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CAPÍTULO 1 O ALCANCE DO CONTEÚDO DA PSICOLOGIA 34 A DIVERSIDADE DE PERSPECTIVAS DA PSICOLOGIA 37 O QUE UNIFICA A PSICOLOGIA? 42 O MÉTODO CIENTÍFICO 43 ESTUDOS OBSERVACIONAIS 53 ECLETISMO METODOLÓGICO 57 GENERALIZANDO A PARTIR DA PESQUISA 58 ÉTICA DE PESQUISA 60 COMENTÁRIOS FINAIS: CIÊNCIA, ARTE E O INDIVÍDUO 62 RESUMO 63

INTRODUÇÃO · Ela se preocupa com o que distingue os seres humanos de outros animais, mas também com os traços ... subiu do chão e ocultou o camundongo da vista

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CAPÍTULO

1

O ALCANCE DO CONTEÚDO DA PSICOLOGIA 34

A DIVERSIDADE DE PERSPECTIVAS DA PSICOLOGIA 37

O QUE UNIFICA A PSICOLOGIA? 42

O MÉTODO CIENTÍFICO 43

ESTUDOS OBSERVACIONAIS 53

ECLETISMO METODOLÓGICO 57

GENERALIZANDO A PARTIR DA PESQUISA 58

ÉTICA DE PESQUISA 60

COMENTÁRIOS FINAIS: CIÊNCIA, ARTE E O INDIVÍDUO 62

RESUMO 63

INTRODUÇÃO

O que é psicologia? É um campo que costuma ser

defi nido como o estudo científi co do comporta-

mento e dos processos mentais. Mas o que isso signifi ca?

A psicologia se preocupa, para começar, com a razão por

que fazemos o que fazemos, sentimos o que sentimos e

pensamos o que pensamos. Ela se preocupa com o que

distingue os seres humanos de outros animais, mas também com os traços

que os humanos compartilham com os outros animais. A psicologia considera

o que todos os humanos têm em comum entre si, mas também como cada

um de nós difere de outros membros da nossa espécie – em nossas ideias,

nossas personalidades e nossas capacidades. O campo se preocupa com quem

cada um de nós é e também como chegamos a ser o quê e quem somos. E a

psicologia não está preocupada apenas com cada um de nós como indivíduo,

ela também busca entender como agimos em grupos, incluindo como perce-

bemos os outros, tratamos os outros e nos sentimos em relação aos outros.

Para lidar com todas essas questões, a psicologia deve abranger uma am-

pla variedade de temas – inclusive que muitos não psicólogos não esperam

encontrar no nosso campo! Como veremos, alguns desses temas envolvem

fenômenos estudados também pelos biólogos; outros temas tocam na antro-

pologia e na sociologia; outros ainda proporcionam visões de questões de

interesse dos fi lósofos, cientistas políticos, cientistas da computação ou eco-

nomistas. Porém, o fato é que precisamos dessa abrangência diversa para que

possamos compreender os muitos aspectos dos nossos pensamentos, ações e

sentimentos e, neste texto, cobriremos todas essas questões e muitas mais.

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O ALCANCE DO CONTEÚDO

DA PSICOLOGIAAlguns exemplos ajudarão a ilustrar o alcance extraordinariamente amplo da psicologia. Começaremos com exemplos que transmitem a variedade de conteúdos que a psicologia examina, passando para um exemplo que ilustra a variedade de perspectivas e tipos de análises que os psicólogos empregam.

Observando o cérebro vivoTudo que fazemos, tudo que sabemos e tudo que sentimos é possibilitado pelo funcio-namento do cérebro. Mas qual é exatamente a relação entre os fenômenos psicológicos que esperamos entender e o funcionamento detalhado do cérebro? Como um meio de abordar essa questão, nas últimas décadas, os pesquisadores desenvolveram técnicas para monitorar, a cada momento, o nível de atividade metabólica em diferentes partes do cérebro, permitindo que perguntassem quais regiões cerebrais estão especialmen-te ativas quando alguém se encontra em um determinado estado mental – quando a pessoa está tentando tomar uma decisão, por exemplo, ou se sentindo envergonhada ou inspecionando uma fi gura. Isso nos permite determinar quais regiões cerebrais são cruciais para cada atividade mental.

Esse tipo de pesquisa deixa claro que, para praticamente qualquer atividade mental, existe muitas regiões cerebrais envolvidas, trabalhando juntas como uma equipe inti-mamente integrada. Em outras palavras, não existe um “centro de decisão” ou “centro de leitura” ou “centro de música”. Pelo contrário, somente podemos tomar decisões ou ler ou entender música por causa das ações coordenadas de muitas regiões cerebrais. Essa informação é essencial à medida que buscamos entender como as atividades men-tais ocorrem e como o cérebro torna tais atividades possíveis.

Analisando a memóriaA análise minuciosa do cérebro certamente nos ensinou muita coisa. Porém, muitos dos fenômenos que interessam aos psicólogos são melhor estudados por meios funcionais – e não biológicos – concentrando-se no pensamento e comportamento da pessoa, em vez dos mecanismos subjacentes no sistema nervoso. Considere, por exemplo, a memó-ria que uma testemunha ocular de um crime está usando quando depõe no julgamento, relatando o que viu, digamos, durante um assalto.

Existem muitas questões a perguntar sobre a memória de testemunhas oculares, mas, de modo geral, não podemos fazer essas perguntas a partir de uma perspectiva biológica, simplesmente porque sabemos pouco sobre como essas memórias complexas são representadas no cérebro. Todavia, isso não tem sido obstáculo para os pesquisadores e, na verdade, temos aprendido muita coisa sobre a maneira como as pessoas lembram, incluindo os fatores (na pessoa ou na situação) que as ajudam a lembrar e, da mesma forma, os fatores que causam lacunas naquilo que lembram. Também conhecemos al-guns fatores que podem levar uma testemunha a “recordar” coisas que simplesmente não ocorreram.

Por exemplo, uma linha de pesquisa investiga o impacto das questões indutivas. Em alguns estudos, os participantes assistem a um vídeo e depois respondem per-guntas sobre ele, como: “aproximadamente a que velocidade o carro estava andando quando passou pelo celeiro?”. Na verdade, não havia nenhum celeiro no vídeo, mas essa questão indutiva pode criar a memória de um celeiro – tanto na resposta imedia-ta da testemunha, logo após a pergunta indutiva, bem como na recordação do vídeo alguns dias depois. Em outros estudos, questões indutivas semelhantes adicionaram barbas a pessoas que na verdade estavam barbeadas, inseriram ônibus escolares amare-los que não estavam presentes e até criaram memórias de eventos inteiros que jamais ocorreram.

Percepção Imaginação

Um retrato do cérebro em ação. Essas imagens de ressonância magnética funcional (IRMf) mostram diferentes “cortes” do cérebro vivo, revelando níveis de atividade em diferentes regiões cerebrais. As regiões mais ativas são mostradas em amarelo, laranja e vermelho. A primeira coluna mostra a atividade cerebral quando a pessoa está fazendo avaliações sobre fi guras simples. A segunda mostra a atividade cerebral enquanto a pessoa está fazendo o mesmo tipo de avaliação sobre “imagens mentais”, visualizadas com o “olho da mente”.

35Psicologia

Capacidades inatasNossas memórias contêm os registros de todas as nossas experiências, e essas ex-periências, por sua vez, desempenham um grande papel em formar quem somos e como agimos. Mas isso não signifi ca que sempre dependemos das experiências. Alguns eventos parecem depender de pouca coisa além das capacidades básicas que todos trazemos para o mundo onde nascemos. Veja, por exemplo, o entendimento da aritmética em um bebê.

Em um estudo, bebês de 5 meses observaram um camundongo de brinquedo em um pequeno palco. Depois que os bebês assistiram à cena por um instante, uma tela subiu do chão e ocultou o camundongo da vista. Então, os bebês viram a mão do pes-quisador aparecer do lado, segurando outro camundongo e colocando (supostamente seu amigo) atrás da tela. A última etapa era o teste: a tela baixava para revelar um ou dois camundongos. Se os bebês tivessem noção de adição, eles deviam esperar ver dois camundongos e fi car surpresos ao verem apenas um. De fato, essa surpresa é exatamen-te o que aconteceu. Se dois camundongos estivessem à vista, os bebês olhavam apenas brevemente. Afi nal, o que viam era simplesmente o que esperavam. Porém, se houvesse apenas um camundongo à vista, os bebês continuavam a olhar o camundongo único, como que questionando por que o outro não estava lá. Resultados análogos foram ob-tidos em um teste de subtração, no qual o pesquisador apresentou dois camundongos no início e depois removeu um deles. Nesse caso, os bebês olharam por mais tempo quando viram dois camundongos, em vez de um, como se fi cassem surpresos de que dois menos um ainda eram dois (Wynn, 1992, 1995).

Com certeza, os bebês pequenos ainda têm muito a aprender sobre aritmética, mas, mesmo assim, os bebês têm o princípio da competência aritmética em uma idade sur-preendentemente precoce – tão cedo que parece altamente improvável que a compe-tência seja resultado de aprendizagem. Ao invés disso, algum conhecimento matemático parece fazer parte da capacidade inata do bebê.

Demonstrações e comunicaçãoPor enquanto, todos os nossos exemplos lidaram com o comportamento de indivíduos. Todavia, grande parte do material da psicologia é inerentemente social. Isso vale para animais e para humanos, pois todos os animais interagem com outros membros da sua espécie, seja como parceiros, pais, fi lhos ou competidores.

Como não é de surpreender, muitas dessas interações dependem de alguma forma de comunicação. Considere, por exemplo, os padrões de cortejo observados nos pás-saros. Muitas espécies de pássaros evoluíram estruturas corporais ou rituais elaborados, pelos quais um sexo – geralmente o macho – corteja o outro. Do que consiste exata-mente esse cortejo é algo que depende da espécie. Alguns machos cortejam tornando-se visíveis. O pavão abre suas magnífi cas penas da cauda e faz piruetas, para que as fêmeas vejam. A fragata infl a a sua bolsa gular vermelha. Outros machos adotam uma abordagem mais romântica. O pássaro bowerbird da Austrália constrói um abrigo espe-

Memória da testemunha ocular. Quanto das testemunhas ou vítimas de crimes lembram daquilo que viram? Podemos contar com a exatidão do seu testemunho? A resposta depende, em parte, de exatamente como se questionou a testemunha.

Figura 1.1 Pássaros em cortejo. Os pássaros evoluíram diversos padrões de cortejo, que essencialmente são características intrínsecas a uma determinada espécie. (A) O faisão mostra as penas da cauda. (B) A fragata infl a a bolsa gular vermelha.

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cial, que decora com frutas coloridas e fl ores. Os machos de outras espécies oferecem presentes. Em todos os casos, a mensagem básica é a mesma: “sou um pavão (ou fragata ou bowerbird) macho, saudável e disposto e quero que você me escolha como seu com-panheiro” (Figura 1.1)

Essas comunicações sociais geralmente são específi cas de uma determinada espécie e surgiram como consequência da seleção natural – o processo que está no âmago da evolução biológica. Elas são as maneiras pelas quais os indivíduos informam uns aos outros sobre o seu estado e suas intenções atuais. Citamos comunicações que servem como demonstrações para acasalamento, mas outras comunicações têm outras funções. Algumas, por exemplo, são demonstrações de agressividade (“Caia fora ou...”; Figura 1.2A). Outras ainda são tentativas de conciliação (“Não me machuque. Não vou lhe fazer mal!”).

Os seres humanos usam essas demonstrações intrínsecas? As pesquisas sugerem que sim, e um exemplo é o sorriso, uma resposta encontrada em todos os bebês, mesmo aqueles que nascem cegos (que não podem ter aprendido a sorrir por imitação). O sorriso costuma ser considerado um sinal com origem biológica, pelo qual os seres hu-manos dizem uns aos outros: “Seja bom para mim. Eu lhe quero bem” (Figura 1.2B).

Comportamento social em humanosDe maneiras óbvias, as interações sociais humanas – e os sinais que emitimos no proces-so – são diferentes das de outros animais. Uma diferença é que as interações humanas geralmente são mais variadas do que as dos outros animais. Os pavões têm apenas uma maneira de cortejar – eles abrem as penas da cauda e esperam pelo melhor. Os machos e as fêmeas humanos são mais fl exíveis e muito mais complexos, seja no cortejo ou em qualquer outra interação social. Em parte, isso refl ete o fato de que grande parte da vida humana se baseia na avaliação do indivíduo sobre como a outra pessoa reagirá aos seus atos: “se eu fi zer isto,... ele vai pensar aquilo,... então eu terei que fazer aquilo...”, e assim por diante. Esses cálculos permitem que os seres humanos ponderem sobre as opções ao selecionarem suas manobras sociais; se um plano falhar, eles podem escolher outro. Essas sutilezas estão além dos pavões. Se seu ritual de cortejo falhar, eles não terão outro recurso. Eles não tentam construir abrigos ou comprar uma dúzia de rosas; tudo que podem fazer é abanar as penas da cauda repetidamente.

Essa descrição das coisas faz parecer que o comportamento social humano é crite-rioso e razoável – e, em muitas circunstâncias, realmente o é. Contudo, existem outros casos em que parecemos agir com pouca refl exão ou razão. Isso é especialmente prová-vel quando estamos em grupos grandes. Por exemplo, considere pessoas que participam de tumultos – seja durante uma crise política ou após um jogo de futebol. Os indiví-duos que participam do tumulto provavelmente são pacífi cos, ordeiros e responsáveis individualmente, mas, quando participam de um grupo infl amado, são capazes de atos

Figura 1.2 Demonstrações. (A) Demonstração de agressividade do macho de mandril, um grande babuíno do oeste africano. (B) O sorriso humano.

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destrutivos horríveis e, em alguns casos, de violência bru-tal. Por que a multidão age de maneiras tão diferentes dos indivíduos que a constituem? Por razões intelectuais e so-ciais, essa é uma questão importante para a psicologia.

A DIVERSIDADE DE PERSPECTIVAS DA PSICOLOGIAExistem diversos exemplos que documentam a enorme variedade dentro do conteúdo da psicologia. Porém, a psi-cologia também é diversa em outro sentido: nas diferentes abordagens que adota. Em outras palavras, não apenas há diversidade (como já vimos) no que os psicólogos estudam, como também há diversidade em como os psicólogos estu-dam vários dos fenômenos que os interessam. As diversas perspectivas da psicologia são óbvias quando pensamos em como o campo aborda temas tão diferentes quanto a violência da multidão e as raízes biológicas da aritmética. Todavia, a necessidade por abordagens diversas é evidente, mesmo quando considera-mos como os psicólogos abordam um fenômeno único. Para demonstrar essa questão, vamos nos concentrar em apenas um tema, a alimentação.

