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Introdução à dogmática funcionalista do delito. Em comemoração aos trinta anos de “Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal”, de Roxin * . Luís Greco Sumário: I - Introdução; II - Plano da investigação; III - O sistema naturalista; IV - O sistema neokantiano; V - O sistema finalista; VI - O sistema funcionalista ou teleológico-racional; VII - A moderna discussão dos conceitos da parte geral; VIII - Conclusão. Apêndice. I - Introdução “O caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal” [1] . Com esta frase, pronunciada nesse que talvez seja o livro mais importante das últimas décadas na ciência jurídico- penal, dava a doutrina seu adeus ao finalismo, inaugurando uma nova era em seus esforços dogmáticos: a era do sistema funcionalista ou teleológico-racional do delito. Ainda assim, nós, brasileiros, estamos quase que completamente alheados a toda essa evolução. O máximo que sucede é encontrarmos cá e lá observações, ou de crítica total, ou de adesão incondicional, ao novo sistema, sendo poucas as manifestações verdadeiramente fundadas e esclarecidas. Ao que parece, porém, esta situação vai aos poucos se alterando. Pode ser tido como um sintoma do interesse por este novo “ismo” o fato de que o I Congresso de Direito Penal e Criminologia, promovido em Salvador, lhe tenha consagrado um de seus painéis. Mas o estudante, que provavelmente já teve dificuldades em compreender o finalismo e que deve estar ainda mais confuso em face de certas inovações brasileiras [2] ficará certamente perplexo diante desta nova tendência, ainda mais porque, ao contrário do finalismo, não

Introdução à dogmática funcionalista do delito

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Page 1: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Introduccedilatildeo agrave dogmaacutetica funcionalista do delito

Em comemoraccedilatildeo aos trinta anos de ldquoPoliacutetica Criminal e Sistema Juriacutedico-Penalrdquo de

Roxin

Luiacutes Greco

Sumaacuterio I - Introduccedilatildeo II - Plano da investigaccedilatildeo III - O sistema naturalista IV - O

sistema neokantiano V - O sistema finalista VI - O sistema funcionalista ou

teleoloacutegico-racional VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral VIII -

Conclusatildeo Apecircndice

I - Introduccedilatildeo

ldquoO caminho correto soacute pode ser deixar as decisotildees valorativas poliacutetico-criminais

introduzirem-se no sistema do direito penalrdquo[1]

Com esta frase pronunciada nesse que

talvez seja o livro mais importante das uacuteltimas deacutecadas na ciecircncia juriacutedico- penal dava a

doutrina seu adeus ao finalismo inaugurando uma nova era em seus esforccedilos dogmaacuteticos a

era do sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional do delito Ainda assim noacutes brasileiros

estamos quase que completamente alheados a toda essa evoluccedilatildeo O maacuteximo que sucede eacute

encontrarmos caacute e laacute observaccedilotildees ou de criacutetica total ou de adesatildeo incondicional ao novo

sistema sendo poucas as manifestaccedilotildees verdadeiramente fundadas e esclarecidas

Ao que parece poreacutem esta situaccedilatildeo vai aos poucos se alterando Pode ser tido como

um sintoma do interesse por este novo ldquoismordquo o fato de que o I Congresso de Direito Penal

e Criminologia promovido em Salvador lhe tenha consagrado um de seus paineacuteis Mas o

estudante que provavelmente jaacute teve dificuldades em compreender o finalismo ndash e que

deve estar ainda mais confuso em face de certas inovaccedilotildees brasileiras[2]

ndash ficaraacute certamente

perplexo diante desta nova tendecircncia ainda mais porque ao contraacuterio do finalismo natildeo

provoca ela alteraccedilotildees tatildeo visiacuteveis no sistema tais como deslocar o dolo para o tipo mas

parece manter ao menos em seu aspecto exterior baacutesico o modelo finalista[3]

