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 1 P PA AR RTE I I   IN NT TR ROD DU UÇ ÇÃ ÃO.  A AP PR RO OX X I IMA AÇÃO À À I I D DE EI IA A D DE DIR REI T TO 1 1.  A NATUREZA SOCIAL DA PESSOA “O Homem é um ser social”  e, como tal, necessita de interagir com outros para que possa evoluir e realizar-se enquanto pessoa (é notório o elo de ligação e dependência entre o indivíduo e a sua sociedade,   porém,  paralelamente à sua integração na sociedade, ele deve de realizar o seu próprio projecto de vida  ), sabendo que ele participa na criação de si mesmo, graças à adopção de um processo de humanização  (deve ser consciente, responsável e transformável). O ser humano é um ”ser ontogenéticamente inacabado”  , ele nasce com uma incompletude ontogenética (quer em termos físicos como psicológicos) que só pela sociogénese pode ser suprida. Ele sente a necessidade de percorrer um longo processo de aprendizagem que faz dele um “ser de aprendizagem” : o homem é um ser que se encontra aberto para o mundo e para a sociedade uma vez que somente através da convivência com os outros podemos evoluir, realizar-nos e tornar-nos completos enquanto pessoas (unus hommo, nullus hommo)   por esta razão tendemos para socialização e a integração em comunidades (ubi homo, ibi societas). Por outro lado, o homem não pode prescindir da sua autonomia privada , isto é, dos seus interesses particulares, projectos de vida e prioridades que nem sempre se coadunam com as daqueles que o rodeiam.  A pessoa tem uma natureza ambivalente como ser social e indivíduo autónomo (uma sociabilidade não social  no dizer de Kant), que na interacção em sociedade pode criar conflitos de interesses condutivos à violência ou a um estado da lei do mais forte e é neste contexto que o direito intervém. 2 2.  O DIREITO COMO PARTE INTEGRANTE DA REALIDADE SOCIAL É nestas condições de convivência social que insta uma  força ordenadora, disciplinadora e condutora da vida social , O DIREITO. Este é necessário para compatibilizar e aplanar as expectativas e os interesses divergentes dos homens e atender aos conflitos (e situações ou prejuízos futuros)  daí resultantes, recorrendo para isso a normas vinculativas e munindo-se de coercibilidade, de forma a criar um Estado de ordem e paz social (ubi societas, ibi jus)  o direito confere estabilidade à conduta humana.

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PPAARRTTEE II –– IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO.. AAPPRROOXXIIMMAAÇÇÃÃOO ÀÀ IIDDEEIIAA DDEE DDIIRREEIITTOO 

11..  A NATUREZA SOCIAL DA PESSOA

“O Homem é um ser social”  e, como tal, necessita de interagir com outros para que possa evoluir e

realizar-se enquanto pessoa (é notório o elo de ligação e dependência entre o indivíduo e a sua sociedade,  porém,

 paralelamente à sua integração na sociedade, ele deve de realizar o seu próprio projecto de vida ),  sabendo que ele

participa na criação de si mesmo, graças à adopção de um processo de humanização   (deve ser consciente,

responsável e transformável).

O ser humano é um ”ser ontogenéticamente inacabado”  , ele nasce com uma

incompletude ontogenética (quer em termos físicos como psicológicos) que só pela sociogénese pode

ser suprida.

Ele sente a necessidade de percorrer um longo processo de aprendizagem que faz

dele um “ser de aprendizagem” : o homem é um ser que se encontra aberto para o mundo e

para a sociedade uma vez que somente através da convivência com os outros podemos

evoluir, realizar-nos e tornar-nos completos enquanto pessoas (unus hommo, nullus hommo)  – 

por esta razão tendemos para socialização e a integração em comunidades (ubi homo, ibi

societas).

Por outro lado, o homem não pode prescindir da sua autonomia privada , isto é, dos

seus interesses particulares, projectos de vida e prioridades que nem sempre se coadunam

com as daqueles que o rodeiam.

  A pessoa tem uma natureza ambivalente como ser social e indivíduo autónomo (uma

sociabilidade não social no dizer de Kant), que na interacção em sociedade pode criar

conflitos de interesses condutivos à violência ou a um estado da lei do mais forte e é

neste contexto que o direito intervém.

22..  O DIREITO COMO PARTE INTEGRANTE DA REALIDADE SOCIAL

É nestas condições de convivência social que insta uma  força ordenadora,

disciplinadora e condutora da vida social, O DIREITO. Este é necessário para

compatibilizar e aplanar as expectativas e os interesses divergentes dos homens e atender aos

conflitos (e situações ou prejuízos futuros)  daí resultantes, recorrendo para isso a normas

vinculativas e munindo-se de coercibilidade, de forma a criar um Estado de ordem e paz

social (ubi societas, ibi jus) – o direito confere estabilidade à conduta humana.

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  2

  O facto de o homem ser dotado de razão, não implica que tenha de agircom

racionalidade, uma vez que nem sempre ele utiliza os meios mais honestos e os

processos mais leais (sobrepondo a satisfação dos seus próprios interesses, visando a satisfação dos

seus ideais), o que demonstra o quanto é imperfeito. É nesta sentido que actua a  força

ordenadora, disciplinadora e conformadora do Direito. 

 

O Direito por cumprir a sua função a partir de um conceito de justiça e do ideal de

equidade e por se munir de uma coercibilidade que submete a sociedade a um

processo judicial ordenado e formalizado, levado a cabo por instâncias competentes, o

Direito exclui o recurso à força própria e nesta medida serve e protege o mais fraco, ao

mesmo que tempo que ordena a sociedade e cria segurança e certeza. 

O DIREITO constitui um conjunto de normas de conduta e regras de comportamento social, que

resultam de um processo de decisão vinculativo, de valor jurídico, com uma concepção de justiça,

impostas por um conjunto de órgãos de autoridade (Estado, tribunais, …) que visam:

 

 

Integração do indivíduo na sociedade;

  Ordenação da liberdade individual;

  Criação de um ambiente de segurança, paz e de convivência (bem-estar) social;

 

Forma de organização, orientação e de planificação da vida social;

 

Instrumento político usado pelo estado Moderno para moldar a realidade social e as concepções

de valores.

Cada norma jurídica contém em si uma concepção de justiça. Sabendo que o “Direito só é

direito quando é justo”. 

 Quando uma norma jurídica não respeite a aquisição de justiça ela deve de ser expurgada e alterada

de forma a ir de encontro a este pprroocceessssoo ddee eeqquuiiddaaddee 

 No entanto, por vezes é necessário fazer uso da força ou da coacção para impor-se a aplicação de

um conjunto de normas jurídicas. Este direito de coercibilidade  só pode ser levado pelas

autoridades competentes (como os tribunais e a polícia, por exemplo) que devem de respeitar um

processo ordenado, institucionalizado e formalizado, novamente para se evitar um uso excessivo e

abusivo deste poder de autoridade que se vê assim limitado e circunscrito pela Lei.

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33..  OORRDDEENNSS SSOOCCIIAAIISS NNOORRMMAATTIIVVAASS –– OORRDDEEMM MMOORRAALL , , SSOOCCIIAALL EE J JUURRÍÍDDIICCAA 

TT IIPPOOSS DDEE RREEGGRRAASS DDEE CCOONNDDUUTTAA 

 Jurídicas

 

Tudo aquilo que tenha relevância jurídica tem de ter impacto na pazsocial, isto é, não afectam apenas o indivíduo como também toda a

restante comunidade;

  Visam garantir a convivência pacífica e humana entre os Homens e

salvaguardar a segurança e a concórdia nas relações e a predominância

da Justiça e do “bem-estar social”; 

Não Jurídicas

(o facto de serem normas

não jurídicas não quer

dizer que não tenham um

tipo de sanção que por

vezes é tão ou mais

 penosa que uma de

carácter jurídico – 

exclusão e o isolamento

social)

Carácter Moral

  São normas de conduta moral, isto é, estão

relacionadas com a consciência do próprio

indivíduo e com sua maneira de valorizaçãointerior (com os seus juízos de valor e com a

maneira como conduz a sua própria vida).

Carácter Social

 

São os chamados “usos e costumes sociais”, elas

não põem em causa a preservação da paz social

(logo, não lhes são atribuídas relevância jurídica), mas são

antes normas de conduta e de comportamento

social que adoptamos consoante o papel/função

que desempenhamos ao ingressarmos num dado

grupo social.

  Elas são impostas por um dado grupo e

caracterizam a sua maneira de estar/comportar,

de falar, de vestir, de pensar, a opção religiosa, as

suas convicções, etc.

Entre a ordem jurídica e a moral há largas zonas de coincidência pois dificilmente sepoderá conceber uma ordem jurídica totalmente contrária aos conceitos morais vigentes, 

uma vez que uma enorme discrepância entre a ordem jurídica e as convicções morais de

uma sociedade poderia levar a uma situação de “crise social”. Tal ideia se consagra no: 

  CRITÉRIO DO MÍNIMO ÉTICO: o Direito não pode juridificar a moral – sob pena de

se converter numa tutela moral da sociedade pelo Estado, permitindo a este arrogar-

se de um poder de direcção cultural e moral da sociedade (o que violaria a

Constituição: artigo 43º, nr. 2 da CRP) –  mas também não se pode abstrair dos

 princípios morais ao ponto de pôr em causa a paz, a liberdade e justiça social. Deve,

portanto, orientar-se na moral e consagrar o mínimo ético, isto é, tutelar os valores

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éticos cuja violação se converteria numa perturbação prejudicial à sociedade – o que

está em causa é portanto mais o “dano social” do que a defesa de valores éticos. 

Mas existem também critérios de distinção e separação entre as duas ordens:

  CRITÉRIO DA EXTERIORIDADE: o Direito e a moral têm pontos de partida

diferentes: a primeira parte do lado externo da conduta humana, e a segunda parte do

lado interno da conduta humana, da intenção. O direito satisfaz-se com uma mera

observância da conduta externa ao passo que a Moral exige uma intenção ou atitude

interna do agente de adesão à norma (adesão interna aos ditames da consciência ética,

vivência interior dos valores éticos). Sucede, por vezes, que o Direito se preocupe com

a intenção e a personalidade do agente, na medida em que estas se possam revelar e

comprovar através de manifestações externas (a relevância jurídica de aspectos éticosda conduta varia conforme os diferentes domínios do Direito e, dentro de cada um

destes domínios, conforme a matéria a regular, sendo considerável no Direito Penal)

mas isto não invalida que a valoração moral arranque originariamente da atitude

interior, só em segunda linha fazendo exigências quanto à conduta externa; ao passo

que a valoração jurídica basicamente assenta nos aspectos exteriores da conduta.

  CRITÉRIO DA HETERONOMIA E DA COERCIBILIDADE: o Direito assenta numa

vinculação heterónoma da norma jurídica, uma vinculação que se impõe de fora aos

indivíduos e, numa sociedade democrática, a esta hetero vinculação do Direito deve

acrescer uma autónoma aceitação global da norma, mas caso alguém se recuse a

observá-la o Direito faz uso da sua coercibilidade, isto é, da aplicação coactiva de

sanções. O mesmo já não se passa na ordem moral que não é munida de

coercibilidade.

44..  O DIREITO COMO REALIDADE CULTURAL HISTÓRICA E ESPACIALMENTE

DETERMINADA.

a)  AS INSTITUIÇÕES COMO PARTE INTEGRANTE E ESSENCIAL DO SOCIAL

“A SOCIEDADE É UM PRODUTO HUMANO E UMA REALIDADE OBJECTIVA. O HOMEM É

UM PRODUTO SOCIAL.” 

 

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O produto (sociedade) age sobre o produtor (homem) no sentido de que este último necessita

necessariamente do primeiro para se construir e desenvolver. A objectividade do mundo é fruto da

acção do homem.

O Homem nasce ontogenéticamente incompleto e torna-se um ser de aprendizagem,

cuja direcção de desenvolvimento vai ser socialmente influída por dois ambientes: um

ambiente físico e um ambiente cultural, sendo este último seu produto (pois nele coloca

regras, expectativas, padrões de conduta, crenças e atitudes) e simultaneamente sua

inspiração, porque é nele que se encontram as instituições:

  São padrões de conduta socialmente sancionados com uma estabilidade e uma

significação que transcendem a vigência e decisões dos indivíduos e dos casos

concretos;

  Existe um conjunto variável de instituições (jurídicas, hospitalares, universitárias)  onde

cada indivíduo, o actor, realiza uma dada função, o papel, agindo de acordo com as

regras da sua função e posição.

  Ao fornecerem consensos sobre o que é certo ou errado e assegurar que os valores da

sociedade são conhecidos, as instituições cumprem uma função estabilizadora normativa

e integradora, pois

1)  Asseguram a coordenação entre as partes do sistema social, que se torna

suficientemente previsível e ordenado para permitir ao homem fazer planos de

vida baseados em expectativas relativamente seguras, e… 

2)  Põem ao seu dispor do homem, carecido de um equipamento instintivo, critérios

seguros de orientação para a tomada de decisões, libertando-o do ónus de tudo

ter que decidir a todo o momento.

  Estas instituições, estas estruturas ordenadores criadas pelo processo social de

institucionalização, tendem para a juridificação, pois como elementos constitutivos da

realidade social, o Direito não pode deixar de nelas se inspirar e de nelas procurarsentido.

  Por serem estáveis e se transmitirem de uma geração para outra ganham efectividade

e objectividade, criam um mundo social que se apresenta ao indivíduo como um facto

externo e coercivo. O homem, seu produtor, o mundo social, seu produto, mantêm

entre si uma relação dialéctica. Mas o conteúdo destas instituições varia de povo para

povo, de cultura para cultura –  são produto humano e modificáveis historicamente

por acção dos homens.

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b)  A DIMENSÃO HISTÓRICA E SOCIAL DO DIREITO

O Direito apoia-se, portanto, nas instituições, que são elementos integrantes e

constitutivos da realidade social. Instituição e realidade social são (entre outras coisas)artefactos humanos, obras do espírito do homem e, como tal, fenómenos culturais – 

dimensão cultural do Direito.

OO  DDIIRREEIITTOO  AADDQQUUIIRREE  UUMMAA  PPRROOFFUUNNDDAA  DDIIMMEENNSSÃÃOO  HHIISSTTÓÓRRIICCAA  EE  SSOOCCIIAALL::  ele é fruto da

cultura social e representa “a totalidade dos objectos criados pelo homem, desde regras a padrões de conduta e de interacção

social”. É um fenómeno sujeito à evolução , pois apesar de regular comportamentos presentes e futuros, a

evolução da sociedade reflecte um alterar de consciências (designadamente, a própria concepção de direito e suas

 funções) que pode levar a um desajustamento entre a lei e a realidade se a primeira não for “renovada”. O que

evidencia o carácter não absoluto e não universal do Direito.

Compreende-se então que, apesar de as leis num dado espaço e tempo serem legalmente correctas, nem

sempre num futuro são íntegras e completas. Assim devem de deter um carácter versátil e relativo.

Para além disso, é de referir que seria impossível a criação de um Direito uno, face às inúmeras

diferenças culturais e civilizacionais (cada cultura e cada sociedade tem as suas próprias linhas de

 pensamento, os seus próprios princípios morais, os seus próprios valores/concepções); de referir que a

criação de um direito universal para todos os povos poderia conduzir ao atrofiamento das riquezas

culturais e humanas inerentes a cada Povo.

Portanto, a realidade cultural varia com o tempo e com o espaço, pois em cada um

existirão sociedades distintas, com tradições, mentalidades, crenças e ideologias dominantes.

A sociedade está, portanto, em constante mudança, e como o Direito é um produto social

terá necessariamente de acompanhar a evolução social –  dimensão histórica e social do

Direito – sob pena de ser ultrapassado pelo decorrer do tempo, traduzindo-se num Direito

incorrecto, obsoleto perante novas realidades sociais.

Não só o conteúdo das leis está sujeito à renovação. Também as próprias concepções

acerca do Direito e das suas funções estão sujeitas à evolução, como se pode comprovar à luz

da correlação entre o Direito natural e o Direito positivo e das épocas de relevância de cada

um:

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LLIINNHHAASS DDEE PPEENNSSAAMMEENNTTOO AACCEERRCCAA DDAA IINNÉÉRRCCIIAA DDOO DDIIRREEIITTOO 

 Jus Naturalismo

ou

Naturalismo Jurídico

(Direito Natural)

 

Visão variável e moralista do

Direito 

Os defensores deste pensamento consideram que a justiça não pode

ignorar a moral e, apesar de o Direito ser inelutável no que diz respeito aos

Direitos Fundamentais do indivíduo, este deve de estar em conformidadecom os valores vigentes na sociedade de modo a apurar-se um

“Direito mais justo e eficiente”. 

  Invoca-se a moral como fundamento do Direito: o Direito

enquanto tal não se reduz às regras escritas cuja aplicação, na

prática, por vezes seria injusta.

Nota: Não cabe ao Homem criar um Direito ideal e plenamente justo.

 Jus Positivismoou

Positivismo Jurídico

(Direito Factível)

 

Visão pragmática do Direito

A norma jurídica, como produto da razão esclarecida do legislador,

deve de ser interpretada de acordo com os textos jurídicos da Lei,

sem qualquer tipo de visão e de crítica moral.

  Enorme formalismo da jurisprudência dos conceitos, método de

interpretação exclusiva e de uma extrema fidelidade à Lei,

dispensando qualquer objecção moral, mesmo que esteja

desadequado à realidade.

c)  A NÃO UNIVERSALIDADE DO DIREITO

No mundo actual existem as mais diversas realidades histórico-culturais, religiosas,

económicas e sociais, que constituem o contexto específico em que um determinado direito se insere,

não sendo aquelas realidades sempre comparáveis e apenas raríssimas vezes idênticas. É um facto

que todos os povos possuem a sua identidade, individualidade e mentalidade nacionais, baseadas na

sua história e língua, sua cultura e religião, sua geografia e economia, etc. Estes factores reflectem-se

no direito, o qual é determinado por aquelas realidades. É extremamente difícil (e talvez impossível)

conceber um direito que se pudesse basear numa ordem de valores comum, e em consequência disso

fosse universalmente reconhecido, tão diversas são as culturas e os seus fundamentos valorativos.

Assim, a multiplicidade de culturas dá origem a uma correspondente multiplicidade de

configurações do direito; numa palavra: o direito não é genuinamente universal. Há, no entanto, uma

determinante comum a todo o direito (com excepção da concepção jurídica marxista onde o direito

têm um papel conformador-revolucionário): a sua função ordenadora como elemento criador de

segurança e estabilidade, seja qual for a realidade histórica e cultural, e sejam quais forem os

condicionalismos económico-sociais diferentes.

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55..  AS FUNÇÕES ORDENADORA E CONFORMADORA DO DIREITO –  JUSTIÇA E

SEGURANÇA

 Por olhar o indivíduo como ele é, o Direito tem uma função ordenadora:  A pessoa tem uma natureza ambivalente como ser social e indivíduo autónomo (uma

sociabilidade não social  no dizer de Kant), o que na interacção em sociedade pode criar

conflitos de interesses condutivos à violência ou a um estado da lei do mais forte.

  O Direito não tenta eliminar a diversidade de interesses entre os homens nem as

correlativas relações de tensão, atende antes ao condicionalismo concreto de cada

situação e tenta, partindo do homem como ele é, ordenar e regular todas aquelas

relações de tensão em moldes de garantir o desenvolvimento do indivíduo e da

sociedade.

  Por cumprir esta tarefa a partir do conceito de  justiça e do ideal de equidade e por se

munir de uma coercibilidade que submete a sociedade a um processo judicial ordenado e

formalizado, levado a cabo por instâncias competentes, o Direito exclui o recurso à força

própria e nesta medida serve e  protege o mais fraco, ao mesmo que tempo que ordena a

sociedade e cria segurança e certeza.

Mas as funções do Direito não se circunscrevem a ordenar a liberdade individual

criando segurança e certeza, tem ainda uma função conformadora, pois apesar de não

subjugar as especificidades e condicionalismos próprios de cada indivíduo, olhando-o como

é, o Direito olha-o também como julga que ele deve ser  e: 

  Não se limita a acompanhar ou a seguir a evolução, mas é dela parte activa e

propulsionadora, tentando legislar por forma a extrair do homem uma conduta que o

torne valioso à criação de uma determinada sociedade, e pode faze-lo porque a sua

legislação tem valor coercivo.

  Por estar munido desta coercibilidade é que o direito é chamado a actuar

directamente sobre a realidade social no sentido da sua transformação, tendo-se

tornado um instrumento do respectivo poder político para materializar as suas

decisões e conformar o homem ao seu cumprimento.

Quanto à “JUSTIÇA E SEGURANÇA” é necessário abordamos as seguintes questões: 

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  RELAÇÃO ENTRE DIREITO, JUSTIÇA E SEGURANÇA –  já se sabe que uma das

principais funções que incumbem às instituições sociais é criar estruturas de ordem e

estabilidade nas relações entre os membros da Comunidade. Cabe ao Direito, dotar essa

estabilidade ordenadora das instituições sociais de uma segurança ordenadora específica e

 própria,  que se traduz, nomeadamente, na positivação das normas jurídicas gerais e

abstractas e na garantia da efectiva aplicação dessas normas através do aparelho judicial e

do poder coactivo – definição de segurança jurídica.  A segurança é, pois, uma das exigências

 feitas ao Direito, pelo que, em última análise, representa também uma tarefa ou missão

contida na própria ideia de Direito. Esta exigência de Segurança conflitua por vezes, com

a ideia de Justiça: esta última representa um ideal de hierarquia superior, enquanto a

primeira representa um valor de escalão inferior directamente ligado à utilidade, que, em

certas circunstâncias, tende a superar o valor de Justiça. Contudo, o que importa realçar, é

que a Justiça puramente ideal e desacompanhada de Segurança, revelar-se-ia desprovida

de qualquer eficácia não passando de mera intenção; igualmente uma Segurança sem

 Justiça representaria um infeliz demonstração de força (imagine-se o estabelecimento de

uma ordem arbitrária eficazmente imposta pelo terror). A Segurança traz ordem e paz

social, não sendo, porém, qualquer ordem social que pode interessar ao homem, mas

apenas uma ordem fundada no ideal de Justiça; isto é, a Segurança deve estar ao serviço

da Justiça e legitimar-se perante ela.

  A SEGURANÇA COMO CERTEZA JURÍDICA – compete ao legislador, formular leis em

termos claros e precisos, de forma a não dar lugar a interpretações dúbias ou a

ambiguidades, nem a lacunas, evitando o recurso a conceitos indeterminados e a

cláusulas gerais; existem por isso, certos institutos jurídicos, dotados do valor segurança,

e, consequentemente, conducentes a uma situação desejada de certeza jurídica: a norma

que fixa a maioridade aos dezoito anos, o princípio da não retroactividade das leis, as

normas que fixam prazos de prescrição e caducidade, as normas que exigem certas

formalidades de certos actos jurídicos (o registo civil, as escrituras públicas), o instituto do

usucapião e o instituto do caso julgado, são exemplos de normativos que encerram uma

acentuada componente de estabilidade  (leia-se certeza jurídica). Em conclusão, diremos

que a certeza jurídica pede que a norma jurídica seja   imbuída de uma prescrição de

carácter geral formulada com a precisão suficiente para que os seus destinatários a

possam conhecer antes de agir, criando-se assim, expectativas firmes para que cada um

possa governar a sua vida mediante condutas identificadas com as normas jurídicas

vigentes.

  O ESTADO-DE-DIREITO – no Estado-de-Direito democrático o cidadão goza igualmente

de normas que lhe possibilitam garantias relativamente às intervenções ou intromissões

dos poderes públicos – factor de segurança habitualmente caucionado pela possibilidade

de recurso a um poder “neutro”: o Poder Judicial; aliás, a própria Constituição (artigo 18º)

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consagra o conceito de directamente aplicáveis e vinculativas para as entidades públicas e

privadas, a todos os preceitos inerentes aos direitos, liberdades e garantias, pela sujeição

da Administração Pública ao princípio da legalidade, da imparcialidade e do recurso

contencioso.  Este é, em suma, o princípio do Estado-de-Direito que surge em contraponto ao

Estado Absoluto  onde vigorava a chamada “razão do Estado”. A existência dos poderes

atrás referidos não se esgotam na defesa dos direitos, liberdades e garantias contra o

Estado, mas também na sua defesa contra quaisquer tipos de poderes sociais de facto;

aliás, incumbe ao Estado-de-Direito, em primeira análise, implementar os mecanismos

preventivos e coactivos que se afigurem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos

e liberdades dos cidadãos.

66..  DDIIRREEIITTOO EE CCOOAACCÇÇÃÃOO 

II..  VVIISSÃÃOO SSOOCCIIOOLLÓÓGGIICCAA EE J JUURRIIDDIICCAA DDOO DDIIRREEIITTOO 

De acordo com um conjunto de sociólogos, dos quais, Max Weber, e segundo uma

PPEERRSSPPEECCTTIIVVAA SSOOCCIIOOLLÓÓGGIICCAA, as normas jurídicas distinguem-se das restantes normas

sociais justamente por serem caucionadas pela coercibilidade, isto é, a sua inobservância

pode acarretar uma sanção para aquele que tenha violado ou desrespeitado essa ordem.

Deste modo, o  Direito é visto como um instrumento de controlo social particularmenteeficaz, por se tratar de um conjunto de normas assistidas de uma sanção socialmente

organizada.

Tendo em conta já antes uma PPEERRSSPPEECCTTIIVVAA J JUURRÍÍDDIICCAA, o Direito não pode estar

dissociado da ideia de Justiça, isto é, “o Direito é uma ordem de convivência humana

orientada pela ideia de uma ordem “justa” “  –  a Justiça é uma referência intrínseca e

postulada pelo próprio Direito.

    DEVEMOS DE OPTAR PELA PERSPECTIVA JURÍDICA  –  o direito é uma ordem de

convivência humana com um sentido, o sentido de Justiça, ele visa o estabelecimento de

uma ordem justa. Nenhuma ordem jurídica se encontra que não leve inscrita, pelo menos

uma pretensão de validade no sentido de pretensão de justiça.

   Nesta visão, o plano da validade do Direito, não é a coercibilidade que define

intrinsecamente o direito no plano do seu ser (não faz parte da sua essência), mas antes o

direito como se apresenta uma realidade social, tem, por isso mesmo, uma existência num

contexto espacial e temporal, isto é:

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o  As suas normas vigoram num certo espaço e durante um determinado período

histórico – aplicam-se a partir de um dado momento e deixam de vigorar quando se

verifique uma revogação, expressa ou tacita, ou sempre que caem em desuso.

   Esta ideia conduz-nos para o plano de vigência do Direito: o Direito pretende ser um

direito eficaz. Para tal através de um complexo de normas caracterizadas por conterem

uma certa concepção de Justiça, tratando-se de um Direito vigente e positivo (que produz

eficácia social). Nesta conformidade, para a norma jurídica subsistir pode-se tornar

indispensável a coercibilidade como um princípio de sanção.

NOTA: Enquanto que “validade” diz respeito ao conceito de Justiça – sentido do direito (ser) –; “vigência” diz

respeito ao princípio de coercibilidade do direito – aplicação das normas jurídicas (dever ser).

IIII.. 

LLEEGGIITTIIMMIIDDAADDEE DDAA CCOOAAÇÇÃÃOO 

O Direito, como já foi dito anteriormente, não se define pela coercibilidade (não é da

coercibilidade que resulta a jurisdicidade da norma), contudo cabe dizer que a coercibilidade

só é legitima porque deriva de uma norma de Direito . O problema de coacção (ou da

coercibilidade) no Direito deriva da juricidade das normas jurídicas; esta afirmação pode ser

demonstrada em dois planos:

  O Direito é obrigatório e exigível mesmo contra a vontade dos destinatários   –  há uma

heteronomia que se impõe e limita a autonomia de cada um dos membros da comunidade,

sabendo que essa heteronomia é também condição da existência dessa mesma autonomia – o

homem como ser imperfeito e ontogenéticamente inacabado, necessita de conviver em sociedade e só

assim é que se consegue realizar enquanto pessoa . A obrigatoriedade do cumprimento dessas

normas jurídicas torna-se num instrumento fundamental à própria existência e subsistência da

comunidade (o Direito tem a sua raiz profunda na natureza social do homem e na necessidade de

 garantir a vida social indispensável à humanidade).   O Direito é desenvolvido segundo um princípio de Justiça – ele limita-se a definir a esfera

de liberdade de cada um, face aos demais e à colectividade; assim, através de um critério

objectivo define as obrigações impostas aos membros da comunidade, sabendo que estas

imposições são dotadas, simultaneamente, de valores juridicamente exigíveis e de valores

(cujo não cumprimento ou violação de uma sanção jurídica) moralmente exigíveis.

