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Direito - é de caracter axiológico (ou seja fundado em valores), é um modo de resolver problema prático (→ modo de partilha do mundo). É uma solução possível (tendo em conta que existem alternativas ao direito). O direito não é apenas um conjunto de normas jurídicas, porque uma norma só por si não resolve problemas. Há uma distância enorme entre as normas e os casos (essa distância é um campo de tensões, não é uma zona segura). Ordem jurídica → ordem socialmente reguladora; pode não ser uma ordem qualificada como a ordem de direito.: - Estrutura: uma coisa fixa que permanece, integra todas as dimensões integrantes do universo, um triangulo com geometria variável. 1. Na linha de base: um perante os outros; a exercer a liberdade (individual, que constitui um suporte de autonomia (auto nomos – damos a nós mesmos a lei a qual nos vinculamos). É a linha onde se situam as relações jurídicas que estabelecemos uns com os outros no âmbito do direito privado. Existem aqui dois valores: o da liberdade relativa e o da igualdade. No entanto, nas relações contratuais não estamos sempre no plano de igualdade (companhas de seguros). Nesta linha de base existe o direito civil, comercial. A justiça é o fim do direito. Nesta linha falamos sobre a justiça da troca ou comutativa. (a prestação e a contraprestação devem equivaler-se → o equilibrio razoável das prestações). O direito privado é o domínio da liberdade (autonomia) e da igualdade (paridade) numa intenção à justiça comutativa.

Introdução Ao Direito I Eduardo Silva

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Resumos das aulas

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Direito - é de caracter axiológico (ou seja fundado em valores), é um modo de resolver problema prático (→ modo de partilha do mundo). É uma solução possível (tendo em conta que existem alternativas ao direito). O direito não é apenas um conjunto de normas jurídicas, porque uma norma só por si não resolve problemas. Há uma distância enorme entre as normas e os casos (essa distância é um campo de tensões, não é uma zona segura).

Ordem jurídica → ordem socialmente reguladora; pode não ser uma ordem qualificada como a ordem de direito.:

- Estrutura: uma coisa fixa que permanece, integra todas as dimensões integrantes do universo, um triangulo com geometria variável.

1. Na linha de base: um perante os outros; a exercer a liberdade (individual, que constitui um suporte de autonomia (auto nomos – damos a nós mesmos a lei a qual nos vinculamos). É a linha onde se situam as relações jurídicas que estabelecemos uns com os outros no âmbito do direito privado. Existem aqui dois valores: o da liberdade relativa e o da igualdade. No entanto, nas relações contratuais não estamos sempre no plano de igualdade (companhas de seguros). Nesta linha de base existe o direito civil, comercial.

A justiça é o fim do direito. Nesta linha falamos sobre a justiça da troca ou comutativa. (a prestação e a contraprestação devem equivaler-se → o equilibrio razoável das prestações).

O direito privado é o domínio da liberdade (autonomia) e da igualdade (paridade) numa intenção à justiça comutativa.

2. Na linha ascendente: ordem das partes perante o todo, as relações que se estabelecem entre cada um e a sociedade, tomada no seu todo. O âmbito do direito constitucional e direito penal. Aqui temos liberdade pessoal singularmente penalizada. Exigência material na segunda linha é a responsabilidade. Responsabilidade está na base do direito penal → direito penal radica nessa exigência de responsabilidade, radica na proteção de determinados bens jurídicos (vida, honra, património, saúde, ambiente, economia) que a sociedade acha particularmente importantes. São bens jurídicos muito valiosos mas não absolutos (o significado desses bens muda).

O valor que encontramos aqui é de salvaguarda da nossa autonomia, quando está em causa a liberdade e a responsabilidade social de cada um. O direito cumpre aqui a função de tutela e garantia.

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Justiça no quadro penal – geral (com aquilo que em nome de todos se exige a cada um) e protetiva (impõe que haja uma lei prévia).

No direito penal → princípio de legalidade criminal, ou seja – nenhum crime nenhuma pena sem lei prévia (certa, escrita, prévia). Só posso ser punido legalmente se existe previamente uma norma que diz que eu pratiquei crime.

3. Na linha descendente: o estado perante nós, direito fiscal

Direito fiscal → (valor): liberdade pessoal comunitariamente radicada.

