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Investimento Público no Brasil

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Análise dos entraves postos pela crise fiscal ao investimento público e alternativas de solução

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  • NOVOS ESTUDOS 77 MARO 2007 7

    Sob uma perspectiva histrica, a questo do inves-timento pblico no Brasil quase se confunde com a identificao dasfunes do Estado na economia brasileira.Durante dcadas,a expec-tativa entre diversas foras polticas por um Estado forte, condutordo processo de desenvolvimento econmico, desdobrou-se automa-ticamente na presena de instituies de natureza estatal no campoda produo de bens e servios, embora travestidas em formas dodireito privado.

    Propostas para desatar o n

    Geraldo Biasoto Jr.

    Jos Roberto R. Afonso

    RESUMO

    Um desafio imposto aos formuladores de polticas a pro-

    posio de formas de investimento em infra-estrutura, pela ao do Estado, sem que os ganhos derivados da respon-

    sabilidade fiscal sejam postos em risco. Este artigo procura desenhar um novo formato de bloco de investimentos,

    caracterizado pela formao de uma empresa controlada pelo Estado, mas de gesto privada e financiada pelo mercado.

    PALAVRAS-CHAVE: polticas pblicas; infra-estrutura; investimento

    pblico; economia brasileira.

    SUMMARY

    Its been a challenge to policymakers the conception of forms

    of infrastructure investment, by the action of the State, with no risks for fiscal responsibility. This article proposes a

    new shape of investment, characterized by the formation of an enterprise run by the State, but of private management

    and financed by the market.

    KEYWORDS: public policy; infrastructure; public investment; Brazilian

    economy.

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  • A crise dos anos 1980 deu lugar a dois eventos de grande impacto,considerando o modo de funcionamento da economia das dcadasanteriores. De um lado, a falncia da estrutura de financiamento dosetor pblico desordenou a capacidade do Estado em ser um elementoativo na dinmica do processo econmico. Ao contrrio, os setorescom predominncia de empresas estatais passaram a enfrentar pro-blemas de suprimento corrente de bens e servios, e o financiamentofoi travado ou praticamente desapareceu.De outro lado,os movimen-tos de abertura comercial dos anos 1980 (via exportaes lastreadasna desvalorizao cambial) e 1990 (reduo de tarifas e barreiras ins-titucionais) produziram a emergncia de espaos para investimentosque, embora fragmentados em comparao ao mercado interno ante-riormente organizado, representavam oportunidades para diversosagentes econmicos. Com isso, a dinmica da economia e os motoresda expanso da capacidade produtiva e da produo ganharam grausde liberdade, em magnitude expressiva, comparando-se com as dca-das anteriores, nas quais havia predominncia da interveno estatalno comando do ritmo do processo econmico.

    O incio deste novo sculo presencia justamente o choque entreduas formas de articulao econmica.De um lado,a dependncia daao estatal em determinados segmentos em que a transio para oempreendimento realizado pelo setor privado encontrou obstculosou no se completou adequadamente. De outro, um novo tipo deheterogeneidade da estrutura produtiva privada, mais referida aoresto do mundo,mais internacionalizada,mas nem por isso isenta darealidade de uma economia nacional, especialmente no que toca infra-estrutura econmica.

    O trato excessivamente ideolgico deu questo uma roupagemque impede que as solues sejam encaminhadas de forma maisousada e pragmtica. Alguns tentam transformar essa discusso emum segundo round da velha disjuntiva entre inflao e crescimento.Seria como se o pas estivesse fadado estagnao para manter oequilbrio fiscal ou como se pudesse desprezar o equilbrio, con-quistado a duras penas, para possibilitar a expanso, to desejada,do produto a um ritmo minimamente satisfatrio, puxado pelovelho Estado. Este trabalho condena a viso maniquesta do pro-cesso econmico. Ao contrrio, lana reflexes na busca de novoscaminhos e instrumentos,sempre tendo como suposto bsico que apoltica de investimentos pblicos a ser desenhada jamais pres-cinda de uma disciplina fiscal slida.

    Logicamente, as posies aqui assumidas no so exatamente asdo senso comum sobre os fundamentos da economia.Busca-se iniciaruma releitura das condies da economia brasileira e do Estado, sem-pre tendo em vista a busca da acelerao do crescimento. O primeiro

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  • 9passo, para tanto, questionar o papel do investimento pblico nadinmica do crescimento. O segundo questionar as teses que tmprevalecido e suas insuficincias diante dos desafios da economia bra-sileira e das novas prticas internacionais.Finalmente,so apontadaspossibilidades de formatao de novas estratgias para o investi-mento pblico que no conflitam com a responsabilidade fiscal e tra-balhem no sentido de remontar as estruturas de financiamento aosetor pblico.

    CRESCIMENTO E INVESTIMENTO PBLICO

    Uma economia que tem fundamentos slidos, como os analis-tas de mercado identificam a economia brasileira, e vem revertendoa fragilidade de suas contas externas deveria estar em uma tra-jetria de franco crescimento, especialmente em um contexto in-ternacional favorvel como o atual. No entanto, no isso queocorre: o crescimento lento e nada faz supor uma aceleraoexpressiva. Avaliar as razes desse comportamento impe queidentifiquemos os mecanismos que aceleram o ritmo de produoem uma economia como a brasileira.

    a expanso da indstria,e dos segmentos a ela ligados,que exercepapel crucial para a conformao de uma trajetria de crescimento demaior flego. So as decises de investir em novos produtos, novosprocessos e nova capacidade produtiva que do a dinmica do pro-cesso de crescimento. Essas decises geralmente vm responder aimpulsos de mercados em crescimento, sendo retroalimentados pelaprpria expanso.

    Esse impulso poderia ser proveniente de dois segmentos distin-tos. O primeiro poderia ser o crescimento dos mercados externos (aexpanso das exportaes), cuja importncia tem sido expressivanos ltimos anos.Alternativamente,a expanso do mercado internode consumo tem experimentado um comportamento muito menosauspicioso, mas poderia ser uma forma interessante de impulsionaro crescimento. No entanto, no resta dvida de que os dois fatoresso mobilizadores da expanso do produto, embora dependam deoutros elementos para que se estabelea uma trajetria de cresci-mento sustentado.

