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Academia Brasileira de Direito Constitucional Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização) em Direito Processual Civil – Coord. Profs. Flávio Pansieri e Eduardo Righi Exposição da Aula: Temas (procedimentos especiais): Tutela monitória e Embargos de Terceiro - Expositora: Mônica Bonetti Couto 1 - Tutela monitória - 1. Notas introdutórias – Os procedimentos especiais e a introdução (ou re-introdução) da tutela monitoria Introduzida (ou re-introduzida) no Código de Processo Civil através da Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995, como acréscimo ao Título I, do Livro IV, que trata dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, a ação monitória consta dos artigos 1.102 a, b e c, do CPC. A sua inserção em nosso sistema legislativo resultou do acolhimento do Projeto de n.º 3.805/95 que, na linha das chamadas reformas setoriais implementadas em nosso Código - fruto dos estudos das Comissões Reformistas - procura emprestar maior celeridade e efetividade ao processo civil, que há muito não atende aos anseios da sociedade. 1 Especialista em Direito Processual Civil pela UFPR. Mestre e Doutoranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professora dos Cursos de Pós-Graduação e Graduação da Fadisp – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professora Convidada da ESA-OAB e de outras instituições. Advogada em São Paulo.

INTRODUÇÃO  · Web viewHá um lapidar acórdão do STJ, em que se reconhece essa natureza de tutela diferenciada da monitória, de relatoria da Min. Nancy Andrighi,

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Academia Brasileira de Direito ConstitucionalPós-Graduação Lato Sensu (Especialização) em Direito Processual Civil

– Coord. Profs. Flávio Pansieri e Eduardo Righi

Exposição da Aula: Temas (procedimentos especiais): Tutela monitória e Embargos de Terceiro - Expositora: Mônica Bonetti Couto1

- Tutela monitória -

1. Notas introdutórias – Os procedimentos especiais e a introdução (ou re-introdução) da tutela monitoria

Introduzida (ou re-introduzida) no Código de Processo Civil através da Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995, como acréscimo ao Título I, do Livro IV, que trata dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, a ação monitória consta dos artigos 1.102 a, b e c, do CPC.

A sua inserção em nosso sistema legislativo resultou do acolhimento do Projeto de n.º 3.805/95 que, na linha das chamadas reformas setoriais implementadas em nosso Código - fruto dos estudos das Comissões Reformistas - procura emprestar maior celeridade e efetividade ao processo civil, que há muito não atende aos anseios da sociedade.

O que se buscava, então, era a simplificação e agilização dos procedimentos, de tal forma que o jurisdicionado pudesse alcançar o “bem da vida” almejado através do processo da forma mais rápida possível, sem deixar, naturalmente, todas as garantias conferidas àqueles que são partes em processo (administrativo ou judicial), garantias essas asseguradas pela Constituição Federal. 2

1 Especialista em Direito Processual Civil pela UFPR. Mestre e Doutoranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professora dos Cursos de Pós-Graduação e Graduação da Fadisp – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professora Convidada da ESA-OAB e de outras instituições. Advogada em São Paulo.2 Assim, anota Eduardo Talamini que precisamente esse “caráter ‘abreviador’ do procedimento monitório é o que o peculiariza e identifica nos diversos sistemas processuais que o adotam.” (Tutela monitória, São Paulo, RT, 1997, p. 29). V., mais

Nesse contexto, em que se reclamava por um processo efetivo, pensaram-se em alternativas aptas a contornar o princípio da nulla executio sine titulo, já que no sistema processual civil brasileiro não se concebia a possibilidade de execução ou realização de um direito sem a existência de um título executivo a embasar esse pedido. E foi assim que, dentre outras inovações: a) incorporou-se ao Código de Processo Civil a técnica da antecipação da tutela genérica e específica (arts. 273 e 461); b) ampliou-se o rol de títulos executivos, aumentando o elenco de documentos aptos a instruírem o processo de execução, que dispensam, assim, a instauração de um processo de conhecimento precedente e, com este mesmo fim, c) acolheu-se a ação monitória, dentre muitas outras modificações.

Como lapidarmente preceitua Humberto Theodoro Júnior “consiste, tal procedimento, em abolir-se, praticamente, o processo de conhecimento, indo diretamente à execução definitiva, sempre que o devedor não ofereça embargos, ou pelo menos à execução provisória, quando tais embargos sejam opostos conforme acontece no direito europeu, em alguns casos específicos. (...).”3 E, mais adiante, prossegue: “Por ele, consegue o credor, sem título executivo e sem contraditório com o devedor, provocar a abertura da execução forçada, tornando o contraditório apenas uma eventualidade, cuja iniciativa, ao contrário do processo de conhecimento, será do réu, e não do autor.”4

Nessa senda, Eduardo Talamini destaca com inteiro acerto que “a tutela monitória foi criada exatamente para aquelas situações em que, embora não exista título executivo (em que não haja, abstrata e previamente, indicação da probabilidade do crédito a ponto de o próprio legislador haver autorizado desde logo a execução), há concretamente forte aparência de que aquele que se afirma credor tenha razão.” 5

profundamente, Calamandrei, El procedimento monitorio, Trad. S. Sentís Melendo, Buenos Aires, 1946, Bib. Argentina, pp. 21 e seguintes.3 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, v. III, p. 332. 4 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, v. III, p. 333. 5 Eduardo Talamini, Tutela monitória, São Paulo, RT, p. 28.

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Pode-se dizer que a grande novidade da ação monitória, que se realiza através de um procedimento verdadeiramente especial, peculiar, é trazer em seu bojo conhecimento e execução em um mesmo e único processo, isto é, no curso da mesma relação jurídico-processual. Por isso a ação monitória não pode ser enquadrada somente entre os processos de cognição ou apenas de execução. Igualmente, ela não detém natureza jurídica cautelar. É uma tutela especial, diferenciada, porque possibilita a entrega concreta e efetiva da prestação jurisdicional, sem a necessidade da instauração de um novo processo, agora executivo, a fim de realizar, no plano dos fatos, o direito que eventualmente haja sido reconhecido em decisão judicial.

1.1. A ação monitória como tutela jurisdicional diferenciada

A introdução de técnicas fundadas na sumariedade da cognição (as quais permitirão a formação de um juízo de probabilidade e verossimilhança do direito alegado) atende à exigência de um baixo custo processual e impede, num segundo momento, o abuso do direito de defesa pelo réu. Isso propicia ao jurisdicionado, de outra parte, a obtenção de um pronunciamento definitivo sobre o direito deduzido em juízo, com a mesma utilidade de uma sentença obtida em processo de cognição exauriente.

