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MODA: UMA PROPOSTA DE MATERIAL DIDÁTICO-PEDAGÓGICO PARA REFLEXÃO SOBRE GÊNERO E IDENTIDADE NA MATÉRIA DE SOCIOLOGIA PRADELLA, CAROLINA ROCHA. , BERTAPELI, VLADIMIR. Ciências Sociais – licenciatura. Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Marília. [email protected] Resumo: Este trabalho é um projeto de material didático- pedagógico para a disciplina de sociologia, com base nas diretrizes da reorganização do ensino médio, a lei 7.044/82 que visa à formação da cidadania. Propomos uma atividade de análise iconográfica com o objetivo de reflexão sobre as relações de gênero através das transformações do vestuário ao longo da história. O material são duas folhas A3 com as imagens selecionadas para cada grupo de seis estudantes, o nosso papel é o de motivar e mediar às discussões durante a aula. Desse modo, recorremos ao impacto social das imagens e a interpretação cultural como metodologia. O primeiro é guia potencial de representação e evidência histórica por transmitir conhecimento de culturas anteriores e processos de transformações culturais. O segundo concentra sua explicação interpretativa nos significado dos elementos, uma vez que a vida social é organizada por meio da criação e resignificação dos símbolos pelos sujeitos sociais. Assim, é possível interpretar o que os sujeitos sociais procuram transmitir através do vestuário, presente na vida cotidiana em diferentes temporalidades e elemento de comunicação e identificação. Considerar o advento da moda torna-se importante para estudar as relações sociais, por ser capaz de indicar as transformações nos padrões morais da sociedade. A história das mulheres no ocidente é marcada pelo movimento a favor da equidade de gênero, resultando em práticas que são transformadas em instrumentos de legitimação de idéias e comportamentos. Logo, a roupa feminina pode exteriorizar características de movimentos, grupos e sociedades em vários contextos histórico-sociais. Palavras-chaves: material didático-pedagógico, sociologia, análise iconográfica, gênero, moda, interpretação cultural. 1

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MODA: UMA PROPOSTA DE MATERIAL DIDÁTICO-PEDAGÓGICO PARA REFLEXÃO SOBRE GÊNERO E IDENTIDADE NA MATÉRIA DE SOCIOLOGIA

PRADELLA, CAROLINA ROCHA. , BERTAPELI, VLADIMIR.Ciências Sociais – licenciatura. Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Universidade

Estadual Paulista (UNESP), campus Marí[email protected]

Resumo: Este trabalho é um projeto de material didático-pedagógico para a disciplina de sociologia, com base nas diretrizes da reorganização do ensino médio, a lei 7.044/82 que visa à formação da cidadania. Propomos uma atividade de análise iconográfica com o objetivo de reflexão sobre as relações de gênero através das transformações do vestuário ao longo da história. O material são duas folhas A3 com as imagens selecionadas para cada grupo de seis estudantes, o nosso papel é o de motivar e mediar às discussões durante a aula. Desse modo, recorremos ao impacto social das imagens e a interpretação cultural como metodologia. O primeiro é guia potencial de representação e evidência histórica por transmitir conhecimento de culturas anteriores e processos de transformações culturais. O segundo concentra sua explicação interpretativa nos significado dos elementos, uma vez que a vida social é organizada por meio da criação e resignificação dos símbolos pelos sujeitos sociais. Assim, é possível interpretar o que os sujeitos sociais procuram transmitir através do vestuário, presente na vida cotidiana em diferentes temporalidades e elemento de comunicação e identificação. Considerar o advento da moda torna-se importante para estudar as relações sociais, por ser capaz de indicar as transformações nos padrões morais da sociedade. A história das mulheres no ocidente é marcada pelo movimento a favor da equidade de gênero, resultando em práticas que são transformadas em instrumentos de legitimação de idéias e comportamentos. Logo, a roupa feminina pode exteriorizar características de movimentos, grupos e sociedades em vários contextos histórico-sociais.

Palavras-chaves: material didático-pedagógico, sociologia, análise iconográfica, gênero,

moda, interpretação cultural.

