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13 INTRODUÇÃO Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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INTRODUÇÃO

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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As relações entre cotidianos tradicionais, percepção ambiental, conservação de

biodiversidade e campesinato rural. As relações originadas e estabelecidas entre Brasil e

África, nos séculos XVII, XVIII e XIX, consequência do processo de colonização e

exploração no período histórico referente ao Tráfico Negreiro, levam a uma releitura da

importância da herança cultural deixada e estabelecida a partir destas relações em território

brasileiro (ANDRADE, 1991).

É preciso destacar que as particularidades das manifestações do cotidiano, em

comunidades tradicionais relacionados aos formatos de uso do espaço geográfico e da

biodiversidade, estão de acordo com os indicadores exclusivos de sustentabilidade que fazem

parte de um julgamento próprio inerente ao conjunto patrimonial de um grupo particular,

neste caso, uma comunidade tradicional (FRANCO, 2000). Sendo assim, a autenticidade

patrimonial de cada comunidade torna-se uma condicionante, no momento em que os

elementos físicos da paisagem, na qual estes estão inseridos, são usados (RODRIGUES,

2007), trazendo e estabelecendo, dessa forma, relações bem específicas quanto às populações,

nesse caso especial, tradicionais, e os componentes do meio ambiente.

Segundo texto de Rodrigues e Amarante Jr. (2009, p.5):

É sabido que a relação das comunidades tradicionais com o meio natural resulta não apenas do uso, mas também do desenvolvimento e adequação de técnicas de manutenção e manejo da biodiversidade. Ainda, é fato que modificações e, em alguns casos, contribuições no sentido do aumento e conservação da biodiversidade, já foram reconhecidas, uma vez que melhorias genéticas, hibridizações, entre outros métodos foram e podem ser aplicados por estas comunidades, gerando novas espécies.

As relações entre espaços físicos habitados e hábitos comunitários cotidianos,

estudos e pesquisas sobre identidades, usos, impressões e levantamentos sobre percepção

ambiental, a cada instante são mais atuais e respondem às questões elencadas na composição

de determinada paisagem. Por exemplo, itens da cultura local e popular estão impressos e

inclusos de forma determinante dentro de cada território em uso (CORIOLANO, 2003). No

que diz respeito às questões do estudo de paisagem, as abordagens relacionadas à atuação da

Antropologia Cultural e Visual fazem-se campo de estudo deste recorte, com importância

capital às impressões e levantamentos etnográficos.

A dinâmica da composição biológica da paisagem faz parte do bojo da Ecologia da

Paisagem e da Etnobiologia. Dentro das alterações, movimentações e mudanças físicas do

cenário, têm-se as considerações acerca da Ecologia de Paisagem e da Geografia. Cabe

ressaltar que dentre os recortes citados, tornam-se fundamentais as ponderações da Economia

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do Campesinato, já que as práticas agrícolas são cotidianas e determinantes quando se

relacionam dinâmica de paisagem, cotidiano, espaço e tradição.

É necessário destacar a complexidade do conjunto patrimonial de saberes e fazeres

e de suas interfaces com a conservação da biodiversidade, além da dimensão de conhecimen-

tos interdisciplinares necessários em momentos de observação e análise sobre paisagem

composta por práticas agropecuárias, pesca e extrativismo.

Desta relação, pautada pela permanência, exploração, apropriação e conhecimento,

surge a construção do imaginário das populações humanas que fazem de um local o seu lugar

especifico, onde podem ser estabelecidos laços de territorialidade e, portanto, de

reconhecimento do “conjunto dos saberes e fazeres” inerentes a um local, tornando-o, assim,

fundamental para a sobrevivência de populações que ali estão (SCHMIDT, 2003).

O território em que vivemos é mais do que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico. A linguagem regional faz parte desse mundo de símbolos, e ajuda a criar essa amálgama, sem o qual não se pode falar de territorialidade. Esta não provém do simples fato de viver num lugar, mas da comunhão com que ele mantemos (SANTOS apud MARTINS, 2003, p.67)

A descaracterização e a transformação destas paisagens, destes cenários, destas

imagens e das mudanças relacionadas aos laços de territorialidade entre populações locais e

ambiente, são constantes na atualidade. As formas de repasse cultural estabelecidas pela

família através da oralidade e da linguagem corporal, dentre outras formas de transmissão,

também estão em xeque e refletem, sobretudo nas estruturas sociais e nos sistemas ecológicos

locais, podendo ocasionar uma redução ou ampliação relativa à conservação, manutenção e

manejo da biodiversidade, técnicas de cultivos, cura de doenças e rituais religiosos

tradicionais.

A título de exemplo, podemos citar a realidade dos impactos ocasionados pela

instalação do “Centro de Lançamento de Alcântara - MA” e os processos de re-assentamento

das famílias rurais quilombolas e as dificuldades de reambientação e reterritorialização das

mesmas nas denominadas “agrovilas”. “Quando o homem se defronta com um espaço que ele

não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede

de uma vigorosa alienação” (SANTOS apud CORIOLANO, 1998, p.61) . E, ainda, segundo

Coriolano (2003): “A identidade perdida no global proporciona a perda das referências”.

E também:

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[...] o local projeta-se no regional pela maneira como esse sujeito nativo interfere na natureza para sobreviver e desse processo brota toda uma significação de existência dando um toque de peculiaridade, identidade, referência e essência deste lugar: a técnica de preparação de alimentos, a combinação de sabores baseada no que a terra oferece, a maneira como o homem se relaciona com o místico, os templos, as igrejas, sinagogas, terreiros, centros, festas, celebração por conta da chuva, ou do Sol, ou a realização de um ritual ancestral... as lendas, os mitos, as guerras, do povo em defesa de sua arte nativa, a arquitetura, as relações sociais, os laços afetivos e etc (MARTINS, 2003, p.68)

É necessário ressaltar que as relações sociais em comunidades tradicionais dão-se

com o território, passando quase de forma indissociável pelo cultivo familiar, que é um dos

traços pelo qual a estrutura social do campesinato se sustenta. A característica destacada da

produção através da “unidade do núcleo familiar’ ocupa-se com formatos diferenciados no

momento do cultivo da terra para produção de alimentos, remédios, artefatos e objetos de

atividades rotineiras na estratificação do trabalho, nas técnicas usadas, nas trocas de produtos,

no cultivo comunal das propriedades, nas relações entre as pessoas, como diz Sá (2007, p.8):

“parentescos, compadrio e vizinhança”.

As relações acima citadas demonstram como grande parte das comunidades

tradicionais ainda apresenta-se com características de comunidades agrícolas, indiferente se as

razões da produção interna servem para subsistência ou comercialização.

O histórico do povoamento do Estado do Maranhão, no tocante à vinda de

africanos escravizados para o desenvolvimento do trabalho agrícola, deu-se diferentemente de

outros Estados, como: Pernambuco, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. De acordo com

essa premissa, é importante citar que o período histórico e as conjunturas socioeconômicas

(como a prática algodoeira), no Maranhão, foram fatores desse processo. A estrutura

escravagista era configurada pela escravidão indígena e por pequenas produções para o

subsídio cotidiano antes da comercialização dos negros para lavouras. “Até meados do século

XVIII, foi a força do trabalho do índio escravizado que sustentou o sistema produtivo

regional, voltado basicamente para o abastecimento do mercado local, isto é, a população que

ocupava o litoral” (SÁ, 2007, p.61).

A autora demonstra as relações de cultivo da comunidade indígena com a terra e,

posteriormente, as relações dos africanos e afrodescendentes que aqui trabalharam nas

propriedades agrícolas. Sendo as comunidades tradicionais oriundas e remanescentes destas

primeiras populações, tem-se uma das justificativas relacionadas ao conjunto de símbolos

referentes às técnicas de uso, tradição e conservação de biodiversidade.Vê-se, ainda, que não

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só as relações agrícolas são encontradas no espaço de uso, como também as da caça, da pesca

e do extrativismo vegetal.

O formato da crença, da fé, da gastronomia, das relações religiosas e conjugais,

dentre outras, muita vezes são heranças dos ancestrais desses grupos, que, somadas às carac-

terísticas do espaço físico, geográfico, biológico e as transformações do mesmo, geram situa-

ções e condições de cultivo e sobrevivência que vão perpetuar por muitas gerações, mantidas

a partir do repasse cultural. Ao longo do tempo, vão se reproduzindo, para as gerações

descendentes, informações que se originam das observações (dos grupos matrizes) e das

vivências com o entorno no qual estiveram inseridas. Aqui, um exemplo interessante refere-se

às espécies componentes da biodiversidade local. Mitos de origem, observação de compor-

tamentos biológicos de espécies, taxonomia, relações ecológicas da fauna e flora, como

outras, fazem parte do processo de aprendizado do conjunto simbólico e de valores cotidianos

dessas comunidades. No dia-a-dia, esta relação de complementaridade, conhecimento e res-

peito, faz de um local um território. Ou, ainda:

Grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Tal noção refere-se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos (DIEGUES & ARRUDA apud SANTOS, 2005, p.104).

Segundo Costa Neto (2000), em trabalho de pesquisa realizado na “Comunidade

Tradicional Quilombola de Remanso”, em Lençóis, na Chapada Diamantina, os códigos

diários e tradicionais de percepção e interpretação ambiental dos moradores apresentam-se

com uma linguagem local e, no entanto, vêm dizer exatamente o que a linguagem acadêmica e

científica expõe. A partir deste estudo de caso, é possível afirmar como a decodificação da

paisagem feita pelas comunidades tradicionais é vigente e legítima, trazendo também

contribuições à conservação, manutenção e manejo da biodiversidade, inovações no cultivo

vegetal, na criação animal, como também em técnicas de bioconstrução.

No Maranhão, a incidência de comunidades tradicionais tem como alicerce as

comunidades indígenas, de pescadores e de remanescentes de quilombos. Segundo o INCRA

(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), no “Seminário Território que te quero

território”1, o primeiro estado em números de solicitações voltadas para reconhecimento e

titulação de terras remanescentes de quilombos é o Maranhão. Já reconhecido e incluído nas

1 Seminário Território que te quero território – Quilombo de São Sebastião dos Pretos – Bacabal – MA, 2008.

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ações da Agenda Quilombola de 2009 da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial), o município de Alcântara – MA já é considerado um

Território Quilombola, diante do número expressivo de comunidades tradicionais

quilombolas, como também da necessidade do resguardo dos seus cotidianos culturais e

ambientais (NOGUEIRA, 2009).

Não só Alcântara tem suas comunidades tradicionais em fase de reconhecimento e

certificação no Estado. O Quilombo de Frechal, na Baixada Maranhense, São Sebastião dos

Pretos e Catucá, ambos em Bacabal, e outros também formam este mosaico de tradição, usos,

mitos, ritos e imaginário.

O imaginário das comunidades forma, junto com a percepção do espaço no qual

vivem, os indicadores interessantes e diversos referentes à dinâmica diária dessas populações

com relação ao uso, exploração/conservação da biodiversidade.

Na atualidade, pesquisas que mapeiam e levantam as percepções ambientais de

comunidades em geral e, sobretudo, tradicionais, vêm tomando relevância e aceitação, por

apresentar a subjetividade cultural de grupos e seus reflexos no ambiente.

As técnicas metodológicas de percepção ambiental podem ser apresentadas através

da extração de dados como mapas mentais, mapas de orientação, fotografias, oralidade,

depoimentos e mais outros inúmeros mecanismos que respondam a perguntas relacionadas ao

cotidiano cultural e ao uso de recursos naturais. Porém, outras formas de levantamento em

pesquisa que têm focos mais qualitativos, também podem ser somadas aos métodos de

levantamento da percepção ambiental (AMARANTE JR. et al, 2003).

Santos (2009) entende que a percepção ambiental é “um processo mental de

interação do indivíduo com o meio ambiente que se dá através de mecanismos perceptivos

propriamente ditos e, principalmente, cognitivos”.

A fim de considerar essas relações firmadas em comunidades tradicionais,

realizou-se um recorte, estabelecendo as comunidades quilombolas de São Sebastião dos

Pretos e Catucá, ambas em Bacabal, MA, estudando-se seu cotidiano, investigando-se o saber

fazer diante dos componentes paisagísticos de seus territórios. Sendo assim, buscou-se

reconhecer as relações de Campesinato, uso e biodiversidade, em território quilombola.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARANTE JUNIOR, Ozelito Possidônio de; et al. “Lendas do sebastianismo e a percepção ambiental de uma comunidade de pescadores na Ilha de Lençóis, Cururupu, MA”. In: ESPÍNDOLA, Evaldo Luiz Gaeta; WENDLAND, Edson. (orgs.). Bacias hidrográficas: diversas abordagens em pesquisa. São Carlos, 2004, pp.305-328. ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a África. 2.ed., São Paulo: Contexto, 1991. COBRA, Tatiana; FONSECA Luciana; RODRIGUES, Gabriela B. “Negras Raízes Africanas Levantamento Histórico das origens do Candombe”. In: V Encontro Nacional de Turismo com Base Local. Políticas Públicas e o Lugar do Turismo. Anais. Brasília. 2001. CORIOLANO, Luzia Neide Menezes T. “Os limites do desenvolvimento e do Turismo”. In: ____________ O Turismo de Inclusão e o desenvolvimento local. Fortaleza: Funece, 2003. COSTA NETO, Eraldo Medeiros. “Conhecimento e usos tradicionais de recursos faunísticos por uma comunidade afro-brasileira. Resultados Preliminares”. In: Revista Interciência, diciembre, ano/ vol. 025, n.009, 2000, pp. 423-431. FRANCO, Augusto de. Por que precisamos de Desenvolvimento Local integrado sustentável. Brasília: Instituto de Política Millenium, 2000. MARTINS, José Clerton de Oliveira. “Homem e identidade: o patrimônio humano no desenvolvimento local”. In: CORIOLANO, Luzia Neide Menezes T. (org.) O Turismo de Inclusão e o desenvolvimento local. Fortaleza: Funece, 2003. NOGUEIRA, João Carlos (org.). Desenvolvimento e Comunidades Negras Rurais. Relatório de perfil socioeconômico da população do Território Quilombola de Alcântara. São Luis: IICA, 2009. RODRIGUES, Gabriela B. “Olhares antropológicos. A autenticidadade dos cotidianos afrobrasileiros através do recorte etnográfico”. In: VIII Encontro Humanistico, Anais. São Luís: UFMA, 2008. RODRIGUES, Gabriela B. & AMARANTE Jr., Ozelito Possidonio de. “A conservação da biodiversidade e da paisagem em Território Quilombola de Bacabal, MA: métodos de mobilização social e coleta de dados”. In: I Colóquio Internacional sobre desenvolvimento local e sustentabilidade. Anais, São Luís: UEMA, 2009. SÁ, Laís Mourão. O pão da terra propriedade comunal e campesinato livre na Baixada Ocidental Maranhense. São Luís: EDUFMA, 2007. SANTOS, Maria Teresa Curty. “A adequação de metodologias de análise de percepção ambiental a comunidades tradicionais em unidades de conservação”. In: III Encontro de Pesquisadores de Poluentes Orgânicos em Ambientes Aquáticos e Terrestres e I Seminário do curso de Pós-Graduação em Educação Ambiental. Anais. São Luís: IFMA, 2009 [no prelo]. SCHMIDT, Marcus Vinicius Chamon. Etnosilvilcultura Kaibino parque indígena do Xingu: subsídios ao manejo de recursos florestais. São Carlos: USP, 2003 (Dissertação de Mestrado em Ciências Ambientais).

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CAPITULO 1 – REVISÃO DE LITERATURA

Foto: Camila Xavier, 2009.

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1.1 Processos de ocupação e territorialização em paisagens quilombolas

RESUMO As relações oriundas do comércio entre Brasil e África foram e são fundamentais no

processo de formação das paisagens do país. Por isso, este trabalho discute conceitualmente as

origens do termo quilombo, como também de comunidades tradicionais, estabelecendo as

proximidades dessas populações com o meio natural no qual as mesmas se encontram. Traz,

ainda, uma breve revisão bibliográfica conceitual a fim de contextualizar realidades de

comunidades tradicionais e seus conjunto de símbolo e significados em paisagens brasileiras.

PALAVRAS CHAVES: quilombo, origens, cenários.

ABSTRACT Relations derived from the trade between Brazil and Africa were and are fundamental

in shaping the landscape of the country. Therefore, this work is conceptually discuss the

origins of which quilombo, as well as traditional communities, establishing the vicinity of

these populations with the environment in which they are. Has had the role to bring a

conceptual literature in order to contextualize the realities of traditional communities and their

set of symbols and meanings in Brazilian landscapes.

KEY WORDS: quilombo, backgrounds, scenery.

1.1.1 Introdução

A composição das paisagens brasileiras sofreu grande influência do Tráfico

Transatlântico (ANDRADE,1991), sendo influenciada diretamente nas cores, sons,

construções, comemorações, formato da “lida”, sabores, como em inúmeros outros contextos,

refletindo traços que contribuíram e demonstram quão diversificados foram os processos de

“territorialização” (ALMEIDA, 2006, p. 24).

As paisagens refletidas nas obras artísticas de Debret, Rugendas, Saint Hilaire,

além de muitos outros viajantes que aqui estiveram, podem ilustrar tal afirmação, porque

retrataram cenários do Brasil Colônia, Império e República, com seus diversos componentes

(RODRIGUES, 2008). Todos esses registros vêm reproduzir imagens de processos de

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adaptação social de povos fora de seu lugar de origem, sejam através da resistência ao

Sistema Escravo, das novas relações de trabalho e tratamento afetivo, do uso de novas

sementes, grãos, instrumentos, do uso de uma nova terra, ou outras inúmeras ações cotidianas.

Sendo assim as paisagens e os cenários dos canaviais, das grandes casas de fazenda, das danças, das festas, das comidas, das práticas religiosas, dos rituais de castigo e tortura em praça pública e outros, são componentes das obras de RUGENDAS, DEBRET, SAINT HILAIRE e de outros pesquisadores que por aqui passaram. Estas paisagens compõem acervos em aquarelas, quadros, xilogravuras, entalhos em madeira como em diversos outros tipos de materiais de expressão artística e de registro documental, compreendidos em diferentes períodos históricos ao longo da existência da Terra Brasilis (RODRIGUES, 2008, p.9).

Ao tratar dos impactos da comercialização da mão-de-obra escrava africana nos

países onde essa estrutura se manteve, faz-se necessário traçar linhas de análises mais

específicas quanto aos “Sistemas Culturais” citados por Geertz (1989), relacionados à

religiosidade, oralidade, musicalidade, gastronomia e expressão de sabores, tipos de

ocupações geográficas, revoluções, “banditismo’’, negociações, uso e ocupação do solo,

“quilombismo” e várias outras expressões que compõem o conjunto de “saberes e fazeres”,

ainda presentes na sociedade atual, e, sobretudo, nas denominadas ‘’Comunidades tradicionais

quilombolas”.

As particularidades das “comunidades tradicionais” (NUNES, 2003), estão

alicerçadas sob um conjunto de símbolos e significados, que vêm resistindo ao longo do

tempo, e aos impactos da contemporaneidade de forma singular. As transformações ocorridas

nos cotidianos dessas comunidades também se apresentam como um novo fato social, por

terem a função de adaptar componentes de “Sistemas Culturais’’ a novos momentos históricos

e sociais desses grupos em seus espaços geográficos”. Segundo Rodrigues (2009, p.4):

É visto que transformações também podem ocorrer a fim de garantir a sobrevivência de festas, festejos e rituais, indiferente, se os mesmos forem considerados por intelectuais e populações locais sagrados ou profanos. O que vem ser legítimo é que mesmo com impactos atuais ou impactos seculares (como o da retirada dos africanos de seu território), que a resistência para a perpetuação da tradição cultural, se sustenta.

No decorrer das reflexões sobre adaptações, transformações, resistência, tradição

cultural e originalidade, impactos e ‘‘Sistemas Culturais”, faz-se mister discutir os termos

“territorialização” e “reterritorialização”, desde a vinda dos navios tumbeiros para o território

brasileiro. Também é importante citar processos de negociação entre escravos e proprietários,

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entre mucama e “senhorinha”, entre possibilidades de implantação de pequenas hortas de

subsistência, compra de cartas de alforria, processos de permanência após a assinatura da Lei

Áurea, de 1888. Todos esses episódios fazem parte de articulações que envolvem

“territorializações”.

As questões de adaptação são bastante clarividentes, não somente nas tradições

culturais, como também na atualidade, após a Constituição Federal de 1988 (conhecida como

Constituição Cidadã), que garante o direito à posse definitiva de terras de comunidades

remanescentes de quilombos no Brasil. A luta e a articulação social e política buscaram

garantir direitos de grupos que lutavam pelo seu território, mas também por questões

específicas de repasse de suas tradições, a fim de perpetuar questões pertencentes à

territorialidade.

1.1.2 Paisagem e território

Da relação pautada pela permanência, exploração e apropriação, como a

construção do imaginário das populações humanas que fazem de um local o seu lugar

específico, Coriolano (2003), diz que se podem estabelecer laços de territorialidade, portanto,

de reconhecimento do “conjunto dos saberes e fazeres” inerentes a um local, tornando-o

fundamental para a sobrevivência de populações que ali estão.

O território em que vivemos é mais do que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico. A linguagem regional faz parte desse mundo de símbolos, e ajuda a criar essa amálgama, sem o qual não se pode falar de territorialidade. Esta não provém do simples fato de viver num lugar, mas da comunhão com que ele mantemos (SANTOS apud CORIOLANO, 2003, p. 67).

A discussão proposta por Almeida (2006) é coerente e tem fundamento no

processo de composição das paisagens de territórios tradicionalmente ocupados, porque

valora os componentes cotidianos, destacando-os. Recortando-se as questões fundiárias,

questiona-se o tipo de conceito usado pelos juristas nas questões que subsidiam o direito à

terra de remanescentes quilombolas, previsto no Art. 68 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal (CF) de 1988, que destaca as

relações do campesinato nas comunidades quilombolas, e também a necessidade do emprego

de novos métodos para o reconhecimento de propriedades que são de “uso comum”. De fato,

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discute-se o território de forma múltipla e responsável, estimando cada item componente das

paisagens quilombolas.

Ao pensar em “remanescentes de quilombos”, “quilombolas” ,“quilombos”,” terras

de preto”(SOUZA FILHO, 2008), é fato que a memória ou o imaginário pode arremeter aos

ensinamentos da escola, da Casa Grande Senzala, de Zumbi e seu Quilombo de Palmares

(AL), do Quilombo do Ambrósio (MG) ou do Quilombo do Limoeiro (MA). É notório que o

conceito do século XVIII, anteriormente usado para designar um “processo de aglomeração

de cinco escravos, em faces de fugas”, não mais atende às questões relacionadas à

propriedade e ao uso de terras na totalidade da questão (ALMEIDA, 2006). A herança da

paisagem da resistência ao processo escravocrata se dá de forma complexa, agregando

questões históricas, sociais, antropológicas, geográficas, de biodiversidade, de religiosidade,

de oralidade e de arestas de múltiplas naturezas, citadas anteriormente. Como diz Montello

(2005, p.25), em uma de suas obras literárias sobre paisagem de “quilombo”:

O rio largo, enxameado de piranhas, ficava a quatro dias de viagem pelos meandros da floresta. Para alcançar a vila mais próxima, era preciso passar para a outra margem, remando contra a correnteza, e andar outros quatros dias, sempre dentro da mata, por um caminho que só os negros conheciam.

E, ainda: “mas a clareira era mesmo fechada, o vento desfazia o ruído do tambor

nos rumores da mata, como entrochoar dos ramos, o sussurro das folhagens, o rolar das águas,

o piar das corujas e o grito dos bacuraus” (MONTELLO, 2005, p.27).

A sensação do cenário e da paisagem inóspita pode apresentar itens de um local

realmente propício para refúgio rural depois de fugas, como também para permanência de

grupos sociais “formalmente foragidos”. Porém, a composição e a realidade das paisagens

atuais quilombolas ainda podem guardar características naturais, e o fazem, mas não são,

necessariamente, locais de isolamento geográfico essencial.

A título de exemplo, a “Comunidade Quilombola de Piratininga”, município de

Bacabal, no Estado do Maranhão, apresenta-se como um povoado de 200 famílias ao longo de

uma rodovia. Pode ser que, ao se visitar tal localidade, o imaginário e a concepção daquela

paisagem, em contraponto às paisagens “supostamente quilombolas” (séculos XVIII, XIX),

gerem questionamentos a respeito da apresentação daquele núcleo geográfico estrutural. Ao

vivenciar o cenário da “Comunidade Quilombola de Catucá” (inserida na mesma região), a

sensação de “quilombismo” é mais real, devido à plástica do cenário local. A discussão,

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entretanto, se alicerça sobre: “o que e quais características compõem esse ou aquele território

e que o tornam um ‘remanescente de quilombo’?”.

Também é importante refletir sobre as paisagens estáticas engessadas pelo

conceito de “quilombo”, de documentos antigos que dizem:

As áreas ao redor da corte no Rio de Janeiro, repletas de florestas e montanhas, ofereciam refúgio para centenas de escravos fugitivos. A Floresta da Tijuca, o morro de Santa Teresa e as regiões de Niterói e a atual Lagoa Rodrigo de Freitas ficaram famosas por abrigar quilombos. Seus moradores sobreviviam dos produtos da própria mata, coletando frutos, raízes e matando pequenos animais e roedores. Seu principal sustento, porém eram as fazendas e chácaras vizinhas, que assaltavam com freqüência. Algumas vezes os escravos foragidos conseguiam até mesmo vender na própria cidade o produto dos seus roubos. (GOMES, 2007, p. 252).

1.1.3 Quilombos

Ao questionar a base do conceito histórico de 1740, a respeito de “quilombos”, é

preciso, como ensina Almeida (2006), relacionar, não somente as situações de fugas que

deram origem a grupos remanescentes do processo escravista, mas, também, a permanência e

mobilização social ao longo de um processo histórico. Por isso, alude Karasch (2000, p.411),

sobre “quilombos” no Rio de Janeiro:

Em outro quilombo, perto de Maricá, os fugitivos se sustentavam cultivando pequenos lotes de terra. A razão da sobrevivência do quilombo “muito antigo” dirigido por Joaquim Bunga talvez fosse que seus membros conseguiam obter alimentos caçando, pescando, plantando e negociando. Quando a policia o invadiu, encontrou uma plantação de cana e enxadas, bem como uma canoa, rede de pescar e mosquete de caça. Além disso havia machados, ferramentas de carpintaria e pilhas de lenha. Os quilombolas trocavam lenha por alimentos e bebida no Rio e tinham a muito tempo, relações comerciais com negociantes de madeira, que lhe serviam de protetores. Evidentemente, os quilombos mais bem sucedidos baseavam-se em seus esforços próprios de subsistência e no comércio pacífico para sobreviver.

Ainda complementado as definições e atribuições históricas sociais dos quilombos,

Cardoso (2002, p.62) recorta sobre as influências dos “Sistemas culturais” desse grupo social,

para a solidificação do Movimento Negro, informando que:

A partir desse ponto de vista, quilombo e resistência são noções quase sinônimas, no sentido de carregar em si a mesma força, de ter uma identidade comum, de denotar um mesmo significado no imaginário social da população negra e na trajetória recente do movimento negro. O quilombo é a forma de organização social e comunitária da população africana escravizada – que se torna livre no quilombo – mas que ao mesmo tempo e cotidianamente, precisa defender-se das investidas militares do sistema colonial escravocrata. Isto é, o quilombo é, também, uma

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sociedade guerreira e militar para resistir a repressão. A permanência de idéia de quilombo, presente na memória do inconsciente coletivo de segmentos majoritários da população negra e origem africana, transmitida de geração a geração através da oralidade, constituir-se á em referência histórica fundamental, tornando-se, força simbólica no processo de organização política, construção e afirmação da identidade do movimento negro contemporâneo no Brasil.

Após levantar relatos sobre paisagens de “quilombos”, é importante refletir sobre

seu papel em toda uma formação social, e ainda levantar componentes sobre o termo

“quilombo” nos processos da instituição Kilombo, na África. A terminologia estava ligada,

naquele continente, a rituais de formação de jovens guerreiros na sociedade Imbangala. Os

territórios e campos de guerra e os “locais sagrados” onde eram efetuados os rituais de

preparação também eram assim denominados (CARDOSO, 2002).

[...] Esta característica nômade dos Imbangalas, acrescidas de especificidades de sua formação social, pode ser reconhecida na instituição Kilombo. A sociedade guerreira Imbangala era aberta a todos os estrangeiros desde que iniciados. Tal iniciação substitui o rito de passagem das demais formações da linhagem. Por não conviverem com os filhos e por adotarem os daquelas formações com as quais entrava em contato, os Imbangalas tiveram papel relevante neste período da historia angolana, a maior parte das vezes na resistência aos portugueses., outras no domínio de vastas regiões de fornecimento de escravos. Por tudo isto, Kilombo cortava transversalmente as estruturas de linhagem e estabelecia uma nova centralidade de poder frente as outras instituições de Angola. O ritual de iniciação baseava-se na prática da circuncisão que expressava o rito de passagem, incorporando jovens de várias linhagens na mesma sociedade guerreira. Kilombo aqui recebe o nome da instituição em si. Seria Kilombo os próprios indivíduos ao se incorporarem a sociedade Imbangala. Outro significado estava representado pelo território ou campo de guerra que denominava-se jaga. Ainda outro significado para Kilombo, dizia respeito ao local, casa sagrada, onde processava-se o ritual de iniciação. O acampamento de escravos fugitivos , assim como quando os Imbangala estavam em comércio negreiro com os portugueses, também era Kilombo (NASCIMENTO apud CARDOSO, 2002, p. 71).

Ao falar sobre origens, concepções, conceitos, funções e paisagens “quilombolas”

(RODRIGUES, 2008), a discussão é trazida para a atualidade e discutida por vários autores,

principalmente em relação às implicações das titulações territoriais relacionadas ao direito

legal dessas comunidades tradicionais. O contexto legal de ser um cidadão “remanescente de

quilombos”, como colocado pela Constituição Federal, gera novos papéis e funções sociais,

propicia uma ressignificação quanto a “Sistemas Culturais” tradicionais e, ainda, possibilita a

reafirmação de posturas relacionadas a discussões de poder. No entanto, o que vem à tona na

discussão não se resume apenas a uma nomenclatura ou a um direito civil. Há a necessidade

de permanência de toda uma comunidade em um espaço geográfico onde os mesmos têm suas

relações estabelecidas ao longo do tempo com determinada biodiversidade local, além da

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necessidade de produção, já que tais famílias também são campesinas e dependentes de um

funcionamento específico de determinado tipo de sistema natural (SÁ, 2007).

O que se percebe é que as situações atuais ainda contam com resquícios

conceituais do século XVIII, pautando-se em exigências de documentos oficiais, a exemplo

de certidões de compra e venda e de doações. Esses documentos se mostram desnecessários e

inexistentes em sistemas de “terras de uso comum”, como nos sistemas diferentemente

denominados de “terras de preto”, “terras de santo” “terras de índios” e outros (SÁ, 2007).

As “terras de pretos” são terras ou propriedades que foram doadas, abandonadas,

esquecidas, adquiridas ou ocupadas por descendentes de ex-escravos. Daí o uso é comum, e o

desmembramento em parcelas não é uma prática convencional (SÁ, 2007).

As denominadas “terras de santo” são aquelas propriedades que foram de posse de

Ordens Religiosas, as quais ocuparam localidades no país em épocas coloniais (Jesuítas,

Carmelitas, Mercedários, etc.). Estas Ordens, ao serem expulsas do Brasil, tiveram suas

propriedades cultivadas em sistema comunal, à moda das populações ali residentes. Foram, no

lapso, denominadas proprietárias das terras santidades como Santa Tereza, Santana, São

Raimundo (ALMEIDA, 2006, p.115) e Nossa Senhora do Rosário, em Minas Gerais. As

relações de vínculo com as santidades proprietárias da terra sugerem e estabelecem sistemas

de reciprocidade evidentes, como uma espécie de “aluguel da terra’’, principalmente no

alusivo aos papéis sociais, como dos “encarregados” ou das retribuições de “jóias” (SÁ, 2007,

p. 103), nas manifestações culturais religiosas anuais.

