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COORDENAÇÃO GERAL Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP TOMO 2 DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL COORDENAÇÃO DO TOMO 2 Vidal Serrano Nunes Júnior Maurício Zockun Carolina Zancaner Zockun André Luiz Freire

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COORDENAÇÃO GERAL

Celso Fernandes Campilongo

Alvaro de Azevedo Gonzaga

André Luiz Freire

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP

TOMO 2

DIREITO ADMINISTRATIVO E

CONSTITUCIONAL

COORDENAÇÃO DO TOMO 2

Vidal Serrano Nunes Júnior

Maurício Zockun

Carolina Zancaner Zockun

André Luiz Freire

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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

DIRETOR

Pedro Paulo Teixeira Manus

DIRETOR ADJUNTO

Vidal Serrano Nunes Júnior

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP | ISBN 978-85-60453-35-1

<https://enciclopediajuridica.pucsp.br>

CONSELHO EDITORIAL

Celso Antônio Bandeira de Mello

Elizabeth Nazar Carrazza

Fábio Ulhoa Coelho

Fernando Menezes de Almeida

Guilherme Nucci

José Manoel de Arruda Alvim

Luiz Alberto David Araújo

Luiz Edson Fachin

Marco Antonio Marques da Silva

Maria Helena Diniz

Nelson Nery Júnior

Oswaldo Duek Marques

Paulo de Barros Carvalho

Ronaldo Porto Macedo Júnior

Roque Antonio Carrazza

Rosa Maria de Andrade Nery

Rui da Cunha Martins

Tercio Sampaio Ferraz Junior

Teresa Celina de Arruda Alvim

Wagner Balera

TOMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL | ISBN 978-85-60453-37-5

Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico)

: direito administrativo e constitucional / coord. Vidal Serrano Nunes Jr. [et al.] - São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017

Recurso eletrônico World Wide Web (10 tomos) Bibliografia.

1.Direito - Enciclopédia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Alvaro. III. Freire,

André Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM SOCIAL

Carolina Zancaner Zockun

INTRODUÇÃO

Neste estudo, buscar-se-á aclarar a noção de ordem ou domínio social dada pela

Constituição de 1988.

Partiremos da premissa, pois, de que a intervenção estatal na ordem social tem

por objetivo assegurar a concretização dos direitos sociais, previstos no art. 6º da

Constituição de 1988.

Ao final, analisaremos as formas de intervenção do Estado na ordem social, a

saber, os serviços públicos para a concretização dos direitos sociais e o fomento ao

terceiro setor, que incidir sobre tais direitos.

SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................................................... 2

1. Do estado Social ...................................................................................................... 3

1.1. Da ordem social na Constituição de 1988 ................................................... 3

2. Da intervenção estatal na ordem social ................................................................... 5

2.1. Dos direitos sociais ...................................................................................... 6

2.2. Da prestação de serviços públicos ............................................................... 8

2.3. Da atividade de fomento ........................................................................... 13

3. Intervenção estatal: serviços públicos e fomento – dever e faculdade.................. 16

Referências ..................................................................................................................... 17

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1. DO ESTADO SOCIAL1

No Estado Social, a ordem jurídica estabelece obrigações positivas para que o

Estado aja em prol de seus cidadãos, corrigindo os naturais desvios do individualismo

clássico liberal, para que se possa alcançar a verdadeira justiça social.

O Estado Social é, pois, aquele que “busca realmente, como Estado de

coordenação e colaboração, amortecer a luta de classes e promover, entre os homens, a

justiça social, a paz econômica”.2

O Brasil é, por determinação constitucional, um Estado Social, em virtude do

disposto, dentre outros, nos arts. 1º, III, 3º, I, III e IV; 5º, LV, LXIX, LXXIII, LXXIV,

LXXVI; 6º, 7º, I, II, III, IV, VI, X, XI, XII; 23; 170, II, III,VII e VIII.3

Além disto, a Constituição de 1988 colocou o Estado como provedor dos direitos

sociais.

Dentre seus deveres, o Estado tem, portanto, que assegurar os denominados

direitos sociais que, em nossa Constituição, encontram-se albergados no art. 6º.