    A compreenso da deciso de investimento a chave de todoesse processo. E, pelo menos na situao atual, no a baixa pou-pana que explica as limitaes postas ao investimento. As empre-sas tm recursos financeiros prprios para investir. Mesmo queno os tivessem, projetos lucrativos encontrariam recursos relati-vamente baratos, seja no mercado de capitais, seja por meio de cap-taes externas, seja em instituies pblicas. evidente que uma

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  • taxa de juros to singular como a brasileira um enorme elementoimpeditivo, mas tentaremos trabalhar com a hiptese de queda aolongo dos prximos meses.

    A deciso de investir envolve uma srie de condicionantes para suarealizao. Em primeiro lugar, o empreendedor avalia as receitas deri-vadas do investimento em um horizonte de pelo menos cinco anos.Evidentemente, as condies da prpria economia so fundamentaispara que o investidor consiga formular hipteses minimamente con-fiveis sobre suas receitas futuras. Do lado dos custos de produo,ocorre o mesmo. Itens fundamentais na estrutura de custos, comoenergia, gua e transportes, pesam muito na definio da rentabili-dade dos investimentos e,portanto,da viabilidade.Logicamente,essadeciso pertence ao mundo das mercadorias em geral, mas guardaenorme relao com o mbito das finanas. Importam as condiesesperadas de evoluo da posse de ativos financeiros, o que pode sersintetizado pela taxa de juros. Importam, tambm, as expectativassobre a evoluo do cmbio, tanto por causa do efeito sobre custos epreos em mercados externos como por razes financeiras.

    O objetivo desta reflexo no discutir todos os elementos queinfluenciam a deciso privada de investir, e sim sugerir uma questoconcreta: qual a importncia do investimento pblico em infra-estru-tura para essas decises? Na medida em que o setor privado (em todoo mundo) tem avanado enormemente nos monoplios naturais etem enfrentado investimentos de vulto, cabe indagar tambm quaisrazes levam o pas a prescindir do investimento pblico para crescer.

    A soluo para o problema maior da infra-estrutura no trivial, eexiste um consenso de que dela depende o ritmo de crescimento bra-sileiro nos prximos anos. Uma minoria dos participantes no debatesobre o crescimento econmico considera que o investimento eminfra-estrutura ser naturalmente viabilizado aps a expanso da eco-nomia.No entanto,esta tese ainda no encontra demonstrao na rea-lidade. Outra parcela de debatedores, mais numerosa, acredita que oestmulo e a elevao do investimento privado seriam suficientes parasuprir a lacuna aberta pela baixa inverso pblica.Novamente,o ques-tionamento mais que devido. Se esse preceito pode ser aplicado aregies mais desenvolvidas e setores que j tm um mercado cativo eslido, no se pode dizer o mesmo de investimentos em regiesmenos desenvolvidas e em setores de maior risco.

    No h dvida de que o financiamento em mercado de capitais uma alternativa a ser construda,mas h um longo caminho a percor-rer. O mercado de capitais brasileiro est em franco crescimento eprocesso de sofisticao, mas ainda no dispe da maturidade dosmercados dos pases centrais para gerar, por exemplo, estruturasacessveis para a securitizao de recebveis de uma forma ampla.Vale

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  • notar que o desenvolvimento de papis e instrumentos ainda no secompletou. Alm disso, no h como negar que as aes do Estadoainda inspiram desconfiana por parte dos meios empresariais e dosinvestidores.As regras do jogo ainda parecem volteis demais,seja napoltica macro (juros e cmbio, por exemplo), seja na poltica espec-fica para os setores em que a presena do setor privado efetivou-se.Evidentemente,no h clculo econmico que agente a volatilidadedas regras dos jogo nas transies de governo.

    foroso admitir que o tempo institucional e o tempo econmicoencontram grave assincronia. As condies institucionais carecem demaior solidez dos marcos regulatrios, justamente para solidificar oambiente econmico para o clculo dos riscos do investimento pri-vado nas reas tradicionalmente reservadas ao Estado. Ao mesmotempo, a incapacidade estatal em incrementar a capacidade de ofertanesses segmentos ameaa a economia com gargalos que estancam ocrescimento antes mesmo que ele tome impulso.

    Ainda que no Brasil essa questo se apresente de forma dram-tica, um erro supor que no seja aplicvel a outras economias.Mesmo que o debate sobre a articulao das polticas macroecon-micas tenha logrado grandes avanos nos ltimos anos, o campo dapoltica fiscal ainda reclama maiores reflexes. No por acaso quea discusso acerca do espao fiscal relevante para a conduo de pol-ticas macro ganhou destaque na literatura internacional maisrecente. Infelizmente,essa discusso ainda praticamente ignoradana literatura nacional.

    A emergncia das crises fiscais em diversos pases,ainda na dcadade 1980, fez surgir, entre o mercado e os analistas de polticas econ-micas, indicadores de resultado das contas pblicas especialmentevinculados ao seu financiamento. importante notar que essa foi umasada natural,posto que a principal questo que afetava a credibilidadedas polticas econmicas era justamente a gesto da dvida pblica emrelao a aplicadores em ttulos e detentores de posies de elevadaliquidez,configurando uma situao em que o financiamento ao setorpblico passava a ser condicionado por fluxos de capital de volatili-dade cada vez mais acentuada.Ao mesmo tempo,a eficincia das aespblicas, sobretudo como interveno direta no domnio da produ-o, passou a enfrentar um questionamento sem precedentes.

    Na atual configurao da economia brasileira, o desafio que surge dar conta do reordenamento de espaos entre as aes pblicas e pri-vadas,preservando o equilbrio fiscal mas dando conta da necessidadede um patamar mais elevado de investimentos pblicos, enquanto ascondies institucionais no ganham os contornos necessrios plena atuao dos capitais privados. Logicamente, essa realidadederiva da especificidade histrica de desenvolvimento do capitalismo

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  • [1] No se deve desprezar o efeito detais desoneraes. A maior parte dosestudos sobre infra-estrutura no Bra-sil chama a ateno para os problemascausados pela carga tributria brasi-leira. Alm da carga global j chegarperto de 40% do PIB, o sistema tribu-trio um dos que mais tributam osetor de servios bsicos no mundo.De acordo com um estudo da consul-toria McKinsey sobre os principaisproblemas que afligem a economiabrasileira,a tributao representa 48%do preo final da eletricidade, 47% datelefonia e 39% dos transportes.

    brasileiro e das formas de estruturao do setor pblico e das relaesentre este e o aparelho econmico.

    As parcerias entre setor pblico e setor privado, as PPPs, foramguindadas a posio de grande destaque na viabilizao dos investi-mentos em infra-estrutura.