Sobre as “terras dos índios”, as mesmas foram doadas oficialmente ou concedidas

por serviços prestados, também gerando conflitos, já que, na maioria das doações, as

titulações são destinadas a determinadas famílias (ALMEIDA, 2006, p.117).

As relações de uso comum, bem assim de abandono ou doação de propriedades

para ex-escravos, e o histórico de permanência dessas comunidades, em função da retirada de

auto-sustento dessas terras e do fortalecimento de práticas cotidianas, ainda são pouco

considerados em processos de reconhecimento de posse. Por isto, não são determinantes no

processo das titulações.

Como diz Almeida (2006), às considerações a respeito desses usos e a

incorporação de novos profissionais (antropólogos, geógrafos, biólogos, turismológos e

outros) nessas construções e elaborações de laudos (contendo o histórico de uso dessas

propriedades), pode ser – e são – fundamentais para discutirmos os termos “quilombo”,

“remanescente de quilombo” e “quilombolas”, diante do mencionado Art. 68 do ADCT da CF

de 1988, e o direito à posse de terra para remanescentes de quilombo e demais direitos. A

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postura política e militante, assumida por tal grupo social em reivindicação a estes direitos,

sinaliza que novos atores sociais estão em cena, e que a “territorialização” também se faz no

sentido de apropriação dos componentes daquela paisagem pelos mesmos (ALMEIDA,1995).

A ocupação do território maranhense, pelos africanos escravizados, após o período

de escravidão indígena (SÁ, 2007), e as formas de cultivo e de produção por esses “núcleos

familiares”, geraram sistemas muito específicos de uso e conservação de biodiversidade local.

Arranjos produtivos como ações de conservações também foram implantados e são

ferramentas de luta, a exemplo das “quebradeiras de coco babaçu”, que defendem a

necessidade de se manterem as palmeiras vivas e produtivas, gerando emprego e renda para

suas famílias. A proposta das produções orgânicas também ilustra aspectos de um “sistema

cultural” que visa a sustentabilidade e uso de biodiversidade nesses históricos de ocupação

territoriais.

É nesse sentido que Rodrigues (2008, p.1) cita:

É preciso destacar, que as particularidades das manifestações do cotidiano, em comunidades tradicionais relacionados aos formatos de uso do espaço geográfico e da biodiversidade, estão de acordo com os indicadores exclusivos de sustentabili-dade, que fazem parte de um julgamento próprio inerente ao conjunto patrimonial de um grupo particular, neste caso, uma comunidade tradicional. Sendo assim, a autenticidade patrimonial de cada comunidade, torna-se uma condicionante, no momento em que os elementos físicos da paisagem na qual estas estão inseridas, são usados.

É necessário ressaltar a complexidade acerca das considerações do conjunto

patrimonial de saberes e fazeres e suas interfaces com a conservação da biodiversidade, e a

dimensão de conhecimentos interdisciplinares, necessários em momentos de observação e

análises, no tangente à paisagem composta por prática agrícola (ANDRADE, 2008), de

pecuária, pesca e extrativismo.

[...] porque não é por acaso que, quando se visita essas áreas designadas “terras de preto”, percebe-se um grau de preservação da natureza maior do que nas fazendas lindeiras ou nos projetos agropecuários que desmataram tudo para formar pastagens artificiais [...] Curiosamente, é nesses lugares que as minas, os olhos d’água e as fontes não secaram [...] são áreas onde as cabeceiras, as nascentes foram relativamente mantidas e onde ainda existe uma reserva de mata e plantas com propriedades medicinais, pequena fauna e terrenos com capacidade para absorver o sistema de rodízio de tratos culturais, por dezenas de anos, contrariando as teorias do esgotamento do solo (ALMEIDA, 2002, p.77).

Como pode ser visto na Figura 1, no remanescente quilombola dos Kalungas

(Chapada dos Veadeiros – GO), o formato da limpeza dos vasilhames de cozinha é feito no

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Ribeirão de Almas, e o consumo de frutas locais pelas crianças é um importante aspecto da

relação diária com os recursos naturais. Na comunidade quilombola de Catucá, município de

Bacabal - MA, as casas são feitas de barro e palha de babaçu (Figura 2).

Figura 1 - Sítio Histórico dos Kalunga, Unidade de Conservação Parque Nacional da

Chapada dos Veadeiros, município de Diadema – GO. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2007.

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Figura 2 - Comunidade Quilombola de Catucá, em Bacabal – MA.

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

A integração entre os descendentes de escravos e, nesse caso, de populações

tradicionais afrodescentes, junto às relações de proximidade com as características naturais do

lugar onde vivem, ao ser repassada a seus descendentes, demarca, com particularidades, um

conjunto de significados que dão a esses espaços físicos, características de territórios e

territorialidade, gerando o desenvolvimento de uso e técnicas especificas pessoais de domínio

e troca, de saberem viver onde estão (SCHMIDT, 2003).

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1.1.4 Conclusões

Medidas de uso relacionadas a comunidades tradicionais, manutenção e

conservação de biodiversidade, podem não ter completamente base conservacionista em todo

um sistema de significados de populações dessa natureza, mas é observado que práticas

baseadas no uso mais naturais, integradas e sustentadas, desenvolvem importantes papéis na

dinâmica de conservação de paisagens e fazem parte do dia-a-dia de grupos tradicionais.

Devido a isso, o estabelecimento de análises de mecanismos de cotidianos e práticas de uso

pode ser discutido e levantado na atualidade, não somente como abordagem de técnicas de um

conjunto de significados locais, mas de conservação e manejo de biodiversidade, agregando

temas, como meio ambiente, tradição, cultura e “comunidades tradicionais quilombolas”.

A ocupação do Estado do Maranhão e de todo o seu conjunto de biodiversidade,

por ser uma localidade marcadamente variada em termos de Biomas, exigiu das populações

que aqui chegaram o desenvolvimento, adequado e especifico, de códigos de sobrevivência,

gerando vários conjuntos de saberes e fazeres, criando, assim, dentro do Estado, identidades

muito especificas referente às regiões.

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1.2 Cultura e cotidiano, um recorte sobre as festividades em comunidades tradicionais

afrobrasileiras.

RESUMO

O estabelecimento de povos africanos no Brasil, e em outros países da América como

um todo, a partir das relações econômicas estabelecidas pelo Tráfico Transatlântico,

contribuiu para a formação e adaptação cultural nesses lugares. O Brasil contou com uma

significante parcela desse mecanismo, com a permanência de indivíduos oriundos de várias

nações africanas, sendo importante salientar os processos de formação de uma cultura afro-

brasileira. Este trabalho apresenta, de forma breve, as questões conceituais atribuídas à

Cultura e exemplifica algumas festas que compõem o acervo cultural brasileiro, com origem

na interação com os povos africanos neste território do Novo Mundo.

PALAVRAS CHAVES: Sistema cultural, festividades, afro-descendentes.

ABSTRACT

The establishment of the African peoples in Brazil and elsewhere in America as a whole,

from the economic relations established by the transatlantic slave was a contribution to the

formation and cultural adaptation in these posts. As Brazil had a significant portion of this

mechanism for the presence of individuals from various African nations, it is important to

emphasize the processes of formation of an african-Brazilian culture. This paper presents a

brief conceptual issues attributed to culture and exemplify some parties that make up the

cultural heritage of Brazilian origin in the interaction with the African peoples in the territory

of the New World.

KEY WORDS: Sistema cultural festivities, african descent.

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1.2.1 Introdução

O estabelecimento de povos africanos no Brasil, vindos mediante o Tráfico

Transatlântico, que durou alguns séculos, foi de fundamental importância no processo de

formação e reformação da cultura neste país, principalmente, e em países como os Estados

Unidos, Cuba, Jamaica, Colômbia e Panamá (ANDRADE, 1991).

As questões do imaginário individual e social, relativo à travessia, estabeleceram

um paralelo entre o cotidiano conhecido e as águas desconhecidas, em direção a um território

completamente diferente e, portanto, inóspito.

O período histórico compreendido entre os quatro séculos de movimentação entre

o continente africano e o restante do mundo, ateve-se especificamente a um trâmite comercial

de exportação de mão-de-obra escrava para a realização de atividades em lavouras, engenhos,

fazendas de café, minas de ouro e outras atividades econômicas nos países citados

(KARASCH, 2000). Todo esse processo, porém, foi caracterizado de forma recortada por

uma questão que merece ser destacada: a mão-de-obra escrava fora completamente retirada

das suas bases e origens culturais.

Os aspectos da corporalidade, da oralidade, da musicalidade e do formato relacionado ao repasse das tradições podem e vão nos remeter a aspectos culturais da África. Evidentemente muito dos costumes, etnias e tradições das sociedades africanas formam a base desta rica e particular herança cultural do país. A fé, a devoção, o som, as cores, as comidas e os rituais como um todo visto nestas manifestações culturais, nos remete a estes cenários das ruas das vilas, das fazendas, das senzalas e de outros espaços físicos por onde estes africanos escravizados transitaram (RODRIGUES, 2007, p.4).

A base cultural desses povos africanos não se desmantelou com a longa e

sacrificante travessia do Atlântico nos navios tumbeiros. É certo que parte representativa da

dita “carga”, a ser comercializada, perdeu-se devido às condições da viagem. Mesmo assim, a

população transferida, e forçadamente fixada, adaptou suas heranças e formação cultural aos

novos espaços geográficos nos quais a mesma foi colocada.

1.2.2 Festas e tradições afro-brasileiras

A crença e o culto às entidades religiosas, como Orixás e Voduns, a prática do

contato com o meio natural através dos sacrifícios e do uso de folhas, sementes e raízes, entre

outros recursos naturais, a especificidade do manuseio dos panos, a prática dos ofícios, o

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repasse de tradição através da oralidade, a base familiar, os toques de tambores e a produção

de alimentos em “sistema comunal”, ilustram questões referentes às necessidades de

territorialização em consonância ao novo local (MARTINS, 1997). É indispensável citar a

tradição das festividades e a conduta inerente aos momentos de consagração desses povos. A

fim de contribuir com tal afirmação, Cobra, Fonseca e Rodrigues (2001, p.18, 24) citam a

paisagem de uma festa para Nossa Senhora do Rosário, composta a partir do ritual da

manifestação sagrada do Candombe nas Minas Gerais:

A festa do Açude acontece no segundo ou terceiro final de semana do mês de Setembro, esta data foi escolhida em comemoração ao aniversário do pai de Dona Mercês e Dona Maria Geralda. Antes do início da festa é hasteada a bandeira de Nossa Senhora do Rosário e rezado o terço e a ladainha, o que mostra o forte sentido religioso da festa. Logo depois se sai em procissão ao redor da casa, cantando e louvando a Nossa Senhora Rosário. A fogueira que é um elemento essencial para o Candombe já estará acessa com os “tambús” ao redor para aquecer o couro e “pegar afinação”, ao esfriar os instrumentos vão perdendo a potência das batidas. Desta forma os candomberos começam a festa, batendo nos “tambús”, na caixa batuqueira e cantando as cantigas compostas pelos antigos escravos. O Candombe pode ser cantado e tocado por qualquer candombero, não se estabelecendo nenhuma hierarquia, seguindo apenas a ordem de sempre o tambor médio começar as batidas após iniciada a cantiga. Não se usa nenhuma roupa em especial, de acordo com a tradição que lhes foi passada pelos antigos. Durante a festa são servidas comidas como broas, bolo de fubá, caldos, cachorro-quente. A bebida principal é a cachaça que é considerada sagrada, mas também se serve o café.

Ao descrever esta paisagem, itens como fogueiras, tambores, “pontos” (PEREIRA,

2005), cantados e aprendidos com os ancestrais das matriarcas da ‘’Comunidade Quilombola

do Açude’’, localizado na Serra do Cipó (MG), são ilustrados na Figura 3. Práticas de um

cotidiano rebuscado de significados, relacionados ao perfil cultural de variadas comunidades

afrodescendentes, sustentam esta pesquisa.

Ao tratar de perfis culturais (HALL, 1997) e componentes de paisagens, é preciso

salientar como a diversificação do espaço geográfico brasileiro pôde gerar, reinventar, adaptar

e perpetuar manifestações muito semelhantes em alguns aspectos, mas muito característicos

em cada lugar específico de ocupação, muitas vezes distantes e sem contato entre si. Por

exemplo, os “Cortejos de Moçambique e Congado de Minas Gerais” e suas vestimentas e

indumentárias de veludo são confeccionados para climas frios de montanha, como mostra a

Figura 4, referente à Guarda de Moçambique, do município de Piedade do Paraopeba - MG, e

a Figura 5, Guarda de Marujos, do município de Senador Modestino Gonçalves, no Vale do

Jequitinhonha, também em Minas Gerais.

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Figura 3 - Candombe do Açude, Serra do Cipó (MG). Fotos: Gabriela B. Rodrigues,

Gustavo Baxter e Terence Keller, 2001, 2008. Acervo Olhares Antropológicos.

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Figura 4 - Guarda de Moçambique de Piedade do Paraopeba, Brumadinho – MG.

Foto: Lucas Nishimoto. Acervo Projeto Viva Casa Branca, 2006.

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Figura 5 - Guarda de Marujos, do município de Senador Modestino Gonçalves, Vale do

Jequitinhonha (MG). Foto: Nidesson Sanches. Acervo Projeto Rondon Minas UNA, 2006.

As vestimentas do “Tambor de Crioula”, no Maranhão, por outro lado, são feitas

com panos mais finos de algodão, fazendo jus ao calor intenso (Figura 6). As roupas de saco

de linhagem do “Jongo”, do Rio de Janeiro, e da capoeira, seus instrumentos musicais e suas

particularidades vêm demonstrar adaptações culturais de vestimentas, costumes, hábitos a

partir do componente cultural, mas sofrendo influência dos seguintes aspectos: climático,

flora e fauna, relevo entre outros componentes das paisagens em questão.

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Figura 6 - Tambor de Crioula do Maranhão. Assoc. de Tambor de Crioula Manto de São Benedito, Cidade Olímpica, Ilha de São Luís, MA. Foto: Gabriela Barros Rodrigues. Pesquisa Olhares antropológicos, 2006.

1.2.3 Transformações culturais no Brasil

Como contextualizar as adaptações, transformações, tradição, descaracterização,

impactos da modernidade, mudanças de lugar e permanência de festejos, cultos, cortejos,

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ladainhas, rituais sacros, rodas de tambores e vários outros traços de festividade das

comunidades tradicionais afro-brasileiras?

A fim de discutir sobre tais questões, o conceito de Cultura tem de ser trazido à

baila. Segundo Geertz (1989), a formatação cultural das comunidades é estabelecida diante de

um conjunto de ritos, mitos, símbolos, significados expressos nos cotidianos. Para Carvalho

(1995, p.49): “a cultura engloba todo um conjunto de códigos e convenções simbólicas e se

fundamentam num universo de relações de sentidos”.

Os sistemas culturais têm que ter um grau mínimo de coerência, do contrário não o chamaríamos sistemas e, através da observação vemos que eles têm muito mais que isso [...] A força de nossas interpretações não pode repousar, como acontece hoje em dia com tanta freqüência na rigidez com que elas se mantêm ou na segurança com que são argumentadas. Creio que nada contribuiu mais para desacreditar a análise cultural do que a construção de representações impecáveis de ordem formal, em cuja existência verdadeira praticamente ninguém pode acreditar (GEERTZ, 1989, p.28).

O que tais autores apresentam é exatamente como a transformação está passível de

acontecer diante de mudanças temporais e circunstanciais, como por exemplo, após uma

travessia tão drástica e demorada pelo Oceano Atlântico (ANDRADE, 1991). Mesmo assim,

determinados símbolos e significados vieram a ter permanência nos cotidianos de cada

comunidade afro-brasileira, sem perder sua autenticidade e tradição em seu repasse.

Adaptações aconteceram, mesmo para que houvesse a permanência desse “sistema cultural”.

Por ora, a substituição de determinadas raízes nos rituais pode ilustrar esta colocação.

Os questionamentos a respeito de autenticidade, tradição e originalidade, que

sempre são feitos aos “guardiões da memória”, de manifestações e sobre os cotidianos e

rituais festivos das comunidades, podem se referir a efetivas perdas culturais e

descaracterizações, ou transformações, já que a Cultura apresenta características de

dinamismo, inclusive em paisagens específicas.

Ao pensar nisso, a título de exemplo, deixar de realizar o “Tambor de Crioula” e

seus festejos para a santidade de São Benedito, no Maranhão, ou trocar a devoção à santidade

de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (REIS, 2007), nas Marujadas do município de

Senador Modestino Gonçalves, Vale do Jequitinhonha (MG), por outra entidade religiosa,

pode demonstrar a perda de traços fundamentais de todo um “sistema cultural”. Trocar,

todavia, a data da manifestação do “Candombe” por um motivo de concessão da comunidade

devota não é necessariamente uma descaracterização ou falta de tradição.

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A identidade, devido a toda esta rápida movimentação temporal, expõe as

manifestações culturais a uma vulnerabilidade que faz que a “celebração móvel” aconteça de

forma natural, não estabelecendo a permanência de “identidades fixas, essenciais e

permanentes” (HALL, 1997, p.13).

Transformações também podem ocorrer a fim de garantir a sobrevivência de

festas, festejos e rituais, indiferentemente de serem considerados por intelectuais e populações

locais como sagrados ou profanos. O legítimo é que, mesmo com impactos atuais ou impactos

seculares (como o da retirada dos africanos de seu território), a resistência para a perpetuação

da tradição cultural continua se sustentando (AMARANTE Jr., 2003).

É possível pensar que tradições milenares ou seculares estiveram expostas a todo o

tipo de abalo social em suas bases, mas que, embora assumindo as possíveis transformações

sociais e as assimilando, apresentam a sua estrutura cultural, mesmo que seja de forma muito

ou pouco modificada. Como expõe Cardoso (2002, p.60):

Os negros e negras descendentes dos africanos desenvolveram variadas formas de lutas e estratégias coletivas de sobrevivência, de resistência, de combate ao racismo, à discriminação racial, ao preconceito, às desigualdades sociais e de enfrentamento cotidiano à violência física e simbólica, contra seu corpo e cultura.

O “Sistema do consumo” (Capitalismo), a atualização da mídia, a globalização e o

Turismo de Massa, podem ser destaques nesse processo de modificação, e, em alguns casos,

de perda da cultura popular. Mas, como a influência desses agentes pode e vêm contribuindo

para certos processos de descaracterização dos cotidianos das comunidades tradicionais e de

seus festejos e manifestações?

Por essa causa, é importante entender a Cultura Popular, como traço das várias

identidades brasileiras. Ortiz (1993) diz que deveríamos falar em “memórias populares” e não

em uma Cultura Popular que demonstre uma única identidade nacional. E falar também, de

modo geral, em “memória coletiva”, visto que a característica heterogênea de nossa Cultua

Popular apresenta, mais uma vez, várias “memórias coletivas” (ORTIZ, 1985). Se não fosse

assim, não teríamos traços diferenciados nas religiões de matrizes africanas e seus rituais. Não

poderíamos falar na essência e onde o Candomblé se diferencia da Umbanda, do Tambor de

Mina, do Terecô, do Xangô ou do Rastafarianismo (NUNES, 2003).

A problemática da Cultura Popular, diante de toda a sua complexidade, ainda

passa por – e é alvo de – discussões conceituais acerca do Folclore (CARVALHO, 1992), de

“Cultura de elite”, de “Cultura autêntica”, de “Cultura urbana”, de “Cultura de massa” e de

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inúmeras outras nomenclaturas e divisões. É certo, porém, que os “Sistemas Culturais” de um

determinado povo, nação, grupo, especifico ou não, são indiferentes à estratificação social e

formam a “Cultura Popular”.

Para alguns autores, como Carvalho (1995), as produções de cultura, dentro de

parcelas diferenciadas inseridas em uma sociedade, são bem distintas. E a mesma ainda

afirma que: “[...] a diferença de posições sociais leva também a decodificações e elementos

culturais distintos, o que resulta na produção pelos setores populares de formas próprias de se

manifestarem a perspectiva da sociedade em que vivem” (CARVALHO, 1995, p.50).

Esta citação pode justificar o consumo das manifestações da Cultura Popular na

atualidade, o consumo pelo “Sistema Capitalista”, pelo Turismo, pela mídia e globalização.

Existe uma apropriação estabelecida através da parafernália tecnológica em dias atuais, que

facilita o registro e a captação dos sons e das imagens das festas e festejos das comunidades

tradicionais, por exemplo. Esse fato gera um processo de divulgação em massa, que pode

fundamentar o processo do “Turismo de Massa e Pontual”, sustentado pelo poder de compra

do capital. E, como, atualmente, o planeta funciona em redes virtuais, eis o impacto negativo

da globalização.

Já é recorrente, ao processo de acessibilidade, que novos formatos e mecanismos tecnológicos cada dia ocupa um maior espaço no século XXI, mas também é uma outra constante do processo, citar como a mídia espetaculariza manifestações ao tentar interpretar “cotidianos” considerando unicamente sua própria ótica, mostrando o que “acham” ser o verdadeiro, e que sob os olhos da comunidade não é bem assim. Portanto, fazem do uso indiscriminado das ferramentas tecnológicas pautadas neste viés etnográfico, sem nenhum tipo de responsabilidade sociocultural, ou mesmo de conservação patrimonial (RODRIGUES, 2008, p. 20).

Também é relevante lembrar que a parafernália tecnológica, o “Turismo de

Inclusão e comunitário”2(CORIOLANO, 2003), o “Turismo étnico”3 e os efeitos positivos da

globalização podem contribuir de forma interessante para a manutenção desses cotidianos

tradicionais. As possibilidades de registro da atualidade podem gerar bancos de dados. O

Turismo pode incentivar a conservação das manifestações (uma vez que as pessoas querem

2 Tipo de atividade turística pautada na observação de cotidianos/costumes de grupos étnicos específicos. Esse, ainda apresenta potenciais reais para um Turismo de baixo impacto negativo, como também valorização e inserção real da comunidade local. RODRIGUES, Gabriela B. 3Tipo de atividade turística que visa à inserção da comunidade local em toda a Cadeia Produtiva do Turismo. Ainda fomenta a participação comunitária, como também uma prática de baixo impacto negativo, assegurando a sustentabilidade local RODRIGUES, Gabriela B ..

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conhecer o que lhes é diferente, e que até mesmo pode ser considerado exótico) e a

globalização, gerando um movimento de divulgação que atrai adeptos à preservação e

conservação de conjuntos patrimoniais da Cultura Popular.

Ainda, tratando-se de conjuntos patrimoniais e impactos da atualidade, focando,

mais precisamente, o Turismo, Grunewald (2003, p.133) escreveu sobre o resgate da ‘’Cultura

Pataxó”:

Assim ao invés do Turismo agir de modo degradante sobre a cultura indígena, age de modo contrário fazendo os Pataxós emergirem de forma diferenciada na região, e proporcionando, mesmo que indiretamente, uma produção cultural indígena recente e instrumental, que visa a construção de traços constituintes da identidade étnica e que os mostra não como índios aculturados ou em aculturação, mas como sujeitos criativos e inventivos que geram sua própria cultura com base em elementos seletivamente acionados a partir de origens diversas [...].

Isto demonstra a problemática que envolve itens que vão, desde o cotidiano básico

das comunidades tradicionais, até a particularidade das festas que compõem cenários

característicos de comunidades negras, de caiçaras, de pescadores e quilombolas, dentre

outros. Ademais, pode-se mencionar o “produzir as festividades” como uma estratégia de

resistência e permanência ao longo do tempo, em que as gerações perpetuam suas práticas,

destacando também as dificuldades encontradas por esses grupos.

Diante disto, falar sobre festividades é importante por refletir a permanência e por

traduzir socialmente aspectos que talvez não sejam tão específicos no dia-a-dia. O ritual de

realização das festas, festejos e comemorações, concentram-se em três momentos: a

“preparação”, o “acontecimento” e a “pós-festa”. Cada uma dessas fases tem uma função e

um papel dentro do território onde a mesma acontece (PRADO, 2007).

A “preparação” apresenta, na distribuição das funções, o papel social que cada

membro participante tem dentro da comunidade em questão. Também pode trazer um novo

status de “poder”, diante do processo de realização do festejo. Especificando, o festeiro tem

um papel de gestão de território essencial, ocupando-se, desde o recolhimento das

contribuições (jóias), até o controle da segurança local.

O “acontecimento” imprime todo o histórico daquela comunidade: a sua história,

resistência, permanência e perpetuação daquela tradição (Figura 7). Serve também para

demarcar e preparar o próximo “guardião” ou mestre. O repasse das bandeiras das Guardas de

Congo, Moçambique e Caboclo, em Minas Gerais, ilustra bem o fato.

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Figura 7 - Comunidade Quilombola de Catucá. Ritual de Terecô. Foto - Gabriela B. Rodrigues, 2009.

A festa é antes de mais nada e acima de tudo, uma ato coletivo extraordinário, extra-temporal e extra-lógico. Significa dizer que a condição da festa é dada pela confluência de três elementos fundamentais, interdependentes um do outro, que se confudem uns com outros, a saber: um grupo em estado de exaltação ( leia-se fusão coletiva e efervescência ) que consagra sua reunião a alguém ou a alguma coisa (toda festa é sacrifício) e que, assim procedendo liberta-se das amarras da temporalidade linear e da lógica da utilidade do cálculo, pois a festa é sucessão de instantes fugidios, presididos pela lógica do excesso, do dispêndio, da exacerbação, da dilapidação. Em resumo: a festa instaura e constitui um outro mundo, uma outra forma de experienciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e das emoções – com um forte acento hedonista e agonístico – e, mesmo, em grande medida, pelo não social. E pela a conjunção dessas três características constitutivas da festa que podemos defini-la como paroxismo, dado que ela é fundamentalmente transgressora e instauradora de uma forma de socialização, na qual o acento é dado pelo estar junto, pelo fato mesmo da relação (PEREZ, p. 19, 2002).

Finalmente, o “pós festa” alimenta o imaginário coletivo, alicerçando a ‘memória

coletiva’ para o próximo evento” (Figura 8). Vale ressaltar toda a beleza e a importância das

paisagens festivas do Brasil e, sobretudo, atribuir a função social das mesmas na manutenção

da Cultura Popular e do cotidiano das comunidades tradicionais. As festas apresentam-se

necessárias na manutenção dos laços sociais e culturais dos quilombos, como no caso das

comunidades de Catucá e São Sebastião dos Pretos, em Bacabal – MA. E também, da

biodiversidade local, refletida, tanto na construção dos instrumentos, como no uso de espécies

da fauna e flora, em momentos rituais.

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Figura 8 - Comunidade Quilombola de São Sebastião dos Pretos. Manifestação

do Divino Espírito Santo. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

1.2.4 Conclusões

O objetivo deste texto foi conceituar o que é Cultura, e, como, a partir das

características dos locais, um conjunto de símbolos é caracterizado, tendo um formato muito

parecido com a paisagem no lugar no qual a manifestação ou os traços culturais estão

inseridos e foram desenvolvidos.

A Cultura se transforma de acordo com inúmeros fatores que a determinam

(VELHO, 2004). E o “determinismo geográfico” é uma variável essencial a esse processo.

Consideram-se, também, a trajetória e o perfil de quem repassa a tradição cultural. A título de

exemplo, as comemorações para o Divino Espírito Santo, na Ilha de São Luís – MA, por mais

que tenham, em suma, um único motivo para o acontecimento, a manifestação traz

características diferenciadas quanto à data de realização ou a cor das vestimentas na Casa das

Minas, Casa de Nagô ou Casa Fanti Ashanti. E essas diferenças ainda se estendem ao ritual

de Alcântara – MA. Salenta-se que o mesmo acontece com outras diversas manifestações

culturais, religiosas ou não. A realização do Candombe, em Minas Gerais, tanto na

Comunidade Quilombola do Açude, na Serra do Cipó, ou na Comunidade dos Arturos, em

Contagem, apresentam características distintas em momentos rituais.

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O discernimento necessário nos momentos de discussão a respeito de Cultura

precisa considerar que a mesma tem movimentos. E esses movimentos são originados das

mudanças do cenário no qual a manifestação ocorre. Quando os negros africanos vieram para

o Brasil, precisaram adequar vários de seus rituais de acordo com a nova composição de

biodiversidade que encontraram. Ou seja, nem todas as sementes ou folhas usadas em rituais

culturais, em seus reinos, impérios, sociedades e tribos, existiam nos novos espaços de

trabalho e vivência, como minas, engenhos, plantações, etc.

E, na atualidade, ao ver e participar de profícuos debates sobre descaracterizações

e transformações culturais, concluo que essas questões precisam ser consideradas para que

não haja intolerância ou a não compreensão das influências geográficas nesses processos, bem

como, para que não haja dissociação entre os efeitos dos conjuntos de símbolos nos cenários.

Pois tal dinâmica de paisagem é formada por um círculo composto pelas as duas variáveis: o

determinismo geográfico e seus efeitos culturais; e os efeitos culturais na determinação da

paisagem.

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CAPÍTULO II – 1.ª PARTE EXPERIMENTAL

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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2.1 A conservação da biodiversidade e da paisagem em Território Quilombola de

Bacabal, MA (Brasil). Resultados Comunidade Quilombola de São Sebastião dos Pretos

RESUMO

Este artigo tem como propósito investigar a percepção de quilombolas sobre a

conservação de biodiversidade e da paisagem, em seus territórios, no interior do Maranhão. O

trabalho foi realizado na comunidade São Sebastião dos Pretos, município de Bacabal – MA.

Foram coletados dados relacionados a onze temas referentes à composição da paisagem,

coleta de acervo audiovisual, sonoro e fotográfico, buscando-se produzir um banco de dados

cultural da comunidade. Além disto, construiu-se um Diagnostico Sócio-Econômico-

Ambiental - DSEA. O trabalho apresentou, como maior contribuição, a utilização de métodos

de coleta de informação, oriundos de várias áreas do conhecimento, aproximando a Biologia

da Antropologia, buscando uma abordagem holística e multidisciplinar. Os resultados da

pesquisa apresentam um panorama geral relacionado à comunidade e traz possibilidades da

elaboração de planos de desenvolvimento local.

PALAVRAS CHAVES: cenário, afro brasileiro, diversidade biológica.

ABSTRACT

This article aims to examine the perception of maroon with regard to the conservation

of biodiversity and landscape in their territories within Maranhão. The work was carried out

in the community of San Sebastian Black, municipality of Bacabal, MA. We collected data

related to eleven themes concerning the composition of the landscape, collecting collection

audio visual, sound and photography, seeking to produce a database of the community.

Moreover, built a Socio-economic and environmental - DSEA. The work presented major

contribution is the use of methods of information collection come from many areas of

knowledge, bringing Biology Anthropology, seeking a holistic and multidisciplinary. The

survey results provide an overview of related community and provides opportunities to draw

up local development plans.

KEY WORDS: cenario, afrobrazilian, biological diversity.

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2.1.1 Introdução

A questão da história brasileira e das incidências das paisagens particulares, que se

apresenta com formatos diversos diante das características geográficas de um lugar, como já

esperado, desenvolve identidades e Sistemas Culturais (GEERTZ, 1989), que respondem a

um arcabouço de dúvidas referentes às relações entre cotidianos e conservação de

biodiversidade.

Ao tratar de Ecologia de paisagens, e recortar uma paisagem específica, no caso

deste trabalho, uma “paisagem quilombola”, os fatores físicos componentes do espaço, como

clima, relevo, localização, características de fauna e flora, população e outros, e também os

sociais, como o imaginário, o histórico, o adaptativo social, a resistência religiosa e os rituais,

ao se integrarem, montam um mosaico particular, podendo responder as questões de pesquisas

que visam relacionar o meio natural, sua biodiversidade e conservação, com os elementos

sócio-econômico-culturais (METZGER, 2001).

A formação da paisagem, ao se definir temporariamente (intervalo de tempo curto,

médio ou longo), traz como fator determinante as influências da estrutura geomorfológica

(solo, clima e relevo, entre outros), e um conjunto de símbolos referentes à composição da

cultura local (RODRIGUES & AMARANTE Jr., 2009).