Assinala Donaldo Armelin que o acolhimento de tais tutelas diferenciadas pelo sistema processual civil brasileiro, à vista de uma prestação jurisdicional efetiva, lastreia-se em dois fatos: de uma parte, na existência de direitos que, exigindo uma “rápida e concreta satisfação”, prescindem (ou melhor, permitem o sacrifício) da “certeza e segurança resultante de uma tutela lastreada em cognição plena e exauriente” e, de outra parte, na “inexistência ou insubsistência manifesta, efetivas ou virtuais, da defesa do réu, inibindo o abuso de direito a essa defesa e eliminando, pelo menos em parte, o dano marginal decorrente da excessiva demora na prestação jurisdicional.”6

6 Donaldo Armelin, Tutela jurisdicional diferenciada, Revista de Processo, nº 65 , p. 50.

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Nessa conjuntura, buscou-se a adequação da tutela jurisdicional à relação jurídica de direito material ou, em outras palavras, a disponibilização de uma tutela que correspondesse às necessidades e peculiaridades de cada situação de direito material. Isto se justifica notadamente diante do fato de o cidadão encontrar-se impedido de realizar a justiça com suas próprias mãos (autotutela). Assim, deverá o Estado, colocar à disposição destes, meios adequados às necessidades de tutela de cada uma das situações de direito material. Remonta-se, deste modo, à lição de Chiovenda, para quem “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir.”7

Conclui-se, destarte, que o processo deverá submeter-se ao direito material de tal maneira que propicie formas distintas de tutela para os diferentes direitos litigiosos que lhes caibam instrumentalizar. Pretender o contrário seria negar vigência ao disposto no art. 75, do antigo Código Civil, segundo o qual “a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura”, mas que, infelizmente, não encontra correspondência no atual diploma (CCB/2002). 8

7 Chiovenda, Instituições, v. 1, p. 65.8 Há um lapidar acórdão do STJ, em que se reconhece essa natureza de tutela diferenciada da monitória, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, como é inferível da ementa a seguir transcrita: PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA – RECONVENÇÃO – ADMISSIBILIDADE – Segundo a mens legis os embargos na ação monitória não têm "natureza jurídica de ação", mas se identificam com a contestação. Não se confundem com os embargos do devedor, em execução fundada em título judicial ou extrajudicial, vez que, inexiste ainda título executivo a ser desconstituído. Não pagando o devedor o mandado monitório, abre-se-lhe a faculdade de defender-se, oferecendo qualquer das espécies de respostas admitidas em direito para fazer frente à pretensão do autor. Os embargos ao Decreto injuncional ordinarizam o procedimento monitório e propiciam a instauração da cognição exauriente, regrado pelas disposições de procedimento comum. Por isso, não se vislumbra qualquer incompatibilidade com a possibilidade do réu oferecer reconvenção, desde que seja esta conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. A tutela diferenciada introduzida pela ação monitória, que busca atingir, no menor espaço de tempo possível a satisfação do direito lesado, não é incompatível com a ampla defesa do réu, que deve ser assegurada, inclusive pela via reconvencional. Recurso provido, na parte em que conhecido.” (STJ – RESP 222937 – SP – 2ª S. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJU 02.02.2004 – p. 00265)

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2. Finalidade do procedimento monitório

O procedimento monitório tem por finalidade preparar a execução, através da “criação” de título executivo naquelas hipóteses previstas no art. 1.102 a (obrigação de entregar coisa certa, fungível, ou determinada soma em dinheiro), como alternativa àquele que, até então, só dispunha de uma via para, diante da resistência do seu devedor em cumprir a prestação que lhe competiria, acionar o Poder Judiciário: primeiro submeter a sua pretensão ao processo de conhecimento, para depois, com a sentença condenatória, poder lançar mão da via executiva e, assim, finalmente ver a sua pretensão atendida.

A ação monitória, também designada como procedimento monitório ou injuntivo, deve sua denominação à expedição, em fase preliminar, de uma ordem judicial dirigida ao réu, determinando o pagamento de determinada importância em dinheiro ou entrega de coisa certa ou fungível.

É grande significação, neste passo, questionar-se a respeito da necessidade e conveniência da adoção do processo monitório no Direito Brasileiro, em face do expressivo número de títulos executivos extrajudiciais existentes, aptos à obtenção da tutela executiva. “A essa objeção”, anota Antônio Carlos Marcato, “responde-se que há situações em que o credor, confrontado com a situação de inadimplência do devedor e mesmo dispondo de prova documental, ainda assim é carente de título executivo, restando-lhe apenas, antes da introdução da ação monitória, a via do processo de cognição plena, com todos os percalços que a pontilham.”9 É o caso, por exemplo, de um cheque impago prescrito.

A criação e implantação dos Juizados Especiais Cíveis igualmente não poderiam atuar, na opinião do professor Antônio Carlos Marcato, como argumento contrário à necessidade do processo monitório, especialmente tendo em vista o teto previsto para as causas de sua competência. 10

9 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 59.10 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, pp. 59-60.

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Mas, sem dúvida, as críticas que se colocam à sua adoção (pequena-restrita utilização – poucos ‘documentos’ admitidos e ordinarização freqüente) procedem, em grande parte.

3. Admissibilidade da ação monitória

Admite-se a propositura da ação monitória por aquele que se intitula credor nos casos em que este é detentor de documento que revele a existência de uma obrigação 11 (de entregar coisa ou de entregar dinheiro) vinculando a ele um devedor, mas, na medida em que este documento não se reveste dos requisitos imprescindíveis para ser considerado título

11 Assim decidiu o STJ: “AÇÃO MONITÓRIA – CONTRATO DE LOCAÇÃO COM OPÇÃO DE COMPRA DE EQUIPAMENTO – CABIMENTO – PRECEDENTES DA CORTE – 1. Havendo prova escrita capaz de revelar a existência da obrigação, cabível é o ajuizamento da ação monitória. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – RESP 242051 – MG – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 30.10.2000 – p. 153)

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executivo ----- apto, portanto, a fundamentar um processo executivo ----- não o habilita a ingressar com a ação de execução. 12 - 13-14

Preceitua o art. 1.102 a, que “a ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel”, ou seja, o documento escrito de que é portador o

12 Na opinião de Humberto Theodoro Junior, “a circunstância de o documento do credor ser, em tese, um título executivo extrajudicial nem sempre representará empecilho ao manejo da ação monitória. É que tal título pode estar vinculado a negócios subjacentes que criem restrições ou dúvida à sua imediata exeqüibilidade. Pode, por exemplo, haver dúvida ou divergência quanto a seu enquadramento na categoria de título executivo ou pode já ter incorrido em prescrição a ação executiva.” (Cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. III, p. 340). 13 O TJDF já reconheceu: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Ação monitória – Encargos condominiais – Prova documental – Cabimento – Débito reconhecido – Procedência. 1. Se a prova documental apresentada não ostenta as características próprias dos títulos executivos, afigura-se hábil ao aparelhamento da ação monitória. 2. Demonstrada a condição da ré de devedora dos débitos relativos aos encargos condominiais pleiteados, através de robusta prova documental, não impugnada a contento, correta é a decisão que julga procedente o pedido. 3. Recurso improvido. Unânime.” (TJDF – APC 012100 – (Reg. 31) – 5ª T.Cív. – Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes – DJU 13.10.1999) (g.n)

Também inadmitindo a possibilidade da utilização da via monitória pelo detentor de título executivo, o TJRS já decidiu: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – MONITÓRIA – CONFISSÃO DE DÍVIDA – APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS QUE INFORMARAM A CONSTITUIÇÃO DAQUELA – 1. Se presente instrumento particular, formalmente subscrito pelo devedor e duas testemunhas, do qual conste obrigação de pagar quantia líquida e certa, então o interesse processual do credor restringe-se ao reclamo da jurisdição executiva. 2. O manejo da ação injuncional e restrito aqueles casos em que o credor não se apresente formalmente titular de título executivo apto. 3. Não se conhece da inconformidade relativa a determinação judicial de apresentação dos documentos que deram origem a constituição do título se o próprio exame do cabimento da ação monitória vem inviabilizado a Corte, via a não apresentação daquele instrumento. 4. Agravo não conhecido.”. (TJRS – AGI 70001027739 – 17ª C.Cív. – Rel. Des. Juiz Demetrio Xavier Lopes Neto – J. 20.06.2000)14 Mais recentemente, decidiu o E. TRF da 3. Região: “Nesse passo, admitir-se a propositura da ação monitória por quem já dispõe de título executivo significa violar expressamente o Código de Processo Civil, em especial o seu artigo 1.102-A e os dispositivos contidos na Lei nº 5.741/71. Aquele que, por via de processo de execução, tem condições de obter a satisfação de determinada pretensão, ajuíza processo de

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credor é suficiente para demonstrar a sua condição de credor, mas, porém, não suficiente para fundamentar uma ação de execução. 15

A lei conferiu uma opção ao credor que, a seu turno, não está impedido de utilizar-se da ação de conhecimento, se entender que lhe convém.