INTRODUÇÃO

Os seres humanos possuem necessidade de se comunicarem entre si e através da

comunicação, seja numa linguagem verbal ou não, eles criam e desenvolvem relações que

possibilitam a sobrevivência tanto individual como coletiva. Numa só palavra, eles erigem

culturas. Seguindo os apontamentos propostos por Clifford Geertz (1978), o conceito de

“cultura” ou “culturas” pode ser entendido como essencialmente semiótico, isto é, o homem é

um animal amarrado a uma teia de significados que ele mesmo criou, no qual não se buscam

leis, mas procuram os seus significados.

Deste modo, podemos então dizer que a comunicação é de fundamental importância

para a formação e transformação cultural de qualquer grupo social. Assim, nenhum destes

pode existir sem que haja tal instrumento (OLIVEIRA, 2008). Lembramos também que, ao

longo de suas vidas, os atores sociais criam e resignificam símbolos. E, por meio destes, a

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vida social é organizada, cujo significado deve ser tomado para conhecer como ocorre a

formulação de seus princípios. Além disso, a explicação interpretativa está concentrada no

significado que instituições, ações, imagens, elocuções, eventos, costumes têm para aqueles

que as criaram (GEERTZ, 1998).

Sendo assim, a vestimenta, a indumentária e a moda, presente na vida cotidiana dos

atores sociais em diferentes temporalidades e localidades, cuja finalidade vai além de cobrir e

proteger os seus corpos é parte fundamental da comunicação. Pois, entre outros elementos, é

através dela que podemos interpretar o que as pessoas de uma época e do nosso próprio tempo

procuram transmitir.

Adentrando no campo da história, a narrativa tradicional ofereceu pouco espaço para

as mulheres, segundo Michelle Perrot (2005), os responsáveis pela historiografia no século

XIX privilegiaram o cenário público onde as mulheres pouco apareciam. Quando eram citadas

pelas fontes escritas referiam–se, por exemplo, aos protestos contra o aumento dos alimentos

e participações em manifestações no caso das mulheres das classes operárias e aos trajes

utilizados pelas mulheres pertencentes à burguesia nos eventos sociais.

Esse momento histórico é o nosso ponto de partida para compreendermos a presença

da relação de gênero na moda até os dias atuais. No século XIX, considerando a cidade um

espaço sexuado, a mulher que pertencia à classe social burguesa servia como ostentação da

riqueza e posição social do seu marido através do uso de roupas, jóias, acessórios que o seu

corpo carregava. A moda, portanto, não pautava apenas as tendências, mas também era

considerada expressão da nova forma de civilidade (PERROT, 2005, p.38).

Segundo a autora, a moda era um código, pois mostrava em detalhes os vestuários que

uma mulher elegante deveria usar hora após hora, submetendo o corpo feminino a normas.

Não podemos esquecer que, assim como algumas mulheres se identificavam com essa postura

outras entravam em tédio. Inclusive essa preocupação era um dos únicos ou senão o único

interesse que os cronistas tinham em relação às mulheres, o que elas estavam vestindo nos

encontros sociais.

Entrando no propósito dos escritos de Perrot (2005), a autora aponta que a memória

das mulheres é vestida. Considera que a mulher possui uma segunda pele que é a sua roupa,

pois é algo que pode falar e sonhar. Assim, por esse fato a aparência é um elemento

importante também porque é o meio pelo qual elaboraram um vocabulário entre as mulheres.

Desta forma, a história das mulheres na sociedade ocidental é marcada pela luta por

equidade nas relações de gênero – sendo este resultado de práticas que são transformadas em

instrumentos de legitimação de idéias e comportamentos socialmente internalizados e

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intranalizados pelos atores sociais através de diversas estruturas sociais –, pode também ser

compreendida pela maneira como, em distintos períodos históricos, a roupa exterioriza

conquistas e como isso foi apropriado pela moda através da indústria têxtil.

Portanto, tendo em vista esses referenciais teóricos, o presente projeto didático-

pedagógico para a matéria de sociologia, toma por base as diretrizes a qual norteou a

reorganização do ensino médio, a lei 7.044/82, cujo objetivo é a formação da cidadania.

Assim, o material tem por finalidade fazer com que os estudantes possam compreender,

através da análise de imagens, as transformações pelas quais passaram o vestuário, em

particular as roupas femininas em relação às masculinas, ao longo da história. Deste modo,

busca-se estimular os estudantes a refletirem as relações de gênero através da moda.

