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Indaial – 2019 METABOLISMO Prof.ª Graziela dos Santos Barni 1 a Edição BIOQUÍMICA BÁSICA E

ioquíMica básica e MetabolisMo

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Page 1: ioquíMica básica e MetabolisMo

Indaial – 2019

MetabolisMo

Prof.ª Graziela dos Santos Barni

1a Edição

bioquíMica básica e

Page 2: ioquíMica básica e MetabolisMo

Copyright © UNIASSELVI 2019

Elaboração:

Prof.ª Graziela dos Santos Barni

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

B262b

Barni, Graziela dos Santos

Bioquímica básica e metabolismo. / Graziela dos Santos Barni. – Indaial: UNIASSELVI, 2019.

212 p.; il.

ISBN 978-85-515-0340-9

1. Bioquímica. - Brasil. 2. Metabolismo. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 572

Page 3: ioquíMica básica e MetabolisMo

Prezado acadêmico, este livro didático reúne informações preciosas sobre bioquímica e metabolismo. Mas questionamos: O que é a Bioquímica? Como podemos definir Metabolismo?

A bioquímica é considerada uma ciência interdisciplinar que utiliza princípios e métodos da química na investigação das transformações que ocorrem nas substâncias e moléculas dos seres vivos, enquanto que o metabolismo são as transformações e reações químicas relacionadas aos processos de síntese, degradação e decomposição envolvendo nossas células.

Neste livro didático conheceremos os principais processos e conceitos que envolvem essas ciências tão importantes para os seres vivos e que vivenciamos diariamente. Para tornar este momento mais organizado e de fácil entendimento, dividimos em três unidades.

Na Unidade 1, nosso foco inicialmente estará direcionado para as informações relacionadas aos fundamentos da bioquímica. Esta unidade estará dividida em dois tópicos: a lógica molecular da vida e célula eucarionte e procarionte.

Você lembra quais são as principais teorias para explicar o aparecimento da vida no nosso planeta? O que significa ser eucarionte e procarionte?

Na Unidade 2 será abordado o tema biomoléculas. Afinal, o que são biomoléculas? Como podemos imaginar, biomoléculas são moléculas essenciais à vida. Esta unidade está dividida em sete tópicos, sendo eles: características gerais das biomoléculas; água; aminoácidos; proteínas; enzimas; carboidratos; ácidos nucleicos; e lipídios.

E, por fim, na Unidade 3 iremos direcionar nossas informações para o metabolismo que acontece no interior de nossas células. Esta unidade está dividida em cinco tópicos: princípios de bioenergética; ciclo do ácido cítrico; metabolismo de ácidos graxos e triglicerídeos; metabolismo de aminoácidos; e metabolismo de nucleotídeos.

Mas como nossas células obtêm energia para realizar todas as suas funções? Por que acontecem erros no metabolismo de lipídios, podendo gerar doenças como hipercolesterolemia e adrenoleucodistrofias, por exemplo? Esses são alguns questionamentos que serão respondidos ao longo deste livro didático. Está curioso? Vamos começar essa leitura cheia de informações que nos leva a compreender melhor o funcionamento do nosso organismo?

Bons estudos!Prof.ª Graziela dos Santos Barni

APRESENTAÇÃO

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Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.

GIO

QR CODE

Você lembra dos UNIs?

Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará você a entender melhor o que são essas informações adicionais e o porquê você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

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ENADE

LEMBRETEOlá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é uma dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confi ra, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

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SUMÁRIOUNIDADE 1 - FUNDAMENTOS DE BIOQUÍMICA ......................................................1

TÓPICO 1 - A LÓGICA MOLECULAR DA VIDA ......................................................... 31 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 32 A UNIDADE QUÍMICA DOS DIFERENTES ORGANISMOS VIVOS .........................4

