextos fantasiosos resolve alguns de seus principais complexos, juntamente com Leslie. Jesse ainda passa pela elaborao do luto de Leslie, que morre ao arrebentar a corda que dava acesso aos dois personagens ao bosque, que na fantasia era chamado de Terabtia. Jesse para assegurar uma passagem mais segura ao bosque constri uma ponte de acesso e convida sua irm de sete anos para ser a princesa e sua parceira em uma nova jornada do processo de individuao. Os processos que Jesse vivenciou, so processos que praticamente todos os indivduos vivenciam durante a sua existncia, mudando apenas o contexto e contedo, todos passam por lutos por fases da vida ou por pessoas com laos afetivos estreitos, e tambm tem complexos comuns a maioria dos indivduos. A cinematografia Ponte para Terabtia vem nos atentar sobre esses fatos que esto no inconsciente coletivo. Palavras-chave: Fantasia. Individuao. Cinema. Inconsciente.

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 01 Hercules menino matando duas serpentes..........................................30 Figura 02 Trs peixes entrelaados, representando a trindade..........................37 Figura 03 A fonte de mercrio.................................................................................41 Figura 04 Masculino Solar e Feminino Lunar.......................................................43 Figura 05 O Sonho de Poliphilo..............................................................................46 Figura 06 O Rei e a Rainha......................................................................................54 Figura 07 Entrada do Hades....................................................................................61 Figura 08 A Verdade Nua.........................................................................................65 Figura 09 Donzela Grega D`anae............................................................................67 Figura 10 As trs Letras Matrizes...........................................................................70 Figura 11 Os seis Sepiroth......................................................................................70 Figura 12 A Quarta Matriz Representando a Terra................................................74 Figura 13 A Imerso no Banho................................................................................75 Figura 14 Exorcismo do Complexos no Seculo XVII............................................76 Figura 15 Um homem semelhante a So Pedro Segurando uma Chave............77 Figura 16 A Conjuno (Coniunctio)......................................................................78 Figura 17 A Coniunctio............................................................................................79 Figura 18 Seres do Ar ou do Pensamento.............................................................79 Figura 19 Village celebration with theatre play de Pieter Brueghel..........82 Figura 20 Pormenores de O triunfo da Morte, de Pieter Brueghel......................83 Figura 21 Uma das obras que Jesse e Miss Edmonds vem na Galeria de Arte............................................................................................................................84 Figura 22 A Morte.....................................................................................................85 Figura 23 A Ascenso da Alma...............................................................................89 Figura 24 Quadro de Joachim Patenier, com a deusa grega Estige e o seu barqueiro Caronte....................................................................................................90 Figura 25 A Purificao............................................................................................93 Figura 26 O Retorno da Alma..................................................................................95 Figura 27 O Novo Nascimento................................................................................96

LISTA DE PERSONAGENS DO FILME 1

Anna Sophia Robb (Leslie Burke) Amiga de Jesse Aarons, a qual apresenta-lhe o mundo da fantasia. Bailee Madison (May Belle Aarons) Irm de Jesse. Cameron Wakefield (Scott Hoager) - Colega de escola de Jesse Aarons e Leslie Burke. Devon Wood (Brenda Aarons) Irm de Jesse Aarons. Elliot Lawless (Gary Fulcher) - Colega de escola de Jesse Aarons e Leslie Burke. Emma Fenton (Ellie Aarons) Irm de Jesse Aarons. Grace Brannigan (Joyce Aarons) Irm de Jesse Aarons. Hudson Mills (Willard Hughes) Garoto da oitava srie, o qual Janice Avery gostava. James Gaylyn (Diretor Turner) Diretor da escola. Jen Wolfe (Sra. Myers) Professora. Josh Hutcherson (Jesse Aarons) Protagonista, o qual o processo de individuao descrito neste trabalho. Judy McIntosh (Judy Burke) Me de Leslie Burke. Katrina Cerio (Nancy Aarons) Me de Jesse Aarons. Latham Gaines (Bill Burke) Pai de Leslie Burke. Lauren Clinton (Janice Avery) Colega de escola de Jesse Aarons e Leslie Burke. Patricia Aldersley (Av Burke) Av de Leslie Burke. Robert Patrick (Jack Aarons) Pai de Jesse Aarons. Zooey Deschanel (Srta. Edmonds) Professora de msica.

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Nessa lista s esto o atores considerados relevantes para o desenrolar da trama cinematogrfica, sendo assim, se qualquer outro ator foi omitido porque no constitui a denominada relevncia.

SUMRIO

1 INTRODUO........................................................................................................10 2 OBJETIVOS............................................................................................................12 2.1 Geral....................................................................................................................12 2.2 Especficos..........................................................................................................12 3 METODOLOGIA.....................................................................................................13 4 CONTEXTUALIZANDO A HISTRIA....................................................................15 4.1 Um breve olhar sobre o filme............................................................................15 4.2 Cinema, Literatura e Psicologia Analtica: um possvel dilogo (?)..............19 5 O MBITO DAS RELAES.................................................................................25 5.1 Famlia e pares na perspectiva da Psicologia Analtica.................................25 5.2 A grande corrida.................................................................................................31 6 O CONTATO COM O INCONSCIENTE..................................................................34 6.1 Aparelho autnomo de respirao para mergulho.........................................34 6.2 O mergulho como metfora alqumica.............................................................40 6.3 O bosque: a passagem para o outro mundo...................................................45 6.4 As primeiras impresses do bosque (inconsciente)......................................48 6.5 Terabtia ou Terebntia?.....................................................................................52 6.6 Vamos governar Terabtia e nada nos intimida!!!...........................................58 6.7 O caador de Trolls............................................................................................60 6.8 Religiosidade: preparando o encontro com Deus (Self) no caminho do processo de individuao.......................................................................................66 6.9 A morte como inicio de um novo ciclo em Ponte para Terabtia...................80 7 CONCLUSO.........................................................................................................99 REFERNCIAS........................................................................................................103

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1 INTRODUO

A inteno fazer um direcionamento que retrate a relao entre Psicologia Analtica e cinema, buscando para tanto uma anlise da obra cinematogrfica Ponte para Terabtia. A obra a ser analisada sob a perspectiva da Psicologia Analtica tem a sua gnese em uma publicao literria tendo o mesmo nome da cinematografia, Ponte para Terabtia, publicada pela escritora Katherine Paterson em 1977, estando atualmente na 2 ed. Brasileira de 2006. A cinematografia teve o seu lanamento no territrio brasileiro em 2007, dirigida por Gabor Csupo, tendo como ator protagonista Josh Hutcherson (Jesse Aarons), alm de contar com outros atores que do um enredo rico a trama, como por exemplo, Anna Sophia Robb (Leslie Burke). necessrio traar um parmetro contextualizando a verso cinematogrfica de Ponte para Terabtia de acordo com a Psicologia Junguiana, utilizando-se da interpretao simblica e arquetpica. O trabalho parte da hiptese que toma a importncia da fantasia no processo de individuao de Jesse Aarons, vendo-a como instrumento de acesso ao inconsciente, propiciando a funo Transcendente. Para melhor descrio o contedo do filme dividido em tpicos em que cada um deles abordado seguindo um processo. abordada a relao entre cinema e Psicologia Analtica, as relaes familiares e com os pares, o contato com o inconsciente, religiosidade, luto e outras questes tomando como norte o processo de individuao. O problema de pesquisa : como e por que emergem os contedos do inconsciente coletivo e inconsciente pessoal, em forma de smbolos, na conscincia dos protagonistas no filme Ponte Para Terabtia, considerando suas amplificaes arquetpicas e simblicas? Sendo assim o objetivo em aspecto geral a ser alcanado, a investigao da emergncia dos contedos inconscientes, psique dos protagonistas do filme, em forma de smbolos, utilizando a Psicologia Analtica como norteadora terica.2

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Os objetivos sero descritos em detalhes no capitulo 2.

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Pretende-se descrever o processo de individuao do protagonista levando em considerao a riqueza em termos de imagem que o cinema fornece, favorecendo a imerso no inconsciente atravs do simblico que se configura na fantasia.

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2 OBJETIVOS So propsitos desse trabalho tanto em mbito geral quanto especifico: 2.1 Geral Investigar por meio da Psicologia Analtica, a Emergncia dos contedos inconscientes conscincia, em forma de smbolos, dos protagonistas do filme Ponte para Terabtia, atravs da fantasia. 2.2 Especficos Pesquisar sobre a influncia da fantasia na dissoluo dos complexos; Investigar como o smbolo emerge na conscincia atravs da fantasia; Analisar os contedos arquetpicos atravs do mtodo de amplificao; 3 Pesquisar a relao entre processo simblico, fantasia e complexo.

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O mtodo de Amplificao ser descrito no tpico 3 METOLOGIA

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3 METODOLOGIA

A caracterizao da pesquisa quanto abordagem foi qualitativa, pois no houve a inteno de mensurar nenhum dado, somente foi realizada uma anlise do problema tendo como abordagem norteadora a Psicologia Analtica. Na pesquisa qualitativa o que se pretende a compreenso de um problema, feita a utilizao desse tipo de pesquisa quando o pesquisador deseja, por exemplo, dados subjetivos. O pesquisador quando faz a utilizao da pesquisa qualitativa precisa disponibilizar mais tempo, porm no fica detido em prjulgamentos, pressupostos e categorias que geralmente so estabelecidas antes da coleta de dados, nesse sentido pode-se fazer a reformulao do problema durante a pesquisa (LEOPARDI, 2001). Transitando pela Psicologia Analtica a pesquisa levou em considerao vrios aspectos que poderiam dar uma viso mais ampla, com a inteno de abrir caminho para reflexes relacionadas ao cinema e a literatura, por isso considerou-se como pesquisa exploratria. Ao falar em pesquisa exploratria o pesquisador leva em considerao o fato de buscar subsdios para que seja proporcionada maior familiaridade com o que est sendo pesquisado. A pesquisa exploratria flexvel e leva em considerao vrios aspectos que sejam relativos ao tema estudado (GIL, 1991). O estudo foi descrito como uma pesquisa bsica, pois a meta foi de satisfazer um questionamento intelectual, no esteve pr-destinada a servir para uma ao prtica ou imediata. Para Leopardi (2001) na pesquisa bsica o pesquisador busca sanar uma curiosidade que se faz necessria no mbito intelectual. Doravante este tipo de pesquisa dar a sua contribuio para uma rea do conhecimento sem necessariamente ter resultados de ordem prtica. importante esclarecer que a pesquisa que o presente trabalho props, teve uma base fundamentalmente bibliogrfica. Para fazer a anlise de Ponte para Terabtia com nfase na obra cinematogrfica, foram utilizadas como recurso as obras completas de Carl Gustav Jung, assim como livros de outros autores que discorrem sobre a Psicologia Analtica e questes relacionadas ao estudo como, por exemplo, mitologia, histria, estudos culturais, cinema, etc.