Do texto do art. 1.102 a, acima transcrito, podemos extrair três pressupostos para o cabimento da ação monitória: 1.º) o credor deve portar um documento escrito (do que se exclui, portanto, a prova oral, tal como a obtida através de um depoimento testemunhal, por exemplo); 2.º) que este documento escrito não contenha os requisitos que o habilitem (diretamente) ao ajuizamento de ação executiva, isto é, não pode ter eficácia executiva; 3.º) o documento escrito deve revelar a existência de uma obrigação ao pagamento de soma em dinheiro, de entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel entre autor (credor) e réu (devedor) ---- ficando excluídas, portanto, “tanto as relações jurídicas de natureza não-patrimonial quanto as obrigações que têm por objeto prestações de fazer, de não fazer, ou de entregar bem imóvel.”16

O legislador reformista, aqui, optou pelo emprego dos termos do Código de Processo Civil Italiano (soma em dinheiro, coisa fungível e coisa móvel determinada), ao invés de utilizar-se da terminologia já adotada pelo CPC (coisa certa e coisa incerta).

A obrigação ao pagamento de soma em dinheiro, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, equivale àquela exigida para a ação de execução por quantia certa, ou seja, a obrigação deve ser ao pagamento de quantia certa. E, esse mesmo autor, esclarece o porquê dessa exigência: “Não se

conhecimento, vale dizer, ação monitória, carece de interesse processual, eis que o credor teria que propor, desde logo, a execução, sob pena de indeferimento da petição inicial da ação monitória." (TRF-5ª Região, AC 443511/PE, Primeira Turma, Relator Des. Federal FRANCISCO CAVALCANTI, julg. 29.05.2008). 5- Impossibilidade jurídica do pedido De conversão de ação monitória em ação executiva uma vez que possuírem naturezas distintas. 6. Apelação improvida. Página 207. (TRF 5ª R. – AC 2008.83.00.000886-1 – (444694) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Frederico Azevedo – DJU 14.07.2008 – p. 206)15 Se é correto afirmar-se que a função primordial da ação monitória é a de acelerar o surgimento de um título executivo, parece-nos inteiramente correto vedar-se a sua utilização pelo credor já portador de um título com eficácia executiva.16 Antônio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, p. 228.

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pode pedir quantia incerta, na pendência de liquidação posterior, porque a ação monitória deve ser instaurada por meio de mandado de pagamento a ser expedido com base na prova da inicial, não havendo estágio ulterior em que se possa liquidar o quantum debeatur. O mandado liminar está programado a converter-se em mandado de execução por quantia certa pelo simples decurso de prazo de embargos, se o demandado permanecer inerte diante da citação injuntiva.”17

Mencionando a lei que a ação monitória terá cabimento se a obrigação retratada no documento escrito tiver por objeto a entrega de determinado bem móvel, a lei referiu-se às obrigações de dar coisa certa (CC, arts. 233 a 242, compreendendo-se a coisa certa como aquela determinada pela gênero, quantidade e qualidade), mas apenas as relativas a móveis, excluindo a possibilidade do ajuizamento da ação monitória se a obrigação é de dar coisa (certa) imóvel (em relação à qual o credor deverá sujeitar-se ao processo de conhecimento).

De outro lado, a coisa fungível a que se refere a lei não pode ser equiparada à coisa incerta, como percucientemente atenta Antônio Carlos Marcato. A despeito das opiniões que se encontram em sentido contrário 18, encontramos nas lições de Marcato sólidos argumentos, todos aptos a embasarem o entendimento de que coisa fungível não equivale à coisa incerta: a) coisa incerta é indicada pelo gênero e pela quantidade e dependerá de escolha; b) a coisa fungível é a coisa móvel que sempre pode ser substituída por outra da mesma espécie, quantidade e qualidade e não depende de escolha; c) nem todo o bem móvel será, por sua natureza, fungível, dado que o proprietário poderá torná-lo intrinsicamente infungível (ex.: comodato ad pompam vel ostentationem). 19

17 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. III, p. 337.18 Preleciona Nelson Nery Júnior que “no contexto da norma ora comentada, coisa fungível se equipara a “coisa incerta”, isto é, que é determinada pelo gênero e quantidade e pode ser substituída por outra da mesma espécie (CC/1916 50).” (Cf. Nelson Nery Junior, CPC Comentado, p. 1.215, nota 9 ao art. 1.102 a). Para Humberto Theodoro Júnior “Quando a lei fala em ‘entrega de coisa fungível’, refere-se às obrigações de dar coisas genéricas ou incertas; isto é, obrigação de dar coisas que são indicadas pelo gênero e quantidade (...).” (Cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. III, p. 337).19 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, pp. 60-1

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4. Legitimidade

Detém legitimidade para a propositura da ação monitória aquele que se intitula credor de obrigação ao pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de coisa certa móvel e que, ademais, seja portador de documento que revele a existência dessa da obrigação. Não apenas o credor originário está apto a ajuizar a monitória, mas também o cessionário e/ou sub-rogado.

Por outro lado, no pólo passivo, haverá de figurar aquele que consta da relação obrigacional subjacente à ação como devedor ou obrigado (assim como o sucessor deste). Se houver solidariedade entre os devedores ou obrigados, a ação poderá ser movida contra todos ou apenas contra um deles, dado que o litisconsórcio, em tais casos, é facultativo, e não necessário.

4.1. Fazenda Pública

a) A Fazenda Pública como autora do procedimento monitório

Ao que parece, inexiste qualquer tipo de impedimento ao manejo do procedimento monitório pela Fazenda Pública, desde que seja a mesma portadora de uma prova escrita sem eficácia de título executivo, e pretenda a entrega de coisa certa e/ou bens fungíveis. 20

20 V., por todos, Piero Calamandrei, El procedimento monitorio, Trad. S. Sentís Melendo, Buenos Aires, 1946, Bib. Argentina, passim.

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b) A Fazenda Pública como ré no procedimento monitório

Muito se discute acerca da possibilidade da Fazenda Pública figurar no pólo passivo do procedimento em estudo.