NOTA: De referir que a reintegração da norma violada deve ser postulada por uma concepção ou ideia de Justiça, ou

seja, no domínio jurídico, o recurso a meios de coacção além de exigível, deve de ser também legítimo:

“A coacção apenas será legítima se a norma também o for, isto é, se esta puder ser considerada

como uma norma conforme à ideia de Direito e, portanto, uma norma que vise em último

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termo, a defesa e a promoção da autonomia da pessoa humana, e não a subordinação desta a

valores supostamente superiores.

IIIIII..  NNEECCEESSSSIIDDAADDEE DDAA CCOOAACCÇÇÃÃOO 

O DIREITO É UMA ORDEM NECESSÁRIA: não há sociedade sem Direito, como

também se não existir uma sociedade não pode haver Direito nem vigorar um ordenamento

 jurídico –  para haver Direito e para este ser Direito tem de ter vigência social.

Contudo, a vigência efectiva do Direito numa sociedade de homens imperfeitos

requer a coercibilidade, isto é, que estejam predispostas sanções e instituídos os meios de

combate à violação das normas jurídicas positivas vigentes. O Direito requer um poder social

organizado, capaz de impor, através do uso da força ou da coacção, essa mesma jurisdição.

NOTA:  O ideal desejável seria que a coação se torna-se indispensável, mas para isso é necessário haver uma

sociedade de homens perfeitos – o que é uma verdadeira utopia!

IIIIII..11..  DDIIRREEIITTOO EE AA FFOORRÇÇAA 

A coacção não prescinde da Força e, uma vez o Direito, enquanto postula aeficácia e a vigência social, depende da coação, logo, o DIREITO NÃO PRESCINDE

DO USO DA FORÇA, sem a força ele seria imponente.

A força é predominantemente ditada por uma autoridade social –  pelo poder

 político e seus órgãos competentes  –, logo, a efectivação da sanção é garantida pela

existência e actuação de uma instância organizada e integrada no aparelho do Estado

(personificado nos Tribunais) – necessidade de coacção.

De referir que, a força não pode substituir-se ao Direito sem eliminar este:

Se apenas a força exprime o Direito, já não temos Direito mas antes uma sucessão

de vontades discricionárias e caprichosas dos detentores do poder. O uso da força

para a realização do Direito implica a aplicação de uma ideia de Justiça

(ESTADO-DIREITO).

O DIREITO NÃO EXCLUI A FORÇA, ao contrário do que faz com a violência, ele

apenas a regula por via de normas jurídicas que ajustam o seu exercício e posterior

aplicação prática: cabe ao direito legitimar o recurso ao uso da força – o Direito carece deuma estrutura de eficácia de acção que lhe permita ter vigência social efectiva e, para tal, necessita da

existência de uma sanção socialmente organizada que tem por detrás de si um poder, uma força, a

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coacção –, bem como impor limites à sua vigência tendo em conta uma concepção de

 Justiça.

IIVV.. 

SSÍÍNNTTEESSEE 

  Todo o Direito ou é positivo – vigente – ou não é Direito. O Direito como Direito postula a

vigência efectiva que depende da coercibilidade, ou seja, da existência de sanções

efectivas.

  O Direito não depende da força na sua validade, no seu sentido específico ou na sua

essência, depende dela apenas no seu existir – dependência meramente de facto e não no

plano da validade ou legitimidade. Há uma verdadeira relação de simbiose entre Direito e

Força.

  A reposição do “status quo” cabe/compete ao Direito recolocar a ordem violada (pela

ideia de Justiça), nem que para isso tenha de recorrer a meios de coacção legítimos e

exigíveis. Neste sentido, conclui-se claramente que a coercibilidade resulta objectivamente

da jurisdicidade das normas.

  É a força que se deve subordinar ao Direito, cabendo a este conferir àquela legitimidade

ou não, ou seja, regulá-la e limitá-la! A força sem o direito é violência.

  A força na sua actuação social tem de se legitimar por referência a uma ideia de direito ou

de justiça. Por exemplo, a vontade da maioria não pode pretender ser válida só por ser a

vontade da maioria; ela não pode impor um ordenamento jurídico com a única

 justificação de que aquela é a vontade do colectivo, mas antes haverá de afirmar que

aquilo é o que a maioria considera ser justo.

  A convicção moral dos destinatários de que as normas jurídicas são obrigatórias e que

implicam o seu devido acatamento, reforça a eficácia e a importância destas e, por outro

lado, exclui a necessidade de recurso à força. De referir que numa sociedade ideal o

Direito dispensaria o uso da força. O facto que a norma conter um dado sentido ou

conteúdo de justiça apela para a consciência ético-jurídica dos seus destinatários.

 O direito não sendo em si mesmo uma força, não pode por si só impor a paz… Mas contribui para a

manter quando a politica a tenha estabelecido e se encontre em condições de impor e fazer respeitar as

soluções por via jurídica, em lugar de adoptar soluções por via da violência.

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77..  DDIIRREEIITTOO EE OO EESSTTAADDOO 

A QUESTÃO DA ESTADUALIDADE DO DIREITO  de imediato levanta duas

questões neste domínio:

  RELAÇÃO PROPRIAMENTE DITA ENTRE DIREITO E ESTADO: embora a

resposta a esta questão não seja propriamente muito consensual, não se pode nem se

deve confundir Direito com Estado – o Direito está claramente acima do Estado; compete

ao Direito regular, legitimar e limitar o poder do Estado, isto significa que há mesmo

princípios de Direito que se impõe ao próprio estado. Para alem disso, o Estado não

pode emanar uma norma ou ordem jurídica sem que essa seja possuidora do ideal de

 Justiça (que é afinal a grande validade do Direito); o problema aqui colocado é, ao fim e ao

resto, o mesmo que já se aludiu entre o Direito e a Força.

  TODO O DIREITO É ESTADUAL?!  - A questão que aqui se coloca é saber se o

Estado detém o monopólio de criação do Direito e se apenas o direito do Estado,

ditado por este e por este reconhecido e garantido através dos seus órgãos de coacção,

é verdadeiro Direito?! O que está em causa é a jurisdicidade do próprio Direito

Internacional Público e do Direito praticado nas sociedades “primitivas” (o problema

deve ser equacionado nestas duas vertentes distintas de forma a dar resposta à questão central

que se levanta).

  Direito Internacional – o facto de não existir um órgão com poder supremo ou

estadual (à semelhança do que acontece com os Estados), produtor e fiscalizador de

normas jurídicas internacionais, pode levar a concluir que, neste domínio, se goza

de uma certa impunidade no que respeita ao cumprimento dessas normas

derivadas do Direito Internacional (esta ideia, poderá inclusivamente conduzir a uma

certa actividade abusadora das super potências).  A questão, todavia, deve ser colocada

noutros termos: trata-se de saber, se existem normas jurídicas internacionais cujo

incumprimento possa implicar o recurso a meios coactivos conducentes à sua

efectiva aplicação; ora tais normas existem, isto é, apresentam tal característica e

têm vigência na sociedade internacional (a prática mostra-nos que elas têm plena

vigência e que são aplicadas pelos tribunais internacionais),  representando as suas

violações, casos isolados e excepcionais quando comparados com as situações em

que são de facto respeitadas. Tais normas são inspiradas por um critério de

 Justiça, o que legitima o recurso à coacção destinada a repor essa Justiça quando

violada, e, porque elas têm aplicação efectiva no quotidiano das relações entre os

Estados, devemos, reconhecer-lhes jurisdicidade, o que, implicitamente, conduz àideia da EXISTÊNCIA DE UM VERDADEIRO DIREITO INTERNACIONAL.

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  O Direito nas comunidades “primitivas”  –  o mesmo problema se coloca em

relação às sociedades “primitivas”, de organização rudimentar, nas quais ainda

não existe uma autoridade central nem tribunais permanentes especializados na

decisão dos conflitos entre os indivíduos; acresce aqui mais uma dificuldade:

como distinguir as diferentes categorias de normas de conduta que as regem, isto

é, diferenciar entre as normas jurídicas, por um lado, e as normas morais, os usos

sociais e as normas rituais ou religiosas, por outro. Modernamente, alguns

antropologistas estabelecem já uma certa distinção entre elas: algumas normas são

consideradas obrigatórias entre aquelas comunidades, quando, nomeadamente

estão em causa questões que se relacionam com os meios de subsistência do

grupo, da paz interna e da defesa ou por imposição das necessidades vitais em

geral. Estas normas estão sancionadas por mecanismos sociais de coacção , embora tais

mecanismos não tenham carácter permanente, constituindo-se espontaneamente

sempre que se verifiquem violações daquelas normas essenciais. Tratam-se no

fundo de mecanismos de defesa do grupo contra a sua própria dissolução, sabido

como é, que nenhuma comunidade humana pode subsistir sem uma regra de

 Justiça que regula as relações entre os seus membros.

  O DIREITO DE FONTE NÃO ESTADUAL  – verificou-se já, nos pontos anteriores,

que, por um lado, o Estado não tem o monopólio do Direito e que, por outro, podehaver um Direito não garantido pelos tradicionais órgãos de coacção dos Estados.

Contudo, não custa admitir, que a maior parte das normas jurídicas são produzidas

pelo Estado, ainda que seja exagerado afirmar que todo o Direito tem a sua origem no

Estado: disso são exemplo as sociedades não organizadas na forma de Estado, as

autarquias locais e as regiões administrativas. O que não deixa qualquer margem para

dúvidas é o papel determinante do Estado moderno na vigência efectiva do direito,

dado que chamou a si o monopólio dos meios de coacção física tendo em vista a sua

aplicação. Neste sentido externo, é correcto dizer-se que a eficácia do Direito dependedo aparelho de coerção estadual, bem como, dele igualmente depende avaliar se

determinada norma deve ou não ser aplicada.

SSÍÍNNTTEESSEE 

Como conclusão, podemos afirmar que o Direito, no seu sentido mais profundo,

emana directamente da cultura de um povo, ou até de uma comunidade internacional,  o que

significa que os grandes princípios duma ordem jurídica transcendem a vontade do poder

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estadual, ainda que esta seja expressão de uma vontade democraticamente formada. Ganha

assim importância, necessidade de diferenciar entre o “de iure”  (competência normativa das

comunidades menores para regular juridicamente os seus assuntos próprios que não depende do Estado nem

duma concessão deste – exemplo: as autarquias) e o “de facto” (diz respeito à eficácia da aplicação do Direito

e, em último termo, à análise do carácter jurídico das normas emanadas pelas comunidades menores que depende

da sanção do Estado).

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PPAARRTTEE IIII –– MMAACCRROOEESSTTRRUUTTUURRAA DDOO DDIIRREEIITTOO 

OO ssuummmmaa d d iivviissiioo** ddoo DDiir r eeiittoo N N aacciioonnaall ddee uumm EEssttaaddoo SSoobbeer r aannoo , , eemm DDiir r eeiittoo PPr r iivvaaddoo ee eemm DDiir r eeiittoo PPúúbblliiccoo , ,  j jáá 

r r eemmoonnttaa aaoo PPeer r í í ooddoo RRoommaannoo , , ssaabbeennddoo qquuee oo p pr r iimmeeiir r oo eer r aa oo qquuee ddiissccii p plliinnaavvaa ooss iinntteer r eesssseess p pr r iivvaaddooss ee oo ssee g guunnddoo oo 

qquuee p pr r oottee g giiaa ooss iinntteer r eesssseess ddaa ““RRee p púúbblliiccaa”” ( ( lloo g goo , , ddee ttooddaa aa ccoommuunniiddaaddee /  / ssoocciieeddaaddee –– iinntteer r eesssseess p púúbblliiccooss ddoo EEssttaaddoo ) ).. 

AA)) CCRRIITTÉÉRRIIOOSS DDEE DDIISSTTIINNÇÇÃÃOO:: 

I.  CRITÉRIO DO INTERESSE:  se a norma jurídica protegia a prossecução de um

interesse público (do Estado ou de outra entidade pública menor) então esta deveria

de ser qualificada como sendo do Direito Público; porém, se a norma salvaguardava

um interesse privado (de particulares) então esta deveria de ser qualificada comonorma de Direito Privado.

NOTA: Apesar de ser adequado em algumas situações não o é em todos os casos: há normas de

direito público que protegem interesses particulares (regras de Direito Processual Civil)  e, por

outro lado, há regras de direito privado que protegem, dentro da esfera política privada,

interesses públicos (na falta de herdeiros, legítimos ou designados pelo testamento, os bens são

atribuídos a título sucessório ao Estado; no caso de divórcio ou separação, as normas do Código Civil

concedem especial protecção aos interesses dos menores porque o Estado considera ser de interesse público

assegurar especial protecção às crianças privadas de um ambiente familiar normal).  Apesar de neste

DIREITO OBJECTIVO

Diz respeito ao conjunto deregras, gerais e abstractas, que

organizam e regulam as relações

sociais por forma a que se possa

viver pacificamente em

sociedade.

DIREITO SUBJECTIVO

São um conjunto de direitos (direito de personalidade, de propriedade, de crédito, etc.),

atribuídos a pessoas determinadas, que

conferem aos seus titulares uma posição de

privilégio, ou a atribuição de uma faculdade

ou de poderes especiais (que são atribuídos

segundo as regras de direito objectivo). 

À titularidade de um direito subjectivo,

corresponde, logicamente, uma situação dedever jurídico ou pelo menos um estado  de

sujeição por parte de outrem que não o

titular.

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último caso serem normas de interesse e de ordem pública, elas não deixam por isso de serem

normas de Direito Privado.

II. 

CRITÉRIO DE “SUPRA E INFRA ORDENAÇÃO”:  o direito público disciplina

relações entre entidades que estão numa posição de supremacia ou subordinação;

enquanto o direito privado regularia relações entre entes numa posição relativa de

igualdade ou equivalência (há uma paridade efectiva negocial).

NOTA: Apesar de ser adequado em algumas situações, tal como o critério anterior, este não o é

verdadeiro em todos os casos: há casos em que o direito público regula relações entre entidades

numa relação de equivalência e igualdade (como no caso das relações entre autarquias locais,

relações entre municípios e freguesias); bem como há situações em que o direito privado

disciplina onde existe uma relação onde as partes se encontram numa situação de supra e infraordenação (caso do poder paternal –  art. 1878º, tutela 1927º 2 1935º e ss., relação laboral art.

1152º, etc.) 

III.  CRITÉRIO DOS SUJEITOS: é tido como o critério mais adequado pois dá relevo à

qualidade e posição dos sujeitos intervenientes nas relações jurídicas disciplinadas: 

segundo este critério o direito privado regula as relações jurídicas estabelecidas entre

particulares ou entre particulares e o Estado ou outros entes públicos, mas intervindo

o Estado ou essas entidades públicas despidos de “imperium” e por isso estão fora do

exercício de quaisquer funções e uso do poder soberano (ex. compra de um prédio

pelo estado a um particular mediante a celebração de um contrato de compra e

venda). Por sua vez, uma relação jurídica é disciplinada por normas de direito público

se pelo menos dos sujeitos seja um ente titular de “imperium”, poderes de autoridade,

e que intervenha nessa veste (exemplo: expropriação do terreno por parte do Estado a

um particular, sabendo que o 1º recorre ao seu poder de autoridade para dar

continuidade à acção).

PPRRIINNCCIIPPAAIISS RRAAMMOOSS DDAASS DDUUAASS GGRRAANNDDEESS ÁRREEAASS DDOO DDIIRREEIITTOO 

   D   D   i   i  r  r  e  e   i   i   t   t  o  o   P   P   ú   ú   b   b   l   l   i   i  c  c  o  o

 Direito

Constitucional

A Constituição é a Lei Fundamental do país. Apesar de ela conter um conjunto de direitos

fundamentais dos cidadãos, ela visa organizar e repartir o poder entre os demais órgãos de

soberania – entidades públicas (como o Estado, por exemplo).

 Direito

 Administrativo

Conjunto de normas que regulam e disciplinam a actividade da Administração Pública à

qual é atribuída a função do Executivo (incluem os agentes e os órgãos das autarquias locais

e regionais, por exemplo).

 Direito Penal

Conjunto de normas que regulam os crimes e as penas a atribuir aos infractores.

Determinam quais os factos pressupostos que violam normas básicas de convivência social

e/ou que ofendem valores fundamentais (logo, põem em causa a vigência da ordem e da

paz social) e por isso estão sujeitos à aplicação de sanções criminais (penas e medidas de

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segurança), geralmente verifica-se uma privação de liberdade que é imputável ao

delinquente socialmente perigoso.

 Direito Fiscal

Conjunto de normas que regulam a recolha, gestão e a aplicação dos meios financeiros

públicos; nomeadamente, a organização, o lançamento e a cobrança/recolha das receitas

coactivas (impostos e taxas), das receitas patrimoniais e dos empréstimos públicos.

 Direito

 Processual

(Inclui todos os ramos: civil, penal, do trabalho, administrativo e fiscal) Conjunto de normas que

regulam o processo, as acções judiciais, a jurisprudência/conduta dos tribunais e das partes

litigantes (particulares) que perante eles actuem ou litigam durante o exercício da acção

 jurisdicional.

 Direito

 Internacional

 Público

Conjunto de normas que regulam as relações entre Estados ou entre Estados e entidades

soberanas (como a Santa Sé, Ordem de Malta). Estas normas são fruto de um direito supra-

estatual e elas foram ratificadas/aprovadas nas demais Convenções e nos Tratados

internacionais realizados entre os demais Estados. Elas estabelecem os “princípios gerais de

direito comuns às nações civilizadas”. 

   D   D   i   i  r  r  e  e

   i   i   t   t  o  o   P   P  r  r   i   i  v  v  a  a   d   d  o  o

 Direito Civil

É o tronco comum do Direito Privado. Ele contém as normas que regulam todas as relações

de Direito Privado, salvo as que se tornam objecto de direito especial (Direito Comercial

Agrário, etc.). Aparece-se subdividido em 5 ramos:

  Parte Geral – Regula tudo aquilo que é comum em todas as relações jurídicas de direito

civil;

  Direito das Obrigações – normas que regulam o tráfico de bens e serviços, a liberdade

contratual e a responsabilidade civil de reparação dos danos;

  Direito das Coisas (ou D. Reais) – regulamentação do direito de propriedade;

  Direito da Família – normas que regulam a constituição da família e as relações que

nela se estabelecem;

 

Direito das sucessões –  normas que regulam a sucessão por morte dos bens do

defunto. 

 Direito

Comercial

Conjunto de normas que regulam os actos de comércio de natureza não civil e com ligação à

actividade mercantil.

 Direito

 Internacional

 Privado

São o conjunto de normas que regulam as relações da vida privada internacional e regulam

as leis aplicáveis a essas mesmas situações (por exemplo a Lei Uniforme sobre a venda

internacional de objectos mobiliários, dos transportes internacionais, do testamento

internacional…). 

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PPAARRTTEE IIIIII –– AA NNOORRMMAA J JUURRÍÍDDIICCAA 

II..  NNOOÇÇÃÃOO , , CCAARRAACCTTEERRÍÍSSTTIICCAASS EE EESSTTRRUUTTUURRAA 

   

A norma jurídica é definida tradicionalmente como um comando geral, abstracto e

coercível ditado por uma autoridade competente. No fundo são as unidades

normativas que exprimem e concretizam a ordem jurídica, correspondendo à noção de

lei em sentido material, ao direito objectivo. 

    Das normas jurídicas distinguem-se os comandos individuais e concretos (sentenças,

decretos, portarias ou cláusulas negociais estipulados nos contratos entre particulares)

porque embora estes representem imperativos munidos de coercibilidade, não criam

direito objectivo, apenas o aplicam ou adoptam providências concretas e

individualizadas.

    Numa norma jurídica, podemos distinguir um antecedente (ou previsão) e um

consequente (ou estatuição): é o chamado silogismo judiciário  –  o modelo formal da

estrutura e funcionamento da norma jurídica.

  EXEMPLO: artigo 483º do Código Civil diz: “todo aquele que ilícita ou culposamente

causar danos a outrem (previsão) fica obrigado a indemnizar (por esses danos) o

lesado” (estatuição).

NORMA JURÍDICA

   

SILOGISMO  JUDICI RIO:

Premissa maior – a norma: todo aquele que causar danos... fica obrigado a indemnizar o lesado.

Premissa menor – a situação concreta subsumível à norma:  A causou danos na viatura de B.

Conclusão –  consequência jurídica prescrita na estatuição da norma:  A acha-se constituído na obrigação de

indemnizar os danos causados a B. 

Hipótese Legal (Antecedente)

Dispõe de um conjunto de “situações-tipo”, detém uma

série de previsões que contemplam um conjunto de

 factos/dados  jurídicos  concretos, que uma vez

verificados na realidade se associam de imediato a um

conjunto de consequências jurídicas. 

Estatuição (Consequente)

A norma jurídica prevê um conjunto de efeitos

 jurídicos  (as consequências de uma dada acção

prevista pela lei) que se traduzem sempre na

constituição, modificação e extinção de uma situação

 jurídica (ou de um direito subjectivo).

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    A importância da norma jurídica1, nomeadamente da sua hipótese legal ou previsão

( facti-species  –  facto que quando verificado desencadeia consequências jurídicas) está

relacionada com a identificação, especificação e determinação das situações de facto do

 ponto de vista do Direito  para que a inspecção (in-spicium) dos factos se apresente

configurada sob specie iuris.

    Se definimos a norma como um comando geral, abstracto e coercível ditado por uma

autoridade competente, podemos então dizer que toda a norma tem um carácter e um

recorte genérico, não admitindo concretizações ou individualizações (a menos que se

fundem em elementos objectivos). Assim, a norma jurídica é formalmente:

1.  IMPERATIVA – porque exprime um comando na sua forma tradicional e prototípica,

impondo um comportamento. Contudo esta é uma afirmação impugnável na medida

em que, para além de serem conhecidas várias normas que atribuem poderes ou

faculdades ao invés de impor comportamentos, comporta uma conotação voluntarista

e arbitrária do trabalho do legislador, colidindo com a concepção das normas como

respostas objectivas, racionais e ponderadas aos problemas da vida social, respostas

essas que apesar de obedecerem a determinado juízo valorativo nunca podem ser

puros actos de vontade do legislador, puros imperativos.

2.  GERAL – porque se dirige a uma categoria mais ou menos ampla de destinatários na

sua categoria abstracta, abstraindo-se de circunstâncias individualizadoras (o que não

significa que o destinatário não possa ser apenas um, como no caso das normas que

regulam a actuação do Presidente da República – mas o que se está a regular é o titular

abstracto do cargo, não o próprio indivíduo que o ocupa).

3.  ABSTRACTA –  porque respeita um número indeterminado situações e não casos

individualizados e concretos, pois se o fizer viola o princípio da igualdade perante a

lei.

1 Dito de outro modo, todos os conceitos utilizados pela lei estão integrados num sistema conceitual específico, são conceitosnormativos, e a questão de saber se certa situação cabe nesta ou naquela categoria é um problema a resolver segundo critérios dearticulação desse próprio sistema normativo e específico, para determinar o alcance e o campo de aplicação do preceito legalexpresso. 

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IIII..  CCLLAASSSSIIFFIICCAAÇÇÃÃOO DDAASS NNOORRMMAASS J JUURRIIDDIICCAASS 

Classificaçãoda norma

Definição e Variantes Exemplos

  Quanto àvontade dodestinatário

Imperativas –  osefeitos jurídicosimpõe-se sempreaos destinatários

Perceptivas –  impõe umcomportamento, obrigam a (…). 

Normas que nos obrigam a pagarimpostos ou a circular pela direita.

Proibitivas –  proibição de umaconduta/comportamento. 

Artigo 282º –  Proibição de celebração denegócios usuários e contrários aos bonscostumes (art. 281º) 

Permissivas oudispositivas

Facultativas –  atribuir uma faculdadeou permitir a possibilidade de adoptarum dado comportamento

Artigo 405º –  faculdade de celebrarlivremente o conteúdo e celebrar oscontratos com quem pretender.

Interpretativas – definir um sentido dadeclaração, ajudam a interpretar avontade dos contraentes quandoalguma delas não se exprimiu comclareza; ela estabelece um critério deinterpretação das vontades em caso denão estarem explicitamente

compreendidas, de dúvida.

Artigo 237º e 238º

Supletivas*  –  Preenchem um vazio,elas completam as normas jurídicas quetêm uma espécie de lacuna; elasdestinam a suprir a falta demanifestação da vontade das partessobre dados assuntos do negócio quecarecem de regulamentação.

O direito das obrigações é o domínio deeleição das normas supletivas: art. 772ºque estipula o local de entrega oucumprimento de uma coisa; o art. 784ºpara a imputação do cumprimento, etc.

  Quanto aoâmbito devalidade e deaplicaçãonum espaço

Universais –  leis que se apliquem em todo o territórionacional ou do Estado.

Leis Fundamentais do cidadão dispostasna C.P.

Regionais –  leis que se aplicam somente em dada região(nas regiões autónomas do país).

Decretos das Regiões autónomas

Locais –  são normas que se aplicam num espaço de umadada autarquia/município a nível local.

Posturas ou regulamentos locais (das taxascamarárias, regulamento municipal

quanto à recolha do lixo…) 

  Quanto aoâmbito devalidade e deaplicação aonível pessoal

Gerais/Comum–  aquelas que estabelecem um regimecomum, os princípios bases para uma dada matéria(estabelecem o “regime-regra”) 

Artigo 405º – liberdade contratual

Especiais –  consagram um regime novo ou diferente doregime de regra, limitam-se a uma parte restrita daquelesector de relações).

Artigo 499º-510º Responsabilidade pelorisco; art. 1143º - Contrato de mútuo.

Excepcionais –  consagram um regime oposto ao regime deregra (não podem ser aplicadas por analogia).

Artigo 500º –  responsabilidade docomitente

  Quanto àplenitude do

sentido danorma

Autónoma – previsão de uma hipótese legal e os previsíveisefeitos jurídicos.

Artigo 483º –  responsabilidade por factosilícitos

Remissivas –  necessita para a sua aplicação do conteúdoe/ou disposições de outros artigos de outras normas que acomplementam (normas não autónomas, por si só não têm um

sentido completo, ou falta a hipótese legal ou a estatuição). 

Artigo 953º –  casos de indisponibilidaderelativa, esta norma contempla o dispostonos artigos 2192-8º

Incompletas – abrangem não só as normas remissivas, comooutro tipo de normas que apesar de não serem incompletas ede não obedecerem à estrutura típica da norma (hipóteselegal e estatuição) ela tem sentido próprio e é autónoma.

Artigo 202 – Noção de coisa, “diz-se coisatudo aquilo que pode ser objecto derelações jurídicas.

  Quanto aotipo de sançãoa aplicar (temhaver com asconsequências jurídico civis oupenais queseguem àviolação de umanormaimperativa) 

Leis mais que Perfeitas –  Lei cuja violação origina anulidade ou invalidade do acto e a aplicação de uma sanção.

Art280, ponto 2; a bigamia além de umacto nulo é punível com pena de prisão

Leis Perfeitas –  a sua violação implica somente a validadedo acto e a sua posterior anulação,  no entanto, não hánenhuma sanção/punição a implicar ao sujeito que opraticou.

Artigo 282º –  “negócios usuários” sãoproibidos por lei, mas não dispõe denenhuma sanção para os contraentes.

Leis menos Perfeitas – não existe invalidade do acto apenasrestrições ao efeito do acto, só importa a aplicação de umapena.

Falsa representação; a venda de umproduto depois da loja fechar, acarretapara o comerciante uma multa apenas

Leis imperfeitas –  leis que não são susceptíveis à aplicaçãode uma sanção e cuja violação não importa qualquer efeito jurídico.

