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O Intestino, o Nosso Segundo Cérebro

Intestino - FINAL · ao refluxo gastroesofágico. Se essa musculatura não for suficien-temente robusta, ... fisiológico ou patológico da pessoa, a expulsão e, nomeadamente,

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DR.ª FRANCISCA JOLY GOMEZ

O Intestino,o Nosso Segundo Cérebro

Tradução de:Elisa Evangelista

Pergaminho

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Digestão, absorção:Como funciona o intestino?

DA BOCA AO ÂNUS: O PERCURSO DO BOLO ALIMENTAR

Necessitamos de ingerir alimentos e água para fornecer ener-gia a todas as funções complexas do nosso corpo. Mas para uti-lizarmos esse carburante, ou seja, essa energia, há que proceder à separação daquilo que comemos e bebemos de modo a obterem--se substâncias que o nosso organismo possa assimilar. É aqui que intervém a digestão: ela fraciona os alimentos em parcelas mais pequenas que serão dissolvidas nos líquidos do intestino e, segui-damente, absorvidas.

O intestino nutre todas as demais células do corpo. Assim, o seu funcionamento gera consequências não só nele próprio, como também em todos os outros órgãos.

A digestão

A digestão é um processo que permite ao organismo transfor-mar os alimentos ingeridos em nutrientes que possam ser assimi-lados. A digestão é, pois, uma função que opera a decomposição dos alimentos, obtendo, assim, substâncias simples que, após a absorção digestiva, serão utilizados não só em termos energéticos, como também em termos estruturais, incorporando a construção das células.

Assim, a digestão e a absorção resultam de diversas ações que se desenrolam ao longo do tubo digestivo, promovendo uma sucessão de transformações. Essas ações são de natureza:

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• mecânica (mastigação, motricidade digestiva);• química (interações enzimáticas, secreções digestivas que

visam o ajuste da acidez e da alcalinidade).

Cada parte do tubo digestivo tem uma função específica. No ser humano, o tubo digestivo é constituído pelas seguintes partes, enumeradas da mais elevada para a mais baixa:

• boca;• glândulas salivares;• esófago;• estômago;• derivação duodenal -pancréatica;• intestino delgado;• cólon, ou intestino grosso.

Segue -se uma descrição das principais funções que ocorrem nas diversas etapas do percurso do bolo alimentar.

língua

glândula salivar

glândula salivarfaringe

esófago

estômago

pâncreas

fígadovesícula biliar intestino delgado

apêndice intestino grossoreto

ânus

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A BOCA E A MASTIGAÇÃO

A boca é revestida por uma mucosa, e aloja os dentes e a língua. Os dentes são órgãos duros cuja função é triturar os alimentos ingeridos de modo a facilitar e a promover a sua assimilação. A língua é uma massa muscular anexa à cavidade bucal. A sua mobilidade permite a mastigação e a deglutição dos alimentos, bem como a articulação da fala. Na boca existem ainda três glân-dulas salivares:

• a parótida, diante do canal auditivo externo e do ângulo da mandíbula;

• a submandibular, sob a língua;• a sublingual, sob o assoalho da boca, diante da região sub-

mandibular.

A mastigação desempenha um papel essencial na digestão devido à ação mecânica dos dentes, que cortam e moem os ali-mentos. Por outro lado, a mastigação garante uma ação mais eficaz das enzimas presentes nos sucos digestivos, além de facili-tar a deglutição e realizar a mistura do bolo alimentar com a saliva.

MASTIGAÇÃO – UMA ETAPA ESSENCIAL DA ALIMENTAÇÃO

Devemos ensinar os nossos filhos a mastigar corretamente e a comer

devagar e sem engolir os alimentos enquanto estes não tiverem sido bem

mastigados. Existe um tempo ideal para a mastigação, ou uma maneira

ideal de mastigar? Não creio que existam recomendações concretas neste

domínio, tendo em conta as diferenças específicas entre os indivíduos.

Assim, cada pessoa deverá tomar consciência das suas necessidades ine-

rentes a essa etapa e aprender a mastigar em harmonia com o seu estado

dentário e com as texturas e a natureza dos alimentos ingeridos.