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Por meio da pesquisa bibliogrfica explica-se um problema utilizando-se de referncias tericas publicado em fontes como, livros, artigos cientficos, dissertaes e teses. No entanto, o aluno sendo ele de qualquer nvel acadmico, deve ter sua iniciao nos mtodos e tcnicas que fazem a utilizao da pesquisa bibliogrfica. (CERVO et al., 2007). Na anlise de Ponte para Terabtia foi utilizado o mtodo de amplificao, que faz parte dos constructos da Psicologia junguiana. Segundo Ulson (1988, p. 75) a amplificao um termo utilizado por Jung para designar o trabalho de encontrar outras imagens de significados semelhantes, a fim de aprofundar e ampliar seu contedo simblico. O mtodo de amplificao de suma importncia nessa pesquisa pela quantidade de material simblico que se supe emergir da energia psquica arquetpica, esse mtodo tambm usado na interpretao de sonhos na Psicologia Junguiana. Para Caillois & Grunebaum (1978, p. 97) d-se o nome de amplificao ao mtodo de dilatar um aspecto fragmentrio do sonho com a ajuda de material recolhido no folclore, contos de fadas, mitologia ou simbolismo religioso. De acordo com a metodologia descrita acima pretendeu-se fazer uma anlise minuciosa com nfase na obra cinematogrfica Ponte para Terabtia analisando a importncia da fantasia e sua relao com os complexos.

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4 CONTEXTUALIZANDO A HISTRIA

4.1 Um breve olhar sobre o filme 4 Um belo dia, um tnis velho e um grande desejo de ganhar uma corrida na escola, via-se nas atitudes de Jesse Oliver Aarons Jr. a simplicidade que o acompanhava. O contexto familiar de Jesse no era to cmodo por decorrncias de dificuldades financeiras, sua famlia era constituda de sete pessoas, ele, suas irms Brenda, Ellie, May Belle e Joyce Ann Aarons, sua me Nancy Aarons e seu pai Jack Aarons. Um garoto que tinha um talento artstico, Jesse sabia desenhar consideravelmente bem, o que lhe dava a graa de receber tantos elogios pelo seu talento em Crrego da cotovia, lugar onde morava, uma cidade no interior, rea rural. Sua rotina era escola e casa o que lhe conferia muito trabalho, por ser o nico filho homem em meio a quatro filhas mulheres, tinha compromissos caseiros que seu pai conferia s a ele. No primeiro dia de aula com a senhora Myers, sua professora da quinta srie, a qual chamava de boca monstruosa, Scott Hoager lhe incomodava dizendo bip bip bip, meu detector de idiotas, e por causa disso a senhora Myers chamou ateno de Jesse. Nesse dia uma pessoa que chegara cidade recentemente seria apresentada a classe pelo diretor Turner, era Leslie Burke. No banheiro feminino Janice Avery cobrava um dlar na entrada quando Leslie queria us-lo, ento Leslie fez a comparao de Janice com Trolls gigantes que ficavam embaixo da ponte cobrando pedgio de viajantes, alm de observar os ps da garota dizendo, que belos ps. No primeiro dia de aula a garota entrou na corrida dos meninos e ganhou de todos os rapazes que disputavam a competio. Leslie Burke era filha de escritores, seu pai chamava-se Bill Burke, sua me Judy Burke, a fantasia era parte de seu cotidiano. Alm de ganhar a corrida Leslie desceu do nibus no mesmo local em que Jesse e May Belle desciam sempre, ento logo aps o nibus ter andado alguns metros depois que tinha parado para Jesse e May Belle descer, parou de novo, e l vinha descendo do nibus Leslie

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A Descrio feita a partir do filme Ponte para Terabtia, de Gabor Csupo, 2007.

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Burk, o que fez Jesse estranhar e perguntar a ela se estava o seguindo, mas Leslie o informou que morava ali perto. Quando Jesse chegou em casa e olhou o seus desenhos viu que May Belle tinha mexido neles, mesmo ela tendo negado, assim que seu pai entrou no quarto perguntando qual problema ocorria naquele momento, Jesse disse que May Belle tinha rabiscado seu caderno de desenhos e o entregou nas mos de seu pai, enquanto ele olhava o caderno perguntou se Jesse tinha ganhado a corrida, mas May Belle disse que ele no havia ganho e que no seu lugar uma garota venceu as ltimas palavras de seu pai foi a ordem de recolher o lixo antes do jantar. No momento que recolhia o lixo Jesse via o seu pai dando todo carinho a sua irm May Belle enquanto ensinava ela a cultivar as plantas na estufa. Na escola, as aulas de msica quem dava era Ms. Edmonds, professora que Jesse admirava por sua beleza, suas aulas eram animadas quando Jesse estava bem, mas quando estava em um estado de esprito um tanto ruim as aulas de Ms. Edmonds serviam para reflexo. No nibus, no caminho para casa Jesse ia desenhando figuras marinhas, quando na aula seguinte o texto de Leslie foi escolhido pela senhora Myers como melhor e mais criativo texto, a leitura de Leslie fez Jesse viajar na fantasia mergulhar no oceano, j que o texto chamava-se Aparelho autnomo de respirao para mergulho. Texto que faria Jesse perguntar mais a diante se Leslie tinha mesmo mergulhado, e ela responderia que nunca tinha mergulhado na vida. Quando Jesse perguntou se ela havia mentido ela apenas disse que tinha inventado, ela ento perguntou a ele se tudo o que ele desenhava j tinha visto alguma vez, e Jesse comeava a entrar no mundo da fantasia de Leslie. No nibus Leslie Burks sentou no lugar de Janice Avery, quando Jesse Aarons correu para salvar a amiga das garras de Janice, foi por pouco, pois no banco de trs s sentavam os maiores. Ao descer do nibus Jesse dispensou May Belle, e Leslie e Jesse saram correndo pelos campos at a floresta, e l encontraram pela primeira vez um crrego que tinha como acesso para o outro lado uma corda. No outro lado era o reino encantado que se chamava Terabtia, lugar onde quem mandava era o Mestre das Trevas. Nesse lugar encantado tambm haviam Guerreiros representados pelas liblulas que viviam no local, esquilos eram Scuogres, que na fantasia representavam o tormento que Scott Hoager causava a eles na escola, os Scuogres diziam bip, bip, bip, igualmente ao que Hoager dizia

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a Jesse. Os Urubus eram Urubus Peludos representando as zombarias e trapaas de Gary Fulcher na escola, os Urubus Peludos diziam voc j era, voc j era, igualmente a Gary Fulcher. O Troll representava Janice Avery na fantasia, essa que vivia fazendo coisas ms para Jesse e Leslie, no inicio o Troll tinha uma caracterstica assustadora que andava de mos dadas com medo de Jesse Aarons e Leslie Burke. No mundo da fantasia de Terabtia pinhas eram granadas que Jesse e Leslie usavam para intimidar os soldados de infantaria do Mestre das Trevas, que eram os Scuogres, e os Urubus Peludos, e uma rvore caindo em cima deles era um Troll Gigante mandado pelo mestre das trevas. Junto com Leslie e Jesse quem lutava para salvar o reino de Terabtia das garras do mestre das trevas e salvar todos os prisioneiros do grande forte que havia l, era o Prncipe Terrian, o caador de Trolls Gigantes, que era um cachorro que Jesse havia dado a Leslie. Enquanto Leslie Burke levava Jesse Aarons para o mundo da fantasia - o mundo das Crnicas de Narnia: O sobrinho do mago; O leo, a bruxa e o guardaroupas; O prncipe Caspian e outras histrias, ou seja, todos os volumes de livros de C. S. Lewis sobre Narnia (PATERSON, 2006) & (LEWIS, 2009) - o pai de Jesse lhe trazia ao mundo da realidade para onde o que valia mais era o contexto dos afazeres do trabalho, e todas as vezes que seu pai desconsiderava o mundo fantstico que estava dentro de si e que Leslie tinha ajudado ele a descobrir, a descobrir-se, Jesse Aarons ficava muito decepcionado. A fantasia tinha o poder de fazer com que algumas vezes Jesse e Leslie encarassem os fatos da realidade, pois um garoto que enfrentar um Scuogre e um Urubu Peludo no poderia ter medo de um Hoager e de um Urubu, e uma garota que encarava um Troll Gigante no poderia ter medo de uma garota de oitava srie, nesse caso Janice Avery. Mas o Troll Gigante aquele que estava ao lado do Mestre das Trevas viria a se redimir e ficar parceiro de Jesse e Leslie, s bastava um ato de sensibilidade e bravura ao mesmo tempo. Restava descobrir o ponto fraco do Troll Gigante, aquele a quem Leslie ao v-lo pela primeira vez disse: que belos ps; igualmente ao que disse para Janice Avery, e era mesmo os ps o ponto fraco do Troll gigante, pois ficaram sabendo disso quando o Prncipe Terrian, o cachorro de Leslie, mordeu o p do Troll (na fantasia).