Dívida prescrita

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IIIIII..  OO  FFAACCTTOO  J JUURRÍÍDDIICCOO , ,  AA  SSIITTUUAAÇÇÃÃOO  J JUURRÍÍDDIICCAA  EE  AA  RREELLAAÇÇÃÃOO  J JUURRÍÍDDIICCAA..  OO 

SSUU J JEEIITTOO J JUURRÍÍDDIICCOO EE OOSS DDIIRREEIITTOOSS SSUUBB J JEECCTTIIVVOOSS 

  Diz-se facto jurídico o evento da vida social que é juridicamente relevante2  e por isso

produz efeitos jurídicos  –  efeitos esses que se manifestam sempre na constituição,

modificação ou extinção de uma dada situação jurídica (que é a posição do sujeito jurídico

quanto ao direito, e difere assim da relação jurídica –  o efeito jurídico pode ser só a

aquisição de um status que mude a sua SJ, e não de um direito que constitua uma RJ).

FFAACCTTOO J JUURRÍÍDDIICCOO TIPOS DEFINIÇÃO E VARIANTES EXEMPLOS

Factos ou

purosfactos

jurídicos

São factos não voluntários, isto é, eles não dependem

da vontade do sujeito.

Decurso do tempo, nascimento, perecimento

natural, etc.

Actos

jurídicos 

São actos de

conduta

humana,

logo,

dependem davontade livre

e pessoal do

sujeito (actos

que se

fundamentam

no princípio

de autonomia

privada,

sabendo quesão

controlados

pela intenção

do sujeito). 

  Lícitos –  estão em conformidade

com a lei.

Enquanto que a celebração de um negócio

usuário é considerado um acto jurídico ilícito

(Artº 282), a condução de veículos

automóveis é tida como um acto jurídico

lícito. 

 Ilícitos – estão em contradição com

a própria lei, isto é, desrespeitam-na. 

  Actos reais ou materiais –  nãoapresentam conteúdo declarativo,

isto é, traduzem apenas o puro acto

real e material (não há declaração de

vontade).

O artigo 879º, alínea a), do CC, representa

nada mais do que uma acto jurídico do tipo

real (transmissão da propriedade ou da

titularidade da coisa). Contudo, já o contrato

de venda a filhos ou a netos, prescrito no Art.

877º do CC, representa uma declaração quase

negocial. Por sua vez, a celebração de um

contrato de transmissão de propriedade

(compra/venda) pode ser regulável pela

vontade própria dos sujeitos que podem

estabelecer as cláusulas que lhes aprouver e,

deste modo, tornam-se negócios jurídicos. 

Declaração quase negocial

apresenta um conteúdo declarativo,

porém os efeitos jurídicos a adoptar

são os que estão previstos pela lei. 

Negócios jurídicos – é bem patente

a declaração de vontade, sabendo

que a relação, bem como os seus

posteriores efeitos jurídicos são

estabelecidos tendo em conta a

vontade dos próprios sujeitos. 

2  P. ex., a celebração de um casamento, de um contrato de compra e venda, etc., são situações tidas como juridicamenterelevantes visto a sua celebração estar regulamentada e prevista pela lei, no entanto, um pacto de amizade ou um namoro sãosituações irrelevantes porque não dispõem de qualquer valor ou interesse jurídico.

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  Estes factos jurídicos, em sentido lato, são os factos a que a norma jurídica se reporta na sua

previsão, e os efeitos jurídicos são aqueles que estão prescritos na sua estatuição. Estes

efeitos consistem sempre na imposição na atribuição de um direito subjectivo  ou na

imposição de um dever jurídico, e a um corresponde sempre outro, porque são as duas faces

de uma mesma realidade.

 

Isto pode ser uma relação jurídica –  a relação social tutelada pelo direito mediante a

atribuição de pelo menos um direito subjectivo a um dos sujeitos (activo) e da

correspondente atribuição de uma obrigação ao outro sujeito (passivo).

  Vemos então que os efeitos jurídicos recaem sempre sobre pessoas em sentido jurídico, a

quem são imputados os direitos e deveres – o que traduz a ideia da personalidade jurídica

como a capacidade de ser titular de direitos e obrigações, tornando a pessoa um centro de

imputação de direitos e deveres. A personalidade jurídica pode ser atribuída a pessoas

singulares e colectivas e dela distinguem-se: a capacidade jurídica – possibilidade de dispor

dos direitos de que se é titular, intervindo em negócios jurídicos (artigo 67º), e a capacidade

DDOO LLAADDOO AACCTTIIVVOO  DDOO LLAADDOO PPAASSSSIIVVOO 

DIREITO SUBJECTIVO

PROPRIAMENTE DITO –  poder ou

faculdade de exigir ou pretender de

outrem determinado comportamento, seja ele uma acção ou uma omissão.

DEVER JURÍDICO – dever de adoptar o

comportamento que o titular do direito

subjectivo pretende ou exige.

DIREITO POTESTATIVO –  poder ou

faculdade de produzir efeitos jurídicos

na esfera de outra pessoa por acto

unilateral –  direito de preferir do

senhorio, direito de anular do errante…

ESTADO DE SUJEIÇÃO – 

impossibilidade de evitar que se

produzam na sua esfera jurídica os

efeitos do exercício do direito potestativo

– aceitar servidão de passagem.

ÓNUS JURÍDICO  –  condição da

observância de um certo comportamento

prescrito por lei para obter uma certa

vantagem, mantê-la ou evitar uma

desvantagem –  ónus de impugnação do

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delitual – idoneidade da pessoa responder por factos ilícitos, no campo da responsabilidade

extra-contratual, quando não observar normas legais ou interesses legalmente protegidos,

resultante na aplicação de uma sanção (artigo 488º).

*  Adjacentes à personalidade jurídica estão certos direitos de personalidade: direito ao nome

(ou à firma no caso de uma sociedade), à imagem, à honra, ao bom nome e à reputação, à

inviolabilidade do domicílio e à privacidade na esfera íntima e familiar (todos eles direitos

absolutos).

44.. CCOODDIIFFIICCAAÇÇÃÃOO EE TTÉÉCCNNIICCAASS LLEEGGIISSLLAATTIIVVAASS 

 A codificação é a sistematização e ordenação racional das matérias e dos problemas a regular, prevendo soluções

 para esses problemas.

II..  SSIIGGNNIIFFIICCAADDOO DDAA CCOODDIIFFIICCAAÇÇÃÃOO CCOOMMOO TTÉÉCCNNIICCAA NNOORRMMAATTIIVVAA 

O Código é a própria lei em sentido escrito e material.  Ele detém a força própria da lei que o aprova ou no qual

está contido e/ou instituído (caso da Constituição da República Portuguesa que, apesar de não a designarmos como

Código, ela não o deixa d ser). 

    O Código é uma lei que contém a disciplina fundamental de uma certa matéria ou ramo do

Direito, elaborado de forma científico-sistemática, unitária, organizada e coerente. Ele facilita

a construção científica do Direito, porque põe em evidência os princípios comuns (evitando as

constantes repetições), as orientações legislativas, as grandes ligações construtivos e funcionais

de um ramo do Direito (relativamente importante, ou juridicamente importante no contexto da vida

social). 

    São diplomas onde se reúnem um conjunto de normas sobre determinadas matérias,

sabendo que a priori essas normas têm uma validade ou a sua aplicação é de longa duração;

mas como a lei não é estática, elas podem ser objectos de modificação por parte de outras leis

que lhe introduzem novas alterações.

O Código3 limita-se a legislar e a sistematizar as normas mais gerais das matérias dotadas de maior

estabilidade, ficando para a legislação mais avulsa as matérias sujeitas a um critério especial de legislação, por

estarem sujeitas a alterações mais rápidas e/ou intensas.

3 Tipos de códigos Portugueses: Código Civil, Código Processo Civil, Código Penal, Código Processo Penal, Código Comercial,Código Administrativo, Código Sociedades Comerciais, Código dos Impostos, Constituição, etc… 

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11..  DDEEBBAATTEE AACCEESSOO SSOOBBRREE OO VVAALLOORR EE AASS VVAANNTTAAGGEENNSS OOUU DDEESSVVAANNTTAAGGEENNSS DDAA 

CCOODDIIFFIICCAAÇÇÃÃOO 

  Os detractores 4 da codificação advogam que este processo torna o Direito mais estático,

 formal e rígido.  Para eles, o uso da codificação é um instrumento inadequado para

resolver os problemas de uma sociedade em constante mutação e mudança acelerada,

portanto é incompatível com a evolução intrínseca do Homem.

  Porém, este argumento parte do pressuposto que o legislador vai criar um sistema

fechado, de pura “plenitude lógica e formal”, sem ter em conta a resolução e solução de

casos que a Lei não prevê.

  Contudo, a Codificação é um sistema que postula implementação e complementação,

logo, não instaura somente um sistema onde se ordene racionalmente as matérias

concretas e os problemas, como também parte de um processo de adaptação e de

flexibilidade aos casos abstractos, não previstos pela Lei mas que vão por ventura

surgindo. Assim, estes novos casos hão-de ser integrados no padrão geral da codificação

legal (respeitando sempre o desígnio de justiça). 

  Assim, os partidários5 da codificação  contrapõem os seus oponentes afirmando que a

não flexibilidade das leis só tem haver com a forma ou o modo como o legislador tratou

das matérias em causa e nunca com a maneira como estão organizadas/dispostas (porexemplo o uso d conceitos mais abstractos, logo, mais abrangentes permite uma aplicação mais

ampla desta norma).

  Em síntese, a codificação6, racional e ordenada, não produz um sistema jurídico fechado,

muito pelo contrário: ele é um projecto constituído por um complexo normativo

“codificado”, que deve ser continuamente aplicado/executado e completado  (sempre

que necessário!) por outros projectos ou leis que o reformulem e o actualizem aos novos

tempos (é por isso um sistema transparente, ao qual atribui-se a tarefa de achar soluçõesque se integram no padrão “codificado” ou estabelecido pela lei, mas que nela não se

achem expressamente contidas ou previstas).

4 Os detractores da codificação atestam que a codificação regidifica o direito e o torna estático e impermeável à mudança, o quenão se coaduna com a incessante evolução do homem e das sociedades. 5 Os partidários da codificação contra-argumentam que a rigidez não resulta da codificação por si mesma, mas da forma comoessa codificação é feita, e os códigos podem conter dispositivos que o tornem adaptável e flexível à mudança (recurso aconceitos indeterminados, ao caso concreto, às remissões, etc.). 6

 A codificação racional e ordenada não implica a rigidez pois pode instituir uma forma viva e animada cujas virtualidades sepossam desenvolver adequando-se aos casos actuais, em constante evolução –  prova disso é o nosso código civil que nosúltimos 40 anos não sofreu grandes alterações, e ainda assim logra esta adaptação à realidade. Além disso cabe referir-se que ospaíses assentes não em códigos mas em precedentes, no case law, têm demonstrado uma tendência para caminhar para umsistema de leis escritas… 

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IIII..  TTIIPPOOSS DDEE CCOODDIIFFIICCAAÇÇÃÃOO 

1.  CÓDIGO  –  lei em sentido material que contém a disciplina fundamental de uma

certa matéria ou de um sector importante da vida social, normalmente de um ramo do

direito.

  É elaborado de forma científico-sistemática, unitária, organizada e coerente, para

pôr em relevo as grandes linhas orientadoras e os princípios comuns daquele sector,

os seus grandes nexos constitutivos e funcionais, e articular os diferentes institutos e

figuras jurídicas.

  É promulgado pela Assembleia da República (lei) ou pelo Governo (decreto-lei).

  Dos códigos distinguem-se as CONSOLIDAÇÕES que apenas reúnem um conjunto

de normas dispersas, sobre um dado tema ou ramo do direito, num único diploma,

sem lhes introduzir alterações; e as COMPILAÇÕES  que agrupam as normas

existentes sobre determinada matéria, fazendo-lhes aditamentos e alterações.

2.  ESTATUTOS  –  conjunto de regras que regulam de maneira unitária, organizada e

sistemática dada matéria do Direito, contudo esta não tem amplitude ou estabilidade

suficiente para justificar a designação de Código; geralmente, são leis que regulam

uma determinada actividade, carreira ou profissão   (Estatuto dos Comerciantes, dos

 Magistrados Judiciais…). 

3.  LEIS ORGÂNICAS – leis que regulam o funcionamento de um determinado serviço

ou órgão (nomeadamente, da administração pública; Lei Orgânica do Ministério da justiça - e

a dos outros restantes ministérios – , Lei Orgânica dos Tribunais, da APDL, etc.).

4.  LEIS AVULSAS OU EXTRAVAGANTES  –  leis ou diplomas dispersos que não se

integram nos códigos (por serem alvo de alterações mais rápidas e intensas) mas

introduzem-lhe alterações e modificações – legislação extravagante relativa ao contrato de

arrendamento, a Lei do Arrendamento Rural que faz inferências ao disposto no Código que

contém a regulamentação geral ou fundamental daquele tipo de relações, Lei das Cláusulas

Contratuais Gerais, Decreto Lei do Arrendamento Florestal… 

5.  MICRO-CÓDIGOS – diplomas menos extensos do que os códigos sobre uma dada

matéria, permitindo raciocínios e inferências paralelos aos do código mas com um

alcance mais limitado, que permite por vezes implica a consulta do próprio código

(Lei do Arrendamento Urbano, que fora tirado do Código Civil, porém já fora novamente

introduzido). 

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IIIIII..  TTÉÉCCNNIICCAASS LLEEGGIISSLLAATTIIVVAASS 

1.  PARTES GERAIS7  –  princípios gerais e disposições normativas comuns a todas as

regulamentações particulares que a lei visa estabelecer (têm um domínio ou campo de

aplicação extremamente vasto), para evitar repetições e dar uma resposta antecipada

ao catálogo de perguntas afecto àquela matéria.

2.  REMISSÕES – questões de direito que não são reguladas directamente mas através

da remissão, da indicação de outras normas que lhe devem ser aplicadas, porque o

seu conteúdo lhes é extensível.

  A remissão pode ser feita para uma parte do mesmo sistema de ordenamento

 jurídico (remissão intra-sistemática, caso do artigo 1868º do Código Civil, remete-

nos para o artigo 1811º ao 1813º do mesmo Código) ou para uma norma de um

sistema ou ordenamento jurídico externo ou diferente (remissão extra-sistemática, a

invalidade do casamento católico previsto no artigo 1625º do Código Civil, remete-

nos para um outro sistema de ordenamento que é a Lei Canónica que é aquela que

legitima e regula esta matéria).

  As remissões também podem ser amplas nos casos em que é o instituto secundário

que remete para o instituto base que lhe é essencial, ou contrárias à remissão ampla

caso a remissão seja feita a partir do instituto base para a frente, para todas as

situações análogas.

  Podem ainda ser:

*  DIRIGIDA À ESTATUIÇÃO: na norma está definida a hipótese legal mas não os seus

efeitos jurídicos – artigo 594º, “é aplicável à sub-rogação o disposto nos artigos 582º a

584º”. 

*  DIRIGIDA À HIPÓTESE LEGAL: na norma estão estabelecidos os efeitos jurídicos

aplicáveis a factos já previstos anteriormente, noutras normas para as quais remetem – 

artigo 113º, “… nos casos previstos nas alíneas a) e b) do artigo anterior, os bens são-lhe

entregues”.

*  DUPLA REMISSÃO OU EM CADEIA: a norma é remetida para uma outra norma

igualmente remissiva para uma terceira norma – artigo 433º remete para o artigo 289º

que contém uma remissão para o artigo 1269º.

7

 O facto de o primeiro livro do Código Civil, e os as constantes presenças de “Disposições Gerais” ao longo dos restantes livros,títulos e subtítulos só demonstra o quanto fundamental é esta técnica legislativa que evita a constante e sistemática repetiçãodos pressupostos legislativos e normas orientadoras e os princípios estruturantes de uma dada matéria (há um condensar dasnormas jurídicas comuns à restante matéria que se fixam num conjunto de princípios orientadores evitando-se assim constantesrepetições; art. 157, referente às pessoas colectivas e o artigo 258 quanto à representação). 

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3.  FICÇÕES LEGAIS – assimilações fictícias de duas realidades factuais distintas para

as submeter ao mesmo tratamento. São no fundo remissões implícitas, mas o

legislador em vez de remeter para uma norma determinada que regule certo facto ou

situação, estabelece antes que o facto ou situação a regular é ou se considera igual

àquele facto ou situação que já se acha regulada, e portanto aplica-lhe o mesmo

tratamento –  artigo 224º nº 2, “tem-se por eficaz a declaração negocial que não foi

oportunamente recebida por culpa do destinatário (que se esquivou)”.

4.  DEFINIÇÕES LEGAIS – enunciados legais que apenas estabelecem classificações ou

definições normativas, sem obedecer à estrutura da norma jurídica autónoma – artigo

202º: noção de coisa. São objecto de críticas porque a tarefa da definição cabe à

doutrina, não ao legislador, que não deve vincular a ciência jurídica a definições

normativas – mas as definições são apenas uma noção provisória de uma realidade

que tem necessariamente de ser categorizado, e cumprem um importante prescritivo

porque constituem indirectamente parte das hipóteses legais das normas que se lhe

seguem.

5. 

PRESUNÇÕES LEGAIS –  ilações ou deduções/inferências que a lei ou o legislador

tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349º). Estão

relacionadas com a questão do ónus da prova  porque esta normalmente é imposta a

quem invoca um direito (art. 342º) mas quem tem a seu favor uma presunção legal

escusa de o provar (artigo 344º - inversão do ónus de prova). Podem ser presunções

 judiciais, que podem ser elididas por resultarem apenas da experiência normal do

magistrado, que requer uma mera prova testemunhal ou contra prova suficiente para

abalar a sua convicção; ou legais, por estarem estabelecidas na lei, e neste caso podem

ser:

*  IURIS TANTUM : aquelas que podem ser elididas, que cedem mediante prova em

contrário – art. 491º, presunção de culpa de terceiros encarregados à vigilância de

outrem;

*  IURIS ET DE IURE8: aquelas que são absolutas e irrefutáveis e não admitem prova

em contrário – artigo 1260º - a posse adquirida por violência é sempre considerada

de má fé.

6.  CONCEITOS INDETERMINADOS – parte movediça e absorvente do ordenamento

 jurídico que, por não ter um significado determinado, permite ajustar e fazer evoluir a

lei de encontro às particularidades do presente e dos casos concretos da vida, porque

8 Confundem-se por vezes com ficções legais, na ficção a lei atribui a um facto as consequências de outro, enquanto que napresunção iuris et de iure o legislador supõe irrefutavelmente que o facto presumido acompanha sempre o facto que serve debase à presunção. 

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o legislador necessita de adaptar o direito ao processo histórico-social e às alterações

da vida trazidas pela sociedade técnica –  conceito de boa fé, bons costumes, justa

causa, interesse público, veracidade justeza e gravidade…

7.  CLÁUSULAS GERAIS  –  exprimem-se a partir de conceitos indeterminados, mas

enquanto estes consistem num conceito só e figuram em normas que tendem para a

regulamentação casuística ou tipificada (onde se definem com precisão as situações a

que a norma se aplica –  enumerações taxativas); as cláusulas gerais consistem num

conjunto completo de dados e conceitos e contrapõem-se à regulamentação casuística

porque têm um maior campo de aplicação e uma maior abertura, deixando bastante

indefinidos os casos a que virá a aplicar-se porque não contêm uma hipótese dotada

de conotações precisas, uma hipótese tipificadora – só podem portanto traduzir-se em

enumerações exemplificativas ou abertas.

*  Exemplo: Decreto-Lei nr. 372-A/75 introduz no artigo 1º uma cláusula

geral (considera-se  justa causa o comportamento culposo do trabalhador

que pela sua grávida e consequência, constitua infracção disciplinar…) e

no nº 2 faz-se uma enumeração exemplificativa (poderão nomeadamente

constituir justa causa, entre outros, os seguintes comportamentos: a, b,

c…).

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PPAARRTTEE IIVV –– AA TTUUTTEELLAA DDOO DDIIRREEIITTOO 

AA..  IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO  OO  AAPPAARREELLHHOO  EESSTTAADDUUAALL  DDEE  CCOOAACCCCÇÇÃÃOO  EE  AA  TTUUTTEELLAA  DDEE 

DDIIRREEIITTOO 

AS NORMAS JURÍDICAS, ao contrário das normas morais, ou de cortesia, ou de outras

regras de conduta social, caracterizam-se pela sua coercibilidade. Isto é, a aplicação das normas

 jurídicas é assegurada pelo aparelho de coerção estadual que:

o  Impõe e tutela o direito objectivo (salvaguarda o cumprimento das regras normais do direito, da

vigência e efectividade das normas jurídicas);

o  Representa a garantia jurídica dos direitos subjectivos, dando-lhes assim uma consistência

prática que contribui decisivamente para a interacção e integração social e para a convivênciapacífica entre todos (preservação dos direitos subjectivos de cada indivíduo).

Dado que a experiência prova que necessariamente existem casos onde as pessoas não

cumprem nem acatam com os pressupostos estabelecidos nas normas jurídicas vigentes, tem que

haver forçosamente mecanismos jurídicos de controlo, fiscalização e de combate –  a chamada

“TUTELA DE DIREITO” – a estas situações que permitam, através do recurso a medidas de coacção,

atingir o máximo de plenitude de justiça possível (de referir que cada norma jurídica contem em si um

 pressuposto de justiça) por forma a alcançar-se o bem estar social.

A tutela do Direito é aquilo por que conhecemos de “garantia” numa relação jurídica. Ambas

consagram um conjunto de meios de coerção que actuam sempre que haja a violação de algum direito

subjectivo, permitindo que o credor/lesado utilize estes meios de defesa

O aparelho estadual é um aparelho extremamente complexo e compreende tanto a Jurisdição

(incumbida do poder judicial), como a Administração (incumbida do poder executivo –  o órgão

máximo é o Governo) que actuam, se necessário através do recurso à força, sempre que haja a

observância de alguma violação à ordem jurídica ou às suas sanções correspondentes. Porém, quando

falamos do aparelho da coacção de imediato associamos um conjunto de instituições como os

tribunais, as penitenciárias, as várias polícias e o exército (forças armadas).

Cabe referir que há o recurso a uma força institucionalizada, i. e., uma força que não pode

exceder o estabelecido por lei, tem de haver uma proporcionalidade de adequação do recurso ao uso

da força nos casos práticos.

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B.  CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE TUTELA DE DIREITO

MMEEIIOOSS DDEE TTUUTTEELLAA 

 HETEROTUTELA(tutela pública)

 

Tutela preventiva;

 

Tutela compulsiva;  Tutela reconstitutiva;

  Tutela punitiva.

Recusa de efeitos jurídicos aos actos jurídicos praticados sem obediência aos requisitosexigidos por lei ou às cláusulas contrárias à lei. Nem sempre implica a execuçãoforçada de actos materiais – apreensão de bens, aplicação de penas de prisão, despejo efectuado por mandato da autoridade judicial ou administrativa… –  por vezes a sanção tambémimplica uma situação jurídica desfavorável (p.ex., o autor da ilicitude incorre na obrigaçãode indemnizar). Numa última estância, se o devedor recusar-se a cumprir com os seus deveres eobrigações mesmo depois de ter sido notariado pelo Tribunal, este último poderecorrer a medidas de coerção física para impor a sua ordem.

 AUTOTUTELA(tutela particular, comcarácter excepcional)

A lei permite, excepcionalmente e somente nos casos nela previstos, que um individuonormal, um cidadão comum, desprovido de quaisquer poderes de autoridade, recorrerà coerção – sempre dentro de uns limites legais – para fazer valer os seus direitos e evitarqualquer tipo de violação por parte de terceiros, usando meios de autotutela, atravésdo recurso ao uso da força própria. Tal situação só pode acontecer se a ilicitude ocorrernuma situação ou momento onde se verifique ser impossível recorrer, em tempo útil eoportuno, há ajuda dos Tribunais – mecanismos de aplicação dos meios de tutela. 

11..  MMEEIIOOSS DDEE TTUUTTEELLAA J JUURRÍÍDDIICCAA OOUU PPÚÚBBLLIICCAA 

a)  TUTELA PREVENTIVA –  são medidas que visam impedir a violação de normas

 jurídicas ou de quaisquer direitos subjectivos de outrem e prevenir a inobservância

das regras jurídicas estabelecidas. Tipos de meios preventivos:

Intervenção da autoridade pública  (polícia)  no exercício da actividade dos

particulares, fiscalizando, limitando, condicionando ou sujeitando a autorização

prévia o exercício de certas actividades, com vista a evitar os danos sociais que delas

poderiam eventualmente resultar;

Medidas de segurança obrigam o sujeito que pratique certo crime em condições que

revelem particular perigosidade para o agente, além da pena (sanção punitiva),  ser-

lhe-á também aplicada uma medida de segurança (p. ex., a inibição para o exercício de

uma dada actividade ou função) –  proíbem a prática de uma dada actividade ou o

exercício de certa profissão àqueles que tenham sido condenados por determinados

delitos;

Medidas preventivas de procedimento cautelar  impedem a prática de actos

potencialmente danosos, danos esses de difícil reconstituição (através da

implementação de, p. ex., acções declarativas impostas pelo Tribunal que, p. ex., se pode

 prenunciar sobre algum pré-litígio – pronunciar se o contrato é válido ou inválido, etc.).

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b)  MEDIDAS COMPULSIVAS –  consiste num meio de compelir o devedor ao

cumprimento de certa obrigação, são uma forma de constrangê-lo a adoptar o

comportamento devido e que aliás é esperado que ele adopte. Tipos de meios

compulsivos:  Sanção pecuniária compulsória é um meio muito utilizado nos Tribunais franceses

por ser um meio que assegura a eficácia e a pronta observância dos Tribunais.

Abrange as situações em que o devedor não obedeça à sentença que o condena a

cumprir a sua obrigação é desde logo obrigado a pagar ao credor uma soma bastante

elevada por cada dia, semana ou mês de atraso no cumprimento da sua sentença que

reverterá em parte para o Estado e a restante parte para o credor; é um meio de

poupar ao credor as delongas e as despesas da acção executiva.

 

Cláusula Penal

  Direito de retenção  é um meio que prevê, em dadas situações concretas, a

possibilidade de ser retido um bem ao devedor enquanto este não cumprir com a sua

obrigação (ex., uma situação típica é o caso das oficinas –  sempre que algum

mecânico reparar algo que seja no automóvel de um terceiro ele tem o direito de

reter a viatura no seu estabelecimento enquanto o titular do veículo não lhe pagar

pelas despesas contraídas para o reparo da coisa)

c)  MEIOS DE TUTELA RECONSTITUTIVOS – consiste num meio de ressarcir um dano

ou de repor ou reconstituir uma situação. Tipos de meios de tutela reconstitutivos:

Ao nível da responsabilidade civil extra-contratual

  Reconstituição in natura  –  está definida no art. 566º, nº1 do Código Civil.

Consiste no acto de recomposição natural da situação jurídica inicial. P. ex., num

acidente de viação, o sujeito A choca com o veículo do sujeito B, sabendo que do

embate surgem uma série de danos no veículo de B. Nesta situação o A tem a

obrigação de reparar o veículo de B e colocá-lo no estado em que se achava antes

do acidente.  No entanto, supondo que tal reconstituição natural for

excessivamente onerosa/dispendiosa, então deve de se proceder a uma

indemnização por equivalente.

  Indemnização por equivalente – consiste numa indemnização pela entrega de

uma soma pecuniária que restitua a vítima à situação patrimonial que teria

senão tivesse ocorrido esse facto ilícito. P. ex., retomando o caso do exemplo

anterior, se os danos causados por A na viatura de B, que era uma automóvel de

colecção do séc. anos 20, cuja reparação e peças são extremamente caras por não

existirem à venda no mercado comum e serem feitas à mão; a situação que sesegue é que em função da reparação do veículo ser excessivamente dispendiosa,

então o tribunal decreta uma indemnização equivalente em dinheiro que

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substitua o dano causado no património do lesado, tendo em conta uma

avaliação do dano. 

No entanto, sempre que os danos causados não tenham natureza

patrimonial, danos imateriais (danos morais, p. ex., logo insusceptíveis de

avaliação pecuniária), o autor do acto ilícito fica então obrigado a

compensar esses danos através de uma soma pecuniária (não tem

uma função de indemnização mas antes de compensação). P. ex., o sujeito A

vem testemunhar contra B em tribunal e, sabendo que por

motivos pessoais e não relacionados com o caso em questão, o

primeiro faz um depoimento arbitrário e discricionário, cujos

factos não coincidem com a verdadeira realidade indo contra um

dos princípios estabelecidos por Lei –  “Juro dizer a verdade e

nada mais que a verdade…”. Se B conseguir  provar este perjúrio,

A pode ter de lhe pagar um montante em dinheiro ao primeiro

pela ilicitude em que incorreu.

