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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA – UNICURITIBA MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA CLÁUDIA DE LURDES DA SILVA GONÇALVES INVALIDADE E INEFICÁCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E DE SUAS DELIBERAÇÕES NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Curitiba 2017

INVALIDADE E INEFICÁCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE … · 2019. 3. 20. · INVALIDADE E INEFICÁCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E DE SUAS DELIBERAÇÕES NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA – UNICURITIBA

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

CLÁUDIA DE LURDES DA SILVA GONÇALVES

INVALIDADE E INEFICÁCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES E DE SUAS DELIBERAÇÕES NA

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Curitiba

2017

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CLÁUDIA DE LURDES DA SILVA GONÇALVES

INVALIDADE E INEFICÁCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES E DE SUAS DELIBERAÇÕES NA

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em direito. Orientador: Prof. Dr. Sandro Mansur Gibran.

Curitiba

2017

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CLÁUDIA DE LURDES DA SILVA GONÇALVES

INVALIDADE E INEFICÁCIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES E DE SUAS DELIBERAÇÕES NA

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em direito.

Aprovada em: 27 de junho de 2017

Banca examinadora

________________________________________________ Prof. Dr. Sandro Mansur Gibran – UNICURITIBA

(Orientador)

________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Alves da Silva – UNICURITIBA

(Membro Interno)

________________________________________________ Prof. Dr. Frederico Eduardo Zenedin Glitz

(Membro Externo)

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Dedico este trabalho à minha família, pelo amor, carinho, compreensão e confiança em mim depositadas, e ao Bento, meu companheiro de sempre.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, que me deu forças para continuar diante dos

obstáculos da vida.

Agradeço à minha mãe, Maria de Fátima, que sempre esteve presente nos

momentos bons e, principalmente, nos ruins, me ajudando e me acompanhando,

durante toda minha vida. Ao meu irmão Vinicius Muller, meu grande amigo, parceiro.

À minha família, que também contribuiu para meu crescimento e educação,

possibilitando a realização de mais um sonho.

Agradeço, também, a todos os meus amigos, colegas e às pessoas que

passaram pela minha vida nesse período. À ‘turma da linha 1’ e aos amigos que a

Unicuritiba me presenteou.

Ao meu Professor Orientador, Sandro Mansur Gibran, pela paciência,

dedicação e compreensão durante todo o curso e principalmente na dissertação,

muito obrigada.

À professora Coordenadora do Programa de Mestrado Viviane Sellôs, por

incentivar, motivar e por estar incansavelmente em busca de oportunidades para

divulgação de nossos trabalhos, sendo sempre uma grande amiga.

Peço licença ao meu orientador para agradecer ao Mestre José Rodrigo

Dornelles Vieira, que acompanhou este sonho desde o início: a escolha da faculdade,

o processo seletivo, a elaboração do projeto, acompanhando cada disciplina cursada

e seus artigos. Esteve presente em todos os momentos dessa caminhada,

acompanhando, ou melhor, orientando cada passo – aqui vale a ressalva de que esta

orientação passou pela graduação, especialização e agora pelo mestrado, orientação

esta que foi indispensável para a vida. Muito obrigada por toda paciência e dedicação

que tens com esta, que sempre será sua aluna. Grata.

Aos professores do Programa de mestrado, que dividiram seus conhecimentos,

experiência, sempre com muita dedicação e atenção; faltam palavras para expressar

tudo que aprendi nessa jornada de trabalho e a admiração que tenho por vós.

Ao Bento, meu companheiro fiel, presente em cada linha escrita neste trabalho,

atento a cada discussão, sempre ao meu lado. Meu filho, te amo!

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RESUMO

A pesquisa se concentra nas invalidades da assembleia geral de credores. Seguindo a definição de Erasmos Valladão Novaes e França, que elencou três tipos de vícios para a assembleia geral das Sociedades Anônimas, com base no artigo 286 da Lei 6.404/76, o qual, de modo subsidiário, entende ser aplicado na LREF, busca-se encontrar uma definição dos tipos de conflitos e a qual grupo de invalidades eles pertencem – se de a) assembleia; b) voto; ou c) deliberação. Utilizando-se, neste contexto, parâmetros e definindo-se um padrão para cada caso, principalmente no que se refere às questões relacionadas à invalidade e/ou à ineficácia da assembleia geral de credores. A metodologia utilizada para desenvolvimento da pesquisa foi o método indutivo, partindo-se dos conflitos existentes e da insegurança sobre o tema, e tentando-se, ainda, construir com aplicação de normas supletivas uma resposta. Para o desenvolvimento do presente trabalho, dividiu-se o texto em três capítulos. No primeiro, temos como objetivo a exposição e classificação das invalidades, ilustrando-se os assuntos com julgados sobre cada ponto, demonstrando os conflitos enfrentados no judiciário relacionados às decisões da assembleia geral de credores na recuperação judicial. No segundo capítulo, temos como escopo o levantamento das normas – restringindo-se ao estudo da Lei das S.A, aplicação do código civil, mais precisamente ao ponto que trata das nulidades do negócio jurídico e à aplicação dos princípios da função social e preservação da empresa. No terceiro e último capítulo, com base na exposição do problema, a saber, a ausência de previsão e regulação das invalidades e vícios da assembleia geral de credores, e nas possíveis normas aplicáveis, procura-se encontrar parâmetros para que as decisões possam ser amparadas com maior técnica jurídica e, assim, definir-se premissas básicas e encontrar-se, então, um tipo de amparo que venha a garantir maior segurança jurídica à aplicação da lei 11.101/2005. Palavras-chave: Recuperação judicial. Assembleia de credores. Intervenção do

Estado. Soberania.

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RESUMEN

Este trabajo se concentra básicamente en la ineficacia de los actos de la junta general de acreedores. Siguiendo la definición de Erasmos Valladão Novaes e França, en la cual lista tres tipos de vicios para la junta general de las Sociedades Anónimas, basado en el artículo 286 de la Ley 6.404/76, utilizada de forma subsidiaria en la LREF. Se busca encontrar una definición de los tipos de conflictos y a qué grupo de ineficacia pertenecen, si es de la: a) junta; b) voto; c) deliberación. Para tanto, serán definidos padrones para esta situación, especialmente sobre las cuestiones relativas a la nulidad y/o ineficacia de la junta general de acreedores. La metodología utilizada para el desarrollo de este estudio es el método inductivo, empezando por los conflictos existentes y la inseguridad sobre el tema, tratando de construir una respuesta con base en la aplicación de normas complementarias. El desarrollo de este trabajo fue dividido en tres capítulos. El primer capítulo tiene por objetivo la exposición y clasificación de las ineficacias, mostrando los asuntos basados en decisiones judiciales sobre cada tema, demostrando los conflictos que enfrenta el sistema judicial en relación a las decisiones de la junta general de acreedores en la recuperación judicial. En el segundo capítulo, se tiene como objetivo el levantamiento de las normas, especialmente con foco en el estudio de la Ley de las Sociedades Anónimas, aplicación del Código Civil, este último precisamente sobre las nulidades del negocio jurídico y la aplicación de los principios de la función social y preservación de la empresa. En el tercer y último capítulo, basado en el problema tratado, o sea, en la falta de previsión y reglamentación de la invalidad y de los vicios de la junta general de acreedores, como también en las posibles normas aplicables, se busca encontrar parámetros para que las decisiones puedan ser basadas con una mayor técnica jurídica, para poder definir las premisas básicas y parámetros, como forma de garantizar una mayor seguridad jurídica en la aplicación de la ley 11.101/2005.

Palabras clave: Recuperación judicial. Asamblea de acreedores. Intervención del

Estado. Soberanía.

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO......................................................................................................................08

2 A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E SUAS INSTABILIDADES............................15

2.1 DIFICULDADES ENFRENTADAS NA APLICAÇÃO DA LEI............................................17

2.1.1 Vícios de voto...............................................................................................................17

2.1.2 Vícios de deliberação..................................................................................................22

2.1.3 Vícios de assembleia...................................................................................................36

2.2 TESES LEVANTADAS PARA ENFRENTAMENTO DOS CONFLITOS...........................38

2.2.1 Análise de viabilidade econômica..............................................................................38

2.2.2 Validade do negócio jurídico......................................................................................45

3 O DIREITO COMO SISTEMA ÚNICO DE NORMAS – APLICAÇÃO SUPLETIVA DO

CÓDIGO CIVIL E DA LEI 6.404/76........................................................................................50

3.1 CÓDIGO CIVIL .............................................................................................................................52

3.1.1 Do negócio Jurídico....................................................................................................53

3.1.2 Análise de validade do negócio jurídico...................................................................55

3.1.3 Negócio jurídico inválido – nulidade e anulabilidade..............................................57

3.1.4 Aplicações da lei 6.404/76 – especificamente as disposições sobre a assembleia

geral.......................................................................................................................................60

3.1.5 Invalidades da assembleia geral e o regramento previsto na Lei das S.A............62

3.2 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E SUA FUNÇÃO SOCIAL...........................................65

4 CRITÉRIOS DE INVALIDADES E VÍCIOS DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES...........................................................................................................................71

4.1 VÍCIOS DE VOTO........................................................................................................................73

4.2 VÍCIOS DE DELIBERAÇÃO.......................................................................................................77

4.3 VÍCIOS DE ASSEMBLEIA..........................................................................................................80

5 CONCLUSÃO.....................................................................................................................84

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................88

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1 INTRODUÇÃO

O tema central deste trabalho é a Lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência,

a Lei 11.101/2005. O objeto da pesquisa é a recuperação judicial, mais especificamente nas

decisões da assembleia geral de credores que venham a ser passíveis de vícios.

O principal objetivo da recuperação judicial é viabilizar o soerguimento da empresa

que esteja enfrentando um momento de crise econômico-financeira.

Na perspectiva de João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea1,

A LREF trata dos aspectos jurídicos da crise empresarial. O chamado “Direito da Empresa em Crise” regula os regimes jurídicos projetados para lidar com as crises reversíveis (i.e. recuperação judicial ou extrajudicial) e com as crises irreversíveis (i.e. falência). O diploma legal cuida, portanto, da reorganização da empresa viável e da liquidação da empresa inviável.

A Lei 11.101/2005, que regula a matéria falimentar, é oriunda do Projeto de Lei

4.376/1993, que sofreu inúmeras modificações, tramitando por mais de dez anos até

sua conversão em Lei.

Matéria antes regulada pelo Decreto-lei 7.666/45, que, como afirma Mauro R.

Penteado2, possui

ótima qualidade técnica, mas editado para um País preponderantemente agrícola e ainda pouco urbanizado, que sequer dispunha de indústria de base [...]. Talvez por isso apresentava opção limitada para a solução das dificuldades econômicas transitórias [...].

Na mesma trilha, o Senador Ramez Tebet3, no parecer n°. 534/2004, certifica

que a concordata era um regime ineficaz, resultando, em grande parte, na falência.

Quando da criação do diploma substitutivo, o legislador optou por dividir a LREF

em capítulos da seguinte forma: Capítulo I – Disposições preliminares; Capítulo II –

1 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falências – Teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2016. p. 31. 2 SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. 3 Parecer n. 534/2004 – Da comissão de Assuntos Econômicos, sobre o PLC n. 71 de 2003, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade econômica regida pelas leis comerciais, e dá outras providências. Relator: Senador Ramez Tebet. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/86307.pdf>. Acesso em: 13 set. 2016.

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Disposições comuns à Recuperação Judicial e à falência; Capítulos III e IV – Da

recuperação judicial e da convolação da recuperação judicial em falência; Capítulo V

– Da falência; Capítulo VI – Da recuperação extrajudicial; Capítulo VII – Disposições

penais; Capítulo VIII – Disposições finais e transitórias.

Para Scalzilli, Spinelli e Tellechea4

a divisão é passível de críticas, ante a deficiência de um índice sistemático, à ausência de concatenação apropriada entre os capítulos e as seções, às constantes referências a artigos inseridos em seções distintas, bem como à confusa divisão das matérias no corpo do texto.

Para a compreensão adequada do espírito do legislador ao elaborar a Lei

11.101/2005, é imprescindível a leitura do Parecer 534/20045, principalmente no que

tange aos “Princípios adotados na análise do PLC n. 71, de 2003, e nas modificações

propostas”.

O legislador elegeu 12 (doze) enunciados como princípios basilares, são eles:

1) Preservação da empresa; 2) Separação dos conceitos de empresa e de

empresário; 3) Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis; 4) Retirada

do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis; 5) Proteção aos

trabalhadores; 6) Redução do custo do crédito no Brasil; 7) Celeridade e eficiência

dos processos judiciais; 8) Segurança jurídica; 9) Participação ativa dos credores; 10)

Maximização do valor dos ativos do falido; 11) Desburocratização da recuperação de

microempresas e empresas de pequeno porte; 12) Rigor na punição de crimes

relacionados à falência e à recuperação judicial.

Dos princípios elencados, a “Preservação da empresa” ganhou destaque,

sendo inclusive positivado no artigo 476, a saber, o estímulo da preservação da

empresa, manutenção da fonte produtora, sua função social e também o estímulo à

atividade econômica.

4 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 65. 5 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933>. Acesso em: 6 Art. 47, da lei 11.101/2005 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

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Nesse caminho, Laís Machado Lucas7 observa que: “Percebe-se o entusiasmo

e crença do legislador no instituto da recuperação já pela leitura da exposição de

motivos da Lei. Não é por acaso o objetivo da preservação da empresa desponta como

o primeiro da lista”.

Calixto Salomão Filho8, ressalta que o princípio da preservação da empresa,

se aplicado de forma coerente, pode ajudar em muito a efetivação da recuperação

empresarial.

O princípio da preservação da empresa será abordado com mais profundidade

no decorrer deste trabalho, mais precisamente no segundo capítulo, momento em que

se defenderá a interpretação sistêmica do ordenamento jurídico.

Para melhor compreensão do objeto do presente trabalho, imperioso se faz um

breve resumo sobre o procedimento da recuperação judicial.

A concessão do benefício da recuperação judicial acontece quando o devedor,

diante de uma crise econômico-financeira, recorre ao poder judiciário; sendo, portanto,

o devedor, a parte legítima para pleitear o pedido.

O pedido de recuperação judicial pressupõe que a empresa esteja enfrentando

uma crise econômico-financeira. Scalzilli, Spinelli e Tellechea9 constroem o seguinte

raciocínio sobre a crise:

A crise da empresa é evento cujas proporções irradiam efeitos não só sobre o empresário, mas também sobre os credores, os trabalhadores, os consumidores e a própria comunidade em que a empresa está inserida. A identificação dessa multiplicidade de implicações deflagrou um movimento de mudança no enfoque do direito recuperatório contemporâneo no sentido de eleger o princípio da preservação da empresa como objetivo cardeal do sistema recuperatório.

No que tange à incidência da crise nas empresas, Ecio Perin Junior10 assevera

que: “Percebe-se, pois, que a frequência dos períodos de crise na vida da empresa

7 LUCAS, Laís Machado. 10 anos de Recuperação Judicial no Brasil: pode-se falar em (in) eficácia do instituto? In: LUPION, Ricardo; ESTEVEZ, André (Org.). Fronteiras do direito empresarial. Porto Alegre: Livraria do advogado Editora, 2015. (161-179). 8 SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2005, p. 41. 9 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p.32 10 PERIN JUNIOR, Ecio. A Dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (lei 11.101/2005). Uma abordagem Zetetica Revista de Direito Mercantil (industrial, econômico e financeiro, Nova Série, Ano XLV, n. 142, p. 165-187, abr.-jun. 2006. p. 173.

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se torna constante, caracterizando-se hoje como um fenômeno difuso, coligado ao

dinamismo e instabilidade do ambiente empresarial”.

O autor11 acima citado, ainda refere que a partir de 1970 as crises econômico-

financeiras das empresas deixaram de ser isoladas, ligadas à incapacidade do

empresário, passando a ser um fenômeno recorrente.

O pedido de recuperação judicial pode ser feito por empresários e sociedades

empresárias12 em situação de crise, que deverão instruir a exordial com os

documentos determinados no artigo 5113 da Lei 11.101/2005.

O artigo 5214 da LREF, determina que, estando em termos a documentação, o

juiz deve deferir o processamento e no mesmo ato algumas medidas elencadas no

texto do dispositivo.

11 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 172. 12 A definição dos alcançados pela Lei 11.101/2005 está positivada no artigo 1º; já no artigo 2º a lei elenca os excluídos da aplicação do diploma concursal. 13 Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. § 1o Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado. § 2o Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica. § 3o O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1o e 2o deste artigo ou de cópia destes. 14 Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei; II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com

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Já no despacho de processamento a lei começa a surtir efeitos, a determinação

de impacto imediato é a suspensão do prosseguimento das execuções em face do

devedor.

A suspensão das execuções está positivada no artigo 615 da Lei 11.101/2005.

A suspensão das execuções é medida intrínseca ao despacho de processamento da

o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei; III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei; IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores; V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento. § 1o O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá: I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial; II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito; III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7o, § 1o, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei. § 2o Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembléia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2o do art. 36 desta Lei. § 3o No caso do inciso III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar a suspensão aos juízos competentes. § 4o O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembléia-geral de credores. 15 Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. § 2o É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. § 3o O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1o e 2o deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria. § 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial. § 5o Aplica-se o disposto no § 2o deste artigo à recuperação judicial durante o período de suspensão de que trata o § 4o deste artigo, mas, após o fim da suspensão, as execuções trabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda que o crédito já esteja inscrito no quadro-geral de credores. § 6o Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial: I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial; II – pelo devedor, imediatamente após a citação. § 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a

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recuperação judicial. O período de suspensão é de 180 (cento e oitenta) dias, segundo

a literalidade da lei, improrrogável. O legislador determinou esse prazo porque

entendeu que era possível cumprir todos os ritos, inclusive a realização da AGC.

Nesse sentido, Luiz Roberto Ayoub e Cássio Cavalli16, afirmam que “após o

decurso desse prazo – em que se pressupõe tenha sido apresentado pelo devedor e

apreciado pelos credores o plano de recuperação –, os créditos que foram objeto do

plano aprovado permanecerão com suas execuções suspensas.”.

Sobre a impossibilidade de prorrogação do prazo de suspensão, Scalzilli,

Spinelli e Tellechea17, afirmam que a tendência dos tribunais é a mitigação da regra

em atenção ao princípio da razoabilidade e da preservação da empresa.

Nessa linha, o Enunciado 42 da 1ª Jornada de Direito Comercial assegura que

“O prazo de suspensão previsto no artigo 6°, §4°, da Lei n. 11.101/2005 pode

excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado

ao devedor”.

Seguindo o rito, após o despacho de processamento, o próximo grande passo

para o devedor é a apresentação do plano de recuperação judicial18, que deve ocorrer

sessenta dias após a publicação do despacho de processamento.

Observa-se que esse prazo é improrrogável, sendo uma das causas de

convolação da recuperação judicial em falência, positivada no artigo 73 da LREF.

Simultaneamente ao prazo para apresentação do plano de recuperação

judicial, correm os prazos para verificação e habilitação dos credores. A matéria está

regulada do 7º ao 20º19 artigo.

Recebido o plano de recuperação, será publicado edital com o conteúdo do

mesmo. No prazo de 30 dias20, a contar da publicação do edital, os credores poderão

apresentar suas objeções ao plano de recuperação.

concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica. § 8o A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor. 16 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 97. 17 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 278. 18 A LREF, no artigo 53, determina o conteúdo básico do plano de recuperação judicial. 19 Para maior aprofundamento sobre a verificação de créditos, ler: AYOUB; CAVALLI, 2013. p. 159-209. 20 Artigo 55 da LREF.

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14

Não havendo objeções ao plano de recuperação, a recuperação judicial deve

ser concedida21.

Havendo objeções ao plano de recuperação22, o juiz deve convocar a

assembleia geral de credores para dar deliberação sobre o plano.

E, a partir desse ponto, da convocação da assembleia geral de credores, é que

este trabalho ganha profundidade. Isso porque, a pesquisa concentra-se nos vícios

que podem surgir durante a assembleia geral de credores e, consequentemente,

acarretar nulidades e anulabilidades.

A proposta é enfrentar as lacunas deixadas pelo legislador em matéria de

invalidades da assembleia no âmbito falimentar, buscando-se subsídio em outras

fontes de direito vigentes. No caso, a busca passará pelo Código Civil, Lei das

Sociedades Anônimas e princípios específicos no direito comercial.

Sob essa perspectiva, busca-se encontrar parâmetros para definir as

invalidades e ineficácias, partindo de três pressupostos: a) invalidade e/ou vícios da

assembleia AGC; b) invalidades e/ou vícios de voto; c) invalidade e/ou vício das

deliberações.

Desenvolve-se no primeiro capítulo um panorama de conflitos, agrupados

conforme classificação de Erasmo Valladão Novaes e França23, extraídos do artigo

286 da Lei 6.404/76.

O segundo capítulo é destinado à demonstração de normas – cuja aplicação

subsidiária venha a contribuir para uma possível solução – mais precisamente do

código civil, da lei das sociedades anônimas, do princípio da função social da empresa

e do princípio da preservação da empresa.

E no terceiro e último capítulo tem-se como objetivo a junção das hipóteses de

vícios com as possíveis normas que venham ao encontro do problema.

21 No caso de não apresentação de objeções ao plano de recuperação, considera-se aprovado tacitamente o plano proposto. A concessão da recuperação sem a realização da AGC será melhor aprofundada no curso do presente trabalho. 22 A convocação está positivada no artigo 56 da LREF. 23 Da invalidade da deliberação assemblear contrastante com as regras de fixação de preço de emissão de ações (LSA, Art.170§1°). FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N.; ADEMAK, Marcelo Vieira Von. Revista de Direito Mercantil industrial, econômico e financeiro, ano LI (Nova Série), jan./ago. 2012, p. 17-37.

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15

2 A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E SUAS INSTABILIDADES

Pode-se afirmar que o ápice da recuperação judicial é a assembleia geral de

credores24, que somente será convocada se houver objeção ao plano de pagamento.

Por ser o grande momento da recuperação judicial, é também o momento de maior

insegurança e instabilidade, o que por muitas vezes pode acarretar hipóteses de

nulidades e/ou anulabilidade do ato ou de alguns atos dela decorrentes.

A assembleia geral de credores pode deliberar sob diversos pontos25, mas sua

maior importância está na deliberação sobre a aprovação, modificação ou rejeição do

plano de recuperação; tanto o é, que para as deliberações sobre o plano de

recuperação o legislador criou uma regra específica26.