Os valores que aqui se revelam são ao da liberdade e solidariedade. A solidariedade impõe uma atuação em termos de desigualdade para atingir, no fim, a igualdade. O dever fundamental é pagar impostos (solidariedade)

Justiça no quadro fiscal – distributiva e corretiva

Entre essas três linhas há passagens (a prática não se deixa arrumar em gavetas).

A linha dominante das três?

Até a época moderna que a grande linha era a de base.

Na e. moderna a linha mais relevante era a ascendente

No séc. XX (estado de bem estar) a linha mais emblemática é a linha descendente (dir. fiscal).

No séc. XXI (atualmente) – uma união do estado cada vez mais fraco (linha descendente) e as forças mais fortes (na linha de base) → a outra fase do capitalismo selvagem (capitalismo financeiro com visão muito egoísta).

Um burocrata é um oposto do jurista.

Direito tem a ver com o juízo sobre as ações.

Hoje o estado está em estado de pouca importância mas a linha de base (dominada pelos mercados financeiros) está com importância enorme.

As exigências materiais têm de ser mencionadas:

Pessoa → liberdade

→ responsabilidade

Sem isso ↑ não há direito

Funções da ordem jurídica ≠ funções do direito (porque uma ordem jurídica pode não ser de direito)

1. Função primária (prescritiva) – direito substantivo

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A o. jurídica escreve antes critérios reguladores da nossa atuação na sociedade, aparecendo como principio de ação e critério de sanção.

Princípio de ação: define os nossos direitos subjetivos, responsabilidades e valor os nossos comportamentos lícitos/ilícitos. Este conjunto de prescrições e juízos define um princípio de ação. A o.j. visa influenciar a nossa ação e define o nosso estatuto social.

Critério de sanção: estabelece meios que viabilizem uma fruição conjunta e adequada do mundo.

Aa o.j. prescreve critérios de fruição do mundo (princípio) e concorre para que esses critérios se realizem praticamente (critério de sanção). Sanção é todo o meio (conforme as exigências de igualdade, correlatividade e proporcionalidade) que o direito se serve para tornar eficazes os seus objetivos práticos. Sancionar – efetivar, consagrar – uma dimensão importante do direito (sanções podem ser positivas ou negativas).

2. Secundária (organizatória) – parte adjetiva – nesta função a o.j. volta-se para si própria a fim de se auto-organizar para conseguir subsistir.

A função primária: nos temos de agir de acordo com a vontade que a o.j. estabelece. Mas para que isso funcione temos de ter uma máquina organizadora (função secundária). Obrigações adjetivas têm de ser cumpridas para atingir o objetivo principal. A f. secundária surge só depois da primária mas é indispensável. Não basta que haja uma f. primária – tem de haver uma organização do processo (os espaços necessários para chegar aum determinado objetivo).

Notas caraterizadoras da o. jurídica:

1. Ordem jurídica é uma ordem. Garante previsibilidade (mas a previsibilidade não é um valor absoluto) – se hoje resolvo um problema assim amanhã, se não altera a norma, o problema tem de ser resolvido de mesma forma – seguindo o princípio de inércia, no entanto honrando ónus de contra-argumentação (se eu entender posso resolver o problema de outra forma).Sendo uma ordem, a o.j. institui caos/mos (universo ordenado de elementos caóticos) e apresenta uma caosplexidade. Radica na simplicidade primordial, na base estão os problemas concretos. Por isso temos de compreender a o.j. bottom up. No centro das nossas preocupações há problemas concretos. A ordem jurídica não deve ser vista top down. Ordem enquanto cosmos em oposição a caos. Sendo o ser humano biologicamente deficiente, com poucas capacidades para sobreviver sozinho – a ordem jurídica constitui uma segunda natureza do ser humano.Nascemos com dificuldade de lidar com o mundo exterior e com a sua natureza imperfeita.Encontramos na sociedade formas para completar essas incapacidades naturais.

2. Ordem jurídica cumpre papel de integração comunitária.

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Uma ordem jurídica do estado ominoso (que ignora as exigências do direito) desempenha melhor esse papel de integração comunitária. Qualquer ordem jurídica integra-nos (ordena o nosso lugar), mas a ordem jurídica de direito integra-nós formalmente e materialmente também.

