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1 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Intersecções Entre a Arte de Performance e o Marketing de Guerrilha 1 Nicole Palucci Marziale 2 Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Resumo O estudo objetivou buscar intersecções entre a arte de performance e o marketing de guerrilha. Para tanto, realizou-se a contextualização de ambos os movimentos e posterior análise, por meio de dados da literatura, das relações entre os âmbitos da arte e da publicidade. Ainda, foram tomados como objeto dois casos, a performance Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, e a ação de guerrilha Be a mom for a moment, realizada pela Unicef. Desse modo, foram traçados possíveis trânsitos entre esses dois movimentos. Palavras-chave: performance; marketing de guerrilha; arte e publicidade. Introdução A relação entre arte e publicidade é um tema intrincado, que divide opiniões. De acordo com Santaella (2005), apenas a partir da instauração da comunicação de massas, no contexto da revolução industrial, foi possível encontrar convergência entre ambas. Antes disso, havia, desde o Renascimento, uma nítida divisão entre a cultura erudita, das belas letras e das belas artes, tida como superior, e que se limitava às classes economicamente dominantes, e a cultura popular, “produzida pelas classes subalternas responsáveis pela preservação ritualística da memória cultural de um povo” (SANTAELLA, 2005:10). Já Gibbons (2005) reconhece a publicidade como detentora de um status inferior, e afirma que, apesar disso, ou talvez até por causa de, a maioria das pessoas 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICON GRADUAÇÃO, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Graduanda do oitavo semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP). E-mail: [email protected]

Interseccoes entre performance e marketing de guerrilha - …anais-comunicon2015.espm.br/GTs/GTGRAD/Nicole_Ma… ·  · 2015-09-04da arte da performance (GLUSBERG, 2013). Em 1933,

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PPGCOM  ESPM  //  SÃO  PAULO  //  COMUNICON  2015  (5  a  7  de  outubro  2015)  

Intersecções Entre a Arte de Performance e o Marketing de Guerrilha1

Nicole Palucci Marziale2

Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Resumo O estudo objetivou buscar intersecções entre a arte de performance e o marketing de guerrilha. Para tanto, realizou-se a contextualização de ambos os movimentos e posterior análise, por meio de dados da literatura, das relações entre os âmbitos da arte e da publicidade. Ainda, foram tomados como objeto dois casos, a performance Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, e a ação de guerrilha Be a mom for a moment, realizada pela Unicef. Desse modo, foram traçados possíveis trânsitos entre esses dois movimentos.

Palavras-chave: performance; marketing de guerrilha; arte e publicidade.

Introdução

A relação entre arte e publicidade é um tema intrincado, que divide opiniões.

De acordo com Santaella (2005), apenas a partir da instauração da comunicação de

massas, no contexto da revolução industrial, foi possível encontrar convergência entre

ambas. Antes disso, havia, desde o Renascimento, uma nítida divisão entre a cultura

erudita, das belas letras e das belas artes, tida como superior, e que se limitava às

classes economicamente dominantes, e a cultura popular, “produzida pelas classes

subalternas responsáveis pela preservação ritualística da memória cultural de um

povo” (SANTAELLA, 2005:10).

Já Gibbons (2005) reconhece a publicidade como detentora de um status

inferior, e afirma que, apesar disso, ou talvez até por causa de, a maioria das pessoas 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICON GRADUAÇÃO, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Graduanda do oitavo semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP). E-mail: [email protected]        

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sente-se mais familiarizada com sua ideia, em detrimento da arte. Para muitos, a

publicidade constitui uma categoria de representação mais facilmente compreensível e

alcançável. Para Home (2005), apesar de a arte ser tida por muitos como uma

“categoria universal”, tal afirmação não é verdadeira, pois todas as pesquisas de

índice de visitação em museus e galerias demonstram que a “apreciação” da arte é

algo ao qual quase exclusivamente indivíduos pertencentes a grupos de maior renda

têm acesso. Tais observações colocam em dúvida a efetiva convergência entre

âmbitos aparentemente distintos: arte e publicidade.

Sendo assim, o presente artigo aborda tal controversa temática, por meio da

comparação das linguagens e objetivos de dois movimentos distintos, a arte de

performance e o marketing de guerrilha. Em primeiro lugar, foi feita uma

contextualização acerca dos dois movimentos e exposição de suas características

principais, para posteriormente adentrar o referido debate, lançando mão também da

análise de uma performance, Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e ação de

guerrilha Be a mom for a moment, do Fundo das Nações Unidas para a Infância –

Unicef.