1.1. Da ordem social na Constituição de 1988

Geraldo Ataliba nos explica que o caráter orgânico das realidades que compõem

o mundo e o caráter lógico do pensamento humano levam o homem a tratar as realidades

que deseja estudar, sob critérios unitários, com proveito científico e conveniência

pedagógica, distinguindo a composição coesa e harmônica de diversos elementos em um

todo unitário, integrado em uma realidade maior. “A esta composição de elementos, sob

perspectiva unitária, se denomina sistema”.4

O sistema é, portanto, “uma unidade global organizada de inter-relações entre

elementos ações ou indivíduos”.5

1 As considerações ora apresentadas foram mais amplamente tratadas em nosso ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da Intervenção do Estado no domínio social. Neste verbete, entre outras observações, procedemos as atualizações legislativas necessárias. 2 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social, p. 187. 3 ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba, p. 621. 4 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro, p. 4. 5 MORIN, Edgar. La Méthode 1, p. 99.

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A ordem consiste em uma divisão interna de um sistema. “A ordem é, pois, um

pré-requisito funcional sempre presente, uma disposição interna que viabiliza a

organização de um sistema”.6

A organização do sistema se dá por meio de ordens, que visam a apartar

elementos com características próprias para verificar quais são as regras e princípios que

são comuns aos elementos estudados.

Pois bem, a ordem social está prevista no Título VIII da Constituição da

República, separadamente da ordem econômica, estando os direitos sociais disciplinados

em capítulo próprio, afastado da ordem social.

Os direitos sociais encontram-se no Título II (“Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”), Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”). Neste capítulo, há previsão dos

direitos sociais no art. 6º e dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais nos arts. 7º a

11.

Apesar de os direitos sociais estarem afastados geograficamente da ordem social,

não ocorre uma ruptura radical, como se os direitos sociais não estivessem inseridos na

ordem social. O art. 6º demonstra claramente que aqueles são conteúdo desta, quando diz

que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.7

Muitos dos direitos sociais previstos no art. 6º estão especificados no título da

ordem social. Esta cisão da matéria, realizada pelo constituinte, não atendeu aos melhores

critérios metodológicos, mas permite ao jurista extrair, de um lado e de outro, aquilo que

compõe a substância dos direitos relativos a cada um daqueles objetos sociais, deles

tratando no art. 6º, deixando para abordar, na ordem social, segundo José Afonso da Silva,

seus mecanismos e aspectos organizacionais.8

Por outro lado, entendemos que a ordem social, tal qual prevista na Constituição

Federal, dispõe sobre inúmeros aspectos da sociedade, tratando de assuntos que não têm

6 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo e PRADO, Ney. Uma análise sistêmica do conceito de ordem econômica e social. Revista de informação legislativa, ano 24, nº 86, p. 124. 7 Cumpre destacar que este art. 6º foi alterado pelas Emendas Constitucionais 26/2000, 64/2010 e 90/2015, para fazer constar, dentre o rol dos direitos sociais, a moradia, a alimentação e o transporte, respectivamente. 8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 285.

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ligação direta com os direitos sociais, tais como ciência e tecnologia (arts. 218 e 219),

comunicação social (arts. 220 a 223), meio ambiente (art. 225) e índios (arts. 231 e 232).

A ordem social, na Constituição de 1988, é, pois, a disposição interna do sistema

constitucional que trata de diferentes aspectos da sociedade brasileira.

Também denominada de domínio social pela doutrina,9 a ordem social é um

reflexo da sociedade brasileira, visto que abrange diferentes assuntos sob um mesmo

título, quais sejam, seguridade social (arts. 194 e 195), saúde (arts. 196 a 200), previdência

social (arts. 201 e 202), assistência social (art. 203), educação (arts. 205 a 214), cultura

(arts. 215 e 216), desporto (art. 217), ciência e tecnologia (arts. 218 e 219), comunicação

social (arts. 220 a 223), meio ambiente (art. 225), família, criança, adolescente e idoso

(arts. 226 a 230) e índios (arts. 231 e 232).

A Constituição Federal, ao tratar da ordem social, quis, em última análise, tratar

da sociedade brasileira e não apenas dos mecanismos de implantação dos direitos sociais

previstos no art. 6º da Constituição Federal.

