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INTITUIÇÕES E DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM DÁLOGO EM TORNO DE NOVOS DESAFIOS

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INSTITUIÇÕES E DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM DIÁLOGO EM TORNO DE NOVOS DESAFIOS

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CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

LUCIANO DO NASCIMENTO SILVA

Coordenador Acadêmico da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

MARIA CEZILENE ARAÚJO DE MORAIS

Coordenador Acadêmico - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

VALFREDO DE ANDRADE AGUIAR FILHO

Coordenador de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

NÁJILA MEDEIROS BEZERRA E YULGAN TENNO DE FARIAS

Coordenadores-Adjuntos de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPBCNPJ 12.955.187/0001-66

Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO

Adilson Rodrigues PiresAdolpho José Ribeiro

Adriana Maria Aureliano da SilvaAna Carolina Gondim de Albuquerque

OliveiraAndré Karam Trindade

Alana Ramos AraújoBruno Cézar Cadê

Carina Barbosa GouvêaCarlos Aranguéz Sanchéz

Cláudio Simão de Lucena NetoDaniel Ferreira de Lira

Elionora Nazaré CardosoEly Jorge Trindade

Ezilda Cláudia de MeloFelix Araújo Neto

Fernanda Isabela Oliveira FreitasGisele Padilha Cadé

Glauber Salomão LeiteGustavo Rabay Guerra

Herry Charriery da Costa Santos

Hipolito de Sousa LucenaIgnacio Berdugo Gómes de la Torre

Javier Valls PrietoJeremias de Cássio Carneiro de Melo

José Flôr de Medeiros JúniorKarina Teresa da Silva Maciel

Laryssa Mayara Alves de AlmeidaLuciano do Nascimento Silva

Ludmila Douettes Albuquerque de AráujoMarcelo Alves Pereira Eufrásio

Marcelo Weick PoglieseMaria Cezilene Araújo de MoraisRaymundo Juliano Rego Feitosa

Rodrigo Araújo ReülRômulo Rhemo Palitot Braga

Samara Cristina Oliveira CoelhoSuênia Oliveira Vasconcelos

Talden Queiroz FariasThamara Duarte Cunha MedeirosValfredo de Andrade Aguiar Filho

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ISAAC RAMON FERREIRA DINIZ GOMES E LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

COORDENADORES

PHELLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA, FÁBIO BRITO FERREIRA E RAONI LACERDA VITA

ORGANIZADORES

INSTITUIÇÕES E DIREITOS FUNDAMENTAIS:

UM DIÁLOGO EM TORNO DE NOVOS DESAFIOS

SÉRIE DIREITO, DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPBCAMPINA GRANDE – PB

2015

© Copyright 2015 by AREPB

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I35

CDU 341.27

Instituições e direitos fundamentais: um diálogo em torno de novos desafios/ Isaac Ramon Diniz (Coord.); Laryssa Mayara Alves de Almeida (Coord.); Fábio Brito Ferreira (Org.); Phellipe Giovanni Rocha Martins da Silva (Org.); Raoni Lacerda Vita (Org.). – Campina Grande: AREPB, 2015.

100 p.

ISBN 978-85-67494-10-4

1. Instituições 2. Direitos Fundamentais I. Título.

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB.Foi feito o depósito legal.

Editor-chefeLARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E LUCIANO NASCIMENTO SILVA

Coordenação do LivroISAAC RAMON DINIZ E LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

Organização do LivroPHELLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA, RAONI LACERDA VITA E

FABIO BRITO FERREIRA

CapaPHELLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA

Editoração GUSTAVO RABAY GUERRA

ISAAC RAMON FERREIRA DINIZ GOMESLARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

DiagramaçãoGUSTAVO RABAY GUERRA

ISAAC RAMON FERREIRA DINIZ GOMESLARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores.

Data de fechamento da edição: 26-03-2015

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB,com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.bre confira E-Books gratuitos

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PREFÁCIO

Direito, democracia e desenvolvimento, um tema desta natureza estabelece alguns compromissos, como, por exemplo, a inter e transdisciplinaridade, a aceitação de que o conhecimento deve ser produzido de maneira vinculada aos problemas que afetam a realidade social de uma nação e com o objetivo de efetivar o exercício de uma cidadania crítica.

Trazer discussões no âmbito das ciências jurídicas com esta preocupação epistemológica é um objetivo essencial para que as instituições democráticas sejam avaliadas e diagnostique-se uma possibilidade de desenvolvimento, em todas as suas acepções, pois, dessa maneira, os direitos fundamentais assegurados a todos os indivíduos podem ser exigidos.

Nesse ínterim, o debate presente nesta obra tem início em torno do capítulo “Origem e características do Tribunal Penal Internacional”, elaborado por Edigardo Ferreira Soares Neto e Carlos Eduardo dos Santos Farias, destacando a relevância dos tipos penais que podem ser julgados por aquela instituição no contexto de defesa dos direitos fundamentais e valorização da dignidade da pessoa humana assim como a importância que os princípios desempenham na integração do direito, visando à efetividade de suas normas.

Nesse sentido, passa-se da atividade jurisdicional a política, com o aporte de um tema sensível a sociedade atual, que no plano geopolítico enfrenta constantes transformações, a partir do trabalho de Carlos Frederico Nóbrega Farias, Valberto Alves de Azevedo Filho e Eduardo Queiroga Estrela Maia Paiva no capítulo nomeado “Reconhecimento de Estado: conceito, características, modalidades e natureza jurídica” com uma minuciosa análise a respeito das

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divergências que a construção de uma teoria do reconhecimento jurídico do Estado envolve.

Entre desafios e realidades, recentes ou contínuas, pode-se falar sobre o estudo “Direito Penal Internacional: a infiltração policial como mecanismo eficaz de combate aos crimes internacionais”, empreendido por Cláudio Marcos Romero Lameirão, o qual trata este instituto jurídico como medida eficaz para combater a atividade desenvolvida pelas organizações criminosas transnacionais, esclarecendo os empecilhos que surgem no relacionamento entre o direito internacional e o ordenamento jurídico nacional em conjunto com experiências de outros países que despontam como alternativas.

Recente realidade de pesquisa e jurisprudência é o direito do mar e mais ainda os aspectos que se referem aos fundos marinhos e aos órgãos de resolução de conflitos que lhe dizem respeito. Esta é a perspectiva proposta por Darlene Souza no capítulo “Parecer Consultivo: caso 17 da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos do Tribunal Internacional do Direito do Mar: responsabilidade e obrigações por parte dos Estados membros em patrocinar atividades de exploração de minérios no fundo oceânico” ao tratar do caso que inaugura a utilização das competências consultivas daquela corte assim como aos trabalhos daquela câmara.

O acesso a direitos culturais por meio da preservação de um patrimônio histórico que deve ser considerado como legado de toda a humanidade é o cenário em que se insere a discussão trazida por Fábio Brito Ferreira e Renato José Ramalho Alves no capítulo “A importância do instituto jurídico do tombamento para a proteção do patrimônio cultural”, no qual uma descrição do instituto do tombamento é feito por meio das normas do direito brasileiro para sustentar que este é indispensável à preservação da cultura, enquanto um direito fundamental.

No último capítulo, a investigação fica por conta de George Suetonio Ramalho Júnior e Rafael Augusto Dantas Carneiro Souto, com a temática “O estudo do impacto ao meio ambiental cultural no

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processo de licenciamento” que propõem um exame principiológico para observar o estudo de impacto no meio ambiente cultural como instrumento essencial à sua manutenção.

Dessa maneira, esta obra se propõe a dirigir seu olhar às necessidades da produção acadêmica na atualidade, de modo que os muros da universidade sejam ultrapassados e temas relevantes para o debate da nossa realidade social além de alcançarem uma grande parcela de indivíduos produza transformação.

Vinícius Leão de Castro Campina Grande-PB, Março de 2015.

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SUMÁRIO

Prefácio Vinícius Leão de Castro

Origem e características do Tribunal Penal Internacional ..............................................................................................................................11

Edigardo Ferreira Soares Neto e Carlos Eduardo dos Santos Farias

Reconhecimento de Estado: conceito, características, modalidades e natureza jurídica ............................................................................... 25

Carlos Frederico Nóbrega Farias, Valberto Alves de Azevedo Filho e Eduardo Queiroga Estrela Maia Paiva

Direito Penal Internacional: a infiltração policial como mecanismo eficaz de combate aos crimes internacionais .................................. 40

Cláudio Marcos Romero Lameirão

Parecer consultivo: caso 17 da câmara de controvérsias dos fundos marinhos do tribunal internacional do direito do mar: responsabilidade e obrigações por parte dos estados membros em patrocinar atividades de exploração de minérios no fundo oceânico .............................................................................................. 56

Darlene Souza

A importância do instituto jurídico do tombamento para a proteção do patrimônio cultural ...................................................... 67

Fábio Brito Ferreira e Renato José Ramalho Alves

O estudo do impacto ao meio ambiental cultural no processo de licenciamento ....................................................................................... 86

George Suetonio Ramlho e Rafael Augusto Dantas Carneiro

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Capítulo 1

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ORIGEM E CARACTERÍSTICAS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Edigardo Ferreira Soares Neto1Carlos Eduardo dos Santos Farias2

Sumário: 1 Introdução. 2 Direito Penal Internacional e Direito Internacional Penal. 3 Digressão Histórica do Tribunal Penal Internacional. 4 Alguns Princípios Comuns ao Direito Penal e suas feições internacionais. 4.1 Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal. 4.2 Princípio da Anterioridade ou Irretroatividade. 5 Conclusão.. Referências

1 INTRODUÇÃO

As transgressões às normas de condutas que regem as sociedades modernas são reflexos de uma prática própria do ser humano, que se serve das regras para bem conviver, mas percebe que alguns dos seus, em algum momento, as desrespeitam, gerando a constatação que tal prática possibilita a aplicação das punições. Assim, a repressão aos delitos hoje conhecidos, surgiu em paralelo

1 Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS; Pós-graduado em Ciências Criminais pelo Centro Universitário de João Pessoa, UNIPÊ; Professor da Faculdade Maurício de Nassau; Professor da Faculdade Internacional da Paraíba - FPB; Advogado.

2 Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS, Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa, UNIPÊ, Professor da Mauricio de Nassau, Professor da FPB.

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com o próprio homem e evoluindo, com o passar dos tempos até os dias vindouros, alcançou o âmbito transnacional em relação aos crimes transnacionais.

O conceito de infração penal que conhecemos nos dias atuais é resultado da evolução de diversas teorias que influenciaram a doutrina e estabeleceram as feições da ciência penal durante o século XX. O Brasil, por exemplo, evoluiu da teoria causal para a final, utilizada hodiernamente.

Os estudos jurídicos sobre os tipos penais, numa abordagem da aplicação de institutos materiais do direito penal, firmam-se na avaliação de como se dá a violação dos bens jurídicos protegidos pela norma. Portanto, a premissa maior da análise e aplicação de uma punição, interna ou externa, é perquirir como tal agressão se faz realmente e quais os requisitos jurídicos necessários a consumação dos tipos em análise.

O Direito Penal, como ramo do ordenamento jurídico que é, possui inúmeras funções, dentre as quais a de ser um eficaz instrumento de controle da sociedade. No âmbito internacional, combate, controlando e reprimindo, condutas que atentem contra valores e bens preciosos à comunidade internacional, através da cooperação internacional.

Os delitos transnacionais, isto é, “atos cometidos por indivíduos ou por Estados, que violam princípios e regras que protegem valores aos quais a humanidade decidiu atribuir importância maior” (Portela, 2013, p. 528) devem ser combatidos por um organismo internacional permanente, via tratados internacionais, para o rechaço a ofensas a normas essenciais a manutenção da paz global, para a garantia de princípios e regras de interesse supranacional, a proteção da dignidade humana e do meio ambiente transnacionais – o Tribunal Penal Internacional.

A expressão Convenção é sinônima de qualquer locução que queira significar tratado internacional. Neste caminho, leciona Mazzuoli (2009, p. 21):

Assim, a expressão Convenção tem sido atualmente empregada para designar todo tipo de tratado solene (e multilateral) em que a vontade

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das partes não é propriamente divergente, como ocorre nos chamados tratados-contrato, mas paralela e uniforme, ao que se atribui o nome de tratado-lei ou tratado-normativo, do qual é exemplo a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Neste norte, o Estatuto de Roma, tratado internacional criador do Tribunal Penal Internacional, estabelece que os tipos penais a serem processados e julgados pelo TPI são os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão.

2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL PENAL

Neste cenário, importante estabelecer a diferença fundamental que separa o Direito Penal Internacional do Direito Internacional Penal.

O primeiro visa promover a cooperação internacional contra a criminalidade, articulando os Estados e organismos internacionais para o combate aos ilícitos supranacionais e aos crimes que envolvem a ação de mais de um Estado. No mesmo sentido argumenta Portela (2013, p. 529) que “o Direito Penal Internacional visa a combater crimes ocorridos dentro dos Estados e cujo enfrentamento pode exigir o apoio de outros entes estatais, como os ilícitos transnacionais ou atos que demandem investigações no exterior.”

Já o Direito Internacional Penal busca a repressão dos atos que configuram agressão, ofensa e quebra dos valores fundamentais da convivência internacional, como o a repressão aos crimes internacionais próprios da atuação de organismos internacionais como o TPI, é claro, com o esgotamento dos recursos e meios internos, nos termos da regra e princípio da complementaridade, base insculpida no Estatuto de Roma.

Assim, o estudo do Tribunal Penal Internacional é a avaliação de um avançado e complexo órgão jurisdicional, formado por dezoito Juízes e composto de Presidência, Juízo de Instrução, Juízo de Julgamento, em primeira instância, além de uma Seção de Recursos, um Gabinete de Procurador, Secretaria e Registro aptos a

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fazer com que o Direito Internacional alcance, a nível supranacional e no exercício do Direito Internacional Penal, do Direito Processual Penal e dos Direitos Humanos, a função de pacificação da sociedade global.

3 DIGRESSÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

A construção de um organismo ou mecanismo como o Tribunal Penal Internacional, do início até sua estrutura final, perpassa fases e etapas para alcançar a excelência e aptidão para servir aos propósitos de sua criação.

O marco inicial noticiado como o primeiro registro de uma iniciativa de formação de uma corte internacional deu-se com o julgamento medieval voltado à punição das atrocidades perpetradas por Peter Von Hagenbach, em 1474, em virtude da ocupação de Breisach, na Alemanha, por ter violado leis humanas e divinas, onde o Tribunal fora composto por 27 juízes do Sacro Império Romano.

Outra tentativa, mais inovadora que a anterior, deu-se na década de 1860, através da iniciativa de Gustav Monnier, um dos fundadores da Cruz Vermelha, que propôs a criação de um Tribunal Internacional, o que não foi muito bem aceito à época, em virtude das tensões entre a soberania dos Estados e a jurisdição de um Tribunal Internacional.

Com o fim da Primeira Grande Guerra, tendo em vista a vasta violação das leis e costumes internacionais, os Estados aliados criaram uma comissão para a investigação e julgamento de alemães acusados de ilícitos de guerra. Relatando o acordado a época leciona Maia (2012, p.26):

O tratado concluído em Versalhes, em 28 de junho de 1919, previa em seu artigo 227 a criação de um tribunal internacional para julgar o Kaiser Guilherme II e seus oficiais por violação das leis e costumes da guerra. No ano de 1920, uma lista de 895 criminosos de guerra que atentaram contra as leis da humanidade foi levantada, entretanto, somente 45 dos criminosos foram submetidos a julgamentos por tribunais aliados. O imperador alemão nunca foi julgado, refugiou-se nos Países Baixos onde

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passou o resto de sua vida. Para Hule (1995) naquele momento, a justiça foi sacrificada em favor da política. Havia uma preocupação maior em salvaguardar a paz na Europa.

No ano de 1926, apesar de não ter obtido apoio político, a Associação Internacional de Direito Penal criou um projeto para a criação de uma Corte Internacional Penal, intensificando o desejo da formação de um organismo de repressão a ilícitos supranacionais, muito embora existissem os entraves da Teoria Rígida da Soberania.

A Liga das Nações, no ano de 1937, elaborou duas convenções internacionais, uma para o combate e prevenção ao terrorismo e, outra para a criação de uma corte internacional, não logrando êxito em decorrência da pouca adesão obtida (poucos países ratificaram).

Em meados de 1943, os países aliados sinalizaram para uma punição dos nazistas acusados de atrocidades durante a Segunda Grande Guerra, denunciando atrocidades que transcenderam limites geográficos, o que deveria ser realizado através de uma atuação coletiva dos aliados. Findo o conflito, em agosto de 1945, foram criados documentos internacionais que estabeleceram parâmetros de atuação, definindo crimes e sua jurisdição no interesse das Nações Unidas, cujo fruto foi a criação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e o Tribunal de Moscou, para julgar e punir os Nazistas, aplicando leis “ex post facto”. No entanto, receberam críticas da comunidade internacional, por serem Tribunais dos vencidos. Esta iniciativa gerou também, no mesmo momento histórico, a criação da Organização das Nações Unidas indicando a tendência em estabelecer um organismo supranacional para questões de repercussão internacional.

Ato contínuo, a Assembleia Geral reconheceu, nos termos da resolução nº. 260 de 09 de novembro de 1948, a premência de uma cooperação internacional para lhe dar com os crimes de genocídio e, assim, foi criado um comitê composto por 17 países, que elaboraram proposta de criação de um órgão permanente de cunho internacional. Tratando, em particular do assunto, leciona Cardoso (2012, p. 24) que:

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A Convenção3 também confirmou o entendimento de que o genocídio poderia ser perpetrado tanto em tempos de paz, como em situações de guerra e indicou como possibilidades de foros para julgar os responsáveis, os tribunais do Estado em cujo território o ato foi perpetrado ou a corte penal internacional competente com relação às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição.