Alinhando-se à corrente defensora da viabilidade de se promover a ação monitória contra a Fazenda Pública, Carreira Alvim afirma inexistir incompatibilidade entre o procedimento em exame e as pretensões de pagamento de soma de dinheiro contra a Fazenda. Valendo-se da lição de Garbagnati, sustenta o autor que “a pronúncia de um decreto de injunção é seguramente admissível em face da Administração Pública, nos mesmos limites em que se permite ao credor de uma soma de dinheiro exercer contra ela uma ação de condenação no âmbito de um processo ordinário de conhecimento.”21

No mesmo sentido, para Elaine H. Macedo é perfeitamente viável o ajuizamento da monitória contra o Poder Público, tendo em vista o procedimento em estudo em hipótese alguma confunde-se com a demanda executiva. Em realidade, como foi visto linhas acima, busca-se através deste procedimento, a formação de um título executivo. Assim, se não houver a interposição de embargos (hipótese em que haverá cognição plena e oportunizado o contraditório), é porque houve concordância da Fazenda com o teor do mandado inicial.

De igual modo, para Ada Pelegrini Grinover inexiste qualquer tipo de óbice ou incompatibilidade “entre um procedimento que visa exclusivamente a abreviar o caminho para a formação de um título executivo e a execução desse título contra a Fazenda Pública, que virá depois.”22

Registre-se, ainda, o posicionamento de Eduardo Talamini a respeito da matéria vertente. Para ele, o problema de admitir-se a demanda monitória em face da Fazenda reside no fato de ser impossível atribuir-se à eventual inércia as conseqüências naturais desta hipótese no procedimento

21 J.E.Carreira Alvim, Procedimento monitório, Juruá, p. 147. No mesmo sentido, Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, 3.ed., Malheiros, 1996, p. 234.22 Ada Pellegrini Grinover, Ação monitória. Juris Síntese - legislação e jurisprudência. Porto Alegre: Síntese, nº 18, jul/ag 1999. CD-ROM. não paginado.

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monitório. Assim, aponta o autor a solução adotada pelo hoje Min. Carlos Velloso, em hipótese idêntica à presente:

“O art. 730, do CPC, deverá ser interpretado em harmonia com o art. 117 da Constituição (de 1969), que estabelece que a execução contra a Fazenda Pública , através de precatório, pressupõe, sempre sentença condenatória passada em julgado. Destarte, dito artigo há de ser interpretado assim: a) os embargos ali mencionados devem ser tidos como contestação, com incidência da regra do art. 188 do CPC; b) se tais embargos não forem opostos, deverá o juiz proferir sentença, requisitando-se o pagamento, por intermédio do Presidente do Tribunal, após o trânsito em julgado da sentença que estará sujeita, inclusive, ao duplo grau de jurisdição, se proferida contra a União, o Estado e o Município – CPC, art. 475, II.” (Apel. 112.799-SP, RTFR 156/189; Apel. 114.618-PR, RTFR 147/187).23

Admitindo a instauração do procedimento monitório em face da Fazenda Pública, já se decidiu:

“AÇÃO MONITÓRIA – COBRANÇA DE SERVIÇOS HOSPITALARES PRESTADOS, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR – EMBARGOS – PRELIMINARES – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, ILEGITIMIDADE PASSIVA E INEXISTÊNCIA DE PROVA ESCRITA – MÉRITO – NÃO É DEVEDOR DA EMBARGADA – EXTINÇÃO DO PROCESSO, POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – DECISÃO REFORMADA – É possível o ajuizamento da ação monitória, em face da Fazenda Pública, especialmente quando forem apresentados embargos ao mandado, que serão processados

23 Eduardo Talamini, Tutela monitória, RT, São Paulo, 1997, p. 155.

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pelo rito ordinário, obtendo-se, a final, “sentença judiciária” (art. 100, da CF).24

Esta, aliás, é a orientação da 4ª Turma do e. Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria:

“É admissível o ajuizamento de ação monitória contra a Fazenda Pública. A expedição de precatório não representa óbice, pois o título executivo a ser obtido antecederá sua execução. Se apresentados embargos, passa-se ao rito ordinário, com todas as garantias. Se não, deve ser observado o art. 475, II, do CPC, o que afasta o óbice do art. 320 do mesmo diploma. A necessária remessa ex offício não afasta a aplicação dos arts. 1102 a a 1102 c do CPC, visto que mesmo assim, ganha-se rapides com a cognição sumária. Note-se que é exigida prova pré constituída, com ônus para o autor, e a Fazenda não fica impedida de cumprir voluntariamente o mandado de pagamento, porque sua indisponibilidade é relativa. Por fim, a monitória é favorável à ora devedora na medida em que dispensa o pagamento de despesas e honorários advocatícios se efetuado voluntariamente o pagamento. O Min. Aldir Passarinho Junior acompanhou a Turma com ressalvas quanto ao mandato para pagamento.”25

Em sentido oposto, alinham-se as doutrinas que vislumbram inadmissível o manejo da demanda monitória em face da Fazenda Pública, sustentando que a execução contra o Poder Público depende de título executivo judicial formado, necessariamente, por uma sentença condenatória sujeita ao duplo grau de jurisdição.

24 TJPR – AC 69.058-0 – 6ª C.Cív. – Ac. 3.271 – Rel. Des. Accácio Cambi – J. 24.02.1999.25 Resp. 196.580-MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo , julgado em 17.10.2000.

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Para Humberto Theodoro Júnior é “realmente inviável, entre nós, a aplicação da ação monitória contra a Administração Pública (...). A Fazenda não se sujeita a precatório sem prévia sentença contra ela, não prevalece a confissão ficta deduzida da revelia. Assim, nada se aproveitaria do procedimento monitório, na espécie. Forçosamente, o processo teria de prosseguir, de forma ordinária, até a sentença de condenação”.26

De igual forma, para Antônio Carlos Marcato é inviável o manejo do processo monitório contra o Poder Público. Para ele, a utilização do procedimento em exame contra a Fazenda “é despida de qualquer efetividade, alheia à própria razão de ser do próprio processo monitório.” 27

O primeiro óbice apontado por esta corrente se fundamenta no estabelecido no art. 475 do CPC, que exige o reexame necessário das sentenças condenatórias proferidas contra os entes públicos.

O segundo argumento que se coloca contra a possibilidade da utilização do processo monitório contra o Poder Público é a necessidade de precatório para qualquer tipo de execução contra os entes públicos (art. 100, da CF).

Por fim, o terceiro fundamento que é apontado contra a possibilidade de utilização da tutela monitória contra a Fazenda Pública reside em que os interesses públicos, qualificados como interesses próprios da coletividade, não são apropriáveis, não estando na livre disposição de quem quer que seja, menos ainda do Procurador do órgão administrativo (neste sentido, isto é, considerando indisponíveis os direitos da Fazenda: RTFR 90/31, 121/133, 125/45 e 133/79 e RJTJESP 88/246 e 92/221).

No entanto, Humberto Theodoro Junior adverte que “não haverá, porém, lugar para anular-se o procedimento monitório intentado contra pessoa jurídica de direito público se esta ofereceu tempestivos

26 Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, v. 3, p. 380. No mesmo sentido, Vicente Greco Filho, Ação Monitória. Revista Jurídica Consulex, nº 2. p. 36-37 e Ernane Fidélis dos Santos, “Aspectos da Reforma do Código de Processo Civil”, Revista de Processo, n 81, p. 30.27 Antônio Carlos Marcato, Ação monitória..., op. cit., p. 211.

