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Investigação em /por design Rui Carlos Ferreira Cavadas da Costa Faculdade de Belas Artes Universidade do Porto

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Investigação em /por designRui Carlos Ferreira Cavadas da Costa

Faculdade de Belas ArtesUniversidade do Porto

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Investigação em /por designRui Carlos Ferreira Cavadas da Costa

Dissertação apresentada com vista à obtençãodo grau de Mestre em Arte e Comunicação,sob a orientação do Prof. Pintor António Modestoe co-orientação do Prof. Vítor Martins.Agosto de 2005.

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agradecimentos

Para a execução desta dissertação contribuíram todos quantosme acompanharam, pessoal e profissionalmente, ao longodos últimos anos. À minha família e amigos, a todos é devidoo meu agradecimento.

O meu reconhecimento particular aos orientadores destetrabalho, Prof. António Modesto e Prof. Vítor Martins, pelosaber e disponibilidade.

Um agradecimento muito especial à Gisela.

Uma dedicatória ao projecto mais importante de todos: o João.

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Resumo/Abstract ix

1. Introdução xiiicosa vuoi xiiimetodologia xvi

2. Christopher Frayling: Research in Art & Design 19Introdução 19O Artigo 21Estrutura da Dissertação 27

3. Investigação sobre design 29Introdução 29Design 32

o que é design? 33design: verbo e substantivo 37design e autoria 38design é… 41

Designer 43designer!? 43o designer como actor 44o designer no design 46investigar o inexplicável 48

Projecto 50definições 51a globalidade da prática ou a prática da globalidade 54Projecto e paixão 56

Índice

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Investigação 58o conhecimento e o saber 58ciência e design 60investigação 63investigar design 65

4. Investigação para design 71Introdução 71

a definição de um objecto de estudo 73Projecto 75

programa 75ponto de partida 76a parte de um todo 77características gráficas 78

Conclusão 81

5. Investigação através de design 83Introdução 83

objectivo 84Processo/Projecto 86Conclusão 90

6. Conclusões 93a pertinência deste estudo 93resultados 93o que se propõe 94caminhos possíveis para investigações futuras 95

7. Referências bibliográficas 97

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Este estudo sobre como investigar em/por design surge na sequênciada percepção, que não é nova, de que a investigação académica sesepara do design, desaproveitando aquilo que é a sua prática e osseus produtos; a prática de ateliê não se revê nem se aproveita daprodução teórica, nacional e internacional, que neste momento sevai fazendo.

Esta dissertação propõe uma aproximação à discussão actual sobreas formas de se investigar o design e, nesse sentido, situar algumasdas questões mais pertinentes. Propõe ainda estabelecer pontespossíveis entre esses dois campos do design: o da prática profissionale o da prática académica. Assim, sob o tema genérico Design Research,tenta perceber de que forma se poderá instituir a investigação nodesign.

Uma das primeiras tarefas para que o design se estabeleça como corpodisciplinar – cujos temas, questões e sistemas próprios sejam percebidos– será definir precisamente esse corpo. Assim, este estudo explanaas variantes de investigação propostas por Christopher Frayling nosentido de se perceberem diferentes modos de investigar o design.

Resumo

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This study about how to investigate in/through design comes withthe perception, not new, that academic research disconects itselffrom the design, disregarding its practice and products and thatstudio design practice doesn´t look up nor regards the theoreticalproduction, indoor and abroad, that is going on.

This dissertation aims to close this gap introducing the currentdebate about forms of doing design research and, for that matter,this study aims to point out some of the most pertinent questionsand above all try to establish possible links between those twopractices of design: professional studio practice and academicpractice. Being so, and under the generic field of Design Research,we will try to understand in what ways one can integrate researchin design.

One of the first tasks so that design does establish itself as a disciplinarbody, where the issues, questions and systems of it own can bediscussed and understood, is to define the sphere of action of thatbody. This research expounds the forms of investigation proposedby Christopher Frayling so that we can perceive different forms ofinvestigating design.

Abstract

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*‹What constitutes a discipline may be hard to grasp. It can de described brieflyas the ensemble of assumptions, concepts, theories, methods and tools employedby a particular group of scientists or scholars. During the early stages of adiscipline, most of these assumptions, etc., will be implicit and unconsciousness.When they become explicit, the discipline attains self-awareness›

1. Mari, Enzo. Progetto e passione,Bollati Boringhieri, col. Arte eletteratura, Torino. 2003.

2. Walker, John A.. Design Historyand the History of Design, PlutoPress, London, 1989.

Cosa Vuoi?

Esta pergunta faz parte do último capítulo do livro de Enzo Mari1,capítulo dedicado aos estudantes. Numa altura em que os seusalunos já tinham alguns anos de estudo em design, Mari tentavaperceber quais eram as suas expectativas em relação à prática dodesign, dando-se conta de que eram, quase sempre, irrealistas.

Pergunta-se também agora, numa fase em que se inicia um trabalhode investigação, que expectativas existem para esta tarefa? Nãoapenas desta dissertação mas desta tarefa mais global que é a deinvestigar o design. O que se pretende com este trabalho? Aprofundarconhecimento sobre as próprias formas e fórmulas, se as houver, dese fazer pesquisa em design.

John Walker, no seu livro Design History and the History of Design2,percebendo a dificuldade de estabelecer precisamente aquilo queconstitui uma disciplina, aponta a seguinte descrição que ele próprioclassifica de breve: ‹O que constitui uma disciplina pode ser difícil dealcançar. Pode ser descrita superficialmente como o conjunto de suposições,conceitos, teorias, métodos e ferramentas empregues por um grupo especí-fico de cientistas ou académicos. Nos princípios de uma disciplina, a maiorparte destas suposições, etc., serão implícitas e não conscientes. Quandose tornarem explícitas, então a disciplina obtém a consciência de si›*,

1.Introdução

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continuando depois com algumas considerações sobre o âmbito doestudo de cada disciplina e os seus limites. Esta é de facto uma dasquestões essenciais na investigação do design. Estamos no início eainda à procura de uma base sólida sobre a qual poderemos construirinformação clara, tanto quanto possível objectiva.

Walker refere ainda que a percepção de que existe uma nova disciplinaacontece quando se reunem regularmente alguns dos seus profissionaispara discutirem preocupações e interesses comuns e que é normal-mente nessa altura que surgem as organizações profissionais. Seaplicarmos esta opinião à realidade portuguesa chegar-se-á facilmenteà conclusão que, mesmo ao nível da prática de gabinete, aindaestamos aquém do reconhecimento claro do design como profissão,quanto mais como disciplina.

O facto de esse reconhecimento da prática profissional de designser tão recente em Portugal faz com que seja muito difícil perceber--se um corpo de questões ou sequer um corpo profissional suficiente-mente vasto para se fazer uma história e compreendermos o quesomos. No entanto, estamos numa sociedade alargada e a competircom todos os outros países sabendo, como eles sabem, que o designpode constituir um dos veículos mais importantes na construçãode uma sociedade mais equilibrada, económica e socialmente. Daíque as questões de produção de conhecimento em design sejamfundamentais na actual conjuntura das universidades e do país. Nãopodemos esperar que a história se confirme em Portugal. Temos dea construir, se possível passando ao lado dos erros que outros possamter cometido, e tentar convergir equilibradamente para que possamosnum futuro próximo participar dos caminhos a traçar.

Do ponto de vista da prática do design, na sua componente maisvisível que é a prática de gabinete ou ateliê, existe já alguma noção,

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porventura caricaturada, daquilo que se faz e como se processa. Háno entanto ainda muito por fazer e o facto de não haver (na prática)uma associação profissional a trabalhar eficazmente faz com queexista ainda alguma entropia no entendimento que a sociedade emgeral tem do design mas também, o que é mais preocupante, noentendimento que alguns designers fazem da sua própria profissãonomeadamente ao nível do valor do design, dos direitos de autore da ética do designer como actor preponderante na sociedade actual.

Os diversos significados da palavra contribuem ainda mais para adificuldade em situar claramente o objecto de discussão. As váriascomponentes da prática e as suas dimensões ideológica, formal,funcional, económica e cultural fazem com que o design estejasempre presente mas nem sempre, poder-se-ia dizer raramente, sejaentendido. É normalmente sinónimo de estilo e não de equilíbrio,é sinónimo de extravagância e não de discrição, de forma e não defunção. O design existe e faz-se nesse âmbito, ainda que ao longoda história se possam verificar aproximações maioritárias a uma ououtra extremidade, mas isso acontece em todas as outras actividades,desde a política à religião.

A prática profissional de ateliê de design em Portugal atravessa hádécadas discussões eternas sobre as formas de se organizar comogrupo o corpo dos designers activos. A prática teórica está a dar osprimeiros passos. No entanto, se na prática de gabinete se verificaum atraso de várias décadas em relação aos países mais avançados– não se trata de um atraso em relação à qualidade do trabalho masem relação às redes que permitiriam que essa qualidade se tornassedenominador comum na maioria dos produtos realizados – no queconcerne à produção de matéria teórica o atraso será menor porquetambém no pelotão da frente a discussão é relativamente recente.

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A questão fundamental será: como aproximar decisivamente estasduas práticas? Ainda hoje se discute a oposição entre os teóricos eos fazedores e é de tal forma essa cisão que a produção teóricararamente é integrada numa prática de gabinete e, quando o é, équase sempre em áreas muito próximas ao design como a percepçãoou a semiótica. Do outro lado as coisas passam-se de igual modoe os produtos e as práticas de designers são quase sempre apenasconsiderados de um ponto de vista histórico, ainda que neste casoa questão seja mais complexa devido à volatilidade do objecto deestudo. É de facto difícil antever como se poderão, ou se será possível,fundir ou criar intercepções a estas duas formas de se praticar design:o design praticado com um saber tácito, implícito; e o designreflectido e comunicado explicitamente, visual e verbalmente.

Metodologia

O facto de esta discussão ser tão recente, coloca uma dificuldadeimediata num estudo desta natureza: como começar? Embora adiscussão seja recorrente em quase todas as publicações académicas,são raros os pontos de consenso que permitiriam um avançar paraestádios mais avançados e a partir daí apontar caminhos plausíveispara seguir em frente e assim sucessivamente. Existem apenas pontoscomuns de reflexão que, ainda que não sejam aceites como universais,têm gerado à sua volta discussões alargadas e relativamente próximaso que indicia um patamar de discussão fixo de onde se podem retiraralgumas teorias para se poderem ‘testar’ segundo diversos pontosde vista.

Optou-se assim neste trabalho por recorrer a um desses patamares,uma ‘fórmula’ fundadora desta discussão entre a prática e a teoria.Trata-se de um artigo da autoria de Christopher Frayling, professore director do Royal College of Art e, pela data de publicação –

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4. Findeli, Alain. Introduction.‘Design Issues’15 (2) Summer1999,

3. Frayling, Christopher. Research inArt and Design. Royal College of Art,Research Papers 1:1, London. 1993/94.

1993/94, podemos verificar o quão recente é esta matéria nopanorama do design. O título deste artigo é Research in Art andDesign3 e o seu conteúdo, que se analisará com detalhe mais à frente,será guia desta dissertação, como aliás o tem sido de alguns trabalhose autores referenciados dentro desta temática.

O que Frayling defende é que a prática do design, seja de ateliê,seja académica ou teórica, implica necessariamente uma pesquisaou investigação (Research) e que apenas a apropriação ou colonizaçãodesta palavra pela ciência fez com que seja agora empregue comreceio. Há no entanto diferenças entre essas diversas práticas. Oque Frayling propõe é a identificação de cada um desses fazerespelas conjunções que ligam as palavras investigação e design, umaespécie de cartografia primeira do conteúdo volátil que é a produçãode conhecimento e saber nesta área do design e da arte.

Avança assim os termos Research for Art & Design, Research into Art& Design e Research through Art & Design, termos âncora sobre osquais se construíram posteriormente alguns consensos e se identi-ficaram divergências. Como refere Alain Findeli4, estes são termos‹já consagrados ainda que controversos› nesta discussão. Como sepoderá agora constatar, o próprio título desta dissertação é frutodesta matriz.

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1. Frayling, Christopher. Research inArt and Design. Royal College of Art,Research Papers 1:1, London. 1993/94.

2. Findeli, Alain. Introduction.‘Design Issues’15 (2) Summer 1999,2.

3. Downton, Peter. Design Research.RMIT University Press, Melbourne,2003.

INTRODUÇÃO

Porquê dedicar um capítulo próprio a este texto de ChristopherFrayling1 poderá ser a questão que se coloca aquando da recepçãodesta dissertação. A leitura do mesmo será por si só reveladora dosporquês, sobretudo num contexto em que a produção académicanão produz, habitualmente, textos tão direccionados simultaneamentepara a prática e para a teoria do design. No entanto, nesta dissertaçãoeste texto é também gerador da própria estrutura dos conteúdos edaí a justificação primeira de ser analisado isoladamente.

O primeiro contacto com o conteúdo deste texto foi estabelecidona leitura de um texto de Alain Findeli, introdução de um númeroda revista de ensaios ‘Design Issues’2 lançado em 1999 dedicadoexclusivamente ao tema Design Research. Já aí, ainda no ano lectivodo Mestrado em Arte e Comunicação, foi utilizada em algunstrabalhos a taxonomia proposta por Frayling para as tipologias deinvestigação em arte e design referidas por Findeli.

Na preparação desta dissertação encontrámos o livro de PeterDownton3 – o título (Design Research) não podia ser mais directo –e na sua leitura tornou-se claro que também Downton aplicava na

2.Christopher Frayling: Research in Art and Design

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4. Findeli, Alain. Introduction. ‘DesignIssues’15 (2) Summer1999, 2.

[Findeli não indica no entanto quaisquerpormenores sobre a publicação deKrippendorf]

organização do livro os tipos de investigação ‘cunhados’ por Frayling.Curiosamente, Downton citava o texto de Findeli4 que por sua vezapresentava os conceitos de Frayling mas sem apresentar a origemdesses conceitos. Nesse mesmo número da ‘Design Issues’, o mesmoartigo é citado em outro texto, de Alex Seago e Anthony Dunne.

A consulta directa revelou-se acertada e os tipos de investigaçãopropostos os ideais para a estruturação de conteúdos que desdesempre se pretendeu que fossem não apenas verbais. De facto, otexto de Frayling reveste-se de uma grande importância, não apenaspara a dissertação mas também e sobretudo para a área de investigaçãoem que a mesma se situa – investigação do design.

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Será importante referir aqui umaquestão que atravessará toda adissertação. Alguns dos conceitos maispertinentes desta matéria que mepropus estudar vivem das formas comoesses mesmos conceitos se tornamreais ou visíveis. No caso de textos,determinados usos ou conjugaçõesda(s) palavra(s) são por vezes a únicaforma de se perceber uma novaproposição. Assim, algumas destaspalavras como: pesquisa, investigaçãoe sobretudo design, quando tratadaspor exemplo por autores anglo--saxónicos têm significados distintospelo que será obrigatório fazerreferência às palavras exactas,empregues no seu contexto e línguaoriginais, como é o caso de ‘research’,que em português se poderá traduzircomo Pesquisa ou Investigação,palavras que no entanto não chegampara completar alguns dos significadosque são atribuídos à palavra inglesa.Em alguns casos, o jogo de palavras éa própria argumentação e para issoserá necessário recorrer às transcriçõesdos textos originais.

O ARTIGO

Todo o texto de Frayling se baseia na ideia de que existe demasiadaconfusão na discussão do tema design research, confusão ao níveldos significados das palavras que se tornam conceitos e especialmenteao nível do entendimento que a maioria das pessoas faz das palavrasque constituem o vocabulário base da discussão.

Começa pela própria palavra Research, que desconstrói como re+search.Esta separação leva-o em dois sentidos: o primeiro indica o principalsignificado da palavra, a procura; o segundo sugere que essa procuraparece implicar um ir ao passado, um voltar (re) a olhar para o queexiste. Esta segunda via revela-se digna de análise porque problemática:de que forma se poderá, nomeadamente no design que tem comodesígnio a busca de algo que não existe, ‘rebuscar’ o novo?

Recorre ao OED (Oxford English Dictionary) e à história do uso damesma palavra para provar que o emprego de research, que remontaao século xvi, era feito em contextos diários, por indíviduos embusca de uma qualquer informação (com r minúsculo) e nãoexclusivamente em contextos especializados ou profissionais (comR maiúsculo), tal como é agora maioritariamente entendido. Prova

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5. Investigação aqui usada com ‹i›maiúsculo, como substituta da palavra‘Research’.

também que a palavra era usada em contextos artísticos, nomeada-mente na música, o que vem fortalecer a tese de que a palavra – eo que ela significa – não são ‘propriedade’ da actividade científica.

A Investigação5, conclui Frayling a partir desta recolha, implica defacto uma busca e que o objecto dessa busca seja exógeno ao inves-tigador. Mais, que a pessoa ou grupo que leva a cabo a investigaçãodeverá ser capaz de comunicar a outrém aquilo que se procura.