O que ocorre é que a Constituição Federal ao dispor sobre a ordem social

abordou, além dos instrumentos de implementação e aspectos organizacionais de alguns

dos direitos previstos no art. 6º, também outras matérias que não dizem respeito

diretamente aos direitos sociais.

Aqui, por opção metodológica, trataremos da atuação estatal apenas quando este

intervém na ordem social para concretizar os direitos previstos no art. 6º da Constituição

Federal, por entendermos que a intervenção estatal no domínio social institui um dever

inescusável quando sua atuação visa a fornecer meios para que os administrados possam

ter acesso integral à “educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte,

lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência

aos desamparados, na forma desta Constituição”.

2. DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM SOCIAL

Considerando, como dito, que a intervenção do Estado na ordem social tem por

finalidade efetivar os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Maior, tem-se que esta

9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 841.

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se dá por meio das seguintes atividades: (i) prestação de serviços públicos de educação,

saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e à infância; e (ii) fomento de particulares que atuam no

denominado Terceiro Setor.

Antes de adentrarmos nas formas de intervenção estatal propriamente ditas,

analisaremos, brevemente, a posição jurídica dos direitos sociais na Constituição de 1988.

2.1. Dos direitos sociais

Inicialmente, saliente-se os direitos sociais possuem posição de destaque no

texto constitucional.

Os direitos sociais estão inseridos no Capítulo II do Título II da Constituição da

República, que traz arrolados os direitos e garantias fundamentais.

Os direitos sociais são direitos fundamentais de segunda geração e demandam

uma interferência estatal para sua concretização. Assim, o Estado sai de uma posição

inercial e passa a atuar positivamente visando a fornecer aos cidadãos condições dignas

de existência, para que, reduzindo-se as desigualdades sociais, seja construída uma

sociedade justa e solidária.

Com efeito, a Constituição expressamente assegurou aos direitos e garantias

fundamentais efetividade máxima, ao estabelecer, no § 1º do art. 5º, que: “As normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Foi, contudo, em outra passagem que a Constituição de 1988 erigiu ao status

jurídico máximo os direitos e garantias fundamentais, quando os colocou como “cláusulas

pétreas” no art. 60, § 4º, IV.

A força jurídica dos direitos sociais é tamanha que constituem crimes de

responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra o exercício dos

direitos sociais, consoante art. 85, III do Texto Maior.

Logo, desde o preâmbulo até o último art. da Constituição Federal, verifica-se,

ao longo de todo o texto constitucional, a preocupação em se construir um Estado Social,

garantidor dos direitos sociais e prestador de atividades positivas que visam a reduzir as

desigualdades sociais e regionais existentes.

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Não pairam dúvidas, pois, que o princípio do Estado Social e os direitos

fundamentais sociais integram os elementos essenciais, ou seja, a identidade da Lei

Maior.

Ademais, na esteira dos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet, há que se

ressaltar que todos os direitos fundamentais, acolhidos na Constituição de 1988 (mesmo

os que não integram o Título II) são, na verdade e em última análise, direitos de

titularidade individual, ainda que alguns sejam de expressão coletiva. “É o indivíduo que

tem assegurado o direito de voto, assim como é o indivíduo que tem direito à saúde,

assistência social, aposentadoria etc.”.10

Deveras, os direitos sociais reportam-se indiscutivelmente ao indivíduo, na

medida em que é ele o titular dos direitos subjetivos públicos previstos no art. 6º da

Constituição.

Logo, os direitos sociais não deixam de ser, em alguma medida, direitos

individuais, pois se deve levar em consideração que o uso e o gozo desses direitos são de

fruição singular e, portanto, os direitos sociais possuem uma dimensão inegavelmente

individual.

Se isto é verdade, então, os direitos sociais foram alçados, em sua integralidade,

à condição de cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, IV, quando este dispôs ser insuscetível de

deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

Isto porque os direitos sociais também são considerados direitos individuais de

uma coletividade e, assim sendo, repise-se, estariam abrangidos pelo art. 60, § 4º, IV da

Lei Maior.