Essa composição de símbolos conta e se desenvolve a partir das limitações e

facilidades impostas pela geografia e, ao mesmo tempo, é fortalecida pela dinâmica cotidiana

social adaptada a essas características, sobretudo nas comunidades tradicionais, gerando,

assim, um movimento permanente entre “unidades de paisagens“, cotidiano, manejo,

conservação, aumento ou diminuição de biodiversidade, entre outros, como aludem os autores

abaixo:

Ao pensar em uma paisagem fotográfica, é visto um monte de fragmentos que ao conectarem-se, formam um conjunto visual. No caso da paisagem também. Ao propor a observação e a coleta de dados em um cotidiano recortado, é selecionado um conjunto fotográfico particular, aos olhos do pesquisador. Como definido por Metzger (2001), as “unidades de paisagens“ são em geral, as unidades de uso e ocupação e cobertura do território, na abordagem geográfica, e habitats, na abordagem ecológica (METZGER apud RODRIGUES e AMARANTE Jr., 2009, p.3). Nenhuma dessas unidades se caracteriza por ter as propriedades de sistemas. (METZGER, 2001, p. 5).

A importância da percepção da paisagem por comunidades que apresentam perfis

tradicionais, lembrando Geertz (1989), quando cita o Sistema Cultural, pode ser levantada, no

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caso desta pesquisa, através da construção dos mapas mentais ou êmicos, conforme Schmidt

(2003). Este autor ainda destacou traços de conservação dos territórios das populações

tradicionais, apresentando novos formatos que se integram com as questões das necessidades,

trajetórias históricas e da memória, diferenciando-se dos sistemas de conservação e percepção

ocidental (SCHMIDT, 2003, p.7).

E ainda a particularidade da percepção da paisagem de um quilombola ou de um

indígena certamente é diversificada, apesar da semelhança entre questões institucionais de

suas situações fundiárias ligadas à terra, e outras, porque cada paisagem é singular. Não

existem réplicas verdadeiras (cada paisagem é única), nem controles... (BISSONTE apud

METZGER, 1997, p.5). No caso de alguns saberes, os mesmos podem sofrer mudanças à

medida que a paisagem vai se transformando. Ou, até mesmo, vão se perdendo de acordo com

as necessidades e as mudanças físicas do espaço geográfico, resultando, na paisagem, novos

significados de símbolos para o uso das espécies ainda encontradas.

Os objetivos da pesquisa foram levantar as correlações, no contexto da paisagem

quilombola, entre cultura e conservação do meio ambiente natural, e verificar como os

cotidianos tradicionais funcionam diante de um conjunto de símbolos originados das

determinações geográficas de um local.

2.1.2 Metodologia

A metodologia empregada foi a pesquisa de observação, participante e aplicada,

focada na coleta de dados através da estruturação e aplicação de questionários, formulários,

coleta de materiais audiovisuais, depoimentos, criação e superposição de mapas específicos,

com o intuito de gerar análises que respondam à problemática do papel das manifestações

relativas à conservação da paisagem (GAJARDO, 1998). As “oficinas de integração

comunitária” (que não são caracterizadas como intervenções sociais) possibilitaram a leitura

das diferentes manifestações e a alimentação de um banco de dados etnográfico, gerando

integração entre pesquisado/pesquisador. Sendo assim, a utilização de recursos tecnológicos,

como máquinas fotográficas, filmadoras, gravadores, entre outros, foi necessária à obtenção

dos dados, que, naturalmente, podem se tornar acervo de referência para resguardo de traços

culturais e de paisagens (OLIVEIRA, 1996).

Foram aplicados questionários semiestruturados, coletadas entrevistas com

perguntas abertas, e construídos mapas mentais (SCHMIDT, 2003). Os mapas foram

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produzidos por métodos diferentes. Foram trabalhados três grupos: “os antigos”, os jovens e

adultos e as crianças.

O “mapa mental” dos “antigos”, que tinha como alvo os indivíduos mais idosos da

comunidade e os adultos que se mostravam como liderança local, foi elaborado a partir de

levantamentos da oralidade e da memória (OLIVEIRA,1996). A pergunta geradora foi sobre

como era a paisagem “antes” e como a mesma se encontra hoje, a fim de gerar a construção

da imagem do espaço em função do tempo. Foi utilizado um roteiro de perguntas e, para seu

registro, empregaram-se gravadores, câmeras fotográficas e filmadoras. Os dados imagéticos

também foram tratados, complementando a observação de campo, e compõem o “banco

referencial de cultura”.

Para a construção do “mapa mental” dos jovens, a obtenção de dados deu-se a

partir de “Oficinas de imagens”, com o uso de câmeras fotográficas, captando-se sua

impressão do espaço atual, através do olhar fotográfico e imagético.

Foram construídos, ainda, “mapas mentais” com as crianças, através de

ferramentas lúdicas, empregando-se lápis de cor, canetas hidrográficas, papéis brancos e

materiais coletados na localidade, como sementes, frutos e folhas, entre outros, a fim de se

detectar quais relações atuais são mantidas e recriadas com o espaço no qual estão inseridos.

Essa comunidade tradicional foi considerada com um perfil quilombola, uma vez

que possui reconhecimento fundiário de sua porção de terra e, ainda, resguarda na memória e

nas práticas características de usos semelhantes aos dos “antigos” em seu cotidiano

(ALMEIDA, 2002).

2.1.3 Resultados e discussões

A comunidade de São Sebastião dos Pretos está localizada no município de

Bacabal, região central do Estado do Maranhão. A população é composta por 187 (cento e

oitenta e sete) pessoas, distribuídas em 63 (sessenta e três) moradias. A área territorial conta

com 1093 (mil e noventa e três) hectares de terra. O espaço físico conta com escola, campo de

futebol, Igreja, duas tendas da manifestação cultural do Terecô, a “casa do boi“, casas de

farinhas e um centro social. O território apresenta um zoneamento composto por áreas e

funções: área sede (onde está inserida a maioria das casas), o Sítio Novo (no início do

quilombo localizado, em média, a 1 km da sede) e o campo agrícola (área rural voltada à

plantação comunal). Cabe ressaltar que o território ainda apresenta uma porção relevante de

vegetação e conta com um açude e duas lagoas, no entorno da área caracterizada como

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urbana. O questionário semiestruturado foi aplicado com o objetivo de construir o DSEA. Os

dados relacionados à faixa etária dos moradores do quilombo são apresentados na Figura 1.

Figura 1 - Dados populacionais - Faixa etária, 2009.

32 32,6

14,5

6,68,8

5,5

0

5

10

15

20

25

30

35

Faixas etárias

Índi

ces

(%)

0 a 12 anos

13 a 24 anos

25 a 36 anos

37 a 48 anos

49 a 60 anos

mais de 60 anos

A população é composta por 32% de crianças com idades de 0 a 12 anos; 32,6% de

pessoas com idade de 13 a 24 anos; 14,5%, de 25 a 36 anos; 6,6%, de 37 a 48 anos; 8,8%, de

49 a 60 anos e 5,5%, por pessoas com mais de 60 anos. Dentro do grupo, como um todo, a

distribuição de pessoas não-alfabetizadas perpassa por todas as estratificações aqui colocadas.

A partir deste resultado, nota-se como a população dos “antigos” é pequena em relação à

população estudada, podendo demonstrar que o repasse das tradições pode ser comprometido

com a mortandade dos mesmos, caso os mais jovens não se interessarem em adquirir os

conhecimentos acumulados pelos mais velhos. Com esta composição da população, cuja

maioria é jovem, esperava-se encontrar um público que estivesse ainda frequentando a escola.

O nível de escolaridade está apresentado na Figura 2.

Figura 2 - Nível de escolaridade, 2009.

17,4

69,6

4,3 6,52,2

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Escolaridade

Índi

ces

(%)

Não-alfabetizado

Ensino fundamentalincompleto

Ensino médiocompleto

Ensino médioincompleto

Mobral

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Um total de 69,6% da população possui ensino fundamental incompleto; 17,4%

não são alfabetizados (sendo encontrados em todas as faixas etárias); 6,5% possuem ensino

médio incompleto; 4,3% tem o ensino médio completo; e 2,2% frequentaram o MOBRAL

(Movimento Brasileiro de Alfabetização, da década de 1980). Mesmo este resultado

apresentando que mais da metade da população frequentou a escola, é visível a sua

dificuldade de leitura e interpretação. Não existe um programa na escola voltado para os

conhecimentos tradicionais da população. Os professores do quadro se revezam, usando as

dependências da escola para sua acomodação, no momento em que a escala é realizada. A

escola oferece até o último ano do ensino fundamental. Já existe a proposta da criação de uma

“Escola quilombola“, nas dependências do quilombo, segundo informação prestada pelo Sr.

Eraldo Reis, presidente da Associação de Produtores e Produtoras Rurais local. A renda

familiar é apresentada na Figura 3.

Figura 3 - Renda Familiar, 2009.

13,25

30

13,2510,9

21,7

10,9

0

5

10

15

20

25

30

35

Renda

Índ

ices

(%

)

Menos de R$ 100,00

De R$ 100,00 a R$200,00

De R$ 200,00 a R$300,00

De R$ 300,00 a R$400,00

De R$ 400,00 a R$600,00

Mais de R$ 600,00

Os dados relacionados aos rendimentos familiares mensais mostram que: 13,25%

recebem menos de R$ 100,00 (cem reais); 30% da população local recebem de R$ 100,00

(cem reais) a R$ 200,00 (duzentos reais); 13,25% recebem de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$

300,00 (trezentos reais); 10,9%, de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 400,00 (quatrocentos

reais); 21,7% contam com renda de R$ 400,00 (quatrocentos reais) a R$ 600,00 (seiscentos

reais); outros restantes 10,9% contam com mais de R$600,00 (seiscentos reais) mensais.

Algumas famílias contam com rendimentos agregados como aposentadoria, Bolsa Família,

Bolsa Escola e, também, apresentam um número ativo de contribuintes originados de

atividades trabalhistas, como a de filhos e sobrinhos. Quanto à atividade econômica

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desenvolvida no território quilombola, a distribuição da fonte de renda dos moradores está

apresentada na Figura 4.

Figura 4 - Gráfico de atividades desenvolvidas, 2009.

2,6

14,1

9

1,30,6

19,2

1,3 1,3 0,6

3,2

0,6 1,3

5,2

0,6 0,6

21,2

17,3

0

5

10

15

20

25

Atividades

Índ

ices

(%

)

Ajudante de pedreiroAnimaisAposentadoriaArtesanato / produtosBolsa EscolaBolsa FamíliaCarvãoCozinha / culináriaDiarista de roçaHortaliçasLavagem de roupaMadeirasPescados / mariscosPETIProfessoraQuebra cocoRoça / produtos

No gráfico, percebe-se que 21,2% vivem da quebra do coco babaçu; 19,2% são

beneficiados pelo o Programa Bolsa Família; 14,1%, do Programa Bolsa Escola; 9,0%, de

aposentadoria; 7,3% citaram a exploração da madeira; 5,2%, de pescados e mariscos; 3,2%,

da produção de alguma hortaliça. Outras atividades citadas foram: a comercialização de

carvão, ajudante de pedreiro, artesanato, venda de pequenas unidades de animais, lavagem de

roupas, produção de roça e diaristas de roça. A situação da quebra de coco, para as mulheres

locais, traz desconforto e insatisfação, devido a todo o esforço empregado na atividade e ao

mínimo rendimento financeiro, já que o custo de venda do quilo da amêndoa do coco gira em

torno de R$ 0,80 (oitenta centavos de real) e, em épocas de alta produção, pode chegar a R$

0,65 (sessenta e cinco centavos de real). Atualmente, estas mulheres querem implantar um

programa de cultivo e venda de hortaliças, como foi feito na comunidade quilombola vizinha,

de Catucá. Com relação a esta situação, foi realizada uma reunião sobre empreendedorismo

social na comunidade, junto às mulheres locais, e, como encaminhamento da atividade, foi

elaborado um projeto que envolveria 15 (quinze) pessoas na ação. O projeto encontra-se com

a associação de produtores rurais do lugar, a fim de captar recursos para sua realização. O

mutirão da quebra do coco pode ser observado na Figura 5.

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Figura 5 - “Pulitão“ das mulheres na quebra do coco. Foto: Breno Farhat, 2009.

A atividade da quebra do coco acontece diariamente na comunidade. É realizada

pelas mulheres (apesar dos homens também saberem a técnica) e apresenta condições

degradantes de trabalho, por exigir horas de esforço físico, tanto no mutirão quanto na retirada

da amêndoa. Acidentes de trabalho com as ferramentas (machado e porrete) são frequentes. E

doenças, como LER (Lesões por esforços repetitivos), também podem ter origem na excessiva

jornada de trabalho (8 horas diárias de serviço). Esse quadro, no entanto, ainda não é

valorizado pelo mercado consumidor do produto.

Ao serem descritas as atividades desenvolvidas pela população, foram levantadas

também quais seriam as potencialidades locais de rendimento a partir dos conhecimentos

locais, dos “saberes e fazeres” particulares e também das matérias-primas do lugar. Tais

possibilidades formam os dados apresentados na Tabela 1. Cabe ressaltar que todos os

entrevistados apresentaram informações sobre este tema.

Tabela 1. Possíveis fontes de rendimento a partir dos conhecimentos locais, 2009.

Item Cozinha/Culinária Número de

citações 1 Azeite de Coco 7 2 Chocolate de Babaçu (mesocarpo) 1 3 Leite de coco 1 4 Mingau de milho 1 5 Salgados 1 6 Panelada 1

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A produção e a comercialização do azeite de babaçu já vêm acontecendo, porém,

de uma forma muito incipiente. Um litro é vendido a R$ 7,00 (sete reais) em mercados locais.

Para melhorar a comercialização deste produto, algumas melhorias deveriam ser

implementadas, como padronizar a embalagem, criar um rótulo com informações adicionais

do produto, para que outros mercados fossem alcançados, como já vem sendo feito em alguns

quilombos do Estado, através de cooperativas de quebradeiras de coco. A produção agrícola

local foi pesquisada, gerando os dados apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Produtos agrícolas cultivados no quilombo, 2009.

Item Roça/Produto Número de citações

Nome científico

1 Mandioca 37 Manihot esculenta

2 Milho 34 Zea mays

3 Arroz 33 Oryza sativa

4 Quiabo 23 Abelmoschus esculentus

5 Cuxá/Vinagreira 20 Hibiscus sabdariffa L

6 Feijão 20 Phaseolus vulgaris L.

7 Abóbora 19 Cucurbita pepo

8 Melancia 16 Citrullus vulgaris Schrad

9 Maxixe 15 Cucumis anguria L

10 Pepino 14 Cucumis sativus

11 Macaxeira 13 Manihot esculenta

12 Fava 8 Vicia faba

13 Melão de talhada 7 Cucumis melo L.

14 Tomate 5 Lycopersicum esculentum

15 Tomatinho 4 Cyphomandra divaricata

16 Farinha 2 Manihot esculenta Crantz

17 Batata 1 Solanum tuberosum

18 Jerimum 1 Cucurbita pepo L

19 Manaíba (rama de mandioca) 1 Manihot esculenta

20 Melão de açúcar 1 Cucumis melo L.

21 Melão de cheiro 1 Cucumis melo L.

Esses dados demonstram que já existem produtos locais que são comercializados,

como o arroz e o feijão, originados das plantações locais. Ainda houve destaque para a

mandioca, pois a mesma é usada na produção de farinha nas “casas de farinha“ locais, nas

quais ocorrem produções coletivas e privadas. O quiabo, o pepino e a vinagreira são

comercializados, significando que já existem quilombolas ocupados com a produção de

hortaliças. Estas informações geram subsídios para a implantação do projeto da “Horta

Coletiva“. Os produtos artesanais da comunidade estão apresentados na Tabela 3.

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Tabela 3. Produtos artesanais da comunidade quilombola, 2009.

Item Artesanato – Produtos Número de citações

1 Cofo 12

2 Esteira 11

3 Abano 8

4 Balaio 3

5 Cestas 2

6 Cofo de Balaio 1

7 Curru 1

8 Desenho 1

9 Guardanapos 1

10 Tapete 1

As produções de artefatos de usos cotidianos, como cofos, balaios, abanos, esteiras

e cestas, possibilitam a formação de uma cooperativa de artesãos locais quilombolas em São

Sebastião dos Pretos, a fim de incrementar a renda familiar mensal. Os cofos já são

comercializados a R$ 1,00 (hum real) cada, quando há demanda pelos próprios moradores. O

Sr. Raimundo Celestino (86 anos), morador do Sítio Novo, já comercializa algumas peças. A

implantação de um projeto de produção artesanal pode ingressar os quilombolas em feiras de

utensílios alternativos, de artesanatos em geral, como também de produção familiar e

tradicional. Ainda, com relação à produção artesanal, foram levantadas as matérias-primas

empregadas neste processo, sendo obtidos os resultados apresentados na Tabela 4.

Tabela 4. Matérias-primas empregadas na produção artesanal, 2009.

Item Matéria-Prima Número de citações

1 Barro 1

2 Caixa de fósforo 1

3 Capemba de babaçu 1

4 Capemba de bacaba 1

5 Capemba de coco anajá 1

6 Cipó de Jabuti 1

7 Garrafa PET 1

8 Palha de Coco 1

9 Palha de Milho 1

10 Tampa de refrigerante 1

Quanto à produção pesqueira, os espécimes coletados nos recursos hídricos locais

são apresentados na Tabela 5.

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Tabela 5. Pescado obtido na comunidade quilombola, 2009.

* Nome científico não identificado pela autora.

As atividades de pesca no quilombo, sobretudo, as técnicas cotidianas de pesca,

tratamento e armazenamento de peixes, podem ajudar na renda das famílias. A pesca é

realizada com instrumentos de choque e manualmente. O tratamento dado aos peixes está

ligado ao salgamento e secagem ao sol. O armazenamento é feito nas cozinhas, em vasilhas

ou bacias de plásticos, ou guardados em sacos de linhagem. Em épocas de piracema, ou de

temporada de chuva, em que a abundância hídrica reflete na produção dos peixes, a

quantidade tratada e reservada atende uma família de, em média, cinco pessoas, por dois ou

três meses. O alimento não perece, pelo fato de ser seco e acondicionado. Entretanto, diante

dos formatos de pescas cotidianas, no qual toda criança ou adulto anda com três a quatro

peixes em um espeto (e, sobretudo, o cascudo-sete-léguas), a possibilidade de armazenamento

é menor, sendo estes peixes consumidos imediatamente nas refeições principais, cozidos

inteiros em água e sal e servidos, sem nenhum tipo de tratamento para retirada de órgãos

internos.

Os moradores citaram, ainda, os tipos de madeira encontrados no território

quilombola em estudo, que são apresentados na Tabela 6. E em complemento na Tabela 7.

Item Pescado e Marisco/ espécies Número de citações

Nome científico

1 Curimatá 22 Prochilodus spp.

2 Jeju 21 Hoplerythrinus unitaeniatus

3 Carambanja 19 * 4 Traíra 17 Hoplias malabaricus

5 Cascudo 13 Família Loricariidae 6 Piaba 9 Axtianax spp 7 Bodó 7 Liposarcus pardalis

8 Branquinha 5 Charex gibbosus 9 Piranha 5 Serrasalmus sp,

Pygocentrus sp. 10 Acará/cará 4 Geophagus brasiliensis 11 João Duro 4 Coenotropus

labejinthians 12 Piau 4 Leporinus sp. 13 Surubim 3 Sorubimichthys sp. 14 Cabeça Grande 1 * 15 Cabeça Gorda 1 * 16 Mandi 1 Pimelodus spp. 17 Liro 1 * 18 Mandubé 1 Ageneiosus brevifilis

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Tabela 6. Madeiras encontradas no território quilombola, 2009.

Item Madeira Número de citações

Nome científico

1 Ingá 16 Ingá sp.

2 Mutamba 16 Guazuma sp.

3 Pau D'arco 12 Tabebuia SP

4 Cabelo de Cutia 7 Banara nítida

5 Tarimã 7 Intsia biuga / Intsia palembanica spp

6 Fava de Paca (favinha) 5 Stryphnodendron pulcherrimum

7 Cinzeiro 4 Ampelocera ruizii Kuhlm

8 Maçaranduba 4 Manilkara huberi

9 Marfim 4 *

10 Pau D'arco roxo 4 Tabebuia impetiginosa

11 Caucú 3 *

12 Burdão 2 Stryphnodendron polystachium Pepp

13 Embaúba 2 Cecropia sp.

14 Embira Preta 2 Guatteria olivacea

15 Sabiá 2 Colubrina sp.

16 Angico 1 Piptadenia sp.

17 Canaçu 1 *

18 Canela de Jacu 1 Ocotea cf. nítida

19 Crioli 1 Mouriri SP

20 Gaubá 1 *

21 Jenipapo 1 Genipa americana L.

22 Jucá 1 Caesalpinia férrea

23 Pau D'arco preto 1 Tabebuia SP

24 Sapucaia 1 Lecythis sp.

25 Talo de Babaçu 1 Orrbignya speciosa * Nome científico não identificado pela autora. Tabela 7 - Grandes árvores no quilombo, 2009.

Item Espécie Idade Tamanho Tipo de folha e caule Nome científico

1 Atraca + ou – 150 anos

300m Folha comprida e sai um leite quando é cortada

2 Barrigudeira + ou – 100 anos

200m Folhas de duas cores (verdes e amarelas)

Chorisia glaziovii

3 Palmeira + ou – 400 anos

350m Folha de palha, tem cacho de coco

Família: Palmacea

A questão relacionada às “grandes árvores” tem grande importância para os mais

“antigos”, os mais jovens e as crianças. Por exemplo, a espécie barrigudeira, para o Sr.

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Gildásio, tem duzentos metros de altura. Para D. Dulcinéia, essa espécie é importante, porque,

desde que era criança, está plantada ali. Então, para ela, a paisagem fica “estranha” sem as

árvores. Para o Sr. Eraldo, elas “são a referença do povoado”. Mas, no momento da Oficina de

fotografia, nenhum jovem fotografou esta planta. No momento da construção dos mapas com

as crianças, nenhuma delas citou a árvore. O mesmo aconteceu com o “pé de cujuba”. Os

jovens não a fotografaram, e as crianças não trouxeram suas folhas ou sementes para

colocarem no desenho. Esse dado pode significar que a importância das espécies, como

componentes da paisagem e do cenário, para esses dois grupos, é bem menor do que para os

“antigos”. No caso da cujuba, especialmente, o uso cotidiano de cuias feitas a partir do fruto

desta planta deveria aproximá-la dos indivíduos, que, aparentemente, não estão dando a

importância que se observa no cotidiano da comunidade, a não ser em períodos da Semana

Santa. Mas, ao mesmo tempo, como o uso das espécies que compõem a paisagem vai se

transformando, é visto que os utensílios de plástico, usados na atualidade, substituíram o

papel da cuia. À medida que a diminuição das repetições, nesses grupos, vem acontecendo,

alguns conhecimentos tradicionais, como o uso de plantas medicinais, feituras de tambores,

realizações de brincadeiras, e outras referências, certamente se transformam ou se perdem.

Isto ocasiona impactos na cultura e na biodiversidade em geral.

É importante ressaltar que as espécies de madeiras, aqui citadas, compõem o

conjunto de espécies de árvores segundo o conhecimento da população local, do fragmento de

mata onde o quilombo está inserido. Muitas dessas espécies são usadas em diversos tipos de

atividades. Por exemplo, são usadas na construção de casas e de instrumentos de percussão,

como os tambores, tanto do Terecô como as caixas do ritual do Divino Espírito Santo, além

de pilões, cabos de ferramentas e outros. Ao se perguntar sobre a comercialização de madeira,

várias pessoas informaram sua proibição na localidade, através de uma regra de convivência

do grupo. Para complementar essa afirmativa, o Sr. Francisco Ribeiro acrescenta: “As

madeiras extraídas no povoado não podem ser vendidas” (2009). O tipo de projeto, de

conservação de espécies florestais, que poderia beneficiar a comunidade, nesse caso, seria a

implantação de um programa de manejo que destaque a reprodução de espécies em

abundância e a criação de pequenos viveiros de mudas das espécies, já escassas na paisagem.

Quando questionados sobre os animais que podem ser vistos no quilombo, os

moradores apresentaram as informações constantes na Tabela 8.

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Tabela 8. Animais detectados na paisagem quilombola em estudo,2009.

Item Animais Número de citações

Nome científico

1 Galinha 27 Gallus spp.

2 Porco 26 Sus scrofa

3 Boi/Gado 21 Bos taurus

4 Jumento 18 Equus asinus.

5 Burro 5 Equus asinus

6 Égua 3 Equus caballus

7 Cavalo 2 Equus caballus

8 Gato 1 Felis domesticus

As espécies animais citadas estão relacionadas ao cotidiano doméstico local.

Ações que proporcionassem uma visitação correspondente a uma diária ou atividades maiores

de visitação turística poderiam ser implementadas no quilombo, contando com o uso de tais

espécies. Por exemplo, famílias poderiam ser cadastradas nesse tipo de programa, cozinhar

para visitantes, organizar um cardápio étnico que utilizasse, nos pratos, ingredientes e receitas

locais, como a “galinha no leite de coco babaçu” e a “torta de camarão feita com o azeite do

coco”, entre outros. Essa ação fomentaria o uso de outros animais na atividade, como, para

citar, o burro e o jumento, como meio de transporte para roteiros ou trilhas em locais mais

distantes, etc. Atividades dessa natureza já são conhecidas e realizadas em outros quilombos,

como é o caso do Quilombo de Santa Isabel, em Valença, no Estado do Rio de Janeiro, onde,

uma vez por mês, eles servem uma feijoada e apresentam a manifestação cultural local de

Jongo para visitantes.

Nos levantamentos gerais, sobre as espécies, ainda foi destacada a importância da

palmeira de coco babaçu (Orbignya phalerata Martius) (PINHEIRO, 2007), desde a

construção dos telhados das casas de barro e “pau”, até a produção do mesocarpo,

denominado pelos mesmos de “chocolate”. Isso demonstra como o componente abundante na

paisagem é importante e desempenha, na percepção do ambiente da comunidade, um papel

funcional. No que se refere a estrutura das casas no quilombo, ao longo dos processo de

observações e levantamentos, a paisagem arquitetônica sofreu uma grande modificação, uma

vez que a comunidade foi beneficiada com o Projeto das Casas de Alvenaria. Como as casas

foram finalizadas e entregues à população, em novembro de 2009, os dados dos

levantamentos realizados antes dessa modificação são apresentados na Figura 6. Nos aspectos

referentes à matéria-prima usada na construção dos banheiros e casas, 76,7% usa a palha de

babaçu, 10,0% cita o talo e palha de babaçu, 10% usam somente talo de babaçu e 3% citam

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madeira, barro e palha de babaçu. A Figura 8 ilustra os aspectos arquitetônicos das casas de

barro, e a Figura 9 mostra a construção de um quarto de dispensa para armazenamento de

arroz.

Figura 6 - Materiais usados na construção dos banheirose casas, 2009.

10

76,7

103,3

0

20

40

60

80

100

Materiais

Índi

ces

(%)

Talo de babaçu

Palha de babaçu

Talo e palha debabaçu

Barro, madeira epalha de babaçu

Figura 7 – Componentes de espécies da biodiversidade local na construção das casas.

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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Figura 8 - Construção de quarto de armazenamento – Sítio Novo. Foto: Breno Farhat, 2009.

Com relação aos banheiros nas moradias, foi identificado (observado,

determinado) que 62,5% da população possuíam banheiro fora de casa, e 34,8% não possuíam

qualquer instalação deste tipo (Figura 9). Como o número de casas de alvenaria entregues a

comunidade foi de cinquenta unidades, ainda restam treze domicílios que apresentam essa

realidade.

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Figura 9 - Banheiro no domicílio, 2009.

34,8

65,2

Não

Sim, fora de casa

A entrega das casas de alvenaria, realizada pela prefeitura local, foi um projeto que

já estava em andamento há, aproximadamente, dois anos, segundo a população. No período

em que a pesquisa teve início, as casas ainda estavam em construção. As casas que foram

entregues são consideradas pequenas pelos moradores, e contam com dois quartos, sala,

cozinha e banheiro. Como a maioria dos moradores ainda cozinha em fogões de latão e barro,

carvão de caieira de coco babaçu, vem sendo realizados aumentos da área de suas cozinhas.

Cabe ressaltar que a técnica usada nesse momento ainda permanece com uso de barro, talo e

palha de babaçu. Com relação ao “saber fazer” das técnicas em bioconstrução, o depoimento

seguinte mostra os conhecimentos de técnicas alternativas: “Cipó de Jabotinha” [...] “a gente

não compra barbante, a gente marra com esse aqui, ó!” (sem notas de autor).

O levantamento referente ao escoamento de esgoto (Figura 10), demonstra que

97,8% da população têm o escoamento de seu esgoto a céu aberto. E 2,2% conta que escoa

em rios, lagos, córregos e alagados. Deste modo, 100% da população não têm nenhum tipo de

tratamento de esgoto, causando grande impacto ambiental, afetando diretamente o solo e os

recursos hídricos utilizados tanto pela comunidade como pela biota local. Há, além disto, um

problema de saúde pública, pois a veiculação de doenças para a população torna-se um

problema generalizado, uma vez que existem animais que se alimentam desses resíduos e são

posteriormente consumidos pela população local.

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Figura 10 – Escoamento de esgoto, 2009.

2,2

97,8

Rio, lago, córrego ealagado

A céu aberto

Concernente ao acondicionamento de resíduos sólidos, os dados apresentados na

Figura 11 demonstram que: 40,0% da população jogam no mato; 33,3% jogam no mato e, às

vezes, queimam; 11,2% queimam; 6,7% jogam no quintal e queimam no verão; 2,2%

queimam no buraco; e 2,2 % jogam no buraco, no mato ou queimam. Dentre os componentes

dos resíduos produzidos na localidade, são encontrados garrafas PET, sacos plásticos, caixas e

outros. Seria interessante utilizar esses resíduos na produção de utensílios e artesanato, a fim

de incrementar a renda da comunidade. O resíduo orgânico é usado na alimentação dos

animais domésticos. Faz-se necessário ressaltar que o volume de resíduos próximos às casas

gera a aproximação de espécies como cobras, mosquitos e outros.

Figura 11 - Destinação dos resíduos sólidos, 2009.

2,2

33,3

4,4

40

6,72,2

11,2

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Destinação

Índi

ces

(%)

Joga no buraco, nomato ou queimaJoga no mato, àsvezes queimaJoga no buraco

Joga no mato

Joga no quintal equeima no verãoQueima no buraco

Queima

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Foi observado que, como a comunidade já não retira barro dos quintais para a

construção e manutenção das casas, o “buraco” mencionado aqui é encontrado com menos

frequência, portanto, o resíduo realmente encontra-se nos quintais. Este quadro não reflete um

descuido por parte da população, e sim um quadro social decorrente dos aspectos históricos de

ocupação e uso relacionado à trajetória das comunidades negras no país. A ausência de

políticas públicas voltados ao tema reflete como programas direcionados às populações

tradicionais ainda são incipientes. Seria necessária, também, a implantação de um Projeto de

Educação Ambiental que pudesse agregar a conservação ambiental à geração e ao incremento

de renda. Os dados relacionados aos meios de acesso à comunicação, no quilombo de São

Sebastião dos Pretos, mostrados na Figura 12, demonstram que 28,7% usam a TV; 20,8%

usam o radio; 14,7% usam livros didáticos; 11,2% utilizam o telefone publico; 10,4% utilizam

revistas; 4,5%, jornal impresso; 3,7%, DVD; 3%, telefone móvel; e 3%, cartas.

Figura 12 - Acesso a meios de comunicação, 2009.

20,8

28,7

4,5

10,4

14,711,2

3 3,7 3

0

5

10

15

20

25

30

35

Meios de comunicação

Índi

ces

(%)

Rádio

TV

Jornal Impresso

Revista

Livros didáticos

Telefone público

Telefone móvel

DVD

Cartas

O destaque feito às opções: livros didáticos, revistas e DVD, deixa claro como a

criação de materiais informativos, dessa natureza, poderia trazer benefícios relativos ao

repasse de informações externas à comunidade. Mostra também que a implantação de oficinas

voltadas à produção de materiais dentro da comunidade geraria um intercâmbio cultural com

outros quilombos da região e de outros lugares. A título de exemplo, tais atividades já foram

realizadas no quilombo dos Kalunga, em Goiás (MEC, 2001).

