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Introduccedilatildeo agrave dogmaacutetica funcionalista do delito
Em comemoraccedilatildeo aos trinta anos de ldquoPoliacutetica Criminal e Sistema Juriacutedico-Penalrdquo de
Roxin
Luiacutes Greco
Sumaacuterio I - Introduccedilatildeo II - Plano da investigaccedilatildeo III - O sistema naturalista IV - O
sistema neokantiano V - O sistema finalista VI - O sistema funcionalista ou
teleoloacutegico-racional VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral VIII -
Conclusatildeo Apecircndice
I - Introduccedilatildeo
ldquoO caminho correto soacute pode ser deixar as decisotildees valorativas poliacutetico-criminais
introduzirem-se no sistema do direito penalrdquo[1]
Com esta frase pronunciada nesse que
talvez seja o livro mais importante das uacuteltimas deacutecadas na ciecircncia juriacutedico- penal dava a
doutrina seu adeus ao finalismo inaugurando uma nova era em seus esforccedilos dogmaacuteticos a
era do sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional do delito Ainda assim noacutes brasileiros
estamos quase que completamente alheados a toda essa evoluccedilatildeo O maacuteximo que sucede eacute
encontrarmos caacute e laacute observaccedilotildees ou de criacutetica total ou de adesatildeo incondicional ao novo
sistema sendo poucas as manifestaccedilotildees verdadeiramente fundadas e esclarecidas
Ao que parece poreacutem esta situaccedilatildeo vai aos poucos se alterando Pode ser tido como
um sintoma do interesse por este novo ldquoismordquo o fato de que o I Congresso de Direito Penal
e Criminologia promovido em Salvador lhe tenha consagrado um de seus paineacuteis Mas o
estudante que provavelmente jaacute teve dificuldades em compreender o finalismo ndash e que
deve estar ainda mais confuso em face de certas inovaccedilotildees brasileiras[2]
ndash ficaraacute certamente
perplexo diante desta nova tendecircncia ainda mais porque ao contraacuterio do finalismo natildeo
provoca ela alteraccedilotildees tatildeo visiacuteveis no sistema tais como deslocar o dolo para o tipo mas
parece manter ao menos em seu aspecto exterior baacutesico o modelo finalista[3]
Eacute no intuito
portanto de esclarecer o que seja o funcionalismo que escrevo este trabalho o qual teraacute por
isso mesmo cunho essencialmente descritivo valendo-se de vaacuterias referecircncias
bibliograacuteficas sem excluir uma tomada de posiccedilatildeo consequente no sentido do novo
sistema
II - Plano da investigaccedilatildeo
Se haacute na dogmaacutetica penal algum conhecimento que se manteve quase inalterado
desde os alvores do seacuteculo eacute o conceito de crime como accedilatildeo tiacutepica antijuriacutedica e
culpaacutevel[4]
Enquanto isso o conteuacutedo que se adscreveu a cada uma dessas categorias se
alterou profundamente de modo que se faz mister examinaacute-las mais a fundo
Creio didaacutetico comeccedilarmos por um raacutepido e esquemaacutetico esboccedilo da evoluccedilatildeo da
teoria do delito[5]
partindo do iniacutecio do seacuteculo do sistema naturalista passando pelo
neokantiano para depois irmos ao finalista E isso natildeo soacute por ser impossiacutevel que o
estudante compreenda o funcionalismo se natildeo estaacute familiarizado com os movimentos
metodoloacutegicos anteriores como tambeacutem porque enquanto siacutentese entre tendecircncias dos
movimentos anteriores ele os pressupotildee
III - O sistema naturalista
O sistema naturalista tambeacutem chamado sistema claacutessico do delito foi construiacutedo
sob a influecircncia do positivismo para o qual ciecircncia eacute somente aquilo que se pode apreender
atraveacutes dos sentidos o mensuraacutevel Valores satildeo emoccedilotildees meramente subjetivos
inexistindo conhecimento cientiacutefico de valores Daiacute a preferecircncia por conceitos avalorados
emprestados agraves ciecircncias naturais agrave psicologia agrave fiacutesica agrave sociologia
O sistema apresenta um caraacuteter eminentemente classificatoacuterio Tem-se uma
quantidade de elementares que satildeo distribuiacutedas pelas diferentes categorias do delito do
modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar atraveacutes de criteacuterios formais sem
atender minimamente ao conteuacutedo
Assim eacute que o conceito de accedilatildeo surge como o genus proximum sob o qual se
subsumem todos os outros pressupostos do crime[6]
Eacute um conceito naturalista preacute-juriacutedico
que se esgota num movimento voluntaacuterio causador de modificaccedilatildeo no mundo externo[7]
Logo depois assim que adentramos nas categorias juriacutedicas do delito comeccedila a
distribuiccedilatildeo classificatoacuteria das elementares Existem elementares objetivas e subjetivas
descritivas ou valorativas O positivista age de modo uniacutevoco classificando por criteacuterios
formais tudo que for objetivo eacute posicionado no injusto jaacute o subjetivo vai para
culpabilidade E tudo que houver de valorativo cai na antijuridicidade o tipo e a
culpabilidade satildeo puramente descritivos
O sistema acaba com a seguinte feiccedilatildeo o tipo compreende os elementos objetivos e
descritivos a antijuridicidade o que houver de objetivo e normativo e a culpabilidade o
subjetivo e descritivo O tipo eacute a descriccedilatildeo objetiva de uma modificaccedilatildeo no mundo exterior
A antijuridicidade eacute definida formalmente como contrariedade da accedilatildeo tiacutepica a uma norma
do direito que se fundamenta simplesmente na ausecircncia de causas de justificaccedilatildeo E a
culpabilidade eacute psicologisticamente conceituada como a relaccedilatildeo psiacutequica entre o agente o
fato
Este meacutetodo naturalista de construccedilatildeo de conceitos jaacute foi objeto de muitas criacuteticas
com as quais ateacute estaacute familiarizado o estudante brasileiro Aleacutem de ser incapaz de resolver
inuacutemeros problemas sem cair em contradiccedilotildees[8]
apontaremos as duas que julgamos
fundamentais o direito como sistema de valores nada tem a fazer com categorias
avaloradas O fato por ex de a causa ser a accedilatildeo sem a qual o resultado natildeo teria ocorrido[9]
natildeo implica em que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um
delito consumado O naturalismo consequente se vecirc obrigado a chamar de aduacuteltero aquele
constroacutei a cama no qual se consuma o adulteacuterio declarando a accedilatildeo de construir a cama
tiacutepica e iliacutecita porque causadora da resultado para tentar livrar o marceneiro de pena
mediante consideraccedilotildees de culpabilidade (o que observe-se nem sempre seraacute possiacutevel) O
conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da
importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna
objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o
mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a
filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]
parte do pressuposto de que o ser eacute capaz
de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser
jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia
O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina
que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo
desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente
correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que
constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente
absurdo
IV - O sistema neokantiano
O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma
positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo
(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas
ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por
possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]
Enquanto as ciecircncias
naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias
da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o
que implica em referi-los a finalidades e a valores
Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um
sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com
criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a
fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no
passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que
eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel
Em alguns autores[12]
o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se
comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria
O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma
modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva
portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto
antijuridicidade tipificada[13]
em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos
A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns
autores[14]
a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de
justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade
A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se
material lesividade social[15]
Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica
das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias
que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]
ou aquelas
accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]
A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]
juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela
praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]
Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e
naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade
de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um
aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]
incapaz de resolver sem atritos problemas
como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do
delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo
classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado
permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo
Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de
ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que
foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto
que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis
natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]
) logo acaba-se
esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade
tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem
Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem
duacutevida deve procurar respeitar[22]
e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica
devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito
Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em
vaacuterias questotildees[23]
isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como
pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os
quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial
neokantiano o relativismo valorativo[24]
O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores
(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo
cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo
hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins
que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o
funcionalismo como adiante veremos[25]
V - O sistema finalista
O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando
o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo
impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna
possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas
nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao
chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver
descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos
cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas
bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas
gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]
Qualquer
valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
provoca ela alteraccedilotildees tatildeo visiacuteveis no sistema tais como deslocar o dolo para o tipo mas
parece manter ao menos em seu aspecto exterior baacutesico o modelo finalista[3]
Eacute no intuito
portanto de esclarecer o que seja o funcionalismo que escrevo este trabalho o qual teraacute por
isso mesmo cunho essencialmente descritivo valendo-se de vaacuterias referecircncias
bibliograacuteficas sem excluir uma tomada de posiccedilatildeo consequente no sentido do novo
sistema
II - Plano da investigaccedilatildeo
Se haacute na dogmaacutetica penal algum conhecimento que se manteve quase inalterado
desde os alvores do seacuteculo eacute o conceito de crime como accedilatildeo tiacutepica antijuriacutedica e
culpaacutevel[4]
Enquanto isso o conteuacutedo que se adscreveu a cada uma dessas categorias se
alterou profundamente de modo que se faz mister examinaacute-las mais a fundo
Creio didaacutetico comeccedilarmos por um raacutepido e esquemaacutetico esboccedilo da evoluccedilatildeo da
teoria do delito[5]
partindo do iniacutecio do seacuteculo do sistema naturalista passando pelo
neokantiano para depois irmos ao finalista E isso natildeo soacute por ser impossiacutevel que o
estudante compreenda o funcionalismo se natildeo estaacute familiarizado com os movimentos
metodoloacutegicos anteriores como tambeacutem porque enquanto siacutentese entre tendecircncias dos
movimentos anteriores ele os pressupotildee
III - O sistema naturalista
O sistema naturalista tambeacutem chamado sistema claacutessico do delito foi construiacutedo
sob a influecircncia do positivismo para o qual ciecircncia eacute somente aquilo que se pode apreender
atraveacutes dos sentidos o mensuraacutevel Valores satildeo emoccedilotildees meramente subjetivos
inexistindo conhecimento cientiacutefico de valores Daiacute a preferecircncia por conceitos avalorados
emprestados agraves ciecircncias naturais agrave psicologia agrave fiacutesica agrave sociologia
O sistema apresenta um caraacuteter eminentemente classificatoacuterio Tem-se uma
quantidade de elementares que satildeo distribuiacutedas pelas diferentes categorias do delito do
modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar atraveacutes de criteacuterios formais sem
atender minimamente ao conteuacutedo
Assim eacute que o conceito de accedilatildeo surge como o genus proximum sob o qual se
subsumem todos os outros pressupostos do crime[6]
Eacute um conceito naturalista preacute-juriacutedico
que se esgota num movimento voluntaacuterio causador de modificaccedilatildeo no mundo externo[7]
Logo depois assim que adentramos nas categorias juriacutedicas do delito comeccedila a
distribuiccedilatildeo classificatoacuteria das elementares Existem elementares objetivas e subjetivas
descritivas ou valorativas O positivista age de modo uniacutevoco classificando por criteacuterios
formais tudo que for objetivo eacute posicionado no injusto jaacute o subjetivo vai para
culpabilidade E tudo que houver de valorativo cai na antijuridicidade o tipo e a
culpabilidade satildeo puramente descritivos
O sistema acaba com a seguinte feiccedilatildeo o tipo compreende os elementos objetivos e
descritivos a antijuridicidade o que houver de objetivo e normativo e a culpabilidade o
subjetivo e descritivo O tipo eacute a descriccedilatildeo objetiva de uma modificaccedilatildeo no mundo exterior
A antijuridicidade eacute definida formalmente como contrariedade da accedilatildeo tiacutepica a uma norma
do direito que se fundamenta simplesmente na ausecircncia de causas de justificaccedilatildeo E a
culpabilidade eacute psicologisticamente conceituada como a relaccedilatildeo psiacutequica entre o agente o
fato
Este meacutetodo naturalista de construccedilatildeo de conceitos jaacute foi objeto de muitas criacuteticas
com as quais ateacute estaacute familiarizado o estudante brasileiro Aleacutem de ser incapaz de resolver
inuacutemeros problemas sem cair em contradiccedilotildees[8]
apontaremos as duas que julgamos
fundamentais o direito como sistema de valores nada tem a fazer com categorias
avaloradas O fato por ex de a causa ser a accedilatildeo sem a qual o resultado natildeo teria ocorrido[9]
natildeo implica em que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um
delito consumado O naturalismo consequente se vecirc obrigado a chamar de aduacuteltero aquele
constroacutei a cama no qual se consuma o adulteacuterio declarando a accedilatildeo de construir a cama
tiacutepica e iliacutecita porque causadora da resultado para tentar livrar o marceneiro de pena
mediante consideraccedilotildees de culpabilidade (o que observe-se nem sempre seraacute possiacutevel) O
conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da
importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna
objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o
mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a
filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]
parte do pressuposto de que o ser eacute capaz
de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser
jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia
O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina
que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo
desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente
correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que
constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente
absurdo
IV - O sistema neokantiano
O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma
positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo
(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas
ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por
possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]
Enquanto as ciecircncias
naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias
da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o
que implica em referi-los a finalidades e a valores
Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um
sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com
criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a
fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no
passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que
eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel
Em alguns autores[12]
o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se
comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria
O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma
modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva
portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto
antijuridicidade tipificada[13]
em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos
A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns
autores[14]
a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de
justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade
A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se
material lesividade social[15]
Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica
das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias
que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]
ou aquelas
accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]
A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]
juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela
praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]
Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e
naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade
de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um
aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]
incapaz de resolver sem atritos problemas
como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do
delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo
classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado
permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo
Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de
ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que
foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto
que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis
natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]
) logo acaba-se
esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade
tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem
Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem
duacutevida deve procurar respeitar[22]
e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica
devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito
Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em
vaacuterias questotildees[23]
isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como
pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os
quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial
neokantiano o relativismo valorativo[24]
O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores
(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo
cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo
hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins
que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o
funcionalismo como adiante veremos[25]
V - O sistema finalista
O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando
o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo
impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna
possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas
nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao
chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver
descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos
cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas
bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas
gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]
Qualquer
valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
O sistema apresenta um caraacuteter eminentemente classificatoacuterio Tem-se uma
quantidade de elementares que satildeo distribuiacutedas pelas diferentes categorias do delito do
modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar atraveacutes de criteacuterios formais sem
atender minimamente ao conteuacutedo
Assim eacute que o conceito de accedilatildeo surge como o genus proximum sob o qual se
subsumem todos os outros pressupostos do crime[6]
