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Marcelo Almeida do Nascimento Do amor e outras imperfeições da vida 1

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Marcelo Almeida do Nascimento

Do amore outras imperfeições da

vida

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“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida?”

Milan Kundera

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jan/2005

Personagens:

Stella (Estrelinha)........................................................Sra. Estela

Agnes (Docinho)..........................................................Sra. Agnes

Mauro (Bam Bam)...........................................................Sr. Mauro

Regina (Rê)...................................................................Sra. Regina

Thiago (T.T.).................................................................Sr. Thiago

Ariosvaldo (Ari)

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Duas vidas todos temos,Muitas vezes sem saber.A vida que nós vivemos,E a que sonhamos viver.

ATO I

(No palco há uma fachada da varanda de uma casa de fazenda. As janelas são de cor

azul e as paredes de cor branca. Há três portas. Uma grande, central, e duas laterais,

também pintadas de cor azul. Um pequeno telhado vermelho protege a varanda, cujo

chão é de madeira envernizada. Mesas, poltronas e cadeiras estão distribuídas pelo

local. Adornando o espaço há vários vasos com flores e plantas de tipos e tamanhos

variados. Lampiões a gás pendem do telhado em ambas laterais. Ouve-se um agradável

som de águas correndo em um ribeirão e pássaros gorjeando ao longe. Uma luz amarela

pálida clareia todo lugar. É final de tarde de um dia quente).

Surge Stella. Veste roupas leves e coloridas. Em uma mão carrega uma mochila

e em outra um ramo de flores. Está radiante e feliz, falando de forma maravilhada.

Stella – Nossa! Que lugar lindo! Que maravilha! Que Maravilha! Aí, Meu Deus! Acho

que eu não vou nunca mais querer sair daqui. Olha! Tudo pintadinho, tudo tão

bonitinho. Hei! Passarinhos! Tem passarinhos por aqui! Olha! Escuta! Aí que gostoso.

Tudo tão bonito. Tão... Tão... Nossa! Tão perfeito. Essas flores, esse dia. Meu Deus, que

lindo! Que lindo!

Entra a Sra. Estela. Veste roupas sóbrias e quentes. Traz uma mala com

rodinhas, um lap top e uma bolsa de mão. Está cansada e contrariada. Senta-se

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espalhafatosamente em uma das poltronas da varada, falando de maneira estapafúrdia.

Stella fica a observá-la.

Sra. Estela – Olha eu aqui de novo! De novo! Eu não acredito! No meio do mato, longe

da civilização, longe de qualquer coisa que realmente importe. Maldito lugar. Quente e

cheio de bichos peçonhentos. Droga! (abre sua bolsa e saca um aparelho de telefone

celular) Sabia! Eu sabia! Essa merda não pega num fim de mundo como esse. Tomara

que pelo menos tenha telefone fixo aqui. Preciso fazer uma reunião ainda hoje. Merda!

Por que diabos eu fui aceitar voltar aqui? Por quê? Por quê? Graças a Deus eu não tenho

mais nada a ver com esses idiotas. É que a Regina... A Regina e o Mauro conseguiram

encher tanto a minha paciência que eu acabei cedendo. Mas maldita hora em que resolvi

voltar aqui. Maldita! Na verdade, maldito dia em que os encontrei, maldito dia em que

eles entraram na minha vida. Maldito!

Stela – (olhando para Sra. Estela e segurando o ramo de flores) Num lugar tão bonito

como esse o mundo parece ser tão perfeito, um paraíso...

Sra. Estela – (cansada, jogando a cabeça para trás) – Paraíso! Paraíso! Quem disse que

um lugar enfiado no meio do mato onde nem o celular pega é um paraíso? Um lugar

perfeito? Não tem t.v. a cabo, não tem lavanderia, não tem restaurante, não tem

cabeleireira, nada. Nada. Só esse tédio. Só o tédio de não se ter nada de útil para fazer.

Stella – Embora, sinceramente, eu ainda prefira uma praia. Água, sol, gente malhada e

bonita. É até mais divertido. O campo, o mato, ou até mesmo uma fazenda como essa

têm lá seu encanto, sua simpatia.

Sra. Estela (abrindo o lap top) – Um lugar frio. Esse lugar é frio. Distante. Estranho.

Principalmente à noite. As plantações, os bosques, as vegetações ao longo do rio se

tornam tristes, escuras e esquisitas... Sinistras com a tênue luz do luar a tentar iluminar

aquela plenitude negra e misteriosa, deixando uma vertiginosa sensação de que não

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estamos sós... Como se algo estivesse escondido entre as árvores e as plantações. Como

se na escuridão, naquele tremendo breu, algo, alguma coisa, ficasse sempre a sua

espreita... Te observando, pronto a atacar a qualquer momento.

Stella – Aqui nesse lugar, em contato direto com a mãe natureza a gente se sente mais

perto de Deus. Da essência que é a vida. Da simplicidade que a nossa vida deve ser.

(fecha os olhos, imaginando) Da luz do sol, da delicadeza das flores, da pureza do ar, da

beleza dos animaizinhos. Da vida. Isso é que é vida. Vida!

Sra. Estela – (erguendo-se do sofá) E eu. De novo aqui. Tendo que deixar a minha vida

para trás por culpa deles. Tudo sempre por causa deles. Foi sempre assim. Desde os

tempos da faculdade. Desde os tempos da faculdade... Nossa! E faz tanto tempo...

Stella – Eu sempre fico pensando... Será que a vida na cidade realmente importa? Se

formar, conseguir um emprego bom, ter muito dinheiro e muita dor de cabeça... Será

que é isso que a gente deve buscar? É isso que deve ser a nossa vida? É isso o que

realmente importa? Ou ser feliz é viver bem, é estar bem, é se sentir bem? É viver num

lugar perfeito como esse, longe da poluição, do stress, da vida caótica da cidade? Ah...

Como eu gostaria de viver para sempre num lugar como esse... Para sempre. Para

sempre!

Sra. Estela (aproxima-se de Stella) De dia essa fazenda era maravilhosa... Parecia ter

vida, parecia ter paz... Eu me lembro como era diferente, como transmitia paz e

serenidade...

Stela – (com os olhos fechados e inalando o perfume das flores) Viver uma vida feliz.

Ter felicidade, porque a felicidade não está apenas em viver. Está também no saber

viver.

Sra. Estela – (encostada nas costas de Stela) A luz do sol encantava a terra, as flores o

rio... Era diferente. Tudo era diferente. A vida era outra. (fecha os olhos e, como Stella,

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fica a imaginar e recuperar em sua memória coisas boas.) Tinha cheiro! (sorri) Cheiro

de delícias! Cheiro de vidas!

Stela – Viver junto com um marido lindo e atencioso...

Sra. Estela – O cheiro do mato crescendo, da chuva levantando a poeira da estrada de

terra, das flores, dos eucaliptos...

Stella – Filhos amorosos, lindos e inteligentes...

Sra. Estela – Um café passado na hora, uma broa de milho tirada do forno...

Stella – Leve, leve, muito leve;

Sra. Estela – Um vento muito leve passa;

Stella – E vai-se, sempre muito leve;

Sra. Estela – E eu não sei o que penso nem procuro sabe-lo1;

Stella – Eu quero apenas isso... Essa paz... Essa tranqüilidade...

Sra. Estela – Arroz com quiabo e tubaina de abacaxi.

Surge a Sra. Regina. Está extravagantemente vestida, com um tailler roxo,

chapéu da mesma cor, sandália salto agulha e bolsa de mão combinando com o chapéu.

Traz apenas uma pequena mala e se surpreende tirando os óculos escuros ao ver a Sra.

Estela parada no meio da varanda com os olhos fechados, como que sonhando.

Sra. Regina – Credo Estela! O que houve? Tá surtando, meu bem? Ou o calor dessa

droga de lugar já cozinhou o seu cérebro? Hei! Psiu! Hei! Acorda mulher! Acorda!

Arroz engorda... Ainda mais se a tubaina não for diet!

No mesmo instante surge Regina. Está radiante e feliz como Stella. Veste roupas

alegres e despojadas, trazendo uma mochila. Balança a cabeça negativamente ao ouvir o

comentário da Sra. Regina.

Regina – Estrelinha! Estrelinha! Amiga! Cheguei! Eu cheguei!

1 De Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio. Poema nº XIII sob heterônimo de Alberto Caieiro.

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Ambas despertam do devaneio. Sra. Estela abre os olhos e faz uma cara de

reprovação a sua própria atitude, indo juntar-se a Sra. Regina, enquanto Stella abre os

olhos e um grande sorriso ao ver sua amiga Regina ali. As duas se abraçam e soltam

gritinhos juvenis de felicidade, sendo observadas com descaso pelas Sra. Regina e Sra.

Estela, que apenas se cumprimentam com dois beijos no rosto e se sentam nas poltronas

com ar de enfado.

Sra. Regina – Oi querida! Como tem passado? Credo! Você me assustou com aquela

cena. Pensei que tivesse pegado uma insolação!

Sra. Estela – Aí Regina... Você bem sabe que esse lugar não me faz bem... Me deixa...

me dá coisas, né? Comecei a passar mal já quando você me convenceu a voltar aqui. Eu

odeio esse lugar. Sempre odiei. Desde a primeira vez em que estivemos aqui.

Sra. Regina – Você não é a única a quem esse lugar dá asco. Você há de convir que

para mim é muito mais difícil largar tudo e voltar aqui porque ele quis. Mas te agradeço

muito por estar aqui comigo. (estende as mãos para a Sra. Estela) Você não tem noção

da angústia que estou passando. (recolhendo as mãos e fazendo um ar de enfado) E o

trabalho? A quantas anda?

Sra. Estela – Ah... Você sabe. Ser vice-presidente de uma empresa não é fácil. E lá eu

aprendi que homem não gosta de mulher que não descruza as pernas quando estão em

reunião. Eles sequer olham para você. Ficam lá, com seus ares arrogantes e superiores

de macho, fingido não dar a mínima para sua presença, mas dando uma de gostosos,

espichado os olhos para sua bunda quando você se levanta, tentando ver se você está

usando calcinha. Mas eles aprenderam a me respeitar rapidinho. Era simples. Eu tinha

mais poder que eles. Ou diziam sempre sim senhora ou olho da rua. E você sabe. Entre

se humilhar para uma mulher e se humilhar na fila do desemprego, eles preferem a

minha enérgica companhia, claro.

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Stella – (admirando a amiga Regina) – Rê! Você tá ótima! Tá linda! Toda linda!

Regina – (suspirando) Aí! Você gostou mesmo da minha roupa nova? E o cabelo? Será

que com esse calor ele não vai ficar feio? Eu pensei em alisar, mas fiquei com medo de

pegar chuva. Eu trouxe umas chuquinhas e umas piranhas para prendê-lo. O que você

acha? É melhor eu prender ou deixar assim?

Stella – Não. Assim tá ótimo! Você tá muito bonita! Lindinha! E esse lugar não pode

deixar ninguém feio. Ele é maravilhoso. Ele é tudo... tudo, você não acha? Eu tava até

pensando em morar aqui.

Regina – Quem sabe... Acontecendo o que eu quero até deixo você vir me visitar aqui!

(soltam risadinhas)

Stella – Ai amiga! Esse lugar me deixa tão à vontade... Eu acho que sempre quis morar

no campo. Talvez na minha outra encarnação eu tivesse vivido no campo, ter sido

alguma camponesa ou algo parecido. Eu tenho muita afinidade com a terra, com as

árvores... Embora eu goste muito de uma praia cheio de gatinhos saradões!

Regina – Eu já sei! Eu já sei! A gente passa seis meses aqui e seis meses na praia. O que

você acha? Você com seus gatinhos saradões e eu com o meu amor... Com o amor da

minha vida!

Mostrando um ar de enfado, a Sra. Estela, olha com certo interesse para o sapato

da amiga.

Sra. Estela – Gostei do seu scarpim. Você comprou aqui no Brasil?

Sra. Regina - Não! Eu comprei na Gucci de Bervely Hills na última vez que estive por

lá. Tive sorte em achar uma peça boa como essa. Não gostei de nada da última coleção.

Sra. Estela – Você é corajosa vindo pra esse fim de mundo vestida decentemente.

Sra. Regina – Tá bom! E você acha que eu usaria uma calça jeans, por exemplo? Nem

morta eu entro num trapo daqueles. E você sabe que eu agora não posso abrir mão de

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me cuidar, de estar sempre bem produzida. Não posso abrir mão de nenhum detalhe da

minha aparência. (abre a bolsa e tira um espelho. Fica a se olhar ansiosamente) Ainda

mais agora. Ainda mais agora com essa... Com essa...

Sra. Regina suspira fundo, segurando o choro. Abre novamente a bolsa e procura

por um lenço de papel. Na outra ponta da varanda, Regina e Stela estão radiantes.

Regina – Aí Estrelinha... Será que ele vai reparar em mim? Hein? Será? Eu tô bem, hein

amiga? Vou chamar a atenção dele? Ele vai ficar olhando para mim? Hein?

Stella – Claro amiga! Você tá linda! E não se preocupa com isso, Rê... Você é bonita.

Mais bonita do que a outra lá. Pode acreditar.

Regina – Mais bonita que ela, né? Eu sou né? Mais bonita que a Agnes, né? Aí

Estrelinha! Se você soubesse como eu sofro. É horrível. Eu sei que ele não gosta dela.

Ele não pode gostar. Ela não tem nada a ver com ele. Nada. Eu sim. Eu tenho dinheiro.

Tenho berço. Sou melhor que ela, uma empregadinha de escritório. Não se arruma, tem

a pele cheia de espinha, não sabe nada. Eu sou a melhor para ele não sou? Eu quero ser

a melhor para ele.

Sra. Estela – Pare de se lamentar Regina! Nem fica bem para uma mulher como você

ficar chorando por causa de homem. Você sempre teve essa mania de ficar com idéias

fixas na cabeça. Antes era aquela maldita dúvida se ele gostava ou não de você.

Stella – (afagando os cabelos de Regina) – Mas ele gosta de você sim! Não se preocupe

amiga. Ele sabe disso tudo. Eu sei. E tenho certeza também que ele gosta muito de você.

Sra. Estela – Não é querendo passar a mão na sua cabeça, mas levando em consideração

os anos que vocês estão casados e tendo em vista as circunstâncias que levaram vocês a

se casarem, eu acho, suponho, um tanto remotamente é verdade, que ele goste, vá lá,

um pouco de você. Afinal de contas, a tarefa mais difícil da vida é aprender a esquecer

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de quem aprendemos a gostar. Seja por bem, seja por mal... Ou quando não existe

opção.

Stella – Nós nunca devemos duvidar de quem amamos. Jamais. Devemos sempre

procurar entendê-los. Eu acho que os homens são indiferentes às coisas do amor. Para

eles, o amor é uma coisa aparte, uma espécie de imposição social. É um sentimento que

brota neles por acaso e está relacionado ao sexo assim como... Assim como o futebol à

cerveja. É isso. Diferente da gente, de nós mulheres, que sabemos que ele é essencial

para nossa vida. Para toda nossa vida.

Sra. Regina – Eu tento acreditar nisso, Estela. Eu tento. Juro. Mas a cada dia que passa

ele está mais distante. Cada vez mais distante de mim. Não consigo ignorar isso. Não

consigo. Temo que ele vá me deixar. Cada dia que passa eu sinto mais isso. Ele vai

querer me deixar. Ele vai me abandonar Estela.

Regina – Eu não sei Estrelinha! Eu não sei! Parece que a cada dia que passa ele fica

mais distante de mim. Mais longe. E mais perto dela. Daquela... Daquela desgraçada!

Daquela vagabunda! Droga! Aí Estrelinha. Você sabe no que eu acredito, né? Eu sei que

não existe amor sem coragem e que não há coragem sem amor. E eu tenho lutado tanto

por ele, tenho feito tudo por ele e faria qualquer coisa para me ver livre daquela

nojentinha, tirá-la de uma vez do meu caminho e deixar o Mauro livre só para mim. Só

para mim.

Sra. Regina – Eu sempre fiz tudo por ele Estela.Oh! Ninguém mais além de você sabe o

quanto eu já lutei por esse homem. O quanto eu me sacrifiquei, o quanto batalhei por

ele. Chorei, briguei, humilhei-me... Fiz de tudo. Tudo para ficar ele. Tudo para tê-lo nos

meus braços.

Stella – Calma amiga. Calma. Não se desespere. Você se lembra do que aprendemos no

último curso sobre misticismo? Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é

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melhor. Lembra disso que a professora falou? Aí ele vai aprender a te respeitar e ver

que o seu amor é natural, é puro, é honesto e sincero.

Sra. Estela – Não! Não! Nada disso. Regina! Você parece uma criança chorosa. Pôxa.

Você já é uma mulher feita. Já devia ter aprendido que na vida se ganha e se perde

sempre. Não existe um campeão constante. Você pode muito bem amá-lo e ir para cama

com outro. Qual é o problema? Ou você acha que ele não faz isso com você?

Sra. Regina – Que vai para cama com outra?

Regina – Será que ele vai me amar para sempre? Ser fiel comigo?

Sra. Estela – É claro. É lógico, notório e evidente que a vida conjugal de vocês já

acabou faz tempo.

Stella – Claro que sim.Ou você acha que aquela vez que vocês transaram lá na praia foi

só por curtição? Hein? Para chegar até onde vocês chegaram é porque existe um algo

mais, muito mais além do que uma simples amizade ou uma curtição barata.

Sra. Regina – Disso eu sei. Eu sempre soube. Quer dizer... Eu sempre quis não acreditar

que eu soubesse. Achava que o meu amor por ele era cego. E que ele também me amava

cegamente e apenas saia com outras mulheres por puro prazer carnal. Mas seu amor, seu

verdadeiro amor era por mim. Por mim. E por isso, por esses anos todos, eu sempre me

iludi, fiquei acreditando nisso, fingindo não ver as loucuras que ele cometia, seus

adultérios, suas mais baixas traições. Afinal de contas, ele sempre voltava para mim.

Fosse a qualquer hora, de noite ou de madrugada, depois das mais depravadas orgias,

era para mim, ao meu lado que ele voltava. A cabeça de onde pendia o seu sono sincero

e tranqüilo ficava ao lado da minha. O seu corpo relaxado depois de uma noite de prazer

comigo ou com outra ficava ao meu lado. Eu sempre fui a sua mulher. Sempre. E

continuarei sendo. Pode escrever, Estela. Eu sou e serei até fim das nossas vidas sua

única esposa e companheira. A única. E não vou assinar nada. Nada. Nada de divórcio,

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de separação. Nada. É isso o que ele quer. É isso o que ele deve estar querendo. Trouxe-

me pra cá, para esse fim de mundo, para que eu não tivesse para onde correr. Sim. É

isso mesmo. Ele quer me convencer. Vencer-me pelo cansaço. Deixar-me aqui sem

escapatória. Forçar-me a dividir tudo aquilo que eu o ajudei a construir. Para que eu

assine os papéis. Os malditos papéis do divórcio. Por isso ele me trouxe de volta para cá

e vocês como testemunhas. Mas não Estela. Ah! Não mesmo. Ele não vai conseguir

isso de mim. Não vai.

Regina – Sabe com o que eu sonhei, amiga? Eu sonhei que o motivo pelo qual

estávamos aqui era porque ele iria me pedir em namoro. Que iria me tirar para dançar, e

depois sussurrar no meu ouvido se eu gostava dele. Mas depois, na outra música, ele já

me pedia em namoro. E na outra em casamento. E na última música já estávamos

casados, juntinhos, dançando sozinhos. Marido e mulher. E ele dizendo que me amava.

Que era completamente apaixonado por mim e eu era a mulher da sua vida. Oh

Estrelinha! Isso seria tão maravilhoso! Seria tão maravilhoso. De repente... De repente

ele pode me pedir mesmo em namoro, você não acha?! É amiga! Até em casamento. Por

que não? Os pais deles virão. Os meus também. Aí Estrelinha. Ele me ama, amiga. Ele

me ama!

Sra. Estela – Regina! Posso ser sincera com você? Não agüento mais esses seus

rompantes de certeza. Alias, de devaneios, pois você nunca teve certeza de nada.

Apenas tem essa mania de sabe tudo. Até parece que você nunca erra. Nunca errou.

Talvez esse não seja o real motivo pelo qual estamos aqui. Pode até ser mais eu duvido.

E deixe-me ser sincera com você definitivamente Regina. Vamos encarar os fatos.

Desista do Mauro. Esqueça ele. É isso mesmo amiga. Desista do Mauro!

Stella – Você deve estar certa amiga... Eu acho que é sim. Por isso estamos nesse lugar

maravilhoso, amiga. É para que tudo dê certo. Eu sabia que algo de bom ia acontecer

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aqui nesse lugar logo que cheguei. Parecia que os duendes e todas as fadas me diziam

isso. Sim minha amiga. Ele te ama sim. Eu tenho certeza.

Sra. Estela – Ele nunca te amou. Ele nunca gostou sinceramente de você. E o motivo

você sabe porquê.

Sra. Regina – Não diga tolices você, Estela. O que você está querendo insinuar? Hein?

Que o Mauro ainda se lembra daquela... Daquela mulher maldita? Ora! Por favor,

querida! Ele já a esqueceu faz muito tempo. Ele já a esqueceu para ficar comigo.

Comigo!

Regina – Eu o quero muito Estrelinha! Quero muito mesmo que ele fique comigo!

Nem... Nem que eu tenha que me humilhar, dar tudo o que tenho, abrir mão de tudo, de

tudo para ficar com ele.

Sra. Estela – É como dizem por ai. O amor é cego, surdo é burro! Eu estou convicta do

que acabei de lhe dizer. Ele nunca esqueceu a Agnes. O amor é uma perigosa doença

mental. Dissolve o cérebro e com ele todas as virtudes, valores e amor próprio do

individuo. Quando alguém ama, a moral, a consciência, o discernimento, tudo isso

acaba. Dissolve-se como açúcar no chá. E apesar dele ter ficado com você, de ter se

casado com você, pode ter certeza de que ele nunca esqueceu a Agnes. Meu conselho,

meu sincero conselho de amiga, é que você não crie muitas expectativas quanto a ficar

sempre com ele e esteja muito bem preparada para o que pode vir a acontecer aqui.

Sra. Regina (levantando-se indignada e indo ao lado de Regina, triste e cabisbaixa, onde

pousa sua mão no ombro dela como a consolá-la) – Que idéia! Mas... O que está

acontecendo com você Estela? Por que resolveu me chatear agora? Por que está

querendo acabar comigo e a minha felicidade? O Mauro me ama. Ele já esqueceu por

completo aquela vadia. Eu sei disso.

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Regina – O amor é algo engraçado. Nos faz sofrer, nos faz sentir mais fracos, mais

vulneráveis... Mas ao mesmo tempo nos dá forças para lutar, para irmos em busca dos

nossos desejos, das nossas realizações. E eu o amo, Estrelinha. (vira-se para Sra.

Regina) Eu o amo. E eu tenho toda essa força dentro de mim a me mover, a me fazer

crescer e ficar forte para não deixá-lo escapar.

Sra.Regina (voltando-se para perto da Sra. Estela) – Viu? Mas eu entendo você Estela.

Eu entendo essa sua amargura, esse seu mau agouro contra mim. É você. É você que na

verdade não consegue esquecer ele. É você quem entregou os pontos e desistiu de lutar

pelo seu amor. E agora quer que eu faça o mesmo. Quer que eu abandone a minha

felicidade para entrar no seu clubinho cheio de mulheres recalcadas, encalhadas e

abandonadas, não é isso? Não é isso o que você quer?

Sra. Estela – O quê? Eu? Esquecer? Esquecer de quem, oras? Do que você está falando?

Regina – É amiga...Eu vejo nos seus olhos que você não está só feliz por mim. Eles

estão tão brilhantes, radiantes. Você também tem esperanças, né Estrelinha? Você

também acredita que o T.T. queira você?

Sra. Regina – Não disfarce Estela. Você nunca foi boa nisso. Confesse. Afinal, não é

culpa sua. O primeiro amor é um pouco de loucura e muita curiosidade. Você estava

louca por ele, louca para conhecê-lo, louca para trepar com ele, não foi? Não foi assim

que aconteceu? E depois...

Stella – Oh, Rê... Eu já nem sei o que sinto pelo T.T. É algo tão... É tão forte em mim,

mas não sei se ele sente o mesmo. Você e o Mauro estão tão mais pertos, parecem tão

mais felizes e feitos um para o outro do que eu e ele. Acho que para ele somos apenas

amigos. Ele não presta atenção em mim. Não repara em mim. Nem sei se sabe que eu...

Que eu gosto mesmo dele.

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Regina – Mas isso é fácil de saber amiga. A distância entre a amizade e o amor pode ser

medida por um beijo. Você está preparada para medi-la? Está pronta para saber se vale à

pena entregar todo o seu amor para ele? Lembra-se de quando fez o seu último mapa

astral e ele revelou que você seria feliz com um homem forte, ousado e sincero? É ele.

Só pode ser o T.T.

Sra. Estela – Não me faça perder a cabeça com você, Regina! Não me insulte! Não me

faça ficar nervosa, pois você vai se arrepender! Eu já lhe disse e você sabe muito bem

que eu não quero mais nada com aquele crápula do Thiago. Eu fui enganada, passada

para trás. Fui uma besta. Uma besta. Se alguma vez eu te disse que estava apaixonada

por aquele... Por aquele canalha, esqueça. Foi tudo um erro. Um erro imperdoável.

Imagina sentir alguma coisa por ele! Não. Na verdade ainda sinto algo por ele sim.

Nojo. Nojo. Eu tenho nojo dele. Eu fui iludida. Completamente iludida por ele através

desse sórdido embuste que a natureza criou para continuarmos com a preservação da

nossa espécie.

Sra. Regina – Cruz credo! Deveria ter ficado quieta. Agora vou ter que ouvir

justificativas filosóficas sobre o amor.

Sra. Estela - É. O amor. É só para isso que serve o amor. Justificar sublimamente o que

é um mero ato animal, carnal. Trepar. Transar. Foder. Fazer um, dois, quatro, dez filhos,

criar estrias, flacidez e ficar com os peitos caídos. O amor existe apenas para justificar

tudo isso perante Deus, os outros e nós mesmas quando nos vemos peladas frente ao

espelho. É só para isso que ele serve. E eu te digo pela última vez. Eu não sinto mais

nada pelo Thiago. Nada.

Regina – E então? Você está preparada se por acaso ele... Ele pedir pra você... Você

sabe, fazer tudo? Se ele quiser ir um pouco mais além de um beijo e dizer que te ama e

te quer...

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Stella – Aí Rê... Eu acho... Eu acho que sim. Eu estou pronta pra ele. Sempre estive.

Meu amor por ele é tão grande que... Aí! Eu não quero saber de nada e de ninguém. Não

me importa o que os outros vão achar ou dizer. Eu o amo e isso é o suficiente, não é?

Sra. Estela – Há vários motivos para não se amar uma pessoa. E eu juro para você que

não existe um motivo sequer para querê-lo amar, sentir alguma coisa positiva em

relação a ele. E quer saber mais? Sinceramente? Nunca existiu. Nunca.

Próximos a Stella e Regina surgem Ari e Thiago. Também estão usando roupas

leves e despojadas. Stella suspira ao ver o seu amado andando em sua direção.

Cumprimentam-se com beijos na face e um abraço singelo.

Regina – Oi meninos. Puxa! Até que enfim vocês chegaram. Por acaso se perderam no

meio do caminho?

Thiago – Que nada! Chegar até aqui foi fácil! Na verdade a gente demorou porque

paramos num boteco lá na cidade para tomar uma cerveja e trocar umas idéias.

Stella – (olhando com admiração para Thiago) – Aí meu Deus! Lá vêm vocês de novo.

Posso até imaginar o que vocês estavam conversando. Acho que vocês são únicos

garotos da face da terra que gostam de discutir filosofia, ciências, artes e o escambal até

depois da aula. Vocês parecem que não falam de outra coisa! Nem vendo toda essa

beleza. Esse paraíso! Isso tudo aqui já não é uma prova suficiente de que o papo de

vocês é muito avoado, é doidera? Já tá por fora? Que Deus existe e fez tudo isso com

suas próprias mãos? Hein Ari? Hein T.T.?

Ari – Não minha querida. A gente não estava falando sobre isso. Na verdade estávamos

discutindo sobre futebol. As finais do Campeonato nacional.

Thiago – Um assunto que vocês mulheres, por mais que queiram se aprofundar nunca

vão compreender em sua totalidade.Futebol, mulher e cachaça. As melhores coisas do

mundo; é ou não é Ari?

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Ari – Entre tantas outras também... E guardadas as devidas proporções, é claro.

Sra. Regina – Então tá. Faz de conta que eu acredito que depois de tudo o que aconteceu

você não tem mais nenhuma quedinha pelo Thiago. Você deu pra ele, o amou, quase

morreu por ele e agora, mesmo estando ele podre, podrérrimo de rico, você diz que não

quer mais nada com ele? Que não sente mais nada por ele?

Sra. Estela (vacilante) – É isso. É isso mesmo! E também...