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Ento bastava descobrir qual era o ponto fraco de Janice Avery na realidade, isso foi algo que Leslie e Jesse pensaram imediatamente e logo fizeram a observao de que Janice poderia gostar de um garoto da oitava srie. Concluso que fez com que os dois futuros Reis terabitianos pensassem em escrever uma carta de amor para Janice Avery se passando pelo tal garoto mais desejado da oitava srie, Willard Hughes. Quando foi rejeita pelo garoto, ele no sabia de nada, Janice Avery ficou muito magoada, mas aquele acontecimento serviria para um aprendizado tambm. Na verdade toda aquela malvadeza por parte de Janice Avery para com os colegas era consequncia de um sofrimento por decorrncia de conflitos familiares, que fizeram com que ela sofresse muito, porm depois de Leslie conversar com ela quando estava chorando no banheiro feminino Janice mudou consideravelmente suas atitudes ao que se refere a Jesse e Leslie. O sentimento de ser rejeitada por algum na ocasio que pensara que o garoto da oitava srie tinha mandado uma carta a ela, j que em seu grupo de colegas tinha toda ateno, porm s que a ateno recebida era fruto de uma amizade no muito verdadeira e a conversa que Leslie havia tido com ela, fruto de um dar ateno verdadeiro, fizeram com que Janice Avery na sua representao na fantasia de Leslie e Jesse, ou seja, o Troll Gigante ficasse parceiro dos futuros governantes de Terabtia. A ida na igreja na pscoa no instante em que Jesse convidou Leslie foi um momento de magia. O fantstico ato de Leslie guardar a luz que refletia na janela da igreja dentro de sua bolsa, levou-a a concluso de que precisava de sinos iguais aos da igreja no Reino de Terabtia, e fogem do convencional, a que estava o que havia de especial na fantasia de Leslie. Um momento muito importante estava por acontecer, esse momento se realizou e Jesse ficou muito surpreso, Ms. Edmonds o convidou para ir at o museu de Washington, logo na sada Jesse olhou pela janela dando a impresso de que estava esquecendo ou no tinha certeza se queria convidar algum, esse algum era Leslie Burke. Jesse resolveu no convidar Leslie teve um timo dia com Ms. Edmonds. Chegaria a hora em que Jesse teria que enfrentar a realidade, a qual seria enfrentada de maneira extremamente difcil. Ao chegar em casa depois de um belo passeio com Ms. Edmonds Jesse recebera a notcia indesejvel, a corda encantada

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se partiu e junto com ela o motivo pelo qual Jesse dava significado a sua vida naquele momento, Leslie Burke havia morrido ao tentar atravessar o rio para o Reino de Terabtia. O confronto com a realidade cruel e inesperada e com o luto foi difcil para Jesse. E agora, quem governaria o Reino de Terabtia junto a ele? O que o faria suportar a culpa de no ter convidado Leslie para ir ao museu junto com ele e Ms. Edmonds? O reino de Terabtia no poderia sumir do mapa, s quem poderia governar junto com Jesse Oliver Aarons Jr., o Rei Soberano de Terabtia e substituir Leslie Burke, a Rainha Soberana de Terabtia, era May Belle. Para o futuro prspero de Terabtia Jesse construiu uma ponte que facilitaria aos terabitianos a entrada e a sada do reino, pois daquele dia em diante aps Jesse ter resolvido seus principais conflitos na realidade Terabtia era um reino livre das maldades do Mestre das trevas e os terabitianos eram cidados felizes e livres podendo exibir o como eram exticos (lembrando Nrnia quando ficou livre dos Telmarinos. (LEWIS, 2009). 4.2 Cinema, Literatura e Psicologia Analtica: um possvel dilogo (?) Discutir sobre a relao entre literatura, cinema e psicologia analtica uma condio sine qua non para cumprir os objetivos desse estudo. Geralmente os leitores de obras literrias que so adaptadas para o cinema, reclamam da perda de qualidade da cinematografia em relao obra literria ou pelo contrrio, elogiam os diretores e roteirista pela tamanha dedicao em manter a autenticidade da obra. Na obra Ponte para Terabtia a adaptao para o cinema ganhou ainda mais qualidade, estendendo as possibilidades da literatura para um campo que d ainda mais vida a fantasia que os protagonistas vivenciam. Ao ler uma literatura v-se o que o texto sugere. Na perspectiva do cinema o cineasta tem a obrigao de mostrar os acontecimentos de maneira imediata, ainda mais que a imagem no cinema sofre um enriquecimento troque atravs por: por meio de recursos, como cenrios, efeitos especiais, figurinos, interpretao dos atores entre outras questes. (GUARANHA, 2007). Embora no seja uma super produo, Ponte para Terabtia enriquecido em efeitos especiais, esses que so explorados na medida necessria sem excessos, apenas para contribuir com a riqueza de detalhes intrnsecos a

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prpria histria. Com isso o espectador no fica preso s aos detalhes dos efeitos especiais, mas tambm a todo enredo da histria que tem uma qualidade emocionante. com freqncia que grandes obras da literatura so adaptadas para o cinema, algumas das motivaes para o cineasta fazer a adaptao de tais obras podem ser, por exemplo, a questo da obra j ser consagrada pelos leitores ainda h os que so fiis a literatura e desejam lanar o texto em forma de cinema para um pblico ainda maior. (GUARANHA, 2007). O filme uma adaptao do livro de Katherine Paterson, e difere em alguns aspectos do livro. Embora o livro seja muito esclarecedor sobre a trama dos personagens, uma vez que ganhou a medalha John Newbery, 1978 que fora concedido pela Diviso infantil da Associao de Bibliotecas Americanas e Ana Maria Machado traduziu os livros Duas vidas, dois destinos, O mestre das marionetes, tambm de Katherine Paterson, e o mencionado Ponte para Terabtia, ganhou o prmio Astrid Lindgren, 2006 - o filme acrescenta questes imagticas e aspectos simblicos que no aparecem no livro. (PATERSON, 2006). Existem adaptaes de obras literrias para o cinema que tm o intuito de fazer um dilogo com o texto original, nesse vis o cineasta pode transportar o texto para uma temporalidade mais atual, fazer alteraes propositalmente para fazer questionamentos e fazer reatualizaes em relao proposta inicial do escritor. (GUARANHA, 2007). O cinema e a literatura podem ser vistos no s como mera produo de um dado autor, muito mais que isso. Levanta-se ento a hiptese de uma projeo da psique do escritor ou do cineasta, ou ainda quando a produo cinematogrfica uma adaptao literria poder partir do pressuposto de que a obra cinematogrfica seja uma identificao introjetiva do cineasta para com o contedo da obra literria. sugerido associar todo o tipo de produo cultural a dimenso espiritual humana. Filho (1999) norteando-se pela Psicologia Analtica diz que a dimenso psquica responsvel por inserir o humano em seu microcosmo social, porm a dimenso espiritual cumpre o papel de integrar o humano no macrocosmo cultural e universal. Ento a dimenso espiritual se relaciona ao intelecto, sendo assim, vai ao encontro da transcendncia da dimenso existencial. Uma obra cinematogrfica transcende o individual, considerando que nela est impregnado um fator scio-histrico do momento. Segundo Gallardo (2008) o

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filme tem como fator inicial o material que est disponvel no imaginrio da sociedade na poca em que realizado. Ele se instala como uma amplificao do imaginrio por que inserido no domnio coletivo para as diferentes audincias no espao onde est inserido. A relao entre qualquer obra cultural ou artstica pode se dar pelo que chamamos de semitica. Para Santaella (2007) semitica a cincia dos signos, configurando-se como a cincia de todas as linguagens. Investiga todas as linguagens, tem o objetivo de investigar a constituio de todo o fenmeno que se estabelece como produo de significao e sentido. Eco (1991) tomando como base Charles Sanders Peirce considerado o criador da semitica, afirma que o conceito de semiose remete-se a uma ao ou influncia que envolve trs sujeitos de maneira cooperativa, esses so o signo, seu objeto e seu interpretante. Segundo Santaella (2007, p. 58) o signo uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele s pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir outra coisa diferente dele. Eco (1991) pontua que o signo s acontece quando se expressa em uma relao tridica, no qual o terceiro termo que se nomeia como interpretante gera uma nova interpretao, sendo assim at o infinito. Ao apreciar a imagem cinematogrfica estamos nos deparando com signos que representam algo, o que nos faz abrir um leque de possibilidades e associaes, as fazendo relacionarem-se com contedos subjetivos nossos, estimulando-nos a abraar o que est dentro da tela, por admir-las. A dimenso espiritual compreende as criaes culturais e a busca de sentidos para existncia, considerando todos os mistrios que so transcendentes e so relacionados vida. Podemos nos deparar com paisagens e admir-las, com obras de arte, produes plsticas e literrias, com a morte e o sofrimento, bem como outras questes inerentes a vida humana. E exatamente a partir dessas questes que pode dar-se a gnese da criatividade, da intuio e inspirao que pode vir a fazer nascer a obra de arte, assim como valores ticos e estticos que constituem a existncia humana. (FILHO, 1999). Parece coerente dizer que as criaes cinematogrficas tambm tm sua gnese a partir dessa dimenso espiritual, j que geralmente nos filmes que aparecem explicaes ou apenas tentativas de explicar a existncia humana. No

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cinema que se veem idias de possveis resolues de problemas humanos relacionado esfera social, ambiental e at possveis hipteses de vida, alm do planeta terra. O homem introjeta as informaes do mundo em sua psique. Segundo Katz & Orgs (1996) Sandor Frenczi definem a introjeo como um movimento de dentro para fora, como um abrao ao que est fora da psique. a partir da leitura da realidade e das fantasias humanas projetadas no cinema de forma subliminal ou no, que se pode verificar uma possvel leitura da psique humana em um dado momento histrico, o qual foi lanado obra cinematogrfica, pois o homem se faz na histria.Em um cenrio em que as telas invadem toda a experincia cotidiana, nossa vida torna-se cada vez mais vivenciada na tela, j no mais um local por excelncia para a representao da realidade, mas um lugar aonde a prpria realidade se desenvolve e se configura [...] Atravs das telas, conseguiramos vivenciar algo sem efetivamente estar l, viver as experincias sem efetivamente vivenci-las. (COSTA, 2009, p.1).

A animao da dimenso espiritual se d por um potencial criativo que est em contato com a vida simblica, ultrapassando a dimenso racional, considerando o smbolo como algo que possui vida prpria, o que faz transmitir intuies que possuem um alto poder de estimular fenmenos ainda no conhecidos para ns. (FILHO, 1999). De onde brota toda a dimenso artstica, se no da complexidade que a psique humana e os contedos plantados no inconsciente coletivo?O que acontece num romance, numa tela de cinema ou de televiso, num quadro pictrico, um parto da fantasia do autor que refletindo sobre a realidade existencial, cria um universo imaginrio onde os valores ideolgicos so questionados. (DONOFRIO, 2002, p. 9).

A personagem mais verdadeira do que a pessoa real, pois no precisa ocultar aquilo que h de verdadeiro em si, sua verdadeira essncia e o que h de oculto. No coloca a mscara que a condio social solicita, podendo ento ser autntica. (DONOFRIO, 2002). Em toda expresso artstica o que est ali impregnado uma expresso livre e autntica, o desenrolar da histria pode seguir um fluxo descomprometido de uma totalidade racional e integralizar a fantasia como norte.