Comemos para sobreviver – para obter os nutrientes e a energia de que nossos corpos precisam para funcionar. Isso se aplica a cada ser humano em nossa cultura, assim como a cada animal. De modo real, então, nossa biologia exige que comamos e, como veremos em seguida, controla a nossa alimentação. Porém, devemos considerar muito mais que a biologia se quisermos entender o que, quando e como cada um de nós come. Isso fi ca claro, por exemplo, no fato de que as pessoas de certas culturas gos-tam de comidas que as pessoas de outra cultura podem considerar nojentas. Também fi ca claro quando consideramos casos em que pessoas decidem comer tão pouco que se colocam em risco médico, motivadas, ao que parece, por uma ideia bizarra de como seus corpos devem ser. Vamos examinar essas questões, analisando algumas das perspec-tivas diferentes de que necessitamos se quisermos entender esses e outros aspectos da alimentação.

A base biológica da alimentaçãoA sobrevivência de cada animal exige um suprimento adequado de energia e também uma quantidade de nutrientes específi cos, todos derivados da comida. Um organismo insensível a essas necessidades teria uma vida curta e, por isso, não é de surpreender que todos os animais tenham mecanismos internos sofi sticados que monitoram a disponibi-lidade de diversos nutrientes dentro do corpo. E, é claro, esses mecanismos podem fazer os animais procurarem comida quando surge a necessidade.

O êxito desses mecanismos é evidente no fato de que, quanto existe comida livre-mente disponível, os animais geralmente comem a quantidade certa para satisfazer as suas necessidades, enquanto mantêm o seu peso aproximadamente constante. A “quan-tidade certa” refere-se aqui não ao volume de comida, mas ao número de calorias – e, assim, à energia metabólica que pode proporcionar. Isso foi demonstrado em um es-tudo realizado há muitos anos, no qual pesquisadores adulteraram os níveis calóricos da comida de ratos, acrescentando celulose sem valor nutritivo. Quanto mais diluída a comida, mais os ratos comeram, em uma quantidade que mantinha o conteúdo calóri-co aproximadamente constante (Adolph, 1947).

Como o rato (ou qualquer outro organismo) faz essa autorregulação? A resposta é complexa, mas uma fonte crucial de informação é o fígado, que controla o principal nutriente usado para obter energia a curto prazo: o açúcar do sangue, a glicose. Imedia-tamente após uma refeição, há muita glicose. Parte dela é usada imediatamente, mas a

Cultura e preferências alimentares. Pessoas de certas culturas gostam de alimentos que as pessoas de outra cultura talvez considerem nojentos.

Magro é belo – será? A organização Boycott Anorexic Marketing, que atua em Boston, é um grupo de mulheres que acredita que a exaltação de modelos ultramagras tende a estimular o desenvolvimento de transtornos alimentares em mulheres jovens. Para chamar atenção para essa relação, esses grupos às vezes picham os anúncios daqueles que consideram culpados.

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maioria é convertida em glicogênio e ácidos graxos diversos, que são armazenados para uso posterior. Quando essa energia armazenada se torna necessária, o processo se inver-te e o glicogênio e os ácidos graxos se transformam novamente em glicose utilizável.

O fígado faz esse processo de conversão e também informa outros órgãos em qual direção a transação metabólica está andando, da glicose para glicogênio ou o inverso. Se o equilíbrio se inclina para o armazenamento (o suprimento atualmente excede a de-manda, de modo que o excesso pode ser convertido em glicogênio), o fígado envia um sinal de saciedade, e o animal para de comer. Se o equilíbrio se inclina para a produção de glicose (a demanda excede o suprimento, de modo que as reservas estão sendo usa-das), o fígado envia um sinal de fome, e o animal come.

Mas onde terminam esses sinais enviados pelo fígado? Uma parte da resposta está em uma estrutura cerebral chamada hipotálamo. Como discutiremos no Capítulo 2, muitas áreas do cérebro desempenham um papel no controle do consumo alimentar, mas um local importante é a região lateral do hipotálamo, que serve como uma das áreas do cérebro responsáveis pelo início da alimentação. Se essa região estiver lesionada, os animais não comem e morrem de fome, a menos que sejam alimentados à força. Outro local importante é a região ventromedial, uma das áreas do cérebro que diz ao animal quando parar de comer. Lesões induzidas cirurgicamente nesse ponto fazem os ratos comerem vorazmente, até que fi nalmente alcancem um peso três vezes maior que antes da cirurgia. Em humanos, tumores na região hipotalâmica têm o mesmo efeito – levando à obesidade (Hoebel e Teitelbaum, 1976; Miller, Bailey e Stevenson, 1950; Teitelbaum e Epstein, 1962).

Infl uências culturais sobre a alimentaçãoNão existe dúvida de que o fígado, o hipotálamo e outras estruturas biológicas de-sempenham um papel crucial em decidir quando e quanto comemos. Porém, também está claro que outros fatores são críticos, incluindo a cultura em que vivemos. Como um fato óbvio, por que muitos europeus precisam de sua principal refeição do dia no início da tarde, enquanto outros no continente – os franceses, por exemplo – somente precisam da principal refeição à noite? Da mesma forma, por que a maioria dos norte-americanos sente fome por volta de 18 horas, enquanto os britânicos provavelmente buscarão alimentos algumas horas antes, na hora do chá? Essas questões certamente não podem ser respondidas em termos de diferenças entre o fígado dos franceses, norte-

Um rato obeso. Fotografi a de um rato alguns meses depois de sofrer uma lesão na região ventromedial do hipotálamo.

Mudanças nas concepções da relação entre o peso do corpo e a atração física. Uma causa subjacente de muitos transtornos alimentares em mulheres ocidentais é a sua crença de que ser magra é bonito. E, certamente, a nossa cultura moderna cultua a magreza: compare (A) As três graças, pintado pelo mestre Peter Paul Rubens em 1639 com (B) Gisele Bündchen, uma supermodelo contemporânea, considerada bonita por muitos, mas que é muito mais magra que as mulheres que pareciam bonitas em outras épocas. A B

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americanos e britânicos ou da variação geográfi ca em como o hipotálamo está conec-tado. Ao invés disso, essas questões nos lembram, de um modo óbvio, que o padrão da nossa alimentação é bastante infl uenciado pelo ambiente cultural em que vivemos.

Também importante, a cultura governa o quanto comemos. Muitos de nós preci-sam se esforçar para controlar o consumo de alimentos, geralmente para alcançar um determinado peso corporal ou um determinado tamanho de roupa. E, na maioria dos casos, o peso corporal que buscamos é menor que o nosso peso atual, gerando uma enorme popularidade para alimentos dietéticos e de baixo teor calórico, bem como para os programas de exercícios voltados para a perda de peso. Essas atitudes para redu-zir o peso são particularmente populares com as mulheres, que são muito mais prová-veis que os homens de pensar que estão acima do peso (Fallon e Rozin, 1985).

Mas o que defi ne o ideal pelo qual tantas pessoas lutam? A resposta está no am-biente cultural, e culturas diferentes estabelecem padrões bastante diferentes. As mu-lheres pintadas por Rubens, Matisse e Renoir, por exemplo, eram consideradas bonitas em sua época, e os três artistas provavelmente considerariam as supermodelos de hoje subnutridas e desinteressantes.

O peso “ideal” cultuado em cada cultura é reforçado de muitas maneiras – incluin-do, nos tempos modernos, uma artilharia de imagens na mídia promovendo a magreza como ideal. Isso torna extremamente difícil para indivíduos com sobrepeso (ou mes-mo com peso normal!) simplesmente se aceitarem como são. Eles podem entender completamente que não existe nada sagrado no peso ideal de uma sociedade, mas isso é uma defesa insignifi cante contra um mundo de amigos e pais, ídolos do cinema e anúncios de moda obcecados com o peso, todos cultuando um nível de magreza que, para muitos de nós, é antinatural e insalubre (para uma discussão mais aprofundada, ver Smith, 1996).

A alimentação e o mundo socialOs fatores culturais proporcionam um pano de fundo constante para o nosso pensa-mento, nossas expectativas e percepções. Porém, também somos infl uenciados pelas situações específi cas em que nos encontramos, e elas também devem ser analisadas para que entendamos quando, o quê e quanto as pessoas comem.

Como exemplo, observemos que existem infl uências sociais diretas sobre a alimen-tação, de modo que somos mais prováveis de comer quando estamos rodeados por pes-soas que estão comendo. A demonstração clássica disso vem de um experimento feito há alguns anos, que mostrou uma galinha já alimentada e satisfeita com sua ração voltar a comer se estivesse com outras galinhas famintas (Bayer, 1929). Podem-se observar efeitos semelhantes com seres humanos.

As infl uências sociais também estão ligadas aos nossos comentários anteriores sobre as aspirações das pessoas (e às vezes aspirações doentias) para a magreza. Como dis-cutiremos mais adiante no livro, cada um de nós é poderosamente infl uenciado pelas pessoas que nos rodeiam, de modo que as maneiras como agimos – e, de fato, como pensamos sobre nós mesmos – são determinadas pela maneira como elas nos percebem e pelo que esperam de nós. E o fato é que a maneira como as pessoas nos percebem e aquilo que elas esperam de nós são determinados pela nossa forma corporal – em par-ticular, pelo quanto somos gordos ou magros.

Em um estudo, os sujeitos da pesquisa olharam fi guras de mulheres gordas e magras (Bessenoff e Sherman, 2000). Imediatamente depois, os participantes receberam se-quências de letras e tinham que decidir quais sequências eram palavras legítimas ou não. Observe que a avaliação sobre as letras não dependia de modo algum das fi guras, mas, mesmo assim, era infl uenciada por elas: quando os sujeitos viram uma fi gura de uma mulher gorda, isso automaticamente desencadeou pensamentos sobre pessoas gordas, que tendiam a ser negativos. Se a sequência de letras que aparecia a seguir tivesse uma conotação negativa (“feio”), ela se encaixava no modelo mental criado pela fi gura, de modo que os participantes, de fato, já estavam ativados para a palavra. Como resultado,

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eles conseguiram responder relativamente rápido (sinalizando que “sim, essa é uma palavra em inglês”). Porém, se, por outro lado, a sequência de letras que aparecia depois da fi gura de uma pessoa gorda tivesse uma conotação positiva (“esperto”), isso não se encaixava no modelo criado pela fi gura, os sujeitos não estavam ativados para a palavra e suas respostas eram mais lentas.

Desse modo, parece que as pessoas associam certas idéias (negativas) automatica-mente a ser gordo, e isso inevitavelmente irá matizar as suas interações e avaliações das pessoas gordas que encontrarem. Como resultado, nosso funcionamento social cotidia-no e a maneira como outras pessoas pensam a nosso respeito ajudarão a reforçar as nos-sas aspirações para uma certa forma ou tamanho corporal – e podem, em muitos casos, reforçar aspirações para uma forma corporal que não é nada saudável para nós.

Transtornos da alimentaçãoNa psicologia, devemos entender os aspectos que tornam as pessoas iguais, assim como os aspectos que as diferenciam. Algumas diferenças entre as pessoas podem ser com-preendidas como variações dentro da faixa que consideramos “saudável” ou “normal”, incluindo diferenças de personalidade, de aptidões, de ideias, e assim por diante. Contu-do, outras diferenças nos colocam indubitavelmente fora da faixa que podemos chamar de “saudável”.

Por exemplo, mencionamos que muitas pessoas desejam ser mais magras do que são e fazem várias coisas para alcançar esse objetivo. Porém, em certos casos, o desejo de ser magro é tão extremo que leva a transtornos da alimentação, com im-plicações sérias para a saúde. Uma dessas condições é a anorexia nervosa, cujo aspecto característico é uma “busca incansável pela magreza por meio da autoinanição, até a morte” (Bruch, 1973, p. 4; também American Psychiatric Association, 1994). A ano-rexia afeta até 1% dos jovens nas sociedades ocidentais, na maioria garotas, embora também seja uma preocupação crescente entre os garotos e para mulheres com mais de 40 e 50 anos.

Os anoréxicos se preocupam muito e constantemente com o medo de engorda-rem. Quando comem, comem apenas alimentos com baixo teor calórico. Além disso, podem induzir o vômito para purgar o que comeram, podendo usar laxantes para ace-lerar a perda do peso. Com frequência, fazem exercícios extenuantes, às vezes, durante

Anorexia. Nossa cultura infl uencia poderosamente os nossos padrões de beleza, levando certas pessoas a monitorar as suas dimensões corporais constantemente (A) e levando outras, como a modelo à direita (B), a manter uma forma provavelmente insalubre.

A B

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muitas horas por dia e esse regime leva a uma perda de peso drástica, que pode chegar a pesos corporais até 50% do que seria considerado normal. Outros sintomas são hipe-ratividade, transtornos do sono e aversão ao sexo.

O que leva à anorexia nervosa? Algumas autoridades acreditam que as principais causas são psicológicas, refl etindo a obsessão da nossa cultura pela magreza (Logue, 1986). Em outros casos, a principal causa pode ser um medo da sexualidade ou um desafi o aos pais, com um forte desejo de afi rmar um certo grau de autonomia e con-trole (Bruch, 1978). Autores de orientação mais biológica sugerem a probabilidade de uma predisposição genética. De qualquer modo, a anorexia chama atenção para o fato de que o nosso entendimento da alimentação e da fome deve envolver tentativas de entender o normal e o anormal, o comum e o extremo.

O controle cognitivo da alimentaçãoExiste outro fator que infl uencia a nossa alimentação e que talvez seja um fator sur-preendente: a nossa memória, pois o fato de comermos ou não é infl uenciado pelo que lembramos – e, em particular, por nossa memória daquilo que comemos recen-temente.

Essa questão foi ilustrada por um estudo de dois pacientes que sofriam de amnésia clínica – um transtorno da memória, produzido por uma lesão cerebral tão grave que o paciente não consegue funcionar no meio normal e deve ser tratado no hospital. O es-tudo ocorreu na hora do almoço normal dos pacientes e começou com o pesquisador colocando uma refeição completa na frente do paciente, comentando: “eis o almoço”. Depois que o paciente comeu, o prato foi retirado e, depois de alguns minutos de conversa, o paciente havia esquecido completamente que havia recebido e comido a refeição. Isso, é claro, é a simples confi rmação do diagnóstico do paciente. Então, após mais alguns minutos, chega outra refeição, sem nenhuma pista de que era a segun-da, apenas com o mesmo comentário de “eis o almoço” (Rozin, Dow, Moskovitch e Rajaram, 1998).