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embargos de mérito. É que dessa maneira o feito terá se transformado em pura ação ordinária de cobrança. Faltará interesse legítimo para justificar a anulação ou extinção do processo, a fim de simplesmente ser reiniciado sob rótulo de ação ordinária. No sistema moderno do direito processual não se acolhe argüição de nulidade por vício de forma se é possível o aproveitamento do procedimento apenas com sua adaptação ao rito correto (art. 250). Ora, com os embargos de mérito, o próprio demandado provocou a transformação da ação monitória em ação comum de conhecimento, com amplo e irrestrito contraditório, donde a tal ausência de causa para sustentar a eventual anulação do processo.”28

Hoje o assunto está pacificado – ver, a respeito, a Súmula 339-STJ.

5. Petição inicial

O autor deverá observar não somente às regras atinentes às condições genéricas da ação e aos pressupostos processuais, mas também, como exposto acima, instruir o seu pedido com o documento escrito ----- não se admitindo, portanto, outra espécie de prova, tal como a testemunhal, por exemplo -----. Este documento deve revelar a existência de uma obrigação ao pagamento de quantia certa ou entrega de coisa determinada ou fungível. De resto, o pedido inicial do autor deverá preencher os requisitos do art. 282 do Código de Processo. 29

28 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. III, p. 339.29 CPC, “Art. 282. A petição inicial indicará:

I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;

III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV - o pedido, com as suas especificações;

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Quanto ao sentido de prova escrita empregado pela lei, tanto se admite a “prova preconstituída (instrumento elaborado no ato da realização do negócio jurídico para registro da declaração de vontade) como a causal (escrito surgido sem a intenção direta de documentar o negócio jurídico, mas que é suficiente )”, mas não se admite, para o ajuizamento da ação monitória, o começo de prova escrita.

Os Tribunais e a doutrina têm admitido o cheque30 e a nota promissória prescritos, a duplicata não acompanhada do seu respectivo aceite 31, os documentos e extratos relativos aos honorários de profissionais liberais (advogados, por exemplo), e outros documentos,32 desde que estes,

V - o valor da causa;

VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII - o requerimento para a citação do réu.”30 “A prescrição prevista no art. 59 da Lei n. 7.757/85 refere-se exclusivamente à forma executiva de cobrança, não impedindo o uso da ação monitória para o recebimento da dívida oriunda de cheques não honrados. (...).” (STJ – Ac. 199800217169 – RESP 168777 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 27.03.2000 – p. 00108)31 Confira-se, a esse propósito, o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa vai a seguir transcrita: “AÇÃO MONITÓRIA – DUPLICATA SEM ACEITE – 1. Cuidando o Acórdão recorrido do cabimento da monitória apoiada em duplicata sem aceite, não tem pertinência alguma invocar o art. 1.102, a, do Código de Processo Civil para dar passagem ao especial, considerando que o exame das circunstâncias concretas dos autos levou o Acórdão a admitir a ação monitória. 2. Não tem pertinência ao caso a alegada violação ao art. 379 do Código de Processo Civil, que não foi desafiado, o mesmo servindo para o art. 245 do mesmo Código. 3. Os declaratórios não têm o acórdão de impor ao Tribunal a ampliação da fundamentação do Acórdão quando adequada e suficiente para o julgamento da lide. 4. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 199.578 – MG – 3ª T.– Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 04.10.1999 – p. 57)32 Tais como o contrato de promessa de compra e venda: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO – CABIMENTO – ATRASO NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR – 1. Nos termos do artigo 12, inciso VI, do Código de Processo Civil, as pessoas jurídicas serão representadas em juízo, ativa e passivamente, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores. Inexistindo fundadas dúvidas a respeito da capacidade processual da parte, desnecessária a apresentação do estatuto social. 2. Mostrando-se idônea a prova documental apresentada, demonstrando de forma satisfatória o adimplemento das

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como não poderia deixar de ser, demonstrem a existência de uma obrigação ao pagamento de soma em dinheiro, de entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel que vincule o credor e o devedor.

Atente-se, neste norte, para os seguintes enunciados de Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo" (súmula 233); "o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento de ação monitória" (súmula 247). Observe-se, por fim, para a S. 258, no entanto: "a nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou" (súmula 258)

Não se exige que esse documento, que fundamentará a pretensão monitória, esteja assinado pelo devedor. Mas se o documento prevê contraprestação pelo credor deverá este, na petição inicial, fazer prova de seu cumprimento.

Cumpre-nos examinar, por derradeiro, as conseqüências do ajuizamento de demanda monitória nas hipóteses em que o autor já é portador de título executivo.

Excepcionados os casos em que há, efetivamente, uma dúvida objetiva em torno da executividade do documento ----- hipóteses em que, se nada disser o réu além da afirmação de que o título é executivo, os embargos serão extintos, ingressando-se diretamente na fase executiva ----- os embargos serão julgados procedentes e a ação monitória extinta, condenando-se o autor (embargado) ao pagamento das custas e verbas de sucumbência.33

6. Mandado inicial ou monitório

obrigações assumidas e o não cumprimento do dever contraído pelo réu, dá amparo ao manejo da ação monitória. 3. Não outorgada a escritura pública no prazo contratual, sujeita-se a vendedora ao pagamento da multa pactuada. Conhecer. Preliminares rejeitas. Negou-se provimento. Unânime. (TJDF – APC 20000150001504 – 5ª T.Cív. – Relª Desª Haydevalda Sampaio – DJU 28.06.2000 – p. 42)33 Eduardo Talamini, Tutela monitória, São Paulo, RT, 1997, p. 90.

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Se a petição inicial atender aos requisitos do art. 282 do CPC, estiver instruída com a prova escrita exigida pelo art. 1102, a, do CPC, e, ainda, verificarem-se presentes as condições da ação e pressupostos processuais, o magistrado determinará a expedição, de plano, do mandado inicial (ou mandado monitório ou injuncional), sem a oitiva da parte contrária.

Ao decidir pela concessão do mandado monitório, deverá o juiz basear-se em juízo de probabilidade, em cognição incompleta, não exauriente. A cognição exauriente terá cabimento, no procedimento ora examinado, na hipótese de serem apresentados os competentes embargos.

Na opinião de Cândido Rangel Dinamarco errou o legislador ao preceituar que o juiz verificará a “instrução” da petição inicial posto que, em realidade, fará o juiz apenas um juízo de admissibilidade do processo monitório, mas, de outro lado, “sem nada estabelecer quanto ao direito em si mesmo.”34

Pelo mandado inicial determina-se a citação do réu para pagar ou entregar a coisa devida ou, independentemente da segurança do juízo, apresentar sua defesa por meio de embargos.

Do mandado monitório deverão constar o valor devido pelo réu a título de custas processuais e de honorários advocatícios, bem como o benefício que lhe será concedido se tempestivamente cumprir a determinação judicial, qual seja, o de ficar dispensado do pagamento das custas e honorários, conforme consta do parágrafo 1º do art. 1.102, c.

Em suma, no bojo do procedimento monitório é possível identificar-se duas fases distintas: (a) a primeira, eminentemente postulatória, que se inicia com a apresentação da petição inicial e se encerra com a expedição do mandado monitório e (b) a segunda, de natureza executiva, que se inicia com o decurso do prazo se não houver a interposição de embargos pelo devedor, ou com o decreto de improcedência dos embargos.

34 Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 236.

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7. Natureza, recorribilidade e efeitos do mandado monitório

Questão de grande interesse é a concernente em saber qual a natureza jurídica do mandado monitório.