A partir da década de 50, com o pós-guerra, as iniciativas de um comitê para a construção de um Tribunal Penal Internacional permanente estacionaram em virtude da Guerra Fria: faltou consenso sobre o conceito de crimes de agressão a serem processados pela corte, no que diz respeito ao texto do anteprojeto de 1951, revisado em 1953.

Os confrontos armados no Leste europeu foram antecedentes históricos recentes do TPI, os quais abriram novas perspectivas para que o Conselho de Segurança das Nações Unidas, travado durante o pós-guerra, passasse a atuar de forma ativa, favorecida pela opinião pública mundial. Diante desse quadro, o Conselho de Segurança, no final de 1992, instaurou uma comissão, que fora encarregada de apresentar conclusões sobre os episódios e relatos de violência, próprios de uma limpeza étnica, que aconteciam na região da Bósnia e antiga Iugoslávia.

Logo em seguida, o Conselho tomou uma posição de vanguarda ao indicar que um Tribunal Internacional seria estabelecido, por meio da Resolução nº. 808/1993, acolhida de forma unânime, com a classificação daquela situação como ameaçadora da paz e segurança internacional. Essa foi a primeira vez que a ONU criava um organismo subsidiário judicial com o intuito de processar responsáveis por violações aos Direitos Internacionais.

Outros Tribunais políticos, como o da antiga Iugoslávia, surgiram e se seguiram àquele, como o Ruanda, criados na década de 90 do século passado. Além desses, outras situações no século XXI são debatidas, como as de Serra Leoa, a do Camboja e a de Kosovo.

3 O Brasil é parte da Convenção, cujo instrumento de ratificação foi depositado em 15/4/1952, de acordo com o Decreto n. 30.822, de 6/5/1952, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas.

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O fato é que, no período de 15 de junho a 17 de julho de 1998, em Roma, houve uma Conferência das Nações Unidas que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional permanente, nos termos do Estatuto de Roma, preenchendo uma lacuna internacional de anos.

O TPI que conhecemos hoje entrou em vigor, chancelado por cento e vinte votos favoráveis contra apenas sete votos de alguns países que não aderiram à sua jurisdição, como os EUA, Israel, China, dentre outros. O Tribunal Penal Internacional, tem sua sede na Holanda e por se tratar de um organismo recente ainda não possui condenações de repercussão, mas investiga quatro casos, quais sejam: situações em Uganda, República Centro-Africana, Congo e Sudão.

Possui competência para julgamento de crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e de agressão. Neste ponto, sobre os tipos penais aptos a gerar a aplicação do TPI, explica Bierrenbach (2011, p. 164), nos seguintes termos:

Com a exceção da limpeza étnica, também constituem um conjunto, por serem os tipos penais compreendidos pelo Estatuto de Roma, que estabeleceu o TPI. Considerados sob esse aspecto, genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra são categorias já definidas por tratados internacionais. Não é o caso, por exemplo, do crime de agressão, que, apesar de estar previsto no Estatuto de Roma, ficou pendente de definição. A limpeza étnica tampouco tem o mesmo status, pois representa desenvolvimento conceitual mais recente.

Tratando-se, em particular, da participação brasileira no processo de incorporação desta norma internacional em seu ordenamento, relata Cardoso (2012, p. 129s) que:

Durante os trâmites que levaram à incorporação do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, o Presidente Fernando Henrique Cardoso realçou em diversas ocasiões os méritos da iniciativa, caracterizando-a como “avanço histórico para a causa dos direitos humanos”. Ao enviar o Estatuto ao Congresso, o Presidente da República prestou homenagem à memória de Rubens Paiva, Vladimir Herzog e outras vítimas da repressão política, defendendo a legitimidade de um mecanismo internacional penal como o TPI, que poderia, ademais, cumprir papel no sentido de inibir a reedição de violações de direitos humanos. O Estatuto de Roma, como se sabe, não teria caráter retroativo.

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O Brasil aceita e se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, em virtude de ter, em fevereiro de 2000, tomado a decisão de assinar o Estatuto de Roma e, em seguida, aprová-lo em suas duas casas legislativas – O Congresso Nacional - em junho de 2002. O Estatuto entrou em vigor, em virtude da ratificação do seu instrumento, sendo depositado pelo Governo brasileiro junto às Nações Unidas. Ato seguinte à ratificação foi a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro via Decreto, sob o nº. 4.388, de setembro de 20024, fazendo com que o Estatuto de Roma, já inserto no corpo de normas nacional, a partir desta data em diante, fosse utilizado em sua plenitude.

4 ALGUNS PRINCÍPIOS COMUNS AO DIREITO PENAL E SUAS FEIÇÕES INTERNACIONAIS

Em uma de suas canções, o compositor Chico Buarque alude à vida de um operário numa construção que “tijolo com tijolo num desenho mágico” dá forma à construção, constrói paredes, ergue colunas, arranha-céus com o esplendor de imponentes castelos. No trabalhar do Direito não se é tão distante da habilidade do construtor citado por Chico Buarque, porém, ao invés de tijolos utilizam-se princípios e regras que dão forma, esplendor, consistência, beleza e abrigo ao ordenamento jurídico.

Tratando-se, em particular, dos princípios jurídicos, leciona Barroso (2009, p. 203) que eles correspondem “à porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico”. E acrescenta:

Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá, irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do Direito. (BARROSO, 2009, p. 203s.)

4 DECRETO Nº. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em: 02 ago 2013.

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Os princípios são como o cimento que proporciona a firmeza e solidez desta construção chamada ordenamento jurídico. Promovem a harmonização entre normas aparentemente contraditórias, possibilitando a sua coexistência e uma interpretação coerente e sistemática.

Os princípios alastram-se, portanto, por todo o ordenamento, compondo de maneira basilar, a estrutura e o alicerce em que se firmam os microssistemas (ou ramos) do Direito, como o Direito Penal e o Direito Internacional.

4.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU DA RESERVA LEGAL

Segundo determina o princípio da estrita legalidade vê-se que a exigência extravasa a necessidade geral e comum do simples respeito às normas jurídicas. Para o direito penal requer-se algo mais, isto é, para satisfazer e atender os dogmas penais é fundamental que as regras sejam fruto da União, nos precisos termos da Norma Ápice, ou seja, a regra deve partir do órgão legislativo da União, pois somente a lei federal pode, via de regra, estipular e criar crimes e penas explicando o termo “reserva” que dá nome ao princípio em análise.

Esta determinação, que fundamenta o sentido deste princípio, consta tanto na Constituição, nos precisos termos do seu Art. 5º, XXXIX, assim como do próprio Código Penal em seu artigo inicial, Art. 1º do Código Penal. Neste norte, leciona Greco (2005, p.103) nos seguintes termos:

O princípio da legalidade vem insculpido no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, que diz: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal – redação que pouco difere daquela contida no art. 1º do Código Penal.É o princípio da legalidade, sem dúvida alguma, o mais importante do Direito Penal. Conforme se extrai do art. 1º do Código Penal, bem como do inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, não fala na existência de crime se não houver uma lei definindo-o como tal. A lei é a única fonte do Direito Penal quando se quer proibir ou impor condutas sob a

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ameaça de sanção. Tudo o que não for expressamente proibido é lícito em Direito Penal. Por essa razão, Von Liszt dizia que o Código Penal era a Carta Magna do delinquente.

E continua o brilhante autor agregando funções fundamentais ao princípio da legalidade, nos seguintes termos:

O princípio da legalidade possui quatro funções fundamentais:1ª) proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia);2ª) proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta);3ª) proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta);4ª) proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa). (GRECO, 2005, p. 104).

No mesmo sentido da doutrina dominante, situa-se a opinião de Bitencourt (2008, p. 10):

O princípio da legalidade ou da reserva legal constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal. Embora constitua hoje um princípio fundamental do Direito Penal, seu reconhecimento constitui um longo processo, com avanços e recuos, não passando, muitas vezes, de simples “fachada formal” de determinados Estados. Feuerbach, no início do século XIX, consagrou o princípio da reserva legal através da formula latina nullum crimen, nullapoena sine lege. O princípio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado.

No cenário internacional, e especificamente no que se refere ao TPI, o Estatuto de Roma estabelece não ser possível a existência de crime sem que exista expressa previsão legal, trazendo para o âmbito internacional a máxima referente ao princípio da legalidade, insculpida no brocado nulla poena sine lege. (cf. art. 23, Decreto nº. 4.388/02).

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4.2 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE OU IRRETROATIVIDADE

Ligado quase que totalmente aos efeitos que a norma deve gerar, tal princípio determina a regra dos dispositivos criados pela fonte de produção material da norma penal, no sentido de ordenar que tudo o que for estabelecido tenha aplicabilidade e eficácia para fatos que ainda não chegaram a acontecer, ou seja, a norma não deve prevê e regular situações do passado, e sim deve se preocupar com o que ainda acontecerá, não podendo retroagir, via de regra, mesmo em seu período de conhecimento, isto é, durante a vacatio legis, caracterizando a norma penal pela irretroatividade.

Apesar de insculpido no art. 1º do Código Penal brasileiro, o princípio da anterioridade penal tem natureza constitucional (cf. art. 5º, XXXIX, CR/88), sendo um dos aspectos relevantes à realização do princípio do devido processo legal (NERY JÚNIOR, 2010, p. 78ss.), haja vista impossibilitar que qualquer indivíduo venha ser processado quando da ausência de lei que defina certa conduta como fato típico. Assim, a condição de processabilidade penal é a existência de norma penal prévia que defina o crime e comine pena prévia, protegendo o cidadão comum de abusos e arbitrariedades por parte da autoridade pública.

Na aplicação do TPI, a corte deve ter por base leis anteriores ao fato, já existentes no ordenamento jurídico, tutelando o cidadão, sob os auspícios do princípio da legalidade, donde é decorrente.

Além dos princípios acima mencionados, o Tribunal adotou como base o princípio da complementaridade nos termos do que é mencionado em seu preâmbulo, no sentido de que a corte somente julgará indivíduos de forma subsidiária aos seus Estados de origem, ou seja, na impossibilidade ou desídia do Estado parte, cumulando características dos dois princípios anteriores. Isto significa dizer que a soberania desse Estado não será maculada pelo TPI, que somente atua em complemento ao País originário. Além desta característica, há ainda a possibilidade de avocação para si a qualquer tempo da autoridade jurisdicional, assumida pelo Tribunal Internacional, principiando as investigações e o processo efetivo no Estado de

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origem.

5 CONCLUSÃO

A finalidade de proteger os Direitos Humanos através da criação do Tribunal Penal Internacional, via Estatuto de Roma, trouxe ao cenário mundial um organismo com função jurisdicional apto a rechaçar atrocidades como as vividas nos grandes conflitos armados de tempos idos.

Sua estrutura é muito importante para o Direito Internacional, pois foi a primeira corte internacional perene de âmbito penal detentora de competência para processar e julgar os crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e os crimes de agressão, evitando, de forma complementar a jurisdição local, ou seja, respeitando a soberania dos demais países signatários, a criação de Tribunais ad hoc, numa atuação desproporcional própria de Cortes Políticas ou Tribunais dos vencedores sobre os vencidos.

Contudo, muito ainda precisa ser feito para que se tenha uma Corte Internacional plena, em virtude de que até o presente momento, diversos Estados ainda não ratificaram o Estatuto de Roma – pressuposto maior de sua aplicação – e, assim, o TPI ainda não pode julgar sujeitos desses Países, mesmo que tenham praticado crimes previstos em suas normas, como por exemplo, os EUA, que cometeram vários crimes, em suas diversas intervenções militares.

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Capítulo 2

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RECONHECIMENTO DE ESTADO: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS,

MODALIDADES E NATUREZA JURÍDICA

Carlos Frederico Nóbrega Farias1

Valberto Alves de Azevedo Filho2

Eduardo Queiroga Estrela Maia Paiva3

Sumário: 1 Introdução. 2 O conceito de reconhecimento de Estados. 3 Natureza Jurídica do reconhecimento: a teoria constitutiva vs. a teoria declaratória. 4 Modalidades do reconhecimento de Estados. 4.1 Individual ou coletivo. 4.2 De Direito ou de fato. 4.3 Expresso ou Tácito. 4.4 Incondicionado ou condicionado. 5 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade internacional não é imutável. A diversidade cultural, social e política existente no globo dá lugar a um cenário que está constantemente em mudança. Da mesma forma, os Estados, enquanto organismos sociais, econômicos e políticos, não estão

1 Mestrando em Direito Internacional pela Universidade de Santos – UNISANTOS; Advogado, Conselheiro Federal e Presidente da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB.

2 Menstrando em Direito Internacional pela Universidade de Santos - UNISANTOS; Advogado, Secretário Geral da OAB seccional Paraíba; Especialista em direito Processual Civil.

3 Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.

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alheios a estas modificações.Em verdade, são os Estados os principais atores dessa fluída

conjuntura internacional e, como qualquer organismo, também passam por diferentes estágios e situações, ou seja, nascem, desenvolvem-se, prosperam, decrescem, fragmentam-se e, ocasionalmente, extinguem-se.

Com efeito, tais modificações refletem na cena internacional, especialmente, quanto ao surgimento de um novo Estado, pois, mesmo após seu nascimento, este ainda precisa ser admitido no cenário jurídico-político mundial.

Esta admissão dá-se por meio do reconhecimento, ato pelo qual os Estados já estabelecidos se manifestam sobre a nova coletividade política que surge internacionalmente e se autodenomina Estado. É, sem dúvidas, um dos temais mais complexos no Direito Internacional atual, haja vista as questões jurídicas e políticas envolvidas neste ato reconhecedor.

Assim, o presente estudo tem como objetivo examinar, a partir de doutrinas e da legislação internacional de tempos diversos, o instituto do reconhecimento de novos Estados, como este ocorre, qual a sua natureza jurídica e quais as suas modalidades.

2 O CONCEITO DE RECONHECIMENTO DE ESTADOS

Reconhecer, do Latim, recognoscere, significa tomar conhecimento, trazer à mente de novo, certificar. A ação do verbo reconhecer é o que hodiernamente chamamos de reconhecimento. É o ato de autenticar, atestar, certificar, reconhecer, legitimar ou aceitar algo, alguém, uma nova situação ou novo estado.

Nesse sentido, frente ao surgimento de um novo Estado no cenário internacional, surge o problema do reconhecimento. Com o intuito de se estabelecer, na sociedade mundial, o poder de firmar relações com os seus demais membros, o novo Estado precisa ser reconhecido por estes. É esta admissão do Estado perante os outros sujeitos do Direito Internacional que se chama de reconhecimento.

Frise-se que não há uma definição precisa na doutrina clássica

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e moderna para o reconhecimento, à medida que existem distintas interpretações significativas deste ato de anuência estatal.

Para Clóvis Beviláqua4, o reconhecimento é o ato pelo qual o novo Estado, já com seus atributos de soberania e independência solidificados, é aceito como membro da sociedade internacional.

De outra banda, para Hildebrando Accioly5, reconhecimento é um ato jurídico, com consequências também jurídicas. Para tal, cabe ao governo de um Estado já existente decidir unilateralmente se outra entidade configura-se como Estado. Nesse sentido, por tratar-se de um ato governamental há considerações políticas que influenciarão nessa legitimação.

Houve um grande avanço na perspectiva de afirmação de um novo Estado, em 1936, quando o Institut de Droit International, em Bruxelas, editou a Resolução sobre o reconhecimento de novos Estados e de novos Governos, cujo relator foi o Sr. Phillip Marshal Brown, que ditava, em seu art. 1º, que o fenômeno do reconhecimento de um novo Estado é um “ato livre pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em um território determinado, de uma sociedade humana politicamente organizada, independente de qualquer outro Estado existente e capaz de observar as prescrições do Direito Internacional”.

Atualmente, a concepção de reconhecimento mais aceita é elucidada por Mazzuolli, que consolida as definições clássicas e acrescenta o caráter formal do ato. Nas palavras do autor,

O reconhecimento constitui a constatação formal – que normalmente se faz por meio de atos diplomáticos – de que novo ente soberano internacional passou a ter existência, de forma concreta e independente, e já está apto para manter relações com os demais componentes da sociedade internacional. Portanto, significa uma decisão do governo de um Estado de aceitar como membro componente da sociedade

4 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito público internacional: a synthese dos princípios e a contribuição do Brazil. Tomo I. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1910.

5 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito Internacional público. 12ª. ed.. São Paulo: Saraiva: 1996, p. 80.

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internacional outra entidade que acaba de se formar6.

É preciso ressaltar, entretanto, que o surgimento de um novo Estado está respaldado pelo princípio da autodeterminação dos povos. Esse princípio do Direito Internacional indica que a autodeterminação é o direito do povo se autogovernar, isto é, tomar suas decisões sem intervenção externa; está intimamente ligado à soberania, isto é, ao o direito da coletividade determinar o seu próprio status político. Nesse sentido, desde o século XVIII, Condorcet7 já afirmava que “nenhuma potência estrangeira tem o direito de submeter um Estado, nacional contra a vontade soberana de seu respectivo povo”.

Destarte, o instituto do reconhecimento de Estado deve ser considerado com cautela, para que este não seja uma intervenção em assuntos internos de outros povos, mas tão somente um atestado de que aquela coletividade política contempla os requisitos para participar do cenário internacional.