Tem de haver sempre um equilíbrio entre as duas dimensões da pessoa – liberdade e responsabilidade (integração comunitária).

A ordem jurídica integra-nos comunitariamente.

A ordem jurídica favorece o caracter comunitário das sociedades humanas.

Estamos permanentemente comunicar, criar grupos.

A o. jurídica protege a comunidade e associa-nos. A ordem jurídica traduz um esforço cultural necessário para compensar o caráter ontogeneticamente deficiente do homem.

3. A ordem jurídica apresenta uma objetividade de dois tipos. Porque institui um mundo – vivemos em muitos “mundos” ao mesmo tempo. Um dos mundos em que vivemos é o mundo da ordem jurídica.Nos construímos mundos porque somos uma espécie particular – temos capacidades de olhar crítico.Nos não somos uma espécie acabada (como formigas ou abelhas – que são especialistas) – somos seres inespecializados.Nos não somos suficientemente programados biologicamente programados. Os outros animais vivem imersos num mundo. E nos temos uma segunda natureza (mundos não naturais, culturais que nos faltam no mundo natural).2 tipos de objetividade:- uma objetividade autárcica (autarcia – aquilo que se basta a si próprio). Subsiste baseada nas suas próprias forças (porque marcada pela autarcia).Objetividade autárcica da o. jurídica, ou seja: ela prescinde de qualquer forma de poder para existir. É independente de outros poderes.Uma o. jurídica que depende de outros poderes é limitada, disfuncional e não resiste Às situações de crise.Na nossa ordem jurídica a incapacidade permanente ou morte dos titulares da o. jurídica não implica inexistência dele – substitui-se.Ao. Jurídica tem mecanismos que permitem a sua subsistência. É um objeto com forças próprias – renasce em si mesmo. O problema da nossa o. jurídica atual é que corremos o risco de perder a nossa soberania – podemos passar a ter uma ordem jurídica imitada.- uma objetividade dogmáticaA ordem jurídica – seja ou não de direito – não prescinde de dogmas (dogma – algo que não se discute, uma verdade indiscutível).A prática jurídica não tolera hesitações, indecisões.No caso de uma ordem jurídica falamos de dogmas revisíveis.

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Existem duas situações extremas:Dogmatismo estrito – absolutiza o sistema de dogmas, só revela os dogmas e neles se revê, só se baseia nos dogmas – fundamentalismo radical, terrorismoRelativismo puro – próximo de niilismo, inconsideração a todos e quaisquer dogmas.

O direito não tem lugar em nenhuma dessas situações ↑

Os dogmas têm de ser revisíveis. Os dogmas que se adaptam a mudança dos tempos (os problemas vão se alterando tal como as exigências axiológicas).

Os juristas assumem o direito para resolver problemas – têm de resolver problemas cortando a indecisão.

Existem dogmas científicos, que não se discutem – até aparecer alguém que demostre o contrário.Existem também dogmas religiosos. Acredita-se e por isso não se discute.Na ordem jurídica os dogmas não têm caracter científico nem religioso. Aqui estamos a falar sobre as normas que forma aceites para resolver certos assuntos.Seria impossível não resolver problemas, por isso na ordem jurídica é necessário muitas vezes dogmatizar (assumir como definitivas) as soluções que conseguimos encontrar. De outra maneira a ordem jurídica não existiria (→tem de dogmatizar as situações e soluções). A ordem jurídica assume verdades absolutas definidas.

4. Autoridade A mais evidente manifestação da ordem jurídica. É visível.Estamos sempre confrontados com autoridade. Autoridade é o primeiro rosto da ordem jurídicaSe a ordem jurídica não tivesse autoridade não existiria (protege-se de fomra prática na autoridade).

Os efeitos da ordem jurídica:

1. Racionalização Como temos um défice ao nível de programação. Isto é negativo, más também positivo. Nos podemos transcender o mundo, mantemos a relativa distância. Mas precisamos do equipamento cultural, a nossa segunda natureza (a ordem jurídica também). Nos não somos biologicamente programados para cumprir objetivos (como formigas). Nos criamos a nossa própria indeterminação. Há vários modos de repartir o mundo. A ordem jurídica é uma dessas vias. A o.j. é uma das expressões do esforço cultural que o homem faz para vencer a anarquia resultante da sua natural dispersão, pois constitui um empenho de racionalização da ação visando dar-lhe coerência. A o. jurídica ajuda-nos a compreender o mundo.