Eacute um conceito naturalista preacute-juriacutedico
que se esgota num movimento voluntaacuterio causador de modificaccedilatildeo no mundo externo[7]
Logo depois assim que adentramos nas categorias juriacutedicas do delito comeccedila a
distribuiccedilatildeo classificatoacuteria das elementares Existem elementares objetivas e subjetivas
descritivas ou valorativas O positivista age de modo uniacutevoco classificando por criteacuterios
formais tudo que for objetivo eacute posicionado no injusto jaacute o subjetivo vai para
culpabilidade E tudo que houver de valorativo cai na antijuridicidade o tipo e a
culpabilidade satildeo puramente descritivos
O sistema acaba com a seguinte feiccedilatildeo o tipo compreende os elementos objetivos e
descritivos a antijuridicidade o que houver de objetivo e normativo e a culpabilidade o
subjetivo e descritivo O tipo eacute a descriccedilatildeo objetiva de uma modificaccedilatildeo no mundo exterior
A antijuridicidade eacute definida formalmente como contrariedade da accedilatildeo tiacutepica a uma norma
do direito que se fundamenta simplesmente na ausecircncia de causas de justificaccedilatildeo E a
culpabilidade eacute psicologisticamente conceituada como a relaccedilatildeo psiacutequica entre o agente o
fato
Este meacutetodo naturalista de construccedilatildeo de conceitos jaacute foi objeto de muitas criacuteticas
com as quais ateacute estaacute familiarizado o estudante brasileiro Aleacutem de ser incapaz de resolver
inuacutemeros problemas sem cair em contradiccedilotildees[8]
apontaremos as duas que julgamos
fundamentais o direito como sistema de valores nada tem a fazer com categorias
avaloradas O fato por ex de a causa ser a accedilatildeo sem a qual o resultado natildeo teria ocorrido[9]
natildeo implica em que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um
delito consumado O naturalismo consequente se vecirc obrigado a chamar de aduacuteltero aquele
constroacutei a cama no qual se consuma o adulteacuterio declarando a accedilatildeo de construir a cama
tiacutepica e iliacutecita porque causadora da resultado para tentar livrar o marceneiro de pena
mediante consideraccedilotildees de culpabilidade (o que observe-se nem sempre seraacute possiacutevel) O
conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da
importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna
objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o
mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a
filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]
parte do pressuposto de que o ser eacute capaz
de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser
jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia
O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina
que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo
desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente
correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que
constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente
absurdo
IV - O sistema neokantiano
O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma
positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo
(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas
ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por
possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]
Enquanto as ciecircncias
naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias
da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o
que implica em referi-los a finalidades e a valores
Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um
sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com
criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a
fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no
passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que
eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel
Em alguns autores[12]
o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se
comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria
O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma
modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva
portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto
antijuridicidade tipificada[13]
em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos
A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns
autores[14]
a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de
justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade
A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se
material lesividade social[15]
Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica
das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias
que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]
ou aquelas
accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]
A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]
juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela
praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]
Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e
naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade
de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um
aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]
incapaz de resolver sem atritos problemas
como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do
delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo
classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado
permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo
Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de
ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que
foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto
que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis
natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]
) logo acaba-se
esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade
tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem
Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem
duacutevida deve procurar respeitar[22]
e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica
devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito
Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em
vaacuterias questotildees[23]
isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como
pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os
quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial
neokantiano o relativismo valorativo[24]
O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores
(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo
cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo
hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins
que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o
funcionalismo como adiante veremos[25]
V - O sistema finalista
O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando
o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo
impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna
possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas
nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao
chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver
descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos
cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas
bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas
gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]
Qualquer
valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
conhecimento da realidade preacute-juriacutedica natildeo resolve problemas juriacutedicos Tudo depende da
importacircncia que confere o direito ao fato natural de uma valoraccedilatildeo de que este se torna
objeto a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural adentrando o
mundo do juriacutedico Enfim o primeiro defeito do naturalismo eacute incorrer naquilo que a
filosofia moral chama de falaacutecia naturalista[10]
parte do pressuposto de que o ser eacute capaz
de resolver os problemas do dever ser ou noutras palavras de que aquilo que eacute soacute por ser
jaacute deve ser o que eacute uma evidente falaacutecia
O segundo defeito eacute o caraacuteter classificatoacuterio e formalista do sistema que imagina
que todos os problemas estatildeo de antematildeo resolvidos pela lei bastando a subsunccedilatildeo
desvalorada e automaacutetica para dar-lhes o tratamento mais justo e poliacutetico-criminalmente
correto Assim eacute que por ex o nosso marceneiro se soubesse (dolo) que a cama que
constroacutei seria usada em um adulteacuterio teria de responder por adulteacuterio o que eacute um evidente
absurdo
IV - O sistema neokantiano
O sistema neokantiano ou neoclaacutessico do delito eacute fruto da superaccedilatildeo do paradigma
positivista-naturalista dentro do direito Com a filosofia de valores do sudoeste alematildeo
(Windelband Rickert) ao lado das ciecircncias naturais satildeo revalorizadas as agora chamadas
ciecircncias da cultura que voltam a merecer a denominaccedilatildeo de ciecircncia sobretudo por
possuiacuterem um meacutetodo proacuteprio o meacutetodo referido a valores[11]
Enquanto as ciecircncias
naturais se limitam a explicar fatos submetendo-os agrave categoria da causalidade as ciecircncias
da cultura querem compreendecirc-los ndash satildeo ciecircncias compreensivas e natildeo soacute explicativas ndash o
que implica em referi-los a finalidades e a valores
Substitui-se portanto a dogmaacutetica formalista-classificatoacuteria do naturalismo por um
sistema teleoloacutegico referido a valores Ao inveacutes de distribuir as elementares de acordo com
criteacuterios formais pelos diferentes pressupostos do delito comeccedilou-se por buscar a
fundamentaccedilatildeo material das diferentes categorias sistemaacuteticas para que se pudesse no
passo seguinte proceder agrave construccedilatildeo teleoloacutegica dos conceitos de modo a permitir que
eles atendessem agrave sua finalidade do modo mais perfeito possiacutevel
Em alguns autores[12]
o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se
comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria
O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma
modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva
portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto
antijuridicidade tipificada[13]
em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos
A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns
autores[14]
a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de
justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade
A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se
material lesividade social[15]
Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica
das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias
que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]
ou aquelas
accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]
A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]
juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela
praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]
Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e
naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade
de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um
aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]
incapaz de resolver sem atritos problemas
como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do
delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo
classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado
permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo
Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de
ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que
foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto
que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis
natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]
) logo acaba-se
esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade
tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem
Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem
duacutevida deve procurar respeitar[22]
e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica
devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito
Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em
vaacuterias questotildees[23]
isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como
pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os
quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial
neokantiano o relativismo valorativo[24]
O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores
(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo
cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo
hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins
que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o
funcionalismo como adiante veremos[25]
V - O sistema finalista
O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando
o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo
impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna
possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas
nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao
chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver
descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos
cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas
bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas
gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]
Qualquer
valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
Em alguns autores[12]
o conceito de accedilatildeo perde sua importacircncia preferindo-se
comeccedilar de pronto com o tipo tendecircncia essa poreacutem que natildeo parece ter sido majoritaacuteria
O tipo eacute compreendido materialmente deixando de ser a descriccedilatildeo de uma
modificaccedilatildeo no mundo exterior para tornar-se descriccedilatildeo de uma accedilatildeo socialmente lesiva
portanto antijuriacutedica isto eacute o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto
antijuridicidade tipificada[13]
em que tambeacutem existem elementos subjetivos e normativos
A distinccedilatildeo entre tipo e antijuridicidade perde sua importacircncia florescendo em alguns
autores[14]
a teoria dos elementos negativos do tipo que vecirc na ausecircncia de causas de
justificaccedilatildeo um pressuposto da proacutepria tipicidade
A antijuridicidade deixa de ser formal contrariedade agrave norma para tornar-se
material lesividade social[15]
Com isso abriu-se espaccedilo para a sistematizaccedilatildeo teleoloacutegica
das causas de justificaccedilatildeo e para a busca de seu fundamento que era buscado em teorias
que consideravam liacutecito o fato que fosse ldquoum justo meio para um justo fimrdquo[16]
ou aquelas
accedilotildees ldquomais uacuteteis que danosasrdquo[17]
A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa[18]
juiacutezo de reprovaccedilatildeo pela
praacutetica do iliacutecito tiacutepico Florescem as discussotildees em torno do conceito de exigibilidade[19]
Em virtude da criacutetica finalista que reuniu ambos os sistemas neokantiano e
naturalista sob o mesmo roacutetulo de causalistas chegou-se mesmo a desprezar a capacidade
de rendimento do meacutetodo referido a valores acusando-o de natildeo passar de um
aprofundamento nos dogmas do positivismo[20]
incapaz de resolver sem atritos problemas
como o da tentativa Poreacutem como se veraacute logo adiante a materializaccedilatildeo das categorias do
delito e a construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos que escapam tanto ao formalismo
classificatoacuterio como agrave falaacutecia naturalista do sistema anterior compotildeem justamente o legado
permanente do neokantismo que hoje natildeo cessa de ser valorizado pelo funcionalismo
Poreacutem e neste ponto a criacutetica do finalismo que logo abaixo veremos natildeo deixa de
ter sua razatildeo o neokantismo pagou um preccedilo alto para livrar-se da falaacutecia naturalista que
foi isolar-se da realidade num normativismo extremo O neokantiano parte do pressuposto
que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicaacuteveis
natildeo havendo a menor relaccedilatildeo entre eles (dualismo metodoloacutegico[21]
) logo acaba-se
esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade
tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem
Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem
duacutevida deve procurar respeitar[22]
e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica
devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito
Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em
vaacuterias questotildees[23]
isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como
pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os
quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial
neokantiano o relativismo valorativo[24]
O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores
(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo
cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo
hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins
que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o
funcionalismo como adiante veremos[25]
V - O sistema finalista
O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando
o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo
impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna
possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas
nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao
chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver
descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos
cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas
bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas
gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]
Qualquer
valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
esquecendo que o direito estaacute em constantes relaccedilotildees com a realidade e que a realidade
tambeacutem influi sobre o direito mais que direito e realidade se interpenetram e confundem
Os objetos de regulamentaccedilatildeo possuem certas estruturas interiores a que o direito sem
duacutevida deve procurar respeitar[22]
e muitos dados fornecidos pela observaccedilatildeo empiacuterica
devem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemaacutetica do delito
Se natildeo conseguiu o neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatoacuterios em
vaacuterias questotildees[23]
isso se deve natildeo agrave deficiecircncia do meacutetodo referido a valores como
pensam os finalistas mas especialmente agrave desordem dos pontos de vista valorativos com os
quais os neokantianos trabalhavam consequecircncia direta de um postulado essencial
neokantiano o relativismo valorativo[24]
O neokantiano chega ateacute a referir-se a valores
(meacutetodo referido a valores) mas natildeo opta entre eles por julgar uma tal opccedilatildeo
cientificamente impossiacutevel E eacute aqui na substituiccedilatildeo de valoraccedilotildees difusas e natildeo
hierarquizadas do neokantismo por valoraccedilotildees poliacutetico-criminais referidas agrave teoria dos fins
que possuem a pena e o direito penal dentro de um Estado material de direito que assenta o
funcionalismo como adiante veremos[25]
V - O sistema finalista
O sistema finalista tenta superar o dualismo metodoloacutegico do neokantismo negando
o axioma sobre o qual ele assenta o de que entre ser e dever ser existe um abismo
impossiacutevel de ultrapassar A realidade para o finalista jaacute traz em si uma ordem interna
possui uma loacutegica intriacutenseca a loacutegica da coisa (Sachlogik) O direito natildeo pode flutuar nas
nuvens do dever ser vez que o que vai regular eacute a realidade Deve portanto descer ao
chatildeo estudar essa realidade submetecirc-la a uma anaacutelise fenomenoloacutegica e soacute apoacutes haver
descoberto suas estruturas internas passar para a etapa da valoraccedilatildeo juriacutedica ldquoOs conceitos
cientiacuteficos natildeo satildeo variadas bdquocomposiccedilotildees‟ de um material idecircntico e avalorado mas
bdquoreproduccedilotildees‟ de pedaccedilos de um complexo ser ocircntico ao qual satildeo imanentes estruturas
gerais e diferenccedilas valorativas que natildeo foram fruto da criaccedilatildeo do cientistardquo[26]
Qualquer
valoraccedilatildeo que desrespeite a loacutegica da coisa seraacute forccedilosamente errocircnea[27]
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
A primeira dessas estruturas que importam para o direito cuja loacutegica intriacutenseca ele
deve respeitar (chamadas estruturas loacutegico-reais ndash sachlogische Strukturen) eacute a natureza
finalista do agir humano[28]
O homem soacute age finalisticamente logo se o direito quer
proibir accedilotildees soacute pode proibir accedilotildees finalistas[29]
Daiacute decorre entre outras coisas que o
dolo deva pertencer ao tipo o dolo eacute o nome que recebe a finalidade eacute a valoraccedilatildeo juriacutedica
que se faz sobre esta estrutura loacutegico-real assim que ela se dirija agrave realizaccedilatildeo de um tipo[30]
Eacute sobre o conceito de accedilatildeo que se edifica todo o sistema ldquoA teoria da accedilatildeo agora
desenvolvida eacute a proacutepria teoria do bdquodelito‟rdquo diz WELZEL[31]
Todas as categorias do delito
satildeo referidas a conceitos preacute-juriacutedicos obtidas por mera deduccedilatildeo confiando-se na loacutegica
intriacutenseca do objeto que se vai regular
O tipo torna-se a descriccedilatildeo de uma accedilatildeo proibida ndash deixa de ser um tipo de injusto
tipificaccedilatildeo de antijuridicidade para tornar-se um tipo indiciaacuterio no qual se enxerga a
mateacuteria de proibiccedilatildeo (Verbotsmaterie)[32]
Como soacute se podem proibir accedilotildees finais o dolo
integra o tipo Da mesma forma que os tipos satildeo vistos formalmente como meras normas
proibitivas tambeacutem as causas de justificaccedilatildeo natildeo passam de tipos permissivos E como tecircm
por objeto accedilotildees finalistas surge a exigecircncia do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo
O iliacutecito materialmente deixa de centrar-se no dano social ou ao bem juriacutedico para
configurar um iliacutecito pessoal (personales Unrecht)[33]
consubstanciado fundamentalmente
no desvalor da accedilatildeo[34]
cujo nuacutecleo por sua vez eacute a finalidade
A culpabilidade por sua vez torna-se juiacutezo de reprovaccedilatildeo calcado sobre a estrutura
loacutegico-real do livre arbiacutetrio do poder agir de outra maneira[35]
O homem porque capaz de
comportar-se de acordo com o direito eacute responsaacutevel quando natildeo age desta forma
Sem duacutevida foi sadio o apelo do finalismo a que atentaacutessemos para as estruturas
loacutegico-reais Poreacutem se o neokantismo pocircde ser criticado por seu excessivo normativismo o
finalismo que de iniacutecio tentou superaacute-lo negando a separaccedilatildeo entre ser e dever ser (o
dualismo metodoloacutegico) depois voltou a ela e pior pondo a tocircnica no ser No esforccedilo de
polemizar com o neokantismo acabou o finalismo voltando agrave falaacutecia naturalista
pensando que o conhecimento da estrutura preacute-juriacutedica jaacute resolvia por si soacute o problema
juriacutedico[36]
E certos finalistas foram tatildeo longe em seu culto agraves estruturas loacutegico-reais que
sob o argumento de que ldquoo direito soacute pode proibir accedilotildees finalistasrdquo baniram o resultado do
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
iliacutecito declarando a tentativa inidocircnea ou crime impossiacutevel o protoacutetipo do delito que
merecia a mesma pena da consumaccedilatildeo[37]
Mas natildeo eacute soacute na falaacutecia naturalista que se
aproxima o finalismo do sistema claacutessico como tambeacutem no dedutivismo formalista e
classificatoacuterio A materializaccedilatildeo das categorias do delito meacuterito imorredouro do
neokantismo foi por vezes esquecida O tipo tornou-se formal mera mateacuteria de proibiccedilatildeo
assim tambeacutem a antijuridicidade parece voltar a ser inexistecircncia de excludentes de ilicitude
Tambeacutem a importacircncia excessiva dada ao posicionamento sistemaacutetico de certos elementos
ndash se o dolo estaacute no tipo ou na culpabilidade ndash demonstra a tendecircncia classificatoacuteria[38]
Por fim e esta talvez seja a criacutetica mais demolidora o finalismo apoacutes dar inuacutemeras
contribuiccedilotildees imorredouras para a teoria do delito parece ter-se esgotado em sua
capacidade de rendimento O mais autorizado representante do finalismo HIRSCH[39]
parece nada mais fazer que criticar tudo que vem sido criado desde a morte de seu professor
WELZEL chegando mesmo a declarar ldquoduvidoso que apoacutes o esforccedilo espiritual empenhado
durante deacutecadas na construccedilatildeo do atual sistema juriacutedico-penal seja pensaacutevel erigir um
novordquo[40]
os recentes avanccedilos parecem-lhe motivados por um infantil ldquoafatilde de novidaderdquo[41]
O sistema dos finalistas eterno e atemporal[42]
pretende fornecer soluccedilotildees acabadas o que
natildeo passa de uma confissatildeo de sua incapacidade de fornecer respostas a complexos
problemas normativos Afinal o que podem dizer as estruturas loacutegico-reais a respeito por
exemplo do iniacutecio da execuccedilatildeo na tentativa ou da escusabilidade do erro de proibiccedilatildeo ou
da concretizaccedilatildeo do dever de cuidado no delito negligente Nada mais do que algo bem
geneacuterico que precisaraacute ser precisado agrave luz de outras consideraccedilotildees[43][44]
VI - O sistema funcionalista ou teleoloacutegico-racional
Feitas essas consideraccedilotildees histoacutericas voltemos os olhos para a atualidade[45]
O que
eacute o funcionalismo Em primeiro lugar deixemos claro que natildeo existe um funcionalismo
mas diversos Podemos mesmo assim utilizar como uma primeira aproximaccedilatildeo a que
formula um de seus mais destacados partidaacuterios ROXIN[46]
ldquoOs defensores deste
movimento estatildeo de acordo ndash apesar das muitas diferenccedilas quanto ao resto ndash em que a
construccedilatildeo do sistema juriacutedico penal natildeo deve vincular-se a dados ontoloacutegicos (accedilatildeo
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
causalidade estruturas loacutegico-reais entre outros) mas sim orientar-se exclusivamente pelos
fins do direito penalrdquo
Satildeo retomados portanto todos os avanccedilos imorredouros do neokantismo a
construccedilatildeo teleoloacutegica de conceitos a materializaccedilatildeo das categorias do delito
acrescentando-se poreacutem uma ordem a esses pontos de vista valorativos eles satildeo dados
pela missatildeo constitucional do direito penal que eacute proteger bens juriacutedicos atraveacutes da
prevenccedilatildeo geral ou especial[47]
Os conceitos satildeo submetidos agrave funcionalizaccedilatildeo isto eacute
exige-se deles que sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema
alcanccedilando consequecircncias justas e adequadas[48]
A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista Se
o delito eacute o conjunto de pressupostos da pena devem ser estes construiacutedos tendo em vista
sua consequecircncia e os fins desta A pena retributiva eacute rechaccedilada em nome de uma pena
puramente preventiva que visa a proteger bens juriacutedicos ou operando efeitos sobre a
generalidade da populaccedilatildeo (prevenccedilatildeo geral) ou sobre o autor do delito (prevenccedilatildeo
especial) Mas enquanto as concepccedilotildees tradicionais[49]
da prevenccedilatildeo geral visavam
primeiramente intimidar potenciais criminosos (prevenccedilatildeo geral de intimidaccedilatildeo ou
prevenccedilatildeo geral negativa) hoje ressaltam-se em primeiro lugar os efeitos da pena sobre a
populaccedilatildeo respeitadora do direito que tem sua confianccedila na vigecircncia faacutetica das normas e
dos bens juriacutedicos reafirmada (prevenccedilatildeo geral de integraccedilatildeo ou prevenccedilatildeo geral
positiva)[50]
Ao lado desta finalidade principal legitimadora da pena surge tambeacutem a
prevenccedilatildeo especial que eacute aquela que atua sobre a pessoa do delinquente para ressocializaacute-
lo (prevenccedilatildeo especial positiva) ou pelo menos impedir que cometa novos delitos
enquanto segregado (prevenccedilatildeo especial negativa) E a categoria do delito que mais
fortemente vem sendo afetada pela ideacuteia da prevenccedilatildeo eacute a da culpabilidade como veremos
logo abaixo[51]
Um exemplo esclareceraacute a diferenccedila entre o meacutetodo finalista e o funcionalista a
definiccedilatildeo de dolo eventual e sua delimitaccedilatildeo da culpa consciente WELZEL[52]
resolve o
problema atraveacutes de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas sem perguntar um instante
sequer pela valoraccedilatildeo juriacutedico-penal a finalidade eacute vontade de realizaccedilatildeo
(Verwirklichungswille) como tal ela compreende natildeo soacute o que autor efetivamente almeja
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
como as consequecircncias que sabe necessaacuterias e as que considera possiacuteveis e que assume o
risco de produzir Assim sendo conclui WELZEL que o dolo por ser finalidade juriacutedico-
penalmente relevante finalidade dirigida agrave realizaccedilatildeo de um tipo abrange as consequecircncias
tiacutepicas cuja produccedilatildeo o autor assume o risco de produzir O preacute-juriacutedico natildeo eacute modificado
pela valoraccedilatildeo juriacutedica a finalidade permanece finalidade ainda que agora seja chamada de
dolo[53]
O funcionalista jaacute formula a sua pergunta de modo distinto Natildeo lhe interessa
primariamente ateacute que ponto vaacute a estrutura loacutegico-real da finalidade pois ainda que uma tal
coisa exista e seja univocamente cognosciacutevel[54]
o problema que se tem agrave frente eacute um
problema juriacutedico normativo a saber o de quando se mostra necessaacuteria e legiacutetima a pena
por crime doloso[55]
O funcionalista sabe que quanto mais exigir para o dolo mais
acrescenta na liberdade dos cidadatildeos agraves custas da proteccedilatildeo de bens juriacutedicos e quanto
menos exigecircncias formular para que haja dolo mais protege bens juriacutedicos e mais limita a
liberdade dos cidadatildeos Eacute essa tensatildeo liberdade versus proteccedilatildeo que permeia o sistema
como um todo natildeo se podendo esquecer que a intervenccedilatildeo do direito penal deve aleacutem de
ser eficaz mostrar-se legiacutetima o que exige o respeito a princiacutepios como o da
subsidiariedade e da culpabilidade Partindo de tais pressupostos ROXIN[56][57]
procura
definir o dolo como decisatildeo contra o bem juriacutedico pois soacute uma tal decisatildeo justificaria uma
pena mais grave Jaacute W FRISCH que dedicou valiosa monografia ao tema conceitua o dolo
como o conhecimento da dimensatildeo do risco juridicamente relevante da conduta Parte este
autor da dupla ratio da apenaccedilatildeo pelo dolo segundo ele a decisatildeo em contraacuterio ao bem
juriacutedico e o poder superior de evitaccedilatildeo do risco E apoacutes minucioso exame conclui estarem
ambos os pressupostos presentes de modo suficiente naquele que conhece a dimensatildeo do
risco natildeo permitido de sua conduta[58]
de modo que quem sabe agir aleacutem do risco
permitido age dolosamente
Numa siacutentese o finalista pensa que a realidade eacute uniacutevoca (primeiro engano) e que
basta conhececirc-la para resolver os problemas juriacutedicos (segundo engano - falaacutecia
naturalista) o funcionalista admite serem vaacuterias as interpretaccedilotildees possiacuteveis da realidade do
modo que o problema juriacutedico soacute pode ser resolvido atraveacutes de consideraccedilotildees axioloacutegicas ndash
isto eacute que digam respeito agrave eficaacutecia e agrave legitimidade da atuaccedilatildeo do direito penal
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
Como dito acima haacute vaacuterios funcionalismos por razotildees de espaccedilo soacute seraacute possiacutevel
fazer algumas consideraccedilotildees a respeito do sistema de dois dos autores mais significativos
ROXIN e JAKOBS apoacutes o que adentraremos as discussotildees a respeito de temas especiacuteficos
da teoria do delito
O que caracteriza o sistema de ROXIN eacute a sua tonalidade poliacutetico-criminal Jaacute em
1970 dizia esse autor ser incompreensiacutevel que a dogmaacutetica penal continuasse a ater-se ao
dogma liszteano segundo o qual o direito penal eacute a fronteira intransponiacutevel da poliacutetica
criminal[59]
Poliacutetica criminal e direito penal deviam isso sim integrar-se trabalhar juntos
sendo este muito mais ldquoa forma atraveacutes da qual as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais podem ser
transferidas para o modo da vigecircncia juriacutedicardquo[60]
Logo o trabalho do dogmaacutetico eacute
identificar que valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito e
funcionalizaacute-lo isto eacute construi-lo e desenvolvecirc-lo de modo a que atenda essa funccedilatildeo da