A saliva contém as enzimas que iniciam a digestão, nomeada-mente a dos amidos. Estes são constituintes dos açúcares, e a saliva

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decompõe -nos em cadeias mais curtas. Quando comemos um pedaço de pão, o amido nele contido começa a ser digerido por essas enzimas desde que a mastigação tenha sido a bastante. O sabor açucarado que sobrevém quando mastigamos lentamente o pão prende -se com este processo. Assim, quando a mastigação é defi-citária devido a dores ou à ausência de dentes, à presença de apa-relhos dentários incorretamente adaptados ou à ausência de dentes, a digestão pode ser diretamente afetada, gerando não apenas dores abdominais e uma sensação de digestão lenta ou difícil, como também comprometer a eficácia da assimilação dos nutrientes, nomeadamente as vitaminas e os minerais.

A secreção salivar é desencadeada por um reflexo. A estimu-lação bucolingual gera o fluxo da saliva. Assim se explica o facto de termos saliva na boca permanentemente. A produção de saliva pode atingir os 2 mililitros por minuto; assim, no decurso de uma refeição de 30 minutos, as glândulas salivares produzirão cerca de 60 mililitros de saliva para facilitar a mistura dos alimentos, a mastigação, e ainda para iniciar a digestão. Essa ação salivar inicia -se na boca, embora se prolongue após a passagem da boca e até ao interior do estômago.

A DEGLUTIÇÃO E A PASSAGEM PELO ESÓFAGO

O esófago é uma espécie de tubo de 25 a 30 centímetros de comprimento que percorre o pescoço e se prolonga até à cavidade abdominal, passando pelo tórax. É o esófago que faz a ligação entre a boca e o estômago. A sua parte inferior é dotada de um reforço muscular cuja função, entre outras, consiste na oposição ao refluxo gastroesofágico. Se essa musculatura não for suficien-temente robusta, os ácidos estomacais poderão subir pelo esófago.

A deglutição envolve uma passagem voluntária. Com efeito, os alimentos mastigados são empurrados para trás pela língua; seguidamente, ocorre uma etapa «reflexa», ou seja, não contro-lada pela vontade: a respiração é suspensa, a laringe fecha -se enquanto a zona mais elevada do esófago se abre, facilitando a passagem dos alimentos sem que se coloque o risco de seguirem

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pela via errada. As contrações do esófago, por seu turno, permi-tem o prosseguimento da deglutição e promovem a chegada do bolo alimentar ao estômago. Se os alimentos não forem suficien-temente mastigados, a descida do bolo alimentar pode ser dolo-rosa. O percurso do bolo alimentar é rápido, processando -se em escassos segundos.

AO NÍVEL DO ESTÔMAGO

O estômago é uma bolsa em forma de J, situando -se entre o esófago e o intestino. Tem um comprimento aproximado de 25 centímetros, medindo cerca de 10 a 12 centímetros de lar-gura, com uma profundidade de cerca de 8 a 9 centímetros, e apresentando uma capacidade da ordem de 1,5 litros. O estômago desempenha diversas funções, a saber:

• serve de reservatório aos alimentos ingeridos;• regula o caudal do bolo alimentar, permitindo uma passagem

adaptada dos alimentos para o intestino delgado;• mistura os alimentos ingeridos graças à ação do músculo

gástrico; esta, associada à diluição dos produtos segregados no estômago, produz um líquido digestivo conhecido como «quimo»;

• segrega o suco gástrico que contém, entre outras substâncias, ácido clorídrico, cujas principais ações consistem em «este-rilizar o bolo alimentar» – tendo em conta as suas proprie-dades antibacterianas –, participar na digestão dos glúcidos e das proteínas e transformar o ferro alimentar com vista a promover a sua absorção.

Quando os nutrientes atingem o estômago, entram em con-tacto com o suco gástrico – o líquido biológico produzido pelas glândulas gástricas, situadas na parede do estômago. O estômago segrega diariamente o máximo de 3 litros de suco gástrico. O pro-cesso de segregação é desencadeado por uma estimulação nervosa proveniente do cérebro (através do nervo parassimpático), sendo

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também influenciado pelos odores, pela visão, pelo apetite e pela mastigação, bem ainda como pelo sabor dos alimentos. Assim, basta uma pessoa passar por uma padaria, por exemplo, para se pôr a salivar, e também a segregar suco gástrico; é desta maneira que o nosso organismo se prepara para desempenhar as suas funções digestivas!