Podemos pensar que os pacientes conseguiriam sentir suas barrigas cheias e, por-tanto, decidiriam não comer mais. Afi nal, todos já tivemos a experiência de recusar um segundo prato ou talvez de resolver não comer sobremesa, porque já estávamos satisfeitos. Mas as coisas foram diferentes no experimento, e ambos os pacientes com amnésia comeram prontamente o segundo almoço que lhes foi oferecido – e, depois de mais alguns minutos, o terceiro. Aparentemente, a memória de que já comemos é um dos fatores que controla a nossa alimentação. Quando essa memória está ausente (como nesses pacientes amnésicos), e quando, em outras palavras, simplesmente não lembramos o que acabamos de comer, nosso controle sobre a nossa própria alimenta-ção é prejudicado, e somos infl uenciados por pistas externas (como a visão da comida disponível).

Também existe outro aspecto importante nesse estudo de pacientes amnésticos: imediatamente depois de comerem sua primeira refeição, perguntou-se aos pacien-tes se eles estavam com fome e, apesar de terem acabado de comer, eles diziam que estavam razoavelmente com fome. Isso se contrapõe a pessoas com memórias in-tactas, que seguramente dizem sentir menos fome depois de comerem a refeição. A sensação de fome parece não ser apenas resultado de ter o estômago vazio (ou outra pista interna). Em vez disso, a sensação subjetiva de fome também é determinada pela memória e, mais especifi camente, pela recordação de quanto tempo passou desde a última refeição.

O desenvolvimento de preferências alimentaresPor enquanto, temos nos concentrado em como e quanto as pessoas comem. Porém, também podemos examinar o que as pessoas comem – que alimentos gostam, quais não gostam e o que consideram nojento. E aqui, também, devemos considerar uma ampla

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variedade de fatores. Por exemplo, a cultura de um povo obviamente tem um papel. Mencionamos antes o fato de que as pessoas, em certas culturas, gostam de comidas que parecem totalmente revoltantes para pessoas de outros meios culturais. Os fatores cog-nitivos também têm uma infl uência. Isso fi ca claro, por exemplo, no caso de pessoas que deixam de comer carne por acreditarem ser moralmente errado. Essas pessoas muitas ve-zes relatam que, infl uenciadas por suas crenças, passam a considerar a carne nojenta (Ro-zin, Markwith e Stoess, 1997). Da mesma forma, os fatores sociais são importantes. Vemos isso, por exemplo, sempre que as pessoas brincam de “consigo comer uma pimenta mais forte que você” (ou “consigo comer balas mais fortes que você”, e assim por diante).

Sem dúvida, o desenvolvimento das preferências alimentares depende basicamente de uma interação complexa entre a aprendizagem e a biologia. O papel da aprendi-zagem é evidente: as crianças tailandesas somente começam a gostar dos alimentos extremamente apimentados da sua cozinha de forma gradual, já as crianças norte-ame-ricanas diminuem lentamente (mas não perdem) o paladar por doces e passam a gostar de outros alimentos que não lhes interessavam quando eram pequenas.

O papel da biologia também é importante. Vemos isso no fato de que bebês muito pequenos, independentemente da cultura onde vivem, têm fortes preferências por cer-tos sabores e não gostam de outros. Uma forma de demonstrar isso está nas expressões faciais dos bebês após provarem um sabor ou outro. A Figura 1.3A mostra o prazer no rosto do bebê depois de experimentar algo doce; a Figura 1.3B mostra a reação dife-rente do bebê a um paladar azedo. De forma clara, certas preferências alimentares são essencialmente inatas e proporcionam o ponto de partida para o desenvolvimento das preferências subsequentes de cada indivíduo.

A necessidade de perspectivas múltiplasA mensagem geral desta seção deve fi car clara: se quisermos entender o que, quando e quanto as pessoas comem, devemos entender a alimentação a partir de muitas pers-pectivas diferentes e, com isso, precisamos usar métodos diferentes e níveis diferentes de análise. E aquilo que vale para a alimentação também vale para outros fenômenos psicológicos, que também devem ser vistos a partir de muitas perspectivas. Cada pers-pectiva é válida, mas nenhuma está completa sem as outras.

O QUE UNIFICA A PSICOLOGIA?Com toda essa ênfase na diversidade da psicologia, o que unifi ca o nosso campo? O que confere coerência ao campo? A resposta tem três partes. Primeiro, há a lista de questões que os psicólogos perseguem – questões que, como dissemos no começo, se concentram em por que os seres humanos (e outros animais) fazem o que fazem, sen-tem o que sentem e pensam o que pensam. Essas são questões amplas que interessam a todos os psicólogos, não importa o problema específi co que estejam pesquisando em seu trabalho.

Em segundo lugar, há a lista de afi rmações amplas que emerge do trabalho dos psicólogos, afi rmações que se aplicam a muitos aspectos diferentes da psicologia e que, portanto, parecem caracterizar de modo geral a maneira como a mente funciona e por que o comportamento é como é. Uma dessas colocações já entrou na discussão – ou seja, que os fenômenos de interesse para a psicologia são infl uenciados por muitos fa-tores diferentes, forçando o campo a usar níveis múltiplos de análise. Essa necessidade de perspectivas múltiplas, para praticamente cada tema que os psicólogos estudam é considerada evidente pela maioria dos profi ssionais no campo, mas esse nem sempre foi o caso: em alguns períodos históricos, os psicólogos argumentavam que todos os fenômenos tinham que ser explicados em termos de leis universais da aprendizagem e que todas as nossas evidências, portanto, devem vir de laboratórios cuidadosamente controlados onde essas leis foram investigadas. Em outros períodos, os psicólogos in-sistiam que todos os fenômenos podiam ser explicados em termos de necessidades e

Figura 1.3 Perspectivas inatas. Desde o momento do nascimento, os bebês conseguem distinguir paladares e parecem ter preferências por alguns sobre outros. Essas fotos mostram as reações de um bebê recém-nascido (2 horas de vida) a um paladar doce (A), um paladar azedo (B) e um paladar amargo (C).

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confl itos inconscientes e que nossas evidências, portanto, deviam vir principalmente do diário de registros do analista. Todavia, na segunda metade do século XX, os psicólogos rejeitaram essas afi rmações limitadas e, desse modo, enfatizaram uma certa visão sobre o nosso comportamento (que ele é determinado por muitos fatores) e sobre a nossa ciência (que ela deve ser eclética).

Outro tema diz respeito à inter-relação entre a nossa herança biológica, por um lado, e a infl uência das nossas experiências, por outro. Os psicólogos às vezes falam desses fatores como se excluíssem uns aos outros e, assim, perguntam (por exemplo) se um determinado comportamento é aprendido ou inato, e se uma determinada ação é governada de dentro do organismo ou a partir dos fatores envolvidos na situação. Conforme indicou a nossa discussão sobre a alimentação, essas questões colocam o problema da maneira errada, como se tivéssemos que escolher apenas uma resposta e rejeitar a outra. Contudo, a realidade é que a alimentação (por exemplo) é infl uencia-da por uma rica interação entre fatores inatos e a aprendizagem, entre fatores intrín-secos ao organismo (como a necessidade de glicose ou a memória) e fatores ligados à situação (como expectativas culturais ou pressões situacionais). O mesmo também ocorre com a maioria dos comportamentos.

Temas amplos como esses (e descobriremos outros temas, em outros capítulos) conferem uma forte coerência ao campo, apesar da diversidade de sua cobertura e mé-todos. Conforme veremos, existem coerências importantes na maneira como agimos e por que fazemos o que fazemos, e essas coerências proporcionam ligações entre as diversas áreas da psicologia.

Todavia, também existe um terceiro fator que unifi ca o nosso campo: o compro-metimento com uma psicologia científi ca. Para entender a importância dessa questão, precisamos ter em mente que as questões que ocupam os psicólogos têm fascinado as pessoas por milhares de anos. Romancistas e poetas sondaram a natureza da ação hu-mana em ambientes incontáveis. Os dramaturgos passavam muito tempo ponderando sobre ligações românticas ou a relação entre as gerações. Os gregos antigos comenta-vam extensivamente sobre a maneira adequada de criar os fi lhos, e os fi lósofos, ativistas sociais e muitos outros fi zeram propostas em relação a como devemos viver – como podemos eliminar a violência, tratar a doença mental, e assim por diante.

Contra esse pano de fundo, o que se diferencia na contribuição da psicologia para essas questões? A resposta está no fato de que os psicólogos, não importa a sua perspectiva, fazem todo o seu trabalho dentro do modelo amplo da ciência – com hipóteses abertas ao teste defi nitivo. Desse modo, podemos determinar quais propostas são bem-fundamentadas e quais não são, quais conselhos são justifi cáveis e quais são vazios. Assim, quando estivermos razoavelmente certos de quais hipóteses estão cor-retas, poderemos construir a partir daí, sabendo que estamos construindo sobre uma base fi rme.

O MÉTODO CIENTÍFICOOs métodos de pesquisa científi ca servem bem à psicologia. Aprendemos muita coisa sobre a alimentação, as emoções, como as crianças se desenvolvem, por que certas pes-soas sofrem de esquizofrenia, e muito mais. Mas o que é o método científi co, e como ele é usado na psicologia?

No fundo, a ciência é um conjunto de procedimentos criados para permitir que separemos hipóteses verdadeiras de simples opiniões sobre o mundo. Esses procedimen-tos permitem que testemos nossas ideias, para que possamos rejeitar alegações falsas e preservar apenas aquelas estabelecidas solidamente.

Como se alcança isso? O método científi co começa com a formulação de hipóte-ses testáveis – hipóteses que nos permitam fazer certas previsões sobre o que podemos descobrir dentro de um determinado conjunto de circunstâncias (Figura 1.4). Essas previsões são então testadas. Muitas vezes, isso signifi ca reunir novos dados, seja por

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observação ou por meio de um experimento. Às vezes, as previsões podem ser verifi -cadas usando os dados disponíveis – talvez como resultado de estudos prévios ou dos dados do censo do país. Contudo, independentemente da origem dos dados, existem regras rígidas para como eles devem ser coletados e avaliados. Por exemplo, não é acei-tável que os cientistas considerem apenas fatos que favoreçam suas hipóteses e ignorem aqueles que não as favoreçam. Também não é aceitável acrescentar novos pressupostos para explicar fatos que não sustentam a hipótese. Os cientistas também devem consi-derar apenas os fatos coletados de maneira confi ável e objetiva. E, é claro, falsifi car ou forjar dados por qualquer razão – seja para obter fama ou por causa de uma crença sincera em que um determinado resultado benefi ciará a sociedade – é condenado pela ciência. De fato, é fraude e razão para expulsão da comunidade científi ca.

Se os fatos não condizem com a previsão, a hipótese é refutada. Nesse caso, o cien-tista é obrigado a deixar a hipótese de lado, voltando-se para alguma hipótese nova. O que o cientista não pode fazer é se prender a uma hipótese que tenha sido testada e considerada insufi ciente.

Todavia, se os resultados condizem com a previsão, a hipótese é confi rmada. Ob-serve, porém, que dissemos confi rmada e não comprovada. Ou seja, em parte, porque o processo ainda não está pronto: o método usado para coletar os dados e os próprios dados devem estar acessíveis para outros membros da comunidade científi ca. Para os psicólogos, isso geralmente signifi ca fazer uma apresentação em um encontro cientí-fi co ou publicar um artigo em um periódico científi co. Isso permite que outros pes-quisadores escrutinem o método e os dados para garantir que a hipótese foi avaliada corretamente, e também permite que outros repliquem o estudo – para fazer o mesmo

Figura 1.4 O método científi co. Os passos que o cientista dá para desenvolver e testar uma hipótese variam conforme os elementos específi cos do caso. Todavia, a lógica básica é sempre a mesma e segue o fl uxo de etapas apresentado aqui.

O cientista

desco-

nhecido

(Que fez al-

gum trabalho

básico muito

importante)

A ciência leva tempo. Fazer ciência é um processo lento, e qualquer avanço científi co se baseia no trabalho de outros cientistas anteriores.

Examinar outros dados para testarhipótese novamente

Considerar explicações alternativaspara os dados

Replicar experimentos originais

Se os resultados aindaa sustentarem, a

hipótese é fortementeconfirmada

Se os resultados não asustentarem, a hipóteseé refutada e deve ser

modificada ou rejeitada

Formular hipóteses testáveis

As evidências condizem com a hipótese?

Sim? Os resultadossustentam a hipótese

Não? Os resultadosnão sustentam a hipótese

A hipótese é refutadaA hipótese é confirmada

Corrigir ou modificar hipóteseEscrutinar os dados e métodos

Reunir novas evidências Considerar fatos já disponíveis

45Psicologia

procedimento com um novo grupo de participantes. Uma replicação bem-sucedida (uma repetição do estudo que produza os mesmos resultados) nos garante que não existe nada peculiar no estudo inicial e que os resultados do estudo são confi áveis.

A publicação de um estudo também permite que outros pesquisadores façam ex-perimentos alternativos, na tentativa de desafi ar os resultados iniciais. E então, mesmo quando os resultados tiverem sobrevivido a todo esse escrutínio, ainda não podemos considerar a hipótese “comprovada”. Isso porque os cientistas, com uma mente aberta, sempre permitem a possibilidade de que novos fatos possam surgir, desafi ando a hipó-tese ou mostrando que a hipótese somente está correta em certas circunstâncias. Dessa forma, nenhuma hipótese científi ca, não importa quantas vezes tenha sido confi rmada, é tratada como verdadeiramente “provada”. Todavia, é claro que, se uma hipótese for confi rmada muitas vezes e suportar uma grande variedade de desafi os, os cientistas a consideram extremamente provável de estar correta e que podem seguramente conti-nuar com base nela.

Projetando um experimento persuasivoUma ferramenta importante que os psicólogos usam (embora não seja a única) é o teste de hipóteses por meio de um experimento. Vamos analisar como se projeta um experi-mento para garantir que seja cientifi camente persuasivo.

Formulando uma hipótese testávelConforme já discutimos, o processo científi co exige que comecemos com uma hipóte-se testável – uma afi rmação que seja sufi cientemente específi ca para que saibamos com certeza os fatos que confi rmariam a hipótese e os fatos que a refutariam. Dito de outra forma, devemos evitar hipóteses que sejam formuladas de um modo que seja aberto demais, a ponto de que qualquer conjunto de circunstâncias possa contar como confi r-mação. Para uma hipótese dessas, não existe teste científi co possível.