Outrossim, como questão do DSEA, foi perguntado à população local sobre quais

eram as doenças mais comuns e como as mesmas eram tratadas. Os resultados obtidos podem

ser vistos na Tabela 9.

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Tabela 9 - Doenças e tratamentos comuns usando plantas medicinais na comunidade, 2009.

Item Doenças Número de

citações Medicamentos /

Plantas Utilizadas Nome científico

Erva cidreira Melissa officinalis L Estoraque, raiz de vassourinha,

quarenta galhos Stachytarpheta

cayennensis Eucalipto Eucalyptus sp. Fedegoso Cassia occidentalis

Hortelãzinho Mentha piperita Lima, folha de anador e laranja *

Limão com alho

Citrus limon e Allium sativum

Mastruz

Chenopodium ambrosioides

Pimenta longa Piper hispidinervum Pompom de aiá *

Talo de mandioca Manihot esculenta

1 Febre

32

Titoco, hortelã Mentha piperita Esturaque com jardineira e afavaca *

Folha de jardineira com limão * Limão com sal Citrus limon

Limãozinho com alho

Citrus limon e Allium sativum

2 Gripe 29

Mussambê Cleome spinosa Afavaca Ocimum basilicum L.

Folha anador Justicia pectoralis Folha de “bruto”, araticum (ata) *

Remédio de farmácia --- Pimenta do reino Piper nigrum

3 Dor de Cabeça

12

Pião/Peão Roxo Jatropha curcas L.

Castanha de caju Anacardium occidentale 4 Pneumonia 8

Crioli/criuli Mouriri acutiflora Aguardente com alho -

Batata de purga Ipomoea purga Boldo Plectranthus barbatus

Folha de Xanana Turnera ulmifolia Folha de mamão Carica papaya

Hortelãzinho Mentha piperita Mastruz verde

Chenopodium ambrosioides

5 Dor de Barriga

7

Vassourinha Scoparia dulcis L Cabeça chata *

Casca de laranja, mastruz, boldo, * Feijão branco Phaseolus vulgaris Hortelãzinho Mentha piperita

Olho de goiaba *

6 Diarréia 6

Soro caseiro --- 7 Tosse 5 Cabeça chata com hortelã e alho ---

Alho Allium sativum ophioscorodon

Banha de galinha --- Cebola berrante (branca) Allium cepa

8

Cansaço no peito

4

Palmeira de babaçu Orbignya sp Catapora 4 Jenipapo verde Genipa americana L

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9 Tavan * Açúcar com limão e água ---

Água de melancia *

10 Conjuntivite 4

Erva de bicho * 11 Dor na coluna 4 Casca de sapucaia Lecythis pisonis 12 Malária 4 * *

Cipó de fogo Pyostegia venusta 13 Dor de dente 3

Limão com alho Citrus limon e Allium sativum

Catinga de bode Ageratum conysoides

L. 14

Dor nas pernas e joelhos

3 Gervão

Stachytarpheta cayennensis

15 Gastrite 3 Jatobá Hymenaea courbaril 16 Papeira 3 João de barro (casinha) Furnarius rufus 17 Sarampo 3 Sabugo de milho Zea mays

Jenipapo verde Genipa americana 18 Boba 2

Remédio de farmácia ---

19 Doença de

menino 2 Limão (benze) Citrus limon

20 Dor na

garganta 2 Limão Citrus limon

21 Dor no ouvido 2 Folha santa Bryophyllum

calcinum 22 Dor no peito 2 Pimenta longa Piper hispidinervum 23 Pressão alta 2 * *

* Nome científico não identificados pela autora.

Diante da compilação dos dados citados pela a comunidade, foram coletados

alguns depoimentos que complementam as informações sobre os “saberes” referentes às

Plantas Medicinais. Por exemplo, segundo Mariinha (2009): “o Gevão é pra dor na barriga,

inflamação. Crista de Peru é pra dor de barriga. Peão é pra dor de dente. Raiz de Chanana é

pra a inflamação (Figura 13). Erva de bicho, ela bota um feijaozinho é pra febre (Figura 14).

Assa peixe é pra derrame tem que fazer de sete foia, porque elas são casadas. A quarenta

galho, as muié fala que é pra perder filho, mas eu nunca tomei não...” E sobre utensílios

domésticos feitos com espécies da biodiversidade local: “Malvarisco é para fazer vassoura”.

Cabe ressaltar, como citado na Tabela 9, no caso da doença chamada “papeira”

(caxumba), o tratamento citado mescla o uso de espécies de animais, no caso específico, a

casa do pássaro “joão de barro junto ao óleo da mamona (conhecido também como azeite de

carrapato) ou a violeta”. A Tabela 10 complementa a construção do mapa mental de tema

Plantas Medicinais.

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Tabela 10 - Plantas medicinais citadas no quilombo, 2009.

Item Tipos de plantas Doença Uso/preparo Nome científico

1 Afavaca --- Banho Ocimum basilicum

2 Aroeira Inflamações --- Schinus molle L

3 Cana da índia Dor nos rins --- Arundo donax

4 Cebola berrante Catarro no peito Lambedor Allium cepa

5 Criouli Pneumonia --- Mouriri acutiflora

6 Erva cidreira Pressão --- Melissa officinalis L.

7 Esturaque Gripe --- Styrax sp.

8 Eucalipto Febre --- Eucalyptus globulus

9 Folha de lima Agonia --- Citrus bergamia

10 Hortelãzinho Dor de barriga --- Mentha piperita

11 Jaborandi Dor de cabeça, hemorróidas

--- Pilocarpus Jaborandi

12 Jardineira --- Banhos Alpinia zerumbet

13 Jervão Reumatismo --- Stachytarpheta

cayennensis

14 Leite de peão branco Dor de dente --- Jatropha curcas L.

15 Mastruz Verme (acalma) --- Chenopodium

ambrosioides

16 Olho de goiabeira Diarréia --- Psidium guajava

17 Raiz da Xanana Inflamações --- Turnera ulmifolia

18 Raiz da juçara Anemia --- Euterpe oleracea

19 Raiz da palmeira Dor de barriga --- Família Palmae

20 Raiz de cabeça chata Gripe --- *

21 Romã Garganta --- Punica granatum

22 Titoco Dor de barriga --- Mentha piperita

23 Vassourinha Olho doente --- Scoparia dulcis L

* Nome científico não identificado pela autora.

Diante desse quadro, poderia ser interessante que a comunidade quilombola

contasse com um herbário para produção e comercialização de ervas e plantas medicinais. O

fomento à visitação turística, dentro dos segmentos de Turismo étnico, cultural, medicinal e

de inclusão, poderia agregar valor à atividade. E, ainda, ao reproduzir as espécies, a atividade

contribuiria para a conservação de espécies da biodiversidade local. Também poderiam ser

construídos mini-viveiros nos quintais das moradias, e criados roteiros de observação de

produção, beneficiamento e acompanhamento de armazenamento das matérias-primas, como

atrativo aos possíveis visitantes.

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Figura 13 - Espécie de Planta Medicinal Chanana, usada para desinflamações, sobretudo de útero e

ovário. (Q1). Foto: Breno Farhat, 2009.

Figura 14 – Erva-de-bicho ( Polygonum hydropiperoides). Foto: Breno Farhat, 2009.

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Alguns saberes não se modificam, como se fossem um laço, uma espécie de

protocolo de permanência entre as tradições das gerações, ao modo da citação de D.

Dulcinéia, a respeito da espécie popularmente conhecida como língua-de-vaca: “Aqui a gente

não deixa tirar ela não, porque sabe que não nasce mais”.

As tabelas, que foram produzidas através dos onze temas propostos nas atividades

de mapas mentais, são dados complementares ao DSEA, como também as observações de

campo, realizadas ao longo do ano de 2009.

O mapa mental produzido com o tema ”animais de pêlo“ é apresentado na forma

de tabela (Tabela 11), mostrando uma grande variedade de espécies no conjunto de mamíferos

encontrados no fragmento vegetal.

Tabela 11. Espécies de “animais de pêlo” encontrados no território quilombola, 2009.

Item Espécie Época do Ano Onde são vistos Número de citações

Nome científico

1 Capelão Inverno/verão Aterrado (verão)/ Ria (inverno)

4 *

2 Coelho Inverno --- 4 Orictolagus cuniculus

3 Raposa Inverno/verão “na entrada”/barro branco (verão) /Ria

(inverno)

4 Vulpes vulpes

4 Macaco Inverno/verão No aterrado/ ria 3 *

5 Onça Verão Alto do Crente/ no lago limpo

3 Panthera onça

6 Cachorro do mato Inverno Ria 1 Procyon cancryvorus

7 Capivara Inverno Cearense 1 Hydrochaeris hydrochaeris

8 Carneiro Inverno/verão Alto dos crentes 1 Ovis aries

9 Catitu Inverno/verão Caminho do Centro Novo

1 Tayassu tajacu

10 Cutia Inverno/verão No quintal 1 Dasyprocta azarae

11 Gato maracajá Verão Ria 1 Felis pardalis

12 Gaugaba Inverno Alto dos Crentes 1 *

13 Guariba fêmea Verão Ria 1 Alouatta sp.

14 Guaxinim Inverno/verão Cearense (inverno)/ barro branco

1 Procyon sp

15 Jaleco Verão Água preta 1 *

16 Macaco amarelo Inverno/verão Cearense 1 Cebus apella xanthosternos

17 Macaco cheiro Inverno/verão Barro branco 1 Saimiri sciureus

18 Macaco prego Inverno/verão Barro branco 1 Cebus apella

19 Macaco quatro olho Inverno/verão Ria 1 *

20 Mambira Inverno Ria 1 Tamandua

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tetradactyla

21 Mucura Inverno/verão Barro branco (verão)/ Alto dos

Crentes

1 Didelphis marsupialis

22 Mucuri Inverno/verão Ria 1 *

23 Paca --- --- 1 Agouti paca

24 Preguiça Inverno/verão Ria (inverno) 1 Bradypus variegatus

25 Quati/quatipuru Inverno/verão Cearense (verão)/Barro

branco (inverno)

1 Nasua nasua

26 Tamanduá bandeira Inverno/verão Cearense/ria 1 Mirmecofaga tridactila

27 Veado Verão Centro Novo, no caminho do poço

1 Mazama spp.

28 Veado capoeiro Inverno Barro branco 1 Mazama americana

29 Veado foboca Inverno Cearense 1 Mazama gouazoubira

30 Veado galheiro Inverno/verão Na gameleira/ria 1 Blastocerus dichotomus

* Nome científico não identificado pela autora.

Como destaque ao número de repetições relacionadas à memória da comunidade,

sobre esse mapa, os animais: capelão, coelho, macaco e onça, ainda estão bem resguardados

na localidade, porque ainda são vistos. Segundo os quilombolas, há dois anos,

aproximadamente, foi vista uma onça grande, circulando na comunidade. Mencionou-se,

ainda, que algum membro da comunidade “começou a criar um gatinho... que era bem

diferente, daí viram que era o filho dela”. Foi citado, por um quilombola, que “Foi encontrado

um filhote de onça e este foi morto, foi uma época em que apareceu uma onça pelas

redondezas. Há mais ou menos uns 2 anos”.

Segundo depoimentos do Sr. Gildásio (70 anos), herdeiro, há 42 anos, do Boi

Beija Flor, a “brincadeira da onça” era realizada com frequência em épocas festivas. Esta

brincadeira consistia em se vestir de onça (como também de outros bichos) e cantar “tigre

meu bem, tu és a estrela mais linda do norte, tigre meu bem, tu és a estrela mais linda do

norte, tu vais desfazer de minhas rosas sua tigre, fazer meu lenço e vai buscar sua sorte, tu

vais desfazer de minhas rosas sua tigre, fazer meu lenço e vai buscar sua sorte”. A brincadeira

era realizada para arrecadar as jóias para festas campesinas cotidianas, não sendo mais

brincada pelas crianças na localidade.

A Tabela 12 apresenta os resultados relativos aos animais de “casco” citados pelos

entrevistados.

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Tabela 12. Espécies de “animais de casco” encontrados no território quilombola, 2009.

Item Animal Época do Ano Onde são vistos

Número de citações

Nome científico

1 Peba Julho a outubro Nas capoeiras 1 Euphractus sexcenctus

2 Tatu Fevereiro a abril Nas soltas 1 Tolipeutes matacus

Ao ser levantado esse mapa, a comunidade sempre relacionou o ambiente da

“solta” (a solta é uma ex-região com vegetação primária ou secundária, dizimada para fazer

pasto, fazendo parte de propriedades particulares) como uma localidade onde são vistos tais

animais. Os mesmos acreditam que, nesse ambiente, os únicos animais que ainda podem

sobreviver são os dois mencionados, devido às suas características taxonômicas. Quanto aos

“animais de couro”, os resultados obtidos estão apresentados na Tabela 13.

Tabela 13. Animais de couro encontrados na comunidade quilombola, 2009.

Item Animais Época do Ano Onde são vistos Número de citações

Nome científico

1 Boi Todos os dias Curral de casa 1 Bos taurus

2 Camaleão Até hoje Nos matos 1 Iguana iguana

3 Cobra Até hoje Açudes, beiras do lago

1 Família: Colubridae

4 Jacaré Até o ano passado 2008

Na beira do lago 1 Caiman sp

Com relação às espécies animais, o Sr. Eraldo Reis diz que “tem bichos da

paisagem local [...] cascavel é de capoeira. Não tinha muito, mas como hoje a capoeira tá

aberta, limpa, tem muita cascavel”.

As citações referentes ao boi demonstram como, no cotidiano, este animal vem

sendo utilizado para fins diversos, como alimentação, transporte, negócios e outros. Além

disto, causa impacto, tanto visual quanto no imaginário da comunidade. Se, por um lado, o boi

tem um papel importante na cultura, demonstrado pela festa do Bumba-Meu-Boi, por outro

lado, modifica o ambiente pela necessidade de criação dos espaços da “solta”, com a retirada

da vegetação nativa e o plantio de gramíneas para seu consumo. Ademais, o gado pisoteia o

pasto, causando uma necessidade constante de manuseio da área para que continue produtiva,

pisoteia as fontes de água, contamina estas águas com fezes e urina, além de produzir gases

estufa no seu trato intestinal, sendo uma das maiores contribuições brasileiras para o aumento

do efeito estufa.

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Com o intuito de ilustrar o papel no cotidiano e no imaginário (SILVA, 2007),

com relação ao animal, é importante mencionar que o Boi Beija Flor, de Sr. Gildásio, é

construído todo o ano durante as festas de São João, mesclando matérias-primas, como folha

de bananeira seca, “paus” e outros materiais locais, como ilustra a Figura 15.

Figura 15 – Sr. Gildásio e o Boi Beija Flor, 2009. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

Os mapas mentais de animais de bico e escama não foram entregues como tarefa

da atividade da Gincana Ambiental pelos grupos que se responsabilizaram pelos quais,

gerando a ausência dos registros desses, como componentes da paisagem.

Tabela 14 - Calendário Lunar e plantações, 2009.

Item O que planta Época do Ano Quando planta

Nome científico

1 Arroz Lua cheia

“Plantamos o arroz e com 4 meses é a colheita”

Oryza sativa

2 Cuxá (Vinagreira) * Hibiscus sabdariffa

3 Feijão Lua nova Phaseolus vulgaris

4 Macaxeira * Manihot esculenta

5 Mandioca * Manihot esculenta

6 Maxixe * Cucumis anguria L

7 Melancia * Citrullus lanatus

8 Milho * Zea mays

9 Quiabo * Abelmoschus esculentus * Significa que não foi respondido.

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As considerações sobre o Calendário Lunar também foram registradas em

depoimentos, através das ferramentas audiovisuais. Sobre os comentários levantados em

campo, como as considerações de D. Valdirene, com relação ao calendário lunar e ao plantio,

bem como às atividades da quebra do coco, podemos transcrever: “no inverno quebra menos

por causa da roça, em novembro planta arroz ligeiro, na primeira chuva na beira d’água e

colhe em março”.

Tabela 15 – Manifestações Culturais e religiosas, 2009.

Manifestações culturais Dia/mês da festa Como é Trajes/roupas

Boi 23 de junho * Guarda peito, calça, calção,

capa, saiote Brincadeiras : onça 14 de novembro * *

Coco * * * Crioula 13 de maio * Saia, blusa, torço

De garça * * * Jabuti * * * Jacaré * * *

Mangaba * * * Matação de pato * * *

Terecô 04 de dezembro * Roupa comum: boné, toalha * Significa que não foi citado.

As manifestações culturais e brincadeiras que se referem a animais foram citadas

por estarem na memória dos antigos, mas não são mais praticadas pelos jovens e crianças.

Porém, as manifestações religiosas referentes ao uso de tambores, como o Terecô, a festa do

Divino Espírito Santo e o Boi, foram citadas porque ainda fazem parte do cotidiano atual. Em

complemento à Tabela 15, D. Dulcinéia, em depoimento audiovisual, cita e dança a Mangaba.

Não foi citada nenhuma manifestação relacionada a missas e procissões. As crianças da

comunidade tocam e dançam todos os ritmos relacionados aos toques de tambores. E há

curiosidades no “Tambor de Punga” local, as mulheres também podem tocar mesmo vestidas

de coreiras, ou seja, estando de saias (PEREIRA, 2005).

O questionário apresentou uma questão que perguntava sobre o que os

quilombolas haviam comido nas últimas 24 horas. Esta questão teve o intuito de checar o

consumo de produções relacionadas à biodiversidade local, mas também de colher dados

sobre o que é consumido e não é produzido lá. Ou seja, o que é comprado em vendas,

minimercados e supermercados, como o sal ou o refrigerante. Como pode ser visto na Tabela

10, itens que ainda são produzidos na localidade foram citados, como arroz, feijão, farinha e

“cuxá” (feito com a folha da vinagreira), sendo os que apresentaram o maior número de

menções.

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Os peixes tiveram destaque no consumo, devido às técnicas usadas pelos

moradores nas atividades de pesca e coleta nos açudes locais e nas localidades do Lago Limpo

e Lagoa da Gameleira. Os dois últimos recursos hídricos citados estão localizados acerca de 4

km da sede do quilombo. Os açudes, em época de seca, apresentam pouca água, mas, no

inverno, os peixes são tratados e armazenados para as próximas temporadas, apresentando

técnicas de manejo, tratamento e armazenamento de espécies, como citado anteriormente.

Todo o excedente do fenômeno da piracema é aproveitado, como ilustra a Figura 16. Na

Figura 17, vê-se a seleção dos grãos de arroz plantados e colhidos pelos os quilombolas,

sendo possível perceber a qualidade da plantação.

Tabela 16. Alimentos consumidos nas últimas 24 h, 2009.

Item Alimento Número de citações

1 Arroz Puro 19 2 Feijão 17 3 Café com farinha 15 4 Peixe frito 15 5 Peixe cozido 12 6 Arroz com cuxá 9 7 Carne de Boi/Gado cozido 9 8 Cuzcuz de milho 9 9 Biscoito/bolacha 8

10 Café Puro 7 11 Cuxá 7 12 Ovo 7 13 Cuxá com quiabo 5 14 Arroz com feijão 4 15 Farinha 4 16 Arroz com abóbora 3 17 Arroz com Carne 3 18 Arroz com peixe frito 3 19 Café com Beiju 3 20 Carne de Boi/Gado Frita 3 21 Galinha 3 22 Leite com pão 3 23 Molho cru (tomate, cebola, pimentão e cheiro verde) 3 24 Pão 3 25 Salada de pepino 3 26 Café com biscoito 2 27 Café com pão 2 28 Cascudo 2 29 Milho cozido 2 30 Ovo com salsicha 2 31 Peixe assado com farinha 2 32 Arroz com molho cru 1

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33 Arroz quibeibe (com abóbora e quiabo) 1 34 Beiju 1 35 Bolo de tapioca 1 36 Café com Leite 1 37 Carne de porco 1 38 Carne de porco cozida 1 39 Chá de capim limão 1 40 Chocolate com bolacha/biscoito 1 41 Chocolate puro 1 42 Cuscuz de milho e chocolate 1 43 Cuzcuz de arroz 1 44 Farinha com Ovo 1 45 Jerimum cozido 1 46 Macarrão 1 47 Mocotó 1 48 Omelete 1 49 Piaba 1 50 Refrigerante 1 51 Salada de repolho com sardinha 1

Figura 16 - Técnicas de secagem dos peixes, provenientes do fenômeno da Piracema.

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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Figura 17 – “Catação do arroz”. Foto: Breno Farhat, 2009.

Relacionado ao DSEA, foi perguntado às pessoas sobre quais espécies de plantas e

animais existiam antes na localidade e o que elas não viam mais. Os resultados estão nas

Tabelas 13 e 14. A tabela das Plantas Medicinais traz em sua relação espécies que os mesmos

viam antes, que acreditam ainda verem e outras espécies que não vêm mais. O número de

repetições relacionadas a cada espécie foi contabilizado com o fito de correlacionar o grau de

importância da planta com esse total. Foi observado, contudo, que espécies que estão em áreas

mais isoladas do quilombo podem não ter efetivamente diminuído. A ausência de trânsito no

“mato brabo” (como os mesmos dizem) pode levar a uma falta de registro da espécie,

ocasionando a opinião de ausência na percepção do conjunto da biodiversidade. Essa

observação também convém à Tabela de animais.

Tabela 17 - Ausência e presença de espécies de plantas no quilombo, 2009.

Quantidade

Plantas Antes Ainda tem Não mais

Acerola * 1 * Afavaca 1 1 * Algodão 1 * * Amêndoa 1 * 1

Amendoim * * 1 Andiroba * * *

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Aroeira * * 1 Arroz * * *

Arroz preto 1 * * Assa peixe 1 * 1

Ata 1 1 * Ata ameju 1 * 1

Axixá * 1 * Azeitona 1 2 *

Bacupari/Bacuripari 1 1 2 Bacuri 4 2 1 Banana 1 2 *

Barrigudeira 2 2 * Boldo comum 1 4 1

Boldo da folha grossa * 1 * Bosta de cabra 1 * *

Cabôco * 1 * Cacau 3 2 2 Cajá 1 2 * Caju 1 2 1

Camucá 5 * 3 Canela * * 1

Catinga de bode 1 * * Cidreira 1 * *

Cipó de jabutim 1 * * Condessa * 1 1

Crioli/criuli 2 6 1 Crista de peru * 1 *

Cujuba * 1 * Erva cidreira * 1 *

Esturaque 1 1 * Folha santa * 1 *

Gergelim branco 1 * * Gergelim preto 1 * *

Girassol 1 * 1 Goiaba 1 2 * Guapéu 1 * * Imbú 1 * * Ingá 1 3 * Jaca 1 * 1

Jambo * * * Jambu 1 * 1

Japecanga * 1 * Jardineira * 1 *

Jatobá 3 * 1 Jenipapo 2 1 *

Juçá * * 1 Juçara * 1 * Junça 1 * *

Laranja 5 2 4 Lima 3 2 2

Limão * 1 * Maçaranduba 1 1 1

Mamão 2 1 1 Mamuí 3 * 1 Manga 3 8 *

Maracujá * 1 * Maracujazinho 1 * 1

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Maravilha 1 1 1 Mastruz 1 3 * Murta * 1 *

Mutamba 1 1 * Oiti * 1 *

Pau Santo 5 * * Pimenta longa * 1 *

Pitanga 2 * 1 Pitomba 1 3 *

Pompolha * * 1 Pompom de aiá * 1 *

Samambaia 1 2 * Sapucaia 2 1 * Seriguela * 2 *

Tamarindo 2 3 * Tangerina 1 * 1

Tanja 1 * 2 Tarimã * 1 * Titoco 1 1 *

Traqueira 2 1 * Tuturubá 1 * 1

Uva 1 1 * Uva braba * * 1

* Não foi citado.

Tabela 18 - Ausência e presença de espécies de animais no quilombo, 2009.

Quantidade Animais

Antes Ainda tem Não mais Anta 3 * 3 Arara 1 * 1 Atum 1 * 1

Bacurau * 1 * Bigode branco 1 * * Bigode preto 1 * *

Bode 2 1 1 Boi/Gado 1 7 *

Burro * 1 * Cachorro 1 2 *

Calú 1 * 1 Capelão 1 5 * Capivara 5 9 *

Capote (galinha d’angola) 1 * 2 Carão * 1 *

Carneiro

2 1 1

Catitu (porco do mato) 5 2 2 Cavalo 2 1 *

Chico preto * * 1 Cigana * 2 * Ciricora 1 * * Cobra * 1 *

Cobra buiúna 1 * 1 Coelho 3 1 * Curica 1 1 * Curió 1 * 2

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Currupião * * 1 Cutia 6 11 1 Égua 2 * *

Fogo pagô * 1 * Galinha 1 2 *

Galo * 1 * Gato maracajá 1 2 1

Graúna * 1 1 Guariba * 1 * Guriatã 1 * 2 Inhaúma * 1 *

Guaxinim 1 * * Jabuti 5 3 6 Jacaré * 1 * Jacu 1 1 *

Jumento 4 11 * Juriti 1 1 *

Lontra 1 1 * Macaco 3 11 * Mambira 1 1 * Manguari * * 1 Mutum * * 1 Nambu 1 1 1

Nambu capote * 1 * Nambu preta * 1 *

Onça 9 * 10 Paca 6 2 * Pacu * 1 *

Pardal * * 1 Pássaro cigano 1 * *

Pato * 1 * Pato brabo 1 * *

Pé com a pá * * 1 Peba 3 1 * Pêga 1 * 1

Peixe boi 1 * 2 Peru 1 * 1

Pinica pau/pica pau 2 * 2 Pipira azul 1 1 *

Pipira verde 1 1 * Pomba dolar 1 * *

Porco 1 1 * Porco espinho 1 * 1

Preguiça * 1 1 Preguiça carneiro 1 * 1

Preguiça chuí 1 * * Quati * * *

Raposa 1 * * Rolinha * 1 * Sabiá * * 1 Socó * 1 *

Surucucutinga 1 * 1 Tartaruga * * 1

Tatu 9 13 2 Tucano * 1 * Vaca * 1 *

Veado 2 2 1

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Veado capoeiro 5 * * Veado foboca 2 1 *

Veado galheiro 6 1 5 Veado mateiro 1 1 1 Veado sutinga 1 1 *

* Não foi citado.

Quando se perguntou sobre os impactos a paisagem, os dados obtidos foram

agrupados e são apresentados na Figura 18.

Figura 18 - Gráfico interconexão entre as mudançasde paisagem, 2009.

5,6 4,5

7,9

23,6

4,5 5,6

16,914,6

4,5

7,9

3,41

0

5

10

15

20

25

Fatores de mudanças de paisagem

Índi

ces

(%)

Assoreamento dos rios

Aumento da população

Caça

Desmatamento

Falta de respeito com anaturezaNão respondeu

Queimada

Roça aberta (roça detoco)"Solta" (pasto)

Tempo

Venda de animais

Veneno na roça

Do gráfico, depreende-se que 23,6% dos entrevistados atribuem ao desmatamento

os impactos locais; 16,9%, às queimadas; 14,6%, a roça aberta; 7,9%, ao tempo; outros 7,9%,

à caça; 5,6%, ao assoreamento dos rios; outros 5,6% não responderam; 4,5%, ao aumento da

população; outros 4,5%, à falta de respeito com a natureza; 4,5% atribuíram à “solta”

(específica); 3,4%, à venda de animais; e 1%, ao uso de veneno na roça. Diante de tais dados,

é observado que as soltas realmente apresentam um indicador fundamental à mudança da

paisagem no entorno do quilombo. Na verdade, a presença dessa população, nessa área

territorial (1093 hectares), resguarda a localidade, porque não é permitido, por consensos

sociais, dizimar toda a vegetação. Mas, existem atividades desenvolvidas pelos quilombolas,

como a “roça de toco”, ou a caça de tudo que é “vivo”, que impacta negativamente a

biodiversidade, porém, em menores gradientes, devido ao contingente populacional, à

integração natural com o meio, à conservação de espécies, que são funcionais ao cotidiano, e

outros. Uma criança chegou a dizer, sobre a caça: “aqui a gente pega até barbuleta (o mesmo

se referiu ao beija-flor), porque o coração dele deixa a gente mais forte” (6 anos, 2009).

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Com relação a outras técnicas de extrativismo, obtenção e armazenamento de

alimentos, existem espécies que, tradicionalmente, são caçadas e consumidas ao longo da

história de uso do espaço. Dentre os animais capturados, destacam-se pássaros, jacarés

(Figura 19), calangos e bicho-preguiça, além de outros. A captura de espécies da

biodiversidade local sempre ocorreu como uma estratégia de sobrevivência do grupo

(KRUPPA, 2004).

No cotidiano, as crianças também detêm completamente esse conjunto de

símbolos, inclusive tendo a baladeira como brinquedo preferido. O grupo, ao se autoanalisar,

não acredita que as atividades de caça e extrativismo possam, determinantemente, estar

diminuindo o número de espécies da biodiversidade local, atribuindo à solta os impactos

observados sobre a biota.

Figura 19 – Divisão das carnes de um Jacaré (em média 25kg) para membros da caça. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

Uma particularidade é a preferência pelo peixe cascudo “sete léguas”, que se

mostra tão evidente na paisagem, e que, a todo o momento, é rotineiro vê-los nas mãos das

(Figura 20). Este peixe se constitui em um tipo de lanche ou complemento alimentar no

intervalo das refeições principais.

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Figura 20 – Crianças pescando Cascudo “sete léguas”. Foto: Gustavo Baxter, 2009.

Os levantamentos contaram com 45 dias de atividade de campo e contribuíram

para a montagem do banco referencial de cultura, o qual foi finalizado em 30 horas de

material audiovisual bruto, em torno de mil fotografias sobre o cotidiano, sendo finalizado

com uma exposição fotográfica composta por 19 quadros de fotos de tamanho 30x40 cm.

As percepções da comunidade local, relacionadas à integração entre natureza,

sociedade e “sistema cultural”, pode ser sintetizada pela fala de uma criança de 9 anos, que,

ao ser perguntada “para que a rosa, que ela tinha escolhido, servia?”, no momento de

construção do mapa mental, a mesma respondeu: “é, é para cherar [...]”. Como também a fala

de Mariinha Silva Lago, que disse: “ ‘Fogo apagou’ (rolinha), não pode matar, pela tradição

de ser de Nossa Senhora”.

2.1.4 Conclusões

A paisagem quilombola estudada sofreu mudanças expressivas no que diz respeito

à estrutura arquitetônica das casas, durante o período de investigação, devido a uma ação da

prefeitura municipal, que entregou cinquenta casas de alvenaria. Este episódio causou um

estado coletivo de satisfação, porque os colocou no futuro. Este fato, entretanto, cria um

distanciamento entre a paisagem natural, construída de barro, do início da pesquisa, e aquela

observada atualmente, tornando-se um importante registro de ocorrência de mudanças

expressivas na paisagem físico-biológica-espaciais, afetando diretamente os “saberes e

fazeres” da comunidade.

As crianças que compõem, hoje, o contingente populacional local, ainda saberão

trabalhar com as matérias-primas naturais do quilombo. Mas, se houver uma maior

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diminuição dessas matérias, seus filhos talvez não repetirão as técnicas de uso, portanto, esse

conhecimento poderá ser alterado e eles poderão não saber mais.

Especificamente, nos meses de Novembro e Dezembro, é observado o processo

das queimadas para a feitura das roças de toco, que afetam o ambiente, tanto pela emissão de

fumaça, quanto pela perda de animais e vegetais da biodiversidade. Determinados fragmentos

dessa paisagem adquiriram uma cor acinzentada e uma composição de resquícios de troncos,

causando, também, um impacto ambiental expressivo no tocante à poluição visual. Essas

áreas queimadas afugentam os animais, a exemplo dos pássaros.

