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João B. Serra * Luís Salgado de Matos ** Intervenções militares na vida política 1. HIPÓTESE Os objectivos deste estudo são: 1) Averiguar qual a legitimidade invocada pelos autores das intervenções militares na vida política portuguesa desde a implantação da República até ao 25 de Abril de 1974; 2) Identificar elementos de continuidade e descontinuidade naquelas justi- ficações; 3) Formular hipóteses sobre o papel das Forças Armadas na cultura política portuguesa. O método seguido foi a análise de conteúdo das proclamações e manifestos dos movimentos em que participaram militares. Este estudo não esgosta os manifestos analisados. Esperamos que responda a um certo número de questões e que contribua para que possamos reformular outras. 2. OBJECTO O tempo e o espaço de que dispomos impedem-nos de analisar alguns problemas estreitamente ligados às intervenções militares. Não abordaremos, assim, a problemática da interacção entre legalidade, violência e modalidades de acção política. Finer considera quatro níveis de acção política dos militares: influência, pressão, deslocação e suplantação (pp. 78-79). Os dois primeiros visam modi- ficar políticas, respectivamente por meios legais ou ilegais; os dois últimos visam substituir governantes e regimes: ou civis por outros civis ou civis por militares. Tomámos esta definição como ponto de partida, mas alargámo-la a movi- mentos em que participem civis. Excluímos as intervenções do Exército fora do país de origem (relações entre o Exército ocupante e os governos do país ocupado e do país ocupante). Considerámos os movimentos tentados e consumados; os falhados e os triunfantes. Abrangemos os movimentos de generais, de oficiais de patente intermédia e de sargentos e praças. Incluímos movimentos do conjunto da insti- Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. * GlS/Instituto de Ciências Sociais e Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. 1165

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João B. Serra *Luís Salgado de Matos **

Intervenções militares na vida política

1. HIPÓTESE

Os objectivos deste estudo são:

1) Averiguar qual a legitimidade invocada pelos autores das intervençõesmilitares na vida política portuguesa desde a implantação da Repúblicaaté ao 25 de Abril de 1974;

2) Identificar elementos de continuidade e descontinuidade naquelas justi-ficações;

3) Formular hipóteses sobre o papel das Forças Armadas na cultura políticaportuguesa.

O método seguido foi a análise de conteúdo das proclamações e manifestosdos movimentos em que participaram militares.

Este estudo não esgosta os manifestos analisados. Esperamos que respondaa um certo número de questões e que contribua para que possamos reformularoutras.

2. OBJECTO

O tempo e o espaço de que dispomos impedem-nos de analisar algunsproblemas estreitamente ligados às intervenções militares. Não abordaremos,assim, a problemática da interacção entre legalidade, violência e modalidadesde acção política.

Finer considera quatro níveis de acção política dos militares: influência,pressão, deslocação e suplantação (pp. 78-79). Os dois primeiros visam modi-ficar políticas, respectivamente por meios legais ou ilegais; os dois últimosvisam substituir governantes e regimes: ou civis por outros civis ou civis pormilitares.

Tomámos esta definição como ponto de partida, mas alargámo-la a movi-mentos em que participem civis. Excluímos as intervenções do Exército forado país de origem (relações entre o Exército ocupante e os governos do paísocupado e do país ocupante).

Considerámos os movimentos tentados e consumados; os falhados e ostriunfantes. Abrangemos os movimentos de generais, de oficiais de patenteintermédia e de sargentos e praças. Incluímos movimentos do conjunto da insti-

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.* GlS/Instituto de Ciências Sociais e Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. 1165

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tuição militar, de parte dela ou das forças de segurança quando enquadradas poroficiais do Exército. Considerámos as intervenções militares mesmo quando oregime era militar.

Uma nota terminológica: intervenção e movimento designam todas as moda-lidades de acção política e politicamente orientada dos militares. Quando umdado movimento militar é conhecido por uma designação usual, é esta queempregamos. Os textos analisados são referidos como manifestos ou proclama-ções, excepto quando outra designação mais precisa se imponha. Os manifestosexclusivamente militares são também designados por manifestos militares, masos restantes são sempre referidos como militares-civis.

Não procurámos restituir a ortografia autêntica dos manifestos, que podeter relevância interpretativa, nomeadamente no caso de valor simbólico decertas palavras quando grafadas com maiúsculas (República e república, porexemplo).

O sinal [...] apenas foi utilizado quando eliminámos palavras no meio de umacitação.

3. CORPUS

A definição do corpus implica a escolha do períocjo e a do tipo de texto anali-sado, uma vez dada a hipótese. Feitas aquelas escolhas, foi necessário reunir ostextos relevantes. Passemos ao exame destes pontos.

A escolha do período cronológico quase se impôs por si. A proclamaçãoda República é uma fronteira entre diferentes tipos de movimentos militares.O período posterior ao 25 de Abril de 1974, além de alargar o número de textospotenciais para lá do quadro possível desta comunicação, poria problemasmetodológicos quanto à escolha do termo ad quem, que não poderíamos resol-ver neste quadro.

Restringimos a nossa investigação aos textos produzidos pelos militares queintervêm na política. Limitamo-nos à autojustificação das intervenções mili-tares por duas razões: a caracterização deste emissor privilegiado é metodologi-camente legítima e relevante do ponto de vista da análise da vida política portu-guesa contemporânea; o quadro desta comunicação, que permite apenas umtratamento introdutório dos manifestos militares, não se compadecia com oalargamento do corpus.

Para definir o universo de análise não basta isolar o emissor militar, pois sãovariadas as mensagens que ele emite. Supondo uma intervenção militar típica, épossível categorizar os seguintes textos:

Compromisso de honra — Documento que une os vários militares conspira-dores, que o designam deste modo. É anterior à eclosão do movimento.É secreto, ao menos na fase preparatória do movimento. Os compro-missos são de vários géneros. Interessa-nos aqui sublinhar a distinçãoentre os compromissos pessoais, que garantem lealdade ao chefe de umdado movimento (tipo I), e os programáticos, que articulam aquelagarantia de lealdade com declarações de princípios ou programáticasmais ou menos completas (tipo II).

Plano de operações— Documento que fixa as acções a empreender pelosparticipantes no movimento, discriminando-as, seriando-as, localizando--as e, eventualmente, pondo-lhes uma data. Tal como o compromisso, ésecreto e não é habitualmente publicado após o golpe.

Edital— Documento publicado simultaneamente com a eclosão do movi-mento, que determina medidas sobre a segurança e a ordem públicas,nomeadamente restrições transitórias à liberdade individual; por vezes

1166 estabelece o estado de sítio. Ao contrário dos dois tipos de textos ante-

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dormente referidos, o edital não se dirige aos autores do movimento, masà população, e é estruturalmente público; os tipos seguintes partilhamdestas duas características.

Proclamação— Documento breve e auto-identificativo dos autores do movi-mento. A proclamação tem um conteúdo mais valorativo do que progra-mático e é tornada pública às primeiras horas da eclosão da inter-venção.

Manifesto— Documento de conteúdo mais programático do que valorativo,publicado depois da proclamação e contendo, além da definição dosautores do movimento^ a análise da situação, os fundamentos legitima-tórios e os objectivos. As vezes contém medidas de política de execuçãoimediata. É mais longo do que a proclamação.

Apelo— Documento em que os autores da intervenção pedem a colaboraçãoactiva ou a abstenção da população, de unidades militares ou de autori-dades públicas. Pode assumir a variante do ultimato.

Descrição de operações militares em curso— Documento com fins exclusiva-mente propagandísticos, que geralmente revela sucessos dos autores domovimento e insucessos dos adversários, uns e outros verdadeiros ouimaginários.

Textos de propaganda— Documentos valorativos ou programáticos quesimplificam ou modulam a proclamação e/ou o manifesto.

Substituição dos órgãos de soberania ou seus titulares—ÍL a primeira leiconstitucional do movimento que suspende, altera ou revoga a anteriorConstituição e estabelece as novas regras de circulação do poder.

Programa de governo— Documento indicando, com maior ou menor especi-ficação, as linhas de acção imediata do executivo. Por vezes, o programa éprecedido de um preâmbulo de teor semelhante ao da proclamação domanifesto.

Todos estes tipos de texto são relevantes para analisar a justificação dasintervenções militares. Restringimos o corpus aos manifestos, proclamações ecompromissos do tipo II por serem os textos estruturalmente justificativos. Poroutro lado, é mais difícil a reunião dos restantes documentos, que não são direc-tamente comparáveis entre si.

A inclusão de um texto no corpus não depende do título que os autores lhederam, mas da qualificação que lhe atribuímos.

A lista dos movimentos cujos manifestos analisámos consta do quadro n.° 2,que regista também as datas respectivas. A cada movimento correspondeu umtexto, excepto no 28 de Maio, devido à irredutibilidade das linguagens usadas.O texto escolhido foi o que mais se aproximava do manifesto.

Na falta de manifestos, escolhemos proclamações. Na falta de uns e outrasrecorremos a outras categorias de textos: compromissos de honra do tipo II(João de Almeida, revolta da Mealhada), comunicado à imprensa dos autores dogolpe da GNR e uma circular às unidades transcrevendo uma carta ao presi-dente da República aquando do primeiro levantamento de Monsanto.

No caso da tentativa de golpe do general Botelho Moniz, também referidapor Abrilada de 1961^ escolhemos a carta do então ministro da Defesa ao presi-dente do Conselho. E o único dos textos que não era inicialmente destinado apublicação.

Todos os textos anómalos contêm elementos justificativos que explicam asua inclusão.

Os manifestos reunidos são provenientes de distintas fases dos movimentos.A obtenção do corpus assim definido levantou dificuldades inesperadas.

Verificámos que as relações entre as Forças Armadas e a política portuguesa sãogeralmente estudadas a latere, de modo impreciso e incompleto. Embora onosso objectivo não fosse fazer a história ou a sociologia das intervenções mili- 7767

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tares, tivemos de elaborar uma listagem das intervenções militares durante operíodo considerado. O quadro n.° 1 agrupa os resultados provisórios a quechegámos.

Estatística das intervenções militares

[QUADRO N.° 1]

Datas

5 de Outubro de 1910-141915-191920-241925-291930-341935-391940-441945-491950-541955-591960-641965-691970-25 de Abril de 1974

Total

Total

Número

7162

1273

3133

2

59

Percentagem

42

20

99

Com saída de tropas

Número

5122

2022

1

1

2

37

Percentagem

51

27

22

100

Cor pus

Número

8281

1

1

1

22

Percentagem

45

36

__18

_-

99

A investigação que, nolente volente, tivemos de fazer não nos permite asse-gurar a exaustividade da nossa lista de movimentos militares. Por outro lado,sem uma investigação monográfica dos vários movimentos não é possívelassegurarmo-nos da inexistência de proclamações, manifestos e, sobretudo,compromissos. É certo que alguns movimentos fracassados não chegaram aproduzir nenhum texto. Temos conhecimento da existência de três manifestosque não conseguimos localizar: o que foi distribuído pelo tenente MoraisSarmento na preparação do golpe dos Fifis (Agosto de 1927), o da revolta decaçadores 7 (Julho de 1928) e o do golpe de Janeiro de 1952. Todos estes movi-mentos foram vencidos pelo regime iniciado em 28 de Maio de 1926. E, além devencidos, apagados na memória dos jornais e dos arquivos.

Os manifestos recolhidos acompanham razoavelmente a distribuição dosmovimentos militares no tempo. Regista-se a falta de textos da primeira faseda l.a República e uma ligeira sobrevalorização do período do 28 de Maio.Contudo, como ignoramos o total das intervenções que não produziram textoalgum, é impossível um rigor absoluto.