Gênero nos Parâmetros Curriculares Nacionais

Assim sendo, as questões acerca do gênero provocam as mais variadas indagações a

respeito das práticas culturais, sociais, políticas e econômicas. E, certamente, tal debate

amplia a possibilidade de reflexão dos atores sociais em várias dimensões do cotidiano.

Porém, as mulheres vêm historicamente enfrentando uma situação desfavorável, medidas

como políticas de ação afirmativa nas áreas do trabalho e timidamente na educação foram

realizadas ao longo da história (SILVA, 2003).

Por conta disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são publicados em 1996

para oferecer subsídios teórico-metodológicos aos professores do ensino básico, a fim de

contribuir no desenvolvimento das suas práticas pedagógicas em sala de aula. Propõem a

organização do conhecimento escolar em diferentes áreas, conteúdos e temáticas sociais as

quais devem contribuir para a compreensão e intervenção na realidade em que vivem os

estudantes.

Gênero está inserido nessa proposta e é considerada como uma possível política

afirmativa através da educação. Pois, permite o debate de um problema comum, a

hierarquização existente no ambiente escolar nas relações entre meninos e meninas,

apontando situações desfavoráveis para estas últimas e o problema da auto-estima. Entretanto,

alguns educadores e pesquisadores questionam o tratamento dos PCNs no que compete a essa

questão. Neste caso, as críticas realizadas pelos dois grupos são diferentes (SILVA, 2003). Conforme a autora, os educadores afirmam o acúmulo de responsabilidades e

desconforto ao receber mais incumbências, pois dificultam o ensino dos conteúdos das

matérias. Além disso, os órgãos que representam o professorado expressam descontentamento

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quanto ao processo de elaboração dos PCNs, pois não houve consultas ao corpo docente

escolar. Apontando uma política autoritária do governo com base em comissões ministeriais.

Em relação aos pesquisadores, existem críticas devido ao enfoque que prioriza a

sexualidade em detrimento a gênero. A leitura através da biologia vem sendo questionada,

pois a proposta tende a reduzir o problema e colaborar para reforçar a diferença entre meninos

e meninas (SILVA, 2003). Diante dessa situação, nosso material didático-pedagógico propõe

outra alternativa. Oferecer o devido tratamento para as questões de gênero, ou seja, discuti-la

a partir das questões culturais e formações de identidades.

Desnaturalização e o ensino da sociologia

Tendo em vista a Proposta Curricular do Estado de São Paulo - Sociologia (2008, p.3),

o documento afirma que o papel central do pensamento sociológico é a desnaturalização das

concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Desse modo, é possível não restringir

nosso trabalho como educadores apenas nos aspectos pedagógicos, mas inclusive em abordar

questões relativas a gênero dentro dos temas discutidos pelas ciências sociais para com os

estudantes do ensino médio.

Assim, a partir das lacunas existentes nos documentos oficiais procuramos estabelecer

um dialogo entre os temas das ciências sociais e as teorias culturais para elaborar um material

didático-pedagógico para a matéria de sociologia, que compreenda questões silenciadas pelos

livros didáticos, como a de gênero. Para isso, é preciso trabalhar também com a questão da

identidade, a fim de desnaturalizar o processo que envolve a construção da identidade em

relação aos papeis de homem e mulher.

Dessa forma, temos que explicar o processo de produção da identidade como ponto

final de um processo conduzido por operações de diferenciação (SILVA, 2003). Com isso, a

categoria de diferença se aproxima do múltiplo, sendo o múltiplo compreendido como

processo. É um movimento que recusa fundir-se com o idêntico, o diferente ou o outro como

situação ou forma de pensar, pois impede compreender a diferença e a identidade como

processos de produção social e o envolvimento das relações de poder e construções culturais

históricas. Essa prática torna por naturalizar o processo. No entanto, não é elemento passivo

da cultura, mas criado e recriado, no qual compreende o outro sempre como o gênero, a cor

diferente, a outra sexualidade, a outra raça, nacionalidade, o corpo diferente (SILVA, 2003).