Na opinião de Antônio Carlos Marcato o mandado monitório consubstancia “provimento jurisdicional idêntico, por natureza, àquele contido em uma sentença condenatória, cujos efeitos ficam acobertados pela autoridade da coisa julgada material, tal como se dá em relação a essa última quando emanada de um processo em que o réu se tornou contumaz.”35 E Nelson Nery Junior, neste sentido, preleciona: “A decisão que expedir o mandado citatório e monitório é de suma importância. Não havendo embargos, o mandado monitório transforma-se em mandado executivo. Isto faz com que a decisão que determinou sua expedição tenha conteúdo e eficácia de sentença condenatória (...).”36

Na opinião de Eduardo Talamini a decisão que defere a expedição do mandado não é sentença, mas também não é despacho, dada a carga decisória contida no ato. 37

Clito Fornaciari, a seu turno, entende que essa decisão consubstanciaria um simples despacho, equiparável àquela que determina a citação do devedorno procedimento comum (e, portanto, seria irrecorrível).38

Em face disso, indagar-se-ia: a decisão que manda expedir o mandado, seria recorrível?

Para Antônio Carlos Marcato, endossando o entendimento de Garbagnati, “apesar de vir corporificado em uma decisão interlocutória, o mandado monitório não permite ataque pela via recursal, assegurado ao réu

35 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 81.36 Nelson Nery Jr, CPC Comentado, p. 1.218.37 Eduardo Talamini, Tutela monitória, p. 105.38 Clito Fornaciari Junior, A reforma, p 212.

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o direito de oposição por meio dos embargos adequados.” 39 Neste mesmo sentido, Nelson Nery Jr aduz que “da decisão que deferir a expedição do mandado não pode o réu interpor recurso de agravo, pois não terá interesse recursal, já que sua defesa será feita nos embargos.” 40 Também entendendo pela irrecorribilidade, Carreira Alvim, Procedimento monitório, p. 87.

Eduardo Talamini, diversamente, considerando que a decisão que defere o mandado monitório seria uma decisão interlocutória, entende-a como agravável, mas reconhece que faltará ao réu o interesse necessário à interposição do recurso, tendo em vista.41 São suas as palavras:

“Recorrível, essa decisão, sempre será. Adotou-se sistema recursal de admissibilidade genérica, pelo qual todo provimento que não seja sentença nem despacho de mero expediente será impugnável através de agravo. Faltará, isso sim, interesse recursal para o réu: juridicamente, ele possuirá meio mais idôneo e adequado para desconstituir o provimento monitório.”

8. Citação injuntiva e comportamento do réu

Levada a efeito (validamente) a citação, o réu poderá adotar três diferentes posturas:

A) Cumprir a determinação constante do mandado inicial, efetuando o pagamento da importância devida ou entregando a coisa, no prazo de 15 (quinze) dias, hipótese em que o processo será

39 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 78.40 Nelson Nry Jr, CPC Comentado, p. 1.218.41 Eduardo Talamini, Tutela monitória, p. 104-105. Entendendo que essa decisão é agravável, Vicente Greco Filho, Comentários, p. 53.

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extinto, e o réu será isento do pagamento de custas e honorários advocatícios (§1º, do art 1.102, c);

B) Permanecer inerte, deixando transcorrer in albis o prazo para a apresentação de embargos (15 dias), hipótese em que “constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo” (art. 1.102 c, caput, 2ª parte). Se se tratar de pagamento de soma em dinheiro, a execução prosseguirá na forma do previsto para o cumprimento de sentença (Livro I, alterado pela Lei 11.232); se se cuidar, no entanto, de execução para entrega de coisa, o regime a ser observado será o do art. 461-A.

C) Opor embargos no prazo legal de 15 (quinze) dias, alegando toda a matéria de defesa, embargos que serão processados nos próprios autos, independentemente de segurança do juízo, e, a partir daí, será observado o rito ordinário, de cognição plena (art. 1.102 c, caput, 1ª parte). **Atenção – natureza dos embargos: defesa- v. S. 292 do STJ (cabível reconvenção)

9. Os embargos ao mandado inicial

Uma vez opostos os embargos pelo requerido da ação monitória, ficará suspensa a eficácia do mandado inicial, nos termos do que determina o art. 1.102, c, caput.

Os embargos podem ser parciais ou totais, ou seja, podem dizer respeito à totalidade da determinação contida no mandado inicial ou apenas à parcela deste.

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A petição através do qual serão oferecidos os embargos deverá atender também aos requisitos do art. 282, do CPC.

Uma vez apresentados os embargos, cujo processamento passa a realizar-se conforme as regras do rito ordinário comum, instaura-se de forma plena o contraditório. A cognição, até então sumária, passará a exauriente, isto é, sem limitações, abrindo-se a oportunidade para que o embargado, autor da ação monitória, manifeste-se sobre estes, no prazo de 15 (quinze) dias.

Se os embargos forem parciais, em relação à parcela que não foi embargada autorizada está a execução, dessa parte.

Por isso se diz, com inteiro acerto, que a previsão legal atinente à possibilidade de expedição de mandado para pagamento ou entrega de coisa não implica em afronta ao princípio da contraditório, pois, aqui, o contraditório ficará diferido, ou por outras palavras, eventual, dado que a sua instauração ficará a depender da conduta do réu (como, de resto, já se verifica no procedimento ordinário).

Registra Cândido Rangel Dinamarco, de outro lado, que o mandado inicial (ou monitório) tem a eficácia de autorizar a prática de atos executivos, ainda quando se encontre suspenso pelos embargos, acrescentando que a aceitação da execução provisória em tais hipóteses “é uma imposição do sistema que quer ser ágil e valorizar probabilidades.”42

10. Natureza jurídica dos embargos

Há grande controvérsia a respeito da natureza jurídica dos embargos, discutindo-se se eles detêm natureza de contestação ou de ação propriamente dita.

42 Cândido Rangel Dinamarco, A reforma, p. 241.

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Para Antônio Carlos Marcato os embargos opostos pelo réu da ação monitória têm natureza de ação. Para ele, “os embargos deferidos ao réu pelo art. 1.102 c do Código em vigor guardam similute com os embargos à execução fundada em título executivo extrajudicial (...)”, asseverando, ademais, que a sua natureza de ação não é afetada pelo fato de serem processados nos mesmos autos da monitória.43

Em sentido contrário, entendendo que os embargos ao mandado monitório têm natureza de contestação, Nelson Nery Junior preleciona que esses embargos “têm natureza jurídica de defesa, de oposição à pretensão monitória, não se confundindo com os embargos do devedor (...).” 44

Neste preciso rumo, já se decidiu:

“AÇÃO MONITÓRIA – RECOLHIMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS – DESCABIMENTO – 1. A ação monitória, apesar da sua forma sumária de transformar o crédito do autor em título executivo, não perde a natureza de ação de conhecimento de natureza condenatória, de tal modo que os embargos nela previstos, que "serão processados nos próprios autos", são uma forma de defesa equivalente à contestação. Se nos embargos à execução, que são defesa no processo executivo e exigem o processamento em autos apartados, a Lei nº 9.289/96 isenta de custas, com muito mais razão tal deve acontecer nos embargos à ação monitória, onde são metidos nos próprios autos, aproximando-os da contestação. Assim, a defesa no processo monitório não pode estar sujeita ao recolhimento de custas. 2. Provimento do agravo de instrumento.” (TRF 4ª R. – AI 2002.04.01.018961-8 – PR – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – DJU 28.08.2002 – p. 712)

43 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, pp. 94-96. Idêntico entendimento é perfilhado por Eduardo Talamini (Tutela monitória, p. 133). Neste sentido: Cruz e Tucci (Ação Monitória, p. 90) e Dinamarco (A reforma do Código de Processo Civil, p. 243) e Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, vol. III, n. 1.483).44 Nelson Nery Jr, CPC Comentado, p. 1.220, nota 3 ao art. 1.102c. Neste norte: Clito Fornaciari Jr. (A reforma processual civil¸ coms. ao art. 1.102c) e Carreira Alvim (Procedimento monitório, pp. 133-135).