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Esses personagens que podem se tornar marcantes na histria podem ser fruto do que na Psicologia Analtica chamamos de complexo criativo. Embora o conceito de complexo seja encarado como algo negativo, somente como um ncleo deo afetivo, inconsciente que se encontra acompanhado de questes consideradas ruins, ou seja, ligado a uma neurose, no se resume somente a isso. Momentos de felicidades da vida tambm pode ser fator impulsivo para a criao de complexos e esses se caracterizam como complexos benficos. Muitas questes podem marcar com intensidade a existncia de uma pessoa formando complexos, como por exemplo, momentos romnticos e grandes amizades, que podem significar intensamente nossa existncia, consequentemente personagens que se tornam marcantes em obras da literatura competem frutos de complexos como esses. (FILHO, 1999). sensato pensar a criao de personagens do cinema partindo dessa mesma dinmica de complexos criativos, j que personagens de obras literrias e at mesmo grandes pinturas e poesias de acordo com Filho (1999) por vezes decorrem desse fenmeno. Magalhes (2008) fundamentada na psicanlise, indaga-se sobre a questo dos cineastas fazerem despertos, o que os outros realizam em sonhos, e ainda se questiona sobre o cinema querer concretizar e ultrapassar o que o sonho realiza. A autora no se contentando ainda vai alm:No estaria o cinema tentando colocar fora o que realizamos de mais ntimo? [...] No estaria o cinema buscando mostrar a universalidade partindo do mais singular? [...] No estaria o cinema a realizar, de modo "xtimo" os procedimentos mais secretos do ser humano? (MAGALHES, 2008, p. 88).

Para Fernandes (2005) tanto no sonho quanto na fantasia, o sonhador se configura como ator principal mesmo quando aparece representado por outra pessoa, nesse sentido o que entra em jogo so os mecanismos de identificao. Contudo, tal dissimulao o permite escapar da proibio imposta e ocupa por assim dizer o lugar do sujeito e do objeto. Analisando o olhar de Magalhes (2008) temos que considerar os pontos convergentes com a Psicologia Analtica e lanar hipteses sobre as mais belas obras cinematogrficas em relao a exteriorizaes da subjetividade singular. Ou

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ainda de acordo com o conceito de inconsciente coletivo na Psicologia Analtica ser possveis representaes de questes arquetpicas. Contudo, torna-se permissvel pensar sobre a relao entre Psicologia Analtica, cinema e literatura, considerando que atravs da psicologia junguiana e tambm da escola psicanaltica que a antecedem e do base a psicologia profunda, assim, podemos encontrar subsdios para pesquisar a relao entre psique, literatura e cinema.

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5 O MBITO DAS RELAES

5.1 Famlia e pares na perspectiva da Psicologia Analtica A famlia exerce grande influncia na constituio do indivduo, uma vez que essa a primeira fonte de convivncia social e uma questo maior a ser pontuada nesse caso o quo grande pode se tornar os laos afetivos no contexto familiar. H diferenas importantes a serem pontuadas nas duas famlias que aparecem no filme Ponte para Terabtia, a de Leslie Burke e a de Jesse Oliver Aarons Jr. Essas diferenas se encontram no mbito contextual ao que se refere ao modelo de convivncia intrafamiliar, e socioeconmico. Cerveny (2000) comenta sobre a dificuldade de conceituar famlia falando nesse caso de famlia brasileira, mas aqui proposto que discorremos sobre a famlia em um contexto geral, que nos faamos refletir sobre esse tema:Uma reflexo mais critica sobre a famlia permite descobrir que, entre ns, ela no apenas uma instituio social capaz de ser individualizada, mas constitui tambm e principalmente um valor [...] Assim, a famlia um grupo social, bem como uma rede de relaes. Funda-se na genealogia e nos elos jurdicos, mas tambm se faz na convivncia social intensa e longa. um dado de fato de existncia social e tambm constitui um valor, um ponto do sistema para o qual tudo deve tender. (DA MATTA apud CERVENY, 2000, p. 21).

Analisando a citao acima, podemos perceber que o conceito de famlia vai muito alm de uma instituio social, porm se constitui tambm considerando laos afetivos, nesse sentido tambm se forma uma rede de relaes. na convivncia social que se faz a famlia, levando em conta esse fator pode-se dizer que no necessariamente uma famlia tem que ser constituda somente por pessoas que tem laos sanguneos. A relao com os pais segundo Jung (1998a) figura central, um exemplo dessa importncia ocorre quando o individuo passa por algumas intempries durante a vida, essas questes fazem com que vivencie contedos psquicos da infncia. Isso ocorre por que a libido flui de volta pelo canal infantil, que nesse caso o relacionamento com os pais, quando o individuo encontra algum obstculo em sua

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vida. Esse fenmeno chamado de regresso, quando estamos diante de uma deciso importante ou de um obstculo a energia que at ento estava acumulada para resolver o problema flui novamente para preencher os sistemas desusados do passado. (JUNG, 1998a). A estrutura das duas famlias, a de Jesse e de Leslie, so o que pode ser chamado de famlia nuclear. Cerveny (2000) citando Bell (1975) diz que a famlia uma unidade coletiva que composta de pais e filhos que se desenvolve a partir de um relacionamento biolgico. A esse padro familiar d-se o nome de famlia nuclear. Na dinmica familiar considerando o olhar da Psicologia Profunda pode denotar outros subsdios que devem ser analisados com perspiccia, o que se quer referir como se d o relacionamento entre pais e filhos considerando a constituio da anima, o oposto feminino no homem, e do animus, o oposto masculino na mulher. Entre os principais aspectos ligados a anima esto os humores e os sentimentos conhecidos por sua instabilidade, sensibilidade ao que se refere natureza, a capacidade de amar, dentre outras. A anima masculina em geral determinada pela me do sujeito, nessa perspectiva quando a me exerce uma influncia consideravelmente negativa a anima do individuo pode ser irritada, depressiva, incerta, insegura e tambm susceptvel. (VON FRANZ, 1964). Whitmont (1998) diz que a anima sendo um padro de emoes consiste em contedos inconscientes no homem correspondente a seu estado de esprito, aspiraes emocionais, as ansiedades, os medos que o individuo possui, tambm suas inflaes e depresses, se estendendo para o potencial que o sujeito possui para as emoes e para as suas relaes. A experincia de um homem com a sua me sendo exacerbadamente positiva, a sua anima pode ser afetada tambm, porm de um modo diferente. Nesse caso o homem pode tornar-se afeminado ou ser explorado por mulheres, tambm pode tornar o homem um ser sentimental e at o deixar sensvel. A presena da anima faz, por exemplo, um homem se apaixonar ao ver pela primeira vez uma mulher e tendo o sentimento de que aquela pessoa o par ideal, ento se liga to perdidamente a ela. Quando a anima se mostra dessa forma, um casamento pode passar por tribulaes, podendo formar at um tringulo amoroso, embora esse aspecto parea uma complicao, o objetivo do Self sempre fazer com que o

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homem integre o seu inconsciente para que o tome como realidade de sua vida. (VON FRANZ, 1964). A me de Jesse, por exemplo, no parecia ser uma me que se deixava levar por exageros na proteo e na criao dos filhos, sabia bem das dificuldades que a famlia passava e dava os limites para os filhos. A famlia Aarons passava por dificuldades financeiras o que fazia com que Nancy Aarons tivesse pulso firme na administrao familiar como quando trocou o tnis velho de Jesse pelo de sua irm, Brenda. Mas tambm no faltava com afetividade para com Jesse, representava a legitima figura da me que assume as responsabilidades da casa juntamente com o marido e no em um modelo totalmente patriarcal, no qual a mulher no tem papel ativo e voz de comando. Segundo Hillman (1998) a prima cincia de anima vista como um oposto contra-sexual se concebe em uma fantasia de opostos. Nesse sentido podemos denominar como opostos: consciente e inconsciente, masculinidade consciente e feminilidade inconsciente, etc. Os aspectos positivos da anima tambm so notveis nas atitudes humanas, como quando se escolhe a mulher certa no contato com os fatos inconscientes, tambm uma mediadora entre o nosso mundo interior e o Self. Pode-se ver a anima como um guia interior, denota-se isso quando o homem assume uma atitude de dar valor aos seus sentimentos, s fantasias que a anima envia e as expectativas. Dessa forma, positivo quando a anima projetada na literatura, na pintura, escultura, msica e at na dana. (VON FRANZ, 1964). Leslie tinha a mesma garra que Nancy, era uma garota determinada com suas prprias convices. O fato de Leslie ser uma garota independente ao que se refere a ter as suas prprias idias e convices fundamentao inicial para levantar a hiptese do motivo de Jesse ter se identificado com ela. A construo da anima de Jesse tinha como ponto de referncia Nancy, que tambm era uma mulher determinada. Essa questo vai ao encontro de como Sandor Frencz conceitua introjeo: Sandor Frenczi define a introjeo como a introduo de objetos externos na psique, no campo do eu, entendendo-a como um alargamento deste. (HERZOG & FERREIRA, 2005). Na mulher o aspecto inconsciente masculino chama-se animus, que assim como a anima, apresenta lados opostos, ou seja, aspectos positivos ou negativos.

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Na mulher no comum que o animus aparea em fantasias ou em formas erticas, porm aparece mais como afirmaes secretas. As questes do animus so vistas quando uma mulher defende uma posio de maneira, muitas vezes, de cenas violenta, como se tivesse uma masculinidade encoberta. O animus na mulher influenciado pelo pai, as convices que parecem incontestveis e indomveis vm da influncia paterna. (VON FRANZ, 1964). Os pais de Leslie, Bill Burke e Judy Burke, ambos os escritores, tinham um padro de vida diferente dos Aarons, tanto em relao condio econmica quanto ao modelo de criao de Leslie e tambm na relao familiar. Leslie tinha como modelo dois escritores em casa por isso tambm tinha mais possibilidade de acesso a obras literrias, fator esse que facilitava o acesso ao imaginrio e ao devaneio. Seu pai, que era seu animus tinha uma sensibilidade, a de escritor. Fator que favorece a estruturao de um animus no to crtico. Uma opinio inconsciente do animus pode levar uma mulher a uma passividade e paralisao dos sentimentos, e at a uma insegurana, como se sentisse nula e vazia. As qualidades do animus quando expressadas em sua negatividade apontam para questes como brutalidade e tendncias a conversas vazias. O animus pode trazer qualidades masculinas para a mulher como, por exemplo, iniciativa, coragem, objetividade e a sabedoria espiritual. (VON FRANZ, 1964). A caracterstica de uma suposta autonomia do arqutipo do animus no era vista na personalidade de Leslie, mas sim o que o animus pode influenciar de bom, ou seja, Leslie era uma garota que tinha certeza no que fazia e do que queria. Porm no era intensamente critica a ponto de querer provar suas convices a todo o custo para as outras pessoas. A famlia Aarons era grande, Jesse tinha mais quatro irms, o que nos faz apontar o olhar para a qualidade de vida familiar e as possveis questes desfavorveis que podem ocorrer na vivncia da famlia. A questo que um nmero maior de filhos implica para os pais um maior esforo na educao, na socializao primria e secundria. Papalia, Olds & Feldman (2006) descreve algumas consideraes importantes em relao a condio dos pais na criao dos filhos. Essas consideraes so: o emprego dos pais, divrcio e criao por pais solteiros e dificuldades econmicas.