Por exemplo, imagine um astrólogo que, depois de consultar as estrelas, afi rme: “uma fi gura pública importante morrerá no ano que vem!”. (O exemplo foi adaptado de Gilovich, 1991). Essa previsão serve como leitura interessante na fi la do supermer-cado, mas é vaga demais para ser testada. Quem conta como uma fi gura pública im-portante? Será que a morte do diretor do departamento de trânsito de Ohio confi rma a hipótese? E a morte de uma estrela de cinema que já foi proeminente no passado? A previsão do astrólogo não fornece orientação para fazer essas avaliações e, assim, fi ca aberto ao debate se esses fatos confi rmariam a previsão ou não. Como resultado, o “tes-te” dessa hipótese depende da opinião de cada pessoa sobre se, digamos, o burocrata de Ohio conta como uma “fi gura pública importante”. E, é claro, como o “teste” depende da opinião de alguém, ele não pode ser defi nitivo. Não há problema nisso para o astró-logo (pois, independente de como os fatos se resolverem, ele pode afi rmar que estava certo), mas é inaceitável para a ciência.

De maneira semelhante, considere a superstição de que “coisas ruins sempre ocor-rem em grupos de três”. Entre os problemas aqui, está a ausência de especifi cação para o intervalo de tempo. Três assaltos a bancos ocorrendo dentro de uma única semana parecem confi rmar essa afi rmação, mas e se dois ocorrerem em uma semana e outro ocorrer seis semanas depois? Isso confi rmaria a hipótese? A hipótese, da forma propos-ta, não fornece orientação sobre essa questão, de modo que, mais uma vez, existe espaço para debate sobre se os dados sustentam a hipótese ou não. Portanto, essa hipótese tam-bém não pode ser testada de forma defi nitiva: o “teste” depende da opinião de alguém sobre o que a expressão “vêm de três” realmente signifi ca, e um teste que depende de opiniões não é um teste.

É claro que podemos modifi car essas hipóteses para fazer previsões testáveis. Por exemplo, uma versão testável de “coisas ruins ocorrem em grupos de três” estipularia exatamente o que conta como uma “coisa ruim” e defi niria “grupos de três”. Um exemplo pode ser “se um ator ganhador do Oscar morrer, dois outros morrerão no

então,ocorre um

milagre

“Creio que você deve ser maisexplícito aqui no segundo passo”.

Afi rmações testáveis. Uma afi rmação científi ca deve ser sufi cientemente específi ca para que possa ser testada; afi rmações vagas não podem ser testadas.

Hipóteses testáveis? Astrólogos e tabloides costumam fazer previsões sobre o futuro, mas geralmente colocam suas previsões de um modo que seja sufi cientemente aberto para que não possam ser testadas de forma rigorosa.

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mesmo mês, seguidos por um período de pelo menos um mês em que nenhum outro ator ganhador do Oscar morrerá”. Essa previsão é muito mais confusa que a trivialidade original, mas, ao contrário dela, é testável!

A necessidade da coleta sistemática de dadosAlém de uma hipótese testável, a ciência também exige a coleta sistemática de dados. Para ver por que, consideremos um exemplo.

Muitas empresas vendem gravações de áudio que contêm mensagens sublimina-res embutidas na música de fundo. A mensagem deve ser uma instrução para parar de fumar ou controlar a comida, ou pode ser uma mensagem criada para fortalecer a autoestima ou superar a timidez. A mensagem é tocada de forma tão suave que não se pode detectá-la conscientemente ao ouvir a gravação, mas supostamente proporciona benefícios importantes – ajudando a parar de fumar ou se manter na dieta, aumentando a chance de atrair um parceiro romântico, e assim por diante.

Algumas evidências anedóticas – evidências que foram coletadas e relatadas de ma-neira informal – sugerem que essas mensagens subliminares podem ser muito efetivas. As evidências informais podem assumir muitas formas: “meu vizinho experimentou as gravações e perdeu 20 quilos”, ou “já ouvi falar de muitas pessoas que dizem que as gravações funcionam de verdade”. As pessoas, muitas vezes, fornecem evidências como essas quando tentam convencer os outros em conversas casuais, mas, na verdade, essas observações não têm valor científi co. Note que, como um problema, essas histórias em geral são relatos de segunda mão (“foi o meu vizinho que experimentou as gra-vações, mas eu é que estou contando”), e isso levanta questões sobre se a história não aumentou ao ser repetida. Mesmo que a história fosse de primeira mão (“experimentei as gravações e elas não funcionam”), essas “evidências” ainda teriam pouco valor. O problema aqui é que o relato fornece apenas a descrição de uma pessoa sobre os dados, deixando-nos sem um meio de determinar se a descrição é precisa e se os dados fo-ram coletados de maneira adequada. (Falaremos mais nas seções seguintes sobre o que seria uma “maneira adequada”.) Como resultado, os cientistas via de regra rejeitam as evidências anedóticas pelas mesmas razões que rumores são rejeitados pelos juízes no tribunal.

Veja também que as evidências anedóticas normalmente descrevem um único caso – por exemplo, um caso em que a persuasão subliminar parecia ter um efeito poderoso. No Capítulo 8, chamamos essas histórias de a história do “homem que” (ou da “mulher que”) – “conheço um homem que experimentou quase tudo para parar de fumar, mas fi nalmente conseguiu usando uma gravação subliminar”. Mesmo que esses casos se-jam bem-documentados, eles ainda são problemáticos. Talvez esse homem seja o único ajudado pela gravação. Ou talvez ele tivesse (fi nalmente) parado de fumar mesmo sem a gravação. Para avaliar essas questões, os estudos científi cos precisam de dados de um conjunto mais amplo de observações.

Como podemos superar esses problemas? No mínimo, precisamos coletar diversas observações para garantir que não estamos sendo infl uenciados por um pequeno nú-mero de casos (talvez atípicos). Porém, é crucial que essa coleta de observações seja feita de maneira sistemática. Por exemplo, imagine que você ouviu falar de vários amigos que conseguiram parar de fumar após usarem as gravações subliminares. Isso signifi ca que elas são efetivas? O problema aí é que essas observações podem sofrer de um viés de relato – ou seja, a tendência de certas informações serem relatadas e outras não. Afi -nal, um amigo que usou uma gravação subliminar e parou de fumar provavelmente fi cará orgulhoso dessa conquista e contará para todos, mas outro que experimentou a gravação e não fez nenhum progresso talvez sinta vergonha desse fracasso e não conte a ninguém. Como resultado, somente se ouve falar nos sucessos, e acaba-se com uma visão distorcida da efetividade da gravação.

O viés de relato pode assumir muitas formas, mas a versão descrita é chamada de o problema da gaveta – uma referência ao fato de que estudos com resultados animadores

SOU DO CENSO, MADAME. ESTAMOS

TENTANDO DES-COBRIR QUANTAS

PESSOAS VIVEM NOS ESTADOS UNIDOS

OH, VOCÊ ESTANO LUGAR

ERRADO! NÃOTENHO A MAIS REMOTA IDEIA

O método certo. Os dados científi cos devem ser coletados de forma sistemática – e, é claro, o método de coleta de dados deve ser adequado para as questões específi cas que estão sendo investigadas.

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são publicados (ou, em situações menos formais, simplesmente anunciados), enquanto estudos com resultados decepcionantes são engavetados e nunca mais são vistos. Por causa desse problema, existe uma chance real de que os dados disponíveis possam ser tendenciosos, com os ditos “resultados positivos” exagerados nos dados, e os “resultados negativos” diminuídos.

Para evitar o problema da gaveta, é importante coletar dados de uma amostra de pessoas que tenha usado a gravação subliminar independentemente de ter “funcionado” para elas ou não. Uma maneira de fazer isso é questionar todos que tenham comprado a gravação durante, digamos, uma determinada semana. Pressupondo-se que isso seja possível, como os dados devem ser registrados e avaliados? Talvez você se baseie em sua memória, tentando lembrar o que essas pessoas disseram sobre a sua experiência com gravações subliminares. Isso daria uma noção geral da taxa de sucesso da gravação, mas a precisão da abordagem está longe de ser garantida: os erros de memória são comuns, e isso pode comprometer a sua recordação das evidências (ver Capítulo 7). A memória também pode ser seletiva. No Capítulo 8, trataremos de um padrão conhecido como viés de confi rmação, que leva o indivíduo a recordar mais as histórias de sucesso se esperar que as gravações subliminares sejam efetivas, ou mais fracassos se esperar o oposto.

É claro que os relatos tendenciosos e os erros de memória não ocorrem o tempo todo, e o viés de confi rmação nem sempre aparece. Tenhamos em mente, porém, que os cientistas querem ter certeza de que seus dados refl etem a realidade e, com isso, querem garantir que suas hipóteses sejam testadas de um modo que esteja imune a desafi os. Como resultado, os cientistas não podem correr o risco de que um viés de relato ou erro de memória tenha infl uenciado os resultados, e é por isso que consideram os rela-tos informais e baseados na memória inadequados às suas necessidades.

Especifi cando a variável dependentePara evitar os problemas citados, precisamos coletar todos os dados (para evitar o problema da gaveta) e registrá-los fi elmente (para que não haja chance de um erro de memória). Mas como se faz isso? Vamos investigar essa questão continuando com nosso exemplo. Imagine que uma pesquisadora quer avaliar as gravações sublimi-nares da autoajuda de maneira científi ca. Ela seleciona para o estudo uma gravação anunciada com a “garantia de aumentar a atratividade pessoal”, e propõe a hipótese de que a gravação terá o efeito anunciado. Como ela faria o teste? Não seria sufi -ciente apenas perguntar às pessoas se as fi tas funcionaram ou não – não importa o quanto as respostas forem coletadas de forma cuidadosa e sistemática. Isso porque as pessoas que experimentassem as fi tas poderiam não saber avaliar a sua atratividade ou poderiam discordar em relação ao signifi cado de “atratividade”. Para evitar esses problemas, a pesquisadora precisaria de uma forma defensável de medir a atrativida-de. Sem essa medida, ela não teria como saber se as gravações subliminares funcio-nam ou não. Essa medida da atratividade será a variável dependente do experimento, assim chamada porque a pesquisadora deseja descobrir se essa variável depende de algum outro fator. A variável independente, por outro lado, é aquela cujos efeitos deseja investigar. Nesse exemplo, a variável independente é usar ou não a gravação subliminar.

Em geral, uma variável dependente é uma quantidade que pode ser avaliada direta-mente – uma porcentagem de respostas corretas em um teste ou o número de segundos necessários para concluir uma tarefa. Porém, uma qualidade como a atratividade exige um tipo diferente de medida. Uma opção é usar um grupo de avaliadores para analisar os participantes do estudo na dimensão relevante. A pesquisadora poderia, por exemplo, fi lmar os participantes durante uma entrevista e depois mostrar o fi lme para os avalia-dores, que classifi cariam a atratividade de cada participante em uma escala, digamos, de 7 pontos. A avaliação de todos os participantes na mesma escala proporcionaria uma base de comparação para testar a hipótese.

48 Henry Gleitman, Daniel Reisberg & James Gross

Por que um grupo de avaliadores, em vez de apenas um? Para uma variável como a atratividade, certamente é possível que diferentes avaliadores possam enxergar as coi-sas de diferentes maneiras, pois, afi nal, o que é atraente para uma pessoa pode não ser para outra. Com o uso de um grupo de avaliadores e comparando as suas avaliações, a pesquisadora poderia verifi car essa possibilidade. Se os avaliadores discordarem, não será possível tirar nenhuma conclusão do estudo, mas, se eles chegarem a um grau razoável de concordância, a pesquisadora pode ter confi ança de que suas avaliações não são ar-bitrárias ou idiossincráticas.

Usando um grupo-controleUsando a medição recém descrita, um pesquisador pode coletar dados de maneira direta: pode pedir que 20 estudantes escutem a gravação subliminar e depois que os avaliadores classifi quem o grau de atratividade de cada estudante. Se todos os estudantes vierem a ser classifi cados como razoavelmente atraentes, o que ele pode concluir? Na verdade, não poderia concluir nada, pois esse resultado seria ambíguo. Talvez a grava-ção tenha ajudado, e seja por isso que os estudantes pareçam atraentes, mas também é possível que eles simplesmente já fossem atraentes antes, independente da gravação. Sem uma maneira de escolher entre essas interpretações, o pesquisador não pode tirar conclusões do estudo.

Para acabar com essa ambiguidade, o pesquisador precisa de alguma base de com-paração em seu estudo. Existem diversas maneiras de separar os grupos de participantes. Um grupo seria entrevistado após ouvir a gravação contendo a mensagem subliminar, e outro seria entrevistado após ouvir algo diferente. O primeiro grupo seria o grupo-expe-rimental, pois é com esses participantes que o pesquisador introduz a manipulação experi-mental (em nosso exemplo, ouvir a gravação com a mensagem subliminar). O segundo grupo seria o grupo-controle e proporcionaria uma base de comparação, permitindo que o pesquisador avaliasse os efeitos da manipulação experimental.

Como deve ser o procedimento para os membros do grupo-controle? Uma pos-sibilidade é que eles não ouviriam nenhuma gravação, ao passo que os membros do grupo-experimental ouviriam a gravação contendo a mensagem subliminar embutida na música. Se encontrássemos uma diferença entre os dois grupos, isso não nos diria que as gravações subliminares foram efetivas?

Mais uma vez, porém, esse resultado seria ambíguo, e não poderíamos tirar conclu-sões dele. Um contraste entre os dois grupos poderia indicar que a mensagem sublimi-nar tem o efeito previsto, mas, como alternativa, observe que a mensagem subliminar está embutida na música e, talvez seja a música, e não a mensagem, que infl uencia o grupo-experimental! (Talvez os participantes considerem a música tranquilizante e, as-sim, pareçam pessoas mais atraentes depois de ouvir, pois estão mais tranquilos.) Nesse caso, ouvir a gravação ajuda, mas o resultado seria o mesmo se não houvesse nenhuma mensagem subliminar.