No mesmo caminho encontra-se a observação de Luiz Inácio Vigil Neto27, o

qual afirma que o rol do artigo 35, I, da Lei 11.101/2005, é um rol exemplificativo: a lei,

no inciso I do artigo 35, arrolou, para o processo recuperatório judicial, quatro decisões

estratégicas específicas para serem tomadas em assembleia. Entretanto, por força da

alínea ‘f’, de amplitude residual, observa-se a existência de um rol aberto não restrito

apenas às hipóteses que serão abaixo discutidas.

A lei, 11.101/2005, não apresenta um conceito do que seria a assembleia geral

de credores, motivo pelo qual, neste trabalho, valer-se-á dos ensinamentos de Jairo

Saddi28: “Podemos conceituá-la como órgão colegiado deliberativo máximo dentre

aqueles que possuem crédito perante a empresa em recuperação judicial ou em

processo de execução concursal de falência.”.

24 Sobre o conceito da assembleia geral de credores, leia-se: SADDI, Jairo. Assembléia de credores: um ano de experiência da nova lei de falências. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 10, v. 36, p. 216, abr./jun. 2007. 25 O Artigo 35 da LREF elenca algumas atribuições da assembleia geral de credores, tanto na recuperação judicial como na falência. O artigo especifica as matérias que são de competência exclusiva, deixando claro, contudo, que o rol não é exaustivo. A não exaustão das atribuições fica clara no inciso I, alínea f – “qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores”. 26 “O legislador, com vistas a evitar a manipulação por credores majoritários, preferiu condicionar a aprovação do plano às diferentes classes de credores. Cada classe possui, presumivelmente, interesses convergentes e, nesse sentido, exerceriam controle sobre as demais classes, obrigando os credores ao consenso para a efetiva recuperação do empresário, sem comprometer demasiadamente credores titulares de determinada classe”. BEZERRA FILHO, Manuel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 119. 27 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios- estudos sobre a lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2008. p. 123 28 SADDI, 2007, p. 216.

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16

A realização de uma assembleia geral de credores estava prevista no Decreto-

Lei 7.661/45, nos artigos 122 e 123, mas, na prática, não era muito utilizada29. Com o

implemento da Nova Lei de Falências, a assembleia geral de credores passou a ter

um papel de maior notoriedade no processo de recuperação judicial.

Ainda que a assembleia geral seja um órgão de grande importância para a

recuperação judicial, há que se pensar se sua instituição é obrigatória ou não em tal

contexto. Nesse caminho, observam-se os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho30:

Como se percebe, as mais relevantes questões relacionadas ao processo de recuperação judicial inserem-se na esfera de competência da Assembléia (sic) dos Credores. Se a falência pode se processar sem a Assembléia (sic) dos credores, a recuperação judicial (ressalvada a das microempresas ou empresas de pequeno porte) simplesmente não tramita sem a atuação desse colegiado.

Entretanto, alguns doutrinadores reforçam a ideia de que a assembleia é um

órgão facultativo31. Essa afirmativa decorre do fato de que é possível que haja

recuperação judicial sem a realização obrigatória da assembleia32. Contudo, havendo

objeção ao plano de pagamento, a assembleia geral de credores torna-se o ponto alto

da recuperação judicial.

A recuperação judicial concentra seus principais problemas em torno da

assembleia geral de credores. Os conflitos podem surgir desde os preparativos para

a realização da AGC, durante e após a execução da mesma.

29 SADDI, 2007. P.217 30 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e recuperação judicial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 97, grifos nossos. 31 PENTEADO, Mauro Rodrigues. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 69. 32 O artigo 56, determina que, havendo objeções ao plano de pagamento, o juiz deve convocar a AGC; portanto, não havendo objeções, a AGC não será convocada. In verbis: Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. § 1o A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento e cinqüenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial. § 2o A assembléia-geral que aprovar o plano de recuperação judicial poderá indicar os membros do Comitê de Credores, na forma do art. 26 desta Lei, se já não estiver constituído. § 3o O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembléia-geral, desde que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes. § 4o Rejeitado o plano de recuperação pela assembléia-geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor.

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17

O que será visto adiante, é que, para muitos dos enfrentamentos, nem mesmo

os Tribunais conseguem encontrar uma solução, gerando decisões conflitantes, e

como resultado, tem-se a insegurança jurídica.

Logo, para enfrentamento dos conflitos apresentados, será necessária a

aplicação subsidiária de outros diplomas legais, a fim de que seja preenchida a lacuna

deixada pelo legislador.

2.1 DIFICULDADES ENFRENTADAS NA APLICAÇÃO DA LEI

Para o enfrentamento dos conflitos existentes entre as deliberações da

assembleia geral de credores e o judiciário, os conflitos são divididos em três

categorias. O conflito de decisões cujo plano principal seja o direito de voto. Conflitos

cujo caráter basilar tenha origem negocial. E, por fim, os conflitos sobre a deliberação

de aprovação ou rejeição do plano de pagamento.

2.1.1 Vícios de voto

A Lei 11.101/2005, transfere a responsabilidade sobre a concessão ou não da

recuperação judicial para os credores. Isso porque, são os credores que devem

aprovar ou rejeitar o plano de pagamento da empresa.

A manifestação de vontade dos credores se dá, em um primeiro momento, pela

objeção ao plano de recuperação judicial, o que por consequência leva à realização

da assembleia geral de credores.

A não objeção ao plano de recuperação judicial, implica aceitação tácita do

mesmo, em sua íntegra. Na nova configuração, basta que um credor apresente

objeção ao plano de recuperação, para que a assembleia geral de credores seja

convocada para deliberar sobre o plano.

E é com a convocação da AGC que surge um outro momento, em que os

credores manifestam expressamente sua vontade em relação ao plano de

recuperação judicial. Nesse momento a manifestação se dá através do voto.

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18

Nesse ponto, é importante uma breve exposição do sistema de votação

estipulado pela Lei 11.101/2005. Como exposto alhures, o artigo 3533 da LREF

determina alguns assuntos que deverão ser objeto de deliberações da assembleia

geral de credores.

O diploma falimentar vinculou o voto ao crédito, regra positivada no artigo 3834

da LREF, determinando que o voto será proporcional ao valor do crédito, exceto para

as deliberações sobre o plano de recuperação judicial.

A Lei considera aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de mais da

metade do valor dos credores presentes na assembleia geral de credores35,

ressalvadas as deliberações sobre o plano de recuperação.

Para as deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o legislador previu

um sistema de votação diferenciado, previsto no artigo 45 da Lei 11.101/200536.

33 Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) (VETADO); d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei; e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores; II – na falência: a) (VETADO); b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei; d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores. 34 Art. 38. O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o disposto no § 2o do art. 45 desta Lei. Parágrafo único. Na recuperação judicial, para fins exclusivos de votação em assembléia-geral, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de realização da assembléia. 35 A regra está positivada no artigo 42 da Lei LREF, com o seguinte texto: Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei. 36 Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. § 1o Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. § 2o Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. § 2o Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014). § 3o O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.

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19

Fábio Ulhoa Coelho37, explica o artigo 45 da seguinte forma:

Estabelece a lei um quórum de deliberação qualificado para a votação do plano de recuperação. Ele deve ser aprovado nas três instâncias classistas. Na classe dos empregados, pelo voto favorável de mais da metade dos credores, desprezado o valor dos seus créditos; nas demais, pelo voto favorável de mais da metade da totalidade dos créditos correspondentes e também pela maioria dos credores presentes ao evento.38

Recentemente, o legislador incluiu, por Lei Complementar n. 147/2014, a quarta

classe de credores. Hoje, votam por cabeça, voto quantitativo, as classes I e IV; as

classes II e III votam por cabeça e por valor, ou seja, quantitativamente e

qualificadamente.

Para exercer o direito de voto, a Lei determina alguns requisitos. Condição

indispensável é ser credor da recuperanda.

João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea39, reforçam outras

condições para o exercício do voto: “Somam-se a isso algumas outras condições: (i)

fazer parte de uma das quatro classes do art. 41; (ii) estar devidamente habilitado; (iii)

não estar proibido de votar; e (iv) assinar a lista de presença da assembleia”.

No que tange ao voto, algumas situações conflituosas surgem pela conduta

tanto do devedor como dos credores. E, a partir disso, podem ocorrer manipulações

no ambiente assemblear.

Uma das circunstâncias que se pode ilustrar por um julgado é o voto por

interposta pessoa. Ocasião em que o credor titular do crédito outorga poderes para

que terceiros exerçam seu direito de voto, o que de forma alguma caracteriza qualquer

tipo de irregularidade.

Para melhor exemplificar a situação, é possível deparar-se com circunstâncias,

no mínimo, singulares, caso em que um número significativo de credores outorga

procuração para o mesmo representante com o objetivo de ser representado na

assembleia geral de credores que deliberará sobre o plano de recuperação.

37 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 109. 38 O comentário do autor faz referência a três classes, entretanto a Lei 11.101/2005 foi alterada pela LC 147 de 2014, que inclui a quarta classe de credores, que votará por cabeça, do mesmo modo que os credores da classe I. 39 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 201.

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20

Para elucidar o problema, transcreveu-se um trecho da sentença proferida na

Comarca de Carazinho, no estado do Rio Grande do Sul40:

Demais disso, seria impossível chancelar a Assembléia (sic) Judicial realizada uma vez que as cessões de créditos ocorreram em fraude. Veja-se o que menciona o relatório policial à fl. 2.616: No dia da Assembléia (sic) Geral de Credores, grande parte dos títulares de créditos quirografários e com garantia real que compareceram na assembléia (sic) foram representados por quatro advogados, todos do mesmo escritório, sediado na cidade de São Paulo. Ressalta-se que 156 credores outorgaram poderes de representação a um único advogado, Dr. Denis Robinson Ferreira Gimenes, o qual substabeleceu os poderes recebidos de 108 credores para três outros profissionais todos com o mesmo endereço comercial, na cidade de São Paulo.

No processo em comento, a recuperação judicial foi convolada em falência e

após recurso a decisão foi revertida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul41. O Tribunal afirmou que a convolação da recuperação judicial só deve

ocorrer nas hipóteses do artigo 73 da lei 11.101/2005.

40 Processo nº: 009/1.10.0000817-9 – Sentença convolou a recuperação judicial em falência. 41 Falência. Recuperação judicial. Decisão que convola recuperação judicial em falência. Fraude. Não demonstrada em processo legal. Apurados fatos que possam incidir no art. 94, iii, da lei 11.101/2005, em processo autônomo e paralelo à recuperação judicial é que deverá ser procedido e, a final, decretada a falência. Somente os casos previstos nos incisos i a iv do art. 73 da lei 11.101/2005 é que permitem os casos de convolação de recuperação judicial em falência. Em princípio, decisão que convola em falência recuperação judicial, sob fundamento de fraude baseada em prova realizada sem o crivo da ampla defesa e do contraditório, inobserva os princípios do devido processo legal, violando o art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição federal de 1988. Tal violação poderá levar a final, à revogação da sentença de falência e ao restabelecimento do processamento da recuperação judicial. As repercussões da quebra, com a cessação de funcionamento de três (3) supermercados e dois (2) postos de combustíveis, trarão repercussões diversas da finalidade da lei da recuperação, que visa à preservação das empresas e a função social que exercem nas cidades de Carazinho e Palmeira das Missões, bem como o estímulo à atividade econômica (art. 47 da Lei 11.101/2005). Ademais, conforme a doutrina, Manoel Justino Bezerra Filho [...], os casos de convolação de uma recuperação judicial em falência, são só os casos previstos nos incisos I a IV do art. 73 da Lei 11.101/05. Apurados fatos que possam fazer incidir o disposto no art. 94, III, da mesma lei, conforme decidiu a magistrada "a quo", em processo autônomo e paralelo à recuperação judicial é que deverá ser procedido e, a final, decretada a falência. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70044829117, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 16/02/2012).

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21

O acórdão acima mencionado foi objeto de análise de André Fernandes

Estevez42, em um artigo dedicado exclusivamente ao caso. Entre seus comentários,

empreende importante observação feita sobre o artigo 73, da Lei 11.101/2005:

Além das hipóteses antes mencionadas, a Lei de Falências também permite a quebra do devedor pela convolação da recuperação judicial em falência, a qual só pode ocorrer por meio do rol taxativo de hipóteses previstas no art. 73 do Diploma Falimentar.

Logo, concorda-se que o artigo 73, da Lei 11.101/2005, apresenta um rol

taxativo (o que pode ser observado claramente através da leitura do mesmo): não

pode ser convolada a recuperação judicial em falência por outro motivo que não esteja

expresso no mencionado artigo 73 e seus incisos.

O problema surge quando credor e devedor utilizam a possibilidade de

representação do credor com o objetivo de manipular as normas estipuladas na LREF.

Como estratégia para manipulação de votos na assembleia geral de credores,

tem-se, por vezes, aqueles credores considerados essenciais para aprovação do

plano de pagamento que recebem ou negociam condições fora da recuperação

judicial sob a qualidade de cessão de crédito e/ou procuração para representantes do

devedor.

Essa prática viola um dos princípios da recuperação judicial, qual seja, ‘par

conditio creditorum’, que tem como base o tratamento igualitário entre os credores.

Outra circunstância que ficou a encargo da intervenção do juízo é o que se

pode denominar de credor intransigente, que de modo bem simplista significa que é

aquele tipo de credor que não transige de nenhuma forma.

O pressuposto básico da recuperação judicial é a composição entre devedor e

credores. Em breve síntese, para elucidação do problema, para concessão da

recuperação judicial é necessária a aprovação do plano de pagamento que é votado

na assembleia geral de credores; o quórum para aprovação do plano é o determinado

no artigo 45 da LREF43.

E é no computo dos votos que o credor intransigente ganha força. Aqui, cita-se

o credor que não aceita nenhuma proposta, apenas o recebimento integral e corrigido

42 ESTEVEZ, André Fernandes. Breves apontamentos sobre a convolação da recuperação judicial em falência. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, ano 5, n. 26, p. 11, maio/jun. 2012. 43 O sistema de votação determinado no artigo 45 foi tratado acima.

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22

de seu crédito, conforme condições pactuadas antes do processamento da

recuperação judicial.

O credor intransigente utiliza da própria lei para manipular o devedor a seu favor

– isso acontece nos casos em que um único credor detém mais da metade de sua

classe em valor. Com a necessidade de aprovação por “cabeça” e “por crédito”

qualitativo e quantitativo44.

O diploma legal, tentando coibir algumas situações abusivas, estipulou um

rebaixamento de quórum previsto no artigo 58 da lei 11.101/200545. Mas, ainda assim,

é possível que um único credor domine a situação e, votando de maneira desfavorável

ao plano de pagamento, possa levar a recuperanda à falência.

Diante dessa situação, começaram a surgir teses como “abuso do direito de

voto”. Para enfrentar o problema, é necessária a intervenção do judiciário nas

decisões proferidas na assembleia geral de credores.

2.1.2 Vícios de deliberação

As negociações entre devedor e credor ocorrem na assembleia geral de

credores, que é o órgão competente para deliberar sobre o plano de recuperação, em

todos os seus aspectos.

44 A Lei 11.101/2005, no artigo 45 e seus parágrafos, estabelece um quórum especial para as deliberações sobre o plano de pagamento, quando é necessária a aprovação por todas as classes, sendo que nas classes II e III a aprovação deve ser feita por maioria simples dos credores presentes na assembleia e, cumulativamente, por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos. Agora, nas classes I e IV, é necessária apenas a aprovação pela maioria dos credores presentes, independentemente do valor do crédito. 45 Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. § 1o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia (sic), tenha obtido, de forma cumulativa: I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia (sic), independentemente de classes; II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei. § 2o A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.

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23

Nesse contexto, João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea46,

afirmam que cabe aos credores reunidos em assembleia a mais importante decisão

em um regime de recuperação judicial: a aprovação ou rejeição do plano apresentado.

É no plano de recuperação que o devedor expõe as medidas que pretende

adotar para superação da crise econômico-financeira que o levou a requerer a

recuperação judicial.

O diploma falimentar apresenta no artigo 5047 os meios de recuperação judicial.

Sobre os meios de recuperação judicial, Raquel Sztajn48, conclui que

Da leitura do caput infere-se que a enumeração é exemplificativa, podendo ser encontradas outras medidas, além, por óbvio, da eventual combinação de duas ou mais das relacionadas nos vários incisos, que atendam ao desiderato – preservar as empresas em crise.

O plano de recuperação judicial é elaborado pela recuperanda, que, como

citado alhures, tem o prazo de sessenta dias para juntá-lo ao processo, sob pena de

convolação da recuperação judicial em falência, regra positivada no artigo 73, II da

LREF.

46 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016 p. 184. 47 Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. § 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia. § 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial. 48 SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2005, p. 231.

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No que concerne à elaboração do plano de recuperação judicial, Raquel

Sztajn49 tece o seguinte comentário:

A elaboração do plano de é crucial para que os credores possam avaliar as ações e medidas econômicos-financeiro-administrativas de regaste da sociedade, forma de liquidação das obrigações, manutenção dos empregos, enfim, de solução da crise. O plano é, em resumo, o elemento central para análise da estratégia desenhada para o sucesso, ou não, da recuperação judicial.

Havendo objeções, deve ser convocada assembleia geral de credores para

deliberar sobre plano de recuperação. E é na AGC que as negociações entre devedor

e credor têm seu ápice.

Surgem, então, alguns conflitos; um exemplo disso é quando a classe I – Credor

trabalhista – aprova um plano de pagamento que venha a afrontar a regra positivada

no artigo 54 da Lei 11.101/2005.

A lei de quebras determina em seu artigo 5450 que o plano de recuperação não

poderá prever pagamento superior a um ano para os credores oriundos das relações

de trabalho.

Ocorre que o plano de pagamento dos credores é elaborado com base na

capacidade de pagamento da recuperanda. E nesse ponto, encontram-se os

seguintes problemas: se um plano de pagamento prevê pagamento dos créditos em

prazo superior ao de doze meses e é aprovado por maioria da classe é válido? Caso

o plano de recuperação seja aprovado, o judiciário pode não homologar a decisão dos

credores? E se a aprovação for de 100% da classe trabalhista, ainda assim o judiciário

poderia recusar a homologação?

O Tribunal de Justiça de São Paulo51, enfrentou uma discussão na qual o

devedor propunha pagar os trabalhistas do seguinte modo: a) cláusula prevendo a

quitação integral do contrato de trabalho e todos os créditos dele decorrentes; b)

49 SZTAJN, Rachel. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 235. 50 Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. 51 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – Agravo de Instrumento n° 0119993-86.2013.8.26.0000. Comarca de Junqueirópolis, Agravante: Olam Brasil Ltda. Agravada: Alta Paulista Indústria e Comércio Ltda. Des. Relator: Fortes Barbosa, julgado em 5.12.2013.

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pagamento de créditos no limite de cento e cinquenta salários mínimos, e a quantia

excedente paga junto com a classe III – quirografário – que previa deságio de 70%

(setenta por cento).

Portanto a classe I – cuja lei determina de modo expresso que o pagamento

seja concluído no primeiro ano após a homologação do plano de pagamento – seria

paga apenas no limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos dentro do prazo,

e o saldo com deságio de 70%, juntamente com os credores quirografários.

No caso exposto, a Colenda 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial

decidiu de ofício a exclusão da cláusula que determinava a quitação dos contratos de

trabalho e a previsão de deságio nos créditos trabalhistas, dispensando a

apresentação de um novo plano de pagamento, impondo a aplicação da regra

positivada.

Ainda no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a 1ª Câmara de Direito

Empresarial apreciou um agravo de instrumento52 que tinha como objetivo questionar

a decisão que homologou o plano de recuperação que previa o pagamento da classe

I com carência de 12 meses, parcelamento em até 36 meses, com divisão em

subclasses, previsão de deságios de até 50% e pagamento condicionado ao

arrendamento de uma unidade.

Para o Des. Relator Cesar Ciampolini, o artigo 54 da LREF é norma cogente,

não podendo ser afastada pela AGC, e, para tanto, anula todas as disposições que

afrontem a referida norma, determinando pagamento na forma legal.

No Estado do Rio Grande do Sul, depara-se com um plano de pagamento ainda

mais arrojado, com divisão da Classe I em subclasses e previsão de deságio de 90%

(noventa por cento) para os créditos cujo valor ultrapasse dez salários mínimos; o

plano foi aprovado tacitamente, ou seja, diante da ausência de objeção ao plano de

52 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de Suzano, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, no Agravo de Instrumento nº 2162636-20.2016.8.26.0000. Recuperação judicial. Decisão que homologou plano de recuperação. Agravo de instrumento de credor trabalhista. Prazo de carência e de pagamento dos credores trabalhistas que contraria o art. 54 da Lei 11.101/2005. Norma cogente que não pode ser afastada por deliberação da assembleia geral de credores. Satisfação dos créditos trabalhistas que deverá ocorrer nos termos do diploma de regência, anuladas as disposições em contrário. Cláusulas, condicionando o pagamento dos credores ao recebimento de parcelas de arrendamento celebrado pela recuperanda, que também merecem anulação, uma vez que, tornam o cumprimento do plano de reestruturação incerto. Criação de subclasse de credores trabalhistas que se mostra abusiva. Tratamento prejudicial aos trabalhadores com maior crédito, inadmissível nos termos da Lei de Recuperações e Falências. Decisão agravada parcialmente reformada. Agravo de instrumento parcialmente provido.

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pagamento, que, presume-se, aceito pelos credores. Logo, não há convocação da

assembleia geral de credores53.

O referido processo tramita na Comarca de Caxias do Sul, onde restou

concedida a recuperação judicial, nos termos propostos pela recuperanda, inclusive

na classe I. No caso em pauta, houve intervenção do Ministério Público, no que

concerne a algumas cláusulas do plano de pagamento54.