Eacute no intuito

portanto de esclarecer o que seja o funcionalismo que escrevo este trabalho o qual teraacute por

isso mesmo cunho essencialmente descritivo valendo-se de vaacuterias referecircncias

bibliograacuteficas sem excluir uma tomada de posiccedilatildeo consequente no sentido do novo

sistema

II - Plano da investigaccedilatildeo

Se haacute na dogmaacutetica penal algum conhecimento que se manteve quase inalterado

desde os alvores do seacuteculo eacute o conceito de crime como accedilatildeo tiacutepica antijuriacutedica e

culpaacutevel[4]

Enquanto isso o conteuacutedo que se adscreveu a cada uma dessas categorias se

alterou profundamente de modo que se faz mister examinaacute-las mais a fundo

Creio didaacutetico comeccedilarmos por um raacutepido e esquemaacutetico esboccedilo da evoluccedilatildeo da

teoria do delito[5]

partindo do iniacutecio do seacuteculo do sistema naturalista passando pelo

neokantiano para depois irmos ao finalista E isso natildeo soacute por ser impossiacutevel que o

estudante compreenda o funcionalismo se natildeo estaacute familiarizado com os movimentos

metodoloacutegicos anteriores como tambeacutem porque enquanto siacutentese entre tendecircncias dos

movimentos anteriores ele os pressupotildee

III - O sistema naturalista

O sistema naturalista tambeacutem chamado sistema claacutessico do delito foi construiacutedo

sob a influecircncia do positivismo para o qual ciecircncia eacute somente aquilo que se pode apreender

atraveacutes dos sentidos o mensuraacutevel Valores satildeo emoccedilotildees meramente subjetivos

inexistindo conhecimento cientiacutefico de valores Daiacute a preferecircncia por conceitos avalorados

emprestados agraves ciecircncias naturais agrave psicologia agrave fiacutesica agrave sociologia

O sistema apresenta um caraacuteter eminentemente classificatoacuterio Tem-se uma

quantidade de elementares que satildeo distribuiacutedas pelas diferentes categorias do delito do

modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar atraveacutes de criteacuterios formais sem

atender minimamente ao conteuacutedo

Assim eacute que o conceito de accedilatildeo surge como o genus proximum sob o qual se

subsumem todos os outros pressupostos do crime[6]

Eacute um conceito naturalista preacute-juriacutedico

que se esgota num movimento voluntaacuterio causador de modificaccedilatildeo no mundo externo[7]

Logo depois assim que adentramos nas categorias juriacutedicas do delito comeccedila a

distribuiccedilatildeo classificatoacuteria das elementares Existem elementares objetivas e subjetivas

descritivas ou valorativas O positivista age de modo uniacutevoco classificando por criteacuterios

formais tudo que for objetivo eacute posicionado no injusto jaacute o subjetivo vai para

culpabilidade E tudo que houver de valorativo cai na antijuridicidade o tipo e a

culpabilidade satildeo puramente descritivos

O sistema acaba com a seguinte feiccedilatildeo o tipo compreende os elementos objetivos e

descritivos a antijuridicidade o que houver de objetivo e normativo e a culpabilidade o

subjetivo e descritivo O tipo eacute a descriccedilatildeo objetiva de uma modificaccedilatildeo no mundo exterior

A antijuridicidade eacute definida formalmente como contrariedade da accedilatildeo tiacutepica a uma norma

do direito que se fundamenta simplesmente na ausecircncia de causas de justificaccedilatildeo E a

culpabilidade eacute psicologisticamente conceituada como a relaccedilatildeo psiacutequica entre o agente o

fato

Este meacutetodo naturalista de construccedilatildeo de conceitos jaacute foi objeto de muitas criacuteticas

com as quais ateacute estaacute familiarizado o estudante brasileiro Aleacutem de ser incapaz de resolver

inuacutemeros problemas sem cair em contradiccedilotildees[8]

apontaremos as duas que julgamos

fundamentais o direito como sistema de valores nada tem a fazer com categorias

avaloradas O fato por ex de a causa ser a accedilatildeo sem a qual o resultado natildeo teria ocorrido[9]

natildeo implica em que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um

delito consumado O naturalismo consequente se vecirc obrigado a chamar de aduacuteltero aquele

constroacutei a cama no qual se consuma o adulteacuterio declarando a accedilatildeo de construir a cama

tiacutepica e iliacutecita porque causadora da resultado para tentar livrar o marceneiro de pena

mediante consideraccedilotildees de culpabilidade (o que observe-se nem sempre seraacute possiacutevel) O

conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da

importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna

objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o

mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a

filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]

parte do pressuposto de que o ser eacute capaz

de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser

jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia

O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina

que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo

desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente

correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que

constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente

absurdo

IV - O sistema neokantiano

O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma

positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo

(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas

ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por

possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]