Reunimos os manifestos para verificarmos uma hipótese, e não para fazer-mos a história dos movimentos. Da nossa perspectiva, o corpus é satisfatório: osmanifestos distribuem-se no tempo e acompanham várias categorizações demovimentos militares *.

Uma destas categorizações opõe os movimentos em que participaram exclu-sivamente militares de carreira aos movimentos militares-civis, que contaramcom a participação destes. A clareza desta oposição é, porém, ilusória, já que emcada intervenção podemos distinguir diversas fases e papéis. E raro terá sido omovimento em que todos os papéis de todas as fases foram da responsabilidadede militares.

1 Por razões editoriais não se publicam com este tecto os documentos que constituíram o corpusdeste trabalho de investigação. Os referidos documentos encontram-se, no entanto, disponíveis no

1168 Instituto de Ciências Sociais.

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A informação disponível não permite elaborar uma escala ordinal de partici-pação de militares nos movimentos militares, que aliás poria problemas teóricosassinaláveis.

Considerámos, para efeito de verificação da hipótese, que um movimentoera exclusivamente militar quando os seus dirigentes eram todos militares.Tomámos os subscritores do manifesto pelos dirigentes. Quando o manifestonão era assinado ou a assinatura era, desta perspectiva, equívoca, averiguámosas circunstâncias em que a intervenção ocorreu. Simetricamente, considerámosmilitares-civis os movimentos em que parte dos dirigentes eram civis.

Aplicando estes critérios, classificámos como militares-civis 4 das 21 inter-venções: o 14 de Maio, a revolta de Santarém, a restauração da República noPorto e a revolta de Almada.

A restauração da República excepciona o critério, pois, embora todos ossignatários fossem militares, o movimento era dirigido superiormente peloGoverno.

O facto de qualificarmos de militares todas as outras intervenções não signi-fica que tenham idêntica relação com as Forças Armadas.

A revolta de Tomar depende da personalidade que assina: «O Presidente doGoverno, Machado Santos.» O herói da Rotunda não invoca a sua qualidade demilitar, que o não define, mas terá sido percepcionado através dela.

O golpe de Sidónio Pais foi co-preparado por elementos civis que partici-param nos combates. Se bem que militar profissional, o antigo embaixador emBerlim tinha um perfil civil antes do movimento. E a proclamação não aludenem às Forças Armadas nem à condição militar do chefe. Mas quer Sidónio Paisquer os outros membros da Junta Revolucionária eram militares.

A Monarquia do Norte terá sido desencadeada com o consentimento dolugar-tenente do rei, Aires de Orneias, e dá origem a uma Junta Governativamonárquica. Contudo, não só o manifesto é exclusivamente subscrito por mili-tares, como o movimento se insere na movimentação político-militar da JuntaMilitar do Norte.

O 19 de Outubro é apoiado por grupos civis armados. O mesmo sucedeu como 3-7 de Fevereiro. Embora um dos subscritores deste manifesto seja JaimeCortesão, é apresentado como «médico miliciano», a par de outros militares doquadro. É a lógica da condução das operações é militar.

A investigação de que a seguir damos conta permitiu definir característicaspróprias dos manifestos militares e dos militares-civis. Podemos averiguar comose comportam perante aquelas características os manifestos definidos comomilitares, ou como militares-civis, pelo critério da direcção revelada pela assina-tura do manifesto. Os manifestos de Machado Santos, Sidónio Pais, golpe daGNR, 19 de Outubro e 3-7 de Fevereiro têm variações importantes em relaçãoao paradigma militar, que é influenciado pelo 28 de Maio. A revolta de Almadaafasta-se dos militares-civis.

4. ANÁLISE DE FREQUÊNCIAS

a) MÉTODO

A análise de frequência tem por objecto a medição da distribuição de certascategorias por dadas unidades (cf. Holm, Hoebner e Mayntz; Bardin; Bataller,Schifres e Tannery; Budd, Thorp e Donohew).

O manifesto foi tomado como unidade de apuramento. A unidade deconteúdo foi a unidade mínima de sentido, isto é, o grupo mínimo de palavrassemanticamente intersubstituível dentro da mesma categoria analítica. Estaunidade aproxima-se do semantema linguístico. O número de palavras de cadaunidade é determinado apenas pela interpretação e não é notado. Meneio- 1169

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nam-se a seguir algumas palavras que, para os efeitos da análise, considerámoscaracterizadoras de unidades mínimas de sentido intersubstituíveis.

Definimos as seguintes categorias de conteúdo: ético, estatal, CÍVICO, nacio-nal, militar, económico e técnico. A compreensão' destas categorias é:

Ético: referência a um dever-ser de carácter moral; palavras assim classifi-cadas: honra, responsabilidade, dever, moral, honestidade, fidelidade,lealdade; •

Estatal: referência à Administração Pública e ao regime político enquantodotados de autoridade e garantes da ordem e da segurança; palavras:Governo, Administração, ordem pública, paz, poder, lei;

Cívico: referência ao regime político enquanto garante da (não) participaçãodos cidadãos e dos seus direitos públicos; palavras: República, ditadura.Ditadura, partidos, liberdade: é um conceito que podemos relacionarcom o critério definidor da civic culture, proposta por Almond e Verba;

Nacional: referência a Portugal como comunidade, num sentido afim daGemeinschaft, de Tõnnies; palavras: Pátria, Nação, Portugal, País;

Militar: referência às Forças Armadas consideradas no seu aspecto seccio-nal; palavras: Exército, Armada, Marinha, forças de terra e mar, guarni-ções;

Económico: referência à produção e distribuição de riquezas; palavras:riqueza, fomento, abastecimento, subsistências;

Técnico: referência à eficiência e à competência para o exercício de certasfunções; palavras: competência, saber, inteligência.

As palavras caracterizadoras acima listadas são apenas exemplificativas.A categorização de uma frase como unidade de sentido nunca dependeu

exclusivamente da presença de uma dada palavra, mas da interpretação de todoo texto. Uma mesma frase gramatical foi desdobrada em mais de uma unidadede sentido quando não era redutível a uma das categorias.

A frequência destas categorias define uma escala implícita de atitudes dosautores dos manifestos: quanto maior for a importância dada a um eixo (catego-rias), mais elevado será o número de unidades mínimas de sentido pertencentesa essa categoria.

A escala assim construída não tem positivo e negativo no interior de cadacategoria: já vimos que república e ditadura são equivalentes; a frase «Viva aliberdade!» seria classificada da mesma forma que «Abaixo a liberdade!».

As categorias que definimos são as que nos pareceram mais adequadas àcompreensão da atitude dos autores das intervenções militares, pois indicamalguns dos principais eixos organizadores do comportamento político.

A definição das unidades mínimas de sentido e a sua classificação numacategoria dada implica, como todas as técnicas de análise de conteúdo, umelemento de subjectividade. Procurámos que a subjectividade da classificaçãofosse tão reduzida quanto possível, recorrendo ao procedimento seguinte: apósa definição das categorias e sua aplicação experimental, os manifestos foramdivididos em dois lotes, cada um dos quais foi inicialmente classificado por umdos autores e depois revisto pelo outro; concluída esta operação, procedemos àclassificação que serviu de base aos apuramentos.

b) RESULTADOS

A justificação das intervenções militares organiza-se em torno da categoriaética que tem a maior frequência média e que ocupa também a primeira posição,excepto nas de Sidónio Pais, primeiro levantamento de Monsanto e revolta da

7770 Mealhada (cf. quadro n.° 2).

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iviovimemos

14 de Maio (de 1915)

Revolta de Tomar (13 de Dezembro de 1916)

Sidónio Pais (5 de Dezembro de 1917)

Junta Militar do Norte (18 de Dezembro de 1918)

Primeiro levantamento de Monsanto (23 de Dezembro de 1918)

Revolta de Santarém (10 de Janeiro de 1918)

Monarquia do Norte (19 de Janeirode 1919)

Restauração da Republicano Porto(13 de Fevereiro de 1919)

Golpe daGNR(21 deMaiode 1921)

19 de Outubro (1921)

18 de Abril (1925)

Revolta de Almada (2 de Fevereiro de 1926)

Subtotal

28 de Maio- JSP (1926)

28 de Maio — Gomes da Costa

Demissão de Cabeçadas (17 de Junho de 1926)

Demissão de Gomes da Costa (9 de Julho de 1926)

João de Almeida (Setembro de 1926)

3-7 de Fevereiro (1927)

Revolta da Madeira (Abril de 1931)

Revolta da Mealhada (10 de Outubro de 1946)

«Abrilada» (1961)

25 de Abril (1974)

Subtotal

Total

Palavras

309-315-109_400-235—430—623

231-141

128-148—115

3184—548

189

196—88

_482_878-172

883_919_365-

4720-

7904-

Notações

80(25%)

65(21%)

29(27%)

85(21%)

43(18%)

72(17%)

155(25%)

62(27%)

21(15%)

41(32%)

45(30%)

37(32%)

735(23%)

119(22o/o)

59(31%)

55(28%)

32(36%)

86(18%)

173(20%)

31(18%)

144(16%)

90(9%)

67(18%)

856(18%)

1591(20%)

Ética

28(35%)

26(40%)

3(10%)

29(34%)

10(23%)

22(31%)

51(33%)

24(39%)

6(29%)

12(29%)

23(51%)

18(49%)252

(34%)51

(43%)18

(31%)22

(40%)16

(50%)40

(47%)80

(46%)12

(39%)40

(28%)28

(31%)17

(25%)

324(38%)

576(36%)

Estatal

4(5%)

12(18%)

14(48%)

25(28%)

6(14%)

19(26%)

48(31%)

3(5%)

5(24%)

7(17%)

6(13%)

4(11%)

153(21%)

27(23«/o)

14(24%)

3(5%)

3(9%)

16(19%)

12(7%)

3(10%)

48(33%)

23(26%)

12(18%)

161(19%)

314(20%)

Cívica

24(30%)

5(8%)

9(31«/o)

3(3%)

5(12%)

14(19%)

21(14o/o)

24(39%)

9(44o/o)

7(17%)

4(9%)

9(24%)

134(18%)

10(8%)

6(10%)

7(13%)

6(19%)

2(2o/o)

39(23%)

6(19%)

18(13%)

13(14%)

16(24o/o)

123(14%)

257(16%)

Nacional

21(26%)

11(17%)

2(7o/o)

16(18%)

2(5%)

13(18%)

21(14%)

7(lio/o)

0(0%)

9(22o/o)

7(16%)

5(Uo/o)

114(16%)

12(10%)

15(25%)

14(25%)

3(9%)

13(15%)

13(8%)

2(6%)

18(13%)

11(12%)

17(25%)

118(14%)

232(15%)

Militar

3(4%)

2(3%)

0(0%)

12(14%)

20(47o/o)

3(4%)

12(8%)

4(7o/o)

1(5%)

5(12%)

3(7%)

0(0%)

65(9%)

4(3o/o)

5(8%)

8(16%)

4(12o/o)

13(15%)

27(16%)

8(26%)

15(10%)

13(14%)

5(7%)

103(12%)

168(lio/o)

Económica

0(0%)

4(6%)

1(3%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

2(1%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

2(4%)

1(3%)

10(1%)

8(7%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

2(1%)

0(0%)

5(3%)

2(2%)

0(0%)

17(2%)

27(2%)

Técnica

0(0%)

5(8%)

0(0%)

0(0%)

0'0%)

1(P/o)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

1(2%)

0(0%)

0(0%)

7(P/0)

7(6%)

1(2%)

0(0%)

0(0%)

2(2%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

0(0%)

10(1%)

17(1%)

Exclusi-vamentemilitar

_

-*

-*_*

-

*—-_*_

——*_

*_

-___

——*_

*_

*—*

—*

_*

—*_

*-*—*

-

_

-

_

-

CV

1,00-

0,82-

1,19_

0,90—

1,07—

0,80—

0,85

1,11-

0,38

0,67-

1,11—

1,13

0,76—

0,91

0,79

0,95—

1,11—

1,04—

1,05—

0,93

0,79-

0,73—

0,75-

0,80-

0,78-

CV: coeficiente de variação obtido pela divisão do desvio-padrão pel;o de notações,média. A ausência de variação corresponde ao CV = O.