Para melhor esclarecimento, cumpre transcrever a decisão que concedeu a

recuperação judicial:

Vistos. A decisão de cancelamento da AGC vai mantida, pelos fundamentos já declinados nas fls. 804-805. Os argumentos do MP, na manifestação das fls. 811-813, quanto ao ponto, não servem a descaracterizar a situação que autorizou o acolhimento do pedido da devedora quanto ao cancelamento da AGC. A dívida com o Banco Itaú foi assumida pelos garantidores da dívida, sócios da empresa devedora, cujos bens particulares não serviriam ao pagamento das dívidas da empresa. Ademais, os credores podem, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembleia geral, conforme previsão no art. 52, §2º, da Lei nº 11.101/05. Quanto ao Plano de Recuperação, o MP alega que ele prevê cláusulas que confrontam a lei de regência (fl. 813). Nos termos do art. 58 da lei, o juiz concederá a recuperação judicial ao devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor. No caso dos autos, em que pese ter havido objeção, o credor desistiu dela. Portanto, tal como já exposto na última decisão, irrecorrida, entende-se conformados os credores com os termos do Plano de Recuperação apresentado pela devedora, de modo que pode ser concedida a recuperação nos termos do plano apresentado nas fls. 333-340, tacitamente aprovado pelos credores. Todavia, tem razão o MP no que diz respeito a algumas das medidas propostas pela devedora, motivo pelo qual devem ser esclarecidos os seguintes pontos: 1) A alienação de ativos, prevista no item 1.4 (fl. 333), só poderá ocorrer se for reconhecida a sua utilidade pelo juiz. Exceção se faria à alienação de bens ou ativos especificados no Plano de Recuperação, conforme parte final do art. 66 da LRE, o que não ocorreu neste caso. 2) Quanto aos efeitos da recuperação aos credores, referidos no item 7.2 (fl. 338), evidentemente só ocorrerão se não houver convolação da recuperação em falência. 3) Quanto à

53 Sobre a convocação da assembleia geral de credores, a lei 11.101/2005, no artigo 56, determina que, havendo objeção de qualquer credor ao plano de pagamento, o juiz convocará a assembleia para deliberação sobre o plano de pagamento. A obrigatoriedade da convocação da assembleia geral de credores para deliberação sobre o plano de pagamento já foi objeto de discussão doutrinária. Todavia, o entendimento tanto da doutrina como da jurisprudência tornou-se uníssono, afirmando que a AGC só deve ser convocada quando houver objeção ao plano de pagamento. Portanto, não havendo objeção ao plano de pagamento tem-se uma aprovação tácita. 54Plano de pagamento disponível em: <http://www.administradorajudicial.adv.br/arquivos/1_72_566eb0eab33b9.pdf.>. Acesso em: 14 abr. 2017.

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reorganização societária (item 1.3 ¿ fl. 333), prevista no inciso II do art. 50, pode ser proposta como uma das formas de recuperação da empresa, mas no Plano de Recuperação não está especificada a realização de qualquer das medidas de reorganização (fusão, cisão, incorporação). Não tendo havido objeção ao plano, entende-se que os credores concordaram com o fato de ser possível a reorganização societária. Todavia, eventual medida dessa natureza não poderá ocorrer sem antes ser especificada, em todos os seus detalhes, e submetida ao crivo dos credores, em assembleia. 4) Quanto ao item 7.9 do Plano de Recuperação, está de acordo com a regra do art. 61 da LRE. Dito isso, e por entender cumpridas as exigências legais, CONCEDO A RECUPERAÇÃO JUDICIAL da empresa METALÚRGICA METALCIN LTDA. A empresa em recuperação deverá atentar para a formalidade imposta pelo art. 69 da referida lei, bem como para as consequências do não cumprimento de qualquer das obrigações assumidas no plano de recuperação (art. 73 da lei). Já foi determinado oficiamento à Junta Comercial do Estado, para que procedesse à anotação, nos registros da requerente, de que se trata de empresa ¿em recuperação¿. Informe-se, outrossim, por e-mail setorial, às demais Varas Cíveis e da Fazenda desta Comarca, acerca do deferimento da recuperação judicial da METALÚRGICA METALCIN LTDA. Outrossim, quanto ao pedido do ITAÚ UNIBANCO, de levantamento do valor que depositou em juízo (fl. 819), é de ser deferido. Na decisão da fl. 765, foi deferido o desbloqueio de determinada quantia, mas mantido em depósito o montante de R$ 58.048,04, até que fosse definitivamente julgado o Agravo de Instrumento nº 70067603431. Em consulta hoje realizada, constatei já ter sido negado seguimento ao REsp interposto contra o Agravo de Instrumento, estando definitivamente baixado o recurso. Ante o exposto, acolho o pedido do Banco Itaú Unibanco (fls. 814-819) e determino a expedição de alvará para o levantamento daquela quantia, atualizada. Intimem-se. Comarca de Caxias do Sul, 6ª Vara Cível, Processo n° 1.15.0022962-8. Julgadora: Juíza de Direito, Luciana Fedrizzi Rizzon.

Como pode-se observar, existe uma determinação expressa na LREF quanto

ao prazo de pagamento de credores que compõem a classe I. Entretanto, não há na

referida lei nenhuma proibição quanto ao deságio na classe I; a determinação, nesse

sentido, é de que o pagamento deve ocorrer dentro do primeiro ano após a

homologação do plano de pagamento.

Porém, deve-se levar em consideração que o passivo trabalhista, na grande

maioria das empresas, representa um considerável valor em relação aos demais

créditos. Portanto, não seria o caso de possibilitar o parcelamento em um número

maior de vezes ao invés de permitir um deságio exacerbado?

Outra situação recorrente ao judiciário é a ausência de previsão de juros e

correção monetária no plano de recuperação judicial.

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Na elaboração do plano de pagamento existe a possibilidade de readequação

dos juros e correção monetária estipulados em contrato. Sobre esse ponto, há grande

insegurança jurídica, isso porque, não se pode afirmar a obrigatoriedade ou não da

inclusão de juros e correção monetária dos créditos sujeitos ao plano de pagamento.

Nesse ponto os questionamentos são: (i) é legal a ausência de juros?; (ii) é

legal a ausência de correção monetária?; (iii) quando a assembleia delibera em favor

da ausência de juros e/ou correção monetária pode o judiciário incluir os juros legais

de ofício?; (iv) a inclusão de juros e/ou correção monetária abaixo do legal estipulado

pode ser considerada abusiva?; (v) juros e correção são direitos disponíveis ou não?

Como demonstração da insegurança sobre o tema, transcrevem-se abaixo dois

acórdãos julgados no mesmo dia pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo com

posicionamento oposto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Recuperação judicial. Plano aprovado por assembleia de credores - Verificação de sua legalidade pelo Poder Judiciário Possibilidade Deságio que condiz com a situação de crise da empresa. Necessidade de adequação da correção monetária e de inserção dos juros legais (art. 406 do CC). Inserção de ofício, dispensando-se a convocação de AGC. Reconhecimento, ainda, da nulidade referente à cláusula que prevê a desobrigação dos avalistas, fiadores e coobrigados de responder pelos créditos originais. Provimento, em parte, para este fim. (Agravo De Instrumento Nº: 2118641-25.2014.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relator: Enio Zuliani, julgado em 12.08.2015.). Agravo de instrumento. Recuperação Judicial. Plano aprovado pela Assembleia de Credores. Alegação de irregularidade em relação ao prazo de pagamento, deságio e ausência da previsão de juros. Ausência de abusividade na forma e prazo de pagamento deliberados. Decisão mantida. Recurso desprovido. Agravo de Instrumento n° 2061714-05.2015.8.26.0000, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relator: Claudio Godoy, julgado em 12.08.2015).

Importante considerar-se que a inclusão de juros legais de ofício impacta

diretamente no valor total da dívida e nos pagamentos projetados pela recuperanda

no plano de pagamento. Mas, ainda assim, depara-se com diversos casos em que os

juros e correção foram incluídos de ofício55.

55 AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Recuperação judicial Plano aprovado por assembleia de credores - Verificação de sua legalidade pelo Poder Judiciário

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Uma terceira situação, de caráter negocial, portanto de deliberação exclusiva

da assembleia geral de credores, que é matéria recorrente dos Tribunais, é a prática

do deságio, alongamento e remissão da dívida de modo exacerbado.

Os meios de recuperação estão dispostos de modo exemplificativo no artigo 50

da lei 11.101/200556. Logo no inciso I, a lei refere a possibilidade de concessão de

prazos e condições especiais para pagamento.

Como meios de pagamento são utilizados com frequência o deságio, o

alongamento e a remissão da dívida.

Como se pode verificar, o sucesso da recuperação judicial depende de um

sacrifício de todos os envolvidos, colaborando com o fim comum, qual seja, o

soerguimento da empresa em crise.

O deságio é a diminuição do valor do crédito em relação ao existente no

momento em que foi pedida a recuperação judicial.

O alongamento da dívida, por sua vez, ocorre com a repactuação no tocante

ao prazo de pagamento, incluindo carência para o início do pagamento.

Já a remissão da dívida, ocorre quando o plano de pagamento prevê que sob

determinadas condições haverá o “perdão” da dívida.

Em se tratando de recuperação judicial, o deságio é uma prática comum, quase

universal nos planos de pagamentos. Ocorre que nas pesquisas empreendidas para

este trabalho, foram encontradas diversas situações problemáticas envolvendo o

tema, tais como o deságio excessivo; o credor que recusa qualquer percentual de

deságio, entre outros.

Um dos pontos mais complicados em se tratando de deságio é mensurar

quando o percentual ultrapassa os limites e passa a ser abusivo.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Plano aprovado em assembleia de credores e homologado judicialmente. Alegação de irregularidade, em

Possibilidade deságio que condiz com a situação de crise da empresa. Necessidade de adequação da correção monetária e de inserção dos juros legais (art. 406 do CC). Inserção de ofício, dispensando-se a convocação de AGC. Reconhecimento, ainda, da nulidade referente à cláusula que prevê a desobrigação dos avalistas, fiadores e coobrigados de responder pelos créditos originais. Provimento, em parte, para este fim. São Paulo, 12 de agosto de 2015. ENIO ZULIANI RELATOR VOTO N.º 29726 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 2118641-25.2014.8.26.0000 COMARCA: SÃO PAULO AGRAVANTE [S]: BANCO HSBC BRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO S/A AGRAVADO [A/S]: MAR & MAR COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE ALIMENTOS LTDA. MM. JUIZ PROLATOR: DR. PAULO FURTADO DE OLIVEIRA FILHO. Grifos nossos.

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razão da previsão de dação em pagamento de bens do ativo imobilizado e circulante aos credores com garantia real, carência de 16 meses (sem data de início de contagem), deságio de 50% e prazo de pagamento de 120 meses para os credores com garantias pessoais, progressão de valores e tratamento diferenciado dos credores financiadores. Presença de ilegalidade e irregularidade quanto à previsão de dação em pagamento de bens do ativo imobilizado e circulante aos credores com garantia real e ausência do termo de início para contagem da carência. No mais, lei que atribui à assembleia de credores a aprovação, modificação ou rejeição do plano. Art. 35 I “a” LRF. Ausência de afronta à Constituição Federal, legislação infraconstitucional, boa-fé ou princípios gerais de direito. Viabilidade econômica do plano que foge do alcance de exame do Poder Judiciário. Enun. CJF 46. Recurso parcialmente provido. (Agravo n° 2016.0000009486. Voto n° 24623. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Estado de São Paulo. Des. Relator: Teixeira Leite. Julgado em 20.01.2016.). Recuperação judicial Plano aprovado por assembleia de credores - Verificação de sua legalidade pelo Poder Judiciário Possibilidade Alegação de deságio excessivo nas classes dos credores com garantia real e quirografários, sem a incidência de correção monetária e juros de acordo com a variação do CDI Inadmissibilidade Provimento, em parte, para desconstituir a homologação, determinada a apresentação de novo plano (no prazo de 60 dias) que estabeleça parâmetros legais de aceitação para pagamento dos créditos regularmente constituídos, com a inserção dos juros legais [art. 406 do CC] e correção monetária, mantido o estabelecimento de condições diferenciadas de pagamento entre as subclasses de credores, nos termos do entendimento sacramentado por esta Câmara Reservada de Direito Empresarial - Declarada, ainda, nula a cláusula que determinou a extinção/suspensão das ações existentes contra os coobrigados da recuperanda e a cláusula que determinou a venda de bens do ativo permanente das agravadas sem prévia autorização judicial e dos credores. Processo AI 00762770920138260000 SP 0076277-09.2013.8.26.0000 Órgão Julgador 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial Publicação 30/08/2013 Julgamento 29 de Agosto de 2013 Relator Enio Zuliani.

No que diz respeito à remissão, alguns planos de recuperação acabam por

extrapolar os limites da colaboração entre credor/devedor, propondo inclusive

remissão praticamente integral dos débitos.

Para esse ponto, ficam os seguintes questionamentos: qual o prazo razoável

para? O judiciário tem condições de analisar a razoabilidade do prazo? Há

possibilidade de remissão da dívida? O juiz poderia fazer essa análise de ofício? Um

credor que mesmo não tendo comparecido à assembleia geral de credores que

deliberou sobre o plano pode arguir ilegalidade do excesso de prazo?

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Para melhor ilustração do problema, faz-se importante transcrever o julgado

pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Recuperação Judicial. Homologação do plano apresentado pela recuperanda, após aprovação pela assembléia-geral (sic) de credores. Possibilidade, ante a natureza negocial do plano de recuperação, de controle judicial da legalidade das respectivas disposições. Precedentes das Câmaras Especializadas de Direito Empresarial. Previsão de deságio da ordem de 70% (setenta por cento). Inadmissibilidade. Remissão parcial dos débitos que, nesses termos, desborda da razoabilidade, impondo sacrifício excessivo aos credores quirografários e aos com garantia real. Subordinação dos pagamentos previstos no plano a eventual faturamento da devedora. Descabimento, ante a evidente incerteza das obrigações assumidas pela recuperanda, a inviabilizar até mesmo a fiscalização em torno do cumprimento do plano. Impossibilidade, ademais, de livre alienação de bens da devedora à míngua de controle por parte do Poder Judiciário. Inteligência dos arts. 66 e 142 da Lei nº 11.101/2005. Prazo de carência para o início dos pagamentos, por seu turno, que não se mostra irregular, pois inferior ao lapso bienal de supervisão judicial. Ausência de previsão de pagamento de juros, bem como de incidência de correção monetária apenas a partir da concessão da recuperação judicial. Possibilidade. Disposição em torno da extensão dos efeitos da homologação do plano aos coobrigados da recuperanda. Ineficácia. Tema que não constitui objeto da recuperação judicial, desbordando das matérias passíveis de análise pela assembléia-geral (sic) de credores. Decisão de Primeiro Grau, homologatória do plano de recuperação judicial, reformada. Agravo de instrumento do banco-credor a que se dá provimento. Processo AI SP 2072040-24.2015.8.26.0000 Órgão Julgador 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial Publicação 03/09/2015 Julgamento 31 de Agosto de 2015 Relator Fabio Tabosa.

Observa-se que os temas abordados referem-se a situações negociais, o que,

portanto, configura direito disponível, sendo norma de direito privado.

Ocorre que a intervenção das deliberações da assembleia, sem definição de

parâmetros e decisões homogêneas por parte dos Tribunais – de modo geral –, acaba

por gerar um estado de insegurança jurídica acerca das matérias tratadas, assim

como, insegurança quanto às deliberações da AGC, dita soberana.

O objetivo final das deliberações da assembleia geral de credores é decidir pela

aprovação, ou não, do plano de recuperação judicial.

A LREF, no caput do artigo 58, determina que:

Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos

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termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.

Do artigo 58, depreende-se uma taxatividade da Lei em relação à postura do

juiz diante da aprovação do plano de recuperação pela assembleia geral de credores.

Desse modo, surge uma questão a ser enfrentada: a divergência da decisão

da assembleia e do juiz sobre a concessão ou não da recuperação judicial.

O conflito de decisão entre assembleia de credores e judiciário é recorrente.

Após a promulgação da lei 11.101/2005, a discussão corria sobre a possibilidade ou

não da intervenção do juiz sobre a decisão da assembleia.

Com a vigência da LREF, a discussão girou em torno da taxatividade na lei

sobre a possibilidade de intervenção do Estado/Juiz nas decisões tomadas pela

assembleia geral de credores, que por muito tempo se entendeu ser soberana.

Nessa linha de raciocínio, Eduardo Secchi Munhoz57 afirmou que não havia na

lei nenhuma cláusula aberta ou de conceito indeterminado, cabendo ao juiz homologar

o plano aprovado e conceder a recuperação, ou, caso não fosse aprovada, convolar

a recuperação em falência.

Entretanto, antevendo os possíveis problemas na retirada total dos poderes do

juiz, Fábio Ulhoa Coelho58 afirmou que a deliberação da assembleia geral de credores

não pode ser alterada ou questionada pelo Judiciário, salvo em casos previstos no

artigo 58 §1º, ou em casos de flagrante abuso de direito dos credores que rejeitem o

plano de pagamento sem fundamentos.

57 “Não cabe ao juiz, portanto, nenhuma margem de discricionariedade a respeito da matéria ou, em palavras mais precisas, não há na lei, quanto a esse aspecto, conceitos abertos (chamados conceitos indeterminados) que confiram ao juiz margem ampla de interpretação para emissão dos respectivos juízos de legalidade. Assim, uma vez preenchidos os requisitos da lei, que nesse aspecto não adota nenhuma cláusula aberta ou conceito indeterminado, e aprovado o plano pelos credores, cumpre ao juiz conceder a recuperação; se, por outro lado, não se configurar tal hipótese, cabe ao juiz decretar a falência”. MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de direito bancário e mercado de capitais, Ano 10, n. 36, 184-199, abr./jun. 2007. Editora Revista dos Tribunais. p. 287. 58 “O procedimento da recuperação, no direito brasileiro, visa criar um ambiente favorável à negociação entre o devedor em crise e seus credores. O ato do procedimento judicial em que privilegiadamente se percebe o objetivo da ambientação favorável ao acordo é, sem dúvida, a assembleia de credores. Por esta razão, a deliberação assemblear não pode ser alterada ou questionada pelo Judiciário, a não ser em casos excepcionais como a hipótese do art. 58, § 1º, ou a demonstração de abuso de direito de credor em condições formais de rejeitar, sem fundamentos, o plano articulado pelo devedor”. COELHO, 2013, p. 234-345, grifos nossos.

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Na mesma trilha, Jorge Lobo59 foi mais além no problema, afirmando que o juiz

não poderia ser um órgão passivo, mero ‘carimbador’ das deliberações da assembleia

geral de credores, devendo analisar as decisões/sentenças formando sua convicção,

de livre convencimento.

Como se pode observar, com o surgimento das dificuldades tanto a doutrina de

renome quanto a jurisprudência tornaram-se uníssonas em favor da intervenção do

judiciário nas decisões da assembleia geral de credores.

Com a consolidação da possibilidade de intervenção, depara-se com o

surgimento de outro grande problema, qual seja, o limite dessa intervenção.

Desse modo, este estudo dirige-se sobre os conflitos de decisão entre a

assembleia geral de credores e a intervenção do judiciário sobre a concessão da

recuperação judicial.

Para melhor ilustração do problema, apresentam-se os seguintes

questionamentos: (i) o judiciário pode declarar a nulidade de uma assembleia e

determinar nova convocação? (ii) quais os tipos de situação que podem ser

declaradas nulas? (iii) declarando a nulidade a recuperanda volta ao período de

proteção? (iv) no momento em que os credores aprovam um plano de pagamento, o

judiciário pode declarar nulas cláusulas de caráter negocial, tais como prazo e forma

de pagamento?

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, defrontou-se com um agravo60 que

julgou nulo um plano de pagamento, sendo um dos motivos a ausência de datas de

pagamento e valor líquido.

Ainda sobre a taxatividade de Lei e a intervenção do judiciário na decisão de

concessão ou não da recuperação judicial, tem-se outro problema: o alargamento/

rebaixamento das hipóteses do cram down.

59 JORGE LOBO. In: TOLEDO, Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentário à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 152-153. 60 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PLANO DE RECUPERAÇÃO. NULIDADE DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. CABIMENTO. DETERMINAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE OUTRO PLANO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A Assembleia Geral de Credores só é reputada soberana para a aprovação do plano se este não violar os princípios gerais de direito, os princípios e regras da Constituição Federal e as regras de ordem pública da Lei 11.101/2005. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 984.390-7 DA 5º VARA CÍVEL DA COMARCA DE CASCAVEL AGRAVANTE: ITAÚ UNIBANCO S/A AGRAVADA: VIETNAM MASSAS LTDA. EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL Curitiba (PR), 14 de agosto de 2.013. MÁRIO HELTON JORGE Relator.

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A LREF61, no seu artigo 45, determina que para concessão da recuperação

judicial o plano de pagamento deve ser aprovado em todas as classes de credores.

Ainda no artigo 45, resta estipulado o modo de apuração de votos – as classes I e IV

votam por ‘cabeça’ e nas classes II e III a apuração é por valor e ‘cabeça’, qualitativo

e quantitativo.

O próprio legislador previu uma alternativa para a concessão da recuperação

judicial cujo plano não tenha sido aprovado em todas as classes. Nesse caso, o juiz

poderá conceder a recuperação desde que atenda aos requisitos previstos no artigo

58 da LREF, quais sejam: a) aprovação de mais da metade do valor dos créditos

presentes na assembleia; b) a lei fala em aprovação em duas classes, ou no caso de

somente duas classes aprovação em um, entretanto, acontece que a Lei

Complementar 147 de 2014 incluiu a quarta classe, e não houve modificação no que

se refere à apuração de votos para o cram down; c) votos favoráveis de 1/3 dos

credores na classe em que o plano for rejeitado.

Nas pesquisas jurisprudenciais, observa-se que a proposta de lei em relação à

votação em classes e o quórum qualitativo e quantitativo podem levar a situações em

que um único credor poderia inviabilizar a recuperação judicial. A partir dessa

perspectiva, a jurisprudência começou a flexibilizar a regra do cram down.

A jurisprudência tem entendido, por bem, uma certa flexibilização dos requisitos

exigidos pela lei. Nesse sentido, julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO APROVADO POR DUAS CLASSES DE CREDORES. APLICAÇÃO

61 Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. § 1o Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. § 2o Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. § 2o Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) § 3o O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.

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DO INSTITUTO DO CRAM DOWN. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.62

O acórdão supracitado trata de um agravo de instrumento interposto em face

da decisão que concedeu a recuperação judicial de plano de pagamento que não

obteve aprovação em todas as classes. O magistrado a quo havia homologado o

referido plano, a recuperação, ainda que não expressos os pressupostos do artigo 58

§ 1º e § 2º.

No caso, o plano fora aprovado pela classe dos credores trabalhistas e

quirografários, mas não obteve aprovação na classe dos credores com garantia real.