    Quando ficou mais claro que no seriam panacias para solucionaros gargalos de investimentos, o governo federal optou por privilegiar,em uma lista de projetos-piloto em infra-estrutura,a excluso da metade dficit (mensurado como Necessidade de Financiamento do SetorPblico, NFSP, No Financeiro) dos investimentos realizados, tendoem vista o retorno futuro esperado dessas intervenes. A magnitudedo gasto agregado, entretanto, muito pequena diante da demanda edo tamanho da economia,sem contar que nem todos os projetos lista-dos correspondem a investimentos clssicos em infra-estrutura(como caso da modernizao dos rgos responsveis pela cobranados tributos federais). Mesmo sendo prioritrios, tais projetos conti-nuaram sendo alvo de contingenciamentos e atrasos na contratao e,sobretudo,no efetivo pagamento das compras e servios contratados.

    Ao que tudo indica,esse quadro no mudar muito com o Plano deAcelerao do Crescimento (PAC), anunciado pelo governo federalnos primeiros dias de 2007 (e incio do segundo mandato do presi-dente Lula). um conjunto de medidas e metas pontuais,com muitasobras prometidas na infra-estrutura, mas sem mudar o arcabouoconceitual.O foco elevar a lista e o montante dos projetos considera-dos piloto, porm mal chegando a 0,5% do Produto Interno Bruto(PIB) e apenas mudando de atitude ao passar a descontar tais gastosna apurao do supervit primrio (na prtica, reduziu essa meta emigual magnitude). Como meios, foram reduzidos custos de crditobancrio oficial e concedidas algumas desoneraes tributrias naforma de regime especial e com alcance limitado (no tempo e em ter-mos de conjunto de contribuintes)1.

    Cabem ainda algumas observaes sobre a situao das empre-sas estatais e ao tratamento a elas dispensado quanto ao acompa-nhamento de metas fiscais e dvida lquida. Nos ltimos anos,importantes mudanas institucionais afetaram o desenho dasfinanas pblicas no Brasil, como a desestatizao; a reformulaodo processo oramentrio, eliminando operaes extrafiscais; a con-solidao e o refinanciamento das dvidas subnacionais com ogoverno federal; a implantao de um eficaz sistema de controle erestrio ao endividamento pblico; e a criao da Lei de Responsa-bilidade Fiscal (LRF). Esse processo todo foi completamente igno-rado na formulao da definio, tanto das NFSP como da DvidaLquida do Setor Pblico (DLSP).

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  • bom situar que a mensurao de dficits em pases latino-ame-ricanos, e no apenas no Brasil, assumiu um perfil mais abrangentedo que o verificado em outras situaes regionais. S para ter umareferncia,apenas 15% dos pases da Organizao para a Cooperaoe o Desenvolvimento Econmico (OCDE) tm nas estatsticas fis-cais, publicadas nos informes do Fundo Monetrio Internacional(FMI), um conceito abrangente de setor pblico no financeiro. Namaior parte dos pases, a informao fornecida diz respeito s admi-nistraes pblicas,em seus diversos nveis.No entanto,os informessobre a Amrica Latina contm, em mais de 80% dos pases, a infor-mao sobre as contas do setor pblico no financeiro, incluindo,portanto, empresas em todos os nveis de governo e todas as formasde fundos pblicos.

    A questo no apenas contbil.O motor que levou a mensuraodas contas pblicas latino-americanas a ter essa forma mais abran-gente tem duas explicaes que se confundem com o prprio estilo dedesenvolvimento desses pases e sua realidade financeira. A primeiraexplicao decorre de forma direta da hipertrofia do Estado,caracters-tica dessas economias.Como o Estado desdobrou-se em diversas for-mas institucionais, desde a empresa at os fundos parafiscais, pas-sando pelas operaes de crdito diretamente realizadas pelasautoridades monetrias,de fato no haveria sentido em avaliar as con-tas pblicas sem abarcar todas essas dimenses.

    A segunda explicao refere-se ao carter financeiro da crise que seabateu sobre o Estado.No se tratava,evidentemente,de uma questode eficincia econmica ou descompasso entre os agregados macroe-conmicos. Os anos de crise realaram as dificuldades das moedasnacionais em manter mnimas condies de estabilidade diante dopoder de arbitragem dos capitais constitutivos dos grandes fluxosinternacionais e da magnitude dos desequilbrios acumulados. importante frisar: a recomposio da credibilidade na gesto da pol-tica econmica passava, necessariamente, por uma avaliao da capa-cidade financeira de sustentao das contas pblicas. Isso s poderiaser feito tomando-se o conjunto do Estado, em todas as suas instn-cias (tanto fiscais como financeiras).

    A exploso do Estado em diversas entidades, dotadas de maior oumenor autonomia,e a crise de credibilidade,por parte dos financiado-res, na capacidade de sustentao financeira, explicam, portanto, aprofunda adequao de um conceito como as NFSP mensurao dascondies fiscais. Sua fora residiu justamente na abrangncia e naavaliao financeira proporcionada ao mercado.

    O conceito NFSP deriva diretamente da crise financeira do Estado,por isso sua principal aplicabilidade deve ser justamente nos eventosdessa natureza.Nesse aspecto,pouco importa se o ajuste for realizado no

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  • campo das despesas financeiras ou no campo relativo s despesas de cus-teio ou capital. O que est em questo, nesse mbito da poltica econ-mica, a capacidade do Estado em administrar o seu endividamento eseus graus de liberdade para executar polticas monetrias e cambiais las-treadas pelas contas pblicas.Fora do perodo de crise,a simples avalia-o dos nmeros do dficit e do supervit primrio passa a ser questio-nada do ponto de vista de sua sustentabilidade intertemporal. Em umprazo mais longo,logicamente os agentes econmicos no podem aten-tar apenas para a capacidade de a administrao pblica reduzir despesas.Est em jogo o complexo conjunto de demandas que o aparelho econ-mico coloca ao Estado, bem como as tenses sociais que se apresentamem todo o processo de escolha sobre gastos e presso tributria.

    A discusso da abrangncia do setor pblico no menos relevantenesta abordagem da questo fiscal. A decomposio do gasto pblicoentre empresas estatais e administrao pblica tradicional deter-mina perfis completamente distintos para a dinmica do gastopblico durante o ciclo econmico.Evidentemente,quanto mais fortea participao do Estado no suprimento de bens e servios e na cons-truo da infra-estrutura, maiores sero os danos causados por entra-ves apresentados ao investimento pblico.