2.1 A BIOQUÍMICA PROCURA EXPLICAR A VIDA EM TERMOS QUÍMICOS ......................62.2 MACROMOLÉCULAS CONSTRUÍDAS A PARTIR DE COMPOSTOS SIMPLES ......... 82.3 PRODUÇÃO DE ENERGIA E SEU CONSUMO NO METABOLISMO ..............................92.4 TRANSFERÊNCIA DA INFORMAÇÃO BIOLÓGICA ........................................................ 17

RESUMO DO TÓPICO 1 ..........................................................................................23AUTOATIVIDADE ...................................................................................................24

TÓPICO 2 - CÉLULA EUCARIONTE E PROCARIONTE ..........................................251 INTRODUÇÃO ......................................................................................................252 COMPARTIMENTOS CELULARES ......................................................................253 DIMENSÕES CELULARES ..................................................................................324 CÉLULAS E TECIDOS USADOS EM ESTUDOS BIOQUÍMICOS ..........................345 EVOLUÇÃO E ESTRUTURA DAS CÉLULAS PROCARIÓTICAS..........................34

5.1 O ESTUDO DA Escherichia coli ....................................................................................... 366 EVOLUÇÃO DAS CÉLULAS EUCARIÓTICAS .....................................................39

6.1 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DAS CÉLULAS EUCARIÓTICAS....................................................................................................................40

7 ESTUDO DOS COMPONENTES CELULARES .....................................................457.1 ORGANELAS ISOLADAS POR CENTRIFUGAÇÃO .........................................................457.2 ESTUDOS IN VITRO ........................................................................................................... 47

8 EVOLUÇÃO DOS ORGANISMOS MULTICELULARES E A DIFERENCIAÇÃO CELULAR .............................................................................................................. 489 VÍRUS: PARASITAS DAS CÉLULAS ................................................................... 51LEITURA COMPLEMENTAR ..................................................................................53RESUMO DO TÓPICO 2 ..........................................................................................54AUTOATIVIDADE ...................................................................................................55

UNIDADE 2 — BIOMOLÉCULAS.............................................................................59

TÓPICO 1 — CARACTERÍSTICAS GERAIS ............................................................ 611 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 612 COMPOSIÇÃO E LIGAÇÃO QUÍMICA .................................................................. 613 BIOMOLÉCULAS SÃO COMPOSTOS DE CARBONO ..........................................624 GRUPOS FUNCIONAIS DETERMINAM AS PROPRIEDADES QUÍMICAS ..........635 ESTRUTURA TRIDIMENSIONAL: CONFIGURAÇÃO E CONFORMAÇÃO ...........646 REATIVIDADE QUÍMICA .....................................................................................657 MACROMOLÉCULAS E SUAS SUBUNIDADES MONOMÉRICAS .......................69RESUMO DO TÓPICO 1 ...........................................................................................71AUTOATIVIDADE ................................................................................................... 72

TÓPICO 2 - ÁGUA .................................................................................................. 731 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 73

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2 PONTES DE HIDROGÊNIO .................................................................................. 733 INTERAÇÕES DE VAN DER WAALS ................................................................... 764 IONIZAÇÃO DA ÁGUA, ÁCIDOS FRACOS E BASES FRACAS ............................ 765 AÇÃO TAMPONANTE CONTRA AS VARIAÇÕES DE PH NOS SISTEMAS BIOLÓGICOS ..........................................................................................................78LEITURA COMPLEMENTAR ..................................................................................82RESUMO DO TÓPICO 2 ......................................................................................... 84AUTOATIVIDADE ...................................................................................................85

TÓPICO 3 - AMINOÁCIDOS, PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS......................................871 INTRODUÇÃO ......................................................................................................872 AMINOÁCIDOS ....................................................................................................88

2.1 CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS................................................................................882.2 CLASSIFICAÇÃO PELO GRUPO R ..................................................................................892.3 PROPRIEDADES DOS AMINOÁCIDOS ........................................................................... 92