É justamente neste sentido a lição de Carlos Ayres Britto,11 para quem “as

cláusulas pétreas, caracterizando-se como afirmadoras daquele princípio de estabilidade

ínsito a cada Estatuto Supremo, elas é que devem ser interpretadas extensivamente.

Generosamente ou mais à solta”.

Assim, a expressão “direitos e garantias individuais”, tal como consagrada no

art. 60, § 4º, da Constituição da República, inclui também os direitos sociais (arts. 6º a

11), os direitos de nacionalidade (arts. 12 e 13) e os direitos políticos (arts. 14 a 17).

10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 385. 11 BRITTO, Carlos Ayres. A Constituição e o monitoramento de suas emendas. Direito do Estado – Novos rumos, t. 1, p.66.

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Desta forma, os direitos sociais não podem mais ser considerados como meros

enunciados que dependem, sobretudo, da boa vontade do legislador. A plenitude de seus

efeitos foi consagrada expressamente pela Constituição de 1988, de tal sorte que é sempre

atual a lapidar frase de Herbert Krüger,12 no sentido de que hoje não há mais falar em

direitos fundamentais na medida da lei, mas sim em leis na medida dos direitos

fundamentais.

Logo, como o direito é de fruição imediata, qualquer embaraço ou omissão em

sua prestação confere ao cidadão o direito de exigir, via judicial, sua prestação

instantânea.

Visto que os direitos sociais são cláusulas pétreas que possuem aplicabilidade

imediata, estando, pois, situados no patamar mais alto do ordenamento jurídico, vejamos

quais são esses direitos.

A Constituição de 1988 dividiu os Direitos Sociais em três partes: na primeira,

identificou os direitos sociais em sentido estrito (art. 6º), na segunda, esmiuçou os direitos

individuais dos trabalhadores urbanos, rurais e domésticos (art. 7º); e, na terceira,

disciplinou os direitos coletivos desses trabalhadores (arts. 8º, 9º, 10 e 11).

Os direitos fundamentais de natureza social são, consoante o art. 6º da

Constituição de 1988, educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer,

segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância.

2.2. Da prestação de serviços públicos

Inicialmente, cabe mencionar o que entendemos por serviço público. Nisto

estamos integralmente com Celso Antônio Bandeira de Mello13 para quem serviço

público é “toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material

destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente14 pelos

12 KRÜGER, Herbert apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 311. 13 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 699. 14 Cesar A. Guimarães Pereira, em excelente trabalho sobre o tema, põe em destaque a posição do usuário na definição de serviço público, afirmando que “Só haverá serviço público na medida em que seja possível identificar um usuário que possa fruí-lo de modo singular e individual. Além disso, ao mesmo tempo em que se afirma o caráter coletivo do serviço público (que torna ‘instrumental’ a posição do usuário), destaca-se o papel individual do usuário na relação concreta de serviço. Essa afirmação não nega que o serviço público seja dirigido ao público em geral, a uma pluralidade indeterminada de usuários em potencial. Mas se baseia em que o ‘usuário efetivo’ é determinado e integra uma relação jurídica concreta. Por isso é que

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administrados.” O serviço público é prestado pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes,

sob um regime jurídico de Direito Público.

Com isto, restringe-se a noção de serviço público aos denominados serviços uti

singuli, ou seja, aqueles individual e singularmente fruíveis por cada um dos

administrados, em contraposição ao conceito de serviço público em sentido amplo, que

albergaria também os serviços uti universi, cujo gozo não é particularizado, como ocorre,

por exemplo, com o serviço de iluminação pública.

Para os fins deste trabalho, interessam-nos apenas os serviços uti singuli, já que

são estes que mais concretamente garantem os direitos subjetivos públicos constantes do

rol do art. 6º da Constituição da República.

Como o serviço público é bem relevantíssimo da coletividade, o Estado avoca

tais atividades para si por serem consideradas imprescindíveis, necessárias ou

convenientes para a sociedade, em determinado tempo histórico, retirando-as, salvo

exceções, das mãos da iniciativa privada.15

Com efeito, como bem acentuou Dinorá Grotti,16 “cada povo diz o que é serviço

público em seu sistema jurídico”. Trata-se, pois, de política legislativa alçar à condição

de serviço público determinada atividade.