Mas porque as definições do dicionário nem sempre correspondemao uso que se faz das palavras, Frayling faz também um exercíciomuito extenso sobre as ‘ideias-feitas’ em actividades como o design,a arte ou a ciência e sobretudo os seus actores. Relembra que nemtodos os artistas são excêntricos expressivos, que os designers poucotêm que ver com a ideia de moda e superficialidade e que mesmoos cientistas não podem ser reduzidos a uma imagem de ‘ratos delaboratório’, acriativos.

Provada a pertinência do emprego da palavra em actividades artísticas,o autor passa para um terreno mais complexo: o que é que pode,em arte, constituir investigação? Recorre a uma entrevista a Picasso(1923) onde o artista dizia não ser investigador e não querer sequerser associado a qualquer tipo de procura. Apesar de Picasso recorrera algumas fontes para pintar ou esculpir, ainda assim refere que issonão constitui qualquer forma de investigação pois o seu objectivoúltimo não é o de recolher informação para chegar a algumaconclusão. O seu objectivo é fazer uma pintura e isso, segundoPicasso, não se procura, encontra-se, e que o artista é um fazedore não um investigador.

Segundo a definição de Frayling para investigação, seria fundamentalque se nomeasse um objecto para procura e que ele existisse

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6. Findeli, Alain. Introduction.‘Design Issues’15 (2) Summer1999,2.‹consecrated – but still controverted›

exteriormente a quem a pratica. Picasso diz claramente que a sua nãoé uma prática de procura. Ainda que o fosse, decerto que o objectoresidiria nele mesmo o que, segundo a noção atrás formulada, significariaque a arte, tal como era entendida por Picasso, não poderia serconsiderada investigação. Frayling recorre a Herbert Read que tinhaformulado uma distinção sobre três tipos de investigação no ensino daarte: investigação para a arte, investigação sobre a arte e investigaçãoatravés da arte. Picasso, se de facto pudesse a sua prática ser consideradainvestigação – Frayling refere que nem toda a arte o pode ser – entãoestaria na primeira das três formas, investigação para a arte.

É a partir desta distinção que Herbert Read faz das formas de investigarem arte que Frayling propõe a sua própria fórmula, que segundo opróprio deriva da sua prática, com os termos ‹consagrados – mas aindacontroversos ›6 extendidos ao design: a) investigação sobre arte e design;b) investigação através de arte e design; c) investigação para arte edesign.

Não deixa de ser estranho, num contexto de investigação, juntar ostermos ‘arte’ e ‘design’. Isso deve-se ao facto de o design e a arte, nocontexto do ensino em Inglaterra, terem tido desde meados do séculoxix um percurso idêntico. Tanto a arte como o design eram leccionadosna perspectiva de que o saber só o era na medida do saber fazer. Arealidade portuguesa, onde o design apenas surge no ensino superior,ainda não-universitário, no último quartel do século xx, torna difícila junção dos termos porque desde aí, de facto, a arte e o design aindaque com raízes comuns, divergiram sigifica-tivamente em vários pontosdas suas realidades, económicas, sociais e culturais.

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A importância que as preposições têmneste texto e a dificuldade em seencontrar no português uma traduçãototalmente satisfatória obriga a quese apresente a formulação no originalinglês:

research into designresearch through designresearch for design

Por isso mesmo e numa perspectiva de maior rigor, o que nosinteressa da formulação de Frayling, e que de resto justifica a estruturaem que assenta esta dissertação, é a seguinte:

· investigação sobre design· investigação através de design· investigação para design

Do primeiro tipo de investigação – investigação sobre design – fazemparte a maioria dos estudos de pós-graduação em design. Entramaqui as pesquisas históricas, dentro do campo da percepção ou naanálise de uma série de questões teóricas vistas do prisma do design,questões éticas, ideológicas, culturais, políticas ou outras. Este tipode investigação, sendo útil e muitas vezes fundamental para o fazerdesign não obriga no entanto a um saber específico de designer. Étambém aquele onde as práticas de investigação mais habituais etestadas, de âmbito científico ou quantitativo, podem (e devem)ser empregues, assim o permita o objecto de investigação. Daí advémo facto de ser, dos três tipos de investigação propostos, aquele quepermite uma investigação mais directa.

O segundo – investigação por ou através de design – pressupõe jáuma prática projectual ao serviço de um objectivo claramenteidentificado. Em princípio, o design implica a identificação de umou vários objectivos. A diferença é que esse objectivo, que muitasvezes se assemelha a um desejo, se for uma necessidade íntima dequem projecta, não pode ter neste tipo de investigação apenas umcariz pessoal e subjectivo (voltamos à definição de investigação deFrayling). Aqui poderão ser efectuados estudos que, partindo ounão de bases teóricas, necessitem de experimentação prática. Maisdo que isso, em que o próprio processo de design seja o gerador dehipóteses e teorias que possam ser mais tarde objecto de reflexão,

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por exemplo a partir de estudos dentro da investigação sobre design.É um terreno onde a investigação é menos directa (forward) do quea anterior movendo-se no entanto num campo visível e objectivo.

Nesta forma de investigar, Frayling coloca a pesquisa de materiais– não a criação de novos materiais dado que essa é uma tarefa maiscientífica, antes incidindo na forma como algumas matérias podemser empregues no design e que por essa via se possam tornar maisúteis ou versáteis para os designers; a especificação de funcionalidadesde equipamentos ligados à prática projectual e cuja utilidade paraos designers, por desconhecimento de quem os fabrica, fica aquémdo desejável e possível. Frayling dá o exemplo de um projectorealizado por alunos de ilustração do RCA (Royal College of Art) nosentido de conhecerem, dominarem e alterarem as funcionalidadesda fotocopiadora a cores do departamento para a usarem nos seustrabalhos, projecto esse que deu origem a uma exposição dos trabalhose textos referentes a essas experiências; e por fim, na pesquisa doprocesso, em que um diário de projecto possibilitaria a identificaçãoe contextualização dos momentos de tomada de decisão e suasconsequências. O que distinguiria este diário de uma recolha deinformação normal, que por si só não constitui investigação, seriaa necessidade de ser completado com um relatório final contextuali-zador desses momentos de decisão e dos resultados de todo esseprocesso. Isto permitiria que os produtos das práticas processuaispudessem ser analisadas não apenas isoladamente mas também àluz das decisões que os geraram, garantindo desta forma um conheci-mento mais profundo dos mesmos, o que para designers, historiadoresdo design, professores e outros profissionais seria de muita utilidade.

O terceiro – investigação para design – será o mais complexo,segundo Frayling. Complexo porque se situa na fronteira daquiloque poderá ser ou não considerado investigação. É o tipo de

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investigação, com ‘i’ minúsculo, de que Picasso se servia para executaras suas obras, investigação ou pesquisa que se pode considerar quaseinvisível pois serve apenas como meio para se chegar a um artefacto,que incorpora por sua vez toda essa informação. O conhecimentoadquirido aqui não é do tipo verbal e, por isso mesmo, a transmissãodesse conhecimento, fundamental para ser investigação, deixa deser através da linguagem verbal passando a ser por uma linguagemvisual.

A conclusão de Frayling é a de que há formas de se investigar emarte e design num contexto não apenas cognitivo mas tambémexpressivo, que nem toda a prática poderá assim servir comoInvestigação com ‘I’ maiúsculo – legitimada pelos meios académicos– um tipo de investigação em que outros se podem apoiar. RefereFrayling que fazem parte da prática diária actos de investigação(com ‘i’ minúsculo) que são importantes e passíveis de seremestudados posteriormente sendo para isso necessário que a discussãoseja objectiva e não centrada exclusivamente em questões de statusou classes profissionais.

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ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Partindo dos conceitos de investigação do design propostos porFrayling, esta dissertação será organizada segundo esses três eixospara que se possam perceber diferenças fundamentais na prática decada um e tentar identificar virtudes e defeitos dos resultados geradospor práticas tão distintas de se investigar o design.

Assim, os três capítulos que se seguem servirão para descrever edocumentar cada um destes três tipos de pesquisa, sendo a estruturade cada um ditada pelas próprias características do tipo de investigaçãoabordada.

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1. A língua inglesa permite umaformulação simples e diferenciadorados dois tipos de história de quefalamos: a história do design e o designna história, formulação que é aliástítulo de uma das obras citadas nabibliografia e uma das mais citadas noestudo do design: Design Historyand the History of Design, de JohnA. Walker.

INTRODUÇÃO

A investigação sobre ( ) design, segundo Frayling, implica o tipo deinvestigação que, de fora, observa e analisa diferentes campos dodesign, desde a sua história até às matérias que de alguma formaconstituem fronteira com outras disciplinas como a psicologia, afilosofia, a própria história, não apenas a história do design,mencionada atrás, mas também o design no contexto da história1

e muitas outras disciplinas com as quais o design pode fazer interface.Como já foi referido anteriormente, o design é uma disciplina demuitas disciplinas, pivot de diversos saberes, métodos, realidades,cuja função é a de agregar toda essa diversidade num objectivodeterminado, programa para projecto.

A diversidade das matérias que directa ou indirectamente são deinteresse para o design colocou-nos o primeiro problema para arealização deste capítulo: que matéria ou tema deveremos discutirneste capítulo? Que tema ou temas serão suficientemente latos paraservirem de modelo a esta forma de se investigar?

Pensou-se então este capítulo como uma reflexão cruzada envolvendoalguns dos tópicos mais importantes na discussão do design e alguns

3.Investigação sobre design

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‹I quote others only the better toexpress myself›

Michel de Montaigne

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2. Mari, Enzo. Progetto e passione,Bollati Boringhieri, col. Arte eletteratura, Torino. 2003.

3. Fletcher, Alan. The Art of LookingSideways, Phaidon Press, London.2001.

‘Design Museum & Design Council’,crítica ao livro de Alan Fletcher:‹Designed to be opened at random,The Art of Looking Sideways, AlanFletcher’s 2001 book, is an unfailingsource of wit, elegance and inspiration.At over a thousand pages, it is aspectacular treatise on visual thinking,one that illustrates the designer’s senseof play and his broad frame ofreference.›

4. Downton, Peter. Design Research.RMIT University Press, Melbourne.2003.

5. Buchanan, R., Margolin, V. (eds),Findeli, A. (guest ed.), Design Issues15 (2) Summer 1999, 2.

dos seus intérpretes mais relevantes. Assim, definiu-se uma teia dequatro temas que se situam a montante do que é investigar design,componentes inevitáveis em qualquer debate sobre o design e sobrea disciplina de design: o design; o seu actor; a sua prática; e a síntesede todo o saber gerado por esse processo. Design, Designer, Projectoe Investigação.

Poder-se-iam apontar outros componentes que contextualizassemo design na sociedade. No entanto, se essa ligação estreita com asociedade está já implícita no design, na investigação ela é condiçãoessencial. A investigação é assim o ponto final deste capítulo, ondese tentam perceber os caminhos possíveis para que se possa criarconhecimento a partir dos saberes implícitos nos temas anteriores.

A esta teia de quatro temas, cruzaremos uma trama de diferentesintérpretes das práticas do design, quatro pontos de vista sedimentadosem obras de referência desses autores: Enzo Mari, pela leitura doseu livro Progetto e Passione2; Alan Fletcher, pela consulta de TheArt of Looking Sideways3; Peter Downton pela leitura de DesignResearch4; e, finalmente, Victor Margolin e Richard Buchanan,editores da revista (design journal) Design Issues5, pela leitura dealguns artigos do número 2 do volume 15, exclusivamente dedicadoao tema Design Research. Na escolha destes autores foi tida em contaa prática profissional de cada um e o facto de se dividirem equitativa-mente naquilo que poderíamos superficialmente designar por ‘práticae teoria’, os dois lados da prática do design.

Enzo Mari e Alan Fletcher, respectivamente designers industrial ede comunicação, representam a prática de gabinete e são, semquaisquer dúvidas, personagens incontornáveis da história do design.Enzo Mari é um dos designers industriais mais respeitados pelacoerência do seu discurso e do seu trabalho. Notabilizou-se não

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apenas pelos seus trabalhos com a indústria e pela forma comointerpretava a matéria, nomeadamente o plástico, mas também pelasua obra publicada em livro. Alan Fletcher foi um dos fundadoresdo gabinete Fletcher Forbes Gill que viria a dar origem, no iníciodos anos 1970, à Pentagram, de onde saiu na década de 1990,trabalhando a solo desde então.

Peter Downton, Victor Margolin, Richard Buchanan e Alain Findeli(como editor convidado do número especial da Design Issues estudada)são docentes e investigadores. Além da obra publicada têm a seucargo diferentes programas de pós-graduação sendo o ensino umadas áreas preferenciais da sua investigação. Peter Downton faz partedo Royal Melbourne Institut of Technology, school of Architecture.Richard Buchanan é professor na Universidade Carnegie Mellon,Pittsburgh, e Victor Margolin na Universidade do Illinois, Chicago.Alain Findeli é professor na Universidade de Montréal, escola dedesign industrial.

Esta superfície criada pelo cruzamento destas teia e trama pretendesobretudo, a par do patamar já estabelecido com a formulação deFrayling, identificar possíveis pontos de convergência de onde sepossam extrair consensos entre as diversas formas de se perceber ede se fazer o design, para que o possamos conhecer e comunicar.

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6. Calvino, Italo. As CidadesInvisíveis. Editorial Teorema,Lisboa, 2002. 5ª Edição.

DESIGN

‹Do carácter dos habitantes de Andria merecem ser recordadas duasvirtudes: a segurança em si mesmos e a prudência. Convencidos de quetodas as inovações na cidade têm influência sobre o desenho dos céus,antes de qualquer decisão calculam os riscos e as vantagens para eles epara o conjunto da cidade e dos mundos.›6

A forma como Italo Calvino nomeia os habitantes de Andria poderiaser sem grande surpresa a caracterização do modo como os designersdevem, independentemente dos suportes da sua prática, ter sempreem mente que aquilo que desenham como futuro influencia todosos outros. Não caracterizará apenas designers mas todos os que dealguma forma necessitam de criar novas soluções para novosproblemas ou para os mesmos problemas mas com outras caras ounoutros tempos ou locais.

Como não podemos viver duas ou três vidas de experiência antesda que nos é dada em definitivo, será fundamental que nas diversasactividades esteja implícita a precaução face ao que pode advir daacção diária. Será por isso necessário perceber, pelo menos identificar,as partes desta acividade que, sendo por muitos desconhecida, é

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praticada por quase todos ainda que em campos diminutos das suasvidas. O design, como prática, poderia constituir a própria actividadehumana. A ideia de sobrevivência que guia ou guiava os instintoshumanos sempre foi complementada com saberes transmitidos poroutros, por outras vidas. É esse equilíbrio entre a intuição e a razão,pares acção-reacção já testados por muitos outros, que se procuratambém na prática do design. Tentar-se-á aprofundar este tema umpouco mais adiante.

O que é design?

Esta pergunta sugere uma aproximação idêntica à que ChristopherFrayling fez em relação à palavra research. Também aqui poder-se--á escolher, das imensas definições existentes, a que mais se aproximedaquilo que cada um possa pensar fortalecendo assim uma ideia jáestabelecida e não a tentativa de compreensão. Por isso mesmocomeçaremos por analisar a pergunta segundo duas formas distintasde a perceber: a) o que significa, e b) o que se entende por. Estapequena diferença na forma de questionar o que é design serásuficiente para colocar sobre a palavra em causa a evidência dosdiferentes usos.

As palavras não são herméticas num sistema como a liguagem emque as regras se constroem constantemente. ‘Design’ é actualmenteusada para inúmeras situações e o que se entende por design aonível do senso comum é apenas uma pequeníssima parte dessaactividade, a que se torna mais visível: a sua vertente estética. Poressa razão e para este trabalho, é importante tentar definir melhoro que significa design, o que de alguma forma se insinua já no iníciodeste capítulo: o design é (um)a actividade humana, conjunto dedecisões que nos levam de um vazio ao seu preenchimento. Estevazio pode não ser vácuo ou caos e o seu preenchimento nuncaconstitui cosmos.

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7. Definições de design em dicionários

Dicionário da Língua Portuguesa. Porto Editora, 8ªedição, 1999 › “Design,[di’zain] s.m. pal. ing. que significa desenho; esboço; plano; estética industrial;estilo industrial; desenho destinado à arte industrial, que serve de base àprodução em série de objectos de uso comum, a cuja utilidade prática se deverájuntar beleza e elegância; concepção gráfica de um produto.

Qualquer vocábulo, qualquer palavra, significa para quem lê ououve aquilo que ela associa a essa leitura. Os Media e a educaçãoproduzem uma uniformização dessas associações e esse processo,após algum tempo, garante quase sempre que aquilo que se diz seráaquilo que se ouve, mas, como se sabe, nem sempre isso acontece,quase sempre por diferenças ao nível dos contextos social, cultural,económico ou geográfico.