melhor maneira possiacutevel No esboccedilo de 1970 cabia ao tipo desempenhar a funccedilatildeo de
realizar o princiacutepio nullum crimen sine lege agrave antijuridicidade resolver conflitos sociais e
agrave culpabilidade (que ele chama de responsabilidade) dizer quando um comportamento
iliacutecito merece ou natildeo ser apenado por razotildees de prevenccedilatildeo geral ou especial[61][62]
Mas se o sistema de ROXIN substitui as difusas valoraccedilotildees neokantianas por
valoraccedilotildees especificamente poliacutetico-criminais ndash no que supera o relativismo valorativo[63]
ndash
ele natildeo cai no defeito acima apontado do normativismo extremo nem no dualismo
metodoloacutegico Daacute-se isso sim uma atenccedilatildeo minuciosa agrave mateacuteria juriacutedica ao objeto de
regulamentaccedilatildeo de modo a natildeo deixar escapar nenhuma peculiaridade relevante O direito
tem de sensibilizar-se para as diferenccedilas entre casos aparentemente iguais pois soacute assim
conseguiraacute concretizar o postulado de justiccedila que exige que trate de modo diferente os
diferentes[64]
ROXIN entende que a valoraccedilatildeo poliacutetico-criminal natildeo eacute mais que um
primeiro passo o fundamento dedutivo do sistema poreacutem esta deduccedilatildeo deve ser
complementada pela induccedilatildeo isto eacute por um exame minucioso da realidade e dos problemas
com os quais se defrontaraacute o valor que deve ser agora concretizado nesses diferentes
grupos de casos E um mesmo valor traraacute ora essas ora aquelas consequecircncias dependendo
das peculiaridades da mateacuteria regulada[65]
O pensamento de ROXIN entende-se como uma
siacutentese do ontoloacutegico com o valorativo[66]
devendo o jurista proceder dedutiva e
indutivamente ao mesmo tempo[67]
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
Um exemplo esclareceraacute o que se estaacute a dizer Um dos temas mais aacuterduos jaacute
enfrentados pela doutrina estaacute em delimitar quando haacute o iniacutecio da execuccedilatildeo da tentativa
separando este momento dos meros atos preparatoacuterios impunes Modernamente vem
adotando-se a teoria welzeliana inclusive sancionada pelo sect 22 do StGB segundo a qual
ldquointenta um fato puniacutevel aquele que conforme a sua representaccedilatildeo do fato daacute iniacutecio a atos
imediatamente anteriores agrave realizaccedilatildeo do tipordquo[68]
(chamada teoria individual-objetiva)
Poreacutem o que significa isso o que satildeo atos imediatamente precedentes agrave realizaccedilatildeo do tipo
Aqui chegamos no limite da deduccedilatildeo A foacutermula dedutiva seraacute sempre vaga e geneacuterica Natildeo
constituiraacute mais do que uma ldquolinha de orientaccedilatildeordquo[69]
Eacute preciso complementaacute-la
concretizaacute-la aproximando-a dos casos em que seraacute aplicada daiacute a necessidade do
pensamento indutivo atraveacutes da composiccedilatildeo de grupos de casos ROXIN comeccedila com a
tentativa inacabada do autor singular[70]
propondo um duplo criteacuterio haveraacute tentativa assim
que se possa falar em pertubaccedilatildeo da esfera da viacutetima e proximidade temporal entre a
conduta do autor e a produccedilatildeo do resultado[71]
E satildeo propostos novos grupos de casos sub-
concretizaccedilotildees deste criteacuterio jaacute concretizado assim por ex quando os autores ficam de
tocaia agrave espera da viacutetima[72]
casos em que o autor realiza a circunstacircncia qualificadora
mas natildeo o delito base qualificado[73]
etc E estes paracircmetros natildeo serviratildeo para a autoria
mediata e para as omissotildees[74]
aqui seraacute necessaacuterio efetuar novas concretizaccedilotildees do criteacuterio
individual-objetivo Desta forma o doutrinador consegue entregar ao juiz criteacuterios claros de
decisatildeo e natildeo meras foacutermulas vazias contribuindo para a realizaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica
e do princiacutepio da igualdade
No final das contas eacute a ldquoresistecircncia da coisardquo (Widerstand der Sache) que serve de
indiacutecio do acerto da concretizaccedilatildeo do valor quanto menores os atritos entre o conceito e
objeto a que ele se refere quanto mais faacutecil e naturalmente venham surgindo as soluccedilotildees
maiores as probabilidades de que o resultado do trabalho dogmaacutetico signifique um
acerto[75]
Num resumo final o sistema de ROXIN apresenta-se como uma siacutentese entre
pensamento dedutivo (valoraccedilotildees poliacutetico-criminais) e indutivo (composiccedilatildeo de grupos de
casos) o que eacute algo profundamente fecundo porque se esforccedila por atender a uma soacute vez
as exigecircncias de seguranccedila e de justiccedila ambas inerentes agrave ideacuteia de direito[76]
Mas tambeacutem
natildeo cai ROXIN no normativismo extremo pois que permanece sempre atento agrave resistecircncia
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
da coisa sem contudo render culto agraves estruturas loacutegico-reais como faz o finalismo
ortodoxo garantindo a abertura e o dinamismo do sistema
Jaacute JAKOBS funcionaliza natildeo soacute os conceitos dentro do sistema juriacutedico-penal
como tambeacutem este dentro de uma teoria funcionalista-sistecircmica da sociedade baseada nos
estudos socioloacutegicos de NIKLAS LUHMANN[77]
Simplificadamente eacute isto o que diz o
socioacutelogo de Bielefeld o mundo em que vivem os homens eacute um mundo pleno de
sentido[78]
As possibilidades do agir humano satildeo inuacutemeras e aumentam com o grau de
complexidade da sociedade em questatildeo[79]
O homem natildeo estaacute soacute mas interage e ao tomar
consciecircncia da presenccedila dos outros surge um ldquoelemento de perturbaccedilatildeordquo[80]
natildeo se sabe ao
certo o que esperar do outro nem tampouco o que o outro espera de noacutes Este conceito o
de expectativa desempenha um valor central na teoria de LUHMANN satildeo as expectativas
e as expectativas de expectativas que orientam o agir e o interagir dos homens em
sociedade reduzindo a complexidade tornando a vida mais previsiacutevel e menos insegura
E eacute justamente para assegurar estas expectativas mesmo a despeito de natildeo serem
elas sempre satisfeitas que surgem os sistemas sociais[81]
Eles fornecem aos homens
modelos de conduta indicando-lhes que expectativas podem ter em face dos outros
LUHMANN prossegue distinguindo duas espeacutecies de expectativas as cognitivas e as
normativas[82]
As primeiras satildeo aquelas que deixam de subsistir quando violadas o
expectador adapta sua expectativa agrave realidade que lhe eacute contraacuteria aprende deixa de
esperar Jaacute expectativas normativas mantecircm-se a despeito de sua violaccedilatildeo o expectador
exige que a realidade se adapte agrave expectativa e esta continua a valer mesmo contra os fatos
(contrafaticamente) O errado era a realidade natildeo a expectativa Daiacute surge o conceito de
norma ldquonormas satildeo expectativas de comportamento estabilizadas contrafaticamenterdquo[83]
Mas as expectativas normativas natildeo se podem decepcionar sempre pois acabam perdendo a
credibilidade Daiacute porque a necessidade de um ldquoprocessamento das decepccedilotildeesrdquo[84]
a
decepccedilatildeo deve gerar alguma reaccedilatildeo que reafirme a validade da norma Uma dessas reaccedilotildees
eacute a sanccedilatildeo[85]
O direito tambeacutem eacute um sistema social[86]
composto de normas que quando
violadas geram decepccedilotildees as quais por sua vez tornam patente a necessidade de
reafirmaccedilatildeo das expectativas No direito penal isto ocorre atraveacutes da pena que eacute definida
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
por JAKOBS[87]
como ldquodemonstraccedilatildeo da vigecircncia da norma agraves custas de um sujeito
competenterdquo
A causalidade e a finalidade dados ontoloacutegicos sobre os quais se edificavam o
sistema naturalista e finalista agora satildeo substituiacutedos pelo conceito normativo de
competecircncia[88]
A vida em sociedade torna cada pessoa portadora de um determinado papel
ndash pedestre motorista esportista eleitor ndash que consubstancia um feixe de expectativas Cada
qual e natildeo soacute o autor de crimes omissivos improacuteprios como na doutrina tradicional eacute
garante dessas expectativas[89]
A posiccedilatildeo de garante que decorre dessa adscriccedilatildeo de um
acircmbito de competecircncia a um determinado indiviacuteduo eacute pressuposto de todo iliacutecito quer
comissivo quer omissivo Compete a cada uma dessas pessoas organizar seu ciacuterculo de
interaccedilotildees de maneira a natildeo violar as normas penais a natildeo gerar decepccedilotildees Surgem assim
os delitos por competecircncia organizacional[90]
Mas ao lado desse dever geneacuterico de
controlar os perigos emanados da proacutepria organizaccedilatildeo social que possui conteuacutedo
meramente negativo haacute expectativas de comportamento positivo que exigem do sujeito
que cumpra determinada prestaccedilatildeo em nome de alguma instituiccedilatildeo social satildeo estes os
delitos por competecircncia institucional[91]
A distinccedilatildeo entre delitos comissivos e omissivos
fundamental nos sistemas de base ontologista deixa de ter tamanha importacircncia surgindo
em seu lugar a distinccedilatildeo entre delitos por competecircncia de organizaccedilatildeo e delitos por
competecircncia de instituiccedilatildeo[92]
Uma vez violada a expectativa organizacional ou institucional (isto eacute uma vez
constituiacutedo o injusto) procura o direito explicar tal fato[93]
de alguma maneira ou atraveacutes
do acaso ndash estado de necessidade culpa da viacutetima etc ndash ou atraveacutes da imputaccedilatildeo de defeito
de motivaccedilatildeo um sujeito determinado[94]
Neste segundo caso formula-se o chamado juiacutezo
de culpabilidade que declara o sujeito competente pela violaccedilatildeo da norma ou seja fixa que
eacute agraves suas custas que a norma deveraacute ser reestabilizada
E se o direito penal quer cumprir sua funccedilatildeo de reestabilizar expectativas violadas
deve construir seu aparato conceitual teleologicamente de modo a melhor atendecirc-la ldquo
isto leva a uma renormativizaccedilatildeo dos conceitos A partir desta perspectiva um sujeito natildeo eacute
aquele que causa ou pode evitar um acontecimento mas aquele que pode ser competente
para tanto Assim tambeacutem conceitos como causalidade poder capacidade culpabilidade
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
perdem seu conteuacutedo preacute-juriacutedico e transformam-se em conceitos de etapas de
competecircnciasrdquo[95]
Toda a teoria do delito portanto transforma-se numa teoria da
imputaccedilatildeo[96]
e a pergunta quanto a se algueacutem cometeu um crime deve ser entendida como
se eacute preciso punir algueacutem para reafirmar a validade da norma e reestabilizar o sistema
JAKOBS se mostra plenamente ciente de quanto seu sistema tem de chocante[97]