Desta maneira, fixar e normalizar determinadas características às identidades pode ser

considerado um processo sutil de poder, pois é naturalizada como desejável e única. Com

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isso, a identidade não é vista como uma, mas como a identidade. Perante a essa situação,

inserir a discussão sobre gênero nos temas das ciências sociais através da matéria de

sociologia permite questionar as construções e o processo de fixação da identidade e a relação

assimétrica entre homem e mulher que esse processo deflagra.

Para traduzir esse pensamento em termos pedagógicos é preciso reconhecer a

identidade como questão que envolve a concepção do outro. É um problema social, pois

vivemos em um mundo heterogêneo, o encontro com o outro é inevitável e pensá-lo se faz

necessário. É também uma questão pedagógica, porque crianças e jovens interagem uns com

os outros nos espaço escolar e em seu entorno, a questão aparece quando ocorrem atritos entre

estudantes.

Gênero e identidade no ensino da sociologia

A palavra gênero, segundo Linda Nicholson (2000), possui um amplo significado, mas

comumente é usada de duas maneiras distintas: 1) pode ser considerado como referência a

personalidade e comportamento e não ao corpo; 2) o termo gênero tem sido cada vez mais

usado como referência a qualquer constituição social que tenha a ver com a distinção

masculino/feminino. Incluindo as construções que separam corpos “femininos” de corpos

“masculinos”. Esse último uso apareceu quando muitos perceberam que a sociedade forma

não só a personalidade e o comportamento, mas também as maneiras como o corpo aparecem.

Por outro lado, Pierre Bourdieu (1995) nos lembra à violência simbólica, histórica e

cultural imposta pela dominação masculina, opondo sexualmente homens e mulheres. As

relações de gênero, assim como qualquer outro tipo, são relações de poder e como tais

engendram conflitos, contra-poderes, manipulações e consentimentos. O autor considera ser

preciso uma mudança de mentalidade e das práticas sociais, ou seja, que os atores sociais

dêem conta de sua situação de dominação para buscarem meios que possibilitem a subversão.

Moda: uma proposta de material didático-pedagógico para reflexão sobre gênero e

identidade na matéria de Sociologia.

Entre o final da Idade Média e o princípio do Renascimento, é considerado o início da

moda, quando a aristocracia de Borgonha começa a sentir-se incomodada com as cópias que

os burgueses faziam de suas roupas. Logo depois, no período correspondente aos séculos XIV

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e XIX, as mulheres passam a exibir mais os seus corpos (OLIVEIRA, 2009). E ao longo do

tempo sendo apropriada também pelas classes populares. Gilberto Freyre aponta,

As modas – acentue–se sempre – não vêm sendo criações arbitrárias. Tampouco vêm se restringindo a ser expressões ou monopólios de uma só classe: a socioeconomicamente dominante. Pode–se mesmo sugerir, das modas de mulher, que elas vêm tendendo a desmentir o absoluto da chamada luta entre classes, tão cara ao marxismo ortodoxo (FREYRE, 2009, p.51-52).

Portanto, é neste momento que a moda começa a revelar os seus traços sociais,

levando à tona uma diferenciação entre duas classes sociais que lutavam pelo controle da

sociedade, a aristocracia e a burguesia. A figura de Maria Antonieta na França de Luís XVI

reflete esse momento, a rainha consorte até a Revolução Francesa era considerada referência

de moda na aristocracia de Versalhes. Algo semelhante ocorreu quando D. João VI,

acompanhado de Carlota Joaquina, estivera no Brasil durante 1808 e 1821. A rainha regente-

consorte tornou–se um símbolo da expressão da moda européia para as mulheres da

aristocracia do Brasil colônia.

Segundo Araújo Guimarães (s.d. apud OLIVEIRA, 2008), se considerarmos a moda

de forma mais ampla e não apenas circunscrita a uma coleção, perceberemos que ela é

também um reflexo das relações sociais de um determinado momento. Por isso, pode indicar

as transformações nos padrões morais da sociedade, com a utilização cada vez maior de

roupas justas, curtas, decotadas sem que isso cause nenhum escândalo.