Ao nível da responsabilidade civil contratual

  Execução específica –  acto que pode ser levado a cabo pelo Tribunal,

sempre que solicitado através de um pedido de acção judicial, que

consiste nada mais do que o recurso ao uso dos seus poderes de

autoridade e de força por parte deste órgão judicial que aprende pormeio de uma acção executiva obrigando assim ao devedor cumprir o

dever a que estava adstrito. P. ex., B recusa-se a entregar a A o objecto certo e

determinado que este lhe comprou. Se A recorrer a tribunal, este por meio de

uma acção executiva pode apreender o objecto a B e entregá-lo,

consequentemente, a A que é o seu verdadeiro possuidor. 

Porém sempre que não é possível uma acção executiva, i. e., sempre que o

devedor destruiu a coisa que devia entregar ao credor ou sempre que a

prestação que o devedor tem para com o credor é uma coisa infungível,isto é, uma actividade que não pode ser realizada por terceiros; então o

devedor pode ser condenado pelo Tribunal a pagar uma quantia em

dinheiro, a chamada “reintegração por mero equivalente”  –  muito

semelhante à indemnização por equivalente –, que colocaria o credor numa

situação patrimonial em que este se acharia se o devedor tivesse

cumprido com a sua obrigação no tempo devido. Se o devedor não tiver

montante suficiente em dinheiro para pagar esta indemnização, o

Tribunal pode executar os bens deste para cumprir com este dever. P. ex.,

A contratou B como empreiteiro do seu aldeamento, sabendo que B tinha

o devedor de fazer todas as instalações de forma correcta e segura. Antes

de a obra acabar, o A descobre um conjunto de defeitos nas instalações de

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electricidade por desmazelo de B que para poupar dinheiro provocou tal

situação. O B legalmente ocorre na obrigação de restituição natural, ou

seja, deve de reconstituir a situação natural, isto é, os danos ou defeitos.

Se este se recusar, o Tribunal se devidamente solicitado por A, pode

contratar outro empreiteiro para a empreitada para reparar os defeitos

cujo custo vai ser, posteriormente, reencaminhado a B que é obrigado a

pagar.

d)  SANÇÕES PUNITIVAS – dizem respeito aos casos de violação mais graves da ordem

 jurídica. Estes casos implicam não só a responsabilidade penal, onde o Direito recorre

à aplicação de penas que geralmente implicam a privação de um bem (vida, liberdade,

valores patrimoniais,…, aplicação de uma coima sempre que incorra numa contra -ordenação)

ou na reprovação da conduta do infractor que é obrigado a prestar contas à própria

sociedade pela violação da ordem estabelecida (consiste num castigo e não propriamente

na reconstituição do facto anterior ao dano);  no entanto, estes casos também envolvem

uma responsabilidade civil que implica necessariamente, de uma reconstituição da

situação anterior aos danos causados, sempre que possível.

P. ex., B ataca A e causa-lhe inúmeras lesões corporais. Por Lei será não lhe será só

aplicado uma pena pelo crime de ofensas corporais, como também será

responsabilizado civilmente a reparar os danos causados a B (inclui as despesas

médicas e uma possível indemnização a A pelos prejuízos que lhe causou este

dano).

Outro exemplo possível é a indignidade sucessória que pode acontecer numa

situação em que o herdeiro legítimo tenta matar o testamentário para herdar mais

rapidamente os bens que por direito, na sequência da morte do segundo, lhe

pertencem. Contudo, neste caso além de responder pela responsabilidade penal fica

também inibido do seu poder de sucessor.

11..11  IINNEEFFIICCÁÁCCIIAA,, IINNVVAALLIIDDAADDEE EE IINNXXIISSTTÊÊNNCCIIAA DDOOSS AACCTTOOSS J JUURRÍÍDDIICCOOSS 

  Quando nos estamos a repercutir à tutela preventiva jurídica, é importante

também consideramos que os meios de tutela de Direito não visam somente

a restituição ou indemnização dos prejuízos causados ao credor. O Direito

também tem em conta os requisitos impostos pela jurisdição quanto à

validade, eficácia e existência dos actos jurídicos, ou seja:

A Lei também tem em conta os desígnios daquele que pretende obter umdado resultado jurídico omitindo os pressupostos que para tanto a Lei

exige. P. ex., se A e B fazem um contrato de compra e venda de um bem

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imóvel sem observância de um escritura pública, o acto é pura e

simplesmente nulo aos olhos da Lei, logo, não causa nenhuns efeitos

 jurídicos (como, a tutela preventiva para o caso de alguns dos sujeitos ocorrer

numa ilicitude).  No entanto, se A e B estabelecem uma relação de

arrendamento de um prédio urbano, estipulando que a renda seria paga em

géneros, somente esta cláusula será nula que não terá qualquer influênciana validade do contrato (não incide na própria existência do acto). 

22..  TTUUTTEELLAA PPRRIIVVAADDAA –– AAUUTTOOTTUUTTEELLAA DDOOSS PPAARRTTIICCUULLAARREESS 

A tutela é uma faculdade ou capacidade atribuída às entidades públicas que lhes

permite o recurso ou a adopção de actos ou comportamentos de coerção destinados a

prevenir ou a sancionar os actos ilícitos.

De referir que, segundo o disposto no art. 1º da Constituição , “a ninguém é licito

restituir-se ao exercício do direito de que seja titular por sua própria força e

autoridade, salvo nos casos e dentro dos limites declarados pela Lei” .

Sendo assim, na análise desta norma jurídica, podemos concluir que a lei declara meios

de acção dos particulares que podem funcionar como meios de tutela de direitos ou

como meio de prevenir a sua violação (confere aos particulares a possibilidade de eles

 próprios, em dadas situações, recorrerem ao uso da força própria, sem recorrer inicialmente aotribunais –  a lei permite o recurso excepcional ao uso da força própria).   Isto só é possível

naquelas situações em que não se pode recorrer em tempo útil ou oportuno aos

Tribunais.

Os casos previstos na Lei encontram-se regulados no CÓDIGO CIVIL, desde os art.

336º ao 339º, são os seguintes:

   A ACCÇǠàÃOO D D I  I  R R E ECCT T  A A 

ARTIGO 336º(Acção directa)

1.  É lícito o recurso à força com o fim de realiza ou assegurar o próprio direito,quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrerem tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilizaçãoprática desse direito, contando que o agente não exceda o que for necessáriopara evitar o prejuízo.

2.  A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração deuma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercíciodo direito, ou noutro acto análogo.

3.  A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos queo agente visa realizar ou assegurar.

   L L E EGG Í  Í T T  I  I  M  M  A A D D E E F  F  E ESS A A 

ARTIGO 337º

(Legítima defesa)

1.  Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actuale contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro,

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desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízocausado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar daagressão.

2.  O acto considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso delegítima defesa, se o excesso for devido a perturbação ou medo não culposodo agente.

   E ESST T  A A D DOO  D D E E  N  N  E ECC E ESSSS I  I  D D A A D D E E 

ARTIGO 339º

(Estado de necessidade)1.  É lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com fim de

remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer doagente, quer de terceiro.

2.  O autor da destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indemnizar olesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpaexclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnizaçãoequitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiraramproveito do acto ou contribuíram para o Estado de necessidade.

   D D I  I  R R E E I  I T T OO D D E E 

 R R E ET T  E E N  N ÇǠàÃOO 

ARTIGO 754º – ao art. 761º (Quando existe)

O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de

retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar dedespesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

B.1  A TUTELA DO(S) DIREITO(S)

  Quando atrás falamos em tutela de direitos  reportamo-nos essencialmente aos direitos

subjectivos ou à tutela mediante constituição de direitos subjectivos (direito subjectivo a

uma indemnização constituído a favor daquele cujo interesse foi lesado por um acto ilícito…) . De

referir, que o Direito põe à disposição de meios de tutela dos direitos subjectivos (como as

multas pecuniárias, a anulação dos contratos por incumprimento –  como a violação dos deveres

conjugais por parte dos cônjuges ou dos deveres de sócio para com a sociedade…)  que, em ultimo

caso, permite a execução forçada (apreensão pela força, p.ex.) dos bens e/ou rendimentos do

devedor ;

  Nestes casos, os direitos subjectivos  dos cidadãos estão não só garantidos contra a

violação por parte de outros particulares, como da própria Administração Pública.

Sempre que algum direito de um particular seja violado através de um cumprimento de

um acto (deliberação ou decisão) por parte de uma autoridade administrativa, a regra é que

se deve obter a revogação ou anulação desse acto administrativo. Assim o particular

lesado adquire o direito de indemnização contra a Administração Pública e contra os

seus agentes (salvo disposto Art. 21º na Constituição).

  De referir também que os meios de tutela colocados à disposição dos particulares

funcionam ao mesmo tempo como meios de tutela de direitos objectivos, por isso, é que a

faculdade atribuída a um particular para recorrer dos actos administrativos ilegais é um

dos meios legítimos de tutela da legalidade da administração pública. Não obstante ofacto que nos meios de tutela da administração também se considera a fiscalização da

legalidade dos actos dos subalternos pelos seus superiores hierárquicos que podem

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revogar esses actos no exercício do seu poder superintendente  (o controle, pode, p. ex., ser

exercido pelo Provedor de Justiça).

  Quando falamos de tutela de direito,  não nos podemos esquecer da tutela do próprio

direito constitucional –  “Garantias da Constituição”,  que comporta não só uma fiscalização

 preventiva da constitucionalidade das leis como uma fiscalização a posteriori, ou seja, envolve ainda

um eventual controlo da inconstitucionalidade por omissão.

  Há ainda direitos conferidos aos cidadãos, de carácter económico, social e cultural, que

não são tutelados pela via da atribuição de um direito ou pretensão que possa ser

efectivamente exercida pela via judicial com a mesma eficácia que os direitos subjectivos

(pessoais e patrimoniais)  ou cuja violação pode dar lugar a um direito contra o próprio

Estado ou contra a Administração (falamos do direito à saúde, à habitação, ao trabalho, à

qualidade de vida, a um bom ambiente ecológico, etc., cuja garantia ou concretização depende

essencialmente da evolução económica e da acção do Estado). 

  As sanções jurídicas9  traduzem uma “reacção da ordem jurídica à  inobservância ou à

violação das suas normas”. Esta pode-se situar em dois níveis:

  Ao nível das próprias normas que fixam os pressupostos dos actos de exercício eficaz

ou válido de um poder ou competência, ou proíbem certos actos jurídico-constitutivos

ou normativos cuja sanção traduz-se na recusa (total ou parcial) da eficácia jurídica

dos actos praticados;

  Ao nível das restantes normas jurídicas cuja violação traduz-se mais incisivamente no

desencadeamento (produção) de determinados efeitos jurídicos –  constitutivos,

modificativos, extintivos e, por ventura, inibidores ou imperativos10.

33..  TTUUTTEELLAA AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAA EE GGAARRAANNTTIIAASS AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAASS 

O  princípio da tutela pública implica uma tutela de ordem jurídica  que deve serimplementada ao próprio aparelho estadual do qual fazem parte os próprios tribunais –  que no seu

conjunto formam o poder judicial – e a Administração – designadamente a administração pública estadual, sob

a direcção do Governo e a administração autónoma, desde autarquias locais a regionais.   Portanto, há

efectivamente uma distinção entre a Administração e a Jurisdição.

9 Nem sempre a normas implica a produção de efeitos jurídicos. Quando as normas perdem a sua qualidade de norma jurídica,

e deixam de ser eficazes, devemos só assim dizer que a sua violação deixa de desencadear a produção de efeitos jurídicos.

10 É uma categoria muito ampla de efeitos jurídicos que pode abranger desde impedimentos matrimoniais dirimentes relativos,perda da possibilidade de acesso a certas vantagens ou imposição de certos ónus para aquisição delas, até à perda do direito devoto.

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II..  TTUUTTEELLAA AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAA 

A administração, ao contrário da jurisdição, tem essencialmente uma função activa e

dinâmica na realização dos diferentes interesses ou fins colectivos do Estado.

Nomeadamente, ela tem o dever de prevenção de certos delitos e a manutenção da

paz pública. Assim, a tutela administrativa tem essencialmente em vista dois aspectos:

  A TUTELA DOS DIREITOS DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO, quando este os

pretende fazer valer contra a resistência dos particulares, ou quando pretende impor a

estes a observância de Leis, regulamentos ou providências concretas –  neste casos a

administração recorre à autotutela dos seus direitos, isto é, exerce-os pelos seus

próprios meios e coercivamente sem ter que recorrer aos tribunais. As decisões

administrativas e executórias gozam de uma força até certo ponto semelhante à dassentenças dos tribunais podendo a administração executar essas decisões por meios

coercivos ou adoptar medidas compulsivas sem ter que recorrer previamente aos

tribunais para fazer declarar ou tutelar os seus direitos. Este é o chamado “privilégio

da execução prévia”   –  a administração executa as suas decisões por meio de

autoridade própria e só depois é que se discutirá judicialmente a questão, se o

particular afectado interpuser recurso contencioso para os tribunais11.

  TUTELA OU GARANTIA ADMINISTRATIVA DOS DIREITOS DOS

ADMINISTRADOS contra os actos ou decisões ilegais, injustas e inconvenientes porparte da própria administração12. Os cidadãos além de terem o direito a participar nas

decisões ou deliberações que lhe dizem respeito, os administrados podem impugnar,

perante a própria administração, através dos seguintes meios de garantia

administrativa conferidos aos administrados:

Reclamação para o próprio órgão que praticou o acto;

Recurso hierárquico  para a entidade (necessário ou facultativo) para a entidade

hierarquicamente superior, pedindo a revogação ou a reforma do acto

administrativo ilegal, inconveniente ou injusto;

Recurso contencioso para o Tribunal competente (recurso em último caso, sempre queos dois anteriores meios falharem) o que implica já um recurso à via ou tutela judicial.

Sendo o Estado um órgão um agente que visa a directamente a realização de fins e

interesses que constitucionalmente lhe são conferidos, cabe-lhe a ele próprio

designar quais os meios mais eficientes para atingir a plenitude destes objectivos,

11  A administração pública pode encerrar um estabelecimento, p. ex., quando não se verifiquem os requisitos de sanidadeexigidos por lei e pode também proceder ao despejo administrativo dos moradores de um prédio que vai ser demolido porameaça de derrocada ou por ser uma construção clandestina, sempre que estes se recusem a sair após a notificação deliberativado órgão administrativo que ordena a demolição.

Contudo, há casos onde necessariamente o Estado tem de recorrer aos tribunais para exercer certos direitos, como odireito de punir, que não pode ser exercido sem que antes se peça ao tribunal a condenação do arguido. Para além disso, aAdministração não pode executar directamente as obrigações tributárias sem antes recorrer à intervenção dos tribunaiscompetentes – neste caso seria o tribunal de execução fiscal.12 Regulamentados no artigo 91º (responsabilidade civil do Estado e de outras entidades públicas e dos seus órgãos e agentes),no 268º, nº3 e no art. 269º da Constituição Portuguesa e, mais detalhadamente, no Decreto-lei nº 256-A/77 de 17 de Junho.

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no entanto pode acontecer casos em que para a realização dos seus fins concretos,

ele viole ou lese os direitos ou interesses legítimos dos cidadãos (os órgãos da

administração podem exorbitar das suas funções e cometer “desvios de poder”).  Quando

isto se verifica, a lei concede aos particulares o recurso contencioso contra os actos

ilegais da administração que também funciona como controlo do próprio interesse

da legalidade administrativa enquanto interesse público. Nestes casos de processo

contencioso ele carece da qualidade de um terceiro imparcial – o juiz ou magistrado

independente e descomprometido  –  que vai presidir o processo de forma a apurar a

efectivação da justiça e da legalidade.

IIII..  TTUUTTEELLAA DDEE DDIIRREEIITTOO EE MMEEIIOOSS EESSTTAADDUUAAIISS DDEE CCOONNTTRROOLLOO SSOOCCIIAALL EE 

IINNDDIIVVIIDDUUAALL 

  Para além dos simples meios de influenciação da opinião pública (propaganda),  O

Estado dispõe de meios poderosamente eficazes para influenciar, orientar e até

dirigir a actividade dos seus agentes, bem como dos particulares.

  Os meios de controlo estaduais sobre os particulares são meios deveras relevantes e

são eles os meios de tutela ou de controlo de alguma ordem jurídico-institucional.

Eles podem ser designados por:

  MEDIDAS COGENTES incluímos a proibição do exercício de certas actividades

pelos particulares, a sujeição desse exercício a uma autorização administrativa e ao

preenchimento de uma série de requisitos –  os planos normativos “stricto sensu”, o

tabelamento de preços, a proibição de certas cláusulas contratuais, o regime de importações… 

  MEDIDAS DE INCENTIVO onde se inserem as chamadas “sanções positivas” – 

incentivos de várias ordens, como p. ex., a concessão de credito, os empréstimos com juros

bonificados, as subvenções ou subsídios, a garantia de preços…  No entanto, é importante

referir que por vezes a não observância de uma conduta considerada desejável pela

administração pode equivaler a um vultuoso prejuízo que, por conseguinte pode dar

a uma sanção negativa. Para além disso, por vezes mesmo que a prática de certasactividades seja permitida ela pode ser submetida a ónus e encargos tais que

funcionem como verdadeiros “dissuasores”  –  se não proíbem directamente uma

actividade tornam-na “proibitiva”. Portanto há que considerar que ao lado das medidas

incentivadoras encontramos paralelamente as medidas desincentivadoras (o Estado

não propõe um negocio por mero acto unilateral, todavia, persuade de tal maneira o

empresário que este não tem outra alternativa senão aquela que a mesma administração

 propõe).

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11..  TTUUTTEELLAA J JUUDDIICCIIÁÁRRIIAA 

AA))  FFUUNNÇÇÃÃOO DDOO PPOODDEERR J JUUDDIICCIIAALL –– PPOOSSIIÇÇÃÃOO CCOONNSSTTIITTUUCCIIAANNAALL 

  FUNÇÃO TUTELADORA DOS TRIBUNAIS –  “os Tribunais são os órgãos de

soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”13. Para além

disso, “para a administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos

direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da

legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”14.

Assim sendo ao analisarmos estas normas jurídicas note-se que além da função

 jurisdicional dos tribunais, aqui realçado o sue carácter tutelador – eles visam assegurar

a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, suprimir os possíveis conflitos deinteresses (públicos e privados) e reprimir, de um modo geral, qualquer tipo de violação da

legalidade democrática (tutela do Direito). 

  OS TRIBUNAIS COMO ORGÃOS DE SOBERANIA – como já foi dito anteriormente,

os tribunais são órgãos de soberania que administram a justiça em nome do povo. A

qualidade dos tribunais como órgãos soberanos coloca um pouco em causa a teoria

constitucional e da soberania do povo; uma vez que, geralmente, os juízes não são

eleitos, nem directa nem indirectamente, mas antes nomeados ou eleitos pela própria

corporação (Conselho Superior Judiciário)15–  não existe qualquer relação orgânica ou

representativa entre os tribunais e o soberano popular; os juízes nem sequer são nomeados por

um órgão que funde a sua legitimidade no sufrágio popular, como p. ex., a Assembleia ou o

Governo; de referir que se assim fosse iria contra o princípio de independência dos Tribunais .

Cabe portanto saber de onde vem a legitimidade democrática dos Tribunais para que

estes pronunciem as suas decisões em nome do povo16.

  LEGITIMIDADE OU REPRESENTATIVIDADE DEMOCRÁTICA DOS TRIBUNAIS – 

a ideia central pode resumir-se nisto: os tribunais têm legitimidade para decidir em

13 Artigo 205º da Constituição Portuguesa. 14 Artigo 206º da Constituição Portuguesa.15 Artigo 223º da Constituição Portuguesa. 16 Têm legitimidade democrática não só todos os órgãos directamente eleitos por sufrágio popular – Assembleia da República eo Presidente –, como também todos aqueles que destes emanem ou estão de alguma forma relacionados ou subordinados aosprimeiros. Tal não se verifica com os titulares do poder jurisdicional, os juízes. Deste modo podemos afirmar que a afirmação deque os tribunais administram a justiça “em nome do povo” parece não passar de uma mera “fictio iuris”, uma vez que em nome

do povo só pode agir ou pronunciar-se quem por ele foi directa ou indirectamente mandatado. No entanto, mesmo partindodesta ideia de “fictio iuris” os tribunais teriam de agir segundo uma perspectiva, nomeadamente, eles teriam de agirrepresentando e realizando os interesses de toda a colectividade/povo e não os interesses de grupos particulares. Enquanto quena monarquia o Rei era o soberano, logo os Tribunais decidiam em nome de Sua Majestade; hoje em dia, uma vez o povo ser osoberano o Tribunal representa esta camada na sua totalidade.

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nome do povo, na medida em que da sua vinculação às leis e, na medida em que na

sua competência não vá envolvida qualquer faculdade de opção política. Portanto, só

tem legitimidade democrática na exacta medida em que lhes cumpre descobrir e

aplicar aos casos o direito que já, carecendo de qualquer legitimidade para opções

inspiradas por directivas políticas.

  A legitimidade das decisões não se funde no puro facto de elas serem tomadas por

quem detém a maioria dos sufrágios, ela funda-se antes no respeito pelo estatuto da

função/encargo em que os titulares dos órgãos são investidos que implica tão

somente interpretar e representar o interesse de todo o povo como colectividade;

  No que diz respeito à criação de leis, do Direito e das linhas fundamentais da politica

do país, devemos de afirmar que dada a diversidade de concepções existentes, a

vontade da maioria prevalecerá como interpretação mais adequada e justa dos

valores e do interesse da colectividade. Sabendo que esta interpretação presume-se

“iuris et iure”. 

  No entanto, no que diz respeito a aplicar o Direito e a assegurar a legitimidade ou

representatividade dos órgãos a que é conferido tal encargo, os Tribunais, bastaria a

vinculação destes às leis e a observância pelos titulares do poder judicial do seu

estatuto próprio da sua função – dos deveres ou ethos do seu cargo17.

  O ethos democrático da sua função ou estatuto exige e impõe ao juiz o respeito das

leis, a consideração do interesse geral e sempre que tenha de dirimir acerca de

conflitos de interesses, exige que ele profira uma decisão justa e imparcial, não

contraditória com os critérios legais. Ele tem de decidir com justiça, uma vez que

decidir com justiça coincidirá exactamente com o decidir em representação do todo,

logo, uma decisão proferida em nome do povo sem parcialidade, nem

partidarismo18. No entanto, ele não se limita a aplicar a lei aos casos concretos;

dentro dos limites da lei e na aplicação de certas leis (conceitos indeterminados,

cláusulas gerais…), a lei consente ao julgador um certo poder de discrição ou de

“prudente arbítrio”19, sabendo que o magistrado irá decidir de acordo com os ethos

do seu officium e segundo os princípios de justiça e tendo em vista os interesses de

todo o povo20.

17 Trata-se de uma representação estatuária, no sentido de se tratar uma competência atribuída por Lei, pela Constituição, paraa realização dos interesses manifestados e definidos pelo representado/povo através dos seus órgãos, directa ou indirectamenteeleitos. O fundamento da legitimidade não está aqui na eleição dos titulares dos órgãos mas na vinculação destes às leis e,portanto, aos interesses e directivas do representado. Todo aquele que decide no exercício de uma competência que lhe éatribuída por regras jurídicas organizativas, respeitando os limites dessa competência e procedendo em conformidade com oestatuto e deveres do seu cargo, decide em “nome do povo”. 18 A função do juiz é decidir com justiça um processo de partes, descomprometidamente e com toda a isenção.19

  Nestes domínios o mandato não lhe é conferido o poder de decisão arbitrária mas antes um poder de “decisão livre”,sabendo que este tem de decidir segundo critérios objectivos de justiça. 20 Sempre que seja necessário conciliar a função jurisdicional propriamente dita com certas tarefas de decisão de assuntos mais

propriamente administrativos; nestes casos o recurso aos tribunais pode justificar-se pela sua especialização técnica, pelasmaiores garantias de apuramento dos factos através do processo judicial e pela necessidade de atribuir à decisão a força do caso julgado –  mas não deve dispensar nunca uma acessória técnica, intervenção de pedagogos, sociólogos, psicólogos,economistas… Ao contrario da concessão de Montesquieu o juiz não é um mero “ser que pronuncia as palavras da lei”, apesardisso cabe somente à jurisdição a aplicação imparcial da lei e os Direito e nunca a de criar novas leis.

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BB))   J JUURRIISSDDIIÇÇÃÃOO EEMM SSEENNTTIIDDOO MMAATTEERRIIAALL EE AA AADDMMIINNIISSTTRRAAÇÇÃÃOO 

Ao falarmos de meios de tutela jurídica lembramo-nos imediatamente dos tribunais –  é

mediante o recurso à via judiciária, isto é, aos tribunais que em regra são postos os meios

de tutela (tendo em conta a proibição da “justiça privada” referida no art. 1º da

Constituição).

Mas como definir a função jurisdicional em sentido estrito?!

o  Não podemos limitarmo-nos a dizer que a jurisdição é a aplicação do direito ou a

realização do Direito uma vez que os próprios órgãos da administração pública também

funcionam como órgãos aplicadores do direito aos quais compete implementar os

objectivos de justiça exigidos pelo Direito. Assim a jurisdição traduz-se na apreciação ounum julgamento jurídico duma situação concreta seguida da pronúncia de uma decisão

sobre quais são os direitos e quais são as obrigações das partes envolvidas na contenda. Tal

pronúncia deve de ser feita por um órgão do Estado imparcial – não pode ser de modo algum

 parte interessada – , e deve de assumir uma posição de um terceiro “supra partes” e há-de sê-

lo em aplicação do direito objectivo e no termo do “processo de partes” devidamente

organizado e regulado por lei. A característica da imparcialidade, da condição de um

terceiro imparcial, que a jurisdição se distingue da administração, que actua tendo em vista

a realização de interesses públicos através da aplicação do direito, no entanto ela encontra-

se empenhada como parte nas suas decisões e na realização dos objectivos que tem emvista  (mesmo quando não actua subordinada ou segundo as directivas ou ordens precedentes dos

seus superiores). 

o  Na administração existem órgãos consultivos e activos ou deliberativos. Sabendo que a

estes últimos compete a responsabilidade de praticar actos definitivos e executórios,

enquanto que os primeiros são meros órgãos de acessoria ou consultadoria jurídica aos

quais compete a função de dar somente pareceres sobre a matéria jurídica, no entanto, este

parecer não funciona como decisão com carácter decisivo ou vinculativo, pois senão esteórgão funcionaria como um órgão jurisdicional (o órgão consultivo da administração

funcionaria neste caso como um tribunal). À jurisdição compete a sentença ou a decisão

definitiva e vinculativa legal que vai por termo ao processo contencioso das partes.

o  É ainda essencial à jurisdição que o facto da decisão ou sentença seja proferida de um

ponto de vista estrito e exclusivamente jurídico. Assim, uma decisão jurisdicional assenta

sempre, em último caso nos factos já verificados que engendram aquele efeito de direito

que a lei se limita a declarar.o

 

Também o Tribunal, na sua função estritamente jurisdicional, não faz prognoses, não

decide com base em prognósticos sob o futuro com vista à realização ou à constituição de

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  44

uma nova ordem jurídica e social diversa da ordem vigente, logo, deve de ser definido

como um poder neutro21. Estas decisões de modelação efectiva de uma nova ordem social e

económica são matéria de competência de alguns dos órgãos legislativos da

Administração, à qual cumpre justamente implementar os desígnios ou as directivas do

Governo.

CC))  AA IIMMPPAARRCCIIAALLIIDDAADDEE 

  Todas as questões susceptíveis de decisão jurisdicional em sentido material, num Estado

de direito, devem de ser deixadas à decisão dos tribunais ou ser, pelo menos, sujeitas a

um controle jurisdicional.

  A Jurisdição, não só pela sua imparcialidade e independência, mas ainda pela sua

específica competência para, num processo onde a ambas as partes são garantidas todas

as possibilidades de alegação e defesa, decidir os litígios do estrito ponto de vista da

 juridicidade e sem se deixarem influenciar por considerações de qualquer outra natureza,

oferece a maior garantia de objectividade e de correcção jurídica da decisão.

  A garantia da imparcialidade do julgador, também pressupõe a sua não subordinação a

directivas de outras instâncias políticas e administrativas. É esta característica da

imparcialidade que, ao nível da doutrina corrente, se distingue a Administração da

 Jurisdição.