A classe dos credores com garantia real era composta apenas por dois credores,

sendo um o recorrente (Banco do Brasil), que detinha um crédito no valor acima de

um milhão de reais, e o outro credor da classe um que possuía crédito de R$

74.295,46. Por força disso, em sendo aplicada a sistemática geral de deliberação na

assembleia, o recorrente teria poder de decisão isolado de aceitação ou não da

recuperação judicial. Na espécie, o juiz a quo decidiu por flexibilizar a regra prevista

no artigo 58, §2º, da Lei 11.101/2005, para que fosse possível atingir o escopo da

norma legal.

Nessa toada, considerações importantes sobre a aplicação do cram down

podem ser observadas no julgamento em exame, no voto do Desembargador Relator

Romeu Marques Ribeiro Filho63, in verbis:

Não escapa que na Assembléia (sic) de Credores o plano foi aprovado por duas de suas classes, os trabalhistas e quirografários, sendo rejeitado pelos de garantia real, o que, nos termos do art. 45 da Lei de Recuperação Judicial, levou à aplicabilidade do quanto disposto no

62 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 70045411832. Agravante: Banco do Brasil S/A. Agravado: Aeromot Industria Mecanico Metalurgica Ltda. Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho. 63 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 70045411832. Agravante: Banco do Brasil S/A. Agravado: Aeromot Industria Mecanico Metalurgica Ltda. Relator Romeu Marques Ribeiro Filho. Disponível em: <http://google8.tj.rs.gov.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70045411832%26num_processo%3D70045411832%26codEmenta%3D4575906+INSTRUMENTO+DESPROVIDO.+++AGRAVO+DE+INSTRUMENTO+QUINTA+C%C3%82MARA+C%C3%E7VEL+N%C2%BA+70045411832+%09COMARCA+DE+PORTO+ALEGRE&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF8&numProc=70045411832&comarca=Comarca+de+Porto+Alegre&dtJulg=29-02-2012& relator=Romeu+Marques+Ribeiro+Filho>. Acesso em: 13 nov. 12. Grifos nossos.

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inc. III do § 1º do art. 58 da Lei de Falências. É certo que a previsão do mencionado art. 58 foi abrandada pelo digno Juízo singular, sob pena de restar inviabilizada a aprovação do plano, haja vista, como já referido, apenas dois credores estarem contemplados na classe em que o Banco do Brasil S/A detém crédito sobejamente superior.

A intervenção do juiz na aplicação da regra do cram down ganha mais

relevância ainda a partir da Lei Complementar 147 publicada em agosto de 2014, que

cria a 4ª classe de credores. Com a criação da 4ª, sem a alteração do artigo 58 da lei

11.101/2005 que estipula a regra do cram down, poderá haver empate nas votações

e nesse caso cria-se mais um problema a ser resolvido através da intervenção judicial

e do alargamento das regras do cram down.

Sobre a LC 147, Manoel Justino Bezerra Filho64 faz o seguinte comentário:

“Apenas a jurisprudência e a doutrina é que, com o tempo, conseguirão aplainar os

solavancos que a mal construída LC provocou de imediato na LREF, o que demandará

um tempo ainda um pouco dilatado”.

Logo, o Judiciário, mais um vez, terá que encontrar uma solução para a falha

deixa pela LC 147, no que diz respeito a regra positiva no artigo 58§ 1º da Lei

11.101/2005.

2.1.3 Vícios de assembleia

A lei de quebras, no seu artigo 3665, estipula as normas para convocação da

assembleia geral de credores; entre elas, a publicação da convocação em jornais de

circulação na localidade da sede e filiais da empresa.

64 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte – Modificações introduzidas pela LC 147 de 07.08.2014. Revista dos Tribunais, ano 104, v. 953, p. 35-49, março/2015. 65 Art. 36. A assembléia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá: I – local, data e hora da assembléia em 1a (primeira) e em 2a (segunda) convocação, não podendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1a (primeira); II – a ordem do dia; III – local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de recuperação judicial a ser submetido à deliberação da assembléia. § 1o Cópia do aviso de convocação da assembléia deverá ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do devedor. § 2o Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos

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Durante as pesquisas, foram encontradas algumas situações em que a

convocação não atendeu a esse requisito de publicidade.

Diante disso, surgem alguns questionamentos: (i) é válida a assembleia geral

de credores? (ii) quem tem legitimidade para impugnar a decisão da assembleia

ocorrida? (iii) pode o juiz de ofício anular a assembleia geral de credores e determinar

a convocação de uma nova atendendo às exigências legais? (iv) qual o prazo limite

para arguição do vício de convocação da assembleia geral de credores?

Outro ponto pertinente aos vícios da assembleia geral de credores, constatado

nas pesquisas realizadas para este trabalho, diz respeito à suspensão da assembleia

geral de credores e sua posterior continuação com os mesmos participantes. Ao

debruçar-se sobre o diploma legal, não foi encontrada qualquer previsão e/ou

possibilidade de suspensão da assembleia.

A suspensão da assembleia geral de credores, por vezes, é a única maneira

de se tentar a aprovação de um plano de pagamento. Na assembleia podem e são

propostas alterações ao plano de pagamento, o que depende de análise tanto dos

credores como do devedor, motivo pelo qual se impõe a suspensão.

Sobre a suspensão, ainda, alguns problemas são enfrentados: quanto ao

quórum para aprovação da suspensão, este deve ser simples ou qualificado? O

Administrador judicial pode decidir pela suspensão ou não? O judiciário pode intervir

na decisão da suspensão? Por quanto tempo é possível a suspensão da assembleia

geral de credores?

No Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, foi localizado

um caso em que 99,80% dos créditos presentes aprovaram a suspensão da

assembleia geral de credores pelo período de 90 dias para a continuidade da

assembleia instalada. Entretanto, mesmo com aprovação quase de 100%, o juízo a

quo decidiu pela não prorrogação, determinando que a recuperanda convocasse nova

assembleia ainda dentro do mês, sob pena de convolação em falência66.

créditos de uma determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral. § 3o As despesas com a convocação e a realização da assembléia-geral correm por conta do devedor ou da massa falida, salvo se convocada em virtude de requerimento do Comitê de Credores ou na hipótese do § 2o deste artigo. 66 Processo que tramita na Vara de Direito Empresarial, Recuperação judicial e Falência, sob o n° 001/1.15.0177923-1, decisão publicada na Nota de Expediente Nº 527/2016 publicada em 12.08.2016.

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A recuperanda interpôs recurso de agravo de instrumento67, que reformou a

decisão proferida em 1º grau, afirmando que o limite de intervenção do judiciário nas

decisões da assembleia geral de credores se restringe ao controle de legalidade.

A intervenção excessiva do judiciário acaba por criar um cenário de

insegurança jurídica para todos os atores envolvidos no processo de recuperação

judicial.

2.2 TESES LEVANTADAS PARA ENFRENTAMENTO DOS CONFLITOS

Diante da necessidade de enfrentamento dos problemas acima elencados e da

completa omissão da lei 11.101/2005 sobre esses pontos, houve o imperativo de

intervenção do Judiciário.

Como explanado alhures, a própria intervenção foi objeto de discussão. Mas

foram verificadas situações em que a intervenção foi indispensável para o

atendimento ao escopo da lei, qual seja, a preservação da empresa.

No que tange à inevitável intervenção do Judiciário, Eduardo Secchi Munhoz68

explica que:

A Lei 11.101/2005, ao deixar de estabelecer claramente requisitos e princípios que venham nortear a intervenção jurisdicional na apreciação do plano de recuperação, apresenta-se sem o necessário equilíbrio, podendo levar a soluções insatisfatórias e incapazes de atender aos objetivos dos arts. 47 e 75.

67 AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. SUSPENSÃO DA AGC. ALTERAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO. CONCORDÂNCIA DOS CREDORES. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. 1. Decisão que tem por finalidade assegurar a possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira da agravada, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 2. Hipótese em que a suspensão da AGC para análise da proposta de alteração do plano foi aprovada por 99,80% dos créditos presentes. A Assembleia Geral de Credores é soberana em suas decisões, cabendo ao Poder Judiciário exercer o controle de legalidade, evitando o abuso do direito. Precedente do e. STJ. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070841564, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 26/10/2016). 68 MUNHOZ, 2007, p. 199.

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Diante da omissão legislativa, a intervenção do Judiciário nas decisões da AGC

foi indispensável para suprir algumas lacunas e viabilizar a aplicação do instituto da

recuperação judicial.

Como se pode ver, para justificar a intervenção do Estado/Juiz surgiram

algumas teses, tais como: (i) princípio da discricionariedade; (ii) análise de viabilidade

da empresa; (iii) validade do negócio jurídico e controle de legalidade.

2.2.1 Análise de viabilidade econômica

A LFRE69, determina que em 60 dias após a publicação da decisão que deferir

o processamento da recuperação judicial, deve ser apresentado um plano de

recuperação que deverá conter: (i) discriminação detalhada dos meios de recuperação

judicial; (ii) demonstração de viabilidade econômica da empresa; (iii) laudo econômico-

financeiro e laudo de avaliação de bens ativos do devedor70.

Apresentado o plano de recuperação, o juiz deverá publicar edital contendo

aviso sobre o recebimento do mesmo e estipulando prazo para as devidas objeções.

Havendo objeções, então deverá ser convocada a assembleia geral de credores, que

terá como atribuição analisar o plano de recuperação e, consequentemente, a

demonstração de viabilidade econômica da empresa.

Não havendo objeções ao plano de recuperação judicial, não existe motivo para

convocação da assembleia geral de credores. Nesse sentido, para Julio Kahan

Mandel71, a assembleia só deve ser convocada se houver objeção ao plano de

69 Lei de falência recuperação judicial e extrajudicial (LFRE). 70 Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter: I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo; II – demonstração de sua viabilidade econômica; e III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei. 71 MANDEL, Julio Kahan. Nova lei de falências e recuperação de empresas anotada: Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 125.

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pagamento, entendendo, ainda, que o juiz deve sopesar a importância do crédito e a

justificativa do pedido.

Corrobora esse juízo o ensinamento de Jorge Lobo72, que faz a seguinte

afirmação: “A assembléia-geral (sic) de credores, na ação de recuperação judicial, só

se torna indispensável, portanto, obrigatória, quando houver objeção ao plano, na

forma e para os fins do art. 56 [...]”73.

Assim, após a apresentação do plano de recuperação e seus complementos,

os credores terão o prazo de 30 (trinta) dias74 após a publicação do edital para objetar.

Havendo objeções, será convocada a assembleia geral de credores, e nesse

momento todos os credores poderão discutir as informações apresentadas pelo

devedor, incluindo a análise de viabilidade econômica da empresa.

A análise de viabilidade econômica da recuperanda, como se desprende da

leitura da lei, ficou a encargo dos credores, por opção legislativa.

No que tange à opção legislativa, Frederico Viana Rodrigues75 observa que, “a

nova Lei concursal lança mão do auxílio dos credores na decisão acerca do destino

da empresa – não na qualidade de únicos interessados – mas antes como termômetro

do mercado quanto à viabilidade econômica da empresa.”.

A intervenção do Estado/Juiz, quando de modo exacerbado, e tendo por

escopo uma finalidade diversa do objetivo da lei, que é a preservação da empresa,

pode ser prejudicial, não apenas para a recuperanda, mas para os credores.

Assim, com a possibilidade de intervenção do judiciário nas decisões proferidas

pela assembleia geral de credores, criou-se uma celeuma no que se refere à análise

da viabilidade econômica.

No Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pode-se observar

que algumas varas especializadas em Direito Empresarial, começaram a requisitar o

laudo de viabilidade econômico-financeira, antes mesmo do despacho de

72 LOBO, 2007, p. 86. 73 Informa-se que existe entendimento diverso na Doutrina; contudo, por não ser objeto direto do presente estudo, não será abordado. 74 Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei. Parágrafo único. Caso, na data da publicação da relação de que trata o caput deste artigo, não tenha sido publicado o aviso previsto no art. 53, parágrafo único, desta Lei, contar-se-á da publicação deste o prazo para as objeções. 75 RODRIGUES, Frederico Viana. Reflexões sobre a viabilidade econômica da empresa no novo regime concursal brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, econômico e financeiro, Nova Série, Ano XLIV, n. 138, p. 102-122, abr.-jun. de 2005. p. 113.

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processamento do pedido de recuperação judicial, ou mesmo indeferindo o seu

processamento, por entenderem que a atividade empresarial é inviável, conforme

jurisprudência a seguir:

APELAÇÃO. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INDEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DO ART. 51, I, DA LEI 11.101/2005. DESCABIMENTO DA ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA DA EMPRESA. A recuperação judicial constitui uma ação judicial destinada a sanear a situação de crise econômico-financeira do empresário devedor, viabilizando a manutenção de suas atividades. [...] Dessa forma, considerando o cumprimento do art. 51, I, da Lei 11.101/2005, bem como a impossibilidade de controle nessa fase processual da viabilidade econômica da empresa, deve ser deferido o processamento da recuperação judicial requerida pela sociedade apelante. Provimento do recurso. (Apelação n° 0105323-98.2014.8.19.0001. 3ª Câmara Cível do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Desembargadora Renata Machado Cotta. Julgado em 25.02.2015)76.

Nessa toada, Daniel Costa, juiz da 1ª Vara de Falência e Recuperação Judicial

da Comarca de São Paulo77, entende que o deferimento do processamento da

recuperação judicial para empresas inviáveis pode trazer sérios problemas aos seus

credores, devendo então o Juiz estar atento à viabilidade econômica da empresa,

antes do processamento do pedido de recuperação judicial.

Na mesma trilha, o informativo n° 3878, que trata sobre a atuação do Ministério

Público nos processos de recuperação judicial do Estado do Paraná, orienta que, após

intimado, o Parquet deve intervir no processo e analisar a viabilidade econômica da

empresa, e que também o judiciário tem esse dever.

Diante da repercussão causada pelas intervenções do Estado/Juiz em

questões relacionadas à viabilidade/análise econômica da empresa, a matéria chegou

ao Superior Tribunal de Justiça, que, para orientar o debate, publicou o informativo de

76 Acórdão disponível em: <http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=00041AB442BD3884E2CDEF5E582101ACB22EC5034F2B2735>. Acesso em: 07 fev. 2016. 77 Artigo disponível na íntegra em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-viabilidade-da-atividade--empresarial-como-pressuposta--da-sua-recuperacao-judicial/10374>. Acesso em: 07 fev. 2016. 78 <http://www.civel.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=69>. Acesso em: 07 fev. 2016. “Nota-se que o Ministério Público, ao observar de pronto que a empresa não possui qualquer possibilidade de recuperação, deve intervir de forma imediata para que seja decretada a falência da empresa. Pois, empresas que, quando em recuperação judicial, não geram empregos, rendas, tributos, nem fazem circular riquezas, serviços e produtos, não cumprem a sua função social.”.

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jurisprudência n° 054979, afirmando que não cabe ao Estado/Juiz intervir no que se

refere à viabilidade econômica.

Do acórdão acima, extraiu-se do voto do Ministro Luis Salomão o seguinte

trecho para elucidar melhor seu posicionamento:

Deveras, o magistrado não é a pessoa mais indicada para aferir a viabilidade econômica de planos de recuperação judicial, sobretudo daqueles que já passaram pelo crivo positivo dos credores em assembleia, haja vista que as projeções de sucesso da empreitada e os diversos graus de tolerância obrigacional recíproca estabelecida entre credores e devedor não são questões propriamente jurídicas, devendo, pois, acomodar-se na seara negocial da recuperação judicial.

Na mesma senda, a I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ, aprovou

enunciado de n° 4680, afirmando que não caberia ao juiz recusa à concessão da

79 Informativo Nº: 0549 - Período: 5 de novembro de 2014. Quarta Turma. DIREITO EMPRESARIAL. CONTROLE JUDICIAL DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art. 58, caput, da Lei 11.101/2005), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa. De fato, um vértice sobre o qual se apoia a referida lei é, realmente, a viabilidade econômica da empresa, exigindo-se expressamente que o plano de recuperação contenha demonstrativo nesse sentido (art. 53, II). No entanto, se é verdade que a intervenção judicial no quadrante mercadológico de uma empresa em crise visa tutelar interesses públicos relacionados à sua função social e à manutenção da fonte produtiva e dos postos de trabalho, não é menos certo que a recuperação judicial, com a aprovação do plano, desenvolve-se essencialmente por uma nova relação negocial estabelecida entre o devedor e os credores reunidos em assembleia. Realmente, existe previsão legal para o magistrado conceder, manu militari, a recuperação judicial contra decisão assemblear – (art. 58, § 1º) –, mas não o inverso, porquanto isso geraria exatamente o fechamento da empresa, com a decretação da falência (art. 56, § 4º), solução que se posiciona exatamente na contramão do propósito declarado da lei. Ademais, o magistrado não é a pessoa mais indicada para aferir a viabilidade econômica de planos de recuperação judicial, sobretudo daqueles que já passaram pelo crivo positivo dos credores em assembleia, haja vista que as projeções de sucesso da empreitada e os diversos graus de tolerância obrigacional recíproca estabelecida entre credores e devedor não são questões propriamente jurídicas, devendo, pois, acomodar-se na seara negocial da recuperação judicial. Assim, o magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação – no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito –, mas não o controle de sua viabilidade econômica. Nesse sentido, na I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ, foram aprovados os Enunciados 44 e 46, que refletem com precisão esse entendimento: 44: “A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de legalidade”; e 46: “Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores”. REsp 1.359.311-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/9/2014. Grifos nossos. 80 46. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.

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recuperação judicial ou extrajudicial de plano aprovado pelos credores sob o

argumento de análise econômico-financeira.

Assim, o principal ponto é a possibilidade ou não do Judiciário em realizar a

análise de viabilidade econômica, eis que se trata de matéria estranha ao Direito, pois

envolve apreciação de mercado, contábil, da atividade empresarial e do cenário

econômico da empresa.

Nesse caminho, inconformado com a possibilidade de intervenção do

Estado/Juiz no que diz respeito à análise de viabilidade econômica da empresa, os

ensinamentos de Cássio Cavalli81:

Um juiz, por mais qualificado que seja, jamais reunirá as informações necessárias acerca do valor da empresa reorganizada e do valor da empresa liquidada. Essas informações encontram-se espalhadas de um tal modo que nenhum indivíduo consiga reuni-las e processá-las. Cada indivíduo que se relaciona com a empresa tem acesso a um fragmento das informações relativas ao valor da empresa. O conjunto de indivíduos que se relacionam com a empresa tem condições de formar um melhor retrato sobre o valor da empresa. Veja-se, eu disse um melhor retrato, e não um retrato perfeito. Por isso, ao confiar-se a decisão sobre a aprovação da recuperação judicial ou a sua convolação em falência a um amplo conjunto de indivíduos, assegura-se maiores probabilidades de se tomar uma melhor decisão.

Ainda sobre a intervenção do Estado/Juiz no processo de recuperação judicial,

negando a possibilidade de intervenção do Estado, na análise econômica, o Ministro

Luis Salomão82 afirma que:

a participação do Estado nesse processo, seja no âmbito do Poder Executivo, seja no Judiciário, interferindo nas "leis de mercado", deve ser considerada sob a perspectiva do “interesse público", mas a "recuperação judicial não se traduz na fórmula simplista da substituição da iniciativa privada pela atividade do juiz”.

No mesmo sentido, encaminha-se o entendimento do Egrégio Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Plano aprovado em assembleia de credores e homologado judicialmente. Alegação de irregularidade, em razão da previsão de dação em pagamento de bens do ativo imobilizado e circulante aos credores com garantia real, carência de 16 meses (sem data de início de contagem), deságio de 50% e prazo de pagamento de 120 meses para os credores com garantias

81 Artigo disponível em: <http://www.cassiocavalli.com.br/?p=515>. Acesso em: 08 fev. 2016.

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pessoais, progressão de valores e tratamento diferenciado dos credores financiadores. Presença de ilegalidade e irregularidade quanto à previsão de dação em pagamento de bens do ativo imobilizado e circulante aos credores com garantia real e ausência do termo de início para contagem da carência. No mais, lei que atribui à assembleia de credores a aprovação, modificação ou rejeição do plano. Art. 35 I “a” LRF. Ausência de afronta à Constituição Federal, legislação infraconstitucional, boa-fé ou princípios gerais de direito. Viabilidade econômica do plano que foge do alcance de exame do Poder Judiciário. Enun. CJF 46. Recurso parcialmente provido. (Agravo n° 2016.0000009486. Voto n° 24623. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Estado de São Paulo. Des. Relator: Teixeira Leite. Julgado em 20.01.2016.).

E na mesma linha, orienta-se também o entendimento do Egrégio Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Agravo de instrumento. Ação de recuperação judicial. Decisão recorrida que determinou realização de auditoria na empresa em recuperação para investigar a licitude ou não de créditos habilitados, assim como a viabilidade econômico-financeira do plano. Descabimento. Aplicação do Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Comercial do CJF. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores. Havendo irregularidades, serão apuradas pelos legitimados ativos em ação específica, na forma do art. 19, § 1º, da Lei n. 11.101/2005. Aprovado o plano em assembleia, na forma do art. 58 da Lei n. 11.101/2005, sendo exclusivamente da sua apreciação a viabilidade econômico-financeira, ao juízo não é dado se imiscuir nesse aspecto. Precedente do STJ, no Resp n. 1359311-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª. T., j. em 09.09.2014. Decisão que determinou a realização de auditoria revogada. Agravo de instrumento provido. (Agravo de instrumento Nº 70062012992. Sexta Câmara Cível. Des. Relator: Ney Wiedemann Neto. Julgado em 29.01.2015).

Frederico Viana Rodrigues83, afirma que, mesmo a análise de viabilidade

econômica não sendo de competência do juiz, não há a retirada do múnus

jurisdicional. Cabe ao judiciário, nestes termos, a manutenção do equilíbrio

jurisdicional necessário.

Portanto, com amparo no informativo n° 0549 do Superior Tribunal de Justiça,

no Enunciado n° 46 da I Jornada de Direito Comercial e na Jurisprudência dos

Tribunais, entende-se que não há possibilidade de intervenção do Estado/Juiz no que

83 “Não caberá, entretanto, ao juiz o convencimento acerca da viabilidade da empresa, mas nem por isso o munus jurisdicional desaparece. Além da indispensável administração do processo, caberá ao judiciário zelar pela manutenção do equilíbrio institucional necessário ao momento decisório (notadamente negocial) acerca da recuperação ou liquidação da empresa.”. RODRIGUES, 2005, p. 122.

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tange à análise de viabilidade econômica da empresa, seja in limine, ou após a

aprovação do plano de pagamento pela assembleia geral de credores.