Enquanto as ciecircncias

naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias

da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o

que implica em referi-los a finalidades e a valores

Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um

sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com

criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a

fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no

passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que

eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel

Em alguns autores[12]

o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se

comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria

O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma

modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva

portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto

antijuridicidade tipificada[13]

em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos

A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns

autores[14]

a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de

justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade

A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se

material lesividade social[15]

Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica

das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias

que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]

ou aquelas

accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]

A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]

juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela

praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]

Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e

naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade

de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um

aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]

incapaz de resolver sem atritos problemas

como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do

delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo

classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado

permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo

Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de

ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que

foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto

que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis

natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]

) logo acaba-se

esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade

tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem

Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem

duacutevida deve procurar respeitar[22]

e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica

devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito

Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em

vaacuterias questotildees[23]

isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como

pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os

quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial

neokantiano o relativismo valorativo[24]

O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores

(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo

cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo

hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins

que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o

funcionalismo como adiante veremos[25]

V - O sistema finalista

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando

o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo

impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna

possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas

nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao

chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver

descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos

cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas

bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas

gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]

Qualquer

valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 2: Introdução à dogmática funcionalista do delito

provoca ela alteraccedilotildees tatildeo visiacuteveis no sistema tais como deslocar o dolo para o tipo mas

parece manter ao menos em seu aspecto exterior baacutesico o modelo finalista[3]

Eacute no intuito

portanto de esclarecer o que seja o funcionalismo que escrevo este trabalho o qual teraacute por

isso mesmo cunho essencialmente descritivo valendo-se de vaacuterias referecircncias

bibliograacuteficas sem excluir uma tomada de posiccedilatildeo consequente no sentido do novo

sistema

II - Plano da investigaccedilatildeo

Se haacute na dogmaacutetica penal algum conhecimento que se manteve quase inalterado

desde os alvores do seacuteculo eacute o conceito de crime como accedilatildeo tiacutepica antijuriacutedica e

culpaacutevel[4]

Enquanto isso o conteuacutedo que se adscreveu a cada uma dessas categorias se

alterou profundamente de modo que se faz mister examinaacute-las mais a fundo

Creio didaacutetico comeccedilarmos por um raacutepido e esquemaacutetico esboccedilo da evoluccedilatildeo da

teoria do delito[5]

partindo do iniacutecio do seacuteculo do sistema naturalista passando pelo

neokantiano para depois irmos ao finalista E isso natildeo soacute por ser impossiacutevel que o

estudante compreenda o funcionalismo se natildeo estaacute familiarizado com os movimentos

metodoloacutegicos anteriores como tambeacutem porque enquanto siacutentese entre tendecircncias dos

movimentos anteriores ele os pressupotildee

III - O sistema naturalista

O sistema naturalista tambeacutem chamado sistema claacutessico do delito foi construiacutedo

sob a influecircncia do positivismo para o qual ciecircncia eacute somente aquilo que se pode apreender

atraveacutes dos sentidos o mensuraacutevel Valores satildeo emoccedilotildees meramente subjetivos

inexistindo conhecimento cientiacutefico de valores Daiacute a preferecircncia por conceitos avalorados

emprestados agraves ciecircncias naturais agrave psicologia agrave fiacutesica agrave sociologia

O sistema apresenta um caraacuteter eminentemente classificatoacuterio Tem-se uma

quantidade de elementares que satildeo distribuiacutedas pelas diferentes categorias do delito do

modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar atraveacutes de criteacuterios formais sem

atender minimamente ao conteuacutedo

Assim eacute que o conceito de accedilatildeo surge como o genus proximum sob o qual se

subsumem todos os outros pressupostos do crime[6]