Para a comunidade local, a paisagem não sofre com o uso dos recursos por parte

dos quilombolas, como a roça de toco (queimadas e desmatamento), extrativismo animal e

vegetal, entre outros. A percepção do grupo, como um todo, é de que ainda tem vegetação,

embora admitam que já houve mais. Os moradores afirmam que, na atualidade, ainda há

alguns “bolos de mato” (fragmento de vegetação), que contêm muitas espécies.

Foi possível determinar que os adultos e jovens já conseguem dimensionar a perda

das espécies locais, registrando uma presença diminuída ou o completo desaparecimento de

alguns animais e vegetais. Com relação às crianças, foi possível registrar que estas não

conhecem muitas das espécies citadas pelos “antigos”, demonstrando que a diminuição de

biodiversidade ocorreu ou que o conhecimento e a relação entre as atividades cotidianas e o

meio natural diminuíram. As crianças apresentam conhecimentos relacionados às espécies que

são mais comuns e com as quais mantém contato. Essa afirmação mostra como o repasse do

“saber fazer” é importante dentro das comunidades tradicionais.

Outros aspectos observados são os gradientes de importância das espécies para

cada grupo. Por exemplo, na citação de Sr. Gildásio (70 anos), as duas árvores barrigudeiras

têm 300 metros de altura, sendo isto uma demonstração da importância da árvore. Já para o

Sr. Eraldo (cerca de 50 anos), as árvores ainda são “as referença do povoado”. Enquanto os

mais idosos dão valor a estes exemplares, na atividade com as crianças não houve nenhuma

citação sobre a árvore. Na Oficina Fotográfica com os jovens, também, nenhuma foto foi feita

das mesmas.

A conservação de biodiversidade e de paisagens se estrutura e se relaciona

basicamente com o que vem acontecendo ali, naquele quadro. As adaptações do uso também

fazem parte desse cenário. Parte-se do principio de que a paisagem é dinâmica e sofre

transformações temporais, mas essa temporalidade não tem um padrão estabelecido que

estime quando a mudança pode acontecer. Pode ser de um dia a outro, de mês em mês, ou de

séculos em séculos. A oralidade, a memória da paisagem e a ocupação do território, uma vez

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que eles e seus ancestrais, no processo de ocupação, estão naquela porção de terra de 200 a

300 anos, ainda resguardam uma expressiva biodiversidade. Isto pode ser ainda devido ao

tamanho da área, que é de 1093 hectares, sendo possível uma ocupação compartilhada com

várias espécies de animais e vegetais.

A questão da conservação das espécies da biodiversidade e os impactos

relacionados ao uso e ocupação do solo não estão relacionadas a ações conscientes da

população. As mesmas são originadas também de processos de repetições e heranças

culturais, em seus modelos de gestão e técnicas de conservação e manejo. A pesquisa detecta,

porém, que a paisagem pode realmente mudar totalmente em pouco tempo (porém, não foi

possível calcular ou estimar um intervalo de tempo a partir da dinâmica de paisagens). É

possível que, com o passar do tempo, o atual quilombo de São Sebastião dos Pretos se torne

um bairro rural do município de Bacabal – MA. Isto pode conduzir a uma paisagem com

pouca vegetação e número reduzido de animais silvestres.

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AGRADECIMENTOS

A FAPEMA, pelo fomento à pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARANTE JUNIOR, Ozelito Possidônio de; BRITO, Natilene Mesquita; BRITO, Ciclene Maria da Silva; ESPÍNDOLA, Evaldo Luiz Gaeta. “Lendas do sebastianismo e a percepção ambiental de uma comunidade de pescadores na Ilha de Lençóis, Cururupu, MA”. In: ESPÍNDOLA, Evaldo Luiz Gaeta; WENDLAND, Edson. (Orgs.). Bacias hidrográficas: diversas abordagens em pesquisa. São Carlos, 2004, pp.305-328. ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a África. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1991. ALMEIDA, Alfredo Wagner B. “Os quilombos e as novas etnias”. In: O’DWYER, Eliane Cantarino (org.). Quilombos: identidades étnicas e territorialidade. Rio de Janeiro: ABA /FGV, 2002, pp.40-83. CARDOSO, Ruth. A aventura antropológica: Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1986. CAROSO, Carlos & BACELAR Jéfferson (orgs.). Faces da tradição Afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador: CEAO, 1999. CORIOLANO, Luzia Neide Menezes T. “Os limites do desenvolvimento e do Turismo”. In: ____________ O Turismo de Inclusão e o desenvolvimento local. Fortaleza: Funece, 2003. COSTA NETO, Eraldo Medeiros. “Conhecimento e usos tradicionais de recursos faunísticos por uma comunidade afro brasileira. Resultados Preliminares”. In: Revista Interciência, diciembre/2000, ano/ vol. 025, n.009, pp.423-431. FERRETI.Sérgio. Querebentã de Zomadônu: etnografia da Casa das Minas do Maranhão. 2.ed. São Luís: EDUFMA, 1996. FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas famílias escravas e tráfico atlântico. Rio de Janeiro, c.1790-c1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. GAJARDO, Marcela, Pesquisa participante na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1998. GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. _______________. O antropólogo como autor. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005 (Obras e vidas). GUIAO, Marcos; et al. Plantas Medicinais – Cultivo, utilidades e comercialização. Belo Horizonte:EMATER/Prorenda Rural – MG, IEF-MG Doces Matas, 2004.

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CAPÍTULO III – 2.ª PARTE EXPERIMENTAL

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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3.1 A conservação da biodiversidade e da paisagem na Comunidade Quilombola Catucá,

em Bacabal – MA (Brasil).

RESUMO

Esta investigação visou levantar o cotidiano de uma comunidade tradicional em

paisagem quilombola, recortada do Maranhão, e relacionar as práticas desta comunidade com

a conservação da biodiversidade. O questionamento principal da pesquisa é sobre como as

ações da comunidade contribuem para a conservação da paisagem, ao longo do tempo de uso;

como a cultura dos rituais e dos mitos trata as espécies da fauna e flora; e qual o impacto na

conservação da biodiversidade local. As áreas do conhecimento que subsidiam a investigação

são: Antropologia, Educação e percepção ambiental, Etnobiologia, Etnografia, Ecologia de

paisagens e outras. Como método, foi empregada a coleta de depoimentos e relatos de

memória da paisagem, levantamentos fotográficos, audiovisuais e sonoros, técnicas lúdico-

participativas, como Teatro de Bonecos – Fantoches, os mapas mentais ou êmicos, e também

um questionário semiestruturado, a fim de traçar o Diagnóstico Sócio-Econômico-Ambiental

(DSEA) .

PALAVRAS CHAVES: comunidade tradicional, Ecologia de paisagens, métodos

participativos.

ABSTRACT

This article aims to present the results related to the perception of maroon that

matches the conservation of biodiversity and landscape in their territories within Maranhao.

The project included 2 communities in the surveys. We collected 11 subjects of mental maps

concerning the composition of the landscape, collecting collection audio visual sound,

photographs, and construction of a Socio-economic and environmental - DSEA. It is

interesting to note that the work includes methods of collecting information, knowledge areas,

bringing Biology and Anthropology, among others. This article focuses on presenting the

results in Quilombola Community of St. Sebastian the Black (Q2), Bacabal, MA

KEY WORDS: traditional community, Landscape ecology, participatory methods.

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3.1.1 Introdução

O processo brasileiro de escravidão, ao longo de sua existência, apresentou como

fator de resistência a formação de quilombos nas localidades ou ao redor de grandes fazendas

ou engenhos, para citar alguns exemplos. Mesmo em situações em que não havia ações de

quilombismo ou aquilombamento (fugas e aglomeração de escravos fugidos), alguns

processos de abandono de terras e sua ocupação por ex-escravos africanos também

ocasionaram a formação de quilombos no Brasil (ALMEIDA, 2002).

O Estado do Maranhão conta, na atualidade, com um número relevante de

comunidades quilombolas reconhecidas, e ainda detém, em seu território, outras várias, em

vias de reconhecimento (NOGUEIRA, 2009). Nesses territórios, um conjunto de símbolos foi

desenvolvido a partir das características da paisagem, no intuito de garantir a sobrevivência

dos grupos ali instalados. Sendo assim, ao falar das paisagens encontradas no Estado, ou em

qualquer outro lugar, as características físicas e biológicas são essencialmente importantes na

elaboração de um conjunto de signos e significados, como também de “saberes e fazeres”,

denominados de Sistema Cultural (GEERTZ, 1989).

As espécies da biodiversidade, ao serem encontradas em uma paisagem específica,

podem ser aproveitadas e adaptadas através de seus vários usos, podendo se tornar um

utensílio cotidiano ou a matéria-prima na construção de casas, ou utilizadas na “feitura”

(produção) de remédios caseiros, por exemplo, como é possível observar, também, no caso da

cujuba, usada na confecção das cuias e vasilhames domésticos, como pratos e copos, entre

outros objetos, e também do caso do babaçu (Orbignya phalerata Martius) (PINHEIRO,

2007), em suas múltiplas funções, no que diz respeito aos cotidianos de comunidades

tradicionais e rurais do Estado. Esses fazeres compõem esse “Sistema Cultural”, como ensina

Geertz (1989), em sua obra. E todo esse conjunto adapta-se às mudanças físicas ocorridas nos

lugares, e vice-versa.

Este texto tem, por finalidade, apresentar os resultados referentes às observações

em campo, na comunidade quilombola de Catucá, município de Bacabal - MA. As

observações foram realizadas com o objetivo de traçar como os usos dessa comunidade, no

processo histórico, conservaram a paisagem e a biodiversidade ou impactaram-nas. Foi

objetivo, ainda, levantar quais conjuntos culturais compõem o cotidiano. O levantamento

contou com métodos participativos, através da construção de mapas mentais (SCHMIDT,

2003), a elaboração de um Diagnóstico Sócio-Econômico-Ambiental (DSEA) e

levantamentos da memória coletiva através de recursos audiovisuais e fotográficos.

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3.1.2 Metodologia

A escolha de uma metodologia que abordasse, não somente o quantitativo, mas o

perceptivo e o imaginário, deu-se a fim de propor uma pesquisa que fosse participativa. As

dinâmicas da construção de Mapas Mentais e a coleta de dados audiovisuais, na comunidade,

foram empregadas nesta pesquisa. Neste caso, como cita Schmidt (2003), sobre os mapas

mentais e métodos participativos de pesquisa, as “comunidades tradicionais tem outra

percepção a respeito do lugar onde estão inseridas. Pois, desenvolveram signos diferentes das

populações do ocidente”.

Como método quantitativo, os dados foram colhidos através de um questionário

que, ao final, deu origem ao Diagnostico Sócio-Econômico-Ambiental (DSEA). Os aspectos

considerados nesse momento foram: faixa etária da população, infraestrutura local, dados

educacionais e alimentares, entre outros. Quanto aos dados qualitativos, foram considerados

aspectos gerais do cotidiano, como: usos medicinais de plantas e animais, manifestações

culturais religiosas, atividades de manejo e gestão ambiental, entre outros. Esse levantamento

deu-se através da coleta de imagens (com equipamento de filmagem e fotográfico),

depoimentos e gravações sonoras. Após aplicação dos dois métodos empregados, foram

geradas análises, que, compiladas em tabelas e gráficos, apresentaram resultados que visavam

responder aos questionamentos propostos pelo trabalho. As atividades participativas de

levantamento contaram com Oficinas comunitárias de temas variados. Essas oficinas foram

compostas por atividades diferenciadas, como Gincana Ambiental, Oficina Fotográfica,

Exibições de filmes e produção de mapas mentais através de oficinas de desenhos.

Sobre a metodologia de construção de “mapas mentais” e de “percepção de espaço

e ambiente”, foram propostos 11 temas-mapas, a saber:

1. Mapa de espacialização geográfica – “Onde moro?”;

2. Animais de “pêlo”;

3. Animais de “casco”;

4. Animais de “bico”;

5. Animais de “couro”;

6. Animais de “escamas”;

7. Plantas medicinais;

8. Mapa das “grandes árvores”;

9. Calendário agrícola correlacionado a luas e marés;

10. Manifestações culturais cotidianas com as estações do ano;

11. Festas e visitações.

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Referente aos temas, foram traçados 3 perfis de grupos, para a realização dos

levantamentos. Cada um desses contou com uma atividade de natureza específica de

mobilização e coleta.

O “antigos” (grupo 1) tinham como perfil as pessoas mais antigas da comunidade

e os identificados como líderes ou detentores de saberes locais específicos sobre plantas

medicinais, conhecimentos de parto ou militantes políticos. Para identificar tais informantes,

empregou-se o método “Bola de Neve”, em que um entrevistado recomenda aqueles que

devem ser consultados também, originando uma lista de “personagens” a serem entrevistados.

Durante esse contato, as perguntas norteadoras feitas aos participantes desse grupo foram:

“como era a paisagem ‘antes’”? O que tinha e o que não tem mais de plantas, flores e bichos

naquele lugar? O que eles achavam que ainda tem?” Nesse momento foram utilizados

gravadores, máquinas fotográficas e filmadora para registro dos depoimentos.

O “mapa mental” dos jovens (grupo 2) ocupou-se com a coleta de dados extraídos

a partir das “Oficinas de imagens fotográficas”. Nesse momento, foram repassados

conhecimentos básicos de fotografia e equipamentos fotográficos (por fotógrafos

profissionais) aos jovens quilombolas. A partir daí, foi criado um roteiro de itens da

paisagem, que os mesmos gostariam de registrar devido ao grau de importância e

representatividade. Os jovens puderam fotografar três itens dentro da paisagem quilombola.

As crianças da comunidade (grupo 3) participaram da pesquisa nas oficinas de

desenho, que tiveram, ainda, como atividade, a coleta de folhas, frutos, sementes e cipós,

entre outros materiais. Dando continuidade à oficina, tiveram que usar, em seus desenhos

sobre onde moravam, as matérias-primas encontradas, em conjunto a materiais básicos

cedidos, como: lápis de cor, canetas hidrográficas, papéis brancos, cola, tinta guache e outros.

Ao final da elaboração dos desenhos, foi perguntado qual era a espécie da qual vinha aquele

material empregado na construção do mapa, para quê e como a mesma era usada no dia-a-dia.

Foi realizada uma Gincana ambiental, que envolveu os três públicos, ou seja: as

equipes poderiam ter antigos, adultos, jovens e crianças ao mesmo tempo, e não precisavam

apresentar um número específico de membros. Mas, os que estavam presentes na atividade, ao

se dividirem, precisavam atender á demanda dos temas propostos para os “mapas mentais”.

Esta gincana constituiu-se de um jogo cooperativo, em que não houve vencedores e

premiados, mas toda a comunidade foi beneficiada com o levantamento de informações sobre

si. A escolha desta metodologia de pesquisa justificou-se pela necessidade de maior

integração entre pesquisado e pesquisador (GAJARDO, 1998). Este tal método possibilitou

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correlacionar ações de Educação Ambiental, Ecologia de Paisagens, Conservação de

Biodiversidade e Território Quilombola de forma inovadora em âmbito acadêmico.

3.1.3 Resultados e discussões

A localidade onde ocorreu a pesquisa denomina-se Comunidade Quilombola de

Catucá, no município de Bacabal, em 4°13′30″S, 44°46′48″W, porção central do Estado do

Maranhão. Tem uma ocupação territorial de 50 (cinquenta) casas com 52 (cinquenta e duas)

famílias, totalizando uma população de 176 (cento e setenta e seis) pessoas. Este território tem

reconhecimento como área quilombola, com posse fundiária de 63 (sessenta e três) hectares.

A paisagem local pode ser exemplificada na Figura 1.

Figura 1- Paisagem de Catucá – Arquitetura local. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

A paisagem local da Comunidade Quilombola de Catucá é composta basicamente

por casas de barro, com somente duas moradias de alvenaria e uma outra com telha na

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cobertura. São encontradas árvores espaçadas ao longo da localidade, como também o Salão

de Terecô, de D. Sofia Catanhede, e o Salão da Festa dançante, do Festejo de Nossa Senhora

da Conceição, do Sr. Eurico Miranda. As casas construídas em alvenaria afirmam a liderança

comunitária desses dois personagens locais, inclusive trazendo diferenciações hierárquicas

dentro do grupo social. No caso de D. Sofia, ela detém um papel importante como parteira,

detentora de conhecimentos e Mãe de Santo dos rituais do Terecô. Foi uma das primeiras

moradoras da fase de ocupação do território nos últimos cinquenta anos, além de ser viúva do

Sr. Sabino, também detentor dos fundamentos do Terecô e de vários rituais de matrizes

africanas realizados na região. Ele também tinha um papel de liderança destacado na

comunidade, por ser o professor da escola local durante anos e ainda ter conseguido vários

benefícios para a população. A afeição da comunidade e familiares é tão grande, que o

falecido encontra-se sepultado em um mausoléu construído em frente ao Salão de Terecô, nas

redondezas da casa grande da família.

O Sr. Eurico Miranda desenvolve um importante papel de liderança social, por ser

outro antigo morador do quilombo. Também tem sua casa feita de alvenaria e desenvolve um

importante papel referente às atividades comerciais do lugar, por ter conhecido o citado Sr.

Francisco Mendes, encarregado daquela porção de terra há, aproximadamente, um século.

Chegado na comunidade, em meados da década de sessenta, casou-se com a filha desse

senhor e, ao se juntar à família, deu continuidade às comemorações relativas aos festejos de

Nossa Senhora da Conceição. Todo ritual ainda é feito com o culto à imagem de madeira

maciça da santa, para a qual atribuem a idade de dois séculos de existência. O festejo acontece

com a novena (cantada pelo Sr. Waldei Mendes, 65 anos, nascido e criado na localidade, filho

do Sr. Francisco Mendes), o Festival de Futebol, a festa dançante, a missa e a procissão de

encerramento. O salão onde acontece a festa dançante é de propriedade do Sr. Eurico,

constituindo-se em um importante evento sociocultural campesino na região, sendo essa festa

respeitada por toda a comunidade local e das adjacências do Catucá. Ante tais questões, as

diferenciações hierárquicas podem, inclusive, ser detectadas no mapa mental produzido pelos

participantes da atividade e moradores do quilombo, podendo atribuir não somente

diferenciação dos dois por suas moradias, mas, também, por seus conhecimentos sobre a

antiga paisagem do lugar.

A aplicação do questionário produziu os dados relativos ao perfil sócio-

econômico-ambiental da comunidade em estudo. A distribuição por faixa etária da população

é apresentada na Figura 2.

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100

31,536,3

15,2

5,3 6,4 5,3

05

10152025303540

Índices (%)

Figura 2 – Faixa etária da população, 2009.

0 a 12 anos

13 a 24 anos

25 a 36 anos

37 a 48 anos

49 a 60 anos

Não responderam

Conforme pode ser observado na Figura 2, a população de Catucá tem sua

população distribuída de forma que 31,5% têm idade entre 0 e 12 anos; 36,3% da população

está entre 13 a 24 anos; 15,2%, de 25 a 36 anos; 5,3%, de 37 a 48 anos; 6,4% de 49 a 60 anos,

e 5,3% não responderam. Estes dados mostram que a maioria das pessoas da comunidade é

constituída de jovens ou crianças, trazendo, como implicações, possibilidades de ainda não

deterem de forma integral códigos culturais importantes, como o domínio de técnicas de uso e

manejo da biodiversidade local. O nível de escolaridade dos moradores é apresentado na

Figura 3.

Figura 3 - Nível de escolaridade, 2009.

19,5

9,8

58,5

2,4 2,47,4

0

10

20

30

40

50

60

70

Escolaridade

Índi

ces

(%)

Está estudando (EJA,Brasil Alfabetizado)

Não-alfabetizado

Ensino fundamentalincompleto

Ensino médioincompleto

Analfabeto funcional

Alfabetizado

Aproximadamente 58,5% da população têm o ensino fundamental incompleto;

19,5% está estudando (Programa EJA ou Brasil Alfabetizado); 9,8% não são alfabetizados;

2,4% têm o ensino médio completo; 2,4% possuem o ensino médio incompleto; e 7,4%

foram alfabetizados pelo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização, da década de

1980).

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Mas, embora observando que, mais da metade das pessoas foram alfabetizadas, a

dificuldade de leitura e interpretação, em termos educacionais formais, é um fato. Dinâmicas

de Educação ambiental e jogos cooperativos, como a criação de materiais didáticos

específicos voltados aos quilombolas, poderiam envolver mais a comunidade e despertar

discussões a respeito de impactos ambientais e situações de militância política. Isto é, o uso de

textos extensos, com informações complexas, não lograria êxito em uma atividade de

intervenção, sendo necessário adaptar estes materiais ao nível de compreensão da

comunidade.

Deve-se mencionar que, na comunidade, há uma pequena escola, com duas salas e

uma cozinha, banheiros, TV e vídeo, mas que não dispõe de uma biblioteca. À noite,

funcionam as atividades do Programa Brasil Alfabetizado. A escola conta com dois

professores, sendo um da comunidade e um instrutor do PET. Os professores não ficam

alojados na escola. E ainda há um transporte que leva os alunos do ensino médio à escola no

município de Bacabal todos os dias. Em 2009, porém, os quilombolas que estão inseridos

nesse programa ficaram dois meses ausentes da escola, devido às condições da estrada na

época das chuvas.

Sobre os rendimentos financeiros mensais (Figura 4), foi detectado que: 9,7% das

famílias recebem menos que R$ 100,00 (cem reais); 43,9% das famílias têm rendimentos de

R$ 100,00 (cem reais) a R$ 200,00 (duzentos reais); 4,9%, de R$ 200,00 (duzentos reais) a

R$ 300,00 (trezentos reais); 9,7%, de R$ 300,00 (trezentos reais) a 400,00 (quatrocentos

reais); 22%, de R$ 400,00 (quatrocentos reais) a R$ 600,00 (seiscentos reais) (são famílias

que contam com os rendimentos da Horta Coletiva); e 4,9% têm rendimento superior a R$

600,00 (seiscentos reais) (considerando benefícios da aposentadoria). Dos entrevistados, 4,9%

não responderam esta questão.

Figura 4 - Renda Familiar, 2009.

9,7

43,9

4,99,7

22

4,9 4,9

0

10

20

30

40

50

Renda

Índi

ces

(%)

Menos de R$ 100,00

De R$ 100,00 a R$200,00De R$ 200,00 a R$300,00De R$ 300,00 a R$400,00De R$ 400,00 a R$600,00Mais de R$ 600,00

Não respondeu

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Com relação às atividades econômicas desenvolvidas na comunidade (Figura 5),

23,3% estão relacionadas à quebra e venda do coco babaçu. Esta atividade é desenvolvida

pelas mulheres e gera um rendimento pequeno, pois cada quilo da castanha é vendido a R$

0,80 (oitenta centavos de real) no mercado local. Ainda 15,5% da população têm como

rendimento a produção da horta comunitária, de onde os produtos são vendidos aos finais de

semana na Feira Municipal de Bacabal. 14,7% contam com o Programa Bolsa família; 8,6%

contam com a venda de produtos originados das pequenas plantações (roças); 8,6% da venda

de animais (poucas unidades de porco, gado e aves); 6,9% contam com a aposentadoria;

6,9%, diarista de roça (capina); 3,4 %, carvão; 3,4 %, frutas; 2,6%, artesanato/produtos; 2,6

%, cozinha/culinária; 1,7, pescado/mariscos; 0,9 %, Bolsa Escola; e 0,9 %, diarista de roça

(joga semente).

Figura 5 - Atividades econômicas desenvolvidas, 2009.

8,6

6,9

2,6

0,9

14,7

3,42,6

6,9

0,9

3,4

15,5

1,7

23,3

8,6

0

5

10

15

20

25

Atividades

Índ

ices

(%

)

Venda de animais

Aposentadoria

Artesanato/produtos

Bolsa Escola

Bolsa Família

Carvão

Cozinha/culinária

Dairista de roça (capina)

Diarista de roça (joga semente)

Frutas

Hortaliças

Pescado/mariscos

Quebra coco

Roça/produtos

Nesse quilombo existem mulheres que se capacitaram para a produção de alguns

itens artesanais feitos a partir de matéria-prima local, como o tucum, a palha de milho e

outros. Ainda se pode destacar que o rendimento da horta comunitária, cultivada pelas

mulheres, trouxe um incremento de renda quatro vezes maior. A produção de remédios

caseiros, ou produção e comercialização de ervas medicinais, ajudaria a potencializar o

rendimento das famílias do lugar, como também conservar a biodiversidade através do

incentivo à criação de herbários nos quintais ou de herbários de produção coletiva.

Com relação a esta questão, foram levantadas as possibilidades de produção e

comercialização de tais artefatos. Teve-se o intuito de verificar quais os possíveis produtos

que poderiam ser manufaturados no quilombo, para serem comercializados em feiras

alternativas, de produções familiares e outras. Buscou-se, também, formas de agregar renda à

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comunidade, levando-se em consideração os Arranjos Produtivos Locais (APLs), fomentando

a organização da oferta de serviços de alimentação, hospedagem, condução e produção

artesanal. Esse tipo de atividade poderia, ainda, gerar programas de visitação de baixo

impacto, como Turismo étnico, Turismo de inclusão e Turismo Comunitário. Deste

levantamento, obtiveram-se as respostas apresentadas a seguir.

Quanto à produção ligada à gastronomia local, extraíram-se os dados apresentados

na Tabela 1.

Tabela 1- Produtos possíveis da gastronomia local, 2009.

a) Cozinha/Culinária Quantidade

Azeite de Coco 17 Bolo de arroz/trigo 1 Doce de Abóbora 1 Doce de Banana 1 Doce de Goiaba 1 Doce de Leite 1

Doce de Mamão 1 Garrafada, Beberagem 1

Geladinho 1

O azeite de babaçu já apresenta uma pequena comercialização e tem seu valor de

venda em torno de R$ 7,00 (sete reais) por litro. Esse produto, além de ser produzido

diariamente e usado no preparo da alimentação dos quilombolas, é tradicionalmente

produzido (ou, como dizem na comunidade, “tirado”) para a confecção das tortas salgadas, no

período da Semana Santa, quando são produzidas à base de camarão e peixes. A quebra do

coco babaçu, para a produção de azeite, pode ser vista na Figura 6.

Figura 6 - Quebra do coco babaçu para produção do azeite para a Semana Santa. Foto: Breno Farhat, 2009.

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Os produtos artesanais locais da comunidade quilombola de Catucá trazem, em sua

configuração, particularidades relacionadas a utensílios usados no cotidiano, como os abanos

e as esteiras, mas, também, apresentam variedades na produção, como as bonecas feitas com

palhas de milho, panelinhas de barro e outros. Tais produtos podem ser vistos na Tabela 2 .

Tabela 2 - Produtos artesanais quilombolas, 2009.

Item Artesanato Número de citações

1 Cestas 4 2 Abajur 3 3 Esteira 3 4 Balaio 2 5 Baú 2 6 Crochê 2 7 Jarro 2 8 Abano 1 9 Bolsa 1

10 Boneca 1 11 Chapéu 1 12 Cofo 1

Relacionadas à Tabela 2, ainda foram citadas, pelos os quilombolas, matérias-

primas encontradas na comunidade, possibilitando outras produções artesanais. Os itens são

apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 - Matérias-primas encontradas no quilombo, 2009.

Item Matéria-Prima Número de citações

1 Barro 1 2 Caixa de fósforo 1 3 Capemba de babaçu 1 4 Capemba de bacaba 1 5 Capemba de coco anajá 1 6 Cipó de Jabuti 1 7 Garrafa PET 1 8 Palha de Coco 1 9 Palha de Milho 1

10 Tampa de refrigerante 1

As produções de artefatos artesanais, em sua maioria, são feitos com fibras e cipós

naturais, encontrados na localidade, e destacam artefatos produzidos com partes do coco

babaçu, como cofos, abanos e cestas. Essa produção confere muitos produtos e utensílios

usados na localidade no dia-a-dia, sendo que tais conhecimentos da produção foram herdados

e repassados por familiares e, realmente, contam com matérias-primas locais, porque, como

dizem os próprios: “aqui tinha só um caminho, nem batia sol”. Ou seja, o acesso para o

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consumo de produtos produzidos fora do quilombo era difícil. E o excedente da produção

agrícola dos mesmos era voltado para trocas e compras de insumos de necessidade básica,

como o sal, por exemplo, não havendo também condições financeiras para o consumo de

produtos industrializados. A Tabela 4 apresentar dados sobre a produção agrícola local.

Tabela 4 – Produção agrícola quilombola, 2009.

Item Roça/Produto Número de citações

Nome científico

1 Milho 26 Zea mays 2 Arroz 25 Oryza sativa 3 Cuxá/Vinagreira 14 Hibiscus sabdariffa 4 Feijão 12 Phaseolus vulgaris 5 Mandioca 11 Manihot esculenta 6 Abóbora 10 Cucurbita pepo 7 Quiabo 8 Abelmoschus esculentus 8 Maxixe 7 Cucumis anguria L 9 Pepino 6 Cucumis sativus

10 Fava 5 Vicia faba 11 Feijão Capoteiro 4 Família: Fabáceas 12 Macaxeira 4 Manihot esculenta 13 Tomatinho 3 Cyphomandra divaricata 14 Cana 2 Saccharum officinarum 15 Tomate 2 Lycopersicum esculentum 16 Algodão 1 Gossypium spp.

Como pode ser visto sobre a produção agrícola (Tabela 4), os itens: arroz, feijão e

milho, apresentaram maior número de menções, destacando-se, por isto, a importância destes

componentes na alimentação local. A produção desses grãos, basicamente, compõe o quadro

alimentar da população. Os grãos são usados em atividades de trocas e venda, a fim de

possibilitar novos rendimentos para aquisição de produtos que não são originados da

localidade. A Tabela 5 apresenta as espécies de peixes encontradas na localidade, citadas

pelos quilombolas.

Tabela 5 – Espécies de peixes encontrados no entorno do quilombo, 2009.

Item Pescado e Marisco/ espécies

Número de citações

Nome científico

1 Traíra 22 Hoplias malabaricus 2 Acará/cará 21 Geophagus brasiliensis 3 Curimatá 18 Prochilodus sp. 4 Cascudo 13 Família Loricariidae 5 Piaba 9 Axtianax sp. 6 Bodó 7 Liposarcus pardalis 7 Piau 7 Leporinus sp 8 Mandi 6 Pimelodus spp. 9 Piranha 5 Serrasalmus nattereri

10 João Duro 3 Coenotropus Labejinthians

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11 Peixe Sabão 3 Crenicichla cincta 12 Branquinha 2 Charex gibbosus 13 Jeju 2 Hoplerythrinus unitaeniatus 14 Carambanja 1 * 15 Joiaba 1 * 16 Lampreá 1 Petromyzon marinus 17 Niquim 1 Batrachoides surinamensis 18 Pintado 1 Pseudoplatystoma sp. 19 Surubim 1 Pseudoplatystoma corruscans

* Nome científico não identificado pela autora.

Os peixes citados (Tabela 5) nem sempre são encontrados no açude local, porém,

em recursos hídricos ao redor da comunidade. A população precisa se deslocar para poder

pescar, devido à escassez de recursos hídricos no local. O açude principal é de pequeno porte

e, em época de seca, seu volume diminui consideravelmente, ocasionando pequena produção

de peixes. Cabe ressaltar que, dentre as formas de uso do recurso hídrico, estão atividades de

banho, lazer, lavagem de vasilhas e roupas. Tais efeitos impactam a biodiversidade aquática.

Segundo relatos de alguns moradores, há um jacaré no açude, conhecido há alguns anos, e que

teria já se reproduzido. Não foi detectado se o mesmo foi introduzido, pois a comunidade não

soube dizer sobre o fenômeno. Somente alegaram que o réptil “veve lá”. Em campo, foi

observado o animal às 06:15 do dia. Sobre como é feita a pesca, a Tabela 6 traz dados a

respeito, demonstrando a forma simples da realização da pescaria. É de relevo também que a

captura dos peixes com a mão é constantemente feita, como no caso do cascudo-sete-léguas,

por exemplo.