2. Institucionalização

In status – entrar num estatusPermanência no tempo. A instituição permanece a sua diferença.

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As instituições têm de ser capazes de integrar a liberdade expressiva que as predica, visam harmonizar as necessidades comunitárias com a expressão de liberdade de cada um.As instituições destinam-se a facilitar o exercício de liberdade que nos predica. Compensam a nossa deficiência ao nível de acabamento biológico. Desoneram-nos do peso de liberdade.As instituições têm de ser, tal como os dogmas, flexíveis (em relação à realidade).Instituição – liberdade e comunidade (o peso entre elas é diferente, depende da situação, mas não se pode eliminar nenhuma delas.Polícia criminal – mais peso de comunidade (exigências comunitárias).As instituições devem enquadrar a liberdade que nos predica. Os mecanismos jurídicos (ex. compra e venda) permanecem no tempo.Outras instituições jurídicas: propriedade, empréstimo, família, juro, etc.Sem a o. jurídica as instituições não existem. A o. jurídica protege instituições jurídicas, permite cria-las e permite que persistem no tempo.

3. Segurança A ordem jurídica garante a nossa segurança (sendo ou não de direito).A segurança associa-se ao dir. penal e dir. civilSegurança identificada como a certeza jurídica e segurança através do direito são duas coisas diferentes.O instituto do caso julgado – tem na sua base as razões de segurança.Uma causa pode já não ser passível do recurso ordinário, mas por razões de justiça ode ser passível do recurso extraordinário.A ordem jurídica tem sempre os seus destinatários, protegidos em detrimento daqueles que desprotege.

4. Liberdade A o. jurídica visa liberdade.A o. jurídica limita a liberdade – dando garantia de subsistência da própria liberdade. A liberdade não pode ser referida sem a responsabilidade. A nossa liberdade termina onde

5. PazPaz é um dos efeitos duma ordem de direito.“Ajustiça, o caminho esquecido para paz.”A o. jurídica (de direito) privilegia a pazA ordem jurídica tem de prevenir os conflitos em vez de os resolver depois.Caracter subsidiário do direito penal – só devia ser aplicado na última instância. A intervenção do direito penal é prova do fracasso de direito (que deve ser preventivo).Uma revolução pode ser nesses termos vista como uma prova do fracasso da o. jurídica. Más as revoluções podem também trazer coisas boas (como a revolução de 25 de Abril trouxe por exemplo o tribunal constitucional).

Ordem jurídica ≠ Direito

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Uma ordem pré-ordenada pela eficácia não será considerada como uma ordem de direito porque, no sentido dessa ordem, o homem não passaria de um elemento funcionalizado a uma estratégia de eficácia.O direito tem uma carga axiológica que o homem assume porque a compreende positiva. Uma ordem de direito não é apenas uma ordem com a estrutura, funções, notas caraterizadoras e os efeitos: tem também um sentido.Notas dominantes do sentido do direitoDireito tem a ver com o juízo sobre as ações.Hoje o estado está em estado de pouca importância mas a linha de base (dominada pelos mercados financeiros) está com importância enorme.As exigências materiais têm de ser mencionadas:Pessoa → liberdade

