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INTRODUÇÃO À LÍNGUA DE SINAIS PROFESSOR (A): COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

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INTRODUÇÃO À

LÍNGUA DE SINAIS

PROFESSOR (A): COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

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INTRODUÇÃO À LÍNGUA DE SINAIS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4

A LIBRAS – Linguagem Brasileira de sinais ............................................................ 6

HISTÓRICO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO DE

SURDOS .................................................................................................................. 8

AS LÍNGUAS DE SINAIS NO MUNDO .................................................................... 9

CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DAS LÍNGUAS DE SINAIS .............................. 20

LIBRAS: HISTÓRIA E EVOLUÇÃO ....................................................................... 21

A LIBRAS É UMA LÍNGUA NATURAL ............................................................... 24

DESENVOLVIMENTO DA PESSOA SURDA ........................................................ 27

A LIBRAS NO CONTEXTO DO ENSINO FUNDAMENTAL ................................... 29

PREPARAÇÃO DOS PROFISSIONAIS ................................................................. 31

AS DIFERENÇAS HUMANAS ............................................................................... 35

ALFABETIZAÇÃO E O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS ........................................ 37

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 37

ALFABETIZAÇÃO NA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA ..................................... 38

ESTÁGIOS DE AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS ........................................... 39

INSTRUMENTOS DO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO ................................... 41

O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS ....................................................................... 47

REFLEXÃO FINAL ................................................................................................. 49

SUGESTÕES DE DICIONÁRIOS ELETRÔNICOS E LINKS PARA

PESQUISA: ........................................................................................................ 53

A PRÁTICA PEDAGÓGICA MEDIADA (TAMBÉM) PELA LÍNGUA DE SINAIS:

trabalhando com sujeitos surdos* ............................................................................. 54

A LÍNGUA DE SINAIS E O ESPAÇO ESCOLAR .................................................. 56

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UMA LEITURA ENUNCIATIVA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: o gênero

contos de fadas ......................................................................................................... 64

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 64

OS ESTUDOS SOBRE AS LÍNGUAS DE SINAIS E A TEORIA

ENUNCIATIVA DE BAKHTIN ................................................................................ 66

O GÊNERO CONTOS DE FADAS EM LIBRAS .................................................... 76

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 89

"LIBRAS" (LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS) UM ESTUDO

ELETROENCEFALOGRAFICO DE SUA FUNCIONALIDADE CEREBRAL ............. 98

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 98

OBJETIVOS ......................................................................................................... 104

METODOLOGIA .................................................................................................. 105

RESULTADOS ..................................................................................................... 109

DISCUSSÃO ........................................................................................................ 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 124

ANEXOS ................................................................................................................. 131

HISTÓRIA DOS 3 PORQUINHOS EM LIBRAS ................................................... 131

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INTRODUÇÃO

Na discussão sobre a educação dos surdos, devem-se relevar as

necessidades e dificuldades linguísticas dos mesmos. Atualmente, entende-se,

na educação desses alunos, a primeira língua deve ser a de sinais, pois

possibilitam a comunicação inicial na escola em que eles são estimulados a se

desenvolver, uma vez que os surdos possuem certo bloqueio para a aquisição

natural da linguagem oral.

O ensino de libras vem sendo reconhecido como caminho necessário

para uma efetiva mudança nas condições oferecidas pela escola no

atendimento escolar desses alunos, por ser uma língua viva, produto de

interação das pessoas que se comunicam.

Essa linguagem é um elemento essencial para a comunicação e

fortalecimento de uma identidade Surda no Brasil e, dessa forma, a escola não

pode ignorar no processo de ensino aprendizagem.

A educação inclusiva se orienta pela perspectiva da diversidade, com

metodologias e estratégias diferenciadas, com responsabilidade compartilhada,

cuja capacitação do professor passa pelo conhecimento sobre a diversidade,

com a família, responsabilidade para com o exercício da profissão. As

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transformações acontecem na atividade principal, quando o aluno esta dentro

da sala de aula.

Este é o principal motivo de haver modificação, pois sem ela, não

haverá mudança, considerando que as relações e a constituição do ser

humano acontecem nas situações mais ocultas da vida.

Segundo Quadros (1998, p. 64), assim como as línguas faladas,as

línguas de sinais não são universais: cada país apresenta a sua própria língua.

No caso do Brasil, tem-se a LIBRAS.

O ensino de dessa linguagem é uma questão preocupante no contexto

da educação dos surdos, pois o reconhecimento da importância do estudo da

mesma no ensino de surdos, ainda é deixado de lado. Portanto há uma

necessidade maior de reflexão no sentido de evidenciar a sua importância.

De acordo com FRITH (1990 p. 1503):

A dislexia do desenvolvimento consiste numa interrupção da progressão da

leitura ao longo dos estágios logográfico, alfabético e ortográfico. Nessa

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dislexia, a criança tem dificuldades para progredir do estágio logográfico ao

alfabético, e em desenvolver a rota fonológica. Assim, ela tende a fazer leitura

visual de um conjunto limitado de palavras de sobrevivência de alta frequência

que conseguiu memorizar, e comete erros visuais envolvendo a composição

grafêmica das palavras.

A principal função da escola é possibilitar ao aluno adequar-se ao

conhecimento ensinado pelo professor. Neste processo de ensino

aprendizagem, os conceitos oferecidos pela escola interagem com os conceitos

do senso comum aprendidos no cotidiano e, nessa interação é que a escola

reorganiza os ensinamentos modificando-os, que se consolidam a partir do

senso comum.

Para essas reflexões serem realizadas, as bases teóricas foram

buscadas na bibliografia de diversos autores como: Heloisa Maria Moreira Lima

Salles, EnildeFaulstich, Orlene Lúcia Carvalho, Ana Adelina Lopo Ramos,

Carlos Skiliar, entre outros, pois desenvolvem pesquisas e análises de suma

importância em LIBRAS.

A LIBRAS – Linguagem Brasileira de sinais

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A libra, não é apenas uma linguagem, uma vez que prestam as

mesmas funções das línguas orais, pois ela possui todos os níveis linguísticos

e como toda língua de sinais, a LIBRAS é uma língua de modalidade visual-

gestual, não estabelecida através do canal oral, mas através da visão e da

utilização do espaço.

Como a língua de sinais se desenvolve de forma visual, é lógico e

aceitável que os surdos se comuniquem naturalmente utilizando as mãos,

cabeça e outras partes do corpo, por estarem privados da audição.

Sobre isto, SALLES (2004), menciona:

A LIBRAS é adotada de uma gramática constituída a partir de elementos

Constitutivos das palavras ou itens lexicais e de um léxico que se estruturam a

partir de mecanismos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos que

apresentam também especificidades, mas seguem também princípios básicos

gerais. É adotada também de componentes pragmáticos convencionais

codificados no léxico e nas estruturas da LIBRAS e de princípios pragmáticos

que permitem a geração de implícitos sentidos metafóricos, ironias e outros

significados não literais. A LIBRAS é a língua utilizada pelos surdos que vivem

em cidades do Brasil, portanto não é uma língua universal.

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Histórico da Língua Brasileira de Sinais na Educação de Surdos

Não se sabe ao certo onde surgiu a língua de sinais nas comunidades

surdas, mas, sabe-se que foram criadas por homens que tentaram recuperar a

comunicação através dos demais canais, por terem um impedimento auditivo.

Não existem muitos registros oficiais do surgimento da língua de sinais no

mundo, por isso, tivemos muita dificuldade em encontra-los. Mas, vamos lá.

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AS LÍNGUAS DE SINAIS NO MUNDO

Em nossa empreitada pela busca desse tema, iniciamos com a

Wikipédia, a enciclopédia livre1. Nela encontramos que, “assim como entre os

idiomas falados, é grande a variedade de línguas de sinais ao redor do mundo”.

(PARA UMA GRAMÁTICA DE LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA, 2010, p.

54).

Continuando este caminho, encontramos no site da revista “Mundo

Estranho” (disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quem-

criou-a-linguagem-de-sinais-para-surdos. Acesso em: 30 set. 2013.), que foi o

abade francês Charles-Michel. Na metade do século XVIII, ele desenvolveu um

sistema de sinais para alfabetizar crianças surdas que serviu de base para o

método usado até hoje. Na época, as crianças com deficiências auditivas e na

fala não eram alfabetizadas. O abade fundou, em 1755, a primeira escola para

surdos, ensinando o alfabeto a seus alunos com gestos manuais descrevendo

letra por letra. Esse método foi, então, aperfeiçoado ao longo dos séculos nos

vários países onde foi adotado. "Em 1856, o conde francês Ernest Huet, que

era surdo, trouxe ao Brasil a língua de sinais francesa", afirma Moisés Gazale,

diretor da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis),

no Rio de Janeiro. Essa globalização do sistema foi facilitada pelo fato de os

sinais também representarem - além das letras - conceitos como fome ou sono,

permitindo a comunicação entre pessoas de diferentes nacionalidades.

Em 1966, o médico americano OrinCornett deu uma importante

contribuição a essa linguagem, unindo a utilização dos sinais com a leitura

labial. Hoje, cada país tem sua própria linguagem de sinais para surdos. Todas

elas derivam do alfabeto manual francês, mas podem apresentar pequenas

variações em função da gramática local. No Brasil o sistema é conhecido como

Libras: Língua Brasileira de Sinais.

Nesse percurso, encontramos diversos autores e pesquisadores que

nos informam que, foi predominante, na antiguidade, a visão negativa do surdo

como aquele que não pode ser educado. Mais além, eram vistos com piedade

1 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_sinais. Acesso em: 30 set. 2013.

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e compaixão, como castigados pelos deuses ou enfeitiçados; ou, de forma

mais desprezada, sendo abandonados ou até sacrificados. Em sociedades

onde predominavam o espírito guerreiro e a idolatria pela perfeição física

(como Esparta e Roma) havia sacrifícios daqueles que nasciam fora do padrão

da “normalidade”, isto é, com algum tipo de deficiência física ou mental. De

modo geral, nas sociedades do mundo considerado antigo e/ou clássico, o

povo surdo era marginalizado: estereotipados como “anormais”, isolados,

presos, considerados párias e vistos como improdutivos ou inúteis.

É somente então no século XVI, período considerado como a

modernidade, que surgem os primeiros educadores de surdos. O monge

beneditino espanhol Pedro Ponce de Leon (1520-1548) foi um importante

educador, além de fundador de uma escola de professores de surdos. Utilizava

a datilologia – representação manual das letras do alfabeto, a escrita e a

oralização como metodologias de ensino.

Esta preocupação educacional de surdos deu lugar às aparições de

numerosos professores que desenvolveram, simultaneamente, seus trabalhos

com os sujeitos surdos e de maneira independente, em diferentes lugares da

Europa. Havia professores que se abocavam na tarefa de comprovar a

veracidade da aprendizagem dos sujeitos surdos ao usar a língua de sinais e o

alfabeto manual e em muitos lugares havia professores surdos (STROBEL,

2006, p. 248).

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O século XVIII é considerado o período mais fértil da educação surda

face ao aumento do número de escolas e do ensino de língua de sinais. Os

surdos podiam aprender e dominar diversos assuntos, bem como exercer

várias profissões. Destacou-se na época, o abade francês Charles Michel de

L’Epée (1750), que criou os “Sinais Metódicos”, uma combinação de língua de

sinais com gramática sinalizada francesa. Este educador transformou sua casa

em escola pública e acreditava que todos surdos deveriam ter acesso à

educação. No mesmo século, o alemão Samuel Heinick (1754) esboçou as

primeiras noções da filosofia oralista.

No século seguinte, nos Estados Unidos, Thomas Hopkins Gallaudet e

Laurent Clerc (1815) unem o léxico da língua de sinais francesa com a

estrutura da língua francesa, adaptando para o inglês, em 1815. Disto surgiram

os primeiros esboços da Comunicação Total. Em 1864 é fundada a primeira

universidade para surdos em homenagem ao pesquisador, a Universidade

Gallaudet. Atualmente, além desta, existe apenas a TsukubaCollegeof

Technology (Japão).

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A partir da década de 1860, o oralismo ganhou força e aumentou a

oposição à língua de sinais. Em 1880, durante o Congresso Internacional de

Educadores de Surdos em Milão, na Itália, a língua de sinais foi proibida, o que

provocou uma reviravolta na educação de surdos. Naquela ocasião os

professores surdos haviam sido proibidos de votar. Apesar de tal mudança, os

códigos não chegaram a serem eliminados, porém simplesmente foram

conduzidos ao mundo marginal, onde sobreviveram devido às contraculturas.

Dessa forma, o atendimento aos surdos ficou voltado à filantropia e ao

assistencialismo: os indivíduos eram entregues pelas famílias às instituições e

aos asilos, em regime de internato.

Existiram tentativas de resgate dos surdos do anonimato durante

século XX, contudo o ouvintismo cada vez mais ganhava força e legitimidade

pelos discursos científicos, sobretudo pela visão clínica que, de modo geral,

encara a surdez como uma doença. Em 1960, a publicação de William Stokoe,

SignLanguageStructure: AnOutlineofthe Visual Communication System ofthe

American Deaf, começou modificar a visão da sociedade perante os surdos.

A partir desta publicação surgiram diversas pesquisas sobre a língua

de sinais e sua aplicação na educação e na vida do surdo, que, aliadas a uma

grande insatisfação por parte dos educadores e dos surdos com o método oral,

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deram origem à utilização da língua de sinais e de outros códigos manuais na

educação da criança surda (GOLDFELD, 2001, p. 28).

A década de sessenta ainda seria marcada pelos estudos de Dorothy

Schifflet (1965), constituindo a Abordagem Total, e Roy Holcom (1968), que

fundamentou a Comunicação Total. Nas décadas seguintes, diversos países

perceberam que a língua de sinais deveria ser utilizada independentemente da

língua oral, isto é, o surdo deveria utilizar sinais em determinadas situações e a

oral em outras ocasiões, e não concomitantemente, como era feito. As décadas

de 1980 e 1990 marcaram o desenvolvimento da filosofia Bilíngue, que, a partir

de então, popularizou-se pelo mundo2.

No Brasil, percebemos a convivência das três principais abordagens

pedagógicas, em que divergências sempre existiram – oralismo, comunicação

total e bilinguismo. A educação surda iniciou aqui durante o Segundo Império

quando Dom Pedro II trouxe o professor surdo francês HernestHuet. Em 1857

foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (atual Instituto Nacional de

Educação dos Surdos – INES). Em 1911 foi estabelecido o oralismo puro,

contudo, de forma marginalizada, outras filosofias perduraram.

Este panorama começou se alterar nas décadas de 1970 e 1980, com

os estudos sobre Comunicação Total e a visita da pesquisadora Ivete

Vasconcelos. As décadas seguintes marcaram a ascensão do Bilinguismo com

as pesquisas da professora Lucinda Ferreira Brito (1993), que em 1994 propôs

a abreviação “LIBRAS” para a língua de sinais no Brasil. Hoje, contamos com

várias classes especiais, salas de recursos e espaços educacionais para os

surdos, contudo, isto se mostra insuficiente diante da realidade que vivemos. A

maioria dos países convive com estas diferentes visões filosóficas sobre os

surdos e sua educação. Observemos brevemente os princípios de cada uma

destas filosofias.

Noutrossim, escreveClélia Regina Ramos3, “o primeiro livro conhecido

em inglês que descreve a Língua de Sinais como um sistema complexo, na

qual "homens que nascem surdos e mudos (...) podem argumentar e discutir

2 Parte integrante do artigo: “Língua de Sinais Brasileira e Breve Histórico da Educação Surda”.

Publicado em: http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/revista/?p=466. Por: RODRIGO JANONI

CARVALHO: Mestre, Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal de Uberlândia. 3 Diretora Executiva da Editora Arara Azul. Disponível em:

http://www.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=13&idart=168. Acesso em: 30 set. 2013.

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retoricamente através de sinais", data de 1644, com autoria de J. Bulwer,

Chirologia. Mesmo acreditando que a Língua de Sinais que conhecia era

universal e seus elementos constitutivos "naturais" (icônicos, de certa forma), o

fato de ter sido publicado um livro a respeito do assunto em uma época que

eram raras as edições em geral já demonstra o interesse do tema,

evidenciando uma preocupação com a educação dos surdos. Preocupação

essa ratificada com a publicação, em 1648, do livro Philocophus, do mesmo

autor, dedicado a dois surdos: o baronês Sir Edward Gostwick e seu irmão

William Gostwick, no qual se afirma que o surdo pode expressar-se

verdadeiramente por sinais se ele souber essa língua tanto quanto um ouvinte

domine sua língua oral (WOLL,1987, p. 12)”.

Ainda, na concepção da autora supra citada, “quase dois séculos

depois, em 1809, Watson (que era neto de Thomas Braidwood, fundador da

primeira escola para surdos na Inglaterra) descreve em seu livro

Instructionofthedeafanddumb um método combinado de sinais e

desenvolvimento da fala”.

Contudo, no site ("HowStuffWorks - Como funciona a linguagem de

sinais". Publicado em 04 de junho de 2007 - atualizado em 25 de junho de

2008.Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/linguagem-dos-sinais.htm.

Acesso em: 1 out. 2013), temos que:

“Durante séculos, os deficientes auditivos ou surdos se basearam na

comunicação com os outros através de dicas visuais. Conforme a comunidade

dos surdos cresceu, as pessoas começaram a padronizar os sinais,

construindo um vocabulário e gramática ricos, que existem independentemente

de qualquer outra língua. Um observador casual de uma conversa na

linguagem dos sinais pode descrevê-la como graciosa, dramática, nervosa,

engraçada ou irritada, mesmo sem saber o que um único sinal quer dizer”.

“Existem centenas de linguagem de sinais. Onde houver comunidades

de surdos, você os encontrará se comunicando com vocabulário e gramática

específicos. Dentro de um mesmo país, encontramos variações regionais e

dialetos: como em qualquer língua falada, é possível encontrar pessoas em

regiões diferentes que transmitem o mesmo conceito de formas distintas”.

Pode parecer estranho para quem não entende a linguagem dos sinais,

mas os países que possuem a mesma língua falada não têm necessariamente

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uma linguagem de sinais em comum. A linguagem americana de sinais (ASL)

ou Ameslan e a linguagem britânica de sinais (BSL) se desenvolveram

independentemente uma da outra, então seria muito difícil ou até mesmo

impossível para um surdo americano se comunicar com um surdo britânico. De

qualquer forma, muitos dos sinais da ASL foram adaptados da linguagem

francesa de sinais (LSF), de forma que um usuário da ASL na França

provavelmente conseguiria se comunicar claramente com os surdos de lá,

mesmo as línguas faladas sendo completamente diferentes.

Não há uma correlação direta entre as linguagens naturais de sinais e

as línguas faladas: os usuários das linguagens de sinais se comunicam através

de conceitos, e não de palavras. Embora seja possível interpretar a linguagem

dos sinais para uma língua falada como o inglês e vice-versa, tal interpretação

não seria uma tradução direta.

A maioria dos usuários da linguagem dos sinais acha difícil aprendê-la

nos livros e por meio de figuras estáticas. O jeito que uma pessoa sinaliza um

conceito pode dizer mais sobre seu significado do que o sinal em si. As figuras

não capturam as nuances que são intrínsecas à comunicação clara da

linguagem de sinais e, às vezes, é difícil sinalizar os movimentos que alguns

sinais exigem sem vídeo, animação ou demonstração ao vivo.

De fato, aprender a língua de sinais não é simples e, por conta disso,

existem diversas abordagens filosóficas e pedagógicas sobre ela, que, de

acordo com Soares (1999) e Moura (2000), podem ser relacionadas e definidas

a seguir, bem como, tratam da descrição das mesmas, e de seus respectivos

defensores. São elas:

Treinamento da Fala (fala/som) ou oralismo: defende o aprendizado da

língua oral, com o objetivo de aproximar os surdos ao máximo possível do

modelo ouvinte.

GerolamoCardano (Médico Italiano, 1501-1576): Interessou-se mais

pelo estudo do ouvido, nariz e cérebro, escreveu a condução óssea do som.

Segundo ele, a escrita poderia representar os sons da fala e do pensamento e

a surdez não alterava a inteligência.

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Juan Pablo Bonet(Espanhol. 1579-1629): Baseado nos trabalhos de

León, escreveu sobre as maneiras de ensinar os Surdos a ler e a falar por meio

do alfabeto manual e proibia o uso da Língua gestual.

Johann Conrad Ammam (Médico Suíço,1669-1724): Defensor da

leitura labial; com o uso de espelhos, descobriu a imitação dos movimentos da

linguagem, como também a percepção através do tato das vibrações da

laringe. Considerava que a fala era uma dádiva de Deus e fazia com que a

pessoa fosse humana e que o uso da língua gestual atrofiava a mente.

SammuelHeinicke (Alemão,1729-1790): Fundou uma escola de

Surdos, em Edimburgo (a primeira escola de correção da fala da Europa);

ensinou vários surdos a falar, criando e definindo o método hoje conhecido

como Oralismo; edificou a aprimeira escola pública para deficientes físicos.

Segundo ele, o pensamento só é possível através da língua oral. (fala/som).

Alexander Graham Bell (Cientista Escocês, 1847-1922): Era grande

defensor do oralismo e opunha-se a língua gestual e as comunidades de

surdos, uma vez que as considerava como um perigo para a sociedade. Foi

professor de surdos em Londres e desenvolveu a metodologia denominada

“fala visível”.

Jacob Rodrigues Pereira (Francês,1715-1780): Era o maior opositor do

Abade L’Epeé, usava gestos, mas defendia a oralização dos surdos, iniciou o

trabalho de desmutização por meio da visão e do tato.

Método Combinado ou Bimodal: defende o uso da língua oral, língua de

sinais, treinamento auditivo, leitura labial e o alfabeto digital, entre outros

recursos.

Pedro Ponce de León (Monge Espanhol,1520-1584): Iniciou a história

sistematizada de educação dos Surdos. Fundou uma escola para professores

de deficientes auditivos e desenvolveu uma metodologia de educação que

incluía leitura e escrita, treinamento da fala e o alfabeto manual.

Thomas Hopkins Gallaudet (Prof. Americano,1837-1917): Era opositor

ao oralismo puro, defendia os sinais metódicos do Abade De L’Epee; fundou a

escola de Hartford para surdos, em abril de 1817. Gallaudet e seu filho Edward

Miner Gallaudet instituíram nessa escola a Língua Gestual Americana com o

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método combinado, inglês escrito e o alfabeto manual. Em 1857, a escola

passou a ser Universidade Gallaudet.

Linguagem Gestual (hoje Língua de Sinais): considerada importante veículo

de aquisição de conhecimento, comunicação e organização do pensamento no

desenvolvimento da pessoa surda.

Charles MicheldeL'Épeé (Abade Frances, 1712-1789): Criador da

língua gestual (língua de sinais), criou os “sinais metódicos”. Reconheceu que

essa língua existia e e se desenvolvia entre grupos de surdos, embora não

fosse considerada uma língua com gramática, mas, com características

linguísticas apoiada no canal visual-gestual. Fundou oInstituto Nacional de

Surdos-Mudos, em Paris (primeira escola pública de Surdos do mundo).

Após a Revolução Francesa e durante a Revolução Industrial

(séc.XVIII), a disputa tornou-se mais acirrada entre os métodos oralistas e os

baseados na língua gestual. No Congresso de Milão (1880) instituiu-se o

oralismo como filosofia oficial de educação dos surdos, nesse período o ensino

da língua gestual passou a ser proibido nas escolas em toda a Europa.

Logo, o oralismo espalhava-se para outros continentes e, em

consequência disso, tornou-se a abordagem mais priorizada na educação dos

surdos, durante fins do século XIX e grande parte do século XX. De acordo

com Lacerda (1998), os resultados de muitas décadas de trabalho nessa linha,

no entanto, não mostraram grandes sucessos. O processo de aquisição da fala

era parcial e tardio em relação aos ouvintes, comprometendo o

desenvolvimento global dos surdos.

No ano de 1960, Willian Stokoe publicou artigos demonstrando que a

American SignanLanguage - Língua de Sinais Americana-ASL - possuía

características semelhantes às da língua oral. Nessa mesma década,

DoratySchifflet, professora e mãe de deficiente auditivo, utilizou o método que

combinava língua de sinais associada a língua oral, treinamento auditivo,

leitura labial e o alfabeto digital denominado “Total Approach”, traduzido para

“Abordagem Total” ou “Comunicação Total”. Embora, esta tenha apresentado

avanços, a maioria dos surdos não conseguiu atingir níveis acadêmicos

compatíveis (idade/série), pois os sinais apenas representavam recursos de

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auxílio da fala e não comprovavam desenvolvimento linguístico. (LACERDA,

1998).

Na década de 1970, a Suécia e a Inglaterra observaram que os

deficientes auditivos utilizavam em momentos distintos a oralização e a língua

de sinais, originando à filosofia bilíngue, ou seja, a utilização pelos surdos da

língua de sinais como primeira língua (L1) e , como segunda, a língua

majoritária do seu país (L2). Logo, expandiu-se na década seguinte para todos

os países esse tipo de educação que se contrapõem aos modelos oralistas e a

comunicação total, advogando que cada língua deve manter suas

características próprias.

Quanto à Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) essa é uma modalidade

de comunicação que tem adquirido maior visibilidade na sociedade, na medida

em que se expandem os movimentos surdos a favor de seus direitos, conforme

a cultura e a língua própria do povo surdo, mediante a opressão de uma

sociedade, que ao longo dos anos, impôs uma espécie de “modelo ouvintista”

de viver.

Quanto ao seu surgimento no Brasil e legalidade, é tudo muito novo,

pois, conforme a Constituição Federal (19884). Contudo, a luta pelos direitos

dos surdos é longa. Dessa forma, ao esboçarmos um breve histórico sobre a

educação surda, assim como sobre as filosofias educacionais neste campo,

podemos compreender aspectos importantes na relação entre surdos e

ouvintes, o choque entre culturas e especificidades e metodologias de ensino.

A referida língua visual possui todos os elementos classificatórios

identificáveis numa língua e demanda prática para seu aprendizado, sendo

uma língua viva e autônoma. Da mesma forma que as línguas orais-auditivas

não são iguais, variando de lugar para lugar, de comunidade para comunidade,

a língua de sinais também varia, existindo em vários países (SILVA, 2007, p. 9-

10). A língua não é de um país, mas de um povo que se autodenomina povo

surdo, isto é, pessoas que se reconhecem culturalmente – e não pela ótica

medicalizada - e possuem organização política e habilidades, nas quais a

habilidade visual é a principal, constituindo o cerne da expressão linguística.

4 Disponível em: Cf. Lei Federal nº 10.436/2002 (Lei Ordinária); Decreto nº 5.626/2005; Lei nº

10.098/2000. Disponíveis em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10436.htm>;

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm> e

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10098.htm>. Acesso em: 30 set. 2013.

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Muitos linguistas se dedicaram a estudar diferentes línguas gestuais,

concluindo que estas apresentavam diferenças consideráveis entre si. Deve-se

levar em conta que diferenças culturais são determinantes nos modos de

representação do mundo. Assim, os surdos sentem as mesmas dificuldades

que os ouvintes quando necessitam comunicar com outros que utilizam uma

língua diferente.

Cada país tem a sua própria língua gestual. Tomando como exemplo

alguns países lusófonos, vemos que utilizam diferentes línguas de sinais: no

Brasil existe a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), em Portugal existe a

Língua Gestual Portuguesa (LGP), em Angola existe a Língua Angolana de

Sinais (LAS), em Moçambique existe a Língua Moçambicana de Sinais (LMS).

Além disso, da mesma forma que acontece nas línguas faladas

oralmente, existem variações linguísticas dentro da própria língua de sinais,

isto é, regionalismos e/ou sotaques. Essas variações se devem a ligeiras

diferenças culturais e influências diversas no sistema de ensino do país, por

exemplo. Há, inclusive, uma língua de sinais pretensamente universal, análoga

ao Esperanto, conhecida como Gestuno, que é usada em convenções e

competições internacionais.

Nesse sentido, podemos concluir quea origem da linguagem de sinais

remonta possivelmente à mesma época ou a épocas anteriores àquelas em

que foram sendo desenvolvidas as línguas orais. Uma pista interessante para

esta possibilidade das línguas de sinais terem se desenvolvido primeiro que as

línguas orais é o fato que o bebê humano desenvolve a coordenação motora

dos membros antes de se tornar capaz de coordenar o aparelho

fonoarticulatório.

As línguas de sinais são criações espontâneas do ser humano e se

aprimoram exatamente da mesma forma que as línguas orais. Nenhuma língua

é superior ou inferior a outra, cada língua se desenvolve e expande na medida

da necessidade de seus usuários.

Também é comum aos ouvintes pressupor que as línguas de sinais

sejam versões sinalizadas das línguas orais; por exemplo, muitos acreditam

que a LIBRAS é a versão sinalizada do português; que a Língua Americana de

Sinais é a versão sinalizada do inglês; que a Língua Japonesa de Sinais é a

versão sinalizada do japonês; e assim por diante. No entanto, embora haja

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semelhanças ou aspectos comum entre as línguas de sinais, devido a um certo

contágio linguístico, as línguas de sinais são autônomas, não derivando das

orais e possuindo peculiaridades que as distinguem umas das outras e das

línguas orais.

A língua de sinais é tão natural e tão complexa quanto as línguas orais,

dispondo de recursos expressivos suficientes para permitir aos seus usuários

expressar-se sobre qualquer assunto, em qualquer situação, domínio do

conhecimento e esfera de atividade. Mais importante, ainda: é uma língua

adaptada à capacidade de expressão dos surdos.

Alguns educadores, mesmo fracassando não mediam esforços para

fazer os surdos falarem, inclusive no Brasil, já outros, criavam adaptações

técnicas e metodologia especifica para ensinar os surdos levando em

consideração as suas diferenças linguísticas. No entanto, vários surdos

sinalizavam entre si, criando um momento propício para a constituição de uma

língua de sinais.

CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DAS LÍNGUAS DE SINAIS

Kyle e Woll apontam algumas propriedades exclusivas das línguas de

sinais, tais como o uso de gestos simultâneos, o uso do espaço e a

organização e ordem que daí resultam. Assim, as línguas de sinais possuem

uma modalidade de produção motora (mãos, face e corpo) e uma modalidade

de percepção visual.

Embora existam aspectos universais, pelos quais se regem todas as

línguas de sinais, a comunicação gestual dos Surdos não é universal. As

línguas de sinais, assim como as orais, pertencem às comunidades onde são

usadas, tendo apresentando diferenças consideráveis entre as determinadas

línguas.

As línguas de sinais não seguem a ordem e estrutura frásicas das

línguas orais, assim o importante não é colocar um sinal atrás do outro, como

se faz nas línguas orais (uma palavra após a outra). O importante em sinais é

representar a informação, reconstruir o conteúdo visual da informação, pois os

surdos lidam com memória visual. As línguas de sinais possuem sua gramática

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própria, assim como as línguas orais possuem as suas, sendo elas totalmente

independentes.

LIBRAS: HISTÓRIA E EVOLUÇÃO

A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) é uma língua natural usada

pela maioria dos surdos do Brasil. Diferente de todos os idiomas já conhecidos,

que são orais e auditivos, a libras é visual-gestual, é uma língua pronunciada

pelo corpo.

No período de 1500 a 1855, já existiam muitos surdos no país. Nessa

época, a educação era precária. Em 1855, ocorreu a vinda ao Brasil de um

professor francês surdo, chamado Hurt, e, em 1887, foi fundado o primeiro

Instituto Nacional de Surdos Mudos no Rio de Janeiro.

No período de 1970 a 1992, os surdos se fortalecerem e reivindicaram

os seus direitos. Desde aquela época, as escolas tradicionais existentes no

método oral mudaram de filosofia e, até hoje, boa parte delas vêm adotando a

comunicação total.

Em 2002, foi promulgada uma lei que reconhecia a Língua Brasileira de

Sinais como meio de comunicação objetiva e de utilização das comunidades

surdas no Brasil. Em 2005, foi promulgado um decreto que tornou obrigatória a

inserção da disciplina nos cursos de formação de professores para o exercício

do magistério em nível médio (curso Normal) e superior (Pedagogia, Educação

Especial, Fonoaudiologia e Letras). Desde então, as instituições de ensino

veem procurando se adequar a essa lei.

Nesse sentido, ao buscarmos por essa temática, encontramos um

consenso entre diversos autores, que afirmam ser o "início oficial" da educação

dos surdos brasileiros a fundação, no Rio de Janeiro, do Instituto Nacional de

Surdos-Mudos (INSM, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos- INES),

através da Lei 839, que D. Pedro II assinou em 26 de setembro de 1857.

Porém, já em 1835, um deputado de nome Cornélio Ferreira apresentara à

Assembleia um projeto de lei que criava o cargo de "professor de primeiras

letras para o ensino de cegos e surdo-mudos" (REIS,1992, p. 57). Projeto esse

que não conseguiu ser aprovado.

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Reis relata que o professor Geraldo Cavalcanti de Albuquerque,

discípulo do professor João Brasil Silvado (diretor do INSM em 1907),

informou-lhe em entrevista que o interesse do imperador D. Pedro II em

educação de surdos viria do fato de ser a princesa Isabel mãe de um filho

surdo e, casada com o Conde D’Eu, parcialmente surdo. Sabe-se que,

realmente, houve empenho especial por parte de D. Pedro II quanto à fundação

de uma escola para surdos, mandando inclusive trazer para o país em 1855 um

professor surdo francês, Ernest (ou Eduard) Huet, vindo do Instituto de Surdos-

Mudos de Paris, para que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com

as novas metodologias educacionais.

A LIBRAS, em consequência, foi bastante influenciada pela Língua

Francesa de Sinais, apesar de não se encontrar, através da análise do

programa de ensino adotado inicialmente por Huet (Língua Portuguesa,

Aritmética, Geografia, História do Brasil, Escrituração Mercantil, Linguagem

Articulada, Leitura Sobre os Lábios para os com aptidão e Doutrina Cristã),

nenhuma referência à Língua de Sinais. Entretanto, poucos anos depois,

Tobias Rabello Leite (diretor da escola de 1868 a 1896) publica Notícias do

Instituto dos Surdos e Mudos do Rio de Janeiro pelo seu diretor Tobias Leite

(1877) e Compêndio para o ensino dos surdos-mudos (1881), nos quais se

percebe que havia aceitação da Língua de Sinais e do alfabeto datilológico. O

autor considerava a utilidade dos dois no ensino do surdo, como forma de

facilitar o entendimento professor/aluno. (LEITE,1881 apud Reis, 1992, p.

60/68)

É de 1873 a publicação do mais importante documento encontrado até

hoje sobre a Língua Brasileira de Sinais, o Iconographia dos Signaes dos

Surdos-Mudos, de autoria do aluno surdo Flausino José da Gama, com

ilustrações de sinais separados por categorias (animais, objetos, etc). Como é

explicado no prefácio do livro, a inspiração para o trabalho veio de um livro

publicado na França e que se encontrava à disposição dos alunos na Biblioteca

do INSM. Vale ressaltar que Flausino foi autor das ilustrações e da própria

impressão em técnica de litografia. Não sabemos se o organização também foi

realizada por ele.

Em 1911, seguindo os passos internacionais que em 1880 no

Congresso de Milão proibira o uso da Língua de Sinais na educação de surdos,

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estabelece-se que o INSM passaria a adotar o método oralista puro em todas

as disciplinas. Mesmo assim, muitos professores e funcionários surdos e os ex-

alunos que sempre mantiveram o hábito de frequentar a escola, propiciaram a

formação de um foco de resistência e manutenção da Língua de Sinais.

Somente em 1957, por iniciativa da diretora Ana Rímoli de Faria Doria

e por influência da pedagoga Alpia Couto, finalmente a Língua de Sinais foi

oficialmente proibida em sala de aula. Medidas como o impedimento do contato

de alunos mais velhos com os novatos foram tomadas, mas nunca o êxito foi

pleno e a LIBRAS sobreviveu durante esses anos dentro do atual INES.

De acordo com pesquisa realizada por Clélia Regina Ramos (2002),

em depoimento informal, uma professora que atuou naquela época de

proibições (que durou, aliás, até a década de 1980) contou-nos que os sinais

nunca desapareceram da escola, sendo feitos por debaixo da própria roupa

das crianças ou embaixo das carteiras escolares ou ainda em espaços em que

não havia fiscalização. É evidente, porém, que um tipo de proibição desses

gera prejuízos irrecuperáveis para uma língua e para uma cultura.

Assim, pesquisar as origens da LIBRAS é realmente uma tarefa a ser

realizada, pois surpreende a todos aqueles que trabalham com a comunidade

surda brasileira (tão espalhada por este imenso país) a homogeneidade

linguística da mesma. Apesar dos "sotaques" regionais, podemos observar

apenas algumas variações lexicais que não comprometem em nenhum

momento sua unidade estrutural.

Em 1969, foi feita uma primeira tentativa no sentido de tentar registrar a

Língua de Sinais falada no Brasil. Eugênio Oates, um missionário americano,

publica um pequeno dicionário de sinais, Linguagem das mãos, que segundo

Ferreira Brito (1993), apresenta um índice de aceitação por parte dos surdos de

50% dos sinais listados.

A partir de 1970, quando a filosofia da Comunicação Total e, em

seguida, do Bilinguismo, firmaram raízes na educação dos surdos brasileiros,

atividades e pesquisas relativas à LIBRAS têm aumentado enormemente.

Em 2001 foi lançado em São Paulo o Dicionário Enciclopédico Ilustrado

de LIBRAS, em um projeto coordenado pelo Professor Doutor (Instituto de

Psicologia/USP) Fernando Capovilla e em março de 2002 o Dicionário

LIBRAS/Português em CD-ROM, trabalho realizado pelo INES/MEC e

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coordenado pela Professora Doutora Tanya Mara

Felipe/UFPernambuco/FENEIS.

Nacionalmente, a LIBRAS foi, recentemente, oficializada através da Lei

n.º 4.857 / 2002, enquanto língua dos surdos brasileiros, o que, aliada à

aceitação da LIBRAS pelo MEC, irá tornar a educação dos surdos e a vida dos

surdos cada vez mais fácil.

A LIBRAS é uma Língua Natural

A LIBRAS, como toda Língua de Sinais, é uma língua de

modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou

meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões

faciais que são percebidos pela visão; portanto,

diferencia-se da Língua Portuguesa, que é uma língua de

modalidade oral-auditiva por utilizar, como canal ou meio

de comunicação, sons articulados que são percebidos

pelos ouvidos. Mas, as diferenças não estão somente na

utilização de canais diferentes, estão também nas

estruturas gramaticais de cada língua. (Revista da

FENEIS, número 2, p. 16).

Para que as Línguas de Sinais tenham chegado ao ponto de serem

reconhecidas como línguas naturais, entendendo o conceito natural em

oposição a código e linguagem, avaliaram-se, evidentemente, as semelhanças

existentes entre as mesmas e as línguas orais.

Uma dessas semelhanças, seguindo a linha saussuriana, a existência

de unidades mínimas formadoras de unidades complexas, pode ser observada

em todas as Línguas de Sinais espalhadas pelo mundo, possuidoras dos níveis

fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático.

A existência de registros diversos (por categoria profissional, status

social, idade, nível escolar etc.), além de dialetos regionais, também

referendam as semelhanças com as línguas orais.

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A busca por uma “norma culta” vem sendo observada nos últimos anos

nos encontros e publicações realizados por surdos, pelos instrutores de

LIBRAS e pelos intérpretes de LIBRAS, indicando que a gramaticalização

formal da LIBRAS está em vias de ser agilizada.

Resumidamente, podemos afirmar que os sinais são formados a partir

da combinação do movimento das mãos com um determinado formato em um

determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou um espaço

em frente ao corpo. Estas articulações das mãos, que podem ser comparadas

aos fonemas e às vezes aos morfemas, são chamadas de parâmetros,

portanto, nas Línguas de Sinais podem ser encontrados os seguintes

parâmetros:

➢ configuração das mãos: são formas das mãos, que podem ser da

datilologia (alfabeto manual) ou outras formas feitas pela mão

predominante (mão direita para os destros), ou pelas duas mãos do

emissor ou sinalizador. Os sinais APRENDER, LARANJA e ADORAR

têm a mesma configuração de mão;

➢ ponto de articulação: é o lugar onde incide a mão predominante

configurada, podendo esta tocar alguma parte do corpo ou estar em

um espaço neutro vertical (do meio do corpo até à cabeça) e

horizontal (à frente do emissor). Os sinais TRABALHAR, BRINCAR,

CONSERTAR são feitos no espaço neutro e os sinais ESQUECER,

APRENDER e PENSAR são feitos na testa;

➢ movimento: os sinais podem ter um movimento ou não. Os sinais

citados acima tem movimento, com exceção de PENSAR que, como

os sinais AJOELHAR, EM-PÉ, não tem movimento;

➢ orientação: os sinais podem ter uma direção e a inversão desta pode

significar ideia de oposição, contrário ou concordância número-

pessoal, como os sinais QUERER E QUERER-NÃO; IR e VIR;

➢ expressão facial e/ou corporal: muitos sinais, além dos quatro

parâmetros mencionados acima, em sua configuração tem como traço

diferenciador também a expressão facial e/ou corporal, como os sinais

ALEGRE e TRISTE. Há sinais feitos somente com a bochecha como

LADRÃO, ATO-SEXUAL.

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Na combinação destes quatro parâmetros, ou cinco, tem-se o sinal.

Falar com as mãos é, portanto, combinar estes elementos que formam as

palavras e estas formam as frases em um contexto.” (Revista da FENEIS,

número 2, p. 16).

Hoje, podemos afirmar que não existem barreiras para a educação de

surdos, no Brasil, haja vista, publicação recente (13 de Agosto de 2013), na

página do site PORSINAL (Disponível em:

http://www.porsinal.pt/index.php?ps=destaques&idt=not&iddest=181. Acesso

em: 30 ago. 2013), em que vemos a seguinte manchete: “Aluno com surdez

conclui mestrado na Universidade Federal do Espírito Santo, no Brasil”.

Seguida do texto abaixo:

Além de ser o primeiro aluno surdo a concluir o mestrado na UFES,

Ademar Miller Júnior também foi o primeiro a formar-se no curso de Pedagogia

e o primeiro professor substituto da UFES, com surdez.

Como não poderia deixar de ser, Ademar Miller Júnior comemorou o

feito. “Tenho certeza de que serei um modelo para tantos outros que verão em

mim uma possibilidade de entrar no mestrado. No futuro penso em fazer o

doutorado, aqui ou nos Estados Unidos", disse.

Durante a pesquisa, Júnior teve uma bolsa de estudos da Fundação de

Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) e, em agosto de 2011,

interrompeu o mestrado para participar de um intercâmbio de seis meses na

Universidade Gallaudet, nos Estados Unidos, a única no mundo cujos

programas são desenvolvidos para pessoas surdas.

No seu mestrado, a banca examinadora foi composta pela orientadora

do trabalho e professora Ivone Martins, da coorientadora e sub-chefe do

Departamento de Educação Integrada em Saúde, Lucyenne Machado, da

professora Edna Castro e do professor da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), Rodrigo Marques, que aprovaram a tese “A inclusão do aluno

surdo no Ensino Médio”.

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DESENVOLVIMENTO DA PESSOA SURDA

A relação entre o homem e o mundo acontece mediada pela

linguagem, porque permite ao ser humano planejar suas ações, estruturar seu

pensamento, registrar o que conhece e comunicar-se.

A língua é o principal meio de desenvolvimento do processo cognitivo

do pensamento humano. Por isso a presença de uma língua é considerada

fator indispensável ao desenvolvimento dos processos mentais.

A disposição de um ambiente linguístico é necessária para que a

pessoa possa sintetizar e recriar os mecanismos da língua. É através da

linguagem que a criança percebe o mundo e constrói a sua própria concepção.

Com base na pesquisa realizada, percebemos que os surdos possuem

desenvolvimento cognitivo compatível de aprender como qualquer ouvinte, no

entanto, os surdos que não adquirem uma língua, têm dificuldade de perceber

as relações e o contexto mais amplo das atividades em que estão inseridos,

assim o seu desenvolvimento e aprendizagem ficam fragmentados.

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Segundo Lúria (1986), os processos de desenvolvimento da linguagem

incluem o conjunto de interações entre a criança e o ambiente tornando-se

necessário desenvolver alternativas que possibilitem os alunos com surdez

adquirir linguagem aperfeiçoando esse potencial.

Quando uma criança surda tem acesso a sua língua natural, ou seja, a

língua de sinais, ela se desenvolve integralmente, pois tem inteligência

semelhante a dos ouvintes, diferindo apenas na forma como aprendem que é

visual e não oral-auditiva. No entanto, a maioria das crianças surdas vêm de

famílias ouvintes que não dominam a língua de sinais, e por isso, é essencial a

imersão escolar na primeira língua das crianças surdas, já que essa aquisição

da linguagem permitem o desenvolvimento das funções cognitivas.

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A LIBRAS no contexto do Ensino Fundamental

A escola é muito importante na formação dos sujeitos em todos os

seus aspectos. É um lugar de aprendizagem, de diferenças e de trocas de

conhecimento, precisando, portanto atender a todos sem distinção, a, fim de

não promover fracassos, discriminações e exclusões.

Diferente dos ouvintes, grande parte das crianças surdas entram na

escola sem o conhecimento da língua, sendo que a maioria delas vem de

famílias ouvintes que não sabem a língua de sinais, portanto, a necessidade

que a LIBRAS seja, no contexto escolar, não só língua de instrução, mas,

disciplina a ser ensinada, por isso, é imprescindível que o ensino de LIBRAS

seja incluído nas séries iniciais do ensino fundamental para que o surdo possa

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adquirir uma língua e posteriormente receber informações escolares em língua

de sinais.

O papel da língua de sinais na escola vai além da sua importância para

o desenvolvimento do surdo, por isso, não basta somente a escola colocar

duas línguas nas classes, é preciso que haja a adequação curricular

necessária, apoio para os profissionais especializados para favorecer surdos e

ouvintes, a fim de tornar o ensino apropriado a particularidade de cada aluno.

Sobre isso Skliar menciona:

Segundo SKLIAR (2005, p. 27): “Usufruir da língua de sinais é um

direito do surdo e não uma concessão de alguns professores e escolas”.

A escola deve apresentar alternativas voltadas ás necessidades

linguísticas dos surdos, promovendo estratégias que permitam a incursão e o

desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua.

As diferentes formas de proporcionar uma educação à criança de uma

escola, dependem das decisões político-pedagógicas adotadas pela escola. Ao

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optar por essa educação, o estabelecimento de ensino assume uma política em

que duas línguas passarão a ser exercitadas no espaço escolar.

PREPARAÇÃO DOS PROFISSIONAIS

Deve-se pensar em uma preparação para os profissionais para incluir

crianças com necessidades especiais no ensino fundamental, pois nesse

processo, o educador irá estar diretamente interligado com esses alunos

favorecendo o desenvolvimento das habilidades para a prática pedagógica,

com o auxílio de um programa assistencial infantil, que atende essas crianças,

que obrigatoriamente deve estar presente na escola.

Quando ocorre o preconceito da sociedade quanto ao deficiente

auditivo, é preciso que haja educadores qualificados e ambiente adequado

para o atendimento aos alunos amenizando essa problemática, dando

importância à perspectiva de atender as exigências da sociedade que só

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alcançará seu objetivo quando todas as pessoas tiverem acesso à informação

e conhecimento necessário para a formação de sua cidadania.

Em meio a discussões sobre os questionários aplicados aos

profissionais, participantes dessa pesquisa, releva-se que para o desempenho

das atividades pedagógicas em relação às crianças com deficiência auditiva,

devem receber assessoramento da equipe pedagógica e de intérpretes que

atendem as necessidades dos alunos surdos inclusos no ensino regular.

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33 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

A inclusão do deficiente auditivo deve ser integral, acima de tudo, digna

de respeito e direito a educação com qualidade atendendo aos interesses

individuais e nos grupos sociais.

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34 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

A educação especial passa por uma transformação em termos da sua

concepção e diretrizes legais. É preciso estabelecer um plano de ação político-

pedagógico que envolva a inclusão das pessoas portadoras de necessidades

especiais. Faz-se necessário lembrar que a Educação Especial delineia um

processo de construção e compreensão de posicionamentos quanto às

orientações e diretrizes atuais.

Com o processo de inclusão dos portadores de necessidades

educativas especiais no ensino fundamental, devemos levar em consideração

que as mudanças são frequentes, principalmente quando consideramos que

toda a nossa tradição histórica tem sido preconceituosa e discriminativa.

Quanto a isso, os profissionais sabem que existe uma grande preocupação no

rendimento escolar, por isso, o educador deve estar preparado para lidar com

situações constrangedoras, pois terá contato com diferentes tipos de alunos.

Há ainda, uma grande preocupação quanto a participação dos pais na

escola, pois são poucos os que são presente na educação escolar. Os

mesmos, muitas vezes desconhecem a LIBRAS, pois utilizam gestos que são

reproduzidos naturalmente.

No processo de inclusão no âmbito escolar, deverá ser feito um

trabalho de conscientização que é um trabalho essencial para a construção de

uma sociedade justa e igualitária, na qual as diferenças sejam consideradas e

respeitadas.

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AS DIFERENÇAS HUMANAS

Os ouvintes são acometidos pela crença de que ser ouvinte é melhor

do que ser surdo, pois, na ótica do ouvinte, ser surdo é o resultado da perda de

uma habilidade disponível para a maioria dos seres humanos. No entanto, essa

parece ser uma questão de mero ponto de vista. “Um órgão a mais ou a menos

em nossa máquina teria feito de nós outra inteligência” (FAULSTICH, 2004

p.36).

Se não há limite entre a grandeza e a pequenez podemos concluir que

ser surdo não é melhor nem pior de ser ouvinte, mas diferente. Esta é uma

questão que merece ser amplamente discutida, pois, estão limitadas as

considerações das pessoas com necessidades especiais.

Segundo Skliar (2005) explica que falar em Cultura Surda como um

grupo de pessoas localizados no tempo e no espaço é fácil, mas refletir sobre o

fato de que nessa comunidade surgem processos culturais específicos é uma

visão rejeitada por muitos, sobre o argumento da concepção da cultura

universal.

Quanto à Língua de sinais, cabe ressaltar a forma como os indivíduos

são nela nomeados, atribuindo-se aos sujeitos características físicas,

psicológicas, associadas ou não a comportamentos particulares, os mais

variados, os quais personificam os indivíduos. É uma língua adquirida

efetivamente no contato com seus falantes. Esse contato acontece com a

participação da família, onde a cultura esta em plena transformação e ao

mesmo tempo diversifica seus hábitos e costumes que refletem nessa cultura.

Nesse sentido, é fundamental o contato da criança surda com os

adultos surdos e outras crianças com as mesmas necessidades para que haja

a interação linguística favorável que possibilite um ambiente de interação,

quando se trata de língua de sinais.

O processo de alfabetização de surdos tem duas enquetes a serem

ressaltadas: o relato de estórias por parte da comunidade e a produção de

literatura infantil em sinais (não sistemas de comunicação artificial, portuguesa,

sinalizado, ou qualquer outra coisa que não seja a Língua de Sinais Brasileira

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(LSB)). Recuperar a produção literária da comunidade surda é necessário para

tornar produtivo o processo de alfabetização.

Segundo Quadros, o papel do surdo adulto na educação se torna

fundamental para o desenvolvimento da pessoa surda. É preciso produzir

estórias utilizando-se configurações de mãos específicas, produzirem estórias

em primeira pessoa sobre pessoas surdas, sobre pessoas ouvintes, produzir

vídeo de produções literárias de adultos surdos.

A educação é direito de todos e dever do Estado e da

família, será promovida e incentivada com a colaboração

da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. (Constituição da República

Federativa do Brasil, III, Art. 205).

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ALFABETIZAÇÃO E O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS

Ronice Müller de Quadros5

O presente trabalho6 desenvolve duas questões: a alfabetização e o

ensino da língua de sinais no processo educacional da criança surda. A

alfabetização em sinais e na escrita de sinais são formas de garantir a

aquisição da leitura e escrita da criança surda e o ensino da língua de sinais de

forma consciente é um modo de prover o refinamento de tais processos. Além

de apresentar uma análise de cada questão, este trabalho lista alguns aspectos

linguísticos e atividades que devem ser considerados nesse contexto

educacional.

INTRODUÇÃO

5 Professora e investigadora da Universidade Luterana do Brasil. 6 Disponível em: http://www.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=23&idart=47. Acesso em:

30 set. 2013.

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Os objetivos deste artigo envolvem duas questões básicas: a

alfabetização e o ensino da língua de sinais no processo educacional de alunos

surdos. Para isto, estou considerando aqui os estudos relacionados à

comunidade surda e à língua de sinais brasileira. Ao longo das discussões são

propostas algumas abordagens dos aspectos em questão no processo

educacional, bem como sugestões de atividades.

Gostaria de esclarecer que parto de pressupostos básicos que não

serão discutidos no presente artigo, uma vez que dispomos de razoável

literatura que aborda tais aspectos (por exemplo, Ferreira-Brito, 1992; Quadros,

1997a; 1997b; Skliar, 1997a, 1997b, 1997c; Souza, 1998)2. Listo a seguir tais

pressupostos 3:

➢ Bilinguismo - quando me refiro à “bilinguismo” não estou estabelecendo

uma dicotomia, mas sim reconhecendo as línguas envolvidas no

cotidiano dos Surdos, ou seja, a língua de sinais brasileira (LSB) e o

português no contexto mais comum do Brasil;

➢ Multiculturalismo – está relacionado ao reconhecimento das culturas,

bem como, de semelhanças e diferenças comuns existentes entre a

forma de ser, agir e pensar das pessoas surdas e das pessoas ouvintes

da comunidade brasileira;

➢ Identidade/cultura surda – envolve o incentivo da formação e

preservação da identidade surda através do reconhecimento e

valorização da comunidade surda e produção cultural específica;

➢ LSB – língua de sinais brasileira, língua que é o meio e o fim da

interação social, cultural e científica da comunidade surda brasileira 4.

ALFABETIZAÇÃO NA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA

Quando pensamos em alfabetização, a ideia mais popular está

relacionada a decifração do código escrito. Talvez o próprio nome dado a esse

processo seja uma das causas de tal ideia, “alfabetização”, ligada à “alfabeto”.

No entanto, o objetivo do presente artigo ao abordar o tema alfabetização

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envolve um conceito muito mais amplo desse termo, um processo que resulta

da interação com a língua e com o meio.

Quando usamos o artigo definido “a língua” e “o meio”, estamos nos

referindo à língua e ao meio que a criança surda interage, ou seja, a LSB e

pessoas que usam essa língua. Eu não vou discutir aqui as formas distorcidas

de comunicação em que as crianças surdas estão expostas; tais como,

português sinalizado, gestos e quaisquer outros tipos de comunicação que não

envolvam uma verdadeira língua. A razão de minha decisão reflete minha

postura diante da LSB, “a” língua em que a comunidade surda expressa suas

ideias, pensamentos, poesias e arte. “A” língua que é usada como meio e fim

de interação social, cultural e científica. Os falantes nativos dessa língua

conversam, planejam, sonham, brigam, contam estórias explorando meios

riquíssimos e complexos que são próprios de uma língua de sinais, no caso do

Brasil, da LSB.

Alfabetização de crianças surdas enquanto processo; portanto, só faz

sentido se acontece na LSB, a língua que deve ser usada na escola para

aquisição da língua, para aprender através dessa língua e para aprender sobre

a língua. A primeira questão que surge é a seguinte: Qual é o nível de

proficiência na própria língua das crianças surdas em fase escolar?

Então discutamos sobre o desenvolvimento da LSB nas crianças pré-

escolares. Não existe ainda produção científica suficiente sobre o processo de

aquisição da LSB, bem como não dispomos de instrumentos que avaliem o

estágio em que a criança se encontra na sua produção em sinais. Alguns

registros têm sido feitos quanto ao desenvolvimento da língua de sinais

americana que serão sintetizados a seguir 5.

ESTÁGIOS DE AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS

Por volta dos 2 anos de idade, as crianças estão produzindo sinais

usando um número restrito de configurações de mão (sugere-se que tal

número corresponda a sete configurações de mão), bem como simples

combinações de sinais expressando fatos relacionados com o interesse

imediato, com o “aqui” e o “agora”. As crianças nesta fase começam a marcar

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sentenças interrogativas com expressões faciais concomitantes com o uso de

itens lexicais para expressar sentenças interrogativas (QUEM, O QUE e

ONDE). Nesse período, também é verificado o início do uso da negação não

manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de

marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção do

adulto. Também se observa que as crianças começam a introduzir

classificadores nos seus vocabulários 6.

Por volta dos 3 anos de idade, as crianças tentam usar configurações

mais complexas para a produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas

acabam sendo expressas através de configurações de mãos mais simples

(processos de substituição). Os movimentos característicos dos sinais

continuam sendo simplificados, embora já se observe o uso da direção dos

movimentos com êxito em alguns contextos. Classificadores são usados para

expressar formas de objetos, bem como o movimento e trajetórias percorridos

por tais objetos. Aspecto começa a ser incorporado aos sinais para expressar

diferenças entre ações (por exemplo, CORRER devagar, CORRER rápido). A

criança começa a estender as marcas de negação sobre sentenças assim

como os adultos fazem, inclusive omitindo o item lexical de negação. As

crianças, também, já utilizam estruturas interrogativas de razão (POR QUE).

Nesse período, as crianças começam a contar estórias que não

necessariamente estejam relacionadas aos fatos do contexto imediato. Elas

falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o bichinho de estimação, sobre o

brinquedo que ganhou, etc. No entanto, as vezes não fica claro o

estabelecimento dos referentes no espaço, o que dificulta o entendimento das

estórias.

Por volta dos 4 anos de idade, as crianças já apresentam condições de

produzir configurações de mãos bem mais complexas, bem como o uso do

espaço para expressar relações entre os argumentos, ou seja, as crianças

exploram os movimentos incorporados aos sinais de forma estruturada. A partir

desse período, elas começam a combinar unidades de significado menores

para formar novas palavras de forma consistente. Nesse período, começam a

ser observadas a produção de sentenças mais complexas incluindo

topicalizações. As expressões faciais são usadas de acordo com a estrutura

produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das

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topicalizações e negações são produzidas corretamente. As crianças ainda não

conseguem conservar os pontos estabelecidos no espaço quando contam suas

estórias, apesar de já serem observadas algumas tentativas com sucesso. Aos

poucos, torna-se mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com

os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhado através da posição

do corpo explorados para o relato de estórias.

Na verdade, em análises da produção das crianças adquirindo ASL e

LSB observei que a direção dos olhos é usada consistentemente por volta dos

2 anos de idade. O uso da concordância verbal através do olhar é uma das

informações que garante a compreensão do discurso da criança durante este

período tão precoce 7.

INSTRUMENTOS DO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Considerando essa evolução, o processo de alfabetização se inicia

naturalmente. Duas chaves preciosas desse processo são o relato de estórias

e a produção de literatura infantil em sinais 8. O relato de estórias inclui a

produção espontânea das crianças e do professor, bem como a produção de

estórias existentes; portanto, de literatura infantil.

A comunidade surda tem como característica a produção de estórias

espontâneas, de contos e de piadas que passam de geração em geração

relatadas por contadores de estórias em encontros informais, normalmente em

associações de surdos. Infelizmente, nunca houve preocupação de registrar

tais produções. Pensando na alfabetização, tal material é fundamental para

esse processo se estabelecer. A produção de contadores de estórias, de

estórias espontâneas e de contos que passam de geração em geração são

exemplos de literatura em sinais que precisam fazer parte do processo de

alfabetização de crianças surdas. A produção em sinais artística não obteve a

atenção merecida nas escolas de surdos, uma vez que a própria língua de

sinais não é a língua usada nas salas de aulas pelos professores. Desta forma,

estamos reproduzindo iletrados em sinais. A LSB é “a” língua e merece receber

o tratamento de ser “a” língua. Sendo assim, recuperar a produção literária da

comunidade surda é urgente para tornar eficaz o processo de alfabetização.

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Literatura em sinais é essencial para tal processo. Os bancos escolares devem

se preocupar com tal produção, bem como incentivar seu desenvolvimento e

registro. O que os alunos produzem hoje espontaneamente, pode se

transformar em fonte de inspiração literária dos alunos de amanhã.

A LSB é uma língua espacial-visual e existem muitas formas criativas

de explorá-la. Configurações de mão, movimentos, expressões faciais

gramaticais, localizações, movimentos do corpo, espaço de sinalização,

classificadores são alguns dos recursos discursivos que tal língua oferece para

serem explorados durante o desenvolvimento da criança surda e que devem

ser explorados para um processo de alfabetização com êxito.

Algumas investigações realizadas em escolas bilíngues americanas

têm evidenciado a importância de explorar tais aspectos observando o nível de

desenvolvimento da criança. Os relatos de estórias e a produção literária, bem

como a interação espontânea da criança com outras crianças e adultos através

da LSB devem incluir os aspectos que fazem parte desse sistema linguístico.

A seguir eu listo alguns dos aspectos que precisam ser explorados no

processo educacional:

➢ estabelecimento do olhar

➢ exploração das configurações de mãos

➢ exploração dos movimentos dos sinais (movimentos internos e externos,

ou seja, movimentos do próprio sinal e movimentos de relações

gramaticais no espaço)

➢ utilização de sinais com uma mão, duas mãos com movimentos

simétricos, duas mãos com movimentos não simétricos, duas mãos com

diferentes configurações de mãos

➢ uso de expressões não manuais gramaticalizadas (interrogativas,

topicalização, foco e negação)

➢ exploração das diferentes funções do apontar

➢ utilização de classificadores com configurações de mãos apropriadas

(incluem todas as relações descritivas e preposicionais estabelecidas

através de classificadores, bem como, as formas de objetos, pessoas e

ações e relações entre eles, tais como, ao lado de, em cima de, contra,

em baixo de, em, dentro de, fora de, atras de, em frente de, etc.)

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➢ exploração das mudanças de perspectivas na produção de sinais

➢ exploração do alfabeto manual

➢ estabelecimento de relações temporais através de marcação de tempo e

de advérbios temporais (futuro, passado, presente, ontem, semana

passada, mês passado, ano passado, antes, hoje, agora, depois,

amanhã, na semana que vem, no próximo mês, etc.)

➢ exploração da orientação da mão

➢ especificação do tipo de ação, duração, intensidade e repetição

(adjetivação, aspecto e marcação de plural)

➢ jogos de perguntas e respostas observando o uso dos itens lexicais e

expressões não manuais correspondentes

➢ utilização de “feedback” (sinais manuais e não-manuais específicos de

confirmação e negação, tais como, o sinal CERTO-CERTO, o sinal

NÃO, os movimentos de cabeça afirmando ou negando)

➢ exploração de relações gramaticais mais complexas (relações de

comparação, tais como, isto e aquilo, isto ou aquilo, este melhor do que

aquele, aquele melhor do que este, este igual àquele, este com aquele;

relações de condição, tais como, se isto então aquilo; relações de

simultaneidade, por exemplo, enquanto isto acontece, aquilo está

acontecendo; relações de subordinação, como por exemplo, aquele que

tem isso, está fazendo aquilo)

➢ estabelecimento de referentes presentes e não presentes no discurso,

bem como o uso de pronominais para retomada de tais referentes de

forma consistente

➢ exploração da produção artística em sinais usando todos os recursos

sintáticos, morfológicos, fonológicos e semânticos próprios da LSB.

A proposta é de tornar rica e lúdica a exploração de tais aspectos da

LSB que possibilitam tal língua ser um sistema linguístico complexo. As

crianças precisam dominar tais aspectos para explorar toda a capacidade

criativa que pode ser expressa através de uma possibilitando o

amadurecimento das suas capacidades lógica e cognitiva. Através da língua,

as crianças discutem e pensam sobre o mundo. Elas estabelecem relações e

organizam o pensamento. As estórias e a literatura são meios de explorar tais

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aspectos e tornar acessível à criança todos os recursos possíveis de serem

explorados.

As relações cognitivas que são fundamentais para o desenvolvimento

escolar estão diretamente relacionadas à capacidade da criança em organizar

suas ideias e pensamentos através de uma língua na interação com os demais

colegas e adultos. O processo de alfabetização vai sendo delineado com base

na descoberta da própria língua e nas relações estabelecidas através da

língua.

A riqueza de informação se torna fundamental. A interação

comunicativa passa a apresentar qualidade e quantidade viabilizando um

processo educacional rico e complexo. A alfabetização passa, então, a ter valor

real para a criança.

Algumas formas de produção artísticas em LSB que podem ser

incentivadas para a utilização de todos os recursos linguísticos são:

➢ produção de estórias utilizando configurações de mãos

específicas, por exemplo, as configurações de mãos mais comuns

utilizadas na língua; as configurações de mãos do alfabeto; as

configurações de mãos dos números

➢ produção de estórias na primeira pessoa

➢ produção de estórias sobre pessoas surdas

➢ produção de estórias sobre pessoas ouvintes

O processo de alfabetização continua através do registro das

produções das crianças. Surge, então, outra questão: quais são as formas de

registro? As formas de registros iniciais são essencialmente visuais e precisam

refletir a complexidade da LSB. Explorar a produção de vídeos de produções

literárias de adultos, bem como das próprias produções das crianças, é uma

das formas mais eficientes de garantir um registro da produção em sinais com

qualidade. A filmagem de adultos produzindo estórias, bem como dos próprios

alunos são instrumentos valiosos no processo de reflexão sobre a língua, além

é claro de serem instrumentos que as crianças curtem com prazer. No entanto,

uma forma escrita da língua de sinais torna-se emergente para a continuidade

do processo de alfabetização. O sistema escrito de sinais expressa as

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configurações de mãos, os movimentos, as direções, a orientação das mãos,

as expressões faciais associadas aos sinais, bem como relações gramaticais

que são impossíveis de serem captadas através de sistemas de escrita

alfabéticos. Aquele sistema tende a sistematizar a língua de sinais, assim como

qualquer outro sistema de escrita, o que faz parte do processo.

O sistema escrito de sinais é uma porta que se abre no processo de

alfabetização de crianças surdas que dominam a língua de sinais utilizada no

país. Esse sistema envolve a composição das unidades mínimas de significado

da língua compondo estruturas em forma de texto. A seguir apresento um

exemplo em que está registrado uma relação de significação estabelecida

utilizando vários recursos da língua de sinais brasileira 9:

___________eg _________________eg ______hn

IX JOHNa IX MARYbaAUXb GOSTAR

O John gosta da Mary

Nesta sentença, têm-se a marcação não manual, o estabelecimento do

referente JOHN à esquerda do sinalizador, o estabelecimento do referente

MARY à direita do sinalizador, o uso de um auxiliar que estabelece a relação

gramatical entre JOHN, o sujeito dessa frase, com MARY, o objeto, enfatizado

através da direção do corpo e o olhar e o verbo GOSTAR. Obviamente que

este exemplo não é simples, minha intenção foi apresentar um exemplo para

demonstrar a possibilidade de registrar aspectos complexos da língua através

do sistema de escrita de sinais 10.

A criança surda que está passando por um processo de alfabetização

imersa nas relações cognitivas estabelecidas através da língua de sinais para

organização do pensamento, naturalmente passa a registrar as relações de

significação que estabelece com o mundo. Diante da experiência com o

sistema de escrita que se relaciona com a língua em uso, a criança passa a

criar hipóteses e a se alfabetizar. “Experiência” com o sistema de escrita

significa ler essa escrita. Leitura é uma das chaves do processo de

alfabetização. Ler sinais é fundamental para que o processo se constitua.

Obviamente que esse processo de leitura deve fazer parte de objetivos

pedagógicos claros no desenvolvimento das atividades. Eu menciono alguns

dos objetivos a serem trabalhados pelo professor (em sinais):

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➢ desenvolver o uso de estratégias específicas para resolução de

problemas

➢ exercitar o uso de jogos de inferência

➢ trabalhar com associações

➢ desenvolver as habilidades de discriminação visual

➢ explorar a comunicação espontânea

➢ ampliar constantemente o vocabulário

➢ oferecer constantemente literatura impressa na escrita em sinais

➢ proporcionar atividades para envolver a criança no processo de

alfabetização como autora do próprio processo.

Particularmente, considero que a literatura impressa em sinais seja um

dos pontos críticos do processo de alfabetização, uma vez que a literatura está

impressa em português e não dispomos de literatura escrita em sinais. Mesmo

as crianças que têm acesso à LSB precocemente apresentam alguns

problemas no processo de alfabetização com as letras e palavras do

português. A escrita alfabética não capta as relações de significação da língua

de sinais, tornando bastante complicado o registro dos pensamentos e

significados da criança de forma completa. A criança estabelece relações com

as letras e palavras do português e, a partir daí, há uma interrupção do

processo, pois tal sistema escrito não consegue expressar a língua que a

criança organiza o pensamento, a língua de sinais 11.

Gostaria de explorar um pouco mais a questão da interação

comunicativa antes de entrar mais precisamente na relação que a criança

estabelece entre o mundo que ela significa e as formas de registro. As

oportunidades que as crianças têm de expressar suas ideias, pensamentos e

hipóteses sobre suas experiências com o mundo são fundamentais para o

processo de aquisição da leitura e escrita. Pensando no contexto das crianças

surdas, os professores deveriam ser excelentes na língua de sinais, além, é

claro, de terem habilidade de explorar a capacidade das crianças em relatar

suas experiências. Esse é um dos métodos mais efetivos para o

desenvolvimento da consciência sobre a língua. Por exemplo, as crianças não

precisam dizer que uma sentença com uma oração subordinada é uma

sentença complexa de tal ou tal tipo, mas elas precisam ter milhares de

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oportunidades de usar tais sentenças, pois esse uso servirá de base para o

reconhecimento da sua leitura e produção escrita com significado. São as

oportunidades intensas de expressão que sustentam o conhecimento

gramatical da língua que dará suporte para o processo da escrita, em especial,

da alfabetização na segunda língua, o português, considerando o contexto

escolar da criança surda.

Quando a criança já registra suas ideias, estórias e reflexões através

de textos escritos, suas produções servem de base para reflexão sobre as

descobertas do mundo e da própria língua. O professor precisa explorar ao

máximo tais descobertas como instrumento de interações sociais e culturais

entre colegas, turmas e outras pessoas envolvidas com a criança. Tais

produções precisam apresentar significado sociocultural das relações que as

crianças estabelecem.

Manter uma videoteca é essencial, pois é um recurso de reflexão sobre

a língua viva que pode ser usado constantemente no processo de alfabetização

como instrumento lúdico e didático.

O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS

Eu gostaria de explorar mais, a partir deste ponto, o processo mais

consciente da aquisição da leitura e escrita, isto é, a etapa mais

“metalinguística” desse processo. Falar sobre a língua através da própria língua

passa a ter uma representação social e cultural para a criança fundamental no

processo educacional 12. Portanto, vamos conversar sobre “aprender sobre a

LSB” usando e registrando as descobertas através desta língua.

Aprender sobre a língua é uma consequência natural do processo de

alfabetização. Os alunos passam a refletir sobre a língua, uma vez que textos

podem expressar melhor ou pior a mesma informação. Ler e escrever são

processos complexos que envolvem uma série de tipos de competências e

experiências de vida que as crianças trazem. As competências gramatical e

comunicativa das crianças são elementos fundamentais para o

desenvolvimento de tais processos. Ler e escrever são atividades que

decorrem de experiências interativas reais que as crianças experienciam.

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48 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

Proporcionar diferentes e criativas formas de interações sustentarão o

processo de aquisição do código escrito em forma de texto. Quando o leitor é

capaz de “reconhecer” os níveis de interações comunicativas reais, ele passa a

ter habilidades de transpor este conhecimento para a escrita. O objetivo é falar

sobre tais interações de forma consciente e esse exercício precisa acontecer

em sinais. As crianças precisam internalizar os processos de interação entre

quem escreve e lê para atribuir o verdadeiro significado à escrita.

Falar sobre os processos de interações comunicativas e sobre a língua

de sinais são formas de desenvolver a conscientização do valor da língua e sua

complexidade. Esse exercício apresenta valor inquestionável para a

sustentação do processo de aquisição da escrita em sinais, bem como para o

desenvolvimento da leitura e escrita do português como segunda língua.

Os textos produzidos pelos alunos em sinais e literatura geral em sinais

são fontes essenciais para o desenvolvimento desse processo. Essas

produções podem ser arquivadas através de uma videoteca, pois tal recurso é

fundamental para avaliação das produções de outras pessoas, bem como das

próprias produções. Esse processo de avaliação deve ser interacional,

constante e criativo.

Como os alunos expressam o reconhecimento do valor da própria

língua no processo de aprendizagem? A base da expressão dos alunos se

constitui na medida em que eles passam a ser autores do processo. Algumas

sugestões são apresentadas a seguir:

➢ apreciar a LSB enquanto língua espacial-visual através de

produções artísticas

➢ explorar o reconhecimento das funções da LSB

➢ ampliar o vocabulário

➢ participar da comunidade surda enquanto membro crítico e

criativo

➢ ajustar a produção de acordo com a audiência com o fim de

comunicar efetivamente através da língua

➢ desenvolver a habilidade de reconhecer as variações e dialetos

da própria língua, bem como a habilidade de reconhecer padrões

sociais e culturais associados a tais variações

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➢ utilizar os estudos sobre a estrutura da língua, convenções socio-

linguísticas, linguagem figurativa e técnicas de produção para

criar, discutir e criticar nas formas escrita e oral (em sinais)

➢ reconhecer as relações gramaticais complexas no texto escrito e

falar sobre elas

Quero salientar que todas as atividades propostas passam por um

processo mais consciente. Na verdade, tais atividades já foram exploradas

anteriormente no processo inicial de alfabetização de forma espontânea e

voltam a ser exploradas de forma mais reflexiva. O ensino da língua de sinais é

um processo de reflexão sobre a própria a língua que sustenta a passagem do

processo de leitura e escrita elementar para um processo mais consciente.

Quando a criança lida de forma mais consciente com a escrita, ela passa a ter

poder sobre ela desenvolvendo; portanto, competência crítica sobre o

processo. A criança passa a construir e reconhecer o seu próprio processo,

bem como, refletir sobre o processo do outro.

REFLEXÃO FINAL

Gostaria de listar alguns problemas emergentes na educação de

surdos que contribuem para um processo de des-educação/des-alfabetização

dos alunos surdos:

➢ inexistência de profissionais surdos atuando nas escolas

➢ professores que desconhecem a LSB ou usam sistemas

distorcidos de comunicação atuando no processo educacional

➢ desconhecimento da escrita da língua de sinais

➢ inexistência de literatura em sinais registrada em vídeo e escrita

em sinais

➢ falta de planejamento, avaliação e reflexão constante do processo

educacional com a participação efetiva de profissionais surdos

➢ necessidade de elaboração de um currículo educacional com

base na LSB e em concepções sociais e culturais da comunidade

surda brasileira

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➢ necessidade de elaboração de um currículo para o ensino de LSB

É tempo de reconhecer a língua de sinais, a escrita da língua de sinais,

a riqueza cultural que a comunidade surda traz com suas experiências sociais,

culturais e científicas. Se não somos competentes na língua usada pela

comunidade surda e desconhecemos a riqueza cultural que pode ser produzida

de forma Surda, precisamos buscar esse conhecimento ou optar por outra

carreira profissional. A educação de surdos não pode mais continuar refém da

falta de conhecimento dos profissionais que estão envolvidos na educação de

surdos. Temos muito a fazer no processo de alfabetização e no ensino da

língua de sinais para garantir a aquisição da leitura e escrita das crianças

surdas.

Notas deste texto:

2 Também não é objetivo aqui denunciar o fracasso do sistema educacional

para surdos e suas razões e origens, tais citações também podem servir de

referência para a reflexão sobre tais tópicos.

3 Tais pressupostos não estão listados em uma ordem linear, mas interagem

entre si.

4 Também utiliza-se a sigla LIBRAS (língua brasileira de sinais) para referir-se

a tal língua. Optou-se aqui por LSB, uma vez que há uma convenção

internacional de que as línguas de sinais sejam identificadas através de três

letras. Além disso, a colocação do adjetivo 'brasileira' antes do

substantivo 'sinais' é agramatical na LSB, apesar de não sê-lo no português.

5 Configurações de mãos formam um conjunto de unidades fonológicas

mínimas das línguas de sinais (poder-se-ia estabelecer uma relação com as

unidades sonoras das línguas faladas). As expressões faciais são marcas não-

manuais que podem apresentar funções gramaticais tornando-se obrigatórias.

Nesses casos, menciono como exemplos, as expressões faciais associadas às

interrogativas, às construções com foco, às construções relativas e

condicionais (para mais detalhes, ver Quadros, 1999). Sobre a aquisição da

LSB verKarnopp (1994, 1997) e Quadros (1995, 1997a, 1997b). O fato de

estarmos apresentando os estágios de desenvolvimento da ASL não exclui a

necessidade de verificarmos tal processo na LSB, uma vez que tratam-se de

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línguas diferentes. O objetivo aqui é usar tais estudos como ponto de partida

para reflexão sobre os aspectos abordados no presente artigo.

6 “Classificadores” são sinais que utilizam um conjunto específico de

configurações de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais

classificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais objetos.

É um recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais. Para

a descrição de alguns classificadores na LSB ver Ferreira-Brito (1995).

7 Lillo-Martin, Mathur e Quadros (em elaboração) verificaram que crianças

surdas adquirindo língua de sinais manifestam o uso de concordância verbal

muito mais cedo do que havia sido reportado até o presente.

8 Parto do pressuposto que as crianças estejam tendo acesso a língua de

sinais brasileira e, em hipótese nenhuma a qualquer coisa que “tente” substituir

a relação de comunicação sem estrutura linguística (neste sentido me refiro a

sistemas de comunicação artificiais, português sinalizado, ou qualquer outra

coisa que não seja a LSB).

9 Essa sentença faz parte dos dados analisados por Quadros (1999).

10 Mais informações sobre tal sistema de escrita podem ser obtidas através do

site do SignWriting www.signwriting.com , bem como em Quadros (1997b).

11 Eu não estou advogando que a criança não deva ser exposta à escrita

alfabética. Na verdade, considero importantíssimo a criança surda interagir com

a escrita alfabética para o seu processo de alfabetização em português

acontecer de forma eficiente. No entanto, para que tal processo ocorra, será

fundamental que a criança seja alfabetizada na sua própria língua, ponto que

estou enfatizando no presente artigo.

12 Eu não vou abordar no presente artigo a aquisição do português, mas

gostaria de registrar que o desenvolvimento mais metalinguístico do processo

de alfabetização em sinais servirá de base sólida para o processo de

alfabetização na segunda língua, neste caso, o português.

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SOUZA, R. Que palavra que te falta? Linguística e Educação: considerações

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Sugestões de Dicionários eletrônicos e Links para pesquisa:

Aula de LIBRAS:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=18731

Aprenda LIBRAS, grátis:

http://www.dinet.tv/aprenda-os-sinais-de-libras.html

LIBRAS, informações didáticas e diversas atividades:

http://professora-diva-

libras.blogspot.com.br/search/label/Sinais%20de%20alimentos

Língua Brasileira de Sinais. AJA - Associação do Jovem Aprendiz.

http://www.libras.org.br

Legislação referente a Língua Brasileira de Sinais.

http://www.libras.org.br/leilibras.htm

Dicionário LIBRAS.

http://www.dicionariolibras.com.br/website/index.asp

Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira.

http://integracao.fgvsp.br/ano4/8/noticias.htm

Recursos Complementares

Os links abaixo se referem ao conceito de Deficiência Auditiva (DA):

http://www.vezdavoz.com.br/2vrs/telelibrinhas.php

http://coisasquegosto.com/2008/03/09/lingua-brasileira-de-sinais-libras-online/

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54 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

http://www.infoescola.com/portugues/lingua-brasileira-de-sinais-libras/

http://www.brasilmedia.com/tipos-de-deficiencia-auditiva.html

A PRÁTICA PEDAGÓGICA MEDIADA (TAMBÉM) PELA LÍNGUA DE

SINAIS: TRABALHANDO COM SUJEITOS SURDOS*

Cristina B.Feitosa de Lacerda**

Este trabalho7 pretende aprofundar aspectos da educação dos surdos,

assumindo a língua de sinais como fundamental no processo educacional. Para

tal, será focalizada uma classe de segunda série do ensino fundamental na

qual foi inserido um aluno surdo, usuário da Língua Brasileira de Sinais

(Libras), acompanhado de uma intérprete. O foco das análises recairá sobre o

papel da língua de sinais nas interações em sala de aula visando a contribuir

para a discussão da educação dos sujeitos surdos.

Cada vez mais pesquisadores e professores têm procurado refletir

sobre as práticas desenvolvidas nos diversos espaços educacionais, buscando

ver, por meio da pluralidade de interesses dos vários sujeitos e de suas

diferentes formas de interagir, modos de construção de conhecimentos e

constituição da intersubjetividade, para melhor compreender a riqueza do

funcionamento humano e as dinâmicas que ocorrem nesse contexto.

Nesse sentido, focalizar o olhar sobre a prática educacional que

envolve os sujeitos surdos pode revelar-se muito interessante, já que abre uma

perspectiva de discussão perante certas peculiaridades do funcionamento dos

sujeitos e de dinâmicas em sala de aula que podem trazer contribuições

importantes para a reflexão dos múltiplos papéis da instituição escolar.

7 * Pesquisa financiada pela Fapesp, com auxilio das bolsistas de iniciação científica NeizaPacola e

Fabiana M. Soares, financiadas pelo PIBIC-Unimep. Publicada em: Cadernos CEDES. Versão impressa

ISSN 0101-3262

Cad. CEDES v.20 n.50 Campinas abr. 2000. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622000000100006

** Doutora em Psicologia da Educação, Unicamp. Docente do curso de fonoaudiologia da Unimep.

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Em estudos recentes que focalizam aspectos metodológicos,

especialmente em áreas como as das ciências humanas, é crescente o

reconhecimento de que a linha teórica eleita pelo pesquisador tende a ser

determinante da metodologia por ele adotada (Castro 1996). "Ao recuperar a

história do dado, por meio da descrição de suas condições de produção,

podem (os estudos feitos nessa linha) permitir identificar a constituição histórica

do sentido" (Perroni 1996, p.22).

O objeto de estudo é a língua em atividade e a relação dos sujeitos

com ela; reconhecendo o desenvolvimento como um processo dinâmico, em

constante fluxo, busca-se dar conta da continuidade dos fatos, uma vez que a

realidade é vista como um processo em constante movimento, e o foco das

análises está dirigido para a emergência dos processos de mudança e

permanência das dinâmicas próprias de sala de aula e das interações entre os

sujeitos que constituem o espaço escolar.

Assim sendo, os dados analisados foram construídos, pois assume-se

que eles se configuram com base em um processo de elaboração ao qual são

submetidos os fatos. Além disso, a análise desenvolvida leva em consideração,

também, aquilo que é particular e global na ocorrência dos fatos. Essa questão

admite, na verdade, duas dimensões: uma delas diz respeito à importância de

se atentar para os fatos singulares, uma vez que estes podem conter

informações relevantes que as abordagens de caráter global, por sua natureza,

são levadas a desconsiderar (Ginzburg 1987). A outra se refere às múltiplas

inter-relações que se estabelecem entre instâncias, tais como a educação

como prática social, os processos de significação, os processos de

subjetivação e a construção da identidade.

O ponto de interesse para análise se concentrará na dinâmica própria

de interlocução que se estabelece em sala de aula, focalizando o papel da

língua de sinais nos processos de interação e como ela contribui para que o

aluno surdo e os alunos ouvintes construam novos conhecimentos.

Para o desenvolvimento do estudo realizaram-se vídeo-gravações

semanais na sala de aula frequentada pela criança surda, com a duração de

aproximadamente uma hora. A sala focalizada é uma segunda série do ensino

fundamental e a classe era composta por 11 alunos, sendo 3 meninas e 8

meninos, na faixa etária de 8 a 9 anos.

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A criança focalizada é portadora de surdez profunda bilateral, não tem

domínio do português falado e é usuária da língua brasileira de sinais (Libras).

Ela foi acompanhada em suas atividades diárias na escola por uma intérprete

de Libras, na tentativa de oferecer a ela uma escolarização adequada, na qual

a língua de sinais fosse contemplada, já que na região em que vive não existe

nenhuma escola especial para surdos que trabalhe numa perspectiva de

educação bilíngue. A intérprete de Libras é também professora de surdos, tem

um domínio razoável da língua de sinais e tem o português como sua língua

materna.

Os registros foram transcritos integralmente, respeitando-se a

linguagem oral da professora e dos alunos ouvintes, além dos sinais e gestos

produzidos para a comunicação com a criança surda. Para a transcrição foram

usados os parâmetros e a legenda proposta por Lacerda (1996): (entre

parênteses) – estão gestos ou comportamentos dos interlocutores; /ENTRE

BARRAS E EM MAIÚSCULAS/ – estão os sinais da Libras; em itálico – estão

as falas entre os interlocutores; EM MAIÚSCULAS – palavras escritas.

A LÍNGUA DE SINAIS E O ESPAÇO ESCOLAR

Para que se faça uma discussão consequente do uso da língua de

sinais nesse espaço escolar, mostra-se como oportuno apresentar um episódio

que será analisado em seguida.

Como tarefa de casa, Gui havia escrito o seguinte texto em seu

caderno:

HOJE É QUINTA MANHÃ BONITA,

AMANHÃ É SEXTA, DIA DE FESTA

PORQUE DEPOIS É SÁBADO, DIA FOLGADO

DEPOIS É DOMINGO, EU FICO DORMINDO.

A intérprete de Libras pede que Gui leia sua produção para toda a

classe enquanto ela irá traduzindo; ele fica relutante e desinteressado em

realizar essa tarefa.

Gui- /HOJE/ /HOJE/

Intérprete- /AMANHÃ/

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Gui- /AMANHÃ/

Intérprete- (Aponta a folha para Gui)

Gui- (Olha para sua folha) /SEXTA/

Intérprete- (Sorri e movimenta a cabeça positivamente)

Gui- /FESTA/

Intérprete- /JÓIA/ (aponta a folha de Gui)

Gui- /PORQUE/ /QUAL/ ?

Intérprete- /DEPOIS/

Gui- /É/ /DIA/

Intérprete- /SÁBADO/ /O QUÊ/?

Gui- /DIA/ /FESTA/

Intérprete- /NÃO/ (aponta a folha)

Gui- (Olha para a folha)

Intérprete- (Toca Gui para chamá-lo, porque estava distraído)

Gui- (Olha para Intérprete)

Intérprete- /FOLGADO/ /VOCÊ/

Gui- (Olha para Professora e movimenta a cabeça negativamente)

P- (Observava a leitura, olha para Gui e põe as mãos na cintura)

Gui- (Olha para Professora e faz um gesto de que não sabe, com as mãos)

Professora- /AGORA/ /ESPERAR/ /VOCÊ/ /FORTE/ /CANSADO/ ?

(põe as mãos na cintura)

Gui- (Para Professora) /HOJE/ /É/ /QUARTA/

Professora- (Para a classe) Vamos lá gente, agora ele tá fazendo...

Gui- (Olha para Professora, movimenta a cabeça negativamente)

Professora- Ele não tá é com vontade de fazer.

Gui- /HOJE/ (coloca as mãos no queixo e movimenta a cabeça negativamente)

Professora- Só um pouquinho... (fala ininteligível) /POUCO/

Gui- (Continua com as mãos no queixo e movimentando a cabeça

negativamente)

Professora- Vejam, vamos olhar pro Gui, ele vai fazer sinal pra gente ver,

vamos ver se a gente consegue entender o que ele vai fazer.

Intérprete- /TODOS/ /OLHAR/ /VOCÊ/ /SINAL/ /JÓIA/?

Gui- (Olha para Intérprete)

Intérprete- (Aponta a folha)

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Gui- /HOJE/ /É/ /QUARTA/

Intérprete- (Olha para Gui interrogando-o, movimenta a cabeça negativamente

e volta a apontar sua folha)

Gui- /O QUE/? /QUINTA/?

Intérprete- (Sorri) /QUINTA/ (volta a apontar a folha para Gui) /ESPERAR/

Gui- /DIA/ /FOLGADO/

Gui- /FOLGADO/ (Olha para Intérprete)

Intérprete- (Aponta para a palavra DEPOIS)

Gui- /DEPOIS/ (Realizando o sinal de forma imprecisa)

Intérprete- /DEPOIS/ (dando ênfase à produção adequada do sinal) /DEPOIS/

(Volta a apontar a palavra escrita)

Gui- /É/ /DOMINGO/ / QUAL?/

Intérprete- (Aponta para o texto escrito)

Gui- /EU/ (Expressão interrogativa em relação à próxima palavra escrita)

Intérprete- /VER??/ /DORMIR??/

Gui- (Movimenta a cabeça negativamente) /VER/ /NÃO/

Intérprete- /DORMIR??/ (movimenta a cabeça afirmativamente)

Gui- (Movimenta a cabeça afirmativamente)

Aluno - Eu fico dormindo. (Aluno que estava ao lado de Gui acompanhando a

leitura)

Intérprete- /FICAR/ /DORMIR/ (olha para Gui)

Intérprete- /VOCÊ/ /NÃO/ /SABER/????

Gui- (Olha para Intérprete e sorri)

Intérprete- (Levanta-se e faz cócegas em Gui)

Gui- (sorri)

Professora- Você oh!!! (Se aproxima da mesa de Gui e pega a folha de sua

mesa)

Gui- (Olha para Professora, solicita algo que não é registrado pela filmadora).

Professora- Ah... agora não, depois. Na hora do lanche. /AGORA/ /NÃO/

(estala os dedos para chamar Gui) /DEPOIS/ /COMER/ /AGORA/ /NÃO/

(Aponta para todos os alunos e indica a folha escrita de Gui que está em suas

mãos)

Professora- Ele escreveu assim... Hoje... Vamos todo mundo fazer sinal para

ele ver que a gente sabe fazer sinal? Então vamos lá... Hoje /HOJE/ é, é

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quinta, Manhã... /MANHÃ/ (olha para Intérprete para certificar-se de que está

sinalizando corretamente)

Intérprete- (Olha para Professora) /MANHÃ/

Professora- Manhã bonita. Amanhã é sexta, dia de festa. Porque depois é

sábado dia folgado. Depois é domingo e eu fico dormindo.(A professora lê

devagar acompanhando os sinais produzidos pelos alunos)

Alunos- (Fazem os sinais acompanhando a produção da intérprete)

Professora- (Vai até a mesa de Gui) /VOCÊ/ (abaixa para falar com Gui e

aponta sua folha)

Gui- (Olha para Professora)

Professora- /HOJE/ /NÃO/ /É/ /DOMINGO/ (Volta a mostrar a folha) /HOJE/

/QUARTA/ /VOCÊ/ /FOLGADO/?

Gui- (Olha para Professora e sorri).

Para uma análise adequada desse episódio é preciso que se considere

uma série de fatores importantes característicos de Gui. Primeiramente, é

preciso que se diga que no momento em que foi registrado o episódio ele ainda

não estava plenamente alfabetizado. Gui lia e escrevia quando auxiliado,

elaborando hipóteses sobre a leitura e a escrita, mas sem ter total domínio do

uso desse material. Ele, provavelmente, realizou a tarefa de casa com a ajuda

de familiares (o que ocorria frequentemente, com ele expressando em sinais

suas ideias e a mãe ou o pai escrevendo para ele, ou auxiliando-o a escrever).

A tarefa proposta em sala de aula – ler para toda a turma sua produção –

envolvia um problema adicional que era sua real dificuldade de leitura.

Observa-se na situação a participação da intérprete procurando dar sentido,

traduzir suas ideias, resgatar palavras já trabalhadas ou conhecidas, mas ele

parece pouco motivado para a atividade.

Nesse momento, a professora, percebendo as dificuldades de Gui,

incentiva-o a continuar lendo já que esta era a proposta seguida por todos os

alunos. Em seguida, ela propõe que a turma toda leia em sinais o texto

produzido por ele. Ela assume a língua de sinais como uma língua pertencente

àquele grupo e propõe uma atividade de leitura um tanto "difícil" para as

crianças ouvintes (afinal, nem todas têm domínio dos sinais e precisariam de

ajuda para realizar aquela leitura).

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A professora conhece as dificuldades de Gui e procura criar condições

para que tais dificuldades sejam superadas; ao mesmo tempo, procura integrá-

lo ao grupo, mostrando as dificuldades da classe com o manejo da língua de

sinais. Toda a atividade é perpassada pela língua de sinais, que se mostra

como um caminho para alcançar os objetivos pretendidos e para realizar as

interações peculiares ao espaço escolar.

Ao envolver os demais alunos, ela deixa ver "as dificuldades de leitura"

em sinais de todo o grupo, tornando, de certa forma, o grupo simétrico às

dificuldades de leitura apresentadas por Gui. Os alunos assumem seu

desconhecimento e necessitam, nesse momento, da ajuda da intérprete para

realizar a tarefa de leitura. Gui motiva-se com a proposta da professora e

participa de forma mais ativa. É muito instigante ver como a língua de sinais

perpassa todo o grupo, provocando situações de construção de conhecimento

e interação.

É possível vislumbrar a multiplicidade de fatores interferentes em uma

prática assim estruturada e, ao mesmo tempo, mostrar que a língua de sinais

pode estar presente no espaço de sala de aula, colaborando para as relações

que envolvem todo o espaço educacional.

Não há prejuízos trazidos pela presença dessa língua em sala de aula;

ao contrário, ela impõe uma diversidade que torna a linguagem um objeto de

constante reflexão. Abre possibilidades para que todos, ouvintes e surdo, se

pensem e se repensem nas relações com os objetos de conhecimento.

Gui pode escrever, ler, compreender sua produção, partilhando suas

conquistas com os demais colegas e tudo isso ocorre pela mediação da língua

de sinais. A professora pode dirigir-se a ele, exigir dele maior esforço para

superar dificuldades e também pode identificar problemas, porque respeita,

conhece e aceita a língua de sinais não só como a língua do aluno surdo, mas

como uma língua que pertence ao espaço escolar. Tais respeito, conhecimento

e aceitação são explicitados na medida em que a professora aceita a presença

da intérprete em sala de aula, dividindo e negociando espaços, possibilitando

que relações de construção de conhecimento se estabeleçam.

O conhecimento dos sinais pelos ouvintes (professora e alunos) foi

construído nas atividades cotidianas em que Gui estava envolvido. Não houve

um trabalho especial de "aprendizagem" dos sinais, mas um contato com a

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língua que os levou ao domínio de uma série de sinais. As crianças ouvintes e

a professora passaram a fazer uso desses sinais, cada vez com maior

intimidade e segurança, permitindo uma maior aproximação com o sujeito

surdo e com a própria língua.

O dado aqui analisado revela a oportunidade aberta por tal prática para

a construção de uma condição bilíngue especial para o sujeito surdo. Além

disso, mostra que a língua de sinais pode ser acolhida positivamente pelos

ouvintes, possibilitando o rompimento de barreiras sempre tão comuns em

relação a ela. Contudo, faz-se necessário esclarecer que os propósitos desse

estudo não são os de defender os pressupostos da inclusão. Foi a falta de uma

escola apropriada na região em que a criança reside que gerou a necessidade

de uma organização do espaço educacional atípica, aqui estudada. Uma

escola especialmente organizada para o atendimento das pessoas surdas, na

qual todos os conteúdos acadêmicos fossem ministrados em sinais, por um

professor com domínio de Libras, em meio a usuários de Libras, seria o

ambiente acadêmico desejável para o desenvolvimento pleno da pessoa surda.

Todavia, o espaço pedagógico "alternativo" criado pode, ao ser

estudado, ajudar a compreender vários aspectos da relação surdos/ouvintes. A

experiência aqui focalizada pretende, fundamentalmente, dar visibilidade a um

espaço possível de contato entre duas comunidades diferentes (a dos surdos e

a dos ouvintes) dentro de uma instituição educacional. Esse contato revela

tensões, dificuldades de articulação, impasses – que não convergem, contudo,

para um confronto, mas sim para ajustes, negociações e trocas que apontam

para infinitas possibilidades de composição dentro do espaço educacional.

Para que isso ocorra, é necessário, entretanto, que os atores dessa cena

aceitem o desafio de compreender as diferenças como mútuas e procurem,

verdadeiramente, atuar nesse espaço de contato, assumindo a diversidade,

modificando-se, numa multiplicidade de estratégias que não visem a

"padronizar" o diferente, mas interagir com ele na plenitude de suas

peculiaridades.

Referências bibliográficas deste texto:

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UMA LEITURA ENUNCIATIVA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: O

GÊNERO CONTOS DE FADAS

Ana Claudia Balieiro Lodi8

Este artigo9 refere-se a um estudo inicial dos processos discursivos da

língua brasileira de sinais (LIBRAS), no gênero contos de fadas, à luz da teoria

enunciativa de Bakhtin. As análises realizadas, embora iniciais, apontaram

alguns aspectos discursivos relevantes sobre a LIBRAS, principalmente no que

se refere à dinâmica interdiscursiva que a constitui, ou seja, à compreensão de

como as diferentes vozes presentes nos textos são construídas, como elas se

diferenciam quanto aos aspectos composicionais, como assimilam o discurso

do outro e como se inter-relacionam entre si e com o todo textual para o

tratamento do tema.

INTRODUÇÃO

Durante a década de 1950, assistiu-se a um movimento que visava

distinguir as línguas das linguagens artificiais e lógico-matemáticas, sendo

prática corrente a utilização do termo "natural" ao referir-se às primeiras como

forma de garantir sua autenticidade (RÉE, 1999). As línguas de sinais, neste

período, ainda eram tidas como linguagens artificiais, pois se tinha em mente

que estas tomavam como base as línguas orais, eram subordinadas a sua

gramática, sendo, portanto, uma transposição destas línguas ao espaço a partir

de uma materialidade viso-manual.

8Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP; Universidade Metodista de Piracicaba –

Unimep. 9 DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada. Versão impressa ISSN 0102-

4450

DELTA v.20 n.2. São Paulo.Dez. 2004. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502004000200005.

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Esta concepção equivocada das línguas de sinais foi determinada, em

grande parte, pelo método francês de educação dos surdos, desenvolvido em

meados do século XVIII pelo abade Charles Michel de l'Epée. De l'Epée

acreditava que a língua de sinais era desprovida de gramática e, assim, criou,

para o desenvolvimento da educação dos surdos, alguns sinais – sinais

metódicos – com o objetivo de suprir a falta de elementos observada na língua

de sinais quando na comparação com o francês e de possibilitar a submissão

da língua de sinais a regras (no caso as da gramática francesa).

Foi somente em 1957, determinado, sobretudo, pelas ideias de

Saussure, que Stokoe, professor do GallaudetCollege em Washington,

levantou como hipótese que as línguas de sinais dos surdos poderiam ser

consideradas "naturais" e, portanto, instrumento linguísticopropriamente dito no

sentido mais geral dado por Saussure (BEHARES, 1993; RÉE, 1999). Assim,

em 1960, ele concluiu a primeira descrição de uma língua de sinais, mais

especificamente, da American SignLanguage (ASL). Este estudo influenciou

sobremaneira a educação dos surdos e tornou-se a base para que outras

pesquisas em distintos países fossem desenvolvidas, e assim, a descrição

linguística das diferentes línguas de sinais existentes realizada.

Dessa forma, as línguas de sinais deixaram de ser tratadas como um

conjunto de símbolos visual-manuais desarticulados e passaram a ser

concebidas como "uma estrutura multiarticulada e multinivelada, com base nos

mesmos princípios gerais de organização que podem ser encontrados em

qualquer língua" (BEHARES, 1993, p. 43). Além disso, comprovou-se que ao

utilizá-la, são satisfeitas as mesmas funções e obtidos "os mesmos

rendimentos processuais que se podem alcançar na utilização das línguas

orais, mais antigamente conhecidas e reconhecidas" (BEHARES, 1993, p. 43).

Nota-se, no entanto, que a maioria dos estudos realizados sobre as

línguas de sinais no decorrer da história compartilha um paradigma comum,

buscando sua descrição segundo os mesmos parâmetros e a mesma

organização em níveis linguísticos conforme propostos por Stokoe (1960).

Este artigo propõe um deslocamento deste olhar a partir da realização

de uma leitura preliminar dos processos discursivos da língua brasileira de

sinais (LIBRAS) no gênero contos de fadas, à luz da teoria enunciativa de

Bakhtin. Torna-se importante salientar que com esta (re)leitura, não se está

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negando o incomensurável valor dos estudos anteriores, pois, graças a eles, as

línguas de sinais passaram a ser reconhecidas em seus respectivos países, a

circularem nos meios acadêmicos e a serem consideradas como fundamentais

para a educação dos surdos. Trata-se apenas de um novo olhar para ela,

atribuindo-lhe novas significações, que vêm se somar às discussões

anteriormente realizadas por outros autores.

OS ESTUDOS SOBRE AS LÍNGUAS DE SINAIS E A TEORIA ENUNCIATIVA

DE BAKHTIN

Ao discutir as linhas mestras do pensamento filosófico-linguístico,

Bakhtin/Volochinov (1929) descreve duas orientações: o subjetivismo

idealista e o objetivismo abstrato1.

Para os objetivistas abstratos, o centro organizador dos fatos da língua

encontra-se no sistema linguístico, ou seja, no sistema das formas fonéticas,

lexicais e gramaticais da língua. Esse sistema é, segundo Bakhtin/Volochinov

(1929), regido por leis imanentes e específicas, essencialmente linguísticas,

que estabelecem, no interior do próprio sistema, ligações e relações entre os

signos linguísticos.

Ao linguista cabe determinar as unidades e as regras de combinações

que constituem o sistema, identificando os elementos decisivos para a função

significante da língua, ou seja, aqueles que são funcionais dentro do próprio

sistema. Para a realização de tal estudo, o linguista deve adotar uma

perspectiva sincrônica, pois como o signo, arbitrário em essência, não tem

nenhum núcleo que deva persistir na história da língua, ele constitui-se como

uma entidade relacional, isto é, o signo define-se pela sua relação com os

outros signos no interior do sistema linguístico (cf.: Culler, 1979).

Como sistema fechado e constituído a priori numa dada comunidade

linguística, a língua impõe-se aos indivíduos como norma e, assim, qualquer

mudança neste sistema ultrapassa a consciência individual; portanto, é um

sistema que o indivíduo deve tomar e assimilar no seu conjunto tal como ele é.

Dessa forma, a língua é concebida como um sistema estável e imutável de

formas linguísticas, responsáveis pela garantia de sua unicidade.

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Partindo destes pressupostos, em 1960, William Stokoe publicou o

primeiro estudo sobre uma língua de sinais descrevendo a estrutura da

American SignLanguage (ASL) a partir da análise de seus elementos

constituintes. Assumindo o pressuposto saussureano de que existem princípios

gerais comuns a todas as línguas, Stokoe (1960) descreveu o sistema da ASL

tomando como base os sistemas descritos para as línguas orais.

Propôs, então, um sistema – quirologia – cuja função seria análoga à

desempenhada pelo sistema fonológico nas línguas orais.

Os quiremas foram selecionados e analisados a partir do contínuo de

movimentos gestuais (da mesma forma como os fonemas foram selecionados

da infinidade de sons vocais possíveis), identificados e descritos em três tipos:

posição (ponto de articulação), configuração e movimento da mão.

Todos os sinais foram analisados a partir da combinação dos

três quiremas (em suas diversas combinações). Os sinais por eles formados,

tidos como as unidades responsáveis pela composição do sistema sintático da

ASL, assim como as palavras o são nas línguas orais, consistem nos morfemas

da ASL. Eles são, então, as menores unidades da língua que contém

significado e, por isso, passíveis de serem isolados do sistema quando na

descrição linguística da ASL.

Dessa forma, Stokoe (1960), centrando seu trabalho na descrição dos

sinais e na função que eles exercem na ASL, concluiu que "a atividade

comunicativa das pessoas que usam esta língua [a ASL] é verdadeiramente

linguística e suscetível a análise micro linguística do tipo mais rigoroso"

(STOKOE, 1960: 67).

O impacto do estudo de Stokoe (1960) foi tal que, a partir dele, nos

anos subsequentes, diversas línguas de sinais passaram a ser descritas

seguindo, em sua grande maioria, a mesma classificação proposta por este

autor, ou seja, em níveis linguísticos (particularmente, em níveis fonológico,

morfológico e sintático). Assim ocorreu com as línguas de sinais inglesa,

chinesa, costarriquenha, tcheca, venezuelana, iugoslava (RÉE, 1999),

francesa, sueca, dinamarquesa, holandesa, alemã, italiana (Johnson, 1994),

portuguesa (Amaral, Coutinho e Martins, 1994) e também com a brasileira

(FERREIRA-BRITO, 1995; QUADROS, 1997; QUADROS e KARNOPP, 2004),

além de uma vasta quantidade de estudos sobre a língua de sinais americana

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(KLIMA e BELLUGI, 1979; POIZNER, KLIMA eBELLUGI, 1987; EMMOREY,

BELLUGI e KLIMA, 1993, dentre vários outros citados nos estudos das

diferentes línguas de sinais).

Torna-se importante acrescentar, entretanto, que estes estudos

embora tenham seguido o modelo de descrição proposto por Stokoe (1960),

não se configuraram apenas como uma reprodução passiva e estática deste

trabalho, mas sim, buscaram aspectos diferenciais e específicos desta nova

língua que a eles se apresentava, complementando e aprofundando o

conhecimento gramatical sobre ela. Estes aspectos referem-se, por exemplo, à

proposição de outro parâmetro fonológico – orientação da palma da mão – por

Battison, nos anos 70 (SOUZA, 1998), complementando os três descritos por

Stokoe (1960); à descrição de parâmetros secundários na organização

fonológica dos sinais, como a disposição da mão (articulação realizada pela

mão dominante ou pelas duas mãos), a orientação da(s) mão(s) e a região de

contato (KLIMA e BELLUGI, 1979) e, no nível sintático da língua, as relações

pronominais e verbais desenvolvidas no espaço de enunciação

(KLIMAeBELLUGI, 1979; POIZNER, KLIMA e BELLUGI, 1987; EMMOREY,

BELLUGI e KLIMA, 1993; AMARAL, COUTINHO e MARTINS, 1994;

FERREIRA-BRITO, 1995; QUADROS, 1997; QUADROS e KARNOPP, 2004).

No entanto, a busca de paridade entre o conhecimento linguístico das

línguas de sinais e aquele das línguas orais permaneceu. Nesta direção, foram

realizadas discussões sobre a maneira como os sinais se organizam nas

sentenças em língua de sinais em oposição à mesma organização nas línguas

orais. Melhor dizendo, conforme apontaram KlimaeBellugi (1979), dada a

diferença de canal de transmissão entre as línguas de sinais (visual-gestuais) e

as línguas orais (auditivo-orais), constatou-se que as línguas sinalizadas

permitem que seus elementos se organizem a partir da combinação de

unidades que ocorrem simultaneamente, ou seja, os sinais podem ser

realizados por uma ou pelas duas mãos no mesmo espaço de tempo. Esta

organização opõe-se à das línguas orais, que se constituem seguindo uma

organização temporal sucessiva, sequencial.

Massone (1993), ao descrever e comentar os caminhos escolhidos

pelos linguistas interessados no conhecimento das línguas de sinais, criticou a

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tendência de permanência destes estudos à sombra daqueles tradicionalmente

desenvolvidos e pensados para as línguas orais, questionando:

Até que ponto as línguas de sinais podem ser entendidas

dentro do marco convencional da linguística, quer dizer,

tomando como pontos de referências teóricos modelos

que foram projetados para línguas baseadas nos sons e

derivados de formas linguísticas formalizadas? (...) Os

modelos que provêm da linguística tradicional e ocidental

são suficientes para a análise das línguas de sinais?

Podem as línguas de sinais ser descritas nos mesmos

termos das línguas faladas? (MASSONE, 1993, p. 81-82).

Para a autora, o fato das línguas de sinais possuírem uma

materialidade distinta e, portanto, uma organização diversa à das línguas orais

deve, obrigatoriamente, promover um deslocamento na forma de estudá-la.

A maioria dos linguistas havia descrito línguas faladas,

todos eram ouvintes (...) Quando aceitaram o desafio de

analisar uma língua numa modalidade diferente, deveriam

reestruturar sua forma de pensar já que estavam tratando

com um objeto que, além de não ser a sua língua nativa,

era uma língua transmitida numa modalidade visuo-

gestual (MASSONE, 1993, p. 82).

O resultado inicial desta busca pela descrição das línguas de sinais a

partir do modelo previsto para as línguas orais foi a obtenção de conclusões

que descreviam e/ou apontavam o que "faltava" a essas línguas, ou seja, às

línguas de sinais foram atribuídas carências de artigos e de preposições, de

marcadores de número e gênero, bem como de processos morfológicos de

tempo e modo verbal. Posteriormente, ao haver uma maior aceitação das

línguas de sinais, suas especificidades gramaticais passaram a ser descritas e

respeitadas; no entanto, manteve-se subjacente a esses estudos a idéia da

existência de um princípio lingüístico universal e, portanto, acreditava-se que

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70 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

as constatações e os novos conhecimentos obtidos em uma língua de sinais

estivessem também presentes em todas as demais línguas de sinais. Sem

negar a extrema relevância destes estudos para um conhecimento mais

aprofundado das línguas de sinais, cabe assinalar que seus objetivos eram a

descrição dos aspectos gramaticais específicos das mesmas, sem levar em

consideração suas particularidades discursivas, sua forma de organização em

cada contexto e em cada enunciação particular.

Este estudo, ao adotar uma perspectiva enunciativa para o estudo da

LIBRAS, assume um olhar que difere dos trabalhos comentados acima. Ao

conceber a língua como uma corrente evolutiva ininterrupta, tem-se, como

pressuposto, que ela não pode ser considerada se isolada de sua história, pois

a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal. Considera-se

assim, que a palavra deve ser estudada no seu campo vivo, constantemente

ativo e mutável, pois sua vida está na relação interdiscursiva dinâmica

estabelecida entre membros de uma mesma comunidade linguística; ela sofre

transformações dependendo do grupo social que a usa, ela se altera segundo o

contexto discursivo que a integra.

É por este motivo que, para Bakhtin (1929), a palavra deve sempre ser

interpretada e tomada como signo e, portanto, não no campo da língua, mas

sim no da linguagem. Toda a vida da linguagem está impregnada de relações

dialógicas e estas existem, apenas, se materializadas no discurso, se

personificadas na linguagem, se tornadas enunciados, convertendo-se em

diferentes posições de diferentes sujeitos expressas na linguagem.

O enunciado, dessa forma, só existe na cadeia de comunicação verbal

e, nesta, é delimitado e constituído por outros enunciados. Assim, o enunciado

nunca é único e monológico, pois antes dele há os enunciados dos outros e,

após o seu final, os enunciados respostas dos outros, constituindo-se, assim,

na esfera do já-dito ao mesmo tempo em que se orienta para o ainda não dito.

Do ponto de vista da teoria bakhtiniana, um discurso define-se,

unicamente, se na relação com outros discursos, no limite de um mesmo

contexto; é um fenômeno social de interação verbal realizada através de

processos enunciativos; e qualquer enunciação é apenas uma fração de uma

corrente verbal que constitui um momento evolutivo contínuo e, portanto,

histórico, de um grupo social determinado.

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A comunicação verbal não poderá jamais ser

compreendida e explicada fora desse vínculo com a

situação concreta. A comunicação verbal entrelaça-se

inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e

cresce com eles sobre o terreno comum da situação de

produção.2(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 124).

No entanto, observa-se nos estudos sobre as línguas de sinais, que

ainda há uma tendência a se considerar as enunciações excluídas do todo

discursivo, como por exemplo, as descrições e discussões realizadas sobre as

relações que ocorrem no espaço de enunciação visando a compreensão de

como são estabelecidas as relações sintáticas, como as de (co)referência e de

concordância verbal e pronominal3. Estes aspectos linguísticos, embora

bastante relevantes para a compreensão do sistema, podem contribuir apenas

em parte, para a compreensão discursiva das línguas de sinais, na medida em

que não são consideradas as relações da enunciação com a situação e com os

outros enunciados. Perde-se, assim, a essência dialógica da linguagem, ou

seja,

o elemento que instaura a constitutiva natureza

interdiscursiva da linguagem (...) [e que] diz respeito às

relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos

processos instaurados historicamente pelos sujeitos, que,

por sua vez, instauram-se e são instaurados por esses

discursos. (BRAIT, 1997, p. 98).

Para Bakhtin (1970-1971/1979), todas as palavras, exceto as do

próprio sujeito, são palavras de um outro e toda sua existência se materializa

neste universo de encontro com a palavra do outro, do reagir a elas, de

assimilá-las como suas. Assim, pelo princípio dialógico:

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A minha palavra está inexoravelmente contaminada do

olhar de fora, do outro que lhe dá sentido e acabamento.

Em suma, no universo bakhtiniano nenhuma voz, jamais,

fala sozinha. E não fala sozinha não porque estamos,

vamos dizer, mecanicamente influenciados pelos outros –

eles lá, nós aqui, instâncias isoladas e isoláveis – mas

porque a natureza da linguagem é inelutavelmente dupla.

(TEZZA, 1997, p. 221).

Esta dupla orientação do signo linguístico foi a base sobre a qual

Bakhtin desenvolveu seu estudo sobre as vozes presentes no romance. Para

ele, o plurilinguíssimo introduzido no romance é "o discurso de outrem na

linguagem de outrem" (Bakhtin, 1934-1935/1975, p. 127), o encontro de duas

consciências linguísticas de dois sujeitos assimetricamente dispostos: aquele

que é representado e aquele que representa. A palavra do discurso é,

portanto, bivocal em essência.

Ela [a palavra bivocal] serve simultaneamente a dois

locutores e exprime ao mesmo tempo duas intenções

diferentes: a intenção direta do personagem que fala e a

intenção refrangida do autor. Nesse discurso há duas

vozes, dois sentidos, duas expressões. Ademais, essas

duas vozes estão dialogicamente correlacionadas, como

que se conhecessem uma à outra (como se duas réplicas

de um diálogo se conhecessem e fossem construídas

sobre esse conhecimento mútuo), como se conversassem

entre si. (BAKHTIN, 1934-1935/1975, p. 127).

Dessa forma, o autor não pode destruir completamente a outra voz;

esta conservará sempre um certo grau de autonomia, não podendo ser

completamente diluída no contexto discursivo do autor. Tanto o discurso de

outrem quanto o contexto de transmissão unem-se por relações dinâmicas,

complexas e tensas, e são responsáveis pela constituição do texto.

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Um outro conceito central na teoria bakhtiniana e que, portanto, não

pode ser desconsiderado ao assumir uma perspectiva enunciativa, é o

de gêneros do discurso. Os gêneros nos são dados como nos é dada nossa

língua materna, ou seja, "nós a adquirimos mediante enunciados concretos que

ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com

indivíduos que nos rodeiam" (BAKHTIN,1952-1953/1979, p. 301).

Desta maneira, as formas da língua, assim como os gêneros do

discurso, são introduzidos em nossa experiência e consciência sem que sua

correlação seja rompida, pois ambos organizam nossa fala: nossa fala é

modulada pelos gêneros discursivos e todas as nossas enunciações revelam

as escolhas das formas da língua. Entretanto, se em comparação a elas, os

gêneros mostram-se mais flexíveis: eles variam conforme as circunstâncias, a

posição social e a relação entre os parceiros da enunciação. Assim,

dependendo da especificidade do gênero, há a seleção das palavras a serem

utilizadas no discurso; elas são tiradas de outros enunciados (do próprio locutor

e do de outros) pela semelhança com o gênero em questão, isto é, pelo tema,

pela composição e pelo estilo.

Como em cada esfera de utilização da língua, nos enunciados

produzidos, entrelaçam-se várias vozes sociais, o gênero deve ser

compreendido como um conceito plural que "reporta-se às formações

combinatórias da linguagem em suas dimensões verbal e extra-verbal. Além

disso, articula formas discursivas criadoras da linguagem, de visões de mundo

e de sistemas de valores configurados por pontos de vista determinados"

(MACHADO, 1997, p. 143).

Souza (1998) já havia comentado a falta de estudos sobre a LIBRAS

que considerassem as operações linguísticas com e sobre a linguagem, ou

seja, que tomassem como objeto o uso que os surdos fazem dessa língua em

seus grupos de contato (comunidades e organizações). Apontou, ainda, para a

necessidade de desenvolvimento de estudos sobre as línguas de sinais em

uma perspectiva enunciativa, discutindo que, ao se tomar como base a ordem

metodológica de investigação linguística proposta por Bakhtin/ Volochinov

(1929), os estudiosos das línguas de sinais seriam menos influenciados por

conceitos prévios, podendo, assim, desvelar aspectos que são ocultados por

categorias já constituídas. Dessa forma, um redirecionamento dos estudos

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sintáticos poderia ser feito ao se olhar para a LIBRAS no acontecimento

enunciativo, no imbricamento entre o sintático e o discursivo4.

Nesta perspectiva, Pereira (2001) e Pereira eNakasato (2001, 2002)

têm desenvolvido estudos que visam a compreensão dos processos de

construção de narrativas em LIBRAS por crianças surdas, discutindo os

aspectos verbais e não-verbais constitutivos desta língua e o uso que as

crianças fazem desses aspectos durante seu processo de desenvolvimento da

linguagem. Demonstram, nestes estudos, que as crianças surdas quando

expostas à LIBRAS por um adulto surdo usuário desta língua, passam a fazer

uso "de recursos cada vez mais complexos, como sinais simultâneos e

mapeamento do espaço, recursos estes que, combinados às expressões facial

e corporal, foram usados na articulação dos fatos nos relatos" (PEREIRA e

NAKASATO, 2002: 75). Enfatizam, assim, a necessidade das crianças surdas

serem inseridas no funcionamento linguísticoda LIBRAS o mais cedo possível e

demonstram a importância da narrativa de histórias para o processo de

desenvolvimento da linguagem destas crianças.

Entretanto, não foi encontrada na literatura pesquisada específica

sobre os estudos em línguas de sinais nenhum trabalho que considerasse as

particularidades dos diferentes gêneros discursivos nestas línguas. Os estudos

que têm sido desenvolvidos, principalmente, nas esferas educacionais,

valorizam a necessidade de exposição das crianças surdas à narrativas em

LIBRAS, como base para que estas crianças possam se apropriar da

linguagem escrita do português; em sua maioria os textos escolhidos são do

gênero contos de fadas (GESUELI, 2000; PEREIRA, 2001, 2002; PEREIRA e

NAKASATO, 2001, 2002).

Nesta direção, no contexto educacional universitário, teve início, no ano

de 2002, pelo Programa de Assessoria Comunitária da Universidade Luterana

do Brasil (ULBRA), um projeto cujo objetivo é registrar e catalogar, em vídeo e

em material impresso, histórias contadas por e para surdos em LIBRAS, além

de investigar as práticas e os processos de leitura e produção de textos por

surdos quando no contar histórias, a fim de que o ensino destes sujeitos possa

ser realizado desviando-se o foco dos aspectos unicamente gramaticais.

Conforme descreveram Alves eKarnopp (2002), uma equipe formada por um

professor, quatro estudantes surdos e um ouvinte, todos da ULBRA, selecionou

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contos de fadas que, após cuidadosa leitura, sofreram um processo de

adaptação: o conto tradicional para ouvintes foi transformado em uma história

voltada ao contexto cultural dos surdos. Como exemplo, os autores apresentam

a substituição do sapatinho de cristal de Cinderela pela luva branca, indicando

que, na nova versão do conto – Cinderela Surda – o foco voltou-se para as

mãos que sinalizavam: "surdos recontam histórias para outros surdos e

reconstroem, através da língua e da cultura, os sentidos veiculados pelo texto

que serviu como ponto de partida para a criação de um outro texto" (ALVES e

KARNOPP, 2002, p. 72).

Recentemente, foi realizado, também, um vídeo por Andréa Iguma –

Chapeuzinho Vermelho – a Surda – como trabalho de conclusão de curso de

graduação da Escola de Comunicações e Artes (USP) junto ao Projeto de

Integração das Tecnologias de Comunicação ao Processo de Letramento do

Surdo, em parceria com a Escola do Futuro (USP) e a EMEE Anne Sullivan

(SME/PMSP). Nesse vídeo, a história é contada por um surdo e,

acompanhando a narração, há a história representada por personagens feitos

por papel manipulados com arames (Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro,

s/ data).

Esses materiais desenvolvidos têm uma importância impar para o

processo de letramento das crianças surdas, na medida em que possibilitam

que essas crianças possam entrar em contato com os contos de fadas por

meio de materiais em LIBRAS e que lhes são acessíveis por serem

desenvolvidos por intermédio de recursos visuais. No entanto, o foco desses

estudos é a compreensão e reflexão sobre a prática de ensino-aprendizagem

do português (linguagem escrita) e/ou a descrição das questões relacionadas à

identidade do grupo de surdos e não os processos discursivos particulares da

LIBRAS.

Considerando que o conhecimento dos processos enunciativos em

LIBRAS torna-se central para o processo de letramento das crianças surdas,

que podem, no contato com a língua em funcionamento, constituírem-se

autores/interlocutores de suas próprias histórias, e terem o ensino-

aprendizagem do português como segunda língua mediado por um

conhecimento específico de sua primeira – a LIBRAS –, este estudo foi

realizado. Buscou-se, no presente artigo, a discussão dos aspectos

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enunciativos específicos e particulares da LIBRAS no gênero contos de fadas

e, portanto, a descrição de como são estabelecidas as relações discursivas

neste gênero, visando explicitar as particularidades do estilo e das formas

composicionais utilizadas para o tratamento do tema do discurso nesta língua.

Cabe salientar, uma vez mais, que este estudo não tem a pretensão de

esgotar a descrição deste gênero em LIBRAS e, muito menos, realizar

generalizações para outros gêneros discursivos nesta língua, mas sim, trata-se

de um estudo inicial que deve ser complementado por outros, visando tanto o

aprofundamento deste gênero como o conhecimento dos processos

enunciativos utilizados em outros gêneros discursivos em LIBRAS.

O GÊNERO CONTOS DE FADAS EM LIBRAS

Para a realização do presente estudo foram analisados dois textos do

gênero contos de fadas em LIBRAS – Chapeuzinho Vermelho e Os Três

Porquinhos – sinalizados por um surdo reconhecido pela comunidade surda de

São Paulo e do Rio de Janeiro como fluente e conhecedor da LIBRAS5. Nestes

foram observados alguns aspectos que explicitam a forma composicional

particular desenvolvida em LIBRAS quando no tratamento do tema do gênero.

Entretanto, dadas as especificidades decorrentes de sua materialidade viso-

manual, torna-se necessária a realização de uma breve explicação sobre o

espaço discursivo utilizado por esta língua, a fim de garantir uma maior

compreensão das questões que aqui serão discutidas.

Todo enunciado em LIBRAS é realizado no espaço de enunciação: um

semicírculo virtual cujo perímetro é usado para a realização de referência às

pessoas do discurso nas situações discursivas com referentes não-presentes

(FERREIRA-BRITO, 1995) ou presentes (cf.: Quadros, 1997). O corpo do

sinalizador deve situar-se no centro do raio do semicírculo e, neste espaço, nas

diferentes situações discursivas, podem ocorrer mudanças quanto a direção e

a localização de seu corpo, a sinalização em direção a um locus pré-

determinado como marca de referência a uma pessoa e/ou objeto e a

movimentação ocular para este mesmo local (ao fazer referência à pessoa e/ou

ao objeto ali referido). Estes fenômenos, segundo Massone (2000), servem

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para o sinalizador indicar diferentes referentes ou para lhes fazer referência

anafórica.

Pereira (2001) comenta ainda que é no espaço de enunciação que

ocorrem as representações da interação entre os referentes – diálogos e ações

– desenvolvidas por meio da mudança de posição de referência, ou seja, do

narrador para um personagem como primeira pessoa. Para a autora, é também

nesse espaço que os eventos temporais são marcados e distinguidos,

possibilitando, ao enunciador, a referência a estes eventos pela movimentação

no espaço.

Nos dois textos analisados para este estudo, observou-se que as

vozes6 dos personagens e do narrador são marcadas segundo o lugar que

cada um ocupa no espaço de enunciação, estando o narrador no centro do raio

do semicírculo e os personagens ou a sua direita ou a sua esquerda.

Massone (2000), ao discutir as referências espaciais na língua de

sinais argentina (LSA) em situações de diálogo e monólogo espontâneos,

narrações e contos humorísticos, apontou que os dados obtidos em sua

pesquisa demonstraram que o locus referencial das pessoas do discurso não é

fixo; ele se alterna continuamente dentro do espaço sinalizador dependendo do

contexto em que se encontra. A autora complementa suas análises apontando

que as relações referenciais em LSA seguem uma hierarquia determinada

discursivamente e, para melhor explicar a dinâmica destas relações, a autora

fez uma analogia com a organização espacial das cenas de um filme

cinematográfico:

Este aspecto é muito difícil de ser equiparado com os

traços semióticos da língua verbal, mas facilmente

assimilável aos distintos planos referenciais assinalados

no cinema: em frente corresponderia, nesta comparação,

ao primeiríssimo primeiro plano, à direita o primeiro plano

e à esquerda o fundo. (MASSONE, 2000, p. 106).

Os textos do gênero contos de fadas observados indicaram também

uma hierarquia na ordem de apresentação dos personagens em cada contexto

particular (e, portanto, um movimento interdiscursivo determinado pela

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localização dos enunciadores), ou seja, as pessoas (personagens) assumiam,

inicialmente, um locus enunciativo determinado, mas, dependendo do contexto

discursivo em que se encontravam, mudavam de lugar e de posição. Essas

mudanças, no entanto, não ocorriam de forma aleatória; havia uma

organização interna ao discurso que orientava e determinava as mudanças,

numa atualização e manutenção constante do tema do gênero.

Observou-se, nos dois textos analisados, a ocorrência de dois

posicionamentos discursivos: a) o personagem que assumia o primeiríssimo

plano discursivo teve sua referência à direita do espaço de enunciação próximo

ao centro, indicando um posicionamento no espaço análogo ao descrito por

Massone (2000) na LSA; e b) todos os personagens, ao serem incluídos no

contexto (re)atualizando-o, faziam-no pela direita do espaço sinalizador e aí

permaneciam até que nova atualização contextual fosse realizada; a pessoa já

presente no contexto assumia um posicionamento à esquerda do sinalizador,

sem haver sobreposição referencial; no entanto, eles se mantinham em um

mesmo plano discursivo, havendo, assim, uma diferenciação na organização

da LIBRAS se em comparação à da LSA.

Essa dinâmica interdiscursiva instaurada implica, assim, existência de

movimento, variação no posicionamento dos personagens, e não localização

estática das pessoas do discurso. Dessa forma, os personagens não apenas

utilizavam o perímetro do semicírculo enunciativo, como também

movimentavam-se pelo espaço de enunciação permitido pela língua.

Este movimento no espaço de enunciação pode ser observado no

seguinte episódio7:

Exemplo 18:

(...)

N: CHAPEUZINHO-VERMELHO-CAMINHA [FELIZ] (a direita do espaço de

sinalização próximo ao centro). CANTAR

CV: TCHAU (vira para trás para despedir-se de sua mãe)

N: M-A-E TCHAU

CV: TCHAU (vira para trás). Chapeuzinho-Vermelho-caminha.

N: FLORESTA FLORES AO-LADO-DO-CAMINHO BONITO. PERFUMADO

FLORESTA AO-LADO-DO-CAMINHO PERFUMADO

CV: Chapeuzinho-Vermelho-caminha-pela-floresta-segurando-a-cesta.

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N.: CHEGAR HOMEM CHEGAR (a direita do espaço de

sinalização). HOMEMENCONTRARCHAPEUZINHO.

CV: assustar (a esquerda do espaço de sinalização)

Le: QUEM-É-VOCÊ?

CV: EU NOME MEU-SINAL CHAPEUZINHO-VERMELHO EU

(...)

Esquematicamente, esta dinâmica interdiscursiva pode ser

representada como:

Chapeuzinho Vermelho, representada pelo classificador de pessoa

utilizado pela LIBRAS (configuração de mão G19), ao caminhar pela floresta, é

mantida, pelo narrador, a direita do espaço de enunciação próximo ao centro,

assumindo, desse modo, o primeiríssimo primeiro plano discursivo. Com a

chegada do novo personagem (o lenhador) realizada pela direita do espaço de

sinalização, Chapeuzinho Vermelho ganha novo locus discursivo e assume um

posicionamento à esquerda do narrador. A menina permanecerá neste mesmo

local do espaço quando em seu diálogo com o lobo na floresta (logo a seguir

ao estabelecido com o lenhador), deslocando-se, novamente, à direita (primeiro

plano discursivo) quando na casa da vovó.

Entende-se assim, essa dinâmica interdiscursiva como decorrente da

nova entrada da menina "em cena" (que havia "cedido lugar" para o narrar da

chegada e das ações do lobo na casa da vovó). Ou seja, nos dois textos

analisados para este estudo, cada novo personagem que assumia o espaço

discursivo, fê-lo pela direita, deslocando o que já se encontrava "em cena" para

a esquerda. No entanto, este deslocamento do personagem não foi indicativo

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80 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

de um posicionamento que tivesse a configuração de fundo no contexto

discursivo, diferenciando-se, assim, da organização espacial descrita por

Massone (2000) na LSA. Ambos os personagens mantiveram-se num mesmo

plano discursivo e seu posicionamento à direita e à esquerda no espaço de

enunciação foi realizado conforme descrito para a localização das pessoas no

espaço quando na marcação de referentes não-presentes (fisicamente) no

contexto (FERREIRA-BRITO, 1995; QUADROS, 1997; QUADROS e

KARNOPP, 2004).

O mesmo, porém, não pode ser dito no que se refere ao

posicionamento espacial de objetos. Observou-se que o posicionamento das

casas da vovó e dos porquinhos, de forma contrária, ocorreu, desde a primeira

referência, à esquerda do espaço de sinalização. Este fato sugere haver, em

LIBRAS, uma hierarquia espacial diversa quanto ao uso do espaço no caso de

referência a pessoas e a objetos, estando, apenas estes últimos, à esquerda

do espaço com caráter de fundo discursivo.

No entanto, como foram analisados apenas dois textos do gênero

contos de fadas neste estudo, acredita-se que os dados obtidos não sejam

suficientes para uma generalização quanto ao funcionamento discursivo da

LIBRAS, como a feita por Massone (2000) na LSA. Entretanto, este dado

mostra-se relevante para um conhecimento mais aprofundado da organização

discursiva em LIBRAS e, portanto, merece ser melhor investigado em outros

textos neste gênero e em outros gênero do discurso nesta língua.

Outro ponto observado diz respeito à distância imposta entre os

personagens: esta também mostrou variações determinadas diretamente pela

situação discursiva em questão.

Massone (2000) discutiu também que as diversas situações

comunicativas (públicas, privada e íntima) e os diferentes registros (formal e

informal) em LSA sofrem diferenciações que podem ser percebidas pelas

dimensões espaciais, pela amplitude de realização do sinal e pelo perímetro

que engloba o espaço sinalizador. Concluiu que um diálogo mais afetivo é

realizado com uma aproximação maior dos corpos, enquanto que o

distanciamento destes denotaria uma situação inversa. Embora Massone

(2000) tenha reconhecido que este mesmo fato pode ser observado nas

análises das línguas verbais-orais, apontou que na LSA este distanciamento

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dos corpos nas situações enunciativas "converte-se em um traço semântico

que se distingue na amplitude do movimento, na possibilidade de extensão dos

braços e na distância relativa dos corpos." (MASSONE, 2000, p. 108).

Nos textos analisados neste artigo observou-se, também, uma

diferenciação no distanciamento entre os personagens e nos movimentos

realizados na sinalização dependendo do contexto de produção dos

enunciados, assinalando a apreciação valorativa da situação pelos

personagens. Ou seja, Chapeuzinho Vermelho realizava movimentos amplos e

fluentes ao dialogar com sua mãe e/ou com o lenhador. No entanto, seus

movimentos alteraram-se consideravelmente quando ao se deparar com o lobo

na floresta: ela se distanciou dele, seus sinais mostraram-se trêmulos e com

amplitude reduzida, diminuindo, assim, a fluência de sua sinalização.

No que se refere à relação discursiva entre os personagens observou-

se que esta se caracterizou pelo uso do discurso direto. Em sua grande

maioria, o diálogo foi compreendido em seu sentido estrito, no qual

interlocutores distintos apresentam a palavra e a contra-palavra numa relação

tensa e de constante conflito (Bakhtin, 1929). Nestes diálogos não houve

sobreposições de vozes: o discurso dos personagens apenas conhecia a si

mesmo e a seu objeto, mantendo uma fronteira precisa e demarcada entre

eles. Sua construção teve como base a primeira e a segunda pessoas do

singular, marcadas pelo uso dos respectivos pronomes, pela direção do olhar e

dos movimentos próprios da sinalização em relação aos referentes.

Conforme exposto na nota de rodapé nº3, o olhar é usado, em LIBRAS,

como um importante diferenciador das referências de segunda e terceira

pessoas do discurso. Assim, no caso dos diálogos entre os personagens, este

se dirigia sempre para o interlocutor, portanto, para a segunda pessoa do

singular. Além disso, o posicionamento do corpo do sinalizador respeitou,

nestes eventos, os tamanhos pressupostos dos personagens nas histórias

infantis: Chapeuzinho Vermelho, por ser uma criança, é representada como

sendo menor que o lenhador, um adulto, e menor que o lobo, "grande", "forte" e

"alto" (o mesmo pode ser dito em relação aos porquinhos se em comparação

com o lobo). Este fato determinou um direcionamento do olhar e dos

movimentos de sinalização que tenderam ou para cima ou para baixo

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dependendo do interlocutor ou de seu posicionamento físico nos diferentes

momentos da história.

Um exemplo no qual esta relação discursiva pode ser observada

refere-se ao diálogo entre o lobo e o primeiro porquinho:

Exemplo 2:

(...)

N: L-O-B-O#M-A-U PROCURAR FOME F-O-M-E.

PROCURAR. LOBOANDAR, VERCASA, CASA FRACA CASA, ESTRANHA.

OLHARDENTRO-DA-CASA PORQUINHO DORMIR.

L: Pro1 COMER pro2! (olhando para o local do espaço de referência do

porquinho)

N: PORQUINHO ACORDAR

P1: gritar-assustado

L: Pro1 COMER pro2! (olhando para o local de referência do porquinho com o

olhar direcionado levemente para baixo)

P1: ENTRAR NÃO-DÁ (olhando para o local de referência do lobo com o olhar

levemente levantado)

L: Pro1 CONSEGUIR. ESPERAR... olhar-para-a-casa, balançar-os-braços,

inflar-bochechas, assoprar. Casa-desabar-a-sua-frente.

(...)

Observa-se, nas enunciações dos personagens, que não apenas há a

marcação pronominal explicita de primeira e segunda pessoas, como também

o direcionamento do olhar e a movimentação da sinalização como indicativo de

quem está falando e com quem. Pereira eNakasato (2001) comentam que a

direção do olhar para cima ou para baixo foi descrita por Lidell (1995)10 em seu

estudo sobre o narrar histórias em ASL. Os autores compreenderam que,

nestes casos, a referência aos personagens é realizada como se os mesmos

estivessem presentes no espaço de sinalização. Esta "presença" dos

personagens pode ser observada, também, no tipo de movimentação de corpo

realizada pelo sinalizador, pois quando ele assume as vozes dos personagens,

seu corpo movimenta-se com maior liberdade tanto no espaço de sinalização

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quanto no próprio eixo vertical. Esta maior mobilidade pode ser percebida no

primeiro exemplo quando o sinalizador indica Chapeuzinho Vermelho

caminhando feliz pela floresta (em oposição ao mesmo fato narrado, no qual o

corpo do sinalizador demonstra uma "rigidez" em sua movimentação11) e, no

segundo exemplo, quando o lobo prepara-se para assoprar a casa dos

porquinhos (balançar-os-braços, inflar-bochechas) e a vê desabar a sua frente.

Um outro exemplo em que a marcação pronominal, o direcionamento

do olhar e a movimentação do corpo indicam a presença das vozes dos dois

personagens pôde ser observada, foi o diálogo entre a Chapeuzinho Vermelho

e o lobo, quando ele já está disfarçado de vovó. Neste exemplo, no entanto,

pôde-se perceber a existência do discurso bivocal presente nas enunciações

do lobo.

Exemplo 312:

(...)

N: MENINA MENINA-CAMINHAR [FELIZ]. CHAPEUZINHO-VERMELHO-

CAMINHAR FLORESTA, FLORES-NO-CHÃO. [FELIZ] CHAPEUZINHO-

VERMELHO-ANDAR CAMINHO (o caminho é descrito primeiro a direita do

espaço de sinalização, terminando à esquerda). CASA. CHAPEUZINHO-

VERMELHO-CHEGARCASA (a direita do espaço de sinalização)

CV: bater-na-porta.

segurar-cesta

N: LOBOCOBERTO (a esquerda do espaço de sinalização)

L1.: PODER ENTRAR esconder-rosto-coberta.

CV: abrir-porta. Pro2 VOZ DIFERENTE pro213?

L2: Pro1 DOENTE ENTENDER? Esconder-rosto-coberta

CV: [PENSATIVA] colocar-cesta-no-chão. Pro2 ANTES VOVÓ MINHA NÃO-

TER ORELHAS-GRANDES, pro2 ORELHAS-GRANDES, POR-QUE? COMO?

L3: ME-PEGOU14...! (olhando para o lado oposto à Chapeuzinho Vermelho)

PORQUE pro1 OUVIR BEM pro2 ENTENDER? Esconder-rosto (vira

novamente para o lado oposto à Chapeuzinho Vermelho). ME-PEGOU...!

CV.: [PENSATIVA]... ESTRANHO! ANTES MINHA VOVÓ NÃO-TER OLHOS-

GRANDES, pro2 TER OLHOS-GRANDES. ESTRANHO pro2!

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L4: ME-PEGOU DIFERENTE...! PORQUE OLHOS-GRANDES 1VER2 BEM

ENTENDER?

CV: [PENSATIVA]... MINHA ANTES VOVÓ NÃO-TER NARIZ-GRANDE, pro2

TER NARIZ-GRANDE, POR-QUE? COMO?

L5: PORQUE pro1 CHEIRAR BEM pro2 ENTENDER?

CV: [PENSATIVA] olharvovó. DIFERENTE pro2! ANTES VOVÓ NÃO-TER

DENTES-GRANDES, pro2 TER DENTES-GRANDES, POR-QUE?

L6: [NERVOSO]! PORQUE DENTES-GRANDES, PORQUE pro1 COMER BEM

pro2 ENTENDER? Abrir-boca

(...)

Pode-se perceber, nestes exemplos, a marcação pronominal realizada

de maneira explícita, pelo uso dos pronomes de primeira e segunda pessoas,

pela incorporação pronominal nos verbos que aceitam conjugação de pessoa e

número (1VER2 – eu ver você15), pelo direcionamento do olhar para o

interlocutor e pela direção dos movimentos realizados.

No entanto, este episódio aponta ainda para um outro processo

discursivo: foi possível notar nas enunciações do lobo (principalmente nas falas

L3 e L4 do personagem) a presença de duas vozes – a dele e a da

Chapeuzinho Vermelho antecipada – , introduzida em sua enunciação na forma

de discurso interior e realizada através da mudança na direção do olhar para o

lado oposto ao que Chapeuzinho Vermelho se encontrava. Este fato pode ser

observado quando ele enuncia para si o fato da menina ter percebido que ele

não era a vovó – ME-PEGOU (virando a cabeça e/ou escondendo-se sob a

coberta) – revelando a consciência que tem de si como diferente e antecipando

o que não foi dito por Chapeuzinho Vermelho – esta não é a minha vovó. Ao

interpretar a estranheza de Chapeuzinho Vermelho quanto à mudança na

aparência da vovó – a palavra do outro sobre si mesmo – o lobo procurou

destruir esta palavra, buscando convencê-la de que sua impressão estava

equivocada.

Há, assim, no discurso do lobo o esboço da apreciação do outro

suscitando conflito e embaraço e, portanto, instaura-se um choque dialógico,

de duas consciências, surgidas de duas réplicas que se fundiram; há "o

cruzamento e a interseção de duas consciências em cada elemento da

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consciência e do discurso, em suma, a interferência de vozes no interior do

átomo" (BAKHTIN, 1929, p. 212).

Dessa forma, embora o discurso utilizado pelos personagens

caracterize-se pelo tipo direto, com fronteiras delimitadas, foi possível perceber

a presença do discurso do outro em suas enunciações e

da dialogicidadeconstitutiva da linguagem.

No caso da voz do narrador, observou-se um funcionamento discursivo

diverso ao utilizado pelos personagens. No que se refere ao posicionamento

espacial, pôde-se notar que todas as suas enunciações foram realizadas a

partir de um único e mesmo lugar no espaço de sinalização – no centro do raio

do semicírculo enunciativo –, marcando com essa "rigidez" referencial, um

distanciamento do jogo dinâmico de posicionamentos espaciais assumidos

pelos personagens. Os movimentos realizados no espaço pelo narrador

ficaram restritos à rotação na orientação de seu corpo no eixo vertical,

necessários para a introdução dos personagens e/ou para situá-los nas

diversas atualizações contextuais.

O olhar utilizado pelo narrador também se diferenciou daquele dos

personagens: embora pela própria organização e materialidade da LIBRAS o

narrador necessite dirigir seu olhar para os personagens como marca

discursiva de referência, esse era preciso a um determinado local do espaço de

sinalização (aquele de referência dos diferentes personagens no contexto em

que eles se faziam presentes) e, em seguida, voltava-se para frente, dirigindo-

se ao interlocutor que o vê narrar a história.

Além disso, em todas as suas enunciações, o narrador fez uso do

discurso indireto e, portanto, utilizou-se de um tipo discursivo diferente do

adotado pelos personagens. Como exemplo, foi selecionado o seguinte

episódio relativo à introdução do texto dos Três Porquinhos:

Exemplo 4:

N.: FLORESTA CASA, AQUI M-A-E PORQUINHOS (à direita do enunciador). 3

FILHOS, 3 PORQUINHOS (a esquerda do enunciador).

MÃECAMINHARPORQUINHOS (posiciona-se mais a esquerda no espaço de

sinalização, mas mantém-se a direita se em relação aos porquinhos). Pro3P

(aponta para os porquinhos e olha para frente), 3 PORQUINHOS, CRESCER

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JÁ (olha para frente), CUIDAR3P IMPOSSÍVEL (olha para frente). MÃEOLHAR3P,

CHAMAR3P, pro3P TRABALHAR IR. (olha para frente) 3 PORQUINHOS (olha

a direita balançando a cabeça)

OK (olha para frente).

ABRIR-PORTA SAIR M-A-E TCHAU. TRÊS-PORQUINHOS

TCHAU (olha para a direita e para frente)

-SAEM-ANDANDO (olha para frente e para a esquerda). PRIMEIRO

PREGUIÇOSO VONTADE 3

TRABALHAR NÃO, PREGUIÇOSO. SEGUNDO MAIS-OU-MENOS VONTADE

ESTUDAR, MAIS-OU-MENOS. TERCEIRO INTELIGENTE, VONTADE

TRABALHAR-MUITO, MUITO-INTELIGENTE TERCEIRO. TRÊS-

PORQUINHOS-SE-SEPARAM (mantendo a localização a esquerda do

sinalizador).

(...)

Neste exemplo, o uso do discurso indireto pelo narrador pôde ser

percebido a partir de duas marcações discursivas diferentes: pela nomeação

dos personagens antes de sua enunciação (3 PORQUINHOS OK; M-A-

ETCHAU) e pela mudança de olhar, que se desvia do local de referência dos

personagens para a frente.

Este jogo de olhar para a referência e para a frente possibilitou, ao

narrador, apagar as fronteiras do discurso do outro (da mãe), assumir uma

posição discursiva fluída, unindo sua voz à linguagem dos personagens e,

desse modo, em sua fala, pôde-se fazer presente também a voz da mãe dos

porquinhos quando ela avalia o fato de seus filhos terem crescido e, portanto,

ser impossível para ela criá-los sozinha. O discurso do outro e o contexto de

transmissão foram apresentados numa inter-relação dinâmica, num reflexo

da "dinâmica da inter-relação social dos indivíduos na comunicação ideológica

verbal." (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 148). Essa construção discursiva

difere daquela utilizada pelos personagens (conforme comentado

anteriormente).

No que tange ao distanciamento físico-espacial do narrador, este não o

impossibilitou de assumir uma posição ideológica sobre a situação, imprimindo,

em sua enunciação, seu acento apreciativo particular. No exemplo acima, esta

apreciação valorativa do narrador pode ser percebida nas enunciações:

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"primeiro [porquinho] preguiçoso", "segundo [porquinho] tem mais ou menos

vontade de estudar" e "terceiro [porquinho] inteligente".

Desse modo, pode-se dizer que, pelo posicionamento do corpo do

narrador e pela mudança no direcionamento do olhar, foi possível a ele

garantir, discursivamente, que sua voz não se sobrepusesse à dos

personagens, na medida em que, pela própria materialidade da LIBRAS, as

ações realizadas pelos personagens no decorrer do texto (sejam elas narradas

ou "realizadas" pelos próprios personagens), eram, em alguns momentos,

desenvolvidas pela "encenação" dos fatos ocorridos. A fim de melhor

esclarecer este ponto será apresentada a transcrição do episódio em que o

lobo invade a cada da vovó para esperar Chapeuzinho Vermelho com a

intenção de devorá-la.

Exemplo 5:

(...)

N: LOBO-MAU-CAMINHAR-RÁPIDO. LOBO-MAU-CHAPEUZINHO-

VERMELHO-CAMINHAR-DEVAGAR ____________ CAMINHAR-MAIS-RÁPIDO.

CORRER. LOBO-MAU-CAMINHAR-MAIS- RÁPIDO______________.

CHAPEUZINHO-VERMELHO-CAMINHAR-DEVAGAR _____

LOBOCORRER LOBOCORRER LOBOCORRER. LOBO-MAU-CAMINHAR-RÁPIDO.

CAMINHO (o caminho é descrito primeiro a direita do espaço de sinalização,

terminando a esquerda). CASA LOBO-CHEGARCASA (chega a direita da

localização da casa). cansar, olhar-para-trás. LOBO-PARAR-EM-FRENTE-A-

PORTA. VOVÓ ESTAR DOENTE COBERTA (tronco em rotação vertical a

esquerda). PORTALOBOENTRAR-CORRENDO. VOVÓASSUSTAR (tronco em

rotação vertical a esquerda). LOBO-CORRERVOVÓ

LOBOENCONTRARVOVÓ. VOVÓASSUSTAR (tronco em rotação

VOVÓ

vertical a esquerda). LOBOSEGURARVOVÓ-PELOS-BRAÇOS (desloca o tronco

em direção ao local de referência da vovó e volta ao seu posicionamento

inicial). LOBOAMARRAR-BRAÇOSVOVÓ (respeitando o espaço de referência da

vovó quando ao amarrá-la). VOVÓGRITAR VOVÓGRITAR VOVÓGRITAR (tronco em

rotação vertical a esquerda). LOBOAMARRAR-BOCAVOVÓ (inicia a ação no

espaço de referência da vovó e termina no espaço do narrador realizada no

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próprio corpo). LOBOSEGURARVOVÓ-PELOS-BRAÇOS (desloca o tronco em

direção ao local de referência da vovó e volta ao seu posicionamento

inicial).LOBOOLHARESPAÇO-SEGURANDOVOVÓ-PELOS-BRAÇOS.

ONDE? LOBOSEGURARVOVÓ-PELOS-BRAÇOS (desloca o tronco em direção ao

local de referência da vovó e volta ao seu posicionamento inicial). ARMÁRIO (a

esquerda do espaço de enunciação) COLOCARVOVÓ-DENTRO. FECHAR-

PORTA, RIR (olha para frente)

L: Pro1 IDÉIA! ROUPA.... Vestir-roupa, colocar-touca, colocar-óculos. Pro3

VERMELHO MENINA PENSAR pro1 VERDADE VOVÓ. Rir, esfregar-as-mãos.

Deitar. Cobrir-se

(...)

Neste exemplo da história da Chapeuzinho Vermelho, pode-se

observar que o narrador, ao contar as "ações" realizadas pelo lobo na casa da

vovó, manteve suas enunciações em discurso indireto, unindo sua voz à dos

personagens. Incorporou as ações do lobo e da vovó realizando expressões

faciais condizentes com elas; no entanto, a movimentação de seu corpo indicou

marcas discursivas particulares, que se diferenciam daquela dos personagens:

os movimentos realizados foram, unicamente, de seu tronco e no início da ação

(como marca discursiva de referência ao personagem que a estava realizando),

retornando ao centro do espaço de sinalização na finalização da mesma. Além

disso, ao final da narração do episódio, o sinalizador desvia seu olhar para a

frente, marcando, pelo direcionamento do olhar, a pessoa do discurso.

A inclusão da voz do lobo na história é realizada em seguida à

narração de suas ações pelo sinalizador e, essa diferenciação das vozes, pode

ser observada pela presença do discurso direto, em primeira pessoa, utilizado

pelo lobo (Tive uma ideia! A roupa...; Ela, Chapeuzinho Vermelho, irá pensar

que eu sou a vovó de verdade!), pela maior liberdade na movimentação do

corpo do sinalizador (seu tronco é deslocado para a esquerda do semicírculo

de sinalização para pegar a roupa, os óculos e a touca da vovó e, na

"encenação" do vestir cada um dos utensílios, as expressões faciais e a

liberdade de movimentos indicam os atos realizados) e pelo olhar (direcionado

para cima, para a esquerda e/ou para a direita, mas nunca para frente).

Pode-se dizer, assim, que nos dois textos analisados para este estudo,

a separação das vozes do narrador e dos personagens foi realizada pelo uso

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diferenciado do espaço de enunciação, pela presença do discurso indireto (do

narrador) e do direto (dos personagens), pelas marcas discursivas verbais (uso

dos pronomes pessoais) e não-verbais (jogo de olhar, direcionamento dos

movimentos dos sinais e movimentação que cada um realiza no espaço de

enunciação e no eixo vertical do corpo).

CONCLUSÃO

O presente estudo, desenvolvido à luz da teoria enunciativa

bakhtiniana, buscou compreender a língua em funcionamento, ou seja, a

linguagem em sua dimensão discursiva. A partir da consideração de que o

discurso se constrói a partir de gêneros discursivos que variam e se constituem

nas diversas esferas de atividade humana, este trabalho se propôs a estudar o

funcionamento da LIBRAS no gênero contos de fadas.

As análises realizadas, embora ainda iniciais, apontaram alguns

aspectos relevantes sobre a organização discursiva da LIBRAS quando em seu

uso neste gênero, particularmente no que se refere à dinâmica interdiscursiva

que o constitui. Melhor dizendo, permitiu a compreensão de como os discursos

do narrador e dos personagens presentes nos textos são construí- dos, como

eles se diferenciam quanto aos aspectos composicionais, como assimilam o

discurso do outro e como se inter-relacionam entre si e com o todo textual para

o tratamento do tema.

A partir da análise de dois textos – Chapeuzinho Vermelho e Os Três

Porquinhos – foi possível perceber que os personagens têm suas vozes

marcadas segundo o lugar no espaço de enunciação que assumem; no

entanto, estes locais variam segundo o contexto discursivo assim como são por

ele determinados. Dessa forma, eles não apresentam um posicionamento fixo

no espaço, mas sim, movimentam-se neste espaço posicionando-se a direita

do sinalizador sempre que entram "em cena", deslocando aquele que já se

encontra presente no contexto enunciativo para um posicionamento a esquerda

do enunciador. Estes posicionamentos distintos, entretanto, não interferem no

plano discursivo dos personagens no contexto da história. A diferenciação no

plano discursivo é feita, apenas, quando na inclusão de objetos ao contexto

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discursivo, que assumem um posicionamento à esquerda no espaço de

enunciação em caráter de fundo discursivo.

O direcionamento do olhar, as expressões faciais, a direção dos sinais

e os movimentos de corpo do sinalizador quando as vozes dos personagens

fazem-se presentes, são importantes marcas discursivas da(s) pessoa(s) do

discurso e indicativas das separações das vozes do narrador e dos

personagens. Observou-se, também, que, dependendo da avaliação

apreciativa que os personagens fazem da situação, sua sinalização pode vir a

alterar-se quanto à fluência e amplitude, além de haver um maior

distanciamento ou aproximação dos personagens quando estes se encontram

frente a frente.

No que se refere ao narrador, observou-se que ele adota uma posição

fixa no espaço de enunciação – centro do raio do semicírculo – fazendo uso de

movimentos restritos ao eixo vertical de seu corpo. Esta "rigidez" espacial e de

movimentação do corpo lhe possibilita garantir um certo distanciamento da

dinâmica interdiscursiva instaurada entre os personagens, mas, no entanto,

não o impede de posicionar-se discursivamente apresentando sua própria

avaliação apreciativa da situação.

Percebeu-se, também, que o tipo de discurso adotado pelos

personagens é o direto e, em sua maioria, o diálogo é compreendido em seu

sentido mais estrito; porém, é possível observar neles a presença constante da

palavra do outro, às vezes antecipada no discurso de quem fala. Esta

relação dialógica, essência do discurso, apresenta uma construção distinta se o

foco de observação mudar para o narrador, pois ele utiliza-se sempre o

discurso do tipo indireto. No entanto, observa-se também presente em suas

enunciações a voz do outro e sua acentuação valorativa, numa interação

discursiva constante entre os personagens, as situações e o todo textual.

Conforme exposto anteriormente, este estudo pretendeu a realização

de uma leitura inicial dos processos discursivos próprios do gênero contos de

fadas em LIBRAS e, portanto, ele não se encerra nele próprio. Na verdade, os

dados aqui discutidos apontam para a necessidade de continuidade, de um

maior aprofundamento nos estudos discursivos em LIBRAS, a fim de que os

achados aqui apresentados sejam complementados e melhor conhecidos tanto

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no gênero contos de fadas, como nos diversos outros gêneros discursivos em

LIBRAS.

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1 Por ser nesta corrente que se inscreve a maioria dos estudos sobre as

línguas de sinais, as discussões que aqui se iniciam estarão restritas a esta

segunda orientação. Os interessados numa discussão sobre a primeira

corrente devem remeter-se a Bakhtin/Volochinov (1929).

2 Ênfase adicionada.

3 Segundo Ferreira-Brito (1995), os sistema pronominais da LIBRAS têm, como

ponto central de organização, um sistema de orientação determinado por

localizações espaciais específicas dentro do espaço de enunciação. A autora

diferenciou três níveis espaciais: "1) a localização como componente interno da

estrutura de um sinal; 2) a localização como parte do espaço de enunciação

usado como a estrutura linguística para os pronomes (interpretação espacial

linguística dos referentes); 3) a localização real dos participantes

conversacionais e dos referentes de terceira pessoa" (Ferreira-Brito, 1995: 92).

Estes três níveis são coincidentes para a referência de primeira pessoa; para

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referência de segunda pessoa, as diferenciações nos três níveis, por não

causarem impacto na realização do sinal, têm a localização obscurecida. No

caso da referência de terceira pessoa, o primeiro nível é distinguido pelo olhar

ou pela orientação do olhar, garantindo a diferenciação entre os referentes de

segunda e terceira pessoas. No segundo nível, a localização da terceira

pessoa pode ocorrer: a) como projeções verticais no espaço de enunciação

sem sobreposição aos referentes de primeira e segunda pessoas; e b) através

do uso do corpo do enunciador que se desloca em direção à localização de

terceira pessoa. No terceiro nível, em casos de referentes presentes, aponta-se

para a área na qual a pessoa está localizada; com referentes não-presentes, a

referência é realizada pela associação da pessoa a pontos do espaço

determinados pela situação conversacional. Em alguns casos os pronomes

podem também ser incorporados aos sinais através das relações estabelecidas

com determinados verbos, como pode ser observado a seguir.

Os verbos em LIBRAS, conforme descreveu Quadros (1997), podem ser

divididos em três classes: 1) os que se flexionam em pessoa e em número não

utilizando afixos locativos (verbos conhecer, amar, aprender, saber, gostar,...);

2) os verbos espaciais que possuem afixos locativos (verbos viajar, ir,

chegar,...); e 3) os denominados verbos de concordância ou direcionais, únicos

que se flexionam em pessoa e em número sem tomar afixos locativos (verbos

dar, responder, perguntar, ajudar, dizer...). Esta última classe de verbo

possibilita a incorporação pronominal através da mudança de

direção/movimentação do verbo no momento da enunciação. Quadros

&Karnopp (2004) acrescentaram a esta classificação uma outra classe de

verbos denominada handlingverbs ou verbos manuais. Nestes, utiliza-se uma

configuração de mão em que se representa o segurar do objeto a que se está

fazendo referência (ex.: pintar-a lápis; pintar-a-pincel). Esses verbos, segundo

as autoras, são utilizados na finalização da sentença, após a contextualização

sobre o que se está falando. Inclui-se nesta classe de verbos os

classificadores, que incorporam a informação verbal da sentença e, quando

necessário, o objeto.

4 Embora a LIBRAS como objeto de estudo não tenha sido o foco de seu

trabalho, Sá (1998), ao analisar uma entrevista realizada com um surdo adulto,

discutiu a polifonia e a heterogeneidade constitutiva da linguagem – em

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LIBRAS – apontando também para a necessidade do desenvolvimento de

estudos sob uma perspectiva discursiva.

5 Vídeo comercial Literatura em LSB. Califórnia/Rio de Janeiro: Dawn

Pictures/LSB Vídeo, 1998.

6 A palavra voz neste trabalho está sendo usada segundo o conceito

bakhtiniano do termo.

7 Dada a materialidade visual-gestual da LIBRAS, o ideal seria que os

exemplos fossem tomados e apresentados por intermédio de recursos visuais.

Frente a impossibilidade de fazê-lo, optou-se pela transcrição das situações

selecionadas, respeitando-se a organização específica da LIBRAS e não a

tradução destes episódios para o português. Para a realização da transcrição,

adotou-se o sistema proposto por Ferreira-Brito (1995), mais especificamente

os itens referentes a: 1) uso de letras maiúsculas em português na transcrição

das enunciações em LIBRAS; 2) transcrição dos verbos na forma infinitiva, já

que não há flexão para modo e tempo verbal em LIBRAS; 3) representação dos

pronomes pela notação pro + os números de 1 a 3 para as pessoas no singular

e a notação 1p, 2p e 3p para as pessoas no plural; 4) para o verbos direcionais

ou de concordância, utilizou-se os números de 1 a 3 para marcar as pessoas

no singular e a notação 1p, 2p e 3p para as pessoas do plural (neste trabalho,

as pessoas foram transcritas juntamente com os verbos, em subscrito e, em

alguns momentos, ao invés da marcação pronominal proposta, foi utilizado o

nome do personagem a fim de evitar ambiguidade referencial); 5) como na

LIBRAS não há marcação de número e gênero, esta informação constou nas

transcrições tendo como base o contexto da enunciação; 6) nas transcrições

não serão encontrados artigos e preposições, pois os primeiros não existem

em LIBRAS e os últimos são incorporados na organização gramatical espacial

desta língua; 7) no caso do uso do alfabeto digital ou datilologia, as letras foram

grafadas em maiúscula, em negrito, e foram separadas por um hífen; 8)

quando foram utilizadas duas ou mais palavras em português para a expressão

de um conceito, que em LIBRAS, é enunciado por um único sinal, as palavras

apareceram ligadas por um hífen; 9) quando um único enunciado foi realizado

com as duas mãos simultaneamente, um sinal foi colocado em cima do outro

em linhas diferentes, estando na primeira, o sinal realizado com a mão direita

(neste trabalho, quando, num único enunciado, houve a utilização das duas

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mãos não simultaneamente, manteve-se a mesma notação, respeitando-se a

diferença temporal entre os sinais). Incluiu-se, neste estudo: 10) quando houve,

nos enunciados, a manutenção do sinal ou da configuração de uma das mãos,

essa continuidade foi marcada pela presença de linha pontilhada; 11) a

pontuação utilizada pelo português escrito, a fim de garantir uma maior

compreensão dos episódios, respeitando-se, para tal, as marcações

discursivas da LIBRAS; 12) explicações sobre diferenciações no uso do espaço

discursivo foram grafadas entre parênteses; 13) as expressões faciais e

corporais do enunciador, por serem marcas discursivas de significação, foram

transcritas em maiúscula e entre colchetes; 14) quando uma enunciação tiver

ocorrido por meio de aspectos discursivos não-verbais – a

realização/encenação de uma ação e não sua verbalização – essa informação

encontra-se em minúscula, respeitando-se a organização da LIBRAS.

8 Utilizou-se neste trabalho as iniciais: N, CV, Le, L, V, M, 3P e P1 para

narrador, Chapeuzinho Vermelho, lenhador, lobo, vovó, mãe, três porquinhos e

primeiro porquinho, respectivamente.

9 Mão fechada com dedo indicador estendido para cima, palma para frente (cf.:

Ferreira-Brito, 1995).

10 Os autores fizeram referência ao seguinte trabalho: Lidell, S. K. (1995)

Tokensandsurrogates. In: Emmorey, K.; Reilly, J. (eds.) Language, Gesture and

Space. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates Inc.

11 Os aspectos enunciativos próprios do narrador serão discutidos em maior

detalhe a seguir.

12 Neste exemplo, as falas do lobo foram numeradas a fim de auxiliar a

discussão das mesmas.

13 Todas as enunciações de Chapeuzinho Vermelho, neste exemplo, foram

realizadas com o olhar direcionado para seu interlocutor (portanto, a esquerda)

e deslocado levemente para baixo. As do lobo também tiveram o olhar

direcionado ao interlocutor (a direita) deslocado levemente para cima.

14 No sentido de ter sido descoberto, de Chapeuzinho Vermelho ter percebido

tratar-se do lobo.

15 Ver explicação sobre estes verbos na nota nº 7.

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"LIBRAS"(LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS)

UM ESTUDO ELETROENCEFALOGRAFICO DE SUA FUNCIONALIDADE

CEREBRAL

Fábio Theoto Rocha10

INTRODUÇÃO

No mundo tecnológico moderno aumentou-se a necessidade de uma

educação formal que habilite o indivíduo ao mercado de trabalho e lhe permita

usufruir melhor das oportunidades de lazer e saúde disponíveis na sociedade.

Essa demanda de educação formal, por sua vez, pressiona a sociedade para

que melhore seus serviços de ensino, quer público ou privado, para prover uma

educação que não só beneficie o indivíduo, mas que também garanta o

desenvolvimento tecnológico futuro dessa mesma sociedade. A demanda pela

educação inclui grupos de indivíduos com necessidades especiais decorrentes

de suas condições físicas e biológicas, que acarretam distúrbios ou deficiências

de aprendizagem.

Cerca de dez por cento da população em idade escolar experimenta

uma disfunção cerebral que resulta em um distúrbio ou deficiência de

aprendizagem (AICARDI, 1998; CAPUTE e ACCARDO, 1996; COFFEY AND

BRUMBACK, 1998; SPREEN et al, 1995). Entre 0.56 a 2.3 por 1000 crianças

apresentam perda sensível da audição que compromete o desenvolvimento da

linguagem falada (Panoscha, 1996). Embora essas crianças tenham sido

discriminadas no passado, hoje se procura incluí-las no processo educacional.

Para isso torna-se necessária uma melhor compreensão de suas capacidades

e de como utilizá-las no processo de ensino.

10Gerente da EINA - Estudos em Inteligência Natural e Artificial Ltda. Texto publicado e disponível em:

http://www.enscer.com.br/pesquisas/artigos/libras/libras.html. Acesso em: 30 set. 2013.

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O uso dos novos conhecimentos disponibilizados pelas neurociências

na modelagem dos processos formais educativos tem resultado em novas

propostas de trabalho nas áreas da educação infantil e ensino fundamental

(BUTTERWORTH, 1999; CARDOSO-MARTINS, 1996; HARLEY, 1995;

PINHEIRO, 1994; SIEGLER, 1996; ROCHA, 1999, 2000). Essas novas

abordagens têm contribuído para uma melhoria da qualidade de ensino e um

aumento de sua efetividade. Assim, para que novas propostas de trabalhos

sejam criadas é fundamental primeiro compreender o processamento neural da

criança com deficiência, para com isso saber quais são os recursos a serem

utilizados para facilitar seu aprendizado.

Todas as sociedades humanas utilizam gestos motores para

complementarem suas informações sonoras veiculadas por meio da fala.

Muitas vezes nos parece impossível falar sem movermos nossas mãos, nossos

olhos e nossos braços (ARMSTRONGet al, 1995). Para os falantes esses

gestos apenas ajudam a ilustrar um objeto, indicar uma direção, mostrar um

estado emocional, mas para indivíduos privados da percepção do estímulo

sonoro, eles passam a ser a única expressão capaz de ser compreendida.

Esses indivíduos aprimoram tanto seus gestos que se tornam capazes de se

comunicarem exclusivamente por meio de uma linguagem de sinais.

As línguas de sinais surgem de maneira espontânea, pela utilização de

gestos e por mímicas realizadas por um grupo de indivíduos surdos (Capovilaet

al, 1998). Tal grupo convenciona e desenvolve certos padrões gestuais

próprios para cada objeto, ação, estado psíquico e emocional. O

aperfeiçoamento de tais padrões alcança a complexidade existente em

qualquer língua falada, contendo todos os níveis linguísticos: fonológico,

morfológico, sintático, semântico e pragmático.

Para a língua brasileira de sinais (Libras), como para outras linguagens

por sinais, a fonologia delimita as unidades mínimas distintivas, consideradas

como fonemas, a partir da decomposição dos movimentos das mãos, dos

braços e das expressões faciais. Brito (1995) divide os fonemas manuais em

duas categorias, baseando-se nos seguintes parâmetros: primários, que

definem a configuração das mãos, sua posição em relação ao corpo (ponto de

articulação) e o movimento exercido por elas; secundários, que se referem à

região de contato das mãos, à orientação das mesmas e à disposição das

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palmas (para baixo ou para cima). As expressões faciais e os movimentos do

corpo não chegam a distinguir significados distintos, mas funcionam como

modificadores.

A morfologia da língua de sinais também pode ser segmentada em

fonemas. Algumas palavras são formadas apenas por uma determinada

configuração de mão apresentada em qualquer posição do espaço, porém a

maioria das palavras nas línguas de sinais é formada por um conjunto visual

que pode envolver todos os parâmetros distintivos. Na sintaxe, a Libras se faz

compreender pela ordem temporal dos constituintes durante a sinalização. A

ordem padrão é sujeito, objeto e verbo, mas como nas línguas faladas tal

ordem pode ser trocada de acordo com a topicalização desejada, contanto que

não se crie ambiguidade.

Sabe-se que no processamento e produção da fala os falantes usam

áreas específicas do lóbulo temporal esquerdo e de áreas frontais esquerdas.

No processamento cerebral de uma língua falada o estímulo sensorial sonoro é

codificado primeiramente na área auditiva verbal, onde as informações

sensoriais referentes a cada palavra fazem certos neurônios dessa área se

associarem aos neurônios da área de Broca e certos neurônios à área de

Wernicke (VAN BERKUM et al. 1999; COHENet al. 2000; FEDERMEIERet al,

2000; MURTAet al, 1999; PERANIet al. 1999; NIet al, 2000; ROCHA 1999;

ROCHA 2000; TARKIAINEN et al. 1999). As palavras que denominam uma

ação (verbo) são codificadas por neurônios da área de Broca, que representa

os movimentos dos verbos. As palavras que definem um nome (substantivo e

adjetivo) são codificadas pelos neurônios da área de Wernicke, que por sua

vez se associam com os neurônios ou das áreas visuais para composição de

um objeto, ou da área límbica para identificação de um sentimento, ou das

áreas de olfação e gustação para recriação das sensações olfativas e palatais.

Isto é, por meio de Wernicke ativam-se neurônios que estão associados às

características semânticas das palavras (DAMASIOet al. 1996).

Pode-se criar a hipótese de que os verbos são inicialmente

identificados em Broca, sendo ativadas a partir dele áreas parieto-temporais

para o recrutamento das palavras adequadas referentes à semântica e à

sintaxe de cada verbo (ROCHAet al, 2001). RizzolattiandArbib (1998)

propuseram que Broca é uma área análoga a uma área frontal do cérebro dos

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macacos, onde os autores encontraram "neurônios espelhos", ou seja, células

que são ativadas quando os macacos estão executando uma ação ou quando

estão apenas observando outro indivíduo realizar uma ação semelhante. A

área de Broca possui, portanto, neurônios que respondem tanto à ação motora

em si quanto à informação sensorial associada à mesma ação, sendo ela

auditiva ou visual. No primeiro caso um neurônio representa uma ação no

sistema motor e será chamado, aqui, de neurônio de representação de ações;

no segundo caso representa a fonação de uma palavra e será chamado, aqui,

de neurônio de representação verbal. A proximidade desses dois neurônios na

área de Broca facilita as conexões sinápticas entre eles, e consequentemente

cria a condição para definir a sintaxe e semântica (neurônio de representação

da ação) do verbo (neurônio de representação verbal). Um modelo semelhante

pode ser assumido para a área de Wernicke, onde neurônios que possuem

conexões com as áreas de processamento das outras sensações físicas: visão,

tato, olfato, e com as áreas de memória, do sistema límbico, etc.,

possibilitariam o acesso à semântica das palavras representadas verbalmente

em neurônios do córtex auditivo vizinho ou mesmo em neurônios da própria

área de Wernicke.

Na figura 1, por exemplo, os neurônios auditivos temporais que

reconhecem a forma auditiva da palavra comer, ativam neurônios na área de

Broca (come na Fig1) correspondentes à sua fonação e à ação representada

por esse verbo, e o reconhecimento das formas sonoras das

palavras leão e carne ativa os neurônios da área de Wernicke que dão acesso

às áreas cerebrais que reconhecem esses elementos e definem a semântica

dessas palavras. O neurônio de representação das ações na área de Broca

estabelece relações sinápticas com neurônios de representação dos nomes em

Wernicke, que representem elementos que podem estar envolvidos com a ação

que o verbo descreve. Dessa maneira o reconhecimento do verbo comer na

área de Broca, favorece a ativação dos neurônios referentes às

palavras leãoe comer, o que confirma que essas palavras obedecem à sintaxe

do verbo comer e fazem parte do campo semântico da ação desse verbo.

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Fig. 1 Processamento neural de uma frase.

Além de Broca e Wernicke há uma região específica para codificação

das palavras de função (BERKUMet al, 1999; BROWNet al. 1999). A posição

de tal área ainda não está bem definida, mas supõe-se que ela se encontra

próxima à área de Broca. Essa área é fundamental para a análise da relação

das palavras em uma frase, pois, fora a ordem das palavras, é por meio das

conjunções e preposições que podemos definir a função delas na frase. No

lóbulo frontal a ordem das palavras e as informações veiculadas pelas palavras

de função fazem com que as palavras da frase façam sentido, uma em relação

à outra e permitam a compreensão do enunciado como um todo.

A decodificação verbal deve acessar memórias distintas para extrair

significado das informações recebidas visual ou verbalmente (SMITHet al,

1998), algumas vezes de forma ordenada no tempo; algumas vezes de acordo

com relações espaciais definidas; algumas vezes dependendo da familiaridade,

etc.(CURTIS et al, 2000; DAFNERet al, 2000; GABRIELI,et al, 1998; ELIAS,

1999; HOPFINGER, 2000; MARSHETZ, 2000; SMITH, 1998; ST GEORGE,

1999; UNGERLEIDER, 1998). A decodificação verbal é, portanto, uma tarefa

complicada que deve ser resolvida por um grande número de neurônios

distribuídos por quase todo o cérebro, neurônios esses especializados em

tratar os diferentes aspectos do discurso. O recrutamento da memória, o

controle da atenção, o processamento visual e a imaginação mental envolvida

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nesse processo, são basicamente controlados pelo córtex frontal, mas também

envolve neurônios distribuídos por outras áreas: parietal, temporal e occipital,

além do hipocampo e áreas adjacentes (BREWER, 1998; HENSON, 1999;

HOPFINGER, 2000; KOSSLYN, 1999; MCDERMOTT, 2000; ROCHA, 2001).

A literatura tem mostrado até o instante que os circuitos neurais para a

linguagem de sinais funcionam de maneira, senão idêntica, ao menos

semelhante no processamento cerebral da língua oral. Porém, a diferença clara

e fundamental é a natureza do estímulo sensorial. As áreas lingüísticas não

sendo mais ativadas a partir da área auditiva verbal serão ativadas a partir de

áreas de processamento visual (NISHIMURAet al, 1999; SÖDERFELDTet al,

1997; EMMOREYet al, 2001). As áreas visuais primárias se associam a área

de representação de movimento das mãos (que se encontra na região parietal

esquerda). Essa área passa a fornecer a informação necessária para Wernicke

e Broca codificarem a ação dos verbos e a semântica dos nomes. Outras áreas

visuais serão recrutadas para a identificação da sua relação em relação ao

corpo, ao seu formato e sua direção. (ISHAI, 2000; KANWISHER, 1997;

MAUNSELL, 1995; NAKAMURA, 2000; O’CRAVEN, 2000; RIESENHUBER,

1999; YOUNG, 1995; EMMOREYet al, 2001). Essas áreas se acham

distribuídas no córtex temporal bilateralmente.

Outra diferença marcante nas línguas de sinais é o uso do espaço

como referência anafórica. Assim, projeta-se um objeto em uma determinada

posição do espaço e quando se quer retomar esse objeto na frase aponta-se

para a posição em que ele havia sido transportado (Bellugiet al, 1996). Tal

recurso cria a necessidade de outras áreas cerebrais, referentes ao

processamento visual espacial, se envolverem no processamento linguístico. A

incapacidade de controlar tal processo acarreta aos sinalizantes um tipo de

afasia onde o indivíduo perde a capacidade de manter um discurso coerente.

Segundo Hickoket al. (1999), um indivíduo com lesões nas áreas mais

anteriores do hemisfério direito era incapaz de utilizar a referência espacial e

manter um discurso coerente, contudo ele ainda mantinha operante todas as

outras funções linguísticas. A referência espacial depende praticamente do

processamento neural do campo visual, relacionando os objetos uns em

relação aos outros de acordo com sua posição no espaço. Tal processamento

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ocorre justamente nas áreas mais anteriores do hemisfério direito, por isso a

afazia de discurso nos pacientes com lesões de hemisfério direito.

A organização estrutural das redes neurais referentes a cada

processamento cognitivo, apesar de estar predeterminada pela genética,

também depende dos estímulos externos recebidos, principalmente, durante a

infância (Neville et al., 1997). Analisando a atividade cerebral de indivíduos

surdos e ouvintes que haviam aprendido a língua de sinais na infância, Neville

observa ativações semelhantes àquelas ocorridas no processamento das

línguas faladas. No entanto, quando analisa a atividade cerebral de indivíduos

que aprenderam a língua de sinais tardiamente, nota ativações diferentes, pois

tal língua não foi incorporada pelo mesmo sistema linguístico da criança surda,

o que acarreta um déficit na performance daqueles indivíduos. A surdez

congênita induz modificações na estruturação cerebral, pois elimina a

competição sináptica entre informações visuais e verbais em várias regiões do

cérebro. Tal surdez acarreta uma diminuição das terminações nervosas

sonoras, e um consequente aumento das terminações nervosas visuais. Essa

recompensa faz com que indivíduos surdos adquiram maior capacidade

computacional do campo visual periférico com a utilização de áreas temporais.

Essas áreas normalmente estão relacionadas ao processamento sonoro, mas

nos surdos, por falta do estímulo físico, passam a processar informações

visuais refletidas nas margens periférica da retina (NEVILLE, 1996).

OBJETIVOS

O objetivo básico do presente trabalho é procurar compreender o

processo neurofisiológico empregado pelos surdos durante o processamento

da Libras, analisando a atividade elétrica cerebral através da tecnologia de

Mapeamento Cognitivo Cerebral (MCC), desenvolvido por Rocha et al (2001).

Pretende-se também estudar as possíveis diferenças de ativação cerebral no

processamento da Libras entre surdos e ouvintes sinalizantes. Esse estudo

visa orientar o processo didático dos surdos, mostrando os caminhos mais

fáceis e produtivos para o cérebro de uma criança surda aprender a se

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comunicar com outros surdos e com ouvintes não sinalizantes através da

escrita.

Com isso pretende-se contribuir para um melhor conhecimento da

Libras e para o desenvolvimento de estratégias de ensino mais adequadas aos

surdos, aumentando a consciência da rede educacional brasileira para a

existência de uma nova língua atuante no Brasil e carente de um apoio

pedagógico apropriado.

METODOLOGIA

Uma história folclórica do Currupira e um conjunto de charadas sobre

animais foram utilizados para investigar a atividade elétrica cerebral associada

à compreensão da Libras. A sinalização da história e das charadas foi gravada

em vídeo, por uma sinalizadora da Libras (Fig. 2). A história foi dividida em

quatro trechos, correspondente à descrição do personagem Currupira, do seu

comportamento e de sua função na floresta. Cada um dos trechos da história e

das charadas foi ilustrado por um desenhista profissional. O vídeo e as

ilustrações foram utilizados para montagem de videojogos do sistema ENSCER

(Rocha, 2000), chamados aqui de História e Charadas (Fig. 3).

Os vídeos correspondentes a cada trecho da história ou da charada

eram apresentados em um monitor A, enquanto que as figuras

correspondentes eram apresentadas em outro monitor B (Fig. 4). Ambos os

vídeos foram ligados ao mesmo computador que controlava os jogos. Após a

visualização de cada vídeo os voluntários deviam escolher a cena

correspondente ao trecho da história descrito no vídeo, ou ao animal descrito

na sinalização da charada.

O estudo da atividade elétrica cerebral associada à compreensão da

LIBRAS utilizou voluntários destros: 10 crianças surdas congênitas

sinalizadoras, idade média de 12 anos, e 5 adultos em processo de aquisição

da Libras, idade média de 28 anos. Com nenhuma história de distúrbios

neurológicos.

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Fig. 2 Uma amostra do vídeo com a sinalização da LIBRAS

A

B

Fig. 3 Figuras utilizadas no videojogo Histórias (A) e Charadas (B)

Utilizaram-se dois computadores para realizar o estudo (Figura 4). Um

deles fez a aquisição e o registro dos sinais eletroencefalográficos e o outro

apresentou os videojogos. Os dois computadores operaram em rede, de modo

a permitir a sincronização da aquisição do EEG com os eventos associados às

distintas fases dos vídeos jogos. Para colocação dos eletrodos utilizou-se o

sistema 10/20, como ilustrado na figura 4, e a aquisição do EEG é feita a uma

frequência de 256 Hz e com uma precisão de 10 bits.

Os 20 eletrodos são fixados com ajuda de pasta condutora e

distribuídos pelo crânio, 7 na região frontal (FP1; FP2, F7; F3; FZ; F4; F8), 3 na

região central (C3; CZ; C4), 3 parietais (P3; PZ; P4), 4 temporais (T3; T5; T4;

T6) e 3 occipitais (O1; OZ; O2). São utilizados também 3 eletrodos ( 1 para

terra e duas referências), localizados 1 na fronte e 2 nos lóbulos da orelha,

conforme ilustrado na figura 4.

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Videojogo

MCC

ARE

Fig. 4 O EEG durante a execução de jogos

A atividade elétrica cerebral associada a uma tarefa cognitiva

registrada pelo EEG, pode ser estudada através da técnica da Atividade

Relacionada a Eventos (ARE) (veja, por exemplo, Deary et al, 1997, Hillyard et

al, 1998, Rocha, 1990). Nessa técnica, determina-se quais eventos associados

à determinada tarefa cognitiva serão estudados. A atividade elétrica cerebral

durante um período pré-definido é registrada e sua média calculada para todas

as ocorrências desses eventos durante o teste a que o grupo de indivíduos é

submetido. Calcula-se, portanto, a AREe,k associada ao evento e do

videojogo k (Fig. 4) para todos os m voluntários de cada grupo experimental.

Esse cálculo foi realizado para um período de 2000 ms, para os seguintes

eventos:

Apresentação da história: 0, 2 e 4 segundos após o início da

apresentação, a conectividade média calculada para todo o período da

apresentação, dois segundos antes e dois segundos depois do término

da apresentação.

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Charadas: 0, 2 e 4 segundos após o início da apresentação, a

conectividade média calculada para todo o período da apresentação, dois

segundos antes e dois segundos depois do término da apresentação, e

no momento da escolha da decisão correta.

Após a obtenção da AREe,k para o evento e do videojogo k, calcula-se

a correlação ri,j entre a atividade promediada para cada um dos eletrodos ( i

) com os outros 19 eletrodos ( j ), e assim sucessivamente. Utiliza-se esse

coeficiente de correlação linear ri,j para a geração do correspondente Mapa

Cognitivo Cerebral (MCCe,k) de acordo com os seguintes cálculos (Rocha et al,

2001b):

a) a entropia de associação h(ai,j) entre a atividade elétrica promediada

para os eletrodos i,j é obtida como:

h(ai,j) = - ri,j log2 ri,j - ( 1 - ri,j ) log2 ( 1 - ri,j )

b) a entropia média de associação h(mi) entre o eletrodo i os outros 19

eletrodos j é obtida como:

h(mi) = - ri log2 ri - ( 1 - ri ) log2 ( 1 - ri )

onde:

20

ri = 1/20 ri,j

j=1

c) a entropia de comunicação h(ci) utilizada pelos neurônios registrados

pelo eletrodo i é obtida como:

20

h(ci) = h(mi) - h(ai,j)

j=1

O MCCe,k para o evento e do videojogo k é um gráfico em que os

valores de h(ci) para cada eletrodo i é normalizado e codificado em cores

conforme escala previamente definida (Fig. 4), e plotado de acordo com a

distribuição espacial dos eletrodos de registro.

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Resumindo o procedimento para realizar tal estudo:

1. registra-se o EEG durante a realização dos videojogos,

2. utilizam-se dois computadores ligados em rede: um para o registro do

EEG e outro para a execução das atividades

3. os dois computadores são sincronizados, de modo que o EEG registrado

é referenciado aos diversos eventos para cada um dos vídeos jogos;

4. selecionam-se os trechos do EEG associados a cada um dos eventos de

cada jogo.

5. calcula-se para cada evento da atividade e para cada grupo

experimento, a média da atividade elétrica relacionada a esse evento

(ARE);

6. obtém-se a correlação linear da atividade promediada para cada

derivação dos AREs em relação à atividade promediada de todas as

outras 19 derivações;

7. calcula-se então a capacidade computacional (h(c)), ou seja, a entropia

alocada em cada área ou derivação do EEG para a execução do vídeo

jogo, e finalmente

8. constrói-se os mapas cognitivos cerebrais ( MCCs ) mostrando a

capacidade computacional (h(c)) alocada em cada derivação para a

execução de um evento da tarefa estudada.

Usou-se, também, análise fatorial para estudar as possíveis

correlações de variança entre os valores de h(c) calculados para as distintas

derivações do EEG. Dois fatores foram extraídos usando a técnica de

Componente Principais, e esses fatores foram rotacionados usando-se o

método Varimax Normalizado. Se esses dois fatores explicassem mais de 50%

da variabilidade total da h(c), então a análise era considerada válida, e mapas

cerebrais eram construídos (chamados aqui de MFs – figs.) codificando em

cores os valores do coeficiente de correlação obtido para cada uma das

derivações do EEG.

RESULTADOS

O início da apresentação de cada trecho da história do Currupira (fig. 5)

aos surdos recrutou neurônios das áreas centrais (CZ, C3, C4) e frontais (F3,

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FP2, F4) de ambos os hemisférios, e da área parietal medial (PZ). Após dois

segundos de apresentação da história observa-se o envolvimento

predominante de neurônios na região frontal e parietal do hemisfério esquerdo

(F3, P3), na região frontal e central medial (FZ, CZ), e na região temporal

direita (T6). Após quatro segundos o recrutamento envolve áreas bilaterais

frontais (F7, F8), áreas mediais da região parietal e central (PZ, CZ), e ainda a

área frontal direita (F4). A conectividade média calculada para todo o período

de sinalização, mostrou envolvimento de ampla área frontal (F3, F4, FZ, F8),

parietal (PZ, P3, P4), e central (C3, C4, CZ), além de OZ. Dois segundos antes

do termino da sinalização as mesmas áreas estão ativadas com exceção de

FZ, P3 e F8, que deixam de serem recrutadas, e de T6 que passa a ser

ativada. Dois segundos após a sinalização as únicas áreas não ativadas são

O2, T5, T6, T4, T3, P4 e FP1.

No jogo de charada (fig. 6) foi adicionado mais um evento: A – o

momento de escolha da resposta correta. O início da apresentação da

informação sinalizada recrutou células das áreas centrais do cérebro (CZ, C3,

C4), frontais (F3), com um predomínio do hemisfério direito (F4, F8, FP2), e

parietais (PZ). Após dois segundos de sinalização, observou-se uma maior

participação de neurônios de ambos os hemisférios nas áreas frontais (F3, F4,

F8, F7,FP2), além de neurônios temporais e occipitais direitos (T4, T6, O2).

Após quatro segundos a ativação bilateral permanece nas áreas frontais, nas

regiões dos eletrodos F3 e F4, e passa também a recrutar bilateralmente as

áreas occipitais (O1, O2) e temporais (T5, T6), no hemisfério esquerdo há

ainda a ativação de neurônios temporais e centrais (T3, C3), na região medial

ocorre ativação de CZ.

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0 2 4 M F D

Fig. 5 Apresentação da história do Currupira

Aqui e na figura seguinte a primeira linha representa os Mapas

Cognitivos Cerebrais (MCCs); a segunda e terceira linha representam o

resultado das correlações calculadas pela Analise Fatorial, através do Fator 1 e

do Fator 2, respectivamente. Os eventos escolhidos são marcados por: 0, 2 e 4

– início da sinalização, dois e quatro segundos após o início; M – média geral

de todo o período da sinalização; F – dois segundos antes do término da

sinalização; e D – dois segundos após o término da sinalização. O gráfico

acima ilustra a entropia mínima e máxima de cada um dos eventos escolhidos.

Na conectividade média aparece o recrutamento de neurônios de todas

as áreas cerebrais: occipitais (OZ, O1), temporais (T5), parietais (P3, PZ),

centrais (CZ, C3, C4) e frontais (F3, FP2), podemos observar o predomínio de

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áreas esquerdas (O1, T5, P3, C3, F3). Dois segundos antes do termino da

sinalização são recrutados os neurônios da área frontal bilateral (F3, F4), da

área central medial (CZ), das áreas occipitais (OZ, O2) e das áreas frontais

direitas (F8, FP2). Dois segundos após terminada a sinalização temos uma

ativação predominantemente do hemisfério direito, envolvendo áreas frontais

(FP2, F4, F8), centrais (C4), e temporais (T4), enquanto no hemisfério

esquerdo ocorre ativação somente na área frontal F3. Na região medial temos

ativação da área frontal (FZ), central (CZ) e parietal (PZ). No momento do

acerto as áreas recrutadas são praticamente todas frontais (F7, F8, F4, FP2,

FZ), com exceção de CZ.

0 2 4 M F D A

Fig. 6 Jogo de charadas

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Além da análise baseada no cálculo de entropia das Atividades

Relacionadas a Eventos, fizemos uma análise de estatística fatorial utilizando

dois fatores, os quais explicam 60% das correlações. O Fator 1 na história do

Currupira associa fundamentalmente áreas centrais e frontais, as quais

corresponderiam à análise verbal da informação lingüística, enquanto o Fator 2

associa áreas occipitais e áreas temporais e frontais do hemisfério direito, que

devem corresponder ao processamento visual gerado pela informação

lingüística. No jogo de charada o Fator 1 explica cerca de 50% de toda a

variância, mostrando também áreas centrais e frontais correlacionadas entre si.

0 2 4 M F D

Fig. 7- História – falantes

Como não houve um número suficiente de voluntários não se pode

fazer a Analise Fatorial para o grupo de falantes.

Nos falantes, durante o início da história (fig. 7) temos o recrutamento

das áreas mediais parietais e centrais (PZ, CZ), das áreas frontais bilaterais

(F7, F8, F4, FP1), além da área central direita (C4). Após dois segundos temos

o recrutamento praticamente de áreas frontais mediais e do hemisfério direito

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(FZ, FP2, F4, F8), além de T4, que se encontra na região temporal direita.

Após quatro segundos os voluntários passam a recrutar os neurônios frontais

bilaterais e mediais (FP1, FZ, FP2), continuam a ativar T4, e voltam a recrutar a

área central medial (CZ). Na conectividade média o recrutamento envolve

todas as áreas mediais (OZ, PZ, CZ, FZ), quase toda a área frontal (F7, F8, F4,

FP1, FP2), áreas temporais direitas e esquerdas (T6, T4, T3), além da região

parietal direita (P4). Dois segundos antes do término da sinalização ocorre

unicamente ativação frontal do hemisfério direito (FP2, F4, F8). Dois segundos

após a sinalização essas áreas permanecem ativadas, mas passam a se

associarem também com áreas mediais (FZ, CZ), frontais esquerdas (F7) e

centrais direitas (C4). No acerto ocorre o recrutamento principalmente do

hemisfério direito, das áreas frontais (FP2, F4, F8) e centrais (C4), além de F7

e da zona medial (FZ, CZ, PZ).

0 2 4 M F D A

Fig. 8 - Jogo de charadas – falantes

Na charada (fig. 8) os falantes recrutam somente as áreas frontais (F7,

FP1, FZ, FP2). Após dois segundos ocorre a associação de neurônios das

áreas frontais (F3, F4, F7) com áreas centrais (CZ, C3, C4), e com a área

parietal medial (PZ). Após quatro segundos temos a ativação dos eletrodos das

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áreas frontais mais anteriores (FP1, FZ, FP2, F3), enquanto a outras áreas

permanecem as mesmas: centrais (CZ, C3, C4) e parietal medial (PZ). Na

conectividade média ocorre o recrutamento de todas as áreas centrais (CZ, C3,

C4) e parietais (PZ, P3, P4), de amplas áreas frontais (F7, F3, F4, F8, FP2), e

ainda da região occipital medial (OZ). Dois segundos antes de terminar a

sinalização houve o recrutamento de neurônios de toda a zona medial (FZ, CZ,

PZ, OZ), de áreas frontais direitas (F4, F8) e de áreas frontais e centrais do

hemisfério esquerdo (F7, C3). Dois segundos após o término da sinalização as

áreas relacionadas são predominantemente do hemisfério esquerdo: frontal

(F7), central (C3), temporal (T3, T5), parietal (P3) e occipital (O1), porém ainda

ocorre a ativação de OZ, PZ e O1. No acerto são recrutadas as áreas parietais

(PZ, P3, P4), centrais (CZ, C3) e frontais (F3, F4), e ainda ocorre ativação das

áreas frontais anteriores (FP1, FZ, FP2) e da área temporal esquerda (T3).

DISCUSSÃO

O fato mais marcante na ativação cerebral dos surdos, observada no

presente trabalho, é a associação de neurônios da área parietal medial (PZ)

com as áreas centrais (C3, C4) e frontais (F3, F4) bilaterais (fig. 6 e 7), ativação

essa que em geral não se observa no processamento cerebral dos falantes,

durante tarefas de processamento verbal, como pôde ser constatado em

trabalho anterior de Rocha et al, (2000). Como mostrou Neville et al. (1997),

dependendo do período de aprendizagem de uma língua, determinadas redes

neurais irão se formar de acordo com o estímulo sensorial recebido. Dessa

forma, pode-se propor aqui que crianças com surdez congênita, por lhes faltar

o estímulo auditivo, tendem a organizar fibras neurais que associem a

informação visual ao processamento linguístico, relacionando áreas visuais do

hemisfério direito às áreas linguísticas do hemisfério esquerdo através da

região parietal medial.

Os presentes resultados (fig. 5 e 6) mostram que as áreas verbais

frontais (F7, FP1 e F3) e do lóbulo temporal esquerdo (T3 e T5) continuam a

trabalhar para o processamento linguístico, mas agora associadas a neurônios

das áreas de decodificação de estímulos visuais e não sonoros. Os estímulos

visuais provenientes da linguagem de sinais envolvem expressões faciais,

formas e movimentos das mãos, e referência espacial, ou seja, posição das

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mãos em relação ao resto do corpo. Há no cérebro áreas específicas para o

processamento de tais estímulos, uma vez que o manuseio das mãos e dos

braços é extremamente importante para todas as atividades que exercemos, e

expressões faciais são muito importantes para nosso relacionamento em

grupo. Encontra-se ativada nos surdos a área central e parietal esquerda, que

justamente contém neurônios que controlam o formato das mãos (Corina et al,

1999), e próxima a ela encontra-se a área de Wernicke, responsável pelo

levantamento de informações acerca da semântica de um nome. Além disso a

área parietal da mão estabelece conexões com o córtex premotor e

provavelmente também com a área de Broca. A posição da mão em relação ao

corpo é também identificada por áreas parietais, enquanto o movimento delas é

processado por áreas temporais mediais. Áreas de processamento visual de

faces localizam-se nas regiões central e parietal do hemisfério direito, as quais

também se encontram ativadas pelos surdos durante a visualização e

decodificação da Libras. Dessa forma supõe-se que todas essas áreas,

relativas ao processamento das mãos e da face, relacionam-se com a área

verbal de Broca, com a área nominal de Wernicke e com áreas frontais de

memória executiva verbal.

Alguns estudos feitos sobre a linguagem americana de sinais

descobriram ativações cerebrais semelhantes àquelas ocorrentes nas línguas

faladas (HICKOK, 1999; CORINA, 1999; SÖDERFELDTet al, 1997). No

entanto, uma vez que o estímulo sensorial da linguagem de sinais é visual e

não auditivo, outras áreas também são ativadas para a decodificação de tal

estímulo (NEVILLEet al, 1997; SÖDERFELDTet al, 1997). Áreas visuais do

cérebro também são ativadas pela linguagem durante a comunicação oral entre

indivíduos falantes (ROCHA et al, 2001), porém essa ativação é gerada a partir

da imaginação fornecida pela linguagem falada no processo de criar uma

imagem visual mental do que é falado. No caso dos surdos essa ativação faz

parte do processo de decodificação da própria linguagem além de participar da

criação da imagem visual do que é sinalizado. Dessa forma pode-se constatar,

a partir dos resultados aqui apresentados, que os surdos apresentam ativações

nas áreas referentes ao processamento visual durante a visualização da

sinalização da Libras, mas que essa ativação difere da maneira como ela se

associa com as áreas verbais do hemisfério esquerdo. Os falantes

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apresentaram no trabalho de Rocha um maior recrutamento de neurônios das

regiões occipitais, associadas às regiões frontais, quando eram submetidos a

ouvir uma história e induzidos a imaginá-la visualmente. Aqui os surdos

apresentaram associações de áreas frontais, centrais e parietais

bilateralmente.

Fig. 9 Processamento lingüísticoda Libras

Na Fig. 9, à direita, observa-se que as áreas responsáveis pela

decodificação do movimento, das formas e das posições das mãos, além da

área de identificação de faces, se encontram distribuídas ao longo de toda a

região central e parietal de ambos os hemisférios. Essas áreas, para os surdos,

fornecem a informação necessária para Broca e Wernicke definirem as ações e

os objetos das palavras descritas pela língua de sinais, através de gestos

motores, da mesma maneira como as áreas de Broca e de Wernicke, no caso

da língua falada, definem a semântica e a sintaxe do verbo comer e a

semântica de seus complementos.

Observando a analise fatorial pode-se constatar que o Fator 1 agrupou

áreas centrais e frontais do hemisfério esquerdo (F3, C3 – áreas verbais) e

direito (F4, C4 – áreas visuais), enquanto o Fator 2 mostra um maior

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agrupamento de neurônios occipitais relacionados ao processamento visual.

Pode-se hipotetizar dessa forma que a informação visual é decodificada nas

áreas occipitais quando não faz parte do processamento linguístico, enquanto

que ao pertencer à fonologia ou morfologia da língua de sinais passa a ser

processada pelas áreas visuais mais anteriores (F4, C4), adjacentes às áreas

de processamento linguístico (F3, C3).

Nos falantes, que tiveram um aprendizado tardio da Libras, nota-se

uma maior ativação de áreas frontais, mediais e temporais. A Libras, por se

tratar de uma segunda língua, parece exigir dos falantes uma tradução dos

sinais para a língua portuguesa, associando dessa forma áreas frontais

bilaterais de memória verbal e visual com áreas temporais de processamento

linguístico. Essa diferença no padrão de ativação cerebral entre surdos e

falantes mostra a necessidade de se aprender uma língua de sinais na infância,

para que ela seja diretamente decodificada pelo seu próprio padrão neural

(NEVILLEet al, 1997).

De todos os métodos de comunicação propostos para os surdos a

língua de sinais foi a que mais deu certo, e isso se comprova cientificamente

pela facilidade natural do homem de associar áreas cerebrais responsáveis por

todas as informações visuais veiculadas pela Libras às áreas cerebrais

responsáveis pela significação dos nomes (Wernicke), das ações (Broca) e das

sentenças (área frontal esquerda). A língua de sinais deve ser para o surdo

uma língua materna que possa funcionar de ferramenta para o aprendizado de

uma segunda língua também visual: a escrita das línguas faladas. Assim a

melhor maneira de englobar os surdos à sociedade majoritária é fornecer-lhes

uma maneira fácil e natural de se comunicarem entre si e de aprenderem como

se comunicarem com os ouvintes, através de um ensino precoce da Libras e do

português em sua forma visual (leitura) e motora (escrita).

Os resultados obtidos nessa pesquisa ajudam a compreender o

funcionamento cerebral da Libras, e a comprovar que se trata de uma

linguagem tão complexa e sofisticada como qualquer outra. No Brasil seu uso

ainda se encontra mal difundido, e sua compreensão mal estudada. Torna-se

necessário uma maior atenção tanto por parte dos pesquisadores quanto por

parte dos educadores, para tornar a língua de sinais uma língua fluente entre

aqueles que a necessitam e aqueles que convivem com surdos. Mesmo em

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países com uma maior estrutura para ensino da língua de sinais, seu

conhecimento neurológico se encontra pouco estudado, porém seu uso já é

muito mais difundido criando com isso toda uma cultura para a língua e seus

sinalizadores. No Brasil podemos caminhar simultaneamente para o progresso

do ensino e do conhecimento da Libras e do desenvolvimento de sua cultura.

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