Sra. Regina - E não venha me dizer que aquelas conversas idiotas que ele tinha com o

Ari te deixavam fascinadas, apaixonadas, extasiadas. E por isso você acabou cedendo

aos seus encantos. Oh! Quando eu me lembro como ele era cachorro. Grosseiro. Metido

a profeta fatalista. Um nojo.

Thiago – Aí. Não começa não. Não vem com esse seu papo de ficar em cima do muro

não Ari. Guardadas as devidas proporções o cacete! É e é sim. E pronto. Eu já te disse

uma vez. O que você pinta e borda por aí não é exatamente o que você faz. Pára com

isso e desencana. Mulher, futebol e cachaça são sim as melhores coisas do nosso mundo

aqui na terra. E ponto final.

Sra. Estela – Pode ficar tranqüila querida. Eu nunca me interessei pelas conversas dele.

E, diga-se de passagem, eu sempre odiei Willian Blake.

Regina – O problema do Ari é sua timidez. Tadinho. Morre de vergonha quando discute

sobre alguma coisa relacionada a sexo, pudor, essas coisas. E vocês sabem: A vergonha

é o disfarce do orgulho.

Ari – Não Rê. Não. Não é nada disso.

Stella - E não adianta ficar ostentando esse seu ar de inocência e vergonha. A gente

sabe que no fundo vocês, homens, são todos iguais. Sexo e estômago. E o seu signo Ari

é o signo do fogo, da paixão. Você deve ser um furação na cama! (todos riem, inclusive

as senhoras).

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Ari – Meu caro Thiago, Rê e Estrelinha. Não é nada disso. Nada disso. É que quando

conversamos sobre algo mais sério, o T.T. tem essa mania de buscar a essência humana

através das máximas de vida e da sociedade. E isso não vai levá-lo a lugar nenhum.

Você tem que admitir, e também aceitar, que qualquer tentativa de conhecimento do ser

humano já se perde quando se baseia em uma ou tantas outras elucubrações existente

pelo mundo afora. Você nunca irá encontrar nos outros exatamente o que passa e

acontece com você porque você viu escrito em algum lugar. Essas ações e pensamentos

que você acredita moldarem e situarem o homem em sociedade são puros exercícios de

pretensão. Todo o conhecimento é incompleto. Buscar uma razão perfeita, uma única

explicação para responder a tudo que nos rodeia é um erro grotesco.

Thiago – Ora, ora! Que bom que você reconhece isso. Então, quando você vem me

criticar, me dizer que estou errado, que não estou sendo correto nas minhas idéias, nos

meus ideais, você também, meu caro Ari, está sendo um pretensioso? Um reles sofista

da minha individualidade? Afinal de contas, você me julga de forma parcial, não é? Os

meus discernimentos são julgados por você a partir de idéias das quais você tomou

partido? Tô certo ou não?

Regina – Aí meu Deus! Começou! Mais um round entre o Sr. Filósofo da Vida é Bela e

o Mister Happy End of the World! Quando vocês vão parar de ficar discutindo

bobagem, gente? Parem com isso. Vamos aproveitar a vida agora. A nossa vida agora.

De repente ela passa e a gente vai ficar aqui? Discutindo sexo dos anjos? Idiotices?

Chega! Isso não dá dinheiro nem tesão.

Stella – É isso mesmo gente! O que interessa se a gente é assim ou assado? Cada um é

cada um e pronto. Deus nos deu a vida para que cada um cuidasse da sua.

Sra. Regina – Como era infame, torpe, vil a forma como Thiago se portava antigamente.

Ele sempre tinha um meio ardiloso para justificar seus piores atos.

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Sra. Estela – Como assim?

Thiago – A verdade é que o que hoje se prova, outrora era imaginado. É um exercício

concreto analisar as pessoas pelo o que se comprovou e escreveu durante os séculos de

sociedade da nossa humanidade. Mais do que a essência do indivíduo existe também

uma essência da nossa formação social, e essa formação está descrita nos anais da

história.

Ari – Então me permita fazer a seguinte colocação, já que você diz acreditar que o que

foi escrito reflete o passado e o futuro e pode descrever com precisão um indivíduo.

Então me digam o que vocês acham desse pensamento de um filósofo grego, que afirma

ser o ser humano um só. Um palco onde está em conflito o amor e o ódio, a conjunção e

dissolução, a razão e a emoção. Tudo o que existe, existe em cada ser humano, em cada

unidade essencial de vida. Em mim, em vocês, nelas (e aponta para as senhoras) em

cada um de nós. Temos ao mesmo tempo Deus, a natureza e nossas mentes. E é Ele,

essa força maior que nos governa e move o mundo com sua mão direita e esquerda,

entre o equilíbrio e o desequilíbrio. Convencionamos ao passar dos séculos chamar esse

eterno movimento em busca do ideal de bem e mal e outorgar dogmaticamente suas

aplicações a entidades abstratas ditas superiores e inferiores. Não podemos separar tais

valores da nossa vida. Ninguém é bom e ninguém é ruim. Todo mundo é tudo ao

mesmo tempo. E temos que viver com essa dualidade constante em nossas vidas. Toda a

sua crueldade e toda a sua beleza.

Regina – Bom... Tirando a parte do meio, acho que entendi o final.

Stella – Apesar das belas palavras, eu acho isso uma besteira. Se um dia alguém foi

ruim nada o impede de ser bom durante o resto da sua vida.

Thiago – É isso ai! Besteira! Masturbação sociológica. Pura idiotice tudo isso o que

você disse Ari.

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Regina – Peraí! Então, pelo o que eu entendi, você disse que temos as duas forças

dentro de nós, o certo e o errado num eterno embate?

Ari – Isso mesmo Rê.

Thiago –Isso o que você está me dizendo Ari só me leva a conclusão de que somos

seres absolutamente recalcados. Retemos dentro de nós toda a beleza do mundo e não

podemos extravasá-la, pois, como você mesmo disse, estamos num eterno processo de

conjunção e dissolução, o que para mim é explicado pela nossa formação ao longo dos

anos, que pode ser resumida em uma única idéia do meu mentor intelectual, Willian

Blake: As prisões de nossas manifestações sociais são construídas com as pedras da Lei.

Da lei dos homens. E os bordéis da nossa moral com os tijolos da religião. Entendeu? É

nisso, é nisso no que eu acredito.

Sra. Regina – Entendeu o que eu disse sobre ele, querida?

Sra. Estela – Ham ham. Para o Thiago, os fins sempre justificam os meios. Para fazer o

que se quer basta ignorar as leis. Uma boa justificativa para matar, roubar e se

marginalizar perante a sociedade.

Sra. Regina - E para comer quem quiser, pois bastava derrubar os conceitos morais

erguidos pela religião e cair na maior fornicação sem nenhum peso na consciência. Em

suma, ele não passava de um ser promíscuo.

Sra. Estela - Um crápula nojento mesmo.

Stella – Então... Se eu entendi essa doidera toda, a gente tem dentro da gente o poder de

fazer o que quisermos, mas não o fazemos porque somos reprimidos pelas leis da

sociedade e pela religião? É isso mesmo?

Ari – Bem, são idéias bastante dialéticas. Não sei se podem ser sintetizadas desta

forma.

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Thiago – Não dê ouvidos a ele, Estrelinha. O que você entendeu é o que importa,

independentemente de estar certa ou não. Livre arbítrio, certo Ari? Afinal de contas

ninguém vê a mesma árvore que o sábio. É ou não é?

Regina - Mas que idéia, gente! Vai. Vamos deixar isso pra lá. Isso não tem graça

nenhuma. Não vale a pena ficar discutindo essas besteiras.

Stella –Para mim, tudo o que surge em nós e nos direciona a viver vem de outras vidas,

de outras correntes. Já vem de um passado distante, e nós apenas vamos cumprindo os

desígnios a que somos postos à prova por vontade divina. Eu acho isso.

Thiago – É isso aí Estrelinha. O que você entendeu e o que você acha é o que realmente

importa.

Sra. Estela – Graças a Deus as pessoas aprendem a mudar o pensamento. Ter outras

idéias, outras percepções do mundo.

Sra. Regina – Sem dúvida. E você e o Thiago são provas mais do que cabais de que o

ser humano é algo surpreendente. A gente nunca sabe do que pode sair da cabeça de um

ser humano. Um dia flores, outro dia guerra.

Sra. Estela –Eu surpreendente? Eu te surpreendo querida amiga? Não estou te

entendendo Regina.

Stella puxa Regina para o lado e fala ao pé do seu ouvido:

Stela – Aí amiga! O Thiago não é o máximo? Não é tudo? Meu homem não é

maravilhoso?

Sra. Estela – Ouça Regina. Uma das coisas que aprendi ao longo da minha vida é que

existe um tempo certo para cada coisa. Um momento oportuno para cada propósito. O

tempo de nascer, o tempo de morrer, o tempo de plantar e o tempo de colher. A gente

sofre modificações na nossa vida quer queiramos ou não. Somos crianças num tempo e

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adultos no outro. O mundo funciona assim. A gente aprende errando. Porém, você está

errando sempre e não aprendendo nada em relação ao Mauro. Isso sim é surpreendente.

Sra. Regina – Então o amor passou? O que você sentia pelo Thiago não existe mais

definitivamente?

Stella – (suspirando) Ah...O amor... O amor é uma flor delicada, mas é preciso ter a

coragem de ir colhê-la à beira de um precipício.

Ari – O que você disse Stella?

Thiago – Eu não entendi direito o que você disse, mas parece Sthendal...

Sra. Regina - Em matéria de amor, o silêncio vale mais que a fala. Não vou ficar

discutindo a minha paixão sincera, assumida e declarada por Mauro com você, que

insiste em não admitir a sua.

Stella - (nervosa e gaguejando) – É... É Sthendal mesmo. Viram como vocês nos

deixam? Totalmente piradas, sonhadoras... É como vocês nos deixam.

Sra. Estela – Você tem que me dar um crédito Regina. Antes eu era uma adolescente

idiota e imatura, eu estava... Eu estava... Apaixonada, entende? Você sabe do que eu

estou dizendo. Das besteiras que fazemos quando estamos nessa fase letárgica do

cérebro. Tudo é confuso e demasiadamente complexo para lidar. Já é difícil. E amar é

um transtorno. Principalmente quando não há uma reciprocidade de sentimentos.

Thiago – Ah... Que susto que você me deu. Falar de amor é muito sem graça, não é Ari?

Ari – É... Nesse ponto eu até concordo com você.

Thiago – Quando alguém vêm me falar sobre o amor, dessas balelas todas de paixão,

coração, sentimentos, eu me lembro de uma frase de Shakespeare. Não era ele o poeta

do amor? Então, apesar disso ele era um homem consciente dos limites que esse

sentimento nos impõe também. Não lembro direito de que texto que era, se era de

alguma peça, mas eu o decorei: “Assim que se olharam, amaram-se; assim que se

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amaram, suspiraram; assim que suspiraram perguntaram um ao outro o motivo; assim

que descobriram o motivo, procuraram o remédio”. E pelo o que eu sei só existem dois

remédios para curar essa doença: Ou um bom e quente sexo ou um rápido e frio Adeus.

E em questão de paixão, minhas queridas, eu fico com a primeira alternativa. Sexo é

melhor que amor. Causa menos transtornos para nós. Se resolve em uma noite e não

precisamos carregá-lo pelo resto de nossas vidas.

Ari –É como disse Platão: O amor é uma perigosa doença mental! E, pelo visto, disto

não sofre nem sofrerá o nosso amigo aqui.

Sra. Regina – Exatamente como eu havia frisado. Embora não há amor que não perdure

minha querida!

Sra. Estela – Então tome cuidado. Tome muito cuidado se você acha que um amor não

acaba nunca.

Nesse momento surge Agnes. Está radiante em um vestido branco de alças.

Enquanto é recebida com alegria por todos os jovens no palco, Sra. Regina e Sra. Estela

olham para ela com desdém.

Agnes – Aí meninas! Que lugar lindo, não é? Que maravilhoso! Gente! Eu nunca

imaginei que pudesse haver um lugar assim no mundo. É lindo! Lindo! Lindo!

Thiago – Não tão bonito quanto você, amoreco.

Stella – Aí Thiago. Deixa de cantar todo mundo. Nossa Agnes, você tá linda também!

Adorei o seu vestidinho.

Agnes – É mesmo? Comprei especialmente para essa ocasião. E o Mauro? Já chegou?

Regina – Não... Quer dizer, a gente não sabe. Eu acho que não, né meninos?

Thiago – Ele vinha de carro. Daqui a pouco deve estar chegando.

Agnes – Nossa! É a primeira vez que viajo tão longe assim de casa. No máximo eu ia à

praia com a minha família. Só a viagem de ônibus pra cá já valeu como... Como a

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aventura da minha vida. E agora eu chego aqui e vejo essa... Essa maravilha toda. Vocês

viram o rio? Nossa... Como é grande, né? E esse monte de árvores, esse monte de flores

maravilhosas. E vocês minhas amigas! Aí que bom que estamos juntas aqui.

Elas se abraçam sendo observadas por Ari e Thiago, que esboça um ar

malicioso.

Thiago – Então meninas. Eu soube lá na cidade que esse rio é muito legal para nadar. Só

tem um problema.

Regina – Problema? Que problema?

Thiago – Ele é sagrado. Os índios que habitavam essa região antigamente diziam que

ele era o berço de umas divindades aí, nem seis quais são. E até hoje essa crença ainda

existe.

Stella – Nossa! Que legal! Um rio sagrado.

Thiago – Diz a lenda que quem nadasse ali sairia purificado dos seus pecados e teria

toda a sorte do mundo.

Agnes – Sério? É verdade mesmo?

Regina – Eu não acredito. É verdade o que ele tá falando, Ari?

Thiago – (se antecipando ao amigo) – Mas claro que é. Só que tem um detalhe. Quem

vai nadar no rio tem que nadar pelado... No caso de vocês, peladas!

As garotas desdenham das palavras de Thiago, que ainda mantém a indisfarçável

malícia estampada na face.

Ari – Não, não tem nada disso não meninas. Isso aí é invenção do Thiago.

Thiago – Pôxa Ari, você nunca deixa a gente se divertir um pouco?

Agnes – Devem ser os hormônios. A teostesterona dele deve estar na estratosfera.

Thiago – Na verdade... Quase lá. E eu preciso urgentemente trazê-la de volta a terra.

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Ari – De fato o rio é um lugar muito bonito sim. Eu estava conversando com o Mauro e

ele me explicou que mais adiante o rio vai se alargando, e quando entardece o sol parece

que morre dentro do rio. Segundo ele é um espetáculo muito bonito. O sol fica cheio,

alaranjado, ornado pelo manto vermelho escuro do dia acabando, e vai morrendo bem

devargazinho nas águas escuras do rio, silenciosamente... Um espetáculo único.

Regina – Nossa! Deve ser lindo!

Agnes – Muito bonito

Thiago – É... O casamento do céu e do inferno.

Stella – Como assim?

Thiago – Ora! Céu e inferno. O rio representa o céu. E o sol avermelhado o inferno.

Regina – Mas não dizem que é o céu o Paraíso?

Agnes – Eu também acho T.T. Não tem nada a ver o sol, que fica no céu, virar inferno.

Thiago – Vocês que pensam errado. Os pecados vêm de onde? Do céu, não é? Dali que

saem as determinações do que é certo e errado, não é? Nós não podemos desfrutar de

todos os prazeres e sonhos possíveis porque sempre acabamos sendo tolhidos pelas leis

lá de cima.

Stella – Então, os culpados pelos pecados do mundo não somos nós? É o céu? É Deus?

Thiago – Exatamente o que eu penso. E essa união que o Ari falou entre o céu

vermelho, com o sol morrendo dentro do rio é uma espécie de aliança. A manutenção da

nossa condição de submissos às leis morais de alguém que a gente nunca viu e mesmo

assim obedecemos cegamente.

Há um breve silêncio no palco, onde todos balançam a cabeça, se entreolham e

gesticulam como não entendendo a colocação do amigo.

Sra. Regina – Ai, ai! Será que vai chover?

Ao ouvirem a pergunta, os jovens passam a rir descompassadamente.

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Agnes – Só você mesmo para ter essas idéias, T.T. E você Ari? Você, que parece ser o

mais sensato de todos aqui. O que você acha da idéia maluca do nosso amigo?

Ari – É... É uma concepção interessante. Principalmente porque não tem respaldo

filosófico e lógico nenhum. Prova que nosso amigo tem uma imaginação bastante fértil.

Regina – Deus é o culpado de tudo. Só faltava mesmo ouvir isso de você, T.T. Aposto

que você trouxe sua fantasia de diabo para o baile?

Thiago – Ué? Como você sabe que eu trouxe justamente essa?

Stella – Oh, sim! Teremos um baile de carnaval.

Ari – Na verdade um baile de máscaras. Segundo o Mauro, um grande baile de

máscaras.

Agnes – Só não quero ficar muito perto do T.T. Se Deus vier a castigá-lo pelas besteiras

que ele fala, vai voar trovões e relâmpagos para todos os lados. (nesse momento um

trovão ribomba no céu). E parece que já começou.

Stella – Aí Agnes. Não fala assim do T.T. Ele é muito bonzinho. Só é mais... Mais...

Divertido.

Todos riem. As meninas jovens deixam a varanda dizendo que vão trocar de

roupa, ficando apenas Ari e Thiago de um lado e Sra. Regina e Sra. Estela do outro.

Ari – Você é terrível T.T. Como consegue ser tão... Tão direto, tão desconcertante?

Inventar essas histórias mirabolantes só para deter a atenção delas e poder dizer gracejos

tolos?

Thiago – Como posso ser tão honesto você quer dizer. Tão sincero, tão objetivo, não é

isso o que você quer dizer? Meu caro Ari, a vida não pode ser desperdiçada por conta de

posições ou apresentações. Eu procuro conquistar todas as mulheres. Em mil haverá

talvez uma para resistir a mim. E quer cedam, quer resistam, todas gostam de ser

cortejadas, observadas, desejadas. Mesmo se eu perder alguma investida, nunca vou

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correr perigo algum, pois não me apaixonarei. E tem mais. Toda volúpia nova é sempre

a mais gostosa. E como disse Cícero, a colheita é sempre mais abundante no campo

alheio, e o rebanho ao lado tem as tetas mais gostosas.

Ari – E qual será sua próxima colheita? Ou devo dizer ordenha?

Thiago – É isso aí Ari. Você está começando a pegar o espírito do jogo. O espírito da

liberdade. É isso o que realmente importa, entende? Liberdade. Liberdade para pensar,

fazer o que quiser. É isso o que realmente importa. E cá entre nós, o que você acha da

Estrelinha, hein? Tá um tesãosinho, você não acha?

Ari – É... Quer, dizer...

Thiago – Porra Ari! Tu é homem também, é ou não é? Diz aí, quem das três você

gostaria de ficar? Sim, porque tá uma para cada um. O Mauro eu acho que fica com a

Docinho. Eu pego a Estrelinha e você fica com a Rê? Tudo bem?

Ari – Não T.T. Eu tô fora. Não tô a fim de pegar ninguém não.

Thiago – Bom... Azar o seu. Eu tô interessado na Estrelinha. Agora você já sabe. E já

estou até vendo onde a gente vai transar bem gostoso mais tarde... No meio da relva, ao

lado do rio, em um desses entardeceres bonitos aí, com a bunda virada para a cara de

Deus para ele perceber que eu não estou nem aí para sua falsa moral... Meu amigo,

nesse final de semana ela não me escapa! Não me escapa!

Ari – Com essa sua disposição, não mesmo.

Thiago – Eu acho que vou atrás delas. De repente elas estão trocando de roupa... Bom,

você parece que não gosta disso mesmo. Nem vou te convidar. A gente se vê.

Thiago sai. Ari caminha pela varanda balançando a cabeça negativamente e

ostentando um sorriso tímido.

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Ari – De qualquer forma ele não está de todo errado. De fato é menos complicado ser

amante do que esposa, free lance do que marido, pois dizer coisas bonitas de vez em

quando é mais fácil do que ser espirituoso, gentil, carinhoso e bem humorado dias a fio.

Do lado onde estão sentadas Sra. Regina e Sra. Estela surge a Sra. Agnes. Ela

está vestida também de maneira sóbria e em tons escuros, como todos. Fica parada ao

vê-las sentadas. Durante alguns minutos troca olhares com a Sra. Regina e a Sra. Estela,

que a fitam com ódio nos olhos. Ari também pára observando a cena. A Sra. Agnes

lentamente se move até uma cadeira mais ao canto e senta-se. O silêncio ainda impera

por mais alguns minutos. A situação é totalmente constrangedora. Ari volta a falar.

Ari – Mas é isso. O Thiago é um exemplo vivo de que o caráter de alguns é uma farsa

tão bem montada que, por vezes, engana a si próprio. Ele cita os melhores pensadores,

os melhores filósofos e os melhores escritores, porém não segue nem medita sobre

nenhuma idéia, nenhum conceito, encenando e otimizando seus próprios atos e

sentimentos usando algumas frases de efeito como pano de fundo. Talvez nós, seres

humanos, sejamos assunto por deverás complicado para nosso próprio entendimento.

Com certeza, até para o observador mais hábil, distinguir a verdade e a mentira, o real e

o irreal, as verdadeiras aspirações e as escamoteadas realidades dos outros é um trabalho

duro e enfadonho. A pureza que porventura trazemos na alma acaba desaparecendo

completamente frente às diferenças do mundo, as urgências das circunstâncias e o mal

que nos habita e dá suas caras, mostrando do que somos verdadeiramente capazes.

Após a fala de Ari, Senhora Regina e Senhora Agnes se levantam ao mesmo

tempo, indo uma em direção a outra. Param bem próximas e gritam ao mesmo tempo:

Sra. Regina – O que você quer aqui, Agnes?

Sra. Agnes – O Mauro me convidou!

Sra. Estela se levanta e fica entre as duas.

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Sra. Estela – Hei vocês! O que está acontecendo? Por favor, não vão querer discutir as

diferenças de vocês aqui e agora! Por favor! O que é isso? Comportem-se!

Sra. Regina – Nossa! Como estamos destemidas, não? O lugar para onde você foi te

ensinou a ficar assim? Te ensinou a parecer como gente? Serviu para você deixar de

bancar a coitadinha e mostrar esse seu lado animal?

Sra. Agnes – O que você quer comigo Regina? Nem pense em ficar me insultado, pois

não vou admitir isso. Não vou. Quero distância de você. Quero ficar o mais longe

possível de você... Sua... Sua... Vadia mentirosa.

Sra. Regina faz menção agredir a da Sra. Agnes, mas é contida por Sra. Estela.

Sra. Estela – Chega! Chega! Vai. Acalmem-se e se sentem. Não vamos começar uma

luta livre agora.

Sra. Regina – Eu não tenho medo de você Agnes! Não tenho!

Sra. Agnes – E eu muito menos de você, sua víbora. Acabou o tempo em que eu ficava

de boca calada, me sujeitando a tudo e a todos. Esse tempo já acabou. Agora eu

enfrentarei tudo o que vier contra mim. Tudo e todos. Inclusive você, sua desgraçada

mentirosa.

Sra. Regina – Não me insulte sua vadia a...

Sra. Estela – (gritando) – Parem! Parem! Eu já disse para vocês pararem. Porra! Que

merda é essa agora? Vão querer ficar brigando como dois moleques de rua agora?

Chega! Eu não vou ficar aqui para ficar vendo isso. Chega! Parem agora. Ou então eu

vou embora daqui nesse momento. Vou embora agora.

Chega então o Sr. Thiago. Também está vestindo roupas sóbrias em tom escuro,

mas arejadas e confortáveis. Traz um sorriso nos lábios e uma maleta na mão. Sua voz é

melodiosa e forçosamente branda e sarcástica.

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Sr. Thiago – Por favor, minha querida Estrelinha. Não nos prive de sua maravilhosa

presença aqui. Além dos mais, eu acabei de chegar. E vejo que em boa hora. Na hora

dos abraços. Como vão todas? Docinho? Rê? Mas vocês estão ótimas. Ótimas.

Ao vê-lo, a Sra. Regina e Sra. Agnes resolvem se sentar. Sra. Estela ainda fica

de pé olhando com ódio para o Sr. Thiago.

Sra. Estela – O que você está fazendo aqui? Oh, não! Era só o que me faltava mesmo,

merda! Juro por Deus que se soubesse que você viria nem teria cogitado em voltar para

cá. E por favor. Gostaria que você não me chamasse por esse apelido idiota. Aliás,

gostaria, e muito, que você não me dirigisse a palavra.

Thiago – O que é isso Estrelinha? Por que tanto ódio no seu coração? Odiar faz mal.

Amar faz bem. Ame. Senão a mim, ame ao próximo, ame a elas, ame a todos. Deixe o

amor inundar o seu coração e lhe mostrar a felicidade em sentir-se bem e amada.

Sra. Estela – O quê? Como você com essa boca imunda consegue falar em amor? Você

nem sabe do que está falando. Nem sabe o que é isso.

Sr. Thiago – Oh, minha querida. Não diga isso. Você não me conhece mais. Eu mudei.

Sou um outro homem. Mais experiente. Mais responsável. Diria até mais maravilhoso.

Os anos ensinam muitas coisas que os dias desconhecem.

Sra. Regina – Ah claro! Com certeza! Como, por exemplo, deixar a faculdade para

ganhar dinheiro com mentiras, vendendo fé e auto-estima para os mais necessitados ao

invés de ajudá-los a encontrar o verdadeiro caminho do conhecimento, não é seu

charlatão?

Sra. Estela - Vigarista!

Sr. Thiago – Nossa! Que recepção calorosa que estou tendo aqui. Não sabia que a minha

profissão como escritor incomodava tanto. Não vejo vocês há anos e agora recebo uma

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saraivada de gentilezas e de boas vindas inimagináveis. E você, Docinho? Não vai me

atacar também?

Sra. Agnes – É... Eu estava esperando a minha vez para lhe dizer que fiz questão de

comprar todos os seus livros, todos os seus livros Thiago. Para depois queimá-los com

um prazer delicioso. Foi o melhor dinheiro que investi nos últimos anos, destruindo o

pouco do mal que você espalhou pelo mundo. Nem me dei ao vexatório trabalho de lê-

los...

Sr. Thiago – Bem, acho que não falta mais nada então?!

Sra. Agnes – Seu estúpido idiota.

Sr. Thiago – Ah... Claro. Um epíteto de rejeição a minha pessoa. Pronto. Agora acho

que já recebi as boas vindas de todos. É. Eu também estava morrendo de saudades de

vocês. Saber que vocês estão esbanjando saúde e boa educação, transbordando amor e

compaixão por todos os poros me deixa muito tranqüilo. É bom ver que com o passar

dos anos vocês continuam amigas leais, companheiras e sinceras. Muito sinceras.

Sr. Thiago senta-se na mesma cadeira onde a Sra. Estela estava. Ela se aproxima

e retira suas coisas de perto dele. Numa manobra rápida, Thiago consegue tocar a mão

de Estela. Ela pára e fitá-o com uma expressão surpresa. Seus olhar, antes duro e

determinado, vai se abrandando aos poucos, chegando a ficar mareados e esmaecidos.

Surgem então Thiago e Stella correndo pela varanda. Ela está usando um biquíni

e, brincando, tenta fugir do abraço de Thiago, que veste apenas um calção. Ao

passarem por Ari, Thiago se detém e fala junto ao amigo:

Thiago – Não te falei que ia comer ela hoje? Ela tá facinha. Facinha!

E sai correndo novamente atrás de Stella. Ao ouvir a frase desaforada de Thiago,

a Sra. Estela, parecendo acordar de um transe e volta a encarar o Sr. Thiago de forma

dura:

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Sra. Estela – Seu cachorro! (E afasta-se, sentando em uma outra poltrona).

Ari – Mas eu respeito o meu amigo Thiago. Sim. Como a todos meus amigos. Os

respeito e os admiro. Sou amigo sincero e leal de todos. Talvez seja porque eu goste

sinceramente deles. Sei que não posso esperar o mesmo de todos. Bem. Quem sabe de

um ou de outro. Não podemos desejar que os outros sejam como nós. Importaria-me

mesmo apenas a amizade sincera da Docinho, da minha delicada Docinho. E do Mauro.

Oh, meu Deus. Do meu grande e querido amigo Mauro... Os demais, os outros... Acho

que o sentido de amizade para eles deve ser o mesmo do escritor Le Rochefoucauld: “A

amizade é uma aliança, uma conciliação de interesses recíprocos, uma troca de favores”.

Trata-se mais de um sistema comercial no qual um espera obter alguma vantagem do

outro.

Sr. Thiago – Pois é. Difícil dizer quem nos faz mais mal: inimigos com as piores

intenções ou amigos com as melhores. Parecer ser natural do homem abarcar próximos

a si amigos e inimigos. Não conseguimos viver apenas com um ou com outro.

Precisamos deste par para nunca esquecer que há quem nos queira bem e nos queira mal

sempre, constantemente.

Sra. Regina – Está falando por si mesmo Thiago? Já que você gosta tanto de frases de

efeitos, eu tenho uma para você. Amigos se conquistam. Inimigos se criam E quem tem

um amigo como você já tem meio caminho pro inferno preparado.