    Vale ainda comentar algumas inter-relaes entre as polticasmonetria e fiscal, em termos conceituais. Nos momentos de crise, natural que todas as atenes se voltem para o mercado financeiro,colocando as polticas de controle monetrio e taxas de juros no cen-tro do processo decisrio.Se j era assim quando a mobilidade de capi-tais era menor, nos tempos da globalizao, com as polticas de livreflutuao cambial,as taxas de juros tendem a se tornar o principal ins-trumento sob o arbtrio direto das autoridades econmicas. Essa uma realidade das crises no formato moderno dos mercados, a supre-macia da poltica monetria sobre os demais elementos da polticaeconmica. O problema que as economias acabaram executandopolticas econmicas em situaes de crises prolongadas. A capaci-dade de arbitragem dos agentes econmicos, tanto no movimento desuas aplicaes dentro dos mercados como entre espaos cambiais depases distintos,promoveu uma continuidade dos padres de enfren-tamento das crises para um horizonte de longo prazo.

    A grande questo que essa realidade altamente perversa para apoltica fiscal, ou melhor, a poltica de gerao de supervits primriosacabou submetendo todos os movimentos da poltica fiscal s necessi-dades da poltica monetria e da gesto da dvida pblica. As polticastributrias foram severamente limitadas, como tambm foi reduzida acapacidade do Estado em intervir diretamente na demanda agregada(ao menos nas economias emergentes). Nesse contexto, o manejo dataxa de juros tende a monopolizar as atenes da poltica econmica e a

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  • condicionar cada vez mais os demais instrumentos dessa polticamacro. O receiturio para enfrentar as crises financeiras mais imedia-tas, na prtica, acabou ganhando status de polticas de longo prazo.Entretanto, fora do curto prazo, no sustentvel que pases emergen-tes, em especial os de grande mercado interno, mantenham posiesfiscais completamente determinadas pelo desenho das polticas finan-ceiras e de combate inflao. preciso buscar alternativas.

    Os elementos postos nas diversas posies em debate acerca dasrelaes entre o ajuste fiscal e o investimento pblico permitem quesejam delineadas novas alternativas para o caso brasileiro. O objetivodessas alternativas dar conta de vrias preocupaes anteriormentearroladas e, ao mesmo tempo, impedir que as flexibilizaes abramespaos para a fragilizao do ajuste fiscal.

    Especificamente a respeito do tratamento dispensado s empresasestatais no Brasil, vale destacar que a legislao j diferencia clara-mente as que dependem do controlador para funcionar e as que seautofinanciam. A LRF dispensa estatal dependente exatamente omesmo tratamento dado administrao direta e suas entidades des-centralizadas (autarquias, fundaes e fundos). A empresa pode atser constituda pelas regras do direito privado, mas, como dependeeconomicamente do controlador para sobreviver, passa a estar sujeitas mesmas restries e limites a ele aplicadas,como o limite de gastoscom pessoal e de dvida,assim como a observncia de metas anuais deresultado. Do ponto de vista macroeconmico, porm, irrelevante opeso das estatais classificadas como dependentes.

    Uma proposta simples seria estender a mesma regra da LRF para ocontrole das NFSP e DLSP. As empresas que no fossem classificadaslegalmente como estatais dependentes seriam excludas daquele con-trole. antecipada a resistncia a essa proposta devido ao fato de queas empresas estatais h algum tempo apresentam tendncia superavi-tria,a ponto de registrarem saldo credor na apurao da dvida lquidado setor pblico.O desempenho das estatais ditado basicamente pordois grandes grupos, a Petrobras e a Eletrobrs. Essas empresas tmacumulado elevadas e crescentes disponibilidades financeiras, por-tanto a simples excluso das empresas estatais significaria elevao dadvida lquida do setor pblico e reduo do supervit primrio anual.

    Essa proposta passa necessariamente pelo problema da mensura-o da NFSP/DLSP.Na prtica,abater da dvida mobiliria em mercadoa parcela dos ttulos na carteira das empresas estatais em nada garanteaos tomadores dos papis que a dvida ser honrada, porque, pordireito, todos os detentores de ttulos merecem o mesmo tratamento.O Tesouro Nacional no pode resgatar um ttulo em poder de umaempresa privada e deixar de fazer o mesmo, com o mesmo papel, empoder de uma empresa por ele controlada.Portanto,a dvida lquida no

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  • [2] Ver J. R. Afonso e G. Biasoto,Oferta de infra-estrutura e desen-volvimento econmico: O desafio doinvestimento pblico no Brasil,Universidade Federal de Viosa, ou-tubro de 2006.

    [3] In the case of Brazil,the decisionwas made under the 2002-5 Stand-ByArrangement to include an adjustor tothe primary surplus performance cri-terion to allow higher-than-program-med investment spending by Petro-bras, because it was deemed to be acommercially run public enterprise.In making such an assessment,Petro-bras met the following criteria: it ear-ned an average rate of return and hada debt/equity ratio (adjusted forcountry risk) comparable to those ofits international competitors; it had adiversified ownership structure, withthe governments share amounting toone-third of the company; it metinternational accounting standards,was subject to external audits, andhad its shares listed on a major inter-national exchange;it was not subsidi-zed; and it was subject to the sameregulatory and tax environment asprivate sector firms. However, therewere criteria that Petrobras did notmeet: it did not have an independentboard of directors (5 of the 9 directorsare appointed by the government);there was not fully independent deci-sion-making with respect to inves-tment and pay policies (while in prac-tice this was the case, legally thegovernment had oversight in theseareas); and there was some guaran-teed borrowing (one World Bank loanwas guaranteed by the government asrequired under the loan terms). Thejudgment was made by staff that therewere adequate safeguards to mini-

    um conceito de solvncia;no mximo, um indicador financeiro,paraavaliar a necessidade de captao ou no de recursos no setor privado.

    A dvida assumida pelos Tesouros (o montante devido pelas admi-nistraes diretas em mbito federal,estadual e municipal) ,portanto,muito maior que a do setor pblico consolidado (que considera tam-bm a administrao indireta,inclusive empresas,e desconta as dispo-nibilidades financeiras e os crditos contra o setor privado).Do mesmomodo, o supervit gerado pelos governos tem sido menor que o queseria registrado se as empresas estatais fossem excludas tanto da NFSPcomo da DLSP.Essa discusso nos remete a um debate mais profundosobre os conceitos utilizados nos clculos da NFSP e DLSP 2.