Contextualização e Análise dos Movimentos

O surgimento da performance como movimento artístico independente data

do início dos anos setenta, apesar de manifestações nesse sentido terem sido

realizadas décadas antes (GOLDBERG, 2007). Desse modo, volta-se para os

futuristas, cujas práticas mantêm alguns pontos de contato com o gênero.

O Movimento Futurista surge por meio do manifesto publicado por Marinetti,

em 20 de fevereiro de 1909, no jornal Le Figaro. De acordo com Glusberg (2013), os

integrantes do movimento, poetas, pintores, dramaturgos e músicos, utilizavam a

performance como modo de “romper com a arte tradicional e impor novas formas de

arte” (GLUSBERG, 2013:12), bem como diminuir a distância entre a vida e a arte.

Ademais, visavam “uma vasta abertura entre as formas de expressão artística”

(GLUSBERG, 2013:12), além de envolver o público na execução dessas atividades.

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O Manifesto Futurista teve influência em toda a Europa, e, em especial, na

Rússia. A geração de artistas da época tinha a intenção de imprimir na arte um ponto

de vista “novo e inteiramente russo”, por meio de “uma arte essencialmente nacional

que seguisse os mesmos passos da vanguarda russa da década de 1880”

(GOLDBERG, 2007:39-40).

Em 1916, o poeta alemão Hugo Ball e a cantora Emmy Hennings abrem, em

Zurique, o Cabaret Voltaire, cujo programa incluía saraus, performances musicais e

exposições de pinturas. Além de Ball, colaboravam Tristan Tzara, Hans Harp e

Richard Huelsenbeck, que, junto a Marcel Janko, fundaram o Dadá, cujas

performances também influenciaram no surgimento da performance como

movimento independente (GLUSBERG, 2013).

O movimento foi definido como “rebelião frenética contra a insanidade da

guerra e do genocídio, a lógica instrumental e a produção de armamento, a política

nacionalista e a estreiteza de espírito pequeno-burguesa [...]”

(SCHNECKENBURGER, 2012:458), e marcada pela “poesia sem sentido, leituras

chocantes, música ruído, manifesto e trabalhos tipográficos caóticos e fotomontagens

satíricas” (SCHNECKENBURGER, 2012:458).

Na mesma época, são notáveis também os progressos alcançados pelo

departamento de dança e teatro da Bauhaus, sob a direção de Oskar Schlemmer. O

artista buscava integrar, em uma só linguagem, a música, o figurino e a dança.

Trabalhos como Figuras no Espaço e Dança no Espaço são tidos como precursores

da arte da performance (GLUSBERG, 2013).

Em 1933, com o nazismo, a escola é fechada, “praticamente encerrando com

isto o capítulo europeu das performances” (COHEN, 2013:43). Isso faz com que o

eixo principal do movimento se desloque para a América, por meio da fundação da

Black Mountain College, em 1936, na Carolina do Norte. O objetivo da instituição era

o de “desenvolver a experimentação nas artes e de incorporar a experiência dos

europeus” (COHEN, 2013:43).

Nos anos 50, encontra-se mais um dos precursores da arte da performance, o

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artista plástico estadunidense Jackson Pollock. Por meio de sua action painting, o

artista transforma, como assinala Glusberg (2013:27), “o ato de pintar no tema da

obra, e o artista em ator”. Sobre a arte de Pollock, o artista Allan Kaprow (2003)

ainda comenta como esta tende a se libertar de amarras, romper bruscamente com a

tradição de pintores, além de acrescentar um pouco de vida à arte.

Já entre 1957 e 1958, Kaprow percebia a “necessidade de dar mais

responsabilidade ao espectador” (KAPROW apud GLUSBERG, 2013:32), de modo

que tal intenção vai culminar no surgimento do happening. Este é examinado pelo

artista em seu livro de ensaios The Blurring of Art and Life (ARMAND, 2003).

Armand (2003) nota como o happening surgiu nos Estados Unidos em um

período de instabilidade e incertezas, pós Segunda Guerra Mundial. No Japão, a partir

de 1955, esteve presente nas das atividades do grupo Gutai, e na Alemanha, por meio

do Fluxus, que emergiu do Dadaísmo e promoveu experimentação, além de possuir

viés político e social.