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“MONITÓRIA – EMBARGOS – APELAÇÃO JULGADA DESERTA POR FALTA DE PREPARO – Sustenta a isenção com equiparação aos embargos à execução. Impossibilidade. Os embargos, na monitória, são embargos ao mandado e têm natureza jurídica de defesa, de oposição à pretensão monitória, não se confundindo com embargos do devedor, somente cabíveis no processo de execução. Inaplicável o art. 6º, VI, da Lei Estadual nº 4.952/85, que isenta de preparo os embargos à execução visto que de execução não se trata. Decisão mantida. Recurso improvido.”

(1º TACSP – AI 1.024.054-1 – 11ª C. – Rel. Juiz Silveira Paulilo – J. 21.06.2001)

Atualmente, em razão do teor da S. 292 do STJ (cabível reconvenção), reconhece-se amplamente a natureza de defesa a ditos embargos.

11. Do julgamento dos embargos

Uma vez impugnados os embargos pela parte contrária e não havendo provas a serem produzidas em audiência, serão imediatamente julgados os embargos. Diferentemente, se houver necessidade de realização de alguma prova, a audiência será designada, decidindo o juiz em seguida.

Assim como os embargos podem ser parciais ou totais, também o acolhimento destes, a depender do caso em concreto, poderá ser parcial. Neste caso, a constituição do título executivo limitar-se-á à parcela cuja impugnação não resultou acolhida. Se os embargos forem rejeitados liminarmente ou julgados improcedentes, a execução se inicia imediatamente, de acordo com o que preceitua o § 3º, do art. 1.102, c.

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12. Recursos

a) Do indeferimento da petição inicial (da ação monitória)

Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos legalmente exigidos (tanto os gerais, quanto os específicos do procedimento monitório), dará oportunidade ao autor para a correção ou emenda da petição defeituosa, nos termos do que estabelece o art. 284, CPC. 45

Persistindo o vício, o juiz decidirá pelo seu indeferimento. Se o indeferimento for parcial, é caso de agravo de instrumento (art. 522, do CPC). Decidindo o juiz pelo indeferimento total, caberá recurso de apelação (art. 513, do CPC), tendo em vista que, com isto, o processo será extinto sem resolução do mérito (arts. 295 e 267, I, do CPC).

b) Do julgamento dos embargos

Examinando os embargos apresentados pelo réu, poderá o juiz decidir pela rejeição ou pelo acolhimento dos mesmos.

Decidindo pela rejeição dos embargos, haverá a constituição do mandado inicial em título executivo (art. 1.102, c), intimando-se o devedor e prosseguindo-se conforme o disposto no Livro I, quanto ao cumprimento de sentença (pagamento de soma em dinheiro) ou no art. 461-A (entrega de coisa), todos do Código Processo Civil.

Assim como se verifica grande controvérsia em torno de saber qual a natureza jurídica dos embargos na ação monitória (contestação ou ação),

45 “Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos artigos 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.”

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não é pacífica a questão tangentemente aos efeitos do recurso cabível em face do julgamento dos embargos.

Na opinião de Eduardo Talamini, da sentença proferida nos embargos caberá, em qualquer caso, recurso de apelação, passível, portanto, de ser desafiada por meio de recurso de apelação, o qual será recebido no efeito devolutivo e no suspensivo (art. 520, CPC). 46 Antônio Carlos Marcato perfilha igual entendimento, asseverando que o julgamento dos embargos corporifa uma sentença e, via de conseqüência, será apelável.47

Neste sentido, reconhecendo que o recurso cabível diante do julgamento dos embargos (inclusive por rejeição liminar) será a apelação:

“MATÉRIA PROCESSUAL AÇÃO MONITÓRIA – EMBARGOS IMPROCEDENTES/REJEIÇÃO LIMINAR – APELAÇÃO – DUPLO EFEITO – EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO V, DO ARTIGO 520 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – NÃO INCIDÊNCIA – ADMISSIBILIDADE – Tem duplo efeito a apelação interposta de sentença que julga improcedentes os embargos opostos na ação monitória. Interpretação restritiva do disposto no artigo 520, V, do Código de Processo Civil.” (2º TACSP – AI 721.102-00/1 – 12ª C. – Rel. Juiz Romeu Ricupero – DOESP 03.05.2002)

“MATÉRIA PROCESSUAL AÇÃO MONITÓRIA – EMBARGOS IMPROCEDENTES – REJEIÇÃO LIMINAR – APELAÇÃO – DUPLO EFEITO – EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO V, DO ARTIGO 520 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – NÃO INCIDÊNCIA – ADMISSIBILIDADE – A sentença que repudia embargos a mandado monitório enseja apelação com efeitos suspensivo e devolutivo.” (2º TACSP – AI 716.062-00/8 – 4ª C. – Rel. Juiz Rodrigues da Silva – DOESP 01.03.2002)

46 Eduardo Talamini, Tutela monitória, p. 141.47 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 109.

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Nelson Nery Junior, a seu turno, sustenta que se forem indeferidos liminarmente os embargos, o recurso cabível será o agravo. Todavia, mais adiante, assevera esse autor que “tanto a sentença que acolhe os embargos quanto a que rejeita os embargos é impugnável por recurso de apelação (...).” 48

Quanto aos efeitos do recurso de apelação, Sérgio Bermudes e Cândido Rangel Dinamarco propugnam pela aplicação do art. 520, V e, em face disso, sustentam que será dotado apenas de efeito suspensivo. Assim também para Antônio Carlos Marcato, que preleciona: “por aplicação analógica do art. 520, V, do CPC, a apelação interposta contra a sentença de rejeição dos embargos ao mandado é destituída do denominado efeito suspensivo.”49

Diversamente, entendendo que a apelação será recebida no seu duplo efeito, é a opinião de Nelson Nery Jr 50 e, também, de Eduardo Talamini 51.

Neste rumo, deve-se referir a Súmula 47, do 1.º Tribunal de Alçada SP, que reza o seguinte: “A apelação interposta da sentença que julga os embargos ao mandado monitório será recebida, também, no efeito suspensivo.”

Veja-se, ainda, neste mesmo sentido:

“MATÉRIA PROCESSUAL AÇÃO MONITÓRIA – EMBARGOS IMPROCEDENTES – APELAÇÃO – DUPLO EFEITO – EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO V, DO ARTIGO 520 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – NÃO INCIDÊNCIA

48 Nelson Nery Jr, CPC Comentado, p. 1.221, nota 12 ao art. 1.102c.49 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 119, conclusão n. 27. V., mais profundamente, Arlete Inês Aurelli, Efeitos da apelação em ação monitória, jurisprudência comentada. Revista de Processo, São Paulo, v. 22, n. 88, p. 295-307, out./dez. 1997.