Sr. Thiago – Mas porque tanta raiva para comigo, Rê? O que foi que eu te fiz? Eu acho

que merecia de você mais consideração e carinho. Aliás, de todas vocês.

Sra. Estela – Carinho e consideração? Carinho e consideração, Thiago.Olha, não sei

onde você esteve nos últimos vinte e tantos anos, ou se teve uma amnésia profunda,

porque você sabe muito bem que não merece, sequer, que lhe dirijamos a palavra.Você

criou essa rejeição natural que temos a você. Eu, pelo menos, me sinto traída.

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Absolutamente traída. E sinceramente acho que todos nós sentimos isso. Como você

pôde ter o descaratismo, a pachorra de confundir nossas vidas, nossa relação de amizade

e aplicá-las em falsas teorias para justificar uma pseudo-ajuda psicológica? Por que

você fez isso? Por que você usou nossas vidas, nossa história para escrever livros de

auto-ajuda? Por acaso achou que nós não saberíamos? Não íamos ter conhecimento

deste seu golpe baixo?

Sra. Agnes – Você foi traiçoeiro Thiago. A experiência de cada um é própria de cada

um. Por mais que você tenha tentando maquiar, deturpar, modificar ou confundir

algumas frases ou fatos do nosso passado, está claro, suficientemente claro para nós que

os seus exemplos edificantes de vida, seus ensinamentos ilibados de relacionamento

nada mais são do que episódios bons e ruins da nossa amizade em comum.

Sra. Regina – E taí. Ficou rico. Ganhou rios de dinheiro dizendo ter pesquisado aquilo

que vivenciou. Você Thiago... Você é um grandessíssimo canalha.

Sra. Estela – Traída. Sinto-me traída. Como se minha vida tivesse sido escancarada ao

vivo em uma emissora de televisão.

Sra. Agnes – Você quer dizer duplamente traída, não Estela?

A Sra. Estela nada responde. Apenas fita a Sra. Agnes com um olhar furioso,

mas contem-se em lhe dizer algo.

Sr. Thiago – Estrelinha não fique assim. Não sejas tão dura comigo nem queira cultivar

algum tipo de ódio contra mim. Tivemos tão ótimos momentos juntos...

Sra. Estela – Só ser foi para você, pois para mim, estar ao seu lado não significou nada.

Absolutamente nada.

Sra. Agnes – Sei... Não significou nada para você...

Sra. Estela – E você cale a boca Agnes. Nem sei o que você está fazendo aqui, mas se

começar a me desafiar eu vou...

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Sr. Thiago – (levantando-se) – Hei! Hei! Meninas, por favor. Meninas. Não briguem por

minha causa. Sei que não mereço tanto. Docinho, querida, fique tranqüila, você também

Estrelinha.

Sra. Regina – (gritando) – Pára! Pára Thiago! Pare com isso. Pare de ficar nos

chamando com esses apelidos idiotas. Eu não agüento mais! Eu não agüento mais!

Sr. Thiago – Rê, o que é isso? Eu gostaria de saber porque vocês estão assim... Tão

furiosas, tão nervosas. Eu acho que não é apenas sobre os meus livros. Vocês estão

usando isso apenas como pretexto para encobertar o verdadeiro motivo pelo qual vocês

estão assim, a beira de uma crise nervosa.

Sra. Estela – Você está enganado, completamente enganado Thiago. Eu sei o motivo

pelo qual estou irritada e pouco à vontade nesse lugar. Primeiro: Aqui nesse fim de

mundo o telefone celular não funciona. Como vou agendar minhas reuniões e resolver

algum problema de última hora que aparecer no escritório?

Sr. Thiago – Mas Estrelinha... Você sempre foi tão desapegada as coisas materiais e

com compromissos...

Sra. Estela – Não me enche as paciências Thiago. Cale a boca e escute. Segundo: Foram

horas de viagem numa estradinha acabada, esburacada, e sem um posto de gasolina para

comprar uma água sequer. Terceiro: Tive que voltar a esse lugar maldito contra a minha

vontade. Quarto: Acabei reencontrando você e essa mulherzinha aqui (aponta para a

Sra. Agnes). E por último não tenho a mínima idéia porque estamos reunidos aqui

novamente. A mínima idéia. Satisfeito? Isso explica o motivo do meu mal estar, da

minha crise neurótica? E embora eu possa ter alterado a ordem de importância dos

motivos deste meu mau humor, tenha certeza de que você e a Agnes estão em primeiro

lugar.

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Sr. Thiago – Eu gostaria que vocês soubessem que eu nunca me esqueci de vocês.

Verdade. Nunca esqueci. Eu sempre procurei por vocês, sempre tentei reencontrar

vocês, para conversarmos, discutirmos plenamente o que aconteceu aqui e os motivos

que me levaram a escrever sobre nossas vidas em livros de auto-ajuda. Vocês, de fato,

foram muito importantes na minha vida. Muito importantes.

Sra. Estela – Assim como o burro é para puxar uma carroça.

Sr. Thiago - Não Estrelinha. Não é isso. Você sim está muito mudada. Muito mudada.

E aquela sua imensa compaixão para com os outros? Sua postura de querer bem a todos

nós? Eu achava tão bonito esse seu apelido. Estrelinha. Realmente você parecia uma

estrela. Vivia sempre no mundo da lua. Era tão sonhadora... Vivia no céu, entre as

nuvens e os desejos mais belos e puros.

Sra. Regina – Que lindo... E ela acabou subindo tão alto, tão alto e tomou um belo

tombo. Eu fico cá imaginando quem a teria feito cair lá de cima. Quem a teria feito

desistir dos seus sonhos. Que homem sem coração foi esse. Que crápula faria uma coisa

dessas, hein Thiago?

Sr. Thiago – Regina, Regina... A nossa Rê. Você não mudou nada, hein? Sempre com

esse seu ar meio impulsivo, essas frases duras e desafiadoras. Mas quando você era mais

jovem também tinha medo de muitas coisas.

Sra. Regina – Medo?! Eu?! Longe de mim isso. Posso até ter tido alguns momentos de

fraqueza. Posso até ter demonstrado isso. Pode ser. Mas nunca tive medo. Nunca. De

você nem de ninguém.

Sr. Thiago – Ora minha amiga. Confesse. Tinha ou não tinha medo de perder algo?

Perder alguém? Perder o Bam-Bam? Lembram do apelido do Mauro? Bam-Bam?

Sra. Regina – Não diga desaforos Thiago! Não fale do que você não sabe. Sempre tive o

Mauro comigo. Sempre. No começo o pobrezinho estava sendo enganado, iludido por

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essa outra aí (aponta para a Sra. Agnes com desprezo). Mas provei a ele quem merecia

o seu amor

Sra. Agnes – É... A mentira transforma. Cega até as mentes mais lúcidas. Distorce tanto

a realidade a ponto de fazer com que alguém não acredite em mais nada. E foi graças a

você, Regina, que Mauro deixou de ver. Deixou de pensar. Deixou de enxergar a

realidade. Você não mostrou nada para o Mauro. Você esconde é a verdade dele. A

verdade.

Sra. Regina – Deixe de papo furado, sua vagabunda. Você não me atinge com as suas

mentiras e tentativas desesperadas de consertar a merda que você fez.

Sr. Thiago – Meninas, meninas, não briguem. Por favor. Não briguem. E você Agnes. A

nossa Docinho. Você era um poço de candura. Toda meiga, carinhosa, educada,

sonhadora. Nossa! De repente, de tão boa você... Você acabou... Enfim, você foi

surpreendente.

Sra. Agnes – Eu não sou mais nenhuma menina besta, meiga e carinhosa não. Esse

tempo já era. Foi e não volta mais. E eu não tenho saudade de ter sido essa lesada, essa

idiota que você tanto idolatra. Não tenho saudade alguma, pois só a saudade faz as

coisas pararem no tempo.

Sra. Estela – Eu também não tenho nenhuma saudade daqueles tempos. Sinto na

verdade uma enorme desolação em não poder apagar aqueles malditos momentos da

minha mente... E mais ainda não poder esquecer de vez certas pessoas...

Sra. Agnes - Eu tenho que concordar com você Estela. Retornar a esse lugar, estar

novamente nessa varanda, ver esse rio escuro e longo traz de volta muitas lembranças

tristes. Parece que aqui, nesse exato lugar, a mentira, o medo e a dor têm mais força do

que em qualquer outro lugar. (suspira) Eu não pedi para voltar a esse buraco e também

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não tenho a mínima vontade de sequer olhar para você e para essa desclassificada da

Regina e me lembrar que um dia eu já chamei vocês de amigas.

Sra Regina – (indo novamente em direção a Agnes) – Dobre a língua para falar comigo

sua vagabunda! Você não acha que o seu passado te condena, hein sua desgraçada? Se

você fosse uma mulher de respeito e se desse o verdadeiro valor nem poria a cara para

fora de casa. Se eu fosse você me mataria. Mataria-me depois do que você fez.

Sra. Agnes – Eu sou mais forte que você, sua medíocre. Matar-me? É isso o que você

quer? É isso o que você realmente quer, não é? Para se ver livre de mim, Regina? Tem

medo que eu tome de volta o que era meu? Tem medo de ser finalmente rejeitada? De

encarar o seu destino. De perder o Mauro de vez?

Sra. Regina se enfurece e tenta novamente agredir a Sra. Agnes. Enquanto é

contida por Sra. Estela, Sr. Thiago segura Sra. Agnes, que também está enfurecida e

pronta para brigar.

Sra. Regina – Ele nunca gostou de você sua vadia!

Sra. Agnes – Você é uma mentirosa Regina. Mentirosa. Eu te odeio. Te odeio.

Sra. Regina – Sua estúpida. Você perdeu. Ele é meu. Ele é somente meu. Sou eu tá, sou

eu quem faz amor com ele, sou eu quem dá pra ele, o acaricio, que o tenho ao meu lado

todas as noites. Sou eu. Sou eu!

Sra. Agnes – Sua megera, desgraçada, filha da puta!

Sra. Estela – De novo não. De novo não. Parem de brigar vocês duas. Parem! Chega!

Chega!

Sr. Thiago – Meninas, meninas, por favor. Não se exaltem tanto. Deixem de lado essa

rusga entre vocês. O que passou, passou. Esqueçam o passado. Já passou. Os eventos

que aqui se sucederam não irão retornar mais. Nada mais vai mudar. E ninguém mais irá

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voltar. Vamos esquecer os erros do passado. Todos nós erramos. Vamos esquecer o que

fizemos de errado e enterrar o passado para sempre. Para sempre.

Ari – Mas nada está sempre errado. Até um relógio parado está certo pelo menos duas

vezes por dia.

Sra. Regina – Esquecer o que essa mulher fez? Esquecer? Ninguém pode esquecer o que

ela fez. O que ela fez para todos nós.

Sra. Estela – Pode ser fácil para você esquecer, Thiago. Dois monstros como vocês não

têm coração. Por isso se dão tão bem. Entendem-se.

Sra. Agnes – Vocês não podem mais me culpar por nada, entenderam? Eu já provei que

não tive culpa de nada. E todos vocês sabem disso. Eu não tenho culpa de nada. Nada.

Tudo foi investigado, apurado e eu fui absolvida. Inocentada de tudo. Mas vocês nunca

vão dar o braço a torcer, não... Vão continuar me sacrificando e querendo me humilhar

até o final dos dias... Principalmente você (e aponta para a Sra, Regina) porque eu fui e

ainda sou uma ameaça para você! Eu te ponho medo, eu posso acabar com sua

felicidade. Eu posso acabar com você!

Sra. Regina –Eu nunca tive medo de você, sua imunda, sua pobre, seu lixo de gente. Eu

sempre fui melhor que você. Você não me põe medo. Me dá é asco, nojo. Isso sim. O

que você fez é imperdoável. E digam o que quiserem, que não foi você, que não existem

provas. O que importa é o que eu vi. O que eu vi. E eu sei o que eu vi.

Ari – Às vezes, ou melhor, sempre quando penso na minha amizade com Mauro, a

quem tenho a mais profunda admiração, tal como tenho por Agnes, sinto-me

profundamente triste e desconsolado, sem forças para encarar o futuro e o que realmente

desejo. Os sábios chamariam a minha infelicidade de caprichos do destino. Eu

reconheço. Reconheço ser um fraco e incapaz de defender meus sentimentos e sinceros

ideais. Discuto, opino e questiono com qualquer um apenas para passar o tempo. Às

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vezes, acho que não passo de um sincero covarde. Sou verdadeiramente cego para esses

meus defeitos. E os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas sempre

inconfessos. Ninguém tem coragem de confessá-los de testa erguida e sobriedade

convicta. Ninguém tem coragem de confessar os seus defeitos. E eu não pretendo

reconhecê-los ou consertá-los. Não teria forças. Nem força nem coragem. E muitos

também não têm coragem em admiti-los.

Após ouvirem a frase de Ari, todos os senhores e senhoras voltam a se sentar.

Sr. Thiago – Meninas, meninas. Vamos parar com isso. Chega, por favor! Todos nós

somos culpados de tudo em relação a todos. Eu aprendi isso com o passar do tempo. Eu

confesso. Eu confesso que algumas vezes agi mal no passado. Sim. Eu confesso. Mas

isso me fez mudar. Claro. Com o passar dos anos vi que as minhas atitudes e o meu jeito

de ser foram afastando as pessoas que realmente me importavam e que se importavam

comigo. Estava erroneamente convicto de muitas coisas. Mas foi graças às pessoas ao

meu redor, até mesmo graças a vocês, que fui conseguindo mudar, conseguindo moldar

o meu espírito ao que realmente interessa: Viver feliz e em paz com o meu semelhante

através do respeito e do amor.

Sra. Estela – Ora Thiago! Isso aí está parecendo mais uma de suas historinhas chulas de

auto-ajuda para algum necessitado se apegar e te classificar como Deus.Você não tem e

nunca teve respeito no seu coração. Quanto mais amor. Se enxerga!

Sr. Thiago – Querida Estela. Isso não é verdade. Eu sei que nós sofremos muito no

passado, tivemos um relacionamento meio conturbado, mas estou sendo sincero agora.

Aprendi muitas coisas. Os livros que eu li e escrevi não foram de todos ruins. Sei que

fui um tipo um tanto fatalista, amargo, mas agora estou mudado. Eu juro. E estou aqui

novamente porque acredito que quando se rompe uma amizade automaticamente temos

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deveres a cumprir. Nossas responsabilidades e deveres para com o nosso amigo se

tornam mais difíceis e devem ser cumpridos com honradez.

Sra. Agnes – Como assim? Do que você está falando Thiago?

Sr. Thiago – Docinho... Quer dizer, Agnes. Nós devemos respeito à antiga amizade que

tínhamos, por mais intransigentes que somos agora um para com o outro. Não devemos

deixar que se tornem públicas as brigas que tivemos no passado, e devemos retomá-las

para justificá-las e esclarecê-las. Sem fazer fofocas ou ignorar tudo em comum que

tivemos. Como se diz por ai, colocar nossas vidas em pratos limpos. É isso o que

devemos fazer. Devemos isso a nossa amizade. Os livros de auto-ajuda são um caso

aparte, pois vocês sabem de quem falo. As outras pessoas não. Honrar a nossa amizade.

Aos bons momentos que passamos juntos no passado e as condições que nos fizeram

crescer e sermos o que somos agora. Nós devemos isso para nós mesmos.

Sra. Estela – Dever algo a vocês? O que eu devo a vocês? Sou uma mulher

independente por conta própria. Conquistei o meu dinheiro e o meu poder a custo de

muito suor e sem a ajuda de ninguém. Se hoje sou uma executiva de sucesso, nada tenho

a lhes agradecer. Nada.

Sra. Agnes – Eu sou ao contrário. Eu sim tenho que agradecer a vocês pelo o que se

transformou a minha vida. Obrigado Estela, Obrigado Thiago, Obrigado Regina. A

minha vida ruiu graças a vocês. A todos vocês. Nem me lembro mais do que gostaria de

ser quando era jovem, quando ainda tinha sonhos. Se hoje eu vivo como professora de

Escola primária, com um salário de fome, a moral abalada e com muitas dificuldades,

tenho que creditar tudo isso a vocês. E só isso o que eu tenho a fazer. Agradecer pela

mudança de rumo que vocês acabaram dado à minha vida, agora desgraçada.

Sra. Regina – Comovente Agnes! Comovente! A sua vida é assim inútil porque você é

uma inútil. Eu não tenho nada para justificar nem esclarecer para você Agnes. Para

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nenhum de vocês. Fui tão infeliz no meu passado que devo sim é receber uma

retratação, um pedido de perdão, perdão, e não explicar ou justificar o que fiz ou deixei

de fazer. Amizade.Isso não existe e nunca existiu entre nós. Não devemos nada ao que

vivemos no passado. Nada.

Nesse instante surgem Agnes e Regina. Estão de mãos dadas e conversando com

ares receosos.

Agnes – Oi Ari! Você viu se o Mauro já chegou?

Regina – Já estou ficando preocupada, quer dizer, nós estamos ficando preocupadas Já

era para ele ter chegado.

Agnes – É! Ele disse que viria de carro. Será que aconteceu alguma coisa?

Ari – Não meninas, não se preocupem. Com certeza ele deve estar chegando. Hei!

Olhem lá. Não é o carro dele ali parando agora?

As meninas se voltam e ficam novamente alegres. Atravessam a varanda saindo

pelo outro lado, acenando e gritando pelo nome de Mauro. Ari faz menção de partir

atrás delas, mas pára quando um lenço que estava amarrado no pescoço de Agnes cai.

Transformado, como se estivesse enxergando um tesouro, Ari se aproxima do lenço,

pega-o de forma atônita, ajoelha-se e fica a cheirá-lo e passar pelo rosto de forma

desesperada, ao mesmo tempo em que estampa na face uma expressão de prazer e

júbilo.

Ao perceber que está sendo observado com reprovação pelo Sr. Thiago, Sra.

Regina, Sra. Estela e Sra. Agnes, Ari volta a ficar de pé e desfaz a expressão anterior,

tornando-se novamente sério e escondendo o lenço de Agnes no bolso de sua calça.

Ari – A verdade é que é impossível para nós, seres humanos e imperfeitos, inventar-nos

de novo. Nos modificar. Temos em nós obscuros desígnios, misteriosas correntes, que

já estão prontos e preparados para aflorar quando menos esperamos. Se é bom ou ruim

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não nos cabe distinguir ou avaliar. Vem de nós. É para nós. E seus efeitos são singulares

e imprevisíveis.

Sr. Thiago – Pois bem. Então eu acho bom, ou melhor, acho prudente, vocês abrirem

suas cabeças e se prepararem para discutir, quer queiram quer não, tudo o que aconteceu

aqui. Afinal de contas é por isso que estamos aqui novamente depois de tanto tempo.

Justamente para esclarecer tudo o que vivemos e acabou sendo abruptamente

interrompido.

Sra. Estela – Para quê? Para revistarmos nosso passado? Para lavar roupa suja? Se for

isso, esqueçam. Eu estou fora.

Sra. Agnes – Eu também. Eu não tenho mais nada a esclarecer, explicar ou tentar fazer

com que vocês entendam. Não quero mais saber disso.

Sra. Regina – Então é por isso que estamos aqui? É por isso que o Mauro nos fez voltar

para esse lugar maldito? Para esclarecer o passado? É isso mesmo Thiago?

Sr. Thiago – É... (indeciso) eu acho que é isso. Vejam, estamos no final do ano. Já se

vão mais de vinte anos quando estivemos reunidos aqui pela última vez, e...

Sra. Estela – Mas quando estivemos aqui pela primeira vez era carnaval.

Sr. Thiago – Sim... É verdade. Nem me lembrava direito. Era um baile de carnaval. Um

baile de máscaras. Nós estávamos fantasiados, a músicas era divertida...

Sra. Estela – Chega Thiago. Nós estávamos no baile. Infelizmente nós lembramos como

foi aquela... Aquela desgraça.

Sr. Thiago – Tudo bem, tudo bem. Eu não vou abalar mais suas emoções. Mas o que

pressinto é que, com a chegada do final do ano, talvez estejamos prontos para nos

perdoarmos e começar uma vida nova. Um ano novo justo e mais fraterno. Deve ser por

isso que estamos aqui. Deve ser por isso que o Mauro fez questão que estivéssemos

todos aqui. Para que finalmente deixássemos claro tudo o que aconteceu aqui. Tudo.

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Surgem então ao mesmo tempo Mauro e o Sr. Mauro. Quando chega, Mauro

está alegre e feliz, usando uma camisa florida e carregando uma máquina fotográfica,

cumprimentando efusivamente Ari. O Sr. Mauro está sóbrio, vestindo roupas pesadas e

de cor escura. Após dizer um soturno boa noite a todos, um trovão ribomba.

Mauro – Ari! Meu amigo Ari! E então? Fez boa viagem?

Ari – Que bom te ver amigo!

Mauro – Tá gostando da fazenda? Linda né? Vou ser sincero com você. Eu não gosto

muito de mato não. Sou mais interessado em uma praia, areia... Mas essa fazenda do

meu pai é show. É muito legal.

Ari – Essa fazenda é um espetáculo. Muito, mas muito legal mesmo.

Mauro – E tem o rio. Eu te contei do rio, né? A gente precisa ir lá quando entardecer.

Você vai ficar babando meu caro filósofo. Você, que é chegado nos cursos da natureza,

no funcionamento da vida, essas coisas aí vai adorar, adorar, quando o sol se junta ao

rio ao entardecer. É fantástico. Fantástico.

Ari – O que é isso Mauro? Ainda eu não sou filósofo. Nossa. Falta muito ainda para eu

me tornar um.

Mauro – Bem, além do curso de administração você faz filosofia também, né? Então

entende mais disso do que eu. Todo mundo já chegou? Eu encontrei a Rê e a Docinho lá

fora. Elas estão super empolgadas, super contentes e, o que é melhor, com pouca

roupa... Como diria nosso amigo T.T., estão facinhas.

Ari – É Mauro... Pelo visto você também está com a corda toda. Tá todo mundo aqui Só

faltava você.

Sra. Regina levanta-se e vai cumprimentar Sr. Mauro, dando-lhe um beijo na

boca e olhando com desdém para Sra. Agnes.

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Sra. Regina – Querido! Que bom que você chegou. Parece que eu ouvi um trovão. Será

que...

Sr. Mauro – Sim Regina. Vai chover sim. E vocês todos, como estão?

Sr. Thiago – Felizes por estarmos aqui de novo.

Sra. Estela – Entediados com esse lugar... E você sabe porquê.

Sr. Mauro – O que é isso Estela. Onde está o seu espírito de aventura? Você era tão

mais extrovertida antes.

Sr. Thiago – Era a nossa Estrelinha!

Sra. Estela – Cala a boca Thiago. Já disse que não quero que você me chame por esse

apelido idiota. Eu não sou Estrelinha de ninguém. Pára com isso.

Sr. Mauro (reticente) – E você Agnes? Fez boa viagem?

Sra. Agnes (cabisbaixa) – Sim. Mas a estadia aqui é que não está sendo muito

agradável.

Sra. Regina – (enlaçando os braços no pescoço do Sr. Mauro) – Oh, querido! Por que

você trouxe essa mulher para cá? Vai estragar nosso final de ano. Não precisava tê-la

chamado. Depois isso pode deixar você triste, não é? Vai fazer você se lembrar do que

aconteceu.

Mauro – É isso ai meu amigo. Ar puro, vida boa. Vida boa meu velho Ari. Vida boa.

Isso sim é vida, né? Chega de ficar enfurnado em um escritório, ficar preso dentro de

uma sala de aula, agüentar trânsito carregado, fila de banco essas coisas pavorosas do

nosso cotidiano na cidade. É ou não é, meu amigo? Contato com a natureza, com as

coisas boas e os prazeres que a natureza nos dá. Isso é o que importa. Isso é o que

importa.

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Ari – Nossa! Como estamos inspirados. Sinto que você está aprontando alguma coisa

Mauro. Você está com um olhar diferente... Um brilho no olhar diferente, um brilho

muito suspeito.

Mauro – Nossa! Minha felicidade está tão visível assim? É... Confesso que estou

radiante Ari. Radiante e feliz. Muito feliz como nunca tinha estado antes.

Ari – Foi a viagem ou esse lugar que te deixou assim? Parece que você está andando nas

nuvens.

Mauro – Não. Nas nuvens não estou ainda. Mas vou estar. Vou estar.

Sr. Mauro – Eu vou ficar bem Regina. Não precisa se preocupar.

Sr. Thiago – É isso aí meu amigo Mauro. O que passou, passou. Eu, inclusive estava

comentando com elas o motivo de estarmos aqui reunidos. Aproveitar essa época de

confraternização mundial para pormos em pratos limpos tudo o que aconteceu aqui. Foi

uma ótima idéia. Ótima idéia.

Sr. Mauro – Ótima idéia?

Sra. Regina – Claro meu amor. Foi muito nobre e justo de sua parte querer discutir o

que aconteceu aqui depois de tantos anos. Demonstra que você já conseguiu superar

tudo, que conseguiu superar aquela (olha fixamente para a Sra. Agnes) aquela

barbaridade.

Sra. Agnes – (levantando-se da poltrona onde estava) Olha aqui Mauro, eu agradeço o

seu convite, foi... De certa forma foi um prazer revê-lo, mas eu não quero ficar aqui

falando do que já aconteceu. Eu não quero e não preciso me sujeitar a isso.

Sra. Estela – É... Esse negócio de ficar discutindo porque você fez isso, porque você fez

aquilo não me apraz também. Prefiro conservar uma inimizade sincera a cultivar uma

falsa amizade com vocês.

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Sr. Mauro – Mas... Mas quem disse que eu convidei vocês aqui para discutir sobre

aquilo? Não é isso o que eu pretendo fazer.

Sra. Regina – Não? Mas... Não é por isso que estamos aqui?

Mauro – Você me conhece bem Ari. Às vezes eu acho que me conhece melhor do que

eu mesmo. Você sabe o que penso, o que eu desejo, o que eu quero...

Ari – É verdade. Amigo é quem sabe de tudo a respeito do outro e assim mesmo

continua sendo amigo.

Mauro – Pois é, pois é... Eu me sinto um pouco como aquele cara do livro que você me

emprestou da última vez, lembra? Faz algum tempo e nem me lembro o título.

Ari – Mas parece que ele te marcou de alguma forma.

Mauro – Oh, sem dúvida, sem dúvida. Abriu os meus olhos, o meu coração. Não lembro

direito do nome do livro. Definitivamente. Mas era muito interessante. Muito bonito.

Era de um tal de Delgado, Du Gardo...

Ari – Ah, sim... Roger Martin Du Gard.

Mauro – Sim, sim. Esse mesmo. Eu me identifiquei muito com uma coisa que ele

escreveu. É um tipo de sentimento que já vinha tomando conta de mim há algum tempo,

sabe? E agora eu sei que é isso mesmo o que eu sinto e o que quero. É o que sinto e o

que quero para a minha vida.

Ari – Hei Mauro! Calma lá. Suas frases soam como as de um homem apaixonado.

Mauro – É... Acho que é isso mesmo. Estou sim apaixonado. Loucamente apaixonado.

Transtornadamente apaixonado. E a frase do livro que tem tudo a ver com o que sinto

eu até decorei. É assim: “Não sou como a abelha saqueadora que vai sugar o mel de

uma flor, e depois de outra flor. Sou como o negro escaravelho que se enclausura no

seio de uma única rosa e vive nela até que feche as pétalas sobre ele; e abafado neste

aperto supremo, morre entre os braços da flor que o elegeu”. Não é isso?

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Ari – Integralmente, ambiguamente, e com uma certa vulgaridade, Du Gard. Isso

mesmo meu amigo. Como eu disse, frases, jeitos e ares de um homem apaixonado.

Sr. Mauro – Realmente, faz tempo desde a última vez que estivemos aqui. Eu sei. Só

que eu não quis reunir vocês aqui para discutir o passado. O nosso passado nada mais

foi do que um futuro desejado... E morreu naquela noite. Naquela maldita noite.

Sra. Regina – E então porque estamos aqui? Por que Mauro?

Mauro – A paixão me transformou meu amigo. Sinto-me forte, com coragem para

buscar o que quero. Uma pessoa. Uma única pessoa. E tudo o que quero. É tudo o que

desejo. E para isso eu tenho um plano. Um ótimo plano para mudar a minha vida. E

quero que vocês compartilhem essa mudança comigo.

Ari – Um plano? Que espécie de plano? Oh não... Os planos de um homem apaixonado

são terríveis, terríveis. São engendrados mais com o coração do que com a cabeça.

Passíveis de imperfeição e sempre inesperados.

Mauro – Não, não de forma alguma. Não há imperfeições nas coisas do coração. O que

quero é simples. O que desejo é sublime e perfeito. Por isso, não há imperfeições.

Ari – Assim espero.

Sr. Thiago – Mas então porque você nos reuniu aqui de novo? Por que foi tão enfático

aos nos convidar, a quase implorar para que viéssemos aqui?