3 PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS.................................................................................933.1 ASPECTOS GERAIS DA ESTRUTURA PROTEICA ........................................................ 943.2 ESTRUTURA SECUNDÁRIA DAS PROTEÍNAS ............................................................. 943.3 ESTRUTURAS TERCIÁRIAS E QUATERNÁRIAS DAS PROTEÍNAS .......................... 953.4 DESNATURAÇÃO PROTEICA E ENOVELAMENTO ...................................................... 953.5 FUNÇÕES DAS PROTEÍNAS .............................................................................................97

RESUMO DO TÓPICO 3 ..........................................................................................99AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 101

TÓPICO 4 - ENZIMAS ..........................................................................................1031 INTRODUÇÃO ....................................................................................................1032 FUNÇÃO ENZIMÁTICA .....................................................................................1043 CINÉTICA ENZIMÁTICA ...................................................................................104

3.1 ENZIMAS REGULADORAS .............................................................................................. 105RESUMO DO TÓPICO 4 ........................................................................................ 107AUTOATIVIDADE .................................................................................................108

TÓPICO 5 - CARBOIDRATOS E GLICOCONJUGADOS ........................................ 1111 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 1112 MONOSSACARÍDEOS E DISSACARÍDEOS ...................................................... 1123 POLISSACARÍDEOS ......................................................................................... 1144 GLICOCONJUGADOS: PROTEOGLICANOS, GLICOPROTEÍNAS E GLICOLIPÍDIOS.................................................................................................... 116RESUMO DO TÓPICO 5 ........................................................................................120AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 121

TÓPICO 6 - NUCLEOTÍDEOS E ÁCIDOS NUCLEICOS ......................................... 1231 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1232 ESTRUTURA DOS NUCLEOTÍDEOS E NUCLEOSÍDEOS .................................. 1233 LIGAÇÕES FOSFODIÉSTERES ......................................................................... 1254 ESTRUTURA DOS ÁCIDOS NUCLEICOS .......................................................... 126

4.1 CARACTERÍSTICAS DO DNA .......................................................................................... 1265 CARACTERÍSTICAS DOS RNAS ....................................................................... 1266 A QUÍMICA DO ÁCIDO NUCLEICO .................................................................... 1277 OUTRAS FUNÇÕES DOS NUCLEOTÍDEOS ......................................................128RESUMO DO TÓPICO 6 ........................................................................................ 129AUTOATIVIDADE .................................................................................................130

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TÓPICO 7 - LIPÍDIOS ............................................................................................1311 INTRODUÇÃO .....................................................................................................1312 LIPÍDIOS DE ARMAZENAMENTO ......................................................................1313 LIPÍDIOS ESTRUTURAIS DE MEMBRANA .......................................................1334 LIPÍDIOS COMO SINAIS, COFATORES E PIGMENTOS ....................................1345 SEPARAÇÃO E ANÁLISE DE LIPÍDIOS ............................................................ 135RESUMO DO TÓPICO 7 ........................................................................................138AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 139

UNIDADE 3 — METABOLISMO ............................................................................. 141

TÓPICO 1 — PRINCÍPIOS DA BIOENERGÉTICA ..................................................1431 INTRODUÇÃO ....................................................................................................1432 SERES AUTOTRÓFICOS, HETEROTRÓFICOS E VIAS METABÓLICAS ...........1443 GLICÓLISE E VIA PENTOSE-FOSFATO ...........................................................148

3.1 A FASE PREPARATÓRIA DA GLICÓLISE REQUER ATP ..............................................1523.2 A FASE DE PAGAMENTO DA GLICÓLISE PRODUZ ATP E NADH .......................... 153

4 A CAPTAÇÃO DA GLICOSE É DEFICIENTE NO DIABETES MELITO TIPO 1 .... 1535 VIAS ALIMENTADORAS DA GLICÓLISE .......................................................... 155