50 Nelson Nery Jr, CPC Comentado, p. 1.221, nota 12 ao art. 1.102c.51 Eduardo Talamini, Tutela monitória, p. 141.

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– ADMISSIBILIDADE – Embargos à ação monitória. A apelação interposta contra a sentença que julgou improcedentes os embargos à ação monitória deve ser recebida em ambos os efeitos, pois não se insere a hipótese na exceção prevista no inciso V do artigo 520 do Código de Processo Civil, por não ter a ação monitória natureza especificamente executória. As exceções à regra geral do caput do artigo 520 do Código de Processo Civil são taxativas, não cabendo interpretá-las extensivamente. O título executivo judicial somente será constituído após transitada em julgado a decisão do órgão de segunda instância que mantiver a improcedência dos embargos, prosseguindo o feito pelo procedimento executório, de acordo com o disposto no § 3º do artigo 1102c do Código de Processo Civil.” (2º TACSP – AI 637.091-00/0 – 8ª C. – Rel. Juiz Renzo Leonardi – DOESP 23.02.2001)

13. Da desistência da ação monitória e seus reflexos em relação aos embargos

As soluções serão diversas conforme tenha sido ou não embargado o mandado monitório.

A desistência da ação monitória independe de concordância do réu, nas hipóteses em que este não interpôs embargos. Assim, neste caso, “ao demandado falta interesse processual para exigir que o processo prossiga: não há nenhuma expectativa de tutela que lhe seja favorável , senão , na melhor das hipóteses, a extinção anormal do processo – o que a própria desistência da ação pelo autor já acarretará (art. 267, VIII , do CPC)”, como bem pontua Eduardo Talamini.52

Se o mandado tiver sido embargado, de acordo com o conteúdo destes varia o alcance da desistência da ação monitória:

52 Eduardo Talamini, Tutela monitória, São Paulo, RT, 1997, p. 143.

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a) se os embargos versam apenas sobre vícios formais do processo monitório, a desistência da monitória não depende da concordância do réu (embargante), e os embargos deverão ser extintos também;

b) se os embargos versam o próprio “mérito” da pretensão do embargado, na opinião de Eduardo Talamini, a desistência da monitória não acarretará a automática extinção do processo dos embargos. A esse respeito, observa referido autor que: “Estes [os embargos] não ‘perderão o objeto’ com o encerramento do processo até então ‘principal’. Permanecerá o interesse processual para a obtenção de provimento que declare, com autoridade de coisa julgada , a inexistência total ou parcial do pretenso crédito.” 53

Para Antônio Carlos Marcato, de outro lado, “opostos os embargos ao mandado poderá o autor-embargado desistir da ação monitória, caso em que tem aplicação, por analogia, o disposto art. 569 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil (Capítulo III, n.º 26.3).” 54

14. O (virtual) problema do ônus da prova

A despeito das peculiaridades que cercam o processo monitório, a distribuição do ônus da prova, aqui, obedecerá aos critérios do art. 333, do Código de Processo Civil. É que, como percucientemente observa Carreira Alvim, “o réu só assume o ônus da prova dos fatos que lhe competem (impeditivos, modificativos ou extintivos), quando o autor haja comprovado o fato constitutivo do seu direito (da pretensão material).”55

53 Eduardo Talamini, Tutela monitória, pp. 143-144. 54 Antônio Carlos Marcato, O processo monitório brasileiro, p. 119.

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Com inteiro acerto, conclui Carreira Alvim que: “o fato de a defesa fazer-se através de ‘embargos, não deve induzir o intérprete a supor que haja tal inversão, pois, no procedimento monitório, a inversão é apenas quanto á iniciativa do contraditório, que se transfere para o réu, continuando a prova a cargo de cada uma das partes, como no procedimento ordinário, em que se converte, aliás, o feito especial com o só fato da impugnação do mandado (monitório). 56

“AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO – EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO – ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA E DE INÉPCIA DA INICIAL – IMPROCEDÊNCIA DAS PRELIMINARES – Para o exercício da ação monitória, cabe ao autor instruí-la com a prova escrita da dívida sem eficácia de título executivo (art. 1.102a do CPC). Apresentado pelo credor o cheque, o ônus da prova da inexistência do débito incumbe ao réu (RESP nº 285.223-MG). Réu embargante que, no caso, não nega a emissão das cártulas, assim como a própria existência da dívida. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – RESP 440653 – PR – 4ª T. – Rel. Min. Barros Monteiro – DJU 17.03.2003)

“AÇÃO MONITÓRIA – COBRANÇA DE CHEQUES PRESCRITOS – VIABILIDADE – É hábil a ensejar a ação monitória o cheque que tenha perdido a natureza executiva, em face do transcurso do prazo prescricional, nos termos do art. 1.102a do Código de Processo Civil. EMBARGOS AO MANDADO – ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO PARCIAL E ABUSIVIDADE DOS JUROS – ÔNUS DA PROVA DOS DEVEDORES – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – APELO DESPROVIDO – A ação monitória é um misto de ação cognitiva e executiva e, como

55 Carreira Alvim, Procedimento monitório, p. 89.56 Carreira Alvim, Procedimento monitório, p. 88.

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tal, prevalece o ônus da prova contido no art. 333 do CPC. Exsurgindo como instrumento para a constituição de título judicial cheques íntegros e válidos à constituir efeitos no mundo jurídico, tem-se como descabida a pretensão dos devedores de embargar a demanda, sob a alegação de que a dívida é proveniente de mútuo parcialmente quitado e acrescido de juros ilegais a caracterizar a agiotagem, se nenhuma prova documental idônea acostam aos autos para tanto, além do que a prova testemunhal, por não poder suplantar aquela diante do valor da dívida, nos termos do art. 401 do CPC, seria inócua para a demanda.” (TJSC – AC 00.012553-9 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Prudêncio – J. 05.12.2000) (grifos nossos)

15. Da fase executiva: mandado executivo e embargos do devedor

Se, como foi visto, os embargos não são oferecidos, permanecendo inerte o réu validamente citado, ou, ainda, são apresentados de forma errônea (sem o preenchimento de um dos requisitos mencionados acima, por exemplo, fora do prazo legal), ou, ademais disso, são julgados improcedentes (os embargos), o documento escrito passa a gozar de eficácia de um título executivo e o mandado inicial passa a ser mandado executivo (art. 1.102c, caput, 2ª parte), prosseguindo-se a execução na forma do cumprimento de sentença ou at. 461-A, do Código de Processo Civil.

Aqui, então, ficará aberta a fase de execução, sem a necessidade, como se viu, da instauração de um novo processo. O mandado inicial, que em verdade é o mesmo, agora tem o status de mandado executivo. O que ocorreu foi a sua “transformação” em executivo, o que, em alguns casos (como pela inércia do réu) ocorrerá independentemente de decisão ou sentença, pois, nos termos da lei, tal conversão se dará de “pleno direito” (art. 1.102, c, caput), ou seja, automaticamente.

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Assim, se se tratar de pagamento de soma, iniciar-se-á a fase executiva, com a intimação do devedor, réu da ação monitória, seguindo-se, então, daí em diante, o previsto para o cumprimento de sentença (arts. 474-I e ss do CPC). Uma vez intimado para o conteúdo do mandado executivo, poderá o réu oferecer impugnação (diversamente do que se passava com os antigos embargos do devedor, atualmente a regra é a de que a impugnação é desprovida de efeito suspensivo).

De outra banda, se a obrigação for de entrega de coisa, observar-se-á o quanto dispõe o art. 461-A para a sua efetivação.

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