Sra. Estela – Por quê?

Ari – E qual é o plano?

Sra. Agnes – Eu não estou entendendo mais nada.

Mauro – (sorrindo e abraçando o amigo) Não se preocupe com isso agora, Ari. Mais

tarde eu te confidencio tudo, pois vou precisar muito de sua ajuda. Mas isso pode

esperar até mais tarde. Vamos desfrutar das belezas dessa natureza. Vamos viver um

pouco mais a vida meu amigo. Mais tarde eu te conto tudo.

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Sr. Mauro – (fica em silêncio até que ribomba outro trovão) – Amanhã eu explico tudo

para vocês. É melhor irmos dormir. Já está tarde. Não vamos poder aproveitar nada

mesmo com essa chuva que vai cair. Amanhã deverá fazer um dia melhor. Assim

espero.

Com ar incrédulo, todos saem. Apagam-se as luzes. Fim do primeiro ato.

ATO II

Manhã na casa de fazenda. Stella e Thiago surgem andando pela varanda. Estão

se abraçando e se beijando com volúpia.

Stella – Oh, T.T. Você não sabe o quanto eu estou esperando por isso. Como queria ter

você agora, assim comigo... Oh, você não sabe o quanto eu... Como eu, como eu...

Thiago – Psiu... Fala baixo garota! Os outros podem nos ouvir. Eu também, eu também

estou louco por você. Vem, vem comigo. (e vai entrando para debaixo da mesa)

Stella – Mas para onde você... O que você quer fazer... Aqui, na varanda!?

Thiago – Fica tranqüila querida. Não importa o local, importa o prazer que a gente dá

um para o outro. Vem, vem aqui embaixo, rapidinho, antes que os outros acordem e

venham nos atrapalhar. Olha. Eu tenho camisinha. Vem aqui, vem.

Stella – Mas... Mas debaixo da mesa T.T?

Thiago – Vai mulher! O que que tem? Garanto que você não vai se arrepender.

Stella – Não é isso... É que é que...

Thiago – (nervoso) Então vem logo aqui, porra!

Ainda a contragosto, Stella resolve entrar embaixo da mesa. Thiago deita-se

sobre ela e passam a se beijar e se tocar com mais volúpia. Surge então Sra. Estela e

Sra. Regina. Caminham também pela varanda até pararem estarrecidas ao verem o casal

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embaixo da mesa. Eles também olham para elas, mas depois voltam a se beijar,

ignorando-as. Elas também continuam a caminhar envergonhadas.

Sra. Regina – Não consegui dormir direito pensando no Mauro. Você acredita que ele

nem dormiu comigo? Foi dormir no outro quarto? Isso tudo está me deixando muito

preocupada, muito preocupada mesmo. O que será que ele quer com a gente? E por que

tanto mistério?

Sra. Estela – Com certeza não é o mesmo que o Thiago. Cachorro sem vergonha. Será

que ele não desiste de bancar o bonzinho, o Senhor Boa Praça? Todos nós já sabemos

de suas canalhices. Por que ele insiste em fazer o gênero do bom moço? Forçar a barra

para que demonstremos que ainda temos algum apreço por ele?

Stella – Ai amor! Diz pra mim, diz. Você gosta de mim? Hein? Você gosta de mim?

Thiago – (arfando e beijando o pescoço de Stella) Claro querida. Claro.

Stella – Diz então. Diz que me ama, vai diz.

Thiago – Porra Estrelinha. Dá um tempo. (e lhe dá um beijo na boca)

Sra. Regina – Mas não podemos ficar a criticá-lo sempre. Já conhecemos sua índole. (as

duas sentam-se e ainda assistem a Stella e Thiago debaixo da mesa). Para ele, os fins

sempre justificavam os meios, não é isso? O que aconteceu é que nós mudamos e ele

continuou a ser como antes. Vestiu uma carapuça de bonzinho e quer fazer com que

acreditemos nisso. Mas no fundo não mudou nada. Nada.

Sra. Estela – Sim. Ele não passa de um grande canalha. Um perfeito canalha. De certa

forma acabou atrapalhando minha vida. Fiz tantas coisas por ele. Abandonei tantos

sonhos para ficar ao seu lado. E ele simplesmente me ignorou. Trocou-me por outra

como quem troca de camisa.

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Sra. Regina – E você, mais do ninguém, tem todo o direito de criticá-lo e querer que ele

desapareça. Que ele morra. Te abandonar para casar com aquela viúva rica foi

imperdoável.

Sra. Estela – Ele aplicou o golpe do baú, ficou com todo o dinheiro dela, comprou uma

editora e passou a lançar livros de auto-ajuda. Nossa Regina! Diga para mim... Quando

nós, quando alguém poderia imaginar que ele seria tão baixo a esse ponto?

Sra. Regina – Não querer você, aplicar o golpe do baú ou escrever livros de auto-ajuda?

Sra. Estela não responde. Fica olhando tristonha para o casal debaixo da mesa.

Stella – Aí amor. Por favor, seja carinhoso comigo tá.

Thiago – Cala a boca Stella! Porra! Você fala tanto que daqui a pouco eu vou perder o

clima.

Stella – Não amor. Não. Não é isso. Eu só quero que você seja assim... Um pouco

romântico comigo. Só isso.

Thiago – Romântico? Você quer que seu seja romântico agora? Stella! A gente vai

trepar ou trocar juras de amor? Eu quero trepar. Não quero ficar falando besteira.

Stella – Não é besteira T.T. É que... É que você quer tudo tão rápido, tão fácil. Eu só

quero um pouco... Um pouco de carinho.

Thiago – Mas eu não quero falar nada. Eu quero transar com você. Pode ser ou tá

difícil?

Sra. Estela – Por que os homens são tão egoístas em relação ao amor? Por que são tão

insensíveis aos nossos sentimentos, às nossas vontades? O que custa dar um pouco de

carinho, um pouco de afago para nós, mulheres, que estamos sempre, eternamente,

preparadas para recebê-los e prontas para amá-los? Por que não reconhecem essa

virtude em nós e dão um pouco de carinho? Mas não. Ao contrário, ficam nos cobrando.

Cobrando fidelidade, cobrando compreensão e acham que o mínimo que dão, seja

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prazer, seja mordomia, já é o suficiente. Será que eles não entendem? Não entendem?

Que nós mulheres queremos mais que dinheiro, que prazer, que uma pica?

Sra. Regina – Bem querida, além de prazer, respeito e carinho eu também quero

dinheiro. Mas eu entendo essa sua cartáse. Os homens são diferentes em tudo. As idéias

neles funcionam ao contrário. Neles, o desejo gera o amor. E em nós, mulheres, é o

amor quem gera o desejo. E embora eu acredite que essa máxima possa até ser invertida

no nosso caso, é praticamente estável na concepção masculina. Se eles não desejam, não

amam. Se não sentem aquele tesão, não estão nem aí para você. É a maldita índole de

posse que domina o seu cérebro. Eles têm que ter e experimentar para ver se aprovam

ou não. Eles não aprendem a gostar, a amar. Eles aprendem apenas a aturar sua mulher

para comê-la.

Stella – (empurrando Thiago) – Aí Thiago! Thiago! Por favor, assim você me machuca.

Thiago! Por favor, Thiago, chega! Pára! Pára!

Thiago sai de cima de Stella com ódio nos olhos. Levanta-se e fica parado no

meio da varanda, arrumando suas roupas.

Thiago – (ríspido) Olha garota, eu acho que não te entendo. Você vem toda faceira, toda

a vontade, me instiga, diz que quer e depois desiste na hora h? Droga. O que foi que

aconteceu? O que foi que aconteceu?

Sra. Estela – Pobres homens. Eles são fracos de espírito, isso sim. Não entendem que o

amor na vida de uma mulher é para sempre, para todos os momentos, para todos os

instantes. Quando uma mulher está apaixonada, ela ama desde o nascer do sol até o

último raio de luar a iluminar sua cabeça. A mulher quando ama o faz a todo instante.

Tem esse sentimento convicto dentro dela e o carrega intrínseco a todas as coisas que

realiza.

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Stella – Nossa T.T. Não fica assim bravo comigo. Eu apenas, eu apenas gosto de você...

E quero ser só sua, você entende? Eu quero que você veja isso, sinta o quanto eu gosto

de você.

Thiago – Tá. Eu também gosto de você. Isso já não é o suficiente? O que mais você

quer? Quer que eu me case com você só para treparmos? É isso?

Stella – Não. Não é assim. Não é isso do que eu estou falando. Eu sei que você gosta de

mim... Eu só queria... Eu só queria saber...

Thiago – (nervoso) – Queria saber o quê? Fala logo, porra!

Stella – (segurando o choro) – O quanto você gosta de mim. É isso. Eu queria saber se a

gente pode ter mais do que isso... Mas do que uma transa. Se pode acontecer algo

mais... Sei lá... Um namoro...

Thiago – Oh, não! Oh não Estrelinha! Não me venha me com essa de apaixonada pra

cima de mim não. A gente é só amigo e já se conhece há um tempão. E entre amigos

não pode existir isso. Não pode ter nada de paixão, de amor, de romance. Acho que

você está sonhando, fantasiando demais.

Sra. Regina – Somente um calhorda como o Thiago é capaz de atitudes assim, de

discriminar o sentimento de uma mulher visando apenas sua satisfação pessoal. O que

sempre lhe interessou é o que as mulheres têm no meio das pernas. Sentimentos do

coração pra ele eram besteiras. Assuntos banais para discutir com o Ari.

Thiago – Eu vou ser sincero com você Estrelinha. Eu nunca amei ninguém. E nunca vou

amar. É claro que eu prefiro as mulheres belas por uma inclinação natural, pelo meu

gosto natural. As feias por interesse e as boas e gostosas como você por tesão. Você me

entende? Te acho uma puta mulher, deliciosa, magnífica. Mas eu não tenho tempo nem

vontade de ficar cultivando paixão, amor, essas besteiras aí por ninguém. E nem quero,

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nem procuro isso. Amar é uma prisão. E eu quero viver livre dessa armadilha, longe

disso.

Stella – Oh, Thiago, não me diga isso. Não diga que você não quer nada comigo, por

favor...

Thiago – É isso o que você quer ouvir? Que eu não quero nada com você? Que eu não

te...

Stella – Não! Não! Não diga nada. Eu não quero ouvir isso. Eu não quero.(tapa os

ouvidos com as mãos).

Thiago a fita com ar de superioridade ao mesmo tempo em que ri

despreocupadamente.

Sra. Estela – Nada é pior do que a frieza do coração, a indiferença do seu semelhante

por quem você realmente gosta. O verdadeiro mal está em não se ter o mínimo de

sentimento e respeito pelo outro. É ser como o diabo, que tem a face indiferente a tudo o

que vê.

Thiago – Deixe disso Stella. Não fique se reprimindo nem se iluda com essa falsidade

da alma humana que é o amor. O amor cheira a morte. Os mais inteligentes sabem

disso. Tamanha ânsia em amar acaba indo à direção do mais profundo dos abismos.

Você passa a não medir as conseqüências dos seus atos e se anula em nome de outra

pessoa. É melhor viver livre do que viver amarrado a alguém. Nós precisamos sempre

de outras vidas e de outros mundos para crescermos e nos desenvolvermos. Nunca

encontraremos felicidade plena e absoluta em uma só pessoa. Precisamos conhecer o

mundo, e não o indivíduo.

Stella – Cala a boca Thiago! Cala a boca! Eu não quero mais ouvir você. Não quero.

Não quero nunca mais... Nunca mais te ver.

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Thiago a fita ainda com ar de superioridade. Aproxima-se dele e lhe dá um beijo

na testa. Ela se afasta e senta-se no chão. Ele sai.

Sra. Regina – Assim são os homens. Maniqueístas. Apressados. Insensíveis. Bárbaros.

Sra Estela – E mesmo assim não conseguimos ficar sem eles. Acabamos doidas,

desoladas se os perdemos...

Sra. Regina – Eu sei, eu sei... Por isso eu agarrei o meu com unhas e dentes. E não hei

de deixá-lo escapar. Jamais.

Surge Agnes. Está mais uma vez radiante em um conjunto de verão em tons

claros. Caminha pela varanda, mas pára ao ver Stella chorando.

Agnes – Estrelinha! Estrelinha! O que aconteceu querida? Por que você está chorando?

(ela a afaga) Não fique assim. O que aconteceu? O que aconteceu?

Stela – Oh! Agnes. Aí Agnes. Não... Não é nada. É bobeira minha. Besteira. Já vai

passar. Daqui a pouco passa.

Agnes – Mas o que aconteceu para você ficar tão chateada assim? O quê?

Sra. Estela – São esses nossos medos interiores. Nosso eterno desespero em relação à

rejeição, ao não, ao que é impossível termos. E chorar parece que descarrega nossa alma

do peso desta dor. Ela continua ali, tomando espaço, porém com menos força, fraca,

mais ainda está lá, presente, nos pressionando. Chorando fica fácil aceitá-la. Por isso

nos debulhamos em lágrimas. Como chorar é um sinal de fraqueza, admitimos isso

perante o mundo. Como que dizemos: Sim, somos fracas e incapazes. Somos fracas e

incapazes de agüentar o fim de uma relação. Não entendemos e nos desesperamos

quando ouvimos um “Eu não te amo”. Chorar nos fortalecer para enfrentar nossos

monstros e demônios interiores. Como essa demonstração de que somos fracas, fica

mais fácil encarar a frustração irreversível de que perdemos quem amamos e não

adianta lutar por isso.

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Agnes – Você não pode ficar triste aqui. Você mesma achou esse lugar maravilhoso. E

ele não pode trazer coisas ruins para você. Aqui flui tudo de bom. Tudo de positivo.

Stella – Não! Não é isso! Esse lugar é mesmo maravilhoso. Mágico. Lindo. Muito lindo.

Acho que é isso que me faz ficar assim... Um pouco triste. Eu vejo... Eu vejo coisas tão

belas, tão puras, e eu estou aqui... Tão sozinha, tão abaixo de toda essa beleza...Tão...

tão abandonada à própria sorte... Abandonada à desgraça de amar e não ser

correspondida.

Sra. Regina – É querida... nem sempre a vida por fora de nós é um reflexo daquilo que

somos por dentro.

Agnes – Não, minha amiga, não fique assim. Não se lamente por momentos ruins, por

coisas ditas sem pensar e principalmente as que não são verdade. Tente encontrar nesses

momentos forças para procurar o que realmente faz bem para você.

Stela – Você acha? Você acha que é possível deixar para trás aquilo que nos deixa

infeliz e sair em busca da felicidade? Mesmo que esse algo, esse alguém, ainda está

dentro do seu coração?

Agnes – Sim Estrelinha! É possível sim. É possível. Você tem que acreditar na sua força

interior, na sua capacidade de querer ser feliz, no seu amor próprio. Oh lindinha. Justo

você que é tão compreensiva com os outros... Seja assim com você também. Quando

não podemos ter alguma coisa ou alguém que desejamos muito, então devemos procurar

correr atrás do que podemos ter.

Stella – Você acha que não vale a pena lutar pelo o que desejamos?

Agnes – Se o que desejamos está fora do nosso alcance, vale a pena buscar o que está

mais próximo.

Sra. Estela – Eu demorei em me conscientizar o que estava me atrapalhando, atrasando

a minha vida. Foi difícil entender que se eu me apaixono por alguém e ele não me

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corresponde o problema é totalmente meu, e não dele. Fui eu que criei todo um mundo

de expectativas e perfeição ao lado dele. Fui eu que criei mil fantasias ao seu lado e não

posso cobrar nada dele. Não tenho esse direito. O amor é meu. A culpa é minha. Não

importam os motivos pelos quais ele não correspondeu aos meus sentimentos, porque

ele não se apaixonou por mim. Importa verdadeiramente o que eu posso fazer para

resolver essa questão. Esquecê-lo. Parar de sofrer. Parar de desejá-lo e de amá-lo.

Agnes – Não sei se você já ouviu falar de um homem chamado Marxwell Maltz. Ele

tem uma frase muito interessante e bonita. Para ele, a felicidade consiste em preparar o

futuro pensando no presente e esquecendo o passado se foi triste. Não é interessante?

Sempre penso nela quando estou em dificuldades. Se o que aconteceu lhe deixou

magoada, esqueça e continue sempre em frente. Não volte para trás. Olhe para frente e

continue a viver em busca da felicidade, e não pare para tentar recuperar o que ficou

pelo caminho.

Sra. Estela – A moça que leva a vida inteira à espera do seu príncipe encantado, um dia,

fatalmente, encontrará um sapo.

Sra. Regina – Oh, Estela! Ótima observação. Ótima observação. Belo senso de humor.

Sra. Estela – Humor? E quem disse que eu estou de bom humor?

Stella – Aí! Obrigada... Obrigada Docinho pelo ombro, por essas palavras bonitas. Eu

vou... Eu vou melhorar. Obrigada mesmo... Você é mesmo um doce. Um docinho.

Agnes – Quando você precisar desabafar pode me procurar Estrelinha. Agora enxugue

essas lágrimas e vamos dar um mergulho no rio. O que você acha?

As duas se levantam e saem. Com uma fisionomia triste, Sra. Estela também se

levanta e sai logo atrás dela, deixando a Sra. Regina sozinha. Surge então o Sr.Thiago.

Sr. Thiago – Nossa! O que aconteceu com a Estela? Ela está com uma cara de acabada.

Parece até doente. Em outros tempos eu diria que ela está com uma cara de empata foda.

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Sra. Regina – Aí que horror! Que linguajar mais chulo. Com certeza você deve lembrar

do rosto da Estela em outras oportunidades. Em outras ações não consumadas entre

vocês.

Sr. Thiago – Desculpe, mas eu não estou entendendo o que você está falando.

Sra. Regina – Então esqueça. São coisas de mulher. Reminiscências de um passado nada

glorioso. Acho que é isso. A Estela vive com essa culpa dentro dela. Culpa de ter

perdido muitas oportunidades, por ter objetivado um único sentimento... Uma única

pessoa e se decepcionado com o descaso. Com o seu descaso

Sr. Thiago – Descaso... Descaso meu. Olhe Regina, eu sei que fui um homem terrível,

terrível no passado. Mas não posso mais ser cobrado por algo que fiz e do qual já me

arrependi, pedi desculpas e até paguei por ele frente ao desprezo com que a Estela me

trata até hoje. O que mais posso fazer? O que mais? Parece que não existe mais perdão

nesse mundo.

Sra. Regina – Acho que a questão não é clamar por perdão. Mas sim de se resignar.

Lamentar-se eternamente pelos seus erros e se desculpar todas às vezes para a pessoa

que você magoou.

Sr. Thiago – Não. Isso não. Acho que isso não é o correto. As pessoas devem aprender a

viver com suas frustrações e suas dores. E não simplesmente despejar tudo em cima de

uma única pessoa e dela cobrar uma culpa eterna por sua infelicidade.

Sra. Regina – Você diz isso porque nunca foi infeliz por não ter um amor

correspondido. Ah! Desculpe-me. Esqueci que você nunca amou ninguém. Nem

mesmo aquela coitada que viveu com você três semanas, morreu e acabou te deixando

rico. Aqui entre nós, Thiago. Você a matou, não foi? Você matou a velha para ficar com

sua herança, não foi isso?

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Sr. Thiago – Mas o que é isso? Não diga uma barbaridade assim. O que você pensa de

mim Regina vem de uma imagem negativa do passado. E você se esquece que nós

evoluímos. Sempre crescemos. Como você pode ser tão dura, tão infame assim comigo?

Escute. Durante esses anos todos eu descobri que um grande pensamento, uma grande

idéia, um grande objetivo vem sempre do coração. As linhas nervosas que animam o

nosso cérebro têm suas raízes sempre em um sentimento. Até mesmo em uma paixão.

Mas para concretizar tais idéias temos que ter a firmeza em sentir isso tudo. E aprender

a desvendar os sentimentos que se entrelaçam a um pensamento, às intenções

escondidas nesta intrínseca ligação entre o cérebro e o coração, apesar de você não

demonstrar acreditar. Eu amei sinceramente minha falecida esposa. Aprendi a amá-la.

Aprendi a desenvolver esse desejo em mim. Amei-a talvez do mesmo jeito que no

passado eu desejei a Estela. Naquela época, eu queria apenas viver aquilo que brotava

espontaneamente em mim, seguir os meus instintos carnais. Antes eu não tinha essa

noção da relação entre sentimento e raciocínio, o que eu vim a ter somente agora.

Sra Regina – Thiago, Thiago... Você na verdade não mudou nada. Continua justificando

suas atitudes mais terríveis com belas palavras e ótimas intenções. Quando você vai

assumir ser um homem frio e apenas interessado em você mesmo? Que não liga para os

sentimentos dos outros, e não tem o menor respeito por ninguém?

Sr. Thiago – Assumir o quê? Que eu não presto? Que eu sou insensível? Mas porquê

assumir tais coisas negativas, se elas fazem parte da minha vida, do meu ser, da minha

formação? Eu sou um ser imperfeito, Regina. Todos nós somos. Ou você vai me dizer

que ao longo desses anos todos você assumiu alguma qualidade negativa? Responda-me

Regina? Em algum momento você se assumiu como uma pessoa má?

Sra. Regina – Claro que não Thiago. Eu nunca fui má! Nunca. Eu apenas lutei pelos

meus sentimentos e pelos meus objetivos. Apenas isso. Se ser má é lutar por aquilo que

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se quer, então todas as pessoas felizes desse mundo devem ser condenadas a arder no

fogo do inferno por toda a eternidade.

Sr. Thiago – E esquecer uma amizade? Você não considera isso uma maldade?

Sra. Regina – (irritada) Amizade? Esquecer a amizade? Do que você está falando? Que

raios de amizade é essa de que você tanto fala?

Sr. Thiago – Há vinte e poucos anos atrás havia um sentimento de amizade entre você,

Estela, Agnes, Mauro, Ari e eu. Éramos amigos de fato. Éramos unidos. Éramos felizes.

E depois do que aconteceu, quando nós deveríamos ficar mais unidos, mais fortes para

enfrentar aquela... Aquela desgraça, foi você Regina, foi você a pessoa que mais mudou,

se alterou por completo. Passou a ter uma postura negativa sobre todos e tudo, a evitar

se relacionar, se envolver conosco. Por mais terrível que tenha sido aquela noite, nada

justificava as suas ações, suas manobras para conseguir nos separar, para nos isolar uns

dos outros. Ao longo desses anos você sempre evitou que nos reuníssemos para

conversar sobre o que aconteceu, praticamente eliminou essa amizade que tínhamos.

Em relação a Agnes eu entendo. Todos ficamos distantes dela. Era uma atitude natural.

Mas e o restante de nós? Por que você quis que ficássemos distantes uns dos outros?

Acabar com essa nossa amizade que era tão bonita?

Sra. Regina – Você quer saber qual é o meu real conceito sobre a amizade? Ser amigo,

ou ter amigos, não é apenas estender a mão, abrir um sorriso carinhoso, nem desfrutar

de uma singela companhia num dia ensolarado A amizade é uma inspiração espiritual

que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você. E não foi isso

que eu recebi de vocês quando eu disse toda a verdade do que vi. Todos, todos vocês

desconfiaram de mim. Não acreditaram na minha sinceridade. Ficaram receosos em me

amparar e me dar apoio. O que você esperava que eu fizesse? Continuasse amiga e

confidente de pessoas que desconfiam da minha palavra? Da minha sinceridade? Apesar

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de todas as evidências, por mais terríveis que tenham sido, preferiram ainda duvidar de

mim. Eu é que nunca entendi a postura de vocês. Por que ficaram receosos de mim? Por

quê?

Sr. Thiago – Não é isso. Não que tenhamos desconfiado do que você revelou naquela

noite. É que nós sabíamos o que você tanto queria. E aquilo foi tão... Tão confuso, com

tudo saindo a seu favor que...

Sra. Regina – Está vendo? Está vendo? Está vendo como eu estou certa. Amizades são

coisas frágeis. E a confiança é a base de toda a amizade. Ela requer mais cuidado do que

todas as outras coisas frágeis que existem em outras relações. E vocês não cuidaram

disso comigo. Não mesmo. E eu nunca vou perdoar vocês. Nunca.

Surge então Ari. Ele fica na outra extremidade de onde estão Sr. Thiago e Sra.

Regina. Está visivelmente transtornado. Olha para os lados e sorrateiramente tira do

bolso de sua calça o lenço de Agnes. Ainda receoso, fica a cheirá-lo com intensidade,

dando suspiros de prazer. De repente, novamente ao perceber que está sendo observado

com repulsa agora pelo Sr. Thiago e a Sra. Regina, guarda a peça no bolso.

Ari – Oh, como sofro! Minha vida é um eterno mar de dúvidas, receios e frustrações.

Como é duro viver em função de quem se ama e não poder demonstrar, tampouco

reclamar um pouco de amor, de carinho, de atenção. Apesar desta minha dor, devo

resignar-me e me conter. Felizmente a nós, homens, não foi legado o poder mágico de

ler a mente uns dos outros. Com certeza, o primeiro efeito deste poder mágico seria o

fim de todas as amizades. Entre amigos não se deve revelar todos os segredos de um

para o outro. Ah! Isso jamais deve ser feito. Por mais sinceros que sejamos com nossos

amigos, jamais devemos revelar toda a verdade que conhecemos em relação a ele nem

todos os nossos sentimentos que gostaríamos que ele soubesse, mas que omitimos por

saber que isso o magoaria. E se não faz tanto mal assim a nós mesmos, não há motivo

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então para que o revelemos e assim causar um verdadeiro litígio entre amigos..

Preservar a amizade é saber omitir a verdade sobre alguns fatos e alguns desejos, por

mais dolorosos que eles possam ser para nós.

Sr. Thiago – Apesar de você não se considerar uma pessoa má, pelo menos pensa com

fatalismo, negatividade. Como diria Willian Blake: “É mais fácil perdoar nossos

inimigos do que os nossos amigos!”.

Sra. Regina – Nisso eu concordo totalmente com você! É bom você ter se recordado

desse seu poeta do fim do mundo porque é nesse sentido, e somente nesse sentido, que

posso chamá-lo de amigo. O amigo que eu tive e nunca vou perdoar.

Sr. Thiago levanta-se e sai decepcionado. Surge Agnes, que ao ser vista pela Sra.

Regina pára. Esta última levanta-se com um ar de insulto e sai. Agnes aproxima-se de

Ari.

Agnes – Ari! O que você está fazendo aqui sozinho? Não quer ir com a gente lá pro rio

dar uns mergulhos? Eu pego uma toalha para você e...

Ari – (tímido, evitando olhar diretamente para Agnes que esta de biquíni e saia) Oh,

Docinho! Eu não...Eu nem te vi chegar. Obrigado pelo convite, mas... Mas... Mas eu

não sei nadar. É isso. Eu não sei nadar e não quero passar vexame na frente de vocês.

Agnes – Aí Ari! Deixa um pouco essa timidez de lado, pôxa! Você é o nosso amigo

mais inteligente, mais sensato. É até compreensível que você não saiba nadar. Você

sempre fica enfiado dentro de bibliotecas, devorando livros e livros. Tanta inteligência

ocupa espaço demais dentro de você, o espaço que deveria ser dedicado às coisas boas

da vida. Ler muito talvez não seja muito bom.

Ari – E de fato não é Docinho. E de fato não é. Tantas teorias, tantas idéias, acabam nos

fazendo pensar demais. E pensar demais às vezes é perigoso.

Agnes – Perigoso? Como assim perigoso?

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Ari – Alguns dizem que pensar é melhor do que falar. Que pensando duas vezes sobre

determinado fato estaremos tomando a decisão mais correta. E isso não é exatamente

verdade. Nós homens ainda temos guardado dentro de nós a “anima irracional”. E

embora, na maioria das vezes, não tenha serventia útil e até nos faça sofrer, por outras

vezes nos auxilia a conviver em sociedade e enfrentar nossos medos e angústias. Para

tomarmos determinadas atitudes não precisamos exatamente de reflexão, mas sim de

ação. E quando pensamos muito nessa ação, acabamos inferindo propriedades inerentes

a essa ação. O que pode nos levar a agir da forma correta, mas não da forma mais lógica

ou desejada. É isso. Por isso pensar muito é perigoso. E infeliz.

Agnes – Nossa Ari! Esse seu pensamento é muito triste. Credo. Muito depressivo. Não

devemos ficar tecendo idéias pessimistas. Vamos ver tudo pelo lado bom e alegre da

vida. Como esse lugar. Vamos ver tudo pela ótica da beleza e da felicidade. Felicidade

Ari. Por que a felicidade não está em viver pensando ou viver sem pensar. Não vive

mais o que vive por impulsos ou reflexões, mas aquele que emprega o melhor de si na

sua própria vida. Aquele que realiza os seus sonhos, suas vontades e vive sem vaidades

ou preocupações. Assim é viver uma vida feliz. Não sofrer por desejos passados ou

propostas não realizadas. Viver cada dia como um novo dia, dando graças pelo o que

aconteceu e rezando para que o dia de amanhã seja melhor ainda.