3 NATUREZA JURÍDICA DO RECONHECIMENTO: A TEORIA CONSTITUTIVA VS. A TEORIA DECLARATÓRIA

Como observamos, o reconhecimento do novo Estado, além de legitimá-lo como um Estado e, logo, como um sujeito de Direito Internacional, também atesta que este preenche os requisitos necessários para se relacionar com os demais entes da sociedade internacional e que sua existência não afronta aos princípios e interesses dos Estados que o reconhecem.

Entretanto, é de se questionar qual a natureza jurídica do reconhecimento de Estado. A doutrina não é uníssona nesse ponto e se divide em duas principais teorias, uma constitutiva e outra

6 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 445.

7 Apud FRIEDE, Reis. Curso de ciência política e teoria geral do estado. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 106.

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declaratória. As características entre as duas teorias podem ser inferidas da

obra do jurista francês Nguyen Quoc Dinh:

1.° A concepção “atributiva” ou “constitutiva”. Segundo esta primeira tese, o reconhecimento representa um quarto elemento constitutivo do Estado, juntamente com uma população, um território e um governo. Sem reconhecimento, a formação do Estado permanece incompleta. Com atribuição da qualidade de Estado, este constitui-o, no sentido em que completa o seu processo de criação. O seu âmbito é portanto muito vasto e essencial.2.° A concepção “declarativa”. Admite-se geralmente que o nascimento de um Estado novo é um fato cuja existência não depende das intenções ou apreciações dos Estados existentes. A concepção declarativa assenta nestas premissas8.

Com efeito, a natureza jurídica do reconhecimento é, talvez, o tema dos mais controversos da doutrina. A corrente doutrinária majoritária assenta-se na teoria declaratória, enquanto que, minoritariamente, liderada pelos juristas da Escola Austríaca, defende-se a concepção constitutiva.

A teoria constitutiva aduz que o Estado só alcança sua personalidade jurídica internacional, ou seja, capacidade de ter direitos e contrair deveres no âmbito internacional, quando há o reconhecimento. Ou seja, o Estado, antes de ser reconhecido, não pode integrar a sociedade internacional contraindo deveres e obrigações. Tal entendimento é defendido por Jellinek, Kelsen, Triepel, Anzilotti, entre outros, e também é conhecida como teoria do efeito atributivo.

Para Shaw, a teoria constitutiva indica que:

é o ato de reconhecimento por parte de outros Estados, e não o processo pelo qual é obtida de fato a independência, que cria um novo Estado e dota-o de personalidade jurídica. Assim, os novos Estados só se estabelecem na comunidade internacional como sujeitos plenos de

8 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Tradução: Vitor Marques Coelho. 2ª. ed. Lisboa: FCG, 2003, p. 570-571.

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Direito Internacional em virtude da vontade e do consentimento dos Estados já existentes9.

Entretanto, em que os lúcidos argumentos dos seu adeptos, a teoria constitutiva nos parece demasiadamente simplista, eis que não conseguiu responder algumas questões: um Estado não reconhecido não teria quaisquer direitos e obrigações perante o cenário internacional?10 Noutro aspecto, como se daria a personalidade de um Estado que fosse reconhecido somente por alguns Estados? Haveria que se falar em um reconhecimento parcial?

Ainda nessa linha crítica à teoria declarativa, Boson11 afirma que:

Com efeito, é exatamente porque o Estado já existe, com suas leis, com seus órgãos e seus elementos constitutivos, que se lança o problema do reconhecimento. Acresce que se o reconhecimento é um ato bilateral, um acordo, já supõe ele a personalidade do novo Estado. Ademais, se fosse constitutivo, claro está que o Estado ainda não reconhecido não teria existência de jure. Não poderia invocar o Direito Internacional. Seus domínios seriam res nullius e seus barcos, navios-piratas, e jamais poderia ser responsabilizado internacionalmente.

Por outro lado, a corrente dominante na doutrina, que trata da teoria declaratória, entende que o reconhecimento do Estado tem exclusivo alcance declaratório, à medida que depende exclusivamente do preenchimento dos pressupostos formais de existência do Estado.

Para Hildebrando Accioly defensor dessa corrente, “um organismo que reúne todos os elementos constitutivos de um Estado tem o direito de ser assim considerado e não deixa de possuir a

9 SHAW, Malcolm N. Direito Internacional; tradução de Marcelo Brandão Cipolla (coord.), Lenita Ananias do Nascimento, Antônio de Olveira Sette-Câmara. p. 181. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010, p. 303.

10 BRIERLY, J.L. Direito Internacional. 2ª ed. Trad. M. R. Crucho de Almeida. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1968, p. 136 Apud MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit., p.446.

11 BOSON, Gerson de Britto Mello. Direito Internacional público: o estado em direito das gentes. 3ª. ed. Belo Horizente: Del Rey, 2000, p. 239.

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qualidade de Estado pelo fato de não ser reconhecido”12. Na mesma esteira, Shaw defende que a teoria declaratória está

em conformidade com a realidade prática atual. Segundo o autor, o reconhecimento é mero ato de anuência, pelos Estados, de uma conjuntura pré-existente. Assim, a capacidade do novo Estado no Direito Internacional não advém desta aprovação alheia, “mas em virtude de uma determinada situação de fato”13.

Assim, a recusa de reconhecimento por parte de um Estado não implica na não existência do novo ente Estatal. Na verdade, a existência do Estado precede ao seu reconhecimento, não sendo este requisito de sua essência. Presume-se, pois, que o Estado já existe como tal, antes mesmo de ser reconhecido.

Nesse diapasão, comungamos do entendimento de que o ato de reconhecimento é apenas uma declaração de que aquela entidade, por possuir os requisitos essenciais para sua existência – povo, território determinado, governo independente, finalidade, etc. – faz jus a qualificação jurídica de Estado.

Esta posição, inclusive, foi adotada pela Carta da OEA de 1948, que, em seu art. 13, prevê que “a existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados”.

Outra característica da teoria declaratória é que seus adeptos consideram que o reconhecimento opera efeitos retroativos, isto é, ex tunc. Ou seja, produz efeitos que se estendem até o nascimento do Estado, desta forma, pressupõe-se que este já existe como tal antes mesmo de ser reconhecido.

Por outro lado, outro ponto que causa divergências doutrinárias trata-se da possível existência de um direito ao reconhecimento, ou seja, o direito de um Estado ser reconhecido quando preencher os requisitos tidos pó necessários; ou ainda, se existe um dever jurídico de reconhecimento de novos Estados, por parte dos Estados já constituídos.

A maior parte da doutrina, a qual nos filiamos, entende que não. Assim, não há nem um direito ao reconhecimento nem um dever jurídico de reconhecer, na medida em que tal ato tem um

12 Op. cit., p. 80.13 SHAW, Malcom N. op. cit., p. 304.

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caráter muito mais político do que jurídico14. Para Celso de Mello15, trata-se de um ato discricionário, o Estado é livre para utilizá-lo quando quiser e bem entender.

Nesse sentido, o ato de reconhecimento de um novo Estado é entendido como conduta voluntária e unilateral, de modo que não há um dever ou obrigação por parte dos Estados já integrados na sociedade internacional de reconhecer a nova entidade.

Entretanto, parcela minoritária da doutrina entende que, desde o surgimento do Estado, quando este já se mostra estável e apresenta condições para se relacionar com os demais entes da sociedade internacional, estes não devem negar o reconhecimento da nova entidade estatal.

Este é o entendimento dado pelo Institut de Droit International, que, na sessão de Roma, em 1921, manifestou-se da seguinte forma:

Todo o povo, que no território por ele ocupado, haja constituído um governo capaz de manter a ordem, no interior, e de cooperar, no exterior, na organização, cada vez mais desenvolvida, das relações baseadas na utilidade comum, na justiça e na paz, tem direito ao reconhecimento de sua nação como Estado.

Também inclinado a esta concepção manifestou-se Clóvis Beviláqua16 que, apesar de reconhecer a discricionariedade do reconhecimento, afirma que a recusa injustificada a tal ato é contrária ao Direito Internacional.

De outra banda, se existem dúvidas quanto à obrigatoriedade de reconhecimento um novo Estado, a doutrina caminha de forma pacífica, no sentido de que, na existência de um Estado criado em violação ao Direito Internacional, há o dever de não o reconhecer17. Para Husek18, trata-se de uma obrigação moral de não reconhecimento

14 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit., p.448.15 MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional público. 12ª.

ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 386.16 Op. cit., p.48.17 Cf. ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. op. cit., p. 83.18 HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional público. 3ª. ed. São

Paulo: LTr, 2001, p. 65.

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daqueles que violam o Direito Internacional.Esse entendimento foi consagrado pelo então Secretário de

Estado dos EUA, em 1932, Henry L. Stimson, quando da criação do Estado da Manchúria, pelo Japão à custa da China. Considerando que este território foi tomado à força da China, Stimson enviou nota aos governos dos dois países, na qual dizia que “os Estados Unidos não têm a intenção de reconhecer situação alguma, tratado ou acordo que possa resultar de medidas contrárias aos compromissos e obrigações do Pacto de Paris19”.

Por outro lado, a Convenção de Montevidéu, de 26 de dezembro de 1933, em seu artigo 11, prevê a obrigação dos Estados de não reconhecer a tomada de territórios ou vantagens espaciais “realizadas pela força, consista esta no emprego de armas, em representações diplomáticas cominatórias ou em qualquer outro meio de coação efetiva”.

4 MODALIDADES DO RECONHECIMENTO DE ESTADOS

O reconhecimento de Estado pode ocorrer de distintas maneiras. O procedimento pode ser: a) individual ou coletivo; b) de direito ou de fato; c) expresso ou tácito, e; d) incondicionado ou condicionado.

Ressalte-se que há, ainda, os reconhecimentos especiais de beligerância, de insurgência, de governo e de Nação. Entretanto, para os fins do presente trabalho, será analisado essencialmente o reconhecimento de Estado como tal.

4.1 INDIVIDUAL OU COLETIVO

Individual é aquele reconhecimento que, através de instrumento

19 Também conhecido como Pacto Kellog-Briand, estipulava a renúncia à guerra como um instrumento de políticas nacional. É o que se extrai de seu Artigo 1º: “As Altas Partes Contratantes, em nome de seus povos respectivos, declaram solenemente que condenam o recurso da guerra para a solução das controvérsias internacionais, e que renunciam a ela como instrumento de política nacional em suas relações mútuas.”

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diplomático, é anuído por um único país. Tem-se como exemplo a Turquia, que reconheceu o Kosovo como Estado independente, mediante nota oficial expedida pelo então ministro dos negócios estrangeiros Ali Babacan.

Por outro lado, há o reconhecimento coletivo quando mais de um país, conjuntamente, declaram reconhecer o novo Estado. Para Mazzuoli20, trata-se de uma modalidade bem mais vantajosa e com menores riscos, além de ser um meio político muito importante para o progresso das relações entre os Estados.

Dúvidas poderiam surgir quanto ao reconhecimento feito por uma organização internacional, quando admite o novo Estado como seu membro. Seria este ato individual do organismo, ou coletivo, estando seus demais membros vinculados?

Parte da doutrina, a qual nos filiamos, entende que, quando uma entidade estatal é aceita como membro de um organismo internacional, isto não implica necessariamente o reconhecimento como Estado por parte de todos os demais membros.21

Segundo Celso de Mello22, no tempo da Liga das Nações, a admissão de uma entidade nos seus quadros ensejava um reconhecimento tácito coletivo, uma vez que os seus membros tratavam em conjunto com vários assuntos. Entretanto, atualmente, tem-se entendido que a simples admissão como membro de uma entidade, não caracteriza o reconhecimento. Este só existe em relação ao próprio organismo, que possui personalidade jurídica distinta dos seus associados. Nesse aspecto, o reconhecimento por organismos internacionais é ato individual, pois a personalidade jurídica do organismo, que é una, não se confunde com a personalidade jurídica dos Estados.

É de se ressaltar, entretanto, o posicionamento de Herdegen, quanto à admissão na ONU. Para ele, devido ao princípio de igualdade soberana daquela organização, a admissão de um membro em seus quadros enseja o reconhecimento perante todos os outros.

20 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit., p. 450.21 Cf. HERDEGEN, Matthias. Derecho Internacional Público. México: Konrad

Adenauer Stiftung, 2005, p.75.22 Op. cit., p. 387.

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Nesse sentido:

Si se trata de La admisión a las Naciones Unidas (por recomendación Del Consejo de Seguridad o de conformidad con una decisión de la Asamblea General de conformidad con el artículo 4º. Inciso 2 de la Carta de la ONU) la situación es diferente, porque los miembros de las Naciones Unidas deben configurar sus relaciones de conformidad con el principio de igualdad soberana de todos los miembros y de otros principios consagrados en el Artículo 2º. De la Carta de la ONU23.

4.2 DE DIREITO OU DE FATO

É de direito o reconhecimento que, de forma irrevogável e definitiva, através de declaração expressa ou ato positivo, demonstra de forma cristalina a intenção de conceder o reconhecimento.

Por outro lado, diz-se de fato aquela modalidade que, provisória e revogavelmente, reconhece um novo Estado por meio de um episódio que insinue essa finalidade, ou seja, mediante acordo ou aceitação da vida em conjunto. Caso clássico é o da Inglaterra que inicialmente não reconhecia o Estado brasileiro, porém, o cônsul britânico exercia funções plenas de diplomata no Rio de Janeiro.

Para Gerson Boson24, não há que se falar em reconhecimento de fato, na medida em que o reconhecimento é um ato jurídico. Entretanto, dado a existência prática da distinção, define a modalidade de fato como “a representação do Estado assim reconhecido como um poder aleatório, capaz de caducar em virtude de circunstâncias supervenientes”25.

4.3 EXPRESSO OU TÁCITO

Será expresso o reconhecimento quando este se pautar em documento escrito, oriundo do Estado que o produz, cabendo ser decreto, regulamento, declaração formal ou tratado.26 Independe

23 HERDEGEN, Matthias. op. cit., pp. 75-76.24 Op. cit., p. 237.25 Idem, p. 237.26 MAZZUOLI, Valério de Oliveira, op. cit., p. 452.

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da solenidade do documento, contudo conta-se do teor e conteúdo. Atualmente, no Direito Internacional, tem-se o tratado multilateral como forma mais comumente utilizada para o reconhecimento de novos Estados.

De outra banda, tácito será o reconhecimento carente de instrumento escrito ou manifesto, trata-se de uma modalidade prática, subentendida pela conduta dos Estados já consolidados no cenário internacional. Assim, ocorre quando se estabelecem relações políticas ou práticas semelhantes, que, implicitamente, presumem o reconhecimento por parte daquele Estado já integrado.

Deve-se ressaltar que a mera participação de um Estado em um tratado multilateral, no qual participa o novo Estado, não enseja, a rigor, no reconhecimento deste. Entretanto, quando da assinatura do Acordo Internacional sobre a Neutralidade do Laos, em 1962, os EUA preferiram não o assinar com receio de estarem reconhecendo tacitamente a China Comunista, que também fazia parte do acordo27.

4.4 INCONDICIONADO OU CONDICIONADO

Em geral, o reconhecimento é pleno e irrevogável, sem a imposição de condições. Inclusive, para os doutrinadores mais antigos, esta é a única forma possível de reconhecimento.28

Entretanto, modernamente, algumas doutrinas já aceitam a modalidade do reconhecimento subordinada a determinadas condições. Trata-se de uma prática em que a aceitação fica condicionada ao cumprimento de certos requisitos.

Essa modalidade condicionada tornou-se uma tendência entre os Estados e pode claramente ser identificada na declaração aprovada pela Comunidade Europeia, em 1991, intitulada “Diretrizes para o reconhecimento de novos Estados na Europa Oriental e na União Soviética”.29

No referido documento, encontram-se elencados uma série

27 Cf. MATTOS, Adherbal Meira. Direito Internacional público. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 80.

28 BEVILÁQUA, Clóvis, op. cit., p. 49.29 Cf. HERDEGEN, Matthias. op. cit., p. 76.

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de requisitos que o novo Estado deveria cumprir para que fosse efetivado o reconhecimento, dentre eles, o respeito pelas disposições da Carta das Nações Unidas, garantias para os direitos dos grupos e minorias nacionais e étnicos, o respeito pela inviolabilidade das fronteiras, etc. Com essas condições, foram reconhecidas a Croácia, a Eslovênia e a Bósnia Herzegovina. Neste sentido, afirma uma parte da doutrina30 que o não cumprimento das condições estabelecidas ensejaria a suspensão ou anulação do ato em definitivo.

Todavia, para Shaw31, mesmo com as exigências impostas, o descumprimento delas não é capaz de invalidar o reconhecimento. Para o jurista inglês, tal desobediência pode representar somente uma ofensa ao Direito Internacional e ter repercussões políticas, entretanto, juridicamente, não há que se falar em reconhecimento vinculado a condições.

5 CONCLUSÃO

Viu-se que o reconhecimento é um ato pelo qual um Estado já existente atesta que uma coletividade política contempla os elementos constitutivos de um Estado, de modo que esta já pode comportar-se como tal e está apta para se relacionar com os demais membros do cenário internacional.

Nesse sentido, a doutrina é praticamente unânime ao considerar o reconhecimento como um ato unilateral e voluntário, com considerações muito mais políticas do que jurídicas, e que não deve ser regrado por imposições dos Estados consolidados aos Estados novos.

Assim, como mero atestado, tal como propunha a teoria constitutiva, o reconhecimento está de acordo com a realidade prática internacional e com os princípios que regem o direito das gentes. Isto porque condicionar a aquisição da personalidade jurídica internacional ao reconhecimento daria às grandes potências

30 Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit., p. 453; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. op. cit., p. 81.