O uso de calças, por exemplo, pelas mulheres é um momento histórico importante,

iniciou–se principalmente a partir dos anos de 1910, com a adaptação das calças masculinas

feita por Coco Chanel. Estilista responsável também pela criação do tailleur, um conjunto

composto por terno e calça para mulheres, que imitam os trajes sociais masculinos permitindo

maior mobilidade ao corpo da mulher. Podemos observar que a criação da calça feminina

permitiu novos significados para a relação de gênero na moda.

Permitindo não apenas mobilidade corporal, mas também indica a entrada da mulher

no mundo exterior ao doméstico, ou seja, o trabalho. Esses fatos contribuíram para que o

corpo da mulher não se restringisse a ser apenas um “mostruário” da posição social do

marido. Portanto, isso ilustra como a moda, portadora de significados sócio-culturais, pode

servir como referência para a compreensão desse processo histórico.

A forma como as pessoas vestem, conforme Gilberto Freyre (2009) corresponde a toda

uma nova ética de relações entre sexos e a uma nova moralidade relativa a comportamentos

sexuais tanto de um sexo como do outro e a tendências para admitir-se, em sociedades

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ocidentais cristãs, católicas ou protestantes, maior independência da mulher. Desse modo,

para o autor,

Adaptações dessa espécie vêm correspondendo a novas adaptações da mulher a papéis sociais outrora exclusivamente masculinos, sem perda do essencial de sua feminilidade. [...] os criadores de modas para a mulher tendem a entusiasmar–se por soluções ou ajustamentos ou reajustamentos dessas relações que importem em simplistas e arbitrárias masculinizações da figura ou do tipo ou do comportamento feminino, como se tal masculinização pudesse de fato significar a consagração de uma igualdade de direitos (FREYRE, 2009, p.36).

Não podemos desconsiderar que apesar da abertura do mundo social, tudo aquilo que é

externo ao ambiente doméstico, para as mulheres não significa que houve equidade nas

relações entre os gêneros. Nos anos 1968, muitas mulheres que participaram ou eram

simpatizantes dos movimentos feministas protestaram em lugares públicos pela igualdade

entre os sexos queimando os sutiãs, roupa íntima feminina. Esse ato tornou-se símbolo de

outro momento histórico importante para as questões relacionadas às mulheres, reivindicações

de direitos como as condições de equidade nas esferas pública (sociedade) e particular

(familiar).

Atentamos para o fato que a calça, uma roupa considerada masculina, em um

determinado momento histórico foi apropriada e re–significada para o uso feminino, bem

como o ocorrido com a invenção do tailleur. Para a mulher sair de casa e enfrentar o mundo

do trabalho seu armário, porém, precisou assemelhar-se com o masculino afim de não apenas

ter mobilidade e conforto, mas também para poder ser respeitada.

Outras apropriações e ressignificações ocorreram no mundo no vestuário. A calça

jeans, hoje popular entre ambos os gêneros, era utilizada pelos mineiros americanos e ingleses

devido ao tecido resistente para efetuar esse tipo de trabalho. Algum tempo mais tarde, e com

algumas mudanças de corte e tratamento do tecido, essa calça tornou-se símbolo de uma

geração e referência de uma grande indústria têxtil.

Assim, a criação das chamadas roupas unissex, que, surgidas nos anos de 1960, é outro

elemento que representa uma tentativa de igualdade entre homens e mulheres pelo uso de

roupas comuns a ambos os gêneros. Portanto, podemos ver que a roupa não só é fonte de

transformações sociais como também de representação de tais mudanças (OLIVIERA, 2008).

E por falar na década de 1960, o antropólogo francês David Le Breton (2007) nos

lembra que foi nesse período que a crise da legitimidade dos modelos físicos da relação do

homem com os outros se amplia com o feminismo, a revolução sexual, a expressão corporal,

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o body-art, a crítica do esporte, a emergências de novas terapias, proclamando bem alto a

ambição de se associar somente ao corpo, etc.