Ari – É... Para algumas pessoas o êxito na vida consiste em alcançar o que se deseja. E a

felicidade em desejar o que se alcança.

Agnes – Sim. Eu acredito nisso.

Ari – Mas não existe felicidade para a razão. A razão não busca essa paz de espírito.

Busca apenas a racionalidade das ações, e as pondera sempre entre o bem e o mal, o

justo e o injusto, o certo e o errado.

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Agnes – Ari! Ari! Pare de ficar pensando nessas coisas! Venha! Vamos viver! Vamos

nos divertir.

Agnes pega o braço de Ari, que fica extasiado com a ação. Totalmente confuso,

tenciona primeiramente em seguir a amiga. Mas depois volta de seu intento, puxando o

braço, o qual fica a alisar de costas para Agnes.

Ari – Não! Não! Docinho não! Eu... Não quero! Eu não posso ir! Eu não sei nadar. Mas

vá. Vá e se divirta por mim. Ficarei aqui, como um bom filósofo, a contemplar a

natureza e suas belezas infinitas. A contemplar as coisas boas da vida.

Com um sorriso nos lábios, Agnes balança a cabeça, se despede e sai saltitante.

Ari – (sozinho, novamente pegando o lenço e olhando-o com desespero e sofreguidão) –

O corpo! A alma! A carne ou o espírito? Oh, quem de fato detém a culpa pelos nossos

pecados? Seria mesmo a nossa alma, a nossa razão objetiva, que nasce pura e sempre

tencionada a assim se manter, apesar das discrepâncias morais as quais somos postos

diariamente à prova? Ou o nosso corpo, o nosso desejo, que através dos símbolos dos

universos, dos homens e da nossa imaginação deturpam conceitos e modifica idéias,

visando apenas prazer e gozo? Corpo ou alma? Amor ou desejo? Seríamos mais felizes

se pudéssemos existir sem esse eterno dualismo. Seríamos mais felizes se não

sobrepujássemos os desejos do corpo com a consciência e agíssemos de acordo com o

desejo carnal. Ou então se vivêssemos apenas para cumprir os desígnios da nossa razão.

Viver para nos conhecermos e ampliar nossa inteligência humana. Apenas isso e tão

somente isso.

Entra então Regina. Veste um biquíni e uma canga. Tem uma fisionomia

preocupada. Vem andando procurando por alguém e pára ao lado e Ari, que se espanta

ao vê-la ao seu lado.

Regina – Oh Ari! Está sozinho aqui? Você sabe onde estão todos?

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Ari – (surpreso) – A Docinho acabou de passar por aqui. Acho que eles estão no rio.

Regina – Será que o Mauro também está com eles?

Ari – Não sei. Eu não o vi passar por aqui.

Regina – E você não foi junto?

Ari – Não. Não fui. Na verdade eu não sei nadar, sabe? Fiquei com vergonha de fazer

feio na frente de vocês.

Regina – Oh, Ari. Fazer feio? Você é que nos deixa com vergonha quando começa a

falar em filosofia, em busca do conhecimento, da vida, essas coisas todas. Você sim nos

deixa com vergonha. É tanto saber, tanta sapiência que chega a dar over. Esqueça um

pouco disso. Deixe para lá a consciência de ser correto e vamos nos divertir.

Ari – Obrigado pelos elogios. Faz bem para o ego e massageia a alma ouvir coisas boas

a seu próprio respeito. Você está certa. O que adianta saber discorrer sobre o

pensamento dos homens e não saber dar duas braçadas ao longo de um rio, não é? Sei

que sendo um homem sou um ser dotado de aprendizado constante. Eu que me privo

dessas outros conhecimentos e desejos menos profundos por opção. Mas é uma opção

pessoal. Pessoal e imutável.

Regina – Ora! E porquê? Por que você se priva dos seus desejos?

Ari – Não exatamente me privo, me privo por completo... Mas eu prefiro me abster em

relação aos meus anseios do que tomar alguma atitude.

Regina – Uma atitude? Atitude em relação a quê?

Ari – (nervoso) Ah, Rê... Em relação a tudo. A tudo e a todos. De viver a minha vida

indiferente à vida dos outros. Deixar os acontecimentos correrem ao sabor dos ventos e

das marés. Prefiro ver o mundo passar apenas como expectador. Apenas como

expectador.

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Regina – (pensativa) Você... Você com todo esse conhecimento e de idéias sobre o

mundo, você acha que isso é correto? Que não devemos lutar pelo o que queremos, mas

apenas nos resignar, deixar escapar por entre os dedos o que sempre desejamos?

Esquecer o que não conseguimos e continuar sozinho a nossa caminhada, a nossa vida?

Ari – Não! Em absoluto! Eu não acho isso! O que eu penso é exatamente o contrário.

Nunca devemos deixar de sonhar e correr atrás da realização dos nossos sonhos e

desejos mais profundos. O que eu penso é que antes do seu desejo há o desejo de uma

outra pessoa também. E ignorar o que o outro também quer para conseguir o seu é um

dos pilares da atual desgraça humana e da nossa desregrada situação social, onde

interesses financeiros e outros escusos interesses movem as engrenagens do mundo

atual, aniquilando várias pessoas, vários sonhos, para que os deles se tornem realidade.

Acredito que devemos nos empenhar no que queremos, mas sempre vislumbrando o

impacto das nossas realizações na vida dos nossos semelhantes, pois temos um dever

moral para com eles. Assim como entre nós.

Regina – Você acha então que antes de eu desejar alguma coisa, eu devo saber se uma

outra pessoa também está interessada naquilo que eu quero? É isso?

Ari – Mais ou menos isso. Você não deve nunca deixar de lutar por aquilo que lhe

interessa. No entanto, tem que ser justa com quem quer o mesmo com você. Disputar o

seu objetivo de forma limpa. Se você quer ser uma profissional de gabarito, estude para

tanto e prove entre seus concorrentes que você é a melhor preparada. E nunca use de

subterfúgios para passá-los para trás. Jogue limpo e honestamente. É isso o que importa.

Imaginemos nós, por exemplo. Nosso grupo aqui reunido. Imagine todos nós atrás de

um mesmo objetivo. E cada um tentando enganar o outro. Como você acha que essa

disputa iria terminar? Fatalmente numa eterna rivalidade sem fim, onde o vencedor

nunca ficará tranqüilo ao saber que chegou em primeiro não por suas habilidades

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próprias, mas sim pelos seus métodos de enganação e traição. E nenhum homem

consciente consegue dormir com isso, com essa perturbação constante na cabeça. Pelo

menos aqueles providos de um mínimo de moral.

Regina – Isso eu entendo. Mas e quando estamos na disputa por uma mesma coisa, em

busca de um mesmo sonho, e os nossos concorrentes usam de meios desleais para nos

tirar da competição? O que devemos fazer? Ainda assim abandonar o nosso sonho? Ou

devemos usar as mesmas armas do inimigo?

Ari – Oh Rê! Ghandi tem uma frase sublimar sobre o que você acaba de me perguntar.

Ele disse: “Olho por olho e o mundo acabara cego”. A resposta certa é não. Não vale a

pena lutar de forma desleal com o inimigo. Devemos tentar sempre ser melhor do que

ele. Estar sempre acima dele. Ser melhor do que ele em tudo.

Surge Sra. Regina e Sra. Estela caminhando pela varanda.

Sra. Estela – Às vezes, eu sinceramente odeio o seu marido. Por que ele não fala logo o

que nós estamos fazendo aqui nesse lugar? Sim, porque eu não estou me divertindo nem

um pouco ao lado de vocês novamente. Preferiria estar enterrada em algum escritório

com ar condicionado, rodeada de papéis, com uma maravilhosa dor de cabeça e uma

deliciosa cólica menstrual ao ter que ficar derretendo nesse forno e olhando para a cara

de vocês novamente.

Sra. Regina – Isso não é um bom sinal. Não mesmo. Esse silêncio do Mauro não é um

bom sinal. Quanto menos os homens falam, mais eles pensam. E aí você já viu, né

querida? Mauro deve estar a tramar algo. Só espero que não se seja contra mim.

Regina – Tentar ser melhor. Tentar ser a melhor. Parece ser fácil para você. Tudo muito

fácil. Mas e quando as oportunidades não são iguais? Quando não temos como competir

com o nosso adversário? Quando o nosso desejo está mais distante do que tudo?

Quando ele nem nos olha... Parece até nem saber que eu existo...

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Ari – Rê... Do que você está falando? Ou melhor: De quem você está falando? Você

parece sofrer por alguém... Sofrer, por amor.

Surge Mauro cruzando a varanda. Está trajando apenas uma sunga e arranca

suspiros tanto de Regina como da Sra. Regina.

Mauro – Rê! Ari! O que vocês estão fazendo? Vamos para o rio. Está todo mundo lá.

Ari – Daqui a pouco Mauro! Já já estamos indo.

Mauro – Belo biquíni, hein Rê? Você está um espetáculo!

Regina – (encabulada) Aí... Obrigada Bam Bam. Ainda bem que você gostou

Mauro sai, arrancando ainda suspiros e olhares gulosos de Regina e Sra. Regina.

Sra. Regina – Oh Mauro... Não sei se dentro de você existe um pouco de mim...

Regina – ... Mas dentro de mim existe muito de você!

Ari – (novamente surpreso) Rê! Você... Você está apaixonada pelo Mauro? Oh não!

Você também está apaixonada por ele?

Regina – (ainda encabulada) Não... Não é isso. Quer dizer, eu acho... Eu acho... Oh Ari.

Sim. É verdade! Eu o amo. O amo muito! Demais! Gosto dele pra caramba. Como eu o

desejo ao meu lado todos os dias. Como eu sonho com ele, com o seu corpo pesando

sobre o meu, com sua boca na minha, com ele comigo. Sim Ari. Eu amo o Mauro.

Ari – Meu Deus! Que linhas terríveis o destino traçou para nós. Como a vida é injusta

conosco amiga. Como somos desgraçados em nossos sentimentos.

Regina – Por quê? Por que somos desgraçados? Não há desgraça nenhuma em amar

uma outra pessoa. Ainda que eu não seja inteiramente compreendida, não existe nada

melhor...

Sra. Regina – E perigoso.

Regina – ...Que amar. Amar é tudo. Amar é bom. Amar é lindo!

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Sra. Regina – O Mauro conseguiu mudar a minha vida por inteiro, por completo. Desde

que me apaixonei por ele passei a viver só para ele. Foram tantos anos na expectativa,

no anseio de que ele me notasse, percebesse o meu sentimento por ele... Oh! Eu não sei

o que seria da minha vida sem ele. Eu não sei o que faria se não o tivesse mais.

Ari – Sim... Não há nada mais bonito, e também perigoso, do que amar. Desde que essa

pessoa não ame outra. E esteja infelizmente sendo correspondida.

Regina – Eu já sei. Eu já sei o que você está dizendo. É a Agnes, não é? É a Agnes! Ela

também gosta do Mauro, não é?

Ari – Infelizmente sim, minha amiga.

Regina – E ele... E ele a ama também? Você acha que o Mauro também gosta dela?

Ari – Sim. Tenho certeza que sim. Ele me confidenciou isso já muitas vezes. Os dois

estão ternamente apaixonados. Um pelo outro. E esse sentimento sublime está preste a

atingir o seu ápice. Eu acho que ele deseja tê-la o mais rápido possível. Tê-la como

namorada, como mulher... Mais rápido do que podemos imaginar.

Regina – Não pode ser Ari! Não pode ser! Eu sou a mulher da vida dele! Eu sou!

Minha família tem posses, tem dinheiro. Sou do mesmo nível social dele, a gente gosta

das mesmas coisas. Eu posso ser a namorada dele. A mulher dele. A esposa dele.

Ari – Mas infelizmente não é apenas o fator social que tem relevância num

relacionamento. Existe também o amor. O amor de um pelo o outro. Esse sentimento

capaz de transpor barreiras e ultrapassar limites. E nesse quesito os dois estão

plenamente sintonizados. Pelo o que eu ouvi de Mauro e da boca de Agnes, um está

absolutamente apaixonado pelo outro. Para a nossa desgraça. Para a nossa desgraça.

Regina – Como assim? Para a nossa desgraça? Mas como? A não ser que... Oh não. Ari!

Você também está apaixonado? Você está apaixonado pela Agnes? Eu não acredito! É

isso? É isso mesmo?

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Ari – (encabulado) Devo ser sincero com você Rê, já que compartilhamos da mesma

dor. Sim, eu amo a Docinho, sempre fui apaixonado por ela. Desde que a vi pela

primeira vez na faculdade. Oh, e como eu a amo, Rê... Ela, ela consegue deturpar

minhas razões, emaranhar meus sentimentos, me incendiar completamente. Meu

sentimento por ela é forte e é real... Mas eu não posso extravasá-lo. Nunca poderei.

Regina – E porque não Ari? Por que não podemos viver nossas paixões? Por quê? Por

que você não pode lutar pelo amor da Docinho?

Ari – Por que eu nunca teria chances com ela. Nunca. Ela ama o Mauro. E o Mauro é o

meu melhor amigo! Eu jamais seria capaz de fazer algo contra ele. Nunca! E eu, como

um bom amigo, devo desistir de tudo isso, de deixar viver um amor por sofreguidão.

Assim como você Rê. Acho que o melhor a fazer é desistir. Desistir desse nosso desejo,

desse nosso devaneio, pois no campo sentimental não teremos a mínima chance. Para

nós, Ré, é melhor matarmos a criança ainda no berço do que virmos a acalentar desejos

insatisfeitos.

Regina – Não Ari! Não pode ser. Você está errado. Errado. Quem não ama demais

nunca ama o bastante. Nunca

Começa a chorar. Entra em desespero e sai correndo gritando não e não.

Sra. Regina sai atrás dela.

Sra. Estela – Para onde você vai Regina?

Sra. Regina - (ao passar por Ari) Lutar. Lutar pelo meu amor. Criar oportunidades e

não tentar encontrá-las em algum lugar ou me entregar passivamente, sem luta, sem

guerra. Vou falar com o Mauro. Vou fazê-lo desistir de pedir a separação.

Sra. Estela – Mas quem disse que estamos aqui por isso, Regina?

Sra. Regina – Você pode não acreditar Estela, mas eu sei que é isso. Eu sinto isso.

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Sra. Estela – (indo acompanhá-la visivelmente a contra gosto) Tudo, tudo por ele. Tudo

sempre por ele. Tudo em nome do amor. Mas que besteira. (ao passar por Ari volta a

falar de forma contundente) Mas que besteira.

Saem. Ari fica novamente sozinho. Novamente pega o lenço de Agnes e o

cheira. Como antes, com a fisionomia alterada, esfrega a peça pelo seu corpo, pelo seu

sexo, ao mesmo tempo em que diz baixinho o nome de Agnes. Após alguns segundos

pára, como se tivesse retornado novamente de um transe.

Ari – (lamentando-se) Oh! Miséria de vida! Miséria de condição de vida! Serão enfim

realmente sábios aqueles que se entregam às loucuras do amor, aos devaneios do desejo,

e buscam plenamente sua felicidade a qualquer custo?

Surgem então Agnes e Stella. Estão enroladas em toalhas de banho e com os

cabelos molhados. Elas chegam a ver Ari, que ao perceber a chegada delas, sai correndo

assustado.

Agnes – Ari! Ari! Nossa! Por que será que ele saiu correndo?

Stella – Sei lá! Acho que ele não gostou do meu biquíni. Aí amiga! Quer saber mesmo?

Para ser sincera, eu acho o Ari um cara muito estranho. Misterioso. Esquisito. Sei lá.

Agnes – Esquisito? Não sei. Deve ser porque ele gosta de filosofia, gosta de ficar

discutindo política, falando sobre a vida. Acho que isso passa essa impressão de

mistério, dele ser uma pessoa diferente.

Stella – É... Pode ser. Mas mesmo assim ele parece esconder alguma coisa, algum

segredo, sei lá. Pode perceber. Quando a gente tenta descobrir alguma coisa da sua vida

pessoal ele sempre despista. Começa a enrolar a gente com aqueles seus papos

filosóficos e sai pela tangente.

Agnes – É... Mas mesmo assim não sei. Sinto que no seu olhar tem algo diferente, um

quê de experiência de vida, de lucidez... Parece que ele viu todos os séculos de nossa

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existência e guarda toda uma inocência, uma frágil pureza em relação à vida. Como ele

mesmo disse uma vez, “uma pureza de quem desvendou o espírito dos homens e os

mecanismos do mundo, e mesmo assim segue inalterado, capaz de passar ao lado de

toda a mesquinhez do ser humano e seguir sorrindo, desprezando as misérias do nosso

universo e buscando apenas um ideal de perfeição”.

Stella – Credo! Você decorou tudo isso?

Agnes – Sei lá. Achei bonitinho. Eu tenho maninha de decorar essas frases assim.

Stella – Que seja! Para mim, ele é um ser único aqui na terra, pois eu não conheço

ninguém que possa ser desse jeito, trazer tudo isso que você falou dentro de si e não

ficar louco um dia. É impossível alcançar essa condição tamanha, chegar a essa

perfeição toda vivendo nessa condição de vida miserável que vivemos atualmente. O

que eu sei é que não gosto dele. Para mim, até que se prove o contrário, ele é um

homem completamente dúbio, misterioso, perigoso.

Agnes – Aí vai Estrelinha. O Ari não é tão perigoso assim. O T.T. sim é um perigo.

Menina, ele tá louquinho pra te pegar. Tá te olhando de um jeito que dá até medo...

Stella – Nem me fale isso. Hoje de manhã a gente até deu uns beijinhos, uns amassos...

Agnes – E aí?

Stella E aí que ficou por isso mesmo. Ele até que queria dar uma rapidinha lá na

varanda... Mas eu não deixei. (suspira) E você sabe como eu sofro por ele, como...

Como eu o quero tanto!

Agnes – Eu sei, eu sei. Mas tenha paciência. Tudo tem sua hora e lugar. Vem, vamos

trocar de roupa.

Elas saem. Surgem Mauro e Thiago. Estão molhados, trajando sungas e

enxugando-se em suas respectivas toalhas. Thiago traz também um isopor pequeno.

Thiago – Ai! Acho que as meninas já entraram. Parece que agora tá tranqüilo.

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Mauro – E você trouxe o barato?

Thiago – (abrindo o isopor e tirando uma lata de cerveja. De dentro dela puxa um saco

plástico com papel de seda e uma substancia esverdeada, maconha.) E você acha que eu

ia esquecer? Que eu viria para um lugar vazio desse e não ia dar uns peguinhas? Qualé

cara!

Mauro – Ai garoto! Sabia que você não ia nos deixar na mão.

Os dois se sentam no chão da varanda. Enquanto Thiago prepara o fumo, Mauro

abre duas latas de cerveja. Eis que surgem o Sr. Mauro e o Sr. Thiago. O primeiro está

com aspecto grave, com a cabeça baixa, taciturno. O segundo está segurando uma

garrafa de uísque e dois copos, lendo com interesse o rótulo.

Sr. Thiago – É... Um doze anos legítimo. Muito bom. Muito bom mesmo.

Ao ver a chegada dos senhores, Mauro e Thiago tentam disfarçar o que estão

fazendo, mas ficam novamente à vontade com o gesto desinteressado com as mãos que

o Sr. Mauro faz ao vê-los ali sentados.

Sr. Thiago – Isso meu amigo. Isso mesmo. Sente-se e vamos também curtir um pouco

do que resta das nossas vidas. (Os dois se sentam nos sofás da varanda) Eu inclusive

trouxe um charuto muito bom. Você vai adorar. Um legítimo representante da boa vida

da terra do nosso amigo Fidel. (puxa dois charutos de dentro do bolso do paletó).

Thiago - (entregando o cigarro de maconha para Mauro) – E viva Marley meu Brother!

Mauro – Viva Marley!

Mauro se levanta e vai até o Sr. Mauro para pedir um isqueiro emprestado, voltando a

seguir para o lado do seu amigo Thiago.

Sr. Mauro – (após ascender o seu charuto e dar uma boa baforada) – Puta que o pariu

Thiago! E você ainda me diz que esse lixo é cubano? Você não mudou nada mesmo.

Continua me dando porcaria para fumar.

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Mauro – (após dar uma tragada em seu cigarro) – Aí! Esse é do bom mesmo hein T.T.?

Não é aquela como aquela bosta seca de cavalo que você comprou da outra vez.

Thiago – Eu troquei de fornecedor. Aquele que me vendeu aquela merda foi

assassinado. Com motivo, diga-se de passagem.

Sr. Thiago – Deixe de bancar o chato Mauro! Você sempre fumou qualquer coisa. Esse

aí pode não ser legítimo, mas também não é de todo falso. Olha. Tem até o nome

Havana escrito.

Mauro – Só...

Thiago – É... só...

Sr. Mauro – Só isso ele tem de cubano mesmo.

Sr. Thiago – E então...(servindo o uísque nos copos e passando um para o Sr. Thiago)

vai me dizer logo o que você está tramando trazendo todos nós de volta a esse lugar ou

vai deixar tudo para a última hora, como fez da última vez? Por Deus! Essas suas

surpresas costumam ser mais que surpreendentes.

Sr. Mauro – Não há surpresas. Como não houve da última vez também. Há muito

tempo deixei de gostar de surpresas.

Sr. Thiago – Embora acabe sendo sempre surpreendido.

Sr. Mauro – É... Quase sempre acabo sendo surpreendido. Primeiro com a Agnes,

depois com a merda de vida que acabei vivendo ao lado da Regina... E ultimamente com

você, meu caro.

Sr. Thiago – (surpreso) Comigo?!

Sr. Mauro – Deixe de onda Thiago! Admita de uma vez que você usou a minha

experiência de vida, as nossas experiências de vida para escrever livros de auto-ajuda. E

sem pedir a nossa autorização. Fala que não é verdade.

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Sr. Thiago – Bem Mauro... Veja bem! É como você acabou de dizer agora mesmo.

Nossas experiências foram mútuas. A minha, a sua, a das meninas.

Sr. Mauro – Meninas?! Nossa! Quanta simpatia de sua parte.

Sr. Thiago – Eu sei... Mas é isso. Eu só queria usar a minha experiência, a minha parte

das nossas experiências nos meus livros. E, infelizmente, acabei saindo um pouco do

meu objetivo inicial.

Thiago – Cara... Vou te contar uma coisa! Eu tô tranquilão, tô tão na boa, tô tão legal

que eu te juro. Eu te juro meu. Podia até morrer agora mesmo. Já! Agorinha. Agora

mesmo. Assim. Pára o meu coração. Pára! Pára! Assim. Já morri. Morri. Rá!Rá!Rá!

Sr. Thiago – Eu sempre quis que a minha vida, que os acontecimentos pelos quais

passei, as coisas que eu aprendi fossem retratadas apenas para iluminar a vida daqueles

mais desafortunados de espírito, que não tiveram as mesmas experiências, as mesmas

dores e os mesmos amores que eu e estão por aí, perdidos nesse enorme mundo de

incompreensão e intolerância sem terem onde se segurar ou pedir ajuda. A minha

intenção inicial nunca foi ganhar dinheiro a custa da infelicidade dos outros... Muito

menos a de vocês.

Mauro – Porra T.T. Fala sério, meu!

Sr. Mauro – Fala sério, vai Thiago!

Sr. Thiago – Tá! O mercado editorial tinha um filão enorme para esse tipo de literatura e

a grana era boa.

Thiago – Tá! Eu não tô tranquilão pra morrer agora não. Eu quero mesmo é morrer nos

braços de uma mulher peituda! Rá!Rá!Rá!

Sr. Thiago - E eu, apesar de ter ganhado uma grana boa com a morte da minha falecida

esposa – e que Deus a tenha em bom lugar, ainda preciso de grana. Não tenho empresas,

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terras e aplicações para não ligar para dinheiro como você. Eu ainda preciso correr atrás

dele.

Sr. Mauro – Negócios à parte, você foi, e muito, cara de pau. Mesmo trocando os nossos

nomes, os locais, algumas datas e alguns eventos, ficou claro que você estava falando

das nossas vidas. Mesmo porque o roteiro da vida nunca muda. Variam apenas os

atores.

Sr. Thiago – Desculpe-me meu amigo. Mas se sou cara de pau vocês são, no mínimo,

muito engraçados. E não estou falando da vida de vocês não. Todos sempre souberam

sobre o que e quem eu estava escrevendo. Mas nunca vieram me procurar para me

censurar, cobrar algo ou simplesmente pedir para deixar de falar determinadas coisas.

Muito pelo contrário. Resolveram, cada um por si, mas de forma orquestrada, me

crucificar por tabela. Fui julgado culpado e pronto. Nem quiseram me ouvir. Nem isso.

Mauro – Já eu... Eu quero morrer nos lábios doces da minha Docinho. Ah cara... Eu tô

afinzaço da Docinho. Demais, demais.

Thiago – E eu não sei? Ela também tá caidinha por você! Eu já percebi tudo. Ou você

acha que eu não reparei lá no rio vocês dois se esfregando? Demorou meu querido. Deu

mole vai lá e...

Sr. Mauro – (erguendo o copo e interrompendo Thiago) – Põe mais uma dose aqui, vai.

Tem certas coisas que acontecem na nossa vida que são difíceis de falar assim,

espontaneamente, mesmo para quem vivenciou tudo ao nosso lado. Você acabou

escrevendo certas coisas que acabou nos deixando mais constrangidos ainda. Aliás,

muitas coisas.

Mauro – Não cara. Com a Docinho não vai ser assim não. Eu não quero ela fácil assim.

Eu vou comer ela direitinho. Como manda o figurino. Eu vou casar primeiro, depois

vou tirar o cabaçinho dela.

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Thiago – Você vai fazer o quê? Pára meu! Tu chapô malandro? Casar pra comer uma

garota? Rá!Rá!Rá! Rá! Porra meu, essa maconha tá te fazendo mal... Se liga cara! E

quem te garante que a Docinho é virgem ainda? Quem te garante que ela já não deu uns

peteleco aí por fora?

Mauro – Eu garanto. Eu garanto. E eu me garanto. Mesmo se ela já deu pra alguém,

quero comer ela só depois de casado. Na lua de mel. Tirando o vestidinho de noiva dela,

beijando a boquinha dela, puxando aquela calcinha branca rendada... Assim... É assim

que eu quero.

Sr. Mauro – É como casamento. Casamento é uma merda Thiago.

Sr. Thiago – Bom... Eu que o diga né? Fui casado com uma octogenária. Tá certo que

durou menos tempo que eu imaginava. Mas mesmo assim...

Sr. Mauro – Mas e aí? Você...Você foi lá e...

Sr. Thiago – Claro. Claro. Ossos do ofício. Saiu na chuva é para se molhar, não é

mesmo? Fui obrigado. Tive que transar com ela. Nossa! Mas por favor, vamos mudar de

assunto. Por favor. Não me faça lembrar disso. Por favor.

Thiago – Pára com isso meu. Mulher é tudo igual. Menos de amigo e a que tem o

sobrenome igual ao seu. E você não precisa se casar para comer a Docinho. É só chegar

junto que ela libera prá você.

Mauro – Não cara! Não é tão simples assim. Eu quero isso, você entendeu? Eu quero

mesmo me casar com a Docinho.

Sr. Mauro – Eu tinha uma idéia muito idílica de casamento. Muito perfeita. Achava que

amor, carinho e compressão durariam até o final das nossas vidas. Iríamos estar sempre

sorrindo, sempre felizes, sempre juntos. Teríamos filhos. Muitos filhos. Ficaríamos

velhos juntos, passeando de mãos dadas pelo campo, pela praia... Sempre juntos...

Sempre juntos.

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Sr. Thiago – Mas você está falando da Regina ou de outra pessoa?

Sr. Mauro – Ora... E quem mais pode ser além da Regina?

Sr. Thiago – Pára Mauro! Fala sério.

Thiago – Porra meu! Pára! Fala sério.

Mauro – Na maior. Eu quero me casar com a Docinho mesmo cara. É verdade. Te juro!

Eu amo ela. Eu amo ela! Rá!Rá!Rá!

Os dois jovens riem alucinadamente, enquanto são observados com seriedade

pelos senhores. Ao perceberem que não estão agradando, eles apagam seus cigarros de

maconha, recolhem suas latinhas de cerveja e saem.

Sr. Mauro – É claro que é da Regina, não Thiago. Tá certo. Já quis compartilhar a

minha vida com outra pessoa, se é disso que você está falando... Mas a minha esposa...

A minha esposa é a Regina!

Faz-se silêncio. O Sr. Mauro olha lastimado para o seu copo de uísque, enquanto

o Sr. Thiago o observa atentamente.

Sr. Thiago – E a Regina é a sua esposa. A sua esposa... Infelizmente, não é?

Sr. Mauro não diz nada. Fica cabisbaixo por uns segundos, depois se levanta.

Sr. Mauro – Com licença Thiago.

Antes de sair é barrado pela presença da Sra. Regina que fica parada bem a sua

frente.

Sra. Regina (nervosa) – Precisamos conversar Mauro. Agora. Agora mesmo.

Sr. Mauro – Ora, mas o que você quer Regina?