5.1 OS POLISSACARÍDEOS E OS DISSACARÍDEOS DA DIETA ...................................... 1565.2 O GLICOGÊNIO ENDÓGENO E O AMIDO SÃO DEGRADADOS POR FOSFORÓLISE ....................................................................................................................157

6 GLICONEOGÊNESE ..........................................................................................158LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................160RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................161AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 162

TÓPICO 2 - CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO ............................................................... 1631 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1632 PRODUÇÃO DE ACETATO ................................................................................1643 REAÇÕES DO CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO ........................................................ 1664 O CICLO DO GLIOXILATO .................................................................................168RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................171AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 172

TÓPICO 3 - METABOLISMO DE ÁCIDOS GRAXOS E TRIGLICERÍDEOS ............ 1731 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1732 DIGESTÃO, MOBILIZAÇÃO E TRANSPORTE DE GORDURAS ......................... 174

2.1 AS GORDURAS DA DIETA SÃO ABSORVIDAS NO INTESTINO DELGADO .............1752.2 HORMÔNIOS ATIVAM A MOBILIZAÇÃO DOS TRIACILGLICERÓIS ARMAZENADOS .................................................................................................................176

2.2.1 Oxidação dos ácidos graxos .................................................................................1782.2.2 Corpos cetônicos ....................................................................................................1792.2.3 Corpos cetônicos são produzidos em excesso no diabetes e durante o

jejum ........................................................................................................................... 180RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................182AUTOATIVIDADE .................................................................................................183

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TÓPICO 4 - METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS .................................................1851 INTRODUÇÃO ....................................................................................................1852 DESTINOS METABÓLICOS DOS GRUPOS AMINOS......................................... 187

2.1 AS PROTEÍNAS DA DIETA SÃO ENZIMATICAMENTE DEGRADADAS ATÉ AMINOÁCIDOS ................................................................................................................... 188

2.2 O GLUTAMATO LIBERA SEU GRUPO AMINO NA FORMA DE AMÔNIA .................. 1912.3 A GLUTAMINA TRANSPORTA A AMÔNIA NA CORRENTE SANGUÍNEA ................1922.4 A ALANINA TRANSPORTA A AMÔNIA DOS MÚSCULOS ESQUELÉTICOS PARA O

FÍGADO ................................................................................................................................ 1942.5 A AMÔNIA É TÓXICA PARA OS ANIMAIS .................................................................... 1952.6 EXCREÇÕES DE NITROGÊNIO E CICLO DA UREIA ................................................... 1962.7 A UREIA É PRODUZIDA A PARTIR DA AMÔNIA ......................................................... 1962.8 DEFEITOS GENÉTICOS DO CICLO DA UREIA PODEM SER FATAIS ...................... 1982.9 VIAS DE DEGRADAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS ............................................................ 1982.10 O CATABOLISMO DA FENILALANINA / FENILCETONÚRIA .................................. 199

RESUMO DO TÓPICO 4 ........................................................................................201AUTOATIVIDADE ................................................................................................ 202

TÓPICO 5 - METABOLISMO DE NUCLEOTÍDEOS .............................................. 2031 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 2032 BIOSSÍNTESE DE NUCLEOTÍDEOS ................................................................ 203

2.1 A SÍNTESE DE NOVO DE NUCLEOTÍDEOS PÚRICOS ...............................................2042.2 BASES PÚRICAS E PIRIMÍDICAS SÃO RECICLADAS POR VIAS DE SALVAÇÃO 207

RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................... 208AUTOATIVIDADE ................................................................................................ 209REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 211

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UNIDADE 1 -

FUNDAMENTOS DE BIOQUÍMICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a lógica molecular da vida;

• identifi car as principais evidências para o surgimento da vida;

• estabelecer as características que diferenciam os seres vivos dos inanimados;

• compreender que cada organismo vivo tem uma função específi ca;

• estabelecer os princípios da bioquímica para explicar a vida em termos químicos;

• identifi car que as macromoléculas são construídas a partir de compostos simples;

• compreender como ocorre a produção de energia e o seu consumo no metabolismo;

• refl etir acerca da transferência da informação biológica.