    Em 2002,pela primeira vez o Fundo aceitou,para efeito de programade Stand By, a proposta do governo brasileiro para reduzir a meta dosupervit primrio em montante igual despesa com investimento daPetrobras.Curiosamente,aps a excepcionalidade anunciada em 2002,o assunto no voltou a merecer registro pblico das autoridades econ-micas federais. Enquanto o caso ignorado no Brasil, citado positiva-mente em raro documento do Departamento Fiscal do Fundo como umcaso exitoso de espao aberto para a retomada dos investimentos3.

    Outro ponto relevante a ser destacado neste debate a questo davinculao de recursos, que tradicionalmente usada para financiardespesas de capital. No Brasil, a nica vinculao constitucional parainvestimentos envolve a contribuio destinada a financiar o Fundode Amparo ao Trabalhador (FAT),que custeia os benefcios do seguro-desemprego, sendo exigido que 40% da receita corrente forme umaespcie de poupana aplicada no banco federal de desenvolvimento (oBanco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social, BNDES)para financiar projetos de investimentos, constituindo seu principalfunding.A movimentao do FAT tem basicamente dois efeitos na con-tabilidade fiscal do setor pblico:

    os recursos repassados ao BNDES (por ser instituio finan-ceira, excludo do setor pblico) tm efeito superavitrio. Estes anulado se o BNDES empresta tais recursos a empresaspblicas.E,mesmo quando o faz,apenas anulado aquele efeito,mas jamais gera aumento das NFSPs;

    o estoque de crditos emprestados pelo FAT ao BNDES reduz advida bruta do governo, e, de novo, se no forem repassados aosetor pblico,no conjunto, reduzida a dvida no conceito lquido.

    As discusses sobre o tratamento dispensado s empresas estataise ao acmulo de disponibilidades financeiras resultante de receitasvinculadas no atual clculo das NFSPs e DLSPs sugerem um temamaior para um debate futuro e mais profundo:a abrangncia das dvi-

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  • mize any risks linked to these arrange-ments. Ver Public Investment andFiscal Policy, mimeo. Fiscal AffairsDepartment and the Policy Develop-ment and Review Department. Inter-national Monetary Fund, maro de2004,p.21.

    das pblicas mensuradas que atenda s formulaes tericas em tornoda sustentabilidade da dvida e da definio do nvel adequado de seutamanho em relao ao produto nacional.

    possvel antecipar algumas questes que poderiam marcar umdebate de maior flego em torno da forma como caracterizada advida pblica no Brasil, para melhor avaliar esse instrumento na for-mulao e execuo das polticas fiscais.A anlise da evoluo da rela-o dvida/PIB no Brasil deveria ser mais cuidadosa perante o fato deque a DLSP um conceito demasiado complexo, repleto de relaesintra-setor pblico e seletivo nas relaes com o setor privado.

    sempre importante ter presente que,nesse contexto,o tamanho dadvida lquida pouco tem a ver com a dimenso da dvida mobiliria empoder do pblico,e que a evoluo das duas dvidas no aponta necessa-riamente para a mesma direo. Se muitos dizem que a dvida do setorpblico brasileiro elevada,a maioria ignora que so igualmente volumo-sas as parcelas envolvidas na sua apurao no s no cmputo da dvidabruta (passivo) como tambm das dedues (ativos) realizadas para sechegar ao saldo lquido,valores muito expressivos so contabilizados.

    Vale ilustrar com a ltima posio divulgada pelo Bacen paradezembro de 2006.O estoque da dvida mobiliria em mercado era de50,1% do PIB, j superando em 0,13% do produto o estoque da dvidalquida de todo o setor pblico ou suplantando em cerca de 16 pontosdo PIB o mesmo estoque especfico do governo federal. Esse grandediferencial explicado pela enorme dimenso que assumiu o estoquede ativos do Tesouro Nacional na forma de crditos renegociados comoutros governos e empresas estatais,que chega perto dos 20% do PIB.

    TABELA 1Dvida lquida do setor pblico

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    Elaborao prpria. Fonte primria: Banco Central. 1/PIB dos ltimos 12 meses valorizado pelo IGP-DI centrado.

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  • Maior ainda o descasamento dos prazos de vencimentos entrepassivos e ativos.Para comparar dvidas e crditos antes citados,o rela-trio do Bacen menciona que o prazo mdio dos ttulos emitidos peloTesouro Nacional, em dezembro de 2006, era de 31 meses. Do outrolado da apurao oficial da DLSP, constam os refinanciamentos con-cedidos pelo mesmo Tesouro a outros governos e empresas estataiscontratados com um prazo inicial de 360 meses,com opo de prorro-gao por mais 120 meses.

    Ora, a literatura internacional que levou concepo terica sobrea sustentabilidade da dvida, ao que tudo indica, sempre associou talpassivo governamental ao estoque de ttulos emitidos pelo poderpblico e colocados em mercado, seja por essa ser a forma tpica definanciamento do dficit oramentrio nos pases mais desenvolvi-dos,seja por ser a forma mais prxima da moeda.A adaptao do con-ceito de DLSP ora adotado obscurece ainda mais a questo do padrode financiamento do poder pblico no Brasil e em economias emer-gentes, encobrindo a forte deformao que costuma marcar suasestruturas.As dvidas bancrias ou contratuais no tm grande relaocom os supostos tericos que baseiam a utilizao da relao dvi-da/PIB,especialmente porque envolvem as posies firmadas a longoprazo, que no podem ser revertidas por opo unilateral.

    Outro problema na aplicao do conceito da DLSP no Brasil dizrespeito incorporao instantnea dos movimentos cambiais variao dos estoques, em especial da dvida externa (contratual emobiliria) contrada com agentes financiadores do exterior.A racio-nalidade da presso sobre portflios tem sentido na relao com osfinanciadores internos da dvida pblica. Quando os financiadoresso organismos internacionais e aplicadores em bnus internacio-nais de longo prazo, desaparece aquela racionalidade, dado que serompe o vnculo entre financiadores do poder pblico e gesto daliquidez interna, prprio da abordagem terica que fundamenta omonitoramento da relao entre dvida e PIB. No se sustenta a idiade que haja algum efeito de presso financeira sobre os credoresexternos se a evoluo da dvida brasileira apenas mais um ativoentre centenas de outros no mercado financeiro internacional. Rigo-rosamente, a no ser no que tange dvida mobiliria interna dolari-zada, em que o agente credor interno percebe seu patrimnio valori-zado, no h justificativa terica para incorporar os movimentoscambiais evoluo da dvida lquida.