Em julho, a equipe estava na casa de D. Meirinha, coletando depoimentos sobre

outros povoados da região, e esperando a chuva passar, já que havia equipamentos

fotográficos e audiovisuais. O neto de D. Meirinha, de 12 anos, acabava de chegar de uma

pescaria (captura com a mão), realizada em um recurso hídrico no entorno do quilombo. Ao

abrir o saco de linhagem, o garoto colocou cerca de duzentos peixes dentro de uma bacia de

plástico, os quais começaram a saltitar e se espalharam pela casa. Era peixe por todos os

lados, confundindo-se com o chão e o barro da casa e, entre eles, tinha um pequeno

caranguejo preto. Eles justificaram a presença do caranguejo devido à pescaria ter acontecido

em uma área parecida com um alagado, que não caracterizavam como mangue. Os peixes

foram recolhidos e guardados no quintal, para serem tratados e armazenados. Daí, passaram-

se uns 40 minutos e, de repente, no meio da rua, D. Meirinha olhou pela porta e disse: “oh,

quem tá ali!” Era um cascudo-sete-léguas que tinha se rastejado em média uns cinquenta

metros da bacia do quintal até onde se encontrava naquele momento. Segundo os moradores,

seu nome é devido a essa capacidade biológica de arrastar-se, como também de viver “um dia

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e uma noite fora da água... ou no barro escuro”. -------------------------------------------------------

- Tabela 6 - Como é realizada a pesca no quilombo, 2009.

Item Equipamentos Número de

citações 1 Anzol 5 2 Cureu 1

A Tabela 7, a seguir, apresenta as espécies de madeiras que compõem o conjunto

da biodiversidade, citadas e encontradas no quilombo. Como a área reconhecida do quilombo

apresenta uma dimensão territorial pequena (de 60 hectares), o número de espécies citadas

pelos quilombolas, bem como detectadas nas observações, foi considerado relevante, não

obstante a diminuição territorial da comunidade ter ocasionado perdas de espécies da

biodiversidade local. As antigas árvores da área central da comunidade ainda apresentam-se

como componentes da paisagem. Recorrendo à memória dos mais antigos, estas árvores

sempre estiveram no lugar onde estão, demonstrando, assim, a conservação dessas espécies.

Tabela 7 - Espécies de madeiras encontradas no quilombo, 2009.

Item Madeira Número de citações

Nome Científico

1 Mutamba 14 Guazuma ulmifolia Lam

2 Pau D'arco 12 Tecoma curialis

3 Tucum 8 Astrocaryum vulgare 4 Marfim 6 Agonandra brasiliensis

5 Embaúba 3 Cecropia pachystachya

6 Fava de Paca (favinha) 3 Stryphnodendron pulcherrimum

7 Cabelo de Cutia 2 Banara nítida

8 Capoeira 2 *

9 Caucú 2 * 10 Ingá 2 Ingá sp.

11 Juçara 2 Euterpe oleracea Mart.

12 Azeitona 1 Thymus villosus subsp. Villosus

13 Bacuri 1 Rheedia brasiliensis

14 Burra Leiteira 1 Sapium marmieri

15 Cumaru 1 Dipteryx odorata

16 Embileira 1 *

17 Embira Preta 1 Guatteria olivacea

18 Jurema 1 Chloroleucon SP 19 Laicre 1 *

20 Maçaranduba 1 Manilkara hubepi

21 Pajaúba 1 * 22 Pau da Folha Miíuda 1 *

23 Tamarindo 1 Tamarindus indica L * Nome científico não identificado pela autora.

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A Tabela 8 traz informações sobre a potencialidade relacionada aos animais vistos

na comunidade. O interessante seria implantar um programa de visitação e gastronomia,

composto por um cardápio étnico no qual poderiam ser servidos pratos à base de carnes das

criações de boi, porco e galinha, além de roteiros e travessias, passando por antigos caminhos

e trilhas que levavam a povoados, hoje, inexistentes, usando cavalos e jumentos. Esse tipo de

atividade poderia ser agregada a algum projeto nos moldes de APLs (Arranjo Produtivo

Local), e contaria também com produção artesanal, hortaliças orgânicas da Horta Coletiva,

plantas e ervas medicinais. As citações sobre papagaio e coelho referem-se aos animais de

estimação de D. Sofia. O seu coelho a acompanha sempre, como se fosse um cachorro.

Tabela 8 - Espécies animais encontradas no quilombo, 2009.

Item Animais Número de citações

Nome Científico

1 Galinha 18 Gallus sp. 2 Jumento 14 Equus asinus 3 Cachorro 7 Canis familiaris 4 Boi/Gado 5 Bos taurus 5 Gato 5 Felis domesticus 6 Cavalo 3 Equus caballus 7 Porco 3 Sus scrofa 8 Papagaio 2 Psitacus erithacus 9 Coelho 1 Orictolagus cuniculus

As hortaliças (Tabela 9) já são produzidas pelas mulheres no ”Projeto da Horta

Coletiva”. A horta conta, atualmente, com o trabalho de quinze mulheres. No início, este

projeto agregava vinte pessoas, mas algumas desistiram no decorrer do tempo. Toda a

produção dispensa agrotóxico no combate a pragas, segundo as mulheres quilombolas

responsáveis pelo o projeto, sendo considerada assim uma produção orgânica, embora não

haja certificação destes produtos. Entretanto, costumam usar técnicas alternativas no combate

a insetos, a exemplo do emprego de fumo e pimenta. Para que se possa dimensionar o ganho

desta atividade, pode-se citar que o preço de comercialização de um pé de alface equivale a

R$ 0,50 (cinquenta centavos de real). Segundo as mulheres, recebem, atualmente, cada uma,

entre R$ 80,00 (oitenta reais) e R$ 100,00 (cem reais), por final de semana, na feira de

produtos locais de Bacabal. Em relação ao transporte usado, elas fretam um veículo e dividem

as respectivas despesas.

Tabela 9 - Produção de hortaliças no quilombo, 2009.

Item Hortaliças Número de

citações Nome Científico

1 Alface 23 Lactuca sativa

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2 Cheiro Verde 22 Coriandrum sativum L 3 Cuxá/Vinagreira 14 Hibiscus sabdariffa L 4 Cebolinha 12 Allium fistolosum 5 Couve 12 Brassica oleracea L. 6 Cebola 10 Allium cepa 7 Quiabo 9 Abelmoschus esculentus

8 Pimenta de cheiro 8 Capsicum chinense

9 Beterraba 7 Beta vulgaris

10 Pimenta 6 Piper arboreum Aubl. 11 Tomatinho 6 Cyphomandra divaricata 12 Berinjela 5 Solanum melongena 13 Cenoura 5 Daucus carota 14 Pimenta ardosa 5 * 15 Abóbora 4 Cucurbita pepo 16 Coentro 4 Coriandrum sativum L 17 Pepino 4 Cucumis sativus 18 Pimentão 4 Capsicum annuum 19 Jiló 2 Solanum gilo Raddi 20 Maxixe 2 Cucumis anguria L 21 Pimenta Malagueta 2 Capsicum frutescens 22 Boldo 1 Peumus boldus 23 Capim Limão 1 Cymbopogon citratus 24 Tomate 2 Lycopersicum esculentum 25 Hortelãzinho 1 Mentha piperita 26 Pimenta de cheiro doce 1 Capsicum chinense 27 Pimentinha 1 Mollinedia elegans Tul.

* Nome científico não identificado pela autora.

As espécies citadas, na Tabela 10, são encontradas na localidade, não havendo

produção ou comercialização das mesmas. São usadas no consumo diário da comunidade,

principalmente por crianças, que as consomem o tempo todo, e sempre estão em cima de

alguma árvore as coletando. Essas frutas poderiam fazer parte do cardápio étnico-

gastronômico, servidas como sobremesa ou em pequenos lanches nos programas de visitação.

Tabela 10 - Produção de frutas no quilombo, 2009.

Item Frutas Número de citações

Nome Científico

1 Melancia 10 Citrullus lanatus 2 Melão 6 Cucumis melo 3 Banana 2 Musa paradisíaca 4 Ata 1 Annona squamosa L 5 Laranja 1 Citrus aurantium 6 Limão 1 Citrus limon 7 Manga 1 Mangifera indica

Ainda de acordo com o DSEA, que se refere ao tipo de moradia, existência de

banheiros e saneamento no território da comunidade, os resultados são apresentados nas

Figuras de 7 a 9.

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Figura 7 - Gráfico - Banheiros no domicilio, 2009.

24,4

75,6

Não

Sim, fora de casa

Quanto àa presença de banheiros nas moradias, 75,6% das casas têm banheiro fora

de casa, e 24,4% não têm banheiro. O banheiro é construído de talos, palhas de babaçu, cipós

e matérias-primas naturais (Figura 8), e, geralmente, é usado apenas para se urinar. Os

banheiros também são usados para tomar banho com a água armazenada em barris, baldes e

bacias, a partir da captação de água pela retirada com uma bomba d’água coletiva.

12,9

61,3

3,26,5

16,1

010203040506070

Índices (% )

1

Materiais

Figura 8 - Materiais usados na construção das casas e banheiros, 2009.

Talo de babaçu

Palha braba(babaçu)

Lona

Talo, palha debabaçu e madeira

Palha e talo debabaçu

Esses dados demonstram que: 61,3% das casas são construídas com a chamada

“palha braba do babaçu”, mais resistente, portanto, e usada tradicionalmente na cobertura dos

telhados das casas; 12,9 % empregam talos de babaçu, oriundos das folhas da palmeira, como

vigas de assentamento na construção da estruturas das paredes; 16,9% somam o uso da palha

”braba“ e dos talos de babaçu; 6,5% usam outros tipos de talo e madeira, mas continuam

empregando a palha de babaçu; 3,2% utilizam lona (apesar da equipe não ter detectado

nenhuma construção desse tipo durante a pesquisa.). Esse gráfico evidencia a importância do

uso do babaçu e do barro (Figura 9), no cotidiano da comunidade, e justifica por que os

ajustes de Sistemas Culturais acontecem em função das mudanças da paisagem e vice-versa.

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111

Antes dos processos da criação das “soltas“ e da diminuição das espécies nativas, a

palmeira não era tão difundida assim, pois segundo Pinheiro (2008, p.167): “com a

devastação da floresta primária para o estabelecimento da agricultura itinerante e de

pastagens, em décadas passadas, o babaçu emergiu como uma espécie dominante e mais do

que outras espécies da floresta secundária tem desempenhado tanto um papel ecológico

quanto econômico nas áreas onde ocorre” (p. 167).

Figura 9 - Saberes e fazeres do barro. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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112

Figura 10 - Saneamento básico, 2009.

2,4

95,2

2,4

Rio, lago, córrego,alagado

A céu aberto

Sentina

Em relação ao saneamento básico (Figura 10): 95,1% destinam seu esgoto a valas

a céu aberto, descartando-o sobre o solo; 2,4% despejam-no em rios, lagos ou córregos nas

proximidades das moradias; e 2,4% citaram a sentina como destino dos esgotos sanitários. De

acordo com esses dados, todo o esgoto produzido no local é destinado ao descarte in natura.

Isto pode ocasionar problemas de saúde pública, contaminar os lençóis de águas e o solo,

além de atrair insetos, como moscas, para próximo das casas. Em complementação a esse

quadro, é apresentada a Figura 11, que traz dados sobre a coleta de resíduos no local.

Figura 11 – Coleta de resíduos, 2009.

19,5

12,214,6

12,2

17,1

4,9

19,5

0

5

10

15

20

25

Coleta

Índi

ces

(%)

Joga no mato, àsvezes queimaJoga no buraco

Joga no buraco, àsvezes queimaJoga no mato

Joga no quintal

Queima no terreno

Queima no buraco

Quanto à coleta de resíduos sólidos, como mostra a Figura 11, observou-se que:

19,5% jogam o resíduo no buraco; 19,5% jogam no mato e às vezes queimam; 17,1%

queimam no terreno; 14,6% jogam no mato; 12,2% jogam no mato somente; e 4,9% queimam

no buraco. Destaca-se, ainda, que o “buraco”, citado pelos moradores, diz respeito ao espaço

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aberto pela retirada de barro para a construção das moradias. Nesse aspecto, pode-se dizer que

os que jogam o resíduo no buraco, adaptaram o espaço e desenvolveram, mais uma vez, uma

técnica de manejo ambiental. Atividades de Educação Ambiental e solicitação de medidas de

coleta na localidade seriam interessantes e contribuiriam para a conservação da biodiversidade

local e para o incremento de renda das famílias, visto que os resíduos de plástico, como

garrafas PET, poderiam ser utilizados na produção e na comercialização de peças artesanais.

Foi verificado que os resíduos orgânicos são destinados à alimentação das “criações”. A

Figura 12 apresenta os meios de comunicação utilizados no quilombo.

Figura 12 - Meios de comunicação utilizados no quilombo, 2009.

13,3

27,3

0,8

5,4

13,3

1,6

20,3

12,5

3,90,8 0,8

0

5

10

15

20

25

30

Meios de comunicação

Índi

ces

(%)

Rádio

TV

Internet

Jornal impresso

Revista

Livros didáticos

Telefone público

Telefone móvel

DVD

Cartas

Nenhum

Os moradores foram perguntados quanto aos meios de acesso à comunicação no

quilombo (Figura 12), obtendo-se como resposta: 27,3% utilizam a televisão; 20,3%, telefone

público; 13,3%, rádio e outros; 13,3%, revistas; 12,5%, telefone móvel; 5,4%, jornal

impresso; e os demais, por DVDs, cartas, livros didáticos e internet. Como o somatório de

meios impressos totalizou quase 20% do universo das respostas, seria interessante a criação

de uma publicação que fosse destinada a fornecer informações sobre políticas quilombolas,

sobre outras comunidades e outros projetos de desenvolvimento de base local em outros

locais, dentre outras informações.

Com relação às doenças mais comuns encontradas na comunidade, os tratamentos

usados na cura das mesmas, e o modo de emprego de plantas medicinais, originaram a Tabela

11, que ainda apresenta vários tipos de chás, lambedores e simpatias usadas no quilombo.

De acordo com os resultados mostrados na tabela, as doenças citadas são

aquelas que apresentam a necessidade de serem tratadas especificamente a partir de

diagnósticos médicos em hospitais. Foi verificado que a questão do acesso ao município de

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Bacabal facilita o tratamento de doenças, através de técnicas convencionais urbanas, mas que,

ainda assim, as “feituras de cura” advindas de conhecimentos tradicionais que empregam

plantas medicinais, rezas e “benzeções”, ainda são muito usados pelos quilombolas, na forma

herdada dos “antigos”, em cuja época, segundo a oralidade, “não tinha estrada, era só um

caminho e nesse, nem batia sol”.

Tabela 11 - Doenças e plantas medicinais usadas nos tratamentos no quilombo, 2009.

Doenças Número de

citações Medicamentos /

Plantas utilizadas

Febre 33

Acerola Acesão

Alho e Limão Ambrassinto

Ambrassinto, anador, hortelã Anador, vick, cibalena Arruda, quebra pedra

Cabôco Camapú

Chumbinho Esturaque Eucalipto

Eucalipto, alho Fedegoso

Folha de amêndoa, afavaca Hortelãzinho, malva do reino

Limão, laranja Pimenta conga

Quina Santa Maria

Gripe

21

Acerola Algodão com hortelãzinho

Boldo Capim limão

Caroço de Urucum Catinga de Bode

Cebola Cebolinha Cidreira Cupim

Entrecasca de manga Esturaque Fedegoso

Folha de manga, limão, hortelãzinho

Gengibre Hortelã e Malva do Reino

Hortelã, alho Hortelãzinho

Laranja, limão Limão, alho, hortelã Malva e hortelãzinho

Titoco

Dor de Cabeça 14 Aguardente

Barataia

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Chanana Coronha

Cravinho com álcool Folha anador

Folha de Eucalipto Jardineira

Pião/Peão Roxo Remédio de farmácia

Pneumonia 8

Capim santo Castanha

Crioli/criuli Cupim

Feijão branco Mastruz com gervão

Mel de abelha Tentem Urucum

Dor de Barriga

7

Aguardente Araruta

Boldo, limão, ambrassinto Casca de laranja

Erva cidreira Folha de cabôco

Folha de goiaba, ata, mamão Gervão Mastruz

Paracetamol Peão Roxo

Remédio de farmácia Titoco

Pressão alta 7

Alface amargando Cana giana

Chuchu Cidreira com maracujá

Erva cidreira Folha de azeitona

Folha de tanja com camomila Remédio de farmácia

Diabetes 4 Mastruz

Remédio de Farmácia Dor no

joelho/Reumatismo 4

Compressa de água quente com sal Remédio de farmácia

Anemia 2 *

Barriga Inchada 2 Eparema

Folha e casca de ata

Cansaço no peito 2 Alho, cebola e boldo

Cirrose 2 Hospital Dengue 2 Hospital

Diarréia 2 Feijão branco Hortelãzinho

Piluiti (Sapinho) 2 * Quebrante 2 Benzedor

Tosse 2 Folha de manga Limão com alho

Tuberculose 1 Hospital * Informação não obtida.

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Diante disso, é necessário lembrar que a tão citada ”Doença de menino”, muito

citada, foi descrita como alguma coisa no “pé da barriga” (levando-nos a imaginar que fosse

algum tipo de verminose). O tratamento desta doença é muito voltado aos rituais de cura da

Pajelança: a criança precisa ser tratada com leite e gergelim (pronunciado como “zezelin”),

benzeção, banho de aguardente (um remédio vendido em farmácias formais no Maranhão), o

uso de uma pulseira feita com o couro do guaxinim (espécie de pequeno mamífero encontrado

na localidade) nos pulsos e na canela, a troca da “cumieira” (cumeeira, esteio de suporte

central da casa de barro, indo do chão ao teto) e a troca de lugar da porta principal da casa.

Segundo os moradores, caso o “pau da casa” não seja trocado, e a mudança da morada não

aconteça, todas as outras crianças serão acometidas pela doença (Figura 13 e 14).

Figura 13 - Criança com Doença de Menino e Couro de Guaxinim. Foto: Gabriela Barros Rodrigues, 2009.

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Figura 14 - Mutirão de troca da “Cumieira” da casa por causa da doença. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

Tais relações, apresentadas na tabela, representam conhecimentos que agregam o

cultural e o biológico, trazendo, deste modo, um conjunto de significados para a paisagem,

dando a esta um movimento. A “Doença de menino”, como modelo, é tratada com uma

combinação de elementos naturais, tanto vegetais quanto animais. As citações relacionadas ao

uso da “batata de purga”, como um laxante, e o uso da “cebola berrante”, para doenças

pulmonares, o “zezelin” e a pimenta do reino, foram bastante repetidas no momento da coleta.

É valido dizer que, no mês de dezembro, foi presenciado um parto na comunidade. Na

ocasião, D. Sofia, a parteira, serviu “ovo com pimenta do reino” à gestante, pouco antes da

retirada do bebê. O ovo morno provocou vômitos na mãe, a qual, imediatamente após a sua

ingestão, deu à luz a criança. Após o nascimento, as mulheres quilombolas que estavam no

quarto levantaram e seguraram a mãe, deixando-a de pé por alguns minutos, a fim de excretar

o resíduo de sua placenta. As gestantes da comunidade local costumam, na hora do parto,

principalmente na primeira gravidez, serem atendidas por D. Sofia, dispensando o

atendimento hospitalar.

A pesquisa também se preocupou em levantar a alimentação da população local

nas últimas vinte e quatro horas antes da aplicação do questionário. A pergunta teve como

objetivo entender a base nutricional alimentar da população, verificar os alimentos que eram

produzidos somente para a subsistência e aqueles produtos que eram obtidos em mercados

externos. Este resultado segue apresentado na Tabela 12. Como pôde ser detectado, o

consumo de grãos, como arroz e feijão, foi predominante. A produção desses alimentos

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(apesar de muitos citarem uma redução nos últimos tempos) ainda é feita em pequenas

plantações anuais pelas famílias. Cada um “coloca a sua roça”, colhe, beneficia e armazena

para ser consumido ao longo do ano.

Tabela 12 - Alimentos consumidos nas últimas 24 horas no quilombo, 2009.

Item Alimento Número de citações

1 Feijão 21 2 Arroz Puro 20

3 Café Puro 18

4 Cuxá 12

5 Biscoito/bolacha 10

6 Carne de Boi/Gado 10

7 Arroz com feijão 9

8 Café com biscoito 6

9 Cuzcuz de milho 6

10 Peixe 6 11 Café com farinha 5

12 Ovo frito 4

13 Arroz com abóbora 3

14 Arroz com cuxá 3

15 Canjica 3

16 Carne de Boi/Gado Frita 3

17 Farinha 3

18 Peixe cozido 3

19 Peixe frito 3

20 Cascudo 2

21 Cuzcuz de arroz 2

22 Leite em Pó 2

23 Ovo 2

24 Salada de alface 2

25 Vinagreira 2

26 Abóbora com maxixe 1

27 Abóbora com quiabo 1

28 Arroz com Café 1

29 Arroz com Carne 1

30 Arroz com galinha 1

31 Arroz com molho de tomate, cebola e pimentão e cheiro verde cru

1

32 Baião de dois 1

33 Beiju 1

34 Bolo de trigo 1

35 Café com Angu de Milho 1

36 Café com Leite e Bolo 1

37 Carne de porco 1

38 Carne de porco assado 1

39 Chá 1

40 Cuxá com ovo frito 1

41 Cuxá com quiabo 1

42 Farinha com Ovo 1

43 Galinha 1

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44 Leite 1

45 Leite com Bolacha 1

46 Leite de Gado 1

47 Mingau de trigo 1

48 Não respondeu 1

49 Ossada 1

50 Pão 1

51 Quibebe 1

52 Sardinha 1

53 Tomate 1

Durante a pesquisa, foi observado um pequeno consumo de verduras e legumes na

localidade, mesmo havendo um cultivo variado de produtos da Horta Coletiva. Somente a

folha de vinagreira foi destacada por causa da produção do Cuxá, que, todos os dias, serve de

acompanhamento nas refeições principais. O consumo de peixes foi citado, porém, em menor

quantidade do que o esperado, cabendo ressaltar que, no quilombo de Catucá, existe um açude

que, em épocas de seca, tem seu volume expressivamente reduzido. Portanto, para

consumirem peixes, os moradores precisam pescar em outros recursos hídricos localizados no

entorno da comunidade, tratá-los e armazená-los para o consumo durante um maior período

de tempo. A Figura 15 mostra a captura do cascudo-sete-léguas e o episódio da fuga dos

mesmos na casa de D. Meirinha, no mês de julho em 2009.

Figura 15 - “Cascudo-sete-léguas”. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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Os mapas mentais, construídos durante a pesquisa, foram extraídos de oficinas

comunitárias que tiveram vários formatos diferenciados, devido ao perfil do grupo em

questão. Os mapas foram feitos através de oficinas de desenhos, entrevistas, oficina de

imagens fotográficas e tarefas de uma gincana ambiental. Nesta última, quilombolas foram

agrupados e tinham dois dias para levantarem a resposta da pergunta central do envelope.

Esses resultados foram compilados em tabelas e, ao serem cruzados com os dados

quantitativos, mostraram a percepção e o imaginário local da comunidade em questão,

gerando um conjunto de dados que apresentam a paisagem local, segundo os mesmos. As

Tabelas de 13 a 20 ilustram a afirmação.

O primeiro mapa mental, denominado de “animais de pêlo” (Tabela 12),

apresentou tais dados.

Tabela 13 - Animais de pêlo encontrados no quilombo, 2009.

Item Espécie Época do Ano

Onde são vistos Nome Científico

1 Anta * * Tapirus terrestris 2 Cutia * * Dasyprocta azarae 3 Guaxinim/ cachorro do mato * * Procyon cancryvorus 4 Macaco * * Família Cebidae 5 Onça pintada 1975 No mato

Nas roças Nas soltas

Panthera onça

6 Preguiça Carneira * * Choloepus didactilus 7 Tigre * * Panthera tigris 8 Veado foboca * * Mazama gouazoubira

O fato da área, pertencente à comunidade, totalizar 63 (sessenta e três) hectares e

sofrer impactos relacionados à transformação da paisagem com as “soltas” (área com

vegetação primária ou secundária dizimada por fazendeiros da região, para a utilização como

pasto), ao ser complementada com os dados acima, apresentou um pequeno conjunto de

mamíferos. A citação do tigre, por exemplo, pode ser analisada como parte do imaginário

referente a uma espécie de grande “gato do mato“, ou também pode estar relacionada com

processos de alfabetização escolar, em cujo momento de aprendizado da letra T, o tigre é

usado como símbolo de fonética e gramática. O desaparecimento da onça, em 35 anos, refletiu

os impactos dos processos de retirada de cobertura vegetal e as mudanças na cadeia alimentar

da espécie no quilombo e seus arredores. Segundo a população local, a “preguiça-carneira”

não é mais vista na localidade, apenas a “preguiça-chuí”, como ilustra a Figura 16. E sobre os

depoimentos coletados acerca da diminuição das espécies de “animais de pêlo”, em Catucá, o

Sr. Otomil Moraes de Sousa (2009) diz que: “Acabou o mato, o fazendeiro comprou tudo, o

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dono da terra vendeu para os fazendeiros e escurraçaram os bichos; foram embora, roçaram

tudo e plantaram capim. A pessoas que moram nesses povoados precisam de terra para

trabalhar e o fazendeiro não tem dó dos pobres”.

Figura 16 – Preguiça-chuí, encontrada em Catucá , 2009.

Em relação à “preguiça-chuí”, a equipe estava em campo quando a mesma

apareceu no “brejo” e foi capturada por três pequenos jovens (em média doze anos). O animal

estava em uma árvore, no quintal da casa de uma delas. As crianças atiraram paus na mesma

até que ela caiu. Nesse momento, foi colocado um bambu para que o animal se agarrasse.

Depois disso, a preguiça foi levada, pelos membros da equipe, ao quintal de outra casa, para

que fosse devolvida ao brejo. Ao conduzi-la pela comunidade, todos saíram à porta para ver a

“preguiça”. As crianças se juntaram aos membros da pesquisa e, em cortejo, foram indo atrás

do grupo. Várias pessoas comentaram como ela deveria ser “gostosa, cozida no leite de coco

de babaçu”. O fato motivou comentários sobre as técnicas de preparo da caça e ainda trouxe

requintes gastronômicos, ao serem citados os ingredientes da “receita”. A preguiça foi

devolvida a um pé de embaúba, enquanto várias formas de preparo continuaram sendo citadas

pelos membros da comunidade. E, ao falarem sobre o episódio, citaram como a carne do

animal é uma “especiaria” e que todas as partes são aproveitadas, sendo que a cabeça e os

olhos são as partes especiais da caça. Como depoimento relacionado às carnes exóticas,

Raimundinha diz: “A gente como aqui inté camaleão e cobra eu me lembro que comi inté

cascavel, com um arroz branquinho...”.

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A Tabela 14 procurou levantar sobre os “animais de casco” da localidade.

Tabela 14 - “Animais de casco”, 2009.

Item Espécie Época do Ano Onde são vistos Número de citações

Nome Científico

1 Jabuti 1º trovão de janeiro (tem que bater no

buraco para saber se é jabuti ou cobra)

Na mata/no buraco 3 Geochelone carbonaria

2 Peba Dezembro a janeiro No buraco 3 Euphractus sexcinctus

3 Tartaruga Dezembro a janeiro No mar 3 Famílias: Cheloniidae e Dermochelyidae

4 Capininga Em janeiro Dentro da água/ no lago

2 Podocnemis unifilis

5 Jacaré No verão (só choca com os olhos)

Na mata 2 Caiman crocodilus

6 Tatu Dezembro a janeiro No buraco 2 Tolipeutes matacus

Os levantamentos sobre os “animais de casco” (Tabela 14) e “animais de bico”

(Tabela 15) apresentaram um conjunto pequeno sobre as espécies que ainda são encontradas

na localidade. Porém, como no trabalho de Costa Neto (2000), esse quadro oportunizou a

coleção de frases dos conhecimentos locais relacionadas ao comportamento biológico das

espécies de jabuti e jacaré e, traz um conjunto de significados perceptivos que integra

componentes do sistema natural como a chuva, o trovão e a data de ocorrência. Segundo

depoimento de D. Maria Miranda Mãe: “Antigamente fazia era chiqueiro de jabuti, hoje não

tem mais. Onde tem catitu tem onça, no meu tempo meu pai contava; agora os pais não

distrincha mais com os filhos que querem ouvir. A sequidão acaba com tudo, vai ficando só o

campo e não chove mais nos campos, só chove na mata, onde tem pau tem chuva”... “Não tem

mato, como é que vai acumular bicho?”

Tabela 15 - “Animais de bico”, 2009.

Item Espécie Época do Ano Onde são vistos Número

de citações Nome Científico

1 Galinha Durante o ano todo Quintais, terreiros,

vários lugares 1 Gallus spp.

2 Papagaio Todos os anos Nos (ocos) troncos de palmeira de coco

babaçu 1 Psitacus erithacus

3 Pica-pau Todos os anos Nas ruas, bicando

árvores 1 Picumnus spp.

4 Socó Durante o ano todo Açudes, lagos e

lagoas 1 Nycticorax nycticorax

5 Tucano Até ano passado 2008 Brejo 1 Ramphastus tucanus

A Tabela 16, “animais de couro” ao ser levantado apresentou a configuração descrita

abaixo.

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Tabela 16 – “Animais de couro”, 2009.

Item Espécie Época do Ano Onde são vistos Número

de citações Nome Científico

1 Boi O tempo todo Nas soltas, nos currais passando “no meio” do

povoado

1 Bos taurus

2 Cobras Julho a agosto Em redor das casas/na beira dos lagos

1 Família: Colubridae

3 Cutia Outono Nos matos fechados e em volta da comunidade

1 Dasyprocta azarae

4 Jacaré O tempo todo Nos lagos e açude 1 Caiman sp.

5 Pacas Outono Nos matos fechados e em volta da comunidade

1 Agouti paca

6 Veados Outono Nos matos fechados e em volta da comunidade

1 Mazama spp.

O quadro trouxe, como repetição, o veado, o boi e o jacaré, refletindo que, para

essa população tradicional, o conjunto de símbolos naturais, que integra uma paisagem, não

apresenta estratificações ou categorizações. E, quanto à percepção do comportamento

biológico das cobras, houve destaque à estação do ano e local de incidência. No caso da cutia,

mais uma vez, a importância do fragmento vegetal conservado é citada como causa de

permanência das espécies. A Tabela 17 traz as espécies das árvores citadas.

Tabela 17 – Grandes árvores, 2009.

Item Espécie Idade Tamanho Número de

citações Nome Científico

1 Atraqueira 75 anos 30m 1 * 2 Barriguda 50 anos 20m 1 Chorisia glaziovii 3 Mangueira 20 anos 25m 1 Mangifera indica L 4 Marmorona 40 anos 15m 1 * 5 Sapucaia 90 anos 35m 1 Lecythis pisonis

* Nome científico não identificado pela autora.

A paisagem desse quilombo conta com a conservação das antigas grandes árvores,

as quais estão distribuídas ao longo do “caminho central”, em Catucá. E, na oralidade dos

entrevistados, as árvores sempre foram citadas para explicitar algum fato, de forma a utilizar a

presença e a idade das mesmas como um marco histórico. Por exemplo, “ali ainda tinha uma

Atraqueira quando isso aconteceu” ou “naquele pé de Barriguda no açude”, “o caminho

passava pela a Sapucaia“, mostrando que a identificação com as árvores traz uma perspectiva

de mudanças na paisagem. A Tabela 18 mostra as correlações entre calendário lunar e

plantações. Em depoimento audiovisual, foram citadas correlações das fases lunares com a

“feitura” de remédios caseiros.

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124

Tabela 18 – Calendário lunar e plantações, 2009.