  De referir que o dever de actuar com justiça e imparcialidade também é imposto a todos

os órgãos e agentes de administração. Mas neste caso, a imparcialidade citada no textoconstitucional tem haver essencialmente com o tratamento igual de todos os cidadãos

(“administrados”), qualquer que seja a sua filiação partidária, a sua posição social. Assim,

o agente administrativo nas suas decisões não deve fazer acessão de pessoas, discriminar

entre amigos ou inimigos, correligionários ou não correligionários, etc. Deve sempre em

todo o caso prosseguir o interesse público da administração que se encontra definido por

21  A aplicação jurisdicional do Direito implica aspectos verdadeiramente constitutivos no desenvolvimento de uma ordem jurídica informada pela ideia do Direito. Mas trata-se sempre de uma actividade jurídica-constitutiva de uma ordem jurídica esocial já existentes e vigente – não de uma ordem jurídica ou social a criar, o efeito factual que a decisão poderá ter não pode sera constituição de uma outra ordem social, por mais justa e desejável que esta seja.

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lei e é interpretado pelas directivas das instâncias administrativas de hierarquia

superior22.

  A imparcialidade conferida ao magistrado judicial é diferente e superior ao dever de

imparcialidade imposto a todos os funcionários da administração pública. Ao magistrado

só compete defender e declarar o que é direito em cada caso, ele não se encontra

empenhado na realização de um interesse ou dos fins da Administração. Para além disso,

não pode de alguma maneira achar-se ligado às partes em litígio ou ter contendas com

alguma delas para que fique garantida a sua isenção ou a imparcialidade da decisão a

proferir23.

DD))  IINNDDEEPPEENNDDÊÊNNCCIIAA DDOOSS TTRRIIBBUUNNAAIISS 

  Os tribunais, além de imparciais, são também “independentes e apenas estão sujeitos à

lei24 – ao vínculo da legalidade. Assim sendo, esta independência significa que os juízes,

nos seus julgamentos, não se encontram sujeitos a outras ordens, instruções e directivas

emanadas por qualquer superior hierárquico (como se encontram os órgãos e agentes da

Administração). Os “juízes julgam apenas segundo a constituição e a lei e não estãosujeitos a ordens ou instruções – salvo o dever de acatamento, pelos tribunais inferiores,

das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores”25.

  Para melhor se garantir a efectividade desta independência, estabeleceu-se o princípio da

irresponsabilidade dos juízes pelos seus actos, julgamentos e decisões, e o princípio da

inamobilidade26. Para além disso, a Constituição (art. 222º) e o Estatuto dos Magistrados

(art. 15º) estabelecem ainda uma série de incompatibilidades por forma a reforça esta ideiade liberdade e de isenção conferida aos magistrados/juízes, das quais:

o  Os juízes não podem desempenhar qualquer outra função pública remunerada;

22 Ele age com parcialidade na medida em que cumpre defender um interesse, o interesse da Administração que pode estar emconflito ou contradição com o interesse de um particular.23  Para acautelar este aspecto da imparcialidade a lei prevê o pedido de escusa por parte do juiz –  art. 126º do CPC –  e oincidente da suspeição –  art. 127º do mesmo Código –; além disso, temos também ainda as garantias da imparcialidade

estabelecidas no art. 9º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.24 Art. 208º da Constituição Portuguesa.25 Art. 4º, nº 1 do Estatuto de Magistrados Judiciais.26 Art. 5º e 6º do mesmo Estatuto. 

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É vedado aos magistrados judiciais a efectividade e a prática de actividades políticas e

partidárias de carácter público e o desempenho de cargos políticos –  excepto o de

Ministro, Secretário ou Sub-secretário do Estado27.

  Para concluir é importante referir que, segundo o disposto no art. 2º e 3º da Lei Orgânica

dos Tribunais Judiciais, “a independência dos tribunais judiciais caracteriza -se pelo

autogoverno da magistratura judicial, pela inamobilidade e irresponsabilidade dos juízes

e pela não sujeição destes a quaisquer ordens ou instruções…”. 

  O autogoverno dos tribunais judiciais traduz-se na nomeação, colocação, transferência

e promoção dos juízes, bem como no exercício da acção disciplinar sobre os mesmos – 

não competirem, como acontece relativamente aos funcionários públicos, ao poder

executivo (Governo) ou a órgãos dele dependentes.

 

O Conselho Superior de Magistratura (art. 223º, nº 2 da Constituição) é “o órgão

superior de gestão e de disciplina da magistratura judicial”. Este é o único órgão

autárquico a que os juízes se podem candidatar e concorrer.

  Os juízes não dependem do Ministro da Justiça –  ao contrário, dos conservadores e

notários ou de outros funcionários que dependem dos respectivos ministros – que faz

parte de um outro órgão de soberania, o Governo.

  Os Tribunais são órgãos de soberania28 – os diferentes poderes do Estado, executivo,

legislativo e judicial, devem de ser independentes uns dos outros.

EE))  OORRGGAANNIIZZAAÇÇÃÃOO J JUUDDIICCIIAALL 

I.  TRIBUNAIS JUDICIAIS

  Dentro da hierarquia dos tribunais judiciais temos:

o  TRIBUNAIS DE 1ª ESTÂNCIA – Tribunais de Comarca;

o  TRIBUNAIS DE 2ª ESTÂNCIA – Tribunal da Relação (são quatro distritos judiciais – 

Porto, Coimbra, Lisboa e Évora), de referir que cada relação tem secções especializadas

de jurisdição cível, criminal e social e que os juízes das relações têm o nome de

“desembargadores”. 

o  SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA –  órgão superior da hierarquia dos Tribunais

 Judiciais, que compreende quatro secções especializadas: duas de jurisdição cível, uma

de jurisdição criminal e uma de jurisdição social. Ele pode funcionar por secções ou em

27 Art. 13º do referido Estatuto. 28

 Art. 205º da Constituição Portuguesa.

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plenário (Tribunal Pleno) e só conhece de matéria de direito. Os Juízes do S.T.J. são

tidos por “conselheiros”.

  Esta hierarquização dos tribunais tem em vista a reapreciação, por via de recurso, das

decisões dos tribunais inferiores pelos tribunais superiores.

  No entanto, não são admitidas a recurso as decisões proferidas cujo valor não excede

a alçada:

  A alçada dos tribunais de comarca em matéria cível é actualmente de 3.740,98

euros29;

  A alçada das relações em matéria cível é actualmente de 14.963,94 euros30;

  Assim é que o S.T.J. conhece as causas cujo valor exceda a alçada das relações e estas

conhecem as causas cujo valor excede o valor da alçada dos tribunais de comarca. Dereferir que em matéria criminal não existe alçada.

  Para além de um conjunto de processos especiais, o Código de Processo Civil (CPC)

prevê duas espécies de acções, consoante o seu fim: as acções declarativas e as acções

executivas (art. 4º CPC). 

  ACÇÕES DECLARATIVAS (ou processo de declaração) podem ser de

simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

 

ACÇÕES DE SIMPLES APRECIAÇÃO –  visam unicamente obter adeclaração, pelo tribunal, da existência ou inexistência dum direito ou dum

facto — art. 4º, nº 2, alínea a), CPC.

Por exemplo, serão estas as acções adequadas a declarar a nulidade de um contrato, a

declarar se certo direito de propriedade pertence ao sujeito A ou ao sujeito B (ou qual o

âmbito desse direito de propriedade), se determinada pessoa é ou não herdeiro

legitimário de certo sujeito, se uma pessoa colectiva foi ou não regularmente

constituída, etc.

 

ACÇÕES DE CONDENAÇÃO – visam exigir a prestação duma coisa ou dumfacto, pressupondo ou prevendo a violação dum direito — art. 4º, nº 2, alínea

b), CPC. É a este tipo de acções que se recorre nas situações de

incumprimento de contratos, e, de um modo geral, nas situações de

incumprimento de deveres jurídicos correspondentes a direitos de crédito ou

direitos absolutos.

Por exemplo, o dono da obra pede a condenação do empreiteiro a reparar os defeitos

encontrados na obra, o vendedor pede a condenação do comprador a entregar o preço

convencionado, o banco pede a condenação do cliente a pagar o empréstimo que o

primeiro lhe concedeu, a sociedade de aluguer de automóveis pede a condenação do

29 cfr. art. 24º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei 323/2001, de 17 de Dezembro. 

30 cfr. art. 24º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei 323/2001, de 17 de Dezembro. 

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locatário a entregar o automóvel alugado, o titular do direito de personalidade violado

pede a destruição das fotografias que certo jornal tirou sem o seu consentimento, etc.

  ACÇÕES CONSTITUTIVAS  –  visam autorizar uma mudança na ordem

 jurídica existente — art. 4º, nº 2, alínea c), CPC. São estas, por excelência, as

acções através das quais se exercem direitos potestativos.Por exemplo, a resolução ou a anulação de um contrato.

  Se uma acção declarativa de condenação não for bem sucedida, isto é, apesar de o

tribunal ter atendido o pedido do autor/credor, pode acontecer que o réu/devedor

nem assim realize voluntariamente a prestação devida, caso em que será necessário

recorrer à execução coactiva do dever de prestar. É nestes casos que se recorre às

ACÇÕES EXECUTIVAS  (processo de execução),  acções em que o autor requer as

providências adequadas à reparação efectiva do direito violado — art. 4º, nº 3, CPC.

  Note-se que o recurso ao processo de execução não tem de ser sempre precedido de

uma acção declarativa de condenação. Na verdade, desde que o credor possua um

título executivo ele pode iniciar desde logo uma acção executiva.

  Genericamente são títulos executivos, para além das sentenças condenatórias,

documentos autênticos ou autenticados que importem o reconhecimento ou

constituição da obrigação exequenda, bem como documentos particulares assinadospelo devedor importando a constituição ou o reconhecimento de dívidas pecuniárias

(art. 46º, nº 1, CPC).

  Mais uma vez, consoante a finalidade visada pelo autor/exequente, as acções

executivas podem dirigir-se ao:

 

PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA (arts. 810º e ss. CPC);

  À ENTREGA DE COISA CERTA (arts. 928º e ss. CPC);

  À PRESTAÇÃO DE FACTO (arts. 933º e ss. CPC).

  Em qualquer caso trata-se de conseguir a prestação devida à custa do devedor

executado, respectivamente pela apreensão forçada de bens, a venda a terceiros e

entrega da respectiva quantia ao credor/exequente (até ao limite da dívida), ou pela

apreensão forçada do bem a que o credor/exequente tem direito, ou ainda pela

execução da prestação devida por terceiros, ou pelo próprio credor/exequente, a

expensas do devedor/executado.

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II.  TRIBUNAIS DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA

  São tribunais judiciais especializados na resolução de litígios de uma

dada área ou matéria. Temos os tribunais de menores, de família, do

trabalho, de execução das penas e, ainda, tribunais de execução criminal.

III.  TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

  Aprovação do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) 31, trouxe

importantes alterações às regras aplicáveis ao denominado contencioso administrativo e à

organização dos tribunais administrativos.

  Relativamente à sua organização temos tribunais administrativos de:

  1ª ESTÂNCIA – designam-se tribunais administrativos de círculo;

  2ª ESTÂNICIA –  são os tribunais centrais administrativos (actualmente existem dois

tribunais centrais administrativos, o tribunal central administrativo sul, com sede em Lisboa, e

o tribunal central administrativo norte, com sede no Porto);

  SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO – o S.T.A. pode funcionar por secções ou

em plenário e só conhece de matéria de direito nos recursos interpostos das decisões

dos tribunais inferiores 

  Tanto os tribunais centrais administrativos como o Supremo Tribunal Administrativo

compreendem duas secções especializadas: uma de contencioso administrativo e outra de

contencioso tributário.

  Tal como acontece nos tribunais judiciais, esta hierarquização dos tribunais

administrativos visa permitir a apreciação, em recurso, das decisões dos tribunais

inferiores pelos tribunais superiores. Importa sublinhar, no entanto, que esses recursos só

são possíveis desde que o valor da causa exceda a alçada do tribunal recorrido:

o  ALÇADA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS DE CÍRCULO em matéria de contencioso

administrativo é idêntica à alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância, ou seja, 3.740,98

euros;

ALÇADA DOS TRIBUNAIS CENTRAIS ADMINISTRATIVOS é idêntica à alçada das

relações, ou seja, 14.963,94 euros.

31 Pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, e do novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pela Lei 12/2002, de 19 deFevereiro

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  No que diz respeito ao processo administrativo temos a considerar dois tipos de acções: a

acção administrativa comum e a acção administrativa especial (arts. 37º e ss. e 46º e ss. CPTA,

respectivamente):

  ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM – dirige-se a fazer valer pretensões para as

quais o CPTA não prevê qualquer tipo de acção especial. Seguem esta forma de acção,

designadamente, pretensões (ou litígios) relacionadas com o reconhecimento de certas

situações jurídicas (um pouco o que acontece com as acções declarativas de mera

apreciação no processo civil), ou visando a condenação da administração a adoptar

determinada conduta (excepto actos administrativos), a responsabilidade civil

extracontratual das pessoas colectivas públicas, ou ainda a existência, interpretação,

integração, validade, eficácia e cumprimento de contratos administrativos. Também os

litígios emergentes de relações jurídicas entre entidades administrativas seguem esta

forma de acção.

 

ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL – visa especialmente as pretensões emergentes

da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham

ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo. São

estas acções o meio processual adequado para, designadamente, obter a anulação de um

acto administrativo, a sua declaração de nulidade ou inexistência, bem como (e esta é

uma das novidades deste CPTA) a condenação da administração à prática de certo acto

administrativo legalmente devido.

  O CPTA prevê ainda acções executivas destinadas a executar sentenças proferidas pelos

tribunais administrativos contra entidades públicas (arts. 157º e ss. CPTA)32.

IV.  OUTROS TIPOS DE TRIBUNAIS

  Fora da hierarquia dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos temos ainda:

  TRIBUNAIS MILITARES – que se encontram em vias de extinção;

  TRIBUNAL DE CONTAS – cuja caracterização como tribunal é duvidosa. Ele não é

um verdadeiro tribunal, uma vez fiscalizar as contas do Estado –  é ele que faz a

execução e revisão oficial das contas orçamentais do Estado (além de verificar a

legalidade das despesas, previstas na lei, ele verifica genericamente o cumprimento

da lei em certas despesas).

32 Estão especialmente previstas as acções de execução para prestação de factos ou de coisas (arts. 162º e ss. CPTA), as acções deexecução para pagamento de quantia certa (arts. 170º e ss. CPTA) e as acções de execução de sentenças de anulação de actosadministrativos (arts. 173º e ss. CPTA).

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TRIBUNAL CONSTITUCIONAL –  cuja função é averiguar a legalidade da nossa

Constituição.

V.  MINISTÉRIO PÚBLICO

  Resta acrescentar que o Estado é representado junto dos tribunais judiciais pelo Ministério

Público –  por procuradores da República, por procuradores-gerais adjuntos ou pelo

Procurador-geral da República.

  Compete ao Ministério Público, além de representar o Estado, exercer a acção penal,

promover a realização do interesse social e defender, de uma maneira geral, a legalidade

democrática.

  O Ministério Público é constituído por magistrados que formam um corpo independente

do Governo e dos tribunais. O Ministério Público também se encontra organizado de

forma hierárquica, sabendo que no topo dessa hierarquia encontra-se a Procuradoria-

Geral da República, presidida pelo Procurador-Geral da República — cfr. arts. 219º e 220º

da Constituição.

  O Ministério Público não tem competência para praticar actos jurisdicionais. Essa

competência pertence, como se sabe, aos tribunais. Ao Ministério Público cabe representar

o Estado, as regiões autónomas e as autarquias, bem como, por outro lado, os incapazes e

os ausentes.

  Também no contexto das acções penais é atribuído ao Ministério Público papel relevante.

Assim nos:

  CRIMES PÚBLICOS – pertence genericamente ao Ministério Público a iniciativa da acção

penal, bem como a decisão de, após a fase de investigação, levar ou não a julgamento o

respectivo facto ilícito;

  CRIMES SEMI-PÚBLICOS – a iniciativa da acção penal depende de denúncia;

  CRIMES DE ACUSAÇÃO PARTICULAR  –  a própria decisão de acusar depende de o(a)

ofendido(a) ter deduzido acusação, como acontece nos denominados crimes particulares.

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PPAARRTTEE VV –– AASS FFOONNTTEESS DDOO DDIIRREEIITTOO 

1.  O PROBLEMA, A ENUMERAÇÃO DAS FONTES

AA.. 

OO PPRROOBBLLEEMMAA 

  O problema que se coloca na determinação das fontes do direito é o de saber como é que

os conteúdos normativos adquirem juridicidade, isto é, como se tornam vigentes como

normas jurídicas, como direito.

O que constitui o direito como direito? Como a validade incarna na realidade social-

histórica, adquirindo vigência mais exactamente, adquirindo o modo de ser próprio do

direito?! COMO É QUE O DIREITO SE REVELA?

  Esta questão não é definitivamente uma questão jurídica33, ou seja, esta questão não é

susceptível de uma resposta preceptiva pelo próprio sistema jurídico positivo. Esta é

mais uma questão do “segundo grau”: é uma questão que transcende o próprio sistema

 jurídico posto, logo, não podem ser as normas do sistema que autoritariamente decidem

quais as “fontes do direito” reconhecidas pelo sistema uma vez que se põe a questão de

como acederam estas à juridicidade… 

  Das demais correntes doutrinais acerca da juridicidade das normas jurídicas vigentes,

destaque para:

  ESTATISMO – enquanto concepção politico-constitucional defende que é ao titular do

poder legislativo que compete criar as regras de direito vinculantes. Deste modo, só a

lei seria fonte decisiva, cabendo a outras possíveis fontes de direito apenas o valor que

a lei lhe reconhecesse. Era à lei que cabia determinar e regular os modos de formação

do direito – deste modo surgia a necessidade de se distinguir no sistema as normas de

segundo grau (as normas sobre as fontes) que prescreviam quais as fontes admitidas

pelo sistema e entre as normas primárias que seriam as fontes directas de direito.

  DOUTRINA TRADICIONAL – define fontes de direito como modos de formação ou

de revelação do direito objectivo. Assim compreende-se que determinados factos

normativos – aqueles que em regra se representam como o desfecho ou a conclusão de

um processo juridicamente regulado – tornam-se fontes de direito, uma vez o sistema

conceder-lhes a qualidade de factos produtores de normas vinculantes. Através de

33 A questão não se pode esgotar numa resposta formal – pois donde vem a juridicidade das norma de primeiro grau, queregulam directamente potenciais conflitos de interesses sabendo que as normas de segundo grau são nada mais do que normassobre normas. Assim sendo esta resposta situa-se num domínio extra jurisdicional – implica as concepções vigentes numa dadacomunidade que determina aquilo que é ou não juridicamente relevante.

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factos normativos –  a que a lei chama de “fontes formais”34  –  as normas são

positivadas e transformam-se em direito objectivo; logo, o direito regula a sua própria

produção. Esta doutrina tradicional das fontes do direito pressupõe um sistema

fechado de fontes positivamente fixadas pela própria lei ou sistema jurídico positivo. É

no facto que produz positiva a norma que se funda a validade do conteúdo da norma

produzida35 - são fontes de direito aquilo que ele próprio determina que sejam.

  POSITIVISMO –  defende que através de normas de segundo grau, se atribui ao

sistema jurídico posto (positivo) a competência exclusiva para decidir sobre as

próprias fontes do direito positivamente válido. Esta teoria também implica que se

faça uma distinção entre imputação e causalidade.

  IMPUTAÇÃO –  o que importa é a decisão da autoridade competente à qual pelo

direito é imputada a eficácia positivadora de uma norma como norma vinculante.

  CAUSALIDADE – diz respeito ao processo causal que deu origem à emissão daquele

acto normativo.Portanto, a importância decisiva para a positivação da validade jurídica resulta da

imputação feita pelo próprio sistema jurídico a tal facto, a decisão, constituindo-o como

fonte ou origem de normas válidas. A validade jurídica da norma produzida pela

decisão não se fundaria no facto “decisão” enquanto mero facto, mas na norma

superior que confere a tal facto a eficácia normativa 36.

  REGIMES DEMOCRATICOS (SISTEMAS CONTINENTAIS) – nos regimes deste tipo,

o poder politico pertence ao povo, sabendo que as decisões são tomadas por maioria.

Mas isso não quer dizer que a legitimidade das decisões se funda no facto da maioria!A validade funda-se em princípios regulativos superiores que transcendem os factos

mediante os quais ela se positiva. Assim devemos ter em conta os seguintes

pressupostos:

o  Há fontes de direito que não são positivadas nem podem, por natureza, ser

positivadas, pelo que é inviável a pretensão do legislador de definir taxativamente as

fontes de direito;

o  O legislador é limitado por princípios fundamentais de direito que estão fora do seu

alcance e, como princípios regulativos, predefinem o sentido possível das normas que

ele põe e delimitam a sua liberdade de acção.

o  A estes princípios, entre os quais o princípio regulativo da legitimidade democrática,

sedimentados na esfera da cultura humana ao longo da história, têm de se fazer

remontar em último caso o fundamento da validade das normas jurídicas.

34 Por oposição às “fontes materiais” que são aqueles factores que se apresentam como a causa próxima do surgir de certas

normas. São factos que casualmente originam e influíram o processo de produção normativa. Uma vez serem da alçada dasociologia do direito, são factos que não interessam directamente à dogmática jurídica.35 O direito não só é posto pela decisão normativa – um mero facto – como vale por força dessa decisão – desse facto. 36 Porém cabe afirmar que as normas sobre as fontes são elas mesmo produto de uma decisão legislativa e deste modo teremosde afirmar que na dogmática positivista das fontes, a validade jurídica acaba por fundar-se em ultima analise num facto. Ora éinadmissível fundar a validade num facto! 

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AA..11  OO PPRROOBBLLEEMMAA DDAA PPOOSSIITTIIVVAAÇÇÃÃOO DDOO DDIIRREEIITTOO EENNTTRREE OO DDIIRREEIITTOO EE OO PPOODDEERR 

PPOOLLÍÍTTIICCOO 

  O poder político é juridicamente vinculado, logo, num Estado de direito, o direito

vincula o poder do Estado o que já não se sucede num regime do tipo monarquiaabsoluta – no despotismo é a vontade do déspota que prevalece.

  O direito impõe determinadas exigências à acção politica, mas estas exigências, por

força das próprias exigências, impõe ao direito as mudanças sociais que carecem de ser

positivadas nas normas.

  Mas onde está a vinculação do político pelo jurídico?! O direito não está por inteiro na

livre disponibilidade do poder político, ele não depende da vontade arbitrária da

própria maioria democrática. A acção política em que se traduz a mencionada

positivação tem que se justificar ou legitimar perante os próprios postulados do

Direito, tem de, ao escolher e decidir, manter-se dentro do que é admissível no quadro

das exigências fundamentais e irrenunciáveis de todo e qualquer direito.

  De referir ainda que estas exigências fundamentais também se encontram sujeitas a

uma longa e morosa evolução. O que permanece sempre válido é que o direito para

impor a sua norma à política e vincular todos os órgãos do poder, tem de radicar o seu

fundamento ou pretensão de validade em último caso no princípio de equidade, isto é,

na  POSTULAÇÃO VINCULANTE DA JUSTIÇA  que se encontra situada fora do

alcance do poder político.

Caráctervinculativo

Concepção de Justiça

Implicam areacção da

ordem urídica

Emanada porórgãos

com etentes

NNOORRMMAA  J JUURRIIDDIICCAA 

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BB..  CCLLAASSSSIIFFIICCAAÇÇÃÃOO EE EENNUUMMEERRAAÇÇÃÃOO DDAASS FFOONNTTEESS DDEE DDIIRREEIITTOO 

“É DIREITO AQUILO QUE FOR FORMALMENTE DIREITO NUMA COMUNIDADE, O QUE

 EXCLUI À PARTIDA O DIREITO CONSUETUDINÁRIO”. 

    No elenco tradicional de fontes de direito considera-se que são a lei, o costume (usos), a

 jurisprudência e a doutrina. De referir, que também há quem aponte como fontes os

princípios fundamentais de direito que detêm, no entanto, uma posição de supremacia

face aos anteriores.

    De entre estas fontes enumeradas temos pois que fazer uma distinção entre as:

VOLUNTÁRIAS – pressupõe um acto explícito de criação normativa – dependem da

vontade ou da escolha da comunidade. São elas as leis (em sentido material), a

 jurisprudência e a doutrina;

o  INVOLUNTÁRIAS –  surgem independentemente da vontade de criação da

comunidade. Fazem parte os princípios fundamentais de direito, o costume e os usos.

    Para além desta possível classificação, no 1º art. do C. Civil Português 37, temos um novo

critério de distinção das fontes de direito que podem ser:

 

FONTES IMEDIATAS – leis e normas corporativas que não contrariem as disposições

legais de carácter imperativo;

  FONTES MEDIATAS – os usos e a equidade – previstos no art. 3º e 4º – aquelas que

cuja força vinculante resulta afinal da lei que para elas remete. 

    De referir que o problema das fontes de direito é um problema que transcende a própria

vontade do legislador, e assim, apesar de o costume não ser reconhecido como fonte de

direito no sistema jurídico português este reconhecimento não tem um carácter decisivo 38.

Tal se pode dizer da jurisprudência e da doutrina que denotam uma força incrível,

nomeadamente, no que diz respeito para a criação e revelação do próprio direito positivo.

AA))  LEI

Art. 1º

Fontes imediatas

1.  São fontes imediatas do direito as leis, e as normas corporativas.

2.  Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estatuais competentes (…). 

37 O legislador português estabeleceu nos artigos 1º a 4º do Código Civil disposições sobre as fontes de direito que também oEstatuto dos Magistrados adopta em idêntica perspectiva.38 Questão da positividade jurídica e o problema das fontes é da alçada da teoria e da metodologia do Direito e não tarefa dopróprio legislador!

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  56

  Podemos considerar as leis como leis em sentido:

  MATERIAL39  –  normas jurídicas gerais e abstractas desde que declaradas

pela autoridade competente –  quer sejam órgãos estatuais, a Assembleia e o

Governo, como órgãos competentes da administração autónoma, como as autarquias

locais e os órgãos das regiões autónomas.

  FORMAL –  qualquer diploma emanado por qualquer órgão legislativo por

excelência (caso português, Assembleia da Republica40) – “disposições genéricas

 provindas dos órgãos estatuais competentes”, art. 1º nº 2 C. Civil. 

  Importa ter em conta que a designação oficial de “Lei nº/(data)” deve corresponder

por via de regra a uma lei em sentido material e formal. São elas a Constituição, as

Leis de Revisão Constitucional e as Leis ordinárias41 da Assembleia da República.

BB))  NORMAS CORPORATIVAS

Art. 1º

Fontes imediatas

1.  São fontes imediatas do direito as leis, e as normas corporativas.

2.  (…); são normas corporativas as ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias

morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os

respectivos estatutos e regulamentos internos.3.  As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter imperativo.

  São normas legais, leis em sentido material, emanadas por corporações –  órgãos

criados pelo Estado Novo e que ainda hoje prevalecem – ou associações de natureza

corporativa. Fazem parte das corporações, as Ordens –  como p. ex. a Ordem dos

 Advogados cujo Estatuto permite-lhe regulamentar aqueles que dela dependem através da

emissão de regulamentos normativos que estabelecem normas legais e de carácter vinculativo.  

CC))  COSTUME42 

39 Cabe por fim dizer que são leis em sentido material os Decretos-lei do Governo, Decretos-lei do Conselho da Revolução,Decretos Regionais, os regulamentos, quer os emanados pelo Governo –  decretos regulamentares, portarias, despachosnormativos –, quer pelas autarquias locais – municípios e freguesias –, institucionais ou corporativas. 40 Além de emanar deliberações que assumem a forma de lei em sentido formal, podem ainda emanar outras que assumemuma forma de moção e resolução.41 Não são fontes de direito, pelo menos de forma directa, as leis ordinárias formais, como p. ex., aquelas que conferem aogoverno autorizações legislativas, aquelas que aprovam os tratados internacionais ou aprovam amnistias…42  Até meados do séc. XVIII esta era uma das fontes principais de direito. Actualmente, numa sociedade modernaextremamente dinâmica e diferenciada, é quase impossível a formação de um direito pela via consuetudinária. 