    Por ltimo, no demais registrar a diferena da razo dvida/PIBentre os conceitos bruto e lquido (o primeiro tambm formalmentedivulgado pelo Bacen, mas ningum atenta para o fato). Quando ava-liadas apenas as administraes diretas (excludas empresas estatais),no final de dezembro de 2006 o governo geral consolidado acusava

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  • uma dvida bruta de 72,9% do PIB. Como as dedues equivalem a22% do PIB, a razo do governo geral diminua para 51,1% do PIB. Secomputadas tambm as empresas estatais (com posio lquida cre-dora),o mesmo indicador para o setor pblico caa para 50,0% do PIB(em geral o nmero citado e comentado).

    TABELA 2Necessidade de financiamento do setor pblico Fluxos acumulados no ano: janeiro a dezembro

    Toda a reflexo exposta realizada teve como objetivo focalizar maisuma vez a questo do equilbrio fiscal.No se deseja question-la,masapenas mostrar que no h dvida de que a teoria corrente est aindamuito longe de ter algum tipo de viso completa e abrangente sobre odebate. Mais que tudo, no h como negligenciar um elemento deimportncia absoluta:a natureza financeira da participao do Estadona economia transforma a questo fiscal, emprestando-lhe umadimenso que passa a abarcar o crdito e as formas de manuteno deativos e riqueza. Vale frisar que a resoluo das questes fiscais no seesgota na diferena entre impostos e despesas reais, e sim alcana osdomnios da utilizao de ttulos da dvida pblica como moeda eforma de manuteno de capital. Nesse contexto, o prprio investi-mento pblico deve ser entendido de outra forma,e no como simplestipo de gasto. A rearticulao das formas de financiamento desseinvestimento passa a ser crucial.

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    Elaborao prpria. Fonte primria: Banco Central. (-) supervit; (+) dficit

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  • [4] Ver site do Ministrio da Fazen-da: www.fazenda.gov.br/spe/publica-coes/reformasinstitucionais/estu-dos/Texto_VersaoFinal5.pdf.

    Algumas vises partiram de um suposto antagonismo entre inves-timento pblico e privado. A idia geral que o desequilbrio fiscalimplica endividamento crescente, que, por sua vez, faz presso paraelevar a taxa de juros. O movimento inverso, com reduo da relaodvida/PIB, seria a forma de elevar o investimento privado, dada areduo da taxa de juros mediante a reduo da presso sobre os fun-dos emprestveis.A tese ganhou status de poltica,em 2004,por meiodo Ministrio da Fazenda no documento Reformas microeconmi-cas e crescimento de longo prazo4.

    O problema que o investimento um agregado macroeconmicoque se concretiza em mercados especficos. Nesse mbito, a realidadedas complementaridades com outros investimentos e a necessidadede formas institucionais que sejam seguras aos olhos do investidorpassam a ser expressivas.Nunca demais notar que a economia brasi-leira tem um histrico de presena estatal superdimensionada nodomnio econmico, no s como produtor de bens e servios, mastambm como regulador de preos, comrcio exterior e de um grandeconjunto de normas. Nesse contexto, importante refletir mais sobrea interao entre aes, decises de investir e investimentos dos seto-res pblico e privado.

    Desde a desorganizao do padro de financiamento do setorpblico, ainda nos anos 1980, o grande desafio para o crescimentovem sendo a substituio do antigo formato por uma nova configura-o. Em uma primeira etapa, adotou-se a tese de abertura de segmen-tos ao setor privado,com as bem-sucedidas transferncias dos setoresde siderurgia e petroqumica.Na seqncia comearam as transfern-cias por meio de concesses, que atingiram principalmente o setor detransportes. J na dcada de 1980, a segunda grande onda de privati-zaes experimentou sucessos,como nas telecomunicaes,e proble-mas, como no setor eltrico.

    O esgotamento do processo de transferncia de responsabilidadesao setor privado ensejou a inaugurao de um novo formato: as PPPs.As parcerias pblico-privadas j comearam a ser organizadas eimplantadas, porm de forma ainda tmida (em termos macro) efocada nos governos subnacionais (nada aconteceu na esfera federal).Evidente que, se os fundamentos estivessem slidos (como muitosanalistas sustentam), o investimento privado j deveria ter invadidoas reas de infra-estrutura necessrias para desatar o crescimento. Asrazes para que isso no tenha ocorrido s podem ser encontradas naprpria configurao da economia brasileira e na construo de suasprticas pblicas e empresariais.

    A Lei das Parcerias Pblico-Privadas foi aprovada em 2004. O pro-jeto envolvia no s investimentos em infra-estrutura como tambmproviso de servios em educao,sade e assistncia social,entre outros

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  • setores,transferindo para o setor privado funes que antes deveriam serexercidas pelo Estado.Essas parcerias apareciam como a melhor soluopara atrair investimentos em reas nas quais o retorno no era suficien-temente alto para o investidor,e portanto no seria possvel realizar con-cesses para a proviso do servio. Embora tenha sido aprovada umanova lei nacional com regras bem detalhadas, os investidores privadosno se animaram a realizar maiores iniciativas.Ainda h muita incertezae os investidores esperam garantias mais slidas e lquidas.

    O grande obstculo, porm, so as dvidas sobre o marco regula-trio, no apenas das prprias parcerias, como tambm das modela-gens de setores estratgicos. Da carteira de 23 empreendimentos lan-ada em 2003,apenas quatro so considerados prioritrios e somenteum tem o estudo de viabilidade e a modelagem concludos. A demorae a complexidade dos estudos e processos de licitao dificultam maisainda a realizao do projeto.

    Embora todo o controle e a burocracia prejudiquem o processo,acredita-se que no faltam recursos disponveis no setor privadopara tais parcerias. Fundos de penso, por exemplo, so uns dosprincipais candidatos para isso. Uma fatia considervel da carteiradessas instituies est aplicada em renda fixa, e com a tendncia dequeda dos juros elas devem buscar alternativas mais rentveis.Con-tudo,antes preciso melhorar obstculos como o problema da regu-lao e de leis ambientais.