De que maneira o suco gástrico modifica a estrutura química do bolo alimentar?

Como vimos anteriormente, o suco gástrico contém ácido clo-rídrico e enzimas que intervêm na digestão das proteínas. A parede do estômago está protegida da acidez por uma mucosidade e pela secreção de bicarbonato, substância que forma um gel que reco-bre a referida parede. Uma vez no estômago, os alimentos mis-turam -se com o suco gástrico, são amassados e, em seguida, parcialmente digeridos.

Qual é a velocidade de evacuação dos alimentos?Consoante a constituição dos alimentos e o eventual estado

fisiológico ou patológico da pessoa, a expulsão e, nomeadamente, a velocidade de drenagem gástrica do bolo alimentar, é um parâ-metro variável. Assim sendo, a água bebida é rapidamente expulsa do estômago, enquanto os alimentos gordos podem permanecer nele durante várias horas antes de atingirem o duodeno, que é o segmento inicial do intestino delgado.

A evacuação do estômago é regulada de uma forma complexa. Os glúcidos são evacuados mais rapidamente do que as proteínas, e estas são evacuadas mais depressa do que os lípidos. Os últimos a passar são os alimentos gordos. Por outro lado, o volume de líquido ingerido também é importante: quanto mais líquidos são ingeridos, mais rápida é a evacuação.

A evacuação gástrica depende igualmente da temperatura do bolo alimentar. Assim sendo, os alimentos absorvidos na mesma refeição a temperaturas idênticas são evacuados mais rapidamente do que aqueles que são ingeridos a temperaturas extremas, quer

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sejam muito quentes ou, pelo contrário, muito frios. Este facto explica o motivo pelo qual uma refeição bastante substancial e com bastantes gorduras, constituída por alimentos muito quentes, nos parece menos digestiva, trazendo uma sensação de evacuação difícil, ao contrário de uma refeição servida a uma temperatura moderada, rica em glúcidos e acompanhada de uma quantidade de água reduzida. Entendo melhor agora por que razão os meus amigos saboianos me aconselham a beber pouca água quando nos estamos a deliciar com um belo fondue de queijo…

A velocidade de evacuação gástrica é, pois, bastante variável, e depende de numerosos fatores; consoante o tipo de alimentos ingeridos, ela pode demorar entre 3 e 7 horas!

DERIVAÇÃO DUODENAL -BILIOPANCRÉATICA

Trata -se de um ponto de convergência essencial ao processo de absorção. O estômago encaminha lentamente o seu conteúdo para o duodeno – o trecho inicial do intestino delgado. A bílis sintetizada pelo fígado e o suco segregado pelo pâncreas são pro-duzidos durante cada refeição ao longo de cerca de 3 horas, e intervêm ao nível da derivação duodenal -biliopancreática. Só então os lípidos podem ser digeridos e transformados, convertendo--se em partículas de pequena dimensão e aptas a transitarem nos vasos sanguíneos do intestino.

RESUMO

A digestão consiste na decomposição dos alimentos e permite a obten-

ção de elementos simples e aptos a serem absorvidos através do intes-

tino. Trata -se, pois, da etapa prévia e indispensável à absorção intestinal.

A absorção

Num indivíduo saudável, o essencial do trabalho de absorção é realizado na primeira porção do intestino: com efeito, a absor-ção processa -se essencialmente no intestino delgado, enquanto o

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fenómeno da digestão se inicia a partir do momento em que um alimento entre na boca e tome contacto com a saliva. Assim, a absorção define o conjunto de mecanismos que permitem a pene-tração dos nutrientes no organismo. Por conseguinte, os nutrien-tes devem atravessar a parede (neste caso, uma mucosa) do intestino – cuja superfície total perfaz 200 m2 – de modo a inte-grarem a corrente sanguínea e o sistema linfático, a fim de serem utilizados pelo organismo.