Eacute um conceito naturalista preacute-juriacutedico

que se esgota num movimento voluntaacuterio causador de modificaccedilatildeo no mundo externo[7]

Logo depois assim que adentramos nas categorias juriacutedicas do delito comeccedila a

distribuiccedilatildeo classificatoacuteria das elementares Existem elementares objetivas e subjetivas

descritivas ou valorativas O positivista age de modo uniacutevoco classificando por criteacuterios

formais tudo que for objetivo eacute posicionado no injusto jaacute o subjetivo vai para

culpabilidade E tudo que houver de valorativo cai na antijuridicidade o tipo e a

culpabilidade satildeo puramente descritivos

O sistema acaba com a seguinte feiccedilatildeo o tipo compreende os elementos objetivos e

descritivos a antijuridicidade o que houver de objetivo e normativo e a culpabilidade o

subjetivo e descritivo O tipo eacute a descriccedilatildeo objetiva de uma modificaccedilatildeo no mundo exterior

A antijuridicidade eacute definida formalmente como contrariedade da accedilatildeo tiacutepica a uma norma

do direito que se fundamenta simplesmente na ausecircncia de causas de justificaccedilatildeo E a

culpabilidade eacute psicologisticamente conceituada como a relaccedilatildeo psiacutequica entre o agente o

fato

Este meacutetodo naturalista de construccedilatildeo de conceitos jaacute foi objeto de muitas criacuteticas

com as quais ateacute estaacute familiarizado o estudante brasileiro Aleacutem de ser incapaz de resolver

inuacutemeros problemas sem cair em contradiccedilotildees[8]

apontaremos as duas que julgamos

fundamentais o direito como sistema de valores nada tem a fazer com categorias

avaloradas O fato por ex de a causa ser a accedilatildeo sem a qual o resultado natildeo teria ocorrido[9]

natildeo implica em que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um

delito consumado O naturalismo consequente se vecirc obrigado a chamar de aduacuteltero aquele

constroacutei a cama no qual se consuma o adulteacuterio declarando a accedilatildeo de construir a cama

tiacutepica e iliacutecita porque causadora da resultado para tentar livrar o marceneiro de pena

mediante consideraccedilotildees de culpabilidade (o que observe-se nem sempre seraacute possiacutevel) O

conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da

importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna

objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o

mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a

filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]

parte do pressuposto de que o ser eacute capaz

de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser

jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia

O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina

que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo

desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente

correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que

constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente

absurdo

IV - O sistema neokantiano

O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma

positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo

(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas

ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por

possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]

Enquanto as ciecircncias

naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias

da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o

que implica em referi-los a finalidades e a valores

Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um

sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com

criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a

fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no

passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que

eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel

Em alguns autores[12]

o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se

comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria

O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma

modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva

portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto

antijuridicidade tipificada[13]

em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos

A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns

autores[14]

a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de

justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade

A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se

material lesividade social[15]

Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica

das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias

que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]

ou aquelas

accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]

A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]

juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela

praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]

Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e

naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade

de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um

aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]

incapaz de resolver sem atritos problemas

como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do

delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo

classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado

permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo

Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de

ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que

foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto

que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis

natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]

) logo acaba-se

esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade

tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem

Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem

duacutevida deve procurar respeitar[22]

e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica

devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito

Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em

vaacuterias questotildees[23]

isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como

pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os

quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial

neokantiano o relativismo valorativo[24]

O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores

(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo

cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo

hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins

que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o

funcionalismo como adiante veremos[25]

V - O sistema finalista

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando

o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo

impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna

possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas

nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao

chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver

descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos

cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas

bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas

gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]

Qualquer

valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 3: Introdução à dogmática funcionalista do delito

O sistema apresenta um caraacuteter eminentemente classificatoacuterio Tem-se uma

quantidade de elementares que satildeo distribuiacutedas pelas diferentes categorias do delito do

modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar atraveacutes de criteacuterios formais sem

atender minimamente ao conteuacutedo

Assim eacute que o conceito de accedilatildeo surge como o genus proximum sob o qual se

subsumem todos os outros pressupostos do crime[6]