Em The Blurring of Art and Life, Kaprow enumera algumas características

essenciais do happening, sob a forma de regras. Entre elas estão: o limite entre o

happening e a vida cotidiana deve ser fluido e o mais indistinto possível; o happening

deve ser disperso através de localidades amplas, possivelmente cambiáveis; os

happenings devem ser realizados apenas por não profissionais, e não devem ser

ensaiados; não deve haver um público para assistir a um happening: todos os

envolvidos na ação tornam-se parte real e necessária do trabalho (KAPROW, 2003).

De 1960 para 1970, observa-se a passagem do happening para a performance

e sua consolidação como movimento artístico independente. As duas práticas,

entretanto, ainda guardam diversos pontos comuns, e advêm de uma mesma raiz,

conforme ressalta Cohen (2013). O autor nota como ambos são “movimentos de

contestação tanto no sentido ideológico quanto formal”, apoiam-se na live art, “em

detrimento da representação-repetição”, além de possuírem “uma tonicidade para o

signo visual em detrimento da palavra” (COHEN, 2013:135).

Quanto às suas diferenças, a principal característica dessa transição é o

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“aumento da esteticidade” (COHEN, 2013:134). Ainda, para o autor, “isso decorre

tanto da necessidade de passar signos mais elaborados que demandam um maior rigor

formal, quanto do desejo dos artistas de produzir uma obra mais delineada, menos

bruta” (COHEN, 2013:134).

De modo geral, para Glusberg (2013:46), “a arte da performance é o resultado

final de uma longa batalha para liberar as artes do ilusionismo e do artificialismo”.

Mais à frente, em torno de 1979, nota-se que a performance aproxima-se da

cultura popular, em um contexto no qual “despontava uma atmosfera muito diferente,

caracterizada por pragmatismo, espírito empresarial e profissionalismo, elementos

profundamente alheios à história da vanguarda” (GOLDBERG, 2007:239).

Um exemplo dessa aproximação é o da artista Laurie Anderson, cuja obra

United States cruzou a fronteira entre a “arte erudita” e a “arte popular”. Tratava-se de

uma “composição musical com oito horas de duração e formada por canções,

narrativas e estratagemas visuais apresentada na Brooklyn Academy of Music em

fevereiro de 1983” (GOLDBERG, 2007:241). Com tal performance, Anderson

conseguiu alcançar vastos segmentos de público e, inclusive, assinou um contrato

com a Warner Brothers em 1981, o que Goldberg assinala como o “‘nascimento’ da

performance para a cultura de massas” (2007:241).

Em meados da década de 80, dá-se a “completa aceitação da performance

como ‘entretenimento de vanguarda’ moderno e divertido”, conforme assinala

Goldberg (2007:247). Segundo a referida autora, isso ocorreu devido à uma virada da

performance para o espetáculo, “e sua atenção para o cenário, os figurinos e a

iluminação, além da aproximação com os meios de expressão mais tradicionais e

conhecidos como o cabaré, o teatro de variedades, o teatro tradicional e a ópera”

(GOLDBERG, 2007:247).

Diante disso, criou-se um novo híbrido, entre as belas-artes, de um lado, e os

recursos do teatro tradicional, de outro. (GOLDBERG, 2007). Desse modo, ainda

segundo a autora, “a linha divisória entre o teatro tradicional e a performance tornou-

se assim indistinta” (GOLDBERG, 2007:251).

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Sendo assim, quanto às manifestações da performance, pode-se concluir:

A expressão “arte da performance” tornou-se um signo abrangente que designa todo o tipo de apresentações ao vivo – desde instalações interativas em museus a desfiles de moda altamente criativos ou apresentações de DJ’s em clubes noturnos – obrigando o público e os críticos a deslindar as respectivas estratégias conceituais, verificando se estas se enquadram melhor nos estudos da performance ou numa análise mais convencional da cultura popular (GOLDBERG, 2007:281).