Para evitar essa ambiguidade, o grupo-controle deve corresponder ao grupo-ex-perimental em todos os aspectos, exceto na manipulação experimental. Se o grupo-experimental ouve música contendo a mensagem subliminar, o grupo-con-trole deve ouvir a mesma música sem qualquer mensagem subliminar. Se, para o grupo-experimental, se passam dez minutos entre a gravação e a entrevista, a mesma quantidade de tempo deve ser usada com o grupo-controle. Também é importante o pesquisador tratar os dois grupos exatamente da mesma maneira. Se os membros do grupo-experimental são informados de que estão participando de uma atividade que pode aumentar a sua atratividade, os membros do grupo-controle devem receber a mesma informação. Dessa forma, os dois grupos terão expectativas semelhantes em relação ao procedimento. Isso é crucial, pois as expectativas dos participantes podem ter um efeito profundo sobre os resultados do estudo. No Capítulo 17, por exemplo, discutiremos o papel do efeito placebo – efeito causado pelas ideias ou expectativas do

Grupo de avaliadores. Muitas vezes, é importante usar um grupo de avaliadores para fazer uma avaliação, e os pesquisadores somente se baseiam nessas avaliações se os avaliadores chegarem a um grau razoável de concordância. Isso garante que as avaliações não sejam arbitrárias ou idiossincráticas.

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indivíduo para uma droga ou terapia. Diversos estudos mostram que o efeito place-bo pode ser forte. Por exemplo, alguns pacientes dizem sentir considerável alívio da dor após tomarem placebos, sejam disfarçados como pílulas de açúcar ou injeções de solução salina. De maneira semelhante, os sujeitos de experimentos podem ter bene-fícios por ouvirem as gravações subliminares porque acreditam que as gravações serão efetivas. Nesse caso, é a sua ideia em relação à gravação, e não a gravação em si, que está tendo o efeito.

Outro fator a considerar é que os participantes geralmente querem se apresentar da melhor maneira possível e, assim, tentam fazer o melhor na tarefa experimental, buscando ajudar o pesquisador. Portanto, se houver pistas na situação indicando que uma resposta é mais desejável que a outra, os participantes responderão dessa forma. Os psicólogos chamam essas pistas de características de demanda* de um experimento. Às vezes, as caracte-rísticas de demanda derivam da maneira como as questões são formuladas (“você escova os dentes todas as manhãs, não escova?”). Às vezes, elas são transmitidas de forma mais sutil. Talvez o pesquisador sorria inadvertidamente e incentive quando os participantes respondem de uma forma em vez de outra, ou talvez o pesquisador sorria e incentive os membros do grupo-experimental, mas não os membros do grupo-controle.

Os pesquisadores usam várias medidas para evitar esses problemas. Primeiramente, formulam as questões e instruções de modo que nenhuma resposta possa ser identifi cada como preferível ou “melhor”. Além disso, os pesquisadores fazem tudo para garantir que os dois grupos sejam tratados da mesma maneira (exceto, é claro, pela manipulação expe-rimental). Um meio usado com frequência para garantir esse tratamento idêntico é o for-mato duplo-cego, no qual nem o pesquisador e nem os sujeitos do estudo sabem quem está no grupo-experimental e quem está no grupo-controle. Em nosso exemplo, o assistente do pesquisador pode ser quem decide quais participantes ouvem a gravação com a men-sagem subliminar e quais ouvem a gravação sem a mensagem. Essa informação somente deve ser revelada ao pesquisador depois que o experimento estiver concluído.

Um formato duplo-cego garante que os participantes dos dois grupos terão ex-pectativas idênticas sobre o procedimento e que o pesquisador tratará os dois grupos de participantes exatamente da mesma forma. Como resultado, qualquer diferença obser-vada entre os dois grupos pode ser atribuída ao único fator que distingue os grupos – a manipulação experimental.

Placebos. O efeito placebo pode ser muito forte, e deve ser controlado (geralmente com um formato duplo-cego)para garantir que a manipulação experimental é que está tendo o efeito, e não as simples expectativas dos participantes para com a manipulação.

MELHOR REMÉDIO PARA A DOR NA TERRA

CURA TODAS AS DORES

NOS HOMENS OU ANIMAIS

HHAMILIN’SAMILIN’S ÓLEO DA

SABEDORIA

ESTUDO DUPLO-CEGO...

Uma variação do teste duplo-cego*N. de R.T. Também conhecida como características de desejabilidade social.

50 Henry Gleitman, Daniel Reisberg & James Gross

Removendo as variáveis intervenientes*Existe um tema óbvio que permeia as duas últimas seções: observamos que um deter-minado procedimento – ou uma determinada comparação – pode produzir dados que estejam abertos a mais de uma interpretação. Portanto, ajustamos o procedimento, ou acrescentamos um elemento de precaução para evitar esse tipo de ambiguidade. Dessa forma, quando obtivermos nosso resultado, não estaremos presos à posição de dizer que talvez isso tenha causado o resultado ou que talvez aquilo o tenha causado. Em outras palavras, queremos preparar o experimento desde o começo para que, se observarmos um efeito, haja apenas uma maneira de explicá-lo. Essa é a situação em que poderemos tirar conclusões sobre o impacto da nossa variável independente.

Dito de outra forma, é crucial que os pesquisadores removam do procedimento as variáveis intervenientes – fatores sem controle que podem infl uenciar a comparação entre as condições experimentais e controle. Por exemplo, se os indivíduos do grupo-expe-rimental fossem entrevistados cedo pela manhã, e os do grupo-controle fossem entre-vistados no fi m da tarde, a hora do dia seria uma variável interveniente: não teríamos como saber se as diferenças entre os grupos se devem à manipulação experimental ou à hora do dia. De maneira semelhante, se os indivíduos do grupo-experimental rece-bessem instruções animadoras do pesquisador, enquanto os do grupo-controle rece-bessem instruções desestimulantes ou neutras, o modo de instrução seria uma variável intervenientes.

Se houver variáveis intervenientes presentes em um experimento, esse experi-mento não terá validade interna. Um experimento somente é considerado internamente válido se conseguir medir aquilo que pretende medir. Para esse objetivo, devemos ga-rantir que as variáveis intervenientes sejam removidas e que a variável dependente seja avaliada de maneira adequada. Portanto, garantir que os grupos experimental e controle sejam tratados exatamente da mesma maneira (exceto pela manipulação experimental) é uma parte crucial na validade do experimento.

Divisão aleatóriaJá falamos bastante sobre a importância dos grupos-controle e como eles devem ser tratados. Porém, existe outra questão crucial: como decidimos quais participantes do estudo colocar no grupo-experimental e quais no grupo-controle?

A chave para essa questão está no fato de que os grupos experimental e de controle devem ser idênticos desde o começo do experimento. Se os dois grupos diferirem ao fi nal do experimento, podemos concluir obviamente que a diferença foi criada durante o experimento, e é isso o que queremos.

Para ver como isso é importante, imagine um pesquisador que está extremamente curioso para saber quais serão os dados de seu grupo-experimental e, por isso, coleta da-dos dos participantes desse grupo primeiro. Então, satisfeito com a sua primeira rodada de resultados, passa para a próxima etapa e coleta dados de participantes do grupo-controle. Essa sequência de acontecimentos na verdade seria inaceitável, pois é possível que haja alguma diferença sistemática nos participantes de “antes” e “depois”, fazendo com que os grupos difi ram por razões que independem do experimento. Por exemplo, imagine que o pesquisador recrute os participantes telefonando para pessoas que, em algum momento anterior, haviam indicado uma disposição para participar do estudo. Se ligar para pessoas com vidas particularmente movimentadas, somente conseguirá marcar a sua participação no estudo com uma ou duas semanas de antecedência, e esses participantes ocupados, portanto, acabarão no grupo-controle. Se ligar para pessoas com mais tempo livre, poderá trazê-las ao laboratório antes, e elas acabarão no grupo-experimental. Como resultado, os dois grupos já serão diferentes antes que o experimento comece – e os participantes do controle serão pessoas mais ocupadas e talvez com mais pressa. Nesse caso, o pesquisador terá introduzido uma variável interveniente no estudo e não terá como saber se os resul-

*N. de R.T. Variáveis intervenientes ou variáveis de confusão.

51Psicologia

tados devem ser explicados em termos da manipulação experimental ou em termos da diferença inicial entre os grupos.

Como exemplo diferente, imagine um pesquisador que se preocupa com sua con-dição experimental estabelecer uma tarefa particularmente difícil para os participantes, enquanto a condição de controle envolve uma tarefa mais fácil. Se um participante en-tra no laboratório parecendo ansioso, o pesquisador pode decidir poupá-lo da condição experimental, colocando-o no grupo-controle. Porém, essa prática também criaria uma variável interveniente se os dois grupos produzirem resultados diferentes, isso ocorre por causa da manipulação experimental ou porque os grupos já diferiam desde o co-meço, com um grupo repleto de pessoas ansiosas e o outro repleto de pessoas calmas?

Como pode um pesquisador evitar preocupações como essas? A resposta está em dis-tribuir os participantes aleatoriamente entre o grupo-experimental e o controle. Assim, por exemplo, o pesquisador pode jogar cara ou coroa antes da chegada de cada participante no laboratório e usar o resultado para determinar em qual grupo aquela pessoa fi cará. Com grupos de tamanho sufi ciente, essa distribuição aleatória torna extremamente impro-vável que os participantes ocupados acabem em um grupo e todos os participantes me-nos apressados acabem no outro, ou que todos os participantes ansiosos terminem em um grupo e todos os participantes calmos terminem no outro. Desse modo, a distribuição aleatória praticamente garante que os grupos sejam correspondentes desde o começo.

Observe que, mesmo com a distribuição aleatória, os participantes ainda variam no quanto são ocupados ou ansiosos. Não existe maneira de evitar isso, mas a chave é fazer com que o grupo-experimental contenha participantes ocupados e tranquilos, do mes-mo modo que o grupo-controle (e, da mesma forma, para qualquer outra dimensão de diferenças entre os participantes). Assim, os grupos experimental e controle começariam correspondendo um ao outro – ambos contendo a mesma mistura de participantes – e, assim, se observarmos que os grupos diferem ao fi nal do experimento, deve ser por causa das manipulações experimentais, sem deixar dúvida sobre o quê causou a diferença.

Comparações intrassujeitosA “caixa de ferramentas” do psicólogo traz mais uma técnica para garantir que os grupos experimental e controle correspondam desde o começo do experimento. Essa técnica envolve usar as mesmas pessoas para os dois grupos, garantindo assim que ambos sejam idênticos em suas atitudes, origens, motivações, e assim por diante. Um experi-mento que usa essa técnica – comparar o comportamento dos sujeitos em um ambien-te com o dos mesmos sujeitos em outro ambiente – envolve comparações intrassujeitos, ao contrário dos outros formatos que temos discutido, que usam comparações interssujeitos.

As comparações intrassujeitos são vantajosas, pois removem qualquer dúvida de se os grupos experimental e controle são correspondentes. Porém, as comparações intras-sujeitos também introduzem suas próprias complicações. Digamos, por exemplo, que os participantes são testados inicialmente nas circunstâncias adequadas para a condição de controle, e depois testados nas circunstâncias da condição experimental. Nesse caso, a sequência do teste seria uma variável interveniente: se encontrássemos uma diferença entre as condições, seria devido à manipulação experimental? Ou seria porque a con-dição experimental veio em segundo lugar, quando, talvez, os participantes se sentissem mais confortáveis na condição do laboratório ou mais familiarizados com os requisitos do experimento?

Felizmente, existem várias técnicas que podemos usar para remover esse tipo de variável interveniente de um formato intrassujeitos. Por exemplo, no caso apresentado, podemos aplicar a condição de controle primeiro para a metade dos participantes e a condição experimental primeiro para a outra metade. Dessa forma, os efeitos da se-quência teriam o mesmo impacto sobre ambas condições, de modo que não poderiam infl uenciar a comparação entre as condições. Com técnicas desse tipo, os psicólogos muitas vezes usam formatos intrassujeitos e, assim, podem dirimir qualquer dúvida em relação a se os participantes são realmente comparáveis nas duas condições!

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Visão geral do delineamento do experimentoNossa discussão começa a fi car complicada, mas as complexidades são inevitáveis: um experimento científi co somente será convincente se muitas salvaguardas garantirem que os dados proporcionam um teste preciso para a hipótese do pesquisador. O pesqui-sador deve começar com uma afi rmação clara da hipótese, de modo que não haja dú-vidas sobre as evidências que a confi rmariam ou refutariam. As variáveis dependentes devem ser bem-defi nidas para que os resultados do experimento possam ser medidos de forma precisa e confi ável. Os próprios dados devem ser precisos e registrados de forma fi el para que não haja problemas de interpretação ou recordação. Além disso, e talvez mais importante, descrevemos os muitos passos necessários para eliminar todas as infl uências sobre os dados, além da infl uência que nos interessa – a variável indepen-dente. Isso inclui combinar os grupos cuidadosamente, bem como remover as variáveis intervenientes, e somente quando isso é feito é que podemos tirar conclusões a partir dos dados.

Todas essas salvaguardas garantem que a nossa hipótese passe por um teste defi niti-vo, para que, no fi nal, saibamos ao certo se a hipótese se confi rma ou não. A propósito, com essas salvaguardas, como fi ca o nosso exemplo? Será que as gravações contendo sugestões subliminares são um meio efetivo para parar de fumar ou para aumentar a sua atratividade? Estudos cuidadosamente projetados analisaram os efeitos desse tipo de gravação, e os resultados são claros: quando o investigador controla os efeitos placebo, as mensagens subliminares não têm nenhum efeito (Greenwald, Spangenberg, Pratkanis e Eskenazi, 1991).

Avaliando evidências fora do laboratórioNão são apenas cientistas que tentam tirar conclusões a partir de evidências. Jesse sem-pre toma uma dose alta de vitamina C quando sente que está se resfriando e observou que seus resfriados costumam ser leves e breves. Ela conclui que as vitaminas ajudam. Sol lê o horóscopo no jornal a cada manhã e acredita que a previsão geralmente está correta: sempre que as estrelas indicam que ela vai ter um dia cheio de novas oportuni-dades, ela tem! Julie sofreu por meses porque Jacob não demonstrava interesse nela. Ela suspeitava que ele se afastava por causa da sua timidez e tentou parecer menos tímida quando ele estava por perto, e agora são grandes amigos. Julie concluiu que o seu plano foi um sucesso. Em todos esses casos, as pessoas tiram conclusões com base em suas experiências. Será que as suas conclusões se justifi cam?

Avaliando evidências fora do laboratório. Será que as vitaminas e suplementos dietéticos proporcionam um benefício real? Para responder perguntas como essa, é necessário usar a mesma lógica que os cientistas usam para testar suas hipóteses.