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A seriação média das outras categorias é: estatal, cívica, nacional, militar,económica e, finalmente, técnica.

Averiguemos primeiro o comportamento das várias categorias. O quadron.° 3 mostra que a variação no interior de cada categoria é reduzida, mas não sehierarquiza segundo a ordem das frequências:

Frequência e homogeneidade das categorias de conteúdo(percentagem)

[QUADRO N.° 3]

Categorias

NacionalÉticaCívica .MilitarEstatalEconómicaTécnica

Até ao28 de Maio

49,143,852,138,748,737,041,2

Do 28 de Maioao 25 de Abril

50,956,347,961,351,363,058,2

Desvio--padrão

2,73,13,54,14,27,7

10,6

cv

0,670,920,770,600,911,722,54

Nota- O desvio-padrão (3.a coluna) mede a variação das percentagens. O desvio--padrão do coeficiente de variação é o dos valores absolutos.

1172

A categoria nacional é a que tem uma frequência mais homogénea: a varia-ção com que aparece é a menor no conjunto dos manifestos. A categoria técnicaestá no pólo oposto, precedida pela económica. As restantes situações são inter-médias.

Verificamos que a maior dispersão em relação à média acompanha uma dis-tribuição temporalmente desequilibrada no caso destas duas últimas categorias.Simetricamente, as categorias nacional e cívica têm uma reduzida dispersão emrelação à média e uma frequência equilibrada nos dois períodos considerados.As restantes categorias têm um baixo desvio-padrão e um desequilíbrio entre osdois períodos (ética, militar) ou um desvio baixo e uma distribuição temporalmais equilibrada (estatal).

Quando comparamos a distribuição das frequências nos dois períodos, regis-tamos desvios-padrões baixos para as categorias de maior frequência. Se bemque a linguagem política tenha mudado, as atitudes que ela veicula continuam aser em larga medida idênticas.

As principais variações são o aumento do ético, do militar, do económico edo técnico a partir do 28 de Maio (inclusive). Os aumentos do nacional e doestatal são mínimos, mas a queda do cívico já é mais significativa.

Vejamos as várias séries de frequências. O mais forte elemento de continui-dade é a frequência da categoria ética. Um segundo elemento de continuidadederiva do predomínio de apenas quatro categorias nos lugares 2.° a 5.°: trata-sedas categorias estatal, cívica, nacional e militar. A categoria económica nuncasobe acima do 6.° lugar e a categoria técnica apenas ascende ao 5.° lugar narevolta de Tomar (Machado Santos). (Cf. diagrama «As séries de frequênciasdas categorias de conteúdo»).

Tendo em conta o elemento diferenciador fornecido pelo segundo membroda série, verificamos que as zonas de predomínio estatal e nacional englobam amaioria dos manifestos. A zona de predomínio militar compreende, além deMonsanto 1, apenas a revolta da Madeira. E a zona de predomínio cívico incluiquatro manifestos, o mais recente dos quais é de 1927 (3-7 de Fevereiro).

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As séries de frequências das categorias de conteúdo

Zona de predomínio estatal Zona de predomínio nacional

Zona depredomí-nio cívico

(cf. Sidónio Pais e revolta da Mealhada)

MILITAR

CIVÍCO

NACIONAL ESTATAL MILITAR

ESTATAL MILITAR CÍVICO

Demissão 14 de Maio Juntade Gomes República Militarda Costa no Porto do Norte3-7 de Fe- Revolta de 28 de Maiovereiro Almada JSP (3.° =

= 4.°)João deAlmeida

TÉCNICO

NACIONAL

CÍVICO MILITAR

IP ÉTICA

2P ESTATAL

3P CÍVICO

NACIONAL

ESTATAL

MILITAR

4. ° NA CIONAL MILITAR

NACIONAL 5P MILITAR CÍVICO

Revolta de Monarquia «Abrilada» Revolta deTomar do Norte 1961 Santarém

MILITAR CÍVICO

CÍVICO ESTATAL

MILITAR ESTATAL MILITAR

Golpe da 28 de Maio Demissão 25 deGNR Gomes da de Cabe- Abril18deAbril Costa çadas (l.°=2.°)

19 deOutubro

Zona depredomí-nio militar(cf. Mon-santo 1.°)

MILITAR

NACIONAL

Revolta daMadeira

Nota Área de indiferença

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Um terceiro elemento de continuidade é-nos assim fornecido pelas zonas depredomínio estatal e nacional, que se estendem, respectivamente, de 1916 a1961 e de 1921 a 1974.

Não há uma correlação directa entre as séries de frequência e a classificaçãopolítica das intervenções militares no eixo esquerda/direita: movimentos dediferente orientação neste eixo, como a demissão de Gomes da Costa e o 3-7 deFevereiro, partilham a mesma sedação.

Há uma correlação limitada entre a ordem 1.° ético/2.0 estatal/3.0 militar--nacional/5.° cívico e os movimentos militares conservadores. Mas a correlaçãoinversa não é verdadeira: nem todos estes movimentos partilham este tipo desérie.

A análise das séries de frequência levou-nos a tomar os manifestos como avariável independente. Continuaremos esta abordagem averiguando melhor adistribuição das frequências por categorias de manifestos: já vimos a dicotomiaaté ao 28 de Maio e a partir dele; veremos antes do 28 de Maio, em 28 de Maio eposteriores; exclusivamente militares e militares-civis (sendo estes últimostodos anteriores a 1926).

Os seis manifestos do 28 de Maio — 18 de Abril, 28 de Maio—Junta deSalvação Pública, 28 de Maio—Gomes da Costa; demissão de Cabeçadas;demissão de Gomes da Costa; João de Almeida— introduzem algumas rupturassignificativas: os valores éticos sobem às alturas e os cívicos descem aos Infer-nos; a categoria nacional desce, enquanto a segurança estatal e os interessesmilitares seccionais aumentam. Mais significativo, a atitude técnica, introdu-zida por Machado Santos, e a económica aumentam substancialmente, emborapartam de níveis muito baixos (cf. quadro n.° 3).

A herança do 28 de Maio foi aceite a benefício de inventário: o económicoe o técnico não fizeram escola, mas as atitudes ética, estatal e militar conti-nuaram, depois do 28 de Maio, sensivelmente acima dos valores anteriores a1925. Depois desta data, a atitude cívica manteve-se na média anterior ao 28 deMaio, mas abaixo dos valores registados nos manifestos militares-civis.

O padrão posterior ao 28 de Maio está a meio caminho entre o padrão do 28de Maio e o dos manifestos militares-civis da l.a República: o ético mantém-sesempre à frente, embora a distância variável do segundo termo; na segundaposição nos manifestos militares, o cívico é substituído pelo estatal, o que deno-tará um reforço da preocupação com a segurança; o terceiro termo, que era onacional em todos os grupos de manifestos até ao 28 de Maio, passa a ser ocívico.

Os aspectos de continuidade da amostra de manifestos são visíveis a partirdas séries de frequências e da variação das frequências ao longo do tempo.

A variação das frequências das várias categorias pode dever-se a transfor-mações sociopolíticas reveladas pelo decurso do tempo ou à diferente naturezados movimentos militares. Ambos estes factores estão presentes. Indício de queum deles seria mais explicativo estaria no facto de o coeficiente de variação sermenor.

Considerando as duas categorias de frequência mais homogénea (ética enacional) e começando por tomar dois grupos de manifestos de tipos diferentese do mesmo período — militares-civis e militares de 1915-25 —, verificamos queos coeficientes de variação das categorias ética e nacional são, respectivamente:1,13 e 1,32; e 1,28 e 1,37.

Quando procedemos a idêntica operação para todos os manifestos de doisperíodos diferentes — 1915-20 e 1945-74—, verificamos que a diferença entre oscoeficientes de variação do ético — 1,21 e 1,22— e do nacional — 1,25 e 1,18— émenor do que no caso de manifestos de tipo diferente, mas dum mesmo período.

Poderemos então propor a hipótese de que o tipo do manifesto é mais expli-cativo da variação das frequências das categorias de conteúdo que a variável

1174 tempo.

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Frequências por tipos de manifestos(â)

[QUADRO N.° 4]

Total

Ético

36%

Nacional

15%

Económico

2%

Estatal

20%

Militar

11%

Cívico

16%

Técnico

1 %

Antes do 28 de MaioDepois do 28 de Maio (inclusive)

34%38%

16%14%

1%2%

21%19%

9%12%

18%14%

1 %1 %

Militares-civisMilitares

37%36%

18%14%

0,4%2%

12%21%

4%12%

28%14%

10,4 %1,19%

Antes do 28 de Maio (militares)28deMaio(6)Depois do 28 de Maio (exclusive)

31%43%35%

14%16%12%

2%3%2%

27%17%19%

12%10%13%

13%9%

18%

1,37%2,53%

0%

(a) Percentagem sobre o total de notações de cada manifesto.(b) Inclui os manifestos do 18 de Abril de 1925, os dois do 28 de Maio de 1926 (Junta de Salvação Pública

e Gomes da Costa), o da demissão de Cabeçadas, o da demissão de Gomes da Costa e o de João de Almeida.

5. JUSTIFICAÇÃO DAS INTERVENÇÕES MILITARES

- Para apurarmos a justificação das intervenções militares, interrogaremos ostextos dos manifestos, em primeiro lugar, sobre o estatuto dos autores: como sesituam os autores das intervenções? O posicionismo dos autores leva-nos deimediato a outra questão: quem tem o direito de intervir militarmente para alte-rar a situação política? Resolvida esta questão, deveremos perguntar-nos seaquele direito pode ser exercido em qualquer situação ou se a situação anteriorao movimento é relevante do ponto de vista da justificação dele. Respondidasestas questões, perguntar-nos-emos qual a legitimidade invocada para a inter-venção, como se definem os autores perante a opinião pública e, finalmente, se oâmbito da intervenção é uma característica pertinente da justificação da inter-venção.

a) ESTATUTOS DOS AUTORES

O emissor dos manifestos pode ser individual ou colectivo. Num caso, comono outro, pode invocar a representação de forças apenas civis ou militares ecivis; de uma parte das Forças Armadas ou da totalidade delas.

Os únicos emissores individuais são Machado Santos, Sidónio Pais e Gomesda Costa. A personalização atinge o ponto máximo quando Gomes da Costajustifica a demissão de Cabeçadas: todo o manifesto está escrito na primeirapessoa do singular.

Há autores individuais que se definem como o conjunto das Forças Arma-das. Gomes da Costa afirma-se «à frente do Exército português» por ocasião do28 de Maio. Botelho Moniz reporta a Oliveira Salazar «o ponto de vista desteramo das Forças Armadas» (que é o Exército) e «o pensamento da ForçaAérea».

Os emissores colectivos podem também falar em nome do conjunto dasForças Armadas: «O Exército e a Marinha» da Monarquia do Norte «resolveram 1175

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intervir». E o manifesto é subscrito por oficiais, escalonados por ordem de anti-guidade.

O máximo de institucionalização militar no momento da autodefmição doemissor atinge-se quando o colectivo de militares não é nominativo nem indivi-dualizado e fala pela totalidade da instituição militar. É o caso do 25 de Abril,embora a referência ao conjunto das Forças Armadas seja implícita.