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  57

  É uma fonte de direito distinta da lei43, uma vez ser uma fonte do direito

consuetudinário, e hoc sensu – não voluntária. Geralmente, define-se costume como

uma  prática ou comportamento social reiterado, acompanhado da convicção de

 juridicidade, “opinio iuris vel necessitatis” – isto é a convicção de se estar a obedecer a

uma regra geral e abstracta obrigatória, assegurada pela consciência jurídica da

comunidade.

  O costume tem dois elementos, que ate permitem fazer a distinção entre os ditos usos:

  CORPUS  – observância de um padrão de conduta generalizado e uniforme

onde está implícita uma norma (consuetudinária);

   ANIMUS –  consciência de que a violação desse costume determine a

produção de efeitos jurídicos visto ser uma norma legalmente protegida.

 

Para além disso, há que fazer ainda uma diferença entre o costume jurisprudencial – 

prática judicial constante que se integrou na “consciência jurídica geral” que

influencia assim os órgãos e agentes aplicadores de direito –  do costume jurídico-

administrativo – normas jurídico-administrativas radicadas e seguidas pelos agentes

da administração convencidos da sua jurisdicidade –  e, finalmente, do desuetudo – 

desuso – ou costume derrogativo – apesar de a lei, pelo previsto no art. 7º nº 1, exclua

esta forma de cessação de vigência de lei.

 

A lei portuguesa não reconhece ao costume o carácter de fonte imediata do direito ao

costume, uma vez que o direito consuetudinário não é um direito deliberadamente

produzido.

  Contudo cabe fazer o reparo de que a lei positiva, pelo menos a lei ordinária, não tem

legitimidade para excluir a juridicidade das normas consuetudinárias nascidas

directamente da comunidade social. Apesar de não ser fonte de direito admitida no

sistema jurídico português, se tivermos em conta o disposto no art. 348º que permite o

recurso à aplicação de normas ou direitos consuetudinários.

  A nível do Direito Internacional, o costume continua a ser uma importante fonte de

direito. Assim, também de acordo com o art. 8º nº 1 da Constituição Portuguesa, o

costume, por força da recepção automática, vigora directamente na ordem jurídica

interna por vigorar na ordem jurídica internacional.

DD))  USOS SOCIAIS

43 O Código Civil exclui o costume como fonte imediata de direito, apenas admitindo que os usos tenham relevância jurídicaquando a lei para eles remeta – fontes imediatas de direito.

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Artigo 3º

Valor jurídico dos usos

1.  Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a

lei o determine.

2.  As normas corporativas prevalecem sobre os usos.

    Comportamento social reiterado contudo, ao contrário do costume, não se tem a

convicção de jurisdicidade –  de este ser um comportamento ou regra jurídica ou

vinculada à lei.

    Questões em que a lei dá relevância aos usos:

Art. 218º - Relativo ao silêncio como meio declarativo, desde que esse valor lhe seja

atribuído por lei, uso ou convenção.

Art. 234º - Relativo à dispensa de declaração de aceitação por força da próprianatureza ou circunstâncias do negócio, ou dos usos.

Art. 885º, nº2 – relativo ao tempo e lugar do pagamento do preço de referir que a lei

compreende neste casos excepções se por estipulação das partes ou por força dos

usos o preço não ter sido pago no momento da entrega.

EE))   JURISPRUDÊNCIA

  Compreende-se como o conjunto das decisões em que se exprime a orientação

seguida pelos tribunais ao julgar os casos concretos que lhe são submetidos.

  Método ou fonte de direito fundamental nos países onde vigora o regime do

“Common Law”, onde prevalece a “regra do precedente”, uma vez nestes casos, a

orientação assumida pelos tribunais na decisão de casos concretos ficar a vincular os

mesmos e outros tribunais no julgamento de casos futuros do mesmo tipo.

  Na ordem jurídica portuguesa, tal situação não se verifica. As decisões dos tribunais

só têm força vinculativa nos limites do caso julgado, porem, essas decisões não ficam

a vincular como se fossem normas gerais outros tribunais para a resolução de

diferentes casos concretos análogos.

  Tal situação não compreende ou significa que as decisões dos tribunais,

nomeadamente, dos tribunais das estâncias superiores (cujos acórdãos costumam

geralmente ser publicados ou sumariados), não tenham verdadeiramente um pesoefectivo na actividade jurisdicional posterior. Em todo o caso não vinculam uma vez

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os tribunais não serem dotados de poderes legislativos que lhes permitiria dessa

forma editar regras gerais e abstractas.

  Contudo cabe referir que os tribunais têm uma intervenção criadora no direito do

caso concreto em que decidem. Para além disso, o legislador assume um “papel

complementar” ao aplicar aos casos reais os conceitos indeterminados e as cláusulas

gerais.

  Para além disso, na medida em que a actividade jurisprudencial, ao longo dos tempos

vai criando uma “consciência jurídica geral”, esta acaba mesmo por contribuir para a

formação de normas, que ou por serem positivadas por via legislativa ou

consuetudinárias –  podem ser verdadeiras normas gerais e abstractas juridicamente

vinculantes.

FF))  DOUTRINA44 

  Entendem-se aqui as opiniões ou pareceres dos jurisconsultos em que estes

desenvolvem, em bases científicas ou doutrinárias, as suas concepções sobre a

interpretação ou integração do direito.

  Na doutrina constam as monografias, manuais, anotações, estudos jurídicos, teses de

doutoramento ou dissertações de mestrado, etc.

  A influência que a doutrina exerce de facto sobre as decisões da jurisprudência

depende muito do apuramento técnico e da autoridade científica ou académica do

autor que a subscreve.

GG))  PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS45 

  São os chamados “princípios universais do direito”  uma vez imporem as suas

exigências a todo e qualquer ordenamento jurídico. São, portanto, estes princípios que

44  Em determinados períodos do Direito Romano, a doutrina chegou mesmo alcançar a qualidade de fonte de direito –  ospareceres desses jurisconsultos tinham força vinculante para além dos casos concretos que o tinham motivado. Actualmente nãose verifica tal facto no direito actual – o parecer dispõe somente de uma autoridade científica (força persuasiva dos argumentos),no entanto nunca vincula o magistrado.45

  Princípios fundamentais previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem que devem de ser integrados einterpretados pela lei interna –  art. 16º, nº2 da Constituição; o princípio democrático que desde logo atribuir o poderconstituinte ao povo, sem antes impor limites ao exercício desse mesmo poder – limites à competência das maiorias tem emvista o principio da dignidade da pessoa humana e do respeito pelas minorias; os princípios gerais do ordenamento internodeveram importantes para a interpretação e integração do ordenamento jurídico vigente.

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legitimam e corrigem o próprio direito, tornando assim mais equitativa a sua

aplicação.

  São princípios que não podem ser derrogados, sendo assim são transcendentes às

próprias decisões positivadoras do legislador constituinte que, por isso mesmo, se

encontra assim vinculado a estes princípios normativos universais que compreendem

um desígnio de justiça.

  Não podem ser considerados efectivamente fontes de direito formal, contudo, podem

ser considerados fontes de direito em sentido material dada a sua importância e

constante aplicação a nível do Direito.

HH))  ENTRADA EM VIGOR E TERMO DA VIGÊNCIA DA LEI

  Segundo o art. 5º, nº1 do Código Civil, a “lei só se torna obrigatória depois de

publicada no jornal oficial”. Para além disso, no nº2 do mesmo art. compreende que

“Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na

falta de fixação, o que for determinado em legislação especial46.

 

O tempo que decorre entre a publicação e a vigência da lei chama-se “vacatio legis”47

.

  Segundo o disposto no art. 7º do Código Civil, o modo de cessação da vigência da lei

apenas pode ser através da caducidade e da revogação48:

 

CADUCIDADE – dá-se por superveniência de um facto, previsto pela própria lei

que se destina a vigência temporária, ou pelo desaparecimento, em termos

definitivos, daquela realidade que a lei visa regular. Por esta razão é que são

estabelecidos prazos para a revisão das leis – caso não se verifique a revisão da lei,

a sua vigência não cessa por caducidade até ser substituída.

 

REVOGAÇÃO49 – implica a entrada em vigor de uma nova lei. A revogação pode

ser expressa –  quando consta de declaração feita na lei posterior, “fica

revogado…” –  ou tácita –  sempre que resulta da incompatibilidade entre as

46 A legislação especial sobre o começo da lei está definida na Lei nº 8/77 de 1 de Fevereiro – o art. 1º nº1 considera que “a data

do diploma é a da sua publicação” e o art. 2º nº1 determina que “o diploma entra em vigor no dia nele fixado ou, na falta defixação, no continente no quinto dia após a publicação e nas regiões autónomas no decimo dia e em Macau e no estrangeiro notrigésimo dia. O nº2 do mesmo artigo considera que “o dia da publicação do diploma não se consta”. 47 O vacatio legis das regiões autónomas foi alargado recentemente para 15 dias.48

  O desuso era outra possível forma, contudo uma vez o legislador não valorizar o costume como fonte do direito tal não podeacontecer.49 Cabe por fim dizer que, segundo o estabelecido no art. 7º nº 3, a “lei geral não revoga a lei especial” e que, nos termos do art. 7 º nº4 doCódigo Civil, a revogação da lei revogatória não importa a repristinação ou seja o renascimento da lei anteriormente revogada – a nãoser que o legislador a reponha novamente em vigor – repristinação, total ou parcial.

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disposições novas e as antigas ou quando a nova lei regular toda a matéria da lei

anterior, espécie de substituição global.

II))  HIERARQUIA DAS FONTES DAS NORMAS E CONFLITOS

  Em caso de conflito as normas de hierarquia superior prevalecem sobre as normas de

hierarquia inferior. A hierarquia das normas depende ora da hierarquia das fontes em

que estão contidas ou de que promanam.

1.  Princípios fundamentais de direito –   princípios supra estaduais e supra

constitucionais;

2. Constituição (normas constitucionais) e as normas constitucionalizadas – normas de

direito internacional (regulamentos comunitários);

3. Decretos Presidenciais – estado de sítio, ou de emergência;

4. Leis ordinárias:

Leis (A.R.) Decretos-lei (Governo e do C.R.);

Decretos Regulamentares, simples e legislativos regionais;

Regulamentos administração central –  regulamentos e resoluções do

conselho de ministros, portarias, despachos normativos… 

Regulamentos administrativos locais –  posturas regulamentos

municipais, etc.

  Assim, temos dois critérios de interpretação em caso de conflitos de normas:

CRITÉRIO DE SUPERIORIDADE - “lex superior derogat legi inferior”, a lei prevê

que se existir um conflito de normas emanadas de fontes de hierarquia diferentes,

prevalece a norma da fonte hierárquica superior;

CRITÉRIO DA POSTERIDADE –  “lex posterior derogat legi priori”, a lei

compreende que no caso de haver um conflito entre leis da mesma hierarquia, por

força do art. 7º nº 2, prevê-se a escolha da lei mais recente;

ESPECIALIDADE – “lex specialis derogat legi generali”, a lei entende que no caso de

haver um conflito entre leis da mesma hierarquia, além de se prever a escolha da lei

mais recente, a lei especial prevalece sobre a lei geral.

  Apesar de estabelecermos estes critérios inevitavelmente continuam a existir situações

de conflito entre elas que podem ser de três tipos:

  CONFLITOS DE LEIS NO TEMPO – conflitos cujos efeitos se sucedem e perduram

no tempo;

 

CONFLITOS LEIS NO ESPAÇO –  se um facto ou situação concreta estiver

relacionado com dois ou mais ordenamentos jurídicos com esferas territoriais de

aplicação diferentes;

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CONFLITOS INTERNOS –  facto concreto aparece abrangido pelas hipóteses legais

de normas simultaneamente em vigor no mesmo ordenamento, mas cuja aplicação

simultânea é impossível por implicar uma contradição. Podem existir sempre que

duas ou mais normas se proponham a resolver a mesma questão de direito ou

estabeleçam, para casos idênticos ou juridicamente equiparáveis, consequências

 jurídicas diferentes e contraditórias50.

  Por via do postulado da “unidade da ordem jurídica” exige que não se verifiquem

contradições entre as normas – tal como se prevê a não existência de lacunas. Se por

qualquer razão uma contradição for descoberta e não for de todo possível eliminá-la

pelos critérios acima referidos ou pela via interpretativa, em último caso, teremos de

partir para a ideia que uma vez as normas entrarem em colisão ou contradição se

anulam uma à outra e assim dá-se por verificada a “lacuna da colisão”. 

50  Contradição lógica –  quando as consequências jurídicas estatuídas por duas ou mais normas para o mesmo facto e sãoincompatíveis, como p. ex., uma norma jurídica impõe uma certa conduta e a outra proíbe – ou teleológica ou valorativa.

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PPAARRTTEE VVII –– IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO EE IINNTTEEGGRRAAÇÇÃÃOO DDAA LLEEII 

II..  IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO 

11.. 

DDOOUUTTRRIINNAA TTRRAADDIICCIIOONNAALL DDEE IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO DDAASS LLEEIISS 

    A disposição legal, as normas, apresentam-se ao jurista como um enunciado linguístico – 

um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste somente em retirar

um sentido ou conteúdo de pensamento desse mesmo texto.

    De referir que o texto comporta múltiplos sentidos e por vezes contém expressões

ambíguas e “obscuras”. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua

aplicação nos casos concretos realça o quanto é imprevisível e variável a sua aplicação.

    Para além disso há que considerar que a expressão verbal pode ter atraiçoado o

pensamento legislativo, ou seja, o legislador ao realizar o texto pretendia conotá-lo com

outro pensamento. Daí justamente a necessidade da interpretação para fixar o sentido e o

alcance com que o texto deve valer. De entre os demais sentidos e interpretações há que

eleger um. Mas qual?!

    Sendo a lei um instrumento de prática conformação e ordenação da vida social, carece de

um sentido decisivo –  abstracto e geral –  que garanta um mínimo de coerência e

uniformidade das soluções.

   Julga-se para isso que seja indispensável a fixação de um conjunto de directivas

ou critérios –  chamada “METODOLOGIA DE INTERPRETAÇÃO OU

 HERMENÊUTICA JURÍDICA”   –  que orientem a actividade do interprete por

forma a evitar o casuísmo e o arbítrio da cada julgador e assim criar-se uma maior

segurança jurídica.

22..  IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO DDOOUUTTRRIINNAALL EE IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO AAUUTTÊÊNNTTIICCAA 

  Até agora somente nos referimos à INTERPRETAÇÃO DOUTRINAL. Contudo, a este

tipo de interpretação vulgarmente se opõe uma outra forma de interpretação, dotada de

uma força mais especial – a INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA:

  É ao órgão legislativo competente de criar a lei (Assembleia da Republica, p.

ex. –), que cabe a tarefa de a interpretar, modificar, suspender ou revogar. Em

suma, se suscitarem dúvidas acerca do exacto sentido ou alcance de uma lei

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promulgada, cabe ao órgão que a emanou a competência para interpretá-la

através de uma nova lei que a rectifica51.

  Para terminar cabe afirmar que as directivas ou critérios de interpretação –  cânones

hermenêuticos –  não vinculam o órgão dotado de competência legislativa: a lei

interpretativa emanada de tal órgão vale com a força inerente à nova manifestação de

vontade do legislador. Contudo, na interpretação doutrinal tal lei adquire apenas força

persuasiva que decorrer da sua fidelidade aos cânones de uma metodologia jurídica

correcta.

33..  AA QQUUEERREELLAA DDOOSS MMÉÉTTOODDOOSS 

DDOOIISS EEIIXXOOSS DDEE CCOOOORRDDEENNAADDAASS 

  Com vista ao enquadramento lógico-racional do art. 9º do C. Civil52, vão emergir um

conjunto de escolas, correntes ou direcções doutrinais interpretativas na história do

pensamento jurídico que precederam a elaboração desse mesmo texto jurídico.

  As duas correntes emergentes e opostos em relação à matéria de interpretação da lei

são a corrente subjectivista e a corrente objectivista:

 

CORRENTE SUBJECTIVISTA –  defende a “mens legislatoris”, i. e., a

actividade interpretativa deve de apurar a vontade ou intenção do

legislador.

  CORRENTE OBJECTIVISTA –  apega à “mens legis”,  ou seja, a

actividade interpretativa dirige-se ao apuramento da vontade ou

intenção da lei –  descoberta do sentido da fórmula normativa

objectivada no texto que é independente da vontade autónoma e

psicológica que o criou.

  Ao lado destas duas correntes de interpretação emanaram outras duas que versam

sobre a rigidez da lei – o dinamismo e a fluidez da vida na evolução histórico-social

das leis. Tal como as anteriores, ambas se contrapõem:

  CORRENTE HISTORICISTA –  defende que o sentido das leis se mantém

imutável – inalterável, é fixo.

51 Às leis destinadas a fixar o sentido com que deve valer uma lei anterior designam-se por “leis interpretativas” referidas no

art. 13º do Código Civil – “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada”. De referir que às leis interpretativas sobrepõe -seas leis inovadoras.52 Relativo à “interpretação da lei”. 

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  CORRENTE ACTUALISTA –  advogam que a lei e o seu sentido deve de

evoluir de acordo com o progredir da vida –  de acordo com as mudanças

técnicas, as necessidades e as concepções sociais.

  Cabe ainda referir que as primeiras correntes podem de certa forma interagirem ou

completarem-se com as outras duas e assim podemos ter:

*  SUBJECTIVISMO HISTÓRICO – o subjectivista baseia-se fundamentalmente

só na lei, e no sentido da vontade histórica do legislador.

*  SUBJECTIVISMO ACTUALISTA – defende a projecção das actuais condições

de vida na vontade histórica do legislador – corrente histórico evolutiva.

*  OBJECTIVISMO HISTÓRICO – atribui à objectivação linguística do texto um

sentido invariável, tão materializado e petrificado como o próprio texto.

*  OBJECTIVISMO ACTUALISTA – entende que o sentido que objectivamente

decorre do texto jurídico, que da fórmula se extrai, pode variar conforme a

evolução da vida. Para além disso, defendem que as novas normas

introduzidas no ordenamento jurídico podem ter consequências nas

anteriores.

OORRIIEENNTTAAÇÇÃÃOO SSUUBB J JEECCTTIIVVIISSTTAA 

  Defendem que de todas as demais acepções do texto jurídico, deve de prevalecer

aquela que corresponda à vontade ou ao pensamento historicamente real do

legislador.

  Alegam como fundamento deste pensamento:

1)  Dever de obediência ao legislador ou ao poder legítimo exige-se a procura da

determinação de uma vontade histórica precritiva – “mens legislatoris”; 

2)  Certeza do direito –  a determinação dessa vontade histórica confere maiores

garantias de segurança aos destinatários das normas ao promover a uniformização

das soluções.

  Às alegações dos objectivistas que seria impossível determinar-se a vontade histórica

do legislador, os objectivistas advogam que tal circunstância permite mesmo facilitar

a descoberta do sentido com que a lei foi querida e votada53.

  Para os subjectivistas em qualquer caso deve de permanecer válido o dever de

obediência à vontade real do legislador, sempre que a sua descoberta fosse possível.

53 Através de relatórios e actas onde constam os pareceres, comentários, debates, criticas, projectos, etc. 

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Enquanto que os subjectivistas moderados exigem que essa vontade se reflicta,

ainda que minimamente, no texto legal; os subjectivistas da ala mais extremista

consideram que a “mens legislatoris” é determinantes mesmo quando nos conduz

para além do texto.

3.3  ORIENTAÇÃO OBJECTIVISTA

  Para os objectivistas a “mens legis” é somente o objecto de interpretação, ou seja, o

intérprete não se encontra vinculado à vontade do legislador mas antes ao sentido

objectivo ou real do texto.

  Há ainda aqueles que dentro desta perspectiva objectivista da interpretação crêem ou

supõem:  Um legislador do tipo ideal que pensa os textos, as leis, da forma mais

objectiva e razoável possível – objectivismo histórico;

 

Além de um legislador ideal que emanou os textos da forma mais objectiva

possível, os repõe continuamente em vigor com o sentido mais razoável em

consonância com as novas vicissitudes da sociedade – objectivismo actualista.

  Eles argumentam que deve prevalecer a vontade objectivada no próprio texto, texto

esse que se desprende do seu autor e fica a valer como tal. É do texto que qualquer

intérprete ou destinatário da norma deve de captar o sentido que lhe está imanente.

  Para eles a interpretação objectivista favorece a rectidão e a justeza do direito daí ser a

corrente predilecta –  permite extrair dos textos o sentido mais razoável, ao mesmo

tempo que confere à lei um sentido mais maleável54.

  Criticam vivamente o ponto de vista subjectivo, uma vez considerarem ser impossível

apurar-se a vontade do legislador dada a pluralidade dos intervenientes na feitura e

votação das leis.

3.4  BALANÇO PROVISÓRIO ENTRE AS DUAS CORRENTES

  A certeza do direito é garantida pela uniformidade da sua interpretação e posterior

aplicação. Daí ser estritamente necessário encontrarmos uma corrente de

54

 Pois além de facilitar a sua aplicação directa a situações que o legislador não previu, permite a melhor aplicação da lei face àpossibilidade da sua adaptação aos novos critérios de justiça que vão emergindo consoante as alterações e modificações nasociedade –  tal argumento também é defendido pelos subjectivistas históricos ou subjectivismo histórico evolutivo queconsideram que a lei pode não só compreender não só os casos efectivamente previstos, como também casos semelhantes eentendem também que a decisão do legislador se projecta nas actuais situações da vida social, satisfazendo as exigências desta.

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interpretação verdadeiramente fiável por forma a encontrarmos uma maior segurança

e coerência no ordenamento jurídico.

  O objectivismo actualista aponta para o sentido do texto que em cada momento

histórico – maleabilidade da lei –  se repute mais justo ou mais razoável fomentado,

porém, a disparidade de julgados.

  A corrente subjectivista, por sua vez alega que a corrente anterior faz perigosas

concessões ao arbítrio do intérprete, que pode se abstrair ousadamente do dever de

obediência ao poder constituído, dever esse que vincula o julgador ao sentido com

que as leis foram pensadas e queridas pelo órgão legislativo.

 

Segundo Manuel de Andrade, as divergências entre ambas as escolas reduz-se aoseguinte: a questão encontra-se no valor interpretativo a ser atribuído aos chamados

trabalhos preparatórios –  projectos, relatórios oficiais, pareceres de órgãos

consultivos, actas dos debates de preparação dos respectivos diplomas, etc. – e outros

elementos que nos possam elucidar da vontade efectiva do legislador concreto. Para

este professor “na falta de dados precisos sobre a vontade real do ó rgão legislativo, o

interprete, mesmo que adira à corrente subjectivista deve de partir do pressuposto de que a lei

emana de um órgão razoável e assim terá de se questionar sobre a maneira como o legislador

teria pensado e estabelecido a lei, tendo em conta o condicionalismo histórico e o ambiente em

que foi publicada”.

44..  EELLEEMMEENNTTOOSS DDEE IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO –– FFAACCTTOORREESS HHEERRMMEENNÊÊUUTTIICCOOSS 

 

Tradicionalmente, tem-se essencialmente como elementos de interpretação do sentido reale do alcance das normas legais, os seguintes dois elementos que têm de ser sempre

utilizados conjuntamente55:

 

ELEMENTO GRAMATICAL – “letra ou texto da lei”; 

 

ELEMENTO LÓGICO – “espírito da lei”, que se subdivide em: 

o  Elemento racional ou teleológico;

o  Elemento sistemático;

o  Elemento histórico.

55 Não pode haver uma modalidade de interpretação gramatical e uma lógica uma vez o enunciado linguístico – letra da lei – ser portador de um sentido – espírito da lei – para qual nos remete. Por isso quando falamos de “interpretação literal” queremossomente nos referir à modalidade de interpretação cingida somente ao texto, de referir que o sentido é retirado das palavras.

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  68

4.1  ELEMENTO GRAMATICAL

  O texto é o ponto de partida da interpretação e de imediato lhe cabe uma função

negativa – a de eliminar os sentidos que não tenham qualquer apoio ou fundamento

na norma.

  Contudo, cabe também ao texto uma função positiva – uma vez comportar somente

um sentido, é esse o sentido verdadeiro ou real da norma (excepto de se a redacção do

texto não traduzir efectivamente a vontade do legislador que se vê assim adulterada

nessa norma).

  Sempre que, por qualquer razão, uma norma comportar mais que um significado, a

função positiva do texto traduz-se em dar mais apoio a um dos sentidos possíveis56.

  Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido do texto, o interprete

deve optar, em princípio, por aquele sentido que melhor e mais imediatamente

corresponde ao sentido natural das expressões verbais utilizadas e, designadamente,

ao seu significado técnico-jurídico – baseando-se no pressuposto de que o legislador

soube sempre exprimir com correcção o seu pensamento.

4.2  ELEMENTO RACIONAL OU TEOLÓGICO

  Consiste no elemento da razão de ser da lei , o “ratio legis”, ela traduz o fim visado

pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, acompanhado pelas

circunstâncias –  politicas, sociais, morais, económicas, etc. –  em que a norma foielaborada ou os factos que originaram esta “occasio legis” (decisão legislativa),

consistem numa mais valia para se determinar o próprio sentido da norma.

  O esclarecimento do razão de ser da lei, o seu “ratio legis”, nos revela quais os

diversos interesses que a norma visa salvaguardar e quais as soluções que ela exprime

para obter tal fim.

56 Sabendo que, enquanto uns corresponderão mais ao significado natural e directo, em detrimento de outros que só caberão no

quadro verbal da norma de uma maneira forçada ou contrafeita. 

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  69

  A descoberta da racionalidade que inspirou o legislador na fixação de um

determinado regime jurídico particular, leva o intérprete a partir de um ponto de

referência que o levará a definir o exacto alcance da norma.

4.3  ELEMENTO SISTEMÁTICO – CONTEXTO DA LEI E LUGARES PARALELOS

  Este elemento compreende o “lugar sistemático” que compete à norma interpretada

no ordenamento global, partindo do pressuposto da sua consonância interna com o

respectivo ordenamento jurídico57.

  A descoberta da genealogia ou da linhagem jurídico-sistemática de uma norma

implica um longo e fadigoso trabalho, indispensável para o apuramento com precisaõ

do alcance e do âmbito de aplicação dessa norma. De referir que esta é, na maioria das

vezes, uma tarefa levada a cabo no domínio da investigação jurídica, concretizada em

monografias e dissertações académicas.

4.4 

ELEMENTO HISTÓRICO

    Compreende todos os materiais relacionados com a história do texto, dos quais:

a)  A HISTÓRIA EVOLUTIVA DO INSTITUTO –  ou do regime jurídico em causa. A

norma é produto de uma evolução histórica de certo regime jurídico, pelo que o

conhecimento dessa evolução poderá lançar luzes sobre o sentido dessa mesma norma;

pois permite-nos compreender o que efectivamente o legislador pretendia com essa

fórmula legislativa.

b) 

AS FONTES DA LEI – compreende todos os textos legais ou doutrinais que inspiraram

o legislador na elaboração da lei; desde obras doutrinárias (nacionais ou estrangeiras)

que serviram de inspiração à formula normativas, às leis de outros países que serviram

57 As normas contidas numa codificação obedecem por princípio a esse pensamento jurídico que a regula. Assim, uma vez a

regulamentação jurídica ser idêntica no mesmo ornamento; por vezes acontece que o legislador numa norma demonstre de umaforma mais clara e explicita qual a fórmula legislativa utilizada e, nestes casos, á legitimo recorrer-se à norma mais clara eexplicita para fixar-se o sentido de interpretação de uma outra norma paralela mais obscura ou ambígua – uma vez que sistema jurídico deve de formar um todo coerente, tal como o legislador que deve de ser coerente daí este recurso a fundamento emoutras normas do mesmo sistema jurídico.

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de modelo ou de base/inspiração ao legislador português (domínio do direito

comparado)58.

c)  OS TRABALHOS PREPARATÓRIOS –  implica os estudos prévios, os projectos e

relatórios oficiais, os pareceres de organismos consultivos, os projectos, as actas das

reuniões e dos debates onde se discutiu o seu projecto, as respostas a criticas feitas aoprojecto-lei, o cotejo da formula finalmente adoptada, as posteriores emendas, etc.

Todos eles constituem uma mais valia para definir-se efectivamente qual o objectivo do

legislador com a criação dessa norma e quais os interesses que ele visava salvaguardar

com aquele texto normativo. 