→ responsabilidade Sem isso ↑ não há direito Funções da ordem jurídica ≠ funções do direito (porque uma ordem jurídica pode não ser de direito)I – insuficiência objetiva: Uma ordem não define objetivamente o direito. Mafia – tem as mesmas características que a o.j. mas se nos interrogamos sobre o mérito material (sentido) dessa ordem, nunca a qualificaremos como de direito – aqui o homem é um mero instrumento de poder e não uma pessoa (com uma autonomia inviolável e dignidades éticas).II – Insuficiência da relação direito/estadualidade. Há estados criminosos, ominosos.O direito e o estado não se identificam – distinguem-se culturalmente porque têm histórias diferentes. Legislação que se identifica com o Estado não absorve todo o direito – há outras fontes. O Estado é uma organização de poder (política) enquanto o direito é uma ordem normativa (sistema de princípios). O poder político que o Estado titula não é o fundamento do direito. Até a própria expressão Estado-de-Direito manifesta duas dimensões (da estadualidade e da juricidade) que se relacionamIII – Dimensão normativa o que dá sentido de direito à ordem jurídica é a dimensão normativa, a sua intenção normativa (uma exigência que se funda em valores). Uma ordem de direito tem também um conteúdo material conferido pela normatividade. A dimensão normativa apresenta também uma intenção crítico-regulativa. O direito é uma intenção e não objeto. Uma ordem de direito é uma ordem de validade, que tem no seu fundamento valências éticas (legitimando assim a obrigatoriedade que nos dirige). Uma ordem de direito assenta na justiça (comutativa, geral e distributiva).Lição 9ª

O direito não se explica por via de política, gestão, economia, tecnologia. Essas vias não explicam o que é direito.

O direito surge muitas vezes como alternativa (opõe-se) a essas formas de funcionamento das formas sociais/da sociedade

O direito reduz a receita (do Estado, das Câmaras) porque o técnico economista está preocupado em saber como é que obter a receita para pagar a despesa, para não aumentar a divida do Estado.

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O jurista fala dos direitos fundamentais, direitos dos cidadãos, impugnações, providencias cautelares – se o cidadão se opõe, está a obstruir a obtenção da receita.

Os direitos fundamentais opõem-se à estratégia económica, política, gestão, etc… O direito é influenciado por elas mas não depende delas.

Funções do direito:

Até o século XVII/XVIII – o direito tem autonomia mas é um mero resultado da vontade do estado.

O direito é uma explicação duma ordem tradicional, pré-constituída (resulta do costume). É uma forma de legitimar uma ordem pré-constituída. Os juristas invocam o costume e o costume não se discute.

A partir do séc. XVII – a visão muda na Europa, porque emerge uma nova classe social – burguesia.

A burguesia assenta a sua riqueza no comércio.

Assim, a ordem jurídica baseada na tradição torna-se inconveniente. A nova classe social requer um novo modelo de funcionamento da sociedade.

A burguesia põe em causa a ordem tradicional – quer-se afirmar a partir da ordem jurídica diferente, alterar a ordem jurídica – para poder ascender na ordem social (→ mais democrática)

A burguesia vai tomar lugar da aristocracia com base na ordem jurídica alterada (→ passamos do sistema consuetudinário para o sistema legislativo – baseado na vontade do legislador).

O costume – inalterável, lei – alterável

A burguesia começa a ganhar privilégios e títulos e começa a entrar na corte desempenhando papéis de grande relevo (ex. Marques de Pombal). Assim a burguesia começa a tomar conta do Estado (poucos anos da Revolução Francesa).

O direito não corresponde a uma tradição, mas corresponde à vontade de quem está no poder (quem legisla) → final do séc. XVII e XVIII

O direito emerge no mundo sob 3 condicionalismos:

1. Condição mundanalO mundo ser um só e nos sermos muitos. Dificilmente há espaço para todos e facilmente entramos em conflito. Queremos todos as mesmas coisas, lugares, espaço. Conflituamos por aquilo que temos e queremos ter. Potencialmente existe sempre um conflito.

2. Condição antropológicaSomos um ser indeterminado, influenciado pelo meio. Somos todos livres de mudar (temos antropologicamente essa oportunidade). Nos adaptamos ao meio. Mas não

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somos condicionáveis nas nossas decisões – a decisão é sempre individual. A nossa vontade é soberana. Somos livres de escolher.

Essas duas condições são fixas e existem por todo lado.

3. Condição éticaQual é a escolha adequada? Essa já depende de outros fatores (cultura, valores, formação). Eu transporto o meu sistema axiológico. Eu tomo a minha decisão em função do conjunto dos valores próprios duma sociedade.A ordem jurídica pré-moderna assenta na tradição (indiscutível)A ordem jurídica moderna (eventualmente do direito) assenta na legislação – a ética é muito mais mutável, depende de quem está no poder.Se depende de vontade – também depende de oportunidade de tomar o poder.Um titular dos órgãos do Estado manda. É a ética dominante (por via de legitimação política) que manda. No constitucionalismo moderno – a vontade dos que estão no poder dita o que é permitido e o que não é permitido.Para o direito moderno o importante é legitimar uma ordem nova.A lei muda consoando quem legisla.