O conceito de marketing de guerrilha, por sua vez é definido por Nufer

(2013:1) como:

[...] uma abordagem de marketing alternativa e holística. O conceito designa a seleção de atividades de marketing atípicas e não-dogmáticas que visam atingir o maior impacto possível com o mínimo de investimento. O marketing de guerrilha se tornou uma estratégia básica prevalecendo sobre o marketing mix, uma atitude básica de política de marketing para desenvolvimento de Mercado que vai além das estratégias habituais para conscientemente buscar possibilidades não convencionais, desconsideradas e possivelmente mal recebidas para a implementação de ferramentas. (tradução livre nossa)3

A passagem de Levinson (2010:35) facilita o entendimento do “espírito” do

conceito e quanto ao uso de suas ferramentas:

O marketing de guerrilha exige que você compreenda todas as facetas do marketing, teste muitas delas, descarte as perdedoras, dobre as vencedoras e, então, adote as táticas que se mostrem eficientes para você no campo de batalha da vida real.

Entre as abordagens não convencionais utilizadas pelo marketing de guerrilha,

para o propósito deste artigo, foram consideradas práticas específicas, conforme 3 Guerrilla marketing is as an alternative, holistic marketing approach. The concept designates the selection of atypical and non-dogmatic marketing activities that aim to achieve the greatest possible impact with a minimum investment. Guerrilla marketing has developed into a basic strategy overarching the marketing mix, a basic marketing policy attitude for market development that goes off the beaten track to consciously seek new, unconventional, previously disregarded, possibly even frown-upon possibilities for the deployment of tools.

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teorizadas por Annalisa Cattani: “trata-se de campanhas não-tradicionais que tomam

forma de cenas ou eventos públicos realizados de forma teatral, geralmente realizados

sem permissão de órgãos municipais” (CATTANI, 2010).

Nesse contexto, a autora aproxima as ações de marketing de guerrilha à arte

pública, na qual destaca a presença dos happenings e da performance. Entre suas

similaridades, a autora alude à importância de sua realização no espaço público, e a

possibilidade de criarem um estranhamento no cotidiano, à medida que se dão de

forma repentina e são orientadas para os indivíduos presentes (CATTANI, 2010).

Entretanto, a autora destaca como o marketing de guerrilha tem um objetivo

claro e direcionado ao público, seja o de vender um produto ou anunciar um filme.

Por esse motivo, a artista questiona se práticas como o marketing de guerrilha

colocariam em questão o poder criativo da arte contemporânea (CATTANI, 2010).

O discurso de Levinson (2010:21) segue o mesmo sentido, quando o autor se

refere ao marketing como “a forma de arte mais eclética que existe”, já que “escrever,

desenhar, fotografar, dançar, fazer música, publicar e representar, todas são tipos de

arte”, e, entretanto, faz uma ressalva: “Mas, por enquanto, deixe de lado essas ideias

de que o marketing é uma ciência e uma arte. Martele na sua cabeça a ideia de que,

no fundo, o marketing é um negócio. E o objetivo de qualquer negócio é dar lucro”

(LEVINSON, 2010:21).

Arte e Publicidade: relações em debate

Diante das observações descritas é possível adentrar a discussão inicialmente

proposta sobre a interação entre arte e publicidade. Assim, Tosin (2006) evidencia os

debates mais recorrentes em tal contexto: de um lado, o que questiona a publicidade

como manifestação artística, e por outro, quanto às transformações sofridas pelo

conceito de arte ao longo do século XX. O autor inicia, então, um diálogo sobre o

hibridismo entre esses dois universos, baseado em contrastes e semelhanças, e nota

que arte e publicidade atuam lado a lado, junto à vida cotidiana dos indivíduos:

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Arte e publicidade, nas últimas décadas, juntaram-se à vida cotidiana através dos processos de espetacularização da cultura, permeando as subjetividades dos indivíduos, e passando a manifestar suas influências nas ações e ideologias que transcendem as instâncias do consumo, infiltrando-se em todos os setores da vida pública e privada (TOSIN, 2006:3).

Para entender as transformações sofridas pelo conceito de arte ao longo de

século XX, às quais Tosin se refere, vale notar que Lorenzo Mammì destaca o

declínio da era dos manifestos na década de 1960, momento em que “a arte deixa de

se impor limites”, de modo que “qualquer objeto visual poder se tornar obra”

(MAMMÌ, 2012:20). Diante disso, aquela “adquire uma liberdade muito maior que no

passado” (MAMMÌ, 2012:20). Tal entendimento revela uma maior flexibilidade no

conceito de arte, o que facilitaria o hibridismo entre os dois universos aqui estudados.