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Em relao ao emprego dos pais, muitas vezes os mesmos ficam fora de casa durante o dia por que precisam trabalhar, faltando superviso e cuidados adequados para os filhos, podem esses tomar caminhos errneos. Quando existem muitas divergncias na vida do casal em muitas ocasies a melhor opo o divrcio. Este no tem necessidade de ser sinnimo de distanciamento, pois quando ocorre o divrcio os filhos podem buscar novas maneiras de convivncia. O estresse econmico pode at causar condies em que os pais podem se sentirem incapazes de dar sustentabilidade a seus filhos, por isso tem uma percepo negativa de seus papis. (PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006). Jesse sentia a dificuldade financeira que os pais passavam e parecia o mais atento com essa condio, no filme a questo foi bem focada e passa a impresso de que Jesse estaria mais atento que suas irms mais velhas sobre a condio familiar. O diretor Gabor Csupo parece querer passar a impresso de que Jesse o mais atento ao que ocorre na famlia, sente isso ao ver o pai planejando com a me possveis formas de manter a famlia enquanto as irms mais velhas discutiam em frente televiso. Csupo, porm parece no querer demonstrar a condio familiar de Leslie como deficitria, e sim a famlia Burke que parece ser de classe mdia alta, com uma condio financeira e qualidade de vida estveis, assim como diz Paterson (2006) em seu livro na verso original em forma de literatura que deu origem ao filme. A pr-adolescncia o perodo entre os dez e os treze anos (PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006), idade pela qual Jesse e Leslie parecem estar passando. Na adolescncia o complexo do eu em seu desenvolvimento ultrapassa o complexo materno e o paterno, por essa razo o adolescente acaba notando que uma pessoa independente. (KAST, 1997). Segundo Campbell et al. (2000) Jung conceitua um complexo dizendo que um grupo organizado ou uma constelao de sentimentos, pensamentos, percepes e memrias que existem no inconsciente pessoal. O eu um complexo psquico de conscincia interna que tem como caracterstica ser mais forte. Por assim dizer, os outros complexos entram em maior ou menor contato com o complexo do eu, e por isso tornam-se conscientes. O complexo do eu o sentimento de si mesmo, das prprias expresses corporais e do que pertence especialmente a ns mesmos. (KAST, 1997).

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Segundo Newcombe (1999) os adolescentes adquirem a capacidade de perceber que seus pais possuem tambm sentimentos particulares e tambm percebem que eles no so s seus pais mas, tambm indivduos. Porm, acaba restando uma questo intrapsquica muito forte, uma vez que o adolescente continua fazendo ponderaes sobre o que os pais iriam dizer em tal ou qual situao, por isso o complexo do eu ainda continua nessa fase um pouco identificado com os complexos materno e o paterno. (KAST, 1997). Em uma conversa com Jesse, Leslie esclarece que mesmo sendo uma garota com um belo acesso ao imaginrio, Jesse fazendo relao entre esse fator e a condio de seus pais serem escritores de fico, ela era o que era e no seus pais. O que demonstra j uma diferenciao, fator essencial para o processo de individuao, por assim dizer. Na adolescncia importante pontuar que se est vivenciando o arqutipo do heri ou da herona, ento o complexo do eu est sob o domnio desse arqutipo. nesse momento que se agua o livre-arbtrio, e defendida a espontaneidade, e acaba que o individuo ir se tornar consciente de sua prpria identidade e da ligao com outras pessoas, tornando de tamanha importante os relacionamentos que o prprio indivduo escolheu, tornado-se tambm consciente das prprias aes. Contudo, tambm a anima e animus ganham experienciao nas projees erticas e sexuais. (KAST, 1997).

FIGURA: 1 O heri que d prova prematura de sua fora aparece na maioria dos mitos desta categoria. [...] Hercules menino matando duas serpentes (HENDERSON, 1964, p.110). Fonte: Henderson (1964, p. 110).

Jesse tinha mais quatro irms com quem mantinha relao todos os dias, embora uma delas fosse pequena o bastante para nunca confront-lo e discutir com ele, as duas irms mais velhas, Brenda e Ellie, era quem o chateava de vez em quando, alm disso, ainda tinha May Belle que queria sempre a ateno de Jesse.

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Na adolescncia a relao entre irmos se torna aparentemente mais distantes, pela diferena de grupos de amigos, porm os laos afetivos continuam os mesmos. Observando as diferenas entre irmos de seis e trs anos, h diferenas considerveis, mas entre irmos entre doze e quinze anos essas diferenas so menores. Mesmo havendo certo distanciamento entre irmos na adolescncia, essas diferenas aumentam quando se trata de irmos de sexos diferentes (PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2006). Mesmo May Belle o paparicando e constantemente pedindo sua ateno, Jesse dedicava a ateno Leslie, que era quem o levava para o mundo da fantasia, mesmo que de vez em quando no concordava com as atitudes e a despretenso de Leslie, achando que ela fantasiava demasiadamente. Leslie no tinha irmos, tendo como nico amigo a quem pudesse contar seus devaneios, em Crrego da Cotovia, Jesse, o qual mantinha um relacionamento de tamanho afeto com Leslie. As outras meninas de sua idade a zoavam quando falava de suas histrias, pois Trolls Gigantes e Mobi Dick no faziam parte do mundo habitual delas. Na adolescncia comum um relacionamento mais intimo e muitas vezes at independente em relao s pessoas que esto passando por essa mesma fase, por isso a relao com os amigos pode ter um vinculo afetivo mais intenso (PAPALIA, OLD & FELDMAN, 2006). As relaes familiares, sociais e desenvolvimentais so muito complexas, sempre necessitando de uma anlise apurada. No entanto, no decorrer desse trabalho essas informaes iro aparecer mais vezes contextualizando as situaes que sero analisadas. 5.2 A grande corrida O dia da corrida era muito especial, mais que tudo, no era s ganh-la, por traz disso existia muita coisa empreendida. Existia uma vontade de afirmao de si, seria bom para Jesse ganhar a corrida, s ento poderia chegar em casa e contar ao pai que tinha vencido. Alm de tudo tinha custado muito para Jesse ter levado um banho na estufa, chegar sujo na aula e ainda se no bastasse Janice Avery jogou um sanduche em suas costas.

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Quando o diretor Turner apresentou Leslie classe Jesse ficou a admirla, uma garota diferente do habitual e bonita, diferente das garotas que freqentava a escola onde estudava. Pois muito bem, a garota se meteu na corrida dos meninos, fez algo que nenhuma outra garota da escola teria a ousadia de fazer. Leslie no hesitou aos comentrios e Jesse at duvidou que ela ganhasse a corrida, pois o seu comentrio pareceu irnico. A forma em que Leslie transgride as regras do jogo no se importando se aquele espao era um espao de meninos ou meninas, pode ser vista como uma transcendncia dos opostos, no sentido de que Leslie promoveu o que podemos chamar de funo transcendente. Segundo Ulson (1988) enquanto a nossa conscincia faz a anlise e descriminao e separao dos objetos para ento integr-los, o inconsciente tenta fazer a unio dos opostos. A efetuao desse trabalho feita por uma funo denominada funo transcendente. A viso que temos na sociedade patriarcal de uma feminilidade frgil esquecendo muitas vezes da quantidade de papis que o sexo feminino desempenha. Essa atitude de Leslie pode ser vista como smbolo de transcendncia de uma dualidade, Ulson (1988) diz que o smbolo tem a capacidade de transcender os opostos. Para Jung (1964) o que chamado de smbolo pode ser um termo ou imagem ou at um nome que pode ser familiar na vida diria, porm possui sentido especial alm do significado que evidente, ou seja, sugere algo vago, desconhecido ou oculto. Kast (1997) diz ser a palavra smbolo, originrio do grego symbolon que etimologicamente o conceito mostra-se como algo composto sendo assim apenas quando combinado um smbolo, tornando-se smbolo de alguma coisa. Segundo Kast (1997, p. 19) o smbolo e o que nele est representando tm uma conexo interna, no devem ser separados um do outro, e nisso que o smbolo se distingue do sinal. Leslie projeta seu animus nessa atitude, isto , o oposto masculino na personalidade feminina. Segundo Downing (1998) o animus positivo tem algumas variaes de tipos que levam a alma feminina a ter um esprito orientador, uma boa

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capacidade de logos, dentre as qualidades tambm pode estar a habilidade para pensar com esclarecimento e servir como um mediador do inconsciente. A situao para Jesse infelizmente no se configura de maneira agradvel, sendo que o que seria um grande dia tornou-se um dia de surpresas que no previa. Quando seu pai chegou at o quarto onde May Belle e ele dormiam viu Jesse reclamando por sua irm ter desenhado em seu caderno de desenho. O que se quer colocar no exatamente esse fato, mas sim a questo de seu pai ter perguntado como foi na corrida, e May Belle ter dito que certa garota, a da casa ao lado, ganhou de todos os meninos inclusive de Jesse. Seu pai no lhe deu a palavra de consolo e sim a ltima tarefa do dia, recolher o lixo antes do jantar. Segundo Jung (1998a) a influncia do carter do pai em uma famlia pode perdura por centenas de anos, sendo que as mes no tm esse mesmo papel. Absorver o afeto negativo do pai pode fazer com que fique intimamente fixado na pessoa, ento o afeto negativo transformado em inibies e conflitos que nem mesmo a pessoa que os tem entende. Mesmo que o pai de Jesse no tivesse a inteno de mago-lo naquele momento, e como notado durante todo o filme, nunca quis mago-lo, mas sim parecia querer transformar Jesse em um legitimo gestor familiar como ele. E nesse ponto pode-se lanar a hiptese da influncia que o carter do pai tem durante geraes, como foi descrito acima. Talvez a educao de Jack Aarons tambm tenha sido regrada. Cada evento que tem uma bagagem de afeto convertido em um complexo, quando o acontecimento no est relacionado com um complexo que j existe, possui um significado momentneo, ou seja, se submerge para a latncia e diminui sua tonalidade afetiva at que outra impresso o ative novamente. Se um evento afetivo se encontra com um complexo j existente ele ser reforado ficando em primeiro plano por um tempo considervel. (KAST, 1997). Como Jesse provavelmente j sentia uma falta afetiva de seu pai o complexo foi reforado e mais tarde quando viu Jack dar toda a sua ateno para May Belle na estufa ficou ainda mais sentido com tudo que estava acontecendo. Nessas observaes verifica-se a importncia do pai no contexto familiar, e a importncia que sugere esse papel no enredo da cinematografia Ponte para Terabtia, em especial na vivncia do protagonista Jesse Oliver Aarons Jr.