Assim, um novo imaginário do corpo invade a sociedade, nenhuma região da prática

social sai ilesa das reivindicações que se desenvolvem na crítica da condição corporal dos

atores sociais. Novamente, citamos Linda Nicholson, a autora feminista que elaborou a idéia

de “porta-casacos” da identidade, onde o corpo pode ser considerado como um “cabide de pé”

no lugar em que são colocados diversos artefatos culturais, especificamente os relativos à

personalidade e comportamento (2000, p.12)

O gênero feminino ou masculino, segundo Guacira Lopes Louro, tem suas inscrições

feitas nos corpos realizadas a partir de um determinado contexto cultural. Desse modo, a

autora aponta que,

[...] as possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade (LOURO, 2000, p.06).

Assim, o corpo funciona como uma espécie de suporte para os diversos significados

culturais presentes na nossa sociedade e a moda através da roupa reproduz um

comportamento. Max Weber considera que a moda, aproxima-se de uma convenção, pois

geralmente se origina do desejo por prestigio social (2008, p.48). Entendemos que a moda

originou na disputa de diferenciação entre duas classes sociais e que ao longo dos séculos

(ainda) projetaram no corpo da mulher valores sociais ligados, sobretudo a dominação do

homem e que a roupa é um elemento que está presente nessas relações, algumas vezes

impedindo ou permitindo a movimentação e libertação do corpo.

Vivemos em um período histórico onde as relações de gênero e a moda ainda incidem

sobre o corpo feminino, e é aqui que parte a nossa discussão com os estudantes.

METODOLOGIA

Como método de ensino, selecionamos imagens fotográficas que retratam a

transformação do vestuário feminino ao longo da história. Assim, através da leitura imagética,

pretendemos levar a discussão em sala de aula sobre a maneira como as relações de gênero

são reproduzidas no modo de se vestir dos atores sociais. Procuramos, então, desconstruir

noções que os estudantes venham a ter sobre a moda, as relações entre mulheres e homens e

as relações que mantém no cotidiano. Desse modo, desenvolver uma percepção mais sensível

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às transformações dos indivíduos ao longo dos períodos históricos e como isso se manifesta

de fato, neste caso através das roupas.

O uso de imagens não pode servir como mera ilustração de conteúdo, como

geralmente ocorre nos livros didáticos, mas deve ser fonte de conhecimento e linguagem que

dialogue com outras fontes predominantes na escola como os textos. Faz-se, então, necessário

refletir sobre os aspectos da imagem, demonstrar sua potencialidade como fonte documental,

portanto objeto de conhecimento das ciências sociais.

Para Peter Burke (2004), as imagens podem causar impacto social e permitem

compartilhar experiências não-verbais, ou mesmo, conhecimento de culturas passadas e

processos de mudanças culturais. Os objetos usados em diferentes períodos como os de

devoção, persuasão, transmissão de informações e entretenimentos, são, nesse sentido guia

potencial para o poder da representação, pois são formas importantes de evidencia históricas,

uma vez que são registros e atos de testemunha ocular. Assim, o documento visual é registro

de um momento, é um ponto ou uma perspectiva que indica a existência do sujeito.

Para Peter Burke existem algumas problemáticas em relação às imagens na construção

do conhecimento nas ciências sociais e humanas. Assim, é necessário compreender três

elementos propostos pelo autor em relação à arte: a arte pode fornecer evidência para

observar/refletir aspectos da realidade social que os textos passam por alto; a arte da

representação é quase sempre menos realista do que parece e distorce a realidade social mais

do que a reflete; o processo de distorção da realidade é ele próprio, evidência de fenômenos

que muitos historiadores desejam estudar, tais como mentalidades, ideologias e identidades. A

imagem material ou literal é uma boa evidencia da imagem mental ou metafórica do eu ou dos

outros.

As imagens são testemunhos e alternativas valiosas quando a maioria os documentos

escritos possuem uma perspectiva oficial. Assim, estudar as relações de gênero a partir de

documentos visuais é oferecer outra possibilidade de observar e analisar os contextos culturais

e sociais relatados ou silenciados pela História. O primeiro passo é pensar temas a partir da

análise iconográfica, exercício para reconhecer a particularidade do meio, considerando o

formato imagético como possibilidade para pensar questões como as transformações do

vestuário através da moda e suas implicações com as relações de gênero.