Esta unidade está dividida em dois tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoati-vidades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A LÓGICA MOLECULAR DA VIDATÓPICO 2 – CÉLULA EUCARIONTE E PROCARIONTE

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

CHAMADA

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CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1!

Acesse o QR Code abaixo:

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A LÓGICA MOLECULAR DA VIDA

1 INTRODUÇÃO

Há mais de três bilhões e meio de anos, sob condições não inteiramente claras, elementos com carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, enxofre e fósforo formaram compostos químicos simples. Esses compostos simples foram chamados de coacervados e representaram a primeira forma proteica descrita. Eles combinaram-se, dispersaram-se e recombinaram-se, formando várias moléculas maiores, até surgir uma combinação capaz de se autorreplicar (NELSON; COX, 2002).

Essas macromoléculas consistiram de moléculas mais simples, unidas por ligações químicas. Com a contínua evolução e a formação de moléculas ainda mais complexas, o meio aquoso ao redor de muitas dessas moléculas autorreplicativas foi envolto por uma membrana lipídica. Esse desenvolvimento proporcionou a essas estruturas primordiais a capacidade de controlar, num certo grau, seu próprio meio. Uma forma de vida tinha se desenvolvido e a unidade básica da vida, a célula, tinha se estabelecido. Com o passar do tempo, diversas células se desenvolveram e tanto a química quanto a estrutura dessas células tornaram-se mais complexas. Elas conseguiram extrair nutrientes do meio, converter quimicamente esses nutrientes em fonte de energia ou em moléculas mais complexas, controlar os processos químicos que catalisavam e fazer replicação celular. Deste modo, a vasta diversidade de vida hoje observada começou. A célula é a unidade básica da vida em todas as formas de organismos vivos, da menor célula bacteriana ao mais complexo animal multicelular (NELSON; COX, 2002, p. 1).

Admite-se que o processo que originou as primeiras células começou na Terra a aproximadamente 4,6 bilhões de anos, na então chamada Terra Primitiva. Naquela época, a atmosfera continha muito vapor d’água, amônia, metano, hidrogênio e gás carbônico. Existia uma atividade vulcânica intensa e as tempestades com descargas elétricas eram frequentes.

Há 4 bilhões de anos, a superfície da Terra estaria coberta por grande quantidade de água, disposta em grandes “oceanos” e “lagos”. Essa massa líquida, chamada de caldo primordial, era rica em moléculas inorgânicas e continha em solução os gases que constituíam a atmosfera (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007). Sob a ação do calor e da radiação ultravioleta, vindos do Sol, e de descargas elétricas, oriundas das tempestades, as moléculas dissolvidas no caldo primordial combinaram-se quimicamente para constituírem os primeiros compostos contendo carbono. Substâncias relativamente complexas, como proteínas e ácidos nucleicos, teriam aparecido espontaneamente ao acaso.

TÓPICO 1 - UNIDADE 1

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Curiosidade:A atmosfera terrestre também sofreu mudanças significativas. Contudo, não existe um acordo sobre a constituição da atmosfera da época. Acredita-se que ela se apresentava ora mais ou menos redutora, de acordo com os estudos realizados na composição das nuvens de poeira estelar, meteoritos e de gases retidos em rochas antigas.

NOTA

2 A UNIDADE QUÍMICA DOS DIFERENTES ORGANISMOS VIVOS

O que distingue os organismos vivos dos objetos inanimados se as moléculas que constituem as células são formadas pelos mesmos átomos encontrados nesses seres (inanimados)? Primeiro, é o seu grau de complexidade química e de organização. Eles possuem estruturas celulares internas intrincadas (Figura 1) e contêm muitas espécies de moléculas complexas. Em contraste, a matéria inanimada existente ao nosso meio – terra, areia, rochas, água do mar – usualmente consiste de misturas de compostos químicos relativamente simples (NELSON; COX, 2002).