Funções de direito hoje:

- Legitimação do poder por via do direito (função legislativa)

Isso era sempre – não muda, mas agora ainda temos outras funções:

- Resolve conflitos de interesses (sempre foi)

- Serve para manter a ordem social

- Crítica do poder – essa função já nos mostra que é a ordem jurídica de direito (as outras não)

Nos podemos processar o Estado (no entanto muitas vezes é o Estado de Direito no papel – porque além de poder processar o Estado, tem de compensar processar na prática e nos primeiro pagamos e só depois podemos processar (tendo grandes prejuízos)

Quais são os valores permanentes do direito? O direito que assenta no costume é mais bem conseguido, porque quando assenta na legislação já é diferente – uma solução pode ser hoje bem assente, mas amanha por causa da comunicação social pode ser diferente.

Os juristas têm de se marginalizar de tudo isso. O direito deve-se proteger da sociedade pars poder proteger a sociedade.

O direito pré-moderno limitava-se à ordem tradicional – indiscutível

O direito moderno pretende consagrar direitos do cidadão, uma ordem legislada (traduz-se em leis).

Funções que desempenha o direito hoje:

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1. Negativas

Associado a “não”; direito limitador (não se pode fazer isso ou aquilo), estabelece limitações, limita quando proíbe, mas também quando permitindo cria limites (pode-se fazer até um certo ponto, ex. dentro do prazo de 10 dias)

- função integrante – integra-nos na sociedade, dentro desta função há três subfunções:

De tutela (tutelar – dominar, controlar) – direito penal. O direito penal proíbe a prática de certos atos e cria regime sancionatório. Também um sistema contraordenacional, punições (atos conduzem a punições)

De resolução de conflitos de interesses – direito privado. As pessoas podem ou não exigir. O direito só intervém porque existem conflitos entre privados.

De garantia – garantias que associamos ao direito administrativo e constitucional. Há garantias ao Estado e aos cidadãos. No domínio do direito público há lei e ela tem de ser cumprida. Não está em causa uma punição (imposto é uma contribuição ara o interesse comum) mas precisamos de garantias que não foi cobrado de forma indevida, temos de saber como vai ser gasto, etc. – garantia que a atuação do Estado está feita de forma controlável

2. Positivas

Associado a “sim”; tem a ver com aquilo que o Estado em defesa dos interesses da sociedade deve fazer, ex. o Estado Social – o Estado tem o dever não apenas de limitar, más também de agir: criando riqueza, serviços, sistema de saúde, educação, defesa do ambiente.

O Estado pode diminuir algumas subfunções da função negativa: em nome da qualidade dos bens – o Estado fecha as empresas produtivas; em nome da defesa do ambiente, pode limitar o direito de propriedade.

O direito mais importante é aquele que em cada caso é mais importante.

Estado social – interventivo, criador de valor social, mas as vezes podem acontecer abusos contra os direitos constitucionalmente protegidos, negando a subfunção da garantia (tenho 2h de terreno, não tenho casa, mas não posso construir porque em nome do ambiente há lei que permite construir nos terrenos debaixo de 4h).

O estado não pode em nome da defesa dos interesses da maioria esquecer das necessidades das minorias.

E. Social – pode ser bom ou perigoso – depende do uso.

3. Função de validade e crítica

O direito surge como um contrapoder – o que resta a cada cidadão para fazer ouvir a sua voz perante o poder.O Estado invoca o poder – o cidadão invoca a validade.A lei – voz do poder (o direito não – porque coloca o poder numa dimensão crítica).