Os autores de proclamações que se reclamam de uma parte das ForçasArmadas, e apenas delas, são quase sempre assinados por um colectivo não indi-vidualizado (primeiro levantamento de Monsanto, revolta da Madeira) ou usamfórmulas mistas: um colectivo e assinaturas de certos oficiais. Assim, o mani-festo da Junta Militar do Norte é da responsabilidade de «as guarnições doNorte» e de oficiais signatários, por ordem hierárquica. O manifesto de 18 deAbril usa uma outra fórmula, também mista, pois é da responsabilidade de «umgrupo de oficiais da guarnição de Lisboa, sob o comando de prestigiosas figurasmilitares» não individualizadas.

Verifica-se que os manifestos apenas se reclamam de uma parte das ForçasArmadas quando a tanto são compelidos devido ao carácter geograficamentelimitado da intervenção.

É também interessante que a invocação da totalidade das Forças Armadasnunca seja inverosímil: só é feita quando os autores dispõem de forças apreciá-veis. Os quatro manifestos que a invocam ou triunfaram ou desfrutaram deapoios significativos. Por maioria de razão se adiantará que são verosímeis osmanifestos que se reclamam de uma porção das Forças Armadas. Esta dispo-sição poderá revelar um mecanismo de auto-regulação dos autores militares dasintervenções.

Em nenhum dos manifestos os autores se definem como militares e, simulta-neamente, como revolucionários. É revelador, a este respeito, o manifesto domajor Sidónio Pais: é assinado pelo «comandante das forças revolucionárias,Sidónio Pais» e não contém nenhuma referência expressa ao Exército ou àcondição militar do seu chefe.

Os manifestos que invocam forças militares e civis parafraseiam a síntese do14 de Maio—«o povo, o Exército e a Armada». A fórmula será repetida narestauração da República no Porto e recombinada no manifesto de 19 deOutubro — que fala em nome do «povo republicano» e é assinado por três coro-néis— e no 3-7 de Fevereiro. Estes dois últimos manifestos, relativos embora aintervenções exclusivamente militares, fazem aqui, como noutros pontos, atransição para os movimentos militares-civis.

Os manifestos de intervenções em que participaram militares e que sereclamam exclusivamente de forças civis são todos anteriores ao 28 de Maio.Este facto articula-se com a frequência crescente da categoria militar, que atrásreferimos.

O único destes manifestos que qualificámos de militar é o do golpe da GNR,que é «essencialmente republicano e sem carácter partidário». Os restantesidentificam-se com «todas as correntes da democracia portuguesa» (revolta deSantarém) e com «a revolução» indefinida (revolta de Almada).

b) O DIREITO DE INTERVIR

Os autores dos manifestos nunca abordam directamente a questão do direitosubjectivo à intervenção, isto é, da determinação do autor legítimo da inter-venção. O que ressalta dos textos é a consideração de que, mais do que umdireito, se trata de um dever. É este, aliás, um dos momentos em que a máxima

1176 frequência da categoria ética encontra o seu lugar.

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Na óptica dos autores dos manifestos, quem pode intervir deve intervir.O direito subjectivo é, para os autores, um poder-dever. Este dever impõ-se-lhessem mediação de qualquer espécie, imediata e pessoalmente. O conteúdo dodever, porém, varia: dever sobretudo universal e revolucionário no caso dosmanifestos militares-civis, adquire uma dimensão nacional nos manifestos mili-tares.

As fórmulas abundam, pois quase não há manifesto que não invoque o deverde intervir. Os homens do 14 de Maio «cumprem o mais patriótico dos deveres»quando se revoltam contra Pimenta de Castro. Os revoltados de Santarém têm«uma sagrada obrigação» de se opor à Junta Militar. Os restauradores da Repú-blica no Porto «tomaram sobre os seus ombros a libertação das vítimas da trai-ção e do despotismo». Os revoltosos de Almada aproximam-se aqui do 28 deMaio: «[...] há necessidade de salvar a Pátria.»

Quando passamos à análise dos movimentos exclusivamente militares,encontramos uma maior diversificação. Sidónio Pais afirma que a «Revolução»tem «autoridade moral». O dever moral está também, mas apenas implícito, nomanifesto da Junta Militar do Norte, ao limitar-se à consideração que «as guar-nições do Norte não podiam cruzar, impassíveis, os braços perante a crise»subsequente ao assassinato de Sidónio Pais.

O manifesto da Monarquia do Norte invoca a «necessidade urgente de salva-ção da Pátria». Os autores do golpe da GNR limitam-se a afirmar «ser o movi-mento essencialmente republicano e sem carácter partidário».

Mais explícitos são os revolucionários do 19 de Outubro, que agem porque«a situação dolorosa do País reclama do nosso patriotismo o dever [...] de imporum Governo de Salvação Pública».

Nos manifestos do 28 de Maio e com ele relacionáveis, o dever moral é claro,exposto por vezes em linguagem truculenta: «[...] basta de crimes impunes, delatrocínios, de roubos e de infâmias!», gritam os golpistas do 18 de Abril. Gomesda Costa é mais sereno quando, com Sidónio Pais, invoca a «autoridade moral»do Exército. Para João de Almeida, o Exército tem «o dever de conservar o [...]poder».

As primeiras revoltas republicanas contra a Ditadura são também o cumpri-mento do dever. Os autores do manifesto do 3-7 de Fevereiro «não podiampermanecer inactivos sem diminuição da sua honra». E «os oficiais da guarniçãomilitar da Madeira» revoltam-se «como protesto contra um procedimentoafrontoso para a sua dignidade de cidadãos e de soldados».

Finalmente, um dos considerandos da proclamação do MFA é precisamenteo «dever» das Forças Armadas de defenderem o País e a liberdade dos cidadãos.

Os únicos manifestos que não invocam um dever moral são o compromissoda Mealhada e a carta do general Botelho Moniz. Refira-se, como explicação daausência, a especificidade formal de ambos os textos e o facto de, como adianteveremos, ambos se considerarem herdeiros do 28 de Maio.

Um outro tipo de consideração justifica o direito de intervir: as caracterís-ticas pessoais da chefia militar do movimento.

A Junta Militar do Norte é «alheia por completo a intuitos políticos».O manifesto da revolta de Santarém individualiza os autores, que se declaram«isentos de responsabilidades nos erros do passado». «Os chefes do movi-mento» do 18 de Abril «têm um nome e um passado a responder pelas suasintenções».

A personalização vai mais longe com Gomes da Cosia, que, no 28 de Maio,empenha a sua «honra de soldado» e, para demitir Cabeçadas, ergue «de novoaquela espada que há quarenta anos [...] vem servindo» a Pátria. Igualmenteintensa é a personalização no compromisso de João de Almeida, o «prestigioso,enérgico e destemido herói dos Dembos, o pioneiro do Sul de Angola».

Após o 28 de Maio desapareceram as características pessoais dos autores domovimento. Contudo, a referência da proclamação do MFA à Junta de Salvação 1177

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Nacional é comparável à do 18 de Abril, visto que ambas referem uma chefianão individualizada.

A simples invocação de um dever individual como fundamento do direito deintervenção é incompatível com o funcionamento hierarquizado das ForçasArmadas, que, como instituição, não poderão aceitá-lo. A identificação dodireito dos militares à intervenção exigiria um inquérito sociológico mais vastodo que o permitido pelos manifestos. Nestes, contudo, ressuma a difícil compa-tibilização entre hierarquia e intervenção militar, nomeadamente quando osautores invocam um colectivismo militar («a guarnição de...»).

A questão foi abordada no Tribunal Militar que julgou os revoltosos da Sé.Alguns deles tinham, nas palavras do coronel presidente do Tribunal, invocado«não só o direito, mas até o dever de se rebelar contra os poderes constituídos,desde que o fizessem sinceramente convictos de, assim, melhor servir o queconsiderassem ser o superior interesse nacional» (Valença, Abrilada, p. 234).

O Tribunal recusou o argumento porque «conduz inevitavelmente à subver-são da disciplina e da jerarquia, à negação dos princípios basilares das institui-ções militares: ao caos» (id., ibid., p. 235). É interessante registar que a razão darecusa não é extensiva a um movimento militar dirigido pelos altos comandos.

c) A SITUAÇÃO ANTERIOR

Começaremos por ver os aspectos gerais da situação anterior à intervençãomilitar. Analisaremos de seguida quatro pontos específicos desta situação: aposição das Forças Armadas, os partidos políticos e os aspectos económico einternacional.

Todos os manifestos caracterizam a situação política anterior à intervenção.Se pudermos discernir um padrão comum a essa caracterização, teremos encon-trado o indício de um constrangimento que a cultura política impõe aos autoresdos manifestos.

A situação é sempre caracterizada como anómala, ou de crise, se bem queesta palavra apenas seja utilizada pela Junta Militar do Norte e pela Monarquiado Norte.

Houve sempre uma normalidade que foi rompida. A natureza da normali-dade e o tipo de ruptura que sofreu têm caracterizações distintas nos manifestosmilitares e nos militares-civis. Os manifestos militares pressupõem uma crisenacional que envolve o regime e põe em causa os valores de ordem e segurança.Os manifestos militares-civis pressupõem uma crise de governo que viola osvalores democráticos e republicanos. Ambos os tipos de manifestos caracte-rizam moralmente a ruptura da normalidade. Mas os manifestos militares acen-tuam os aspectos da moral privada (a corrupção) da vida pública, ao passo que osmilitares-civis põem a tónica na moral pública.

Esta tipologia refere-se a tipos puros. Veremos já que há numerosas situa-ções de transição entre eles. Comecemos por analisar os manifestos militares--civis.

O 14 de Maio verbera «o período vergonhoso de ditadura» de Pimenta deCastro, que estava «comprometendo a República e enlameando a honra nacio-nal». Os revoltosos de Santarém afirmam que «a República está em perigo». Osrestauradores da República no Porto puseram cobro, com algum pleonasmo, a«um período de flagelo para os mártires da liberdade».

Os manifestos militares são mais explícitos na afirmação da crise, que éidentificada com a desordem, o desgoverno, a indisciplina e outras situaçõessubsumíveis no conceito de segurança. Os valores nacionais definem sempre acrise. Os interesses específicos da instituição militar são sempre referidos.A política, e, até ao 28 de Maio, os partidos políticos são um elemento caracteri-

1178 zador do statu quo ante e contrapõem-se à acção dos militares.

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Anote-se que esta caracterização não resume o problema, mais complexo emal estudado, das relações entre o Exército e a República, que deverá ser equa-cionado com outros documentos e um quadro conceptual mais denso.

O manifesto da revolta de Tomar menciona a «hora de incerteza e de angús-tia». Um ano depois, Sidónio Pais sublinha a «desordem do Poder», a «tirania» eestreia em manifesto a palavra que virá a ser o santo e a senha para designar oPartido Republicano e, mais latamente, o regime de partidos: demagogia.

A Junta Militar do Norte descreve a «crise que neste momento assoberba oPaís», dominado pela «fúria revolucionária». O manifesto da Monarquia doNorte descobre «a temerosa crise nacional» e considera que se teria atingido«a máxima instabilidade política».

Os autores do 18 de Abril traçam um negro panorama de «lutas civis quedilaceram a Nação» e lamentam que haja «crimes impunes, roubos, infâmias».Será esta uma das linguagens do 28 de Maio. Para Gomes da Costa, a «Naçãoestá em ruína», «a Pátria enferma», tendo perdido «disciplina e honradez».O ultimato a Cabeçadas virá a ser justificado pela «ameaça de guerra civil».

O comunicado do Governo após a demissão de Gomes da Costa salientará,como Machado Santos em 1916, a «indecisão e incerteza» do momento, acres-centando que «o prestígio do poder» se estava comprometendo. A este, porém,não se referira o herói da Rotunda.

O general Botelho Moniz é o único que articula explicitamente a gravidadeda situação anterior com as Forças Armadas: estas correm o risco de «aniquila-mento», já que têm «uma missão de suicídio» para a qual «a política» não «[...]encontra solução nem parece capaz de a procurar».