Sra. Regina – Não minta! Não minta para mim Mauro. Eu te conheço. Eu te conheço

muito bem. Sei que você está tramando alguma coisa. Eu sei. Sei o que você está

querendo trazendo todos nós para esse lugar de novo. Eu sei. Mas não pense que eu vou

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aceitar tudo de mão beijada, calada, obediente como uma cachorrinha, pois eu não vou.

Não vou.

Sr. Mauro – Mas do que você está falando mulher? Eu não estou entendendo nada.

Sra. Regina – Não brinque comigo Mauro. Não brinque comigo nem com os meus

sentimentos. Eu sou sua esposa, se lembra? Sou sua esposa. Não admito que você

brinque comigo. Sou sua esposa. E eu te amo. Eu te amo. Não vou deixar o nosso

casamento terminar fácil assim. Não vou!

Balançando a cabeça negativamente, o Sr. Mauro desvia da Sra. Regina e sai a

passos rápidos, sendo seguido por ela que chama pelo seu nome.

Surgem de um lado Mauro e do outro Agnes. Ao se verem, tentam disfarçar a

atração de um pelo outro frente aos olhos do Sr. Thiago, que fazendo uma mesura aos

dois recolhe os copos, a garrafa de uísque e sai.

Mauro – (se aproximando de Agnes) E então Docinho? Está gostando da fazenda? É um

belo lugar, você não acha?

Agnes (olhando para ele de maneira apaixonada) Lindo! Maravilhoso! Esse lugar é

esplêndido. Esplêndido.

Mauro – Você... Você não gostaria de morar aqui um dia? De repente, passar o resto da

sua vida aqui nesse lugar?

Agnes – Não... Não sei. Acho que seria maravilhoso. Maravilhoso. Mas não posso

deixar a minha vida lá em São Paulo para viver aqui... Há tanto para resolver e por

fazer, ajudar meus pais...

Mauro – De repente não seria apenas sua vida que ficaria para trás.

Agnes – Como assim?

Mauro - De repente nós dois poderíamos nos mudar para cá. Eu e você

Agnes (olhando para o chão, tímida) – Oh! Só nós? Só nós dois?

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Mauro – (a tomando nos braços) Sim Agnes! Você e eu! Aqui, nós dois juntos para

sempre... Porque você sabe... Você sabe que eu... Eu te amo Agnes. Te amo muito. Do

fundo do meu coração.

Agnes – (se entregando aos braços de Mauro) – Aí Mauro. Também te amo, te amo

muito. Mas não sei se é certo que fiquemos juntos. Não sei se nós dois daríamos certo.

Você é tão diferente de mim. Eu... Eu sou muito simples. Tenho uma vida mais

tranqüila, não costumo sair de casa, gosto das coisas mais simples... Mas devo admitir

com toda a força do meu coração que eu também te amo Mauro. Te amo muito.

Mauro – Não diga que sou diferente de você, querida! Somos iguais. Somos iguais

porque nos amamos. O que realmente importa é o que sinto por você... E o que você

sente por mim, meu amor.

Agnes – Mesmo assim... Mesmo assim tenho medo Mauro. Sinto medo. Algo me diz

que nós não podemos dar certo, que entre nós não pode ser. Tenho medo de entregar-me

assim... De corpo e alma para você sem... Sem ter essa segurança comigo, essa certeza

de que entre nós o amor vingara e seremos felizes. Eu preciso, eu preciso ter essa

certeza, essa paz de espírito, essa tranqüilidade.

Mauro – Mas Docinho... Do que você está falando? De onde vem esse medo? De onde

vem essa angústia, esse receio de que o nosso amor pode não dar certo?

Agnes – Eu não sei! Eu não sei! Eu apenas sinto. Sinto um pesar enorme em minhas

costas cada vez que imagino nós dois juntos, nós dois nos amando, nós dois traçando

planos para o futuro... Como se algo, como se alguma coisa invisível estivesse à

espreita, nos vigiando, pronta para destruir o que sentimos um pelo outro. É uma coisa

ruim, que amarga a minha boca e pesa sobre os meus ombros. (chora) É horrível. É

horrível.

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Mauro – (afagando os cabelos dela) Neste mundo nada nos torna necessários, a não ser

o amor... E o amor que eu tenho por você é tão grande que não cabe no céu, no mar, no

infinito. Entre a distância da terra e o sol, entre o hoje e o amanhã... Entre a sua boca e a

minha...

Agnes levanta a cabeça. Ambos aproximam os rostos com as bocas entreabertas

para um beijo. Antes de concretizarem o ato surgem a Sra. Agnes e o Sr. Mauro.

Caminham em lados opostos e detêm-se constrangidos ao verem o casal quase se

beijando. Agnes e Mauro também ficam tímidos e interrompem a ação, ficando um de

costas para o outro.

Sr. Mauro – Oh... Olá... Olá Agnes. Dormiu bem? Deve ter acordado bem cedo, pois eu

não a vi na mesa durante o café da manhã.

Sra. Agnes – Sim... Sim. Eu... Estou bem. Eu sai cedo para andar um pouco, espairecer

por aí. Tentar arranjar forças para agüentar esses dias aqui... Nesse lugar.

Agnes – (voltando-se para Mauro) Oh Mauro! Por favor, entenda uma coisa. Eu não

desconfio, não tenho a menor dúvida dos seus sentimentos por mim, das suas reais

intenções comigo... Quero que você saiba que eu sinto o mesmo. Sinto mesmo. Mas

essa angustia no meu peito me sufoca, me balança, me deixa assim...Com medo. Com

medo.

Sr. Mauro – Eu sei que deve estar sendo difícil para você Agnes... Mas acredite. Para

mim também não está sendo nada fácil voltar para esse lugar depois de tantos anos.

Tudo o que aconteceu naquele dia, tudo parece que volta como se tivesse sido ontem.

Parece tão fresco, tão real... É horrível. E sei que deve ser assim para você também.

Sra. Agnes – Mas então porque estamos aqui novamente? Por que estamos aqui

sofrendo tudo de novo? O que você pretende fazer Mauro? O que você quer de nós? O

que você quer de mim Mauro? O quê?

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Mauro – Não se preocupe Docinho... Esqueça essas coisas. São impressões. Apenas

impressões. Talvez alguma coisa que tenham lhe dito e você acabou se

impressionando... Só pode ser isso. Só pode ser isso querida. Porque eu te desejo muito,

te amo muito para fazer você sofrer. E eu tenho uma idéia para nos unirmos, para

ficarmos felizes para sempre e livrar você dessa angústia entre nós. Quando duas

pessoas se amam nada, nem ninguém, pode interferir. Mas antes quero que você me

responda uma coisa... Seja sincera comigo, por favor: Você me ama mesmo? Você me

ama com todo esse amor que você demonstra?

Agnes – Oh meu amor. Eu te amo tanto Mauro. Eu te amo muito. Sou capaz de tudo

para ficar ao seu lado. Todo o amor que eu tenho por você é sincero. Te amo. Te adoro.

Você é a razão da minha vida. Mas... Mas o que você está tramando? Que idéia é essa

para ficarmos unidos para sempre?

Sr. Mauro – Sentimentos Agnes. Sentimentos me trazem aqui. Sentimentos me fizeram

trazer vocês aqui novamente. E acredite. Não são sentimentos bons. Nada bons.

Sra. Agnes – Mas porque, depois de tanto tempo, você ainda se deixa sofrer assim?

Porque você fica nutrindo essa dor dentro de você? Por quê? Faça como eu Mauro.

Desista. Desista de tentar entender o que aconteceu. Porque aconteceu. Esqueça.

Esqueça tudo. Esqueça a vida.

Sr. Mauro – Eu não posso Agnes. Eu não posso. Não posso simplesmente esquecer e

ignorar tudo. O que sinto é um misto de dor, angústia e medo. É uma profusão de coisas

que endurecem o meu coração e abalam as minhas concepções mais concretas. A

verdade é que eu tenho medo Agnes. Eu tenho medo de ter feito algo errado no passado.

De ter agido errado no passado.

Mauro – O que te importa saber por enquanto é que eu te amo, Docinho. Te amo e estou

disposto a ficar com você, a te defender de todos e de tudo que não querem que

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sejamos felizes. E eu vou dar um jeito em tudo. No momento certo você saberá. No

momento certo. Basta apenas confiar em mim. Confiar e acreditar.

Sra. Agnes – Quando você diz ter feito algo errado... Você... Você se refere a mim?

Refere-se a nós? Ao que vivemos juntos... A nossa vida juntos... O nosso futuro que

nunca houve?

Mauro – (tomando Agnes em seus braços) Eu te amo!

Sr. Mauro – Não. Não é nada disso. Quer dizer... Sim. É mais ou menos isso.

Agnes – Eu também te amo Mauro.

Os dois finalmente se beijam, sendo observados por Mauro e Agnes, que

abaixam a cabeça, tristes.

Sra. Agnes – Eu sempre tive o mais sincero, o mais leal... O mais amoroso sentimento

por você... Acredite ou não. Nunca esqueci você.

Sr. Mauro – Eu também... Eu sempre... Eu sempre (olha para o casal se beijando e fica

desconcertado), mas você tem que entender... O que aconteceu, aquilo tudo foi... Foi...

Eu não tive outra saída, outra atitude a não ser... A não ser tentar te esquecer.

Agnes e Mauro param de se beijar. Sorriem e saem caminhado um ao lado do

outro de braços dados. Sr. Mauro e Sra. Agnes ficam sozinhos.

Sra. Agnes – Esquecer-me... Era isso o que você queria realmente? Esquecer de mim e

de tudo o que vivemos, ou tentamos viver juntos? É isso?

Sr. Mauro – Oh Agnes... Acredite! Foi contra a minha vontade que agi assim. Foi contra

o meu coração, cheio de dor, que tive que tomar decisões e atitudes contrárias aos meus

sentimentos. Afinal de contas você...

Sra. Agnes – (gritando) Pare Mauro! Pare! Eu não posso mais! Eu não suporto mais ter

que conviver com isso, com essa acusação eterna contra mim Eu não agüento mais.

(começa a chorar) Por favor, Mauro. Eu não ligo para o que os outros pensam ou

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acham, mas você não. Ao menos você. Por favor, acredite em mim... Acredite em

mim... Meu... Meu amor.

Sr. Mauro segura o choro. Faz menção em ir até ela, mas refuga. Está há poucos

passos distantes dela. Toma enfim uma atitude e caminha em direção a ela

Sr. Mauro – Agnes, eu... Eu...

Nesse momento, surge a Sra. Regina acompanhada pela Sra. Estela e Sr. Thiago

e Ari. Do outro lado entra Mauro desacompanhado.

Ari – Mauro! Pensei que estivesse lá no rio com as meninas?

Sra. Regina (batendo palmas) – Que cena linda! Que cena comovente! Se acaso você

não fosse o meu marido, eu até pensaria que estava preste a beijar essa vagabunda.

Mauro – Ainda bem que te encontrei aqui sozinho. Oh, Ari! A cada minuto que passa o

meu coração parece que vai explodir de tanta felicidade. De tanto amor, de tanta paixão.

Ari – Percebe-se pela sua feição que você está muito contente mesmo. Completamente

apaixonado.

Sr. Mauro – (se afastando) Deixe de besteiras Regina. Agnes e eu estávamos apenas

conversando.

Sra. Regina – Não tente me enganar Mauro. Pela sua cara de espanto e pelos olhos

vermelhos dessa mulherzinha vocês estavam prestes a fazer muito mais do que apenas

conversar.

Sra. Estela –É! Pareciam dois enamorados.

Sr. Mauro – Estela, cale essa sua boca imunda. Não venha despejar veneno em uma

simples conversa entre... Entre ex-amigos

Mauro – Agora meu amigo, mais do que nunca, vou precisar de você para colocar o

meu plano em prática. Posso contar com você?

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Sra. Regina – Agora chega Mauro! Chega! Já é tempo de você nos dizer o que está

acontecendo aqui. O que você está tramando? Pare de querer nos enganar, de bancar o

sonso e nos diga logo porque estamos nesse maldito lugar novamente.

Sr. Mauro – Maldito! Maldito! Por que maldito? A natureza aqui ainda permanece

intacta, perfeita, bela, maravilhosa. As flores continuam desabrochando... Os pássaros

não pararam de cantar; a relva cresce continuamente, o sol nasce e se põe para mostrar a

lua, o rio continua com o seu curso eterno rumo ao mar. Esse lugar não mudou nada.

Não sofreu nada com o que aconteceu aqui no passado. Nós é que transformamos esse

paraíso em um mausoléu da nossa consciência. Nada aqui é maldito, péssimo, ruim. Nós

o vemos assim atrelado a lembrança terrível do que aconteceu.

Sra. Agnes – (olhando furiosamente para Sra. Regina) A não ser as pessoas. Algumas

sim são malditas. Malditas.

Nervosa, a Sra. Regina tenta investir novamente contra Sra. Agnes, mas é segura

pelo braço pela Sra. Estela. Bastante nervosa, a Sra. Agnes deixa a varanda enxugando

as lágrimas.

Ari – Mauro, Mauro... Cuidado com o que você quer fazer. Não vá prejudicar ou

magoar ninguém...

Mauro – O que é isso Ari? O que é isso? Muito pelo contrário. Farei alguém muito feliz.

Ficarei feliz. E vocês também ficarão. Tenho certeza disso. Tenho certeza disso.

Mauro passa o braço sobre o ombro de Ari e o leva para um extremo da varada.

Nesse momento surge Thiago, próximo aos senhores e senhoras. Ele vê Ari e Mauro

entreolhados e, sorrateiramente, vai caminhando na direção deles, escondendo-se atrás

dos senhores e senhoras.

Sr. Thiago – Meu caro Mauro, acho que estamos vivendo uma situação limite sem

necessidade. Estar aqui novamente, por mais tempo que se passou depois daquela

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tragédia, ainda nos deixa abalados. E esse mistério todo que você faz em nos revelar o

que estamos fazendo aqui nos deixa mais angustiados, mais nervosos ainda.

Sra. Regina – (abraçando o Sr. Mauro) Sim meu amor. É verdade. Não nos deixe mais

nervosos do que já estamos. Diga de uma vez. Diga porque você nos trouxe novamente

para esse lugar mald... Esse lugar de más recordações.

Mauro – O que eu vou fazer Ari é muito simples. È simples e maravilhoso. Amanhã, à

noite, eu, Mauro, desposarei Agnes, o meu amor. Eu vou me casar com Agnes amanhã.

Todos que estão no palco se voltam para Ari e Mauro. Thiago abaixa-se atrás de

uma poltrona.

Ari – (nervoso) Casar? Amanhã? Como... Como assim, Mauro? Amanhã não haverá

um baile de carnaval? Não é isso que você combinou conosco antes de virmos para cá?

Mauro – Eu sei, eu sei. É isso mesmo. Só que na verdade o baile é apenas um pretexto,

uma justificativa para reunir todos aqui. Vocês, meus melhores amigos, meus pais e os

pais da Docinho, que vão chegar também amanhã.

Ari – (ainda atônito) Mas... Mas... Eu não compreendo.

Mauro – Deixe eu te explicar o que eu vou fazer meu amigo. O plano é perfeito.

Perfeito.

Sra. Estela – É... Só espero que o motivo pelo qual você nos trouxe aqui Mauro não seja

tão ridículo como da última vez...

Todos os senhores e senhoras voltam a se sentar. Apenas o Sr. Thiago fica em

pé, próximo a Mauro e Ari, com Thiago escondido atrás de si.

Mauro – Eu combinei com a Docinho para que ela trouxesse uma fantasia de Julieta. Eu

estarei de Romeu. Assim, formaremos um casal, o único casal entre todos os presentes.

Pouco antes do baile, eu vou até a cidade buscar um padre, que já contratei e expliquei

toda a situação. Ele disse que não haveria problema nenhum em realizar um casamento

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aqui desde todos estivessem sem máscaras e não houvesse nada que impedisse nossa

união. O nosso casamento.

Ari – Meu Deus! Você vai desposar a Agnes amanhã...

Mauro – Já estou com as alianças guardadas.

Ari – E ela... Ela não sabe? Ela não sabe de nada?

Mauro – Não. Ela nem imagina que iremos nos casar amanhã. Mas hoje à tarde ouvi

dela a confissão que faltava para meu convencimento. Sim Ari. Ela também me ama e

esta apaixonada por mim. Completamente apaixonada por mim. E é aí que você entra no

plano, meu amigo. A Docinho não pode estar aqui quando os pais dela chegarem. Por

isso, antes do baile, quero que você a leve para dar um passeio, tire-a da casa por alguns

minutos. Quando vocês retornarem todos já estarão de máscaras e ela não irá desconfiar

de nada... De nada.

Neste momento a Sra. Agnes volta a varanda acompanhada por Agnes.

Agnes – Meninos. O jantar já está pronto. Vocês vêm comer agora ou não?

Mauro – Só um minutinho Docinho. Já estamos indo.

Agnes – E o T.T.? Pensei que estivesse com vocês.

Mauro – Não. Não está com a gente não.

Agnes – Tá bom. Vou pedir para a Estrelinha procurá-lo para o jantar.

Agnes sai.

Ari – (completamente incrédulo) – Nossa... Vocês dois, vocês dois vão se casar...

Mauro – E aí? Você está acompanhando o meu raciocínio? Quando vocês chegarem, a

Docinho e eu formaremos o casal. Durante o baile, interromperei a música e ordenarei

a todos que tirem suas máscaras e pedirei a mão de Agnes em casamento. Na frente de

todos. Dos meus pais e dos pais dela. Depois que ela disser sim, o padre nos casará e

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assim sacramentaremos nossa união. E ninguém, ninguém mais poderá nos separar.

Ninguém.

O Sr. Thiago volta a se sentar, enquanto Thiago, evitando ser visto, sai correndo

por um dos lados.

Ari – Nossa Mauro confesso... Confesso... Confesso que não esperava isso...Um... Um...

Sr. Thiago – Um casamento surpresa. Sim. Isso mesmo. Da última vez você armou um

casamento surpresa. Espero que não seja algo semelhante desta vez.

Sra. Estela – Sim, pois da última vez o surpreendido foi você. Aliás, todos nós. Todos

nós.

Mauro – E então Ari? Posso contar mesmo com você, né? Eu apenas revelei meu plano

para você porque não quero que os outros saibam... Principalmente a Rê. Você sabe.

Parece que ela gosta um pouco de mim... Mas isso não importa. Importa mesmo é que

na hora você junte a todos, a Estrelinha, o T.T., a Rê e sejam os nossos padrinhos.

Ari – (boquiaberto) Padrinhos! Nossa... Quanta honra. Claro... Claro que sim meu

amigo. Eu o ajudarei claro. O que realmente importa para mim e a sua felicidade. A sua

e a da Docinho já que vocês... Já que vocês se amam... E vão se casar.

Sra. Agnes – Esperem! Esperem um pouco. De que casamento vocês estão falando?

Casamento surpresa? Eu nunca soube disso. Nunca ninguém me disso isso. Que história

é essa?

Mauro – Ótimo. Ótimo. Você, a Rê, o T.T. e a Estrelinha serão nossos padrinhos.

Beleza meu amigo. Que bom que você vai me ajudar. Que bom que posso contar com

você. Confiar em você. Tenho que te confessar uma coisa Ari. Embora minhas orações

sejam poucas e esparsas, sempre oro por você. Sempre peço a Deus para protegê-lo e

mantê-lo assim, com tu és, íntegro, sólido e companheiro. Um amigo de fé. Um irmão

para mim. Um irmão.

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Sra. Regina – (falando com desdém) Ora, ora! Vai me dizer que você nunca soube. Que

depois de tantos anos ninguém nunca te contou.

Mauro abraça afetuosamente Ari, que corresponde o abraço de forma comedida.

Mauro – E então? Vamos jantar.

Ari – Pode ir indo. Vá você. Vou ver se encontro o T.T. E também preciso digerir um

pouco essa novidade antes. Nossa! Você me surpreendeu mesmo.

Mauro – Mas lembre-se, hein? Não conte nada ainda para os outros. Conto com você

amigão!

Mauro sai, deixando Ari, os senhores e as senhoras.

Sra. Agnes – (angustiada) Contou o quê? Contou o quê? Que negócio é esse de

casamento surpresa. Do que vocês estão falando? Mauro? Por favor, do que eles estão

falando?

Sra. Estela – Você não sabe, não se lembra ou está fingido que não sabe?

Sr. Thiago – Todos já sabiam Agnes. Você também devia saber

Sra. Agnes – Saber o que, meu Deus?

Sr. Thiago – Que o nosso amigo Mauro iria se casar com você naquela noite fatídica.

Sra. Agnes – (atônita) Casar? Casar comigo?

Sra. Estela – Sim. Sim. Casamento. Você sabe. Aceita. Aceito. Pode beijar a noiva,

essas coisas. Ele tinha armado um plano para se casar com você naquela noite do baile.

Tinha combinado tudo com o Ari.

Sr. Thiago – O saudoso Ari...

Sra. Estela – Mas na última hora, graças a você...

Sra. Regina – Sim, graças a você. A você mesmo Agnes, que provou da forma mais suja

e torpe do mundo não merecer sequer a atenção de Mauro. Sequer nossa atenção.

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Sra. Agnes levanta-se num ímpeto. Olha para o Sr. Mauro que apenas abaixa a

cabeça e a balança em sinal de inconformismo. Sra. Agnes começa a chorar aproxima-

se vagarosamente de Mauro, vindo a lhe desferir um tapa em seu rosto, saindo correndo

da varanda ainda chorando. Passa por Ari, que a segura e a fita com olhos de piedade.

Ela se desvencilha dele e sai correndo, enquanto os demais demonstram surpresa com

aquela reação.

Sr. Thiago – É... Pelo visto ela não sabia mesmo daquela armação do casamento.

Numa atitude inesperada, o Sr. Mauro também sai com passos furiosos pelo

outro lado, ignorando os chamados da Sra. Regina.

Sra. Estela – É... Parece que aquela situação ainda o incomoda.

Sr. Thiago –Definitivamente, ela ainda sente algo por ele.

Sra. Estela – E vice e versa.

Sra. Regina – Ora, fiquem quietos vocês dois. Deixem de falar asneiras. O Mauro não

sente mais nada pela Agnes. Eu sou a mulher dele. Eu sou a mulher dele. Vinte anos de

dor e amargura são suficientes para apagar qualquer sentimento amoroso de um para

com o outro. Eu sei que ele não sente mais nada por ela. Eu sei disso.

Sr. Thiago – E então porque ele saiu assim, tão furioso?

Sra. Estela – Tenho certeza que não foi por causa do tapa que ele levou. Tenho certeza

que o motivo é outro. Algo que provavelmente a areia do tempo de vinte anos atrás

ainda não soterrou.

Ari – Então é isso. Acabou. Acabou tudo. A minha esperança findou-se em nome de

uma amizade. Em respeito a uma amizade. Eles vão se casar. Vão se unir em

matrimonio. Não por interesses outros nem por conveniência. Eles se amam. Se amam e

vão se unir no sagrado matrimônio para suas felicidades. Para suas felicidades e minha

mais intensa desgraça. Sofro. Sofro e sofrerei até o final dos dias da minha existência,

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pois não posso trair a confiança de quem me pede ajuda, apoio, auxílio para se casar

com a mulher que eu amo. Que eu verdadeiramente amo. Meu Deus! O que será de mim

agora? O que faz um homem viver sem mais esperanças de alcançar o que lhe realmente

importa? O quê? O quê?

Ari senta-se no chão e fica ali, desolado. No outro lado entram Regina, Stella e

Thiago. Regina está nervosa, tremendo de raiva. Stella, com lágrimas nos olhos, tenta

consolá-la enquanto Thiago sorri, demonstrando estar se divertindo com a situação.

Regina – É mentira! É mentira T.T.! Ele não pode ter dito isso. Não pode! Ele não pode

fazer isso comigo. É... Mentira. É mentira.

Stella – Calma minha amiga. Calma. Não fique assim, tenha calma.

Thiago- Psiu! Fala baixo senão os dois podem nos ouvir lá da cozinha. O que é isso,

Rê? Reconheça. Você perdeu. Você já era. Já está tudo tramado. Tudo acertado. Eles

vão se casar mesmo. Quer você queira ou não. O Mauro já pensou em tudo. Eu o ouvi

contando tudo para o Ari. Será um casamento surpresa. O Mauro é genial. Quando

todos menos esperarem pedirá a mão de Agnes em casamento e logo a seguir já se

casará. Com as benção de um padre trazido da cidade. Genial. Fantástico. E fatal para

você, Rê. Perdeu o Mauro para sempre. “Game over, my darling”.

Regina – (desesperada) Não! Isso não! Eu não posso perdê-lo. Não posso perdê-lo.

Aquela... Aquela desgraçada da Agnes fez a cabeça dele. Enganou. Mentiu. Fez de tudo

para nos separar.

Thiago – E parece que conseguiu!

Regina - Aquela... Aquela desgraçada quer me destruir, acabar com a minha vida, com

o meu sonho. (começa a se desesperar) Desgraçada. Filha da Puta. Maldita seja.

Sr. Thiago – Uma coisa não podemos deixar de reconhecer. A idéia do Mauro foi ótima.

De fato pegaria a todos nós de supetão.

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Sra. Regina – Idéia ótima?! Seria uma palhaçada, isso sim. Uma terrível e homérica

palhaçada. Felizmente não aconteceu. Ainda bem.

Sra. Estela – Eu não sei... Devo confessar a vocês que durante alguns anos achei que

tudo o que aconteceu foi culpa nossa, sabe? Tudo. Inclusive o que a Agnes fez acabou

sendo motivado por nós. Por nós três.

Sra. Regina – O que você está dizendo Estela? Culpa nossa? Por quê?

Sr. Thiago – Nossa querida. Por que você diz isso? O que fizemos para ter culpa no que

aconteceu aqui? Nós não matamos ninguém.

Stella – Rê... calma. Não fique assim. Deve haver um jeito para resolvermos isso.

Impedir esse casamento, falar a verdade antes, sei lá. Calma. Só não se desespere. Não

fique assim.

Thiago – Acabar com o casamento? Como? Se fizermos alguma coisa, se contarmos

para alguém ou tentar estragar o plano do Mauro ele vai acabar com a gente. Teremos

sorte se ele não nos matar. Ele está super empolgado com isso. Não seria muito legal

contrariá-lo.

Regina – (pensativa) Impedir o casamento? É claro... Devemos acabar com esse

absurdo. Devemos acabar com esse casamento.

Thiago – Desista Rê... Não podemos fazer nada. O Mauro é o nosso amigo. Se você o

magoar de qualquer forma ele nunca mais vai querer saber de você. Nem em sonho.

Regina – Ele não é o meu amigo, T.T. Ele é o meu amor. O homem da minha vida. É

ele quem eu amo, que eu desejo. Que eu quero. E eu não vou entregá-lo para a Agnes

assim, de mão beijada. Eu vou dar um jeito. Vou encontrar uma saída para impedir que

eles se casem. Eu vou encontrar. Vou até o fim. Até o fim.

Sr. Thiago – Afinal de contas, de quem partiu mesmo a idéia de impedir o casamento?

Sra. Estela – Da Regina, claro. Ela era a mais interessada, não é meu bem?

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Sra. Regina – Sim. Realmente eu era a mais interessada. Mas quem deu a idéia foi você

querida. Foi você. Eu me lembro bem. Apenas dei uma complementada.

Stella – Oh amiga, mas o que podemos fazer? Parece que já está tudo acertado... Não

podemos fazer nada. A não ser...

Regina – O que Estrelinha? A não ser o quê? Você acha que podemos fazer alguma

coisa? Eu tenho alguma chance? Eu tenho alguma chance de acabar com esse

casamento? Diga amiga. Diga!

Stella – Talvez... Talvez a gente consiga acabar com esse casamento se provarmos para

o Bam Bam que a Docinho não serve para ele. Que ela não gosta realmente dele.

Thiago – Como assim não serve para ele? Do que você está falando?

Stella – Sei lá... Mostrando que ela não gosta dele, que o está enganando, que está

interessado mesmo é no dinheiro dele, alguma coisa nesse sentido. Alguma coisa que o

faça ter dúvidas em relação a ela, que o faça desistir de se casar assim...Dessa forma.

Regina – (observando Ari de longe) – Sim... Pode ser isso mesmo. Ou mais ou menos

isso.

Thiago – Não estou entendendo o que vocês estão dizendo? Mostrar ao Bam Bam que a

Docinho não presta? Como? Isso é impossível! A menina é muito gente boa. O Mauro

não vai acreditar em nenhuma mentira boba que inventarmos sobre ela.

Regina – Não a gente. Nós não faremos nada. Mas sim uma outra pessoa. O Ari.

Stella e Thiago – O Ari?

Thiago – Mas... O que ele pode fazer para mostrar que a Agnes não presta? Pára! Você

está delirando Rê. O Ari e a Docinho se dão super bem. Ele não vai querer fazer mal a

ela de jeito nenhum.

Regina – É... Talvez não. Em sã consciência talvez não. Mas o seu coração... O seu

coração talvez queira.

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Regina faz um sinal para Thiago e Stella se aproximarem e, falando baixo, diz

algo para eles que ficam com uma feição surpresa ao mesmo tempo em que olham para

Ari, que continua sentado e cabisbaixo.