e
de fato haacute muito de criticaacutevel em sua teoria Natildeo tanto o normativismo[98]
porque apesar da
funcionalizaccedilatildeo total dos conceitos o embasamento socioloacutegico garante o contato com a
realidade[99]
mas especialmente por tratar-se de um sistema obcecado pela eficiecircncia um
sistema que se preocupa sobremaneira com os fins e acaba por esquecer se os meios de que
se vale satildeo verdadeiramente legiacutetimos[100]
Ainda assim eacute inegaacutevel que os esforccedilos de
JAKOBS abriram novos horizontes para a resoluccedilatildeo de inuacutemeros problemas[101]
demonstrando a necessidade e a produtividade de permear antigas categorias sistemaacuteticas
com consideraccedilotildees sobre os fins da pena[102]
VII - A moderna discussatildeo dos conceitos da parte geral
Vamos dar iniacutecio agora a um raacutepido passeio pela dogmaacutetica da parte geral
reconstruiacuteda funcionalmente[103]
Longe de mumificar-se em dogmas e ortodoxias os
paracircmetros poliacutetico-criminais do funcionalismo abertos e plenos de sentido[104]
datildeo espaccedilo
a inuacutemeras possibilidades de construccedilatildeo o que assegura uma discussatildeo rica e produtiva
a) Conceito de accedilatildeo O conceito de accedilatildeo sem duacutevida alguma perdeu sua
majestade Reconhece-se que se o que importa satildeo primariamente consideraccedilotildees
valorativas natildeo haacute como esperar de um conceito de accedilatildeo preacute-juriacutedico as respostas para os
intrincados problemas juriacutedicos e nisso estatildeo todos de acordo Podem-se apontar trecircs
posiccedilotildees baacutesicas
A primeira eacute a dos autores que se valem de um conceito de accedilatildeo preacute-tiacutepico se bem
que natildeo preacute-juriacutedico ROXIN[105]
por ex defende uma teoria pessoal da accedilatildeo que vecirc na
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
conduta uma ldquoexteriorizaccedilatildeo da personalidaderdquo JAKOBS[106]
por sua vez define o
comportamento como ldquoa evitabilidade de uma diferenccedila de resultadordquo[107]
A segunda eacute a daqueles que se bem que utilizem um conceito de accedilatildeo natildeo o
posicionam anteriormente ao tipo mas dentro dele como um de seus momentos Assim eacute
que SCHMIDHAumlUSER[108]
inicialmente adepto do terceiro grupo (logo abaixo) acabou
por defender o que ele chama de teoria intencional da accedilatildeo
Um terceiro grupo[109]
despreza por completo o conceito de accedilatildeo natildeo soacute o
considerando elemento do tipo como recusando-se a defini-lo o que eacute tido como perda de
tempo A accedilatildeo acaba no mais das vezes sendo absorvida pela teoria da imputaccedilatildeo objetiva
b) Tipo e imputaccedilatildeo objetiva o tipo eacute renormativizado especialmente por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral Entende-se que um direito penal preventivo soacute pode
proibir accedilotildees que parecem antes de sua praacutetica perigosas para um bem juriacutedico do ponto
de vista do observador objetivo Accedilotildees que ex ante natildeo sejam dotadas da miacutenima
periculosidade natildeo geram riscos juridicamente relevantes sendo portanto atiacutepicas[110]
Surge portanto a filha querida do funcionalismo a teoria da imputaccedilatildeo objetiva
que reformula o tipo objetivo exigindo ao lado da causaccedilatildeo da lesatildeo ao bem juriacutedico ndash
com que se contentavam o naturalismo e depois o finalismo ndash que esta lesatildeo surja como
consequecircncia da criaccedilatildeo de um risco natildeo permitido e da realizaccedilatildeo deste risco no
resultado[111]
Assim nosso carpinteiro natildeo praticaria adulteacuterio porque sua accedilatildeo apesar de
causar a lesatildeo ao bem juriacutedico natildeo infringe a norma pois natildeo cria um risco juridicamente
relevante
c) Relaccedilotildees entre tipicidade e antijuridicidade com a renormativizaccedilatildeo do tipo
novamente se confundiram os limites entre tipo e antijuridicidade o que fez copiosa gama
de autores[112]
adotar a teoria dos elementos negativos do tipo para a qual as causas de
justificaccedilatildeo condicionariam a proacutepria tipicidade da conduta[113]
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
Outros autores[114]
tecircm uma construccedilatildeo assemelhada agrave de MEZGER ou seja apesar
de natildeo adotarem a teoria dos elementos negativos do tipo declaram o fato justificado
indiferente para o direito penal
Por fim um terceiro grupo[115]
manteacutem-se numa posiccedilatildeo mais tradicional
entendendo que o tipo e antijuridicidade devem permanecer em categorias distintas ou
porque os princiacutepios que as regem as valoraccedilotildees poliacutetico-criminais satildeo diferentes[116]
ou
porque haacute uma efetiva distacircncia axioloacutegica entre fato atiacutepico e fato justificado[117]
d) Posiccedilatildeo sistemaacutetica do dolo neste ponto os funcionalistas em regra mantecircm-se
fieacuteis ao que propunha o finalismo o dolo deve integrar o tipo sendo um momento da
conduta proibida[118]
Poreacutem estaacute-se de acordo que essa consequecircncia natildeo decorre de
maneira alguma de estruturas loacutegico-reais mas isso sim de uma valoraccedilatildeo juriacutedica
Ainda assim natildeo deixa de haver quem[119]
defenda o duplo posicionamento do dolo
e da culpa tanto no tipo como na culpabilidade Parte-se da consideraccedilatildeo de que o sistema
natildeo eacute formado por compartimentos estanques podendo um mesmo elemento ter relevacircncia
para mais de uma categoria sistemaacutetica[120]
Outros autores poreacutem dissecam o dolo situando cada elemento num determinado
estrato do sistema SCHMIDHAumlUSER[121]
por ex quer posicionar o momento volitivo do
dolo no tipo enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade O inverso parece
defender SCHUumlNEMANN[122]
para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo
do dolo a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a
vontade sendo chamado de ldquocomponente emocialrdquo)
e) Conteuacutedo do dolo e consciecircncia da ilicitude apesar de ainda manter-se
dominante[123]
a teoria da vontade que vecirc no dolo o ldquoconhecimento e vontade de realizaccedilatildeo
do tipo objetivordquo alguns autores[124]
vecircm defendendo enfaticamente a supressatildeo do
elemento volitivo do dolo que consideram desnecessaacuterio e injustificaacutevel
Quanto agrave consciecircncia da ilicitude as posiccedilotildees novamente satildeo as mais variadas Uma
vez que o dolo natildeo mais pode ser deduzido de consideraccedilotildees meramente ontoloacutegicas mas
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
sim axioloacutegicas pode-se apontar uma quase unanimidade entre os funcionalistas em
rechaccedilar a teoria estrita da culpabilidade defendida pelo finalismo ortodoxo[125][126]
Considera-se sob as mais diversas justificativas que o erro sobre a presenccedila de situaccedilatildeo
legitimante exclui o dolo mantendo-se a maioria dos doutrinadores proacutexima agrave teoria
limitada da culpabilidade[127]
Mas natildeo eacute raro encontrarem-se autores que rechaccedilam as teorias da culpabilidade em
ambas as suas formas[128]
e adotam a teoria do dolo Assim por ex OTTO[129]
defensor de
uma teoria modificada do dolo para quem a consciecircncia da ilicitude material (isto eacute da
lesividade social da lesatildeo a um bem juriacutedico) integra o dolo ficando a consciecircncia do
iliacutecito formal da proibiccedilatildeo como problema de culpabilidade
f) Culpa e dever de cuidado de acordo com a doutrina tradicional[130]
a culpa
pressuporia um duplo juiacutezo posicionando-se a falta do cuidado objetivo no tipo e a falta do
cuidado subjetivo na culpabilidade
Poreacutem desde a deacutecada de 70 vem ganhando adeptos[131]
a doutrina que entende que
o cuidado subjetivo deve ser entendido jaacute como um problema de tipo de modo que quando
o autor natildeo seja capaz de atender ao cuidado objetivo natildeo soacute seraacute inculpaacutevel mas sequer
agiraacute ilicitamente Adota-se como fundamentaccedilatildeo quase sempre a teoria das normas estas
soacute proiacutebem o possiacutevel pois ad impossibilia nemo tenetur
Uma terceira opiniatildeo[132]
quer funcionalizar o dever de cuidado de modo que ele
tenha seu limite miacutenimo demarcado objetivamente enquanto o limite maacuteximo seria fixado
de acordo com as capacidades do sujeito
g) Causas de justificaccedilatildeo da mesma forma que os tipos foram redefinidos a partir
de sua funccedilatildeo de servir agrave prevenccedilatildeo geral ndash soacute se proiacutebem comportamentos que ex ante
pareccedilam objetivamente perigosos ndash a adoccedilatildeo da perspectiva ex ante no juiacutezo sobre a
existecircncia dos pressupostos de justificaccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por vaacuterios autores[133]
Dado que a norma deve incidir no momento da praacutetica da conduta nenhum fato somente
verificaacutevel ex post pode alterar o seu caraacuteter liacutecito ou iliacutecito Daiacute porque os pressupostos
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
objetivos de justificaccedilatildeo natildeo teriam mais de existir efetivamente mas sim de ter alta
probabilidade de existir pouco importando que ex post se descubra que inexistiam Essa
construccedilatildeo poreacutem natildeo ficou sem adversaacuterios[134]
porque agrave primeira vista amplia
sobremaneira os efeitos da justificaccedilatildeo real confundindo-a com a justificaccedilatildeo putativa
mero problema de culpabilidade
Outra construccedilatildeo altamente controversa eacute a de GUumlNTHER[135]
o qual resolveu
criar ao lado das tradicionais causas de justificaccedilatildeo que transformam o fato em liacutecito
perante a ordem global do direito o que ele chama de ldquocausas de exclusatildeo do injusto penalrdquo
(Strafunrechtsausschlieszligungsgruumlnde)[136]
que se limitam a excluir o iliacutecito penal sem
contudo prejudicar a valoraccedilatildeo da parte dos outros ramos do direito O direito penal como
ultima ratio possui tambeacutem um iliacutecito especialmente qualificado especificamente penal
Seu iliacutecito eacute antes de tudo ldquoiliacutecito merecedor de penardquo (strafwuumlrdiges Unrecht)[137]
que
pode ser excluiacutedo sem que com isso se retire ao direito civil ou ao administrativo a
possibilidade de declararem o fato iliacutecito Para GUumlNTHER[138]
o consentimento do
ofendido seria uma dessas causas de exclusatildeo do iliacutecito penal vez que os seus requisitos no
direito penal e no civil satildeo distintos de modo que se torna impossiacutevel afirmar que o
consentimento do direito penal opera efeitos no civil
Os adversaacuterios desta construccedilatildeo sublinham primeiramente que ela rompe com o
postulado da unidade da ordem juriacutedica[139]
o que natildeo me parece correto vez que o
reconhecimento de um iliacutecito especialmente penal nada mais faz que levar ateacute o fim o
princiacutepio da subsidiariedade Critica-se-lhe igualmente sua desnecessidade[140]