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6 O CONTATO COM O INCONSCIENTE

6.1 Aparelho autnomo de respirao para mergulho O hobby de Jesse era muito especial, ele sabia desenhar muito bem, as pessoas que viam os seus desenhos se surpreendiam por tamanha criatividade. De onde vinha essa criatividade? Filho (1999, p. 109) cita um pintor nordestino chamado Srvulo Esmeraldo, o qual diz: Ns temos controle sobre a pgina em que estamos desenhando, sobre o lpis, sobre a matria que estamos moldando e esculpindo. Mas no podemos e no pretendemos ter o controle sobre o inconsciente. Jesse em sua forma de expresso artstica projetava para o externo, atravs do desenho, o que estava em sua sombra em forma de complexo criativo. A sombra constituda de problema de ordem moral, o qual desafia a personalidade e geralmente o sujeito no toma conscincia dela. (JUNG, 2000a). Jung fazendo uma critica ao inconsciente de Freud, que considera o inconsciente como um suposto lugar onde reduzido ao depsito de questes infantis que foram reprimidas, diz que no inconsciente no existe somente o material reprimido, mas tambm as percepes subliminais dos nossos sentidos. H no inconsciente, materiais que nunca ultrapassaram o limite que o separa da conscincia. (JUNG, 2003). Pergunta-se ento, aonde Jung quer chegar ao afirmar sobre um inconsciente que no um mero depsito de materiais reprimidos? Jung ento esclarece que seu inconsciente produtivo, e no estanque, no possvel de ser esgotado mediante uma anlise, como acreditara que poderia ser o modelo de inconsciente de Freud. Observando o inconsciente, ento podemos nos deparar com contedos que ultrapassa a esfera pessoal. (JUNG, 2003). Leslie v Jesse desenhando no nibus, ele estava desenhando animais submarinos, logo se inclinou para ver o que estava fazendo, mas Jesse no Deixou que vice bem, sendo que ainda no tinha engolido o fato de Leslie ter ganhado a corrida. Num outro dia a senhora Myers em sala de aula resolveu comentar sobre o melhor texto produzido, surpreendentemente e para a indignao de algumas

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garotas da classe era o de Leslie. O texto de Leslie chamava-se Aparelho autnomo de respirao para mergulho. O texto de Leslie se referia da seguinte forma (CSUPO, 2007, 15 min: 20 s 16 min; 11 s):Eu sigo em frente bem devagar, um mundo lindo e inexplorado abaixo de mim, flutuo silenciosamente e o som da minha respirao quebra o silncio, acima de mim nada alm da luz trmula que do lugar de onde eu vim, e pra l que voltarei depois. Estou mergulhando, eu sou uma mergulhadora, vou mais fundo, vejo pedras rucosas e algas escuras, na imensido azul um cardume de peixes prateados aguarda. Enquanto estou nadando bolhas saem de mim, e sobem oscilando como se fossem guas vivas, verifico o oxignio, no tenho o tempo que precisava para apreciar tudo, mas isso que torna a experincia especial. (CSUPO, 2007, 15 min: 20 s 16 min; 11 s).

Paterson (2006) na verso literria original descreve como Jesse se sentia ao ouvir a redao de Leslie, porm, nesse caso lida pela senhora Myers:A voz aguda da senhora Myers foi lendo e cortando as frases de Leslie numas sentencinhas engraadas. Mas, mesmo assim, o poder das palavras de Leslie carregou Jess com ela para debaixo dgua. De repente, ele mal conseguia respirar. E se algum mergulhasse e a mscara se enchesse de gua e no desse para voltar superfcie a tempo? Ele suava, se sentia quase sufocando. Tentou se acalmar, no entrar em pnico [...] ela no tinha medo de ir l no fundo, bem fundo, num mundo sem ar e com pouca luz [...] Havia umas partes do bosque de que Jess no gostava. Lugares escuros, onde se sentia quase como se estivesse debaixo dgua. Mas no disse nada. (PATERSON, 2006, p. 47; 54).

Embora o foco desse trabalho seja a verso cinematogrfica de Ponte para Terabtia, importante ter um parmetro da histria literria. Nessa anlise de Ponte para Terabtia foi utilizado o mtodo de amplificao ou ampliao, que faz parte dos constructos da Psicologia junguiana. Segundo Ulson (1988, p. 75) a amplificao um termo utilizado por Jung para designar o trabalho de encontrar outras imagens de significados semelhantes, a fim de aprofundar e ampliar seu contedo simblico. Se analisada a redao de Leslie na verso cinematogrfica ver-se- que se refere a um mundo inexplorado que se encontra abaixo dela, como uma mergulhadora explorando novos mares em uma profundidade ainda no explorada. A gua refere-se a um simbolismo importante nesse caso, como uma fonte de criatividade assim como o inconsciente em Jung, como a energia que brota das profundezas do inconsciente coletivo. Ao que se refere a sua polaridade fonte da

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vida e da morte, e tambm criadora e destruidora, pode ser entendida como um invlucro que pode guardar e proteger como faz o lquido amnitico. (BRANDO, 1987). O inconsciente fonte criadora, porm leva o individuo ao sofrimento quando se distancia do caminho da individuao. Segundo Xavier (2008) o Self o centro tico regulador da psique, o Deus que h no homem. Quando o indivduo est indo por um caminho que vai contra os princpios do processo de individuao, o Self o puxa para o caminho correto. Na China a alquimia tem sua base no Taosmo, segundo esse ramo da filosofia religiosa chinesa, a vida um fluxo incessante de mudanas e transmutaes, e o Tao um esprito que d origem a tudo, e a luz e as trevas esto em si prprio, assim como macho e fmea e yin e yang. Outro principio Taostas tinham questes relacionadas a idias alqumicas que aludiam ao poder da gua, e o mistrio do Tao em si. (GILCHRIST, 1988). No Tao te ching est escrito segundo Gilchrist (1988, p. 38) o Bem mais alto como gua. gua d vida s dez mil coisas e no forceja. Flui em lugares que os homens rejeitam e assim como o Tao. A reflexo que possvel fazer com a citao acima se refere ao fato de muitas vezes as pessoas negarem a existncia de algo alm da conscincia, principalmente se esse algo se referir a um status criador inconsciente capaz de autonomia. Contudo, essas pessoas evitam mergulhar nesse desconhecido. Em meio sub-excurso aqutica Leslie diz que um cardume de peixes aguarda. O peixe tem em si a nobreza de ser a primeira insgnia de Cristo, tambm considerado um smbolo flico e de fecundidade, nos textos evangelhos feita a analogia entre pescar e converter as pessoas, em latim a pia batismal era designada como piscina, que quer dizer o tanque de peixes, e os cristos eram os pisciculi, que quer dizer pequenos peixes. O smbolo da trindade pode ser visto como trs peixes entrelaados ou compartilhando da mesma cabea. (TRESIDDER, 2000).

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FIGURA 2: Trindade Fonte: Tresidder (2000, p. 66).

Estes

trs

peixes

entrelaados,

representando

a

trindade,

so

provenientes de uma janela virtual, no priorado de Wrexham, na Inglaterra. Peixes sagrados do Egito como, por exemplo, o Dagon fencio e o Oannes mesopotmico tem seus simbolismos iguais. O Oannes por sinal foi considerado a representao de Cristo. (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000). O peixe como representao de cristo pode ser encarado como um smbolo do Self, um cardume de peixes na imensido azul, nesse caso o inconsciente. O simbolismo alqumico do peixe refere-se a o arqutipo de grandeza do si-mesmo (Self), na idade mdia consideravam a hidromedusa redonda, a qual chamavam de piscis (peixe), como um verdadeiro peixe na tradio alqumica. descrito um peixe de formato redondo e transparente nas Ciranidas, esse que chamado de peixe cnidrio se encontrara no mar da Sria, da Palestina e do Lbano especificamente nas costas. (JUNG, 2000a). DeBus (1998) comenta que o Self a totalidade psicolgica de acordo como nos desenvolvemos. Essa instncia psquica apresenta-se para ns como uma imagem do divino, por essa razo tem um objetivo transcendente. Ele, o Self, um alvo mvel, para onde caminhamos. Esse peixe possui duas estrelas na cabea e uma na terceira vrtebra caudal e por ser resistente usado como feitio amoroso. Por ser muito rara a pedra cnidria era desconhecida e era chamada de Opsianus que segundo Jung traduzse por serotinus que quer dizer o que chega tardiamente, cresce tardiamente e acontece tardiamente e tambm por tabus que significa lento ou hesitante. uma

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pedra dupla de carter gmeo, uma negra e outra negra transparente luminosa, ela chamada de pedra do drago (dracontius lpis). (JUNG, 2000a). Angwin (1999) fala da seguinte forma do simbolismo do drago:[...] pelo o fato de o drago ser um animal simbolicamente substituvel pela serpente e, como um arqutipo muito antigo, representar a sabedoria e o conhecimento, apesar das associaes negativas que ambos geralmente provocam nos contos de fadas mais conhecidos algo que foi bastante reforado pelo cristianismo, no qual em geral representam as religies anteriores e o mal. E, finalmente, o drago, enquanto animal feroz e temvel representa para mim nossa energia criadora selvagem e vital, to facilmente refreada pelas normas e expectativas sociais, pela obedincia que lhes prestamos e pelos nossos medos. (Existe uma importante diferena de sentido quando selvagem significa brbaro, brutal e quando diz respeito a puro, indomvel. (ANGWIN, 1999, p. 23).