O programa do MFA de 1974 tem um ponto essencial idêntico à carta dogeneral Botelho Moniz: a afirmação simultânea da incapacidade do Governoperante a situação de crise e a preocupação com as liberdades «cívicas» ou«essenciais». O manifesto do 25 de Abril só implicitamente afirma a crise, masfá-lo com força ao propor um «programa de salvação nacional». E caracterizoumoralmente a situação ao propor um «saneamento» e censurar o «abuso dopoder».

A situação anterior é, em certos manifestos, substituída pela previsão dofuturo. Já o vimos aquando da demissão de Cabeçadas. O manifesto da Mea-lhada considera que «se avizinha um período tenebroso de incomportável cala-midade pública». E Botelho Moniz, referindo-se apenas às Forças Armadas,julga que «caminhamos para uma situação insustentável».

Alguns manifestos partilham as características dos dois tipos puros quetemos vindo a descrever: O carácter bifronte do manifesto do 3-7 de Fevereiro éclaro quando caracteriza a situação anterior como «um regime de ficção e dementira». A referência ao regime exclui o carácter nacional da crise, próprio dosmanifestos militares. A menção da «mentira» — a que poderíamos acrescentar a«concussão», o «suborno»— liga-o aos manifestos militares. Identicamente, ogolpe (militar) da GNR define a situação como de «crise», mas reduz-lhe oalcance quando a classifica de «ministerial». O compromisso da Mealhadacaracteriza a crise anterior como sendo do regime e da Nação.

Simetricamente, a revolta militar-civil de Almada caracteriza a situação emtermos próximos do manifesto do 18 de Abril, verberando «uma quadrilha demalfeitores [que] tomam posse dos cofres do Tesouro». Mas aqui falta qualquerdos elementos definidores dos manifestos militares-civis.

As liberdades públicas nunca são mencionadas nos manifestos militaresanteriores ao 28 de Maio e são referidas em todos os posteriores.

I. Posição das Forças Armadas

«O Exército tem de pensar ainda», afirma o compromisso de João deAlmeida, «nas tristes consequências que lhe podem advir se deixar escapar das 1179

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mãos [...] as rédeas do poder.» Esta preocupação com os interesses específicos dainstituição militar é comum, ainda que menos explícita, à generalidade dosmanifestos militares-civis.

Os manifestos militares ligam a dificuldade da situação das Forças Armadasà actuação do Governo. Mas fazem-no de dois modos diferentes, consoante osautores julgam que o poder político depende ou não do Exército. No primeirocaso consideram que a instituição militar é sacrificada aos interesses dos polí-ticos. No segundo sublinham a dimensão do comprometimento moral do Exér-cito devido à actuação de um governo que responde perante ele. O 28 de Maio éa linha de separação entre estes dois tipos de caracterização.

A «força militar», segundo a proclamação da Junta de Salvação Pública do28 de Maio, está «quase desprovida de recursos e de meios de defesa» e é «cons-tantemente sacrificada às conveniências e arbitrariedades dos políticos». Estaformulação sintética, articulando os aspectos bélicos, económicos e morais doExército e da Armada, é o resultado de um percurso que começa cedo nal.a República e se acentuou com o envolvimento do exército português naprimeira guerra mundial.

É possível traçar alguns momentos da afirmação dos interesses seccionaisdos militares portugueses. Sem pretendermos fazer história, devemos referirque, em 17 de Novembro de 1914, oficiais do Exército se concentram no Teatroda Rua dos Condes, exigindo a supressão de uma cena de revista que consi-deram atentatória da sua dignidade. O movimento das espadas tem tambémuma componente de solidariedade seccional: os oficiais envolvidos recusamcertas transferências que consideram políticas (21 de Janeiro de 1915).

Regressando ao corpus, Machado Santos, ao propor «um melhor aproveita-mento das forças de terra e mar», parece ecoar queixas sectoriais.

Se nem Sidónio Pais nem a Junta Militar do Norte explicitam este tipo depreocupações, já o primeiro levantamento de Monsanto é desencadeado porrazões especificamente militares:«[...] um membro do Governo [...] preparasse]para atacar a guarnição de Lisboa.»

O manifesto do 18 de Abril propõe «o restabelecimento da ordem e da disci-plina». E este último termo denota também uma preocupação estritamentemilitar.

Depois do 28 de Maio desaparece este tipo de atitude. Quando a situação dasForças Armadas é incluída na caracterização da situação, passa a afirmar-se queo Governo compromete a instituição militar. O general Botelho Moniz desen-volve esta linha de argumentação com particular dramatismo: a incompetênciado Governo faz perigar «a sobrevivência das Forças Armadas».

O compromisso de João de Almeida fora o primeiro a explorar este tipo decaracterização. O manifesto do 3-7 de Fevereiro é mais explícito: o regime mili-tar «está desprestigiando e desonrando o Exército». Menos clara é a procla-mação da revolta da Madeira, que não explicita quem exige «a defesa da honrado Exército».

O compromisso da revolta da Mealhada, depois de afirmar que OliveiraSalazar só governa devido ao apoio militar, sustenta que «o próprio Governopretende impor-lhe uma solidariedade que o Exército não aceita e mesmorepudia».

A proclamação do 25 de Abril não toma posição expressa a este respeito.Mas outras mensagens do MFA da época insistiram no desprestígio que oGoverno infligira às Forças Armadas. E este desprestígio foi apresentado comodecisivo na primeira fase do Movimento dos Capitães.

II. Partidos políticos

O comportamento dos partidos políticos é um aspecto significativo da carac-1180 terização da situação anterior à intervenção nos manifestos publicados até à

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revolta da Madeira. Desde esta data merecem apenas duas referências. Uma,equívoca do compromisso da Mealhada, reporta-se ao passado e sublinha que«os próprios partidos» louvaram o 28 de Maio. A outra, do 25 de Abril, refere-seà constituição futura e, então, desejável dos partidos políticos.

Os partidos políticos representam interesses particulares, opõem-se ao inte-resse nacional e podem vir a pôr em causa a estabilidade das Forças Armadas.Esta visão surge com mais nitidez nos manifestos militares, mas, com umaexcepção, não é rejeitada pelos manifestos militares-civis.

O campo semântico dos partidos políticos é vasto e quase sempre deprecia-tivo. Regista-se uma diferença entre os manifestos militares de 1917-19, quecensuram a «demagogia», e os de 1925-26, que atacam o «crime» dos partidos edos políticos.

Sidónio Pais combatera a «demagogia». O manifesto da Monarquia do Nortecondena «a luta das facções». A Junta Militar do Norte opõe-se à «seita demagó-gica». O manifesto do primeiro levantamento de Monsanto denuncia «os sicá-rios de Afonso Costa».

A partir deste manifesto acentua-se a criminalização dos partidos e dos polí-ticos. O 18 de Abril usa uma linguagem particularmente violenta, condenandoos «bandidos e gatunos». Embora militar-civil, o manifesto da revolta deAlmada prossegue esta linha, atacando as «quadrilhas de malfeitores». Gomesda Costa é contra a «ditadura dos políticos irresponsáveis» e as «quadrilhas polí-ticas». João de Almeida considera que os políticos são «aventureiros» perigosos.

A identificação dos partidos com interesses privados é mais nítida nos mani-festos do 19 de Outubro, que equaciona «interesses pessoais e de partido», e daMonarquia do Norte, segundo o qual as «facções» são «movidas unicamentepela ambição do poder».

Esta imagem dos partidos políticos influenciou os autores de manifestos quelhes estavam mais ligados. O 14 de Maio é o único que defende os partidoscontra o general primeiro-ministro: de facto, censura Pimenta de Castro por nãoceder às pressões dos «partidos», que, tendo-o apoiado, tinham começado aopor-se-lhe devido à protecção concedida aos monárquicos. A defesa dos parti-dos é clara, mas indirecta. E mesmo eles afirmam: «[...] não arvoramos abandeira de nenhum partido.»

Os revoltosos de Santarém distanciam-se dos partidos ao afirmarem quepertencem a «todas as correntes da democracia portuguesa» e que «não vêm aocampo da luta em prol de quaisquer conveniências ou interesses partidários».Os defensores da República consideram, assim, que os «interesses partidários»são uma motivação menos legítima e só invocam os partidos a que pertencem namedida em que pertencem a todos os partidos e estes concordam uns com osoutros.

O manifesto do 3-7 de Fevereiro explicita que «não combatemos todaviapelo regresso ao statu quo», statu quo no qual os partidos políticos tinham umpapel destacado. Os autores do manifesto da revolta da Madeira afirmam-se«superiores a qualquer espírito sectário».

Esta última formulação pode, porém, ser aproximada do autoposiciona-mento do Exército em relação aos partidos, tal como o definem os manifestosmilitares: distância e superioridade. O Exército imaginado pelo manifesto daMonarquia do Norte é «sobranceiro a questões de partidos». A mesma atituderessalta de outros manifestos militares.

Um outro mecanismo de distanciação entre o Exército e os partidos políticosé a variedade lexical com que estes são designados. Significativamente, nuncanenhum partido é referido pelo seu nome legal ou corrente. A própria palavrapartido é pouco usada.

A análise do tema dos partidos políticos nos manifestos militares leva-nos apropor outra hipótese. Os partidos políticos são a causa da situação de crise quejustifica a intervenção militar. Contrapõem-se assim à acção política das Forças 1181

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Armadas, que tem por objectivo resolver a crise. Partidos e Forças Armadasformam o par agente da crise/agente da solução da crise.

Se partirmos deste par, verificaremos que são várias as designações dosagentes da crise. É o que mostra o quadro seguinte:

Designações dos agentes da crise e da solução da crise (parcial)

[QUADRO N.° 5]

Manifestos

Sidónio PaisSidónio Pais(fl)Junta Militar do NorteMonarquia do Norte18 de AbrilGomes da CostaBotelho Moniz25 de Abril

Agentes da crise

Demagogia; tiraniaCasta políticaSeita demagógicaFacções; intrigas da políticaLutas civisPolíticos; partidosAcção política do GovernoSistema político vigente

Agentes da solução da crise

República; revoluçãoRepública; revoluçãoAs guarnições do NorteExércitoJunta de OficiaisExército português

—Movimento das Forças Armadas

(a) Manifesto não incluído no corpus.

A oposição fundamental entre a acção dos partidos políticos e a do Exércitoé afirmada com particular nitidez pelos manifestos da Junta Militar do Norte:«[...] como quer que os partidos políticos se insurgissem contra tão generososintentos, dificultando a organização de um governo militar [...], as guarniçõesnomearam dentre os seus membros uma Junta.» Nos outros manifestos, estaoposição é explicitada com menos vigor.

A equivalência estrutural entre partidos, políticos, quadrilhas e acção polí-tica do Governo não significa., evidentemente, que todos os manifestos consi-deram idênticas aquelas categorias, sejam quais forem as relações sociaisconsideradas, mas apenas que elas são pertinentes na perspectiva da dicotomiaagentes da crise/agentes de solução da crise. E que esta dicotomia está presentena generalidade dos manifestos.

Sublinhe-se ainda que a referida equivalência tão-pouco significa que osautores dos manifestos considerem de igual modo todas as categorias— o do 25de Abril, por exemplo, aprova os partidos políticos e, com o do 14 de Maio, é oúnico a tomar tal atitude.

1182

III. Aspecto económico

A maioria dos manifestos não referem a economia e o bem-estar quandocaracterizam a situação anterior à intervenção. A primeira referência surge nomanifesto da revolta de Tomar, que, também aqui, é precursor de certas corren-tes políticas autoritárias e modernizadoras do regime político.

O 18 de Abril, que inicia a série de manifestos do 28 de Maio, marca umaviragem: as anteriores referências à situação económica são mais esparsas etradicionais; posteriormente, as omissões são a excepção (revolta da Madeira).