O conceito de serviço público é, portanto, jurídico-positivo.17

Assim, a qualificação de uma atividade como serviço público varia conforme o

tempo, o lugar e as necessidades de cada sociedade.

No Brasil, nosso Texto Maior erigiu algumas atividades à condição de serviço

público. O rol, contudo, não é exaustivo, pois, dentro de sua área de atuação, isto é, sem

adentrar indevidamente na esfera econômica,18 que é reservada à livre iniciativa, a União,

Estados, Distrito Federal e Municípios poderão avocar para si determinada atividade,

passando a qualificá-la como serviço público.

somente os serviços fruíveis singularmente é que podem ser caracterizados como serviços públicos”. (Usuários de serviços públicos, p. 34). 15 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 698. 16 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988, p. 87. 17 CINTRA DO AMARAL, Antonio Carlos. Concessão de serviço público, p. 17. 18 Para melhor compreensão da matéria, ver: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, pp. 822-829.

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A Constituição Federal expressamente tratou do modo de efetivação de alguns

dos direitos sociais dispostos no art. 6º por meio da instituição de seus correlatos serviços

públicos.

Assim, estão previstos nominalmente no Texto Constitucional os serviços de

previdência social, assistência social, seguridade social, educação e saúde.

Todos os direitos sociais têm sua forma de sua efetivação por meio do

“oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou comodidades materiais

singularmente fruíveis pelos administrados”,19 sob um regime jurídico de Direito Público,

que deve obediência aos princípios correlatos ao serviço público.

Nesta seara, cumpre destacar que, via de regra, estes serviços devem ser

prestados gratuitamente, mas, em havendo contraprestação pelo particular, esta terá que

obedecer ao princípio da modicidade, sendo que sua cobrança jamais poderá frustrar o

direito do particular a seu gozo.

Assim, os serviços necessários à concretização dos aludidos direitos sociais são

serviços públicos, embora como tal não estejam expressamente arrolados na Constituição

da República.

Vê-se, pois, que a Constituição erigiu como serviços públicos inúmeras

atividades que considerou de especial relevância para a coletividade.

Entretanto, para os fins deste estudo, fizemos um corte metodológico dentre os

serviços públicos existentes e trataremos apenas daqueles serviços públicos garantidores

dos direitos sociais, previstos no art. 6º da Constituição Federal.

Todos os direitos sociais são efetivados, por parte do Estado, através dos serviços

públicos, estejam ou não previstos expressamente como tal pela Constituição 1988.

Isto porque, quando a Constituição “estatui os fins que devem ser atendidos, ou,

por definição do legislador ordinário, determina ao Estado que deva prestar determinada

atividade, institui um serviço público”.20

Assim, além dos serviços públicos relativos à educação, saúde, previdência

social, assistência social e seguridade social, já expressamente previstos, o Estado tem o

19 Idem, p. 669. 20 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Serviços Públicos e tributação. Natureza jurídica da contraprestação de serviços concedidos e permitidos. Serviços públicos e direito tributário, p. 178.

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dever de implementar serviços públicos que garantam a fruição do direito ao trabalho,

moradia, transporte, alimentação, lazer e proteção à maternidade e à infância.

Cumpre destacar que a titularidade de todos os serviços públicos é sempre do

Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), o que não significa que deva

obrigatoriamente prestá-los por si ou por pessoa por ele criada.

O Estado reservou a si a titularidade dos serviços públicos justamente para que

possa satisfazer o leque de direitos e garantias individuais e sociais previstos na

Constituição de 1988.21

A Constituição da República considerou de assinalada importância a prestação

de serviços públicos, especialmente dos que concretizam os direitos sociais, colocando-

os como dever inarredável do Estado.

É direito do administrado exigir a prestação adequada dos serviços públicos,

consentânea com os princípios informadores deste instituto jurídico e que vise a atender

satisfatoriamente às suas necessidades básicas.

Ainda, o serviço público é um dos instrumentos mais eficazes para a valorização

da dignidade humana, bem como para a erradicação da pobreza e da marginalização e

redução das desigualdades sociais e regionais.