O INTESTINO DELGADO

Em média, o intestino delgado mede 6 metros, iniciando -se no duodeno e ramificando -se até ao cólon. Trata -se de um órgão motor: os nutrientes em processo de digestão e absorção são aí propelidos e esmagados, ações que facilitam o contacto entre o bolo alimentar e a parede do intestino.

O intestino delgado é a região mais propícia à absorção. Com efeito, é este o órgão que permite a absorção da água e dos ele-trólitos (os sais como o potássio e o sódio). Os eletrólitos são elementos que têm um importante papel no bom funcionamento do nosso organismo, assegurando, nomeadamente, a transforma-ção dos impulsos nervosos.

EM DIREÇÃO AO CORAÇÃO

PROVENIENTE DO CORAÇÃOveia

hepáticaartéria

hepática

fígado

apêndice

reto

intestino grosso

veia porta

intestino delgado

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Na porção inicial do intestino delgado – ou intestino delgado proximal, também denominado «jejuno» – ocorre a absorção das proteínas, dos lípidos e dos glúcidos. O cálcio, as vitaminas solú-veis nos lípidos (vitaminas lipossolúveis) e o ferro também são aí absorvidos. É na parte terminal do intestino delgado – o «íleo» – que são absorvidos sobretudo a vitamina B12 e os sais biliares.

A superfície do intestino delgado é bastante considerável devido à presença de uma elevada quantidade de ondulações na sua parede – as vilosidades. Estas são forradas por células que, por sua vez, são recobertas de microvilosidades, o que expande ainda mais a superfície de absorção, ou seja, a área de contacto entre os nutrientes presentes no intestino e a parede propriamente dita. Este formato organizativo permite que os vasos sanguíneos e linfáticos estejam próximos das células absorventes da mucosa, o que favorece a rápida captação dos nutrientes e o seu encami-nhamento para os diversos órgãos, em harmonia com as suas necessidades. Por conseguinte, todas as substâncias hidrossolúveis são direcionadas, através da corrente sanguínea, para o fígado, órgão que procede à metabolização; as substâncias não solúveis – os lípidos – seguem pela via linfática e integram a circulação geral sem transitarem pelo fígado. Esta conformação anatómica facilita a passagem dos nutrientes para o sangue e permite dar resposta às necessidades do organismo de modo que este assegure o bom funcionamento das células que o constituem.

orifício da glândulavilosidades

vasos sanguíneos

músculos da parede intestinal

glândula produtora de enzimas

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A capacidade quotidiana de absorção intestinal é muito impor-tante, considerando que a cada dia são absorvidos cerca de 6 litros de água e alimentos.

Num adulto com uma alimentação normal, os nutrientes são absorvidos com uma eficácia notável: menos de 5% das proteínas, lípidos e glúcidos absorvidos são expulsos nas fezes. Independen-temente do tipo de alimentação e de suplementação alimentar e em harmonia com a origem social ou a etnia de cada indivíduo, a absorção intestinal mantém a sua eficácia. Por conseguinte, o trato digestivo (ou seja, o conjunto de órgãos que constituem o aparelho digestivo) é capaz de adaptar os seus mecanismos de absorção em função da natureza e da quantidade dos nutrientes absorvidos.

Há uma distinção entre macronutrientes (glúcidos, lípidos e proteínas) e micronutrientes (vitaminas, oligoelementos e sais minerais). Mais adiante (na página 42) debruçar -nos -emos sobre a sua função e o modo como são absorvidos.

O tempo de trânsito dos líquidos no intestino delgado é de cerca de 4 horas, prolongando -se um pouco mais nos indivíduos idosos.

O que não é absorvido pelo intestino delgado transita para o cólon.

Este é dotado de uma capacidade de absorção de líquidos que é distinta da do intestino delgado. Como veremos mais adiante, é nele que se processa uma atividade metabólica de fermentação e putrefação. Os resíduos não absorvidos serão facilmente elimi-nados sob a forma de matérias fecais.

RESUMO

O intestino delgado permite a absorção de macronutrientes (glúcidos,

lípidos e proteínas) e micronutrientes (vitaminas, oligoelementos e sais

minerais).