53Psicologia

Observe que Jesse sempre toma vitamina C. Como resultado, ela tem um “grupo” experimental (ela mesma) que toma vitamina C quando começa a se resfriar, mas não tem um grupo-controle (pessoas que não tomam vitaminas). Portanto, é possível que seus resfriados também fossem leves sem as vitaminas e a sua conclusão (que a vitamina C ajuda) não se justifi ca.

Sol tem uma comparação – dias com uma certa previsão astrológica e dias sem tal previsão. Porém, há uma variável interveniente óbvia nessa comparação: Sol lê o horóscopo no jornal pela manhã e começa o dia com expectativas baseadas no que leu. Portanto, talvez seja mais provável notar as oportunidades se a previsão astrológica for boa. Nesse caso, o padrão que Sol observa indica apenas o poder das expectativas positivas e não diz nada a respeito da previsão da astrologia.

A comparação de Julie (agir tímida ou agir corajosa) também tem uma variável interveniente. Talvez Jacob seja lento para notar as pessoas, e não tenha sido a sua cora-gem, mas simplesmente a passagem do tempo que fez a diferença.

Conforme mostram esses exemplos, as preocupações do cientista também se apli-cam a casos de senso comum. No laboratório e na vida, são necessários grupos-con-trole para que possamos tirar conclusões convincentes. Nas duas situações, precisamos excluir as variáveis intervenientes se quisermos ter certeza em relação aos fatores que levam a um determinado resultado. Dessa maneira, podemos acabar com uma com-preensão mais clara e mais precisa do nosso ambiente pessoal e social.

Os métodos da ciência também podem se aplicar às nossas vidas cotidianas de ou-tra maneira: os cientistas levam as evidências muito a sério e não continuam a crer em ideias rejeitadas pelas evidências. Certamente, os cientistas muitas vezes hesitam para abandonar as suas teorias, de modo que desafi os contra suas visões são escrutinados com cuidado. Porém, quando as evidências deixam claro que uma determinada ideia está errada, a ideia deve ser deixada de lado.

Postura semelhante serve bem às pessoas em muitas de suas atividades cotidianas. Claro que cada um tem muitas crenças que dependem de nossos valores, em vez de fatos, e essas crenças não estão sujeitas a nenhum tipo de teste. Porém, muitas das nossas crenças se baseiam em fatos e, nesses casos, certamente não será razoável ignorá-los. Como exemplo, por muitos anos, os legisladores negaram que havia conexão entre o cigarro e problemas de saúde, embora as evidências científi cas para a relação fossem totalmente convincentes. O custo dessa negação é claro. Como outro exemplo, atual-mente, existem grandes evidências de que as atividades humanas estão contribuin-do para o aquecimento global, mas alguns políticos decidem ignorar as evidências, e propõem políticas que são bastante prováveis de prejudicar nosso planeta de maneiras irreversíveis. É fácil encontrar outros exemplos, que nos lembram vigorosamente do valor da ciência – como fonte de informações específi cas e também como modelo mais amplo dos passos que devemos dar (e a honestidade que devemos demonstrar) para manter as nossas ideias alinhadas aos fatos. (Para outros exemplos da divergência frequente entre as políticas públicas e a ciência, ver Mooney, 2005.)

ESTUDOS OBSERVACIONAISNosso foco por enquanto tem sido em estudos experimentais – estudos em que um pesquisador divide os participantes aleatoriamente entre um grupo ou outro, e mani-pula deliberadamente alguma variável e observa os resultados. Todavia, em muitos casos, os experimentos são impossíveis ou inadequados. Por exemplo, um pesquisador pode querer descobrir se as pessoas baixas são tratadas de forma diferente de pessoas altas. Nesse caso, a estatura física é a variável independente, mas, obviamente, o pesquisador não pode manipulá-la, e certamente não pode usar a divisão aleatória para decidir em qual grupo cada participante deve fi car. (Obviamente, ele não pode jogar cara ou coroa antes de cada participante chegar ao laboratório e, dependendo da moeda, balançar uma varinha de condão e colocar o participante no grupo “alto” ou “baixo”.) Em vez

uma verdade inconveniente

Evidências e questões de políticas públicas. Em muitos casos, as políticas públicas devem ser orientadas pelas evidências disponíveis. O debate sobre o aquecimento global, por outro lado, tem sido orientado mais por conveniência política do que pelos fatos.

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disso, os participantes estão em um ou outro grupo por causa de quem são antes do estudo começar, e são essas diferenças preexistentes que proporcionam a base de com-paração do pesquisador.

De maneira semelhante, um pesquisador pode querer entender como os padrões de pensamento de pacientes deprimidos se comparam com os de pacientes sem depres-são. Nesse caso, também temos uma variável independente (a presença ou ausência de depressão) que envolve diferenças que existem antes do começo do estudo, e não uma variável que possa ser manipulada pelo pesquisador.

Em outros casos, o pesquisador pode, a princípio, manipular a variável indepen-dente, mas não deve fazê-lo por razões éticas. Por exemplo, como o abuso físico in-fl uencia o desenvolvimento subsequente de uma criança? Aqui, é possível fazer um experimento, a princípio, mas ele seria eticamente repugnante. Nenhum pesquisador abusaria deliberadamente de crianças para observar o efeito, não importam as questões científi cas em jogo.

Por essas razões, muitas questões em psicologia não podem ser examinadas por meio da experimentação deliberada. Entretanto, podemos investigar essas questões ex-plorando diferenças que já existam. Podemos comparar indivíduos baixos com indiví-duos altos e, dessa forma, perguntar se a sociedade trata esses grupos de forma diferente. Podemos comparar indivíduos deprimidos e indivíduos sem depressão. De maneira trágica, muitas crianças sofreram abuso físico, e podemos compará-las com crianças que não sofreram, para investigar os efeitos desse abuso.

Em todos esses casos, os pesquisadores se baseiam em estudos observacionais em vez de experimentos. Essa terminologia refl ete o fato de que, nesses estudos, o pesquisador observa os fatores básicos, sem manipulá-los diretamente.

Estudos correlacionais e ambiguidade causalExistem diversos tipos de estudos observacionais, mas vamos nos concentrar em es-tudos observacionais, nos quais o pesquisador visa observar a relação (ou correlação) entre duas variáveis – a variável independente (altura, nível de depressão, e assim por diante) e alguma variável dependente. Como em um experimento, o pesquisador busca determinar se a variável dependente se relaciona a variável independente. Por exemplo, se soubermos a altura de uma pessoa, podemos prever como essa pessoa será tratada? Tendo um indivíduo com depressão, podemos prever o padrão de seus pensamentos?

De diversas maneiras, os estudos correlacionais são semelhantes aos experimentos que temos discutido. Em ambos, o pesquisador deve começar com uma hipótese clara e testável. Em ambos, a variável dependente deve ser bem-defi nida e medida de for-ma segura. Em ambos, os dados devem ser registrados e analisados sistematicamente, usando análises estatísticas apropriadas. E em ambos, devemos estar atentos a variáveis intervenientes. Se as pessoas deprimidas de nosso estudo forem observadas em seus lares, e as pessoas sem depressão forem observadas na escola, podemos questionar se as diferenças observadas devem ser atribuídas à depressão ou ao ambiente. Se indivíduos baixos encontram um entrevistador afetuoso e estimulante e os indivíduos altos encon-tram alguém frio e desestimulante, os resultados não poderão ser interpretados. Como em um experimento, deve-se ter cuidado para isolar a variável independente.

Ambiguidade na direção causalidadeCitamos as semelhanças entre estudos correlacionais e experimentais, mas também existe uma diferença importante: nos estudos correlacionais, muitas vezes, é difícil de-terminar o que está causando o quê. Para ilustrar essa questão, suponhamos que desco-brimos que os padrões de pensamento de indivíduos depressivos são diferentes dos de pessoas que não são depressivas. Isso pode indicar que a depressão causa uma mudança na maneira como uma pessoa pensa, ou pode indicar o oposto – a tendência de pensar de certas maneiras sobre o mundo é que está causando a depressão.

55Psicologia

Esse tipo de ambiguidade é um problema comum em estudos correlacionais, e muitas vezes difi culta a interpretação das correlações. No Capítulo 16, por exemplo, discutiremos o fato de que a esquizofrenia é mais prevalen-te entre os pobres do que entre os ricos. Será porque a pobreza aumenta o risco de esquizo-frenia? Ou será por causa de um ciclo de deca-dência, com a esquizofrenia levando à pobre-za? (Afi nal, alguém que sofre de esquizofrenia pode ter difi culdade para manter um emprego, pagar as contas, e assim por diante.)

Em alguns casos, essa ambiguidade pode ser resolvida coletando-se mais dados. Por exemplo, às vezes, é possível determinar que fato ocorreu primeiro. A pessoa já estava depri-mida antes de começar a apresentar os padrões de pensamento característicos ou já tinha os padrões de pensamento característicos an-tes de fi car deprimida? Aqui, analisamos o simples fato de que as causas devem preceder os efeitos, que uma coisa não pode ser causada por algo que ainda não aconteceu.

O problema da terceira variávelParece então que os dados correlacionais levantam questões sobre qual fator é a causa e qual é o efeito – a esquizofrenia leva à pobreza ou a pobreza leva à esquizofrenia; a depressão leva a um certo estilo de pensamento ou o pensamento leva à depressão. Po-rém, também existe outra possibilidade a considerar: talvez um terceiro fator, diferente das variáveis dependentes e independentes, esteja causando ambos. Esse é o problema da terceira variável.

Por exemplo, estudantes que cursam latim no ensino médio muitas vezes tiram no-tas acima da média na faculdade (Figura 1.5), e pode-se pensar que essa seja uma relação de causa e efeito: a base em latim proporciona uma noção das raízes de muitas palavras

Causa e efeito. Os dados correlacionais muitas vezes são ambíguos no que tange às relações de causa e efeito. Por exemplo, o fato de ser obeso apresenta correlação com muitos problemas de saúde, mas será que é o peso excessivo que causa os problemas? Uma outra possibilidade é que o excesso de peso esteja associado à falta de atividade, e talvez seja a inatividade, e não o peso, que estrague a saúde. Evidências para essa alegação vêm de estudos sobre pessoas que são obesas mas ainda são ativas, como esses lutadores de sumô.

Cursar latim no ensino médio

Cursar latim no ensino médio

Cursar latim no ensino médio

Escola oferece aulas de latim Escola proporciona boapreparação para a faculdade

Tirar boas notas na faculdade

Tirar boas notas na faculdade

Tirar boas notas na faculdade

Ter aptidão acadêmica e motivação

Estudar em uma escola excelente que atendeestudantes que vão para a faculdade

A

B

C

Figura 1.5 O problema da terceira variável. Estudantes que cursam latim no ensino médio tiram notas melhores do que seus colegas da faculdade que não cursam latim. Será que o latim é a causa do sucesso na faculdade (A) ou existe algum outro fator subjacente? (B) Talvez o que importa seja o tipo de estudante que cursa latim. (C) De maneira alternativa, talvez o que importa seja o tipo de escola que oferece aulas de latim. Qualquer uma dessas possibilidades é compatível com a observação de que estudar latim e tirar notas melhores andam juntos. Por isso, a observação é ambígua, e não se pode tirar nenhuma conclusão a partir dela.

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modernas, melhorando o vocabulário e, assim, ajudando no desempenho na faculdade. Essa sugestão certamente parece plausível e, é claro, é compatível com os dados.

Mas, nesse caso, há uma maneira diferente de pensar sobre os dados: que tipo de estudante cursa latim no ensino médio? Em muitos casos, são estudantes com ambições acadêmicas, motivados e capazes e, é claro, esses mesmos traços provavelmente garantam que esses estudantes se saiam bem na faculdade. Assim, as características desses estudan-tes – sua motivação e sua aptidão – se tornam a “terceira variável”, uma variável que os leva a cursar latim e a tirar notas melhores na faculdade. Dessa forma, cursar latim seria associado a tirar boas notas na faculdade, mas não porque um causou o outro. Em vez disso, ambos podem ter a mesma causa subjacente. (A Figura 1.5 também ilustra outra possibilidade – com uma noção diferente de qual pode ser a terceira variável nesse exemplo.)

O problema da terceira variável, como a ambiguidade em relação à direção causal, geralmente torna difícil interpretar dados correlacionais, e isso leva os psicólogos a en-fatizar que correlação não implica causalidade. Às vezes, as correlações refl etem causalidade: fumar cigarro está correlacionado e é causa de enfi sema, câncer de pulmão e doenças cardíacas. Ter depressão está correlacionado e é causa de perturbações do sono. Porém, as correlações muitas vezes não implicam causas: por exemplo, o número de cinzeiros que um indivíduo possui está correlacionado com problemas de saúde, mas não porque ter cinzeiros seja perigoso. De maneira semelhante, existe uma correlação entre quantos tomates uma família come por mês e a hora em que as crianças da família vão dormir, mas isso não é porque o tomate mantenha as crianças acordadas. Comer tomate e dor-mir tarde estão correlacionados porque ambos são mais prováveis de ocorrer no verão.

Por que esses problemas (a direção da causalidade e o problema da terceira variável) são complicações para os estudos observacionais, mas não para os experimentos? A resposta é clara: graças à divisão aleatória, sabemos que os grupos em um experimento são equivalentes desde o começo. Isso nos diz imediatamente que não existem outras dimensões em que os grupos de comparação difi ram, fora das condições experimentais e, assim, não existe uma terceira variável para preocupar. Da mesma forma, a distribui-ção aleatória garante que os grupos experimental e de controle comecem idênticos e passem a diferir apenas depois de introduzida a manipulação experimental. Isso deixa claro o que veio em primeiro lugar (a manipulação) e em segundo (a diferença entre os grupos). Como resultado, não pode haver ambiguidade na direção da causalidade. Isso, é claro, é uma poderosa vantagem do uso da distribuição aleatória.

Conforme já discutimos, porém, a distribuição aleatória simplesmente não é uma opção em estudos correlacionais. Afi nal, o pesquisador não pode dividir os partici-pantes entre o grupo “que cursou latim” e o “que não cursou latim”. Em vez disso, os participantes fi cam em um grupo ou outro conforme as disciplinas que escolhem no ensino médio. Da mesma forma, o pesquisador não pode dividir as pessoas entre os grupos deprimido e sem depressão, mas os participantes, por seu próprio estado, estão automaticamente em um grupo ou outro. Desse modo, com os estudos observacionais, o pesquisador não tem controle sobre quais participantes fi cam em qual grupo e, assim, certamente não podem se dar ao luxo de colocar os participantes aleatoriamente em um grupo ou outro. Como resultado, a principal vantagem da distribuição aleatória (ou seja, a garantia de possibilitar que os grupos sejam equivalentes no início do estudo) não está disponível para os estudos observacionais. É por essa razão que as questões sobre o que causou o quê são mais problemáticas em estudos observacionais do que em experimentos, e é por isso que se devem buscar outros meios para lidar com a ambigui-dade em relação à causa e ao efeito em estudos observacionais.