Com efeito, o Estado, por meio dos serviços públicos, especialmente os voltados

à efetivação dos direitos sociais, fornece ao cidadão as condições necessárias para uma

sobrevivência decente, promovendo sua inclusão social e auxiliando na construção de

uma sociedade livre, justa e solidária, em que todos possam ter garantida a sua dignidade,

bem como possam exercer de forma plena sua cidadania.

Bem se vê, portanto, que o serviço público é um instrumento de concretização

dos direitos sociais, cuja finalidade última é alcançar a justiça e o bem-estar sociais,

prestigiando, ainda, o princípio da isonomia, ao conferir oportunidades àqueles

economicamente menos favorecidos.

O papel do serviço público na efetivação dos direitos sociais é, portanto,

essencial, sendo um meio necessário para a realização dos objetivos fundamentais da

República, já que atua na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

21 ZANCANER, Weida. Limites e confrontações entre o público e o privado. Direito administrativo contemporâneo. Estudos em memória ao Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, p. 342.

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sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV da Constituição

de 1988).

Desta forma, os serviços públicos são os elementos responsáveis pela

materialização dos direitos sociais de educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,

segurança (seguridade social), previdência social, proteção à maternidade e à infância e

assistência social.

Ora, os direitos sociais constituem, como vimos, limites materiais à reforma

constitucional e, portanto, são considerados cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF).

As cláusulas pétreas garantem a estabilidade da Constituição contra alterações

aniquiladoras do seu núcleo essencial por meio da irrevisibilidade de determinadas

normas fundamentais à estrutura do Estado.22

Assim, a colocação de determinadas disposições sob o manto da imutabilidade

revela, pois, seu status jurídico máximo.

As cláusulas petrificadas são, como todas as demais normas constitucionais, de

cumprimento obrigatório, mas têm em relação a elas um plus, que consiste em sua

reforçada proteção constitucional.

Os direitos sociais fazem parte das normas constitucionais que foram alçadas à

elevação máxima, sendo sua efetivação um dever inafastável do Estado, que não poderá,

em hipótese alguma, postergá-los ou diminuí-los.

Cumpre destacar que aos direitos sociais foi, ainda, conferida função primordial

no ordenamento jurídico, por serem eles, ao mesmo tempo, um objetivo e um pilar

estruturante do Estado Social.

O fato de os direitos sociais serem cláusulas pétreas lhes confere caráter de

essencialidade no sistema. Esta essencialidade jurídica é concretizada no mundo

fenomênico por meio dos serviços públicos.

Com efeito, a estática dos direitos sociais é posta em movimento pela dinâmica

dos serviços públicos, que realizam na prática os preceitos da Constituição.

Desta forma, parece razoável inferir: quando a Constituição de 1988 alçou à

condição de cláusulas pétreas os direitos sociais, quis não apenas proteger esses direitos

materiais em si, mas também os instrumentos que os solidificam.

22 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 888.

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Isto porque de nada adiantaria assegurar a existência dos direitos sociais se os

meios pelos quais eles são concretizados não gozassem de igual proteção.

Os instrumentos indispensáveis para a realização dos direitos sociais, como

visto, são os serviços públicos, que podem conjugar os elementos necessários para dar

consistência à prescrição constitucional garantidora desses direitos.

Ora, se quem quer os fins, quer os meios, então quem quer os direitos sociais,

quer, com igual veemência, os serviços públicos.

Daí que, sendo a força motriz dos direitos sociais precisamente o serviço público,

a ele deve ser conferida também a estatura de cláusula pétrea.

É claro que não são todos os serviços públicos que gozam desta proteção

reforçada, mas apenas aqueles que servirem de intermediários para a consecução dos

direitos sociais.

Assim sendo, são cláusulas pétreas (implícitas, evidentemente) os serviços

públicos de educação, saúde, trabalho, moradia, alimentação, transporte, lazer, seguridade

social, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência social.

Desta forma, a intervenção na ordem social para assegurar a efetivação dos

direitos sociais é dever do Estado e sua concretização dá-se por meio da prestação dos

serviços públicos de educação, saúde, acesso ao trabalho, fornecimento de moradia, lazer,

seguridade social, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência

social.

Se o Estado se nega a fornecer os serviços públicos omite-se em seu dever

constitucional.