31 Op. cit., p. 319.

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mundiais o poder decisório quanto à criação de novos Estados.Portanto, apesar da ausência de uma legislação internacional

específica sobre o tema, a doutrina, os costumes e a prática internacional caminham no sentido de que o reconhecimento seja sempre garantido às coletividades que preenchem os requisitos de existência estatal e têm o claro ânimo de liberdade política, em respeito aos direitos humanos e ao princípio da autodeterminação dos povos.

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Capítulo 3

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DIREITO PENAL INTERNACIONAL: A INFILTRAÇÃO POLICIAL COMO

MECANISMO EFICAZ DE COMBATE AOS CRIMES INTERNACIONAIS

Cláudio Marcos Romero Lameirão1

Sumário: 1 Introdução. 2 Das provas. 2.1 Prova. 2.2 Meios de prova e meios de obtenção ou investigação de prova. 3 Infiltração policial. 3.1 Antecedentes históricos. 3.2 Conceitos.3.2.1 Modalidades de infiltração. 3.3 A sistematização da Infiltração no direito brasileiro.3.3.1 Os agentes que podem atuar como infiltrados.3.3.2 Diferença entre o agente infiltrado e o agente provocador. 3.4 O tratamento inserto na Convenção de Palermo acerca da infiltração de agentes. 4 Direito Estrangeiro. 4.1 Portugal. 4.2 Colômbia. 5 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

No mundo globalizado, as nações se deparam com uma grande ameaça, em diversos setores – político, econômico, jurídico e etc.- denominada ‘’Crime Organizado’. Trata-se de um instituto de muita complexidade e de difícil combate, tendo em vista, principalmente, a carência de uma eficaz parceria, entre todos os atores que integram

1 Mestrando em Direito Internacional pela Unisantos/SP. Autor do Livro Processo Penal, vol. I, ED. Edijur/SP. Professor Universitário. Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba. Email: [email protected]

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o Direito Internacional.Entrementes, vale salientar que a dificuldade na prevenção

e repressão qualificada das organizações criminosas se avoluma quando da análise do direito doméstico de cada país, pelo fato de nem todos possuírem sequer uma definição do que elas significam, leis específicas de combate ao crime organizado, sistema probatório vetusto, bem como despreparo e falta de infraestrutura mínima no tocante a atuação dos órgãos integrantes da persecução criminal, que permita, de forma eficaz, através da obtenção de provas consistentes, o seu desbaratamento.

Destarte, o presente artigo propõe-se a analisar, apesar, outrossim, de polêmico e complexo, a utilização do meio de obtenção ou de investigação de prova intitulado Infiltração Policial como instrumento de combate às organizações criminosas transnacionais.

É fato que a política criminal internacional, pelo menos no campo ocidental, vem se mostrando, nas últimas décadas, extremamente inadequada, para não dizer inócua, no que se refere à sistematização do emprego da infiltração de agentes. Diante disso, acaba-se transferindo aos exegetas a tarefa de estabelecerem, doutrinariamente, seus requisitos, hipóteses de atuação, bem como os seus limites. Ocorre que, com isso, exsurge outro problema, qual seja a tutela dos direitos fundamentais dos investigados.

Entretanto, faremos, antes de passarmos a análise do tema principal, uma pequena análise acerca das provas, com o fito de podermos verificar os produtos probatórios logrados pelo infiltrado.

Após, analisaremos o eixo central do presente artigo que é a Infiltração policial, onde nos deteremos aos seguintes pontos: seus antecedentes históricos, conceito, escopos, modalidades, as disposições da Convenção de Palermo acerca deste instituto e a sua regulamentação no direito pátrio.

Por fim, traremos um pequeno estudo sobre o regramento da infiltração policial nas legislações de Portugal e da Colômbia, pois conforme inserto na parte introdutória o primeiro foi pioneiro na inserção do instituto em exame em sua legislação e o segundo por sua utilização no combate ao narcotráfico.

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2 DAS PROVAS

Com o avanço do crime organizado transnacional, devido principalmente a sua maior estruturação, os países, dentre eles o Brasil, tiveram que se aperfeiçoar no tocante à implementação de modernos meios de obtenção de prova, a serem utilizados nos delitos inerentes ao crime organizado, valendo salientar, a infiltração de agentes, como forma de se lograr a sua perempção. Diante disso, torna-se necessário, que distingamos, conforme se verá abaixo, meios de prova de meios de investigação ou obtenção de prova.

2.1 PROVA

Prova, em seu sentido técnico, é todo elemento ou meio destinado ao convencimento do juiz sobre o que se procura demonstrar em determinado processo. Advém o vocábulo prova da expressão latina probatio, que advém do verbo probare, que significa, persuadir, demonstrar (LIMA, 2002).

2.2 MEIOS DE PROVA E MEIOS DE OBTENÇÃO OU INVESTIGAÇÃO DE PROVA

A expressão meio de prova, refere-se às atividades por meio das quais os elementos de prova são inseridos e fixados ao processo, permitindo que o magistrado possa formar o seu convencimento. Em ementa, é uma atividade endoprocessual, desenvolvida perante o poder judiciário, com a cognição e a participação das partes, fundamentados no contraditório (GOMES FILHO, 2005).

Já os meios de obtenção de prova, no qual se insere a infiltração de agentes, referem-se a certos ritos regulados em lei, com o escopo de obter provas materiais. Não são tidos como fontes de prova, mas servem para adquirir os elementos de prova. Estes procedimentos, em regra, são extraprocessuais, normalmente desvinculados do princípio constitucional do contraditório, podendo, destarte, ser realizados por sujeitos que não se enquadrem como partes do processo, a exemplo da fase investigativa, de nosso processo

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penal brasileiro, que se caracteriza pela ausência de contraditório e ampla defesa, sendo presidida pelo Delegado de Polícia.

3 INFILTRAÇÃO POLICIAL

3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A figura do agente infiltrado, doutrinariamente, é originária do absolutismo francês nos tempos do Rei Luís XIV, tendo em vista a figura dos agentes ‘’delatores’’. Estes eram cidadãos que descobriam na sociedade os inimigos políticos, para com isso obterem troca de favores com os príncipes. Entrementes, com o passar do tempo, constatou-se que a simples vigilância não era suficiente para neutralizar a oposição ao regime, passando, destarte, a se valer da espionagem para a provocação de condutas consideradas ilícitas (SILVA, 2009).

Tal prática foi usada, também, em diferentes países, na mesma época. Na Espanha, foi materializada, especialmente durante o período da Inquisição, para auxiliar a Igreja Católica na busca de manifestações ‘’heréticas’’ (ONETO, 2005).

3.2 CONCEITOS

A infiltração de agentes consiste em um meio de obtenção de prova em que um agente infiltra-se numa organização delinquencial, disfarçando a sua verdadeira identidade, com o fito de angariar informações inerentes ao modus operandi desta.

Para Mariângela Lopes Neinstein:

Agente infiltrado é o membro da polícia que, autorizado por um Juiz, oculta sua identidade e se insere, de forma estável, em determinada organização criminosa, na qual ganha confiança de seus membros, por ser aparentado a eles, tendo acesso a informações sigilosas, com a finalidade de comprovar eventual cometimento do delito, assegurar fontes de prova e identificar seus autores. (2006, P.44).

Na visão de Scarance, este instrumento de investigação de

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prova consiste no:

Ingresso de alguém em uma organização criminosa, com ocultação de sua identidade, objetivando descobrir os seus membros, principalmente os de atuação mais relevante na estrutura daquela organização, e colher elementos para a prova de suas infrações. O fato de alguém penetrar na organização, agindo como se a ela pertencesse, permite-lhe conhecer o seu funcionamento e possibilita o acesso a informações e dados relevantes. (2009, p.18).

Para Gurruchaga, por fim, o agente infiltrado é:

Un individuo, de profesión policía o integrante de fuerza de seguridade que, sin revelar su identidade, toma contacto con persona o personas que estarían cometendo delito, con el fin de comprovar la comisión del hecho, impedir su consumación, asegurar los médios de prueba y/o identificar a los autores del suceso. (1996, p. 111).

Vale salientar, conforme se verá doravante, que a legislação pátria só admite que policiais atuem na condição de agente infiltrado, diferentemente do previsto na legislação de Portugal e da Colômbia, onde indivíduos que não sejam policiais podem receber autorização estatal para se infiltrarem em organizações criminosas.

3.2.1 Modalidades de infiltração

A depender do desiderato que procuram alcançar e das necessidades da investigação, as infiltrações policiais podem revestir-se de diversas modalidades. Destarte, variando de acordo com o grau de envolvimento do agente na seara criminosa e da durabilidade da infiltração, podem ser divididas em light cover (preventiva) e deep cover (repressiva).

As primeiras modalidades de infiltração são aquelas que geram menos riscos, duram menos tempo (em geral seis meses) e exigem um menor grau de experiência e gestão por parte do agente infiltrado. Em geral o fito deste tipo de infiltração se restringe em uma única transação ou encontro para a obtenção de informações, não vinculando o infiltrado a permanecer perenemente na órbita

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criminosa (ONETO, 2005).Nas infiltrações denominadas repressivas ou deep cover temos

situações mais complexas, pois apresentam uma maior durabilidade, exigem que o infiltrado crie laços com os demais integrantes da organização criminosa, ampliam-se os riscos ao mesmo, bem como fazem com que tenham que obter documentos falsos e romper seus vínculos pessoais (ONETO, 2005).

3.3 A SISTEMATIZAÇÃO DA INFILTRAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

O projeto de lei n. 3.516/1989, em seu art.2º, inciso I, foi o primeiro documento a tratar do instituto da infiltração de agentes, possuindo a seguinte redação:

Art. 2º, I – a infiltração de agentes da polícia especializada em quadrilha ou bandos, vedada qualquer co-participação delituosa, exceção feita ao disposto no art. 288 do Decreto-lei n. 2848/40 – Código penal, de cuja ação se preexclui, no caso a antijuridicidade (BRASIL, 1989).

O aludido e referenciado projeto de lei transformou-se posteriormente na lei brasileira de combate ao crime organizado, materializada pela lei 9034/95, revogada recentemente pela lei 12.850/13. Entretanto, sofreu um veto parcial do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, que extinguiu o inciso sob exame, alegando que contrariava o interesse público, uma vez que não fizera menção à necessidade de exigência prévia do Poder Judiciário, assim como permitia a impunibilidade dos agentes infiltrados pelas infrações penais perpetradas na constância de sua atuação, o que na visão da Presidência da República afrontava os princípios adotados pelo Código Penal brasileiro2.

2 MENSAGEM DE VETO Nº 483, DE 03 DE MAIO DE 1995: Senhor Presidente do Senado Federal,  Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1º do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar parcialmente o Projeto de lei n º 3.516, de 1989 (nº 62/90 no Senado Federal), que “Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”. É o seguinte o teor do dispositivo ora vetado por contrariar o interesse público:

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Tendo em vista uma forte pressão popular fundamentada em uma onda de violência ocorrida no fim da década de 90, o mesmo Presidente da República instituiu o Plano Nacional de Segurança Pública, o qual propugnava, dentre outras medidas, a técnica da infiltração de agentes como meio de obtenção de provas (PACHECO, 2008).

Diante disso, foi apresentado o Projeto de Lei nº 3.275/2000, que findou sendo aprovado sem restrições, instituindo no ordenamento jurídico pátrio a Lei n. 10.217, de 2001, que acrescentou o inciso V ao art.2º da Lei n. 9.034/95, implementando, finalmente, a infiltração de agentes como instrumento de combate ao crime organizado, da seguinte forma:

Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:(...) V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes,

“Art. 2º:I - a infiltração de agentes de polícia especializada em quadrilhas ou bandos, vedada

qualquer coparticipação delituosa, exceção feita ao disposto no art. 288 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940  - Código Penal, de cuja ação se pré-exclui, no caso, a antijuridicidade;

O Ministério da Justiça assim se manifestou sobre o assunto: “O inciso I do art. 2º, nos termos em que foi aprovado, contraria o interesse público, uma vez que permite que o agente policial, independentemente de autorização do Poder Judiciário, se infiltre em quadrilhas ou bandos para a investigação de crime organizado. Essa redação, como se pode observar, difere da original, fruto dos estados elaborados por uma subcomissão, presidida pelo Deputado Miro Teixeira, que tinha como relator o Deputado Michel Temer, criada no âmbito do Comissão de Constituição e Justiça e Redação, que, de forma mais apropriada, condicionava a infiltração de agentes de polícia especializada em organização criminosa à prévia autorização judicial.Além do mais, deve-se salientar que o dispositivo em exame concede expressa autorização legal para que o agente infiltrado cometa crime, pré-excluída, no caso, a antijuridicidade, o que afronta os princípios adotados pela sistemática do Código Penal. Em assim sendo, parece-nos que o inciso I do art. 2º deve merecer o veto do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, nos termos do art. 66, § 1º, da Constituição Federal, ressaltando, contudo, que este Ministério, posteriormente, encaminhará proposta regulamentando a matéria constante do dispositivo acima mencionado”.  Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. 

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mediante circunstanciada autorização judicial (BRASIL, 1995).

Entretanto, tal dispositivo, possuía falhas gravíssimas, tais como: não tinha um rito próprio que sistematizasse a infiltração, não estabelecia quem teria a legitimidade para requerê-la, seu prazo de duração, se ela poderia ou não ser renovada, se os elementos obtidos deviam ser relatados ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário e, por fim, nada falava a respeito dos limites de atuação do agente infiltrado (SILVA, 2009).

Atento a todas estas omissões, que dificultavam o combate à criminalidade organizada e ao mesmo a favoreciam, o legislador brasileiro editou à lei 12.850/13, admitindo que apenas policiais que atuam na seara investigativa possam ser colocados na situação de agente infiltrado, limita sua utilização aos crimes previstos no art.1º da aludida lei e a torna subsidiária, evitando, destarte, a banalização do instituto. No entanto, além agora da novel lei, a doutrina não autoriza o emprego da aludida técnica como meio de obtenção de provas inerentes a delitos que não guardem conexão com o crime organizado, uma vez que é considerado um rito investigatório especial, não se justificando nenhum alargamento (FRANCO, 2002).

É indubitável que o dispositivo que regula a infiltração de agentes no Brasil teve uma cristalina melhora quando comparamos a atual redação com aquela constante na lei 9034/95, tendo em vista que também passou a sistematizar objetivamente a sua atuação, o que traduz em patente respeito ao princípio da legalidade penal.

Antes da criação da lei 12.850/13, com o escopo de salvar o instituto em estudo, uma saída apresentada pela doutrina era a aplicação analógica do procedimento previsto na Lei 9.296/96 (interceptação telefônica), como instrumento balizador da infiltração (CONSERINO, 2011).

Por fim, uma outra parcela da doutrina entendia que inexistiam meios legais que concretizassem a infiltração policial em nosso país por falta de regulamentação de seu procedimento, restando inaplicável, analogicamente, as disposições da Lei 9.296/96 por se tratar de analogia in malam partem, pois do contrário restaria violado o já citado princípio da legalidade penal.

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3.3.1 Os agentes que podem atuar como infiltrados O art.10º, caput, da Lei 10.850/13 autoriza a infiltração da

seguinte forma: ‘’ Art.10º. – A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso do inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites ’’(BRASIL, 2013).

Destarte, podemos verificar, que o aludido dispositivo legal especifica quais tipos de policiais podem atuar como agentes infiltrados, em consonância com o disciplinado no art.144 de nossa Constituição Federal.

No que tange aos agentes de inteligência (ABIN), diferentemente do previsto no inciso V do art.2º da Lei 9.034/95, resta indubitável que não há mais quaisquer possibilidade jurídica de sua ocorrência, pois além da novel lei acima mencionada, nossa Constituição Federal determina expressamente que a atividade investigativa cabe àqueles que integram os quadros das polícias judiciárias (PACHECO, 2008).

Destarte, pode-se verificar que restringe-se, outrossim, às Polícias Civis e à Federal, conforme se verifica infra:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:I - polícia federal;II - polícia rodoviária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,

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o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (BRASIL, 2010).

3.3.2 Diferença entre o agente infiltrado e o agente provocador

Devemos entender como agente infiltrado aquele que ao inserir-se na organização criminosa, limite-se a observar as atividades desta, participando, quando for estritamente necessário, de práticas criminosas em curso ou instituídas, por completo, pelos reais membros da organização criminosa (ONETO, 2005).

Já o agente provocador é aquele que excede seus limites, acabando, destarte, por influenciar efetivamente no planejamento e no cometimento de novos delitos (ONETO, 2005).

3.4 O TRATAMENTO INSERTO NA CONVENÇÃO DE PALERMO ACERCA DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, denominada de Convenção de Palermo, prevê,

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em seu art.20, a utilização de meios excepcionais de obtenção de prova, dentre eles a infiltração de agentes, visando fazer com que o combate ao crime organizado seja eficaz. Ademais, elenca algumas recomendações no tocante ao seu uso, quais sejam:

Artigo 20. 1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.2. Para efeitos de investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os Estados Partes são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais apropriados para recorrer às técnicas especiais de investigação, no âmbito da cooperação internacional. Estes acordos ou protocolos serão celebrados e aplicados sem prejuízo do princípio da igualdade soberana dos Estados e serão executados em estrita conformidade com as disposições neles contidas.3. Na ausência dos acordos ou protocolos referidos no parágrafo 2 do presente Artigo, as decisões de recorrer a técnicas especiais de investigação a nível internacional serão tomadas casuisticamente e poderão, se necessário, ter em conta acordos ou protocolos financeiros relativos ao exercício de jurisdição pelos Estados Partes interessados.4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias (GOMES, 2009).