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10ª LIÇÃO

A história da Europa está dividida em vários períodos:- clássico (até séc. V - até caída da Roma)-idade média (1000 anos séc. V – XV)-idade moderna ( de XV Expansão Europeia – XVIII)-contemporânea (de XVIII - …)Idade Média – muitas gerações, muitos poderes, muitos conflitos; começam a nascer as realidades políticas que conhecemos. Surgem França. Portugal, Suíça – todos os outros países da Europa Ocidental são muito mais recentes. O final da Idade Média e o início da Idade Moderna são decisivos para s fronteiras europeias que conhecemos hoje.A sociedade ocidental medieval – a sociedade de ordens, sociedade maioritariamente rural. Essa sociedade assenta no pacto feudal:- os camponeses têm direito de viver na terra,- os donos da terra têm direito de cobrar a renda do trabalho deles-se houver uma ameaça militar o dono da terra tem de defender a terra e os camponesesO camponês pertence à terra e não a um senhor feudal.Este pacto feudal permitiu a sobrevivência da Idade Média Depois aconteceu o fenómeno de expansão – para colonizar e conhecer o mundo, desenvolve comércio – os campos lentamente desertificam e começam a desenvolver cidades.O fenómeno de modernidade – é o fenómeno de urbanização.O comércio torna todos iguais, provoca mobilidade social com base no capital – surge a sociedade capitalista, que assenta o seu poder no dinheiro e não na tradição.A mobilidade social faz com que todos tenham a oportunidade → assim está a nascer uma sociedade capitalista (séc. XIX).O rei, nobreza, clero, camponeses – têm direitoA ordem jurídica ≠a ordem social (não há direito para cidades que crescem demasiado rápido)As revoluções do século XVIII são a explosão e consequência da mobilidade social que não foi acompanhada por uma ordem jurídica.Burguesia – tornou-se rica e burgueses querem o poder e nobreza (vão querer comprar a terra onde o bisavó era servo do senhor); acontece uma ascensão social.Por outro lado é uma sociedade baseada no conhecimento (científico). Positivismo jurídico

No âmbito do pensamento jurídico o século XIX foi a época do positivismo. O positivismo assentava na ideia geral de que o direito era posto pelo poder legislativo. Para os juristas e os cidadãos o direito era u dado pré-suposto, de modo que nada mais lhes restava do que submeter-se a ele. O direito entendia-se como um objeto de conhecimento – assim quebrou com toda a tradição precedente. O direito identificava-se com as leis previamente impostas pelo Estado. Antes da época positivista o direito não era considerado um dado – era uma normatividade complexa que provinha de vários fontes, que os juristas iam construindo (um problema em contínuo processo de realização, manifestando-se na própria resolução dos problemas concretos. O direito integrava o domínio da filosofia prática.

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No positivismo o direito dualizou-se do pensamento jurídico: direito – uma tarefa prática (assumida pelo poder legislativo), o pensamento jurídico (centrado no mero conhecimento do direito-lei) - ganhou um caráter teórico.

Época pré-positivista, 3 fases:

1. Época clássica romana O direito radicava na prudência das situações concretas – direito jurisprudencial. Os juristas romanos defendiam que não construíam o direito, apenas o revelavam.

2. Época medieval o direito continua jurisprudencial, mas agora radica numa hermenêutica de textos (corpus iuris civilis e o corpus iuris canonici) cuja interpretação era orientada pelo método escolástico. O texto, no entanto, era apenas a manifestação de algo que estava para além dele: os valores fundamentais da filosofia prática de então.

3. Pensamento moderno passou a compreender o direito como uma construção dedutiva feita a partir de uma racionalidade axiomaticamente afirmada. O homem moderno libertou-se e pretendeu construir uma nova ordem a partir de si mesmo, o humanismo moderno veio sublinhar os valores da contingência humana como fundamentais, determinou o aparecimento de racionalidade sistemática

Fatores determinantes do positivismo jurídico:

- fator filosófico-cultural geral. Fator antropológico – até a época moderna o homem só se reconhecia pela mediação da transcendência de uma ordem naturalmente constituída ou teologicamente referida, o homem moderno compreendia-se como um ser de autonomia, que exercia as suas liberdades, reconhecia-se através da razão, pretendendo construir uma ordem a partir de si mesmo – o homem que atuava a sua liberdade racional.