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O CÓLON

O cólon – ou intestino grosso – mede entre 80 e 150 centíme-tros, e tem a seu cargo a finalização da digestão, modificando e concentrando os conteúdos provenientes do intestino delgado. Este órgão tem capacidade para absorver água e eletrólitos como o sódio, e «desidrata», por assim dizer, os conteúdos que o intestino delgado para ele encaminha, permitindo, desta forma, o espaça-mento das defecações. Com efeito, dos 1500 mililitros de resíduos que entram diariamente no intestino grosso, a quantidade média de fezes formadas e evacuadas é de cerca de 150 gramas. Este processo de desidratação inicia -se na primeira porção do cólon, onde as contrações são um fator importante. Seguidamente, o con-teúdo fecal encaminha -se para a zona terminal deste mesmo órgão.

Embora a parede do cólon, contrariamente aos demais órgãos do tubo digestivo, não possua enzimas aptas a participar na assi-milação dos resíduos não absorvidos pelo intestino delgado, a digestão continua a ser viável. Com efeito, as bactérias presentes no cólon (a microbiota) estão aptas a fermentar os nutrientes não absorvidos pelo intestino delgado. Os glúcidos não digeridos pelo intestino delgado – como é o caso dos amidos insuficientemente cozinhados ou das celuloses presentes nos vegetais – são, por conseguinte, fermentados pela microbiota. Estas reações dão ori-gem à formação de produtos de degradação, como gases (CO2, hidrogénios) e ácidos gordos voláteis (como o butirato), substân-cias suscetíveis de serem recuperadas sobre a forma de energia utilizável pelo organismo. Na parte terminal do cólon processa--se uma função de putrefação levada a cabo pela microbiota apta a digerir os resíduos proteicos. É, também, aí que as bactérias produzem elementos utilizáveis pelo próprio cólon, ou então suscetíveis de serem integrados na circulação geral. Certos pro-dutos alimentares (como as fibras) que não podem ser transfor-mados pelas bactérias do cólon transitam – não digeridas – para as fezes.

Queiramos ou não, os gases, ou flatulências, resultam da função fisiológica do cólon: cada um de nós desenvolve uma atividade

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de fermentação alcoólica e produz diariamente entre 0,5 a 1,5 litros de gases.

O trânsito do cólon é longo: em média dura cerca de 40 horas!

O BÊ-Á-BÁ DA ALIMENTAÇÃO: ÁGUA E NUTRIENTES

Nas páginas anteriores, seguimos o longo percurso dos alimentos, desde a boca ao ânus. As transformações são múltiplas. Seguidamente, veremos como o organismo absorve os principais constituintes da alimentação. Para começar, porém, é importante que nos questione-mos: o que são os «nutrientes»? E quais são as suas principais funções?

Os nutrientes são substâncias quimicamente simples que se encontram nos alimentos. Sendo omnívora, a alimentação do homem é de origem vegetal, animal e mineral. Alimentamo -nos não apenas para sobrevivermos, mas também para assegurarmos o crescimento e a reprodução.

Para simplificar, podemos distribuir os nutrientes por três grandes grupos:

1. A água;2. Os micronutrientes, que regulam o metabolismo: minerais,

vitaminas e oligoelementos;3. Os macronutrientes, ou nutrientes energéticos, que forne-

cem as calorias e, como tal, a energia, a saber: glúcidos, lípidos e proteínas.

1. A água

Todos sabemos até que ponto a água é essencial à vida. Somos constituídos por cerca de 60% de água, proveniente de três fontes:

• A água presente nos alimentos, cujo teor varia de alimento para alimento. Se um tomate, por exemplo, contém mais de 90% de água, o pão contém cerca de 35%.

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• A água gerada através de combustão no nosso organismo em resultado das diversas reações químicas (até 300 mililitros por dia), como é o caso da oxidação da glucose, que produz energia e moléculas de água.

• A água das bebidas que ingerimos, que varia bastante de indivíduo para indivíduo (em média, 1 litro por dia).

A ABSORÇÃO DA ÁGUA

As necessidades quotidianas variam em função da idade, do peso, da atividade e da temperatura de cada indivíduo. Assim sendo, para um homem adulto com 60 quilos de peso, as neces-sidades de ingestão de água apontam para cerca de 3 litros diários, provenientes não apenas da água ingerida, mas também da que se encontra nos alimentos sólidos, sem esquecer a produção endó-gena decorrente da digestão dos alimentos.