As referências económicas podem ser perspectivadas de acordo com aseguinte grelha: administração e finanças públicas; abastecimento público;consumo e produção; objectivos futuros a atingir pela intervenção. As duasprimeiras categorias, que se centram na problemática da segurança e da ordem.pública, são tradicionais.

Quer o manifesto da Monarquia do Norte, quer o da revolta de Santarém,assumem-nas deste modo: os revoltosos de Santarém têm como fim «ordem nasruas, moralidade nos serviços do Estado, economia na administração dosdinheiros públicos».

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Estes manifestos ocupam-se do aspecto económico do político, mas ignoramos aspectos políticos da economia. A abordagem é diferente quando a situaçãoanterior é caracterizada em função da produção e do consumo em períodonormal, excluindo portanto as rupturas de abastecimento, que põem (e puse-ram) problemas de ordem pública. A radicalidade da diferença é mais fundaquando o desenvolvimento económico passa a ser um objectivo político.

Machado Santos, na revolta de Tomar, refere o tradicional aspecto econó-mico do político — «solucionar rapidamente o problema do pão»—, mas inovaao tratar dos aspectos políticos da economia, propondo uma «obra de fomentoda riqueza pública».

Os manifestos do 28 de Maio prolongam e enviezam esta ruptura. A misériasurge como um elemento caracterizador da situação económica e é desenvol-vida na direcção de uma aliança populista entre o Exército e os*deserdados. Estaorientação populista é particularmente clara no manifesto do 18 de Abril, aopedir que «nos apoiem todos os que têm fome [...] de pão», e no manifesto darevolta de Almada, que considera ser «necessário acudir à miséria que abundano País».

Gomes da Costa não se ocupa da economia. Mas o programa da Junta deSalvação Pública conserva, atenuada, a dimensão populista, mencionando a«situação económica aflitiva», e reata com Machado Santos ao propor o «desen-volvimento da rique79 racional», substituindo assim o «fomento» que já vinha,pelo menos, do Governo Provisório.

O 3-7 de Fevereiro oscila entre a lógica tradicional e a desenvolvimentista,verberando o «desequilíbrio financeiro», por um lado, e preocupando-se, poroutro, com o facto de «a riqueza nacional [estar] ameaçada».

O manifesto da revolta da Mealhada põe a economia ao lado da política nocentro da crise que justifica a intervenção militar: o Governo de Oliveira Salazar«lançou a população na maior miséria. Não lhe dá sequer uma esperança desolução para o novo caos, desta vez não só político, mas económico».

Para Botelho Moniz, «melhorar as condições sociais de trabalho» é umobjectivo que elevará Portugal «no conceito internacional».

A proclamação do MFA é omissa sobre matéria económica. O programa,pelo contrário, inclui medidas de política económica e social que deverão seradoptadas pelo Governo Provisório.

Os aspectos económicos da crise, isoladamente considerados, nunca justi-ficam a intervenção militar. Só no caso do compromisso da Mealhada são osaspectos centrais da crise anterior também económicos.

IV. Aspecto internacional

Os aspectos internacionais da situação anterior à intervenção são referidosem doze dos vinte e dois manifestos estudados. Mas, em vários manifestos,a situação internacional desempenha um papel menor no dispositivo justifi-cativo.

Os manifestos da revolta de Santarém e do 25 de Abril mencionam apenas orespeito dos compromissos internacionais.

Três manifestos centram-se na perda de prestígio internacional causada pelogoverno que combatem. No 14 de Maio sublinha-se que, após «o ataque trai-çoeiro da soldadesca alemã» em Naulila, «a ditadura» de Pimenta de Castroestava «enlameando a honra nacional».

A Monarquia do Norte contrapõe «a situação de el-rei D. Manuel junto àCorte e chancelaria inglesas» à «mesquinha [...] representação que o Governorepublicano obteve para Portugal na Conferência da Paz».

O compromisso da Mealhada apresenta Portugal como o «pretendente aquem foi recusado o lugar que pediu na assembleia dessas Nações», referindo-se 1183

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à ONU. Atendendo a que, embora com pouco realismo, aquele manifesto consi-derava que as Nações Unidas hão-de «governar os destinos do mundo», poderáhaver aqui uma referência discreta à perda de poder internacional do País.

Apenas dois manifestos têm em conta a influência da situação internacionalsobre a vida política portuguesa. O coronel João de Almeida pretende umamudança de governo «sem um movimento que se torne sensível no estfan-geiro». O «herói dos Dembos ter-se-á, porventura, limitado a aprender a lição dasegunda sublevação de Monsanto quando terá recuado devido a um telegramado Governo Britânico considerando inconvenientes pertubações políticas emPortugal durante as negociações de paz.

O general Botelho Moniz, que afirma a necessidade de «elevar Portugal noconceito internacional», analisa com mais profundidade a interacção entre apolítica portuguesa e a internacional. Começando por afirmar «a gravidade doactual momento político internacional», Botelho Moniz analisa-o primeira-mente como a variável independente:«[...] perdidas as esperanças de podermosser auxiliados pelos nossos mais antigos amigos», temos a «descrença queinvade todos» e «acções emocionais passageiras».

De seguida, o ministro toma a situação internacional como variável depen-dente para recomendar alterações de política interna: «Julgo que o reforço daunidade nacional [...] pode contribuir para a melhoria da situação interna-cional.» É este o único manifesto que invoca, numa óptica nacionalista, a situa-ção internacional como um dos factores determinantes da intervenção militar.O facto de se tratar de um texto apenas potencialmente público não será talvezestranho à originalidade da análise.

d) LEGITIMIDADE

Como «nenhuma dominação se contenta como fundar a sua perenidadesobre motivos estritamente materiais, ou estritamente afectivos, ou estrita-mente racionais em valor» (Weber, p. 220), também os manifestos das interven-ções militares invocam um fundamento que torna aceitável como legítimo o seudomínio para os dominados—um princípio de legitimidade.

Os manifestos militares-civis não desenvolvem um princípio próprio de legi-timidade diferenciável da legitimidade revolucionária ou da admissibilidade daacção violenta para impor directamente a aplicação da Lei Constitucional, que étida como tendo sido violada.

Centraremos a nossa análise nos manifestos militares que explicam outrostipos de legitimidade, a saber: a que deriva do facto de o Exército ser, em dadomomento, «a única força organizada»; a que afirma uma autoridade socialinerente às Forças Armadas; a que deriva de outra legitimidade anterior. Emalguns manifestos, estes tipos de legitimidade são articulados entre si.

A legitimidade que advém ao Exército de ser a única «força organizada» àqual o País pode apelar é afirmada pela primeira vez no manifesto da Monarquiado Norte. Pressupõe-se que o statu quo ante se caracteriza por uma desinstitu-cionalização total, ou que apenas os adversários dos princípios sociais funda-mentais estariam organizados.

Este tipo de legitimidade estava já implícito no manifesto da Junta Militardo Norte. Mas este fala em nome de «guarnições» que não poderiam cruzar osbraços «perante a crise que neste momento assoberba o País».

Gomes da Costa retoma o argumento e explicita-o: «[...] entre todos oscorpos da Nação em ruína é o Exército o único [...] para consusbtanciar em si aunidade de uma pátria que não quer morrer». É interessante registar que Gomesda Costa pensa a sociedade como um conjunto de «corpos», de organizações.Pensa-a partindo do «corpo» que é o Exército. E este é concebido nos termos de

1184 uma metáfora biológica.

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A representação do Exército como «única força organizada» aflora tambémno compromisso da Mealhada, mas num contexto diferente. É o Exército, e oExército só, que sustenta o Governo. O compromisso conclui afirmando que oExército deve garantir ao presidente da República a manutenção da ordem apósa substituição de Salazar. Embora este argumento revele o negativo segundo oqual só o Exército poderia derrubar Salazar, está presente a oposição desordem//única força organizada.

O general Botelho Moniz escreverá a Salazar que as Forças Armadas são«a última força que pode impedir que a Nação caia no caos e na irresponsabi-lidade».

Outro fundamento da legitimidade é a autoridade inerente às Forças Arma-das. A origem dele estará em Sidónio Pais, que, referindo-se à «revolução», ou,mais indirectamente, às «forças revolucionárias» maioritariamente militares,afirmara: «[...] tendo autoridade moral para conseguir estes elementos de paznacional, tem a força para os tornar efectivos.»

Sidónio Pais combinava esta legitimidade com a de origem republicana.Interessa-nos agora o par autoridade moral/força. Os dois membros do par nãose opõem, completam-se. E um deriva do outro. Mas a derivação operada porSidónio Pais é a inversa da verificada em 5 de Dezembro de 1917: o golpe tinha aforça, restava-lhe provar a autoridade moral. O valor simbólico afirma-se sobre oapagamento do material.

Gomes da Costa retoma o par autoridade moral/força: «[...] o Exército é oúnico [corpo] com autoridade moral e com força.» O homem do 28 de Maioafasta-se de Sidónio Pais em dois pontos. Por um lado, explicita a referência aoExército. Por outro, o nexo causal da moral para a força é substituído por umarelação de identidade.

O compromisso de João de Almeida afirmava que o Exército «mantém nassuas mãos» as «rédeas do poder [...] por autoridade própria».

O preâmbulo do programa do MFA terá idênticos pressupostos ao afirmarque o Movimento agiu «fazendo uso da força que lhe é conferida pela Naçãoatravés dos seus soldados». A «Nação» equivaleria à autoridade moral.

Já depois da entrada em vigor da Constituição de 1976, as declarações doentão comandante da l.a Brigada Mista Independente são comparáveis com asanteriores: «[...] em situação não democrática, são as Forças Armadas a reservados valores morais da Nação Portuguesa» (in Diário de Notícias de 12 de Abril de1980). Tratando-se embora de um documento diferente dos do corpus, nem porisso deixa de configurar as relações entre as Forças Armadas e o poder político,utilizando as mesmas categorias que os manifestos militares: uma situação ante-rior excepcional («situação não democrática»), direito de intervenção da forçaorganizada («reserva dos valores morais»).

O texto que acabámos de comentar explicita a relação especial entre o Exér-cito ou as Forças Armadas e a Nação. Esta relação especial está implícita emtodos os manifestos militares. Alguns formulam-na claramente. A Junta Militardo Norte conclui com um «Viva a Pátria!/Viva o Exército!» Substitui assim a fór-mula conclusiva até então habitual: «Viva a Pátria!/Viva a República!» No lugarda República, o Exército. Na demissão de Cabeçadas liga-se «a Nação e o Exér-cito». O compromisso de João de Almeida qualifica o Exército de «grande espe-rança da Nação». Gomes da Costa, que fala em nome do Exército e da Nação,diz que «a Nação quer um governo nacional militar». A Nação não só é o sujeitoaparente do discurso, como, pleonasticamente, qualifica o «Governo» em para-lelo com o outro qualificativo «militar».

Esta relação especial entre a «Nação» e as Forças Armadas é uma fonte daautoridade própria de que estas desfrutam.

Alguns manifestos reclamam-se de uma legitimidade anterior que oGoverno em funções desrespeitaria. Em certa medida, é o caso das intervençõesmilitares-civis. Contudo, os golpes de Sidónio Pais e do 28 de Maio originam 7755

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uma legitimidade que será invocada posteriormente por certas intervençõesmilitares.

É o caso dos oficiais do primeiro levantamento de Monsanto, que acusamum membro do Governo de acamaradar com «um dos maiores inimigos da obrade Sidónio Pais» e se identificam com «o profundo desejo nacional de fidelidadeà obra de Sidónio Pais».