55..  RREESSUULLTTAADDOOSS DDAA IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO 

 ―   INTERPRETAÇÃO DECLARATIVA: o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o

texto comporta, por considerar ser aquele que corresponde ao pensamento legislativo.

 ―  

INTREPRETAÇÃO EXTENSIVA: o intérprete chega à conclusão que a letra do texto peca

por defeito, isto é, não há a devida correspondência entre a letra da lei e o espírito dessa

mesma lei (pensamento legislativo). O intérprete vai ter de adequar o sentido da norma ao

alargar o seu alcance por forma a abranger factos que não são directamente abrangidos pela

letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma. Os argumentos usados para

fundamentar esta interpretação extensiva são:

*  Argumento de identidade de razão: se a razão que incidir sobre os factos for a mesma,

então (por identidade de razão) devem de ser abrangidos pela mesma decisão.

*  Argumento de maioria de razão:  se a lei contempla um conjunto de situações segundo

um dado regime, há-de forçosamente (por maioria de razão) abranger todos os factos que

por motivos mais fortes exigem ou justifiquem aquele regime.

 ―  

INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA: quando o interprete chega à conclusão que o legislador

foi aquém do que aquilo que pretendia, isto é, ele diz mais do que aquilo que pretendiadizer. Assim, o intérprete tem de restringir o aparente alcance do texto da norma de modo

a torná-lo compatível com o pensamento legislativo (“a ratio legis”). 

Como justificação desta interpretação podemos dizer que “onde termina a razão de ser da

lei, termine também o seu alcance”. 

 ―   INTERPRETAÇÃO REVOGATÓRIA: sempre que o legislador se deparar com autênticos

“abortos legislativos”, isto é, quando uma lei no seu texto além de não abranger

58  De referir que para bom entendimento de muitos preceitos estabelecidos no nosso Código Civil basta recorrermos àlegislação e jurisprudência alemã e italiana relativo aos assuntos a que nos estamos a reportar dada a enorme influencia dosistema jurídica de ambos estes países no campo do ordenamento jurídico-privado português.

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  71

minimamente as hipóteses que pretendia abranger, abrange outras que decididamente não

se coadunam com o espírito da lei.

Nestes casos de contradição insanável, o intérprete deve de revogar essa norma através

do recurso à via interpretativa por esta não ter campo de aplicação.

 ―   INTERPRETAÇÃO ENUNCIATIVA: é quando o intérprete retira da norma um sentido não

explícito mas nela subentendido. Para tal recorre aos seguintes fundamentos lógico-

 jurídicos:

*  Argumento “a maioria d minus”: a lei que permite o mais também permite o menos.

*  Argumento “a minori as maius”: a lei que proíbe o menos também proíbe o mais.

*  Argumento “a contario censu”: a partir de uma norma excepcional, deduz-se a contrario 

que os casos que ela não contempla na sua hipótese legal seguem um regime oposto

(regime regra).

  NOTA: É fundamental usar-se com prudência este argumento, pois se a norma não

regular disciplina excepcional, então o oposto também não será o regime de regra.

Pode ser um mero afloramento de um principio ou critério normativo. 

  A propósito do art. 11º do Código Civil, apesar de a lei proibir a aplicação analógica

das normas excepcionais não contempla a sua interpretação extensiva.

66..  OO AARRTTIIGGOO 99ºº DDOO CCÓÓDDIIGGOO CCIIVVIILL 

 

O art. 9º do Código Civil estabelece as coordenadas de interpretação da lei. Mas aofixarmos estes critérios de interpretação a lei não corre o risco de ser ultrapassada?

  Há quem defenda que este artigo não vincula o julgador, mas somente estabelece uma forma

possível de interpretação que pode ou não ser usada pelo jurista.

  Ao interpretamos este artigo de imediato nos apercebemos que o legislador não se quis

comprometer, ora com a doutrina subjectivista, ora com a doutrina objectivista; pois não

faz qualquer referência à vontade, ou do legislador, ou da lei.

ARTIGO 9º

Interpretação da Lei

1.  A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento

legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi

elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2.  Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um

mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3.  Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais

acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

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  Deste modo e por força do artigo exposto a interpretação não deve cingir-se à letra, mas

antes através dela reconstituir o pensamento legislativo. O texto desempenha pois três

funções:

1.  É o ponto de partida da interpretação (art.9, nº1);

2.  É o próprio limite da interpretação, isto é, não podem ser considerados sentidos que não

tenham na letra um mínimo de correspondência (art. 9, nº2);

3.  O julgador deve de escolher o sentido da norma mais chegado ao texto, uma vez, por força

do art. 9 nº3, o intérprete dever de presumir que o legislador “soube exprimir o seu

pensamento em termos adequados”; então o texto da norma conduz -nos à solução ou

sentido mais directo que está contido na própria norma, por isso o é que deve de ser

preferido.

  Para além disso, a lei ao presumir que o legislador tomou as decisões mais acertadas

(justas, razoáveis) e assim soube exprimir-se de uma forma correcta, reveste-se de um certopendor objectivista.

  Não se toma por referência um legislador concreto, mas antes abstracto, racional e justo que

só poderia ter querido a solução (objectivamente) mais razoável. No entanto, cabe dizer que

a lei não tomou partido entre as duas correntes.

  O legislador compreende pois três elementos de interpretação:

1.  As circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada –  “occasio legis”, os factores

conjunturais que determinaram a medida legislativa em causa podem ser uma mais valia para

estabelecermos o seu próprio sentido e o seu alcance.

2. 

As condições específicas do tempo em que é aplicada –  conotação actualista, por vezes é

imprescindível fazer-se um ajuste do próprio significado da norma à evolução entretanto

sofrida do ordenamento em que ela se integra (partindo do ponto de vista valorativo que

presidiu à feitura da lei).

3.  Unidade do sistema jurídico –  implica pois o princípio da coerência valorativa ou axiológica

da ordem jurídica; a lei deve de valer para todas as épocas, no entanto, em cada época pode ser

compreendida de uma maneira diferente à concepção inicial em face à nova consciência jurídica

do ordenamento. Esta maleabilidade da lei permite que uma norma antiga ainda se mantenha

em vigor.

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  73

IIII..  IINNTTEEGGRRAAÇÇÃÃOO DDAA LLEEII 

22..  NNEECCEESSSSIIDDAADDEE DDEE PPRREEEENNCCHHIIMMEENNTTOO DDEE LLAACCUUNNAASS 

 ―   No domínio da integração da lei surge desde logo as LACUNAS. A lacuna consiste numa

falha ou incompletude do sistema jurídico (e do direito consuetudinário) que não contém a

regulamentação necessária para dar resposta a uma questão jurídica (é diferente de ser

 juridicamente irrelevante).

 ―   Só pode existir uma lacuna na medida em que de acordo com a lógica jurídica desse

ordenamento, este deveria de conter uma resposta (regulamentação) a essa questão ou

matéria jurídica.

 ―   A lei portuguesa, por força do art. 8º do Código Civil, proíbe a decisão de “non liquet” com

o fundamento de que não existe nenhuma previsão legal. A obrigação de julgar é um

princípio que vincula os próprios juízes e magistrados. A denegação da justiça por falta ou

obscuridade da lei não tem justificação e envolve responsabilidade penal.

1. DISTINÇÃO ENTRE INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI:  ora para a perspectiva

tradicional, nenhum legislador é capaz de prever todas as relações da vida social merecedoras de tutela jurídica, por mais

precavido/diligente que este seja. Portanto, há situações que são imprevisíveis no momento da feitura da lei, bem como há

aquelas que apesar de previsíveis a lei não as contempla (por exemplo, porque o legislador se recusou a regulá-las

directamente). Nos casos das situações imprevisíveis, estas situações terão de ser decididas pelo julgador de acordo com os

processos de integração das leis.

  SECUNDUM LEGUM – plano da estrita aplicação do direito quando se estende a aplicação da norma a casos

não previstos pela sua letra mas compreendidos pelo seu espírito  plano da interpretação.

  PRAETER LEGEM – plano da indagação e aplicação do Direito quando a situação a regular não é possível de

ser abrangida por qualquer interpretação da norma plano da integração.

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   L   L   A   A   C   C   U   U   N   N   A   A

   S   S   D   D   A   A   L   L   E   E   I   I

   A   O   N    Í   V   E   L   D   A   S

   N   O   R   M   A   S

   “   L   A   C   U   N   A   S

   P   R    Ó   P   R   I   A   S   ”

 ―   A norma legal não pode ser aplicada sem que acresça uma nova determinação que a lei não

contém.

 ―   P. ex., ora se diz que haverá um prazo certo para determinar a prática de um certo acto mas não

se define o prazo; a lei manda constituir um órgão de eleição mas não diz quem o elege ou o

procedimento eleitoral, etc.

   “   L   A   C   U   N   A   S   D   E

   C   O   L   I   S    Ã   O   ”

 ―   Resultam de contradições normativas entre normas da mesma hierarquia;

 ―   Espaço jurídico “duplamente ocupado”, isto é, duas normas regulam a mesma situação;

contudo, ambas contêm soluções diferentes e até mesmo opostas dado que a aplicação

simultânea das duas se mostraria impossível ou absurda.

 ―   Uma vez as duas normas se anularem uma à outra constitui-se assim um espaço jurídico

“desocupado”, portanto, uma lacuna carecida de preenchimento. 

   A   O

    N    Í   V   E   L   D   A

   “   R   A   T   I   O    L

   E   G   I   S   ”

 ―   As chamadas “lacunas teleológicas”, relativas à finalidade da própria norma;

 ―   A analogia serve tanto para determinar a existência de uma lacuna como para o

preenchimento da mesma;

 ―  

Podem ser:

 LACUNAS PATENTES LACUNAS LATENTES

 ―   Quando uma lei, de

acordo com o seu próprio

sentido e finalidades,

deveria de ser aplicável a

um certo caso(s) que não

abrange na sua

regulamentação.

 ―  

P. ex., o caso das centraisnucleares deveria de ser

introduzida na

responsabilidade

objectiva.

 ―   Quando uma lei é aplicável a um conjunto de casos, mas de acordo

com o seu próprio sentido e finalidades, ela abrange uma

subcategoria cuja particularidade ou especificidade não foi

considerada (abrange situações susceptíveis de um tratamento

diferente.

 ―  

Nestes casos é necessário fazer-se uma interpretação restritiva que

vai, posteriormente, dar origem a uma lacuna.

   L   L . .   D   D   O   O   D   D

   I   I   R   R   E   E   I   I   T   T   O   O

 ―  

Ao nível dos princípios e valores jurídicos fundamentais, chamadas de lacunas transcendentes (uma

vez referirem-se ao desenvolvimento do Direito ultrapassando o próprio quadro da lei – Direito ultra

legem);

 ―  

A ordem jurídica assenta num conjunto de princípios ordenadores (princípios ou valores jurídicos

fundamentais gerais – princípios de justiça supra legais e extra jurídicos) que transcendem o próprio

direito positivo e o legitimam;

 ―  

Além da falta de uma resposta a um problema pelo Direito positivo vigente, o sistema jurídico carece

da falta de um princípio ético-jurídico supra legal (extra-positivo) que deveria pois de existir nesse

ordenamento.

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33..  OOSS AARRTTIIGGOOSS 1100ºº EE 1111ºº DDOO CCÓÓDDIIGGOO CCIIVVIILL 

 ―   No que diz respeito ao problema de determinação e colmatação ao preenchimento das

lacunas podemos fazer as seguintes distinções:

 

Geralmente, as lacunas ao nível das normas (à excepção das lacunas teológicas), que se

descobrem mediante critérios de pura lógica, implicam que o seu preenchimento se faça

mediante o recurso à via legislativa – por força do art. 10º nº 3 que permite a elaboração de

uma norma ad hoc  (que deve estar em consonância com os princípios gerais constituintes

do sistema e os princípios jurídicos supra legais). Porém, elas podem ser colmatadas com o

ARTIGO 10º

Integração s lacunas da lei

1.  Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

2.  Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

3.  Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio interprete criaria, se houvesse de

legislar dentro do espírito do sistema.

ARTIGO 11º

Integração s lacunas da lei

As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.

Domínio das

lacunas ou da

aplicação do

Direitopraeter legem.

Domínio da

interpretação da lei – 

ou aplicação do

direito secundum

legem.

COMPLETUDE DOSISTEMA

 JURIDICO

*  O desenvolvimento técnico, das relações económicas e sociais implica a própria

alteração da consciência jurídica geral.

*  A evolução pode tornar necessária a regulamentação de um domínio de situações que

até então não se revelaram juridicamente relevantes.

*  Representa a conquista do espaço ajurídico – domínio de situações da vida carecidas

ou não merecedoras de tutela jurídica.

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recurso à analogia sempre que haja uma norma dentro do sistema que o permita – art. 10º

do Código Civil, nº 1.

 

As lacunas teleológicas são sempre preenchidas “pelo  mesmo processo em que são

descobertas”, ou seja, mediante o recurso à analogia – art. 10º nº1.

  As lacunas de Direito exigem procedimentos metodológicos mais complexos quer na sua

descoberta, como no seu preenchimento. Mas não está excluída a hipótese de depois dedescoberta a lacuna com base em princípios e valores jurídicos gerais, esta não possa ser

preenchida por uma outra norma que possa ser aplicada por recurso à analogia.

IIIIII..  PPOOSSTTUULLAADDOOSS HHEERRMMEENNEEUUTTIICCOOSS FFUUNNDDAAMMEENNTTAAIISS 

11..  PPRRÉÉ--CCOOMMPPRREEEENNSSÃÃOO DDOO RREEFFEERREENNTTEE OOUU DDOO SSUUBBEENNTTEENNDDIIDDOO:: o jurista ao enfrentar o

problema da interpretação das leis não pode ignorar os pressupostos gerais da interpretaçãode todo e qualquer texto ou enunciado linguístico.

  O ponto de partida da interpretação é a compreensão do sentido do texto; portanto, tem desde

logo ponto assente no enunciado linguístico –  o significante –  que nos remete para algo de

extralinguístico – quid ou referente.

  A compreensão do sentido do enunciado implica um pré-conhecimento –  presciência –  do

referente.

  SÍNTESE: a condição da própria possibilidade de compreensão de um texto é uma pré-

compreensão do quid, o referente, que está fora desse texto, mas para o qual este aponta. Por

isso se pode dizer que “existe sempre um subentendido num entendido”. 

LLAACCUUNNAASS 

ART. 10 Nº1, 2 –  permite o recurso à analogia, sabendo que se

consideram como análogos os casos onde os conflitos de interesses sejam

semelhantes. Este é um meio de preenchimento de lacunas que se funda

no princípio da igualdade e coerência normativa (casos semelhantes

merecem tratamento semelhante) permitindo uma maior uniformidade

dos julgados.

ART. 10 Nº3 –  recurso a uma norma ad hoc elaborada pelo julgador

dentro do espírito do sistema, na falta de caso análogo. Tal norma

incumbe o julgador para a formulação de uma norma geral e abstracta

que contemple o caso omisso, no entanto essa norma não adquire carácter

vinculativo. Com esta norma o legislador pretende que o julgador capte o

problema jurídico na sua especificidade, no entanto, pretende que ao

resolver a sua solução se coadune com o espírito do sistema da norma

elaborada.

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  O referente imediato da norma são os factos a que ela se dirige e contempla na sua hipótese

legal; porém ela não se esgota nisto: ela compreende ainda um conjunto de efeitos jurídicos

(consequências previstas na estatuição) que se fundamentam:

*  Ora no princípio da equidade –  a norma visa dirimir conflitos de interesses entre partes

divergentes;

*  Ora no princípio da justiça –  as normas contêm sempre uma concepção de justiça, e ao

aplicarmo-las aos casos concretos estamos directamente a aplicar a justiça aos casos reais  

esta concepção de justiça é o verdadeiro referente mediato da norma.

  Ao determinarmos os factos legais que a norma compreende estamos pois já a interpretar

esta locução com base no nosso conhecimento jurídico (neste caso, referimo-nos à hipótese

legal da norma).

  Se formos classificar hierarquicamente, os referentes imediatos (factos jurídicos a que a

norma se dirige, os quais estão consagrados na sua estatuição) adquirem um valor

secundário, em benefício do referente mediato, sendo que este encontra-se numa situação de

primazia uma vez conter uma determinada concepção de justiça.

  Os factos imediatos são os instrumentos ou mediadores através dos quais o legislador nos dá

a sua ideia de Direito e concepção de justiça. Elas representam a sua resposta a questões de

 jurisdicidade, são uma espécie de interpretação autorizada desse unidade de ordem e por isso

é que adquirem pois um valor derivado ou secundário.  Por sua vez, o Direito constitui o referente fundamental, isto é, aquilo que o legislador nos

procura transmitir através dos enunciados das normas. A sua pré-compreensão se requer para

que as normas legais sejam compreendidas como jurídicas. Este referente principal ou

subentendido está necessariamente fora dos textos e do sistema legal positivado (é

transpositivo).

  De referir que as leis que visam uma organização politica, social ou económica, como é óbvio

não podem conter uma concepção de justiça uma vez prosseguirem com outros interesses.

EXEMPLO: No que respeita ao art. 483º do Código Civil referente ao princípio geral da responsabilidade civil

por factos ilícitos compreende como:

  REFERENTE IMEDIATO – “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer

disposição legal destinada a proteger interesses alheios… e (houver) danos resultantes da violação”

  REFERENTE MEDIATO – uma vez a norma em si uma ligeira concepção de liberdade (liberdade de agir, no entanto,

tal como temos liberdade de agir do mesmo modo temos o dever de ser responsáveis pelos nossos actos; ela remete-

nos assim para o principio de autonomia privada que é pois o seu referente principal.

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22..  DDIIAALLÉÉTTIICCAA EENNTTRREE OO PPOOSSIITTIIVVOO EE OO TTRRAANNSSPPOOSSIITTIIVVOO 

  O quid  trans-positivo (os princípios fundamentais de Direito) não tem existência a se 

(autónoma), só existe (só é Direito!) ou tem vigência através dos textos positivos e,

posteriormente, da interpretação e aplicação destes.

  Por outro lado, os textos legais positivos não podem ser compreendidos com um sentido

 jurídico senão por remissão para o pólo extra-positivo visto não criarem automaticamente a

 juridicidade, eles somente são a expressão e interpretação de algo que está para além deles,

está fora deles.

 

É importante também considerar que as normas legais positivas além de pressuporem uma

determinada concepção de justiça, para a qual necessariamente reenviam, elas têm de se

submeter aos imperativos ou postulados básicos.

  Sendo assim, cabe afirmar que há efectivamente uma relação de tensão dialéctica entre um

pólo positivo e um pólo trans-positivo do Direito. Se considerarmos como “Direito Natural”

a referida polaridade extra-positiva, então:

“No plano hermenêutico, a priori não existe uma Direito Positivo sem um Direito Natural e também

não existe um Direito Natural sem um Direito Positivo…” 

  Como síntese, podemos dizer que não se pode falar em direito sem uma positividade

(eficácia social e histórica) que articule a idealidade dos valores com a factualidade da vida;

DDIIRREEIITTOO NNAATTUURRAALL:: para os apologistas da doutrina jus naturalista o Direito Natural,

independentemente da forma como foi concebido, surge como algo que necessariamente

fundamenta e limita todo o Direito.

 ―  

Função legitimadora e justificadora do direito posto, visto este não se tornar num

direito verdadeiro, ou seja, justo, só pelo facto de ser legislado (a aplicação do direito

puramente positivo não satisfará as exigências de justiça –  problema de questionar

acerca da sua real juridicidade).

 ―   Função regulativa ou critério para todo o direito histórico, uma vez o Direito Natural

ser tido como o étimo fundante de todo o sentido jurídico, ele é pois transcendente ao

próprio direito posto pelo legislador. 

Somos pois levados a dizer que o Direito Natural, enquanto polaridade extra-positiva, torna-se

o referente hermenêutico do sentido subentendido, indispensável à compreensão dos textos

legais positivos.

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mas também não se pode falar de Direito sempre que essa factualidade se desvincula de

qualquer referência ao valor de Justiça.

IIVV..  NNOOVVOOSS DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOOSS MMEETTOODDOOLLÓÓGGIICCOOSS 

11..  PPRREESSPPEECCTTIIVVAA TTRRAADDIICCIIOONNAALL 

 ―  

A teoria tradicional faz desde logo uma distinção entre interpretação e integração:

  INTERPRETAÇÃO – procura determinar o sentido da norma jurídica, logo, tinha uma

função meramente reprodutiva ou declarativa.

  INTEGRAÇÃO –  procura resolver problemas para os quais o ordenamento não

consagra nenhuma solução jurídica e, se for necessário, criava a norma jurídica em

falta; por isso, era um processo produtivo ou constitutivo.

 ―   Deste modo, podemos dizer que ao passo que a interpretação actua somente no texto da

norma, a integração é muito mais abrangente e ultrapassa a primeira pelo recurso à

analogia.

 ―   Para a corrente tradicional a norma legal era o ponto de partida de toda e qualquer

interpretação – o “prius metodológico” que estava na base da realização do Direito. 

22..  NNOOVVAA PPRREESSPPEECCTTIIVVAA AACCTTUUAALL 

 ―  

As novas correntes doutrinais defendem a deslocação do fulcro central da análise da

norma para a decisão do caso concreto: há pois uma desvalorização da importância do

texto normativo em benefício das finalidades/objectivos, da racio da própria norma.

 ―   Actualmente, a norma é tida como uma manifestação do pensamento do próprio

legislador, devendo esta legitimar-se ou fundamentar-se pela sua referência a valores

extra-positivos que lhe conferem unidade e coerência.

 

Não pode ser tomada de forma isolada, ela contém um conjunto de princípios que se

aplicam ao caso concreto. São esses princípios que restringem, corrigem e completam

o próprio sistema jurídico.

 

Desta forma, podemos dizer que o legislador não é inteiramente livre pois deve seguir

determinados valores fundamentais.

 ―  

Para desvalorização do texto da norma as demais doutrinas advogam o seguinte:1.  TODO O TEXTO É POLISSÉMICO –  uma vez a norma admitir vários sentidos,

consoante a interpretação que se pretenda fazer da linguagem do texto; a interpretação

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deve antes ser orientada pelo sentido ou fim da norma – estes dois elementos passam a

ser os critérios determinativos em detrimento do sentido literal da norma.

2.  APLICAÇÃO DO DIREITO INVOLVE JUÍZOS DE ANALOGIA – é pois reconhecida à

analogia a função de extensio do Direito, é através dela que se conhece todos os casos

que cabem no âmbito intencional da norma jurídica e por isso é que devemos de dizer

que a própria analogia é essência da própria interpretação.

*  Não há diferença entre a interpretação extensiva e a integração por analogia: a nova

corrente recusa a descontinuidade entre a interpretação e a integração, e falam

antes de uma unidade noético-normativa para a realização, desenvolvimento e

progressiva descoberta do direito.

Portanto, a norma enquanto modelo abstracto de um problema pressuposto, vê-se

concretizada através de um conjunto de situações concretas, análogas às previstas

na hipótese legal da norma, e que se enquadram nesta última mediante o recurso à

analogia.

A ética agora é de “perante um determinado caso, aplica -se uma determinada

normas e as consequências que esta consagra” (o pensamento deixou de ser inverso

como defendia a doutrina tradicional) – procura das normas e princípios em que se

há-de enraizar a decisão a proferir sobre o caso concreto.

 ―   Assim sendo, para as novas doutrinas, a interpretação da norma é uma fase do caso

concreto, mas não o resultado final como se suponha!

 

O texto é de tal maneira desvalorizado que deixa de ser o próprio limite da interpretação;  O fundamental é chegar-se a uma solução verdadeiramente justa da resolução do caso

concreto, independentemente, de esta estar ou não consagrada no texto da norma, mas

antes subentendida nos princípios que esta consagra.

  Assim sendo partimos do caso concreto para a escolha da norma que forneça a melhor

solução e não o contrário – caso é um condicionantes e determinante da interpretação.

 ―  

Para as novas doutrinas, a interpretação e a integração são absorvidas na figura do

desenvolvimento do direito, onde assume especial importância o juiz, cuja função é, na

qualidade de terceiro imparcial, independente ou supra-partes, recusar uma lei injusta e

corrigir o legislador quando não se observam os limites determinados pelos valores

fundamentais.

 Apesar de ser muito mais simples, esta nova corrente não demonstra ser tão segura nem confere certeza jurídica ao

ordenamento, pois cada um pode (supostamente) retirar do texto o sentido que pretender – através de juízos de semelhança (o

que está em causa é saber se um dado caso encaixa na norma!).

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33..  NNOOVVOOSS RREESSUULLTTAADDOOSS DDAA IINNTTEERRPPRREETTAAÇÇÃÃOO 

 ―   São a consequência desta nova orientação metodológica da concreta realização do Direito:

1.  INTERPRETAÇÃO CORRECTIVA –  ocorre quando a norma jurídica, tomada à letra,

abrange outras hipóteses que o espírito da lei não comporta. Tal situação se deve a umaalteração das circunstâncias determinantes que estiveram na base da formulação da lei; deste

modo, o julgador tem o dever de corrigir o texto da lei para realizar a sua intenção prática – 

parte-se do pressuposto que o legislador não teria querido a norma se tivesse previsto tal

resultado59.

2.  EXTENSÃO TELEOLÓGICA60  –  ocorre quando o teor literal da lei é demasiado estrito,

assim surge a necessidade de se alargar o seu campo de aplicação a casos literalmente não

59 O grande problema que se coloca é que no Código Civil o legislador no art. 11º proíbe a interpretação por analogia a normasexcepcionais.60  Enquanto que na interpretação extensiva se pretende interpretar a lei de acordo com a vontade inicial do legislador, naextensão teleológica o que se pretende é obter a finalidade da norma, independentemente, da vontade ou pensamento do

PPRRIIUUSS MMEETTÓÓDDIICCOO 

Deixa de se localizar na norma para se localizar no

caso concreto.

*  Os factos relevantes deixam de ser somente os

consagrados nas hipóteses das normas positivas.

*  A interpretação jurídica é um fim, um momento normativo, ao serviço da

aplicação do direito.

*  Os textos legais não criam automaticamente o jurídico, eles são uma expressão do que está

para além deles e fora deles – valores jurídicos fundamentais, a ratio iuris que se sobrepõe à ratio

le is.

Estabelecendo unidade e coerência à ordem jurídica.

*  No direito existe uma permanente tensão entre a polaridade positiva e a polaridade

extra-positiva.

*  O intérprete não pode ignorar a pretensão de justiça que lhe permitirá compreender a norma e

aplicá-la como jurídica, mas é em função da solução que o caso sub iudice reclama, que a

interpretação da norma deve ser feita.

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abrangidos por esta – com o fundamento que segundo o princípio de justiça deve-se tratar

igualmente o que é igual.

3.  REDUÇÃO TELEOLÓGICA – verifica-se quando o âmbito de aplicação de uma norma se

reduz mais do que o limite resultante do sentido literal, ou seja, os casos abrangidos pelaletra são excluídos do seu campo de aplicação com fundamento na teleologia imanente a

essa norma e no princípio de justiça de tratar desigualmente o desigual.

legislador. Assim, de uma maneira muito sucinta o que distingue interpretação extensiva de extensão teológica é que naprimeira há uma referência ao pensamento legislativo, ao modo como a norma foi configurada; enquanto que na segunda oimportante é o racio, o objectivo ou finalidade da norma. 

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PPAARRTTEE VVIIII –– ((11..)) AAPPLLIICCAAÇÇÃÃOO DDAA LLEEII NNOO TTEEMMPPOO 

VV..  OO PPRROOBBLLEEMMAA EE AA SSUUAA IIMMPPOORRTTÂÂNNCCIIAA PPRRÁÁTTIICCAA 

 

As leis sucedem-se no tempo: o legislador constantemente modifica os regimes jurídicos por

forma a que a sua aplicação aos casos concretos se revele justa e coerente.

  Por força do art. 7º do Código Civil que compreende o princípio da “lex posterior derogat legi

priori”, efectivamente não chega a haver um conflito de normas intra-sistemático (conflito real

de normas). Todavia, tal situação não implica que não possam existir um conflito das leis no

tempo (extra-sistemático).