Estudos com um único participanteOs estudos correlacionais e os experimentos geralmente são feitos com grupos de par-ticipantes, de modo que seus resultados possam ser aplicados amplamente. Todavia, em certas circunstâncias, os psicólogos consideram importante estudar apenas um indivíduo.

57Psicologia

Nos estudos de caso, os pesquisadores observam e descrevem um indivíduo – um caso – em grande detalhe. Historicamente, os estudos de caso desempenharam um enorme papel em orientar o desenvolvimento de teorias psicológicas. Por exemplo, Sigmund Freud desenvolveu a maioria das suas ideias com base em suas observações detalhadas de pacientes individuais (Capítulo 15). Da mesma forma, a teoria de Jean Piaget se baseou inicialmente no estudo de apenas três crianças – seus próprios fi lhos –, embora Piaget e seus seguidores posteriormente tenham testado suas afi rmações com grupos muito maiores de crianças (Capítulo 10).

Nos últimos anos, os estudos de caso de pacientes com lesão cerebral nos ensi-naram muitas coisas sobre o cérebro e esclareceram muitas questões psicológicas. Um exemplo é o caso de H.M., cujos défi cits de memória (resultado de uma neurocirurgia para epilepsia) são graves e intrigantes (Capítulo 7). H.M. talvez seja a pessoa mais estudada na história da psicologia, e o padrão de défi cits neuropsicológicos que ele apresenta proporcionou inúmeras visões sobre como a memória normal funciona. De maneira semelhante, o caso de Phineas Gage (Capítulo 3) determinou as primeiras concepções das funções dos lobos frontais do cérebro. Outros exemplos importantes de estudos de caso são os de pacientes com agnosia (Capítulos 3 e 5), afasia (Capítulo 9) e cegueira (Capítulo 8).

Os estudos de caso obviamente diferem das outras formas de pesquisa pelo tama-nho do “grupo” estudado. Todavia, em outros sentidos, eles lembram os experimentos e estudos observacionais que já discutimos. Em estudos de caso, assim como em qual-quer outra pesquisa, é importante se certifi car de que a hipótese seja testável e que os dados sejam coletados de modo sistemático e adequado. Se o estudo de caso envolve uma variável dependente que seja difícil de medir de maneira objetiva, então, como em qualquer pesquisa, ainda se pode contar com um grupo de avaliadores para garantir que a avaliação não seja idiossincrática ou inevitavelmente variável. Além disso, também é possível fazer experimentos formais mesmo com um único participante. Isso, de fato, é o extremo do formato intrassujeito (cf. Barlow e Herson, 1984). Com essas diversas precauções, os estudos de caso se tornam uma forma poderosa e persuasiva de pesquisa, e uma parte importante da “caixa de ferramentas” do psicólogo.

ECLETISMO METODOLÓGICODiscutimos três categorias amplas de pesquisas – experimentos, observações e estudos de caso. Cada tipo tem suas vantagens e nenhum é melhor que os outros.

Muitas vezes, os estudos de caso são necessários, como quando o pesquisador está estudando um indivíduo (talvez alguém com lesão cerebral) que seja realmente singular. Em uma situação dessas, não é possível fazer um estudo de grande escala com diversos participantes. Em muitas situações, o estudo de caso proporciona vi-sões, ou sugere efeitos que podem então ser investigados com um grupo maior, mas, em certas ocasiões, o estudo de caso em si já é profunda e abundantemente instru-tivo. Essa, a propósito, não é uma característica única da psicologia: por exemplo, os geólogos fazem “estudos de caso” analisando um único vulcão, e os oceanógrafos estudam tsunamis individuais. Nessas disciplinas, os pesquisadores entendem que estão “simplesmente” descrevendo um único caso, mas agem com base no conheci-mento de que o caso único pode fornecer ideias poderosas sobre questões e fenô-menos mais gerais.

Em uma linha semelhante, nem sempre é possível fazer experimentos. Como já mencionado, a manipulação de uma variável, assim como a distribuição aleatória pode seguir considerações práticas ou lógicas e, às vezes, ser proibida por restrições éticas. Quando a distribuição aleatória é possível, ela proporciona um benefício poderoso: garante que os grupos comparados já sejam equivalentes no começo. Porém, esse bene-fício tem um custo: o experimento exige que o pesquisador esteja no controle da situa-ção (para fazer a distribuição aleatória ou para introduzir a manipulação experimental),

Jean Piaget e seus “sujeitos”. A maior parte da teorização inicial de Piaget se baseava no estudo cuidadoso de seus três fi lhos.

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e isso geralmente exige um grau de artifi cialidade no ambiente, para se obter tal con-trole. Essa artifi cialidade levanta questões sobre se o experimento simula corretamente o fenômeno real que o pesquisador espera entender.

Essa preocupação geralmente é reduzida nos estudos observacionais, e esse é um dos pontos fortes desses estudos. É claro que os estudos observacionais podem ser arti-fi ciais, limitando as conclusões que podem ser tiradas. (Investigaremos essa questão na seção seguinte.) Porém, os estudos observacionais – sejam no laboratório ou no cam-po – pelo menos se baseiam em variações que ocorrem naturalmente e, assim, evitam grande parte da artifi cialidade que costuma estar associada aos experimentos.

Como os pesquisadores lidam com essas questões, às vezes favorecendo um méto-do, às vezes favorecendo outro? A decisão é feita a cada caso, mas, em muitas circuns-tâncias, o caminho preferido é usar diversos métodos, na esperança de que os diferentes métodos convirjam para a mesma resposta. Dessa forma, cada um dos métodos com-plementa o outro, e cada um pode desfazer preocupações que poderiam surgir se os outros métodos fossem usados. Isso proporciona um meio poderoso para argumentar que nossos resultados não são subprodutos desse ou daquele instrumento de pesquisa, mas estão nos falando do mundo como ele realmente é.

GENERALIZANDO A PARTIR DA PESQUISAA seção anterior chama nossa atenção para uma etapa que é uma parte crucial do processo geral de fazer pesquisa científi ca. Após a coleta e análise dos dados e depois de avaliada a hipótese, os pesquisadores devem generalizar a partir dos seus dados. Eles estudaram apenas um pequeno número de participantes da pesquisa, mas esperam tirar conclusões que se apliquem a um grande número de pessoas. Será que essas generali-zações são justifi cadas?

A resposta a essa questão depende da validade externa do estudo em questão. Um estudo é considerado externamente válido quando os seus participantes, estímulos e procedimentos refl etem adequadamente o mundo como é fora da investigação. Para garantir a validade externa, os participantes do estudo devem ser representativos da população à qual devem se aplicar os resultados e os estímulos do estudo devem ser representativos dos estímulos encontrados fora do laboratório.

Selecionando participantesOs psicólogos geralmente querem que suas conclusões se apliquem a uma determinada população: todos os membros de um determinado grupo – digamos, todos os garotos de 3 anos, todos os pacientes que sofrem de esquizofrenia, todos os eleitores norte-americanos e, em alguns casos, todos os seres humanos. Porém, em quase todos os casos, os pesquisadores somente conseguem estudar uma amostra – um subconjunto da popu-lação em que estão interessados.

As generalizações a partir de uma amostra somente se justifi cam se a amostra for representativa da população mais ampla. Como exemplo do quanto isso é importante, considere o caso clássico de uma pesquisa de 1936, que previu que Franklin D. Roo-sevelt perderia a eleição presidencial nos Estados Unidos. De fato, ele ganhou pela esmagadora maioria dos votos. Esse erro foi causado por uma amostra tendenciosa: todos os entrevistados foram selecionados a partir de guias telefônicos, mas, em 1936, ter telefone era algo muito mais provável entre pessoas de maior status socioeconômico. Como resultado, a amostra não era representativa da população votante como um todo. Como o status socioeconômico afetava a preferência de voto, a pesquisa era inválida externamente e, como resultado, sua previsão estava errada.

Ironicamente, institutos de pesquisa modernos continuam a amostrar a opinião pública ligando para números retirados de listas telefônicas, e isso ainda pode ser um problema: as listas não contêm números de telefones celulares, e as amostras excluem as pessoas cujo único telefone é o celular. Quanto viés isso causa nas pesquisas tem sido

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questão de considerável discussão, e essa complicação pode forçar os institutos de pes-quisa a buscar novas maneiras de amostrar a opinião pública.

De modo mais geral, porém, também precisamos ter em mente que cada indivíduo dentro da população mais ampla é diferente dos outros indivíduos da população. Mes-mo que limitemos nossas afi rmações, digamos, à população de estudantes universitários, resta o fato de que alguns estudantes são melhores leitores, alguns são piores, alguns estão motivados para ter um bom desempenho nos estudos e outros não estão. Os pes-quisadores usam diversas técnicas para lidar com essa diversidade, mas uma ferramenta crucial é o uso da amostragem aleatória – um procedimento em que cada membro da população tem uma chance igual de ser escolhido para o estudo. Com a amostragem aleatória (especialmente se a amostra é grande), os pesquisadores esperam garantir que a diversidade da população se repita em sua amostra, de modo que a amostra possa in-formar realmente as propriedades da população mais ampla.

Validade externaA validade externa depende obviamente dos detalhes da investigação: como os parti-cipantes foram escolhidos, como os estímulos ou respostas foram selecionados, e assim

Viés de amostragem. Uma pesquisa de 1936 previu incorretamente que Franklin D. Roosevelt (mostrado aqui no carro) perderia a eleição presidencial. A pesquisa estava enganada, pois se baseava em uma amostra tendenciosa: todas as pessoas pesquisadas foram selecionadas da lista telefônica. Em 1936, ter um telefone era muito mais provável entre pessoas de maior status socioeconômico, de modo que a amostra não era representativa da população mais ampla.

Validade externa. Será que podemos pesquisar estudantes universitários e tirar conclusões sobre a população mais ampla? Para alguns tópicos, podemos. Por exemplo, o sistema visual de um estudante universitário funciona exatamente da mesma forma que o de qualquer outro ser humano. De outras formas, os estudantes universitários podem ser bastante estranhos – e não representar a população como um todo.

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por diante. Porém, a validade externa também depende do que está sendo investigado. Um pesquisador interessado no sistema visual provavelmente pode estudar estudantes universitários norte-americanos e tirar conclusões válidas sobre como a visão funciona em todos os seres humanos. Isso porque as propriedades do sistema visual estão enrai-zadas na biologia da nossa espécie, permitindo que generalizemos amplamente. Isso é bastante diferente, por exemplo, de um estudo sobre fantasias românticas entre estudan-tes universitários. Nesse caso, os resultados podem nos dizer pouco sobre as fantasias de pessoas fora do grupo específi co estudado.

Todavia, enfatizamos que as questões que envolvem a validade externa devem ser resolvidas por meio da pesquisa e não com base em suposições. Por exemplo, pode-se pensar que o comportamento social dos estudantes universitários seja diferente dos de outros indivíduos ou de povos de outras culturas. Ainda assim, a pesquisa indica que alguns dos princípios do comportamento social são compartilhados entre as culturas (Capítulos 12 e 13). Essa pesquisa tem implicações óbvias para a maneira como pen-samos sobre a validade externa em estudos em psicologia social: em certos sentidos, é adequado fazer generalizações a partir de estudos com universitários, mas em outros, não é.

Como um exemplo diferente, considere os estudos sobre a memória de teste-munhas de crimes, que analisam o quanto um observador ou vítima de um crime recordam o fato. Será que ele lembra a sequência de acontecimentos ou o rosto do criminoso? Muitos experimentos laboratoriais tentaram abordar essa questão, mas será que os princípios derivados de estudos laboratoriais se aplicam a alguém que está com muito medo e envolvido no acontecimento da maneira como está uma testemunha? Essa questão tem sido foco de um debate contínuo. Uma maneira de resolvê-la é com-binar os estudos laboratoriais com estudos de caso sobre testemunhas reais. Os estudos de caso são difíceis de interpretar, pois (entre outras preocupações) a vida raramente proporciona grupos-controle bem-defi nidos. Porém, podemos perguntar se os resulta-dos de um estudo de caso são como esperaríamos, com base nas pesquisas laboratoriais. Se forem, isso obviamente proporciona garantias de que nossos estudos laboratoriais têm validade externa. (Para exemplos da discussão sobre a validade externa na pesquisa com testemunhas, ver Kerr e Bray, 2005; Loftus, 1993; Ross, Read e Toglia, 1994; Shobe e Kihlstrom, 1997).

As questões relacionadas com a validade externa são de grande importância em to-das as áreas da psicologia. Será que nossas categorias de transtornos mentais se aplicam apenas ao contexto norte-americano e oeste europeu, ou se aplicam a outras culturas (Capítulo 16)? O padrão de desenvolvimento cognitivo observado em crianças saudá-veis da classe média descreve o desenvolvimento cognitivo de crianças de outros grupos socioeconômicos e outras nações (Capítulo 10)? Será que o raciocínio humano dentro do laboratório refl ete a maneira como as pessoas raciocinam em suas vidas cotidianas (Capítulo 8)? Cada uma dessas questões é foco de pesquisas atuais.

ÉTICA DE PESQUISAEstamos quase no fi m do nosso passeio pela maneira como a pesquisa científi ca ocorre. Todavia, resta uma última questão a ser comentada. Não é uma questão relacionada ao modo como se faz pesquisa ou como se interpretam os resultados, mas ao que a pes-quisa pode e não pode fazer.

Como já vimos, a validade externa de uma investigação depende da relação en-tre um estudo e seu contexto no mundo real. Isso, por sua vez, exige que estudemos pessoas reais e animais reais. E esse fato traz consigo uma demanda de que a pesquisa psicológica seja conduzida de maneira ética, de um modo que proteja os direitos e o bem-estar dos participantes.