Analisando o presente artigo, podemos inferir que o intento deste documento internacional não é o de impor aos países signatários conceitos e medidas internacionais ‘’pré-moldadas’’, mas sim o de a partir dessas premissas, permitir que confeccionem seus próprios textos legais. Desta forma, no tocante a infiltração de agentes, podemos constatar que a aludida Convenção não sistematiza nem minudencia a utilização da mesma, mas determina, por exemplo,

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que o Brasil institua normas para possibilitar que esta técnica seja implementada e utilizada no país, objetivando o combate ao crime organizado.

4 DIREITO ESTRANGEIRO

Apesar de não ser o único, a infiltração policial ou de agentes é um meio de obtenção de prova regulada em diversos outros ordenamentos jurídicos.

Com o desiderato de cotejar e constatar a eficiência do presente instituto no direito pátrio, realizamos, em ementa, uma análise das legislações de Portugal e da Colômbia a respeito do tema (ONETO, 2005).

4.1 PORTUGAL

Assim como ocorre no direito brasileiro, a legislação portuguesa também normatizou a técnica da infiltração (Lei 101/2001, de 25 de agosto do corrente ano). Entretanto, cabe nota vincada ao fato de que, ao contrário da legislação brasileira, a regulamentação da infiltração permite a sua utilização de maneira mais ampla, sendo utilizada não somente como mecanismo investigativo mas também como meio de prevenir infrações penais futuras, bem como em seu art. .6º permite que o agente, desde de que isto ocorra no transcurso da infiltração, venha a praticar delitos, sendo isento de responsabilidade criminal (VALENTE; ALVES; GONÇALVES, 2001)

No que concerne a quem pode atuar como agente infiltrado a legislação de Portugal, não exige que o indivíduo seja policial, mas deve agir sobre a tutela da polícia investigativa do país.

4.2 COLÔMBIA

O ordenamento jurídico-penal da Colômbia prevê, nos arts. 241 e 242 de seu Código de Processo Penal, a infiltração de agentes em organizações criminosas, valendo salientar que assim como a legislação de Portugal não se exige que o infiltrado seja policial.

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Contudo, vale salientar, outrossim, diferentemente da legislação brasileira e lusitana, que os dispositivos aludidos estabelecem o prazo máximo de um ano, prorrogável por mais um ano mediante justificação, como lapso temporal de duração deste meio de obtenção de prova. Após as 36 horas seguintes ao encerramento da medida investigativa ora analisada, esta deverá ser encaminhada ao Poder Judiciário para que faça a sua filtragem formal e material para que possa, a partir de então, ter valor probatório (SACARANCE, 2009).

5 CONCLUSÃO

O instituto do meio de obtenção de prova denominado Infiltração Policial depende de uma previsão legal acerca do conceito de crime organizado para poder ser empregado, tendo em vista que afeta direitos e garantias fundamentais do indivíduo, em face ser obrigatório o respeito ao princípio da legalidade. Ademais, sua definição, outrossim, se faz mister para que se tenha ciência de quais os limites que devem ser seguidos em face de uma atividade persecutória estatal em que ocorra eventual restrição de garantias fundamentais.

Percebe-se que o crime organizado age sem fronteiras, o que dificulta, sobremaneira, à tutela estatal da sociedade. Diante disso, são criados novos mecanismos probatórios, onde podemos salientar a infiltração policial.

Nesse quadro complexo, bem como insuficientes os mecanismos comezinhos de obtenção de provas, inferimos ser a infiltração policial meio legítimo de combate à criminalidade organizada, desde que, se respeitem os direitos e garantias fundamentais insertos em nossa Constituição Federal.

Cabe nota vincada ao fato de que a infiltração policial caracteriza-se como um meio de obtenção de prova, tendo em vista que é um procedimento previsto e regulamentado pelo ordenamento jurídico pátrio, não sendo, contudo, fonte de conhecimento.

Por fim, se faz mister consignar que se trata de um instituto de utilização excepcional, canalizado para o combate à criminalidade organizada, para que não ocorra sua generalização e

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banalização.

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Capítulo 4

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PARECER CONSULTIVO: CASO 17 DA CÂMARA DE CONTROVÉRSIAS DOS FUNDOS MARINHOS DO TRIBUNAL

INTERNACIONAL DO DIREITO DO MAR: RESPONSABILIDADE E OBRIGAÇÕES POR PARTE DOS ESTADOS MEMBROS EM

PATROCINAR ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO DE MINÉRIOS NO FUNDO OCEÂNICO

Darlene Souza1

Sumário: 1 Introdução. 2 Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhoss. 3 Parecer Consultivo. 4 Caso n º 17 da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos. 5 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O Direito do Mar é um dos diversos ramos do Direito Internacional Público e na 3ª Conferência das Nações Unidas para o Direito do Mar no ano de 1982, foi assinada uma convenção por 117 países em Montego Bay – Jamaica, com o intuito de definir e codificar conceitos provenientes do direito internacional consuetudinário concernentes a assuntos marítimos como mar territorial, plataforma continental, zona econômica exclusiva e etc, estabelecendo também os princípios gerais de como se deve ocorrer a exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo. Tendo também esta Convenção (denominada de Convenção

1 Mestranda em Direito Internacional Público pela UNISANTOS – Santos/SP e Professora Titular do Departamento de Ciências Jurídicas das Faculdades Maurício de Nassau e IESP – João Pessoa/PB

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das Nações Unidas sobre Direito do Mar) criado um órgão judicial, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, começando suas funções em 1 de outubro de 1996 e sediado na cidade de Hamburgo, Alemanha, com competência para julgar todos os impasses acerca da interpretação e da aplicação relativa à prevenção, ao controle e à redução da poluição do ambiente marinho de todas as partes identificadas na convenção.

Este Tribunal se compõe da seguinte forma: a) Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos e Câmaras Ad Hoc do Fundo Marinho, contido na parte XI, seção 5, da Convenção e do artigo 14 do estatuto; é composta por 11 juízes, sendo necessário o quorum de 7 membros para que a câmara seja constituída. As partes de um litígio sobre o qual a Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos tenha jurisdição, pode fazer uma solicitação à Câmara de Disputas de Fundo do Mar para dar forma de uma câmara ad hoc. Uma Câmara Ad Hoc é composta por três membros da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos. b) Câmaras Especiais: 1- Câmara de Processo Sumário: em seu artigo 15. º, n. os 3 e 4, do estatuto, a Câmara de Processo Sumário pode ouvir e determinar um caso pelo processo sumário, havendo a solicitação das partes. Além disso, a Câmara pode editar medidas provisórias, caso o Tribunal não esteja em sessão, ou um número insuficiente de membros para constituir um quórum. 2- Câmara para Disputas das Pescas: responsável pelos litígios relativos à conservação e gestão dos recursos marinhos vivos, as partes interessadas, artigo 15, parágrafo 1, do estatuto. Esta Câmara tem a composição de 9 membros. 3- Câmara para Disputas de Ambiente Marinho: criada visando aos litígios concernentes à proteção e preservação do meio marinho, artigo 15, parágrafo 1, do estatuto. Sendo a sua constituição de 7 membros. 4- Câmara para Disputas de Delimitação Marítima com a competência de eximir litígios sobre delimitação marítima, artigo 15, parágrafo 1, do estatuto. Possui o quantitativo de 11 membros e, 5- Câmaras, nos termos do artigo 15, n º 2: o Tribunal deve formar uma Câmara para trabalhar com litígios, caso as partes solicitem. A composição de tal uma câmara é determinada pelo próprio Tribunal, tendo a aprovação das partes, conforme previsto no artigo 30. º das regras.

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A jurisdição do Tribunal abarca todas as disputas e as aplicações que foram apresentadas de acordo com a Convenção, como disputas relacionadas aos limites marítimos, da pesca, a poluição do mar e a investigação científica marinha, incluindo ainda todas as matérias especialmente previstas em qualquer outro acordo que confira jurisdição ao Tribunal, como expressa o artigo 21 do seu estatuto. Podendo essas disputas serem de cunho contencioso (Jurisdição Contenciosa) ou de questões jurídicas (Competência Jurídica Consultiva), artigos 297 a 299 da mesma Convenção.

No presente estudo foi utilizado em um processo dedutivo, com pesquisa bibliográfica e documental e está focado especificamente na competência consultiva da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, levando em consideração os pareceres jurídicos por ela proferidos, principalmente o parecer dado ao caso de número 17.

2 CÂMARA DE CONTROVÉRSIAS DOS FUNDOS MARINHOS

Embora seja parte integrante do Tribunal Internacional de Direito do Mar, a Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos possui mandato independente e competência específica e, por se tratar da área dos fundos marinhos e, justamente devido a esse tipo de espaço é que as demandas existentes são de jurisdição compulsória e sem muitos precedentes. Serve como um meio de resolução de conflitos tanto para os Estados, Organizações Internacionais e, em algumas poucas ocasiões, para pessoas naturais e coletivas.

Além de outros aspectos, esta Câmara demarca as responsabilidades como também as obrigações dos Estados que patrocinam as atividades na área dos fundos marinhos, além da jurisdição nacional e a extensão da responsabilidade do Estado Contribuinte para o fracasso por uma entidade que patrocina em congruência com a Convenção das Nações Unidas de 1982 sobre o Direito do Mar.

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3 PARECER CONSULTIVO Conforme o nosso bom português, parecer é uma opinião

expressa em resposta a uma consulta realizada, isto é, um juízo técnico sobre determinado conteúdo emitido por alguém, órgão, colegiado, etc.

Já o parecer consultivo dado pela Câmara de Disputa do Fundo do Mar do Tribunal Internacional do Direito do Mar, fundamenta-se nos artigos 130 a 137 da Convenção das Nações Unidas, em que os pedidos são acerca de indagações jurídicas no âmbito da Assembleia ou Conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, sendo requisitados em caráter de urgência segundo o artigo 191 da Convenção supracitada, versando sobre a interpretação e a aplicação relativa à prevenção, ao controle e à redução da poluição do ambiente marinho de todas as partes identificadas na convenção.

4 CASO N º 17 DA CÂMARA DE CONTROVÉRSIAS DOS FUNDOS MARINHOS

Este caso foi nomeado como “Responsabilidades e obrigações dos Estados no patrocínio de pessoas e entidades no que diz respeito a atividades na área”. (Procedimentos Consultivos do Tribunal Internacional do Direito do Mar), sendo este o primeiro em que a competência consultiva do Tribunal Internacional para o Direito do Mar foi requisitada, como também, a primeira vez em que a Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos foi avocada.

O Conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, tendo já uma experiência sobre questões relacionadas ao fundo do mar, solicitou à Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos do Tribunal Internacional do Direito do Mar, no dia 11 de maio de 2010, nos termos do artigo 131 da regulamentação do Tribunal, para deliberar parecer consultivo sobre os seguintes pontos: a) Indagando das responsabilidades legais e obrigações dos Estados Membros da Convenção relacionado ao patrocínio das atividades no fundo do mar segundo a própria Convenção referente à implementação de recursos minerais sólidos, líquidos e gasosos no

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fundo do mar, incluindo os nódulos polimetálicos; b) A intensidade da responsabilidade de um Estado membro que não cumpriu com as disposições da Convenção e o Acordo de 1994 e, c) As medidas necessárias e adequadas que o Estado Contribuinte deve tomar para cumprir sua responsabilidade, como consta no artigo 139 e anexo III da Convenção e o Acordo de 19942.

O Conselho pediu tal parecer devido a ter recebido no dia 10 de abril de 2008, dois pedidos de aprovação de um projeto de exploração do fundo oceânico e estes foram submetidos a ele por Nauru Ocean Resources Inc., patrocinado pela República de Nauru e Tonga Offshore Mining Ltd., tendo o patrocínio do Reino de Tonga.

Nauru e Tonga tinham pedido às Comissões jurídica e técnica do Conselho da Autoridade Internacional para adiar a consideração de seus respectivos pedidos de aprovação de um plano de trabalho para a exploração nas áreas reservadas para a realização de atividades pela autoridade através da empresa ou em associação com o desenvolvimento de Estados-Membros nos termos do art. 8 do anexo III da mesma Convenção. Houve então a concordância em adiar a consideração das aplicações, permitindo que Nauru e Tonga obtivessem o benefício da opinião antes de prosseguir ou retirar suas respectivas aplicações.

Contudo, apenas Nauru requisitou ao secretário-geral do Conselho para postular um parecer consultivo da Câmara de Disputa dos Fundos Marinhos a respeito da extensão das responsabilidades de um Estado que patrocina a exploração de minérios do fundo oceânico em águas internacionais. O pedido fundamentou-se na possibilidade, de forma eficaz, que Nauru teria condições de refrear potenciais passivos ou despesas decorrentes de seu patrocínio e, isso era relevante levando-se em consideração que essa República se trata de um país em desenvolvimento e que certas despesas excederiam em demasia a estrutura financeira do país.

Em 1º de fevereiro de 2011, a Câmara de Disputas de Fundo do Mar (secção), aprova por unanimidade esse parecer consultivo, levando em consideração todas as atividades de exploração e a

2 Acordo relativo à implementação da parte XI, que trouxe a Convenção Internacional sobre os Direitos do Mar em vigor.

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perspectiva de exploração, sendo obrigadas a serem patrocinadas por um Estado que faça parte da Convenção. Contando ainda com o que está dito na Convenção, ao invés do nódulo e sulfetos (parte da regulação emitida pela Autoridade), achou-se que incluiria também a perfuração, a dragagem, a retirada do dielétrico e escavação; a eliminação, o dumping e a descarga no ambiente marinho de sedimentos, resíduos ou outros elementos; e a construção e operação ou manutenção de instalações, dutos e outros dispositivos relacionados a tais atividades”(parágrafo 87 do parecer), entendendo ainda que não incluem o transporte e o processamento (tendo para tanto os regulamentos). E, com relação à responsabilidade, ficou claro que Estados partes devem se responsabilizar pela segurança das atividades exercidas na área do fundo do mar, se efetuadas pelos Estados partes, ou por empresas estatais ou por pessoas naturais ou jurídicas que possuam a nacionalidade dos Estados partes ou são controladas por eles ou, ainda, por seus nacionais de forma eficaz e também estão obrigados a prestar assistência à autoridade, anexo III, 4 do artigo 4º da Convenção. Quanto aos Estados Patrocinadores, artigo 139, terão também a responsabilidade de assegurar, dentro de seus sistemas jurídicos, que um contratante que esteja sendo patrocinado, executará atividades na área.

Essa obrigação de assegurar é vista como uma obrigação de conduta, não exigindo, portanto, conformidade do contratante em todos os casos (parágrafos 109 e 110 do Parecer). Mas se o dano ocorreu, e o patrocínio do Estado havia falhado em tomar todas as medidas cabíveis para garantir o respeito pelo seu contratante, o Estado seria responsável. Além disso, a câmara salientou que nada impediria tal responsabilidade de ser introduzida no futuro através dos regulamentos de mineração ou a criação de um fundo para cobrir danos não acobertados pela Convenção (parágrafos 209, 211 do Parecer).

As medidas necessárias e adequadas que um Estado Patrocinador deve tomar em cumprimento da sua responsabilidade nos termos da Convenção é levar em conta leis, regulamentos e medidas administrativas, estando em funcionamento em todos os momentos em que o contrato com a autoridade estiver vigorando,

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não podendo ser acordos contratuais tão somente com a entidade patrocinada e devem ser tão rigorosas como as adotadas pela Autoridade e, é claro, não menos eficazes do que as regras internacionais (parágrafo. 241 do Parecer). De forma esplêndida, a Câmara ainda determinou que os países em desenvolvimento têm as mesmas obrigações em relação a proteção ambiental como países desenvolvidos, tendo considerado como fundamento o princípio da igualdade, reconhecendo, portanto, que empresas em Estados desenvolvidos podem estabelecer empresas em Estados em desenvolvimento e depois disso, obter sua nacionalidade para evitar os regulamentos rigorosos (parágrafo 159 do Parecer).

No que diz respeito, particularmente à responsabilidade do Empreiteiro e Estado Contribuinte (anexo III, artigo 22, da Convenção), o empreiteiro terá responsabilidade quanto ao dano causado por ato ilícito ao realizar suas atividades seja de maneira comissiva ou omissiva. A Autoridade também terá sua responsabilidade fundamentada no dano que causar por ato ilícito no exercício de suas funções, estando incluso as violações sob o artigo 168, n. º 2. Nada na própria Convenção ou documentos conexos ensejam a responsabilidade conjunta ou solidária, não é o caso de regime de responsabilidade previsto no artigo 139, parágrafo 2 daquela. Contudo, verificou-se lacunas: 1- quando o Estado Contribuinte cumpre com todas as suas obrigações, tomando as medidas devidas, mas o empreiteiro patrocinado causa dano, todavia não tem recursos para cumprir com a responsabilidade assumida e 2- No caso do patrocínio do Estado falhar, mas não está ligada ao dano casualmente.

Havendo descumprimento das obrigações diretas3, não é possível para o Estado Contribuinte reivindicar a isenção de responsabilidade como está no artigo 139, parágrafo 2 da Convenção.

3 São as obrigações de prestar assistência à autoridade no exercício do controle sobre as atividades na área; a obrigação de aplicar uma abordagem de precaução; a obrigação de aplicar as melhores práticas ambientais; a obrigação de tomar medidas para garantir a prestação de garantias em caso de uma ordem de emergência pela autoridade de proteção do ambiente marinho; a obrigação de garantir a disponibilidade de recursos para compensação de danos causados pela poluição; e a obrigação de realizar avaliações de impacto ambiental, elencadas pela Convenção.