A herança política do 28 de Maio virá a ser reclamada até 1961. O capitãoChaves justifica o levantamento que chefiou com o compromisso de honra dedefender Gomes da Costa (revolta de Chaves, Setembro de 1926; cf. Diário deNotícias de 4 de Outubro de 1926). Contudo, neste caso, o elemento de lealdadepessoal parece sobrepor-se à legitimidade política.

O compromisso de João de Almeida afirma que «o actual Governo não setem mantido dentro do programa que lhe foi apresentado após o movimento do28 de Maio».

Não pretendemos fazer história das relações entre as Forças Armadas e oGoverno de Oliveira Salazar ou o regime a que se refere a Constituição de 1933.Vários indícios, porém, revelam que o alto comando e, pelo menos, partedos oficiais do Exército consideraram que a legitimidade do regime vinha domovimento militar do 28 de Maio e que o Exército era o garante do espírito domovimento.

O facto de oficiais das Forças Armadas terem crido que o apoio militar eracondição sine qua non da subsistência do Governo de Oliveira Salazar terácontribuído para manter aquela convicção: o regime, desprovido de legitimi-dade originária que não fosse a do 28 de Maio, não soubera alcançar uma outralegitimidade, já que governaria com base nas armas, e não no consentimento.

O general Botelho Moniz, que foi o primeiro militar ministro do Interiordepois da entrada em vigor da Constituição de 1933, terá, quando desempe-nhava aquele cargo, «dito claramente ao presidente do Conselho que as eleiçõesde 1945 seriam perdidas pelo regime se decorressem sem batota» (Valença,p. 61).

A frase revela uma percepção da atitude tutelar do Exército em relação aoregime. Idêntica atitude ressalta de documentos de outro género. O compro-misso da Mealhada baseia-se na convicção de que o Exército é o apoio decisivopara a permanência de Salazar.

E, poucos dias depois da revolta da Mealhada, uma conferência de altoscomandos militares declara, e o Diário de Notícias publica na primeira páginacom destaque, que «é desejo do Exército que prossiga a obra [...] levada a cabopela situação governativa criada pela intervenção militar do 28 de Maio» (ediçãode 22 de Outubro de 1946).

A publicidade deste desejo é equívoca. Oliveira Salazar tê-lo-á entendido(ou querido entender) como o desmentido dos revoltosos da Mealhada, quetinham afirmado e procurado provar que o Exército não apoiava o Governo. Osaltos comandos terão entendido que assim interrompiam o prazo da prescriçãoaquisitiva da legitimidade própria do Governo. E um regime independente dosmilitares não precisaria nem consentiria em semelhante reafirmação deconfiança.

A tentativa de golpe de Janeiro de 1952, dirigida por homens do 28 de Maio,como Henrique Galvão ou o maj or Pessoa, ter-se-á colocado também no interiorda legitimidade militar e contra o Governo de Oliveira Salazar, a fazer fé nasdeclarações do advogado Luís de Almeida Braga (cf. Diário de Notícias de 16 deDezembro de 1952).

A carta do general Júlio Botelho Moniz, então ministro da Defesa Nacional,ao presidente do Conselho estabelece o alto comando militar em árbitro da«situação governativa», na qualidade de herdeiro do 28 de Maio: o critério paraaferir da recomposição ministerial é o «espírito do 28 de Maio», e não a eventual

1186 legitimidade própria das Forças Armadas, que nunca é referida.

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Homem do 28 de Maio, Botelho Moniz é o último a pretender extrair deleconsequências para a acção governamental e constitucional. Não conhecemosreferências idênticas depois de 1961. Mas a legitimidade do 28 de Maio derivavada do Exército e não se identificava com ela.

e) RELAÇÃO COM A OPINIÃO PÚBLICA

Os manifestos dão-nos indícios reveladores da atitude dos militares perantea opinião pública que consideramos aqui como a escala de preferências agre-gadas dos cidadãos. Os autores dos manifestos, do ponto de vista da atitudebásica em relação à opinião pública, podem logicamente tomar duas atitudes:1) estabelecer uma escala de preferências própria, d) oposta à da opinião, oub) diferente da da opinião; 2) identificar-se com a escala de preferências queatribuem ao público. O tipo de atitude 1), a) releva do máximo de auto-identifi-cação seccional das Forças Armadas e o tipo 2 do máximo de hetero-identifi-cação. 1), b) está numa situação intermédia.

Os autores dos manifestos, considerados agora na perspectiva da legitimi-dade, em nome da qual actuam, podem reclamar-se apenas de uma legitimidadeprópria, ou apenas de legitimidade alheia, ou cumular ambas. Em qualquerdestes casos, podem identificar-se ou não com a escala de preferências que atri-buem ao público. O quadro n.° 6 utiliza estes dois critérios, tomados nos seuspontos extremos, para ligar a co-relação entre eles com a orientação política dosmovimentos militares:

Tipos de legitimidade e atitudes perante a opinião pública

[QUADRO N.° 6]

Opinião

IdentificaçãoNão identificação

Legitimidade

Própria

PopulismoSeccional

Alheia

DemocráticoDitadura iluminada; movi-

mento monárquico

Todos os manifestos analisados se ocupam com a opinião pública. A atitude1), a) nunca é adoptada. Em regra, os autores dos manifestos declaram identi-ficar-se com a opinião (ou parte dela, no caso dos manifestos militares-civis).Quando invocam uma escala de preferências diferenciada, fazem-na coincidircom a do público.

Machado Santos, em Tomar, é o único a censurar a «apatia e indiferença» daopinião. Mas lamenta esta suposta ausência de uma escala de preferências dopúblico.

Os manifestos militares-civis seccionam a opinião pública, cujo apoio dizemter e que sempre pedem. Os manifestos militares tendem a identificar-se com atotalidade da opinião através da mediação nacional. Comecemos por aqueles.

No 14 de Maio quer-se «restituir a República aos republicanos» e pede-se«que todos confiem no seu rigor, na sua honra, no seu patriotismo». Na revoltade Santarém considera-se que «as revelações feitas na imprensa e no Parla-mento [sobre a Junta Militar] são mais que suficientes para esclarecer aopinião». Os restauradores da República no Porto pedem «ao povo do Porto [...]que confie absolutamente». Os revoltosos de Almada solicitam o «povo»— «vem ao nosso encontro»— e, simultaneamente, invocam-no em nome dadimensão nacional: «[...] confia nos destinos desta grande nacionalidade». 1187

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Os manifestos exclusivamente militares só começam a apresentar o Exércitocomo porta-voz dos valores nacionais a partir do 28 de Maio. Depois desta dataexceptuam-se os do 3-7 de Fevereiro, que confia na «alma republicana», e darevolta da Madeira, que vai «ao encontro das aspirações do povo e do Exército».

Antes do 28 de Maio, só na Monarquia do Norte o Exército surge a falar pelaNação. Sidónio Pais tinha pedido «confiança nas autoridades», reclamando-sede um valor de integração social não nacional. A referência nacional é implícitano manifesto da Junta Militar do Norte, que actua «confiando que todos eles[habitantes do Porto e do País] saberão coadjuvar eficazmente a sua acção».O golpe da GNR é o único que se afirma função da «vontade expressa pelaopinião pública».

A tecla nacional terá começado a ser tocada expressamente com o manifestodo 19 de Outubro:«[...] que o nosso partido, o de todos os portugueses honradose patriotas, seja o da Pátria.» Mas tenha-se em conta que o «patriotismo» tinhaum lugar de privilégio no vocabulário republicano.

A identificação expressa com a Nação desenvolve-se com o 28 de Maio. 018de Abril conclamara: «Portugueses, às armas por Portugal!» No 28 de Maio, pelaboca de Gomes da Costa, «a Nação quer [...] não quer a Nação [...]». Por ocasiãodo ultimato a Cabeçadas, a «Nação» e o «Exército» comungam do mesmoassombro perante «o indecoroso espectáculo». O comunicado do Governoapós a demissão de Gomes da Costa integra-se nas «aspirações nacionais».O compromisso de João de Almeida sustenta que o Exército deve governar«a contento da nação inteira».

A referência nacional perdura para cá do 28 de Maio. O compromisso daMealhada acusa o Governo de Oliveira Salazar de ter impedido que «a vontadenacional se fosse manifestando pelos meios próprios e naturais». O generalBotelho Moniz faz-se eco da opinião ao mencionar «a censura frequentementeapontada» ao Governo, mas não a liga aos valores nacionais. Os autores do 25 deAbril afirmam-se «certos de que a Nação está connosco».

A opinião pública é abordada de diversas formas nos manifestos: ora é direc-tamente referida como pública, ou como opinião, ou apenas indirectamentereferida pela via nacional, ora é explícita ora implícita. E os manifestos que comela se preocupam podem garantir-lhe ou não «os meios próprios e naturais» parase expressar. Mas os manifestos preocupam-se sempre com ela. Cortejam-na.Adulam-na mais que a censuram. Mesmo quando a dissolvem no fenómenonacional, nunca vão ao ponto de afirmar explicitamente a prevalência da suaescala de valores sobre a do público.

j) ÂMBITO DA INTERVENÇÃO

Os manifestos informam-nos também sobre o âmbito da intervenção militar.O âmbito da intervenção previsto informa-nos sobre as acções políticas justificá-veis. Consideraremos duas perspectivas: a do regime político e a da escolha depolíticas específicas (policies).

Os manifestos militares-civis, excepto o da revolta de Almada, resolvem-sena aplicação da Constituição de 1911. Portanto, analisaremos apenas os mani-festos militares. Muito deles não abordam o tema. Quando o fazem, não é clara aperspectiva adoptada, hesitando nomeadamente entre regime e governo.

Comecemos pela questão do regime. Distinguiremos dois problemas: qualserá o regime constitucional transitório? Qual o regime constitucional defini-tivo, ou, dito de outra forma, como se configura e por que processo se alcança anova normalidade constitucional?

Os manifestos nem sempre prevêem uma fase de transição constitucional.Vários manifestos da l.a República consideram que os efeitos constitucionais da

1188 intervenção se esgotam com a formação de um novo governo pelo presidente da

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República (golpes da GNR e do 19 de Outubro, além dos manifestos militares--civis).

A noção de transição constitucional surge no manifesto da Monarquia doNorte, no 28 de Maio (governo militar seguido da Constituição republicana) eno 25 de Abril («governo militar» na fase de transição, seguido de eleições cons-tituintes, únicas no corpus).

Vários manifestos são omissos quanto à fase transitória. Assim sucede nomanifesto da revolta da Madeira e no do 3-7 de Fevereiro, que, contudo, exclui«a intervenção do Exército na vida política». O general Botelho Moniz tambémnão toma posição, mas a lógica da sua atitude é a aplicação da Constituiçãoentão em vigor.

O compromisso da Mealhada toma a posição, única depois de 1926, dequerer a aplicação imediata da Constituição em vigor: pressupondo que o presi-dente da República «se sente coacto», competir-lhe-ia accionar os mecanismosconstitucionais.

A formação de um governo militar (integrando militares e da confiança polí-tica do Exército) surge como consequência da definição de uma fase de transi-ção, embora tal consequência não seja necessária (cf. Monarquia do Norte).A primeira previsão de um governo militar consta do compromisso das Juntasde Oficiais, elaborado ainda em vida de Sidónio Pais, em princípios de Novem-bro de 1918. A ideia de governo militar é explícita na proclamação da JuntaMilitar do Norte para o caso de o presidente da República não formar «o governoque o decoro da Nação exige». O primeiro levantamento de Monsanto adoptaexplicitamente esta mesma posição.

As outras proclamações militares até ao 28 de Maio são omissas, emboradeva deduzir-se da do 18 de Abril a exigência de um governo militar. Asrestantes proclamações do 28 de Maio afirmam expressamente, para usar aspalavras do comunicado do Governo após a demissão de Gomes da Costa, que oGoverno é «constituído por vontade do Exército e da Armada». Vimos acima aposição do 25 de Abril.