A descrio que nesse caso confunde, permite-nos saber que se trata de um vertebrado, de um peixe verdadeiro, embora no se conhea o porqu cham-lo de redondo, embora se perceba que se trata de um mitologema por ele conter a pedra do drago, conhecida na alquimia medieval como draconites, dracontias ou drachates. O mais interessante que para a obteno dessa pedra tinha que decapitar o drago adormecido, assim s era reconhecida como uma pedra preciosa quando ficava armazenada em seu interior um pedao da alma do drago (o dio do animal que sente que est morrendo). (JUNG, 2000a). Para Chevalier & Gheerbrant (2000, p. 700) as pedras preciosas so o smbolo de uma transmutao do opaco ao translcido e em sentido espiritual, das trevas luz, da imperfeio perfeio. Para isso encontrava-se semelhanas de drages em cabeas de cobras dgua. A pedra pertence a saturno, este que chamado na astrologia de estrela do sol, considerado preto na significao alqumica chamado de sol niger tendo dupla natureza como a substncia arcana. A natureza dupla da pedra cnidria pode designar uma antinomia, mas tambm uma unio dos contrrios atribuindo a Lpis Philosophorum (pedra filosofal) o smbolo da unificao. (JUNG, 2000). Segundo Cirlot (2005, p. 452) quanto pedra filosofal da alquimia, representa a unidade dos contrrios, a integrao do eu consciente com sua parte feminina ou inconsciente [...] e em conseqncia, smbolo da totalidade. Segundo Jung (2000a) em um tratado de um francs annimo do sculo XVII o peixe redondo se transforma em um vertebrado chamado de Echeneis Rmora L conhecido como peixe pegador ou agarrador que pertencera ao gnero

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das cavalas, pois estes desenvolveram um disco adesivo alongado na cabea, na nuca, e utiliza-se desses discos para agarrar-se em peixes maiores e em embarcaes para deixarem ser levados. Esse peixe muito pequeno, solitrio e tambm nico ao que se refere a sua forma, enquanto que o mar grande, os que no sabem em que parte do mar esse peixe habita no podem capturar ele. Esse peixinho denominado rmora capaz de fazer parar as embarcaes suntuosas do grande oceno, que denominado o esprito do mundo spiritus mundi. O esprito do mundo uma projeo do inconsciente, a se faz pensar que o homem dotado de alma, contudo, a alma, ou seja, a psique totalmente inconsciente em se tratando de substncia. (JUNG, 2000a). Mesmo Leslie estando em seu mergulho imaginativo cita a luz trmula de onde veio, ou seja, ainda ha ligao com a conscincia, no um eterno estar inconsciente, mas sim um mergulho de deslumbre, pois assim o inconsciente no ignorado. At Posdon, deus grego do mar mantm ligaes com a terra. Cronos tinha trs filhos, sendo que um deles era Posdon, a ele deu o mar, a outro filho, nesse caso Zeus, deu-lhe o cus, e para um terceiro, Hades, deu o mundo subterrneo. Mesmo assim Posdon mantm contato com a terra, pois a terra e o Monte Olimpo pertencem aos trs. Posdon tambm conhecido como abalador da terra ou o deus dos tremores. (BURKERT, 1993). esse o contato que Leslie mantm fora da gua, o qual transcende ambivalncia e a leva a funo transcendente. Se observar os trs deuses gregos descritos acima, Zeus, Posdon e Hades, todos transitam em uma ambivalncia. A luz trmula que o lugar onde Leslie diz ter vindo, na acepo simblica designa a conscincia, trepidante por sinal, ela no constitui toda a grandeza que a psique em sua totalidade. Assim como nascemos da escurido do ventre materno para a luz da vida exterior, Leslie renascera na superfcie aqutica novamente, para no desfazer o equilbrio da polaridade consciente/inconsciente. Nesse sentido o mergulhar no inconsciente apenas metafrico, pois nesse lugar tudo energia psquica, o que faz Leslie conhec-lo apenas a fora que o smbolo tem como carro condutor que traz os contedos inconscientes conscincia em forma de imagens simblicas.

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O smbolo exerce um papel de transformador da energia psquica, e tem uma caracterstica curativa e restauradora, em decorrncia disso, o smbolo no algo inventado conscientemente, o seu nascimento espontneo. (JACOBI, 1957).Da escurido do feto ao choque com a luz no rebento do parto, o ser humano vai vivenciar, a partir de ento, experincias cotidianas com luzes e sombras que vo pontuar toda sua existncia cotidiana, determinando sua forma de sentir e ver o mundo ao seu redor. A vivncia do homem com a luz, ou sua ausncia, ancestral. Essa experincia de tempos imemoriais tem marcado o inconsciente coletivo engendrando arqutipos, sensibilidades e formas de apreenso e compreenso do real. (LIRA, 2008, p. 2).

Na literatura Jesse fala sobre Leslie no temer a escurido e a compara com a falta de ar, como se mal conseguisse respirar ou estivesse debaixo dgua. (PATERSON, 2006). Nessa representao a escurido vista como a abominvel desconhecida e comparada com a falta de capacidade que o humano tem de ficar submerso na gua por um tempo considervel, o que permite ser relacionado com as armadilhas que o submundo martimo pode nos aprontar. O imaginrio de luzes e sombras foi construdo em uma relao subjetiva e objetiva com a luz solar considerando a vivncia milenar foi atribudo a essa ambivalncia significados que so considerados universais. Esses significados universais so denominados pela psicologia junguiana como arqutipos e tambm imagens primordiais. (LIRA, 2008). Na verdade, Leslie comeara a levar Jesse para o mundo da fantasia e da imaginao, e isso poderia acontecer dependendo de o quo Jesse estivesse aberto a essa nova experincia. 6.2 O mergulho como metfora alqumica Jesse se encontrara, utilizando a metfora alqumica, na fase da nigredo. Segundo Hoffmann (2006, p. 75), a nigredo ou negrura, era considerado pelos alquimistas o primeiro procedimento alqumico, o estgio inicial, do enegrecimento [...], pois de acordo com os adeptos desta arte, o comeo se encontra no negro. Porm Jung (1999a, p. 51), diz o seguinte: atente-se para o fato de que na alquimia, no raro a nigredo, ou seja, o obscuro estado inicial j produto de

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uma operao anterior no constituindo, portanto pura e simplesmente o ponto de partida. Para a realizao do primeiro procedimento os alquimistas precisavam da primeira substncia, isto , a prima matria. A prima matria era o mercrio comum, tendo como denominao uma variada lista de sinnimos, alguns deles poderiam ser: nossa gua; massa confusa; substncia universal; virgem sem mcula; dissolvente universal dentre outras encontrada em um dicionrio alqumico de Martin Ruland. (HOFFMANN, 2006). Jesse ao se deslumbrar com a redao de Leslie se encontrava diante de algo novo, do mundo que Leslie estava lhe apresentando, ele era como uma prima matria, uma massa confusa. Era como um iniciado em algo grande, uma grande obra que o processo de individuao.

FIGURA 3: A fonte de Mercrio 5 Fonte: Von Franz (1991, p. 134) & Jung (1999a, p. 73).5

A fonte de mercrio representa o fundamento misterioso do opus, uma quarternidade determinada pelas quatro estrelas que esto posicionadas nos quatro cantos, que representam os quatro elementos. A sua cisterna representa o mar nostrum (nosso mar), que pode ser chamado tambm de aqua permanens ( gua eterna). Representa o caos, o mare tenebrosum (mar tenebroso). Se conhece o vaso como o tero. O vaso conhecido como o tero, a cisterna esta em oposio ao quadrado, ou seja, est em forma circular, que a matriz da forma perfeita, e o quadrado considerado a forma imperfeita deve se transformar. No quadrado est os elementos que devem se unir, por isso que devem ter sua unio no circulo. As seis estrelas na borda da fonte, juntamente com o mercrio representa os sete planetas ou metais. Os trs canos representa a trindade, uma

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Jesse, um iniciante na imaginao de Leslie veria o quo importante seria aquela brincadeira imaginativa em termos de sade psquica e enfrentamento de problemas cotidianos. muito importante:Se a psique fosse um pssaro, suas asas seriam a imaginao. De fato, se quisssemos escolher a funo estruturante mais importante e essencial da elaborao simblica, certamente a imaginao tiraria o primeiro lugar. Enquanto a conduta permanece dentro da finitude e do aqui-e-agora do Self, elaborando os smbolos em maior ou menor profundidade pelo engajamento pragmtico, a imaginao abre as asas da Psique para a elaborao simblica do que o smbolo significa, desde sua aparncia imediata e literal at sua realidade mais remota e misteriosa. Isso situa as razes arquetpicas dos smbolos nos confins da eternidade e do infinito. (BYINGTON, 2003, p. 303).

Para Byington (2003) a imaginao cumpre uma funo

O fato de Jesse se sentir amedrontado na verso literria da histria ou estarrecido na obra cinematogrfica, demonstra que Jesse ainda no estava habituado ao inconsciente. Para Hoffmann (2006, 74) a conscincia naturalmente resiste a tudo que inconsciente e desconhecido, pois ela se coloca em uma situao perigosa pela descida ao inconsciente. H nesse processo certa perda de potncia do consciente, para ser mais preciso um rebaixamento do nvel mental (abaissement du niveal mental), esta a solutio que se manifesta como a aniquilao de si mesmo. (HOFFMANN, 2006). Na fantasia de Jesse e Leslie os dois eram os futuros soberanos de Terabtia, Jesse o Rei e Leslie a Rainha, que precisavam salvar essa terra e seu povo das garras do mestre das trevas atravs de uma atitude herica. A rainha o arqutipo simblico da feminilidade, na arte e na literatura vista como a personificao da lua. A rainha est ligada ao rei como em uma dualidade, essa que uma necessidade para que o reino prospere e tenha felicidade. Na alquimia, h o casamento sagrado da rainha branca, nesse caso o

trade, e tambm denotas as trs formas pela qual o mercrio aparece: lac virginis (leite de virgem), acetum fontis (vinagre de fonte) e aqua vitae (gua da vida). Em cima dos canos esto o sol e a lua, os pais da transformao mstica. Ainda a estrela da quintessncia que unificadora dos quatro elementos contrrios entre si. No se pode deixar de fora a serpente, ou seja, a serpens bifidus (serpente bfida), serpente cindida (ou bicfala), o binarius (o nmero dois). conhecida tambm como serpens mercurialis e natura Duplex (natureza dupla) de Mercurius. As cabeas da serpente cospem fogo por onde saem na duo fumi (duas colunas de fumaa) so dos vapores que tem o objetivo de iniciar o processo novamente, e sucessivamente vo purificando os Mali odores (maus odores), que tambm conhecido como foetor sepulcrorum (fedor sepulcral) (JUNG, 1999a).