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O patrocínio do Estado não deixou de cumprir suas obrigações, inexistindo, portanto, espaço para a sua responsabilidade nos termos do artigo 139, parágrafo 2, da Convenção, mesmo se as atividades do contratante patrocinado resultaram em danos. O fato de existir uma lacuna na responsabilidade proporcionando tal situação, não pode ser fechada por recurso a responsabilidade do Estado Contribuinte na visão do Direito Internacional Consuetudinário.

5 CONCLUSÃO

A partir dos estudos realizados pode-se concluir que o Tribunal Internacional do Direito do Mar, por meio de suas Câmaras, tem desempenhado, na medida de suas possibilidades, grandes avanços com relação a normas e pareceres, sendo as demandas resolvidas de maneira prática, pois é um colegiado de conteúdo especializado contribuindo, desta forma, para a preservação daquilo que é considerado patrimônio da humanidade, sendo suas decisões mais eficientes que o próprio Tribunal Internacional de Justiça. Hoje tem sido considerado como um dos mais completos instrumentos de Direito Internacional onde predomina os aspectos de soberania, jurisdição e utilização de direitos e obrigações dos Estados em relação aos Oceanos.

A Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos trouxe à tona, com o Parecer Consultivo de número 17, pioneiro, a preocupação que a Comunidade Internacional deve ter, levando em consideração os princípios do Direito Internacional Ambiental como também a responsabilidade do Estado em geral com a intenção de gerir efiscazmente o equilíbrio entre a utilização produtiva dos fundos marinhos e a necessidade de proteger o ambiente marinho de danos de poluição e ecossistema. O caso em voga sustenta que a esta Câmara tem atingido até então o equilíbrio entre as obrigações e responsabilidades potenciais de patrocinar Estados e empresas privadas.

Futuras decisões da Câmara terão de levar em conta novos desafios que surgem com os avanços científicos e tecnológicos, tanto em relação aos recursos do mar e às técnicas para explorá-los, bem

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como em relação aos riscos e efeitos da degradação ambiental e à inter-relação entre a utilização de ambos os recursos vivos e minerais do mar.

A responsabilidade e obrigações, aqui vistas e analisadas relacionadas aos Estados que são partes da Convenção, levam a que devam se responsabilizar assegurando que as atividades na área do fundo do mar profundo feito por eles mesmos, ou por empreiteiros ou por pessoas naturais ou jurídicas possuam a nacionalidade dos Estados partes ou que sejam efetivamente controladas por eles ou por seus nacionais. Os Estados-partes estão obrigados a prestar assistência à autoridade. O Estado Patrocinador terá a responsabilidade de assegurar, dentro de seus sistemas jurídicos, que um contratante, então patrocinado, realizará atividades na área do fundo do mar em conformidade com os termos do contrato realizado e o que prega a Convenção.

Por mais que essas obrigações e responsabilidades tenham sido colocadas de forma eficaz e satisfatória ao caso de Nauru, levantou-se e constatou-se também que ainda precisa ser estudado com mais profundidade os efeitos de um dano iminente em todas situações, coibindo assim qualquer brecha ou a não proibição de condutas pela Convenção ou, ainda, outros regulamentos relacionado ao conteúdo pesquisado. Falta, de forma precisa, ser dita que tipo de responsabilidade é considerada a mais eficaz, pode-se falar em responsabilidade solidária, subsidiária. Ou seja, embora o parecer tenha tido sucesso naquilo que lhe foi confiado, certamente outras situações irão surgir e não ter o mesmo sucesso deste, podendo ocasionar danos irreparáveis ao patrimônio da humanidade.

Então se daria uma responsabilidade objetiva para todos os casos? Mas, se analisado dessa forma, não tem porque falar em obrigação de conduta e sim de resultado, tendo a culpa ter que ser averiguada a cada caso em particular. São, portanto, esses pontos que devem ter uma apreciação melhor, procurando o Tribunal resolver de forma efetiva e justa cada demanda que lhe seja atribuída.

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Capítulo 5

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A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO JURÍDICO DO TOMBAMENTO PARA A PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL

Fábio Brito Ferreira1

Renato José Ramalho Alves2

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito de Tomabamento. 3 Características do Tombamento. 4 Espécies de Tomabmento. 5. O processo administrativo do tomabamento. 6. Efeitos jurídicos do tombamento. 7 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, existem diversos institutos previstos pela legislação brasileira que possuem estrita relação com a proteção de valores culturais de nosso povo. Dentre eles, destaca-se o tombamento, cujo regime jurídico será analisado no presente trabalho. Entretanto, a defesa de valores ligados à história e à identidade de uma comunidade é decorrente de um longo e inacabado processo histórico.

Segundo Miguel Reale, “a cultura não é senão a concretização

1 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS; Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraíba; Professor da graduação em Direito no Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP-PB).

2 Pós-Graduando em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-PB; Articulador em Negociações Internacionais do Engajamundo; Estagiou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (2014).

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ou atualização da liberdade, do poder que o homem tem de reagir aos estímulos naturais de maneira diversa do que ocorre com os outros animais”3. É possível complementar as palavras de Reale com o pensamento de Recasens Siches4, para quem é por meio da cultura que ocorre a efetivação de valores até então tidos como ideais; esses valores, contudo, não são constantes. Assim, todo bem cultural tem um significado circunstancial, ou seja, adveio de uma situação histórica para atender as necessidades humanas daquele determinado momento.

Nesse sentido, a comunidade internacional, nos dias atuais, mobiliza-se a fim de garantir que o patrimônio cultural seja considerado como um direito pertencente a toda a humanidade. Assim, o contexto atual onde se insere a garantia e a proteção, pelo Estado, de valores vinculados à cultura é traçado, principalmente, por meio do fenômeno de internacionalização dos direitos humanos, desenvolvido a partir meados do século XX5, e que não vem deixando de fora as questões culturais.

Com efeito, os direitos culturais são aqueles relacionados à participação do indivíduo na vida cultural de determinada comunidade, bem como à manutenção do patrimônio histórico e natural, que concretizam a identidade e memória de determinado povo6.

Em âmbito internacional, após a Segunda Guerra Mundial, diversos foram os instrumentos internacionais destinado à proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade. Já na Carta das Nações Unidas de 1945, houve a previsão de que a ONU buscaria favorecer a cooperação internacional, de caráter cultural. Nesse mesmo ano, foi criada a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, o mais importante ator

3 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 244.4 RECASENS SICHES, Luis. Tratado General de Filosofia del Derecho. México:

Porrua, 1975, p. 103.5 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional.

São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 131.6 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem

internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 92.

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internacional de proteção à cultura desde então. Borges7 destaca que, com o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, houve o reconhecimento internacional de que cada indivíduo tem o direito de participar da vida cultural. O Pacto, inclusive, prevê, em seu art. 15, a obrigação do Estado de instituir políticas para a conservação, desenvolvimento e difusão da cultura.

Em 1972, foi adotada, no âmbito da ONU, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, que representa um grande avanço para o reconhecimento de obrigações internas e internacionais para a proteção de questões de relevância cultural. A Convenção trouxe a definição de patrimônio cultural da seguinte forma:

I. DEFINIÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL ARTIGO 1 Para os fins da presente Convenção, são considerados “patrimônio cultural”: - os monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, - os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arquitetura, unidade ou integração à paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, - os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

A Convenção de 1972 ainda criou o Comitê do Patrimônio Mundial, responsável pela elaboração e divulgação da “Lista de Patrimônio Mundial”8, que são bens de ordem cultural ou natural

7 BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional público e direito comunitário. São Paulo: Atlas, 2011, p. 92.

8 É possível, grosso modo, relacionar essa Lista com o instituto brasileiro do tombamento, objeto do presente trabalho, eis que ambos visam o reconhecimento e a proteção de bens ou locais de grande importância histórica e cultural.

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considerados de valor universal excepcional (artigo 11). Desde então, vários foram os mecanismos constituídos no âmbito das Nações Unidas destinadas à proteção da propriedade cultural da sociedade humana. Nas palavras de Silva, “a inscrição na Lista do Patrimônio Mundial tem o condão jurídico de tornar o bem integrante do patrimônio cultural e natural da humanidade que passa a receber uma proteção nacional e internacional”9.

Além do Sistema Global, os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos também têm assumido um relevante papel na proteção da cultura dos povos. Exemplo disso ocorre no continente americano, por meio da Organização dos Estados Americanos, que instituiu o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, defendendo, com base na Convenção Interamericana de Direitos Humanos10, e em outros instrumentos interamericanos, a cultura como um valor inerente a qualquer comunidade, e cuja proteção é de responsabilidade dos Estados.

No Brasil, o reconhecimento de que a promoção da cultura é um dever do Estado é um fenômeno recente. Até 1808, por exemplo, quando o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, era vedada qualquer produção ou edição de livros por brasileiros. A história só poderia ser contada por estrangeiros, o que demonstra a maneira limitativa com que a monarquia portuguesa conduzia a vida cultural brasileira.

Com efeito, no Brasil, a proteção de bens de interesse cultural foi desenvolvida, principalmente, com o declínio dos governos militares. No ano de 1985, foi criado o Ministério da Cultura11, órgão específico com a competência de estabelecer políticas sobre patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural, entre outros assuntos referentes ao meio cultural.

9 SILVA, Fernando Fernandes da. Turismo Internacional e Proteção do Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade. In: PHILIPPI JR, Arlindo e RUSCHMANN, Doris V. M. Gestão ambiental e sustentabilidade no turismo. Barueri, SP: Manole, 2010, p. 92.

10 OEA – Organização dos Estados Americanos.

11 O Ministério da Cultura foi criado através do Decreto 91.144 de 15 de março de 1985. Antes desse momento, o governo federal atuava em matérias culturais por meio do Ministério de Educação e Cultura.

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Contudo, foi com a Constituição de 1988 que se desencadearam expressivos avanços no que concerne à promoção dos valores sociais, histórico e ambientais em nosso país12. A Carta Magna de 1988 atribuiu ao patrimônio cultural um privilegiado status jurídico, destacando que sua proteção é dever do Estado. Nesse sentido, o art. 215, caput, da Constituição Federal dispõe que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Nossa Carta Política ainda reconhece o direito à cultura daquelas comunidades que participaram do processo histórico de formação de nosso povo. Segundo o art. 215, §1°, o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. No §2° do mesmo artigo, atribui a lei ordinária a competência de regulamentar a fixação de datas simbólicas para os diferentes segmentos étnicos brasileiros.

Ressalte-se ainda que a Emenda Constitucional n° 48 de 2005 acrescentou o §3° do artigo 215, estabelecendo o Plano Nacional de Cultura, com cinco objetivos principais: a) defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro (inciso I); b) produção, promoção e difusão de bens culturais (inciso II); c) formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões (inciso III); d) democratização do acesso aos bens de cultura (inciso IV), e; e) valorização da diversidade étnica e regional (inciso V).

O art. 216 da nossa Lei Maior, por sua vez, é de fundamental importância para se compreender o conceito constitucional de patrimônio cultural:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

12 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. parte II, p. 57-130.

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portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver;III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Adiante-se que, para os fins do presente trabalho, é possível destacar, através da leitura do dispositivo supra, os principais bens sobre os quais recai o tombamento (como veremos a seguir), a saber, “as obras, objetos documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais” (inciso IV), bem como “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (inciso V).

Portanto, é possível notar, nas palavras de Carvalho Filho (2012, p 794), “o intuito de dar cada vez mais realce aos valores culturais”; seja em âmbito internacional ou interno. Não há mais, em nossa sociedade, qualquer espaço para pensamentos contrários à responsabilidade estatal no que concerne à defesa do patrimônio cultural. Nesse contexto é que se insere o instituto do tombamento, um dos principais instrumentos para a proteção da cultura nacional.

2 CONCEITO DE TOMBAMENTO

O termo tombamento é de origem portuguesa, significando o registro do patrimônio de alguém em livros específicos num órgão de Estado que cumpre tal função. No Brasil, o tombamento trata-se de uma forma restritiva de intervenção na propriedade através da qual o Estado busca preservar o patrimônio cultural nacional13.

Moreira Neto explica, precisamente, que o tombamento significa a:

13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: 2012, p. 794.

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Intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico14.

Com efeito, o objetivo do Poder Público, ao intervir na propriedade de particulares, por meio do tombamento, é a preservação da memória nacional, a qual Carvalho Filho conceitua como o “aspecto histórico de um país, como por todos reconhecido, que faz parte da própria cultura do povo e representa fonte sociológica de identificação dos vários fenômenos sociais, políticos e econômicos”15

existentes na atualidade.Através do tombamento, o Estado sobreleva o interesse

público sobre o privado, a fim de preservar bens que agregam à nossa comunidade valores de caráter histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Inúmeros são os bens tombados na atualidade, em nosso país. Os mais comuns deles tratam-se de imóveis que representam a arquitetura de séculos passados. É possível, inclusive, o tombamento de bairros que detêm importante valor histórico-cultural. Podemos citar, por exemplo, o Centro Histórico das cidades de Salvador (Bahia), de Olinda (Pernambuco) e de Ouro Preto (Minas Gerais)16.

3 CARACTERÍSTICAS DO TOMBAMENTO

A Constituição Federal de 1988 impõe ao Poder Público17 a

14 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 318.

15 Op. cit., p. 793.16 Esses locais não só foram tombados pelo Estado brasileiro, como também foram

declarados Patrimônios Mundiais pela UNESCO, respectivamente, em 1980, 1982, 1985. 17 “Poder Público é expressão genérica que se refere a todas as entidades territoriais

públicas” in: SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 49.

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responsabilidade de garantir a todos o exercício dos direitos culturais e a proteção do patrimônio cultural. Essa atribuição é praticada mediante determinados mecanismos administrativos previstos na própria Carta Política.

Nesse sentido, o art. 216, §1°, da CRFB, dispõe que o Estado, em colaboração com a comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Por outro lado, o § 2º do mencionado dispositivo prevê que cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Dessa forma, é possível perceber que o tombamento é apenas um dos instrumentos de proteção do patrimônio público. Segundo o texto constitucional, ele deve ser regulamentado, assim como os demais mecanismos, mediante lei ordinária.

A lei infraconstitucional regulamentadora do tombamento é o Decreto- Lei n° 25 de 30 de novembro de 1937, que, em que pese algumas desatualizações, rege as normas gerais para o instituto ora analisado, classificando os documentos de registro em: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas-Artes, e; Livro do Tombo das Artes Aplicadas.

Não bastasse sua expressa previsão no art. 216, §1°, da CRFB, o tombamento ainda encontra seu fundamento constitucional no princípio da função social da propriedade (arts. 5°, XXXIII, e 170, III, da Constituição). E não poderia ser diferente: se o tombamento é uma das formas de intervenção do Estado na propriedade, é porque se configura como um mecanismo constitucional para adequar o interesse privado à propriedade ao interesse público à cultura.

Quando se trata de intervenção estatal na propriedade, as peculiares que distinguem um instituto de outro estão ligadas, normalmente, a delimitação de seus objetos. No caso do tombamento, uma característica marcante é que ele incide sobre bens móveis e imóveis, conforme disposto no art. 1º do Decreto-Lei n° 25/1937.

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Entretanto, é preciso ressaltar que esse instituto apenas recai sobre bens com relevância para o patrimônio cultural brasileiro; meros vínculos individuais ou familiares com um bem não têm o condão provocar seu tombamento.

Para alguns autores, o patrimônio cultural estaria inserido no contexto do direito ambiental; assim, bens dotados de valor cultural poderiam ser considerados como integrantes do meio ambiente cultural18. Entretanto, é preciso ter cautela ao se formular essa conclusão. Não são raras as vezes em que o tombamento é utilizado para fins exclusivos de proteção ambiental à flora e a fauna. Ocorre que, conforme ensina Meirelles, tal aplicação do instituto ora estudado é considerada equivocada, eis que o tombamento não pode servir de sucedâneo dos instrumentos ambientais próprios de proteção à natureza previstos em nossa legislação, tal como as unidades de conservação19.

Com efeito, o tombamento de um bem deve ser precedido de procedimento administrativo, que deve respeitar o devido processo legal e a ampla defesa e o contraditório (art. 5°, LIV e LV, da Constituição Federal), conforme a sistemática prevista no item 5 do presente trabalho.

Ressalte-se que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a responsabilidade do Estado para a proteção do patrimônio cultural é plena e abrangente, de modo que “em situação de emergência, mesmo sem comunicação do proprietário, tem a obrigação de providenciar o imediato início dos trabalhos necessários para a conservação do bem tombado”20.

Os arts. 19 e 20 do Decreto- Lei n° 25/37 atribuem à competência da fiscalização sobre os bens tombados ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que posteriormente, com a edição do Decreto n. 66.967 de 27 de julho de 1970, passou a ser denominado

18 COELHO, Edihermes Marques; FERREIRA, Ruan Espíndola. Estado de Direito Ambiental e Estado de Risco. In: Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 11(20): 67-80, jan.-jun. 2011, p. 68.

19 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 467.

20 Cf. STJ - REsp: 1013008/MA 2007/0291436-0, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 03/06/2008, DJe 23/06/2008.

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de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura.

4 ESPÉCIES DE TOMBAMENTO

A doutrina costuma classificar as espécies de tombamento, em regra, segundo dois critérios: a eficácia do ato e a manifestação da vontade.

No que se refere ao primeiro critério, eficácia do ato, podemos distinguir o tombamento provisório do definitivo. O primeiro ocorrerá quando ainda está em curso o processo administrativo instaurado para o tombamento; o segundo, somente após a finalização do trâmite administrativo, com a inscrição do bem no respectivo Livro do Tombo.