Os manifestos que referem uma fase transitória são geralmente omissos ouequívocos quanto às regras processuais que assegurarão a passagem desta fasepara a normalidade constitucional. A única excepção é o 25 de Abril.

Os manifestos revelam uma atitude perante o presidente da República que édiferente da adoptada para com os outros órgãos de soberania. O presidentepode não ser referido, e é a situação mais frequente. Mas, se lhe for feita refe-rência, ela é valorativa. Aliás, durante todo o período analisado há apenas quatrointervenções que também têm a demissão do presidente da República como umdos seus objectivos: o 14 de Maio, o golpe de Sidónio Pais, o 28 de Maio e o 25 deAbril. Todos os restantes movimentos respeitam a regra formulada pelos revol-tosos de Santarém: «[...] a pessoa do chefe de Estado é intangível.»

A qualificação do presidente da República como chefe de Estado é tantomais reveladora quanto os constituintes de 1911 tinham evitado aquela expres-são, que pertencia ao vocabulário da Carta. Que republicanos a usem, indica queconsideram o presidente de algum modo acima da luta política e partidária,representando um factor de integração social e política.

Vai no mesmo sentido a afirmação, constante de vários outros manifestos, deque pretendem aumentar os poderes presidenciais. Tinha sido o caso do Movi-mento das Espadas. É também a atitude dos autores dos manifestos do golpe daGNR, da Junta Militar do Norte, do primeiro levantamento de Monsanto e docompromisso da Mealhada.

Só a análise dos vários movimentos permitiria explicitar em que medida estereforço anunciado dos poderes presidenciais é manobra táctica para alcançarinconstitucionalmente o poder, beneficiando duma aparente continuidadelegal, ou é opção estratégica no sentido do reforço do executivo presi-dencial. 1189

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Mas parece certo que este último objectivo está presente em, pelo menos,alguns dos manifestos (Junta Militar do Norte, por exemplo).

A atitude dos autores dos manifestos em relação à definição de políticasresulta apenas de eles as definirem ou não, pois o tema nunca é abordadoex professo. A primeira referência a políticas específicas, apresentadas sisterna-tizadamente, encontra-se na revolta de Tomar. Este veio interrompe-se para serretomado apenas no 28 de Maio (manifesto da Junta de Salvação Pública).Também Botelho Moniz escreve como se lhe coubesse a definição de políticas.O programa do MFA revela que os seus autores se sentem habilitados a estabe-lecer políticas para a fase de transição.

A afirmação dos valores seccionais do Exército tem implícita a noção de queeles deverão ser respeitados pelo novo Governo. Contudo, nenhum manifestoelabora uma única política específica, nem mesmo em relação às Forças Arma-das. Conhecemos mal a prática constitucional portuguesa neste particular(como em tanto outros), mas é de crer que o facto de a civilíssima l.a Repúblicater cumprido a quase praxe de nomear um militar para os Ministérios da Guerrae da Marinha tenha assegurado ao Exército e à Armada uma certa influênciasobre as políticas que as afectavam.

Os restantes manifestos definem objectivos centrados na ordem pública e naresolução da crise que os justifica, mas não contêm um programa de políticas.

Os autores dos manifestos nunca exigem um governo exclusivamentecomposto de militares, nem o monopólio militar da formulação da futuranormalidade constitucional. Os manifestos são quase sempre omissos em rela-ção ao ponto crucial das regras de passagem da fase de transição para a denormalidade constitucional. A competência para definir políticas nunca é rejei-tada explicitamente e é por vezese reclamada.

6. INTERVENÇÃO MILITAR E CULTURA POLÍTICA

A justificação da intervenção das Forças Armadas na vida política portu-guesa, tal como resulta dos manifestos, pode sintetizar-se nos seguintes deztópicos:

1) As Forças Armadas escolhem o momento da intervenção sem depen-dência de qualquer consulta prévia. A intervenção é um dever;

2) A intervenção militar efectiva-se numa situação caracterizada por fac-tores externos à instituição militar;

3) A situação anterior à intervenção é sempre caracterizada como deruptura de uma normalidade: violação do paradigma democrático oucrise afectando os valores de ordem e segurança;

4) A crise económica não é um factor pertinente de caracterização da situa-ção anterior à intervenção;

5) Um ou vários oficiais isolados não são sujeitos legítimos da intervenção;exige-se uma vinculação orgânica entre os autores do manifesto e a insti-tuição militar;

6) A legitimidade invocada para intervir reconduz-se ao restabelecimentoda Constituição de 1911, ou, no caso dos movimentos militares, decorreda autoridade própria das Forças Armadas, único «corpo organizado» na«Nação» em crise;

7) O objectivo da intervenção é a solução da crise que a originou;8) As Forças Armadas têm em conta a opinião pública suposta ou identi-

ficam-se com ela, nomeadamente pela mediação nacional;9) Os militares podem participar na definição da normalidade constitu-

cional posterior à intervenção, mas não têm o monopólio dessa definição;1190 10) As Forças Armadas têm interesses próprios que são afirmados.

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Estes tópicos definem alguns aspectos essenciais da continuidade da justifi-cação dos movimentos militares. Os elementos de descontinuidade temporalmais significativos são a diminuição das referências da categoria cívica e oaumento das categorias ética e militar a partir do 28 de Maio. Mas estas varia-ções têm um alcance limitado.

Uma parte da descontinuidade resulta dos diferentes tipos de intervençãomilitar, e não do decurso do tempo. Uma variável fortemente explicativa é a queresulta da contraposição dos manifestos exclusivamente militares aos militares--civis.

Se considerarmos os pares violação do paradigma democrático/crise desegurança, legitimidade republicana/legitimidade militar e agentes da crise//agentes de solução da crise anterior ao movimento militar, verificamos que adistinção entre intervenções militares e militares-civis é significativa.

No caso do primeiro par existe uma equivalência estrutural entre os doismembros: os dois nunca estão presentes no mesmo manifesto e os manifestosmilitares referem-se sempre ao segundo (segurança). O exemplo do 3-7 de Feve-reiro é significativo: os autores deste manifesto, que poderiam ter invocado adesordem que continuou (ou se seguiu) ao 28 de Maio, abstêm-se de o fazer.E os militares do 28 de Maio, acusando embora a «tirania» dos políticos, nuncainvocam o paradigma democrático.

Os manifestos militares nunca se limitam a invocar a legitimidade republi-cana e, aliás, só raramente a invocam. Os militares-civis reclamam-se quasesempre dela.

O par agentes da crise anterior à intervenção/agentes de solução da criserevela que os manifestos militares-civis tomam geralmente uma atitude dedefesa envergonhada dos partidos e da política, ao passo que os manifestosexclusivamente militares definem claramente como agentes da crise os parti-dos, a política e o Governo e opõem-nos às Forças Armadas. Embora os mani-festos militares estabeleçam todos esta equivalência na perspectiva agentes dacrise/agentes da solução da crise, nem todos tomam a mesma posição a respeitode cada um dos elementos que integram o par (o manifesto do 25 de Abril referepositivamente os partidos políticos).

Os manifestos militares revelam ainda dois aspectos interessantes de conti-nuidade: o predomínio dos valores de integração social e o escasso papel demodernização socieconómica.

O predomínio dos valores de integração social resulta da mais elevadafrequência das categorias ética, estatal, nacional e militar quando comparadascom a reduzida frequência dos valores cívicos. Nas séries de frequência, a cate-goria cívica surge sempre abaixo do terceiro termo, excepto na «Abrilada» de1961 e no 25 de Abril de 1974.

O facto de as intervenções militares valorizarem a dimensão da integraçãosocial fornece-nos uma pista interessante para a compreensão das duas relaçõescom a imagem e funções do presidente da República. Podemos pôr a hipótese detambém este se identificar, na cultura política portuguesa, com a integraçãosocial. A ser assim, Forças Armadas e presidente seriam concorrentes, e nãocomplementares. Não é esta, naturalmente, a ocasião para explorar esta pista.

O reduzido papel modernizador dos movimentos militares ressalta da insig-nificante frequência das categorias económica e técnica que indiciam essamodernização. Deve sublinhar-se, porém, que os manifestos militares têmmaiores frequências nestas categorias do que os restantes manifestos.

Poderíamos resumir deste modo a participação das Forças Armadas na «fór-mula política» portuguesa, tal como resulta da autojustificação fornecida pelosmanifestos militares: a intervenção é justificada quando existe uma crise socialque põe em causa a ordem e a segurança e os autores podem vincular a institui-ção militar, que tem autoridade moral própria e é a única força organizada; mas

1191

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devem ter em conta a opinião pública e não se arrogarem o monopólio do esta-belecimento da normalidade constitucional posterior à intervenção.

Os militares que intervêm na política portuguesa querem ser populares,no sentido em que dizem reflectir a opinião pública e nunca se lhe opõem.A inversa será verdadeira: a cultura política portuguesa tomará por boa a justifi-cação das intervenções militares?

A resposta a esta pergunta extravasa o quadro da investigação efectuada.Não pretendemos por isso responder-lhe. Mas é possível avançar algumashipóteses.

Comecemos por verificar que as intervenções militares só foram condenadasquando não preenchiam os requisitos acima mencionados. Os movimentos do28 de Maio e do 25 de Abril apenas foram recusados, quando ocorreram, pelosgovernantes derrubados e pelos que estavam mais próximos deles. Rapida-mente se formou em torno deles um consenso social, com graus maiores oumenores de participação. As críticas posteriores contestaram as políticas segui-das pelos militares, mas não puseram em causa o bem fundado da intervenção.

Os militares portugueses não terão assim uma poliçy subculture do tipo dasque «ocorrem em sistemas sistemicamente mistos» (cf. Almond e Verba, p. 27),com uma cultura política radicalmente diferente da dos restantes cidadãos.Terão, possivelmente, umapolicy subculture no segundo sentido de «orientaçãopersistente para inputs e outputs de políticas» (id.), centradas na ordem e segu-rança, ou, noutra perspectiva, uma «cultura de papel» social (id., p. 30).

Sublinhe-se que, não tendo efectuado um estudo da difusão da fórmula justi-ficativa nas forças armadas portuguesas, só da continuidade dela podemosinferir alguma difusão.

Estas hipóteses, porém, necessitam de ulteriores investigações teóricas eempíricas antes de poderem ser aceites.

Sublinhemos, finalmente, que a fórmula justificativa da intervenção militaré bifronte: por um lado, autoriza os militares, em certas situações, a violarem aConstituição intervindo na política; por outro, põe certos «travões automáticos»a essa intervenção. Os mais importantes são a caracterização da situação ante-rior à intervenção, a organicidade dos autores como condição subjectiva, a fron-teira da opinião pública e a não definição de um regime militar duradouro.

FONTES E BIBLIOGRAFIA1. FONTES PRIMÁRIAS

d) Imprensa da época. Consultámos sempre o Diário de Notícias, de Lisboal; quando as inter-venções militares se desenrolaram fora de Lisboa, recorremos, em caso de necessidade, àimprensa do local da acção. Noutros casos, fomos ler a imprensa que tinha afinidades ideoló-gicas com os autores do movimento.

b) Arquivo Histórico Militar (que, com algumas excepções, apenas está organizado até 1933).c) Catálogo de estampas, postais e cartazes da Biblioreca Nacional de Lisboa.d) Comissão de Extinção da PIDE/DGS (que acedeu a investigar nos arquivos da primeira

daquelas organizações de acordo com uma lista por nós fornecida).e) Espólio da PIDE/DGS em depósito na Biblioteca Nacional (cujos serviços averiguaram, a

nosso pedido, da existência de manifestos de intervenções militares).

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1192 * Agradecemos a gentileza e a eficiência do Serviço de Informação e Documentação do Diário de Notícias.

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