Adorno, por outro lado, estabelece uma rígida divisão entre eles, de acordo

com sua teoria da indústria cultural, na qual a publicidade estaria inserida. Para o

autor, o sentido de existência da arte é o de proporcionar prazer. Contudo, esse

ressalta a diferença entre tal prazer e a diversão fornecida pela indústria cultural, feita

para o consumidor que, física e psiquicamente desgastado, “precisa de estímulos

sensíveis que o façam recobrar a satisfação por sua identidade” (FREITAS, 2003:28).

Sendo assim, o prazer que emana da arte só é passível de ser experimentado caso “não

estejamos totalmente inseridos nessa máquina capitalista de gerar riquezas e também

tenhamos um ego forte, que não necessite das bajulações narcisistas da cultura de

massa” (FREITAS: 2003:29).

Para complementar a discussão, vale notar a opinião de outros autores e

publicitários, conforme elencado por Tosin (2006). Sendo assim, para Jorge

Maranhão, a publicidade não perderia seu caráter artístico por ser publicitária. Já para

o poeta, artista gráfico e ex-publicitário Sebastião Nunes, a atividade é vista como

“uma técnica de comunicação a serviço das ideologias econômicas, sem nenhum

envolvimento com o mundo que retrata, onde o único compromisso é com a caixa

registradora” (TOSIN, 2006:4). A visão de Nunes se aproxima, inclusive, da já

comentada teoria da indústria cultural de Adorno, já que, de acordo com ela:

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As mercadorias culturais da indústria se orientam, como dissertam Brecht e

Suhrkamp há já trinta anos, segundo o princípio de sua comercialização e não

segundo o seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. Toda a práxis da

indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações

espirituais (ADORNO, 1977:289).

Tosin (2006), por outro lado, defende o caráter artístico da publicidade, de

modo que identifica como algumas linguagens da comunicação, nas quais ela está

inserida, foram “contaminadas pela estética”, de modo que passaram a se manifestar

artisticamente. Ainda, “a hibridização com as artes se deu com tal intensidade que, em

alguns casos, é impossível defini-las isoladamente” (TOSIN, 2006:6). O referido autor

destaca, inclusive, mudanças no próprio modo modus operandi publicitário:

A forma da propaganda, que tradicionalmente era voltada à referencialidade, a representar seus referentes de forma objetiva, visando convencer alguém em relação a algo, ao hibridizar-se com o pensamento artístico contemporâneo, passou a concentrar se não mais na representação do objeto (produto), mas nos efeitos que a marca pode causar à subjetividade, como conexão simbólica entre diferentes instâncias (PEREZ apud TOSIN, 2006:7).

Diante disso, a publicidade assumiria uma via de expressão artística, inclusive

podendo instigar a participação do receptor. Tal fusão da publicidade com outras

linguagens contemporâneas se enquadra, ainda, no conceito de sincretismo, que,

segundo Canevacci “são os trânsitos entre elementos culturais alheios, que levam a

modificações, justaposições e reinterpretações, que a cada vez podem gerar

contradições, ambiguidades e paradoxos”. Estes consistiriam, pois, em

transformações dos modos tradicionais de produção de cultura, consumo e

comunicação, por meio de “contaminações mútuas entre diferentes manifestações das

sociedades pós industrializadas” (CANEVACCI apud TOSIN 2006:9).

Tais teorias em direção à um movimento de hibridização entre os universos da

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arte e da publicidade, bem como de trânsito entre diferentes linguagens e modos de

produção de cultura se fazem relevantes ao objetivo do artigo, já que permitem

vislumbrar possíveis trocas e influências entre ações de performance e de marketing

de guerrilha.

Nesse âmbito, Santaella (2005) critica a identificação, por muitos, da

comunicação como restrita à comunicação de massas, e das artes como restritas ao

universo das “belas artes”, o que, segundo a autora, dificulta a visualização de

possíveis convergências entre ambas. Sendo assim:

Alimentar o separatismo conduz a severas perdas tanto para o lado da arte quanto para o da comunicação. Por que perde a arte? Porque fica limitada pelo olhar conservador que leva em consideração exclusivamente a tradição de sua face artesanal. Por que perde a comunicação? Porque fica confinada aos estereótipos da comunicação de massa ( SANTAELLA, 2005: p.6-7).