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mercrio, com o rei vermelho, o enxofre, que smbolo da unio do masculino e do feminino, para que seja criada a pedra filosofal. (TRESIDDER, 2000). H a vivncia do que poderia se chamar de uma estrutura relacional. (HALL,1993), ou seja, Jesse e Leslie esto vivenciando as personas do rei e da rainha, so dois papeis que no costumam usar em seus cotidianos, pois utilizam sempre a persona de filho, aluno etc. Segundo Hall (1993, p. 23) a persona a funo de relacionamento com o mundo coletivo exterior [...] Qualquer cultura fornece muitos papeis sociais reconhecidos: pai, me, marido, esposa, mdico, sacerdote, advogado etc. A solutio tem a sua realizao sobre um rei, sendo que isso ocorre freqentemente, pois os alquimistas dizem que o rei desempenha um papel central, por razo de fazer aluso ao mito do heri, e tambm a renovao do rei e de Deus. (HOFFMANN, 2006).

FIGURA 4: Masculino Solar e Feminino Lunar Fonte: Tresidder (2000, p. 7).

Em termos profundamente simblicos, a busca espiritual e fsica da alquimia era representada pelos praticantes medievais. Nesta imagem, o rei e a rainha simbolizam os princpios masculinos (solar) e feminino (lunar), que devem estar unidos como parte da busca. O rei o arqutipo simblico da masculinidade, representa o poder que sancionado divinamente, tem autoridade de ordem temporal sobre a tribo ou nao.

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Quanto mais h intensidade na ligao simblica entre o rei e as foras sobrenaturais maior seria a qualidade de sua liderana, inteligncia e sade. A sua autoridade tem ligao com a responsabilidade que tem sobre a felicidade dos sditos. Em tempos passados quando uma nao era tomada por pragas ou tinham ms colheitas, o rei era sacrificado. (TRESIDDER, 2000). A viagem subaqutica de Leslie pode ser vista como uma atitude simbolizadora, o oceano, como j foi dito, simboliza o inconsciente. Mas, o que implica Jesse, o futuro rei de Terabtia, mergulhar no oceano?O caos e o mar possuem o significado clssico e mitolgico de estado inicial do mundo. A imerso no mar o mesmo que dissolver (solutio) no sentido fsico da palavra. a volta ao obscuro estgio originrio, mas tambm a matrix universal de todas as criaturas. Nesse solvente, o rei se banha mergulha ou se afoga. Deste modo, descreve a alquimia o principio de transformao do rei, a partir de um estado imperfeito [...] para formar um ser perfeito e incorruptvel [...]. (HOFFMANN, 2006, p. 83).

A solutio uma faze de iniciao, como o batismo, e o nascimento. E o mergulho imaginrio de Leslie suscitava isso. A essa fase possvel fazer relao com o arqutipo de iniciao.Na iniciao [...], o novio deve renunciar a toda ambio e a qualquer aspirao, para ento submeter-se a uma prova. Deve aceitar esta prova sem esperana de obter sucesso. Na verdade, deve estar preparado para morrer. Apesar de o grau da provao ser algumas vezes benigno (um perodo de jejum, uma tatuagem), outras doloroso (as feridas da circunciso, incises ou outras mutilaes), o propsito permanece sempre o mesmo: criar uma atmosfera de morte simblica, de onde vai surgir um estado de esprito simblico de renascimento. (HANDERSON, 1964, p.131).

As imagens bsicas da solutio so referentes ao simbolismo da gua, do banho, afogamento, dissoluo, batismo e tambm ao rejuvenescimento, portanto a solutio considerada um dos principais procedimentos na alquimia tendo mesma importncia psicologicamente. (HOFFMANN, 2006). Embora Jesse em seus desenhos mostrasse um pouco do que sentia, esse j era um contato como inconsciente, como em uma externalizao, a imaginao de Leslie o fazia entrar profundamente no desconhecido. E aos poucos iam se dando os primeiros contatos com o mundo da fantasia.

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6.3 O bosque: a passagem para o outro mundo O bosque suscita uma expectativa do que consta nele, ao entrar em um bosque, possvel ficar receoso do que est por vir no caminho. Leslie que j estava acostumada com as histrias e fantasias que contava, com todo o seu destemor se embrenhou no bosque atravs de uma corda. Antes de entrar no bosque mais uma vez Jesse foi surpreendido, pois Leslie esclarecera que os seus desenhos eram formas de criatividade, e embora nunca tivesse visto nenhum dos personagens de seus desenhos, essas informaes vinham de algum lugar. importante ressaltar que Leslie queria que houvesse um lugar s para eles, longe da Janice Avery, do Scott Hoager, embora no tenham dito do Gary Fulcher tambm, ou seja, longe dos tormentos e esse seria um lugar melhor que a escola. Esse lugar seria a fantasia, como formas arcaicas de pensamento, desbravando a herana dos povos antigos, questes que esto no inconsciente coletivo. Para Jung (2007) as bases dos sonhos e fantasias no so reminiscncias infantis, se tratam de formas arcaicas de pensamento, que de maneira natural aparecem com mais clareza na infncia. O mito baseado em fantasias inconscientes de forma alguma infantil ao que se refere ao seu contedo e forma. Pois a base instintivo-arcaica do esprito fato objetivo, no dependendo da experincia pessoal e nem da subjetividade pessoal, assim como da hereditariedade e da disposio funcional do crebro ou de qualquer outro rgo do corpo. Assim como o corpo, a psique tambm evolui, trazendo vestgios que ainda so ntidos, de diferentes etapas. (JUNG, 2007). O bosque um cenrio que aparece em vrias histrias, podendo denotar um lugar de passagem para outras dimenses ou outros mundos, bem como caminho para outros lugares ou ainda pode esconder algo em especial. No livro As Crnicas de Nrnia de C. S. Lewis, uma das histrias chama-se O sobrinho do mago, nesse conto um dos artifcios para viajar entre vrios mundos mgicos encostar-se em anis mgicos, porm entre os vrios mundos existia um bosque que servia como passagem intermediria. No bosque existia vrios lagos que eram as passagens para outros mundos. (LEWIS, 2009).

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O bosque de O sobrinho do mago, ao contrrio de o de Ponte para Terabtia no causaria medo em Jesse Oliver Aarons Jr:No seria possvel imaginar bosque mais calmo. No havia pssaros, nem insetos, nem bichos, nem vento. Quase se podia sentir as rvores crescendo. O lago de onde acabara de sair no era o nico. Eram muitos, todos bem prximos uns dos outros. Tinha-se a impresso de ouvir as arvores bebendo gua com suas razes. Mais tarde, sempre que tentava descrever esse bosque, Digory dizia: Era um lugar rico: rico como um panetone. [...] Se algum lhe tivesse perguntado: De onde voc veio?, provavelmente teria respondido: Nunca sai daqui. Ou, como disse depois: No era um lugar onde as coisas acontecem. As arvores vo crescendo, s isso. (LEWIS, 2009, p. 23; 24).

FIGURA 5:O Sonho de Poliphilo Fonte: Jacobi (1964, p. 278)

Essa gravura em madeira de um livro do sculo XV, O Sonho de Poliphilo, mostra o sonhador penetrando medrosamente num bosque escuro, representando, talvez, o ingresso no desconhecido. Santos Filho (2009) fazendo uma reflexo sobre o lugar que o pedao de madeira, deu origem ao Pinquio levanta a hiptese deste ter vindo de algum bosque. Saiu de um bosque como um abandono a prpria sorte, porm foi procura de algum que lhe acolhesse, indo contra as foras que o impelem a viver longe do outro. Em termos psicanalticos, a pulso de vida e de morte parece estar nesse contexto como duas foras ambivalentes. Em um texto intitulado Nesta rua tem um bosque... que se chama solido... Schirmbeck (2009) comenta que quando percorremos as entrelinhas de

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uma histria aparecem vrios caminhos e eles podem ser sinuosos, obscuros e podem nos levar a adentrar uma floresta que pode se revelar com perigos e encantos desafiando obstculos. Fazendo comentrios sobre a histria de Joo e Maria em uma acepo psicanaltica Schirmbeck (2009) diz o seguinte:No caminho Joo e Maria se deparam com a floresta, que pode representar o mundo externo, longe da casa dos pais, mas tambm pode significar o mundo interno, inconsciente, tambm desconhecido. Joo joga as pedrinhas para marcar o caminho de volta. Quando chegam ao meio da floresta, o pai acende a fogueira para que no fiquem com frio e a madrasta chama Joo e Maria para que se aproximem do fogo e descansem; quando estiverem prontos, viro busc-los. (SCHIRMBECK, 2009, p. 129).

A partir de um olhar junguiano o contado de Leslie e Jesse com o bosque transcende o inconsciente individual podendo ser denotado como um contato com o inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo versa de experincias da evoluo universal, formador da base da personalidade e tambm considerado a fora mais potente que est presente na personalidade. (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992). O bosque pode ser considerado um lugar de proteo, isso refletido no desejo de Leslie de ter um lugar s para ela e Jesse. Na histria original da A Bela Adormecida, que se difere da verso produzida pela Disney, o bosque servia de proteo para que a mais bela princesa tivesse seu tranquilo sono por cem anos, at que o seu prncipe fosse quebrar o encanto. (PERRAULT, 2003). Essa historia originalmente foi escrita por Charles Perrault em 1696 na Frana, e traduzida por Ana Maria Machado, a mesma tradutora de Ponte para Terabtia de Katherine Paterson. Na histria original, que se chama A Bela Adormecida no Bosque, um rei e uma rainha tinham dificuldades para ter filhos, at que um dia tiveram uma menina, e escolheram para serem suas madrinhas de batismo sete fadas, porm de surpresa chegou uma bem mais velha que ficou ofendida por no ser convidada e no ter o brinde que todas as fadas ganharam um estojo de talheres de ouro macio. Ento a fada mais velha rogou uma maldio princesa, ento a jovem estava condenada ao destino de furar a mo com um fuso e morrer. (PERRAULT, 2003). Ao ver que a fada mais velha tinha rogado uma maldio, a nica coisa que uma das fadas mais novas conseguiu, foi fazer com que a princesa no

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morresse, e somente adormecesse por cem anos. Para isso fez um encanto para que todos os criados adormecessem juntos com ela para quando acordasse de seu sono tivesse toda a mordomia. Alm disso, tambm fez um encanto para que nascesse um bosque ao redor do castelo onde a princesa estava e assim ficasse bem protegida. (PERRAULT, 2003). Ningum por cem anos conseguiu se embrenhar no bosque, ao entrar no bosque o prncipe notara que as rvores se abriam somente para ele. (PERRAULT, 2003). Igualmente em Nrnia tudo tinha um encanto especial, at as rvores tinham um tipo de vida animada, em O Sobrinho do Mago uma