É preciso ressaltar, contudo, que o STJ entende que o denominado tombamento provisório, na verdade, não constitui um procedimento de tombamento, mas sim uma medida assecuratória de preservação da coisa até a inscrição definitiva em algum dos Livros do Tombo. Através desse ato provisório, o Poder Público declara o valor cultural do bem, fazendo surgir, somente a partir daí, a responsabilidade do proprietário de preservar e proteger a coisa21.

Por outro lado, com base na manifestação da vontade, o tombamento pode ser de ofício, voluntário ou compulsório. A primeira modalidade ocorre quando o instituto incide sobre bens públicos, conforme o art. 5° do Decreto-Lei 25/37, através de simples notificação ao respectivo ente federativo que pertence o bem ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada. Com a notificação, o tombamento começa a produzir seus efeitos.

O tombamento voluntário, previsto no art. 7° do Decreto-Lei 25/37, pode ser verificado em duas hipóteses: a) quando o proprietário solicitar o tombamento e a coisa se revestir dos requisitos necessários para ser considerada como parte integrante do patrimônio cultural nacional; b) quando o proprietário da coisa anuir, por escrito, à notificação que se lhe fizer para a inscrição da coisa no respectivo

21 Cf. STJ - REsp 753.534/MT, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 10/11/2011

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Livro do Tombo. Na modalidade compulsória, disciplinada nos arts. 8° e 9°

do Decreto-Lei 25/37, o tombamento é realizado sem a anuência do proprietário, através de procedimento administrativo junto ao IPHAN.

Alguns autores, como Di Pietro22, ainda dividem o tombamento em geral e definitivo. O primeiro se daria quando o instituto atinge apenas um bem determinado; o segundo, quando compreende todos os bens situados em um local (como um bairro ou cidade). Contudo, esta última divisão não representa consenso na doutrina. Para Carvalho Filho23, por exemplo, todo tombamento tem caráter individual, ou seja, seus efeitos alcançam somente a esfera jurídica do proprietário da coisa tombada. O chamado tombamento geral corresponde ato limitativo de natureza genérica e abstrata, o que é incongruente com a natureza do instituto. Assim, se vários imóveis de um bairro são tombados, isso ocorre pelo fato de que foram consideradas, individualmente, como integrantes do patrimônio cultural. Em outras palavras, para abranger cada imóvel considerado como patrimônio cultural, é necessária a individualização do ato de tombamento.

5 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DO TOMBAMENTO

Para que se efetue o registro do bem em um dos Livros do Tombo, é preciso a instauração de um processo administrativo específico, o qual pode variar de acordo com a espécie do tombamento.

Contudo, em qualquer processo administrativo de tombamento, é obrigatória a participação de um órgão técnico. Na esfera federal, tal órgão é Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Ademais, de todo modo, se constatada, por um órgão técnico,

22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011, p. 142.

23 Op. cit., p. 798.

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a necessidade de proteger um bem de valor cultural, é expedida uma notificação ao seu proprietário.  A partir desta notificação o bem já se encontra protegido legalmente, não podendo ser destruído e descaracterizado até a decisão final (efeito jurídico denominado de “tombamento provisório”).

No caso específico de tombamento de ofício – ou seja, aquele que recai sobre bem público – após a manifestação do órgão técnico, é realizada a inscrição da coisa no respectivo Livro do Tombo, notificando o ente federativo proprietário da coisa ou que a possua em sua guarda.

Acaso trata-se de tombamento voluntário, por requisição do proprietário, haverá a manifestação do respectivo órgão técnico, para averiguar se o bem se insere no patrimônio cultural nacional. Somente após essa avaliação do órgão técnico, a coisa será registrada no Livro do Tombo.

É possível que o proprietário, ainda que não tenha solicitado o tombamento, concorde ou, ainda, não se manifeste contrário à intervenção estatal em sua propriedade, a fim de proteger o patrimônio cultural.

Não havendo impugnação no prazo legal ou havendo concordância do particular, a Administração está autorizada a registrar a coisa no correspondente do Livro do Tombo. Entretanto, na prática, os casos mais comuns de tombamento ocorrem mediante iniciativa do Poder Público, seguida de uma resistência por parte do particular proprietário do bem a ser tombado.

Com efeito, após a notificação do órgão técnico, o particular tem o prazo de 15 dias para, se quiser, manifestar-se sobre o tombamento do seu bem. Caso seja apresentada impugnação, o departamento técnico responsável pela iniciativa do tombamento terá 15 dias para apresentar suas razões e, a seguir, o processo será remetido ao Conselho Consultivo do órgão técnico incumbido do tombamento, que poderá anular o processo administrativo, se houve ilegalidade; rejeitar a proposta do órgão técnico, ou; homologá-la, caso seja necessário o tombamento. Tratando-se de procedimento tramitado junto ao IPHAN, a decisão final será proferida pelo Ministro da Cultura, conforme o art. 1° da Lei n° 6.292 de 15 de

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dezembro de 1975. O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse

público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso interposto por qualquer legítimo interessado, que seja cancelado o tombamento de bens pertencentes a quaisquer dos entes federativos ou a entidade a eles vinculadas, nos termos do Decreto-Lei n° 3.866 de 29 de novembro de 1941. Para Carvalho Filho24, esse recurso é considerado como hierárquico impróprio. Por sua vez, Meirelles critica essa competência do Presidente da República, afirmando que:

Não é de se louvar o poder discricionário que se concedeu ao Presidente da República em matéria histórica e artística, sobrepondo-se seu juízo individual ao do colegiado [...]. A autoridade desse órgão, especializado na matéria, não deveria ficar sumariamente anulada pelo julgamento subjetivo ou político do Chefe da Nação. A instituição desse recurso deve-se, naturalmente, à origem ditatorial do diploma que o estabeleceu, em cujo regime o Presidente da República absorvia todos os poderes e funções, ainda que estranhos à sua missão governamental25.

É importante observar que, em todo caso, o processo administrativo deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório (art. 5°, LIV e LV, da CRFB).

Cumpre lembrar que, embora sejam raros os casos, nada obsta que a Administração, revendo seu próprio ato, em legítimo exercício do seu poder-dever de autotutela, possa anular um procedimento administrativo de tombamento, por vício de legalidade, ou, ainda, revogá-lo, com fundamento no interesse público, conforme se extrai do enunciado da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Tais espécies de cancelamento de tombamento têm sido denominadas de destombamento26.

Por fim, é preciso frisar que o tombamento é constituído por ato exclusivo do Poder Executivo. Nesse sentido, o Supremo Tribunal

24 Cf. op. cit., p. 802.25 Op. cit., p. 468.26 Sobre o tema, v. CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito

administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 519.

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Federal julgou inconstitucional ato do Poder Legislativo que pretende alterar as condições de tombamento regularmente instituído pelo Poder Executivo, por agredir o princípio da separação dos Poderes27.

6 EFEITOS JURÍDICOS DO TOMBAMENTO

Com a finalização do processo administrativo, diversos são os efeitos jurídicos decorrentes do tombamento previstos Decreto-Lei n° 25/37. Tais consequências referem-se, principalmente, às restrições ao uso e à alienação do bem tombado. Para Di Pietro28, os efeitos em face do proprietário podem ser divididos em três tipos de obrigações: positivas (de fazer); negativas (de não fazer), e; de suportar.

As obrigações positivas impõem aos titulares dos bens o dever de promover medidas de conservação necessárias sua preservação. Na ausência de condições financeiras para a adoção dessas medidas, o proprietário do bem deve informar ao Poder Público; em caso de desrespeito a tal disposição, poderá ser aplicada multa correspondente ao dobro do valor em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa.

Sob pena de nulidade do negócio jurídico, em se tratando de alienação onerosa, haverá direito de preferência da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, nessa ordem. Além da nulidade, também são previstos, se violado o direito de preferência, o sequestro do bem e a imposição, em face do alienante e do adquirente, de multa de 20% do valor da coisa – essas sanções são aplicadas pelo Poder Judiciário. O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca. Em se tratando de bem público, haverá a possibilidade excepcional de alienação, desde que se trate de transferência para outro ente federativo.

No que se refere às obrigações negativas, o proprietário fica proibido de destruir, demolir ou modificar as coisas tombadas. Para repará-las, pintá-las ou restaurá-las, é necessário a prévia

27 Cf. STF - ADI 1706/DF, rel. Min. Eros Grau, Julgado em 09 de abril de 2008 (Informativo 501).

28 Op. cit., p. 145.

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autorização do órgão técnico responsável, sob pena de multa de 50% do dano causado. Em caso de bem móvel, o titular não pode retirá-lo do país, sem o prévio consentimento do órgão técnico, a não ser que seja por um prazo curto, para fins de intercâmbio cultural; caso seja desrespeitada essa regra, a coisa fica sujeita a sequestro e o seu proprietário às penas previstas para o crime de contrabando e multa.

De acordo com o Decreto-Lei regulador do tombamento, é prevista, ainda, a obrigação de suportar: o titular deve permitir e contribuir para a fiscalização do bem pelo órgão técnico estatal, sob pena de sofrer sanção pecuniária.

Não são apenas os proprietários que sofrem restrições. O Decreto-Lei n° 25/37 determina que, em se tratando de imóveis, os vizinhos não podem, sem prévia autorização do órgão técnico competente, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada, nem sobre ela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser determinada a destruição da obra ou a retirada do objeto, impondo-se, neste caso, multa de 50% do valor do objeto retirado.

Segundo Di Pietro, o instituto utilizado, no caso da vizinhança de imóveis tombados, tem natureza de servidão administrativa, em que dominante é a coisa tombada, e serviente, os prédios vizinhos. Em suas palavras, trata-se de servidão que “resulta automaticamente do ato do tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios”29.

Ressalte-se que apenas mediante a presença de dois requisitos é possível se estabelecer a referida servidão administrativa: a vizinhança da coisa tombada e a construção que impeça ou reduza sua visibilidade.

Por outro lado, um ponto que gera dissenso doutrinário é saber se o tombamento gera direito à indenização em favor do proprietário. Sobre o tema, há autores que defendem sempre existir direito à indenização30.

29 Op. cit.., p. 146. 30 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2004, p. 364.

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Entretanto, para grande parte dos autores, o direito à indenização não é automático em caso de tombamento. Como explica Carvalho Filho31:

Nem há amparo constitucional ou legal para tal conclusão, nem há, como regra, prejuízo decorrente do ato, que retrata mera restrição ao uso da propriedade. Além disso, é preciso considerar que, dependendo da singularidade da situação, pode o ato de tombamento gerar vantagens decorrentes da valorização do bem, especialmente bem imóvel, e não prejuízo, para o proprietário. É o caso, por exemplo, de tombamento de edificações em avenida central da cidade, utilizadas por lojas comerciais de diversos ramos; o tombamento, nesse caso, alia-se ao aspecto turístico, ensejando a atração de maior número de consumidores.

Entretanto, é preciso destacar que será devida a indenização, de qualquer modo, desde que comprovado o prejuízo capaz de gerar o dever de indenizar. Assim, provados os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil extracontratual do Estado, faz jus o proprietário à indenização decorrente do tombamento.

Através da ação civil pública, prevista na Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, é possível o ajuizamento de demanda judicial para fins de garantir a proteção ou o ressarcimento por danos referentes aos bens de valor histórico (art. 1°, III).

Outrossim, ainda que não previsto expressamente na Lei 4.717/1965, a jurisprudência vem entendendo que tal diploma deve ser interpretado para possibilitar, por meio da ação popular (art. 5º, inc. LXXIII, da CRFB), a mais ampla proteção aos bens e direitos associados ao patrimônio público, em suas várias dimensões, incluindo o patrimônio cultural32.

7 CONCLUSÃO

De acordo com o exposto, percebe-se que, a partir do século passado, há um compromisso cada vez mais sedimentado dos

31 Op. cit., p. 803.32 Cf. STJ - AgRg no REsp: 1151540/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,

Primeira Turma, julgado em 20/06/2013, DJe 26/06/2013.

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Estados em proteger os valores culturais da humanidade. Na seara internacional, esse fenômeno surgiu, principalmente,

com o contexto presenciado após a Segunda Guerra Mundial, com o apoio de organismos internacionais como a ONU, que auxiliam o desenvolvimento do processo de cooperação para a proteção do patrimônio cultural de nosso planeta.

No Brasil, foi com a Constituição de 1988 que a defesa da cultura nacional foi levada ao maior nível normativo interno. O Estado, mais do que nunca, reconhece seu dever de garantir e promover os movimentos culturais de nosso povo.

Para tanto, o Estado brasileiro dispõe de diversos mecanismos administrativos, um deles, o tombamento, destinado à proteção de bens que representam um relevante valor cultural de nosso país.

Assim, é possível visualizar que o instituto do tombamento, regulado pelo Decreto-Lei n° 25/37, vem tomando um papel cada vez mais importante na preservação de bens que integram nosso patrimônio nacional.

Esse instituto gera obrigações de ordem positiva (de fazer), negativa (não fazer) e de suportar (permitir e cooperar para a fiscalização do Estado). Para sua efetivação, é preciso a instauração de processo administrativo que garanta os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório. Ao final, o tombamento é concretizado através do registro do bem em Livros do Tombo.

Finalmente, é preciso ressaltar que o processo de utilização do tombamento ainda está em fase de desenvolvimento em nosso país. É necessário um trabalho de conscientização, da sociedade e do Estado33, para que os parâmetros de identificação dos bens a serem tombados, principalmente os previstos no Decreto-Lei n° 25/37, se adéquem ao sentido da Carta Política de 1988.

33 MANZATO, Maria Cristina Biazão. Proteção ao patrimônio cultural brasileiro: o tombamento e os critérios de reconhecimento dos valores culturais. Disponível em: <www.aprodab.org.br/ eventos/.../teses/mariacbmanzato01.doc>. Acesso em 22.nov.2014.

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8 REFERÊNCIAS

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Capítulo 6

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O ESTUDO DO IMPACTO AO MEIO AMBIENTAL CULTURAL NO PROCESSO DE

LICENCIAMENTO

George Suetonio Ramalho Junior1

Rafael Augusto Dantas Carneiro Souto2

Sumário: 1 Introdução. 2 Patrimônio cultural como bem juridicamente tutelável. 3 Da tutela jurídica do meio ambiente cultural. 3.1 Dos princípios informadores do meio ambiente cultural. 3.2 Da importância da preservação do meio ambiente cultural. 3.3 Da tutela jurídica para proteção do meio ambiental cultural.3.4 Do tombamento ambiental. 4 O estudo do impacto ao meio ambiental cultural no processo de licenciamento. 4.1 Estudos ambientais. 4.2 Estudo prévio de impacto ambiental. 4.3 Estudo prévio de impacto ambiental no meio ambiente cultural. 5. Conclusão. Referências.

1 Graduado em Direito no Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE) em 2003, especialista em Direito Tributário pela Universidade do Amazonas (UNAMA) em 2007 e Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Advogado militante e Procurador do Município de Campina Grande.

2 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, pós graduado em Direito Processual Civil também pelo UNIPÊ, Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS e Advogado no Escritório Marcusso e Visintin Advogados Associados.

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1 INTRODUÇÃO

O conceito moderno de meio ambiente é bastante amplo e compreende todos os elementos naturais, artificiais e culturais que tenham uma interação, uma influência com o homem.

Assim, o direito ambiental tutela além do ecossistema, em sua escala natural, também tutela um meio ambiente em uma escala humana, onde a ciência jurídica surge para proteger o conhecimento humano em todas as suas formas: nas artes, nos costumes, nos objetos e nos imóveis, que sirvam de referência na história da civilização de uma forma geral.

Esse conhecimento passado de geração para geração é propriamente a cultura, sendo ela a verdadeira transportadora da história da humanidade, representando a identidade de cada povo.

É da tradição repassada que se forma a herança cultural de uma nação.

A busca pelo desenvolvimento pode fazer com que o ser humano se distancie dos antigos hábitos.

Esse distanciamento do homem moderno com o passado, por, quiçá, subjugá-lo a ultrapassado, faz surgir a necessidade do Estado de proteger juridicamente os antigos costumes, como forma de garantir o desenvolvimento sustentável da sociedade.

Assim surgiu o direito ao meio ambiente cultural internacionalmente protegido, como um direito de terceira geração dos direitos humanos, sendo objeto de inúmeros tratados e convenções internacionais.

No âmbito nacional, a Constituição da República de 1988 conferiu ao meio ambiente, em todos os seus aspectos, uma ampla proteção a ser amparada pelo Estado, cujos princípios são os mesmos em todas as dimensões do meio ambiente.

A Carta Magna não faz qualquer distinção quanto à tutela jurídica das diversas dimensões do meio ambiente, o que nos leva a crer que, em regra, todos os instrumentos que servem de proteção ao meio ambiente natural podem perfeitamente ser adaptados.

Enfim, sendo dever da ciência jurídica contribuir com o desenvolvimento do direito, dinamizando-o, nada mais lógico

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do que se propor o aprimoramento dos sistemas de proteção ao patrimônio cultural com instrumentos já disponíveis no direito ambiental natural.

2 PATRIMÔNIO CULTURAL COMO BEM JURIDICAMENTE TUTELÁVEL

A definição jurídica da expressão patrimônio cultural refere-se a todos os bens, materiais e imateriais, que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante da nação.

A conservação desses bens se revela essencial para manter a identidade tradicional de um povo.

O patrimônio cultural corresponde à riqueza que as tradições são capazes de transmitir à sociedade, é a herança cultural da sociedade transmita de geração para geração.