Os psicólogos levam a questão da ética da pesquisa muito a sério, e praticamente toda instituição que patrocina pesquisas – cada faculdade e universidade, cada agência

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fi nanciadora – tem comitês especiais encarregados da tarefa de proteger as pessoas e animais que participam de estudos. Nos Estados Unidos, a pesquisa psicológica com participantes humanos também deve seguir as diretrizes estabelecidas pela Associação Americana de Psicologia (1981, 1982), uma das mais proeminentes organizações pro-fi ssionais da psicologia. O governo norte-americano também tem regulamentações que governam como a pesquisa deve ser feita com participantes humanos. As instituições que não seguirem essas normas fi cam inelegíveis para receber verbas de agências fe-derais (como a Fundação Nacional de Ciência ou o Instituto Nacional da Saúde). Em outros países, existem diretrizes semelhantes para proteger os participantes de pesquisas (ver Kondro, 1998, para uma discussão sobre a proteção de participantes de pesquisas no Canadá). E, independente dos limites internacionais, a maioria dos periódicos de psicologia exige que os autores deixem claro, quando publicam pesquisas, que o estudo foi realizado de acordo com todas as regras relevantes para proteger os participantes.

Se forem usadas cobaias, o pesquisador deve proteger a sua saúde e garantir que sua moradia e alimentação sejam adequadas. Os participantes humanos devem ser protegi-dos não apenas fi sicamente, devendo-se também respeitar a sua privacidade, autonomia e dignidade. Desse modo, o pesquisador deve garantir que os dados sejam coletados de forma anônima ou confi dencial e que os participantes não sejam manipulados de um modo que considerem inadequada. Antes de começar o estudo, os participantes devem ser plenamente informados sobre o que o teste envolverá, devem ser avisados de riscos possíveis e devem ter a prerrogativa de deixar o estudo a qualquer momento. Em suma, o pesquisador deve obter o consentimento informado de cada participante.

Assim como o experimento deve começar com o consentimento informado, ele deve terminar com uma prestação de contas completa. Se o experimento envolveu algum engano ou manipulação oculta, isso deve ser revelado e explicado. Se o estudo envolveu alguma manipulação de ideias, humor ou emoção, o pesquisador deve tentar desfazê-las. E, de forma ideal, os participantes devem terminar a sua participação no estudo com alguma compreensão de como ele e a sua participação nele podem trazer benefícios para o conhecimento psicológico e o bem-estar humano.

Porém, deve-se observar que essas proteções éticas – especialmente a necessidade de obter consentimento informado – podem trazer suas próprias difi culdades. Em al-guns casos, por exemplo, a validade de um estudo exige que os participantes da pesquisa não sejam informados totalmente sobre o formato do estudo. Os participantes de um grupo-controle, como exemplo, não podem saber que estão tomando um placebo, pois os placebos somente funcionam quando os indivíduos acreditam que estão tomando o remédio “real”. Da mesma forma, as gravações com mensagens subliminares supos-tamente funcionam por meio de mecanismos inconscientes. Portanto, é importante que a pessoa que ouve uma gravação não saiba exatamente quais palavras são faladas na gravação.

Considerações como essas indicam que, em muitos estudos, a necessidade de con-sentimento informado pode entrar em confl ito com os procedimentos necessários para garantir a validade do estudo. Como os pesquisadores podem resolver esse confl ito, garantindo validade experimental, enquanto continuam a honrar os padrões éticos? De modo geral, parece claro que se deve dar mais prioridade às considerações éticas e, assim, os pesquisadores devem fazer o que puderem para reduzir o uso de engano, assim como fazer o possível para reduzir os riscos para os participantes da pesquisa. Se restar algum risco, deve haver um argumento claro e persuasivo de que as informações ob-tidas com o experimento realmente justifi cam esse risco. De maneira semelhante, se o experimento envolve engano, devemos mostrar que o seu valor científi co justifi ca isso.

As decisões sobre o risco ou o engano às vezes podem ser difíceis, e a história da psicologia traz muitos confl itos sobre a aceitação ética de certos estudos psicológicos (p.ex., Baumrind, 1964; Hermann e Yoder, 1998; Korn, 1997; Milgram e Murray, 1992; Savin, 1973; Zimbardo, 1973). Essa é uma das razões por que as decisões sobre a aceita-

62 Henry Gleitman, Daniel Reisberg & James Gross

ção ética geralmente não são tomadas pelos próprios pesquisadores, mas por um comitê supervisor multidisciplinar, que tem a tarefa de proteger os participantes da pesquisa.

Além disso, a proteção dos direitos humanos e dos animais simplesmente proíbe diversos tipos de estudos, não importa o quanto possamos aprender com eles. Ante-riormente, mencionamos que nenhum pesquisador pode abusar fi sicamente dos par-ticipantes da pesquisa para estudar os efeitos do abuso. Da mesma forma, nenhum pesquisador ético exporia os participantes à ansiedade ou ao embaraço intensos. Muitas formas de engano também são consideradas inaceitáveis, independente do mérito do estudo. (Nenhum pesquisador, por exemplo, informaria um sujeito que a sua casa havia queimado em um incêndio para que pudesse observar a sua reação.)

Neste capítulo, enfatizamos o poder da ciência. Usando métodos científi cos, a psico-logia fez avanços extraordinários e estabeleceu a base para mais progresso nos próximos anos. Porém, não podemos perder de vista o fato de que a nossa ciência envolve criaturas vivas – incluindo outros seres humanos – que sempre devem ser respeitados e protegidos. Portanto, precisamos de uma ciência que seja tanto humana quanto rigorosa.

COMENTÁRIOS FINAIS:CIÊNCIA, ARTE E O INDIVÍDUOO comprometimento com a investigação científi ca tem servido muito bem ao campo da psicologia, e esse tema permanecerá em foco no decorrer deste livro. Como vere-mos, os psicólogos que usam o método científi co aprenderam muito, incluindo coisas que são profundamente interessantes e notavelmente úteis. Os psicólogos sabem muito sobre nossos comportamentos, nossos sentimentos e nossos pensamentos, sobre como os seres humanos se diferenciam de outras espécies, e como parecemos com as outras espécies. Além disso, sabemos essas coisas com um certo grau de certeza, de modo que as afi rmações que fazemos neste livro não são questão de conjectura ou opinião, mas afi rmações fundamentadas fi rmemente em fatos estabelecidos.

Todavia, devemos ter cuidado para não exagerar o que o campo sabe. Com certeza, existem lacunas substanciais em nosso conhecimento, e o campo da psicologia deve ser compreendido como uma atividade contínua, à medida que os pesquisadores mantêm seus esforços para preencher essas lacunas e ampliar o que sabemos. Além disso, é im-portante mencionar que algumas questões e dúvidas podem permanecer para sempre fora do alcance científi co do nosso campo. Isso se baseia particularmente no fato de que a ciência avança se concentrando em padrões de evidências, permitindo que des-cubramos quais observações são confi áveis e quais são falsas. Também são os padrões que nos permitem resolver as relações de causa e efeito. Se, por exemplo, um dos seus amigos fi car deprimido, você pode perguntar por quê e pode (como uma possibilidade) perguntar se a causa está no padrão genético do seu amigo. Observe que a questão é essencialmente sobre um único caso – o seu amigo –, mas, para avaliar o caso, e para perguntar particularmente se a depressão tem origens genéticas, você provavelmente precisaria considerar outras pessoas com padrões genéticos semelhantes (talvez os fami-liares do seu amigo). Se eles também forem depressivos, isso aumentará a credibilidade da sua hipótese, mas, do contrário, levará você a buscar uma nova explicação.

Observe, então, que a depressão do seu amigo, por si só, é difícil de interpretar. So-mente conseguimos fazer uma interpretação colocando o caso no contexto de outras evidências. Essa é a natureza de qualquer ciência: interpretamos observações individuais nos referindo a princípios gerais, e esses princípios, por sua vez, são derivados do estudo de muitos casos.

E se o nosso objetivo for descrever os próprios casos individuais? Existe algum campo cujo principal interesse esteja em um único George e uma Lisa, de modo que possamos entender esses indivíduos totalmente em seus próprios termos? Supostamen-te, existe: os grandes romancistas e roteiristas nos apresentam retratos de indivíduos vi-

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vos e reais, que existem em um determinado tempo e espaço. Não existe nada abstrato e geral nas agonias de Hamlet ou na ambição assassina de Macbeth. Esses são indivíduos concretos e específi cos, com amores e temores especiais, que são peculiarmente seus. Porém, a partir dessas particularidades, Shakespeare nos dá uma visão daquilo que é comum a toda a humanidade, o que Hamlet e Macbeth compartilham com todos nós.

Tanto a ciência quanto a arte têm algo a dizer sobre a natureza humana, mas elas a abordam a partir de direções diferentes. A ciência tenta descobrir princípios gerais e aplicá-los a cada caso. Já a arte se concentra no caso específi co, utilizando-a para ilumi-nar o que é universal em todos nós. De certa forma, ciência e arte são complementares e, para adquirirmos conhecimento sobre a nossa própria natureza, devemos considerar ambas. Considere a descrição de Hamlet:

Que obra de arte é o homem! Que nobre na razão, que infi nito nas faculdades, na expres-são e nos movimentos, que determinado e admirável! Quão parecido com um anjo nas ações, quão parecido com um deus na inteligência – a beleza do mundo, o modelo dos animais! (Hamlet, Ato II, cena ii)

Entender e apreciar essa “obra de arte” é uma tarefa grande demais para qualquer campo do conhecimento humano, seja a arte, a fi losofi a ou a ciência. O que tentaremos fazer neste livro é esboçar as consideráveis contribuições da psicologia para esse fi m, mostrar o que aprendemos e como chegamos a aprendê-lo. Porém, fazemos isso saben-do que a nossa contribuição – não importa o quão substancial ela seja – é apenas uma peça do quebra-cabeça, e que ainda resta muito a aprender.

A psicologia costuma ser defi nida como o estudo científi co do comportamento e dos processos mentais, essa defi nição abrange uma variedade enorme de fenômenos. Alguns se aproximam da biologia; outros tocam as ciências sociais. Al-guns dizem respeito ao comportamento dos animais; outros envolvem o comportamento dos seres humanos.

O ALCANCE DO CONTEÚDO DA PSICOLOGIA

O capítulo ilustra o alcance da psicologia, pesquisando alguns •exemplos dos temas estudados no campo. Entre os exemplos, estão a taxa em que o sangue fl ui por diferentes partes do cérebro e estudos de como questões orientadoras podem in-fl uenciar as lembranças da testemunha de um crime. Outro exemplo descreve o entendimento (aparentemente) inato de princípios aritméticos em bebês. Outro exemplo ainda diz respeito à interação social, incluindo o papel de sistemas de comunicação intrínsecos que permitem que cada organismo comunique suas intenções e estado para outros indivíduos de sua espécie. Um último exemplo explora as maneiras em que os nossos comportamentos sociais às vezes são razoáveis e bem pensados e às vezes automáticos e aparentemente ir-racionais.

A DIVERSIDADE DE PERSPECTIVASDA PSICOLOGIA

Os psicólogos empregam diversos métodos para investigar •praticamente qualquer questão que quiserem. Para ilustrar isso, o capítulo analisa algumas das perspectivas que os psicó-logos oferecem sobre o tema da alimentação. Devemos con-siderar uma perspectiva fi siológica (p.ex., com um foco no funcionamento do fígado), uma perspectiva cultural (p.ex., variações de cultura para cultura em como deve ser o corpo “ideal”), uma perspectiva social (p.ex., a infl uência das pes-soas que nos rodeiam sobre quando e quanto comemos) e uma perspectiva cognitiva (p.ex., o papel da memória no controle da alimentação).

O QUE UNIFICA A PSICOLOGIA?

O que unifi ca o campo da psicologia? Parte da resposta está •nas questões que todos os psicólogos perseguem – questões que se concentram em por que fazemos o que fazemos, sen-timos o que sentimos e pensamos o que pensamos. A coerên-cia da psicologia também é fomentada pelos amplos temas

que se aplicam a muitos aspectos diferentes da nossa ciência. Um desses temas diz respeito à necessidade de considerar a inter-relação entre nossa herança biológica e a infl uência das nossas experiências. Outro tema que unifi ca o nosso campo é o comprometimento com o método científi co, um com-prometimento que permite aos psicólogos fazer afi rmações seguras e sólidas sobre como as pessoas agem e por que elas fazem o que fazem.

O MÉTODO CIENTÍFICO

Os psicólogos usam o • método científi co para garantir que suas afi rmações sejam corretas e confi áveis. Isso exige uma hipótese testável, assim como exige que os dados sejam coletados e avaliados de forma sistemática. O método científi co também exige que a variável dependente seja bem-defi nida e facilmente mensurada. Também é essencial que o grupo-experimental do estudo corresponda ao grupo-controle em todos os sentidos, exceto na manipulação experimental.Diz-se que um estudo tem • validade interna quando consegue avaliar aquilo que pretende avaliar. Para garantir a validade, todas as variáveis intervenientes devem ser eliminadas. Em um experimento, isso geralmente exige a distribuição aleatória dos participantes entre os grupos, para garantir que todos os gru-pos contenham a mesma mescla de participantes no começo do experimento.

ESTUDOS OBSERVACIONAIS

Em um • experimento, o pesquisador manipula a variável inde-pendente e mensura o efeito da manipulação sobre a variável dependente. Em um estudo observacional, as variáveis depen-dentes e independentes são observadas, em vez de manipula-das. Um tipo de estudo observacional é o estudo correlacional, no qual o pesquisador busca observar a relação entre as variá-veis dependentes e independentes. Os estudos correlacionais muitas vezes têm ambiguidade quanto às relações de causa e efeito, mas essa ambiguidade geralmente pode ser resolvida coletando novos dados ou realizando uma inspeção mais mi-nuciosa das evidências.

ECLETISMO METODOLÓGICO

Cada um dos métodos discutidos neste capítulo tem pontos •fortes e fracos. Portanto, o melhor caminho a seguir é se basear em todos os métodos, combinando as vantagens de cada um.

RESUMO

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GENERALIZANDO A PARTIR DA PESQUISA

A generalização dos resultados de um estudo somente é •justifi cada se o estudo tiver validade externa. Todavia, a vali-dade externa depende da questão específi ca que está sendo estudada, e deve ser resolvida por meio de pesquisas ade-quadas.

ÉTICA DE PESQUISA

É preciso tomar precauções para proteger o bem-estar físico •dos participantes da pesquisa, bem como a sua privacidade, autonomia e dignidade. Se esses requisitos éticos se opuse-rem aos procedimentos necessários para garantir a validade do estudo, devem ser minimizados todos os riscos aos par-ticipantes, e os riscos que permanecerem devem ser plena-mente justifi cados por razões científi cas.