Na mesma trilha, encontra-se a observação de Frederico Viana Rodrigues84:

Propostas com sofisticadas soluções de mercado não devem ser desprezadas a médio e longo prazo, mas o certo é que, em tempo presente, os credores revelam-se os representantes de mercado com maior proximidade dos negócios da empresa em crise, sendo, portanto – quiçá não os melhores – mas certamente os mais adequados mediadores da viabilidade da empresa.

Logo, pode-se concluir que a análise de viabilidade econômica da empresa é

de responsabilidade dos credores, que manifestam sua opinião quando da

deliberação do plano de recuperação judicial.

2.2.2 Validade do negócio jurídico

Ao passo que resta clara a impossibilidade do Estado/Juiz intervir em questões

relacionadas à viabilidade econômica da empresa, existe a possibilidade de

intervenção do Estado/Juiz no que tange ao controle de legalidade do plano de

pagamento.

O plano de recuperação judicial é elaborado pela recuperanda, devendo conter

os meios que serão utilizados para o seguimento da empresa. O plano de pagamento

contém diversas cláusulas que, em sendo aprovadas pela assembleia geral de

credores, terá força de contrato, tornando novadas todas as dívidas com base no

proposto no plano de pagamento.

Assim, os principais meios de recuperação, utilizados nos planos de

pagamento, são: deságios, parcelamentos, venda de ativos, modificação na estrutura

societária, repactuação de juros e correção monetária, fusão, incorporação, cisão,

venda de UPIs, entre outros85.

Desse modo, nesse processo, o que é avaliado pelos credores é a forma de

pagamento, não havendo um controle específico de legalidade sobre todas as

84 RODRIGUES, 2005, p. 112. 85 Para o presente estudo foram analisados alguns planos de pagamentos, disponíveis em: <http://www.administradorjudicial.adv.br/home>. Acesso em: 08 fev. 2016.

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cláusulas do plano de pagamento. Logo, a intervenção do Judiciário é necessária a

fim de realizar-se esse controle.

No que tange à validade das cláusulas que compõem o plano de pagamento,

o Judiciário deve estar atento quanto à possibilidade de fraude e ao abuso de direito.

Ocorre que, por vezes, as cláusulas propostas no plano de recuperação

afrontam normas do ordenamento jurídico vigente, tornando-se ilegais. Ressalta-se

que a aprovação do plano de pagamento é de competência da assembleia geral de

credores86.

O acórdão de relatoria do Des. Manuel Pereira Calças87, serviu de paradigma

para a matéria em debate. No caso, a empresa devedora – Cerâmica Gyotoku –

propôs em seu plano de pagamento as seguintes condições: (i) pagamento do passivo

em 18 anos; (ii) pagamento com base em percentuais da receita líquida da empresa

(2,3 %, 2,5% e 3%); (iii) carência de 3 anos contando da aprovação do plano; (iv)

pagamento por cabeça até o 6º ano – por consequência, o pagamento antecipado dos

menores créditos; (v) sem incidência de juros e correção monetária; (vi) previsão de

remissão dos pagamentos após o 18º ano.

A solução encontrada pelo Judiciário, no caso exposto, foi a declaração de

nulidade da decisão da assembleia geral de credores e a determinação de

apresentação de um novo plano de pagamento, devendo ser submetido à nova

apreciação pela assembleia geral de credores.

A decisão em comento serviu para balizar outras tantas no mesmo sentido. Isso

porque, o grande problema é que a lei não prevê uma alternativa em caso de não

aprovação88 do plano de pagamento, tendo em vista que a lei somente determina que

86 A lei 11.101/2005 determina que a aprovação do plano de pagamento deve se dar por maioria simples nas classes I e IV; nas classes II e III o voto deve ser computado qualitativamente e quantitativamente, conforme artigo 45 da lei. Não se pode esquecer a possibilidade prevista no artigo 58 da lei, o cram down, rebaixamento do quórum de aprovação. 87 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 0136362-29.2011.8.26.0000, Agravante: Banco Itaú BBA S/A. Agravados: Cerâmica Gyotoku Ltda. (em recuperação judicial) e Deloitte Touche Tohmatsu Consultores Ltda. (administrador judicial). Relator: Pereira Calças. São Paulo, 28 de fevereiro de 2012. 88 Com exceção do cram down previsto no artigo 58 da lei 11.101/2005. Sobre o tema, importante consideração de João Pedro Scalzilli, Rodrigo Tellechea e Luis Felipe Spinelli88, in verbis: Mesmo nas hipóteses de cram down (seja na recuperação judicial, seja na recuperação extrajudicial), situação em que o plano é imposto à minoria dissidente, é possível verificar a importância da adesão dos credores ao plano, pois, ainda assim, um número mínimo deles deve tê-lo aprovado para que seja imposto (arts. 58, §1º, e 163). A fórmula do ‘cram down à brasileira’ nada mais é que um rebaixamento do quórum de aprovação à luz da

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a recuperação judicial deve ser convolada89 em falência, forçando, assim, a busca de

soluções alternativas à decretação da falência.

Nesse segmento, o professor Fabio Ulhoa Coelho90, afirma que a vinculação

do insucesso da recuperação judicial com a falência é extremamente prejudicial, tendo

em vista que a tendência é que se tenha uma grande tolerância, a fim de se evitar a

quebra da empresa.

O Judiciário, com o escopo de viabilizar a utilização do instituto, sem que o

mesmo servisse de meio para validar fraudes e ilegalidades, encontrou a solução,

intervindo no plano de pagamento, somente nas questões relacionadas à sua

legalidade.

A repercussão do tema acabou por se tornar objeto de estudo da I Jornada

Jurídica de Direito Empresarial, que proferiu Enunciado de n° 4491 firmando

posicionamento sobre a sujeição do plano de pagamento ao controle de legalidade

pelo judiciário.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça também firmou posição no sentido da

soberania da assembleia geral de credores, exceto quanto aos requisitos de validade

verificação, no caso em concreto, da função social da empresa; não significa, em hipótese alguma, uma desconsideração total relativamente à vontade dos credores. Grifos nossos. 89 A convolação da recuperação judicial em falência está determinada em um rol taxativo no artigo 73 da lei 11.101/2005: “Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei; II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei; III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4o do art. 56 desta Lei; IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do art. 61 desta Lei. Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a decretação da falência por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94 desta Lei, ou por prática de ato previsto no inciso III do caput do art. 94 desta Lei. 90 Fabio Ulhoa Coelho afirma: “O ideal, segundo meu ponto de vista, seria a lei abrir ao juiz a possibilidade de negar a recuperação judicial sem necessariamente decretar a falência. Se o devedor estiver mesmo em estado pré-falimentar, a quebra virá logo, por força da tramitação dos pedidos que certamente já terão sido ajuizados contra ele. E se não estiver nesse estado, a tendência é o devedor procurar satisfazer os seus credores com o objetivo de manter a empresa ativa. É a vinculação entre o insucesso da recuperação judicial e decretação da falência que cria o ambiente propício ao desenvolvimento da ‘indústria da recuperação judicial’. A atitude normalmente adotada pelo juiz e mesmo pelos credores é de grande tolerância para o devedor que busca socorro da recuperação judicial. Se ele está em estado pré-falimentar, é merecedor dessa atitude; mas se não está, conviria barrar-lhe o acesso indevido ao benefício, mediante o simples indeferimento da recuperação judicial. Como a lei não autoriza essa alternativa, todos os requerentes – bem ou mal intencionados – acabam recebendo igual tratamento tolerante” (2010, p. 222-223, grifos nossos). 91 44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de legalidade.

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do negócio jurídico, no julgamento do Recurso Especial n° 131420992 de Relatoria da

Ministra Nancy Andrighi.

Seguindo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o Egrégio Tribunal de

Justiça de São Paulo93 afirma a possibilidade de intervenção do Judiciário no que

tange a quesitos de legalidade.

Atualmente, está claro que há possibilidade de intervenção do Estado/Juiz no

controle de legalidade dos planos de pagamento na recuperação judicial. Contudo, o

grande problema está na definição de quais cláusulas podem ser consideradas ilegais,

ou contrárias à lei, em matéria negocial.

No que tange à intervenção do juiz sob o aspecto da legalidade, os parâmetros

não são claros, como por exemplo, quanto à ausência de juros e/ou correção

monetária. Para tal afirmação, nos valemos de dois julgados do Egrégio Tribunal de

Justiça de São Paulo, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Recuperação judicial Plano aprovado por assembleia de credores - Verificação de sua legalidade pelo Poder Judiciário Possibilidade Deságio que condiz com a situação de crise da empresa. Necessidade de adequação da correção monetária e de inserção dos juros legais (art. 406 do CC). Inserção de ofício, dispensando-se a convocação de AGC. Reconhecimento, ainda, da nulidade referente à cláusula que prevê a desobrigação dos avalistas, fiadores e coobrigados de responder pelos créditos originais. Provimento, em parte, para este fim. (Agravo De Instrumento Nº: 2118641-25.2014.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relator: Enio Zuliani, julgado em 12.08.2015.).

92 RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ - REsp: 1314209 SP 2012/0053130-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/05/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2012). 93 Agravo de Instrumento nº 2172104-42.2015.8.26.0000. 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Des. Relator: Teixeira Leite. Julgado em 16.12.2015.).

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No julgado acima, pode-se observar que a decisão foi reformada no ponto

referente à ausência de previsão de juros, tendo a sua inclusão determinada de ofício,

com base na previsão legal do artigo 40694 do código civil.

Veja-se abaixo outra decisão proferida também pelo Egrégio Tribunal de

Justiça de São Paulo95:

Agravo de instrumento. Recuperação Judicial. Plano aprovado pela Assembleia de Credores. Alegação de irregularidade em relação ao prazo de pagamento, deságio e ausência da previsão de juros. Ausência de abusividade na forma e prazo de pagamento deliberados. Decisão mantida. Recurso desprovido. Agravo de Instrumento n° 2061714-05.2015.8.26.0000, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relator: Claudio Godoy, julgado em 12.08.2015).

Como se pode observar, as decisões foram proferidas no mesmo dia, tratando

sobre a mesma matéria, julgadas pelo mesmo tribunal, contudo, são completamente

opostas, no que tange aos juros e à sua legalidade na recuperação judicial.

De todos os pontos abordados em um plano de pagamento, tem-se presente,

que a incidência ou não de juros seria o ponto que geraria menor controvérsia –

partindo-se do pressuposto de que juros são negociáveis –, mas na prática não é o

que se verifica.

Analisando-se os julgados, chega-se à única conclusão vislumbrada: a de que

não existe o mínimo de segurança jurídica sobre a matéria, sendo necessário que

sejam determinados parâmetros a serem seguidos, com extrema urgência.

Ressalta-se que a obrigatoriedade da incidência de juros é apenas um ponto

possível para a intervenção do Estado, com base na legalidade do plano de

pagamento. Existem pontos ainda mais controversos, que não serão detalhados neste

trabalho, tais como: (i) cláusulas que excluem os avalistas; (ii) venda indeterminada

de ativos; (iii) cláusulas que preveem a forma e modo não específico, indeterminados;

e (iv) todas as situações que possam ser enquadradas no artigo 12296 do código civil.

94 Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 17 fev. 2016. 95 Tribunal de justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 2061714-05.2015.8.26.0000. Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relator: Claudio Godoy, julgado em 12.08.2015. 96 Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o

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50

3 O DIREITO COMO SISTEMA ÚNICO DE NORMAS – APLICAÇÃO SUPLETIVA

DO CÓDIGO CIVIL E DA LEI 6.404/76

Para enfrentar-se os conflitos levantados no primeiro capítulo, é necessário ter

presente que o diploma falimentar não pode ser analisado de modo isolado no

Ordenamento jurídico.

Assim, para investigação de uma solução adequada para os conflitos

levantados no primeiro capítulo, é imprescindível uma interpretação sistêmica do

direito.

A lei 11.101/2005, no que tange às deliberações da assembleia geral de

credores, principalmente nos quesitos de nulidades, anulabilidades, intervenção do

Juiz e regramento da assembleia geral de credores, é omissa. Motivo pelo qual,

somente com uma análise multidisciplinar é que provavelmente se encontrará uma

alternativa.

Desse modo, é de grande valia a observação de Eduardo Sechi Munhoz97:

Nesse contexto, cabe à doutrina o importante papel de completar as lacunas e contribuir para a interpretação da nova Lei Falimentar, sobretudo no que diz respeito à fixação dos princípios que venham a nortear a manifestação de vontade do devedor e dos credores no processo de recuperação judicial e, por consequência, que guiarão a intervenção jurisdicional para corrigir eventuais desvios.

Na mesma trilha, a ressalva de Daniel Carnio Costa98 afirma que: “os institutos

de recuperação judicial e da falência devem ser analisados em suas essências,

considerando-se o contexto em que se encontram inseridos, a fim de que se consiga

aplicá-los de forma eficiente e adequada aos seus propósitos”.

No contexto, a análise que se pretende passa por uma construção sistêmica do

ordenamento jurídico, conjugando, de modo mais específico, as normas que

compõem a validade do negócio jurídico, a regulação da assembleia geral prevista na

Lei das Sociedades Anônimas e a preservação da empresa e sua função social.

negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 17 fev. 2016. 97 MUNHOZ, 2007, p.199 98 COSTA, Daniel Carnio. Reflexões sobre processos de insolvência: divisão equilibrada de ônus, superação do dualismo pendular e gestão democrática de processos. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 16, n. 39, p. 1-200, Jan./Mar. 2015.

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No que concerne à análise do Código Civil com as deliberações da assembleia

geral de credores, o que se pretende é a construção de uma definição para a

possibilidade de intervenção do judiciário na perspectiva da “validade do negócio

jurídico”.

Para atingir esse objetivo, faz-se pertinente o exame do negócio jurídico, sob a

visão clássica da divisão em planos, quais sejam: existência, validade e eficácia.

No que concerne aos planos de exame do negócio jurídico, neste trabalho

parte-se do pressuposto de que o negócio jurídico já tenha enfrentado o plano da

existência, passando à análise direto do plano da validade.

No que tange à divisão clássica do negócio jurídico em planos, aborda-se uma

importante passagem de Marcos Bernardes de Mello99, que assevera o seguinte:

Essa divisão do mundo jurídico em planos (da existência, da validade e da eficácia, como proposto por Pontes de Miranda no prefácio de seu monumental Tratado de direito privado) tem caráter lógico (e metodológico), mas de inquestionável utilidade prática para o trato dos problemas que surgem no dia a dia do direito, consoante mostramos em nosso Teoria do fato jurídico: plano da existência.

Ainda sobre a classificação do negócio jurídico em planos, importante a

explicação de Luiz Roldão de Freitas100:

Vantagens práticas de classificação em três planos: Não permite o exaurimento da temática das deformidades e carências do negócio jurídico no limitado plano da invalidade (nulidades). Os planos não se opõem, mas se justapõem. Daí decorre a possibilidade de aproveitamento do ato, quando não concorra elemento categorial inderrogável de certo negócio (basicamente quanto à forma), que admita sua conversão em outro, de acordo com a vontade hipotética das partes.

De modo algum, neste trabalho propõe-se a exaurir qualquer assunto

relacionado ao negócio jurídico e/ou plano de validade. O que se propõe é a análise

da validade do negócio jurídico, para melhor compreensão da intervenção do judiciário

nas deliberações da assembleia geral de credores sob este argumento.

De outra banda, no que diz respeito à Lei das S/A, neste estudo debruçar-se-

á, mais especificamente, no que se refere à assembleia geral. Isto, para que se possa

99 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 100 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. O ato jurídico nos planos da existência, validade e eficácia. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 327, 1994 (jul./ago./set.).

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52

traçar um paralelo entre o regramento previsto na Lei do Anonimato e as lacunas

deixadas pelo diploma falimentar.

Sobre a aplicação analógica da Lei do Anonimato, cabe a transcrição do

comento de Erasmo Valladão A. e N. França101, na abertura dos comentários sobre a

assembleia geral de credores da Lei 11.101/2005, in verbis:

A secção IV, do Capítulo II, da Lei 11.101/2005, de 9 de fevereiro de 2005 (doravante apenas Lei 11.101) cuida da Assembléia-credores (sic), tema em relação ao qual é indispensável o recurso ao direito societário, por ser este o ramo do direito privado em que, reconhecidamente, o estudo das questões referentes à assembléia (sic) e suas deliberações teve maior aprofundamento. Daí as referências que, durante os comentários, faremos às disposições pertinentes do Código Civil e da Lei da S/A, bem como à leitura especializada na matéria.

Portanto, o que se pretende com a aplicação subsidiária da Lei 6.406/76 é

encontrar subsídios para enfrentar os conflitos da assembleia geral de credores

prevista na Lei 11.101/2005, existentes por falta de regramento na Lei específica.

Outro ponto que será abordado neste capítulo, diz respeito ao princípio da

preservação da empresa, juntamente com o princípio da função social. Isso porque,

para falar de recuperação da empresa, seja judicial ou extrajudicial, é impossível não

ter presente o principal escopo da Lei, qual seja, a preservação da empresa.

3.1 CÓDIGO CIVIL

Quando se trata de direito falimentar, os estudos concentram-se na lei

específica que regula a matéria, qual seja, a LREF. Entretanto, a Lei 11.101/2005 não

é suficiente para discutir normas de Direito civil, hoje regulamentadas no Código Civil.

Neste âmbito, faz-se importante a seguinte observação de Marcelo Viera Von

Adamek102: “apesar do legislador não ter previsto expressamente, a lei subsidiária à

101 FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N. Seção IV Da Assembléia-geral de credores. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 187. 102 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Capítulo VIII – Disposições Finais e Transitórias. In: SOUZA

JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.).

Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 568.

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Lei 11.101/2005 em direito material é o Código Civil, diploma esse que, na atualidade,

é a lei geral em matéria empresarial.”.

Atualmente, a matéria empresarial está regulamentada no Código Civil,

nomeadamente no “Livro II – Do Direito de Empresa”.

Aqui, a menção quanto à matéria empresarial regulada no Código Civil é

meramente ilustrativa, haja vista, que não se pretende nenhuma observação quanto

ao “Livro II – Do Direito da empresa”. A observação e construção que se pretende é

exclusivamente no que concerne à validade do negócio jurídico.

3.1.1 Do negócio jurídico

A base da atividade empresarial são as relações comerciais, seja com os

fornecedores, seja com clientes, onde as negociações são predominantes, sendo

todas as relações subordinadas pelo código civil, supletivamente.

Quando uma empresa busca o socorro judicial da recuperação judicial, todos

os créditos existentes, vencidos e vincendos103 – salvos os excluídos por lei –, passam

a fazer parte de um rol de credores que estarão sujeitos ao plano de recuperação,

momento em que o passivo será repactuado.

No momento em que a recuperanda apresenta o plano de recuperação, já

definidas em que condições e como ocorrerão os pagamentos dos credores, os juros,

correção e o próprio crédito podem ser revistos.

Nesse sentido, Homero José Nardim Fornari104, afirma que existe uma prática

comum nos planos de recuperação judicial, a saber:

Isso porque a prática corrente dos planos de recuperação redunda, quase sempre, na reestruturação da dívida, passando pela concessão de um prazo de carência associado à redução do custo financeiro (juros e encargos) e no alongamento dos prazos para pagamento, normalmente superiores a 10 (dez) anos.

103 LREF - Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 104 FORNARI, Homero José Nardim. A função social da empresa: elemento decisivo na recuperação judicial. Revista de Direito Empresarial – RDEmp, Belo Horizonte, ano 12, n. 2, p. 139-156, maio/ago. 2015.

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A assembleia geral de credores é, portanto, o grande palco das negociações.

Durante a AGC, os credores podem transigir de diversas formas, até que se tenha um

consenso sobre as condições de pagamento.

A composição entre credor e devedor, pode abranger parcelamento,

repactuação de juros e/ou correção monetária, deságios, remissão, alienação de

ativos, entre outros.

A repactuação dos pagamentos depende de aceitação dos credores, que

manifestam sua vontade através do voto de aprovação ou não do plano de

recuperação da empresa105. Sendo aprovado o plano de pagamento, este deve ser

levado ao processo para a homologação do judiciário e consequente concessão da

recuperação judicial.

Não obstante os meios de recuperação estarem previstos na Lei especial, o

conteúdo do mesmo é de caráter civil, matéria positivada no código civil106.

Portanto, faz-se necessário averiguar os requisitos de validade do negócio

jurídico e os efeitos, no que tange à nulidade ou anulabilidade.

Desse modo, vale-se da definição de Antonio Junqueira de Azevedo107:

negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitando os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.

Nessa toada, Humberto Theodoro Junior108 afirma que, “Para que a declaração

de vontade alcance o efeito buscado pelo agente é indispensável sua passagem pelos

três planos do mundo jurídico, quais sejam: o da existência, o da validade e o da

eficácia”.

A fim de que se possa atingir o objetivo proposto, isto é, uma apreciação sobre

as invalidades e ineficácias das decisões da assembleia geral de credores, delimita-

105 Os meios de recuperação judicial estão positivados no artigo 50 da LREF, já transcrito no presente trabalho. Assim como o sistema de votação previsto para deliberações sobre o plano de pagamento, previsto no artigo 41 da LREF. 106 Lei No 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. 107 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 16. 108 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Negócio jurídico. Existência. Validade, Eficácia. Vícios. Fraude. Lesão. Revista dos Tribunais. Ano 89, v. 780, out. 2000.

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se a investigação na esfera civil sob a perspectiva do plano de validade e da ineficácia

do negócio jurídico109.

3.1.2 Análise de validade do negócio jurídico

Para análise do plano da validade, parte-se do pressuposto de que o negócio

jurídico já enfrentou o plano da existência, fazendo parte do mundo jurídico.

Nesta trilha, Pontes de Miranda110 explica que:

Para que ato possa valer, é preciso que o mundo jurídico, em que se lhe deu entrada, o tenha por apto a nêle (sic) atuar e permanecer. É aqui que se lhe vai exigir a eficiência, que dizer – o não ser deficiente; porque aqui é que os seus efeitos se terão de irradiar (eficácia).

Para Marcos Bernardes de Mello111, “existir, valer e ser eficaz são situações

distintas em que se podem encontrar os fatos jurídicos”. O autor afirma, ainda, que, “à

impossibilidade lógica de serem confundidas as três situações, precisamente porque

se passam em planos diferentes”.

O código civil, no Livro III – Dos Fatos Jurídicos – Título I – Do negócio jurídico,

regula entre os artigos 104 e 184 a matéria pertinente ao negócio jurídico.

O código civil de 2002, no seu artigo 104, definiu os requisitos essenciais para

que o negócio jurídico possa ser válido, quais sejam: a) agente capaz; b) objeto lícito,

possível, determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei.