Estima -se que, em condições consideradas normais, o tubo digestivo transporte diariamente entre 8 e 10 litros de líquidos. Este valor engloba as secreções produzidas pelos vários órgãos do tubo digestivo, a saber: a saliva, as secreções gástricas e a água ingerida (que é a que bebemos e a que está contida nos alimen-tos ingeridos).

Seguidamente, acompanharemos o trajeto da água no tubo digestivo ao longo de 24 horas, trajeto esse que se desenvolve em sete etapas – boca, esófago e estômago, derivação biliopancreática, duodeno, intestino delgado, cólon e excreção final sob a forma de fezes.

Admitamos que um adulto beba 1,5 litros ao longo do dia. Adicionalmente, é necessário acrescentar as secreções salivares, que perfazem 0,7 a 1 litro por dia. Assim, chegam ao estômago diariamente entre 2 e 2,5 litros de água, aos quais se adicionam 1,5 a 3,5 litros de secreções gástricas. Após a emissão das secre-ções biliopancreáticas no aparelho digestivo, o volume passará a situar -se entre os 6 e os 10 litros diários no segmento inicial do intestino delgado. Seguidamente, processam -se os fenómenos de absorção, que se iniciam no duodeno com a recuperação de 1 a

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3 litros. A absorção da água continua a processar -se ao longo de todo o intestino delgado. Assim, cerca de 1,5 litros transitam para o cólon. Como vimos anteriormente, este órgão acaba por «desi-dratar» o conteúdo fecal, expulsando cerca de 100 mililitros de água nas fezes.

A absorção da água decorre essencialmente no intestino del-gado, agregada ou não a outros nutrientes, e termina no cólon.

2. Micronutrientes(sais minerais, oligoelementos e vitaminas)

Os minerais estão presentes no organismo em índices variáveis, e o seu aporte adequado é garantido por via de uma alimentação variada e equilibrada. Os minerais asseguram múltiplas funções vitais, e enquadram -se em três tipos distintos:

• Sais minerais (macroelementos), presentes em grande quan-tidade no organismo – o sódio, o potássio, o cálcio, o fósforo, o magnésio, o cloro, o enxofre e o ferro.

• Oligoelementos (vestigial), presentes no organismo em pro-porções infinitesimais – o zinco, o flúor, o cobre, o iodo, o manganésio, o cobalto, o selénio, o vanádio, o molibdénio e o crómio. Outros oligoelementos, como o alumínio, a prata, o arsénio, o lítio ou o bromo, são menos essenciais.

• As vitaminas, substâncias orgânicas destituídas de valor ener-gético intrínseco e não sintetizadas pelo organismo humano, ou então sintetizadas em teor insuficiente. Por conseguinte, devem ser fornecidas pelos alimentos.

Ao contrário dos prótidos, dos lípidos ou dos glúcidos, estes nutrientes não produzem energia. Embora sejam indispensáveis ao organismo, em caso de aporte excessivo tornam -se tóxicos e perigosos, daí a importância de vigiar a ingestão de suplementos alimentares.

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OS SAIS MINERAIS

Apesar de os aportes mínimos necessários ao organismo com vista a evitar determinadas carências serem conhecidos, é impor-tante sublinhar que as necessidades de sais minerais podem variar em função da idade, do sexo e dos hábitos de vida (alimentação, prática desportiva, tabagismo, etc.). Seguidamente, abordaremos o papel de alguns destes elementos essenciais, nomeadamente aqueles que apresentam índices de carência mais frequentes ou cujo défice gera consequências clínicas relevantes.

O ferroEste sal mineral intervém em numerosas funções vitais, nomea-

damente na síntese da hemoglobina, que leva o oxigénio aos vários tecidos do organismo. Todavia, o ferro pode tornar -se tóxico quando se deposita em quantidades excessivas nos tecidos.

Regra geral, numa alimentação diversificada, o aporte de ferro é amplamente suficiente. O ferro encontra -se, maioritariamente, nos legumes e nas carnes. Certos alimentos são especialmente ricos em ferro: o fígado, o chocolate, as leguminosas, a salsa e as ostras.