Neste sentido, a imagem como recurso didático é uma opção para a alfabetização

iconológica, pois vivemos em um momento onde as produções e as reproduções de imagens

crescem vertiginosamente. Deste modo, torna-se necessário considerar o estudante nessa

realidade, dispositivos que produzem e reproduzem imagens - aparelhos de televisão e DVDs,

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câmeras fotográficas e de vídeos, retroprojetores e projetores, computadores e music players,

internet - estão presentes em nosso cotidiano.

Pensar na inserção desses elementos na atividade pedagógica possibilita interagir o

ambiente escolar e os agentes sociais escolares (estudantes, professores e funcionários) com

as imagens produzidas e reproduzidas pelos recursos tecnológicos. A fim de realizar

exercícios de desconstrução e reconstrução do processo histórico a partir da observação sobre

as imagens produzidas em momentos passados como também as do momento presente.

Assim, é necessário atribuir importância ao trabalho com imagens como ocorre com os

textos. Os educadores, por sua vez, precisarem manter um constante diálogo com os

estudantes, estimular e aprimorar a análise iconográfica para ir além da aparente

superficialidade que nos podemos ter em relação às imagens. Propiciando aos estudantes

espaço para expressarem suas perspectivas e desconstrução em relação aos conteúdos

propostos pelo tema trabalhado.

Material didático

Na perspectiva proposta por Maria Beatriz Rocha Trindade (1998), deve-se considerar

como material didático os seguintes suportes: livros e outros materiais escritos sobre papel;

emissões de rádio ou os correspondentes registros em áudio; emissões de televisão e as

respectivas gravações magnéticas; os programas de computador em disquete ou CD-ROM,

com característica multimídia; e quaisquer outros elementos e meios de telecomunicações

presentes nas escolas, acervos ou suportes.

O que é importante destacar aqui é o reconhecimento de uma atualidade e diversidades

de suportes, com potencial a serem usados em sala de aula. Levando em consideração que

algumas escolas não possuem recursos de reprodução audiovisual, optamos em trabalhar com

imagens impressas. Seguindo a orientação da autora, o material foi desenvolvido a partir dos

elementos de estrutura: explicitação do conteúdo temático, justificativa desse conteúdo, trama

discursivo-argumentativa e síntese conclusiva final.

Assim, para maior diálogo, selecionamos algumas imagens de vários períodos

históricos. A classe deve ser dividida em grupos e estes receberam o mesmo material

imagético. A discussão inicia a partir do conhecimento dos estudantes, cabendo a nós,

docentes, desenvolver o exercício para ampliar suas percepções em relação ao tema proposto

– gênero e moda nas ciências sociais - sugerindo elementos não pensados pelos estudantes.

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CONCLUSÃO

Com base na Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Sociologia (2008, p.3),

onde o papel central do pensamento sociológico na escola deve ser a desnaturalização das

concepções ou explicações dos fenômenos sociais, e em conformidade com as Orientações

Curriculares Nacionais (2006, p.107), é necessário adequar os termos de linguagem, objetos,

temas e reconstrução da história das Ciências Sociais para a fase de aprendizagem dos jovens.

O discurso deve, portanto, levar em consideração o público-alvo.

E também não podemos deixar de aludir que os PCNs, por meio dos temas

transversais, propõem que a escola e seus agentes escolares (educadores, coordenadores

pedagógicos, diretores) não devem apenas se preocupar com os aspectos pedagógicos, mas

também deve abordar as questões vinculadas a inserção de assuntos como a relações de

gênero. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidades deve haver

partilhamento de responsabilidades, tanto no cotidiano familiar, escolar, trabalhista e outras

relações intersociais, pois

[...] deve consolidar referências atitudinais de respeito mútuo e valorização, em particular nas relações de gênero e nas relações geracionais, no contexto das especificidades inerentes às diferenças etno culturais (PCNs - PLURALIDADES, p.149).

Por fim, o objetivo dessa proposta é estimular o estudante a refletir as relações de

gênero através das transformações do vestuário ao longo da história que pode ser feita por

meio da análise iconográfica. Pois, considerar o advento da moda torna-se importante para

estudar a história das mulheres no ocidente que é, por sua vez, marcada pelo movimento a

favor da equidade de gênero, resultando em práticas que são modificadas em instrumentos de

legitimação de idéias e comportamentos. Afinal roupa pode exteriorizar características de

movimentos, grupos e sociedades em vários contextos histórico-sociais. Desta forma, embora

esteja em andamento, esperamos que o presente material didático venha contribuir para o

aprendizado de sociologia para os estudantes do ensino médio.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Educação & Realidade. N. 20 (2), p. 133-184, jun/dez, 1995.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru: Edusc, 2004.