O que planta Época do Ano O que come Quando come Arroz Feijão

Arroz, milho, maniva

Lua crescente (dezembro a janeiro)

Dezembro e maio (1 ano e 6 meses de colheita) Farinha

Frango Carne vermelha

Maniva de macaxeira Maniva de macaxeira

Lua crescente (dezembro a janeiro)

Dezembro e maio (1 ano e 6 meses de colheita) Peixe

Feijão, abóbora, melancia, pepino

Lua crescente (dezembro a janeiro)

Frutas comuns: bananas, laranjas e

outros

Arroz – 120 dias Mandioca – 180 dias

Feijão – 60 dias Milho – 90 dias

Essa pesquisa se propôs fazer um recorte numa determinada paisagem e considerar

itens que, ao serem somados, formam um conjunto que refletir o funcionamento cotidiano

desse cenário. Nessa questão, foram considerados fatores sociais, econômicos, físicos e

biológicos, visando a montagem dessa fotografia. Ao fazer o levantamento das espécies de

plantas e animais, que compõem esse quadro (presença e ausência de espécies), as

considerações foram pautadas sobre o que os próprios quilombolas disseram. Diante disso, as

Tabelas 18 e 19 trazem o resgate da memória de várias pessoas sobre a paisagem. Sendo fato,

por exemplo, que, na memória de alguns (Tabela 19), o catitu já não existe mais, mas, na de

outra pessoa, sim. Ele ainda existe e é visto. No caso da Atraca (Tabela 20), por exemplo,

para alguns, ainda está presente na paisagem, para outros, não.

Tabela 19 - Ausência e presença de espécies animais no quilombo, 2009.

Quantidade Animais

Antes Ainda tem Não mais Anta 1 * *

Anum * 1 * Aurú 1 * *

Bem-te-vi * 1 * Bode 3 1 1

Boi/Gado 3 9 * Cachorro 1 4 * Camaleão 1 1 * Capelão * * 1 Capivara 5 5 2 Capote 3 * 1 Carão * * 1

Carneiro 4 * 2 Catipurú * * 1

Catitu 5 1 2 Cavalo 3 2 * Cobra 1 1 *

Cobra cascavel 2 4 * Cobra cipó 1 * *

Cobra jararaca 1 * * Cobra papa ovo 1 * *

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Cobra sucuruiú 1 * * Coelho 1 1 * Curió * 1 1 Cutia 8 6 1

Formiga * 1 * Galinha 2 4 1

Galo 1 1 * Garça * 2 *

Gato Maracajá 1 * 1 Gavião * 1 * Graúna * 1 * Guandu * * 1

Guaxinim * 1 * Inhuma * 1 * Jabuti 2 * 3 Jaçanã * 1 * Jacaré * 1 *

Japecanga 1 1 * Jararaca * 2 * Jumento 3 7 *

Juriti 1 1 * Macaco 3 2 1

Macaco 4 olhos 1 * * Macaco capelão 1 * * Macaco prego 1 * * Macaco preto 1 * *

Manguari * * 1 Marreca * 1 * Mucura 3 2 * Mussum * 1 * Mutum * * 4 Nambu 3 4 *

Nambu chorona * * 1 Nambu do pé com a pá * * 1

Nambu do pé roxo * * 1 Nambu preta * * 1

Onça 6 2 2 Paca 8 10 1

Papa ova * 1 * Pardal * 1 * Pato 1 2 * Peba 6 7 *

Periquito * 1 * Peru * * 1

Pipira * 2 * Pombo 1 * 1 Porco 1 6 1

Porco espinho 2 * * Preguiça 2 6 *

Preguiça carneiro 1 * * Preguiça chuí 2 * *

Quati * * 2 Quatipuru 2 1 *

Raposa 1 1 * Rolinha * 2 *

Sapo * 1 * Siricora * 1 2

Socó * 2 1 Socó birro * 1 * Socó boi * 1 *

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Sucuruiú * 1 * Tamanduá * * 1

Tatu 13 15 1 Tucano * 1 *

Tuturubá 1 * * Uru 1 * * Vaca 1 * *

Veado 5 7 * Veado capoeiro 9 5 2 Veado galheiro 1 * * Veado mateiro 1 1 * Veado sutinga * 2 *

Xexéu * 1 1 * Não foi citado.

Tabela 20 - Ausência e presença de espécies de plantas ao longo do tempo de uso da paisagem, 2009.

Quantidade

Plantas Antes

Ainda tem

Não mais

Nome científico Família

Acerola * 3 * Malpighia emarginata DC

Malpighiaceae Algodão 1 * * Gossypium herbaceum L. Malvaceae

Ambrassinto 1 1 * ** ** Ameju 2 2 1 ** **

Andiroba 1 1 * Carapa guianensis Aubl Meliaceae Angico 1 * * ** **

Aroeira * * 1 Myracrodruon urundeuva

Allemao Anacardiaceae

Arroz 2 1 * Oryza sp Poaceae Ata 1 2 * Annona squamosa L. Annonaceae

Atraca 2 1 1 Ficus dendrocida H. B. K. Moraceae Azeitona 1 9 1 ** ** Bacaba 2 3 Oenocarpus bacaba Mart Arecaceae Bacuri 2 2 1 Platonia insignis Mart. Clusiaceae Banana 1 2 * Musa sp. Musaceae

Boa noite * * 1 ** ** Boldo * 1 * Plectranthus barbatus Andr Lamiaceae Buriti 1 1 * Mauritia flexuoxa L. Arecaceae Cacau 2 2 * Theobroma cacao L. Sterculiaceae Cajá 1 2 * Spondias mombin L. Anacardiaceae Caju 3 5 1 Anacardium occidentale L. Anacardiaceae

Capim limão 1 1 Cymbopogon citratus (DC.) Stapf Poaceae Carambola 1 4 1 Avehrrhoa carambola L. Oxalidaceae Catinga de

bode 1 * * Ageratum conyzoides L. Asteraceae

Cedro 1 * * ** ** Crioli/criuli 1 * * Mouriri acutiflora Naudin Melastomataceae Chumbinho * 1 * Lantana camara L. Verbenaceae Erva cidreira 1 1 * Melissa officinalis L. Lamiaceae

Esturaque 2 2 * Styrax sp. Styracaceae

Feijão 1 1 * Phaseolus vulgaris

L. Fabaceae

Goiaba 1 6 * Psidium guajava L. Myrtaceae

Graviola 2 * 2 Annona muricata

L. Annonaceae

Hortelã 1 * * ** ** Ingá * 1 * ** ** Jaca 1 2 1 Artocarpus integrifolia L. Moraceae

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Jacinto 1 * 1 ** ** Jambo * 1 * ** **

Janaúba 1 * * Himatanthus

sucuuba (Spruce) Wood. Apocynaceae

Jardineira 2 2 * Alpinia nutans Roscoe Zingiberaceae Jatobá 1 * 2 Hymenaea sp. Leguminosae

Jenipapo 1 1 1 ** ** Juçara 3 2 * Euterpe oleracea Mart. Arecaceae

Laranja 3 5 1 Citrus sinensis L. Rutaceae Lima 2 3 * Citrus sp. Rutaceae

Limão 1 1 1 ** ** Maçaranduba 1 * * ** **

Macaúba 2 1 * ** ** Mamona 1 1 * Ricinus communis L. Euphorbiaceae Mandioca 2 2 * Manihot esculenta Crantz Euforbiaceae

Manga 4 11 * Mangifera indica L Anacardiaceae Maracujá * 1 * Passiflora edulis F. Flavicarpa Passifloraceae Marajá * 1 * Bactris maraja Mart. Arecaceae

Mastruz 1 1 * Chenopodium

ambrosioides L Chenopodiaceae

Milho 2 1 * ** **

Oiti 1 3 1 Licania tomentosa (Benth.)

Fritsch Chrysobalanaceae

Pé de Cacete 1 1 * ** **

Pitomba 1 1 * Talisia esculenta (A. St.-Hil.)

Radlk. Sapindaceae

Raiz dos olhos

1 * 1 ** **

Samambaia 1 * ** ** Santa Maria 1 * 1 ** ** São Manoel 1 * 1 ** **

Sapucaia 1 1 * Lecythis pisonis Camb. Lecythidaceae Tamarindo 1 * Tamarindus indica L. Fabaceae Tangerina 1 * 1 ** **

Tanja * 3 1 Citrus nobilis Lour Rutaceae Tarimã * 1 * ** **

Tipi 1 * 1 Petiveria alliacea L. Phytolacaceae Titoco * 1 * ** **

Tutumbá * * 1 ** ** Tuturubá * * 4 Pouteria sp Sapotaceae

Uva 1 * 1 Vitis sp. Vitaceae Não soube Responder

* 1 * --- ---

* Não citado. ** Não identificado pela autora. As espécies de madeira usadas na “feitura” dos tambores tocados na manifestação

cultural religiosa do Terecô (Figura 18), para alguns antigos, vêm sendo menos encontradas

na paisagem local, com o passar dos anos. Segundo tais pessoas, o conjunto dos três tambores

exige madeiras específicas e um “bom couro de boi ou de veado”, para que cumpram a sua

função de “agradar” os encantados. O pau-d’arco roxo foi uma das espécies citadas nesse caso

(vide depoimento audiovisual), sendo uma das espécies ainda encontradas na comunidade no

DSEA. E, conforme o Sr. Domingos: “quem tem tambor bom, não quer vender... porque faz é

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séculos...”. Comenta sobre a durabilidade da madeira. A Figura 18 mostra os tambores sendo

afiados na fogueira.

Figura 17 - Manifestação Cultural do Terecô. Foto: Breno Farhat, 2009.

Figura 18 – Esquentando os tambores. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

Sobre o cotidiano de manifestações culturais realizadas no quilombo, segue a

Tabela 20. A manifestação do Terecô, especialmente, é realizada em duas datas específicas. A

primeira festa é realizada na noite de doze para treze de junho e tem duração de dois dias.

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Tem como ritual o canto e a dança em devoção aos encantados. A comunidade se refere à

manifestação como sendo a Umbanda. Os cânticos são cantados em idioma Português e, como

instrumentos, são tocados essencialmente dois tambores e um tarol. O ritmo é frenético, e os

dançantes giram em círculo ao redor da tenda e, ao mesmo tempo, cada um em seu próprio

eixo individual.

Já a festa de outubro, tem início no dia vinte e oito do mês e termina em dois de

novembro, “Dia de Finados”. Nessa data, são recebidos vários outros grupos de outras tendas

de toda a região de Bacabal. O período é marcado pela manifestação de reverência à entidade

Mãe D’água, além da entrada das crianças vestidas de indígenas, da procissão pelo o

quilombo e do almoço final no dia do feriado. Nessa manifestação, também foi introduzido

um instrumento de sopro durante o Terecô, que não parou de tocar durante todos os dias e

noites (cinco dias). A festa tem D. Sofia como “Mãe de Santo”, responsável pela tenda. Toda

a sua família trabalha e participa da festa, bem como toda a comunidade. A organização fica a

cargo de filhos, netos e sobrinhos. Com relação à “gira”, foram detectados poucos na

comunidade que não dançam. A festa conta com uma grande produção de alimentos, sendo

servidas aos grupos visitantes três refeições diárias: café da manhã, almoço e janta, além de

lanches durante o dia. Carnes de boi, porco e frango fazem parte do cardápio tradicional.

Tabela 21 - Calendário de festas e manifestações locais no quilombo, 2009.

Qual é a festa? Dia/mês da festa Como é Trajes/roupas Umbanda 18 a 20 de fevereiro Uma noite e um dia Africanas Umbanda 18 a 20 de abril Uma noite e um dia Aficanas

Festa dançante (reggae) 29 de maio Uma noite Calça, saia, bermudas

Umbanda 11 a 13 de junho (Santo

Antonio) 2 noites e 1 dia Africanas

Umbanda 30/10 a 02/11 (Nossa

Senhora da Conceição) 4 noites e 3 dias Africanas

Festa dançante (reggae) 07 de dezembro 1 noite e 1 dia Calça, bermuda, saia A fim de complementar o cenário representado através do mapa mental

(desenvolvido e escolhido pela a comunidade em questão), a Tabela 20 traz informações

sobre as festas e visitações da localidade. Os levantamentos em campo mencionam a

manifestação de 29 de Maio, em comemoração ao “Mês de Maria”, a Festa de Umbanda

(Terecô), realizada em 13 de junho, em homenagem a Santo Antônio, e a outra realização de

Terecô em 28 de outubro (como já citado).

A festa em comemoração a Nossa Senhora da Conceição apresenta um ritual

composto por novena, festa dançante de reggae e forró, “domingo alegre” (continuação da

apresentação da radiola de reggae), procissão e missa de encerramento. Nessa, também é

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servido almoço para todos os times de futebol. Como na outra manifestação, as carnes de bois

e porcos são os pratos principais. Na realização da festa, em dezembro de 2009, foi solicitado

à equipe disponibilizar o carro e acompanhar alguns membros da comunidade, a fim de buscar

as carnes de “um boi” que tinha sido doado ao Sr. Eurico Miranda, em uma fazenda da região.

Mas os pesquisadores pensavam que seria em um açougue ou matadouro. Ao chegarem à

fazenda, distante cerca de 30 (trinta) quilômetros do quilombo de Catucá, surpreenderam-se: o

boi ainda estava vivo, seria executado e partido ali naquele momento. Em menos de uma hora,

o animal já estava morto, sem couro e completamente destrinchado em partes principais para

ser transportado. Um dos responsáveis pela ação foi o Sr. Nenen, proprietário de um ex-

povoado ocupado por negros vizinho da comunidade de Catucá, denominado de Canduba

(referido senhor vive no local, atualmente, com sua esposa D. Vilma, sua filha Edna e seu

neto). Ao retornarem com as carnes, um grande mutirão de mulheres já ocupavam a cozinha.

Foram contabilizados aproximadamente quinze fogareiros de barro para preparo das refeições,

e o animal morto, pesava em torno de 110 kg.

Figura 19 – Gráfico de interconexões emrelação aos fatores de impactos, 2009.

1,73,3

8,2

35

1,7 1,7

6,7

1,7

10

23,2

1,7 1,7 1,7 1,7

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Fatores de impacto

Índ

ices

(%

)

Assoreamento dos rios

Aumento da população

Caça

Desmatamento

Falta de cuidado das pessoas

Falta de respeito com a natureza

Queimada

Rebeldia do jovem

Roça aberta

Solta

Tempo

Venda de animais

Violência/bebedeira

Não respondeu

A Figura 19, acima, apresenta que: 35% da população acreditam que o

desmatamento é um grande fator de impacto na paisagem e causa, essencialmente, a sua

transformação; 23,2% citam a “solta”; 10,0%, a “roça aberta”; 8,2%, a caça; 6,7%, as

queimadas. Os restantes citaram: assoreamento dos rios, violência, rebeldia dos jovens, falta

de cuidado das pessoas, o tempo, a venda de animais e a falta de respeito com a natureza. A

maior porcentagem de impactos citados está relacionada aos impactos negativos das “soltas”,

totalizando, em média, 65% das opiniões. E, embora 8,3% das respostas indicassem a caça

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como um dos fatores de impacto, a população quilombola não acredita que a sua permanência

ali ao longo do tempo, com todo o seu Sistema Cultural extrativista de caça, pesca, colheita,

produção agrícola, entre outros, cause tanto impacto à natureza.

O “banco referencial de cultura”, por sua vez, conta, atualmente, com vinte e seis

horas de filme bruto, cerca de mil fotografias, e um ensaio de exposição fotográfica, composto

por 29 quadros de tamanho 40 x 30 cm. Os registros das pessoas da comunidade foram

expostos em um Painel Fotográfico, para que cada uma pudesse ver a si própria, como

também os outros. Muitos não se reconheceram nas fotos, e, ao final da atividade, todos

puderam levar sua fotografia, a fim de guardar seu registro pessoal.

3.1.4 Conclusões

As observações em campo contaram com 9 visitas, totalizando 45 dias de trabalho,

em períodos e estações diferentes do ano de 2009. Pode-se concluir que, aos olhos dos

pesquisadores, a paisagem ainda não sofreu mudanças expressivas concernentes à estrutura

arquitetônica das casas, a qual ainda se mantém próxima à criação do imaginário popular,

quando se pensa em um remanescente de quilombo. Existe, porém, uma possibilidade de

implantação do projeto das casas de alvenaria, futuramente, gerando, assim, uma

preocupação, pois a construção pode afetar em muito a área territorial da comunidade e a sua

paisagem, isso porque as casas atuais são montadas praticamente parede com parede,

diferentemente da Comunidade Quilombola de São Sebastião dos Pretos.

A título de informação, as crianças que compõem, hoje, o contingente

populacional local, ainda saberão trabalhar com as matérias-primas naturais do quilombo,

mesmo porque apresentaram saberes e fazeres cotidianos ao longo da pesquisa. Mas, caso

haja uma diminuição expressiva dessas matérias-primas, possivelmente as próximas gerações,

ao não repetirem as técnicas de uso, terão esses conhecimentos alterados, ocasionando a

adequação de hábitos, a transformação ou, até mesmo, o esquecimento do saber fazer.

Como já citado, para a comunidade local, a paisagem não sofre com os formatos

de uso, como a “roça de toco” (queimadas e desmatamento), o extrativismo animal e vegetal,

etc. A percepção do grupo, como um todo, é que ainda há vegetação, mas que já houve mais.

Nesse sentido, afirmam os moradores que, na atualidade, ainda há alguns “bolos de mato”

(fragmento de vegetação), que contêm muitas espécies.

Levantou-se, também, que os grupos G1 (“antigos”) e G2 (adultos e jovens) já

conseguem dimensionar uma reduzida presença ou o desaparecimento de espécies locais.

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Com relação ao grupo G3 (crianças), este não conhece muitas das espécies citadas pelos

antigos, demonstrando que ocorreu a diminuição da biodiversidade, apresentando, porém,

conhecimentos das espécies que são mais comuns e com as quais têm contato. Isso afirma

como o repasse do “saber fazer” é representativo dentro das comunidades tradicionais.

A conservação da biodiversidade e da paisagem se estrutura e se relaciona

basicamente com o que vem acontecendo naquela localidade, e as adaptações do uso também

fazem parte dessa transformação, partindo-se do princípio de que a paisagem é dinâmica e

sofre transformações temporais. Mas essa temporalidade não tem um padrão para acontecer:

pode ser de hoje para amanhã, de dia a dia, de mês a mês, ou de séculos em séculos.

Constatou-se, através do testemunho oral e da memória da paisagem, no processo

de ocupação e uso, que, desde seus ancestrais, a população está naquela porção de terra há

cerca de 120 anos. Sendo assim, os moradores ainda resguardam a biodiversidade, pois não

houve nenhum relato que mostrasse uma discrepante mudança na mesma. Há de se

considerar, por oportuno, que o tamanho da área em questão é de 63 hectares.

A pesquisa detectou que a paisagem pode realmente mudar, em sua plenitude, num

curto espaço de tempo, caso a implantação das casas de alvenaria se concretize. E, embora

tenha-se constatado que a paisagem do Catucá muda efetivamente, todo o tempo, devido à

construção e à reconstrução das moradias de barro, ainda se mantém natural, visível e

conservada. As espécies de árvores, próximas às casas, a seu turno, estão mais resguardadas e

tidas como referenciais na memória da comunidade local do que em São Sebastião dos Pretos.

A questão da conservação e da não-conservação das espécies da biodiversidade não acontece

devido a ações conscientes da população, mas em decorrência de processos de repetições e

heranças culturais. Por fim, tendo em vista os Sistemas Culturais, percebeu-se que os festejos

do Catucá trazem um ambiente e fomentam um imaginário e um recorte sonoro, mais voltado

às manifestações de tambores, aproximando as questões do natural e das relações

conservacionistas ao “sobrenatural”, bem específico das relações de religiões de matrizes

africanas, como detalhado por anotações em campo:

Foi um transe coletivo... Em cortejo todos foram para o quintal – que eles chamam de brejo. Porque lá é um brejo. E daí com velas acesas e o som incessante, os primeiros que entravam em transe foram se arrastando no chão e indo para a mãe d’água do brejo. Por minuto, talvez 40, permaneceram lá. Depois eu estava conversando com o Sr. Domingos (tamborzeiro), e todos foram saindo. Daí ele me perguntou “Você viu a mãe dagua...”

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AGRADECIMENTOS

À FAPEMA, pela bolsa e auxílio de pesquisa concedido.

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CAPÍTULO IV – 3.ª PARTE EXPERIMENTAL

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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4.1 A conservação da biodiversidade e da paisagem em Território Quilombola de Bacabal – MA (Brasil). RESUMO

Este estudo visou o levantamento dos cotidianos de comunidades tradicionais em

paisagens recortadas do Maranhão, elegendo dois territórios quilombolas como objeto de

investigação. O objetivo desta pesquisa foi compreender como as comunidades percebem a

paisagem, ao longo do tempo de uso, como a cultura dos rituais e dos mitos leva os indivíduos

a se relacionarem com as espécies da fauna e flora, e qual o impacto na conservação da

biodiversidade local. Diferentes áreas do conhecimento subsidiam a investigação, destacando-

se: Antropologia, Educação Ambiental, Etnobiologia, Etnografia, Ecologia de paisagens e

outras. Os métodos empregados destinaram-se à coleta de relatos, depoimentos de memória

da paisagem, levantamentos fotográficos, audiovisuais e sonoros, técnicas lúdico-

participativas, como Teatro de Bonecos, construção de mapas mentais ou êmicos, e, também,

aplicação de questionários semiestruturados, a fim de traçar o Diagnostico Sócio-Econômico-

Ambiental – DSEA. Os resultados mostraram que o cotidiano das comunidades, mesmo

contendo práticas de extrativismo, ainda conta com a conservação da biodiversidade e da

paisagem nesses locais, devido a comportamentos oriundos da matriz africana. Essa matriz

considera a integração do ser humano com o meio natural de forma associada, trazendo um

conjunto de saberes que, ao serem repetidos, conseguem conservar a paisagem de forma

tradicional.

PALAVRAS CHAVES: população tradicional, Ecologia de paisagens, métodos participati-

vos.

ABSTRACT

This study aimed to survey the routine of traditional communities in cropped

landscapes of Maranhão, electing two quilombolas object of investigation. The objective of

this research was to understand how communities perceive the landscape over time in use, as

the culture of rituals and myths lead individuals to relate to the species of fauna and flora and

the impact on local biodiversity conservation. Different areas of knowledge subsidize

research, especially anthropology, Environmental Education, Etnobiologia, ethnography,

ecology and other landscapes. The methods employed were designed to collect reports

testimonials memory of the landscape, photographic surveys, visual and sound techniques,

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participatory and Novelty Puppet Theater, building mental maps or emic as well as

application of semi-structured questionnaires to chart the Socio Economic Environment -

DSEA. The results showed that the daily lives of communities not containing extractive

practices, still rely on the conservation of biodiversity and landscape in these places, because

behavior coming from African roots. This matrix considers the integration of humans with the

natural environment in combination, bringing a set of knowledge which had to be repeated yet

retain the traditional form of landscape.

KEY WORDS: traditional people, landscape ecology, methods participatory.

4.1.1 Introdução

As relações atuais das comunidades tradicionais afro-brasileiras, com os processos

do capitalismo, da globalização, do Turismo, da imagem, da projeção midiática e outros, vêm

trazendo impactos evidentes no que diz respeito à conservação de tradições culturais e,

consequentemente, das paisagens. Devido a isto, faz-se necessário o desenvolvimento de

estudos que relacionem os aspectos culturais das referidas populações com a conservação da

biodiversidade. A relação cotidiana destes agrupamentos sociais com o espaço geográfico no

qual se encontram pode remeter à diferenciação dos conceitos de cenário puramente, cenário

estático ou da paisagem interativa.

Ao longo do processo evolutivo dos recursos tecnológicos do período moderno e

contemporâneo, é possível afirmarmos que “bancos referências de culturas particulares” estão

sendo formados por terceiros, e, que muitas das vezes, as comunidades não têm acesso à

produção de imagens, textos e livros, entre outros, de si mesmos, permanecendo sem saberem

o que é feito com seus materiais” (RODRIGUES, 2008). Ainda é importante destacar que a

evidência cultural das comunidades vem passando por processos de apropriações e

comercialização que contribuem para a descaracterização das manifestações, gerando, ainda,

acúmulo de capital para artistas, gravadoras e editores. Neste processo, as comunidades não

são beneficiadas social, ambiental ou economicamente, a partir dos processos citados. Vale

ressaltar que estas comunidades, ao sofrerem processos de intervenções e invasões, podem

apresentar reflexos em seus contextos estruturais sociais e de relação com o meio natural.

É preciso relevar as particularidades das manifestações, de acordo com os

indicadores exclusivos de sustentabilidade e autenticidade de cada comunidade, ressaltando

que cada uma destas estabelece os seus próprios formatos de uso dos recursos naturais. Sabe-

se que a relação das comunidades tradicionais com o meio natural resultou, não apenas na

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manutenção da biodiversidade, mas na sua modificação e, em alguns casos, no aumento da

mesma, uma vez que as melhorias genéticas, hibridizações, entre outros métodos de manejo,

foram aplicadas por estas comunidades, gerando novas espécies.

A especificidade das múltiplas Geografias traz conceitos diferenciados dentro dos

espaços físicos. A Geografia Humana, a Geografia Física, a Geografia Cultural, dentre outras

específicas, possibilitam diferentes interpretações e leituras no que diz respeito ao espaço.

A diferença conceitual de cenário e paisagem é de fundamental importância neste

trabalho, exatamente porque esclarece as concepções relacionadas, simplesmente, às

delimitações de um cenário espacial geográfico composto por relevo, clima, fauna e flora,

entre outras, e a paisagem cinética/dinâmica direcionada aos movimentos deste espaço físico.

Portanto, é sumamente importante notar como as populações vêm compor este cenário e qual

o papel das mesmas, a partir de seus movimentos sociais e culturais. Segundo Delpoux (apud

METZGER, 2001), a entidade espacial heterogênea, que constitui uma paisagem, engloba

aspectos geomorfológicos e de recobrimento, tanto naturais quanto culturais.

Com relação à palavra paisagem, a primeira ocorrência da palavra, segundo

Metzger (2001), foi no Livro dos Salmos, poemas líricos do Antigo Testamento. Dentro dessa

obra, a paisagem refere-se à vista que se tem do conjunto patrimonial de Jerusalém, composto

por prédios, palacetes, jardins e castelos do Rei Salomão. Em outro momento, a literatura e as

artes em geral usaram o termo para descrever retratos da natureza e, na atualidade, a paisagem

é definida, pelo dicionário Aurélio, como “um espaço de terreno que se abrange num lance de

vista”. Portanto, a palavra tem funções e conotações diversas que dependem de quem a usa e

em qual contexto de abordagem se faz. Apesar dos seus usos diferenciados, é visto em todas

as possíveis definições e abordagens que “esta tem noção de espaço aberto, espaço vivenciado

ou espaço de inter-relação do homem com o seu ambiente” (METZGER, 2001). Os estudos e

pesquisas de identidades e impressões que compõem uma paisagem podem ser compostos por

vários temas de pesquisa e estar voltados para algumas áreas do conhecimento. Por exemplo,

componentes da cultura local e popular estão impressos e inclusos dentro dos campos da

paisagem relacionada à atuação da Antropologia Cultural e Visual, tornando-se fundamentais

para as impressões e levantamentos etnográficos. Por outro lado, a dinâmica da composição

biológica da paisagem faz parte das considerações da Ecologia da Paisagem. Dentro das

alterações, movimentações e mudanças físicas do cenário, têm-se as considerações da

Ecologia de Paisagem e da Geografia.

As relações cenário/paisagem geram representações imagéticas que produzem

registros variados, com o intuito de coletar os olhares e interpretações que tal paisagem

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representa. Esta multiplicidade de dinâmicas de paisagem está carimbada nas esquinas do

Maranhão, e no Brasil, como um todo, devido à formação colonial multifacetada do país, que

originou inúmeras paisagens e cenários (NUNES, 2003).

Os diversos cenários do Brasil, ou de qualquer lugar em questão, são compostos

por características físicas (relevo, clima, altitude, etc.), biológicas (referentes às populações,

comunidades de fauna e flora que ali estão) e também pelas relações das populações humanas

com todo este conjunto, no desenvolvimento de práticas que compõem um cotidiano de uso,

aproveitamento a vivência junto àquele ambiente (RODRIGUES & AMARANTE Jr., 2008).

Ainda com relação às abordagens teórico-conceituais, faz-se mister citar o formato

holístico relacionado às dimensões da Ecologia de Paisagens, e as considerações feitas sobre a

dinâmica do espaço e suas relações específicas (METZGER, 2001).

A Ecologia das Paisagens apresenta dois momentos temporais em dois lugares

diferentes. No primeiro momento (meados do século XX), surge na Europa Oriental e na

Alemanha, tendo forte influência de disciplinas relacionadas ao planejamento territorial.

Então, Barret e Bolhen (apud METZGER, 2001), Naveh e Lieberman (apud METZGER,

2001), postulam que a Ecologia de Paisagens se ocupa com as interrelações do homem com

seu espaço de vida e com as aplicações práticas das soluções ambientais. Metzger (2001, p.5)

diz que:

A Ecologia de Paisagens, desta forma, e menos centrada nos estudos bio-ecológicos (relações entre animais, plantas e ambientes abiótico), e pode ser definida como uma disciplina holística, integradora de ciências sociais (sociologia, geografia humana), geo-físicas (geografia física, geologia, geomorfologia) e biológicas (ecologia, fitossociologia, biogeografia), visando, em particular, a compreensão global da paisagem essencialmente cultural e o ordenamento territorial.

O segundo momento histórico da Ecologia de Paisagens, por volta de 1980, tem

sua base conceitual influenciada por ecólogos e biogeógrafos americanos. Ainda, ante a

informação de Metzger (2001), percebe-se que “essa dá maior ênfase às paisagens naturais ou

a unidades naturais da paisagem”.

Diante das abordagens diferenciadas da Ecologia de Paisagens, percebe-se que as

leituras da dinâmica da paisagem podem ter uma interpretação geográfica ou ecológica. Sendo

assim, de acordo com o foco de pesquisa deste trabalho, a definição mais adequada, em

termos de delimitação, é a de Naveh e Lieberman (apud METZGER, 2001), que definem a

Ecologia de paisagens como “uma ciência interdisciplinar que lida com as interações entre

sociedade humana e seu espaço de vida natural e construído”. --------------------------------------

- A percepção ambiental de populações tradicionais ou não, no que se refere aos

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espaços nos quais vivem, possibilita a constituição do cotidiano e do imaginário, que, ao

serem investigados, podem ser ferramentas na construção de planos de gestão de impactos

socionaturais.

Um bom exemplo de estudo de observação ambiental, é a da construção de mapas

mentais ou êmicos, que representam um domínio de realidade e percepção das comunidades

inseridas no ambiente pesquisado. Estas comunidades são detentoras de conhecimentos

adaptados e criados diante das características do espaço, e esta relação com o espaço é

representada pelo mapa elaborado. Segundo Schmidt (2003, p.34):

Os mapas realizados a partir da percepção que as populações locais possuem sobre o seu território, ou seja, as informações que determina cultura possui sobre sua área, ambiente, recursos, podem ser denominados também de mapas mentais ou êmicos.

Os povos pré-históricos, os mapas desempenhavam um importante papel, por

estabelecer uma comunicação, além de proporcionarem um registro sobre cotidianos inseridos

em diferentes paisagens. Ademais, os mapas podem representar aspectos do imaginário, que,

provocados sobre questões sociais individuais ou coletivas, contribuem na manutenção da

identidade da paisagem, pois representam aspectos sutis do individual e do coletivo,

relacionados à percepção de espaços.

É dentro das conceituações da Tecnologia Social, em que cada comunidade cria

seus próprios mecanismos de defesa, e os aplica no dia-a-dia, a fim do alcance de melhores

índices e indicadores para o desenvolvimento local, que é proposta a montagem de acervos

culturais e que estes estejam refletidos nos bancos referenciais de cultura. Por mais que este

banco seja construído com tecnologias que, talvez, não façam parte do cotidiano destas

comunidades, este estará e só será criado com o fito de trazer benefícios às mesmas, podendo

subsidiar e gerar, futuramente, desdobramentos pertinentes ao envolvimento comunitário, por

exemplo, através de Programas de Capacitação em mídia, tecnologia e resguardo de culturas

para os jovens e as próximas gerações. Ainda propõem a necessária troca de tecnologias, à

medida que trazem à tona, e em evidência, os formatos já usados por estas comunidades em

suas formas de resguardo, conservação e tradição, inclusive, em relação a técnicas, métodos e

estratégias de gestão, uso e manejo ambiental. Os principais objetivos destas pesquisas

seriam, sobretudo, de garantir a participação local, trabalhar com dados relevantes, formar um

quadro de referências para coletar e analisar as informações, dispor de dados qualitativos,

além de facilitar a comunicação entre pesquisador e comunidade, por serem os mapas uma

forma muito antiga (SCHMIDT, 2003).