Sobre a norma insculpida no artigo 104 do código civil, Fernando Antonio

Sacchetim Cervo112 faz a seguinte observação:

O Código Civil no artigo 104 descreveu de forma insuficiente os requisitos de validade do negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não

109 Para uma abordagem mais completa sobre o negócio jurídico, ler: AZEVEDO, 2002. 110 MIRANDA, Pontes de. Validade, nulidade, anulabilidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 61, 111 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 112 CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Requisitos do negócio jurídico no plano da validade. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 18 jun. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.48647>. Acesso em: 23 maio 2017.

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defesa em lei. Diz-se incompleta, uma vez que existem outros que repercutem nesse plano.

Cervo113 continua afirmando que:

em relação ao agente, deverá estar presente a capacidade, entendida como estado pessoal respeitante ao poder de praticar pessoalmente os atos jurídicos, bem como a legitimação, correspondente à capacidade especial para certos atos.

Marcos Bernardes de Mello114, ao explicar o que se entende por plano da

validade, afirma:

plano da validade, assim, se refere à parte do mundo jurídico e que se apura a existência ou inexistência de défice nos elementos nucleares do suporte fático dos atos jurídicos que influem na sua perfeição, implicando serem válidos ou inválidos.

Segundo Antonio Junqueira de Azevedo115, “válido” é um adjetivo do negócio

jurídico, uma qualidade, para os negócios jurídicos formados de acordo com as regras.

Sobre a possibilidade de um negócio jurídico ser classificado como inválido e

ainda assim produzir efeitos no plano da eficácia, Marcos Bernardes de Mello116 alega

que:

É verdade que, de ordinário, o ato deve ser válido para que se possa produzir sua eficácia. Mas a realidade do direito mostra que o ato jurídico pode ser válido e não produzir seus efeitos finais próprios, como ser eficaz sendo nulo. São situações distintas em que se podem encontrar atos jurídicos.

O negócio jurídico pode ser válido e ineficaz ou ainda ser inválido e eficaz. Os

planos da validade e da eficácia são autônomos e independentes.

113 CERVO, 2014, s/p. 114 MELLO, 2015, p. 39. 115 “A validade é, pois, a qualidade que o negócio, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (“ser regular”). Validade é, como o sufixo da palavra indica, qualidade de um negócio existente. “Válido” é adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico formado de acordo com as regras jurídicas.”. AZEVEDO, 2002, p.111 116 MELLO, 2015, p.123

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Da análise do negócio jurídico, no que concerne ao plano da validade, poderá

ser considerado válido ou inválido; sendo inválido é subdividido em nulo ou

anulável117.

No que tange à análise do plano da validade e da vinculação à ineficácia,

Pontes de Miranda118 observa que “não se pode ligar o conceito de invalidade

(nulidade e anulabilidade) ao de eficácia.”.

Marcos Bernardes de Mello119, analisa de forma crítica a doutrina e

jurisprudência que comumente afirmam que o negócio jurídico nulo será

obrigatoriamente ineficaz.

Por vezes, a doutrina faz referência que o negócio jurídico inválido acarretaria

em nulidade absoluta ou relativa. Sob esse ponto, é imperiosa a crítica de Pontes de

Miranda120:

A nulidade, diz-se, é absoluta; nulidade relativa é a anulabilidade. Devemos evitar os dois adjetivos “absoluta” e “relativa”; porque, empregando-os em diferentes sentindo e baralhando a êsses (sic) cada momento, os juristas e juízes cometem êrros (sic) sem conta. O sentido adequado de relatividade e de absolutidade é o referente aos limites subjetivos da eficácia: relativa e a eficácia só atinente a um, ou a alguns; absoluta é a eficácia erga omnes (sic).

Desse modo, a terminologia utilizada no decorrer deste trabalho segue os

ensinamentos de Pontes de Miranda, ao tratar a consequência da invalidade do

negócio jurídico como nulo – nulidade absoluta – e como anulável – a nulidade relativa.

3.1.3 Negócio jurídico inválido – nulidade e anulabilidade

Sobre a diferença entre nulidade e anulabilidade, Pontes de Miranda121 tece a

seguinte observação: “A anulabilidade é defeito menos grave, - há o defeito de que

resulta a nulidade, que é mais grave.”.

117 AZEVEDO, 2002, p. 63. 118 MIRANDA, 2012, p.92 119 É comum, porém, em doutrina e em julgados, a afirmativa de que o ato jurídico nulo é ineficaz, ou seja, o ato jurídico nulo não produz os efeitos jurídicos que lhe são próprios. Essa afirmativa, no entanto, não é de todo verdadeira. Os casos em que o ato nulo produz sua eficácia própria desmentem. MELLO, 2015, p.125 120 MIRANDA, 2012, p. 94. 121 Ibid., p. 93.

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Para ilustrar o presente trabalho, vale-se do conceito de nulidade e

anulabilidade de Marcos Bernardes de Mello122:

No direito brasileiro, há dois graus de invalidades: (a) nulidade, que constitui a sanção mais enérgica, acarretando, entre outras consequências, em geral, a ineficácia erga omnes do ato jurídico quanto a seus efeitos próprios, além da insanabilidade do vício, salvo exceções bem particularizadas, e (b) anulabilidade, cujos efeitos são relativizados somente às pessoas diretamente envolvidas no ato jurídico, o qual produz sua eficácia específica, integralmente, até que sejam desconstituídos, o ato e seus efeitos, mediante impugnação própria, podendo ser convalidado pela confirmação ou pelo transcurso do tempo.

As causas da nulidade, o defeito mais grave do negócio jurídico, estão

positivadas no artigo 166123 e 167124 do código civil, principalmente, mas não de modo

exclusivo, a exemplo do artigo 489, que prevê nulidade do contrato de compra e venda

cujo valor é arbitrado exclusivamente por uma das partes.

A nulidade, conforme expressão de Pontes de Miranda125, é o “defeito mais

grave”, e por isso sua consequência é de maior impacto ao negócio jurídico.

A alegação de nulidade do negócio jurídico pode ser levantada a qualquer

tempo126, e por qualquer interessado, inclusive de ofício pelo juiz127.

Nesse sentido, Caio Mário128 explica que:

122 MELLO, 2015, p.70 123 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. 124 Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. 125 MIRANDA, 2012.93 126 Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. 127 Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes. 128 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 24. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 49.

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É nulo o negócio jurídico, quando, em razão do direito grava que o atinge, não pode produzir o almejado efeito. É a nulidade a sanção para ofensa a predeterminação legal. Às vezes, esta enuncia o princípio, imperativo ou produtivo, cominado a pena específica ao transgressor, e, então diz-se que a nulidade é expressa ou textual; outras vezes, a lei proíbe o ato ou estipula a sua validade na dependência de certos requisitos, e, se é ofendida, existe igualmente nulidade, que se dirá implícita ou virtual.

Pontes de Miranda129, afirma que:

o conceito de negócio jurídico nulo é ligado ao de insanabilidade. A sanatória do nulo é contradicitio in terminis, dissemos. A espécie do art. 208 grita, no sistema jurídico; como outros resíduos de séculos mortos, porém não de todo extintos em alguns espíritos, ocasionalmente encarregados de redigir leis.

Portanto, a nulidade é um vício insanável e que resulta na anulação do negócio

jurídico, e, como se depreende da leitura do trecho acima citado, a nulidade decorre

de determinação legal. Logo, para um negócio jurídico ser declarado nulo, deve haver

proibição expressa antecedente.

Ainda no plano da validade, após a abordagem do negócio jurídico inválido,

cujo vício é insanável, torna o negócio jurídico nulo, é imperiosa a análise do negócio

jurídico eivado de vício sanável, o que a doutrina trata como negócio jurídico anulável.

Pontes de Miranda130, tece a seguinte observação sobre a distinção do nulo e

do anulável:

Nesse, a distinção entre nulidade e anulabilidade é criação técnica, que determina tratamentos diferentes, um dos quais é o da imprescritibilidade das ações de nulidade, ligada à sua irrenunciabilidade. Seja como fôr (sic) é à técnica legislativa que toca discriminar as causas de nulidade e anulabilidade para que se observem os dois regimes, internos ao plano da validade, atendida as modificações que se entendam, na lei, indispensáveis.

Pereira131, assevera que no negócio jurídico anulável não há interesse público,

mas apenas o interesse das partes envolvidas diretamente no negócio, que são

também os legitimados para pleitear a anulação.

129 MIRANDA, 2012, p. 112 130 Ibid., p. 92. 131 “Não tem o mesmo alcance da nulidade, nem traz o mesmo fundamento a anulabilidade do negócio jurídico. Nela não se vislumbra o interesse público, porém a mera conveniência das partes, já que na sua instituição o legislador visa à proteção de interesses privados. O ato

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Humberto Theodoro Junior132, afirma que o vício que não chega ao grau de

essencialidade, torna o negócio jurídico anulável:

Às vezes o grau de invalidade não é total (pleno), pois o ato tem poder de gerar efeitos jurídicos, embora possa ser invalidado a requerimento de um dos seus sujeitos, em virtude de algum vício que não chega ao nível da falta de requisitos essencial, mas que compromete sua plena eficácia. Configura-se, então, o ato jurídico anulável.

A investigação sobre o plano da validade do negócio jurídico é indispensável

nos casos em que há intervenção do judiciário nos requisitos de validade do negócio

jurídico.

Isso porque, como foi visto na análise do negócio jurídico, dependendo do tipo

de invalidade, tem-se um tratamento. A nulidade – a invalidade dita absoluta – pode

ser arguida a qualquer tempo, podendo inclusive ser alegada de ofício, quando o juiz

conhecer do negócio e não convalescendo no tempo.

A anulabilidade, entretanto, o vício menos gravoso, pode ser sanado e tem sua

legitimidade restrita entre as partes. A reivindicação de anulabilidade é atingida pelo

decurso do tempo, conforme prazos prescricionais previstos.

3.1.4 Aplicações da lei 6.404/76 – especificamente as disposições sobre a

assembleia geral

A Lei 6.404/76, destinou o Capítulo XI para disciplinar o procedimento da

assembleia geral. No decorrer do capítulo, o legislador determinou: a) competência

sobre a matéria; b) competência para convocação; c) regras para convocação e local

de realização (art. 124); d) quórum de instalação (art. 125); e) Legitimidade e

é imperfeito, mas não tão grave nem profundamente defeituoso, como nos casos de nulidade, razão pela qual a lei oferece ao interessado a alternativa de pleitear a obtenção de sua ineficácia, ou deixar que os seus efeitos decorram normalmente, como se não houvesse irregularidade, o que se reflete no problema dos efeitos, e veremos no n° 111, infra. Daí ficar restrita a legitimação para postulação do decreto anulatório às pessoas que intervêm originariamente no ato, ou ainda em certos casos às que lhes sucedam em direitos, quer por sub-rogação inter vivos, quer por sucessão causa mortis, ou também a determinados terceiros que lhes sofram as consequências (como o credor prejudicado pela alienação fraudulenta)”. PEREIRA, 2011, p. 535-536. 132 THEODORO JÚNIOR, 2000, p 27

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representação (art. 126); f) livro presença (art. 127); g) quórum das deliberações (art.

129); h) ata da assembleia (art. 130).

Sobre a natureza jurídica da assembleia geral, Modesto Carvalhosa133 afirma

que:

A assembléia (sic) geral é um órgão integrante do regime de organização interna da companhia, estabelecido por lei, com funções deliberativas e de verificação da legalidade e legitimidade (abuso, desvio de poder) dos órgãos de administração social. Forma com a diretoria, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal os órgãos necessários da companhia. O conselho de Administração somente não será obrigatório em companhias fechadas, com regime de capital fixo (art. 138).

Importante ressaltar, que a busca pela aplicação da Lei 6.404/76 de modo

supletivo, é apenas para preencher a lacuna deixada pelo legislador na Lei

11.101/2005, nesse caso, especialmente no que refere à assembleia geral, órgão

deliberativo.

Sobre as deliberações da assembleia geral, Modesto Carvalhosa134 alega que:

As deliberações sociais são declarações da vontade coletiva e da companhia e, nesse sentido, entram na categoria dos negócios jurídicos. Trata-se de um negócio jurídico unilateral, formado pela coincidência de vontades individuais que se fundem para expressar a vontade coletiva. Constitui, com efeito, um negócio unitário, porque emana de um colégio também unitário.

Erasmo Valladão A. e N. França135, ao comentar a alteração legislativa no

Código Civil Italiano, no que concerne às sociedades de capitais e sociedades

cooperativas, principalmente, a alteração no sistema de invalidades das deliberações

assembleares, afirma que o Brasil é um dos países mais atrasados em relação à

matéria.

133 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, 2ª volume: Artigos 75 a 137. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 609. 134 CARVALHOSA, 2008, p. 613. 135 O Brasil, com efeito, é um dos países mais atrasados com relação a matéria, pautando-se a nossa Lei de S/A por um sistema de invalidades em franca dessincronia com as exigências do direito societário (e do mercado de capitais), que, pelas suas peculiaridades, deve afastar-se do direito comum. FRANÇA, 2006, p. 12-24.

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O autor, ainda afirma que o sistema de invalidades, no direito societário, deve

afastar-se do direito comum, principalmente no que diz respeito aos prazos de

anulação das deliberações, devendo ser drasticamente encurtado.

A observação do autor, decorre do prazo previsto no artigo 286136 para pleitear

a anulação das deliberações da assembleia geral. Segundo França137,

Não há qualquer dúvida de que a adoção de um regime de anulabilidade, diverso do que o regime comum, e prescritível em prazo mais abreviado, visa atender a uma necessidade prática de estabilidade das deliberações assembleares, a fim de não ficarem estas expostas, durante longo tempo, aos azares decorrentes da eventual propositura de uma ação anulatória.

A abreviação do prazo prescricional é indispensável para que os acionistas

possam ter uma maior segurança jurídica. Imagine-se o caso em que um acionista

busque a anulação do conclave: poderá fazê-lo até 1 ano e 11 meses e 29 dias após

sua realização; considerando que o processo e seus recursos levem mais dois anos

até a serem julgados e exauridas as possibilidades de recurso, a assembleia estará

suscetível à anulação138.

Entretanto, mesmo com as críticas apresentadas ao sistema de invalidades da

Lei 6.404/76, é imperiosa a aplicação subsidiária ao diploma falimentar, isso porque,

este é completamente omisso a qualquer possibilidade de invalidação da assembleia

geral de credores.

3.1.5 Invalidades da assembleia geral e o regramento previsto na Lei das S.A.

136 Lei n° 6.404/76, Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação. 137 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Invalidade das deliberações de assembléia das S.A. São Paulo: Malheiros, 1999. 152 p. 138 França, ilustra a situação da seguinte forma: “Imagine-se as hipóteses de aumento de capital por subscrição pública no Brasil. Os investidores subscrevem o aumento, que posteriormente é homologado, sendo emitidas as ações correspondentes. Passados um ano, onze meses e vinte nove dias da primeira assembleia (sic), um acionista ingressa com ação anulatória. Após anos e anos de disputa judicial, a demanda é julgada procedente anulando-se o conclave ou a deliberação. Quid juris? Anulam-se também as ações emitidas em decorrência do capital? Como devem proceder os adquirentes das ações? Como devem proceder os terceiros que com eles negociaram, pelo menos até a propositura da ação de anulação? Sofrem as consequências da anulação? Quantos prejuízos, enfim uma situação como essas não traz ao mercado? FRANÇA, 2006, p. 13.

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Quando se trata de assembleias, designadamente no Direito Comercial, o que

se tem como regulamento mais completo é a Lei do anonimato, que, ainda assim, não

atende de modo pleno as questões tocantes às invalidades, obrigando os operadores

do direito a interpretarem a lei do modo mais adequado possível.

Para compreender o que vêm a ser as invalidades previstas na Lei 6404/7, faz-

se importante transcrever os artigos 115 e 286139:

Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. § 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. § 2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6º do artigo 8º. § 3º o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. § 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.

Sobre a previsão legislativa do artigo 286, faz-se coerente abordar a

interpretação tecida por França140:

Para logo se verifica que o legislador confundiu, na referida disposição legal, três espécies diversas de vícios, a saber: Vícios da própria assembleia – que pode ter sido irregularmente convocada (ou mesmo não convocada) ou instalada, por força de violação da lei ou do estatuto, hipótese em que o vício, obviamente, atingirá todas as deliberações que nela forem tomadas; Vício das deliberações – nessa hipótese os vícios dizem respeito às próprias deliberações assembleares, que podem ter sido tomadas, todas ou algumas delas apenas, com violação da lei ou do estatuto. Vício do voto – nessas hipóteses, um ou alguns dos votos que concorreram para a formação da deliberação (ou mesmo todos eles. Em alguns casos), podem ter

139 LEI No 6.404, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1976. 140 FRANÇA, 1999, p. 152.

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sido viciados em razão de erro, dolo, fraude ou simulação (ou, ainda, em virtude da incapacidade dos votantes, ou de violação do disposto nos §§ 1os do art. 115 e do art. 134, ou no § 2º, do art. 288). São completamente distintos, pois, os vícios agrupados no art. 286 da Lei n. 6.404/76, levando, outrossim, a consequências diversas.

A perspectiva proposta pelo autor para tratar as invalidades da Lei da

sociedade anônima, é a divisão em três tipos de situações: a) vícios da assembleia;

b) vícios das deliberações; e c) vícios de voto; é esta a mesma proposta do autor para

enfrentar as invalidades e lacunas da Lei 11.101/2005.

Tulio Ascarelli141, entende que as deliberações manifestam a vontade da

sociedade, contudo, essa manifestação deriva das declarações individuais, que foram

a vontade da sociedade.

Nesse sentido, faz-se importante analisar as observações de Bruno Robert142:

O direito do sócio dentro da organização societária é restringido pelos interesses da sociedade, e seu voto pode defender o interesse individual do acionista apenas enquanto não prejudica o interesse social. O exercício do voto em conflito com o interesse social não deixa de ser, portanto, uma forma de abuso de direito.

E, assim, sobre os vícios de voto, Guilherme Pereira143 assevera que:

Quando houver vício de voto, a deliberação só será afetada se, excluído o cômputo desse voto, for alterada a maioria que a lei exige. A deliberação será válida, portanto, desde que os votos válidos sejam suficientes para mantê-la. Exemplos de vícios que maculem os votos: incapacidade; vícios de consentimento (erro, dolo, simulação); voto em conflito de interesses (LSA, art. 115, §1º); voto de administrador a respeito dos documentos listados no art. 133 da LSA (LSA, art. 134 §1º); e voto do acionista que, na fusão, pronuncia-se sobre o laudo de avaliação do patrimônio líquido de sociedade de que faz parte (LSA, art. 228, §2).

Como visto alhures, a Lei 6.404/76 trata todas as situações de invalidades no

artigo 286 em conjunto e sem as distinções necessárias de cada ponto.

141 “Na deliberação da assembleia se exprime a própria vontade social. A deliberação, por um lado, deve ser considerada como uma manifestação unilateral de vontade, pois representa justamente a vontade de um único sujeito; por outro lado, porém ela resulta do concurso de outras tantas vontades (votos) diversas, que concorrem justamente em formar a vontade do sujeito-sociedade”. ASCARELLI, Tulio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1945. p. 375. 142 ROBERT, Bruno. As assembleias das S/A: exercício do direito de voto, pedidos públicos de procuração e participação a distância. São Paulo: Singular, 2016. p. 41. 143 PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio. Impugnação de Deliberações de Assembleia das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 58.

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França144, assegura que a nulidade como sanção só pode existir quando a

norma violada for taxativa ou matéria de ordem pública; não podendo ocorrer quando

permitir alguma margem para interpretação, ou quando meramente exemplificativa.

Nessa perspectiva, a aplicação da penalidade de nulidade somente poderia ser

imposta quando a norma violada tratar de ordem pública.

O sistema de invalidades, no direito societário, deve apartar-se do direito

comum, entre outros pontos, quanto ao prazo das deliberações, que deve ser

drasticamente encurtado, devido à necessidade de estabilidade daqueles atos, que

não podem ficar por longo tempo expostos à invalidação, em face dos prejuízos que

essa situação de incerteza pode acarretar ao regular o funcionamento da empresa

societária e, sobretudo, em se tratando de companhias abertas, do mercado de

capitais.

Guilherme Pereira145, explica que havendo violação da norma legal ou mesmo

estatutária, sendo violadas as formalidades de uma assembleia, a mesma deverá ser

anulada e por consequência suas deliberações também.

França146, argumenta que o problema não está na redução das hipóteses

judiciais de invalidades, e sim na redução do prazo para arguição das invalidades.

Como é possível verificar, até mesmo no que diz respeito às invalidades

previstas na Lei 6.404/76, há muito a se discutir. Entretanto, o que se pretende é a

aplicação do que for possível para uma busca de parâmetros de invalidades das

deliberações da assembleia geral de credores, prevista na Lei 11.101/2005, e não

exaurir o tema das invalidades da sociedade anônima.

3.2 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E SUA FUNÇÃO SOCIAL

144 FRANÇA; ADEMAK, 2012. 145 Portanto, não importa se a violação foi de norma legal (LSA, arts. 123/128) ou estatutária, ou de norma cogente ou não cogente: sendo o desrespeito a formalidades procedimentais de uma assembleia (principal, mas não exclusivamente, problemas em convocação e instalação), haverá anulabilidade da assembleia e, consequentemente, de todas as deliberações nela tomadas. PEREIRA, 2013. 146 Ou seja, para esse problema, real e concreto, a solução não está na redução ope judicis das hipóteses de situações invalidantes, mas na diminuição ope legis do prazo para seu exercício em juízo, bem como o aprimoramento da disciplina processual dos litígios societários. FRANÇA; ADEMAK, 2012, p. 27.

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O legislador, ao elaborar a Lei de recuperação judicial e falências, na exposição

de motivos, afirma que a preservação da empresa é um dos princípios norteadores147.

A preservação da empresa é um dos princípios de maior destaque na Lei

11.101/2005, tanto o é, que está positivado no artigo 47 da Lei, citado alhures.

No que concerne à aplicação dos princípios no diploma falimentar, Maria

Celeste Moraes Guimarães148, alega que a referida lei fixou princípios para que deles

pudessem se originar decisões e não regras. Isso porque, em seu entendimento,

somente com os ajustes de hermenêutica é possível evitar constante necessidade de

alteração legislativa.