Haverá um conteúdo mais correcto do que outro para a mesmapalavra? ‹A questão é saber quem é que manda› afirmava HumptyDumpty sobre os diversos significados que uma palavra podia conter.Normalmente, uma maioria de indivíduos conhecedora de umapalavra converge, ainda que com pequenas variações, numa definiçãoprevisível, a que estará eventualmente em primeiro lugar no dicionário.Mas e se no universo disponível para essa consulta estivessem emmaioria aqueles que não sabendo exactamente a que se refere apalavra exprimissem no entanto uma espécie de nebulosa mais oumenos geral?

Quando se estabelece um processo de comunicação entre váriosinterlocutores é fundamental que o código seja o mesmo. Se aspalavras que vestem os argumentos tiverem sentidos muito diversos,sentidos utilizados de acordo com quem os usa para melhor‘conduzirem’ quem ouve, gera-se uma entropia impossibiltadora dequalquer consenso. Se a mesma palavra pode ao mesmo tempo dizersim e dizer não, aquilo que deveria ser um edifício de significadose conceitos passa a ser apenas uma imensa torre de Babel mas comuma característica ainda mais problemática que é a de nem sequerse perceber que os seus operários falam de facto ‘línguas diferentes’.Algo semelhante se passa com ‘design’. Se compararmos o que é o

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Grande Dicionário Enciclopédico Verbo, I volume, Editorial Verbo,Lisboa/São Paulo, 1997.› “Design, nm(nome masculino) Síntese do desenhoartístico e do desenho industrial, consiste no esboço gráfico de objectosutilitários, nos seus aspectos técnicos, comerciais e artísticos. É, pois, o projectode objectos a serem produzidos industrialmente. Com os trabalhos de W. Morrise das ‘Arts and Crafts’ inglesas (1888), do movimento ‘Bauhaus’, e das técnicas‘Styling’ dos estéticos industriais (R. Loewy), a problemática do ‘design’concentrou-se progressivamente sobre a função do objecto no ambiente peloqual é rodeado e sobre a prioridade da estrutura relativamente à forma. Semrenunciar a critérios estéticos, o designer realiza uma síntese de imperativosindustriais e de necessidades sociais.›

Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, DicionáriosBertrand, 25ª edição, volume I. Bertrand Editora, Venda Nova, 1996.› nãoconsta a palavra design.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio séc. XXI: o dicionárioda língua portuguesa, 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.› design[Ingl.] S. m. 1. Concepção de um projeto ou modelo; planejamento. 2. O produtodesse planejamento, 3. Restr. Desenho Industrial. 4. Restr. Desenho-de-produto. 5. Restr. Programação visual.

Antônio Houaiss, Mauro de Salles Villar, Francisco Manoel de Mello Franco.Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,Rio de Janeiro: Objetiva, 2001›“Design /dı’zajn/[ing.] s.m. DES.IND 1 a concepção de um produto (máquina,utensílio, mobiliário, embalagem, publicação, etc.), esp. no que se refere à suaforma física e funcionalidade 2 p.met. o produto desta concepção 3 p.ext.(daacp.1) m.q. Desenho Industrial 4 p.ext. m.q. Desenho-de-Produto 5 p.ext. m.q.Programação Visual 6 p.ext. m.q. Desenho (’forma do ponto de vista estéticoe utilitário’ e ‘representação de objetos executada para fins científicos, técnicos,industriais, ornamentais’) • d.gráfico DES.IND Gráf. conjunto de técnicas econcepções estéticas aplicadas à representação visual de uma idéia oumensagem, criação de logotipos, ícones, sistemas de identidade visual, vinhetaspara televisão, projeto gráfico de publicações impressas etc. • ETIM ing. design(1588) ‘intenção, propósito, arranjo de elementos ou detalhes num dado padrãoartístico’, do lat. designare ‘marcar, indicar’, através do fr. désigner ‘designar,desenhar’; ver sign-

entendimento do senso comum, aquilo que os dicionários apresentame o que os profissionais afirmam7, percebemos que existe uma cisãoentre o que é design para quem o faz e para quem o recebe, interpretaou encomenda: gerou-se a tal nebulosa. A grande diferença comoutras áreas da actividade humana, como a ciência por exemplo, éque o design não existe sem este diálogo. Poder-se-á defender queo mesmo acontece em todas as áreas do fazer, mas não com a mesmaimportância. No caso do design, em última instância, é esse processodialético com a sociedade que constitui a própria essência do seuethos, e daí a obrigatoriedade de um canal mais seguro.

Actualmente, devido ao seu valor económico, a designação ‘dedesign’ é usada abusivamente, muitas vezes sem a sua existência eapenas como alusão a algum ou alguns dos seus vectores de trabalho:a autoria, a forma, o grau de novidade. Há algum tempo, numfolheto sobre a segurança infantil produzido por uma marca deprodutos de puericultura, podia ler-se: ‹No momento de escolher a

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7. definições de design por designers, artistas e académicos.

‹Design is what happens between conceiving an idea and fashioning the means to carry it out. In short, Designing is what goes on in order to arrive at an intelligent equation between purpose and construction, thus converting a problem into an opportunity.› Alan Fletcher

‹Design is a way of inquiring, a way of producing knowing and knowledge; this means it is a way of researching.› Peter Downton

‹Design in its broadest sense is the most important mental operation for the future. Judgement thinking is not enough in a changing world because judgment is based on the past. We need to design the way forward.› Edward de Bono

‹Analysis looks backwards while Design looks forward› Alan Fletcher

‹Design is the animating principle of all creative process› Vasari

‹Design is a mental habit of seeing things simultaneously in their narrowest details and their broadest implications› Trevanian

‹Design is to increase the legibility of the world› Abraham Moles

‹Design is giving shape to man's dream› Kenji Ekuan

‹The opposite of design is chaos› Buckminster Fuller

‹Design is the conscious effort to impose meaningful order› Victor Papanek

‹Design is the instrument through which communication is accomplished› Bruno Monguzzi

‹Design is expressed by correspondence between an organizer's form and an engineer's blueprint› Stephen Jay Gould

‹Design is a goal directed problem-solving activity› Bruce Archer

‹Design is concepts and ideas rather than abstractions and decorations›Robert Brownjohn

‹Design is putting flesh on the spirit› Art Kane

‹Design is the integration of technological, social and economic requirements, biological necessities, and the psychophysical effects of materials, shape, colour, volume and space.› Lázsló Moholy-Nagy

‹Design is the antithesis of accident› Vernon Barber

‹Design is a process of relating everything to everything› George Nelson

‹Design is to give poetic form to the pragmatic› Emilio Ambasz

‹Design is debating life› Ettore Sottsass

‹Design is about the welfare of humanity› Jorge Frascara

‹Design is decision making, in the face of uncertainty, with high penalties for error› Isaac Asimov

‹Good Design is intelligence made visible› Le Corbusier

‹Design is thinking made visual› Saul Bass

‹No design works unless it embodies ideas that are held in common by the people for whom the object is intended.› Adrian Forty

‹Designer is a planner with an aesthetic sense› Bruno Munari

‹Design is not about decorating, illustrating or embellishing things. Design is to improve things and create new values. Design is rather a question than an answer. We ought to learn to correctly word these questions.› Peter Billak

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8. Glanville, Ranulph. ResearchingDesign and Designing Research.‘Design Issues’15 (2) Summer1999,2.

cadeira do carro para um bebé não se deixe levar apenas pelo design,assegure-se que cumpra todas as normas de segurança da ComunidadeEuropeia.› É isto que se considera como nebulosa.

Design: verbo e substantivo

Percebe-se pela leitura das definições de design apresentadas napágina ao lado que não será simples apresentar apenas uma queassegure a sua multiplicidade de usos. Há no entanto, de entre asdiversas caracterizações que se podem encontrar, formas distintasde ser encarado, onde é enfatizada ora a sua vertente operativa oraa sua vertente objectiva que é a de responder, com um produto(físico ou não), a uma necessidade: o design como processo e odesign como resultado.

Alan Fletcher defende que design é o que acontece entre a ideia eo encontrar dos meios para a realizar. Edward de Bono define-ocomo uma operação mental. Ambos implicam a ideia de tempo,ou seja, processo. Abraham Moles define-o a partir do seu objectivo– incrementar a legibilidade do mundo – ideia partilhada por BrunoMonguzzi que o designa como instrumento pelo qual se cumprea comunicação. Nestes dois últimos exemplos, design é definidopelo objectivo que o orienta, o que implica a ideia de produto finalde onde se poderão posteriormente avaliar resultados, o cumprirou não desse mesmo objectivo.

Ranulph Glanville8, um dos autores da Design Issues, constata quetanto a palavra research como design, em inglês, podem ser ao mesmotempo substantivo e verbo. Refere Glanville que na maior parte dasvezes ele próprio as emprega como actividades – verbo. No dicionárioHouaiss7 são também apresentadas as duas formas de se entenderdesign. Dessa definição poderá ser no entanto extraído um pequeno

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pormenor que poderá ser o elemento chave para se entender clara-mente o porquê desta aparente oposição entre as duas formas de seperceber design. Esse detalhe é: ‘p.met.’ (por metonímia). O todopela parte. Se se entender que o fim não é mais do que o materializardo processo – algo que Frayling sugere na investigação para design– então as duas visões são apenas uma e o que é design torna-semais evidente: uma actividade de busca de uma solução para umobjectivo previamente identificado, objectivo esse que pode ou nãoser um problema. Pode ser apenas uma reflexão, uma proposiçãoonde outros se possam apoiar ou discutir. Poder-se-á aferir de tudoisto que ‘investigação’ pode ser descrita da mesma forma, o queprova que a actividade do design não está afastada do que é investigar.Em vez disso, fazer design é investigar.

Design e autoria

A caracterização do que é design implicará necessariamente odescrever de quem o faz e as condições que o tornam possível?Vimos anteriormente como o design se pode caracterizar comoactividade ou como a materialização dessa actividade. A história dodesign mostra-nos também que ao longo das últimas décadas aforma como se entendiam tanto os processos como os resultadossofreu várias alterações, essencialmente devido a realidades sociais,económicas, tecnológicas ou ideológicas de cada época9. Todos estesfactores conjugados fizeram com que em diferentes alturas o designfosse uma actividade mais racional e objectiva ou mais subjectiva.

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9. Modelo design/sociedade, adaptadode Küthe/Thun, 1995.

Hauffe, Thomas. Design, A ConciseHistory. Lawrence King Publishing,London, 1998.

1990s

Saturedsociety

Aesthetic

Designtendencies

andforms ofsociety

Maturesociety

Use worth,function

Society ofsuperfluitySemantics

Society of satietySelf-presentationand experiential

design

GrowingsocietyStyling

1950s

1960s

1970

s

1980

s

Podemos por isso falar de um design moderno, em que o programa– com regras e princípios ideológicos e formais muito definidos –guia os seus seguidores, fazendo com que a autoria seja de umaentidade colectiva mais do que individual. Também o minimalismose pode caracterizar por uma grande homogeneidade formal. Talcomo no modernismo e na maior parte dos casos, os seus objectos,como um todo, sobrepõem-se a quem os projecta. Com a revoluçãotecnológica das últimas décadas do séc.xx, e ainda que os meios deprodução tornem identificável a massa de trabalhos como pertencentesa uma determinada altura, os seus produtos já não partilham deuma mesma ideologia ou regra formal. O objecto de design deixade comunicar uma ideologia ou uma regra para passar a comunicaro seu próprio autor, tornando-se importante, um pouco à imagemda arte, conhecer o designer, como se processa o seu fazer e queprincípios o norteiam.

Obviamente, esta caracterização é uma generalização. Vimos notexto de Frayling como é erróneo juntar numa mesma descrição

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10. McCoy, Katherine. Countering thetradition of the apolitical designer.1993. Robyn Marsack (ed.).’Essays onDesign 1, AGI’s Designers ofInfluence’, Booth-Clibborn Editions,London. 1997.

todos os praticantes de uma determinada profissão em cada época.De facto, esta fulanização do fazer design, que se tornou evidentecom o acesso à produção e rapidez que as tecnologias computacionaistornaram possível, trouxe para a ribalta não apenas o design comoactividade mas também alguns dos seus actores, que rapidamentese tornaram na imagem de todos os outros.

Em Portugal, esse processo é mais visível na arquitectura. É hojeevidente a fama de que gozam alguns arquitectos, eventualmentemais conhecidos do que a sua obra. Este ganhar de importância dequem faz em vez de o que se faz, torna obrigatória a discussão dopapel de cada um num fazer colectivo. Torna-se obrigatório discutiras questões éticas e deontológicas precisamente porque se tornouclara a responsabilidade da actuação do designer, já não um meroexecutante mas antes um comunicador, criador de mensagens.

Num texto datado de 1993, Katherine McCoy10 alerta para o factode não ser já tolerável que o designer se veja apenas como umtécnico que, ‘de bata branca’, como se estivesse só num laboratório,se limita a aplicar os seus conhecimentos ao serviço de qualquerfim. Desde meados do século XX, nomeadamente após oslançamentos da bomba atómica na segunda guerra mundial, muitose tem discutido sobre se a ciência deve ou não ser limitada nosseus processos e áreas de estudo: a clonagem de humanos ou aalteração genética de alimentos estão na ordem do dia. Algunscientistas, numa protecção clara à ideia de conhecimento, diferenciamciência e tecnologia. A ciência é conhecimento puro, a tecnologiaé ciência aplicada: as bombas, as fábricas, os animais de estimação‘ressuscitados’ em clones.

Esta diferenciação é obviamente passível de contestação mas podemosfazer um paralelo em relação ao design. Na História do design, de

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representação visual de Enzo Mari paraos vectores onde se move o design.

elementos obrigatoriamente citados, nomeadamante ao nível dodesign gráfico, constam os cartazes russos das primeiras décadas doséculo XX. Será que essa assunção de qualidade é sinónimo deconcordância com os ideais estalinistas? Poderíamos dar ainda oexemplo da identidade visual da Alemanha Nazi, ou os cartazes do‘Tio Sam’. O que poderá estar no entanto em jogo é o papel queo designer tem frequentemente ao nível da produção de mensagem.Quando isso acontece o conhecimento e a sua aplicação sãoproduzidos pela mesma entidade, fundindo-se, gerando assim adiscussão.

Design é…

A dificuldade de se criar uma definição válida e exacta para todos,faz com que se proponham esquemas mais genéricos que permitamuma reflexão conjunta possibilitadora de avanços. Um pouco comoo artigo de Frayling sobre o investigar design. O design é um campoonde diversos indivíduos operam a partir de eixos mais ou menoscoincidentes.

Nessa busca de consensos, são propostos vectores onde nos possamosapoiar. Enzo Mari, por exemplo, propõe a seguinte triangulação:a) a produção; b) as ciências do natural; e c) a expressão.

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Também no ensino do design estas definições são propostas. Ocurso de design da Universidade de Aveiro assenta o seu currículonum outro triângulo; tecnologia, programa e autoria, numa visãoem tudo idêntica à de Mari. Vejamos: a ‘produção’, segundo Mari,implica os objectivos, as possibilidades mas também as limitaçõesde um projecto, ou seja, a ideia de programa. A segunda alínea,‘ciências’, engloba o mesmo que tecnologia. E com ‘expressão’,Enzo Mari representa o papel do autor.

A dificuldade em se definir design é visível nestas teorias, tão geraisque poderão servir para outras actividades para além do design,ainda que nem dentro do design elas sejam consensuais.

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‹What really motivates designers isthe pleasure of playing around withproblems. (…)

‹Designer is a planner with an aestheticsense› Bruno Munari

‹Designer is essentially a person whomakes understandable, elements thatare not as understandable without hisparticipation› Milton Glaser

‹Designer is an emerging synthesis ofartist, inventor, mechanic, objectiveeconomist and evolutionary strategist›Buckminster Fuller

‹Designer is a borrower, coordinator,assimilator, juggler, and collector ofmaterial, knowledge and thought fromthe past and present› Ivan Chermayeff

11. Billak, Peter. Underdesign,overdesign, redesign.Publicado em www.icograda.org.© 2001, Dot dot dot Magazine

However there are some essentialconditions. A capacity for cerebralacrobatics so the mind can juggle whilefreewheeling around the possibilities›Alan Fletcher

DESIGNER

Designer!?

Quando se definiu a ordem de enunciação dos temas a discutirneste capítulo, referiu-se designer como ‘quem pratica o design’.No entanto, este ‘quem’ representa não só o praticante de algo, aqueleque permite que algo se manifeste. É mais como o indivíduo que pra-ticando-o transforma o próprio design. O design não é algo que se fazpor alguém, o design é aquilo que os designers fazem e isso torna-oem algo mais do que a mera descrição de como alguém faz algo.