FIGURA 1 – VISTO AO MICROSCÓPIO ELETRÔNICO, ESSE PEDAÇO DE TECIDO MUSCULAR DE VERTEBRADO EVIDENCIA SUA COMPLEXIDADE E ORGANIZAÇÃO

FONTE: A autora

Segundo, os organismos vivos extraem, transformam e usam a energia que encontram no meio ambiente (Figura 2), habitualmente na forma de nutrientes químicos ou de energia radiante da luz solar. Essa energia torna os organismos vivos capazes de construir e manter suas próprias estruturas intrincadas e de realizar trabalhos mecânico, químico, osmótico e de vários outros tipos. Em contraste, a matéria inanimada não usa energia de forma sistemática para manter a sua estrutura ou para realizar trabalho. A matéria inanimada tende a se degenerar em um estado mais desordenado, alcançando um equilíbrio com o seu meio ambiente (NELSON; COX, 2002).

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FIGURA 2 – A ÁGUIA ADQUIRE NUTRIENTES NO MEIO AMBIENTE PELA INGESTÃO DE PRESAS MENORES

FONTE: <http://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/2014/01/fotografo-flagra-aguia-capturando-peixe--em-rio-nos-eua.html>. Acesso em: 11 jul. 2019.

O terceiro, e mais característico atributo dos organismos vivos, é a capacidade para a autorreplicação e automontagem, propriedades que podem ser vistas como a quinta essência do estado vivo (Figura 3). Uma única célula bacteriana de Escherichia coli, por exemplo, colocada num meio nutriente estéril pode dar origem, a cada 20 minutos, à outra célula bacteriana idêntica à célula-mãe, com as mesmas características genéticas. Cada uma das células contém milhares de moléculas diferentes, algumas extremamente complexas; mesmo assim, cada bactéria é uma cópia fiel da original, constituída inteiramente a partir da informação contida no interior do material genético da célula original (NELSON; COX, 2002).

FIGURA 3 – A REPRODUÇÃO BIOLÓGICA OCORRE COM FIDELIDADE PRÓXIMA À PERFEIÇÃO

FONTE: <pt.depositphotos.com/27718179/>. Acesso em: 13 mar. 2019.

Erwin Schodinger propôs, em seu ensaio O que é a vida?, que o material genético das células deveria ter as propriedades de um cristal. Esse ensaio de Schrodinger é de 1944 (anos antes do atual entendimento da estrutura do gene ter sido estabelecido), mas descreve de forma acurada muitas das propriedades do ácido desoxirribonucleico, o material dos genes.

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FIGURA 4 – ERWIN SCHODINGER (1887-1961)

FONTE: <https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1933/schrodinger/biographical/>. Acesso em:11 jul. 2019.

Cada componente de um organismo vivo tem uma função específica. Isso é verdade não somente para as estruturas macroscópicas, como folhas e caules ou corações e pulmões, mas também para as estruturas intracelulares microscópicas, como os núcleos e os cloroplastos. Até mesmo os compostos químicos individuais, existentes nas células, têm funções específicas. O inter-relacionamento entre os componentes químicos de um organismo vivo é dinâmico; alterações em um componente provocam mudanças coordenadas ou compensatórias em outro, tendo como resultado o conjunto exibindo características que vão além daquelas exibidas pelos constituintes individuais. A coleção de moléculas executa um programa cujo resultado é a reprodução do programa e a autoperpetuação daquela coleção de moléculas, em suma, vida (NELSON; COX, 2002).

2.1 A BIOQUÍMICA PROCURA EXPLICAR A VIDA EM TERMOS QUÍMICOS

Se os organismos vivos são compostos de moléculas intrinsecamente inanimadas, como podem essas moléculas exibir a extraordinária combinação de características que chamamos de vida? Como pode ser que um organismo vivo pareça ser mais do que a soma de suas partes inanimadas?