No que diz respeito ao artigo 47, Hugo Martins Abud149 afirma que o referido

artigo é pedra fundamental da recuperação judicial, resumindo o bem tutelado.

Um dos argumentos mais utilizados, tanto para fundamentar um pedido como

para justificar uma decisão, no âmbito do processo recuperacional, é a preservação

da empresa. Nesse contexto, impende transcrever o seguinte trecho de Hugo Martins

Abud150:

E nesse contexto, a aplicação sistemática deste novel diploma legal deve prevalecer em relação à análise pontual de seus artigos, sempre de forma a favorecer a recuperação da empresa, razão pela qual o artigo 47 da Lei 11.101/2005 deve ser visto como a salvaguarda do operador do direito, não sendo surpresa que no julgamento de todas as questões polêmicas atinentes à interpretação da nova legislação, lá o artigo estará, como fundamento da decisão.

147 Em um breve resumo da elaboração da Lei 11.101/2005, apresentado no primeiro capítulo, destacaram-se os princípios norteadores da LREF, elencados pelo Senador Ramez Tebet, no parecer n° 534/2004. 148 A nova lei, acima de tudo, fixou princípios para que deles possam deduzir não regras, mas decisões. Para tanto, há que se exigir uma nova posição exegética pela doutrina e pela jurisprudência. Estes ajustes dos processos de hermenêutica evita a necessidade, sempre recorrente, de se alterar a lei, quando se encontram obstáculos a sua melhor aplicação. GUIMARÃES, Maria Celeste Moares. Entraves à eficácia da lei de recuperação de empresa em crise. Como superá-los? Revista de Direito Mercantil, Ano XLV (Nova série), p. 155-164, abr./jun. 2006. 149 ABUD, Hugo Martins. O artigo 47 da Lei 11.101/2005. A manutenção da empresa e os três princípios fundamentais da recuperação judicial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 79, ago. 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8244>. Acesso em: dia maio 2017. 150 ABUD, 2010,

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Sobre o princípio da preservação da empresa, importante trazer à baila os

ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho151, que afirma não haver na lei a formulação do

princípio da preservação da empresa, e que o referido princípio é uma construção

jurisprudencial e doutrinária. A conclusão do autor é que “O princípio da preservação

da empresa é legal, geral e implícito”.

Nesse sentido, a preservação da empresa, principalmente na aplicação do

diploma falimentar, passa a desempenhar uma visão mais ampla da situação,

descolando-se da visão entre partes – credor e devedor152.

A utilização do princípio da função social como argumento de intervenção tem

sido recorrente, não somente para decisões de concessão da recuperação judicial,

mas também como fundamento para outras situações no âmbito falimentar.

A lei 11.101/2005, define seu escopo no artigo 47153, onde estipula como base

a preservação da empresa, a função social e o estímulo à atividade econômica.

Maria Celeste Moraes Guimarães154, assevera que mesmo reconhecendo que

a LREF tenha certas limitações, o Estado deve dar guarida ao princípio da função

social da empresa, eis que é o maior interessado na manutenção dos postos de

trabalho.

151 Não há formulação, na lei, do princípio da preservação da empresa. Ele é concluído, pela jurisprudência e doutrina, das normas relacionadas à resolução da sociedade em relação a um sócio (CC, arts. 1.028 e seguintes), desconsideração da personalidade jurídica (CC, art. 50; CDC, art. 28) e recuperação judicial (Lei n. 11.101/2005). Aplicando-se a mais de um capítulo do direito comercial (pelo menos, ao societário e falimentar), não é especial a nenhum deles. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 152 Sobre o descolamento da visão do princípio da preservação da empresa, importa-se a observação de Adriana Valéria Pugliesi Gardino: “Essa percepção provocou inegável deslocamento da análise do direito da crise das empresas, que passou de uma feição meramente privatista (relação entre credores e devedor) para um caráter publicístico, trazendo a empresa (centro de atividade produtiva) pra o cerne de tutela do ordenamento jurídico, ao se buscar disciplina para a manutenção da atividade produtiva, dos postos de trabalho e da preservação da concorrência saudável ao mercado”. GARDINO, Adriana Valéria Pugliesi. A Falência e a Preservação da empresa: Compatibilidade? 2013 – Direito Comercial– Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. 153 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. De novo... 154 Embora se reconheça que a nova lei tenha entraves à sua melhor aplicação, o princípio da função social da empresa deve ser tutelado pelo Estado, que é o primeiro interessado na manutenção dos empregos dos trabalhadores, da atividade produtiva e do crescimento econômico do país. GUIMARÃES, 2006, p. 155.

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Para Viviane Perez155, a “função social da empresa é conceito que pode ser

extraído diretamente do texto Constitucional e admite aplicação direta e imediata,

inclusive condicionadora da atividade empresarial.”.

A autora, defende a ideia de que é necessária a classificação do princípio da

função social em duas vertentes:

pode-se classificar o aspecto da função social da empresa como condicionadora de seu exercício sob duas vertentes, quais sejam: (a) endógena – relativa às relações entre agentes internos da empresa (empregados, sócios e administradores); e (b) exógena – relativas às relações como centro de interesses externos à empresa (soberania, concorrentes, consumidores e meio ambiente).

Viviane Perez156, afirma ainda que,

Como se vê, portanto, o art. 170 da Constituição Federal fornece meios seguros para a compreensão do princípio da função social da empresa enquanto condicionadora da atividade empresarial, seja em sua vertente endógena ou exógena.

No que tange ao princípio da função social, Roberto Claro157 alega que mesmo

que haja divergência sobre a função social da empresa, não se pode esquecer a

importância da mesma para o desenvolvimento econômico, in verbis:

Entrementes, por mais que não se chegue a um consenso a respeito da função social da empresa, e independentemente do rótulo que se queira apresentar, entende-se que ela, a empresa, por ser fundamental à economia e à própria sociedade como um todo, tem papel relevante no seio da comunidade da qual se insere, e sua atividade produtiva interessa ao país. Afastar pura e simplesmente tal fato, aí sim é fechar os olhos a ia realidade mais palpitante. Não obstante o fato de que o mundo vive, em pleno século XXI, uma era de economia globalizada, e cujo final talvez não esteja tão distante, tal como adverte Greenspan (2007), é imperioso destacar que a empresa capitalista deve procurar, sim, o lucro, pois é ínsito à atividade econômica, mas também deve buscar se reproduzir, se tornar perene, mas também com um olhar no princípio da dignidade humana. Assim agindo, e pouco importando o rótulo a que se dê, a empresa certamente passará não só a ser uma entidade importante, como também desenvolverá uma atividade compatível com o que é buscado

155 PEREZ, Viviane. Função Social da Empresa. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 4, p. 141-171, out./dez. 2006. 156 PEREZ, 2006, p.170 157 CLARO, Roberto. Recuperação Judicial – Sustentabilidade e função social da empresa. São Paulo: LTr, 2009. p. 192 -193.

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pela própria Carta Política Brasileira, ou seja, terá um olhar também em relação ao social.

O princípio da função social da empresa, como citado acima, é amplamente

utilizado para interpretação do diploma falimentar. Nesse sentido, José Nadim Homero

Fornari158 afirma que:

Em linhas finais, temos que a preservação da função social da empresa é o aspecto central que deve nortear o processo de recuperação judicial, sendo esta a primeira regra a ser cumprida pelo devedor, que, por ser o destinatário dessa regra de conduta, deverá suportar inteiramente as virtudes e vicissitudes do seu ato.

Ainda sobre a função social da empresa, Fábio Ulhoa Coelho159 ressalta que a

empresa cumpre sua função quando gera empregos, tributos, riqueza e assim

contribui para o desenvolvimento da comunidade em que atua. Conclui o autor,

afirmando que o princípio da preservação da empresa é constitucional, geral e

implícito.

Logo, tem-se o princípio constitucional da função social da empresa e o

princípio da preservação da empresa, este positivado no próprio diploma falimentar.

Jorge Lobo160, interpretando o artigo 47, afirma que a recuperação judicial é um

instituto fundado na ética da solidariedade, visando superar o estado de crise, tendo

como objetivo principal a preservação dos negócios e o estímulo à atividade

empresarial, assegurando a fonte geradora de empregos.

Sobre a preservação da empresa, transcreve-se uma importante observação

tecida por João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea161:

158 FORNARI, 2015, p.154 159 “Cumpre sua função social a empresa que gera empregos, tributos e riqueza, contribui para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, adota práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeito aos direitos dos consumidores. [...] O princípio da função social da empresa é constitucional, geral e implícito.”. COELHO, 2012, p.280 160 Recuperação judicial é o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade, que visa sanear o estado de crise econômico-financeira do empresário e da sociedade empresária com a finalidade de preservar os negócios sociais e estimular a atividade empresarial, garantir a continuidade do emprego e fomentar o trabalho humano, assegurar a satisfação, ainda que parcial e em diferentes condições, dos direitos e interesses dos credores e impulsionar a economia creditícia, mediante a apresentação, nos autos da ação de recuperação judicial, de um plano de reestruturação e reerguimento, o qual, aprovado pelos credores, expressa ou tacitamente, e homologando e obriga a todos os credores a ela sujeitos, inclusive os ausentes, os dissidentes e os que se abstiverem de participar das deliberações da assembléia (sic) geral. LOBO, 2007, p. 119-120. 161 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 72-73.

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A empresa é a célula essencial da economia de mercado e cumpre relevante função social, na medida em que, ao explorar a atividade prevista em seu objeto e ao perseguir seu objetivo – o lucro –, promove interações econômicas (produção ou circulação de bens ou serviços) com outros agentes do mercado, consumindo, vendendo, gerando empregos, pagando tributos, movimentando a economia, desenvolvendo a comunidade em que está inserida, enfim, criando riqueza e ajudando no desenvolvimento do País.

Função social da empresa e preservação da empresa são princípios distintos.

Como visto, a função social da empresa é um princípio constitucional, extraído

principalmente do artigo 170 da Constituição Federal162.

De outra banda, o princípio da preservação da empresa é extraído, de modo

positivado no parecer n. 534 do projeto da Lei 11.101/2005, assim como do próprio

texto legal, no seu artigo 47 – transcrito anteriormente.

Nesse aspecto, pode-se alegar que a preservação da empresa é um princípio

corolário da função social da empresa. Logo, a empresa não cumprindo sua função

social não há por que buscar a preservação da mesma.

A utilização do princípio da função social como argumento de intervenção tem

sido recorrente, não somente para decisões de concessão da recuperação judicial,

mas também como fundamento para outras situações no âmbito falimentar.

162 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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4 CRITÉRIOS DE INVALIDADES E VÍCIOS DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES

A partir da obra de Vasco Lobo – que faz uma análise sobre as invalidades e

ineficácias da assembleia geral das sociedades anônimas, e, de modo paralelo, à obra

de Erasmo Valladão Novaes e França, que trabalha as invalidades da assembleia da

S.A. e a aplicação do regramento previsto para as S.A. na assembleia geral de

credores, órgão, previsto na Lei de recuperação judicial – é que se constrói este

trabalho.

Em se tratando de invalidade (lato senso) da assembleia geral de credores,

França163 argumenta que:

Como tudo o que diz respeito à problemática questão da invalidade da Assembléia (sic) e suas deliberações, a imprevidência do legislador brasileiro segue sendo exemplar. Na Lei 11.101/2005 aliou-se a imprevidência à insensibilidade, como se verificará. Não há uma disciplina geral das invalidades relativas à assembléia geral de credores, cuidando a lei apenas de uma hipótese especial no §2º do artigo 39 e aludindo à “invalidação de deliberação de assembléia” no § 3º do mesmo artigo. Só. Como também não há regulação da matéria seja na parte geral, seja na infeliz parte societária do novo Código Civil, que deve ser aplicado subsidiariamente, as dificuldades trazidas ao intérprete são quase intransponíveis.

Como pode-se observar, o autor tece uma crítica extremamente ácida quanto

à omissão legislativa, no que diz respeito a invalidades da assembleia geral de

credores.

Isso porque, a lei é lacunosa, o que dificulta muito sua aplicação e, por

consequência, o cumprimento de seu principal escopo, a preservação da empresa.

França faz a seguinte distinção, no que concerne às invalidades stricto sensu:

163 FRANÇA apud SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2005 p. 190.

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Na categoria de invalidade, como se sabe, incluem-se a nulidade, disciplinada nos arts. 166 a 170 e a anulabilidade, nos arts. 170 a 182, todos do Código Civil, sendo a consequência de ambos os vícios idêntica: “Anulado o negócio jurídico”, diz o art. 182, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o “equivalente”. Mas, enquanto a nulidade é imprescritível (art. 169), podendo ser alegada por qualquer interessado, pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, e até de ofício, pelo juiz, que não pode supri-la ainda que a requerimento das partes (art. 168 e parágrafo único), a anulabilidade é atingida pela decadência em breve prazo (arts. 178 e 179), só podendo ser alegada pelos diretamente interessados (art. 177), e sendo, ainda, suscetível de confirmação (art. 172). A tutela processual da nulidade é, pois, declaratória, e a da anulabilidade, constitutiva negativa ou desconstitutiva.

França164, ao analisar o artigo 286 da Lei 6.404/76, dispositivo que trata das

invalidades, entendeu por necessária a divisão das invalidades em três grupos, os

quais denomina de: a) vícios de assembleia; b) vícios de deliberação; e c) vícios de

voto.

Sobre a divisão proposta, o autor faz o seguinte esclarecimento:

Urge prevenir, porém, que a classificação feita neste item distinguindo entre vícios da assembleia, vícios das deliberações e vícios do voto, deu-se muito mais ao intuito de examinar o assunto em face dos dizeres da nossa lei (art. 286) do que a um critério que se pretenda exatamente científico165.

Apoia-se grande parte da pesquisa nas considerações propostas por Erasmo

Valladão Novaes França, justamente, por ser ele o responsável pela divisão das

invalidades dessa forma e por propor a aplicação das mesmas estruturas para a

assembleia geral de credores, prevista na LREF.

No primeiro capítulo, seguindo a separação proposta por Erasmo Valladão

Novaes França, foram agrupados os conflitos da assembleia geral de credores,

passíveis de invalidação.

Nesse contexto, imperiosa a transcrição dos ensinamentos de França sobre a

divisão:

Há que distinguir, nessa matéria, três diferentes espécies de vício, com consequências diversas : a) vícios da própria assembleia – que pode ter sido irregularmente convocada (ou mesmo, não convocada) ou instalada, hipóteses em que a sua inviabilidade trará como

164 FRANÇA, 199, 86 165 Ibid., p. 85-86.

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consequência, obviamente, a invalidade de todas as deliberações que nela forem tomadas; b) vícios das deliberações – nessa hipótese, o vício de uma das deliberações não estende às demais, que não sejam viciadas; c) vícios de voto – nessa hipótese, o vício do voto só acarretará p vício de determinada deliberação se o voto foi decisivo para formação da maioria; senão, será irrelevante, só atingindo o próprio voto viciado.

Os conflitos de deliberação foram divididos em três grandes grupos: a) conflitos

relacionados ao direito de voto; b) conflitos cuja base sejam deliberações de caráter

negocial; c) conflitos pertinentes a deliberações sobre aprovação ou rejeição do plano

de pagamento.

A partir dos exemplos elencados nas subdivisões de vícios propostas no

primeiro capítulo e com a conjugação das normas trabalhadas no segundo é que se

pretende finalizar este terceiro e último capítulo do presente trabalho.

4.1 VÍCIOS DE VOTO

No primeiro capítulo deste trabalho, demostraram-se algumas situações de

conflitos que tinham sua origem no voto. O voto é o meio pelo qual os credores emitem

sua declaração de vontade.

Marlon Tomazette166, ao comentar o voto das deliberações da assembleia geral

prevista na Lei do Anonimato, afirma que o voto é a manifestação da vontade ou

entendimento do acionista sob determinada matéria, em que cada ação corresponde

a um voto e que o estatuto pode limitar os votos de cada acionista e, ainda que se

tratando de ações preferenciais, pode haver o veto ao direito de voto.

Na mesma trilha, Erasmo Valladão Novaes França167 interpreta os dispositivos

do código civil sobre a declaração de vontade para enfrentar os vícios de voto:

O voto é declaração de vontade, aplicando-se-lhe normalmente a disciplina dos negócios jurídicos, prevista na Parte Geral, Livro III, Título I do Código Civil. Poderá, assim, ser invalidado em virtude de

166 “O voto é a manifestação da vontade ou do entendimento do acionista a respeito de determinada matéria. A princípio, a cada ação corresponde um voto, mas o estatuto pode impor limitações ao número de votos de um acionista. Além disso, as ações preferenciais podem não ter o direito de voto, ou tê-lo limitado, em face de uma vantagem patrimonial.”. TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 505. 167 FRANÇA, 2006, p. 191.

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nulidade (art. 166 e 167 do CC, incluindo-se aí a hipótese de proibição do direito de voto, prevista no art. 1.074 §2°, por força do disposto no art. 166, VII) ou de anulabilidade (art. 177 do CC). A invalidade do voto, reitere-se, somente acarretará a invalidade da deliberação da assembléia (sic) se for determinante para formação da maioria.

O autor ressalta ainda, que não é possível confundir as invalidades do voto com

as invalidades das deliberações, isso porque, as deliberações estão sujeitas à

anulabilidade e, portanto, com prazo decadencial168.

Os conflitos de voto têm sua principal ocorrência, quando: a) voto por interposta

pessoa; b) credor intransigente. Sobre o voto viciado, certamente, existem outras

situações em que é possível invalidade e/ou vícios de voto.

A Lei 11.101/2005 determina quem são os legitimados a votar no artigo 39169.

São legitimados a votar os credores arrolados no rol de credores, ou seja, os credores

sujeitos à recuperação judicial. Por óbvio, os credores que não se sujeitam à

recuperação não votam.

Os credores em que o valor do seu crédito ou suas condições não sofram

alterações, não terão direito a voto e serão excluídos do cômputo para quórum de

deliberações, regra positivada no artigo 45 §3º da lei 11.101/2005. A não observância

dessa regra, por exemplo, pode ser objeto de invalidade.

O legislador previu a possibilidade de o credor ser representado por

mandatário, por meio de procuração específica a ser entregue diretamente ao

administrador judicial em até 24 (vinte e quatro horas) antes da assembleia.

168 “Não há confundir, outrossim, o regime de invalidade do voto com o regime de invalidade das deliberações. O regime das deliberações é, em princípio, conforme se verá a seguir, o da anulabilidade, sujeita a prazo decadencial. Escoado esse prazo, a declaração de nulidade do voto ou a decretação de sua anulabilidade não poderá mais afetar a deliberação”. SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2006, p. 192. 169 art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7o, § 2o, desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 10 desta Lei. § 1o Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e de deliberação os titulares de créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei. § 2o As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas em razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de créditos. § 3o No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa.

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Outra situação que pode vir a gerar conflitos, no tocante aos votos, pode ser o

pedido de suspensão da assembleia geral de credores. Isso porque, não há previsão

para tal possibilidade e fica em dúvida como os votos devem ser apurados, por maioria

absoluta dos presentes ou quórum qualificado, sistema de votação definido para o

plano de pagamento.

No que diz respeito à possibilidade de suspensão e continuação da assembleia

geral de credores, Luiz Roberto Ayoub e Cassio Cavalli170, afirmam que:

Em razão do princípio da unicidade da assembleia-geral de credores, em caso de interrupção dos trabalhos, não haverá a necessidade de o procurador reiterar o procedimento previsto no art. 37, §4º, da LRF, a cada nova sessão assemblear.

No que concerne às invalidades, o legislador preocupou-se somente com a

possibilidade de modificação do crédito que venha a ocorrer após a deliberação da

assembleia geral de credores que tenha aprovado o plano de recuperação.

No que tange às invalidades da assembleia geral de credores, a lei afirma que

não é caso de invalidade da assembleia geral de credores, decisão judicial posterior

que trate da existência, quantificação ou classificação do crédito, §2º do artigo 39 da

LREF.

Essa precaução se deu para que a assembleia geral de credores possa ser

realizada em um prazo razoável, haja vista que o julgamento de todas as habilitações

e/ou impugnações podem levar tempo.

O sistema de votação, por classes, podendo ser qualitativo e quantitativo, foi

pensado para proteção tanto dos credores como dos devedores. A votação é por

“cabeça” nas classes I e IV e nas classes II e III é por “cabeça” e por valor, artigo 45

e §§ da LREF.

Sobre a possibilidade da existência de conflitos de interesse entre credor e

devedor, França171 assegura que: “A Lei 11.101, infelizmente, não trata da matéria. E

não faltarão hipóteses em que o interesse individual de determinado credor poderá

ser substancialmente conflitante com o da coletividade, a exigir anulação da

deliberação.”.

170 AYOUB; CAVALLI, 2013, p. 281. 171 SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2006, p. 193.

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Bruno Robert172, ao analisar o exercício do direito de voto da Lei 6.404/76,

afirma que:

Além das situações em que há conflito com interesse social, o exercício do voto pode ser considerado abusivo também se afronta direitos individuais de outros acionistas, ainda que, diretamente ao menos, não interfira nos interesses da sociedade.

Sobre possibilidades de conflito de interesses na assembleia geral de credores,

Erasmo Valladão Novaes e França173 trouxe a seguinte ilustração:

Imagine-se, por exemplo, que a credora seja uma indústria de automobilística interessada na falência do devedor, seu concessionário, para passar a concessão a outrem; ou que a credora seja uma empresa interessada na falência de seu agente ou distribuidor (art. 710 cc), igualmente para transferir a outrem a agência ou distribuição de seus produtos; ou ainda, que a empresa credora tenha interesse na falência do seu devedor simplesmente por ser seu concorrente.

Outra situação, que ocorre com frequência, é quando o credor, por possuir

alguma garantia, tem mais interesse na falência do que na própria recuperação.

Os votos viciados podem acarretar um grande impacto não só para o devedor,

como para os demais credores, que somente terão seu crédito honrado com a

recuperação do devedor.

Scalzilli, Spinelli e Tellechea174, afirmam que

O voto é um mecanismo de defesa do interesse creditício, de modo que seu exercício por parte do credor deve estar pautado pela satisfação honesta e leal de seu crédito. Essa é a “finalidade econômica” do voto.

França175, destaca que “a disciplina do voto em conflito de interesses – que é

uma espécie de abuso do direito de voto – destina-se a proteger o interesse do grupo,

sendo assim aplicável tanto ao voto da maioria como da minoria”.

172 ROBERT, 2016, p. 41. 173 SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2006, p. 192. 174 SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2016, p. 207. 175 SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2006, p. 192-193.