A dificuldade que existe em definir um significado para designadvém do facto de a multiplicidade dos seus fazedores atribuir-lhe,consciente ou inconscientemente, diferentes valores. O design étambém a soma dos designers e o que as pessoas em geral pensamdo design é fortemente relacionável com os designers que seconhecem, pessoal ou mediaticamente. Peter Billak11 afirma quegrande parte da desconfiança que algumas áreas da sociedadedemonstram perante o design deve-se a comportamentos elitistasde designers, mais preocupados com a expressão – autoria – do que

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12. Stanislavski, Konstantin. A Preparação do Actor. EditoraArcádia, Lisboa.

com o conteúdo total do seu trabalho. Que importância terá entãoa autoria no contexto geral de um trabalho?

Da parte da academia há naturalmente algum cepticismo em embar-car num estudo sobre o indivíduo. A necessidade de se padronizaremos objectos de estudo faz com que grande parte da atenção dispensadaà investigação do design seja empregue na tentativa de o considerarcomo um todo, como uma disciplina. É compreensível que, natentativa de se criarem as bases para um corpo disciplinar, não seapoiem conceitos em indivíduos pois isso poderia significar teoriasparciais e não a padronização desejada. No entanto, essa essenciali-zação do design, já abordada atràs, é uma tarefa que não se afigurafácil pois o papel do indivíduo é de estudo obrigatório nesta matéria.

O designer como actor

Stanislavski escreveu em 1936 A Preparação do Actor12, um livroonde é documentado, a partir do diário de um aluno, o curso doprofessor Tortsov, director de uma Escola de Arte de Representar.Numa das sessões, Tortsov adverte os seus alunos para a necessidadede estarem permanentemente atentos perante o que se passa à suavolta no sentido da memorização das emoções e acontecimentosreais. Chama-lhe memória afectiva e considera-a ferramentafundamental de um actor quando confrontado com a necessidadede colocar em palco uma personagem tendo para isso que fazerreviver sentimentos outrora experimentados, sentimentos adequadosà personagem em causa. Também o designer deverá fazer da suavivência uma permanente recolha e memorização de imagens eobjectos, depositando nesse arquivo não só as formas mas tambémas consequências do relacionamento com a sua envolvência.

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‹Da quest’ultima (curiosità) discendequella capacità d’imitazione checorrisponde nella sostanza allacapacità di refirirse alla propria o altruiesperienza per poterne ricavaresoluzioni utili a un bisognoemergente.§ Dunque, la curiosità,quindi l’imitazione, quindi il ricordodell’esperienza, sono le premessefilogenetiche per una rapidissimadecisione concernente ogni volta lavita o la morte. (…) Chi sa sceglierevelocemente tra più ricordi ne resultaavvantaggiato… Si evolve così uncomportamento di scelta sempre piùefficace. Al punto di acquisire lacapacità di immaginare esperienze nonancora accadute (…). È la nostracapacità di progetto e, in funzione diquesta, la capacità di produrre ricerca(lo sperimentare ciò che non è ancoraavvenuto).›

O designer será assim o actor que junta partes da realidade paracriar um todo, real. Será talvez um misto de actor e encenador namedida em que a peça existe em função de quem a coloca em cena.Ao contrário da ciência, em que o conhecimento científico deveráser válido independentemente de quem o produz ou recebe, é muitonatural que – dependendo do programa – dois designers nãopartilhem as mesmas opções, ainda que com pressupostos idênticos.As emoções empregues como matéria prima não são nunca asmesmas. Um designer não é apenas um leitor da realidade: lê aomesmo tempo que reescreve.

Esta metáfora do designer como actor serve apenas para realçar maisuma vez a importância do indivíduo nos fazeres design. Serve paraenfatizar o valor de uma experiência qualitativa que não se ensinamas que condiciona o fazer de um designer. Enzo Mari fala destacapacidade de imitação no decurso do projectar:‹Desta última (curiosidade) advém a capacidade de imitação quecorresponde na essência à capacidade de (o designer) se referir à suaou outra experiência para aí poder encontrar soluções úteis para umanecessidade emergente. § Assim, a curiosidade, ou imitação, ou amemória da experiência, são as premissas filogenéticas para uma tomadade decisão rapidíssima, por vezes de vida ou de morte. (…) o que sabeescolher rapidamente de entre as várias memórias fica em vantagem…Desenvolve-se assim um comportamento de busca cada vez mais eficaz.Ao ponto de adquirir a capacidade de imaginar eventos que ainda nãoaconteceram (…). É a nossa capacidade de projecto, e em função dela,a capacidade de produzir investigação (o experimentar aquilo queainda não aconteceu).›

Outro papel de que se poderia falar nesta relação entre designer edesign é a ideia de paternidade. Como na educação de um filho,o projecto de um artefacto chegará a um estádio em que esse produto

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‹Inspiration, the muse experience, islike telepathy. Nowadays one hardlydares to say that inexplicablephenomena exist for fear of beingkicked in the balls by the positivistsand the behaviourists and otherhyperscientists.›

terá de garantir a sua própria existência. Porventura, como emdiversas existências, poderá ser obrigado a transformar-se parasobreviver. Mediante os contextos em que é inserido, um artefactotem diferentes funções e não poderá estar colado à sua funçãooriginal. Se o fizer, corre o risco de se extinguir. Este corte umbilicalé outra das características fundamentais do designer. Se esse cortenão existir, se um produto só existir na dependência de quem ocriou poderemos falar verdadeiramente de um projecto acabado?Billak crê que não, que o design só existe quando precisamente nãoestá presente o seu autor. Poder-se-á pensar que sim mas então oque existe é apenas a representação do seu autor e não de umamensagem, ou de uma função. Não é o artefacto que vive com umaetiqueta mas antes o designer que se multiplica em pequenos totens.A representação deixa de ser uma ideia passando a ser o própriodesigner, não as suas ideias mas o seu nome, a sua face, a sua marca.

O designer no design

Dos autores consultados, poder-se-á verificar que tanto Alan Fletcher– crítico da excessiva dependência de métodos e parametrizaçõescom que se tenta definir a prática do design – como Enzo Mari,dedicam ao designer como indivíduo uma importância significativano todo do design. Alan Fletcher começa aliás o seu livro fazendouma crítica severa aos que preferem a análise à experiência e nocapítulo ‘Ideias’, ainda sobre o cepticismo (diabolização?) da academiaperante o indivíduo, cita John Fowles: ‹A inspiração, a experiênciada meditação, é como telepatia. Actualmente quase não nos atrevemosa dizer que existem fenómenos inexplicáveis com receio de levarmos umpontapé nos tomates de positivistas e behaviouristas e outroshipercientistas›.

Enzo Mari, como vimos anteriormente, define design a partir detrês vectores: a) a produção, onde estão contidos os limites e os

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13. Billak, Peter. Underdesign,overdesign, redesign.Publicado em www.icograda.org.© 2001, Dot dot dot Magazine

‹a designer's work can also be hisdecision to do nothing.›

*‹(Design) It's an intuitive processinvolving search, discovery, recognition,evaluation, rejection or development.›Alan Fletcher

objectivos de um projecto – o programa; b) a ciência, ou tudo o que serefere às leis físicas – a tecnologia; e c) a expressividade, que Maritambém chama de transcendência. Esta última alínea é a que contémtodos os saberes artísticos e por isso mesmo é a que ‘não se pode’ ensinarou objectivar. Também Fletcher, numa das suas definições de design,classifica-o como uma actividade intuitiva*, de onde se depreende queo design não existe sem a pessoa que o faz, o que, mais uma vez, obstaà necessidade de objectividade absoluta que os discursos científicosreclamam e que o design, como um todo, não parece ter.

Que importância terá então o autor no contexto geral de um trabalho?Obviamente, depende do programa de cada trabalho: necessitaríamosde classificar e tipificar os diversos trabalhos dentro do design. O quese pode no entanto afirmar, com esperança de consenso, é que há projectosonde a autoria não deverá ser reclamada sendo o programa ou atecnologia os factores preponderantes. Outros, onde se apela precisamenteao traço individual de quem desenha para que o programa se cumpra.É importante referir no entanto que mesmo nos casos em que o designer,por necessidade de programa ou por decisão pessoal, retire do produtofinal algum indício de uma expressão própria ou reconhecível, essamesma ausência é autoria, é, ou passa a ser, o próprio traço afirmativode uma (não) expressão. Como refere Billak13, ‹o trabalho de um designerpode ser também a sua decisão de nada alterar›.

Este é um conceito fundamental para o design e para os designers. Numambiente cada vez mais preenchido, o não fazer nada pode ser muitasvezes a melhor decisão possível. Em última instância, a melhor decisãopossível é o que se deve esperar de qualquer projectista.

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14. Cross, Nigel. Designerly waysof knowing: design disciplineversus design science. Design PlusResearch: Proceedings of thePolitecnico di Milano Conference,edited by Silvia Pizzocaro, AmiltonArruda, Dijon De Moraes. Milan.Politecnico di Milano. 2000.

*. Deledalle, 2000.

15. Lisboa, Fernando. A Semióticade Charles Sanders Peirce: EnsaioPreliminar, 2001.http://home.kqnet.pt/id010313/html/8.html

abdução: LÓGICA silogismo cujapremissa menor é apenas provável (Dolat. ecl. adductione-, “afastamento,acção de levar”)

Dicionário da Língua Portuguesa. Porto Editora, 8ªedição, 1999

silogismo: LÓGICA inferência mediata constituída por três proposições, duaschamadas premissas e a terceira, conclusão (cada uma encerra um sujeito eum predicado, portanto dois termos, pelo que, ao todo, o silogismo relacionatrês termos)

Investigar o inexplicável?

A sensação que se tem quando se tenta perceber algumas destasquestões é que de facto se entra em terreno do inexplicável, dometafísico. Mari diz transcendente e dá o exemplo do ‘1+1=3’ paratentar explicar o que acontece no vector da expressividade. NigelCross, perante esta necessidade de se perceber a pessoa no fazerdesign – segundo o próprio, ‹uma habilidade humana natural›14 –defende precisamente que esta é uma das tarefas imediatas nainvestigação do design: perceber como se processa esta capacidadenatural para se fazer design.

Mas como se investiga o inexplicável? O primeiro passo seráporventura deixar de o considerar inexplicável, antes desconhecido.Uma grande porção das descobertas que se fizeram desde o séculoxvii tinham também esse véu pesadíssimo da inexplicabilidade,domínio dos deuses. Também hoje, sem fundamentalismos deordem metafísica ou positivista, deveremos embarcar no estudo doque não conseguimos, ainda, perceber.

Segundo Fernando Lisboa15, o pensamento de Charles Peirce revela--se de extrema utilidade para a compreensão do pensamento deprojecto. Lisboa define a inteligência científica como ‹uma inteligênciaque infere, ou seja, que conhece isto através daquilo (…)Contudo, ainferência não se define como um processo ora indutivo ora dedutivo,não estando (…) submetida exclusivamente nem ao império dos factosnem ao império das leis*. Peirce propõe um terceiro momento constitu-tivo da inferência: a abdução ou a lógica da descoberta›. De facto, estapossibilidade de passarmos de uma ideia de inexplicação para umalógica de abdução permite-nos ir mais longe na investigação dosfazeres design. A dedução permite certezas absolutas, a induçãoapenas verdades parciais, e a abdução, podendo definir proposições

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perfeitamente verdadeiras, pode também cair numa ilação totalmentefalsa.16 Defende Lisboa que esse salto abdutivo, sempre arriscado pornão ser garantia de sucesso, é aquilo que os projectistas fazem nasua actividade diária. Projectam (n)o futuro a partir do presentenuma inferência possibilitadora de cosmos e caos. Como afirmaGlanville17, o que temos que fazer é o design da investigação do design. 17. Ranulph Glanville, Researching

Design and Designing Research.‘Design Issues’15 (2) Summer1999,2.

16. Demonstração esquemática dossilogismos de dedução, indução eabdução.

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PROJECTO

‘Projecto’ será porventura a palavra que mais informa sobre o que édesign, ou arquitectura, ou outro fazer centrado na antecipação dealgo como forma de melhorar o que nos rodeia. Mais uma vez, ésinónimo do processo que conduz da dúvida à proposição e, aomesmo tempo, também desse culminar. Enzo Mari defende que aqualidade da nossa vida depende de três necessidades básicas: aalimentação, para a sobrevivência individual; a reprodução, para asobrevivência da espécie; e o projectar, que combinado com os doisprimeiros é o que define a qualidade da vida que temos.

No primeiro dos temas deste capítulo discutíamos já a ideia do designcomo uma actividade humana. Projectar é a reunião do design, dodesigner e da sua vida. Naturalmente, a palavra ‘projecto’ designaessencialmente o processo de desenho de um edifício, de uma estrutura,de uma mensagem visual ou de um objecto e os desenhos técnicosque, segundo códigos adequados, permitem que esses artefactos sejamconstruídos e/ou entendidos por outros que não os seus criadores. Aesta forma mais comum de se entender projecto, Enzo Mari acrescentaa visão de projecto como aquilo que permite que o indivíduo se sintarealizado, daí a ideia de necessidade básica, o tipo de actividade quealguém desenvolve quando tem um hobby.

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18. Simon, Herbert. As Ciências doArtificial, Colecção Studium, ArménioAmado – Editor, Sucessor. Coimbra,1981.

19. Dicionário da Língua Portuguesa. Porto Editora, 8ªedição, 1999

projectar, A v. tr. lançar longe; arremessar; arrojar; fazer cair sobre; fazerincidir; representar por meio de projecções; vomitar; lançar de si; formar oprojecto de; planear B v. refl. delinear-se; prolongar-se; incidir; cair (Do lat.projectáre, «lançar para diante»)

projectista, adj. e s. 2 gén. Pessoa ou designativo da pessoa que elaboraprojectos; pessoa que prepara projectos em actividade industrial; maquinador(De projecto+-ista)

Herbert Simon, prémio Nobel da Economia em 1978, no seu livro‘As Ciências do Artificial’18, desenvolve no capítulo ‘A Ciência doProjecto: criando o artificial’, a ideia de que projecto é algo que deveser ensinado a toda a gente. Afirma Simon: ‹Se me fiz compreenderpodemos então concluir que o objecto de estudo próprio da humanidadeé a ciência do projecto, não só como componente profissional dumaeducação técnica, mas também como disciplina nuclear para todos oshomens liberalmente educados›.

É atribuída a Confúcio uma frase que tem um significado semelhante:‹Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem umdia na tua vida›.

Definições

Mais uma vez, ter presente os significados de uma palavra é fundamentalpara a sua discussão, assim como as palavras que lhe são próximas,ainda que suficientemente diferentes para melhor se caracterizarementre si. Sobre esta temática, escolheram-se três palavras: a) ‘projectar’,o verbo que por sê-lo nos indica o espaço temporal cujos processos,dependentes de outras variáveis, hão-de levar a conclusões, possíveissoluções; b) ‘projectista’, o indivíduo que pratica o projecto, a palavraque põe em destaque a pessoa por detrás dos processos inerentes aoprojectar; e c) ‘projecto’, a palavra que implica processo mas tambémo seu fazedor e as suas conclusões e daí ser a palavra que poderá definirde uma forma mais completa a natureza da suas práticas. De umdicionário da Língua Portuguesa, generalista, retiraram-se as suasdefinições.19

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projectante, A adj. 2 gén. que projecta B s.f. e adj. recta que liga um pontocom a sua projecção numa superfície; superfície ou designativo da superfíciedefinida por uma linha e a sua projecção sobre um plano (De projectar+-ante)

projecto, s.m. plano para a realização de um acto; esboço; representaçãográfica e escrita, acompanhada de um orçamento que torne viável a realizaçãode uma obra; cometimento; empresa; desígnio; tenção; FILOSOFIA na filosofiaexistencial, aquilo para que o homem tende e é constitutivo do seu serverdadeiro, ›PSICANÁLISE EXISTENCIAL; (…) (Do lat. projectu-, «lançado», part.pass. de projicere, «lançar para a frente»)

A estas primeiras palavras, juntou-se depois a definição das suas‘vizinhas geográficas’ no dicionário, parentes próximas na famíliavocabular. A palavra ‘projectante’ é, nesta perspectiva de análise à raizprojecto, uma palavra importante porque o seu uso se reporta quasesempre a um código muito objectivo, à geometria.

As definições de um dicionário generalista não serão perfeitas. Numcaso específico como a geometria, as imperfeições são ainda maisnotórias. Seria importante clarificar por exemplo que a característicafundamental das projectantes é ‘fazer existir’ determinado objecto enão apenas ligar a projecção, que é em geometria a existência, aoobjecto que a produz. As projectantes são o que permite perceber,construir, qual o efeito de uma acção qualquer, como a incidênciados raios solares ou a própria visão do homem, num determinadoplano, real ou imaginário. Seria impossível fazer-se um dicionáriocom um grau de exactidão total mas para o que nos interessa, paraeste estudo sobre projecto, é importante perceber exactamente o queé cada coisa para podermos também estabelecer outras relações deparentesco para além da área vocabular. Aquilo que as projectantesfazem na geometria, de uma forma exacta, será porventura análogoao que os protótipos ou maquetas tentam antecipar num projecto,os efeitos da solução apontada na realidade ou parte dela, no planode projecção pré-definido. Surge a palavra ‘projecção’.