Eacute um conceito naturalista preacute-juriacutedico

que se esgota num movimento voluntaacuterio causador de modificaccedilatildeo no mundo externo[7]

Logo depois assim que adentramos nas categorias juriacutedicas do delito comeccedila a

distribuiccedilatildeo classificatoacuteria das elementares Existem elementares objetivas e subjetivas

descritivas ou valorativas O positivista age de modo uniacutevoco classificando por criteacuterios

formais tudo que for objetivo eacute posicionado no injusto jaacute o subjetivo vai para

culpabilidade E tudo que houver de valorativo cai na antijuridicidade o tipo e a

culpabilidade satildeo puramente descritivos

O sistema acaba com a seguinte feiccedilatildeo o tipo compreende os elementos objetivos e

descritivos a antijuridicidade o que houver de objetivo e normativo e a culpabilidade o

subjetivo e descritivo O tipo eacute a descriccedilatildeo objetiva de uma modificaccedilatildeo no mundo exterior

A antijuridicidade eacute definida formalmente como contrariedade da accedilatildeo tiacutepica a uma norma

do direito que se fundamenta simplesmente na ausecircncia de causas de justificaccedilatildeo E a

culpabilidade eacute psicologisticamente conceituada como a relaccedilatildeo psiacutequica entre o agente o

fato

Este meacutetodo naturalista de construccedilatildeo de conceitos jaacute foi objeto de muitas criacuteticas

com as quais ateacute estaacute familiarizado o estudante brasileiro Aleacutem de ser incapaz de resolver

inuacutemeros problemas sem cair em contradiccedilotildees[8]

apontaremos as duas que julgamos

fundamentais o direito como sistema de valores nada tem a fazer com categorias

avaloradas O fato por ex de a causa ser a accedilatildeo sem a qual o resultado natildeo teria ocorrido[9]

natildeo implica em que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um

delito consumado O naturalismo consequente se vecirc obrigado a chamar de aduacuteltero aquele

constroacutei a cama no qual se consuma o adulteacuterio declarando a accedilatildeo de construir a cama

tiacutepica e iliacutecita porque causadora da resultado para tentar livrar o marceneiro de pena

mediante consideraccedilotildees de culpabilidade (o que observe-se nem sempre seraacute possiacutevel) O

conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da

importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna

objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o

mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a

filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]

parte do pressuposto de que o ser eacute capaz

de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser

jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia

O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina

que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo

desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente

correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que

constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente

absurdo

IV - O sistema neokantiano

O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma

positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo

(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas

ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por

possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]

Enquanto as ciecircncias

naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias

da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o

que implica em referi-los a finalidades e a valores

Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um

sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com

criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a

fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no

passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que

eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel

Em alguns autores[12]

o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se

comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria

O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma

modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva

portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto

antijuridicidade tipificada[13]

em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos

A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns

autores[14]

a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de

justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade

A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se

material lesividade social[15]

Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica

das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias

que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]

ou aquelas

accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]

A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]

juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela

praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]

Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e

naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade

de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um

aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]

incapaz de resolver sem atritos problemas

como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do

delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo

classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado

permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo

Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de

ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que

foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto

que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis

natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]

) logo acaba-se

esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade

tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem

Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem

duacutevida deve procurar respeitar[22]

e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica

devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito

Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em

vaacuterias questotildees[23]

isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como

pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os

quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial

neokantiano o relativismo valorativo[24]

O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores

(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo

cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo

hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins

que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o

funcionalismo como adiante veremos[25]

V - O sistema finalista

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando

o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo

impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna

possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas

nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao

chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver

descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos

cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas

bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas

gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]

Qualquer

valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 4: Introdução à dogmática funcionalista do delito

conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da

importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna

objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o

mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a

filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]

parte do pressuposto de que o ser eacute capaz

de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser

jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia

O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina

que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo

desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente

correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que

constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente

absurdo

IV - O sistema neokantiano

O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma

positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo

(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas

ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por

possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]