Ainda, a má prestação dos serviços públicos também enseja responsabilização

estatal pelos danos causados aos usuários ou a terceiros por eles atingidos.

O serviço público é, pois, a mais importante forma de intervenção estatal na

ordem social, estando este instituto assegurado constitucionalmente como cláusula pétrea.

Vejamos agora a outra forma de intervenção estatal na ordem social, que se dá

por meio das atividades de fomento.

2.3. Da atividade de fomento

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O Texto Constitucional prevê a possibilidade de o Estado incentivar a atuação

do particular na consecução do interesse público.

O fomento, objeto de nosso estudo, será unicamente aquele voltado à intervenção

na ordem social, razão porque não trataremos, pois, da atuação estatal incentivadora da

ordem econômica, nos moldes previstos pelo art. 174 da Constituição da República.

Pretende-se, assim, fornecer um esboço do fomento estatal frente ao Terceiro

Setor.

Terceiro Setor é a nomenclatura dada às entidades que não fazem parte do setor

estatal, isto é, não se vinculam direta ou indiretamente à Administração Pública, nem se

dedicam às atividades empresariais, cuja finalidade não é lucrativa e cuja atuação é

voltada para a consecução de objetivos sociais.

Logo, ao lado do Primeiro Setor (Estado) e do Segundo Setor (Mercado), surgiu

um grupo destinado a propiciar desinteressadamente o desenvolvimento social.

A doutrina costuma identificar a “subsidiariedade” como princípio norteador da

atividade de fomento. Por este princípio, o Estado somente deverá intervir na sociedade

quando esta for incapaz de satisfazer seus próprios interesses, restringindo-se a atuação

estatal ao incentivo e fomento dos grupos sociais.

Entendemos de modo diverso. É certo que o Estado poderá fomentar as

atividades dos particulares, mas isto não o desonerará de suas missões constitucionais.

Nesse sentido, a lição de José Roberto Pimenta Oliveira,23 para quem o princípio

da subsidiariedade não autoriza a “mera e desvirtuada” substituição do aparelho

administrativo.

Assim, o Estado, apesar de ter a faculdade de fomentar as atividades do terceiro

setor referentes à educação, saúde, assistência, trabalho, moradia, lazer e proteção à

maternidade e à infância, não poderá se eximir de oferecer os serviços públicos

correspondentes, tendo em vista a missão que lhe foi constitucionalmente imposta.

A este propósito, cumpre destacar que não há um dever constitucionalmente

atribuído ao Estado de fomentar as atividades privadas. Trata-se, pois, de política

23 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro, p. 531.

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legislativa, que permite ao Estado optar pelas atividades de relevância social que

receberão ou não incentivo estatal.

Com efeito, as atividades de fomento exigem, direta e indiretamente, o aporte de

recursos estatais que são transferidos à sociedade para que os particulares, observadas

determinadas diretrizes, possam validamente perseguir o interesse público.

Para que esses recursos estatais possam ser consumidos nesse propósito, é

necessária a existência de prévia dotação na lei orçamentária anual. E bastaria recordar o

princípio da exclusividade24 e da legalidade financeira25 para corroborar o que restou dito

acima.

Não obstante isso, o Texto Maior, pretendendo ser didático, previu em seu art.

165, § 6º, que o projeto de lei orçamentária deverá ser acompanhado do demonstrativo do

impacto financeiro decorrente da outorga de isenções, anistias, remissões, subsídios e

benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, dentre outros.

Assim, sem a previsão orçamentária desses incentivos de natureza econômica, a

atividade de fomento não poderá ser validamente realizada.

Aliás, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), editada

para regulamentar os arts. 163 e 169 da Constituição Federal, veio justamente para regular

a execução da política fiscal do país, controlando as despesas pelo critério de

disponibilidade de caixa, impondo metas a serem alcançadas e cominando sanções pelo

descumprimento das normas ali estabelecidas.26

De toda sorte, ultrapassada a etapa legislativa de instituição desses benefícios

(autorizadores de atividade de fomento), ingressa-se na efetiva e concreta irradiação dos

seus efeitos.