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projecção, s.f. acto ou efeito de projectar ou projectar-se; lanço; GEOGRAFIA

sistema de representação de uma parte da Terra ou da esfera celeste, comoprojecção sobre um plano; imagem sobre uma superfície e referida a determinadoponto de vista; GEOMETRIA ~ de um ponto sobre um plano traço que tem, noplano de projecção, a recta que une o ponto a projectar com o centro deprojecção; sistema de ~ par ordenado, constituído por um plano (plano deprojecção) e por um ponto exterior ao plano (centro de projecção); sistema de~ cilíndrica sistema em que as projectantes são paralelas (centro de projecçãoa distância infinita); sistema de ~ cónica sistema em que as projectantes sãoconcorrentes (centro de projecção a distância finita); sistema de ~ ortogonalsistema em que as projectantes são perpendiculares ao plano de projecção;PSICOLOGIA mecanismo pelo qual o indivíduo projecta inconscientemente forade si o que experimenta em si mesmo, acto pelo qual o indivíduo atribui aosoutros os seus próprios sentimentos ou manifesta nas suas obras a sua naturezaprópria, ›projectivo (Do lat. projectione-, «id.»)

A definição de ‘projecção’ ligada à psicologia é das recolhas maisinteressantes porque nos leva a uma parte do projectar que, aindaque afastada dos objectos do fazer, dá uma informação mais profundae determinante para a compreensão do que é um projecto enquantoproduto de uma pessoa ou equipa de pessoas. Será que a definiçãode ‘projecção’, ligada à psicologia, é mais correcta para a actividadede projectar enquanto projectadora de uma entidade que é o autor?O design e a arquitectura estariam entre o projectista e a projecção.A arte terá mais a ver com a projecção. A Engenharia reflecte maiso projectista, não projectado.

Poder-se-ia sugerir a palavra projectação para definir este ‘projecto+projecção’. O projecto seria assim uma actividade – verbo – reflexivoe ao mesmo tempo transitivo. Projecta-se (o autor) ao mesmo tempoque projecta, lança para o plano, palco da materialidade ou realidade(sensível).

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A globalidade da prática ou a prática da globalidade

Uma das razões que torna difícil estabelecer parâmetros para se poderinvestigar objectivamente o design, é a transversalidade de assuntosque atravessa, mesmo num pequeno projecto. A metáfora entre designe actividade humana, introduzida no início deste capítulo, indiciaprecisamente essa dificuldade de se extrair um pouco da sua matériapara dela se fazer uma teoria. Como uma teoria implica o ser válidapara todo o campo que se estuda, que parte dessa globalidade poderásignificar o todo? Voltamos ao problemas das inferências.

Sobre esta problemática, as opiniões patentes nos textos estudadossão claramente divergentes. Alan Fletcher defende precisamente queo projectar é indivisível e que não se pode analisar parcialmente. Dácomo exemplo o andar de bicicleta, um saber que não pode serdividido em olhar para a frente, pedalar, colocar o peso do corposegundo a oscilação da bicicleta, e assim por diante. Ainda que todasestas premissas tenham de existir, é difícil descrever o andar de bicicletasem exemplificar. Dito, poderia ser algo tão estranho como: eu achoque sei andar andar de bicicleta.

Tão difícil como explicar a alguém o que é sentir frio. Há poetas quedominam de tal forma o discurso verbal que tornam possível aosleitores a experienciação de sensações como se fossem reais. Masmesmo essas serão ficcionadas, a menos que já se tenha dessessentimentos uma experiência real a que se possa voltar a partir decertos estímulos. Afinal, aquilo que se referia anteriormente sobre odesigner como actor, sobre a memória de experiências passadas. Nestecaso, em vez de memórias afectivas, trata-se de memórias sensoriais.

Enzo Mari, que partilha desta opinião, chama-lhe a redundânciaglobal, que não segmentável dado que é na dialética entre o objectivo

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20. Nos esquemas apresentados, EnzoMari representa no desenho à direitao universo da investigação em ciência,passível de ser reduzido quase infinita-mente, revelando-se a capacidade quea ciência adquiriu já há várias décadasde funcionar em rede, com adição de

pequenas partes para a formação deum grande todo. No desenho mais àesquerda, a espiral representa oprocesso de design que existenecessariamente no diálogo/ confrontocom a realidade – plena decontradições – do seu meio envolvente.

e essa globalidade que o projecto se manifesta. Apresenta aliás porintermédio de diagramas20 a diferença entre um objecto de estudo daciência, que pode ser microscópico, e o do projecto que não conseguiráabstrair-se do seu meio. Mais, necessita do meio para ser.

Nos outros textos em análise, a opinião é claramente diferente, aindaque não seja negada a complexidade de se estudar o design fora doseu contexto global. Este capítulo, e a maior parte da produçãoacadémica na área do design, não é mais do que a tentativa de o fazer:dirigir o esforço de compreensão para um ponto particular dessecontexto global. Peter Downton tem também no seu livro esse mesmopropósito, o de estudar a globalidade da investigação para poder aí

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21. Mari, Enzo. Progetto e passione,Bollati Boringhieri, col. Arte eletteratura, Torino. 2003.

situar o design, tentando extrair nesse processo aquilo que sãosemelhanças mas sobretudo as diferenças entre as várias práticas deinvestigação.

Projecto e paixão

Tal como refere Enzo Mari, não haverá apenas um método para seprojectar e tentar sintetizar tudo o que há numa única fórmula seriaerrado. Aconselha apenas a tentar identificá-los e expô-los para quedo seu conhecimento possam surgir formas mais específicas tendoem conta o objectivo, as condicionantes ou o autor.

A leitura de Progetto e passione21, permite perceber um acertoextraordinário entre o seu título e o seu conteúdo, mas de uma formadiferente do que se possa pensar antes de o ler. A leitura mais óbviaserá provavelmente a de que será necessária uma grande dose dedevoção para se fazer projecto o que de certa forma se confirma: apalavra ‘paixão’ seria complemento directo da frase que teria comosujeito o ‘projecto’. No entanto uma segunda leitura é a de que sepoderá também construir uma frase em que ‘paixão’ seja sujeito.

Poder-se-á descrever o tipo de relação de Enzo Mari com o ‘projecto’a partir de um exemplo fácil, o da paixão por alguém. A mensagemque Enzo Mari nos passa é a de uma certa dose de neurose, combustívelpara uma elaboração mental que decantada pelo desenho nos surjacomo desígnio, solução, ou resposta a uma pergunta que quandoconsegue ser respondida, resolve-se também como pergunta, arepresentação. Afirma Mari: ‹Um projecto não pode ser senão a respostaa uma necessidade e uma necessidade não pode ser expressa senão atravésde uma pergunta. Ainda que a pergunta inicial, à primeira vista, possaparecer clara, mesmo que possa ser colocada pelo próprio projectista, apósum primeiro exame ela revela-se sempre incompleta ou com algum grau

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22. Huxley, Aldous. AdmirávelMundo Novo [t.o. ‘Brave NewWorld’, 1931], Livros do Brasil, col.Dois Mundos, Lisboa, 2001.

‹Affermare che l’utopia è morta e insuo luogo dare sfogo sfrenatamente auna creatività formale senza regole(nel senso di ideali) non è altro checonfermare il dominio della merce; direche il progetto non può eludere ildominio della merce equivale a direche, poiché ogni uomo deve morire,tanto vale non progettare o limitarsi aprogettare oggeti funebri. (…) § Utopiaè il luogo felice che non c’è…›

Para Enzo Mari, design tem a ver cominteligência e não com criatividade queidentifica como ‘kitsch’.

de incerteza. (…) É necessário por isso um aprofundamento que continuadurante todo o arco do processo de projecto e termina, temporariamente,com a conclusão do mesmo. Poder-se-á mesmo dizer, não tão paradoxalmentecomo isso, que um projecto não busca senão a definição da pergunta queo gerou›. É utopia pensar que todos poderíamos ser assim, mas éprecisamente essa a mensagem de Enzo Mari.

Aldous Huxley, num prefácio de 1943 para uma reedição do ‘AdmirávelMundo Novo’22 – editado pela primeira vez em 1931 – afirma: ‹Seeu tornasse agora a escrever este livro, daria ao Selvagem uma terceirapossibilidade. Entre as soluções utópica e primitiva do seu dilema haveriaa possibilidade de uma existência sã de espírito – possibilidade actualizada,em certa medida, entre uma comunidade de exilados e refugiados queteriam abandonado o Admirável Mundo Novo e viveriam dentro doslimites de uma Reserva. Nessa comunidade, a economia seriadescentralizada, à Henry George, a política seria Kropotkinesca, cooperativa.A ciência e a técnica seriam utilizadas como se tivessem sido feitas parao homem e não (como são presentemente e como serão ainda mais nomais admirável dos mundos novos) como se o homem tivesse de seradaptado e absorvido por elas ›. Projecto implica a construção depossibilidades.

Mari: ‹Afirmar que a utopia está morta e no seu lugar fugir desenfreada-mente para uma criatividade formal sem regras (no sentido dos ideais)não é mais do que confirmar o domínio do mercado; dizer que o projectonão pode escapar a este domínio equivale a dizer que, porque cada homemirá morrer, tanto faz projectar ou não projectar, ou projectar apenasobjectos fúnebres. (…) § Utopia é o lugar feliz que não existe…›

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23. Jones, J.C.. How my thoughtsabout design methods havechanged during the years. DesignMethods and Theories, 11, no.1.1977.citado em:Cross, Nigel. Designerly ways ofknowing: design discipline versusdesign science. Design PlusResearch: Proceedings of thePolitecnico di Milano Conference,edited by Silvia Pizzocaro, AmiltonArruda, Dijon De Moraes. Milan.Politecnico di Milano. 2000.‹In the 1970s I reacted against designmethods. I dislike the machinelanguage, the behaviourism, thecontinual attempt to fix the whole oflife into a logical framework›

24. Downton, Peter. DesignResearch. RMIT University Press,Melbourne. 2003.

INVESTIGAÇÃO

O conhecimento e o saber

Um dos pioneiros da investigação do design como ciência na décadade 1960, J. Christopher Jones23, alguns anos mais tarde e já desiludidocom a visão cartesiana da investigação em design, escreveu: ‹Nos anos1970 reagi contra os métodos do design. Desagrada-me a linguagem demáquina, o behaviourismo, a contínua tentativa de encaixar o todo davida numa matriz lógica ›. Tal como Jones, existe neste trabalho algumcepticismo sobre a ideia de que conhecimento pressuponha umaaplicação do método científico ao design. Precisamente por issoprecisamos de estabelecer novas formas de se produzir conhecimento.

A ideia de conhecimento é de facto fulcral para a investigação. Inves-tigamos para incrementar o Conhecimento. Mas este Conhecimento,como refere Downton, não é apenas o conjunto de coisas que sabemosserem de tal forma mas também aquilo que sabemos não ser de talforma, uma espécie de ‹conhecimento dos limites do Conhecimento›.24

Vários autores trabalham a noção de o que é o Conhecimento paradaí construírem definições e objectivos mais claros para as suas próprias

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disciplinas, senão vejamos: Downton, a partir de uma divisão a ‹queepistemologistas recorrem frequentemente›, refere três categorias deconhecimento: (a) conhecimento prático, (b) conhecimento factual,e (c) conhecimento por familiaridade.

O primeiro, conhecimento prático, refere-se ao tipo de conhecimentode como fazer qualquer coisa, como conduzir um carro. Do pontode vista do design seria algo como saber fazer design ou, melhor, saberprojectar (how to design). Ou, ainda de forma mais específica, saberfazer o design de sinalética de um edifício público. Enumerar todosos ítens necessários para que se possa dizer que se está apto para estetipo de conhecimento seria tarefa quase impossível e por isso mesmoé algo que se demonstra fazendo, tal como o andar de bicicleta. Émais fácil fazer do que explicar. Daqui surgirá o paradigma do ensinodo design como simulação, nas disciplinas de projecto, de práticasde ateliê. É evocado aqui o talento mais do que um conhecimento.

O segundo tipo de conhecimento, conhecimento factual, será o tipode conhecimento que consideramos inquestionável, de que algo é detal forma. Voltando ao exemplo da condução, seria por exemplo saberque se pressionarmos o pedal da embraiagem o carro não acelera ouque para subir uma rua com determinada inclinação necessitamos deengrenar uma velocidade baixa. Não podemos ainda dizer que sabemosconduzir (conhecimento prático) mas sabemos algumas das coisasnecessárias para o poder fazer.

Conhecimento por familiaridade, o último, refere o tipo de conheci-mento que não implica qualquer profundidade. Saber por exemploque alguém se despistou no dia anterior enquanto subia uma ruaíngreme. Não é aqui necessária qualquer perícia de condução ousequer dos seus fundamentos. Sabe-se apenas algo sobre um acidentede viação.

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‹Normally, empirical research isundertaken in respect of a predefinedbody or corpus of material, usuallyartefacts of some kind. Once such acorpus has been assembled, examined,described, categorized, classified andcompared, the historian may feelconfident about making somegeneralizations derived from thematerial, that is, induction rather thandeduction›‹In my list of design historians’ work,theory and empirical research werecited separately. Such a separation is,of course, highly problematical.Philosophers of science have arguedthat all empirical research is theory-laden.›

25. Walker, John A.. Design Historyand the History of Design, PlutoPress, London, 1989.

‹(…) As if action which followsreflection, or reflection which followsaction, can be put in a box exclusivelymarked ‘practice’. Research is apractice, writing is a practice, doingscience is a practice, doing design isa practice, making art is a practice.The brain controls the and whichinforms the brain›

Ainda sobre diferentes formas de Conhecimento, John Walker,25 aocaracterizar uma das tarefas que cabem ao historiador do design – ainvestigação empírica – volta a trazer ao debate a relação entre oconhecimento artístico e o conhecimento científico: ‹Normalmente,a investigação empírica é efectuada em relação a um corpo de materiaispredefinido, quase sempre artefactos de alguma espécie. Uma vez reunido,examinado, descrito, disposto por categorias, classificado e comparado essecorpo, o historiador pode então sentir-se confiante em propor algumasgeneralizações derivadas desse material, ou seja, indução e não dedução›.Surgem novamente os termos indução e dedução, aqui como opostos.Mas a seguir remata com a impossibilidade de separar prática e teoria:‹Na minha lista sobre o trabalho de historiadores de design, teoria einvestigação empírica foram citados em separado. Tal separação é,obviamente, bastante problemática. Filósofos da ciência têm defendidoque toda a investigação empírica é guiada pela teoria›.

Frayling, no artigo fundador desta dissertação, refere a certa altura:‹(…) Como se a acção que segue a reflexão, ou a reflexão que segue aacção, pudessem ser colocadas numa caixa com o nome ‘prática’. Ainvestigação é uma prática, a escrita é uma prática, fazer ciência é umaprática, fazer arte é uma prática. O cérebro controla a mão que por suavez informa o cérebro›.

Ciência e design

O tema da investigação em design está inevitavelmente ligado àinvestigação científica. De tal forma que quase todos os artigos ligadosao tema Design Research abordam a questão da ciência e a forma comoaí se produz conhecimento.

O artigo de Frayling, como vimos no capítulo que se lhe dedica atrás,começa por decompor a palavra Research para estabelecer que a palavranão é exclusiva da ciência, embora tenha sido nas últimas décadasutilizada para caracterizar aquilo que são as suas práticas e os seus

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26. Cross, Nigel. Designerly waysof knowing: design disciplineversus design science. Design PlusResearch: Proceedings of thePolitecnico di Milano Conference,edited by Silvia Pizzocaro, AmiltonArruda, Dijon De Moraes. Milan.Politecnico di Milano. 2000.

"In the 1920s, with a search forscientific design products, and in the1960s, with a search for scientificdesign process"

actores, uma espécie de 'colonização' da palavra que leva a que qualquerdesigner que a empregue se sinta obrigado a contextualizá-la ou entãoa usar outra semelhante.

Também Peter Downton se refere a esta apropriação do significantepor apenas um dos significados (Frayling divide a palavra em doistipos, com maiúscula e minúscula), refere-se ao ‘monopólio’ que aciência exerce sobre a palavra Investigação (Research), monopólio quefez (faz) com que algumas disciplinas se sentissem obrigadas a colocara palavra ‘ciência’ a anteceder o seu objecto de estudo – ciências dacomunicação, ciências sociais – para que se pudessem considerardignos da palavra ‘investigação’. Obviamente, esta aproximação aoparadigma científico e consequente ‘respeitabilidade’ adquirida, trouxenão apenas o nome mas também os métodos de pesquisa, os processosde verificação, a objectividade absoluta.