Enquanto as ciecircncias

naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias

da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o

que implica em referi-los a finalidades e a valores

Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um

sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com

criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a

fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no

passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que

eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel

Em alguns autores[12]

o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se

comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria

O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma

modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva

portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto

antijuridicidade tipificada[13]

em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos

A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns

autores[14]

a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de

justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade

A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se

material lesividade social[15]

Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica

das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias

que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]

ou aquelas

accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]

A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]

juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela

praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]

Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e

naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade

de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um

aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]

incapaz de resolver sem atritos problemas

como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do

delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo

classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado

permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo

Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de

ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que

foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto

que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis

natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]

) logo acaba-se

esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade

tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem

Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem

duacutevida deve procurar respeitar[22]

e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica

devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito

Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em

vaacuterias questotildees[23]

isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como

pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os

quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial

neokantiano o relativismo valorativo[24]

O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores

(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo

cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo

hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins

que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o

funcionalismo como adiante veremos[25]

V - O sistema finalista

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando

o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo

impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna

possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas

nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao

chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver

descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos

cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas

bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas

gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]

Qualquer

valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 5: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Em alguns autores[12]

o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se

comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria

O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma

modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva

portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto

antijuridicidade tipificada[13]

em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos

A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns

autores[14]

a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de

justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade

A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se

material lesividade social[15]

Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica

das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias

que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]

ou aquelas

accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]

A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]

juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela

praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]

Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e

naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade

de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um

aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]

incapaz de resolver sem atritos problemas

como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do

delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo

classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado

permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo

Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de

ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que

foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto

que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis

natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]

) logo acaba-se

esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade

tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem

Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem

duacutevida deve procurar respeitar[22]

e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica

devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito

Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em

vaacuterias questotildees[23]

isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como

pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os

quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial

neokantiano o relativismo valorativo[24]

O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores

(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo

cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo

hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins

que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o

funcionalismo como adiante veremos[25]

V - O sistema finalista

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando

o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo

impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna

possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas

nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao

chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver

descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos

cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas

bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas

gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]

Qualquer

valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 6: Introdução à dogmática funcionalista do delito

esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade

tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem

Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem

duacutevida deve procurar respeitar[22]

e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica

devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito

Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em

vaacuterias questotildees[23]

isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como

pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os

quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial

neokantiano o relativismo valorativo[24]

O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores

(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo

cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo

hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins

que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o

funcionalismo como adiante veremos[25]

V - O sistema finalista

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando

o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo

impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna

possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas

nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao

chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver

descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos

cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas

bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas

gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]

Qualquer

valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 7: Introdução à dogmática funcionalista do delito

A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele

deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza

finalista do agir humano[28]

O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer

proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]

Daiacute decorre entre outras coisas que o

dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica

que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]

Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora

desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]

Todas as categorias do delito

satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica

intriacutenseca do objeto que se vai regular

O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto

tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a

mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]

Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo

integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas

proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm

por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo

O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para

configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]

consubstanciado fundamentalmente

no desvalor da accedilatildeo[34]

cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade

A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura

loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]

O homem porque capaz de

comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma

Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas

loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o

finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o

dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de

polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista

pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema

juriacutedico[36]

E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que

sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 8: Introdução à dogmática funcionalista do delito

iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que

merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]

Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se

aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e

classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do

neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo

assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude

Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos

ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]

Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras

contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua

capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]

parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor

WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado

durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um

novordquo[40]

os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]

O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]

pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que

natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos

problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por

exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou

da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem

geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]

VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional

Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]

O que

eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo

mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que

formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]

ldquoOs defensores deste

movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a

construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 9: Introdução à dogmática funcionalista do delito

causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos

fins do direito penalrdquo

Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a

construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito

acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados

pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da

prevenccedilatildeo geral ou especial[47]

Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute

exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema

alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]

A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se

o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista

sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena

puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a

generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo

especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]

da prevenccedilatildeo geral visavam

primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou

prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a

populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e

dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral

positiva)[50]

Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a

prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-

lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos

enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais

fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos

logo abaixo[51]

Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a

definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]

resolve o

problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante

sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo

(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 10: Introdução à dogmática funcionalista do delito

como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o

risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-

penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias

tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado

pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de

dolo[53]

O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa

primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal

coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]

o problema que se tem agrave frente eacute um

problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena

por crime doloso[55]

O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais

acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto

menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a

liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema

como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de

ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da

subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]

procura

definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma

pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo

como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este

autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem

juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem

ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do

risco natildeo permitido de sua conduta[58]

de modo que quem sabe agir aleacutem do risco

permitido age dolosamente

Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que

basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia

naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do

modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash

isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 11: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel

fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos

ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos

da teoria do delito

O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em

1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao

dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica

criminal[59]

Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos

sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser

transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]

Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute

identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e

funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da

melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de

realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e

agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento

iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]

Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por

valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]

ndash

ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo

metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de

regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito

tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim

conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os

diferentes[64]

ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um

primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser

complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas

com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes

grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo

das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]

O pensamento de ROXIN entende-se como uma

siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]

devendo o jurista proceder dedutiva e

indutivamente ao mesmo tempo[67]

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 12: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute

enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa

separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem

adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual

ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos

imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]

(chamada teoria individual-objetiva)

Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo

Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo

constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]

Eacute preciso complementaacute-la

concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do

pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a

tentativa inacabada do autor singular[70]

propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim

que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a

conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]

E satildeo propostos novos grupos de casos sub-

concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de

tocaia agrave espera da viacutetima[72]

casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora

mas natildeo o delito base qualificado[73]

etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria

mediata e para as omissotildees[74]

aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio

individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de

decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica

e do princiacutepio da igualdade

No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de

indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e

objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees

maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um

acerto[75]

Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre

pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de

casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez

as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]

Mas tambeacutem

natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 13: Introdução à dogmática funcionalista do delito

da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo

ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema

Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal

como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos

estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]

Simplificadamente eacute isto o que diz o

socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de

sentido[78]

As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de

complexidade da sociedade em questatildeo[79]

O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar

consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]

natildeo se sabe ao

certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o

de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas

e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em

sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura

E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem

elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]

Eles fornecem aos homens

modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros

LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as

normativas[82]

As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o

expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de

esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador

exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos

(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de

norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]

Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a

credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]

a

decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees

eacute a sanccedilatildeo[85]

O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]

composto de normas que quando

violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de

reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 14: Introdução à dogmática funcionalista do delito

por JAKOBS[87]

como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito

competenterdquo

A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o

sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de

competecircncia[88]

A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel

ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada

qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute

garante dessas expectativas[89]

A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um

acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer

comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de

interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim

os delitos por competecircncia organizacional[90]

Mas ao lado desse dever geneacuterico de

controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo

meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito

que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os

delitos por competecircncia institucional[91]

A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos

fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo

em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por

competecircncia de instituiccedilatildeo[92]

Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez

constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]

de alguma maneira ou atraveacutes

do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito

de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]

Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo

de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que

eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada

E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas

deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo

isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute

aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente

para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 15: Introdução à dogmática funcionalista do delito

perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de

competecircnciasrdquo[95]

Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da

imputaccedilatildeo[96]

e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como

se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema

JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]

e

de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]

porque apesar da

funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a

realidade[99]

mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um

sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que

se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]

Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de

JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]

demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas

com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]

VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral

Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral

reconstruiacuteda funcionalmente[103]

Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os

paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]

datildeo espaccedilo

a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva

a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua

majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees

valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os

intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs

posiccedilotildees baacutesicas

A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem

que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]

por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 16: Introdução à dogmática funcionalista do delito

conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]

por sua vez define o

comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]

A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o

posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute

que SCHMIDHAumlUSER[108]

inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou

por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo

Um terceiro grupo[109]

despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o

considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de

tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva

b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode

proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto

de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima

periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]

Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva

que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash

com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como

consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no

resultado[111]

Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de

causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente

relevante

c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo

novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama

de autores[112]

adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de

justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 17: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Outros autores[114]

tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar

de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado

indiferente para o direito penal

Por fim um terceiro grupo[115]

manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional

entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou

porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]

ou

porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]

d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se

fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da

conduta proibida[118]

Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de

maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica

Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]

defenda o duplo posicionamento do dolo

e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema

natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia

para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]

Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado

estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]

por ex quer posicionar o momento volitivo do

dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece

defender SCHUumlNEMANN[122]

para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo

do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a

vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)

e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se

dominante[123]

a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo

do tipo objetivordquo alguns autores[124]

vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do

elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel

Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma

vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 18: Introdução à dogmática funcionalista do delito

sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em

rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]

Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo

legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria

limitada da culpabilidade[127]

Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em

ambas as suas formas[128]

e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]

defensor de

uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da

lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do

iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade

f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]

a culpa

pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do

cuidado subjetivo na culpabilidade

Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]

a doutrina que entende que

o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando

o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer

agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas

soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur

Uma terceira opiniatildeo[132]

quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele

tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado

de acordo com as capacidades do sujeito

g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir

de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante

pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a

existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]

Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente

verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 19: Introdução à dogmática funcionalista do delito

objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta

probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa

construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]

porque agrave primeira vista amplia

sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa

mero problema de culpabilidade

Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]

o qual resolveu

criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito

perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo

(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]

que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem

contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como

ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal

Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]

que

pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a

possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]

o consentimento do

ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no

direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o

consentimento do direito penal opera efeitos no civil

Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o

postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]

o que natildeo me parece correto vez que o

reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o

princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]

considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade

natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos

diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal

Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]

eacute de

interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa

maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo

ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]

mas que vem

contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 20: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o

finalismo[144]

exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de

salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem

se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]

de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e

natildeo soacute entre os autores[146]

que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a

consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando

campo o posicionamento daqueles[147]

que dispensam qualquer elemento subjetivo de

justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]

quem negue a existecircncia de

qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos

h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]

agrave fundamentaccedilatildeo da

culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se

admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo

paulatinamente os adeptos[150]

deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem

concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena

(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]

Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo

final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins

da pena[152]

Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade

que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no

comportamento antijuriacutedicordquo[153]

O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma

precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute

adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser

distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]

Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas

do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A

culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral

ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de

culpabilidade[155]

valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]

Poreacutem a

culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo

retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 21: Introdução à dogmática funcionalista do delito

eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial

Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do

delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade

depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a

necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]

Seraacute necessaacuterio o

concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne

justificada a puniccedilatildeo

i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou

natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]

centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes

tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que

tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo

que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias

Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]

e FIGUEIREDO DIAS[160]

tentam

fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute

ROXIN[161]

que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade

deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de

poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]

que faz a

categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses

tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da

antijuridicidade

VIII - Conclusatildeo

E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica

Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema

permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros

ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto

porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 22: Introdução à dogmática funcionalista do delito

sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal

na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal

comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de

todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]

Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]

A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na

apresentaccedilatildeo oral do trabalho

a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que

considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma

doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores

A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V

b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo

se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes

Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos

No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de

qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito

No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o

funcionalismo sistecircmico de LUHMANN

Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os

dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por

objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento

socioloacutegico[165]

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 23: Introdução à dogmática funcionalista do delito

c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana

Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de

ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e

de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da

induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI

Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a

realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal

atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas

tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para

a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]

Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no

miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do

finalismo

d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus

frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por

consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do

meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h

E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais

categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a

imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]

mas como o seu

complemento[168]

e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a

culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas

e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral

e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica

Page 24: Introdução à dogmática funcionalista do delito

Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do

delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e

os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se

compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela

Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62

e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo

menos seguros pouco determinados

Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por

ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem

Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a

realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre

desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel

Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da

mateacuteria juriacutedica