VVII..  OO PPRRIINNCCÍÍPPIIOO DDAA NNÃÃOO RREETTRROOAACCTTIIVVIIDDAADDEE DDAASS LLEEIISS 

  O Direito tem essencialmente duas funções:

1.  ESTABILIZADORA/ORDENADORA: ele é o garante da estabilidade e continuidade da

vida social (cria segurança nas relações jurídicas da vida social, mediante a aplicação de

princípios de justiça e equidade) – perspectiva da doutrina liberal e democrática;

2. 

DINAMIZADORA/MODELADORA:   ele é capaz de ajustar a ordem estabelecida àevolução social, promovendo a sua evolução num dado sentido (forma de provocar

transformações sociais e simultaneamente jurídicas nas relações jurídicas já constituídas

mediante a adopção de novas leis imperativas) –  concepção da doutrina marxista e

colectivista.

*  A entrada em vigor de uma lei nova (LN) não implica necessariamente o corte com o sistema jurídico do

passado: existem factos e situações que uma vez decorridas antes da entrada da LN continuam a projectar-se

e a verificar-se no futuro.

*  Todavia, com muita frequência a entrada em vigor de uma LN vem alterar a lei antiga (LA) ou o regime

 jurídico que até então perdurava. Mas a partir de que momento é que a nova lei entra em vigor? Será justo

aplicar-se a casos regulados pelas normas que derroga?

*  O Direito assume hoje um papel de instrumento modelador da sociedade: a ideia de uma

modificabilidade do direito postula um sistema jurídico aberto e dinâmico, susceptível de

evoluções permanentes, acolhendo aos impulsos inovadores e resolvendo novos problemas. Tal

modificação e evolução deve, no entanto, ser no fundo ordenada por forma a evitar-se as

revoluções.

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  Na sequência da Revolução Francesa, em 1789, e com o fundamentos pelo “princípio do

respeito pelos direitos adquiridos”, vai prevalecer a doutrina inspirada na ideia de que

“nenhuma lei, criminal ou civil, pode ter efeito retroactivo”   –  princípio garantista da não

retroactividade das leis.

 

As normas jurídicas têm essencialmente a função de preservar a estabilidade e segurança dasrelações adquiridas –  concepção dos legisladores mais conservadores –; ao passo que –  os

legisladores mais reformistas –  advogam a rápida fixação da LN a todas as situações em

decurso pois a LN é considerada mais justa que a LA.

  O direito tem especialmente a função de dirigir e orientar condutas, todavia, como é que este

o pode fazer antes de ser posta em vigor? É absurdo apreciar uma dada conduta partindo de

uma regra que não existia ou vigorava quando essa conduta se verificou! Este é o fundamento

do princípio da não retroactividade do direito que decorre da própria essência da lei e é um

princípio universal de direito (art. 12º nº1 1ª parte do C.Civil, «a lei só dispõe para o futuro»).

  A necessidade de o direito respeitar a estabilidade das relações jurídicas é ele mesmo um

postulado inerente à função ordenadora e social do mesmo.

  Diz-se retroactiva uma norma cuja aplicação não enquadre apenas casos futuros, mas que

também se aplica a casos a decorrer no presente e até mesmo já constituídos no passado!

Podemos distinguir três graus de retroactividade:

1.º 

GRAU NORMAL –  aquela que respeita os efeitos jurídicos já produzidos pela situação jurídica ao abrigo da lei antiga, bem como todos os casos julgados; todavia, aplica-se

imediatamente às relações jurídicas já constituídas – princípio previsto no nº 1 do art. 12º do

Código Civil, na 2ª parte da norma

2.º  GRAU INTERMÉDIO – A LN respeita efectivamente os casos julgados, todavia, não respeita

os efeitos jurídicos já produzidos no passado que não foram alvo de uma decisão judicial ou

por qualquer outro título equivalente.

3.º  GRAU MÁXIMO –  aquele em que a LN vinha dispor sobre casos julgados (decididos por

sentença ou por qualquer outro título equivalente) ou sobre causas em que o direito de acção

 já havia caducado –  aplica-se a todas as situações do passado, pois não respeita os efeitos

 jurídicos passados.

VVIIII..  AA RREETTRROOAACCTTIIVVIIDDAADDEE EE AA CCOONNSSTTIITTUUIIÇÇÃÃOO 

  Existem várias Constituições, nomeadamente, a dos EUA e do Brasil, que proíbem a

retroactividade das leis que se torna assim um princípio constitucional: a LN não pode atingiro direito adquirido ou as situações jurídicas já constituídas/perfeitas, com o fundamento na

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defesa dos direitos subjectivos dos indivíduos contra o arbítrio do poder Estadual (que,

particularmente, violem direitos fundamentais!)

  Na CPR (Constituição da República Portuguesa), bem como noutras constituições modernas,

tal princípio não adquire o estatuto de princípio constitucional, a não ser no domínio penal

(excepção!).

 

O legislador não está constitucionalmente impedido de conferir retroactividade às leis que

edita, salvo se estas violarem direitos fundamentais constitucionalmente tutelados ou outro

qualquer princípio ou garantia constitucional.

  Em matéria da lei penal incriminadora: a lei que venha instituir novas penas ou medidas de

segurança ou agravar as anteriores é constitucionalmente proibida a sua retroactividade – art.

29º, nº1, 3 e 4 da CRP).

 

Todavia, “aplicam-se retroactivamente as leis penas de conteúdo mais favorável ao arguido” – art. 6º do Código Penal, princípio da retroactividade “in mitius”. Casos em que a LN (1) vem

eliminar o facto punível, e o arguido já não pode ser condenado e se já foi (por via de sentença

 judicial) tem-se a pena por extinta; (2) estabelece uma pena mais leve ao infractor ainda não

condenado por sentença; (3) venha dispor sobre os efeitos das penas, tem efeito retroactiva em

tudo que seja mais favorável ao infractor.

 

Por vezes, há tendência, para em dados domínios (como no caso do direito fiscal) se alargar o

princípio da retroactividade “in mitius”, desde que favoreçam os interesses particulares dos

cidadãos relativamente a entidades públicas e quando não ponham em causa a segurança

 jurídica – tendência não prevista na lei.

  Apesar de a CRP não proibir a retroactividade das leis, não faz sentido que tal se aplique e é

por isso que existem um conjunto de situações previstas em que tal retroactividade é pois

totalmente proibida:

1.  Leis restritivas de direitos, liberdades e garantias;

2.  Leis que ofendam o caso julgado (art. 282º, nº3 CRP);

3. 

Leis que criam impostos (art. 103º, nº 3 CRP);

4.  Leis incriminadoras ou que agravem penas e medidas de segurança (art. 29º CRP).

VVIIIIII..  DDIISSPPOOSSIIÇÇÕÕEESS TTRRAANNSSIITTÓÓRRIIAASS 

 ―   Os problemas de sucessão de leis no tempo suscitado pela entrada em vigor de uma LN

podem (ou pelo menos em parte) ser directamente resolvidos por esta mesma lei ou diploma

mediante a adopção das chamadas “disposições transitórias” que podem ser:  

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1.  DE CARÁTER FORMAL – aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a

LA ou a LN, é aplicável a determinadas situações.

2.  DE CARÁTER MATERIAL – aquelas que estabelecem uma regulamentação própria que não

coincide, nem com a LA, nem com a LN. Elas estabelecem uma regulamentação intermédia

com intuito de adaptar as situações que se encontram na fronteira das duas anteriores

(adaptar o regime da LN a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor) – 

forma de estabelecer uma transição entre os dois regimes relativamente a situações jurídicas já

configuradas e até então regidas pela LA.

 ―   Todavia, é importante notar-se que na maior parte dos casos o legislador nada estabelece

quanto à aplicação da LN no tempo, criando-se assim situações em que se suscita o conflito de

leis no tempo. Nestes casos o jurista é pois remetido para o art. 12º do Código Civil que

consagra o princípio da não retroactividade das leis.

IIXX..  PPRRIINNCCÍÍPPIIOO DDAA NNÃÃOO RREETTRROOAACCTTIIVVIIDDAADDEE EE OO CC.. CCIIVVIILL 

    Sempre que a lei nada estabelece quanto à sua aplicação no tempo, em última hipótese vigora

(em todos os ramos do Direito) o princípio da não retroactividade das leis.

 

Em Portugal apenas é admissível a retroactividade de 1º grau ou normal.

   

Cabe à doutrina, ou à jurisprudência e ou a lei apurar um critério racional e preciso que

permita definir retroactividade.

 

Esta é uma definição no âmbito da aplicabilidade de cada uma das leis (LA e LN) ou sistemas

 jurídicos e não propriamente um problema de aplicação de normas (determinar quais os

factos a abranger na hipótese das normas).

    Tal problema de definição do conceito de retroactividade foi objecto de duas doutrinas

principais:

1. 

DOUTRINA DOS DIREITOS ADQUIRIDOS –  a LN deveria de respeitar os direitos já

constituídos (adquiridos), sob pena de retroactividade;

2.  DOUTRINA DO FACTO PASSADO – a LN não se aplicaria (sob pena de retroactividade) a

factos passados e aos efeitos jurídicos produzidos antes do seu início de vigência (portanto, só

se aplicaria a casos futuros)61.

61  É muito importante saber quais os factos que nos estamos a reportar: se os factos forem constitutivos, modificativos ou

extintivos de direitos subjectivos ou de situações jurídicas, então se a lei se aplicar é retroactiva. Todavia, a lei pode aplicar-se afactos passados e não ser retroactiva, desde que estes sejam apenas meros factos pressupostos (logo, não criam direitos nemobrigações): nada impede que com o fundamento na circunstância de que o facto constitutivo aconteceu no período da LN,nada impede que a mesma lei seja aplicada a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivospara a constituição de uma situação jurídica.

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    Actualmente, a primeira teoria foi posta de lado pelos modernos autores, que complementam

a teoria do facto passado com o chamado princípio da aplicação imediata da LN às situações

em curso no momento da sua entrada em vigência.

 

É a doutrina do facto passado que influencia o art. 12º do Código Civil que estabelece os

princípios gerais da aplicação da lei no tempo. De referir que em conjunto com o art. 13º

(relativo às leis interpretativas) e 297º (relativo à alteração de prazos) do mesmo Código se

fixam os critérios relativos à aplicação da lei no tempo.

    No que respeita à interpretação que podemos fazer ao artigo 12º:

1.  (primeira parte) a lei só dispõe para o futuro, mas (segunda parte) sempre que lhe seja

atribuída eficácia retroactiva pelo legislador presumem-se ressalvados os efeitos já

produzidos pelos factos que a lei se destina a regular – princípio do facto passado (exclui-se

retroactividade de 2º e 3º grau).

2.  (primeira parte) se a norma dispõe sobre os requisitos de validade formal ou substancial de

quaisquer factos ou sobre os seus efeitos ela só se aplica a factos novos; no entanto, (segunda

parte) se a lei dispõe sobre o conteúdo da relação jurídica (altera os direitos e obrigações da

relação jurídica) e o modela sem olhar aos factos das situações que deram origem (dispõe

sobre os direitos e deveres de forma imperativa) então a LN também se aplica a relações

 jurídicas já constituídas antes do seu início de vigência.

ARTIGO 12º

Aplicação das leis no tempo. Princípio Geral

1.  A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os

efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. 

Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos,entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de

certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações

 já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

TEORIA DA APLICAÇÃO DAS LEIS NO TEMPO

CONSTITUIÇÃO CONTEÚDO

Ao conteúdo das situações jurídicas (direitos e

deveres) que subsistam à data da entrada em vigor

da LN aplica-se imediatamente esta lei, excepto em

algumas situações de origem contratual.

Requisitos de validade (substancial e formal) de

factos constitutivos – aplica-se a lei do momento

em que essa constituição se verifica.

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XX..  AAPPLLIICCAAÇÇÃÃOO DDAA LLNN AA RREELLAAÇÇÕÕEESS J JUURRÍÍDDIICCAASS CCOONNTTRRAATTUUAAIISS –– ““EESSTTAATTUUTTOO 

DDOO CCOONNTTRRAATTOO”” 

    Normalmente, as regras transitórias aplicáveis aos contratos não se coadunam com os

princípios legais e gerais estabelecidos: em princípio, os contratos estariam submetidos à leivigente no momento da sua conclusão, que seria “competente” para os reger até à extinção da

relação contratual.

    Há quem fale na “sobrevivência” da LA no domínio das situações de origem contratual,

todavia, tal ideia é de todo errado pois sempre que a LN revogue a LA tal não se verifica. O

que se pode dizer é que, em principio se deve “considerar como incorporada no contrato (…)

 por ter sido tacitamente acolhida nas suas disposições pela vontade das partes”  – “lex transit

in contractum”. 

 

O contrato aparece-nos como um acto de previsão em que as partes estabeleceram, tendo em

conta a lei então vigente, uma relação contratual.

 

A entrada em vigor de uma LN que modifique o regime querido pelas partes, afecta as

previsões destas, adultera o equilíbrio por elas arquitectado e afecta a segurança jurídica.

 

Uma vez as cláusulas contratuais serem tão diversificadas, como detalhadas e originais, o

legislador nunca as poderia prever a todas; logo, a LN não deve ser imediatamente aplicável

às situações contratuais em curso.

    Tendo em conta o previsto no art. 12º do Código Civil, as disposições da LN relativas aos

contratos, quer sejam interpretativas, quer sejam supletivas, ou (1) não dispõe sobre o

conteúdo do contrato abstraindo-se dos factos que lhe deram origem (logo, não se pode

aplicar a 2ª parte do nº 2 do art.12º); ou (2) referem-se apenas à validade substancial ou formal

de certo facto. Sendo assim, deve-se aplicar a 1ª parte do nº2 do art. 12º do Código Civil, logo,

só se aplica a factos novos.

    No entanto, no que respeita os contratos de execução continuada ou reiterada (caso do

contrato de arrendamento, p.ex.), cujas obrigações podem durar por um logo período de

tempo, que pode mesmo subsistir após a própria conclusão do contrato, já faz sentido e parece

aceitável a aplicação de LN que entretanto vão surgindo e vão modificando as disposições do

contrato já celebrado.

    A doutrina tradicional sobre o critério de resolução dos conflitos de leis em matéria dos

contratos reconhece uma larga importância à autonomia da vontade. O principio da nãoaplicação da LA às relações jurídicas contratuais já estabelecidas consente algumas excepções:

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1.  No caso da aplicação das “leis de ordem pública” destinadas a tutelar um interesse social

particularmente fundamental;

2.  No caso da aplicação das “leis de ordem pública económica de protecção” destinadas a

tutelar o interesse da parte mais fraca;

3.  No caso da aplicação das “leis de ordem pública económica de direcção” destinadas a

equilibrar a conjuntura económica.

    Em síntese, o “estatuto do contrato” é determinado em face da lei vigente ao tempo da sua

conclusão. Todavia, não podemos nos esquecer que este se encontra subordinado ao “estatuto

legal” pelo que seria de aplicação imediata, em caso de conflito com as cláusulas contratuais

anteriores, as disposições da LN que viessem modelar um novo regime geral das pessoas e

dos bens, resolver problemas de política social e económica – a lei competente é pois a LN,

logo, as suas disposições prevalecem sobre as clausulas.

XXII..  LLEEIISS SSOOBBRREE PPRRAAZZOOSS 

 ―  

No que respeita à interpretação que podemos fazer ao artigo 297º:

1. 

Se a LN encurtar o prazo a lei estabelece que tal seja aplicada aos prazos em curso, mas onovo prazo só se conta a partir da entrada em vigor da LN, a não ser que segundo a LA falte

menos tempo para o prazo terminar.

2.  Se a LN alongar o prazo a lei estabelece que deve ser igualmente aplicável aos prazos em

curso, mas se contará todo o prazo decorrido desde o momento inicial.

 ―   O decurso do tempo em ambas é tido como um facto constitutivo ou extintivo da situação

 jurídica (facti-species) então sempre que tal facto se vem já a verificar na vigência da LN então

esta é-lhe aplicável (o processo constitutivo/modificativo/extintivo fica imediatamente sujeito

à LN).

ARTIGO 297º

Alteração de prazos

1.  A lei que estabelecer, para qualquer efeito um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável ao

prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que,

segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

2.  A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles

todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.

3.  A doutrina dos números anteriores é extensiva na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer

outra autoridade.

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 ―   Todavia, há que ter em conta determinadas situações (excepcionais) cuja solução deve de ser

adaptada:

1.  Quando a lei nova vier encurtar o prazo, e se em virtude desse encurtamento determinados

direitos pudessem ficar automaticamente prescritos por força da entrada em vigor de uma

LN, por questões de justiça, o prazo começa-se a contar a partir da entrada em vigor da LN.

2. 

Quando a LN altera o momento a partir do qual o prazo se começa a contar e se o referidomomento for por ela antecipado aplica-se o nº1 do art.297º; mas se o momento for atrasado

aplica-se o nº2 do art. 297º.

3.  Se a LN estabelecer pela primeira vez um prazo este só deve de ser contado, qualquer que

seja o momento inicial fixado, a partir da entrada em vigor da LN.

 ―   Por fim, é importante considerar ainda que existem certos prazos que não se aplica o disposto

no art. 297º. Falo das hipóteses em que uma disposição legal se refere ao decurso de

determinado período de tempo como fundamento de certa presunção legal como pressuposto

de certa “capacidade especial”, ou “faculdade  (prazo internupcial para requerer a celebração de

novo casamento) ou “facto pressuposto” ou secundário que deve acrescer a um facto principal

para que este se torne relevante ou produza efeitos jurídicos   (ex. o testamento é um facto

 pressuposto ou secundário que acresce à morte do cujus para que efectivamente se possa fazer a sucessão

testamentaria de acordo com as suas disposições). 

 

Nestes casos nada interessa o facto de o prazo em causa ter decorrido, no todo ou em parte,

sob a LA, visto que tal decurso não é, per si, causa de qualquer efeito jurídico. Portanto, só o

facto principal (o nascimento, a morte, a celebração de novo casamento, o pedido de

conversão em divórcio) é que determina a lei aplicável.

 

Nestes casos o decurso do tempo não é um facto constitutivo/modificativo/extintivo de

uma situação jurídica mas antes um simples facto pressuposto.

XXIIII..  LLEEIISS IINNTTEERRPPRREETTAATTIIVVAASS 

 ―   A lei interpretativa é criada pelo legislador com o intuito de estabelecer um sentido para uma

determinada norma já em vigor susceptível de várias interpretações.

ARTIGO 13º

Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas

1.  A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da

obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga

natureza.

2.  A desistência e a confissão não homologadas pelo tribunal podem ser revogadas pelo desistente ou confitente a quem a

lei interpretativa for favorável.

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 ―   Uma vez a lei considerar, no nº1 do art.13º do Código Civil, que a lei interpretativa integra-se

na interpretada, significa que relativamente a leis desta natureza não se aplica o princípio da

não retroactividade. Todavia, “ficam salvos os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação,

 por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga

natureza”. 

 ―   A propósito do art. 13º é importante distinguir leis interpretativas de leis inovadoras,

fundamental para estabelecer o alcance ou limite da retroactividade das chamadas leis

interpretativas.

  Uma lei é interpretativa se à luz dos cânones interpretativos fixa um dos sentidos possíveis

que se poderiam retirar daquela norma. Todavia, é inovadora sempre que fixar um sentido

diferente do que dela se poderia retirar (sentido contrario à corrente jurisprudencial, logo,

viola as legítimas expectativas).

 

Na maioria dos casos o legislador não tem a preocupação de catalogar a norma que edita

como interpretativa uma vez esta ser efectivamente interpretativa e, como tal, está de

imediato sujeita ao disposto no art.13º.

  Há situações, porém, em que o legislador declara interpretativa uma norma, que é no fundo

inovadora, como forma de disfarce da retroactividade da LN. Mas existem dadas matérias

(domínio do direito penal), em que é proibida a retroactividade de hierarquia superior,

mesmo que disfarçada!

 ―   É necessário definir um critério fixo que nos permite distinguir plenamente entre as leis

interpretativas das inovadoras (que podem ser qualificadas pelo próprio legislador como

interpretativos, mas na verdade não o são!). 

 

A razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e a situações anteriores deve-se

porque ela fixa uma das possíveis interpretações possíveis da LA, sentido que os

interessados já poderiam prever/contar, logo, não é susceptível de violar expectativas

seguras e legitimamente fundadas.

 

Portanto, para que a LN seja considerada de natureza interpretativa têm de ser completados

2 pressupostos:

1.  A solução jurídica da LA para uma dada situação tem de ser controversa ou pelo

menos incerta;

2.  A solução definida pela LN tem de se situar dentro dos quadros da controvérsia, de tal

maneira que o julgador ou o intérprete a poderiam ter adoptado à luz dos textos

antigos sem ultrapassar os critérios de interpretação da lei.

  Uma lei é decididamente inovadora (mesmo que o legislador a determine como

“interpretativa”) quando a solução que a LN vem consagrar, nunca poderia ter sido

adoptada em face dos textos antigos pelo Tribunal ou intérprete; ou então se ela fixa uma

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solução que contrarie a corrente jurisprudencial uniforme que formou já um sentido para a

LA.

 ―   No que respeita aos “limites da retroactividade da lei interpretativa”, por força do disposto no

art. 13º, a aplicação da lei interpretativa a factos passados não é uma verdadeira

retroactividade.

 

Se as variações da jurisprudência no que toca à interpretação de uma regra de direito não

são tidas como retroactivas, na medida em que não produzem efeitos retroactivos; então

uma lei interpretativa, uma vez não atingir os efeitos já produzidos pelo cumprimento das

obrigações (pelo caso julgado, pela transacção ou por actos de análoga natureza)62, então as

normas interpretativas devem ser consideradas como “substancialmente retroactivas” (a sua

retroactividade justifica-se no facto de não violar expectativas fundadas).

  NOTA: Há excepcionalmente casos em que o mesmo texto da LN pode conter

simultaneamente uma disposição interpretativa e inovadora (caso do art. 1786º cujo nº2 é

inovador relativamente ao art. 1782º e ao mesmo tempo, o nº 1 do primeiro art. é interpretativo em

 face ao segundo art.). 

XXIIIIII..  LLEEIISS CCOONNFFIIRRMMAATTIIVVAASS 

 ―   Normalmente, a LN vem:

1.  “ALIGEIRAR”/ATENUAR as formalidades exigidas pela LA tidos como requisitos de

validade de dados negócios jurídicos;

2.  DISPENSAR algum dos pressupostos estabelecidos pela LA para que determinados

negócios jurídicos, ao abrigo dessa lei, fossem considerados válidos;

3.  ELIMINAR dados impedimentos consagrados na LA, cuja verificação era fundamento da

nulidade do acto;

4.  ADMITIR factos que ao abrigo da LA eram tidos como inadmissíveis/nulos.

 EM SUMA, AS LEIS CONFORMATIVAS VÊEM ATENUAR FORMALISMOS DE NATUREZA

 NEGOCIAL… 

 ―  

Mas o que sucede aos actos nulos ou anuláveis praticados ao abrigo da LA, que pela entrada

em vigor da LN mais permissiva são já tidos como válidos? Para respondermos a esta questão

62 Se a situação jurídica veio a ser concretamente consolidada por meio de uma decisão judicial, ou de um novo acordo daspartes, ou de um outro acto de natureza análoga, actos esses que vêem por termo a toda a controvérsia ou dúvida que se criara,logo, tal situação ou relação jurídica acha-se definitivamente arrumada, sendo insusceptível a possibilidade de reabertura domesmo assunto que se vê assim”arrumado”.

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devemos partir da 1ª parte do nº2 do art. 12º do C. Civil: a lei da validade ou invalidade de

quaisquer factos é, em princípio, a lei vigente ao tempo da prática desses mesmos factos.

 

Se a LN, por ser mais liberal, não pode produzir a convalescência dos actos anteriores nulos ou

anuláveis; também não pode por em causa a validade dos actos jurídicos passados ao abrigo de

uma LA mais liberal.

 ―   Geralmente, por regra, a LN aparece como mais liberal: ou porque pretende facilitar o trafico

 jurídico, ou porque as exigências/requisitos feitas pela LA sob pena de nulidade serem

irrealistas/inadmissíveis, ou porque os impedimentos para a celebração de certos actos já não

estão de acordo com as concepções sociais vigentes (nomeadamente, do legislador).

 ―   É, todavia, frequente que a LN (mais favorável à validade dos actos) confirmar expressamente

actos nulos e anuláveis realizados ao abrigo da LA. Mas normalmente tratam-se apenas de:

1. 

Actos cuja validade controvertida, em face da legislação anterior, é confirmada por uma LN

meramente interpretativa –  lei confirmativa e interpretativa convergem, ambas são

“substancialmente retroactivas”; 

2.  Situações em que a LN exige dados requisitos de validade cuja exigência era duvidosa ao

abrigo da LN, ao mesmo tempo que declara expressamente validos os actos anteriores que não

respeitarem tais condições – desvio ao princípio da aplicação retroactiva da lei interpretativa.

 ―   Na maioria das vezes, a LN vem expressamente:

1.  Assegurar a invalidade do acto declarando que terá os efeitos que esta lhe teria dado;

2.  Afirmar que não pode ser anulado se obedeceu aos requisitos por ela estabelecidos;

3.  Atestar que só pode ser declarado nulo ou anulado se houver fundamento reconhecido quer

pela LA, como pela LN;

4.  Estabelecer que só pode só pode ser declarado nulo ou anulado se houver fundamento

reconhecido pela LN.

 ―   Mas o que deve fazer o intérprete ou julgador se a LN mais liberal em matéria de condições de

validade dos actos não contém uma disposição confirmativa dos actos anteriores?

1.  Normalmente a resposta da doutrina clássica é o nº2 do art. 12º (2ª parte) que nos diz que a

confirmação pela LN de actos anteriores é contrária ao princípio da não retroactividade,

portanto, não se deveria de admitir a lei confirmativa tácita.

2.  No entanto, partindo da ideia de que o princípio da não retroactividade tem por base o

fundamento da necessidade de se garantir a estabilidade e segurança jurídica; e partindo da

ideia que a maior parte das leis confirmativas vêem reforçar essa segurança que poderia ser

abalada pela anulação e declaração de nulidade dos negócios celebrados, nestes casos oprincípio da não retroactividade carece de fundamentação real que justifique a sua aplicação

em concreto.

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  Não passaria de uma exigência formal e inútil, porque o tribunal poderia declarar nulo um acto

que as mesmas partes poderiam celebrar validamente no dia seguinte.

  Ou nos casos em que o autor do acto, por confiar na validade deste, ou por ignorância, ou por já

ter falecido ou por não poder realizar de novo o acto a que a lei nova já não tem qualquer

objecção a fazer.

 ―   É certo que em determinados casos a outra parte afectada pelos efeitos do acto poderão estar

interessadas na sua nulidade ou anulação, mas há que ponderar se os interesses das mesmas

são legítimos e susceptíveis ou merecedores de protecção.

 ―   Em suma, tem-se por confirmativa (ou retroactiva) todas as leis que venham reduzir ou

liberalizar as condições de validade dos actos jurídicos (espécie de retroactividade “in mitius”.

O legislador deve sempre de dar expressão no texto legal do alcance confirmativo do mesmo,

pois senão o julgador ou intérprete deverá se regular pelo art. 12º nº2 (1ª parte).

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PPAARRTTEE VVIIII –– ((22..)) AAPPLLIICCAAÇÇÃÃOO DDAA LLEEII NNOO EESSPPAAÇÇOO 

   

Da mesma maneira que as normas jurídicas, no âmbito da sua eficácia temporal, vêem-selimitadas pelo facto de não poderem ter a pretensão de regular factos que se sucederam antes

da sua entrada em vigor… De igual modo, elas se encontram limitadas ao nível da sua eficácia

espacial, ou seja:

  As normas jurídicas não podem ter a pretensão de regular factos que se sucederam ou sucedem fora

de qualquer contacto ou conexão com o Estado que as edita/emana.

    Todavia, há situações jurídicas que, ou logo no momento da sua constituição, ou

posteriormente (p. ex., devido a uma mudança de residência ou de nacionalidade, da situaçãoda coisa, etc.), entram pois em contacto com mais de um ordenamento jurídico estadual.

  Nos casos onde surgem “conflitos de leis no espaço”, tais são dirimidos mediante as regras de

conflitos que determinam, em face da situação, quais de entre as leis que com ela estão em contacto

deve prevalecer e desta forma a reger. Tais regras são “normas sobre normas” (normas de 2º grau) e

estão previstas nos art. 14º a 65º do Código Civil e constituem o principal objecto da disciplina de

Direito Internacional Privado.