Ao nível do design, algo de semelhante se passou em alguns momentosda sua história. Nigel Cross26 aponta dois momentos na história dodesign onde esta preocupação na ligação entre design e ciência severificou: ‹nos anos 1920, com a procura de produtos de design científicos,e nos anos 1960, com a procura de um processo de design científico›.Nota também que a verificar-se uma repetição do ciclo de quarentaanos entre estes períodos, então a primeira década do século xxi seriao próximo grande período de discussão sobre este tema. De facto, asua previsão terá sido acertada tendo em conta o número de publicaçõessob o tema Design Research. No entanto, a ligação à ciência será agoravista com mais relutância, percebendo-se que se tratam de dois camposdiversos e que as suas actividades não serão passíveis de se escrutinarempelos mesmos processos.

Inerente a esta procura do método ideal de pesquisa está o conceitode verdade. Mas como se pode dizer que algo que ainda não existe

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27. Rittel, H. and Webber, M..Dillemmas in a General Theory ofPlanning, Policy Sciences, 4 (1973),pp.155-169.

28. Alexander, Christopher. Notes onthe synthesis of form, HarvardUniversity Press, Cambridge,Massachussets, 1964.29. Gregory, S.A.. Design Science,in Gregory, S.A. (ed) The DesignMethod, Butterworth, London, 1966.30. Simon, Herbert. The Sciences ofthe artificial, MIT Press, Cambridge,Massachussets, 1969.

* Esta tradução foi feita a partir da transcrição do artigo de Nigel Cross: ‹The Natural Sciences are concerned withhow things are… design on the other hand is concerned with how things ought to be› . No entanto, a consulta de umaedição em português do mesmo livro, datada de 1981, traduzido por Luís Moniz Pereira, apresenta uma outra versãomuito diferente e que mais uma vez vem realçar a importância dos significados: ‹Dizemos que a engenharia se ocupada «síntese», enquanto a ciência diz respeito à «análise» (…) O engenheiro ocupa-se de como as coisas devem ser(…)› . Neste livro não figura a palavra design. Pela comparação da frase retirada por Cross com a do livro em português,infere-se que em vez de design o tradutor usa engenharia. Hoje, 25 anos mais tarde, esta tradução está obviamentedesactualizada mas se recuarmos à época podemos perceber que o emprego da palavra design no ‘português’, porexemplo nos cursos superiores das escolas de Belas-Artes, era muito recente. A referência do livro em português é:Simon, Herbert. As Ciências do Artificial, Col. Studium, Arménio Amado – Editor, Sucessor, Coimbra, 1981.

é ou não verdadeiro, ou exacto? Frayling di-lo a partir da desconstruçãoda palavra Research. Downton refere que a ideia de verdade, já em simuito controversa, só pode ser usada dentro do seu próprio sistema.De facto, podemos dizer sem qualquer espécie de dúvida que a raízquadrada de 4, em matemática, é 2. Mas se estivermos a falar dedesign poderemos perceber melhor a afirmação ‘1+1=3’, que EnzoMari apresenta para tentar descrever design, considerando-a assimverdadeira. Aquilo que qualquer criança de sete anos sabe ser falsose se tratar de um exercício de matemática é aquilo que um designercom várias décadas de experiência afirma como uma das característicasdo design, a sua componente ‹transcendente›.

Podíamos também analisar alguns adjectivos usados para caracterizaresta transcendência. No seu artigo, Nigel Cross cita Rittel and Webber27

que em 1973 designaram as questões do design como sendo wicked,estranhas ou esquisitas, ao contrário dos problemas da ciência que setratavam de problemas ‹domáveis›.

Ainda sobre as distinções entre design e ciência, Cross recorre acitações de três autores diferentes: Christopher Alexander28, SidneyGregory29 e Herbert Simon.30 Alexander: ‹Scientists try to identify thecomponents of existing structures, designers try to shape the componentsof new structures›. Gregory: ‹The scientific method is a pattern of problem--solving behaviour employed in finding out the nature of what exists,whereas the design method is a pattern of behaviour employed in inventingthings…which do not yet exist. Science is analytic; design is constructive›.Simon: ‹As ciências naturais preocupam-se com o como são as coisas…o design, por outro lado, preocupa-se com o como as coisas devem ser›*.

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31. ‘Science disembodies; artembodies.’ John Fowles,citado por Alan Fletcher em The Artof Looking Sideways.

32. Archer, B.. A view of the natureof design research, in Jacques,R.and Powell, J. (eds.). Design:Science: Method, Westbury House,Guildford, 1981.‹Research is sistematic enquiry, thegoal of which is knowledge›

Alan Fletcher partilha também desta opinião, citando John Fowles31

que caracteriza ciência como a busca de padrões pela separação dotodo, e a arte (a ideia de arte e design como ‘par’ atravessa quase todosos autores britânicos), como a construção a partir do que existe. Sãoactividades contrárias.

Investigação

Nigel Cross refere no último parágrafo do seu artigo Designerly Waysof Knowing que ainda estamos a construir o paradigma apropriadopara investigar o design. É de tal forma acertada esta afirmação que,em quase todos os textos lidos durante a execução desta dissertação,torna-se notória uma necessidade absoluta de ir à raiz das palavras,ir ao primeiro dos seus significados. Christopher Frayling fá-lo paraResearch (Re+Search), Peter Downton também, não apenas paraResearch (Investigação ou pesquisa) mas também para Conhecimento.Também Cross apresenta uma definição, não dele mas de Archer32,porventura das mais simples e definidoras do que significa investigação:‹Investigação é indagação sistemática, cujo objectivo é conhecimento›.

A palavra ‘sistemática’ é talvez a mais importante porque torna acolocar a questão da relação entre a ciência e o design. Downtonrefere que é por isso que algumas disciplinas se sentiram obrigadasa migrar para o paradigma da ciência, para uma espécie de validaçãopelo selo de respeitabilidade e confiança da ciência. Vimos no entantoque, no design pelo menos, essa passagem foi fugaz por pressuporum ceifar de outras possibilidades de estudo, outras formatações paraa pesquisa, mais próximas ao objecto de estudo do design. A questãoda avaliação e comunicação dos resultados é um dos temas recorrentese tanto Cross como Downton referem não apenas os textos mastambém os próprios exemplos de trabalhos prévios de design queincorporam em si um tipo de conhecimento implícito e que por isso

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33. Roth, Susan. The State of DesignResearch. Design Issues 15 (2)Summer 1999, 2.

poderão e deverão ser estudados. Downton refere ainda a importânciadas imagens, dos diagramas, formas de comunicar complementaresdo verbo. Susan Roth,33 no seu artigo na Design Issues, avança com aideia de pensamento qualitativo e pensamento quantitativo.

Cross apresenta por sua vez uma listagem de características que ainvestigação (em design) deverá conter para que se possa garantir umtrabalho eficaz. Para este autor a investigação deverá ser:‹· Purposive – based on identification of an issue or problem worthy andcapable of investigation· Inquisitive – seeking to acquire new knowledge· Informed – conducted from an awareness of previous, related research· Methodical – planned and carried out in a disciplined manner· Communicable – generating and reporting results which are testableand accessible by others›.

Com Purposive, ou Intencional, entende-se que a investigação emdesign não deverá ser conduzida ao acaso. Purpose, ou propósito, seráassim o que deverá existir antes de se embarcar num processo depesquisa. Normalmente, a partir de outros paradigmas de investigação,esta característica tende a ser descrita segundo uma pergunta: Que…?;Quem…? Quantos…?. A própria elencagem destas característicaspor parte de Nigel Cross poderá ter sido a resposta à pergunta: quecaracterísticas deverão ser obrigatórias na investigação em design?

Inquisitive, ou Inquiridora, pressupõe uma prática de questionamentoe a procura de novos saberes de modo a aumentar o conhecimentona área em que se efectua esse estudo.

Informada. A investigação não deverá ser efectuada na base de crençasou convicções. Sendo eventualmente a força motriz para se encetarum processo de estudo, essas convicções deverão ser posteriormente

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‹the Minister for Health recentlychastised medical practitioners forprescribing outdated treatments andexhorted the medical profession toensure that general practitioners inparticular were kept informed of newpractices and research findings›

substituídas por certezas e demonstrações. No entanto, esta característicaimplica ainda outra ideia, a de que a investigação pressupõe sempreo estar a par das últimas contribuições e, eventualmente, dos axiomasou teorias mais recentes. Brian Allison, autor da ARIAD (AllisonResearch Index in Art and Design), num artigo de que não conhecemoso título, refere a este propósito um exemplo britânico envolvendo aclasse médica: ‹O Ministro da Saúde puniu recentemente alguns médicospor prescreverem tratamentos ultrapassados e apelou à profissão médicapara que assegure que nomeadamente os clínicos gerais sejam mantidosao corrente de novas práticas e descobertas da investigação›.

Metódica. Será provavelmente uma das características mais óbviasem qualquer processo de estudo que envolva a necessidade de perceber,num esforço para que se não caia em situações de saberes casuais.

E por último, a necessidade de se produzirem resultados comunicáveis,passíveis de serem testados, postos em causa e complementados. Acomunicação da investigação, e subsequente dispersão, será assimuma das características mais fundamentais em investigação. Estanecessidade faz com que seja atractiva a ideia de se converter tudoem material objectivo, mensurável. Um dos desafios maiores nainvestigação do design é saber como se pode comunicar o qualitativo.

Investigar design

A investigação que se tem vindo a desenvolver em design, nomeada-mente desde os anos 1970, não é isenta de críticas. Downton refereno seu livro algumas dessas críticas e é interessante perceber que umadas opiniões recorrentes é a de que a investigação que deveria ser sobredesign acaba por se centrar apenas sobre a própria forma de investigar.Alan Fletcher, na introdução de The Art of Looking Sideways escreve:

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34. Cross, Nigel. Design Research:A Disciplined Conversation. DesignIssues 15 (2) Summer 1999, 2.

‹Most books written on visual mattersare authored by those who analyserather than experience. Many are hardwork and littered with academic jargon– autistic tendencies, cognitiveexpectancy, formative causation. Theyare concerned with the mechanicsrather than the thoughts, with thematch rather than the fire›

‹A maioria dos livros escritos sobre matérias visuais são da responsabilidadede autores que analisam em vez de praticarem. Muitos são trabalhosárduos e cheios de jargão académico – tendências autistas, expectativacognitiva, causação formativa. Estão mais atentos à mecânica do que aospensamentos, mais atentos ao fósforo do que ao fogo›.

A investigação sobre design é quase toda sobre o como fazer e nãosobre o que é feito, o que É. Diz Fletcher, como exemplo, que seriacomo tentar fazer um livro para ensinar a andar de bicicleta. Não seráde facto possível aprender a andar de bicleta senão experimentandoo todo das partes que envolvem o andar: o equilíbrio, a direcção, avelocidade, a confiança, etc.. Podemos saber algumas dessas partes (oconhecimento factual, segundo Downton) mas o saber andar debicicleta pressupõe outras coisas.

Este tema de investigar sobre design tem no livro de Downton duasvertentes: o que o design deveria ser e o que o design é realmente. Asopiniões que refiro atrás pertencem à primeira, onde as questõesmetodológicas são forçadas a adaptarem-se a uma prática do designque no entanto se recusa a admitir essa norma. Na segunda, tenta-sea observação do que os designers realmente fazem para se tentarperceber algum tipo de padrão. Esta procura do padrão, tal comovimos atrás, assemelhar-se-ia ao tipo de pesquisa científica que a partirda análise do todo tenta perceber padrões, partes dessa totalidade. Oproblema, já o vimos, é que, provavelmente, a soma das partes émenor do que o todo.

Para tentar clarificar esta situação, Nigel Cross34 propõe uma taxonomiapara este campo da investigação. Avança, mais uma vez, três categoriasque por sua vez assentam em três tópicos de estudo que o autorconsidera serem as fontes do conhecimento em design: as pessoas, osprocessos e os produtos.

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35. Do,Ellen Yi-Luen, Gross, Mark D.,Zimring, Craig. Drawing and DesignIntentions, An Investigation ofFreehand Drawing Conventions inDesign. Proceedings DesignThinking Research SymposiumCambridge MA,1999.disponível em:http://depts.washington.edu/dmgftp/publications/pdfs/dtrs99-eyd.pdf

36. Schön, D.. The ReflectivePractitioner. Temple-Smith, London,1983.‹reflective conversation with thesituation›

Assim as três categorias seriam:‹(a) Design epistemology – study of designerly ways of knowing(b) Design praxiology – study of the practices and processes of design(c) Design phenomenology – study of the form and configuration ofartefacts›.

A primeira, epistemologia do design, seria a tentativa de compreenderde que forma é que a prática de designers revela um saber próprio.A ideia de um saber qualitativo, em vez de quantitativo, poderá serum conceito útil nesta categoria.

A segunda, o estudo das práticas do design, implicará a documentaçãode diferentes processos no design, numa tentativa de procurar algumaespécie de padrão, ainda que geral, que leve à definição de teorias.Um exemplo do que pode ser este tipo de investigação é propostopor Ellen Yi-Luen Do35, num artigo que tenta perceber a partir dosdesenhos de diferentes projectistas a forma de pensar dos mesmos.

A terceira categoria, a fenomenologia do design, estudará os mecanismosde representação. A inferência que vai do desenho à representação,ideia, e posteriormente ao artefacto, objecto final desse processo.

De todas as leituras, aquilo que ressalta das opiniões dos autoresconsultados é a constatação de que a investigação em design passanão apenas pela teorização mas também pelos actores e objectos daprática do design como profissão. Schön36 lança o termo ReflectivePractice como designador da verdadeira natureza do conhecimentoprofissional e caracteriza o processo de design como ‹diálogo reflectivocom a situação›. Walker, já citado atrás, defendia também que a análiseempírica implica a teoria.

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37. Findeli, Alain. Introduction.‘Design Issues’15 (2) Summer1999, 2.

‹Probably the most notable pathologyof design discourse is its openness tocolonization by other discourses…›

[Findeli não indica no entanto quaisquerpormenores sobre a publicação deKrippendorf]

O design também é verbo e sendo-o será mais fácil comunicá-lo nasua verdadeira forma e não em diferido, comentado, em segunda via,eventualmente filtrado. A produção de saber, de conhecimento sobreo fazer, será quanto mais real quanto melhor possamos aproximar oreceptor dessa acção e não da sua explicação ou descrição. Assim,mesmo os factos que não se possam ou consigam explicar, a taldimensão de autoria, ou transcendência como lhe chama Mari, poderáser bebida pelo leitor/observador.

Há tempos, num programa radiofónico sobre ciência, tentava-seexplicar a noção de interacções fortes, fracas, gravíticas e electromag-néticas. As duas últimas farão parte do senso comum mas sobre asprimeiras serão muito poucos os conhecedores do seu significado,precisamente porque a partir de certo ponto existe a necessidade deuma formação adequada no campo em que essas verdades sãoformuladas. Se não faz muito sentido obrigar os físicos a escreveremos seus artigos de forma a que todos os cidadãos os percebam, porque razão os designers deverão produzir conhecimento fora do seupróprio contexto? Não se trata da diminuição da capacidade decomunicação para públicos mais vastos mas antes a uma recusa dodesign, que creio devermos acentuar, em ser continuadamentepermeável a discursos exteriores ao seu próprio discurso, seja ele qualfor. Como referiu Klaus krippendorf: ‹Provavelmente, a patologia maisperceptível do discurso do design é a sua permeabilidade à colonizaçãopor parte de outros discursos…›.37

Exemplos desta permeabilidade existem em várias áreas, nomeadamentena academia. A forma como os artigos para congressos de design sãoelaborados, quase exclusivamente numa linguagem verbal, e sobretudoapresentados – na maior parte dos casos os artigos são apenas lidose não ‘comunicados’, é indiciadora de outro tipo de práticas, onde acomponente formal é anulada em função dos conteúdos. Ora os

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conteúdos do design incluem a sua forma. Daqui se depreende queainda não se estabeleceu uma ponte segura entre a prática de designere a investigação de design.

Outros exemplos poderiam ser apresentados: os mecanismos devalidação e orientação de teses de doutoramento; a validação científicapara efeitos de publicação; a avaliação. São campos onde os designersdeverão fundar as suas regras, mais ou menos próximas às de outroscampos, regras estas fundamentais para que a investigação em designpossa ser.

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INTRODUÇÃO

Segundo Christopher Frayling, a investigação para design será, dostrês tipos de investigação propostos, o mais complexo porque se situana fronteira do que se pode ou não considerar investigação. Será apesquisa onde o pensamento está incorporado, mas não necessaria-mente explícito, no produto de um projecto de design. Ainda segundoo autor, esse processo de reunir informação, visível ou não no objectofinal, constituirá investigação se for acompanhado de uma reflexãopor parte do designer sempre que, ao objectivo inicial de desenharum determinado produto segundo o seu programa, acrescentarinformação, conhecimento, de que outros se possam servir para assuas próprias reflexões, investigações e/ou projectos.