Sr. Thiago – Eu confesso que nunca imaginei que o Ari fosse apaixonado pela Agnes.

Nunca. Durante nossas conversas ele nunca me disse nada. Demonstrava realmente que

gostava dela. Mas ele gostava de todos nós. Nunca deixou transparecer que gostava da

Docinho tanto assim.

Sra. Estela – Na verdade eu posso ter dado a idéia, Regina. Ter dado a idéia de que era

possível acabar com o amor de Mauro por Agnes. Mas eu também sequer desconfiava

que o maluco do Ari era apaixonado por ela até você nos dizer. E, além disso, foi você

quem quis convencê-lo a falar com ela. Foi você.

Sra. Regina – Sim. Fui eu. Mas com a ajuda de vocês. Não se esqueçam.

Os três jovens se aproximam de Ari, que ao vê-los levanta e tenta enxugar as

lágrimas.

Regina – Nossa Ari! O que aconteceu? Por que você está assim, tão triste? Aconteceu

alguma coisa?

Thiago – Ou vai acontecer... Quem sabe?

Ari – (levantando-se) Hã? Triste? Não... Não é tristeza não. Estou apenas... Sei lá. Estou

apenas um pouco cansado e...

Stella – Ari, Ari. Deixe disso. Enfrente a realidade da vida. Enfrente-a. Deixe de se

esconder. Chegou a hora. Chegou a hora de você enfrentar o seu destino.

Ari – (surpreso) – Mas do que vocês estão falando? Não estou entendendo nada!

Stella – É que nós já sabemos Ari. Já sabemos de tudo.

Ari – Sabem de tudo? Sabem de tudo, o quê?

Regina – Eles vão se casar, não é? Eles vão se casar? O Bam Bam e a Docinho.

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Thiago – O Mauro já nos contou tudo. Nos contou tudo.

Regina - E nós, Ari? Oh meu Deus, o que será de nós? O que faremos?

Ari – É... Eles vão sim. Vão se casar. Ele contou a vocês. Disse tudo a vocês?

Thiago – Sim. E nós sabemos também que você gosta muito da Agnes.

Stella – Assim como a Regina gosta do Mauro!

Regina – E você acha isso certo Ari? Hein? Você acha isso certo? Justo? Não tivemos a

mínima oportunidade de lutarmos pelos nossos amores, defender a nossa paixão. E

pronto. Já os perdemos. Nem podemos demonstrar o quanto cada um é importante para

nós. O que a gente vai fazer? O que a gente vai fazer?

Stella – Parece que chegou a hora de se decidir Ari. Deus nos dá um momento em que é

possível mudar tudo o que nos deixa infelizes, tristes. É um momento mágico. Um

instante único. Uma oportunidade singular em que um sim ou um não pode mudar para

sempre nossa vida e nossa felicidade. Mudar todo o nosso futuro. Toda a nossa

existência. Depende apenas de um sim ou de um não.

Thiago – É isso mesmo. Um sim de conformismo ou um não de vontade. De vontade

em lutar pelo que realmente lhe interessa. De lutar pela sua felicidade.

Ari passa a caminhar pelo palco, transtornado. De costas para os amigos, tira um

pedaço do lenço de Agnes do bolso da calça e fica a alisá-lo, pensativo.

Ari – É verdade! É verdade! Vocês têm razão.

Sr. Thiago – Pobre Ari. Ele estava completamente perdido. Não sabia o que fazer.

Sra. Regina – Não. Ele não estava perdido. Ele estava apaixonado. E mesmos os mais

cerebrais e racionais dos homens não abrem mão de um amor sem lutar, sem tentar.

Ari – Parece que essa é a nossa sina Rê... Teremos que testemunhar a união dos nossos

amados. Vamos servir de testemunhas para o enlace deles. Para nossa dor e para o nosso

sofrimento... Para sempre.

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Regina – E não vamos fazer nada Ari? Não vamos fazer nada? Eu amo o Mauro. Eu o

amo. E não venha me dizer que devemos agir com a razão nessa situação que eu sei que

não é verdade. Não é o que você realmente pensa. Um corpo sem inteligência não ama.

Assim como um corpo sem saúde não consegue desfrutar do amor. Mesmo o mais

genial dos homens sem saber amar não tem saúde espiritual. Por isso Ari, você e eu, nós

devemos lutar defender o nosso amor. Devemos lutar pelo nosso amor.

Thiago – A não ser que você não ame a Agnes.

Ari – (desconcertado) – Não! Não! Vejam... Eu sei que disse a Rê o que eu sinto, mas...

Stella – Mas o que Ari? O que mais importa? O que tem mais importância para você

além do amor? Além do desejo mais sublime que é o amor? Vai deixar esse sentimento

tão belo morrer dentro de você e não fazer nada?

Regina – E como você irá viver os restos dos seus dias sem saber o que foi ao menos

buscar esse amor? Deixar transparecer esse amor. Saber como ela reagiria ao descobrir

que o seu coração bate por ela

Ari – Mas eu... Eu não... Eu não posso fazer isso. Eu não posso dizer que eu a amo. Não

posso. Não posso.

Thiago – Por que não? O que lhe custa, homem? Medo? Virtude? Moral?

Regina – E o amor? E o amor?

Stella – Uma vida sem amor é como árvores sem flores e sem frutos. Amar faz parte da

nossa natureza humana Ari. Não tente lutar contra isso.

Regina – Sim. Não tente equacionar racionalmente o que o cérebro não compreende. Eu

estou disposta a lutar por Mauro porque eu o amo. Eu amo.

Thiago – Ela está certa. Quem ama luta! A não ser que você não ame mesmo a Agnes.

Ari fica desconcertado. Dá alguns passos até o centro do palco levando as mãos

à cabeça.

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Ari – (declama completamente transtornado) Sim, sim, sim. Eu a amo. Eu amo. Eu amo

a Agnes, a minha Agnes, a minha Docinho. Eu a amo tanto, tanto, mas procuro me

controlar. Amo, mas amo muito mais do que a minha razão permite. Amo além do meu

modo de conceber o mundo. Não sei bem porquê. Nem sei de onde vem esse sentimento

tão extremado, tão profundo, que me consome, me atordoa, me machuca... Mas amo.

Sinto uma profusão de anseios e desejos me invadir, me dominar sempre que a vejo. E

refugo em revelar-lhe tudo isso. Minto. Embaraço-me. Mas penso nela. Oh, como

penso, como sofro pensando nela, imaginando-a todo dia e toda noite ao meu lado. Ela

andando, ela pensando, ela amando. Ela me amando. Eu quero, eu preciso, eu preciso

fazer parte de tudo que faz parte do mundo dela. E isso acaba me tornando

completamente inerte à minha própria vida, as minhas necessidades, a mim mesmo.

Sim, eu amo, mas amo tão intensamente, tão violentamente que não compreendo bem

porque eu amo!

Regina – (indo em direção a Ari) – Amar não requer inteligência Ari. Não requer razão

nem compreensão. Amar requer apenas sentimento. Amor. Simplesmente amor. Eu amo

o Mauro. Amo mais, acima de qualquer paixão ou desejo! Amo-o além do amor banal

dos homens, das suas coisas, das suas leis, do seu mundo. Meu amor é sem tamanhos,

sem imensidão, sem infinito. É mais do que tudo! É inconcebível as mentes racionais ou

materiais de todos os outros. É diferente dos amores subjetivos, idílico, santos,

necessários. Eu amo. Amo além da dor, além da sorte, além da vida! Amo além do

amor.

Sr. Thiago – Lembrando-me daquela tarde agora me veio uma frase de Solomon

Gabirol...

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Sra. Estela – Acho que eu sei o que você quer dizer: “O buraco de uma agulha é

bastante espaçoso para dois enamorados; mas o mundo todo é pequeno demais para dois

inimigos” Certo?

Sr. Thiago – Nesse caso, dois apaixonados que não eram correspondidos.

Regina – Eu vou lutar pelo meu amor Ari. Mas preciso de você. Preciso que você

também lute por ele. Lute pela Agnes. Amanhã, antes do baile. Vá, converse com ela.

Declare-se intensamente a ela. Apesar do seu jeito doce e meigo, Agnes é uma mulher

voluptuosa. Quente, desejosa de carinho.

Ari – É verdade? Ela é assim mesmo?

Regina – Sim. Ela é sim. Nós conversamos sobre essas coisas, desejos, taras, afinal

somos amigas, não é? E o que ela mais adora é ser dominada. Ser amada com força,

com intensidade por um macho virtuoso. É isso o que você tem que fazer. Tratá-la com

virtuosismo, com força, com vontade. Pegue-a de jeito. Sinta-a. Aja como um homem

deve agir com sua mulher. Diga que a ame e prove. Prove o seu amor a ela

demonstrando que a ama e que a quer. E ela será sua. Eternamente sua.

Ari – (olhando para o infinito, completamente perdido) – Tratá-la com força. Com

virtuosismo...

Stella – Mulheres gostam de ser tratadas assim.

Thiago – Homem tem quer ser homem meu amigo. E deve sempre ter o controle sobre

sua mulher. Sobre sua fêmea.

Regina - Sim Ari. Ame-a com toda essa força que existe dentro de você. Faça isso.

Faça isso. Ame-a com toda essa intensidade que existe dentro do seu peito. Ame-a

assim.

Sra. Estela – Jamais poderíamos imaginar que iria acontecer tudo aquilo...

Sr. Thiago – Por isso não tivemos culpa de nada. De nada.

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Sra. Regina – Eu lutei pelo o que queria. Ele tentou lutar também. O amor é vitorioso no

ataque e invulnerável na defesa.

As luzes vão esmaecendo, até se apagarem por completo. Apenas uma luz fica

focada em Ari. Ele continua com olhos abertos, fitando o infinito. Cai por fim de

joelhos.

Ari – Oh, o que posso fazer enfim? Temer o amor é temer a vida. E todos aqueles que

temem a vida já estão meio mortos. Meio mortos. Sem amor. Sem vida. Como eu.

Apaga-se a luz. Fim do segundo ato.

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INTERLUDIO

Há apenas escuridão. Ouve-se ao longe o som de águas correndo em um

pequeno córrego. Após alguns segundos surge a Sra. Agnes em um lado. Está trajando

um vestido reto e comprido, de cor preta. Traz nas mãos um ramalhete de cravos

brancos. Mantém a cabeça baixa e uma fisionomia de tristeza. Na outra ponta surge Ari.

Suas roupas estão sujas de barro e tem uma feição de dor. Apenas luzes brancas incidem

sobre cada um. A Sra. Agnes então passa a andar em direção a Ari mantendo a cabeça

baixa e uma expressão de grande tristeza. Seus passos são de uma marcha fúnebre,

ritmados. Ari também vem andando em sua direção, de forma compassada, mas

trêmula, com a face completamente transtornada, olhando com desespero para a Sra.

Agnes. A cada passo ele clama por perdão. Às vezes em tom de voz baixo, às vezes

gritando, enquanto a Sra. Agnes, impassível e de cabeça baixa, continua a andar em sua

direção.

Enquanto ela caminha, a voz de Agnes, fora de cena, recita o salmo 102 da

Bíblia, versículo 1 ao 11, pausadamente.

Agnes – “Ouve senhor a minha súplica, e cheguem a ti os meus clamores. Não me

ocultes o teu rosto no dia da minha angústia; inclina-me os ouvidos; no dia em que

clamar dá-te pressa em acudir-me. Por que os meus dias, como fumaça, se desvanecem,

e os meus ossos ardem como em fornalha. Ferido como a erva, secou-se o meu coração;

até me esqueço de comer o meu pão. Os meus ossos já se apegam à pele por causa do

meu dolorido gemer. Sou como o pelicano no deserto, como a coruja das ruínas. Não

durmo e sou como o passarinho solitário nos telhados. Os meus inimigos me insultam a

toda hora, furiosos contra mim praguejam com o meu próprio nome. Por pão tenho

comido cinza e misturado com lágrimas a minha bebida, por causa da tua indignação e

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da tua ira, porque me elevaste e depois me abateste. Como a sombra que declina, assim

os meus dias, e eu me vou secando como a relva”.

Quando a Sra. Agnes cruza com Ari, ele estende os braços para tocá-la, mas

retraísse como se tivesse tomado um choque. Cai de joelhos e por ali fica, continuando a

clamar por perdão com uma feição de dor e desespero.

A Sra. Agnes continua a caminhar até chegar na outra ponta, ao mesmo tempo

em que Agnes termina de recitar os versículos. As luzes sobre Ari se apagam, incidindo

apenas uma sobre a Sra Agnes. O som de águas correndo também cessa. Houve-se ainda

na escuridão um último apelo de Ari por perdão. A Sra. Agnes ajoelha-se e deposita o

ramalhete de cravos no chão. Leva as mãos ao rosto e chora também por alguns

segundos, até que a luz se apaga sobre ela.

Fim do interlúdio

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ATO III

A varanda está toda enfeitada com confetes e serpentina. Várias pessoas estão ali

dançando, usando as mais diversas fantasias e máscaras. Uma marcha alegre de carnaval

está tocando. Surge então os Srs. Mauro e Thiago e as Sras. Regina, Estela e Agnes.

Eles não vestem fantasias e estão trajando roupas de cor escura. Estão sérios e não se

enturmam nem tentam dançar. Começa então uma musica carnavalesca mais lenta, e

alguns dos foliões mascarados vão tirando um a um dos senhores e das senhoras para

dançar. Eles não oferecem resistência e saem para dançar, mas mesmo assim suas

fisionomias continuam sérias.

Durante a dança, dois mascarados se afastam do grupo e levantam suas

máscaras. São Mauro e Thiago, que ficam a conversar.

Mauro – E aí T.T.! Você viu o resto do pessoal?

Thiago – Quem? De quem você está falando?

Mauro – A Docinho, o Ari e a Rê! Eu não os vi desde que começou o baile.

Thiago – Não... Eu só vi a Estrelinha. Nós estávamos lá atrás da casa... Arrumando a

fantasia, você sabe...

Mauro – Fazendo o quê?

Thiago - Ora meu amigo! Tem certas coisas que eu não preciso ficar explicando para

você, não é?

Mauro – Seu cara de pau... Então, finalmente, pegou a nossa Estrelinha?

Thiago – Opa! Alto lá! Nossa não. Minha Estrelinha. Por enquanto, minha Estrelinha.

Mauro – Muito bem... Até que demorou. Ela tava praticamente esfregando na sua cara.

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Thiago – Mesmo assim foi meio difícil. Você sabe como são as mulheres, né? Cheias de

dengo e caprichos. Mas depois que eu mostrei quem manda mesmo, ela não resistiu

mais. Veio como uma abelha procurando mel. Gostou?

Mauro – T.T., você não existe. Não existe. Aposto que se você estivesse no meu lugar

então também teria ficado com a Rê?

Thiago – É claro meu camarada. Caiu na rede é peixe. Eu traço mesmo, você sabe.

Mauro – A Rê tá muito esquisita. Agora à tardinha, depois que eu voltei da cidade, ela

veio querendo conversar comigo lá nos fundos. Disse que tinha algo importante para me

dizer, só que na primeira oportunidade já foi me beijando, me agarrando, tentando

arrancar a minha roupa... Eu tive que empurrá-la para conseguir me livrar dela. Depois

eu acho que ela percebeu a besteira que estava fazendo e foi embora chorando.

Thiago – Bem... Isso tava na cara que ia acontecer. Todo mundo sabe que ela é doida

por você. E você mesmo me disse que já transou com ela na praia uma vez.

Mauro – Porra meu! Eu nem me lembro disso direito. Sei que a gente transou mesmo,

mas eu nunca gostei da Rê. Nunca senti nada por ela.

Thiago – Mas ela gosta de você... E bastante, viu? Diria até que ela está completamente

apaixonada por você.

Mauro – Pobre Rê... Mas eu não posso fazer nada. Nunca fiz nada para ela sentir isso

por mim. Nunca dei a entender que gostava dela ou que a gente podia ter alguma coisa

juntos. E daquela vez na praia, nós dois estávamos completamente bêbados. Graças a

Deus não fiz besteira maior e a engravidei. Nossa! Eu estava muito louco aquela noite.

Nem sabia com quem eu estava. Na verdade, pensei até que fosse a Docinho.

Thiago – Ah... A Docinho. Verdade. A sua futura esposa.

Mauro – Hei! Como você sabe disso? Quem te contou?

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Thiago – Pô Mauro, nós já sabemos de tudo. De tudo. Da sua paixão pela Docinho, do

seu plano mirabolante para mais à tarde. A Rê, a Estrelinha, a gente já sabe de tudo.

Mauro – Foi o Ari! O Ari deu com a língua nos dentes antes da hora, não é?

Thiago – (desconcertado) É... Foi ele sim. Foi ele quem contou. Agora há pouco. Acho

que ele deveria estar muito ansioso e não agüentou segurar por mais tempo essa história.

Mauro – E será que ele contou para a Agnes também? Droga. Não pode ser. Deveria ser

uma surpresa. O cara pisou na bola

Thiago – Não sei se ele contou alguma coisa. Nós não contamos. Mas surpreso você

deixou a nós, isso sim.

Mauro – (preocupado) E agora? E se ele contou para a Docinho também? Será que ela

não quer se casar comigo? Tem medo de se casar comigo?

Thiago – (soltando uma gargalhada) Não esquenta a cabeça. Daqui a pouco ela vai

chegar. Ela, a Rê e o Ari. Não se preocupe. Mas agora, mudando de assunto... Você

conhece aquela mulher de vestido preto que esta dançando com aquele sujeito ali?

(aponta para a Sra. Estela) Apesar de coroa tá bem enxuta, você não acha? De repente,

com um bom papo, quem sabe...

Mauro – (abraçando o amigo e abrindo um sorriso) Ah, T.T. Você não perde a

oportunidade mesmo, hein? Não. Eu não a conheço. Parece familiar, mas eu não sei de

onde. Deve ter chegado agora com os outros convidados. Mas vá lá. Tire-a para dançar.

Quem sabe não rola mais alguma coisa.

Thiago – É isso aí. Só se for agora.

Os dois voltam a vestir suas máscaras e se misturam aos foliões. Thiago tira a

Sra. Estela para dançar, enquanto Mauro tira a Sra. Agnes. Stella, fantasiada, tira o Sr.

Thiago para dançar, e todos se embalam ao som da música.

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Até que Agnes surge na varanda. Está com a roupa suja e amassada. Seus

cabelos estão em completo desalinho e traz marcas roxas nos braços e no pescoço.

Chega cambaleante e caí na varanda.

A música cessa e todos os convivas param abismados, olhando para ela. Mauro,

Thiago e Stella arrancam suas máscaras e vão acudir a amiga, que está atordoada e

chorando.

Mauro – Agnes! Agnes! O que aconteceu com você? Docinho, Docinho meu amor, o

que houve? O que houve?

Thiago – Ela está toda machucada e com a roupa rasgada. Parece que brigou com

alguém.

Stella – (aos prantos) Docinho! Docinho! Fale comigo Docinho. Você está bem? Você

está bem? O que aconteceu? O que aconteceu? Fale comigo, vai!

Todos os convivas vão se aproximando de Agnes, menos os Srs. Mauro e Thiago

e as Senhoras Estela, Agnes e Regina. Eles se aproximam uns dos outros e ficam

olhando Agnes caída à distância.

Mauro – Meu amor! Meu amor! O que aconteceu? Mas o que será que aconteceu? Uma

ambulância! Alguém chame uma ambulância!

Thiago – É melhor levá-la a um hospital.

Stella – Meu Deus!

Surge então Regina. Esta ofegante e visivelmente transtornada. Olha horrorizada

para Agnes sendo aparada por todos.

Regina – (dirigindo-se para Agnes) Assassina! Assassina! Essa mulher é uma assassina!

Eu vi. Eu vi tudo. Eu vi o que ela fez. Ela não presta. Ela não presta Mauro. Essa mulher

é uma assassina. Eu vi. Eu vi quando ela matou o Ari. Eu vi. Ela matou o Ari. Ela

matou o Ari.

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Todos soltam uma exclamação de pavor.

Agnes – (ainda atordoada) Não... Não fui eu... Não fui eu... Não...

Regina – (com virulência) – Mentira! Ela está mentindo. Eu vi tudo. Eu estava lá, lá

perto do rio, voltando para cá, quando eu a vi. Ela e o Ari. Ela e o Ari estavam

transando. Eu vi. Mauro. Eles estavam lá na beira do rio. Trepando. Transando como

dois animais. Rindo. Rindo de você meu querido. Rindo de você.

Agnes – (chorando e balançando a cabeça negativamente) – Não... Não...

Regina – É verdade. Eu juro que é verdade. Eles estavam lá na beira do rio, aqui

próximo. Estavam transando Mauro. Mas assim, assim que ela me viu, ficou

completamente transtornada. Ficou louca. Tentou me agredir, mas o Ari a segurou. Ela

ficou furiosa... Ficou descontrolada. Nossa! Foi horrível Mauro. Foi horrível. Ela

empurrou o pobre do Ari, pegou uma pedra e atacou na cabeça dele. Ela o matou

pessoal. Ela matou o Ari.

Todos ficam mudos e estáticos.

Mauro – Mas... Mas que desgraça. Que desgraça. Como isso pode acontecer? Como?

Como?

Thiago – E o corpo? Onde está o corpo? Onde está o Ari?

Regina – Lá perto do rio. Mas já é tarde. Já é tarde. Eu tentei socorrê-lo, mas agora já é

tarde. Ele está morto. Morto.

Thiago, que segurava a cabeça de Agnes, a encosta no chão e sai correndo,

sendo seguido pelas outras pessoas. Mauro, ao aproximar-se de Regina, olha com ódio

para Agnes. Segura na mão de Regina e sai também atrás de Thiago.

Stella ainda fica ao lado de Agnes, mas está com um ar desolado.

Stella – Oh minha amiga? O que você fez? O que você fez?

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Agnes não responde. Apenas balança a cabeça negativamente, enquanto chora.

Reergue-se com dificuldade, e soltando um não profundo sai cambaleante atrás de

todos. Stella, também chorando, vai atrás dela. Os demais foliões saem, deixando

apenas os senhores e as senhoras.

Sr. Mauro – (caminhando pela varanda) – Aquela noite significava muito para mim. Eu

a imaginei detalhe por detalhe. Tinha preparado tudo com esmero e paciência. Tinha

pensado em tudo. Em tudo. Nos convidados, na reação dos meus pais, na reação de

todos. Tudo estava claro e nítido na minha mente. Não haveria falhas. Nenhuma. Tudo

iria sair perfeito, como eu planejei. A Agnes ficaria comovida. Vocês boquiabertos. E

eu seria o homem mais feliz do mundo. Mais feliz do mundo. Mas então acabei sendo

surpreendido. Surpreendido não por um erro da minha parte, por um erro de cálculo.

Mas por uma adversidade funesta. Por um crime. Um crime horrendo e deprimente. Um

crime que levou a vida do único homem a quem eu já chamei de irmão e nutri por ele

um carinho e um amor à altura dessa familiaridade. O meu irmão Ari assassinado.

Morto. Ferido mortalmente com pedradas no crânio. Caído ali no chão. Perto do rio.

Inerte. Ausente. Com a cabeça envolta numa poça de sangue que corria até o rio. Até o

rio. O rio... Que acabou levando o seu sangue para a eternidade das águas do mar. O

levou para longe de nós. Para longe de mim. O irmão de sangue que eu nunca tive. O

único homem sobre a terra que eu chamei de irmão.

A Sra. Agnes se afasta dos demais até ficar frente a frente com o Sr. Mauro.

Sra. Agnes – Eu sei que tudo o que aconteceu foi terrível. Não existe outra descrição

para aquilo. Apesar dos meus lamentos, apesar da minha confissão, da minha mais

sincera e verdadeira confissão de que não tive nada a ver com a morte do Ari,

absolutamente nada, até hoje, até os dias de hoje, passados já quase vinte e cinco anos

depois daquela noite, eu continuou sofrendo como você, Mauro. Sofro todos os dias

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com essa pseudoculpa que recaí sobre mim. Essas acusações, essas suspeitas são como

relâmpagos em uma tempestade que cortam os céus e dilaceram meu coração e minha

alma. Todos me culpam, todos me apontam, todos exigem que eu seja culpada mesmo

quando nada foi provado contra mim. Mesmo quando a Polícia disse que não havia

provas contra mim. Nada. Eu sei que não posso ser considerada inocente por nenhum de

vocês porque não consigo responder o que aconteceu. E é verdade. Eu não sei o que

aconteceu. Tudo, tudo foi tão terrível e chocante que eu não consigo entender, tampouco

explicar, o que aconteceu naquela noite.

Sra. Regina – Não dê ouvidos a ela Mauro. Não a perdoe. Ela quer o seu perdão. Quer

que você a perdoe por ter matado o Ari. Por ter traído sua confiança. Por ter traído você.

Por ter mentido para você.

Sr. Mauro – Estela, Regina, Thiago, Agnes. Eu trouxe vocês aqui novamente não para

discutirmos isso. Para mim, o episódio da morte do Ari já foi superado. E está

definitivamente enterrado. Como ele. Sei que nada o que dissermos trará meu irmão Ari

novamente de volta ao nosso convívio. Sei que a morte dele acabou cindindo nossos

caminhos e alterando nosso futuro. Talvez seríamos diferentes acaso Ari estivesse entre

nós ainda. Com o seu ouvido pronto para ouvir nossos lamentos, sua sabedoria para

diminuir as diferenças de um para com o outro, com suas belas palavras e sólidas idéias

sobre o mundo e o ser humano. A sua falta sempre me fez olhar para cada um de nós,

inclusive a mim mesmo, com uma outra perspectiva. Com um triste inconformismo.

Não sei se fomos nós quem crescemos ou se as imperfeições do mundo, a raiva, o

egoísmo, o preconceito, a ganância, a apatia e oportunismo que cresceram dentro de nós

e nos tornaram tal como somos agora.

Sra. Regina – Mas ele não está mais aqui Mauro. Por favor, pare de sofrer com isso.

Isso tudo foi há muito tempo...

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Sr. Mauro – Sim. Eu sei que foi há muito tempo. E mesmo assim eu precisei recorrer ao

passado, precisei voltar aqui para ter certeza de que não cometi nenhuma injustiça. Não

cometi nenhuma arbitrariedade. Nem que agi mal intencionado naquela época.

Sra. Regina – Ora Mauro...

Sra. Estela – Todos nós ficamos chocados com o que aconteceu, Mauro. Tivemos as

reações mais inesperadas porque sofremos um choque muito grande. Uma perda muito

grande em condições que nunca imaginamos.

Sr. Thiago – Você não fez nada de errado Mauro! Não fez nada de errado.

Sr. Mauro – Eu fiz sim. Eu acredito que fiz porque durante todos esses anos duas coisas

atormentam meu sono e minha vida. Uma foi por não ter ouvido o meu coração, por

ignorar complemente o que eu sentia... E ainda sinto. E a outra, até hoje, eu não

compreendo por que me assombra e atrapalha meu sono.

O Sr. Mauro aproxima-se da Sra. Agnes e toma suas mãos.

Sr. Mauro – Agnes minha querida! Sei que o tempo pode ter diminuído tudo aquilo que

sentíamos um pelo outro. A distância, nossas diferenças de vida e esse acontecimento

terrível contribuíram para que nós fossemos separados. Porém, eu sei que, se você sentia

todo aquele amor que dizia sentir por mim, eu sei que ainda deve haver um pouco dele

ainda dentro de você. Como há em mim. Um pouco de carinho e compaixão. Um pouco

de dó desse seu pobre enamorado, que um dia te abandonou à sorte e aos caprichos do

destino sem ouvir da sua própria boca, sem ouvir sair do seu coração, a resposta à

pergunta que eu deveria ter feito há mais de vinte anos e não tive coragem de fazê-la. E

apesar de passados todos esses anos, das reviravoltas que nossas vidas tiveram, sei que

você irá me responder com toda a franqueza, com um pouco desse sentimento de

respeito e carinho que você tem por mim, e não irá mentir. Responda-me Agnes.

Responda simplesmente, com sim ou não. Você. Você matou o Ari?

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Sra. Agnes passa a chorar de forma contida. Seus olhos brilham em razão das

lágrimas que brotam em profusão.

Sra. Agnes – Não... Não, meu amor. Eu não o matei. Eu não matei o Ari. E juro. Juro

pelo o que há de mais sagrado nesse mundo, e pelo o amor que ainda por guardo por

você dentro do peito que eu não o matei. Não o matei.

Ela abaixa a cabeça e passa a chorar copiosamente. O Sr. Mauro, de forma

fraternal, a abraça e lhe dá um singelo beijo na testa, afastando-se a seguir.

Sr. Mauro – Era isso! Era isso que me fazia sofrer por estes anos todos. Faltava eu ouvir

essa confissão. Faltava ouvir a sua confissão, Agnes A sua confissão assim, olho no

olho, para ter certeza de que os meus pesadelos queriam me dizer algo. Que o sonho

mais terrível que um ser humano pode imaginar sonhar e que me perseguiu durante

todos esses anos tinha um significado. Tinha um propósito. Tinha uma mensagem.

Sra Regina – (nervosa) Do que você está falando Mauro? Por que você dando ouvidos a

essa mulher? Você não pode acreditar nela. Ela é uma assassina. Uma assassina!

Sra Estela – Mas o que está acontecendo Mauro? Que sonhos são esses? Do que você

está falando, afinal? Você está me deixando com medo. Com medo de você.

Sr. Mauro – Medo tive eu Estela. Medo tive eu durante todas essas noites depois do que

aconteceu aqui. Medo, pavor, angústia, sentia eu quando, sempre ao dormir

profundamente ou simplesmente cochilar, via-me dentro do mesmo sonho terrível.

Sentia sempre a mesma ansiedade, a mesma angústia. O mesmo mistério que uma alma

penada tentava me revelar. E eu, assustado, não conseguia entender. Acordava banhado

em suor, embora sempre sentisse um frio horripilante percorrendo o meu corpo. Meu

coração batia tanto que parecia querer furar o meu peito... E quando abria os olhos

percebia que tanto terror vinha de um sonho... E que ele tinha ido embora, mas voltaria.

E continuaria a voltar enquanto eu não tomasse uma atitude.

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Sr. Thiago – Por Deus Mauro! Mas do que você está falando homem!

Sra. Estela – (fazendo o sinal da cruz) Por favor, Mauro. Pare de dizer essas coisas.

Pare.

Sr. Mauro - Eu sonhava, noite após noite, ininterruptamente, com Ari. Com o meu

irmão Ari. Ele aparecia do nada. Sem aviso prévio. Surgia na minha mente, nos meus

sonhos usando uma túnica branca, brilhante. Vinha em minha direção devagar, olhando

fixamente nos meus olhos. Ele emanava paz. Eu podia sentir isso. Paz e harmonia. Mas

quanto mais ele se aproximava, mais eu percebia um quadro de horror. Sua cabeça

estava esfacelada, coberta por um sangue já enegrecido. As órbitas dos olhos saltadas, a

face amassada. Ao mesmo tempo uma onda de medo tomava conta de mim. Deixava

que ele se aproximasse. Tinha medo, mas mesmo assim ficava ali, parado, no meio do

nada, esperando por ele. Percebia que ele queria dizer-me alguma coisa. Revelar-me

algo. Mas para o meu lamento e angústia, sempre que ele se aproximava de mim e abria

a boca para falar, açúcar saia de sua boca.

Sra. Estela, Sra. Agnes e Sr. Thiago – Açúcar?

Sra. Regina – Nossa... Que loucura é essa, meu querido? Você não deve estar bem.

Você deve estar doente, meu amor.

A Sra. Regina tenta se aproximar de Mauro, mas esse se desvencilha.

Sr. Mauro - Isso mesmo. Açúcar. Em enorme quantidade, tomando sua boca inteira,

fazendo com que ele mesmo ficasse atônito ao ver o tanto de açúcar que saia de sua

boca e perceber que não conseguia dizer nenhuma palavra. E eu não o compreendia.

Não o compreendia. Ele vinha em minha direção, tentava falar, começava a sair muito

açúcar da sua boca e ele se desesperava. Tentava me agarrar, seus olhos começavam a

verter sangue e aí eu me desesperava também. Ficava atônito. E acordava. Acordava

muito assustado. Como se o Ari tivesse estado ao lado da minha cama. Ao meu lado.

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Sra. Agnes – Santo Deus! Mauro, ele quer lhe dizer algo. O espírito do Ari quer lhe

dizer alguma coisa.

Sra. Estela – Sim. É isso mesmo.

Sra. Regina – Não pode ser. Isso não pode ser. O Mauro não acredita nisso. Ele não

acredita nessas coisas. Isso não existe! Não existe!

Sr. Mauro – Eu também achava que ele queria me dizer alguma coisa. Todas as noites

ele aparecia e tentava falar alguma coisa. Revelar-me algo. Eu sentia isso. Mas ele

apenas emitia sons guturais e não me dizia nada. Gemia, vertia uma quantidade enorme

de açúcar pela boca e gesticulava muito. Apontando para o noroeste. Apontando para a

direção dessa fazenda, apontando para esse lugar. Como me orientando para voltar aqui.

Voltar aqui e entender o que ele estava querendo me dizer.

Sra. Estela – Meu Deus! É isso mesmo Mauro. Você está certo. Ele quer dizer alguma

coisa. Eu já tinha lido algo a respeito disso antes. Você não se lembra Regina?

Sra. Regina – Eu não leio idiotices. Tolices. Isso tudo é besteira. Pesadelos. Apenas

pesadelos.

Sra. Estela – Não. Não é não. A alma do Ari ainda está vagando pela terra porque ele

não conseguiu se desprender de alguma coisa... Ou de alguém. Por isso ele aparece para

você. Para pedir ajuda.

Sr. Thiago – O quê? Isso não pode ser! Um morto não pode aparecer nos sonhos dos

outros para querer pedir algo. Eu não acredito nisso. Eu não acredito.

Sra. Regina – Mauro, meu amor. Você já me contou sobre esses sonhos ruins... Eu já

lhe disse que não há nada demais nisso, meu amor. Você está apenas traumatizado com

tudo o que aconteceu. Apenas isso.

Sra. Agnes – Um momento. Esperem aí.Açúcar. Você disse que ele vertia açúcar da

boca?

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Sr. Mauro – Sim. Muito açúcar. Parecia que vinha de dentro dele. E eu tenho certeza

que era açúcar porque até o cheiro eu sentia, mesmo dormindo. Cheiro de açúcar. Um

açúcar branco. Puro.

Sra. Estela – Doce. O cheiro do açúcar é doce. E a Agnes era quem tinha o apelido de

Docinho.

Sr. Thiago – É verdade. A Docinho. A Agnes era a Docinho. Mas o que isso significa?

Vomitar açúcar? Apontar para a direção dessa fazenda?

Sra. Agnes – O que será que o Ari quer dizer? O quê?

Sra. Regina – (nervosa) Isso não quer dizer nada, gente. Não quer dizer nada. É

apenas... É apenas uma loucura passageira. Sim. É isso. O Mauro ficou muito

traumatizado com o que a Agnes fez. Por isso tem esses sonhos malucos. Ele só precisa

de um médico. De um bom psicólogo para ajudá-lo a esquecer o que aconteceu.

Sr. Thiago – Ou de um bom médium.

Sra Regina - Não. Ele não precisa de nada disso. Ele teve apenas pesadelos. Pesadelos

terríveis. Sonhos malucos.

Sr. Mauro – Não são sonhos malucos, Regina! Não são! O Ari quer me dizer alguma

coisa. Ela quer me dizer alguma coisa.

Sra. Regina – Ele não quer dizer nada Mauro. Ele não quer dizer nada. Os mortos não

falam! Não falam! Você está inventando isso só para ficar com essa assassina ao seu

lado. É isso, não é? Você está inventando tudo isso para se separar de mim!

Sr. Mauro – Não é nada disso Regina. É você quem não entende. Você não entende. Eu

preciso saber o que está acontecendo comigo. O que o Ari quer comigo.

Sra. Regina – (descontrolada) Não! Não! Você está ficando louco Está sim. Está ficando

louco. Você não pode acreditar em sonhos. Não pode. Não pode.

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Sr. Mauro – Mas eu acredito Regina. E eu sei que ele quer me dizer alguma coisa. Eu

sinto isso

Sra. Regina – Não. Ele não quer falar nada. Ele não pode falar nada.

Sr. Mauro – Regina? Por que você está agindo assim? Porque você não acredita em

mim?

Sra Regina – (com virulência) – Não! Ele não quer te dizer nada! É imaginação sua

Mauro. È imaginação sua.

Sra. Estela – Calma Regina! Fique calma!

Sra. Regina – Eu não posso ficar calma! Mortos não falam em sonhos! Mortos não

falam. Mortos não podem falar nada! Nada!

Sr. Mauro – Mas ele quer falar, Regina.

Sra. Regina – (desesperada) Mas ele não pode! Ele não pode falar! Ele não pode falar a

verdade! (começa a chorar compulsivamente) Ele não pode falar a verdade.

Sra. Regina cai de joelhos, enquanto os demais olham para ela abismados.

Uma luz tênue ilumina os cinco, que novamente se reagrupam na varanda.

Surgem então Ari e Agnes, caminhando. Agnes está trajando a mesma roupa com que

ficou suja e rasgada. Do outro lado aproxima-se sorrateiramente Regina. Ela espreita os

dois, enquanto os senhores e as senhoras ficam ao fundo. O som de água correndo

ocupa o ambiente.

Agnes – Então, além do pôr do sol, à noite também é possível ver maravilhas aqui no

rio?

Ari – (nervoso) – Sim. É verdade. O Mauro me contou isso ontem. E eu achei que seria

interessante nós... Nós dois virmos aqui para ver o que é. Eu... Eu convidei os outros,

mas eles preferiram ficar na fazenda.

Agnes – Ele não contou o que é? O que acontece à noite aqui?

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Ari – Não... Ele estava... Ele estava muito afoito preparando o baile de daqui a pouco.

Agnes – Ah sim... O baile. Nossa. Você sabe que fantasia ele pediu para eu usar. Uma

fantasia de Julieta. E sabe por quê?

Ari – Não... Não faço idéia.

Agnes – Ele disse que queria dançar comigo vestido de Romeu. Pode isso? O Mauro

tem cada idéia. Eu como Julieta e ele como Romeu. O casal mais famoso do mundo. O

casal mais apaixonado do mundo. Assim como nós...

Ari – Ah, é verdade. Vocês dois estão ficando juntos, não é?

Agnes – Não. Ainda não. Eu é que não quero, sabe Ari. Tenho medo. Talvez seja

bobeira minha, mas eu ainda tenho um certo receio em assumir um relacionamento com

o Mauro. Parece que alguma coisa, um sexto sentido, sei lá, algo me diz que nós não

daríamos certo. Não sei porque sinto isso. Mas é tão forte... Tão estranho... Me dá

arrepios só de falar.

Ari – O que é isso Docinho? Não fique com medo do que você não sabe explicar. Tente

entender inicialmente. Você... Você é especial. De repente isso pode ser algum sinal

para você encontrar uma outra pessoa que possa lhe fazer tão feliz quanto o Mauro.

Agnes – Oh Ari! Eu confesso a você que até pensei nisso, sabe? Até pensei em me

afastar do Mauro e continuar a minha vida longe dele, com uma pessoa diferente. Mas...

Eu o amo tanto! Eu gosto tanto dele. Eu quero que...

Ari – (nervoso) Por favor, Docinho! Pare. Para de falar dele. Eu..., Eu sinceramente não

suporto mais isso. Ele apaixonado falando de você. Você apaixonada falando dele. Por

favor... Eu tenho... Eu tenho sentimentos, né?

Agnes – Mas... Mas do que você está falando Ari? De que sentimentos você está

falando?

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Ari – (nervoso, passando a mão insistentemente pela cabeça) – Não. Não é nada disso

que você está pensando Docinho. E que eu... Eu só quero viver também, você me

entende? Eu preciso disso. Eu sou um ser humano também. Eu preciso viver, preciso...

Preciso amar. Preciso, necessito extravasar todo esse sentimento preso aqui dentro do

meu peito. Por você. Por você Docinho!

Agnes – (assustada) Eu... Eu não estou entendendo o que você está falando Ari. Acho...

Acho melhor voltarmos para a fazenda. Estamos muito longe e o baile já deve ter

começado...

Ari – (a segurando firmemente) – Oh Agnes...Eu já não suporto mais. Não suporto mais

viver com essa dor eterna no meu coração. Não suporto mais. O que eu sinto, o que eu

sinto por você minha querida, é mais forte. É mais forte do que eu. Os anjos o chamam

de alegria celeste. Os demônios de sofrimento infernal. Mas para os homens é apenas

amor. E é isso Docinho. É o que eu sinto por você. Eu te amo. E te quero meu amor. Te

quero agora. Te quero agora.

Agnes – (se afastando de Ari) – O que você está dizendo? Por favor, Ari. Não se

aproxime de mim! Você... Você está estranho...

Ari – (Tem os olhos saltados e uma expressão sádica) Não finjas querida. Sei do que

você gosta. Sei o que te faz feliz. Venha! Venha para mim. Eu vou te fazer feliz meu

amor. Eu vou te fazer mais feliz do que o Mauro. Venha.

Agnes – Não Ari. Não se aproxime. Por favor, não. Não!

Ari a ataca. A pega pela cintura e a espreme contra o seu corpo.

Ari – Eu quero você Agnes. Eu vou ter você agora. Aqui mesmo. Eu quero você meu

amor. Eu quero agora.

Ele a joga com violência no chão. Em vão, Agnes tenta empurrá-lo e livrar-se

dele. Ari a segura com força e determinação. Tapa sua boca com uma das mãos e com

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os dentes tenta arrancar sua roupa. Durante alguns minutos os dois se engalfinham.

Enquanto Ari, de forma grotesca, tenta arrancar as roupas de Agnes, ela tenta se

defender, com socos e empurrões, enquanto clama para que ele a deixe em meio a

lágrimas. Regina, ao longe, a tudo observa sem ser vista.

Quando percebe que não tem forças para detê-lo, Agnes esmaece. Deixa de lutar

e vira o rosto para o lado, ficando a chorar. Ari, agindo como um verdadeiro animal,

urrando de prazer e resfolegando desesperadamente, beija todas as partes do corpo de

Agnes, tentando arrancar o resto de suas roupas de maneira brusca. Segura o seu rosto e

tenta beijá-la a força. Mas pára de repente, demonstrando estar reconhecendo a

gravidade do seu ato.

Trêmulo e assustado, olha para Agnes com pavor. Aos poucos vai se afastando,

saindo de cima do seu corpo. Ele balança a cabeça negativamente. Sua feição é de

horror e desespero. Agnes continua caída, choramingando de olhos fechados.

Ari – Agnes... Agnes... Oh meu Deus! Agnes o que... Oh não! Por favor... Agnes por

favor, me perdoe. O que eu fiz? Por Deus, o que eu fiz?

Agnes abre os olhos. Tenta se levantar com dificuldades ao tempo em que

segura partes das vestes rasgadas.

Ari se aproxima para ajudá-la a se levantar. Ao tocá-la, começa a chorar e se

afasta novamente.

Ari – Agnes... Por favor Docinho... Agnes, por favor, me perdoe. Eu não queria... Eu

não queria fazer nada contra você... Me desculpe, me perdoe...

Atordoada, Agnes olha com pavor para Ari. Vagarosamente vai se afastando

dele, até que, após conseguir uma boa distância, sai aos tropeços de perto dele.

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Ari – Agnes! Meu Deus! O que eu fiz? O que eu fiz? Não... Não pode ser. Eu não posso

ter feito isso. Eu... Eu quase... Eu quase... Eu agi como um animal. Um animal

irracional! Um crápula. Uma verdadeira besta! Oh Deus, o que eu fiz? O que eu fiz?

Sai correndo atrás dela, mas pára no meio do caminho. Volta andando para trás

com um olhar perdido.

Ari – (gritando) Agnes! Agnes! Docinho! Por favor, me perdoe. Me perdoe. Eu não

queria fazer isso. Eu juro. Eu juro... Eu apenas te amo. Não! Eu não te amo! Eu não te

quero Agnes! Me perdoe! Eu não te amo. Acredite. Eu não quero você. Eu não quero

saber de você... Oh Agnes. Para mim vale mais o seu sorriso longe dos meus braços do

que suas lágrimas a molhar meu peito. Eu... Eu não te amo Agnes. Me perdoe. Eu não te

amo. Eu não te quero... Desgraça! Mil Desgraças! O que foi que eu fiz? Por que eu fiz

isso? Nossa! O que eu fiz? O que será de mim agora? Meus amigos! Minha vida! Eu

não acredito no que eu fiz. Eu não acredito. Não pode ser. Não pode ser.

Ari cai de joelhos. Passa a chorar e se lamentar penosamente. Eis que Regina se

aproxima devagar, caminhando sorrateiramente em sua direção. Tem uma feição de

ódio e balança a cabeça negativamente.

Regina – Covarde! Fraco! Poltrão! Você é uma besta mesmo. Uma besta covarde Ari.

Não é porra nenhuma! Não passa de um verme. Inútil. Frouxo. Não consegues lutar por

quem ama. Não consegue sequer ter quem ama. Covarde. Fracote. Bundão. Imprestável.

Ari – (desolado e choramingando) Eu não posso. Eu não consigo. Eu não consigo fazer

isso Regina. Eu não consigo. Eu não posso amar a Agnes. Eu nunca vou poder amá-la.

Nem tê-la em meus braços. Nunca. Ele não me ama. Ela não me quer.

Regina – (o espreitando) E só por isso você desiste, seu inútil? Você deve ser mais

homem, criatura. Ter mais sangue. Mais fibra. Provar que é macho. Por para fora essa

sua virilidade. Fazer o que o seu corpo manda e não o que sua cabeça teima que padeça.

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Ari – Não! Não é verdade. Isso não é justo. Eu devo arrancar de mim esse amor. E não

lutar por ele. Porque eu nunca vou tê-lo. Nunca. Eu devo esquecer a Agnes. Deixar ela

ser feliz ao lado do Mauro. Eu deveria tê-la esquecido há muito tempo. Abandonar de

vez esse meu sonho inútil. Não posso ter a Agnes. Ela não me pertence. Nunca me

pertenceu. E não mais me pertencerá.

Regina – Agora não mesmo. Agora jamais! Você a deixou escapar. Ela era sua. Sua. E

você não agiu como um homem. Como um verdadeiro homem apaixonado que me disse

ser. Agora terá apenas a rejeição de todos. De todos nós pelo seu ato não consumado.

Tivesse antes o praticado, comido a Agnes de vez, e então poderia justificar sua proeza.

Dizer que os dois transaram porque se amam. Seu idiota. Eu seria sua testemunha. Sua

testemunha para todo o sempre. Todos acreditariam em você. Todos acreditariam em

nós. Mas não! Você não foi homem o bastante para conseguir sequer trepar com ela! E

agora será taxado como um maníaco. Um maníaco desprezível e nojento, seu bosta!

Ari – (com os olhos perdidos fitando o horizonte) Nada mais é precioso e divino que a

compaixão. Quando unida à coragem, torna uma pessoa quase exemplar. Não espero

que me perdoem. Mas sim que tenham compaixão. Tenham compaixão desta alma

abnegada das coisas do coração e que por isso não entende, nem pode desejar, o

verdadeiro sentido do amor. Do amor e das coisas belas.

Regina – (nervosa) Compaixão? Ninguém terá compaixão de você Ari! Você será

execrado, expugnado. Todos nós teremos nojo de você. Nojo!

Ari – Eu sei. Eu sei. Mas assim é a vida. Isso é a vida. Deus fez o homem assim e o

mundo de acordo. A vida nada mais é do que um grande campo de provocações para

elevarmos nossa alma ao mais supremo estado de pureza. Nós, pobres mortais, vivemos

as maravilhas da terra para morrermos e encontrar nosso Juiz, aquele que irá julgar

nossas condutas aqui. No céu que é o inferno. Agora eu entendo o Thiago. É lá. E não

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aqui ou em outro lugar que enfrentarei o meu mais terrível algoz. Deus. E lá no céu que

serei julgado e condenado a não merecer perdão porque caí na tentação que Ele mesmo

propagou na terra para me testar. As tentações que ele nos apresenta para nos usar. E

isso não é justo. Sofremos duas vezes. Aqui por cairmos em tentação e lá em cima por

justamente termos sucumbidos aos seus próprios caprichos. Enfim, parece que é isso

mesmo. Não existe perdão. Não existe compaixão.

Regina – Sim. Ari. Não existe nada disso para você. Nem aqui, nem no céu nem no

inferno. Nem no inferno!

Armando-se com uma pedra grande e pesada, Regina a ergue sobre a cabeça e

desfere um golpe violento contra a cabeça de Ari, que está de costas e de joelhos para

ela. Com o primeiro golpe ele cai. Não satisfeita Regina desfere mais um, depois outro,

e mais um outro golpe, enquanto Ari fica inerte no chão, morto.

Regina – (resfolegando) Idiota. Covarde. Maldito. Viu o que você me obrigou a fazer?

Viu? Você era como todos os outros Ari. Como todos os outros que se acham bons de

coração e puros de alma. Admiram a altura das montanhas, os fluxos da maré, as

correntezas dos rios, a imensidão dos oceanos e a trajetória dos astros, mas descuidam-

se de si próprios. De si próprios. Não percebem que suas vidas são insignificantes. E

que ninguém sente pena de ninguém quando precisamos usar alguém para alcançar

nossos objetivos. Seu filósofo de merda. Agora você pode entender o mundo. Agora

você pode entender a alma de todos nós. Agora você pode entender até onde se vai por

amor.

Ela solta a pedra e sai correndo por um lado. Mas pára quando Mauro, Thiago,

Stella, Agnes chegam por ali e vêem o corpo de Ari estirado no chão.

Regina – (voltando alguns passos para trás) Estão vendo? Eu não lhes disse? Foi ela!

Foi ela quem o matou. Eu vi. Eu vi tudo. Os dois estavam ali, no chão, transando,

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quando eu cheguei e os flagrei. Os flagrei te traindo Mauro. (ela se aproxima e pega a

mão de Mauro). E ela não queria que eu os visse. Tentou me matar e acabou matando o

Ari. O pobre Ari. Foi isso o que aconteceu.

Todos olham para Regina com repulsa, enquanto ela apenas balbucia algumas

palavras em meio a lágrimas que escorrem pelo seu rosto.

De repente, o Sr. Mauro solta um grito.

Sr. Mauro – Chega! Chega! Já vi tudo. Já vi tudo o que queria jamais ter visto. Entendo

agora porque Ari povoava meus sonhos com sua fantasmagórica presença. Ele estava

me alertando. Alertando-me para uma injustiça. Uma grande injustiça que eu cometi e

insistia em mantê-la.

Sra. Regina – (levantando-se, enquanto o Sr. Thiago, Sra. Agnes e a Sra. Estela se

afastam dela) Mauro... Meu amor. Não foi bem isso o que aconteceu. Entenda. Não foi

bem assim. Não fique com raiva de mim. Eu... Eu te amo. Eu te amo tanto. Eu apenas

lutei para ter você comigo... Eu só lutei por você.

Sr. Mauro – Cale a boca sua assassina. Assassina. A verdadeira assassina de Ari. Você

não merece perdão Regina. Além de ter matado uma pessoa e incriminado uma

inocente, sustentou durante todos esses anos essa mentira com você. Você é uma cobra.

Uma serpente ardilosa e sem compaixão. Uma desgraçada. Uma desgraçada infeliz.

Sra. Estela – Por Deus Regina... Como você pôde? Como você pôde fazer uma coisa

dessas? Como?

Sr. Thiago – Pois é... Por isso é que a astúcia e a prudência não são características de

pessoas boas e inocentes. Agora eu entendo porque ela nunca quis que nos reuníssemos

novamente, porque ela lutava para que nunca nos encontrássemos... Tinha medo que

descobríssemos a verdade.

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Sra. Agnes – Por isso essa raiva irracional contra mim, não é Regina? Por isso você

sempre me odiou. Sabia que quando a verdade viesse à tona perderia o Mauro para

sempre. Você é que nunca foi sincera nem leal. Nossa! Você é... Doente. Doente. Não

apenas matou o Ari. Não apenas acabou com a sua vida. Você acabou com a minha

também. Com a minha felicidade, meus sonhos, minha alegria. A minha vida. A minha

vida Regina.

Sra. Estela – Agora eu também compreendo essa raiva fenomenal que você tinha com a

Agnes. Porque tentava nos separar, nos impedir de nos reunir. Você tinha medo. Medo

de que descobríssemos toda a verdade. A verdade da inocência da Agnes. E de sua

culpa. Da sua verdadeira culpa.

Sra. Regina (esbravejando entre lágrimas e um choro contido) – Eu não tenho culpa! Eu

não tenho culpa! Eu não tenho culpa nenhuma em amar! Eu não tenho! Eu não tenho!

Eu amo o Mauro. Sempre Amei. Não tenho culpa em querê-lo, por ter lutado por ele,

por ter desejado ficar com ele. Não tenho.

Sra. Agnes – Mas que amor é esse Regina? Que amor é esse que faz com que você mate

um homem e destrua a felicidade dos outros? Que amor é esse?

Sra. Regina – Eu é que te pergunto sua desgraçada. Eu é que te pergunto. Você já tinha

destruído a minha felicidade muito antes, há muito tempo atrás, sabia? Você já tinha

destruído a minha felicidade quando apareceu na minha vida e na de Mauro. Eu tinha

sonhos. Eu tinha sonhos vivendo junto com Mauro. E tudo o que eu queria, tudo o que

desejava não aconteceu. Não aconteceu. Você destruiu os meus sonhos, destruiu minhas

esperanças. Esse seu amor por Mauro me destruiu sua estúpida. Seu amor também me

destruiu.

Sr. Mauro – Não diga disparastes sua assassina. Você é quem é a verdadeira assassina.

Você é quem matou o Ari. Você destruiu nossa amizade. Você é a culpada de tudo.

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Page 123: Introduçãostatic.recantodasletras.com.br/arquivos/2706815.doc · Web viewLembra-se de quando fez o seu último mapa astral e ele revelou que você seria feliz com um homem forte,

Sra. Estela (pensativa) – Isso é verdade. Isso é mesmo verdade. Mas o amor, o amor

também acabou matando um pouco de nós. Um pouco de nós todos.

Faz-se silêncio.

Sr. Thiago – Parece que você conseguiu Mauro. Enfim, descobriu o que o Ari queria lhe

dizer. Não foi a Docinho quem o matou. E embora ele estivesse mal intencionado com

ela e a amasse desesperadamente, não podia descansar em paz enquanto ela continuasse

sendo acusada por um crime que não cometeu. Até que isso daria um bom livro...

Todos, inclusive os jovens, o olham com fúria.

Sr. Thiago (sentindo-se pressionado) – Mas acho que não venderia nada. As pessoas já

estão cansadas de ler sobre essas coisas de amor e morte. Essas coisas sem sentido único

e certo. Para que ficar pensando se o que aconteceu é certo ou errado, se Regina tem

razão ou não, é ou não é?

Balançando a cabeça com convicção, o Sr. Mauro mostra um ar de satisfação.

Os jovens e as outras pessoas olham aturdidos para os senhores e senhoras.

Instintivamente, Mauro solta da mão de Regina e se afasta dela. O Sr. Mauro então se

aproxima do corpo de Ari. Erguendo sua cabeça machucada, a toma nos braços.

Sr. Mauro – Onde quer que você esteja meu amigo, fique tranqüilo. Fique tranqüilo.

Agora eu compreendi tudo. Agora eu compreendi.

Ari – (abrindo os olhos e um sorriso) Perdoe-me meu amigo. Perdoe-me o quanto te fiz

sofrer. Sobrepujei uma verdadeira e leal amizade a desejos carnais inferiores e aquém ao

verdadeiro sentido do amor e da amizade. Perdoe-me, por favor. Agora eu sei que todas

as misérias em que vivemos são interiores e causadas por nós mesmos. Erradamente

julgamos que elas vêm de fora, mas somos nós mesmos que a formamos, dentro de nós,

quando deixamos de lado valores sinceros como amor e amizade.

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Sr. Mauro – Não se preocupe meu bom amigo. Não se preocupe. As horas de loucura

são medidas pelo relógio, mas nenhum outro relógio mede as de sabedoria. Que sua

alma descanse em paz no mais alto pedestal dos puros de coração. Você era perfeito

demais para viver entre nós.

Ele deixa a cabeça de Ari pousar no chão novamente. Afasta-se. Todos ficam

olhando para o corpo de Ari quando uma lufada de vento faz com que o lenço de Agnes

que estava no seu bolso saia e fique no ar até sumir.

Stella (espantada) – E agora Meu Deus? O que nós vamos fazer?

Thiago – Chamar a Polícia. Falar a verdade. Isso não pode ficar assim.

Sra. Estela (reticente) – E agora Meu Deus? O que vamos fazer?

Sr. Thiago – Teríamos que comunicar a Polícia. Pedir a reabertura do Inquérito e prestar

novas declarações. Mas depois de tanto tempo, e ainda mais com esse tipo de prova

sobrenatural, duvido que alguém acredite em nós.

Sra. Agnes – (sendo abraçada pelo Sr. Mauro) Então é isso? A coisa vai ficar do jeito

que está? A Regina, a verdadeira assassina solta e eu, taxada como culpada por um

crime que eu não cometi, sem poder viver uma vida feliz e tranqüila? É assim? A minha

vida ficará assim para sempre?

Sra. Estela – Não só a sua Agnes. Não só a sua. Todos nós sonhávamos como uma vida

melhor. Todos nós, cada um ao seu modo, imperfeito ou não, queríamos uma vida feliz

e tranqüila. Mas em relação ao nosso passado e o nosso presente, o nosso futuro será

eternamente imperfeito. Eternamente imperfeito.

Apagam-se todas as luzes.

Fim.

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