Desse modo, para a referida autora, não seria produtiva a separação rígida

entre as culturas erudita, popular e de massas:

a cultura de massas provocou profundas mudanças nas antigas polaridades entre a cultura erudita e a popular, produzindo novas apropriações e intersecções, absorvendo-as para dentro de suas malhas. Em síntese, a comunicação massiva deu início a um processo que estava destinado a se tornar cada vez mais absorvente: a hibridização das formas de comunicação e cultura ( SANTAELLA, 2005:11).

Análise da obra de Artur Barrio, Trouxas Ensanguentadas, e da ação de

guerrilha Be a mom for a moment, da Unicef

A fim de localizar possíveis intersecções entre os movimentos estudados,

analisamos a obra de Artur Barrio, Trouxas Ensanguentadas, realizada nas cidades de

Rio de Janeiro e Belo Horizonte, entre 1969 e 1970, e a ação de guerrilha Be a mom

for a moment, da Unicef, que aconteceu em 14 cidades da Finlândia, em 2009.

Para Arthur Freitas (2013:115-116), é na verdade difícil definir se Trouxas

Ensanguentadas se trata de “uma única obra ou várias, se um grupo de eventos ou de

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objetos, se um projeto conceitual ou um único, intervalado e extenso happening”. O

autor opta por, a princípio, denominá-lo como obra. Esta consistiu na soma de pelo

menos duas ações, uma ocorrida no Salão da Bússola, no Museu de Arte Moderna do

Rio de Janeiro, em 1969, e a outra como parte da mostra Do corpo à Terra, em 1970.

Tais “trouxas” eram, como define o referido autor, “sacos de abjeções” (FREITAS,

2013:115) e continham detritos, sobras, “[...] carne e sangue, resquícios da vida, da

indústria, jornais e espumas, papéis velhos, sacos e panos – o lixo, afinal, a sujeira do

mundo como matéria-prima, tudo à disposição do artista [...]” (FREITAS, 2013:115).

A primeira ação, ou, como denominada por Barrio, Situação, dotada de

propósitos anti-institucionais, aconteceu no Salão da Bússola, no Museu de Arte

Moderna do Rio de Janeiro, mostra que durou de 5 de novembro a 5 de dezembro de

1969. O artista então inscreveu dois objetos-trouxas na “categoria etc.”, e despertou

controvérsia entre os jurados. Quanto à reação do público, tem-se que, “ao longo de

um mês de exposição, a participação dos espectadores se deu quando os visitantes do

salão, num misto de insubordinação e ironia, espalharam ainda mais lixo na sala do

museu e escreveram palavrões nos objetos-trouxa” (FREITAS, 2013:147).

Para Barrio, tais reações apresentavam, ao mesmo tempo, “agressividade e

apoio por parte dos espectadores” (FREITAS, 2013:147). Se, por um lado, o público

se somava à obra “na condenação da assepsia museológica”, por outro, discordava da

“arbitrária aceitação de sacos de lixo num salão de arte. (FREITAS, 2013:147)

A segunda ação, nomeada Situação T/T,1 (1970), foi realizada nos dias 19 e

20 de abril, como parte do evento Do Corpo à Terra, organizado por Frederico

Morais. Ali, Artur Barrio preparou quatorze trouxas e as lançou no riacho do Parque

Municipal da cidade, “atraindo a atenção da polícia, do corpo de bombeiros, e de uma

multidão de pessoas” (FREITAS, 2013:141). Para Freitas, dessa vez, a experiência

reaparecia ainda mais potente do que a realizada no Salão da Bússola, já que:

[...] Agora, descolados de salões ou museus e potencializados nas ruas da capital mineira, os objetos surgiam imersos – literalmente – em novo meio, este ainda mais abjeto, o esgoto, e dialogavam não mais com visitantes de

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exposições, mas com o sujeito anônimo e ocasional da cidade [...] (FREITAS, 2013:160) .

Sendo assim, em plena ditadura militar, a Situação T/T, 1 visava evidenciar as

“práticas assassinas do terrorismo de Estado, clandestino ou encoberto”, invocando a

popular “desova”, de modo que “provocou uma encenação pública, criando assim um

happening coletivo em que os passantes reagiam ao saldo macabro, inconstitucional e

contrarrevolucionário dos grupos de extermínio” (FREITAS, 2013:161).