considerando-se que o consentimento ficaria melhor explicado como causa de atipicidade
natildeo havendo porque recorrer a uma ilicitude exclusivamente penal para explicar a razatildeo dos
diferentes requisitos entre o consentimento civil e penal
Outra tendecircncia notaacutevel defendida por reduzido nuacutemero de autores[141]
eacute de
interpretar o iliacutecito agrave luz do chamado ldquoprinciacutepio vitimoloacutegicordquo Constituiria este numa
maacutexima de interpretaccedilatildeo apta a excluir do campo do iliacutecito todas as accedilotildees que natildeo
ultrapassassem ldquoo campo de autoproteccedilatildeo possiacutevel e exigiacutevel da viacutetimardquo[142]
mas que vem
contudo encontrando o rechaccedilo da doutrina dominante[143]
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
Por fim duas palavras a respeito do elemento subjetivo de justificaccedilatildeo Enquanto o
finalismo[144]
exigia a finalidade de justificaccedilatildeo (isto eacute vontade de defender-se vontade de
salvar o bem juriacutedico ameaccedilado) composta de um momento cognitivo e outro volitivo vem
se impondo cada vez mais a opiniatildeo[145]
de que seria desnecessaacuterio um elemento volitivo (e
natildeo soacute entre os autores[146]
que adotam a teoria da representaccedilatildeo no dolo) bastando a
consciecircncia dos pressupostos objetivos de justificaccedilatildeo No crime culposo vem ganhando
campo o posicionamento daqueles[147]
que dispensam qualquer elemento subjetivo de
justificaccedilatildeo Haacute igualmente em especial entre os italianos[148]
quem negue a existecircncia de
qualquer elemento subjetivo tanto para justificar fatos tiacutepicos dolosos como culposos
h) Culpabilidade a criacutetica feita por ENGISCH[149]
agrave fundamentaccedilatildeo da
culpabilidade no ldquopoder-agir-de-outra-maneirardquo eacute normalmente aceita costumando-se
admitir que o livre arbiacutetrio eacute uma premissa cientificamente inverificaacutevel Vatildeo diminuindo
paulatinamente os adeptos[150]
deste fundamento da culpabilidade ao passo em que surgem
concepccedilotildees que a funcionalizam colocando-a em estreitas relaccedilotildees com os fins da pena
(prevenccedilatildeo geral positiva e prevenccedilatildeo especial)[151]
Por incumbir agrave culpabilidade a decisatildeo
final sobre o se e a quanto da puniccedilatildeo natildeo pode ela ser compreendida em separado dos fins
da pena[152]
Assim eacute que JAKOBS apresenta seu polecircmico conceito funcional de culpabilidade
que vecirc nela a ldquocompetecircncia pela ausecircncia de uma motivaccedilatildeo juriacutedica dominante no
comportamento antijuriacutedicordquo[153]
O que interessa portanto eacute se a violaccedilatildeo da norma
precisa ser explicada atraveacutes de um defeito na motivaccedilatildeo do autor ndash caso em que ela eacute
adscrita a seu acircmbito de competecircncia (e ele eacute considerado culpaacutevel) ndash ou se pode ser
distanciada dele explicando-se por outras razotildees[154]
Logo culpaacutevel seraacute aquele agraves custas
do qual a norma deve ser revalidada aquele que a sociedade declara sancionaacutevel A
culpabilidade nada mais eacute que um derivado da prevenccedilatildeo geral
ROXIN eacute mais moderado pois ao contraacuterio de JAKOBS natildeo descarta a ideacuteia de
culpabilidade[155]
valendo-se dela como elemento limitador da pena[156]
Poreacutem a
culpabilidade por si soacute seria incapaz de fundamentar a pena num direito penal natildeo
retributivista e sim orientado exclusivamente para a proteccedilatildeo de bens juriacutedicos Daiacute porque
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
eacute necessaacuterio acrescentar agrave culpabilidade consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo geral e especial
Culpabilidade e necessidades preventivas passam a integrar o terceiro niacutevel da teoria do
delito que ROXIN chama de ldquoresponsabilidaderdquo (Verantwortlichkeit) ldquoA responsabilidade
depende de dois dados que devem adicionar-se ao injusto a culpabilidade do autor e a
necessidade preventiva de intervenccedilatildeo penal que se extrai da leirdquo[157]
Seraacute necessaacuterio o
concurso tanto da culpabilidade como de necessidades preventivas para que se torne
justificada a puniccedilatildeo
i) Punibilidade deixando de lado o improfiacutecuo debate a respeito de pertencer ou
natildeo esta categoria ao conceito de crime[158]
centremos nossas atenccedilotildees sobre as recentes
tentativas de encontrar um fundamento comum para este uacuteltimo pressuposto da pena que
tradicionalmente eacute entendido de um modo puramente negativo tendo por conteuacutedo tudo
que natildeo pertence agrave nenhuma das outras categorias
Alguns autores como SCHMIDHAumlUSER[159]
e FIGUEIREDO DIAS[160]
tentam
fazer do merecimento de pena (Strafwuumlrdigkeit) o fundamento desta categoria Jaacute
ROXIN[161]
que considera os pontos de vista preventivos problemas de responsabilidade
deixa para a punibilidade somente aqueles casos em que a pena se exclui por motivos de
poliacutetica-geral extra-penal E para encerrar citemos a posiccedilatildeo de JAKOBS[162]
que faz a
categoria da punibilidade desaparecer sendo absorvida pelo iliacutecito as hipoacuteteses
tradicionais de natildeo punibilidade satildeo entendidas como causas de atipicidade ou exclusatildeo da
antijuridicidade
VIII - Conclusatildeo
E se por um lado laacute se vatildeo jaacute trinta anos desde que ROXIN escreveu seu Poliacutetica
Criminal e Sistema Juriacutedico-Penal o manifesto do funcionalismo por outro o sistema
permanece em sua plena juventude Os frutos que deu ndash que como vimos foram inuacutemeros
ndash natildeo passam de uma primeira safra natildeo sendo arriscado esperar muitas outras E isto
porque pela primeira vez faz-se um esforccedilo consciente no sentido de superar as tensotildees
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
sistema versus problema seguranccedila versus liberdade direito penal versus poliacutetica criminal
na siacutentese que seraacute o direito penal do Estado Material de Direito um direito penal
comprometido com uma proteccedilatildeo eficaz e legiacutetima de bens juriacutedicos ldquoo mais humano de
todos os sistemas juriacutedico-penais ateacute hoje formuladosrdquo[163]
Apecircndice - resumo da apresentaccedilatildeo oral do trabalho[164]
A pedido do puacuteblico sintetizo em cinco toacutepicos os assuntos tratados na
apresentaccedilatildeo oral do trabalho
a) Finalismo x funcionalismo O finalismo como uma doutrina ontologista que
considera o ser capaz de prejulgar o problema valorativo o funcionalismo como uma
doutrina teleoloacutegica orientada para a realizaccedilatildeo de certos valores
A criacutetica do finalismo corresponde em suas linhas agrave exposta acima item V
b) Natureza e origem das valoraccedilotildees retoras do sistema Como o funcionalismo
se orienta para realizar valores surge a indagaccedilatildeo a respeito da origem e natureza destes
Que valores interessam ao penalista quando se lanccedila ele agrave resoluccedilatildeo de conflitos juriacutedicos
No sistema de ROXIN os valores provecircm da poliacutetica criminal mas natildeo de
qualquer poliacutetica criminal e sim daquela acolhida pelo Estado social de direito
No sistema de JAKOBS os valores satildeo deduzidos de uma teoria socioloacutegica o
funcionalismo sistecircmico de LUHMANN
Eacute absolutamente imprescindiacutevel que se mantenha em mente esta distinccedilatildeo entre os
dois sistemas Pois muitas das criacuteticas dirigidas agrave concepccedilatildeo de ROXIN na verdade tecircm por
objeto unicamente as premissas de JAKOBS Eacute errado apontar em ROXIN um fundamento
socioloacutegico[165]
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
c) A proximidade agrave realidade da construccedilatildeo sistemaacutetica roxiniana
Teleologismo natildeo significa fuga para os valores isolamento da realidade O sistema de
ROXIN trabalha de um lado com valoraccedilotildees poliacutetico-criminais ndash por via de deduccedilatildeo ndash e
de outro as complementa com um exame da mateacuteria juriacutedica ndash ou seja fazendo uso da
induccedilatildeo Para detalhes veja-se acima VI
Aleacutem disso natildeo haacute como falar em poliacutetica criminal eficaz se esta desconhece a
realidade faacutetica sobre a qual agiraacute ldquoA ideacuteia de estruturar categorias baacutesicas do direito penal
atraveacutes de pontos de vista poliacutetico-criminais permite que postulados soacutecio-poliacuteticos mas
tambeacutem dados empiacutericos e em especial criminoloacutegicos possam ser tornados frutiacuteferos para
a dogmaacutetica juriacutedico-penalrdquo[166]
Logo fazer ao sistema de ROXIN o reproche de ldquoidealistardquo ldquonormativistardquo eacute no
miacutenimo errocircneo e soacute faria sentido se fossem aceitaacuteveis os pressupostos ontologistas do
finalismo
d) Repercussotildees concretas na teoria do delito Se uma aacutervore se julga por seus
frutos a teoria da imputaccedilatildeo objetiva e a culpabilidade funcionalizada por
consideraccedilotildees de prevenccedilatildeo seratildeo por si suficientes para comprovar as vantagens do
meacutetodo funcionalista Para maiores detalhes veja-se acima VII b e h
E no sistema de ROXIN em momento algum o conteuacutedo garantiacutestico de tais
categorias oriundo da elaboraccedilatildeo sistemaacutetica tradicional eacute deixado de lado Assim eacute que a
imputaccedilatildeo objetiva surge natildeo como um substituto da causalidade[167]
mas como o seu
complemento[168]
e as consideraccedilotildees preventivas igualmente natildeo suplantam a
culpabilidade mas satildeo a ela acrescentadas
e) Perguntas feitas apoacutes a exposiccedilatildeo oral
e1) Natildeo seraacute perigoso fundamentar o sistema na poliacutetica criminal
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica
Natildeo o creio porque a poliacutetica criminal que orienta o sistema da teoria do
delito estaacute por sua vez vinculada ao Estado material de direito Os direitos fundamentais e
os demais princiacutepios garantiacutesticos integram portanto a poliacutetica criminal O que natildeo se
compreende eacute um direito penal que esteja desvinculado desta base valorativa fornecida pela
Constituiccedilatildeo Mais detalhes acima nota de rodapeacute no 62
e2) Conceitos valorativos como os que prefere o funcionalismo natildeo seratildeo
menos seguros pouco determinados
Natildeo necessariamente Em primeiro lugar sequer conceitos ontoloacutegicos (por
ex finalidade domiacutenio do fato) possuem a univocidade que seus defensores lhes atribuem
Em segundo lugar uma vez admitido que a tarefa do direito natildeo estaacute em descrever a
realidade mas em realizar valores tais como a dignidade humana e a garantia ao livre
desenvolvimento da personalidade a utilizaccedilatildeo de conceitos valorados se torna inevitaacutevel
Cumpre isso sim concretizaacute-los tornando-os mais seguros e precisos atraveacutes do exame da
mateacuteria juriacutedica