    As agncias de regulao brasileiras, criadas na dcada de 1990,foram fundamentais para o funcionamento de setores privatizadose com iniciativa privada, no entanto foram bastante enfraquecidasdurante o ltimo governo. Uma das formas encontradas para enfra-quec-las foi acabar com a independncia financeira, sem a qual impossvel contratar gente qualificada para fiscalizar as empresas erealizar os estudos necessrios. O governo fez isso ao reter parte dodinheiro destinado s agncias, arrecadado por meio de tarifasembutidas nas contas de luz e telefone, por exemplo. Somente em2005, as seis principais agncias deixaram de receber 4,5 bilhes dereais que lhes pertenciam.

    Outro fator que tem minado a iniciativa privada a falta de clarezapor parte do governo sobre o papel das agncias ambientais. As leisambientais no so claras e os processos de licenciamento permitemuma infinidade de novas exigncias aos investidores. Os embargosambientais viraram um dos maiores entraves aos novos projetos deinfra-estrutura. Ao mesmo tempo, alguns empreendedores manipu-lam falhas na legislao para solapar o poder regulador, melhorando arentabilidade de seus empreendimentos.

    De qualquer forma,o setor privado at poderia se ocupar da maiorparte dos setores essenciais para o clculo de rentabilidade do inves-

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  • timento, com grandes vantagens, em termos de custo econmico esocial.Isso ocorre em diversos pases.No caso brasileiro,embora nopossamos deixar de ter como meta a responsabilizao crescente dosetor privado pelos investimentos essenciais, seria pouco realistaachar que isso v se dar em um piscar de olhos. Vale ressaltar que oBrasil experimentou dcadas de presena estatal absoluta nos seto-res de energia, telefonia, saneamento e siderurgia, entre outros. Atransio foi rpida em alguns deles, devido s mudanas tecnolgi-cas e aos ganhos de produtividade derivados da privatizao. Emoutros casos,as escalas de capital exigido e as dificuldades com o apa-rato regulatrio agiram como entraves ao desenvolvimento.

    Os investimentos nos setores de infra-estrutura urbana e detransportes sem dvida podero aproveitar no futuro as oportunida-des abertas pelos novos instrumentos financeiros gestados pelo mer-cado de capitais. Eles podero usar as novas formas jurdicas que oproject finance engendrou e devero diluir os diversos tipos de risco doempreendimento por meio das engenharias de seguros e formata-es empresariais.

    O problema que assim como temos diversos gargalos produti-vos, nossas instituies financeiras ainda no desfrutam do nvel desofisticao vigente em outros pases. No queremos dizer que essesinstrumentos no possam ser bem-sucedidos. Eles j podem operar,como a PPP do Metr paulista mostrou,mas o que est em questo aescala. E esta s vir com um tempo de que no dispomos.

    Tendo em vista a lentido com que vm sendo implementadas asparcerias e a timidez das medidas fiscais, como a dos projetos-piloto, cada vez mais necessrio pensar em outras alternativas, mais ousa-das e ambiciosas, para enfrentar uma questo to grave como o redu-zido investimento pblico no Brasil.

    Uma estratgia inovadora poderia buscar a elevao de investi-mentos, sem prejuzo da preservao do equilbrio fiscal, com umaconduo pblica, mas com a chancela do mercado. A proposta con-siste em identificar vinte ou trinta projetos fundamentais para odesenvolvimento do pas,os quais,embora de difcil equacionamentona forma PPP, pudessem ser realizados por empresas de propsitoespecfico. E, ainda que organizadas pelo poder pblico, seriam geri-das de forma profissionalizada.

    indispensvel abrir espaos para projetos identificados comoeconomicamente viveis com relao a suas taxas internas de retorno.Do mesmo modo, projetos que tenham taxa interna de retorno infe-rior, mas tenham impacto sobre a economia e assim apresentemimpactos econmicos indiretos positivos, poderiam ter apoio parasua realizao. Esses projetos teriam de ter o novo projeto como base,

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  • tanto na formulao como na execuo, desenvolvendo aes geren-cialmente eficientes e financiveis pelo mercado.

    O financiamento dos projetos deveria contar com recursos espec-ficos, levantados diretamente no mercado. Nessa estratgia de capta-o de recursos,caberiam operaes de crdito contratadas em bancose recursos levantados em fundos de investimento,ou mesmo por meiode emisso de ttulos contra recebveis. Logicamente, o ponto crucialseria a estrutura jurdica armada para dar segurana aos aplicadoresquanto conduo profissionalizada da gesto.

    Caso a taxa interna de retorno dos projetos seja inferior rentabi-lidade requerida pelo mercado, seja na fase inicial, seja durante toda arealizao do projeto,teria de ser feita uma proviso de recursos para aequalizao de taxa, devendo ser contabilizada como necessidade definanciamento, ano a ano. Mesmo que, na prtica, o processo assu-misse a forma de uma colocao prvia de ttulos que ficariam deposi-tados em garantia, a existncia de ativos e passivos a serem utilizadosno curso do projeto distribuiria o subsdio implcito no tempo, bemcomo o impacto sobre a NFSP.

    O financiamento pelo mercado a maior garantia da qualidadedos investimentos. Ao mesmo tempo, essa formatao no exigiriaum sistema de securitizao to complexo quanto o que necessriopara as PPPs. A salvaguarda para as contas pblicas se daria pelapenalizao aos projetos mal executados. Em caso de descompassoentre a trajetria financeira inicialmente desenhada e a realizada, odiferencial seria computado como novo dficit pblico.Mas isso nodaria aos investidores nenhum direito de ressarcimento, justamentepara garantir as melhores decises de investir e o monitoramento dacondio da empresa.

    Trs precondies seriam apresentadas: desenvolvimento de umaavaliao econmica detalhada do empreendimento, com auditoriaexterna;constituio de diretoria profissional,sem interferncia pol-tica e com ativa participao dos investidores; estruturao do finan-ciamento da empresa realizado em mercado, com agentes privados.

    Essa configurao, por si s, poderia legitimar que os recursoslevantados para investimentos no fossem incorporados apuraooficial do dficit pblico. De fato, o financiamento pelo mercado amaior garantia da qualidade dos investimentos. Ao mesmo tempo,essa formatao no exigiria um sistema de securitizao to com-plexo quanto o necessrio para as PPP.