BRASIL. Orientações curriculares nacionais: ensino médio – ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: Secretaria da Educação Média e Tecnológica, 2006.

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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade. Brasília: Secretaria da Educação Fundamental.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: ciências humanas e suas tecnologias. Brasilia: Secretária da Educação Média e Tecnológica, 2005.

BRASIL. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Sociologia. São Paulo: Secretária de Estado da Educação, 2008.

CAMURATI, Carla. Carlota Joaquina, princesa do Brasil. Brasil: Europa Filmes, 1995.

COPPOLA, Sofia. Maria Antonieta. EUA/França/Japão: Sony Pictures, 2006.

FONTAINE, Anne. Coco antes de Chanel. França: Warner Home, 2009

FREYRE, Gilberto. Modos de homem e modas de mulher. São Paulo: Global, 2009.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

______. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis: Vozes, 2007.

LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. In: Revista Estudos Feministas v. 8, n. 2, p. 9-41, 2000.

OLIVEIRA, Alexandre Fernando. Tecendo a sociedade. In: Revista de Sociologia Ciência & Vida. São Paulo: Escala, n.18, p.52-59, 2008.

PERROT, Michelle. Práticas da memória feminina. IN: As mulheres ou os silêncios da história. EDUSC, São Paulo, 2005.

SILVA, Deyse de Paula Marques da. Gênero e sexualidade nos PCNs: uma proposta desconhecida. G.T. Gênero, sexualidade e educação. ANPED, 2003. Disponível em <http://www.ded.ufla.br/gt23/trabalhos.html>. Acessado em 24/05/2010.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A Produção Social da identidade e da diferença. In: Identidade e Diferença a Perspectiva dos Estudos Culturais. Hall, Stuarty . Woodward, Kathryn. Trad. Tomaz Tadeu da Silva.(org) 2° ed. Editora Vozes. Petrópolis Rio de Janeiro, 2003.

TRINDADE, Maria Beatriz Rocha. Imagens e Aprendizagens na sociologia e na antropologia. In: Desafios da Imagem fotografia, Iconografia e Vídeo nas ciências sociais. BIANCO, Bela Feldman; LEITE, Miriam L. Moreira (orgs). Campinas, SP: Papirus, 1998. Vários Autores.

WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002.

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ANEXO

A moda ao longo do tempo

Cultura e Sociedade

Como parte diária e fundamental da comunicação, a vestimenta, a indumentária, ou,

simplesmente, a moda, está presente visualmente em todas as pessoas. Muito elas têm a dizer,

ou querem transmitir, usando peças de roupa. O período que vai da metade do século XIV à

metade do século XIX é considerado o início da moda, quando mulheres passam a exibir mais

seu corpo, evidenciando seu busto, quadris e a curva das ancas. É neste momento que a moda

revela seus traços sociais e estéticos trazendo à tona uma diferenciação social, que antes não

existia, como podemos ver nos tempos do Egito Antigo, que o mesmo tipo de toga - túnica

comum aos dois sexos manteve-se por quase quinze séculos com uma permanência quase

absoluta; na Grécia, o peplo (traje feminino de cima), impôs – se das origens até a metade do

século VI antes de nossa era; em Roma, o traje masculino – a toga e a túnica – persistiu, com

variações de detalhes, dos tempos mais remotos até o final do Império. Mesma estabilidade na

China, na Índia, nas civilizações orientais tradicionais, onde o vestir só excepcionalmente

admitiu modificações: o quimono japonês permaneceu inalterado durante séculos; na China, o

traje feminino não sofreu nenhuma verdadeira transformação entre o século XVII e o século

XIX. (OLIVEIRA, 2008 p.53)

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Antiguidade Idade Média Idade Moderna

Brasil Colônia

Século XIX

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Revolução Industrial (Séc. XVIII) Anos 50 Anos 60

Anos 60Anos 70

Anos 90Anos 80

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