24 Segundo o qual a lei orçamentária não conterá dispositivo estranho à fixação de despesas e previsão de receitas. 25 Segundo o qual não poderá ser realizada despesa não prevista em lei orçamentária. 26 “O planejamento orçamentário e a ampla divulgação do que se pretende fazer e, depois, do que realmente se fez com o dinheiro da sociedade, constituem, ambos, estratégias para assegurar os dois grandes objetivos da LRF: a prevenção do déficit e a redução da dívida. Para isso, a boa gestão fazendária requer as seguintes responsabilidades: 1 – Cumprimento de metas e resultados entre receitas e despesas. (...) e 2 – Obediência a limites e condições para variáveis básicas das finanças públicas” (TOLEDO JUNIOR, Flávio C. de.; ROSSI, Sérgio Ciquera. Lei de Responsabilidade Fiscal, pp. 11-13).

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Nesta seara, cabe salientar que o fomento de entidades beneficentes27 é

importante instrumento de intervenção estatal na ordem social, pois permite que o Estado

atinja um grande contingente de pessoas necessitadas, sem realizar os mesmos gastos que

despenderia se não contasse com o apoio e a estrutura de particulares.

As atividades do Terceiro Setor são realizadas de forma voluntária, não sendo

possível que o Estado obrigue o particular a desempenhar atividades de benemerência,

mas havendo sua participação espontânea, o Estado poderá auxiliá-lo na consecução de

interesses sociais, preenchidos determinados requisitos previamente estipulados em lei.

Se o Estado optar por fomentar determinada atividade, nasce para ele o dever de

fiscalizá-la, a fim de verificar se os recursos públicos oferecidos ao particular estão sendo

efetivamente empregados na consecução das finalidades de interesse público para os

quais foram cedidos.

Assim, o fomento público às atividades privadas faz eclodir o dever estatal de

avaliar não somente a utilização dos recursos públicos, mas se a entidade privada ainda

ostenta a condição de entidade de interesse social, para que, em não sendo o caso, se

possam retirar os benefícios econômicos eventualmente gozados, fazendo-a ressarcir os

cofres públicos pelos valores por ela aproveitados.

O direito positivo prevê, pois, diversos mecanismos para o implemento das

atividades de fomento, cujos principais serão tratados a seguir.

Cumpre destacar que o elemento juridicamente aglutinador de todas as formas

de fomento é a possibilidade de concessão de benefício econômico que, de modo direto

ou indireto, realizará a supressão ou redução dos custos financeiros suportados pela

pessoa jurídica beneficiária, para consecução de suas finalidades.

3. INTERVENÇÃO ESTATAL: SERVIÇOS PÚBLICOS E FOMENTO – DEVER E FACULDADE

27 Oportuno esclarecer que entidade beneficente é gênero da qual entidade filantrópica é espécie. Nas palavras de José Eduardo Sabo Paes “Entidades sem fins lucrativos ou entidades beneficentes são aquelas que buscam interesses de outrem ou atuam em benefício de outrem que não a própria entidade ou os que a integram. Entidade filantrópica é aquela que atua em benefício de outrem com dispêndio de seu patrimônio, sem contrapartida ou, em outras palavras, pelo atendimento sem ônus direto do beneficiado”. (Fundações, associações e entidades de interesse social, p. 646).

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A intervenção estatal na ordem social pode se dar por meio da prestação de

serviços públicos ou pela atividade de fomento ao Terceiro Setor, realizados para a

concretização dos direitos sociais.

A prestação de serviços públicos de educação, saúde, trabalho, moradia,

alimentação, transporte, lazer, seguridade social, previdência social, proteção à

maternidade e à infância e assistência social é obrigatória para o Estado, que não pode,

portanto, se eximir de sua concretização, ainda que por meio de fomento ao Terceiro

Setor.

Bem se vê, desta forma, que, se a prestação de serviços públicos é obrigatória

para o Estado, a atividade de fomento é facultativa, uma vez que não há, na Constituição

de 1988, obrigação de incentivo ao particular, mas de prestação direta desta atividade.

Para que o Estado possa realizar a atividade de fomento, deverá verificar a

vantajosidade de se incentivar o particular, em detrimento da ampliação das atividades

diretas por ele fornecidas.

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