A professora Maria Luiza Machado Granziera muito bem explica que:

“O patrimônio cultural consiste, assim, no conjunto de bens e valores materiais e imateriais, desenvolvidos no âmbito de uma sociedade, que lhe conferem identidade, a serem preservados e transmitidos às gerações futuras.” (GRANZIERA, 2011, P. 360)

A Declaração de Estocolmo de 1972, em seu artigo primeiro, estabeleceu de forma expressa que o meio ambiente deveria proporcionar o desenvolvimento intelectual, moral, social e espiritual do homem, explicitando que o meio ambiente humano é formado pelo meio ambiente natural e o artificial. In verbis:

1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o

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bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.

No Brasil, a tutela constitucional do patrimônio cultural foi introduzida pela Constituição de 1934, que previa em seu art. 148, o dever do Estado em favorecer o desenvolvimento cultural e proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País.

A Constituição Federal de 1988 trouxe um conceito bem mais moderno e amplo para o patrimônio cultural, incluindo todos bens materiais e imateriais, de relevância à identidade da nação, como sujeitos à proteção estatal, dispõe o art. 216 da CF, in verbis:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver;III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Em seu art. 23, quando tratou da competência comum de todos os entes federados em proteger o patrimônio cultural, a Carta Magna elevou o patrimônio cultural ao status de meio ambiente cultural constitucionalmente protegido, in verbis:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:(...)III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

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IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;(...)VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

Percebe-se que o conceito de meio ambiente cultural, ainda que por vezes denominado de patrimônio cultural, é bastante amplo, muito mais definido pela relevância de seu valor do que pela sua essência. Na lição de José Eduardo Ramos Rodrigues:

O legislador constitucional brasileiro aceitou integralmente o moderno conceito de patrimônio cultural suprimindo expressões prolixas, imprecisas e incompletas como patrimônio artístico, histórico, arquitetônico, arqueológico e paisagístico que foram utilizadas em Cartas Magnas anteriores. Merece aplausos o legislador, pois, adotando essa moderna definição, baniu dos meio jurídicos uma série infindável de discussões sobre a questão, que ainda assolam os ordenamentos de outros países. (RODRIGUES, 2005, P. 545)

Andou bem o Constituinte ao deixar um numero aberto dos bens que integram o meio ambiente cultural, trata-se, pois, de um conceito jurídico indeterminado, com uma grande margem de abstração, o que demonstra a vontade política de nossa Constituição Federal em preservar a cultura nacional em todas as suas formas, sem estabelecer critérios fechados na essência da proteção.

3 DA TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE CULTURAL

3.1 DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES DO MEIO AMBIENTE CULTURAL

A compreensão macro do que venha a ser o meio ambiente em seu todo, percebendo que o meio artificial e o natural estão conectados, e que cada elemento são partes indissociáveis de um

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todo, é imprescindível para se entender que o direito ambiental também é um só.

Isto quer dizer que os princípios jurídicos aplicáveis à proteção do meio ambiente natural também são aplicáveis à proteção do meio ambiente artificial, sobretudo em face do regramento único que foi dado pela Constituição Federal ao direito ambiental como um só direito.

Assim, em que pese a grande diversidade das questões ambientais existentes, os princípios jurídicos do direito ambiental são os mesmos e são aplicáveis em todas as suas searas.

Por isto podemos afirmar que ao meio ambiente cultural são aplicáveis os seguintes princípios: princípio do desenvolvimento sustentável, princípio da prevenção, princípio da precaução, princípio da cooperação, reparação integral, participação social, degradador pagador e usuário pagador.

3.2 DA IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE CULTURAL

Assim como ocorre no meio ambiente natural, o meio ambiente cultural também necessita da proteção jurídica do Estado, sendo lhe aplicável o mesmo princípio do desenvolvimento sustentável.

Neste ponto é importante a noção de que o Poder Público e a sociedade em geral deve buscar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, aqui tratando do caso específico do ambiente cultural.

Por isso o princípio do desenvolvimento sustentável torna-se bastante evidente no meio ambiente cultural, tendo em vista que o desenvolvimento econômico também pode ser um fator de degradação ao meio ambiente cultural, que por vezes é subjugado pelo progresso, cedendo espaço na modernização das cidades, na ampliação dos logradouros e no usos das novas tecnologias.

Duas observações são importantes neste aparente confronto, a saber: o meio ambiente cultural não pode ser visto como um obstáculo ao processo de modernização e a cultura também não pode ser compensada ou reparada após a sua degradação.

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Este é o cenário que precisamos perceber, qual seja, que não só o meio ambiente natural está sujeito a modificações irreversíveis, mas também a cultura. Imaginemos como seria recuperar um prédio do século XVII após a sua demolição.

Daí porque também se aplica ao meio ambiente cultural o princípio da prevenção, pois a degradação ambiental é, em regra, irreparável no ambiente cultural.

A professora Maria Luiza Machado Granziera alerta:

Os valores de uma cultura são preciosos na manutenção das estruturas sociais e na própria identidade dos grupos culturais. A depredação de bens culturais indica a falta de autoestima e o sentimento de exclusão social ou cultural das pessoas. (GRANZIERA, 2010, P. 367)

Também merece atenção especial o princípio da prevenção, que encerra o conteúdo da necessidade de se prever, antecipar, evitando transformações que venham a se tonar irreversíveis.

Como já dito, ao direito ambiental cultural se aplicam essencialmente todos os princípios do direito ambiental natural, prevalecendo o mesmo sentido de que as tutela ambientais são buscadas, não para reparar um dano, mas para evitar que a degradação venha a ser provocada.

Assim, tal como ocorre com a fauna e a flora, o patrimônio cultural também se sujeita ao imperativo da prevenção por excelência.

3.3 DA TUTELA JURÍDICA PARA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTAL CULTURAL

Está previsto na Constituição Federal que os bens culturais, devido a sua relevância para o desenvolvimento sustentável da nação, estão sujeitos à proteção estatal de nível constitucional.

A Carta Republicana de 1988 dispõe em seu §1º do art. 216 várias formas de salvaguardar os bens culturais, não há um rol exaustivo das tutelas jurídicas, mas apenas exemplificativo, tais como os inventários, os registros, a vigilância, o tombamento e a desapropriação, dentre outros, vejamos in verbis:

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art.216. (omissis)§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

É dizer, o Poder Público poderá criar outros mecanismos para proteger o patrimônio cultural além dos instrumentos já expressamente previstos de forma exemplificativa no texto constitucional.

Esta questão merece bastante atenção, pois a promoção da proteção do patrimônio cultural, de alta relevância para a nação, deve sempre buscar incessantemente novas alternativas mais eficientes para otimizar a defesa desse patrimônio.

Neste contexto, vale observar que a sistemática atual de proteção do patrimônio cultural pelo Poder Público não vem logrando preservar de forma eficaz os bens de valor histórico e cultural.

Além da ineficiência estatal nas políticas públicas em defesa da cultura, a sociedade também precisa se socorrer do sistema jurídico para buscar institutos que auxiliem na preservação da cultura nacional.

3.4 DO TOMBAMENTO AMBIENTAL

Sem embargo, o tombamento é um dos instrumentos jurídicos mais utilizado para proteção do patrimônio cultural.

Na lição da professora Maria Luiza Machado Granziera:

O tombamento consiste em um ato administrativo da autoridade legalmente competente para essa decisão que, no âmbito de um processo administrativo, promove o encadeamento formal de atos que culminam com a declaração do tombamento - o ato final do processo. (GRAZIERA, 2011, P. 368)

O tombamento de um bem deveria ser visto como um reconhecimento pelo Poder Público do valor da propriedade

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privada, ou pública, e sua relevância para a sociedade, de forma a recompensar de forma justa o titular do domínio por este título, promovendo incentivos efetivos para a preservação do bem.

No entanto, no Brasil o tombamento decorre de um ato de força, um ato de império do Poder Público contra o particular, decorrente do princípio da supremacia do interesse público.

A única função que hoje o tombamento exerce é uma limitação administrativa à propriedade privada. É dizer, ao invés de um bônus pelo bem tombado só existe ônus, o que não é razoável.

Além do mais, esta política ao avesso não favorece, em absoluto, a preservação do patrimônio cultural, que deveria ser o objetivo maior.

O simples tombamento não tem eficácia como instrumento de conservação ambiental, tendo em vista que por vezes a limitação na modificação do imóvel, sem uma contrapartida financeira do Poder Público ao proprietário, termina por incentivar o abandono desses imóveis, que frequentemente vêm a se deteriorar transformando-se em ruínas. Isto porque somente após a completa destruição desses bens é que os proprietários poderão voltar a exercer todos os atributos da propriedade.

A lógica atual não favorece à preservação, pois o imóvel tombado vale mais quando vem ao chão do que quando está bem protegido.

José Eduardo Ramos Rodrigues pontua muito bem que:

Uma vez que cabe ao Estado, em conjunto com o proprietário particular, a atuação tendente à preservação dos bens culturais, não pode o primeiro simplesmente omitir-se e deixar ao último todos os encargos da conservação. Infelizmente essa tem sido a regra geral em todo o país. Existe até a máxima popular de que o bem tombado (protegido pelo tombamento) acaba realmente tombado (destruído) pelo abandono resultante das restrições que ocorrem sobre o bem sem que o Poder Público ofereça qualquer tipo de incentivo ou auxílio ao proprietário (RODRIGEUS, 2005, P. 569)

É importante mencionar que tais deficiências no instituto de tombamento podem ser facilmente superadas por uma simples

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mudança das políticas pública. Basta, pois, que o Poder Público resolva investir na preservação destes bens, seja dando uma contrapartida financeira, seja concedendo ao proprietário incentivos fiscais mais efetivos e justos, por exemplo, isentando-o de todos os tributos devidos direta ou indiretamente pela propriedade e/ou posse do imóvel, não apenas o IPTU, mas outros tributos incidentes sobre os serviços de luz, água, telefone, além de outros tributos incidentes sobre materiais de construção que forem destinados comprovadamente na recuperação ou conservação destes imóveis.

Ou seja, o tombamento deve-se tornar atrativo e não o contrário.

No entanto, mesmo que o tombamento venha a se tornar um instrumento mais eficaz com estas políticas, é preciso observar que apenas os bens ou regiões onde já houve o tombamento prévio pelo Poder Público estarão realmente protegidos, ao passo que uma infinidade de outros bens de valor relevante à cultura e à história da nação estarão desprotegidos e podem ser degradados pelo ao avanço acelerado do desenvolvimento econômico.

4 O ESTUDO DO IMPACTO AO MEIO AMBIENTAL CULTURAL NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO

4.1 ESTUDOS AMBIENTAIS

Conforme dispõe o art. 1º, III, da Resolução 237/97 do CONAMA, os Estudos ambientais:

São todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados a localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentados como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco

Há, pois, uma série de estudos ambientais realizados em fases distintas do empreendimento, que servem de subsídio para concessão

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das diversas licenças ambientais.O processo de licenciamento ambiental é por demais complexo,

pois a cada etapa de uma obra ou atividade é necessário um tipo diferente de licença, a começar pela localização, pela instalação, operação e ampliação do empreendimento.

4.2 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL

O estudo de impacto ambiental é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, materializando, em sua essência, o principio informador do direito ambiental da prevenção.

Teve como principal papel, auxiliar o controle prévio das alterações que pudessem ser produzidas em consequência de uma obra ou atividade, visando, senão coibir a degradação, ao menos, a minimizá-la, através de medidas alternativas, mitigadoras ou compensatórias do impacto ambiental.

O EIA é fruto da conclusão de estudos realizados por uma equipe multidisciplinar, que se antecipa à obras ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental.

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental é um instrumento de proteção ambiental previsto no texto constitucional, precisamente no art. 225, § 1º, inciso IV, que dispõe, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I - OmissisIV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Conforme a redação do texto constitucional, a exigência do estudo prévio de impacto ambiental deve ocorrer sempre que for ser instalada uma obra ou atividade potencialmente causadora de

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significativa degradação ao meio ambiente.A professora Norma Sueli Padilha alerta que:

As dificuldades práticas com relação à exata definição de ‘significativa degradação ambiental’ não podem afetar a essencial finalidade preventiva do EPIA, pois conforme Édis Miralé e Antonio Herman Benjamin, ‘ na implantação de um projeto sempre haverá alteração adversa das características do meio ambiente’, pois na verdade, ‘muitas vezes o insignificante se reveste da maior significância’, e citam o exemplo de um projeto que tenha o ‘condão de romper o ponto de saturação ambiental de certa área, neste caso, evidentemente, seu impacto não pode ser considerado insignificante, por menor que seja’ (PADILHA, 2010, P. 145)”

Outrossim, é importante notar que o constituinte não especificou qual tipo de degradação ao meio ambiente, o que nos leva a crer que inclusive a degradação do meio ambiente cultural pode e deve estar sujeito ao estudo prévio de impacto ambiental.

4.3 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL NO MEIO AMBIENTE CULTURAL

Assim como o meio ambiente natural é tutelado pela exigência de um estudo de impacto ambiental na instalação de obra ou atividade potencialmente degradadora, o meio ambiente cultural também deve gozar da mesma tutela jurídica administrativa.

Imaginemos uma paisagem natural ou de monumentos históricos que todavia não foi objeto de um processo de tombamento pelo Poder Público, pois bem, uma obra que venha a ser instalada na região, caso não se submeta a exigência de um estudo prévio de impacto ambiental no aspecto cultural, poderá ser licenciada e vir a degradar este patrimônio, simplesmente por não ter sido previamente tombado pelo Poder Público.

É dizer, enquanto que o tombamento apenas protege aqueles bens que já foram previamente reconhecidos como de interesse cultural, o estudo de impacto ambiental cultural, como parte integrante do processo de licenciamento, poderia servir como

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um instrumento bem mais eficaz e dinâmico, pois toda obra ou atividade que fosse se instalar em determinada região precisaria ser previamente estudada para saber se traria algum impacto ao meio ambiente cultural, ainda que não exista nenhum tombamento prévio na região.

Observemos que nesta nova hipótese, o Poder Público terá como proteger bens e regiões de valor relevante à cultura ou história, ainda que tais valores somente sejam reconhecidos durante o estudo de impacto ambiental.

Como já se disse, o estudo prévio de impacto ambiental decorre do princípio da precaução.

Na precisa lição de Segundo Antunes, o Princípio da Precaução:

É aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de que não serão adversas para este. (ANTUNES, 2004, P. 36)”

Assim, o estudo de impacto ambiental parte da necessidade de se saber os efeitos da ação humana sobre o meio ambiente e a possível degradação em face desta ação, o que coloca o meio ambiente cultural também no centro destes estudos.

Ora, não há medida mais enérgica para a preservação do patrimônio cultural do que a permanente análise dos impactos ambientais no meio ambiente cultural quando do licenciamento de grandes empreendimentos.

Isto porque transfere para o momento do licenciamento toda a análise da viabilidade ambiental em todos os seus aspectos, inclusive o cultural.

Tomemos como exemplo a construção de duas torres de edifícios no Cais de Santa Rita, Bairro de São José, Recife-PE, posto que a visada do conjunto arquitetônico histórico do Bairro do Recife, de São José e Santo Antônio restaria prejudicada pelo empreendimento, já que estavam para ser erguidos dois prédios de 41 (quarenta e um) pavimentos cada.

No momento do licenciamento da obra não foi feito nenhum estudo de impacto ao meio ambiente cultural. Não foi observado

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a possível degradação da paisagem do conjunto arquitetônico do Bairro do Recife Antigo.

Como não havia o tombamento prévio daquela região do Cais onde seriam construídas as Torres, o Poder Público simples autorizou a obra, vindo a ser construídas dois ‘espigões’ modernos prejudicado imensamente o aspecto histórico e cultural daquela região.

Na época foi ajuizada uma ação civil pública pelo Ministério Público Federal, no entanto o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, ao se pronunciar no processo, limitou-se a informar que a referida região não era tombada e que, por aquele motivo, a obra poderia ser licenciada.

Este é um bom exemplo da importância de um estudo prévio cultural da região para o licenciamento de determinados empreendimentos, pois caso tivesse sido elaborado tal estudo, certamente não teria sido permitida a construção dos referidos edifícios e haveria sido preservado aquele patrimônio cultural, o que, infelizmente, não ocorreu.

5 CONCLUSÃO

Diante de todas constatações verificadas no decorrer do presente estudo, chegamos à compreensão de que o direito ambiental é um só e, em regra, os institutos de tutela ambiental são aplicáveis em todas as dimensões do meio ambiente, seja em seu aspecto natural, seja em seu aspecto artificial.

Dessa forma, os mesmos princípios utilizados para a proteção da fauna e da flora, por exemplo, também são informadores do direito ambiental cultural, com destaque aos princípios do desenvolvimento sustentável e do princípio da prevenção.

A partir desta análise e tendo em vista a necessidade da ciência jurídica buscar novas alternativas para dar maior eficácia à proteção ambiental, sobretudo no aspecto cultural, objeto do presente estudo, chegamos à conclusão que o tombamento não pode ser a única ferramenta para a proteção do patrimônio cultural, sendo possível imaginar a implementação do estudo de impacto do meio ambiente cultural como necessário ao licenciamento de alguns

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empreendimentos.Este estudo prévio de impacto ao meio ambiente cultural

certamente trará uma dinâmica e maior eficácia no combate a degradação cultural, especialmente naqueles bens cujo valor histórico e cultural ainda não tenham sido percebido pelo Poder Público e reconhecidos através do tombamento.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. São Paulo: Lúmen Júris, 2004.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. Editora Atlas. São Paulo. 2011.

ONU, Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. Estocolmo, 16 de julho de 1972.

PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Editora Elsevier. Rio de Janeiro. 2010.

RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Tutela do Patrimônio Ambiental Cultural. Editora Manole. Barueri, 2005, p. 545 .