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A diversidade cultural, no que tange à identidade do Estado, oscila, desde os

rituais de cura, praticados em comunidades indígenas, como em Arame, Ilha dos Lençóis,

Aldeia dos Kanela Ramkokamekra (estes últimos, ocupantes da região de Savanas do

Maranhão), das relevantes manifestações do Bumba-meu-boi, originado do mito de Pai

Francisco e Mãe Catirina, refletidas nas várias comunidades e em seus arraiais, iniciadas no

mês de junho e marcadas pela expressividade do sotaque de matraca, como nos Bois do

Maracanã e da Maioba, nas Festas do Divino e sua composição sonora por parte das caixeiras,

as ladainhas, as festas natalinas, os personagens e “brincadeiras” do Carnaval, da

representatividade do artesanato local, do patrimônio cultural e arqueológico da Ilha do Cajual

e de Rosário, dos azulejos e das ruínas da Praia Grande, do Mercado das Tulhas e de seus

camarões secos, suas farinhas e do original “Guaraná Jesus” maranhense e, é claro, das

manifestações importantíssimas do Tambor de Crioula, do Tambor de Mina e de Choro, do

Candomblé, representados e ritualizados na Casa das Minas e na Casa Fanti-Ahanti, de Pai

Euclides, do Terecô, no município de Codó, e entre outros representativos também, além da

culinária com suas vinagreiras no “arroz de cuxá” e nas radiolas, vinis e fitas de rolo de

reggae (RODRIGUES, 2008).

Já a diversidade biológica está impressa nos 5 biomas do Estado, sendo conhecidas

todas estas particularidades e diferenças, que influenciaram nas relações cotidianas das

comunidades dentro deste território de Área Ecotonal. Portanto, as considerações acerca do

cruzamento de dados que consideram a Geografia (paisagem, espaço), a Antropologia (base),

a Biologia (componentes da biodiversidade) e a cultura (imaginário, ethos e mitos),

interligam-se em uma rede que necessita de levantamentos e registros. É devido às questões

apresentadas anteriormente e relacionadas à importância da paisagem e da sua conservação,

em conjunto com as manifestações culturais, as questões históricas sociais e antropológicas

que interagem com a mesma, com os formatos de repasse cultural e de tradições, com a

diversidade da natureza dos possíveis impactos causados pela globalização, pelos múltiplos

tipos de impressão e tecnologia dos séculos XX e XXI, que se chega ao objeto deste estudo:

os levantamentos das imagens culturais e cotidianas de comunidades pertencentes ao

Território Quilombola de Bacabal, buscando-se estabelecer qual o papel das mesmas para a

conservação dos elementos componentes deste cenário/paisagem. As questões históricas,

antropológicas e da identidade cultural, de certa forma, contribuem diretamente para o

formato dos usos do espaço geográfico e biológico, como, também, ajudam a justificar a

trajetória relacionada à sustentabilidade socioambiental. ---------------------------------------------

- A proposta de pesquisa visa estabelecer uma investigação entre a relação da

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permanência/cotidiano e uso de recursos naturais, relacionando a conservação das

manifestações culturais com os componentes da biodiversidade local e da paisagem

(geográfica, hídrica, faunística e florística, entre outros), nestes territórios nos quais estão

estabelecidas.

4.1.2 Metodologia

Caracterização da área. O município de Bacabal encontra-se na porção central

do estado do Maranhão (Figura 1), a 250 km da capital, São Luís. Tem uma população de

95.124 habitantes, e área de 1.682,60 km2, apresentando em seu território os biomas: Cerrado

e Amazônia (Censo IBGE, 1997).

Figura 1 - Mapa do Estado do Maranhão. Fonte: webcarta.net (2009).

A origem do município é assim descrita:

Onde está a Praça N. S. da Conceição, em Bacabal, o coronel Lourenço da Silva estabeleceu, em 1876, uma fazenda para cultivo do arroz, algodão e mandioca, aproveitando o trabalho escravo. Sobrevindo a Abolição, a fazenda foi vendida ao Coronel Raimundo Alves d'Abreu, que passou a comercializar com libertos e índios, cujas malocas se erguiam na atual localização do bairro Juçaral Com o desenvolvimento do comércio e o crescente afluxo de novos moradores, a fazenda prosperou e o povoado cresceu rapidamente. A imigração de nordestinos, que muito

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contribuiu para a expansão agrícola local, fez com que Bacabal, ainda no século passado, alcançasse a posição de primeiro centro produtor do Estado. Pelo Decreto-Lei Nº 159, de 6 de dezembro de 1938, a vila Bacabal, até então subordinada a São Luís Gonzaga, foi elevada à categoria de cidade. O nome do município teve origem na grande quantidade de palmeiras de bacaba ali existentes nos primórdios de sua colonização. (IBGE, 2009).

A paisagem de Bacabal era essencialmente agrícola e contava com a força do

trabalho escravo em sua produção econômica. Como em todo o Maranhão, verifica-se, ao

longo do processo histórico, a permanência de remanescentes oriundos da decadência agrícola

em porções fundiárias. Em Bacabal, não foi diferente e, na atualidade, o Território

Quilombola local é composto por algumas comunidades: São Sebastião dos Pretos, Catucá,

Piratininga, Campo Redondo, Centro do Adelino, Guaraciaba e Seco das Mulatas, entre

outras.

Duas comunidades foram selecionadas para este trabalho: São Sebastião dos

Pretos (aqui denominada de Q1), composta por 63 casas e aproximadamente 187 pessoas; e a

Comunidade de Catucá (chamada de Q2), compostas por 50 casas e aproximadamente 176

pessoas. É importante destacar que todo o projeto foi realizado com o consentimento das

Associações de Produtores Rurais das comunidades em questão.

Métodos empregados. O trabalho foi composto por levantamentos quantitativos,

realizados através da aplicação de questionário semiestruturado com 12 questões, a fim de

identificar um perfil sócio-econômico-ambiental das famílias residentes. Em cada

comunidade, os questionários foram aplicados em todas as casas, gerando o levantamento do

perfil local, ou seja, o Diagnostico Sócio-Econômico-Ambiental (DSEA) foi efetuado com

toda a população que vive nas comunidades investigadas.

Os levantamentos qualitativos complementaram a pesquisa, sendo realizados por

meio de entrevistas com questões abertas relacionadas ao uso e a posse do “saber fazer” da

população local, diante dos componentes da paisagem na qual estão inseridos. Foram

realizados os registros de falas, práticas, técnicas e comportamentos dessas populações,

empregando-se a produção de imagens fotográficas e de registro audiovisual. Elaboraram-se,

também, “Mapas Mentais”, levantando-se 11 temas componentes da paisagem em questão.

A produção dos “mapas mentais” foi efetuada mediante “oficinas de integração”,

que contaram, na mobilização social, com a Técnica de Teatro de Bonecos-Fantoche (Figura

2, montagem de cenário), Gincana Ambiental, que propuseram temas-problemas relacionados

às categorias do mapa mental propostos pela pesquisa, além de levantamento da oralidade e

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da memória da paisagem, oficina de fotografia e construção de desenhos com matéria-prima

das árvores locais.

Figura 2 - Construção do cenário da peça “Eu moro em um quilombo e você?”

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

4.1.3 Resultados e discussões

A primeira etapa constituiu-se do reconhecimento do campo de estudo, quando

foram realizadas reuniões com as comunidades escolhidas, buscando-se seu envolvimento

com o objeto de investigação. O primeiro contato foi realizado com o presidente da

“Associação de Moradores Produtores e Produtoras Rurais do Quilombo de São Sebastião dos

Pretos”, a fim de apresentar a proposta de trabalho. Ato contínuo, realizou-se uma reunião

com a comunidade local, a qual aceitou, unanimemente, a realização da pesquisa.

As comunidades Quilombolas de Piratininga e de Catucá receberam contato da

equipe de pesquisa, por intermédio de Sr. Eraldo Reis. Em Piratininga, as lideranças locais

não deram resposta à pesquisa, no prazo solicitado, e, como a sua população é bem maior, não

foi um objeto agregado às comunidades de observação. Em Catucá, porém, realizaram-se duas

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reuniões comunitárias, com o mesmo objetivo de apresentação da proposta e consulta da

comunidade quanto à implantação do projeto de pesquisa. Após a aprovação das duas

comunidades, a pesquisa contou com nove visitas de campo durante o ano de 2009,

totalizando 45 dias de observação.

A primeira atividade de mobilização contou com a apresentação da peça “Eu moro

em um quilombo e você?” (RODRIGUES & FARHAT, 2009), seguida da primeira atividade

de mapa mental denominado de “Onde moro”, como ilustra a Figura 3. Foram montadas

equipes com número de membros e faixas etárias distintas. Os participantes desenharam o

quilombo onde moram e, após a elaboração da figura, expuseram seus desenhos, elegendo a

imagem que mais retratasse a paisagem local. Essa atividade gerou, como resultado, a

caracterização geral do espaço, na opinião dos próprios moradores, e suscitou o

questionamento a respeito da ausência do registro das comunidades no mapa do Estado do

Maranhão. Esse resultado repetiu-se nos dois lugares.

.

Figura 3 - Mapa Mental 1 - “Onde Moro” - Comunidade Quilombola de São Sebastião dos Pretos. Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

Os mapas eleitos pelas duas comunidades, nesta atividade, são mostrados nas

Figuras 4 e 5, representando a comunidade de São Sebastião dos Pretos e de Catucá,

respectivamente. As pessoas se sentiram muito ofendidas por não terem encontrado, no mapa

do Estado do Maranhão, a comunidade quilombola na qual elas nasceram e à qual pertencem.

Henrique, 21 anos, membro da Comunidade de Catucá, entrevistado que foi, discorreu sobre

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essa exclusão, nos seguintes termos: “tenho orgulho de ser negro, de ser quilombola e de

morar na comunidade do Catucá” (2009). Pode-se observar, na Figura 4, a presença do açude,

com a retratação da biodiversidade aquática, a valorização das grandes árvores, apresentação

dos rituais culturais, como o “Bumba-meu-boi”, o Terecô e a Festa Junina, além da

representação das casas, da via principal de terra batida, uma “tenda” para os cultos de matriz

africana e a instituição religiosa do catolicismo, como componentes da paisagem. Este mapa

mostra a grande presença humana na paisagem, igualando sua importância à dos demais

componentes do meio. O resultado não é muito comum. Em geral, as comunidades não

representam pessoas em seus desenhos. Isto está relacionado ao fato de não se considerarem

parte integrante do ambiente, como discutido por Amarante Jr. et al (2003), em trabalho com

pescadores na Ilha de Lençóis, MA. E, para finalizar, ao levantar a percepção ambiental dos

mesmos, foram levadas em conta as relações de divergências, individualidade, coletividade,

consenso ou dissenso coletivo, no entendimento do espaço no qual estão inseridos. Mas as

observações demonstraram um momento de muita reflexão e discussão do grupo envolvido, a

fim de atenderem ao objetivo da atividade e construírem uma paisagem que supra o

entendimento espacial coletivo, como demonstra a Figura 6, referente ao mapa mental “Onde

moro”.

Figura 4 – Mapa mental escolhido pela comunidade de São Sebastião dos Pretos

para representar seu quilombo, 2009.

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Figura 5 - Mapa escolhido pela a comunidade de Catucá para representar seu quilombo, 2009.

O mapa da comunidade de Catucá, como pode ser visto na Figura 5, trouxe

elementos cotidianos com menos cor e mostra o açude, o campo, as casas de barro e as duas

de alvenaria com telhados de telhas, como também a solta. Para a escolha deste mapa, houve

um maior debate no grupo, sobre em qual votar. Os quilombolas tinham uma escolha estética,

mas percebiam que aquele mapa, embora mais bonito, não apresentava todos os componentes

que caracterizavam realmente a paisagem. Este debate é mostrado na Figura 6. Optaram, por

fim, pela obra que destacava mais componentes do meio em que viviam. A Casa de Farinha e

a “solta” foram representadas, sendo duas importantes atividades econômicas da área. É nas

soltas que crescem as palmeiras do coco babaçu (Orbignya phalerata Martius), da qual se

coletam matérias-primas muito usadas no cotidiano.

Para os mais “antigos” e adultos, a solta se constitui o maior motivo de perda da

biodiversidade na paisagem quilombola, ao longo do tempo de uso e ocupação do solo. Ainda

sobre esse tema, na mesma comunidade, coletaram-se os seguintes depoimentos:

Os donos não cuidam mais, fomos roçando, cercando para fazer horta, acaba com tudo porque os paus que ‘bóia’ não ‘bóia’ mais por causa das soltas, queimam tudo e faz roça (Maria Miranda, filha). Acabou o mato, o fazendeiro comprou tudo, o dono da terra vendeu para os fazendeiros e escurraçaram os bichos; foram embora, roçaram tudo e plantaram capim. As pessoas que moram nesses povoados precisam de terra para trabalhar e o fazendeiro não tem dó dos pobres (Otomil Moraes de Sousa). Depois que os fazendeiros compraram as terras e desmataram tudo, acabou com tudo, tocaram muito fogo e morreram tudo. Se não tomar uma providência daqui a 10 anos não vão ver mais nem o que ainda tem (Hildeci Rodrigues Mendes, “Bonequinha”).

O problema é a solta... (Sr. Valdei).

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Figura 6 - Discussão e escolha do Mapa Mental 1 (“Onde moro”), na Comunidade Quilombola de Catucá.

Foto: Equipe pesquisa, 2009.

Como pode ser notado, a expressão dos quilombolas, com relação aos impactos

da solta e os efeitos causados à conservação da biodiversidade, é pautada em observações

cotidianas. De uma forma e com linguajar bem simples, os próprios trazem na percepção

ambiental um Diagnóstico Sócio-Econômico-Ambiental coeso sobre os problemas locais. E,

percebidas as mudanças locais na paisagem ou no cotidiano, naturalmente as maneiras de

gestão e manejo comunitário se adaptam e, ao mesmo tempo, geram “nova paisagem”,

possibilitando novos incrementos no conjunto do “saber fazer” local.

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Os depoimentos das duas populações puderam demonstrar itens comuns à memória de

todos, como no caso da onça que circundou as redondezas do território quilombola de São

Sebastião, ou do “homem virado” (espécie de lobisomem), muito citado pelas crianças

quilombolas (vide pílula imagética). Os depoimentos supracitados, porém, trazem uma visão

perceptiva e crítica de acontecimentos locais relacionados à biodiversidade, porque

quantificam danos, apresentam projeções e dinâmicas de alteração relacionadas à paisagem,

revelam sentimentos de saudosismo e até de tristeza, quando citam algumas mudanças

específicas, como no caso do Sr. Otomil, por exemplo. “A conservação da diversidade

biológica está intimamente relacionada com a manutenção da diversidade cultural nos

ecossistemas, no entanto a perspectiva das populações tradicionais está ausente no conceito de

preservação do mundo ocidental” (DIEGUES apud SCHMIDT, 2003, p.7).

Como resultado da discussão a respeito de não serem localizados no mapa do

Estado do Maranhão, foi extraído, da rede mundial de computadores, em março de 2009, uma

carta, que fora adaptada, localizando-se as comunidades estudadas. Este mapa (Figura 7) foi

apresentado aos participantes da atividade no encontro seguinte. Ao verem o mapa adaptado,

externaram satisfação em se reconhecerem, só então, como parte da população maranhense.

Catucá

S.S. dos Pretos

Legenda:

•Quilombo de Catucá

•Quilombo de São Sebastião dos Pretos

•Bacabal

•Maranhão

•São Luiz

Projeto “A conservação dabiodiversidade e da paisagem em

Território Quilombola,Bacabal,MA” – UFMA

Mapa de localização dasComunidades Quilombolas de SãoSebastião dos Pretos e Catucá-MA

Mapas retirados do site webcarta.net e adaptados em 20 de março de 2009

Figura 7 - Mapa adaptado de localização e espacialização das Comunidades Quilombolas, 2009.

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A segunda atividade foi realizada na forma de uma Gincana Ambiental que tinha

como “pergunta-problema” os temas predestinados da pesquisa. Formaram-se duas equipes

com eleição de líderes responsáveis. As equipes tiveram dois dias para levantarem as

informações sobre cada tema e retornarem para um encontro de discussão. A Gincana não

contou com premiação, todavia, teve como propósito essencial, através das tarefas,

estabelecer a coleta de dados relacionados aos temas propostos pela pesquisa, pelos próprios

membros da localidade, com um perfil totalmente voluntário e cooperativo.

O interessante da atividade, durante os dois dias designados, observou-se na

disposição dos líderes das equipes, junto com seus respectivos grupos, em procurar os antigos

e as lideranças locais, para coletarem informações, proporcionando aos participantes, desse

modo, uma interatividade entre o espaço da sua vivência e a memória de paisagens das quais

não tinham conhecimento.

Na Comunidade Q1, os Mapas: 2 (Animais de pelo), 3 (Animais de couro), 5

(Animais de casco), 7 (Plantas Medicinais), 8 (Grandes Árvores), 10 (Manifestações

Culturais), foram preenchidos e entregues, enquanto os Mapas: 4 (Animais de Bico), 6

(Animais de escamas), 9 (Calendário agrícola correlacionado a luas e marés) e 10 (Festas e

visitações), não foram entregues por escrito na atividade. Em Catucá, somente, o mapa

referente às Plantas Medicinais, no momento da Gincana Ambiental, não foi entregue. A

coleta dos dados, exposta nos mapas entregues, só foi possível por causa da participação

efetiva dos quilombolas nos levantamentos. E, como esses dados foram transformados em

tabelas e complementados por observações de campo, bem assim pelo DSEA, a

caracterização local das duas comunidades gerou resultados significativos. Os mapas que não

foram entregues por membros dos grupos trouxeram falha à pesquisa, por não terem

contribuído para a construção integral dos temas propostos à composição da paisagem.

Os Mapas Mentais orais, levantados e registrados em audiovisual, contaram com a

mesma pergunta norteadora do trabalho: “o que tinha na paisagem”; “o que ainda tem”; e “o

que não tem mais”. A escolha dos que seriam ouvidos, e que teriam registrados seus

depoimentos, para a composição da memória da paisagem, isto é, o grupo dos “antigos”,

denominados de G1, deu-se através da detecção de uma rede de informantes. O método “Bola

de Neve”, muito usado nas práticas de coleta da Etnobiologia e da Antropologia, pôde gerar

uma lista-base de pessoas que, em sua oitiva, deram origem a um novo grupo, que foi ouvido

e registrado.

As duas paisagens, por estarem próximas, apresentam itens semelhantes ligados às

espécies componentes da biodiversidade, e ainda apresentam uma cumplicidade relacionada à

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história, à memória de outros povoados, caminhos e trilhas, objetos de Catucá que estão em

São Sebastião dos Pretos (itens da manifestação do “boi”), laços de familiaridade, etc. Mas,

ainda assim, cada comunidade apresenta uma particularidade em seu cotidiano e em detalhes

do “saber fazer”. Sendo assim, as diferenças territoriais e circunstanciais de cada uma

imprimem e compõem algo na paisagem. Segundo a memória local, a comunidade de São

Sebastião dos Pretos é oriunda de um processo de fuga e “aquilombamento”, apresentando

divergência nas duas versões. Mas, traz em sua posse de território uma área bem maior,

ocasionando um destaque ao cenário natural de forma mais sobressaltada do que em Catucá.

Entretanto, questões como a quantidade de árvores (segundo mapa mental Q1), encontradas

nessa área, foram muito semelhantes ao da comunidade de Catucá, cuja área é relativamente

menor, criando uma nova discussão sobre a afirmação de que a área menor, obviamente,

apresentaria poucas espécies. Com relação à ausência de área vegetada em Q2, ficou clara a

diferença numérica levantada a partir das citações, quanto aos animais de pêlo, casco, e outros

correlacionados aos temas dos mapas.

Destacaram-se, na paisagem de Catucá, a memória dos caminhos, trajetos, trilhas e

de antigos povoados que não existem mais, mas que foram muito importantes para a região,

inclusive em questão de ensinamentos e práticas das manifestações culturais religiosas locais.

As relações com os “tambores” foram apresentadas diferentemente de Q1, sem juízos

valorativos, como melhor ou pior, mais autêntico ou menos, etc., no momento de compor a

paisagem tanto visual quanto sonora.

As relações cotidianas observadas nas duas localidades puderam demonstrar como

que populações tradicionais, neste caso, “quilombolas” ou “remanescente de quilombos”, ou

ainda comunidades negras rurais, têm outra visão e outra forma de uso dos recursos locais.

Além das populações serem pequenas, e tal fato poder ser um indicador de impactos, as visões

sobre o uso de matérias-primas locais e a relação socioparticipativa com o meio natural,

apresentam as matrizes africanas de forma sólida. Os formatos de “usos” apresentaram-se

mais responsáveis com relação ao meio natural. É válido, porém, ressaltar que tais

comunidades também têm práticas que impactam negativamente a biodiversidade. Um

exemplo é a técnica agrícola denominada de “roça de toco”, realizada há anos, que já faz parte

do conjunto de “saberes e fazeres” dos dois lugares, como afirma D. Maria Reis, ao

reconstituir a paisagem em sua memória: “Acabaram com as matas, tinha muito matagal mata

‘truva’, a estrada era na sombra, agora o sol é quente demais, aqui e acolá que tem uma

sobrinha e a gente fica de ‘cocá’.

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4.1.4 Conclusões

Os métodos propostos pela pesquisa conseguiram atingir o seu objetivo, no tocante

aos resultados detalhados relacionados à paisagem, como também aos métodos participativos

de coleta em comunidades específicas. É válido destacar que os fundamentos de Educação

ambiental foram grandes contribuintes no momento de mobilização, e que realmente a

proposta dos mapas mentais trouxe à pesquisa benefícios coerentes com o cotidiano da

população quilombola, pois, de forma lúdica e interativa, foi-se construindo e descobrindo

uma teia de significados, que, ao serem transportados a outras comunidades, gerou discussões

tão interessantes, postas neste trabalho. A utilização de tais técnicas de mobilização e de

obtenção de dados adequou-se à realidade local, não sendo necessário, às duas populações,

saberem ler ou escrever para estarem no levantamento, mas, simplesmente, participarem com

relatos de sua memória e com a vontade própria em fazer-se presente.

Os objetivos iniciais do projeto de pesquisa foram alcançados, e as perguntas

respondidas. Mas, qualquer população impacta a paisagem onde está inserida, positiva ou

negativamente, contudo, também pode se interagir para criar e adaptar modelos nas relações

com a biodiversidade.

A herança cultural e o corpo de significados, somados e observados nas duas

comunidades, demonstraram que os “Sistemas culturais”, como denomina Geertz (1989), são

criados a partir das características físicas do cenário/paisagem onde a população está inserida.

Ao mesmo tempo em que isso acontece, os conjuntos de saberes e fazeres vão mudando a

paisagem cotidianamente, por esse movimento ser é um ciclo. Um ciclo que dá o dinamismo à

paisagem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foto: Gabriela B. Rodrigues, 2009.

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A Comunidade Quilombola de São Sebastião dos Pretos (Q1) traz, em sua

caracterização geral, uma posse territorial de 1.093 hectares de terra e 63 famílias, e ainda

estão inseridos geograficamente em um fragmento de vegetação. A Comunidade Quilombola

de Catucá (Q2) tem posse territorial de 63 hectares e 50 famílias, apresentando uma aérea

bem menor e muito mais fragmentada de vegetação.

As duas comunidades estão, em média, a 4 km de distância uma da outra, e estão

inseridas no conjunto de comunidades quilombolas que compõem o Território Quilombola de

Bacabal, no Estado do Maranhão.

A Ecologia de Paisagem se estabelece como uma vertente de observações que

consideram o somatório das características físicas de um espaço e os formatos de seu uso,

levando em conta as redes relacionais ali estabelecidas, no produto de suas análises. Como

dito por Delpoux (apud, METZGER, 2001, p.2), a entidade espacial heterogênea, que

constitui uma paisagem, engloba aspectos geomorfológicos e de recobrimento, tanto naturais

quanto culturais (METZGER, 2001, p.2).

A observação de uma paisagem, haja a vista todos os seus componentes, como

partes isoladas, porém conectadas, por exemplo, o ruído sonoro de um dia de coleta do coco

da palmeira babaçu (Orbignya phalerata Martius), e o seu rendimento financeiro no sustento

das famílias (em um cruzamento de dados), podem gerar análises e hipóteses que a afetam ou

a conservam.

As paisagens de quilombos são formalmente reconhecidas e têm seus direitos de

posse por parte dos quilombolas, no ano de 1988 pelo o Art. 68 ADCT/CF - Aos

remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras e

reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado emitir-lhes os títulos respectivos. Na

Constituição do Estado do Maranhão, o Art. 229, em consonância com a legislação federal,

também regulamenta a titulação das terras as Comunidades Remanescentes de Quilombos,

dizendo que “remanescentes de quilombo” têm direito ao reconhecimento fundiário de suas

terras, sendo que o Estado reconhecerá e legalizará, na forma de lei, as terras ocupadas por

remanescentes das comunidades dos quilombos.

Então, por que investigar, especificamente, as particularidades de uma paisagem

quilombola com as questões relacionadas à biodiversidade? Diante da ocupação de terras, que

se tornaram “terras de pretos” ou quilombos, algumas situações são vigentes nesse quadro de

uso ao longo da história. Geralmente, com domínio de conhecimentos em técnicas de uso e

manejo agrícola, questões da subsistência alimentícia, conjunto de símbolos relacionados aos

ritos, como também a processos de fuga, é que os fragmentos de mata foram ocupados e

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usados. Mas, também, há de se considerar o histórico de abandono pelos “senhores da

lavoura”, sobretudo no Maranhão, devido à decadência nas plantações de algodão nessas

áreas.

As etapas deste trabalho demonstram que os métodos alternativos e participativos,

voltados à mobilização comunitária em pesquisas nas áreas humanas, são fundamentais, e

contribuem com a vertente atual da Ciência, ao trazer a correlação de dados qualitativos e

quantitativos, gerando uma rede mais completa em estratégias de coletas de dados. Isto

porque, ao complementar os itens da memória quilombola, com dados estatísticos e

componentes de paisagem, é assegurado que um emaranhado de informações pode ser visto

sob uma ótica separada, mas, ao mesmo tempo, destaca a importância de produções assim,

que consigam perceber os recortes e as interconexões na paisagem, fazendo da mesma uma

fotografia composta por vários indicadores, e, nesse caso, onze temas foram propostos para a

construção do mapa mental.

Como resultado, analisar sobre a mudança da paisagem e a conservação da

biodiversidade, nessas comunidades, para as duas, as consequências referentes à mudança têm

como razão, para os quilombolas, a questão das “soltas” (dizimação da vegetação primária ou

secundária no entorno dos quilombos) e seus efeitos. Cabe ressaltar que as pressões da “solta”

são detectadas nos levantamentos de percepção ambiental das populações ocupantes da

região, através dos depoimentos coletados, e foram complementadas com dados compilados

no DSEA. A questão sobre interconexão entre impactos negativos, mudança na paisagem e

presença ou ausência de espécies, ao longo do tempo, se mostra correlacionada diretamente

com a “mata truva” de antes e “os bolos de mato” que ainda são encontrados na atualidade. O

DSEA ainda apresentou, através dessa questão, que desmatamentos e queimadas também

fazem parte da estrutura na qual a prática de redução de espécies vegetais e,

consequentemente, da animal, fomentando uma análise somatória dessas atividades sobre a

paisagem.

Essas observações demonstram como o fragmento de vegetação na qual as

comunidades quilombolas estão inseridas, talvez não foi ainda dizimado ou mais reduzido,

por causa da ocupação dessas comunidades tradicionais naquele espaço físico. Como as

populações necessitam do uso da biodiversidade, devido às possibilidades de poder aquisitivo,

transporte, acesso, entre outros, ainda resguardam o “saber fazer”, na paisagem em que estão

inseridos, usando e manejando os recursos locais. Com relação aos resultados, a ocupação e as

formas de uso das populações que residem nas paisagens quilombolas de Bacabal - MA

impactam menos, ao longo do tempo, do que a rapidez com que “a solta” vem promovendo.

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As relações extrativistas de retirada para construção de casas e utensílios, a pesca, caça,

agricultura, produção da farinha de mandioca e outros, ainda podem se apresentar mais

responsáveis em termos ambientais do que o impacto socioambiental promovido pelos

grandes fazendeiros. E, quanto aos conjuntos culturais, estabelecidos através das

características da paisagem, foi detectado que os mesmos se adequam visando sobrevivência

dos grupos humanos e sociais inseridos naquele cenário, mas que se modificam e se

transformam, caso o cenário seja alterado. Por fim, conclui-se que os movimentos e as

relações entre cultura e biodiversidade são cíclicos: mudanças nas características físicas locais

dos lugares modificam os “saberes e fazeres”. Estes, porém, modificam também a paisagem,

trazendo-a a uma dinâmica cotidiana, desde os ancestrais africanos.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA METZGER, Jean Paul. “O que e Ecologia de paisagens?” In: Biota Neotropica, Campinas,V1,N1/2, Dez 2001.

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Título do projeto:

“A Conservação da Biodiversidade e da Paisagem em Território Quilombola na região de

Bacabal – MA (Brasil)”.

Equipe executora:

Gabriela Barros Rodrigues (Mestranda em Biodiversidade e conservação UFMA) e Prof.

Dr. Ozelito Possidonio de Amarante Junior.

Justificativa do projeto:

A importância de ter um histórico sobre as comunidades quilombolas de São Sebastião dos

Pretos e Catucá, em Bacabal no Maranhão e como a paisagem dessas comunidades foram mudando

com o passar do tempo.

Objetivos da pesquisa:

Levantar como as comunidades tradicionais quilombolas de São Sebastião dos Pretos e

Catucá, em Bacabal, no Maranhão, usam da natureza para sobreviver.

Procedimentos que serão utilizados:

Serão feitas reuniões, oficinas de desenho, fotografia, visitas nas casas, fotos e filmes dos

moradores.

Desconfortos e riscos previsíveis:

O projeto não oferece riscos para a comunidade.

Benefícios esperados:

Ter documentos e bancos de dados com fotos, histórias dos moradores e de como é a paisagem

da comunidade para não se esquecer dos que fazem parte da mesma e de como eles vivem.

Forma de acompanhamento e assistência, com a indicação nominal dos responsáveis/ Garantia

de esclarecimentos a qualquer momento.

Qualquer dúvida, podem entrar em contato com a pesquisadora Gabriela Barros

Rodrigues – ”Gabi”, enquanto a mesma estiver na comunidade ou em sua residência em São

Luís- MA, nos números telefônicos: (98) 3226-6599 e 8862-8299.

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Liberdade de recusa, explicitando a ausência de penalização ou prejuízo de atendimento e

cuidado ao sujeito da pesquisa/ Garantia de sigilo, privacidade, anonimato, se for o caso.

As pessoas das comunidades não são obrigadas a dar depoimentos, responderem

questionários, participarem de reuniões, tirarem fotos ou serem filmados. Não havendo

nenhuma penalização por isso.

Tipo e grau de acesso aos resultados:

Os resultados da pesquisa serão apresentados a comunidade em Fevereiro de 2010 e estarão

disponíveis por serem públicos nas associações das comunidades.

Universidade Federal do Maranhão UFMA – São Luís

Comite de Ética O CEP/UFMA funciona na Sala 07, Bloco C, CEB Velho, Campus Universitário do Bacanga da UFMA. Seu e-mail para correspondência é [email protected]. Fone: (98) 2109-8708. A equipe atual que administra o CEP/UFMA é constituída pelo seu Coordenador, Prof. Ms. Hélder Machado Passos, pelo Vice-Coordenador, Prof. Dr. Álvaro Roberto Pires. O CEP ainda consta com o Sr. Adelvano Frazão, que atua na qualidade de auxiliar administrativo.

Professor Ozelito Possidonio de Amarante Junior – Fone: 098 3264-7817.

Gabriela Barros Rodrigues – 098 32266599 098 88628299.

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ASS. DO SUJEITO DE PESQUISA

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ASS. DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL