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INTRODUÇÃO
MINHA INSERÇÃO NO MUNDO DOS SURDOS E MEU
ENCONTRO COM A LIBRAS
Ao longo da minha infância, na vida cotidiana, tive a oportunidade de
descobrir mãos que bailavam, voavam e desenhavam palavras no ar; era um
verdadeiro balé de mãos que me encontrava e despertava meu interesse, pois
meu pai tinha uma irmã de consideração que era surda e todas às vezes que ela
nos visitava, eu ficava fascinada com aquelas mãos que conversavam no ar.
Porém durante um tempo perdemos o contato e ela veio a falecer, eu esqueci
dentro de mim, aquelas mãos que bailavam no ar.
Certo dia estava na igreja e comecei a admirar o ministério1com surdo,
quando uma senhora anunciou o curso de LIBRAS2, eu, porém fui a primeira a
me candidatar a fazer o curso. A felicidade tomou conta de mim, pois voltei ao
meu passado, a relembrar que aquelas mãos que bailavam eram fascinante.
Quando comecei o curso não foi fácil, ao mesmo tempo era maravilhoso,
mas também, angustiante. Os surdos se aproximavam para conversar, mas eu
não sabia como. Sentia-me como se estivesse em um país estrangeiro, pois eles
eram a maioria e não sabia me comunicar com eles, mas tinha decidido a
aprender aquela língua, a LIBRAS.
Certamente neste momento pude perceber mais precisamente como eles
se sentem quando querem ou precisa se comunicar com os ouvintes que não
sabem LIBRAS e não conseguem êxito. Esta dificuldade foi logo superada
quando demonstrei interesse em aprender, eles se mostraram super pacientes e
prestativos em ensinar-me. Cada dia que passava era precioso para mim.
Tentava me comunicar, nem sempre me fazia entender, mas me esforçava, 1 MINISTERIO -Estudos bíblicos com grupo de surdos da igreja evangélica 2 LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais.
9
utilizando-me da datilologia, que era a única coisa da língua de sinais que eu
sabia. As pessoas que já sabiam alguma coisa de LIBRAS costumavam me
ajudar.
No começo achei muito difícil, eram muitos sinais. Como poderia guardar
todos aqueles sinais e seus múltiplos significados? Sem falar das mãos que
muito duras não pareciam obedecer aos movimentos.
Um tempo depois conheci a APADA3, aonde me aperfeiçoei
profissionalmente como intérprete e professora bilíngue, pois encontrei um
número maior de pessoas surdas, a comunidade surda e comecei a perceber
que os surdos tinham uma cultura e identidade.
Hoje já posso dizer que tenho fluência em LIBRAS. Estou em constante
aperfeiçoamento, desta língua que adotei como minha segunda língua.
Tenho conseguido corrigir algumas falhas durante minha prática
profissional, adquirindo como diz Paulo Freire um “Combinado” com meus
alunos, eles me ensinam os sinais que desconheço ou corrigem caso eu erre
algum ponto de articulação4, e eu entre outras coisas os ensino o português
escrito, que é o que os surdos geralmente têm mais dificuldade, por esta seruma
língua estrangeira para o surdo.
Graças à ajuda e a paciência dos surdos que trabalham e estudam ali e ao
meu interesse em aprender, consegui superar as dificuldades. Os surdos me
revelam a beleza de seu mundo silencioso e me ensinam a respeitá-los e a
admirá-los por suas conquistas.
O presente trabalho é uma pesquisa sobre “A Inserção do Professor Surdo
no Ensino Superior” e como tem acontecendo à prática docente.
A escolha do tema foi no âmbito do curso de pós-graduação em Docência
do Ensino Superior, esta pesquisa se baseou em minha experiência profissional,
onde atuo com profissionais surdos, e muitos destes atuam também como
docentes da disciplina LIBRAS nas instituições de Ensino Superior. O que 3APADA - Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos. 4PONTO DE ARTICULAÇÂO - é o lugar que onde incide a mão predominante
configurada, podendo está tocar uma parte do corpo ou estar em um espaço neutro vertical
horizontal.
10
possibilitou esta abertura profissional para os surdos foi a Lei 5626, que entre
outras coisas incluiu a disciplina de língua de sinais no currículo de alguns
cursos.
Portanto a partir desta inserção do professor surdo no Ensino Superior,
houve a necessidade da criação de cursos de licenciaturas específicas em
LIBRAS (LETRAS/LIBRAS), leis, contratação de intérprete de língua de sinais
para acompanhar os docentes e profissionais que atuam no Ensino Superior.
O tema abordado nesta monografia foi desenvolvido com foco central no
Professor Surdo, Estudos Surdos e Políticas de Inclusão/Exclusão, onde, a
problemática envolve: Quais as políticas públicas voltadas para a educação
inclusiva? Como acontece a inserção do professor surdo no Ensino Superior?
Quais as articulações que envolvem a cultura e a identidade do professor surdo?
É preciso conhecer de perto os obstáculos que os surdos
necessitamsuperar para ter uma realização acadêmica satisfatória, ocupar um
lugar no mercado de trabalho ou simplesmente se fazer entendido em uma
sociedade majoritária ouvinte.
Dessa forma se justifica a necessidade de repensar os processos
desencadeados no Ensino Superior para efetivação real no processo da inclusão
do professor surdo, com intuito de garantir o acesso a participação nos projetos e
pesquisas no Ensino Superior. Com isso divulgar sua história, cultura, língua,
lutas conquistas e a difundir as políticas públicas voltadas para a educação
inclusiva que me impulsionam investigar como acontecem as articulações que
envolvem á cultura e identidade do professor surdo.
Porém para chegar neste contexto tive como objetivo geral estudar e
pesquisar no campo dos Estudos Culturais, mais especificamente nos Estudos
Surdos, a constituição do professor surdo no Ensino Superior e a problematização
das políticas de inclusão. Foi também desenvolvido com objetivo específico
explicar as peculiaridades da surdez, as questões linguísticas e culturais. E como
tem se efetivado à relação com os colegas e alunos ouvintes e de que forma o
surdo é visto dentro da universidade. Portanto, faz-se necessário problematizar as
representações que permeiam essas questões e como as mesmas vêm sendo
produzidas pelos discursos dos próprios professores surdos envolvidos com o
Ensino Superior.
O trabalho partiu da seguinte hipótese: Os professores surdos gostariam
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que os professores ouvintes trocassem suas experiências e também se
relacionassem com mais frequência. A falta de comunicação e a falta de
experiência com seus colegas de trabalho levam a dificultar a participação, o
interesse em projetos e pesquisas, sendo assim não há uma relação igualitária
em termos de relações estabelecidas. Portanto é preciso que os professores
surdos apontem quais as políticas públicas frente à inclusão que possibilite e
viabilize as relações estabelecidas.
Esta pesquisa trará maior conhecimento sobre o tema abordado em torno
de Estudos Surdos e a prática da docência do professor surdo no Ensino
Superior.
Certamente, todo o ser humano busca comunicação. E é no
aprimoramento desta comunicação, com a aquisição da língua, que se torna
possível o desenvolvimento. Entretanto para aprender uma língua é necessário
vivenciá-la, efetivamente e, sobretudo é através da língua que a possibilidade de
construir uma identidade preservada, isto é, possam se ver como surdo um sujeito
diferente daquele que é ouvinte, mas nem por isso menos capaz.
Acredito que o ideal é que os surdos possam ter e conquistar
oportunidades a uma educação que exija realmente parcerias entre ambas as
línguas.
A diferença na forma de abordar toda a problemática trazida pela surdez
mostra-nos que precisamos buscar desafios que nos possibilite trabalhar para
garantir a integração social com os ouvintes e que os surdos tenham uma
formação integral e formal.
Através de a cultura surda resgatar a história da educação dos surdos, pois
a memória dos surdos é uma forma de entender o passado, que nos faz viajar no
tempo e repensar nas nossas próprias vivências, que nos faz entender que cada
ser humano tem um jeito próprio de assimilar e compreender as experiências da
vida.
É com grande entusiasmo e satisfação que venho abraçar esta monografia
relatando e pesquisando a inserção do professor surdo no ensino superior e a
prática docente.
O Capítulo I apresenta uma retrospectiva da educação dos surdos desde a
Antiguidade até a Contemporaneidade, ressaltando e resgatando a trajetória de
iniciativas e tendências no ensino do surdo.
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No Capítulo II, tem como titulo “O que é Língua de Sinais, Cultura Surda,
Identidade Surda e Empoderamento”, onde discutirei a aquisição da língua de
sinais como primeira língua que é a forma de oferecer-lhe um meio natural de
aquisição linguística; essa aquisição de linguagem é o principal instrumento de
desenvolvimento das funções cognitiva do surdo.
A cultura surda, cultura esta ignorada por muitos dos profissionais da área
da educação. Ressalto também a importância do respeito e da oportunizarão
desta para os surdos, pois o traço significante que define cultura surda é o uso
da língua de sinais, sinais esses que é natural dentro dos corpos dos surdos,
são “pessoas que experimentam o mundo de forma visual independente de
sons” (SKLIAR; QUADROS, 2000, p.20).
A identidade na formação do sujeito surdo, as pessoas não nascem com
identidades prontas, à presença do professor surdo na sala de aula, o contato
com a cultura surda e a presença do professor ouvinte com domínio da língua
de sinais e capacitado para o ensino do português como segunda língua,
sendo condições para a escola produzir identidades surdas.
Empoderamento como forma de produção cultural dos surdos enquanto
forma de expressão dos aspectos que caracterizam o “povo surdo” e a cultura
em que os surdos estão imerso. Há diferentes dimensões exaltadas nas
produções culturais surdas, entre elas, celebra-se a língua de sinais, o
estabelecimento dos olhares e a estética espacial.
No Capítulo III, Professor surdo: as estratégias da inclusão, quem são os
sujeitos da pesquisa e o instrumento utilizado para análise das entrevistas e
coletas de dados.
A constituição do professor surdo no Ensino Superior e as políticas
inclusivas.
No Capítulo IV, Apresenta nos campos conceituais na educação dos
surdos: Estudos Surdos e Estudos Culturais.
Por derradeiro todos os capítulos de desenvolvimento volvem-se para o
dialogo dos autores pesquisados, com as principais ferramentas conceituais
elegidas para este estudo e narrativas produzidas pelos professores surdos,
quando o meu interesse em aprender e pesquisar sobre questões que as
permeiam, me impulsionando para novas descobertas.
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I CAPÍTULO
1-A Educação de Surdos: Negação á Afirmação
Este capítulo compreenderá a atual conjuntura na qual o surdo está
inserido e pela qual os surdos passaram durante séculos, farei uma retomada
histórica da educação de surdo.
1.1- A surdez na Antiguidade
Quando pensamos na história dos surdos, pensamos em formas de
organizações políticas e sociais que regeram e regem a formação de indivíduo
com uma identidade própria.“Essa formação de identidade não pode deixar de
lado a história que a engendrou desde que identidade é história” (CIAMPA,
1990, p.15).
O registro mais antigo que se tem conhecimento é do séc. XVIII. a.C,
Moisés é o seu autor: “Não se deve maldizer o surdo nem colocar obstáculo
frente ao cego.” (Bíblia)
Outra passagem “da bíblia no ano XXX d.C. é no Novo Testamento
através de Jesus.” E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente; e rogaram-
lhe que pudesse a mão sobre ele. E tirando-o à parte de entre a multidão, meteu-
lhe os dedos nos ouvidos; e, cuspindo, tocou-lhe na língua.
Levantando os olhos ao céu, suspirou, e disse: Efatá; isto é, Abra-te. “E
logo se abriram os seus ouvidos, e a prisão da língua se desfez, e falava
perfeitamente.”
(Marcos 7:32-35).
Na antiguidade (De 400 a.C. a 476 d. C.) segundo pesquisas realizadas
na área da surdez, houve constantemente a segregação de pessoas fora dos
parâmetros de normalidade e até o sacrifício das pessoas devido a sua
deficiência, inclusive os surdos. Os surdos eram, e são até hoje, chamados de
deficientes auditivos, surdos-mudos e eram considerados como imbecis ou seres
castigados pelo divino. Desta forma eles foram sendo excluídos da vida social e
14
escolar, pela falta da fala, pois os pensadores da época acreditavam que falar
com a voz demonstra forma de inteligência.
Já “os Hebreus no seu Talmud, antevia possibilidade de serem educados
e se tornarem inteligentes.” (Revista Espaço, 1997, p.3).
Hipócrates (Século V, a.C.), associou a clareza da palavra à mobilidade
da língua, mas não chegou à audição.
Heródoto, neste mesmo século, mais místico e mais submisso à ideologia
de seu tempo classificava os surdos como seres castigados pelos Deuses.
Aristóteles e Plínio estabeleceram uma relação entre a surdez e a mudez, mas
não foram além.
Aristóteles não cria na possibilidade de educar as pessoas surdas. Ele
considerava que linguagem era o que dava condição de humano para o indivíduo.
Portanto, sem linguagem, o surdo era considerado não humano. Para ele,
também, o surdo não tinha possibilidade de desenvolver faculdades intelectuais.
Isto acarretou, durante séculos, desde quando foi iniciado o trabalho de
“recuperação” dos Surdos-Mudos, a necessidade de se dar fala a eles. Era sua
“humanização” que seria, então, conseguida desta forma.
A questão que se coloca atualmente é: quanto deste conceito não está
ainda interiorizado nos atuais educadores, nos familiares dos Surdos e na
população em geral?
As civilizações gregas e romanas, de uma maneira geral, não
perdoavam as pessoas com deficiência; a questão era resolvida com a
eliminação física, sacrificavam os bebês com algum tipo de deficiência, ou seja,
ao surdo cabia a morte.
Em Atenas também se seguia a mesma tradição de conservar somente
os filhos sadios e fortes, mas a decisão cabia ao pai da criança.
O ideal de homem da época era o belo (físico), bom (moral) e sábio, ou
seja, os que fugiam a esse ideal eram frequentemente eliminados.
Na China, neste período, os surdos eram lançados ao mar.
1.2-A surdez na Idade Média
Na Idade Média (Século V ao século XV), a igreja Católica lançava os
possuídos por demônios (bruxas, hereges e deficientes em geral, que na época
15
eram vistos como seres que deviam ser castigados por Deus) na fogueira
"Santa" da Inquisição.
Só em 1198, o Papa Inocêncio III autoriza o casamento de pessoas
surdas.
Ainda hoje, não é difícil nos depararmos com situações que fortaleçam
pré-conceitos e segregação. Muitas mães, por medo de que a sociedade não
esteja preparada-realmente ainda não está - para que a inclusão aconteça,
escondem seu filho alegando uma forma de proteção. Sabemos que isso
acontece por que de fato a sociedade em geral é muito preconceituosa e vê as
pessoas portadoras de necessidades especiais como uma pessoa deficiente,
como uma pessoa doente, sem possibilidades de desenvolvimento pessoal e
social como qualquer outra.
1.3– A surdez na Modernidade
Posteriormente na Idade Moderna (1453 – 1789) surge à preocupação
com os sujeitos surdos, com tentativas e técnicas pedagógicas para o ensino
da escrita e da fala.
A Europa vivia uma efervescência política, econômica, cultural e
religiosa, a era do renascimento que dava uma grande ênfase ao homem e a
razão. O homem era considerado como a medida de todas as coisas, a razão
humana era enaltecida. Desta forma acreditava-se que todos os homens eram
capazes de produzir conhecimentos.
O renascimento de certa forma rompe com um legado histórico de
segregação e punição aos deficientes, pois neste momento passa-se a
acreditar no potencial de todo ser humano, os deficientes passam de seres
castigados por Deus a pessoas com direito à educação e a socialização.
O verdadeiro início da educação do Surdo surge com Pedro Ponce de
León. (1510 - 1584), considerado o primeiro professor de Surdo, era um monge
beneditino que viveu num Monastério Beneditino em San Salvador, em Onã, na
Espanha. A maior parte de sua vida dedicou-se a educar os Surdos, filhos de
nobres, que, por centrar seus esforços na tentativa de fazer os Surdos
aprenderem a falar, ler, escrever, a rezar e conhecer as doutrinas do
Cristianismo inventou um alfabeto manual que servia como instrumento de
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acesso à língua falada e escrita.
Os que aprenderam filosofia natural e astrologia, segundo o próprio
Ponce de León, manifestaram, através do uso das faculdades intelectuais que
possuíam o que Aristóteles negava. Ele demonstrou também que os
argumentos médicos que afirmavam que os Surdos não podiam aprender
porque tinham lesões cerebrais não eram verdadeiras. Desta forma ele
demonstrou a falsidade de todas as crenças, religiosas, filosóficas ou médicas
existentes até aquele momento sobre os Surdos.
A possibilidade de o Surdo falar implicava no reconhecimento como
cidadão e consequentemente no seu direito de receber a fortuna e o título
familiar. Vê-se, portanto, que esta perda de direitos pesava mais do que
implicações religiosas ou filosóficas no desenvolvimento de técnicas para a
oralização do surdo. A força do poder financeiro e dos títulos é que pode ser
considerada como um dos primeiros impulsionadores do oralismo que, de
alguma forma, começava a se implantar neste momento e que se estende até
os nossos dias.
Em 1620 (Séc. XVII) na Espanha, Juan Pablo Bonet, filósofo e soldado a
serviço secreto do rei, se interessou pela educação dos Surdos. Publicou um
livro no qual explícita o método oral, "Reducción de Las Letras y Artes para
Enseñar a Hablar a los Mudos". O alfabeto digital era usado para ensinar a ler
e a gramática era ensinada através da Língua de Sinais. A leitura orofacial
dependia da habilidade de cada aluno, não sendo especificamente trabalhado.
A fala era ensinada pela manipulação dos órgãos fonoarticulatório e pelo
ensino das diferentes posições para a emissão das "letras reduzidas" do
alfabeto.
Mais tarde Rodrigues Pereira (1715-1780) usou o mesmo alfabeto
digital, assim como Albé de L' Epée, que o ensinou o Sicard e a vários outros
educadores de Surdos, que se encarregaram de espalhar por toda Europa.
A preocupação com a escrita, outros professores destacavam-se na
tentativa de levar o mundo oral aos Surdos, seja pela grafia, seja pelo treino da
leitura labial. Entre eles encontravam-se John Wallis (1618-1703), que foi o
primeiro a escrever um livro inglês sobre a educação do Surdo (1968),
aparentemente, também seguiu o método de Bonet.
Wallis trabalhou com poucos Surdos e logo desistiu de ensiná-los a falar,
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apesar de declarar que era fácil fazê-lo, desde que ensinados a posicionar os
órgãos fonoarticulatórios. Afirmava, entretanto, que esta fala se deteriorava
porque os surdos necessitavam de constante feedback para monitorá-la. Ele
usava os Sinais e os consideravam importantes para ensinar os Surdos.
Apesar de ter desistido de ensinar Surdos a falar e da sua pouca
experiência de trabalho prático e real, Wallis é considerado o fundador do
oralismo na Inglaterra.
Um século mais tarde, Thomas Braidwood lê o trabalho de Wallis e
resolve seguir a linha de trabalho proposta por ele na educação de surdos,
considerando a fala a chave da razão. Braidwood fundou uma escola em
Edimdurgo. Os alunos surdos aprendiam palavras escritas, seu significado e
sua pronúncia e leitura orofacial. Era usado o alfabeto digital. Todas as escolas
eram organizadas pela família de Braidwood, que mantinha sobe sua guarda o
"segredo" do método, não o revelando a ninguém, para poder ter monopólio do
mesmo, e conseqüentemente a renda por sua aplicação.
OKinniburgh foi um dos que aprendeu o método de Braidwood, tendo
sido obrigado a mantê-lo em segredo. Quando começou a trabalhar,
particularmente, com Surdo, tinha que pagar metade do que ganhava a
Braidwood. Por esta razão, quando Tomas Gallaudert, americano interessado
em aprender a forma de trabalho de Braidwood para implantá-la nos Estados
Unidos, foi a Inglaterra procurar Kinniburgh para aprender o método com ele.
Este se negou a revelar a forma de trabalho, pois o mesmo foi obrigado a
manter em segredo do método, o que teve importante conseqüência para a
educação do surdo, nos Estados Unidos.
A experiência de muitos destes educadores de Surdos mostrou, com o
passar do tempo, que a Língua de Sinais era a linguagem natural dos Surdos e
que deveria ser usada para sua educação, mas o pressuposto básico, de que o
Surdo só seria um ser humano normal se falasse, já havia se espalhado e
muitas escolas foram fundadas, defendendo a oralização do surdo cada vez
mais como um elemento necessário para sua integração.
Em 1760, Abade de L' Epeé francês, começou a ensinar os surdos por
razões religiosas. Autor do método de sinais ou mímica cria em Paris a primeira
escola pública para Surdos, substituindo o ensino individualizado. Foi à
primeira vez na história que os Surdos tiveram direito a um código próprio, com
18
sinais criados por eles mesmos. O Abade de L’Epeé construiu alguns sinais
para auxiliar no aprendizado dos surdos. Desde então, as diferentes propostas
educacionais foram aplicadas em diferentes estados da Europa.
Data de 1579 o registro iconográfico mais remoto: iconografia de
Alfabeto digital numa gravura em madeira, extraída da obra de
“CosmasRosselius”, em Veneza/França.
L' Epeé escreveu um livro "Institution dês Sourds - Muets par
VoiedesSignesMéthodics" de 1776, parte 1, cap. IV, p. 36, citado por LANE
(op.cit., p. 59 - 60):
“Todo Surdo-Mudo enviado a nós já tem uma linguagem... Ele
tem hábito de usá-la e compreendem os outros que o fazem. Com ela
ele expressa suas necessidades, desejos, dúvidas, dores etc. e não
errar quando os se expressam da mesma forma. Nós desejamos
instruí-los e assim ensiná-los o Francês. Qual é o método mais simples
e mais curto? Não seria nos expressando na sua língua? Adotando sua
língua e fazendo com que ela se adapte a regras claras, nós não
seriamos capazes de conduzir a sua instrução como desejamos?
A importância de L' Epeé não está somente no fato dele ter desenvolvido
um método novo na educação dos surdos, mas de ter tido a humildade de
aprender a língua de sinais com os surdos para poder, através desta Língua,
montar seu próprio sistema para educá-los. Ele foi o primeiro a considerar que
os surdos tinham uma língua, ainda que a considerasse falha para ser usada
como método de ensino. Através desta visão, em que a língua dos surdos era
reconhecida, ele colocou os surdos na categoria humana.
L'. Epeé realizava demonstrações públicas em que através de perguntas
através de sinais e da escrita, os surdos educados na sua escola deveriam
mostrar os conhecimentos obtidos em religião e em gramática. Estes eventos
eram realizados para comprovar a nobreza, filósofos e educadores a eficácia
dos seus métodos e a capacidade intelectual dos surdos. Os alunos
respondiam por escrito e confirmavam a capacidade de responder a perguntas
como: "O que você entende por intenção?" ou "Podeis demonstrar a nós um
tipo de semelhança com a distinção de três pessoas em Deus, na unidade de
uma mesma natureza?" (SKLIAR C. OP. CIT. P. 10).
Através destas demonstrações que, além de mostrar a possibilidade de
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ensinar os Surdos sem a utilização da fala, expunha também a "humanidade"
assim obtida pelo acesso a palavra de Deus. L'. Epeé conseguia verbas para
continuar seu trabalho e segundo relatos de pesquisadores da área da surdez,
teria criado o primeiro alfabeto manual.
As manifestações dos alunos de L'. Epeé foram, no entanto,
fundamentais para ampliar o debate sobre a educação de Surdos e, de alguma
forma, popularizar a questão.
Desde então, a institucionalização da educação de Surdos acirrou o
debate da linguagem oral e a forma de integração à sociedade majoritária.
Subjacente a tais discussões já se evidenciava a tendência epistemológica de
distintas e incomensuráveis teorias sobre a surdez e o sujeito surdo.
Samuel Hemicke (1723-1790), na Alemanha, lança as bases da filosofia
oralista onde um grande valor é atribuído à fala. Inúmeras propostas
educacionais foram aplicadas nos diferentes países da Europa no século XVIII
e início do século XIX. Cada região possuía uma forma peculiar de educar os
Surdos, na França, como já assinalado, utiliza-se a comunicação com sinais
para ensinar a leitura e a escrita; na Alemanha, predominava o treinamento da
linguagem oral, em uma abordagem que consolidou os fundamentos do
oralismo, e na Inglaterra, o método utilizado também possuía seu viés oralista.
Nos Estados Unidos, Thomas Gallaudet (1787-1851) começou a se
interessar pela surdez quando conheceu a filha de um vizinho, Alice Cogswell,
que era surda e mais tarde resolveu, junto com outras pessoas, criar uma
escola pública para Surdos nos Estados Unidos. Por tanto foi para Europa
aprender o método utilizado por Braidwood, cuja fama já alcançara os Estados
Unidos.
Até este momento, ele não entendia nada sobre surdos ou sobre o
trabalho educacional que poderia ser realizado com os mesmos. Braidwoodnão
quis revelar o seu método e nem permitiu que Thomas o aprendesse. Havia um
grande interesse financeiro em jogo e o método era mantido em segredo. Por
esta razão Thomas foi à França em 1816, pós tomara conhecimento do método
desenvolvido por L'. Epeé e desejava conhecê-lo. No instituto nacional para
surdos-mudos ele realizou um estágio, fez observações e começou a aprender
os sinais e o sistema sinais metódico de L'. Epeé. Seu instrutor foi LourentClerc
(1785-1869), Surdo educado no instituto, desde os doze anos de idade, que se
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tornou depois um dos brilhantes professores de lá. Clerc foi contratado por
Thomas e eles retornaram aos Estados Unidos, no mesmo ano de 1816, para
implantar lá a primeira escola pública para Surdos.
Clerc iniciou o aprendizado de inglês com Thomas na França e após
pouco tempo nos Estados Unidos, onde continuou seu estudo, dominava a
língua de maneira a poder se comunicar de forma clara e precisa.
O objetivo de abrir a escola em Abril de 1817, foi perseguido com
determinação por Thomas e LourenClerc que inicialmente chamou-se "The
Connecticut Asylum For The EducationandInstructionofDeafandDumbPersons"
("O Asilo Connecticut para a Educação e Instrução das Pessoas Surdas e
Mudas") e foi fundada em Hartford, Connecticut. Posteriormente a escola
recebeu o nome de HartfordSchool.
Como num primeiro momento a Hartford School era a única escola
pública para os surdos dos Estados Unidos, surdos de vários estados iam para
lá, estudar e depois retornavam as suas cidades de origem, levando a língua
de sinais e formando também lá, uma Sociedade de Surdos, que foi e é até
hoje, um fator importante na briga pelo o direito do surdo.
A língua comum utilizada entre eles seria como elo entre os Surdos e foi
o fator essencial para o aparecimento da cultura e a comunidade. Em 1869,
existiam aproximadamente trinta escolas para Surdos nos Estados Unidos,
formando uma rede americana de educação para surdos cujo ponto de partida
havia sido a escola de Hartford.
Anteriormente em 1864, o congresso Americano autorizou o
funcionamento da primeira faculdade para surdos, localizada em Washington
(NationalDeaf- MuteCollege, atualmente GallaudetUniversity). Esta faculdade
foi fundada por Edward Gallaudet, filho de Thomas Gallaudet.
Os alunos das escolas para surdos que tinham bom aproveitamento e
poderiam se beneficiar dos ensinamentos oferecidos por uma universidade
eram encaminhados para esta faculdade.
Entretanto, a utilização da língua de sinais nos Estados Unidos começou
a sofrer uma pressão contrária na segunda metade do século XIX, talvez
devido à onda nacionalista que aconteceu após a Guerra de Secessão, em que
o desejo de reunificação do país tinha uma de suas vertentes na própria língua,
o inglês. Sabendo-se que a língua de sinais não era uma versão do inglês, ela
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começou a ser rejeitada e forçada a ser substituída pelo o inglês oral.
1.4- A Educação do Surdo no Brasil
Em 26 de setembro de 1857, no Rio de Janeiro, foi fundado o primeiro
instituto nacional de Surdos no Brasil, graças aos esforços de Eduard Hue
professor surdo francês com mestrado em Paris.
Inicialmente denominado Imperial Instituto Nacional de Surdos Mudos,
passando a receber o nome de Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), em 1957.
O Francês Surdo, Eduard Huet, conseguiu apoio de Imperador D.Pedro
II para o estabelecimento do Instituto. Não foram encontrados dados que
estabelecessem o trabalho proposto e realizado por Huet, seguisse a Língua
de sinais. Porém, considerando-se que ele havia estudado com Clerc no
Instituto Francês e que sua educação se deu através de língua de sinais, pode-
se deduzir que ele utilizava os sinais e a escrita, sendo considerado, inclusive,
o introdutor da Língua de Sinais Francesa no Brasil, onde ela acabou por
mesclar-se com a Língua de Sinais utilizada pelos surdos no país.
Segundo MOURA (2000, p.82): “O currículo por ele apresentado, em
1856, colocava disciplinas como português, aritmética, história, geografia e
incluía "linguagem articulada" e "leitura sobre os lábios" para os que tivessem
aptidão para tanto”.
O trabalho não foi fácil no inicio, pois o trabalho com Surdos aqui não
era conhecido, e as famílias tinham natural repugnância e entregar seus filhos
a um estrangeiro desconhecido. Ele iniciou seu trabalho no Instituto com dois
alunos e quando deixou o Brasil, quatro anos depois, tinha dezessete. Segundo
VELOSO E MAIA FILHO (2009, P.41):
Huet deixou a direção do instituto, em 1861, por problemas pessoais,
para lecionar para os surdos do México. Portanto neste período, o INES
passou a ser dirigida por Frei do Carmo, posteriormente substituído por Ernesto
do Prado Seixa.
Em 1862, foi o Dr. Manoel Magalhães Couto foi contratado para assumis
a direção do INES, mais o mesmo não tinha nenhuma experiência com
22
educação de surdos.
Em 1868, houve a inspeção do governo que posteriormente INES foi
considerado asilo para os surdos. Sendo assim o Dr. Manoel Magalhães é
demitido e quem o assumiu a direção é o Sr. Tobias Leite.
Em 1875, Flausino José da Gama, ex-aluno do INES, com 18 anos,
publicou o que foi considerado o primeiro dicionário do BRASIL, “Iconografia
dos Sinais dos Surdos”, ou seja, com criação de símbolos.
Em 1880 acontece o Congresso de Milão, a discussão sobre a
integração social na surdez afirma-se de forma contundente nas propostas
educacionais, neste caso, marcando a instalação da abordagem oralista pelos
países representados no congresso.
Na perspectiva do oralismo, a única via de integração do sujeito surdo à
comunidade majoritária dos ouvintes é a aprendizagem da fala.
Conseqüentemente prevalece a negação da possibilidade de criação de um
código sinalizador.
O Congresso Internacional de Surdo-Mudez, onde o método oral foi
proclamado o mais adequado a ser adotado pelas escolas. A comunicação
gestual foi desaprovada neste evento, a língua de sinais foi comprometida
como limitadora das possibilidades de integração social e precária em suas
funções representativas enquanto o sistema gramatical. É, por tanto, concebida
como linguagem primitiva e deficitária para expressão do pensamento, porém
nunca deixou de existir, pois os alunos continuaram a se comunicar por meio
de sinais nos banheiros nos dormitórios em outros espaços onde não haviam
vigilância tão acirrada.
Segundo Regina Lúcia Moraes Lage, professora surda e especializada
na área da surdez, que estudou no INES na década, na sala de aula era
proibido o uso de sinais, mas nos outros espaços (como já fiz referência a
cima) os sinais eram o meio de comunicação mais utilizado.
Ela relata ainda que a filosofia adotada na época fosse o oralismo,
sendo assim as professoras lesionavam estimulando a leitura labial de seus
alunos, mais os alunos não compreendia muito bem, então ela, que tem uma
boa leitura labial e certo resíduo auditivo, aproveitava quando a professora saia
para explicar o conteúdo em sinais para os colegas.
Verificam-se aqui, na preocupação com o ensino da fala e da leitura
23
orofacial, os reflexos do congresso de Milão.
Após o Congresso de Milão, o oralismo invadiu a Europa, começou o
desejo dos educadores de obter o controle total da sala de aula e não se
sujeitar a dividir o seu papel na sala de aula com os professores surdos. Com
isso demitiram os professores surdos.
Os profissionais mandados para a Europa puderam observar e
conseqüentemente trazer para o Brasil o modelo aprovado e procurado por
tanto tempo pelos educadores de Surdos. Os argumentos deviam ser muito
convincentes e sensibilizar aqueles que procuravam uma resposta para a
educação do surdo. Além disto, estavam de acordo com o desejo de uma
sociedade que desejavam anular a diferença.
O Brasil recém havia deixado de ser uma colônia mais era governado
como se ainda o fosse, e os modelos Europeus eram grandemente valorizados
e copiados. Não havia uma história própria de educação dos surdos tendo esta
iniciada tardiamente, provavelmente devido ao descaso das autoridades que
não considerava as necessidades nacionais.
Destaca-se a postura do doutor Tobias Leite, que considerava a
necessidade de se preservar a diferença e a necessidade especial do surdo. É
interessante verificar a observação quanto ao trabalho de oralização dos
surdos de que trouxeram embutido no seu discurso às restrições do ensino da
oralidade e o que na verdade esta representava: a coação e a inabilidade
demuitos em consegui-la.
Mas a ideia estava lançada, e da mesma forma que em outras partes do
mundo, ela funcionou como catalisador, que, uma vez utilizado, não puderam
mais ser utilizados, não pôde mais ser recuperado. A educação do surdo no
Brasil adquiriu o caráter oralista, o qual luta até hoje para se livrar.
Apenas por volta de 1960, com um trabalho publicado nos Estados
Unidos por William Stokoe, a língua de sinais começa a ser compreendida em
seu aspecto linguístico como "língua", havendo a elaboração do primeiro
dicionário da Língua Americana de sinais, que passava a nortear a "linguística
de sinais".
Segundo STOKOE 1960, (op.Cit. p.30)
“a língua de sinais estruturou-se com base nas interações e no
convívio social dos Surdos, tornando-se menos icônica e mais
24
simbólica, pois cada gesto associou-se a uma representação, e,
conseqüentemente, organizando a gramática de sinais”.
O que contribuiu para que fossem alteradas as concepções de surdez e
do sujeito surdo.
Os apontamentos alteraram radicalmente a própria concepção sobre a
surdez e sujeito surdo, já que a língua significa o mundo e estrutura o
pensamento. A língua de sinais passou a ser analisada em seu aspecto
linguístico como sistema unificado e como "instrumento" de comunicação de
determinada comunidade.
Em 1979, chega ao Brasil à filosofia da Comunicação Total, anunciada
por Dama Ivete Vasconcelos: a comunicação total apela para outras vias de
comunicação, associando o oralismo a gestualismo (entrevista ao jornal O
Sabidinho do Centro Cívico, do INES, maio de 1979)”.
A Comunicação Total buscava soluções práticas para as dificuldades de
aprendizagem do aluno surdo. Nessa abordagem, privilegiavam-se todas as
formas de comunicação na prática pedagógica à língua de sinais, a datilologia,
a linguagem oral, mímica, gestos, etc. como recursos variados que, segundo
seus proponentes, possibilitavam maior interação dos surdos com o mundo
circundante, o que resultou no desenvolvimento de estratégias comunicativas
mistas ou bimodares.
O avanço nos estudos sobre a língua de sinais e os debates relativos às
orientações educacionais ofereceram argumentos cada vez mais consistentes
com a tecedura de propostas educacionais fundamentadas na educação
bilíngüe para surdos. Hoje a filosofia mais adotada pelas escolas de surdos é o
bilingüismo.
Onde o sujeito Surdo aprende a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa
na modalidade escrita com os falantes nativos da língua, em momentos
diferentes.
Como podemos perceber, durante muitos anos, foi negado o direito ao
surdo da linguagem sinalizada, que mais tarde seria reconhecida e oficializada
como língua – no dia 24/04/2002, lei Nº 10.436/02. E a segregação social
destas pessoas era dita como uma atitude socialmente aceita. As pessoas
surdas não tinham o direito e não eram reconhecidas como cidadãos, talvez
25
porque ainda não haviam se organizado em comunidades para lutar seu
reconhecimento e suas diferenças, ou ainda porque talvez tenham sido
negados a eles os direitos a "voz". Neste período, a oralização era imposta e
as mãos amarradas. Havia uma forma de ditadura do “oralismo”.
Para os surdos, a convivência, a criação de organização entre eles e seu
agrupamento em comunidade foi de grande importância, pois ajudaram a
alcançar o panorama que temos hoje.
1.5- A surdez na contemporaneidade
Atualmente, os Surdos vêm ganhando cada vez mais espaço na
sociedade para suscitar debates acerca da surdez. É claro que ainda não se
tem o espaço almejado, mas é inegável que o véu que distorce e impede a
visão da sociedade tem sido desfeito, aos poucos.
Hoje, porém, alguns programas de televisão já têm o recurso da janela
de interprete de língua de sinais, alguns políticos utilizam-se deste recurso para
que os surdos possam conhecer suas propostas e possam assim votar neles
(pode, e até deve ser mesmo, uma jogada de marketing, mas já é um passo
em direção à conscientização de que os Surdos têm direito à escolha de seus
representantes). Temos atores (como Nelson Pimenta, Fernanda, Paulo André,
etc.), pedagogos (Heloisa Gripp, Luciane Rangel, etc.) e até dançarinos Surdos
(Cacau), que integrava a "Companhia de Carlinhos de Jesus". Muitos deles
apareceram na novela global América, mostrando que o Surdo faz parte desta
sociedade que o discrimina e que eles são capazes, tem seus talentos como
todos nós.
Um dos maiores avanços que tivemos foi à regulamentação do Decreto
Lei nº. 5.626, de dezembro de 2005. Este decreto foi publicado no Diário Oficial
da União no dia 23 de dezembro de 2005. A lei dispõe sobre a surdez, a
inclusão da LIBRAS como disciplina curricular, a formação do professor de
LIBRAS, e do instrutor de LIBRAS, o uso e a difusão da LIBRAS e da língua
portuguesa para o acesso das pessoas surda à educação, entre outros
assuntos.
O mais importante desta lei foi à inclusão de LIBRAS como disciplina
obrigatória para alguns cursos de ensino superior, como é o caso
26
dePedagogia, fonoaudiologia, letra e o ensino médio de formação de
professores: e como disciplina eletiva ou optativa para os demais cursos. Isto
fará com que os futuros professores estejam mais preparados para atenderem
aos alunos surdos, tendo em vista a Lei de Diretrizes e Base da educação, que
garante a inclusão dos alunos portadores de necessidades educativas
especiais em classes regulares.
No Brasil existe a lei federal 10.436/2002, que reconhece a LIBRAS,
porém também é de suma importância, o decreto 5.626/2005 que regulamenta
a lei supracitada e obriga o ensino de Língua de sinais (LS) na educação de
surdos.
27
CAPÍTULO II
2-O que é Língua de Sinais
Este capítulo vem me reportar na importância do estudo da Língua de
Sinais na educação dos Surdos, uma vez que está envolvida na construção da
cultura surda, da identidade e no seu empoderamento.
2.1- A importância da língua de sinais na educação do surdo
Linguagem é tudo que envolve significação, que pode ser humano
(pintura, música, cinema), animal (abelhas, golfinhos, baleias) ou artificial
(linguagem de computador, código Morse, código internacional de bandeiras).
Ou seja, “sistema de comunicação natural ou artificial, humana ou não
(comunicação no sentido mais amplo)”. A Língua: “sistema abstrato de regras
gramaticais”. (FERNANDES, 2002:16).
A Língua de Sinais: é a língua natural da comunidade Surda, com
estrutura e gramática própria, utilizada para a comunicação. Como outras
línguas, a Língua de Sinais possui o alfabeto manual, que é utilizado para
digitar nomes quando não existe um sinal próprio, e também para configurar a
mão na realização de um sinal.
Com forme FELIPE (2009. p.21)Para as línguas orais, existe o estudo
fonológico (articulação dos fonemas); para as línguas de sinais, existe a
querologia (configuração e movimento das mãos e pulso, localizados em
determinadas partes do corpo, e o sentido das palmas das mãos).
O reconhecimento formal do status lingüístico das línguas de sinais
ocorreu recentemente. Somente em 1984, a UNESCO declarou que as Línguas
de Sinais deveriam ser reconhecidas como um sistema lingüístico legítimo e,
portanto, deveriam merecer o mesmo status que os outros sistemas
lingüísticos. Em 1987, a Federação Mundial do Surdo (WFD) adotou resolução
28
sobre as Línguas de Sinais, rompendo com a tradição oralista.
“Pessoas surdas e com graves impedimentos auditivos (devem) ser reconhecidas como uma minoria linguística, com o direito específico de ter sua língua de sinais nativa aceita como sua primeira oficial e como o meio de comunicação e instrução” (WRIGLEY, 1996; 33).
É importante, porem, que os surdos, além de proficientes na Língua de
Sinais, aprendam também a língua oral do país onde vivem, para fazerem valer
seus direitos diante da sociedade ouvinte. Nesse sentido, a educação de
surdos, no Brasil, deve trilhar um caminho bilíngue, no qual a Língua de Sinais
Brasileira (LS) deva ser entendida, por excelência, como a primeira língua (L1)
de pessoa surda, e a Língua Portuguesa (LP), como a L2, a ser ensinada
institucionalmente.
A questão do ensino da LP para surdos reside na utilização de uma
metodologia de ensino da L2, cuja preocupação não deve se deter a
adaptações curriculares, mas sim à substituição da disciplina de LP como L1
pela de LP como L2 (FARIA 2001).
Na educação das crianças surdas, a primeira língua deve ser a Língua
de Sinais(L1). Pois se a criança surda tiver aceso a uma língua como forma de
integração com o mundo para construir e organizar seu pensamento ela terá
seu desenvolvimento equivalente ao de uma criança ouvinte para isto é
aconselhável o contato com pessoas surdas adultas proficientes em LS. A
maioria das crianças surdas vem de famílias ouvintes, que não dominam
LIBRAS e, por isso, é muito importante essa educação escolar na primeira
língua das crianças surdas. Essa aquisição da linguagem permite o
desenvolvimento das funções cognitivas.
QUADROS (1997, p.69) afirma que “as pesquisas sobre a aquisição da
linguagem passaram a buscar explicações para o processo de aquisição”. Ela
apresenta uma comparação entre a aquisição da linguagem de LS de crianças
surda filhas de pais surdos e a aquisição de línguas orais por ouvintes. É
parecido o desenvolvimento. Autoras como BELLUGI e PETITTO, que
QUADROS (1997, p.79), afirmam que a criança que nasce surda, “com
29
acessoa uma língua espaço visual proporcionada por pais surdos,
desenvolverá uma linguagem sem qualquer deficiência”. O grande problema é
a maioria das crianças surdas que têm pais ouvintes.
Partindo da suposição de que as crianças já dominem a língua de sinais
ao ingressarem na escola. Quadros acrescenta ainda: a disciplina de LS visa
proporcionar o estudo da gramática da língua e a discussão sobre valores,
história e cultura surda. Mas no Brasil, como e quando começou a pensar em
um currículo de LS na educação de surdos? Não há registros, só suposições.
A Língua de Sinais Brasileira tem aproximadamente 150 anos no Brasil.
Quando o professor surdo francês Eduard Huet veio para o Instituto Nacional
de Educação dos Surdos (INES), foi fundado em 1857, conforme Moura, 2000,
p. 82 “O curriculum por ele apresentado não fazia nenhuma menção ao treino
de fala ou de leitura orofacial”. Então, decerto, existia algum currículo de
Língua de Sinais naquela época de Huet, pois como alunos do INES poderiam
aprender as outras disciplinas antes de adquirir a Língua de Sinais?
Ele também ensinava o Português, como podia ser fluente em
português? Ele era francês e havia se mudado tão pouco tempo para o Brasil.
Acredito que ensinava a Língua de sinais Francesa (LSF).
Antes de Cristo, já existia a Língua de Sinais como o filosofo Platão
disse: em uma obra sobre LS dos surdos ERIKSSON (1998, op. cit.p.13) relata:
“Na antiga Grécia, Platão (427-347 a.C), em seu dialogo “Crátilo”, menciona o surdo que se expressa em gestos e movimentos, representa aquilo que era leve ou de alta esferas levantando a mão, ou descrevendo o galopar de um cavalo imitando seus movimentos”.
Este estudo demonstra já existir LS na pré-história, pois os humanos
daquela época nem sabiam falar, usavam desenhos para comunicar-se
egestos. Mas ainda se discrimina o ensino da Língua de Sinais, e atualmente
poucas escolas têm ensino de LIBRAS.
2.2- Cultura surda: Por que não?
30
Muito tem se discutido acerca da existência ou não da cultura surda.
Para muitos resulta na curiosidade e para outros, decididamente incômoda, a
referencia a uma cultura surda. Em menor grau ainda, se discute existência de
uma comunidade de surdos.
É fácil definir e localizar, no tempo e no espaço, um grupo de pessoas;
mas, quando se trata de refletir sobre o fato de que nessa comunidade surgem
ou podem surgir processos culturais específicos, é comum à rejeição à ideia da
“cultura surda”, trazendo como argumento a concepção da cultura universal, a
cultura monolítica.
Não parece possível compreender ou aceitar o conceito de cultura surda
senão através de uma leitura multicultural, ou seja, partir de um olhar de cada
cultura em sua própria lógica, em, sua própria historicidade, em seus, próprios
processos e produções.
Nos Estudos Culturais, a possibilidades de interpretar a cultura não de
forma que ela pareça única, mas de maneira que ela esteja com a
representação da diferença, não se percebe uma única cultura, mas um plural:
culturas.
Segundo HALL (2000, p. 20): “a cultura que temos determina uma forma
de ver, de interpelar, de ser, de explicar, de compreender o mundo”. Então a
cultura é agora uma das ferramentas de mudanças, de percepção de forma
nova, não mais de homogeneidade, mas de vida social, construtiva de jeitos de
ser de fazer, de compreender, de explicar.
Para muitos ouvintes que trabalham com surdos, a existência da
comunidade e da cultura surda constitui tanto um problema de representações
pessoais quanto de experiências e oportunidades de “liberdade”. Problema de
representações é porquese acredita que não há nada fora de seu normal, de
sua própria auto referencia cultural; nesse plano, a cultura surda seria um
desvio, uma anomalia, o espaço limitado onde se produzem atividades
irrelevantes.
E também é, um problema de experiência e oportunidades de
“liberdade”, porque, ao “trabalhar” com professores surdos num contexto
universitário onde não existem seus pares lingüísticos, desconhecem os
processos que determinados grupos geram em relação ao teatro, ao cinema, à
31
poesia visual em geral, à tecnologia, etc.
A aceitação da cultural surda pode parecer um processo anômalo para
quem defende a normalidade. No entanto, esta cultura surda, vista do nível
das múltiplas culturas ou da proliferação cultural ou das diferenças, faz com
que transpareça com toda a sua excelência nas linguagens construtivas das
culturas. Questionar a existência da cultura surda requer vivenciar a surdez e
suas especificidades.
Os sujeitos surdos têm o direito à sua entrada nessa comunidade e
processos culturais, sem nenhum condicionamento. E as políticas linguísticas,
do conhecimento, das identidades, são uma parte indissolúvel dessas
potencialidades ou direitos.
Os surdos sempre viveram nas fronteiras entre dois mundos: mundo
visual da cultura surda e um mundo dos sons. Conforme afirma BHABHA
(1998, p.19), sobre viver em fronteiras:
“Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do “presente”, para as quais não parece haver nome próprio além do atual e controvertido deslizamento do prefixo “pos”: pós-colonialismo, pós-feminismo”.
Os surdos sempre vivem uma vida na fronteira entre o mundo dos sons,
às vezes nos “entre - lugares” negociando sua cultura. Segundo Bhabla,
sempre a cultura dentro da fronteira precisa encontrar “novo”, ou seja: no
passado, há histórias reprimidas, mas que podem trazer aprendizagem para no
futuro melhorar ou modificar a cultura surda.
Porém existem alguns surdos que ficam revoltados com o passado das
suas histórias reprimidas, por isso Bhabha fala que precisa renovação ao
passado. E segundo PERLIN (2003, p. 224), “andar na fronteira equivalente ao
hibridismo”.
Como nasce a cultura surda? WRIGLEY (1996, p. 45) afirma que:
“o traço significante que define a cultura dos surdos é ouso de uma língua de sinais, pois a linguística é o principal fator da cultura surda, à medida que o indivíduo apoia-se no uso da língua de sinais, que é o aspecto central da cultura surda”. ”E a cola que mantém a cultura coesa”. “Permeando os quatros fatores está o comportamento, estando às pessoas surdas atentas as atitudes das pessoas e suas posturas e venere a experiência, os valores e a língua de sinais”.
32
A língua é natural dentro dos corpos dos surdos. Surdos têm a própria
cultura diferente; pode-se pensar que a cultura dos surdos é a cultura de
“pessoas que experiênciam o mundo visualmente independente de sons”
(SKLIAR; QUADROS, 2000, p. 43) É uma cultura que é construída pelos
surdos, não é uma cultura adaptada dos ouvintes. Como afirma MIRANDA
(2001, p. 20); “A comunidade surda constrói uma cultura e produz identidades
em espaços geográficos, no sentido de não nascerem dentro desses, mas em
espaços possibilitados ou conquistados para que ocorra, intencionalmente ou
não, organização e a produção surda”.
A cultura surda já não é a cultura ouvinte. Ela está automaticamente
autônoma. Ela coloca os surdos no espaço territorial diferente, simbólico. Neste
sentido, há uma intervenção no lugar da cultura surda, PERLIN (2004, p.73):
“Entrar no lugar da cultura surda requer conhecimento da experiência do ser
surdo/a com toda a transformação que acompanha”.
Mas, como é a cultura surda? Na cultura surda, a comunicação
acontece efetivamente por meio de imagens visuais produzidas por ações
exercidas com movimentos de mãos. Essa visualização é importante para a
vida dos surdos. SKLIAR e QUADROS (2000, p. 49) explicam bem isso:
“A experiência é visual desde o ponto de vista físico (os
encontros, as festas as estórias, as casas, os equipamentos...) até o
ponto de vista mental (a língua, os sonhos, os pensamentos, as
ideias...). Como conseqüência é possível dizer que a cultura é visual.
As produções linguísticas, artísticas, científicas e as relações sociais
são visuais”.
Mas os ouvintes não entendem isso, porque estão dentro de outra
cultura.Conforme PERLIN (1998, p.76), ”percebe-se que o sujeito surdo está
descentrado de uma cultura e possui uma outra cultura. Percebe-se o surdo em
seu deslocamento da cultura universal e emergente na problemática da
diferença cultural própria”.
Os surdos podem se deslocar da cultura ouvinte, como aqueles surdos
que eram oralizados anteriormente na cultura ouvinte, descobrem que têm
33
outros corpos iguais aos surdos sinalizadores e começam a se deslocarem
para a cultura surda, atravessando a fronteira sem barreira, sem “necessidade
de documentos”. Existe até hoje a violência contra a cultura surda, como
acontece em escolas inclusivas. PERLIN (1998, p.79) descreveu na História:
“A violência contra a cultura surda foi marcada através da história, Constatamos, na história, eliminação vital dos surdos, a proibição do uso de língua de sinais, a ridicularizarão da língua, a imposição do oralismo, a inclusão do surdo entre os deficientes, a inclusão dos surdos entre os ouvintes. Tudo isso tem se constituído em trucidamento da identidade surda, em suicídio provocado pela presença do modelo de identidade ouvinte, em condescendência à automutilação ou ciborguização dos surdos”.
LANE (1992, p.40) (relata ainda alguns fatores históricos importantes
para a surdez: a)dignidade, ou seja, não aceitar o que os médicos dizem “que
são deficientes”; isto não é próprio da cultura surda; b) sua linguagem: os
educadores não respeitam, só reprimem a própria língua da cultura dos surdos;
c) sua história surda: os ouvintes roubam a histórias próprias dos surdos e
dentro do currículo nunca ensinam a história dos surdos; d) sua organização
social e costumes: sempre os profissionais da medicina falam mal dos
costumes dos surdos, dizendo que são bobagens e têm menor nível do que os
costumes dos ouvintes, mas isso não é verdade; e) sua agenda política: os
ouvintes continuam diminuindo ou abaixando o poder dos líderes surdos, não
respeitando as opiniões dos surdos e até “empurram” os surdos para trás em
suas conquistas.
Portando faz-se necessária entendermos que a cultura surda é
composta por práticas sociais sem neutralização. É uma marcação de território,
que devem ser estabelecidos politicamente pelos surdos. PERLIN (1998, p.23)
coloca que se a base da cultura surda não estiver presente no currículo,
dificilmente o sujeito surdo irá percorre a trajetória de sua nova ordem, que
será oferecida com as representações da própria cultura.
2.3-Identidade surda
A identidade é a busca do direito de ser surdo, de ser reconhecido como
tal e ser respeitado por suas especificidades.
34
A comunidade de surdos, junto com os seus iguais vão construindo sua
identidade, afirmando sua diferença, como diz PERLIN (1998, p.53): “a
identidade surda sempre está em proximidade, em situação de necessidade
com o outro igual”.
Existe surdos com várias identidades, como surdos oralizados, surdos
índio, surda mulher, surdo que vive na roça, surdo que vive no interior, surdo
que vive na capital, etc. Eles são do povo surdo. Os surdos têm identidades
diferentes, as pessoas não têm uma só identidade toda à vida em todos os
lugares, mas têm uma coisa em comum que é a cultura surda. Como diz Hall
(1998.p.46), as identidades são “abertas, contraditórias, inacabadas,
fragmentadas”. BAUMAN (2005, p.19) afirma:
“Sempre há alguma coisa a explicar, desculpar, esconder ou pelocontrário, corajosamente ostentar, negociar, oferecer e barganhar. Há diferenças a serem atenuadas ou desculpadas ou, pelo contrário, ressaltadas e tornadas mais claras. As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mais outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação ás últimas”.
Na realidade existem surdos que não tem acessou a LS e constroem
sua identidade de acordo com o modelo ouvinte. Por este motivo não conhece
a diferença entre o oralismo, comunicação total, bilingüismo, etc.
Conforme PERLIN (1998, p.65), escreveu sobre identidades, no caso
das “identidades surdas flutuantes,” elas estão presentes onde os surdos vivem
e se manifestam a partir da hegemonia dos ouvintes. Esta identidade é
interessante porque permite ver um surdo “consciente” ou não de ser surdo,
porém vitima da ideologia ouvintista que segue determinando seus
comportamentos e aprendizados. (...) Desprezam “a cultura surda, não têm
compromisso com a comunidade surda”. Como surdos são frios ou indiferentes
na cultura, desconhecem-na, não sabem valorizar a cultura. Existe isto em
alguns lugares onde surdos se encontram.
As pessoas não nascem com as identidades prontas, essas identidades
são construídas na sociedade. A mídia influencia a formação de identidades, as
pessoas querem andar na moda, serem iguais os artistas, ter um carro novo
tópico de linha, etc. As escolas e as universidades fazem parte importante da
35
sociedade e o currículo produz identidades. Existem lugares que se produzem
identidades.
Um exemplo: “ser mulher” e “ser homem” são identidades construídas.
“Mulher não pode fazer isso”, “Homem não pode fazer aquilo”, menina sua
rosa, menino sua azul, etc. Aprendem-se as identidades com a família, as
escolas, as universidades e os grupos ensinando. A identidade surda também
se aprende.
PERLIN (1998, p.25) cita a identidade surda assim:
“Uma identidade que deve ser construída no interior desta representação cultural e que se fortalece no seio da comunidade surda. (...) Sendo, apenas, um aspecto da identidade cultural, a identidade surda não se caracteriza como a totalidade da identidade ou subjetividade da pessoa”.
Com isso essa pesquisadora mostra como existe uma relação entre a
identidade surda e o currículo e pedagogia. Ela traz algumas perguntas, como:
“Qual pedagogia se configura como referencia para a aprendizagem dentro da
comunidade surda? (...) Como pode haver relações entre currículo e cultura
para possibilitar o acesso à diferença?”.
A abordagem de Perlin traz algumas respostas para essas perguntas, e
diz que já existe uma proposta nas novas diretrizes do MEC. Ele aborda em
três condições boas para as escolas e as universidades produzirem
identidades surdas, e não identidades de deficientes auditivos ou identidades
ouvintista.
Essas condições são (PERLIN, 1998, p. 27-28): presença do professor
surdo na sala de aula de alunos surdos, presença de professor ouvinte com
domínio de língua de sinais e capacitado para ensino de português como
segunda língua, e contato do surdo com a cultura surda.
Não é fácil ter mesmo uma identidade surda num mundo onde a maioria
são ouvintes. Nesse sentido diz MIRANDA (2001, p.23):
“A ideia da identidade cultural nas comunidades surdas não se apresenta estável. Ela é ameaçada constantemente pelo “outro”. Este outro pode se referir aos surdos que optaram pela representação da identidade ouvinte. Esta política de representação geralmente terá uma incidência negativa”.
36
As identidades é o foco principal em todos os conteúdos do currículo das
escolas e universidades, pois influenciam os corpos dos surdos.
A identidade particular com a qual vamos nos ater é a identidade surda.
Ao focalizar a representação da identidade surda em estudos culturais, é
necessário afastamos do conceito de corpo danificado para chegar a uma
representação da alteridade cultural que simplesmente vai indicar a identidade
surda.
2.4- Empoderamento
É um conceito muito importante para os surdos, pois os surdos precisam
de empoderamento em relação á língua de sinais, identidade, cultura,
comunidade, movimentos surdos. Empoderamento é uma palavra que deriva
da palavra “poder”. Conforme CHAVEIRO; BARBOSA (2004, s/p?), a “LIBRAS
se torna uma ferramenta de empoderamento que permite ao surdo maior
mobilidade e fluidez nas formações discursivas, como também fornece
subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades frentes as
imposições (culturas e outras) do ouvinte”. Como eles observam, a LS permitiu
aos surdos adquirirem melhor a linguagem, facilitando a compreensão, a
obtenção de informações, que vai permitir o empoderamento dos surdos.
Como fatores para o empoderamento estão os ensinos, as políticas
surdas, os movimentos surdos por seus direitos, legislação de surdos.
Na sua longa história, os surdos tiveram momentos de empoderamento,
mas sofreram violência no passado com o oralismo. Hoje, porém devem
construir novamente o empoderamento, mas de forma um pouco diferente,
porque estamos em outra época, com outra realidade social, mídia, tecnologia,
etc...
SACKS (1990) relaciona o empoderamento com o “Poder Surdo”. Ele
conta que nos Estados Unidos, a década de 1970 foi a década do chamado
“Poder Surdo”, porque apareceram líderes surdos, e antes os surdos eram
passivos. Ele afirma que “o surdo, (...) antes aceitava caracterizações como
‘incapacitados’ e ‘dependentes’ - - pois é assim que os auditivos o
consideravam”. Existiram acontecimentos importantes na história dos surdos
37
dos Estados Unidos, que foi exemplo de empoderamento dos surdos. Isso
ocorreu quando eles quiseram que o reitor de Universidade Gallaudet fosse
surdo, isso ocorreu em 1988.
De forma semelhante ao que Sacks citou aqui no Brasil, está
começando a haver diretores e professores surdos nas escolas de surdos e
nas universidades os professores surdos; como por exemplo, na Creche
Comunitária Bilíngüe Professor Geraldo Cavalcante de Albuquerque ligada a
mantenedora APADA (Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo),
em Niterói/RJ, onde as diretoras anteriores Luciane Rangel e sua sucessora
JeanieLiza Marques Ferrais ambas surdas, na Escola Estadual Reinaldo
Fernando Coser em Santa Maria/RS, o surdo Jéferson Oliveira Miranda é vice-
diretor, sendo o currículo desta escola organizado por ele mesmo. Em algumas
escolas de surdos, já houve coordenadores pedagógicos surdos. Nesse caso,
é mais fácil organizar a educação de surdos, pois eles têm a mesma, LS,
identidade e poder. Mas as necessidades vão, além disso: precisa haver mais
empoderamento em assuntos como política, direitos, associações, atuação da
FENES, etc.
38
CAPÍTULO III
3.Professor Surdo: Estratégia para inclusão
“A inclusão [...] é ser respeitado nas suas diferenças e não ter de
submeter a uma cultura, uma forma de aprender, a uma língua que
não é a sua”. (GÁRDIA VARGAS)
3.1-Quem são os sujeitos das narrativas
Para realizar esta proposta pesquisamos um grupo de três professores
surdos que atuam no Ensino superior. Tendo como centralização a analise
produzida em torno das narrativas dos professores surdos, pois eles são o
tema pesquisado.
A escolha do grupo de professores surdos permitiu aprofundar nos
questionamentos da coleta de dados e as questões levantadas implicaram em
maior propriedade teórica na análise desenvolvida.
Como critério de escolha dos professores/sujeitos surdos da pesquisa,
deu-se pelo fato dos mesmos atuarem no ensino superior e pelo fato de alguns
terem contato com a instituição a APADA e outros já passaram por lá,
sendoassim sempre mantenho contato, pois a APADA é Associação de Pais e
Amigos dos Deficientes Auditivos, sendo esta umlugaronde os surdos se
encontram e fortalecem sua identidade e cultura, pois encontram a comunidade
surda e usuários da língua de sinais.
3.2- Coletas de dados das narrativas e análise
O presente trabalho desenvolveu-se por meio de uma pesquisa
qualitativa, teve como opção três surdos que atuam como professores no
Ensino Superior de instituições diferentes, os mesmos tiveram seus nomes
identificados por letras A, B e C, abordando o mesmo tema: “A Inserção do
professor Surdo No Ensino Superior: Prática Docente” a fim de compreender a
39
sua Prática Docente. Segundo GOLDENBERG (2005, p.14)
“Na pesquisa qualitativa a preocupação não é com a representação
numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento de um grupo
social, de uma organização de uma instituição, de uma trajetória, etc.”.
Na pesquisa, foi utilizada como ferramenta a coleta de dados das
entrevistas através da aplicação de um questionário a três professores surdos.
O questionário foi semiestruturado e partiu de certos questionamentos
básicos, tento 12 perguntas que interessam a pesquisa e está anexada à
pesquisa, oferecendo em seguida um amplo campo de interrogativas,
direcionando assim a conversa e um dialogo com os entrevistados.
A pesquisa foi realizada individualmente, com hora e dia marcada para a
entrevista, duas das entrevistas foram realizadas na instituição que trabalho e
uma foram utilizando à tecnologia do computador viam e-mail para quepudesse
obter a entrevista com o professor surdo.
Esta experiência foi de grande valia, trocamos dúvidas e com a
utilização deste instrumento digital foi possível mostrar a inclusão digital que
ocorre com os surdos. As entrevistas presenciais foram realizadas em LIBRAS
e escrita para a língua portuguesa. Os registros em português proporcionaram
suicídios para a análise da coleta de dado para a minha pesquisa.
As perguntas do questionário procuraram estabelecer uma relação com
as hipóteses levantadas nas preliminares formuladas. Permitindo que os
entrevistados colocassem suas opiniões e discutissem sobre o tema assim
abordado. Com isso surgiram outras hipóteses que não puderam ser
contempladas de forma objetiva. Segundo FISCHER (2007, p. 53). “Precisamos,
com urgência, aprender novos caminhos interrogativos pelos quais possamos exercitar outras
e mais instigantes e criativas maneiras de perguntas”.
Após a coleta de dados das entrevistas pude analisar as narrativas
juntamente com os referenciais teórico estudados, perpassando pelos Estudos
Surdos e Estudos Culturais em Educação.
A modalidade das análises das entrevistas me propiciou extrema
relevância para minha pesquisa passando pelo estudo da língua, da identidade,
da cultura, da educação, da política, da alteridade cultural e diferença dos
surdos. Sendo estes entrelaçados ao trabalho a prática docente do professor
surdo no Ensino Superior, possibilitando a interpretação dos resultados.
40
3.3-Análise das Entrevistas
As entrevistas possibilitaram as articulações com os referenciais
teóricos. Após a tradução das entrevistas de LIBRAS para o português escrito,
foramanalisadas e realizadas as articulações com os questionamentos
levantados com os referenciais teóricos estudados e assim problematizá-las.
Atradução foi realizada na integra da fala dos professores surdos com
sua língua natural a LIBRAS, por um profissional intérprete de LIBRAS e
posteriormente acrescentada ao corpo do texto conforme as análises ao tema
abordado, buscando investigar como tem acontecido a inserção do professor
surdo no Ensino Superior.
3.4- A constituição do professor surdo no Ensino Superior: Política de
Inclusão
Nos capítulos anteriores a ponderação realizada sobre a identidade
surda e a cultura surda impõe a necessidade de refletirmos sobre a inclusão ou
exclusão dos surdos. As discussões referentes à cultura e identidade surda nos
auxiliando na compreensão nos diferentes contextos da história surda, as lutas,
os conflitos culturais e diferentes identidades analisando com base nos Estudos
Surdos, onde acontece a realidade cultural no nosso tempo.
Hoje, portanto percebemos que o conceito de inclusão dentro de
espaços sociais como nas escolas e universidades vem se apropriando de
forma diferente. Há uma política rumo à inclusão, a participação do povo surdo
nesses espaços, busca estabelecer e produzir novas formas de
relacionamento, sendo assim a sociedade ao perceber a existência do povo
surdo procura se organizar para recebê-los de forma adequada, os próprios
surdos começam a exigir sua representação de diferenças culturais linguísticas
dentro desses espaços.
Devido ao processo de imposição da cultura ouvinte durante muitos
anos ao povo surdo, vemos um acesso quase restrito à cultura surda, por
causa de lutas de relações de poderes em ambos os lados. Porém o povo
surdo atualmente luta com garra e força por reconhecimento de diferenças
41
culturais e identidades surdas. SILVA (1999, p.133) argumenta:
“cultura como um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam, pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla. A cultura é, nessa concepção, um campo contestado de significação... (a cultura é um jogo de poder)”.
Nos campos dos Estudos culturais constatamos em diversos autores
que o conceito “artefatos” não se refere apenas a materialismo cultural, mas
àquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo
de ser, ver, entender e transformar o mundo. Traço comum em todos os
sujeitos humanos seria de fato de que somos todos artefatos culturais e, assim,
os artefatos ilustram uma cultura.
Por respeitar a cultura e a identidade percebemos que dentro das
escolas de surdos ou em salas que tenham surdos as relaçõesinterpessoais,
entre os professores/alunos ou entre os alunos/alunos torna-se tudo mais
significativo, pois não existe a interferência do intérprete.
Nas escolas regulares, ditas como espaços inclusivos, percebe-se que
os surdos na maioria das vezes são vistos como “fora do normal”, pois os
surdos não conseguem copiar no tempo determinado pelo professor as tarefas
expostas no quadro, chama os professores quando não entende o que foi
explicado, ou seja, sua relação se torna diferente da considerada normal.
A forma com que os surdos e os ouvintes aprendem se dá de forma
diferenciada, para isso é preciso que tenha uma metodologia e didática
especifica e pautada na língua de sinais. No entanto para que a educação do
surdo possa ser recebida por ele e seja de qualidade é preciso que esteja
dentro de suas especificidades.
A inserção do aluno surdo nas classes de ensino regula como hipótese
de uma oportunidade educacional é algo que não podemos confirmar no
presente momento, pois são necessárias condições educacionais
diferenciadas. Daí a relevância de privilegiar o uso da língua de sinais, tanto
para preservar a identidade cultural das comunidades surdas como para
favorecer o acesso ao conhecimento sistemático.
Dentro desse contexto, o integra/incluir não é “alocar” o surdo na escola
regular. Diz Góes (1999, p.48): “A inserção do aluno surdo na escola regular,
42
pelo menos tal como organizada neste momento, leva a acentuar discrepância
de oportunidades e, portanto, a segregar [...]”. Entretanto a busca por soluções
é bastante complexa.
É neste contextoé que percebo as dificuldades de termos professores
surdos na área da educação que tenham a qualificação adequada para a
docência. No entanto, essa realidade também vem mudando. O Curso de
Graduação em LETRAS/LIBRAS, o MEC implantou o primeiro Curso de
Graduação em Letras com licenciatura em LIBRAS, na modalidade à distância,
tendo como objetivo formar professores para o ensino da Língua Brasileira de
Sinais. O curso foi organizado em 9 (nove) pólos com parceria da UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina). .
O curso tem como objetivo formar professores para o ensino da Língua
de Sinais e Letra Bacharelados. Os cursos são compostos por alunos surdos e
ouvintes, todos com fluência em Língua de Sinais.
Outro curso que vem possibilitando a qualificação dos professores
surdos é o Curso de Graduação em Pedagogia Bilíngue do INES (Instituto
Nacional de Educação de Surdos), onde os surdos podem trocar experiências
e fazer grupos de estudos, pois o ambiente linguístico é favorável para esta
movimentação acadêmica.
Outra importante estratégia política o que vem viabilizando as
especificidades das pessoas surdas dentro das políticas públicas é o exame do
PROLIBRAS5(Proficiência em Libras e de Tradução e Interpretação em
Libras/Língua Portuguesa). O Prolibras é um programa de Certificação
Nacional, criado pelo MEC (Ministério da Educação) para cumprir a Lei
10.436/2002 e o decreto 5626/2005.
O Prolibras é promovido pelo MEC e desenvolvido por instituições
federais credenciadas, que acontece anualmente pelo período de dez anos a
contar da data de publicação do Decreto, sendo este válido até 2016.
Os certificados obtidos por meio do Prolibras poderão ser aceitos por
instituições de ensino como título que comprovam a competência e habilidade
para o ensino de Libras e para os serviços de tradução/interpretação da
5 PROLIBRAS certificará: a) usuário da Libras interessados em ser docente de Libras principalmente nos cursos de formação de professores e de fonoaudiólogos; b) tradutores e intérpretes de Libras interessados em exercer essa função, principalmente nas instituições de ensino (referência).
43
Libras/Língua Portuguesa.
Portanto estas e outras ações são provenientes de proposições legais,
dentre umas delas o decreto 5626, de 22 de dezembro de 2005 que
regulamenta a Lei 10.436/2002, popularmente conhecida como a Lei de
LIBRAS.
Se pensarmos sobre o que será produzido a partir dessas preposições
das leis acima citadas, que tem como objetivos inúmeros questionamentos que
surgem em relação á qualidade da educação dos surdos. Penso ser preciso
colocar a fala da entrevistada A que discuti sobre a disciplina da língua de
sinais no ensino superior.
P: Dê sua opinião em relação à disciplina de Libras no Ensino Superior.
A: Na minha opinião as faculdades não tem uma metodologia, eu
preciso inventar estratégias para estimular o desenvolvimento do conhecimento
da língua de Sinais, pois em algumas grades curriculares não estão incluso a
LIBRAS e não tem material adequado referente a LIBRAS para serem
trabalhados em sala de aula
A partir das políticas de inclusão a disciplina de LIBRAS teve seu inicio
nos currículos de algumas licenciaturas, porém para que o aluno surdo seja
incluso, é preciso que os professores sejam fluentes em Libras, sendo assim foi
preciso colocar a disciplina de LIBRAS nos currículos das licenciaturas.
Entretanto a qualificação oferecida pelo MEC para os professores ouvintes das
licenciaturas fez-se necessário contratar professores surdos para as
Universidades e, com isso, institui-se o curso de Letras/Libras e para dar conta
dessa demanda institui-se também o PROLIBRAS, como exame que certifica
osurdo para a docência. Mais na opinião da entrevistada A, a graduação
LETRAS/LIBRASe o certificado do PROLIBRAS não é o suficiente para que os
surdos sejam contratados no Ensino Superior.
P: Qual a importância do curso de licenciatura LETRAS/LETRAS e o
exame de certificação o PROLIBRAS para o professor surdo no Ensino
Superior?
A: É importante para ter o nível superior, mais as oportunidades são
poucas, não abrem concurso para LETRAS/LIBRAS, com isso fico
impossibilitada de exercer as ideias juntamente com as metodologias
adquiridas na licenciatura LETRAS/LIBRAS, pois a falta de professores
44
qualificados como eu que sou surda e conheço as metodologias a serem
desenvolvidas.
Em relação ao PROLIBRAS não foi muito bom para os professores
surdos, pois existem duas vertentes a primeira é que ao chegar com certificado
do Prolibras nas universidades os contratantes já rejeitam, pois os ouvintes são
escolhidos, por não precisarem contratar os intérpretes e conseguintemente
remunerá-los. E na opinião deles os surdos não são capazes de ministrar as
aulas como os ouvintes fazendo assim uma comparação desigual. Se o
candidato à vaga tiver pós-graduação ou mestrado este tem valor, qualificação
e rapidamente é contratado. A segunda vertente é que a única que aceita o
professor surdo com o PROLIBRAS é a UFF (Universidade Federal
Fluminense).
Com esta reposta podemos perceber que os professores surdos ainda
enfrentam dificuldades para inserção no ensino superior.
3.5- As estratégias de inclusão do professor surdo
Novos campos educacionais estão se abrindo para a atuação do
professor surdo como, por exemplo: leciona aula de LIBRAS para os ouvintes:
nas empresas, cursos específicos, escolas, familiares de surdos, classes
inclusivas, como professores universitários e professores do nível fundamental
e médio.
O dialogo e a troca de experiência entre os professores surdos e seus
alunos ouvintes é considerada fundamental para uma nova etapa da história
dos docentes surdos.
Nesta pesquisa observamos que os professores surdos são visto ainda
como professor exclusivo de LIBRAS, sendo restrito somente a uma função,
sabendo-se que o professor surdo é competente e capaz para exercer
inúmeras funções. Os professores surdos entrevistados são formados em
licenciaturas e atuam no Ensino Superior apenas com a disciplina de LIBRAS.
A disciplina de LIBRAS não é reduzida as questões práticas, ela trazem os
Estudos Surdos baseados nas perspectivas teóricas. A entrevistada B coloca
os aspectos positivos e negativos:
45
P: Na disciplina de LIBRAS você trabalha apenas A LIBRAS ou na
disciplina você trabalha as questões que permeiam a cultura surda, a
identidade surda, inclusão, escola e metodologias?
B: No meu plano de aula busco trabalhar principalmente a cultura, a
identidade surda e história surda, para então partimos para a prática de
LIBRAS. É fundamental que a prática e a teoria estejam agregadas para que
alunos ouvintes aprendam.
Quando perguntei qual seria a opinião em relação à disciplina de
LIBRAS no Ensino Superior a entrevistada B pontuou dois aspecto de suma
importância para que os alunos ouvintes tenha um bom desempenho.
B: O primeiro aspecto: considero a disciplina de libras no Ensino
Superior fundamental para estimular e alertar a importância de LIBRAS aos
alunos de vários cursos, principalmente, na área da educação e saúde. O
segundo aspecto, as universidades oferecem a disciplina pouco tempo, apenas
1º semestre. Eles não aprendem LIBRAS para se comunicar com surdos nem
para dar aula para surdos. Na verdade para aprender LIBRAS leva mais de três
anos ou mais como os outros idiomas. Se você aprende o inglês por apenas
um semestre, vai dominar o inglês? É a mesma coisa a LIBRAS.
Com as políticas atuais as universidades estão disponibilizando vagas
para o ensino de LIBRAS e com o tempo as exigências acadêmicas poderão
estar declinando, portanto é preciso que os surdos revejam a sua prática e
exijam que as universidades ampliem a carga horária da disciplina de LIBRAS.
Portanto, neste sentido é importante que os docentes surdos busquem um
maior entrosamento e aperfeiçoamento a cerca de sua prática docente,
principalmente nos aspectos relacionados com a didática, metodologia e
avaliação.
Existem muitas questões que permeiam o processo de formação
continuada e as interações dos professores surdos no Ensino Superior, sendo
uma delas a troca de informação, conhecimento, didática e metodologia entre
os colegas de profissão.
As instituições de Ensino Superior que os professores surdos atuam,
geralmente só contratam apenas um ou dois professores surdos, sendo assim
há restrições em relação as possibilidades das trocas e discussões, visto que
uma grande maioria são professores ouvintes e não dominam a LIBRAS.
46
Os professores surdos se sentem desafiados a quebrar a barreira da
comunicação em seu espaço de trabalho, pois a troca entre seus pares,
docentes ouvintes, é limitada quer seja ela de informações, saberes ou
práticas. Produzindo um isolamento ou um esforço maior deste professor para
se inserir no contexto do Ensino Superior.
47
CAPÍTULO IV
4- Campos Conceituais na educação de surdos: Estudos
Surdos e Estudos Culturais.
Este capítulo busca analisar a presença e a atuação do professor surdo
no ensino superior e que nos faz pensar em ações que transformam a
educação do surdo. Portanto o compromisso dessa análise está em examinar
as práticas culturais e seu envolvimento a partir do jogo das relações de poder.
“A questão central dos Estudos Culturais são as transformações da mesma, concepção de cultura; talvez sua relação mais importante provavelmente seja a de celebrar o fim de um elitismo edificado sobre distinções arbitrárias de cultura.” COSTA (2000, p.13)
Se analisarmos a linguagem como processo de representação a partir
dos Estudos Culturais, será necessário compreendê-la como uma prática de
significado e de sistemas simbólicos em que são produzidos os significados
que nos posicionam com o sujeito. Através da compreensão sobre os
processos de representação é que entendemos que o Outro passa a ser
constituído por meio desse jogo. Para SKLIAR (2004, p.67,) na representação:
“Existe um olhar que parte da mesmidade. O outro que se inicia no outro, na expressividade de seu rosto. Talvez esta distinção seja uma forma para poder olhar entre aquelas imagens que tomam como ponto de partida e como ponto de chegada o eu mesmo, o mesmo – o semiduro, o refúgio do próprio corpo e do mesmo olhar -, e aquela que começa no outro e se submete a seu mistério, seu distanciamento, sua rebeldia, sua expressividade, sua irredutibilidade. Uma imagem do mesmo que tudo alcança, captura, nomeia a torna próprio, outras imagens que retorna e nos interroga, nos comove, nos desnuda, nos deixa sem nome.”
O autor, em sua concepção se defronta com a alteridade, através de um
sistema de representações. Entretanto para isso é preciso compreender que a
linguagem é um instrumento para o processo de representação das “coisas”
que levam e envolvem um amplo sistema de poder.
Portanto, não podemos separar os grupos e classes sociais da noção de
48
cultura, pois ela é o espaço onde se dá a luta pela manutenção ou superação
das divisões sociais. É no interior desse espaço da cultura, que os sujeitos
surdos se identificam como sujeito pertencente a um grupo, porque as
identidades surdaspara essas pessoas.
Segundo Hall (2000) a representação é a produção de significado
através da linguagem e que as linguagens são centrais para a cultura, pois são
elas que abarcam os valores e os códigos que permitem os diálogos, ou seja,
possibilitam aos sujeitos interpretarem o mundo de maneira mais ou menos
parecida, a se tornarem membros de uma cultura” (Wortamann, 2002, p.81) O
centro das análises culturais estão na questão do olhar, a visão.
Portanto nesta perspectiva da análise cultural, junção da visão e da
representação com o poder se articula para produzir a alteridade e a
identidade. Alterar com minhas palavras
4.1- O contexto pedagógico: experiências surdas
Muitas são as ações que envolvem a educação dos surdos, e neste
sentido a inserção do professor surdo no ensino superior, nos instiga a pensar
na problemática em relação à pedagogia na prática desses professores.
Antigamente o professor surdo lecionava para classe de alunos surdos.
Porém, essa realidade vem se modificando a cada dia, através das novas
políticas educacionais e pelas mudanças de paradigma agregadas a ela. O
campo de atuação do professor surdo tem se aberto em vários segmentos
atuais como já foi dito anteriormente, dar aula de LIBRAS para alunos ouvintes
em (empresas, escolas, cursos específicos, universidades, classes inclusivas,
professores do ensino fundamental e médio e família de surdos). Neste
sentido, com essas mudanças surge uma nova etapa histórica na profissão do
surdo docente, uma adaptação dos professores surdos aos alunos ouvintes.
O professor tem perfis diferentes, e muitas das vezes os alunos ouvintes
vêem o professor surdo como um único modelo de identidade e pressuponham
que os surdos compartilhem as mesmas atitudes. Os surdos têm suas
49
características, as aulas são ministradas com qualidade, pois os professores
surdos desempenham suas atividades profissionais principalmente em
aspectos como a metodologia, didática, avaliação e estratégias adequadas. A
disciplina de LIBRAS não pode ser reduzida somente a prática, ela também
devem ter embasamentos teóricos nos Estudos Surdos. A entrevistada A
sinaliza a importância de abordar ambas as questões:
P: Na disciplina de LIBRAS, você ensina apenas a LIBRAS (sinais
específicos) ou na disciplina você também trabalha metodologia? No seu
programa constam temas como cultura, identidade, inclusão, escola?
Quais dessas duas formas você utiliza em suas aulas?
A: Preciso agregar as duas formas em minha prática docente, com a
parte teórica os alunos adquirem os conhecimentos relacionados à cultura
surda, identidade, história e com a prática os alunos adquirem a forma de falar
em sinais, como expressões faciais/ corporais, o jeito, etc.
Os entrevistados nesta pesquisa utilizam a teoria para abordar diferentes
temas importantes em suas aulas. Com isso é preciso que seus pares
lingüísticos estejam sempre estudando, discutido e revendo a sua prática
docente.
A forma como os professores surdos conduzem suas aulas, são
baseadas em recursos visuais: imagens, informações virtuais, possibilitando
que o professor e aluno aprendam através da troca, da descoberta e
experimentação. O dialogo com o aluno e suas experiências, juntamente com
os perfis profissionais e surdez se configuram no espaço educativo. Neste
sentido:
“Em todo esse contexto é preciso reconhecer a importância do campo da pedagogia universitária. Os processos vivenciados exigem reflexão teórica e ousadia metodológica. Exigem energias estatais e institucionais incluindo a autoria de docentes e estudantes. Exigem uma base de pesquisa que vá legitimando as experiências desenvolvidas e vá construindo referentes capazes de fazer avançar o conhecimento sobre as práticas e fortalecendo a produção de teorias”. (BROILO e CUNHA, 2008, p.32)
50
No que se refere à relação que se estabelece entre o professor surdo e
professor ouvinte, observamos que se trata de uma relação assimétrica, pois
ainda não percebemos nas falas dos professores surdos que seja uma relação
igualitária em termos de relações estabelecidas.
O surdo na maioria das vezes se vê colocado numa posição inferior,
talvez não propositalmente, pois o seus colegas docentes não conhecem na
integra o sujeito surdoe não sabem como lidar e se comunicar com eles, mas
quando se abrem para o desconhecido se surpreendem e buscam interagir e
aprender a tão rejeitada língua do outro “ser” osurdo, como relata a
entrevistada B:
P: Como vem acontecendo o relacionamento com os professores
ouvintes no Ensino Superior?
B: Não é fácil me relacionar com os professores ouvintes no Ensino
Superior. Os professores com formação no mestrado e doutorado me vêm
inferior, mais eles não entendem e não tem interesse em saber quem são os
sujeitos surdos e muito menos a LIBRAS.
Passei por uma experiência na x, minha ex- coordenadora do curso de
Letras nunca teve interesse em conhecer a LIBRAS nem comigo e nem com os
outros professores surdos. Nunca se preocupou em estabelecer comunicação
com os professores surdos. Quando terminou o meu contrato, ela continuou
com a mesma conduta. Porém fui recontratada para trabalhar no curso a
distância de LIBRAS online, ela passou a comunicar-se e até hoje ela me trata
bem, pois ela esta aprendendo a LIBRAS.
A negociação diária acontece e depende das relações de poder e do
momento em que, como, por quem, para quem elas estão sendo utilizadas.
Durante a entrevista, podemos perceber diferentes olhares sobre a
educação e o prazer de lecionar. Dentro da docência, podemos trilhar
diferentes caminhos. A entrevistada C coloca que seus alunos hoje são
ouvintes, mais se sente realizada em atuar com os alunos surdos, pois eles
possuem a mesma identidade:
51
P: Você já teve outra experiência como professora? Como se sentiu?
C: Sim, atuei como professora de educação infantil durante 13 anos
diretamente com crianças surdas, pois atuar para surdos foi muito melhor, a
relação da identidade é potencializada através da LIBRAS, já com os ouvintes
eles jamais entenderiam este processo de identidade. Também atuei dois anos
com professora para surdos no PEJA(Programa de Educação de jovens e
adultos), os surdos eram adultos e com baixa escolaridade, chegavam
cansados na sala de aula, pois trabalhavam, foi uma experiência relativamente
confortável, ensinar para eles era desafiador.
Os professores surdos precisam continuar com as lutas e por novas
conquistas frente aos desafios, para que não se perca não se dissolva, este é
um ganho fundamental para o povo surdo que é a minoria.
“A experiência na diferença cultural sentida e vivida por aqueles que têm a coragem de serem surdos é mais que dinâmica. O que obriga o surdo a travar lutas pela diferença? O ato de definição de nossa cultura é um espaço contraditório ao ouvinte. A luta pelas diferenças não pode ser estratégia de sobrevivência. A cultura surda existe enquanto estratégia de contra dominação. As estratégias contêm posições de diferenças, de identidade, de cultura, de política que se negocia em diferentes tempos. Diferenças que unem enquanto posições de luta pela identificação cultural”. (PERLIN, 1998, p.73)
A discussão da questão da diferença para o campo da Educação
Inclusiva e lançar um novo olhar para a educação de surdos, é, portanto,
reinterpretar nossas narrativas e representações acerca do ”ser surdo”. Falar
de identidade surda é referir-se a uma identidade constituída num processo
histórico, é vê-la como algo incompleto que está sempre em construção.
A possibilidade de trabalhar com uma ideia de uma pedagogia para a
diferença, permite-nos optar por um caminho em que a surdez é vista como
uma diferença política e uma experiência visual e, assim, pensarmos as
identidades surdas a partir do conceito de diferença e não de deficiência.
Entretanto, devemos considerar que a diferença vem sendo interpelada,
historicamente, através do discurso da diversidade, da variedade e também da
deficiência.
52
Estas discussões permitem pensar na possibilidade de uma pedagogia
para as diferenças, na qual as culturas que fazem parte desse contexto podem
ser traduzidas como “identidade de fronteiras”. Para MCLAREN (1997, p.147)
Como:
“Espaços intersubjetivos de tradução cultural- espaços
lingüísticos multivalentes de dialogo intercultural, espaço onde se
pode encontrar uma sobre posição de código, uma multiplicidade de
posições de sujeitos inscritas culturalmente, um deslocamento dos
códigos de referencia normativo e uma montagem polivalente de
novos significados culturais”.
A entrevistada C demonstra tranquilidade em se relacionar com o
intérprete, no entanto ao questionar sobre os outros ouvintes assumirem a
disciplina de LIBRAS, ela demonstra outra postura.
P: Você concorda que os professores ouvintes assumam a disciplina de
LIBRAS.
C: Não podemos repugnar esta possibilidade, de certa forma aceitamos,
mas sinto que os surdos precisam se aprofundar nas leituras, pesquisas,
textos, experiências, e dessa forma melhorar sua formação continuada. Hoje
temos poucos surdos com esse perfil.
Os surdos na maioria das vezes não se posicionam contra, percebo que
os surdos gostariam que os ouvintes respeitassem os seus espaços, já que
sempre os ouvintes tiveram o papel maior nas relações de poder estabelecidas
nos espaços formativos. Percebe-se neste contexto as questões da identidade
surda, e o quanto a formação de professores ainda esta marcada pelos
referenciais ouvintes.
As relações sociais, onde se realiza as representações da alteridade
surda, são relações em que imperam poderes. Nas relações sociais sempre
estão presente às relações de poder. É interessante percebemos como os
ouvintes ao tecerem suas redes de poder, disfarçam sob o discurso da fala, da
integração e o colonialismo. A questão das identidades surdas, no processo de
53
formação do professor surdo, é de extrema relevância, pois leva a configurar as
representações referentes aos mesmos. Segundo THOMA (2006, P.24):
“A pureza das identidades é um equívoco do ambicioso projeto moderno, e olha o mundo de forma mais plural e ajudará a desconstruirmos nossas próprias verdades, representações e discursos sobre aqueles a serem incluídos. Além disso, nos daremos conta de que não existe total posição de inclusão ou total posição de exclusão e que estar ocupando um desses lugares é sempre algo provisório”.
A naturalidade do uso da língua de sinais faz com que o povo surdo se
comunique com facilidade, entre surdos e surdos/ouvinte bilíngue, não
precisando do intérprete em todos os momentos. Mas em alguns espaços há
momentos que faz-se necessário a presença do intérprete para que haja
comunicação.
Como se sabe, a função do intérprete é exatamente de mediação,
funcionando como um canal de comunicação, entre o saber, os professores e
os limites da tradução. Isso salienta o importante papel que exerce nesta
relação professor surdo- aluno ouvinte.
Apesar das novas tecnologias fazerem parte da mediação da
comunicação e proporcionar a autonomia da comunicação ao professor surdo,
há momento como: reuniões ou comunicados em geral tornam-se
indispensável à presença do intérprete nos espaços.
Segundo a CORDE6 (2006, p.08), o intérprete deve ser um profissional
bilíngüe; reconhecido pelas associações e/ou órgãos responsáveis; intérprete
não é explicador; habilitado na interpretação da língua oral, da língua de sinais,
da língua escrita para a língua de sinais, e da língua de sinais para a língua
6CORDE - Em 2009, a então Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (Corde) foi elevada a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa
com Deficiência (SNPD). Isso aconteceu em 26 de junho de 2009 pela Lei 11.958 e Decreto
6.980, de 13 de outubro de 2009, sendo a Subsecretaria o órgão da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH/PR) responsável pela articulação e coordenação
das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência.
54
oral.
Nas relações do trabalho com os professores surdos entrevistados,
percebemos as diferentes posturas quanto à relação com o intérprete. Não
devemos tomá-las legitimas, pois devemos entender por que das escolhas e
respeitá-las. “Fugir das grandes metanarrativas pode ser um passo concreto,
para que possa visualizar novas concepções respeitando a realidade
multicultural existente nasrelações sociais”. (SKLIAR, 1997, p.263). Trazendo
este entendimento para o Ensino Superior, coloco para dialogar no campo da
pesquisa BROILO e CUNHA:
“No campo de conhecimento e das pesquisas em Educação, não há consenso paradigmático, não há leis gerais aceitas, conceitos universalmente admitidos, ainda que provisoriedade histórica que têm os paradigmas. Isto não quer dizer, no entanto, que não se tenha, nos estudos da área da educação, a preocupação com questões de teoria a método, que se tenham referentes e preocupações quanto ao sentido mais geral e à certa consistência dos conhecimentos construídos ou em construção nas investigações e reflexões no campo . Não quer dizer que não se tenha cuidado de atitude cientifica no trato com os fatos que constituem as bases de analise e compreensão de problemas do campo educacional”. (BROILO E CUNHA, 2008, p.39)
Durante as entrevistas com os professores surdos podemos perceber as
diferentes posturas relacionadas aos intérpretes como a entrevistada A
menciona:
P: Há solicitação do intérprete nas aulas ministradas por você? Como é
o seu relaciona com o intérprete?
A: A solicitação do intérprete somente no primeiro dia da aula para
explicar os estudos que envolvem quem é o sujeito surdo, cultura surda,
identidade surda, depois não preciso do intérprete para ministrar as minhas
aulas, elas fluem naturalmente. Porém os intérpretes são solicitados nas
reuniões e para fazer comunicados. O meu relacionamento com o intérprete,
não tenho problemas, nos relacionamos bem.
P: Nos planejamentos ou correção do material em casa ou na
universidade, se surge alguma dúvida você solicita a ajuda do intérprete?
55
A: Sim solicito a ajuda do intérprete. Às vezes o aluno ouvinte não
entende a construção da minha frase. Assim o intérprete faz esta mediação.
Nesta perspectiva da inclusão, tudo leva a crer que uma política cultural
bilíngüe está sendo engendrada no Brasil, de forma inédita, resta saber se as
Instituições de Ensino Superior percebam a necessidade de se organizar para
a construção de projetos para implantação das políticas públicas, que
favoreçam uma educação inclusiva aos acadêmicos surdos e do professor
surdo, pois a inclusão destes exige preparo do educador ao pensar sua prática
docente e reestruturação do quadro de funcionários, sendo necessária a
contratação de intérprete de LIBRAS.
A constituição neste espaço e suas representações se modificam com a
convivência entre o professor surdo e o aluno ouvinte. A entrevistada B coloca:
P: Ao ministrar suas aulas percebe que os alunos valorizam ou não a sua
identidade de professor surdo?
B: Como muitos alunos ainda são jovens, não tem informação a
respeito, não percebem que possuo uma identidade. Com o tempo e ao se
relacionarem com a língua de sinais vão percebendo a valorização do sujeito
surdo. E assim os alunos ouvintes aprendem á respeitar as diferenças.
Essa reação de não perceber a identidade do professor surdo no inicio
da disciplina de LIBRAS, evidencia o quanto as representações estão atreladas
aos do professor ouvintes e quando mobilizam as suas concepções ao se
depararem com o professor surdo.
“Representação dos ouvintes sobre a surdez e sobre os surdos [...] Trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narra-se como se fosse ouvinte”. (SKLIAR 2011, p.15)
Apesar de termos um perfil de professor surdo no Ensino Superior
semelhantes em alguns aspectos, cada um carrega consigo representações e
subjetividades advindas desse processo.
56
Aforma especial do surdo ver, perceber, estabelecer relações e valores
deve ser usada na educação dos surdos e integrada na sua educação em
conjunto com valores culturais da sociedade ouvinte, que em seu todo vão
formar a sociedade.
Resumindo, a integração da pessoa surda passa, necessariamente,
pela garantia de convívio em um espaço, onde não haja representação de sua
condição de surdo.
57
CONCLUSÃO
Durante o percurso dessa pesquisa, foram apresentados fatos históricos
e abordagens teóricas que por séculos foram permeados na educação para
surdos. Com isso foi possível perceber uma grande mudança nas
representações da sociedade acerca da surdez e dos métodos de ensino para
surdos.
Através desta pesquisa e das analises das coletas de dados, me
proporcionou discutir alguns elementos que acho importante para a inserção de
professor surdo no ensino superior e a prática da docência, dentro da
perspectiva surda. Como por exemplo, entender a educação do surdo,
especialmente o desenvolvimento do ensino da Língua de Sinais nas
universidades.
A língua é poder. Ela é o processo interativo entre os indivíduos do
mesmo idioma e produz a Inter comunicabilidade. Com competência e
desempenho lingüístico, os surdos interagem com seus pares em Língua de
Sinais. Sendo assim as professores surdos procuram na prática elementos
construtivos da cultura surda, da identidade, do empoderamento em relação ao
ensino/aprendizagem na grade curricular da disciplina dos cursos do ensino
superior.
Dentre as diferentes áreas do campo de conhecimento da educação
inclusiva, destaca-se a educação de surdo, fortalecidas nos últimos anos pelos
programas de educação inclusiva. A organização das políticas públicas traz o
acumulo das conquistas dos movimentos sociais representativos da
comunidade surda, das pesquisas desenvolvidas pelas universidades
brasileiras e das experiências das escolas que constituíram avanços para a
educação inclusiva.
Como o curso de LETRAS/LIBRAS e o PROLIBRAS que surgiram
58
como estratégias de formação e certificação para a docência do surdo como
umas das políticas de inclusão atendendo a lei 5626/2005.
Portanto é preciso que esclareçamos que o curso de LETRAS/LIBRAS
configura-se como um curso de graduação, sendo assim um processo
formativo. O PROLIBRAS é o exame Nacional de Proficiência de LIBRAS,
sendo apenas certificado.
Na fala das entrevistadas percebemos que a formação da graduação
de LETRAS/LIBRAS é mais importante, pois este coloca o surdo capacitado
para exercer a docência. Já o PROLIBRAS apenas os certifica para exercer e
atuar na função de professor de LIBRAS do Ensino Superior.
Os três professores surdos da pesquisa têm sua graduação em
LETRAS/LIBRAS e duas possui o certificado do PROLIBRAS. Portanto o
Prolibras não exige a prática ou participação de cursos para a qualificação do
docente.
Com essa política que agiliza a entrada desses profissionais, o ensino
fica prejudicado, e assim os profissionais desqualificados serão certificados
para exercer a função no Ensino Superior.
As universidades hoje oportunizam vagas para professores de LIBRAS,
mais não há uma demanda exigida de professores surdos qualificados para
exerce a função da docência.
Outra questão política que coloca o professor surdo em desvantagem
em relação ao professor ouvinte é que as universidades oferecem vagas para
vários concursos, que exigem mestrado e doutorado, quando poucos
professores surdos têm essa formação, e assim os professores ouvintes
acabam assumindo estas vagas.
Estas questões evidenciam o quanto os referenciais dos professores
ouvintes estão atrelados as suas representações, e quando o professor surdo
está obrigado a olhar-se e narra-se como se o mesmo fosse ouvinte.
A subvenção da relação de poder e significado compreendem a
59
participação dos professores surdos com qualificação dentro das
universidades. Neste contexto, a atuação docente, especialmente as dos
professores surdos, para o ensino de LIBRAS dará possibilidade para os
futuros professores desenvolver-se atendendo as singularidades linguísticas, e
o conhecimento de que a pessoa surda tem potencial para exercer as mesmas
funções de um professor ouvinte na universidade.
Pois se lutamos tanto para que os alunos surdos não se sintam
excluídos em espaços inclusivos, o cuidado deve ser o mesmo com
professores surdos no ensino superior, gerando as mais diversas
representações que constituirão esse sujeito.
Penso ser importante para a educação do surdo reconhecemos toda a
sua trajetória desde o passado (história) até agora e refletir sobre a importância
das associações de Surdos na formação política, social e educacional dos
surdos adultos que são referência para as crianças surdas e a necessidade de
maior participação dos professores surdos nas escolas regulares e no ensino
superior.
‘
60
ANEXO
QUESTIONÁRIO
1- Qual a sua formação?
2- Como foi sua inserção como professora no Ensino Superior?
3- Como você se sente enquanto professora? E como percebe que as outras pessoas o vêm como professora?
4- Dê sua opinião em relação à disciplina de LIBRAS no Ensino Superior?
5- Você já teve outras experiências como professora surda? Como se sentiu?
6- Como vêm acontecendo o seu relacionamento com os professores ouvintes
no Ensino Superior?
7- Como vêm acontecendo o seu relacionamento com os alunos ouvintes?
8- Há solicitação do intérprete em suas aulas? Como é o seu relacionamento com o intérprete?
9- Qual a importância do curso de licenciatura LETRAS/LIBRAS e do exame
de certificação o PROLIBRAS para o Ensino Superior?
10- Como professor surdo qual a sua opinião em relação à didática, metodologia e a prática de ensino do professor ouvinte e do professor surdo? São diferentes ou equivalentes?
11- Quais as políticas públicas voltadas para a educação inclusiva?
12- Quais as articulações que envolvem a cultura e a identidade do professor
surdo? Como:
• Na disciplina de libras, você ensina apenas LIBRAS (sinais específicos) ou na disciplina você também trabalha questões metodológicas? No plano da disciplina, constam temas como cultura surda, identidade surda, inclusão, escola?
61
• Você em suas avaliações utiliza a prova escrita em Português ou LIBRAS? Ou utiliza as duas?
• Em sua opinião você concorda que os professores ouvintes assumam a disciplina de LIBRAS?
• Ao ministrar as suas aulas percebe que os alunos valorizam ou não a sua identidade de professor surdo?
62
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67
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
1. A Educação de Surdos: Negação á Afirmação
1.1 - A Surdez na antiguidade 13
1.2 – A Surdez na Idade média 14
1.3 – A Surdez na Modernidade 15
1.4 – A Educação do Surdo no Brasil 21
1.5 - A Surdez na Contemporaneidade 27
CAPÍTULO II
2. O Que é Língua de Sinais
2.1 – A Importância da Língua de Sinais na Educação de Surdos 27
2.2 – Cultura: Por que Não? 29
2.3 – Identidade Surda 33
68
2.4 – Empoderamento 36
CAPÍTULO III
3. Professor Surdo: Estratégia para Inclusão
3.1 -Quem são os sujeitos das narrativas 38
3.2 – Coletas de dados das narrativas e análise 38
3.3 – Análises das Entrevistas 40
3.4 – A constituição do professor surdo no Ensino Superior: Política de
Inclusão 40
3.5- As estratégias de inclusão do professor surdo 44
CAPÍTULO IV
4.Campos Conceituais na educação de surdos: Estudos Surdos e
Estudos Culturais.
4.1- O contexto pedagógico: experiências surdas 48
CONCLUSÃO 57
ANEXO 60
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 62
ÍNDICE 67
FOLHA DE AVALIAÇÃO 69
69
70