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4.2 VÍCIOS DE DELIBERAÇÃO

As invalidades das deliberações, talvez sejam o ponto mais problemático dos

conflitos entre decisões da assembleia e intervenção do judiciário, isso porque, aqui é

necessário que se tenha presente o que é direito disponível e o que vem a ser uma

norma legal posta.

Para França176,

A disciplina da invalidade das deliberações, assim, encontra correspondência no princípio da legalidade: as deliberações contrárias à lei podem ser inválidas. Nulidade ou anulabilidade? Mas, qual a sanção aplicável a uma deliberação tomada contrariamente à lei?

Sobre o controle de legalidade, a orientação do enunciado CJF 44 da 1ª

Jornada de Direito Comercial177, firma o seguinte posicionamento: “A homologação de

plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de

legalidade”.

No primeiro capítulo deste trabalho, de modo ilustrativo, foram demostradas

algumas situações divergentes sob a intervenção do judiciário e suas consequências.

Ricardo José Negrão Nogueira178, assegura que “o princípio da legalidade é

violado no âmbito da norma-objetivo, a própria formulação em descompasso com o

espírito da legislação recuperatória”.

Como referido diversas vezes no curso deste trabalho, busca-se

fundamentação teórica para os conflitos assembleares na Lei do anonimato. Desse

modo, a lição de Guilherme Setoguti Julio Pereira179 merece apreciação:

176 FRANÇA, 1999, p.118 177 Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-de-direito-comercial/livreto-i-jornada-de-direito-comercial.pdf/>. Acesso em: 30 maio 2017. 178 NOGUEIRA, Ricardo José Negrão. O papel do judiciário na homologação do plano. 10 anos de vigência da lei de recuperação e falência: (Lei n. 11.101/2005): retrospectiva geral contemplando a lei n. 13.034/2014 e a Lei Complementar n. 147/ 2014. In: 10 anos de vigência da lei de recuperação e falência: (Lei n. 11.101/2005): retrospectiva geral contemplando a lei n. 13.034/2014 e a Lei Complementar n. 147/ 2014. ANDRIGHI, Fátima Nancy; BENETI, Sidnei; Abrão, Carlos Henrique (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 91-118. 179 PEREIRA, 2013, p. 75.

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No que diz respeito ao vício de deliberação, muda-se de figura. Quando se pretende alterar ilicitamente o estatuto de modo a se estabelecer uma disciplina permanentemente contrária à lei, as deliberações são nulas, pois violam não só os direitos componentes do quadro societário naquele momento, mas também direitos de eventuais e futuros acionistas. Mas há ainda um segundo motivo para esse entendimento: enquanto normas jurídicas, as regras estatutárias submetem-se ao brocado lex superior derogat lex inferiori, de modo que, conflitando com as normas legais, devem prevalecer estas. Não existem normas anuláveis, apenas nulas. Por isso, se uma assembleia ou deliberação viola o direito de um acionista ou mesmo de todos os acionistas em um dado momento, será caso de anulabilidade; se, porém, se pretender estabelecer uma disciplina que viole continuamente a lei, estamos diante de nulidade.

O autor, trata das invalidades da assembleia das sociedades anônimas, nesse

ponto, especificamente, dos conflitos entre estatuto e normas legais. Aqui é possível,

por analogia, comparar o estatuto com o plano de recuperação judicial, eis que ambos

fazem a lei entre as partes.

Na recuperação judicial, é possível que o devedor elabore um plano de

recuperação que venha a afrontar norma cogente ou norma dispositiva. Contudo, a

intervenção do judiciário nas decisões da assembleia geral de credores só deve

ocorrer quando houver violação de norma cogente.

Quanto à possibilidade e até mesmo necessidade de intervenção do judiciário

nas decisões da assembleia geral de credores, a matéria é pacífica. Se seguida a

taxatividade de Lei sem a intervenção do judiciário, o diploma falimentar estaria fadado

ao completo fracasso.

Apresentam-se, todavia, outros problemas: qual o limite da intervenção? Em

quais questões o judiciário pode intervir? Em matéria falimentar, quais são os direitos

disponíveis?

Nesse sentido, o informativo n. 0549, já citado no curso deste trabalho,

proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, alega que o estado/juiz não tem

capacidade de analisar a viabilidade econômica da recuperanda; entretanto, compete

ao judiciário o controle de legalidade do plano.

Ricardo Negrão Nogueira180, afirma que

O plano é, numa visão externa à empresa, o meio pelo qual o devedor em crise apresenta aos credores sua compreensão acerca da

180 NOGUEIRA, 2015, p. 92.

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extensão desse seu estado deficitário e o modo pelo qual pretende convencê-los a colaborarem a superá-lo.

Nesse diapasão, é patente que o plano de recuperação é um documento de

grande importância no processo de recuperação judicial; é o plano de recuperação

que tem força para modificar as cláusulas contratuais estabelecidas, e com base

nesse documento, com a aprovação dos credores, que se opera a novação das

dívidas e as repactuações, sem as quais a empresa não conseguiria prosseguir ativa.

As cláusulas do plano de recuperação são elaboradas pelos credores, e por

isso sujeitas a invalidades e nulidades. Nessa trilha, França181 tece a seguinte

observação:

Além das categorias mencionadas, há ainda a da ineficácia. Consiste a ineficácia na inaptidão do ato jurídico, de produzir efeitos. Dessa maneira geral, pode-se dizer que são ineficazes as deliberações que alterem, ou sejam suscetíveis de alterar, direitos especiais de credores ou direitos de terceiros antes que estes consintam. Imagina-se a hipótese de ser aprovado um plano de recuperação judicial, por exemplo, que implique alteração da variação cambial de determinadas obrigações do devedor. Tal deliberação só produzirá efeitos se os credores das mesmas concordarem (§2º. Do art. 50). Do contrário a deliberação pode até ser válida, mas é ineficaz. 190

Nesse ponto, o referido autor nos apresenta um exemplo de uma cláusula que

pode ser válida e ao mesmo tempo ineficaz, qual seja, a clausula que prevê a

alteração cambial de algum credor ausente ou que venha discordar, é válida mas

ineficaz.

Nessa trilha, Vasco Lobo Xavier182 assegura que:

Refiro-me às deliberações ineficazes (scrito senso) ou com eficácia suspensa. Elas não são anuláveis – pois não se necessitas da ação anulatória para serem privados os efeitos a que tendem – nem são nulas – pois a produção dos mesmos efeitos não está absolutamente excluída. O que sucede é que a sua eficácia se encontra suspensa ou pendente enquanto não sobrevier um dado requisito.

181 FRANÇA, 2006, p. 190. 182 XAVIER, Vasco da Gama Lobo. Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no direito português, constituindo e constituendo: confronto com o direito espanhol. Boletim da faculdade de direito.

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Nesse ponto, o autor esclarece sobre as deliberações ineficazes, isso porque,

para elas não há necessidade de ação anulatória, por não produzirem efeitos

imediatos, dependendo de condições para que venham a ter eficácia plena.

4.3 VÍCIOS DE ASSEMBLEIA

Erasmo Valladão França, em sua classificação, explicou que os vícios de

assembleia são aqueles decorrentes da instalação e convocação183.

A convocação da assembleia é de competência do juízo, e se dá por edital

oficial, devendo ainda ser publicada em jornais de circulação nos locais da sede e das

filiais da recuperanda184.

Além da obrigatoriedade da publicação de edital, a Lei determina o conteúdo

obrigatório do mesmo: a) local, data e hora da 1ª e 2ª convocação, sendo que a 2ª

não pode ser convocada com prazo inferior a 5 dias da primeira; b) ordem do dia; c)

local onde os credores poderão obter cópia do plano de recuperação que será

submetido à votação; d) também devem ser fixadas na sede e filiais da recuperanda

cópias do aviso de convocação.

Para instalação da assembleia geral de credores, a Lei determina que em

primeira chamada estejam presentes mais da metade dos credores de cada classe

183 “Fiquemos naqueles que acarretam a invalidade da própria Assembléia (sic): irregularidade de convocação ou instalação. A Assembléia (sic) é convocada com prazo inferior ao da Lei 11.101 (art. 36)”. SOUZA JUNIOR; PITOMBO, 2006, p. 187 184 O caput do artigo 36 determina a publicação e seus incisos o conteúdo obrigatório: “Art. 36. A assembléia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá: I – local, data e hora da assembléia em 1a (primeira) e em 2a (segunda) convocação, não podendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1a (primeira); II – a ordem do dia; III – local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de recuperação judicial a ser submetido à deliberação da assembléia. § 1o Cópia do aviso de convocação da assembléia deverá ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do devedor. § 2o Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral. § 3o As despesas com a convocação e a realização da assembléia-geral correm por conta do devedor ou da massa falida, salvo se convocada em virtude de requerimento do Comitê de Credores ou na hipótese do § 2o deste artigo.

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computados por valor185. O administrador judicial é o responsável por presidir a

assembleia e automaticamente por apurar o quórum de instalação, assim como as

votações.

E já na convocação podem ocorrer vícios que venham a acarretar nulidades ou

anulabilidades da assembleia geral de credores. Nessa trilha, Luiz Roberto Ayoub e

Cássio Cavalli186, afiançam que:

De regra, a não observância dos quoruns de instalação conduzirá a nulidade da deliberação assemblear. No entanto, já se autorizou a concessão de recuperação judicial de empresa cujo plano foi aprovado em assembleia-geral de credores instalada sem que se alcançasse o quorum de instalação de mais da metade dos créditos de cada classe, previsto no art. 37 §2º da LRF, sob o fundamento de que “a ata respectiva registra ampla aprovação do plano pelos credores presentes (100% das classes trabalhistas e com garantia real e 90, 24% dos credores quirografários, além do voto favorável de 32 dos 34 que compareceram187.

Analisando os acórdãos citados pelos autores, observa-se que ambos têm

como plano central a verificação do quórum de instalação, mas sob ângulos

diferentes. No primeiro, que declarou a nulidade, a assembleia foi instalada sem a

presença do credor da classe II, composta por um único credor. Da apreciação, é

possível concluir que a apuração do quórum se deu por mais da metade dos créditos

do total da recuperação judicial. No caso, foi declarada a nulidade do conclave.

185 Art. 37 A assembléia será presidida pelo administrador judicial, que designará 1 (um) secretário dentre os credores presentes. [...] § 2o A assembléia instalar-se-á, em 1a (primeira) convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em 2a (segunda) convocação, com qualquer número. 186 AYOUB; CAVALLI, 2013, p. 269. 187 Os autores citam dois julgados para ilustrar seus comentários. Para que se compreenda de modo fidedigno a citação, imperiosa a transcrição dos julgados: a tais considerações: o primeiro julgado é oriundo do TJMT, AI 81619/2010, 5ª. Câmara Cível, julgado em 09.02.2011. Relator. Juiz Antônio Horácio da Silva Neto (decidindo que “há de ser mantida a decisão que decretou a nulidade da assembleia geral de credores, com base no art. 37 §2º, da Lei Federal 11.101/2005, o qual estabelece que a sua instalação se dará em 1.ª (primeira) convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados por valor, e, em 2ª (segunda) convocação, com qualquer número”). Agora, o outro exemplo apresentado pelos autores é um julgado do TJSP, AI 592.135-4/4-00, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, julgado em 01.04.2009, relator Desembargador José Araldo da Costa Telles (afirmando: a “[V]erificação do quorum que deveria ter levado em conta o crédito do agravante. Recuperação Judicial. Assembleia instalada e realizada em primeira convocação sem o quorum mínimo estabelecido em lei. Anulação que não se decreta por aplicação, ao caso concreto, do art. 58§1º da NLF”. No caso, porém, havia “[a] usência completa, ademais, de prejuízo para o reclamante”).

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O segundo exemplo, em que o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que

não era caso de decretar a nulidade do conclave, tinha como objeto a irresignação de

um credor que alegou irregularidade na verificação do quórum de instalação, em

decorrência da reclassificação de crédito concedida pela administradora judicial, em

assembleia.

Salvo as peculiaridades de cada caso, a discussão era a mesma, irregularidade

na verificação do quórum de instalação. No primeiro julgado, o entendimento foi no

sentido de declarar a nulidade da assembleia geral de credores. Entretanto, no

segundo a decisão foi manutenção da assembleia; nesse sentido, imperiosa a

seguinte transcrição do julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Apesar da constatação, tenho que não é o caso de se anular a assembléia, considerando que a ata respectiva registra ampla aprovação do plano pelos credores presentes (100% das classes trabalhista e com garantia real e 90,24% dos quirografários, além do voto favorável de 32, dos 34 que compareceram). É que, como assinalou esta Câmara em hipótese parelha, as circunstanciais do caso recomendam que não seja anulada a assembléia, tendo-se em conta que o art. 58, § Io, I, da NLF, permite ao juiz conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve a aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa, as situações previstas em seus três incisos, entre os quais o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes.

A argumentação para validação da assembleia geral de credores eivada de

vícios se deu com base no artigo 58 §1 da lei 11.101/2005, que originalmente tem o

objetivo de conceder a recuperação judicial de um plano que não tenha sido aprovado

em todas as classes.

O ponto de preocupação aqui, é saber qual fim sofrerá o vício, se será nulo ou

anulável. A lei 11.101/2005 é completamente silente quanto ao assunto.

A questão passa, assim, pela aplicação supletiva do Código Civil e/ou da Lei

das Sociedades Anônimas, vista no capítulo antecessor.

Com a aplicação do artigo 166 incisos IV: “art. 166: é nulo o negócio jurídico

quando: [...] IV: não revestir a forma prescrita em lei”, que compreende exatamente as

hipóteses de vícios de convocação e instalação; logo, acarretaria a nulidade da

assembleia geral de credores. E, sendo um vício sujeito a nulidade não convalesceria

no tempo (artigo 166 Código Civil).

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Ocorre que a Lei 6.404/76, no seu artigo 286, prevê a anulabilidade para

assembleias convocadas e/ou instaladas de modo irregular, e ainda determina o prazo

prescricional de dois anos para a propositura da referida ação.

Nesse âmbito, Guilherme Setoguti Julio Pereira188 certifica que:

Portanto, não importa se a violação foi de norma legal (LSA, arts. 123/128) ou estatutária, ou de norma cogente ou não cogente: sendo o desrespeito a formalidades procedimentais de uma assembleia (principal, mas não exclusivamente, problemas em convocação e instalação), haverá anulabilidade da assembleia e, consequentemente, de todas as deliberações nela tomadas.

Portanto, os vícios da assembleia devem ter como consequência a

anulabilidade com a aplicação do prazo prescricional de dois anos, previsto no artigo

286 da Lei n. 6.404/76.

5 CONCLUSÃO

Neste trabalho, buscou-se analisar os pontos conflitantes entre as decisões da

assembleia geral de credores e a intervenção do juiz nas decisões. Para isso, como

188 PEREIRA, 2013, p.75

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exposto alhures, utilizou-se fortemente os ensinamentos de Erasmo Valladão Novaes

França.

Para que se pudesse encontrar um caminho para enfrentar o problema

proposto, a solução encontrada foi analisar quais normas poderiam contribuir com a

construção dessa solução.

Logo, passou-se a seguir a divisão das invalidades e vícios proposta por

Erasmo Valladão Novaes França na Lei de S.A., e que o próprio autor apresenta como

alternativa para enfrentar as lacunas deixadas pelo legislador na Lei 11.101/2005.

Atualmente, não há regulação específica sobre as invalidades da assembleia

geral de credores, e pouco se fala sobre o assunto. Talvez, por ser um ambiente

repleto de incertezas e inseguranças, até mesmo no mundo acadêmico.

No que tange às invalidades e nulidades da assembleia geral de credores, não

há parâmetros. Como visto no decorrer do presente estudo, em diversas situações há

decisões conflitantes sendo proferidas nos Tribunais.

Entretanto, é indispensável o enfrentamento da matéria tendo em vista o alto

impacto, tanto para credores e devedores como para a sociedade de modo geral –

isso em decorrência dos desmembramentos do processo falimentar.

Nesse sentido, sobre a importância de interpretar o instituto da recuperação

judicial, viabilizando a intervenção do Estado/Juiz, faz-se importante transcrever o

raciocínio de Viviane Perez189:

Para que se possa salvar o novo sistema da recuperação judicial do vício de integral inconstitucionalidade, portanto, é preciso, ao menos, interpretá-lo conforme a Constituição, para que os arts. 56 e 58 da Lei de Falências não excluam um exame do Poder Público sobre a plausibilidade do projeto de recuperação ofertado pelo empresário. Em outras palavras, deve-se admitir que o juiz, casuisticamente, e animado pelos demais interesses que informam a preservação da empresa, possa conceder a recuperação judicial ainda que sem o consentimento da maioria dos credores. Ausente a interpretação conforme desses dispositivos, não terá sido atendido o princípio da função social da empresa e sua vertente incentivadora.

Na mesma trilha sobre a intervenção ou não do judiciário no diploma falimentar,

Eduardo Sechi Munhoz190 defende que o importante não é discutir se o sistema deve

189 PEREZ, 2006, p.143 190 “Não se trata de debater se o melhor sistema é aquele que atribui maior poder ao juiz, ou o que confere maior poder aos credores. Importa estudar as regras procedimentais que deverão conciliar esses poderes, definindo balizas e requisitos na lei aptos a conduzir a

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dar mais ou menos ao juiz, e sim encontrar sistemas com regras procedimentais que

possam conciliar poderes, buscando resultados condizentes com a manutenção das

empresas viáveis e liquidação rápida das inviáveis.

Sobre a importância da empresa, Ecio Perin Junior191 constrói o raciocínio da

empresa como um bem social:

E mais: a empresa atual não constitui apenas o instrumento jurídico da atividade lucrativa dos sócios ou uma fonte abastecedora da remuneração dos trabalhadores. Com maior ou menor preponderância, a empresa passou a ser peça fundamental da atividade produtiva nacional e um decisivo elemento, quer de economia regional, quer de vida local. Desta forma, a eliminação judicial da empresa representa uma verdadeira agressão ao equilíbrio social, de que o Estado não poderá se desinteressar.

Ao analisar a função social da empresa, construindo o raciocínio a partir do

artigo 170 da Constituição Federal, Viviane Perez192 tece o seguinte comentário:

Ora, não parece coadunar com os ditames da função social da empresa que a decisão sobre sua continuidade recaia exclusivamente sobre os credores, sem maiores considerações sobre os demais interesses envolvidos. Isso porque, como o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer, ainda sob o regime anterior, quando vigorava o mecanismo equivalente da concordata, o processo falimentar não deve servir a interesses pessoais dos credores. Não é possível, portanto, que a decisão sobre a viabilidade da recuperação judicial da empresa seja relegada a um único grupo de interesses, os credores, sem sopesar os interesses da sociedade. Entendimento contrário levaria à negação do princípio da função social em seu âmago: o exercício de um direito deve estar condicionado aos “interesses maiores da sociedade”, que no caso da empresa encontram expressão do art. 170 da CF.

Reconhecendo a necessidade da empresa para o Estado, isso como fonte

geradora de riqueza, tem, o Estado, praticamente obrigação em preocupar-se com a

situação e a manutenção da empresa. Nessa trilha, Saulo Mendonça193 tece

considerações de modo específico à contribuição do Estado em relação às normas

fiscais:

resultados condizentes com a recuperação das empresas viáveis e com a liquidação célere das empresas inviáveis.”. MUNHOZ, 2007, p.199 191 PERIN JUNIOR, 2006, p. 176. 192 PEREZ, 2006, p. 149. 193 MENDONÇA, Saulo Bichara. Do comedimento à eficácia do plano especial de recuperação judicial de microempresas e empresas de pequeno porte. Revista de Direito Empresarial – RDEmp, Belo Horizonte, ano 11, n. 2, p. 225-236, maio/ago. 2014.

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Por fim, se ao Estado é de fato interessante e conveniente viabilizar a superação a situação de crise econômico-financeira do empresário devedor, a fim de assegurar a manutenção da fonte produtora, dos empregos e dos postos de trabalho, dos interesses dos credores, promovendo assim, a continuidade de empresa e sua preservação, em atenção à sua função social e o necessário estímulo à atividade econômica, nada mais razoável que flexibilizem as regras fiscais para empresas recuperandas, em especial microempresas, em tributo à isonomia.

De tudo que foi visto até aqui, pode-se afirmar que não compete ao Estado

analisar a viabilidade econômica da empresa e tão somente exercer o controle de

legalidade.

Ocorre que, até o momento, não se sabe o que é o “controle de legalidade”. O

controle de legalidade, pode ser entendido como o controle da norma cogente; mas,

ainda assim, tem-se dificuldade na elaboração de um conceito claro para exercido

desse controle.

No recurso especial Nº 1.314.209 - SP (2012/0053130-7), a Ministra do

Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrigui, expõe as seguintes considerações sobre

o controle de legalidade:

A obrigação de respeitar o conteúdo da manifestação de vontade, no entanto, não implica impossibilitar ao juízo que promova um controle quanto à licitude das providências decididas em assembleia. Qualquer negócio jurídico, mesmo no âmbito privado, representa uma manifestação soberana de vontade, mas que somente é válida se, nos termos do art. 104 do CC/02, provier de agente capaz, mediante a utilização de forma prescrita ou não defesa em lei, e se contiver objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Na ausência desses elementos (dos quais decorre, com adição de outros, as causas de nulidade previstas nos arts. 166 e seguintes do CC/02, bem como de anulabilidade dos arts. 171 e seguintes do mesmo diploma legal), o negócio jurídico é inválido. A decretação de invalidade de um negócio jurídico em geral não implica interferência, pelo Estado, na livre manifestação de vontade das partes. Implica, em vez disso, controle estatal justamente sobre a liberdade dessa manifestação, ou sobre a licitude de seu conteúdo.

Provavelmente, o caminho para suprir a lacuna deixada pelo legislador, deve

ser feito com base na exposição do voto acima transcrito, juntamente com as

definições dos tipos de invalidade e vícios, partindo-se então para, mais uma vez, uma

construção de jurisprudência em face às omissões da Lei.

O que se pretende com este trabalho é reforçar a importância de parâmetros

para as intervenções judiciais nas decisões da assembleia geral de credores,

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buscando-se também ressaltar a urgente necessidade de um regramento adequado

para tratar as invalidades e vícios do conclave, com prazos prescricionais coerentes

com a matéria empresarial.

A criação de normas ou parâmetros até mesmo jurisprudenciais que

compreendam o dinamismo da atividade empresarial é a única maneira para que se

tenha segurança jurídica, indispensável à justiça!

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