    Essa proposio teria trs efeitos importantes para o pas: econo-mizaria tempo na viabilizao de projetos essenciais; iniciaria aremontagem de uma estrutura de financiamento ao setor pblico quefuja da concentrao do endividamento na dvida mobiliria;e permi-tiria que o mercado financeiro desenvolvesse prticas e instrumentos

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  • compatveis com o financiamento de operaes de porte, que poste-riormente podero ser diretamente realizados pelo setor privado.Alm disso, mas no menos importante, eximiria o pas da mediocri-dade da disjuntiva: crescimento ou equilbrio fiscal.

    importante frisar que a modelagem acima proposta muitosuperior ao Projeto Piloto de Investimentos (PPI), que seleciona umrol de investimentos e simplesmente deduz o valor correspondente dodficit pblico. Em primeiro lugar, os analistas de mercado tm tra-tado esse mecanismo como simples embuste.Em segundo,realmenteno se trata de nenhum conceito ou formato novo, que melhore a efi-cincia,a gesto ou solvncia do setor pblico.Ao contrrio,a PPI maisparece uma lista de projetos escolhida por importncia poltica.

    Por fim, importante comparar o desenho aqui proposto e a mode-lagem das PPPs reguladas por lei federal. Elas no so excludentes,dado que as parcerias comandadas pelo setor privado j podem ser rea-lizadas. O grande diferencial que as PPPs acessam recursos de umfundo que poder se tornar um grande esqueleto,enquanto a propostaem pauta liquida seus desvios, diante do planejamento inicial, a cadaano, produzindo o dficit correspondente no prprio ano. Dessaforma, estaria preservado o critrio de apropriao dos prejuzos demodo a no afetar geraes futuras.

    O crescimento o maior desafio da economia brasileira nasegunda metade desta dcada. H vrios anos, o Brasil vem promo-vendo mudanas estruturais em sua economia e sociedade, desde osucesso na abertura ao exterior, passando pelo controle da inflao,pela desestatizao da economia, pelo maior ativismo estatal naspolticas sociais e indo at mesmo alternncia de poder sem rup-tura de preos, contratos, ordem e propriedade. O amadurecimentodemocrtico e institucional que permitiu ao pas promover a alter-nncia do poder poltico deveria nortear mudanas no campo da eco-nomia. praticamente um consenso absoluto o que se busca: conci-liar estabilidade de preos com crescimento a taxas mais elevadas;aumentos mais vigorosos na produo, no emprego e, por conse-guinte, no bem-estar social, de modo que o combate pobreza e sdesigualdades sociais seja efetuado com mudanas estruturantes eno apenas paliativos assistencialistas.

    Qual o diagnstico bsico do problema? O crescimento resul-tado de um conjunto de fatores, entre os quais podemos identificardois como os mais relevantes no horizonte imediato: a adequaodas polticas de juros e cmbio e o formato da presena do Estadona economia.

    Embora haja enorme evidncia de que os dois principais preos daeconomia (juros e cmbio) estejam fora de lugar, no foi esse o obje-

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  • tivo da presente discusso. Partiu-se do suposto de que as grandesvariveis macroeconmicas devero se ajustar para permitir avanosna discusso sobre as formas de romper a enorme armadilha fiscal emque o pas ficou preso. Em verdade, a poltica fiscal se tornou comple-tamente passiva e acabou sobrecarregada pela necessidade de darconta de um nus financeiro relativo s crises monetrias e dificul-dade de controle dos fluxos de capital.

    As solues de poltica sustentaram-se na produo de supervitsprimrios,viabilizados por novas elevaes da carga tributria,convi-vendo com inconseqente ampliao dos gastos correntes, relegandoo investimento pblico a nveis insignificantes.A carga tributria bra-sileira, que j chega perto dos 40% do PIB, iguala-se carga tributriamdia de pases industrializados e muito superior carga mdia dospases em desenvolvimento (27,4% do PIB).

    inegvel que a atual estruturao da poltica fiscal altamenterestritiva. Diversos conceitos e formas de medida das contas fiscaisapresentam um vis altamente contrrio aos gastos em investimento.Como foi visto,esses conceitos so muito mais rgidos no caso da eco-nomia brasileira que em mbito internacional, seja em economiasmaduras, seja em economias emergentes.

    Nos ltimos anos, a insuficincia do trato governamental emrelao aos setores regulados pelo Estado chegou a limites insus-tentveis. O carter quase errtico com respeito ao formato da pre-sena do Estado na economia e a falta de compreenso das relaesentre o pblico e o privado produziram o esfacelamento da j dbilestrutura da regulao antes apoiada pelas agncias regulado-ras, que acabaram perdendo a capacidade e a autoridade para aregulao setorial.

    As duas tentativas de incentivar investimentos pblicos e envol-ver recursos privados nas reas em que tradicionalmente o setorpblico supridor no tiveram o desempenho inicialmente espe-rado. De um lado, o PPI, reduo do dficit limitada a projetos compiso de retorno aceitvel, no teve conduo expressiva e sempre foipercebido pelo mercado como simples falseamento das contas fis-cais. De outro, a PPP, dadas as dificuldades envolvidas na formataodo project finance, dever ser um instrumento em construo porperodo aprecivel de tempo.

    Dessa forma, o grande desafio que se coloca neste momento paraa formulao das polticas a proposio de formas de investimentoem infra-estrutura,pela ao do Estado,sem que os ganhos derivadosda responsabilidade fiscal sejam postos em risco. Para isso, buscou-se desenhar um novo formato de bloco de investimentos, caracteri-zado pela formao de uma empresa controlada pelo Estado, mas defim especfico. Uma empresa de gesto privada, sob diretrizes gover-

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  • namentais. O investimento realizado no seria contabilizado comodficit pblico, justamente porque a realizao passaria pelo crivo domercado, como seu financiador. Quaisquer insuficincias de fundosou deficincias inesperadas de taxa de retorno deveriam ser imedia-tamente assumidas como nus governamental e contabilizadascomo dficit pblico.

    Os ganhos nesta estratgia vo alm de apressar investimentosinadiveis, pois, ao mesmo tempo, assume novos contornos a recom-posio do padro de financiamento pblico e as prprias formas pri-vadas de estruturao de financiamentos vo ganhando densidade epreparando o setor privado para uma presena mais forte na capaci-dade de ofertar infra-estrutura.

    Geraldo Biasoto Jr. professor de economia do Instituto de Economia da Unicamp.

    Jos Roberto R. Afonso economista de carreira do BNDES e doutorando pelo Instituto de

    Economia da Unicamp.

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    Recebido para publicao em 8 de maro de 2007.

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