John A. Walker, numa proposta de definição dos graus de produçãoque a historiografia do design abarca,‹The various levels of Discourse›,1

estabelece uma hierarquia de discursos complementares. Essa hierarquia,de quatro níveis, teria no design e nas suas produções o nível um. Ostextos jornalísticos sobre esses artefactos e os anúncios comerciaisconstituiriam o nível dois. O terceiro seria constituído pela históriado design a partir da análise desses dois níveis e, por fim, o nívelquatro seria uma historiografia das histórias do design (meta-meta--meta discurso sobre design).

4.Investigação para design

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1. ‘The various levels of Discourse’Walker, John A.. Design History andthe History of Design, Pluto Press,London, 1989.

Design historiography

Histories of design

Journalism about design,advertisements, consumerreports, trade magazines

Designed goods,concepts, methods andtheories used bydesigners

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Meta-meta-meta-discourseof writings about the writingof histories of design

Meta-meta-discourse ofwritings by design historiansabout levels one and two

Meta-discourse of writingsand images about design

The discourse of design

Para o presente estudo será importante reter deste esquema o queWalker considera ser o nível um e o nível dois. Os produtos finais deum projecto são obviamente nível um. Quando os designers intervêmverbalmente sobre os seus projectos, e aqui a questão que nos importa,esse resultado será ainda nível um, ou seja, faz parte do própriodiscurso de design. Deverá ser conteúdo descritivo do próprio projecto,complementando-o. Quando este tipo de discurso passa a ser comentárioao que foi produzido passa a ser um meta-discurso, nível dois, portanto.A investigação para design, no molde em que Frayling a propõe seráprecisamente o conjunto desses fazeres do designer no nível um dosistema de Walker. A dúvida será se Frayling considera que um discursode nível dois, ainda que produzido pelo autor, pertence a esta categoriaou à investigação sobre design, onde se inscrevem os textos de analistas,críticos e demais produtores de informação.

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2. Paiva, Manuel. Como Respiram osAstronautas, e outros problemasde física biomédica. Gradiva, col.Ciência Aberta, Lisboa, 2004

A definição de um objecto de estudo

Na ordenação de Frayling a investigação para design surge em terceirolugar. Seria normal adoptar no índice deste trabalho essa ordenaçãocujo critério mais óbvio será a sequência decrescente do número detrabalhos realizados em cada uma dessas vertentes da investigação.Porquê então discutir a investigação para design antes da investigaçãoatravés de design?

Uma das condições para que se verifique investigação, a partir dasvárias definições que os autores estudados avançam, será a existênciade um objectivo para a busca, a procura de algo. O objectivo maislato, que estará sempre presente, será o de incrementar conhecimentona área em que se processa essa investigação. Desse desígnio surgemnovos objectivos, mais concretos, que se convertem posteriormenteem áreas de especialização de investigadores ou instituições. Vimosjá que estes objectos de busca são, no caso da ciência, quase sempremuito específicos e que em design essa segmentação é ainda muitodifícil.

Tornou-se no entanto essencial definir um objecto de estudo paraque se pudesse nesta dissertação realizar a investigação para e atravésde design. Seria difícil e porventura desnecessário tentar encontrarum projecto de encaixe perfeito para este tipo de investigação – algoaproximado ao que o investigador português Manuel Paiva2 caracterizade segundo perigo do modelador: fazer um modelo que se adequeaos resultados experimentais. Todos os projectos são em potênciapossíveis objectos de estudo a partir das três ópticas. O que se alteraem cada uma é precisamente a forma como olhamos para o design– processo e resultado – e, consequentemente, a definição do que seprocura.

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Daí que a escolha do objecto de estudo fosse algo desde logo obrigatóriona execução deste trabalho: o suporte físico da dissertação. Mas esseobjecto é apenas genérico. Que suporte será? De que material écomposto? Como é executado? Estas são questões pertencentes a estecapítulo e deste conjunto de dúvidas, opções e vontades é que deverásurgir um objecto de investigação através de design. A proposiçãoindica-o: será dentro do projecto que as questões a investigar existirãoe a decisão de prosseguir nessa investigação dependerá do conjuntode circunstâncias – os constrangimentos anunciam possibilidades –de que é feito um processo de design. Daí a razão da alteração daordem que Frayling propõe.

Por último, será necessário enfatizar que o objecto decorrente desteprojecto, é apenas um meio para se prosseguir no estudo e não umfim em si. As decisões tomadas poderiam ser outras se outros fossemos intérpretes de um projecto com programa idêntico. O objecto éassim contentor e conteúdo sendo na complementaridade entreexperiência sensorial e cognitiva que a(s) leitura(s) deste trabalho serealiza.

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PROJECTO

Programa

A escolha do suporte físico desta dissertação como projecto a investigara partir das ópticas do para e do através de design reafirma a ideia,também expressa por Frayling, de que a comunicação verbal e visualdeverá ser um todo, onde a forma é também conteúdo e não apenasinvólucro. O objectivo é assim desenhar um objecto que seja comple-mentar e complementado pelo texto e pelas imagens impressas noseu interior fazendo desse todo, inseparável, o próprio argumento dadissertação. Forma e conteúdo, ou forma e função, são aliás factoresindissociáveis em qualquer produto de design, variando a suaimportância em função dos programas.

De um programa deverão constar não só os objectivos mas tambémos constrangimentos, que podem ir desde as questões orçamentaisaos públicos-alvo, passando pelas regras instituídas para o tipo deprojecto em causa, como sejam as regras de segurança no caso deveículos ou instrumentos ou de regras visuais como jornais ou revistas.A primeira investigação (com ‘i’ minúsculo) implicada na decisão deusar para projecto o suporte físico desta dissertação foi precisamente

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*Esta situação levantou no entantouma nova questão que se verifica emoutras instituições onde o designconstitui disciplina. Sendo a formata-ção de estruturas gráficas para aapresentação de trabalhos académicosuma medida eficaz para a construçãode identidades e a gestão funcionaldo corpo desses trabalhos dentro deuma instituição, como se poderáaceitar no entanto que parte do objectode investigação, no caso de umainvestigação para ou através de design,seja pré-formatado? Não será estauma situação análoga ao que seria, nocampo da física, uma regulação a prioride como os investigadores deveriamfazer as suas experiências numadeterminada área de estudo, sendoclaro que é quase sempre na alteraçãode paradigmas vigentes que surge adescoberta? Será importante reafirmarque a adopção de normas tem comoobjectivo o estabelecimento de umlimite mínimo de qualidade numuniverso vasto e onde as excepçõessejam difíceis de controlar, como sejao caso de uma universidade. Não sejustificará assim que o design fiquerefém de regras que são criadas parapúblicos não qualificados em design.

3. Olmert, Michael. The SmithsonianBook of Books, Smithsonian Books,Washington, D.C., 1992.

a procura de possíveis regras para a apresentação de trabalhos deinvestigação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.A não existência de uma norma, prática comum em muitas faculdadese universidades, possibilitou a prossecução deste objectivo.*

O programa, neste caso traçado pelo próprio designer, ficou assimdefinido pela necessidade de projectar um contentor que fossenecessariamente complexo para que fossem postas em causa algumasdas opções, que num caso idêntico mas dentro do paradigma dominantenão seriam mais do que possibilidades diferentes mas perfeitamentenormais, com soluções há muito testadas. Mais uma vez, é importanterealçar que é a característica de meio para chegar a algo que tornanecessária esta atribuição de complexidade ao objecto, qualidade, àpartida, prescindível num projecto de design.

Ponto de partida

A decisão inicial de todo este processo, tomada ainda sem entrarverdadeiramente nos problemas que poderiam daí advir, foi que oobjecto deveria ser um contínuo, páginas unidas em harmóniorepresentando uma ideia de processo sequencial. O livro é o conceitoessencial neste projecto e foi precisamente a partir da história do livroe na ideia do harmónio que o trabalho se programou.

Numa consulta rápida da história3, e tendo em conta o que nospropusemos estudar, poder-se-ão isolar dois momentos fundamentais:o ‘volumen’ e o ‘codex’, palavras latinas que ainda hoje são utilizadasquase sem alteração. ‘Volumen’, que em latim significa ‘rolo’, designaprecisamente todos os suportes de comunicação que eram enrolados,única forma então conhecida de arrumar a informação. Ainda hojea palavra ‘volume’ é usada em contextos muito próximos do originalem casos como as enciclopédias, com vários volumes. A palavra pode

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* no caso de um rolo a dimensão daaltura da página seria a do própriorolo. No caso de superfícies maislargas, esta dobragem poderia ser nãoapenas na vertical mas também nahorizontal, um pouco à imagem dasdobragens efectuadas para searquivarem projectos de arquitectura.Os códices Maia são disto exemplo.

ainda ter outros significados como espaço, corpo, informação, som,entre outros. ‘Codex’ ou ‘Codı̆ce’ que na sua origem latina significavamcódigo ou registo, são hoje associadas a manuscritos antigos. O códex,invenção romana, surgiu devido à dificuldade de se consultarem rolosextensos e numa primeira fase consistiu apenas em dobrar o rolo empáginas de igual dimensão*, o que tornou necessário modular tambéma informação, surgindo assim as colunas de texto verticais. A separaçãodas páginas para posterior colagem num dos lados foi a evoluçãonormal, que ainda hoje define quase toda a produção editorial. Comorefere Michael Olmert, a ideia do códex foi tão boa que rapidamentese espalhou às outras áreas do conhecimento para além da teologia,responsável pela sua divulgação.

Esta dissertação será assim depositada num códex ‘híbrido’, aindadescendente directo do ‘volumen’. O que constitui no entanto acomplexificação pretendida será uma característica acrescentada: atentativa de o executar num contínuo sem colagens.

A importância de se saber se é ou não possível executar o objecto livrosegundo esse contínuo ininterrupto prende-se com a quantidade dedecisões que estão dependentes dessa solução, decisões que se prendemnomeadamente com o grafismo – tipo(s) de letra, cores, colunas,linhas, entrelinhas, espaços, numeração de páginas, entre outras. Essadependência leva-nos ao capítulo seguinte: investigação através dedesign.

A parte de um todo

A investigação através de design documentada no próximo capítuloé naturalmente uma investigação autónoma com um objectivodeterminado. O facto de ser uma investigação dentro de outra nãolhe atribui menos importância, antes um grau diferente de escala e

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de forma. De facto, o próximo capítulo é parte integrante do capítulopresente mas isso porque o tema que escolhemos como objecto deinvestigação para design ser neste trabalho um todo que engloba osoutros objectos. A investigação através de design é no entanto umprocesso de investigação autónomo com uma dúvida inicial, umprocesso e uma solução. Processos que são feitos diariamente emgabinetes de design no âmbito de processos ainda maiores (projectosmais complexos) que muitas vezes são depois conjugados com outrosprocessos semelhantes (no caso de grandes projectos feitos em equipaspluridisciplinares). O facto de ser e dever ser autónomo prende-secom o objectivo que lhe dá origem: a pretensão de incrementar ecomunicar conhecimento.

Assim, o capítulo 5, investigação através de design, poderá ser lidoagora ou após a leitura do presente capítulo. Estando o leitor na possedo códex, saberá já que essa investigação foi bem sucedida. Prossegueentão a investigação para design.

Características gráficas

A garantia de que seria possível imprimir a dissertação num formatoaberto de cerca de 15 metros implica necessariamente que quandofechado – dobrado – o livro seja facilmente manuseável, ou seja,relativamente pequeno. Simultaneamente, a impressora tem algunslimites quanto à largura e qualidade do papel pelo que a decisão doformato deverá ter em conta essas limitações. O tipo de comunicaçãoque é aqui apresentado pressupõe também um tipo de composiçãoque possibilite a integração de notas, imagens, gráficos que sãoessenciais para uma correcta documentação de uma investigação.

A largura máxima do rolo que é usado pela impressora é de 50 cm,sendo a área útil de impressão de cerca de 46 cm. Um formato

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4. Tschichold, Jan. The Form of theBook: essays on the morality ofgood design. Hartley & MarksPublishers Inc., Washington, 1991.

5. Hochuli, J., Kinross, R..DesigningBooks: practice and theory. HyphenPress, London, 1996.

* o tipo de letra Garamond foidesenhado por Claude Garamond naprimeira metade do século XVI. Estaversão, da Adobe, é uma das muitasversões feitas desde então por diversas‘fundições’.

O tipo Univers foi desenhado porAdrian Frutiger, entre 1954 e 1957,para a Deberney & Peignot.

Blackwell, Lewis. 20th Century Type[remix]. Lawrence King Publishing,Lomndon, 1998.

próximo do A4(DIN) permite sem grandes problemas de espaço agestão dos conteúdos previsíveis neste tipo de comunicações. Parafacilitar o manuseamento do livro, seria porventura mais indicadoum formato mais pequeno, o que implica porém uma acrescidadificuldade na colocação dos diferentes tipos de informação.

Da leitura de Tschichold4 e Hochuli,5 pudemos estudar alguns dosformatos e composições que seriam aconselháveis para o objecto emcausa. O formato de proporção dourada por exemplo, seria útil parao manuseamento do livro dado que uma forma mais estreita permitiriaque uma só mão o segurasse sem dificuldade. Ao mesmo tempo, esseformato tornaria difícil a opção das duas colunas, tornando a colunade texto principal ou demasiado estreita ou com um corpo de textodemasiado pequeno. Optou-se assim pelo formato ‘raiz de 2’ (dina).O facto de a impressora permitir uma largura útil de impressão decerca de 46 cm, definiu a altura – 22 cm. Esta dimensão permiteassim que sejam impressos dois livros ao mesmo tempo baixando oscustos da impressão e permitindo também rentabilizar o tempo deuma tarefa posterior, a vincagem das páginas.

A grelha de paginação de quatro colunas permite uma gestão dinâmicada informação. As três colunas internas definem a coluna de textoprincipal, sendo a última utilizada para a colocação de referênciasbibliográficas e outras notas paralelas ao texto.

Os tipos de letra utilizados – Adobe Garamond e Univers *– representamdiferentes registos de texto, sendo, ao mesmo tempo, representantesde diferentes famílias (tipográficas) e épocas da história da tipografia.O facto de a Univers ter sido desenhada na versão ‘condensada’ paradiferentes espessuras, torna mais fácil o seu uso numa coluna tãoestreita. Além deste aspecto funcional, as escolhas implicam antes demais uma decisão subjectiva dentro das diferentes hipóteses possíveis.

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A maioria destas últimas decisões foram de facto tomadas mais como objectivo de design e não com o objectivo de investigar design. Ainvestigação para design, que este todo constitui, acontece principal-mente na primeira parte deste capítulo. Aí, a reflexão entre passadoe presente, que está incorporada no objecto e documentada ao mesmotempo na pesquisa histórica, será o exemplo mais aproximado destaforma de Investigar, investigando.

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CONCLUSÃO

Todas as decisões tomadas no decurso de um projecto são, com menorou maior complexidade e risco, idênticas às que são descritas atrás.O ponto chave para que possa constituir investigação está precisamentena necessidade de documentar todas as circunstâncias,constrangimentos,avaliações e as opções feitas. Posteriormente, será ainda desejável umaanálise dos seus resultados, feita em duas vertentes, pelo própriodesigner ou equipa de projecto e por numa análise exterior à equipaque permita aferir se as decisões e os seus porquês foram os melhores.Será neste contínuo, que num contexto macro-económico passou aser designado de I+D+I… em substituição do I+D, que a investigaçãopara design poderá fazer parte de um corpo cada vez mais volumosode investigação de e para designers.

De facto, qualquer equipa de projecto quando confrontada com anecessidade de projectar um sistema de sinalética para um hospital,uma escola ou uma cadeira para um teatro, procura de imediatoreunir todos os exemplos mais significativos e bem sucedidos paraque se identifiquem as mais valias e se evitem os erros. O adjectivo‘bem’ (sucedido) implica necessariamente uma avaliação, uma avaliaçãoimplica critérios, critérios implicam reflexão e reflexão deve constituirinvestigação.

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No caso analisado neste capítulo, existe, ainda que numa escala ínfimaem termos de importância social, uma transformação de algo complexopara algo realizável. As instruções de montagem de um objecto sãotambém um processo de simplificação de uma tarefa que de outraforma poderia ser árdua. O que hoje é simples, como a colagem decadernos de ‘x’ folhas para a construção de livros foi em tempos algomuito complexo e, possivelmente, alvo de ‘transferência tecnológica’de que tanto se fala actualmente no contexto universitário. O caminhoque vai da dificuldade à simplicidade é feito por investigação e porcolaboração. Uma ideia torna-se plausível, depois possível e depoisbanal, até à nova ideia…

Será porventura na comunicação clara, dos saberes depositados naspráticas diárias de designers e gabinetes de design, que a investigaçãoem design, para design, se poderá constituir como corpo disciplinar.Verifica-se, ainda hoje, que o tipo de investigação que se faz nosgabinetes é o que justificava antigamente a ideia do aprendiz: ossegredos da arte eram passados de geração em geração ou de mestrespara aprendizes numa sequência de práticas que se iam sucedendo,e melhorando, mas sempre dentro de portas.