Seguindo a proposta deste artigo, vale contemplar um caso de marketing de

guerrilha, a fim de que suas características sejam analisadas. O caso escolhido para

estudo foi a ação da Unicef na Finlândia, Be a mom for a moment, realizado em 2009.

O objetivo da organização era gerar conscientização acerca dos direitos infantis e

angariar fundos com o mínimo custo possível, além de reafirmar sua posição como

organização dedicada exclusivamente ao bem-estar infantil.

Para provocar e gerar discussão, carrinhos de bebê equipados com som foram

abandonados pelas ruas de 14 diferentes cidades. Dentro do carrinho havia um bilhete

com a mensagem: “Obrigada por se importar, nós esperamos que existam mais

pessoas como você. Unicef - Seja uma mãe por um momento”.

De acordo com a organização, a ação provocou grande repercussão entre o

público, e o estimado alcance de mídia (televisão, rádio e notícias na internet) foi de

80% sobre a população finlandesa, após dois dias.

Diante do exposto, e com base nos casos citados, é possível estabelecer

relações entre a performance e o marketing de guerrilha. Como foi possível observar

por meio da contextualização das propostas da arte de performance e dos movimentos

que contribuíram para sua consolidação, é notável a intenção destes de promover uma

diminuição da distância entre a vida e a arte, ao diluir os limites entre a performance e

a vida cotidiana e envolver o público na realização das atividades.

Tais elementos são notáveis nas Situações de Artur Barrio, principalmente e

Situação T/T,1, à medida que a obra se confunde com “o corpo social da vida na

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urbe” (FREITAS, 2013:160), uma vez que ocorre em espaço público, urbano, e

envolve os passantes na ação.

Do mesmo modo, a ação Be a mom for a moment da Unicef, consiste na

inserção de um elemento incomum ao espaço urbano e ao cotidiano do público, de

modo a despertar seu interesse e integrá-lo à ação, como participante.

Uma vez que o espaço público é parte essencial das duas propostas, vale

considerar que, para Campolo (2013), a cidade confere um alto potencial de

visibilidade, graças à sua predisposição natural para exibir.

Conclusão

Sendo assim, buscou-se uma aproximação entre movimentos a princípio tidos

como distantes, arte de performance e marketing de guerrilha, inseridos nos universos

da arte e da publicidade, respectivamente. Estes, por sua vez, aparentemente se

opõem, devido às suas supostas motivações: de caráter crítico e revolucionário no

caso da arte, e pecuniário, no caso da publicidade. Diante do exposto, foi possível

notar intersecções entre tais esferas, graças aos processos de hibridização das formas

de comunicação e cultura, com o advento da cultura de massas. Desse modo, a

publicidade se viu contaminada pela estética, e a arte pôde se apropriar de novas formas

de linguagem.

A fim de evidenciar exemplos dessa aproximação, tomamos como objeto de

comparação casos da arte de performance e do marketing de guerrilha, sendo que

enfatizamos, dentre suas diversas ferramentas, as ações realizadas em espaços urbanos e que

visavam chamar a atenção do público. De saída, foi possível notar duas intersecções, a

aproximação com o cotidiano, e a intenção de envolver o público nas atividades, em ambos as

ações. Posteriormente, pudemos notar que, além dos dois elementos já citados, ambas a

performance “Trouxas”, e a ação “Be a mother”, usaram da inserção de um elemento estranho

ao cotidiano, de modo a despertar curiosidade e gerar comoção por parte do público, que

acabou por se tornar participante.

Vale ressaltar que o intuito do artigo não é mapear ao certo apropriações de um

movimento pelo outro, mas sim estabelecer possíveis conexões, tanto que, nesse caso, foram

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abordados objetos temporal e geograficamente distantes. Além disso, ambas as propostas em

muito diferem, já que “Trouxas” é uma “obra de arte” que tem uma motivação política em um

contexto de repressão das liberdades individuais, enquanto “Be a mom” é uma ação

encabeçada por uma organização, que, apesar de pretender atrair atenção para uma causa,

objetiva um retorno de mídia e responde a um planejamento de marketing e comunicação.

Contudo, espera-se, por fim, revelar a possibilidade de hibridização entre esses âmbitos

aparentemente distantes e distintos, de modo a desconstruir paradigmas anacrônicos que

pregam a separação entre as diferentes formas de produção de cultura.

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