O aporte diário de ferro recomendado varia entre os 10 e os 20 miligramas, consoante a idade e o sexo de cada indivíduo. As necessidades a cobrir pela alimentação são mínimas, tendo em conta a produção de ferro resultante da destruição dos glóbulos vermelhos em fim de vida, que permite reforçar as reservas deste mineral. Assim, a necessidade de ingestão de ferro visa, essencial-mente, a compensação de eventuais perdas. Em situações nor-mais, estima -se que as necessidades diárias de ingestão de ferro oscilem entre 1 e 2 miligramas para os homens. Nas mulheres, a necessidade triplica devido às menstruações.

As necessidades de ferro são acrescidas nas seguintes três situa-ções relevantes:

• Em fases de crescimento (desde o nascimento à adoles-cência);

• Na gravidez e no período de aleitamento;

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• Em casos de perda de sangue (menstruações abundantes, por exemplo).

A absorção do ferro processa -se essencialmente no duodeno (a porção superior do intestino delgado). Contudo apenas 5 a 10% do ferro que atinge o intestino é absorvido.

Dica útil: a assimilação do ferro torna -se mais eficaz quando o alimento que o contém é ingerido conjuntamente com outro que seja rico em vitamina C (por exemplo, um citrino). Pelo contrário, a ingestão de chá ou de café no final da refeição pode limitar a absorção de ferro.

Os principais sintomas de carência de ferro são a fadiga, a anemia, a quebra das aptidões físicas e intelectuais, a palidez da pele, unhas e cabelos fragilizados, ou o cansaço devido a esforços…

O selénioDevido às suas propriedades antioxidantes, o papel do selénio

é particularmente conhecido no que diz respeito à resposta imu-nitária. Por conseguinte, em pacientes que padecem de infecções virais crónicas – como a hepatite B ou o VIH –, quando os índices de selénio no sangue são baixos, o impacto na doença é negativo. O selénio intervém também no funcionamento geral do orga-nismo, nomeadamente ao nível muscular, cardíaco e tiroidiano.

O aporte de selénio depende do teor deste mineral no solo em que um determinado alimento foi produzido ou cultivado. Este teor, por seu turno, varia em função das zonas geográficas. Em certas regiões da Ásia cujos solos são pobres em selénio, por exemplo, verificam -se carências que originam sinais clínicos amiúde graves, como perturbações neuromusculares ou cardíacas.

O aporte nutricional de selénio recomendado é de 70 micro-gramas (μg) diárias. O marisco, o rim e as nozes são alimentos ricos em selénio.

A tabela que se segue resume as principais funções, os aportes recomendados, as consequências da carência e ainda os métodos ana-líticos que permitem diagnosticar os défices destes quatro minerais.

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O Intestino, o Nosso Segundo Cérebro | 31

VITAMINAS

As vitaminas são substâncias orgânicas indispensáveis ao orga-nismo. Porém, o homem nem sempre as sintetiza, nem o faz em quantidade suficiente. Ao longo dos últimos séculos, as observa-ções médicas deram conta de certas substâncias químicas presen-tes nos alimentos cuja carência pode desencadear sintomas reversíveis quando se retoma uma alimentação diversificada.

As vitaminas são destituídas de valor energético intrínseco, embora sejam essenciais à vida. Quando há carência de vitami-nas devido a um aporte insuficiente ou a deficiências na absor-ção no intestino, os sintomas de carência surgem mais ou menos lentamente, consoante as reservas que o organismo tenha à sua disposição.

À semelhança do que foi referenciado para os outros nutrien-tes, no caso de uma população saudável os aportes nutricionais recomendados são estabelecidos com vista a cobrir 97,5% das necessidades. Havendo uma doença, as necessidades vitamínicas são pouco conhecidas. Por conseguinte, na presença de uma doença subjacente, faz sentido contar -se com um acréscimo das necessidades de vitaminas. O mesmo pressuposto se aplica perante determinadas condições fisiológicas, como o crescimento, a gra-videz ou o aleitamento. As doses diárias recomendadas variam, pois, em função da idade, do sexo, da existência de alguma doença, etc.