Muita informação existe já mas só tornando-a explícita ela poderá sertrabalhada, ampliada e até melhorada. As práticas de gabinete sãopráticas de investigação. Falta no entanto documentá-las e comunicá--las para que daí possam resultar novas investigações.

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INTRODUÇÃO

Segundo o artigo de Frayling, a investigação através de design surgeda prática e na prática do design. A pesquisa de novos materiais oude formas de ampliar as possibilidades dos que se conhecem e odesenvolvimento de novas capacidades para equipamentos com queos designers lidam diariamente são os exemplos que Frayling apresenta,a par da investigação do próprio processo. Reafirma-se a diferençaentre a investigação do processo e a investigação que se faz duranteo processo.

Além dos exemplos enunciados por Frayling, poder-se-ão apontaroutros que constituem investigação através de design. Um exemploque cremos ser claro, e daí a sua escolha para análise, será o livro deAlan Fletcher, The Art of Looking Sideways. A dificuldade em tornarexplícito o conhecimento implícito que alguns dos trabalhos apresentamé contornada por Fletcher conduzindo o leitor/observador porintermédio de comentários, verbais e visuais, forçando de algumaforma um determinado ponto de vista que se converte em assimilaçãode uma ideia, conhecimento em design. A própria formatação doconteúdo, como o inserir determinados trabalhos em temas muitoespecíficos como ‘cor’ ou ‘inteligência’, faz com que o objecto

5.Investigação através de design

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*A imagem representada acima, deSteinberg, é colocada no livro deFletcher nas páginas dedicadas a‘tools’ (ferramentas). O autor poderiacontudo tê-la inserido no tema ‘wit’,ou ‘rethoric’ ou mesmo ‘symmetry’. Aimagem teria, em qualquer dos casos,diferentes leituras.

representado adquira diferentes significações mediante o tema ondeestá inserido.*

Outro exemplo será o trabalho de Bruno Munari nos seus livros sobrea experiência visual onde são aplicadas diferentes técnicas, como osrecortes ou a transparência, para uma imediata demonstração dascapacidades técnicas e expressivas de uma comunicação plástica evisual, mais do que verbal. Será fácil verificar que a maior parte destesexercícios são desenvolvidos no âmbito de públicos muito jovens dadaa sua iliteracia ou diminuta literacia verbal. Torna-se também evidenteque a progressiva literacia verbal ao longo do trajecto escolar temconduzido a um desinvestimento, quase abandono, da nossa capacidadeinata de comunicar visualmente. Expressões como ‘não sei desenhar’ou ‘não tenho jeito para o desenho’ são espelho dessa situação.

Objectivo

Como se sabe, o objectivo desta investigação é tornar possível atravésdo design, a impressão desta dissertação num suporte contínuoposteriormente convertido em harmónio pela vincagem do papel.O desafio será conseguir executá-lo sem o recurso à colagem dediferentes partes. Como foi dito atrás, será esse o elementocomplexificador deste trabalho.

A experiência de cada profissional determina o ponto de partida decada investigação. Provavelmente, este mesmo projecto terá já sidoresolvido por muitos designers ou técnicos de impressão mas, umavez mais, valoriza-se o papel de exemplo e não da importância dotema. A tradição de se guardarem os ‘segredos’ é precisamente umdos obstáculos à investigação em design, e a qualquer tipo deinvestigação. A ciência resolveu essa situação com as comunicaçõesem congresso: o primeiro a apresentar estudos sobre determinado

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assunto será assim considerado o precursor dessa investigação sendoposteriormente citado como a origem de outras investigações. Tambémno design isso se poderia fazer. Isso poderia garantir até uma maiorprotecção à propriedade intelectual do design ou a certificação deexcelência de uma empresa de produção gráfica, onde muitas vezesse cozinham as boas opções.

Um exemplo deste tipo de conhecimento, ou saber, está presentenum livro de Milton Glaser1, um dos mais eminentes designers norte--americanos do século xx. Na consulta dessa obra, foi possível conheceruma técnica – Split Fount Technique – que consiste em imprimir umespectro alargado de cores a partir de um só plano, conseguindo-seassim um incremento do campo de possibilidades em termos do usoda cor com um mínimo de custos. Foi essa ‘leitura’ que possibilitou,ou gerou, o design de um pequeno convite para uma instituiçãocultural por altura do seu 15º aniversário.

1. Glaser, Milton. Milton GlaserGraphic Design. The Overlook Press,Woodstock, New York, 1998.

A imagem representada em cima dolivro de Glaser é o convite produzidopor ocasião do 15º aniversário daCooperativa Gesto.

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PROCESSO/PROJECTO

Para este projecto, era óbvio que um sistema de impressão offset seriaimpraticável dado que o diâmetro dos rolos das máquinas nuncapermitiria uma impressão em contínuo de um padrão tão extenso.

A impressão serigráfica seria não impossível mas incomportável dadaa necessidade de sensibilização de inúmeros quadros de impressão:para este trabalho, nunca menos de dez tendo já em conta quadroscom dimensão superior a um metro, o que implicaria cuidadosredobrados numa impressão tão difícil como é a impressão de páginasde texto para ser lido à escala de um livro.

A opção previsível, a partir da formulação deste desafio, seria umaimpressora digital, a jacto de tinta ou laser. Mesmo para um mercadonão profissional, existem diversas impressoras com a capacidade deimprimir em rolo. Obviamente, a dificuldade deste projecto édirectamente proporcional ao número de páginas, sendo ocomprimento dos rolos de papel, disponíveis no mercado, um factordeterminante. Rapidamente, porém, se pôde verificar que esse nãoseria um problema relevante dadas as características dos rolos disponíveise o número previsível de páginas deste trabalho.

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Um dos problemas principais surge no entanto na qualidade do papel.A maior parte destas impressoras opera num segmento de grandeescala, o que faz com que tanto as características do papel como ascaracterísticas de impressão não sejam as ideais para um objecto quedeverá ser recebido num contexto de pequena escala como é o casoda leitura de um livro. A gramagem mínima é já bastante elevadasendo a própria tensão do papel um factor a ter em conta na alturade vincar e dobrar as páginas. A qualidade de impressão das máquinasactuais, nomeadamente ao nível de resolução, é bastante boa. Noentanto, a maioria dos suportes aí produzidos cumprem a sua funçãoa uma distância do receptor que nada tem a ver com a proximidadeda leitura de um livro, o que faz com que pequenos detalhes setransformem, numa leitura mais próxima, em ruído.

Optou-se assim por preparar um teste de impressão a ser realizadoem diferentes empresas de produção gráfica (quatro), mediante ascaracterísticas das impressoras que mais se indicavam, segundo oconselho dos seus técnicos. Três dessas empresas imprimiram emimpressoras a jacto de tinta. A quarta imprimiu numa impressorapara quadricromia com tecnologia de electrofotografia*.

Dos quatro testes, o que melhor resultado obteve foi o último. Ofacto de a máquina imprimir em quadricromia possibilita umaqualidade de recorte do texto (negro) que a impressão em jacto detinta não alcança. No caso de textos em cor composta verificaram-secontudo alguns desacertos cuja correcção foi garantida pelos técnicosda empresa em causa. O facto de este trabalho ser constituído quasetotalmente por texto a negro, faz com que esta seja a opção maiscorrecta.

A escolha da impressora permite-nos avançar no campo das decisõesgráficas. Uma das questões que fica ainda por resolver é a extensão

* MAN ROLAND DICOpress 500,características.

‹DICOpress 500 provides perfectedfour--colour web based printing on500mm width stock. The dry-tonerelectrophotography imaging systemprovides for an apparent resolution of2,400 dots per inch. The image iscreated using a recording headconsisting of 11,520 light emittingdiodes (LED’s) projecting onto the light-sensitive coating of an OPC drum, andremoving the electric charge on thedrum. A microfine toner is applied tothe drum and then transferred to thestock. The reel-fed press operates ata speed of up to 12.25 cm per second,which corresponds to a throughput ofup to 3,900 A4 pages per hour,perfected. The press can handlesubstrates from 80 to 250gsm.›

http://www.man-roland.ie/com_p0038.html

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do documento de impressão, aproximadamente quinze metros. Quasetodos os programas têm uma área de trabalho limitada a um quadradocom um pouco mais de 25 m2. Como imprimir então os 15 metros?

O programa escolhido para o tratamento gráfico foi o Freehand.Pensou-se que se poderia fazer um documento a uma escala de cercade 25%, o que permitiria na área de trabalho compor a totalidade do‘rolo’, exportando-se depois essa página única para formato PDF(Portable Document Format) com indicações de ampliação para 400%,o que restabeleceria a dimensão real. Havia a possibilidade de ocorrerum problema nesta operação: a diminuição e posterior ampliaçãonão garantiam o respeito exacto pelas dimensões e, como foi ditoatrás, os pequenos erros em 15 metros são falhas notórias em 15centímetros. Não se chegou a testar esta possibilidade devido ao factode o limite máximo das páginas em PDF (cerca de 1,15 metros ) serainda menor do que no Freehand. Havia ainda a hipótese de se enviaro mesmo documento reduzido directamente para impressão dando--se no comando a indicação dos 400% de ampliação. Ficava noentanto a dúvida dos possíveis erros de escala.

Desde o início desta pesquisa, o técnico responsável tinha lançado ahipótese de se prepararem partes do documento à escala real queseriam depois impressos individualmente, um após o outro.Obviamente, ter-se-iam que fazer os testes necessários para se verificarse se poderia controlar o exacto ponto onde o segundo documentocomeçaria e assim sucessivamente. Paralelamente a estas hipóteses,os técnicos responsáveis pelo manuseamento da impressora foramtestando outras possibilidades, entre as quais a que acabou por serseleccionada.

A solução final é uma espécie de parente da que descrevemos emúltimo lugar, estando a diferença na extensão dos documentos a seremimpressos sequencialmente: em vez de se imprimirem três ou quatro

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documentos com cerca de quatro metros, imprimir-se-ão (imprimiram--se) as páginas individualmente, uma após outra, sem qualquer espaçoentre elas. Esta solução tem uma vantagem clara: no caso de acontecerum pequeno erro no espaço entre páginas, que deveria ser nulo, esseerro será sempre o mesmo em toda a extensão do documento,tornando-o assim quase imperceptível.

Estando resolvida a questão da impressão, resta a vincagem e dobragemdas páginas. A extensão do documento impossibilita que ele possaser vincado com recurso às máquinas actuais que funcionam, tal comoas máquinas de offset, a partir de módulos que não excedem, normal-mente, os 100 cm. Resta a hipótese de se vincarem uma a uma aspáginas do livro, vincagem essa que pode ser feita recorrendo a máqui-nas de um vinco, operadas manualmente, que ainda hoje cumprema sua função, de tempos a tempos, nas tipografias mais antigas, ou,de uma forma mais elementar e possivelmente com menor qualidadede vinco, recorrendo a um instrumento incisivo mas não cortante,como uma esferográfica sem tinta. Optou-se pela primeira hipótese.

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CONCLUSÃO

Para o desenvolvimento deste capítulo, mais do que uma descriçãodo processo, procura-se o estar no processo. Não será no entanto fácilcomunicar ‘em directo’ o estar, até porque muitas das circunstânciasdesse directo não são nem determinantes nem importantes para ainvestigação ainda que possa haver na metodologia do design espaçopara a investigação das circunstâncias pessoais, locais ou outras nodecurso de cada método projectual. Será também necessário dizerque a investigação foi feita num espectro muito reduzido de hipótesese universo geográfico, sendo o objectivo principal o percepcionar dosproblemas que se levantam no projecto: escala, preço, constrangimentostécnicos, etc..

O desenvolvimento desta investigação através do design tinha comoobjectivo possibilitar a impressão de um livro em contínuo (comcerca de 15 metros de extensão) mantendo as qualidades mínimasexigíveis para a leitura, como sejam o recorte do desenho do tipo, ascaracterísticas do papel, além das opções gráficas que se lhes seguiriam.Lavoisier disse que nada se cria, tudo se transforma. De facto, oprocesso documentado não foi senão a conjugação de desejos e saberes(autoria e tecnologia) para a obtenção de um fim (programa),

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corporizado num resultado físico. Num contexto puramente tecnoló-gico a autoria é por vezes vista como um factor de complicação doque é simples. Neste caso, se essa (esta) complicação é ou não necessárianão é a questão fundamental pois entraríamos numa área de grandesubjectividade. A questão objectiva é que esses desejos, por vezescomplexos e complicados, implicam necessariamente investigação,tanto da parte do autor como da parte de quem tem o saber técnicopara o poder fazer ou imaginar quem o poderia fazer. É a partir destasdecisões que surgem novas possibilidades, novos programas, novospapéis, novas funcionalidades que outros poderão usar, e extrapolar.

Como refere Frayling, ser ou não ser investigação está nos objectivosde quem projecta: se é desenhar um objecto (sistema, imagem,mensagem), se é transmitir conhecimento.

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* Em Maio último, o IADE organizouem Lisboa, no âmbito do congressoCumulus, um workshop sob o tema daorientação de teses de doutoramentoem design, destinado a orientadorese alunos, sendo o mote principal dasdiscussão os diferentes modos deinvestigar e formatar as investigaçõesem design.

A pertinência deste estudo

Este estudo parte da constatação de que a actividade do design, nassuas vertentes de prática de gabinete e de investigação, permanecedesligada; verifica-se, portanto, um desaproveitamento mútuo dascontribuições que cada uma poderia integrar nos seus própriosprocessos.

A emergência do design como corpo disciplinar autónomo tempromovido, sobretudo nos fora internacionais, acesos debates sobreas formas de investigar o design*. Aos paradigmas da investigaçãocientífica são acrescentadas novas possibilidades de se produzirconhecimento – objectivo central da investigação – a partir de outrasformas de pesquisar, nomeadamente aquelas que, desde sempre, fazemparte de um processo projectual.

Resultados

A procura de formas de investigar direccionou este trabalho no sentidoda explanação das três variantes de investigar design propostas porChristopher Frayling: investigar sobre design, investigar através dedesign e investigar para design. As diferentes variantes realizadaspermitiram a obtenção de resultados diversos.

6.Conclusões

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Verificou-se que existe consenso, entre os autores estudados, sobre ofacto de o design ser uma actividade de investigação, ainda que commétodos distintos dos da ciência. Verificou-se também que a razãodessa investigação não ser por vezes considerada prende-se com ofacto de não se complementar o trabalho prático com uma reflexãocrítica sobre o mesmo. Quando existe essa reflexão, falham tambémos mecanismos de transmissão do conhecimento daí resultante.

Pudemos verificar ainda que a investigação para e através de designencerra muitas dificuldades na forma de se produzir e transmitirconhecimento. Ainda que o carácter teórico destas investigações pelaprática não permita perspectivar os diferentes problemas que possamsurgir, elas indiciam alguma da complexidade de se transformar umprojecto em conhecimento.

Realizar e documentar os diferentes tipos de investigação propostospor Frayling, permite perceber ainda que poderão não ser essas asúnicas variantes da investigação em design, ou mesmo as maisindicadas.

O que se propõe

A capacidade que um objecto tem de se constituir como conhecimentoé uma das contribuições deste trabalho. Neste caso, o conhecimentonão é o objecto em si mas o facto de este estar materializado nãoapenas em suporte verbal.

Este estudo contribui ainda para a investigação do design apresentadano relacionamento entre a prática e a teoria. Novas formas de investigarpoderão trazer a prática profissional para a investigação. Possibilitamtambém novos modelos para a investigação académica, ampliando--se assim o âmbito da investigação do design.

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Alan Fletcher, em ‘The Art of LookingSideways’, no capítulo ‘learning’.

Caminhos possíveis para investigações futuras

A tentativa de definir novas formas de investigar não é exclusiva dodesign. Actualmente exerce-se um grande esforço no sentido de quese efectuem estudos académicos dentro dos contextos empresariais,a partir dos problemas diários das instituições.

No design, esse será também um caminho possível. Estudos futurospoderiam ser desenvolvidos a partir de grupos de investigação ondeestas questões – práticas e teóricas – fossem desenvolvidas por equipasmistas.

No âmbito do ensino universitário e da investigação existe umacontínua pressão para que se estabeleçam elos com o tecido económicoe social. Os centros de estudo, dentro das universidades, poderiamdesempenhar esse papel: o de estabelecer as pontes com o meioenvolvente.

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