- fator cultural Secularismo moderno – secularização é a corrente de pensamento que dispensa s valores religiosos e reconhece os valores de história, do século. O homem era o responsável por esses valores e em consequência afastou-se de deus. Racionalismo – doutrina que afirma a primazia da razão. O pensamento moderno é racionalista: o fundamento da razão moderna é ela própria e não o mundo. Tudo isto enunciava um sistema racional que teve a sua forma plástica nos códigos (decretavam-se os códigos e depois aplicavam) – modo de pensamento moderno-iluminista. O homem moderno libertou-se das peias religiosas e revelou os seus interesses económicos. O homem moderno foi marcado por várias hipertrofias, por causa do seu radicalismo voluntarista:- afirmou a sua autonomia, mas hipertrofiou-a no individualismo;- insistiu na secularização e caiu no secularismo- propôs a racionalização e cedeu ao racionalismo- Libertou os interesses e precipitou-se no economicismo- divorciou a ciência da sabedoria, instaurando a era do cientismo;O homem moderno-iluminista teve que criar o modelo – o modelo foi o contrato social ( a sociedade pensada como se todos fizessem um acordo na base de um contrato social (vinculação das liberdades com o objetivo de gerir os interesses – contratualismo constitui o

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fator político jurídico determinante do pensamento moderno iluminista. Na época moderna-iluminista só é direito aquilo que o contrato social determina, o estatuto de coordenação das liberdades e as regras de convivência. As regras aqui não visavam definir o conteúdo concreto das liberdades mas apenas coordená-las. As leis moderno-iluministas teriam que ser leis gerais (iguais para todos), abstratas (só abstraindo se pode pretender que a lei seja aplicada do mesmo modo a todos) e formais (só definem as condições do jogo). Potenciado por duas ideologias: liberal (acentua garantias individuais) e democrática (acentua a igualdade e vontade da maioria). Essas duas ideologias casaram e deram origem ao Estado representativo demo-liberal. Era o projeto pronto e a revolução francesa tornou-se o fator politico que pretendeu transformar em realidade este pensamento, instituindo o Estado de legalidade formal. No positivismo o direito era dado nas leis que, por isso, se criavam antes para serem aplicadas depois – separou-se o momento da criação (poder legislativo) do momento da aplicação (juristas).Escola histórica – Alemanha, visa combater legalismo emergente na França; contra a racionalidade abstrata, direito não era um produto de uma vontade racionalizada em termos abstratos, mas constituía uma manifestação do espírito do povo, que se ia sedimentando ao longo dos séculos, produto da história cultural de cada povo. Para esta escola o Direito era pressuposto porque se manifestava na história de cada povo. Essa escola distinguiu a teoria da prática mas afirmava a necessidade de aplicação imediata do direito de acordo com as necessidades do tempo. Fontes do direito – espírito do povo (matriz), secundárias: legislação, costume e a ciência do direito. Legislador – interpretava o espírito do povo.

11ª LIÇÃO COORDENADAS CARATERIZADORAS DO POSITIVISMO JURÍDICO1. POLÍTICO-INSTITUCIONAL: a visão do estado radicava no Estado Moderno do

contratualismo individualista ou Estado representativo Demo-liberal – o Estado de Direito de legalidade formal que surgiu em consequência das revoluções. O Estado visou dominar juridicamente o poder. O Estado de Direito de legalidade formal é estruturado por três princípios: 1. O princípio da separação dos poderes (legislativo, executivo e judicial – mas rapidamente o legislativo tornou-se o mais importante – eram as leis ditadas pelo poder legislativo que prescreviam o papel e o modo de atuar do p. executivo e judicial) 2. O princípio de legalidade (a lei é a base de toda a vida de relação.) 3. Princípio da Independência Judicial (os tribunais são independentes e apenas sujeitos à lei

2. ESPECIFICAMENTE JURÍDICA – identifica o direito com a lei.3. AXIOLÓGICA – a axiologia positivista tinha um carater meramente formal e indiferente

ao conteúdo das leis. Se as leis fossem gerais, abstratas e formais assegurariam a igualdade visada – se fossem objetivamente pré-enunciadas garantiam a segurança prosseguida.

4. COORDENADA FUNCIONAL – com o positivismo a intenção constitutiva do direito passou a pertencer em exclusivo ao poder legislativo. O jurista tinha de conhecer apenas o direito-objeto, mera aplicação

5. COORDENADA EPISTEMOLÓGICO-METÓDICA – epistemológica porque a ciência de direito visava uma pura construção conceitual, metódica – porque o direito era reduzido à mera legalidade pré-escrita

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