Os filósofos, uma vez, responderam que os organismos vivos são dotados de uma força vital divina e misteriosa, mas essa doutrina (vitalismo) tem sido firmemente rejeitada pela ciência moderna. O objetivo básico da ciência bioquímica é mostrar como as moléculas, que constituem os organismos vivos, interagem entre si para manter e perpetuar a vida exclusivamente pelas leis químicas que governam o universo não vivo (NELSON; COX, 2002).

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Até o momento, pesquisas bioquímicas revelam que todos os organismos são notadamente semelhantes em níveis celular e químico. A Bioquímica descreve em termos moleculares as estruturas, os mecanismos e os processos químicos compartilhados por todos os organismos, e fornece os princípios organizacionais que fundamentam a vida em todas as suas diferentes formas, princípios esses que coletivamente serão referidos como a lógica molecular da vida. Embora a bioquímica produza importantes visões do conhecimento e das aplicações práticas em medicina, agricultura, nutrição e indústria, ela está, em última instância, preocupada e interessada na maravilha que a vida é em si mesma.

FIGURA 5 – ORGANISMOS VIVOS DIFERENTES COMPARTILHAM CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS IGUAIS

FONTE: <http://shaareishalom.net.br/curso-temas-do-chumash-no3-no-jardim-do-eden>. Acesso em: 13 mar. 2019.

Embora a vida seja fundamentalmente unitária, é importante reconhecer que pouquíssimas generalizações a respeito dos organismos vivos são absolutamente corretas para todos eles e sob quaisquer condições. A variação de hábitat nos quais os organismos vivem, desde fontes termais quentes até tundra ártica, de intestinos de animais a dormitórios de residências estudantis, é acompanhada por uma variação igualmente ampla de adaptações bioquímicas específicas. Essas adaptações são integradas em um padrão químico fundamental, compartilhado por todos os organismos. Embora as generalizações não sejam perfeitas, elas permanecem úteis. De fato, as exceções geralmente iluminam as generalizações científicas.

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2.2 MACROMOLÉCULAS CONSTRUÍDAS A PARTIR DE COMPOSTOS SIMPLES

A maioria dos constituintes moleculares dos sistemas vivos é composta de átomos de carbono unidos covalentemente a outros átomos de carbono e átomos de hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. As propriedades especiais de ligação do carbono permitem a formação de uma grande variedade de moléculas.

Para Nelson e Cox (2014), cada célula da bactéria Escherichia coli (E. coli) contém mais de 6.000 tipos diferentes de compostos orgânicos, incluindo perto de 3.000 proteínas diferentes e um número similar de moléculas de ácidos nucleicos e centenas de tipos de carboidratos e lipídios. Em humanos, pode haver dezenas de milhares de tipos diferentes de proteínas, assim como muitos tipos de polissacarídeos, uma grande variedade de lipídios e muitos outros compostos de peso molecular menor.

Purificar e caracterizar exatamente todas essas moléculas seria um trabalho insuperável se não fosse o fato de cada classe de macromoléculas (proteínas, ácidos nucleicos, polissacarídeos) ser composta de um pequeno conjunto de subunidades monoméricas comuns. Essas subunidades monoméricas podem ser unidas covalentemente em uma variedade virtualmente ilimitada de sequências (Figura 6), exatamente como as 26 letras do alfabeto podem ser arranjadas em um número ilimitado de palavras, sentenças ou livros.

FIGURA 6 – SUBUNIDADES MONOMÉRICAS EM SEQUÊNCIAS LINEARES PODEM EXPRESSAR MENSAGENS COMPLEXAS

FONTE: <slideplayer.com.br/slide/384421/>. Acesso em: 15 mar. 2019.

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Os ácidos desoxirribonucleicos (DNA) são formados por quatro tipos de unidades monoméricas simples, os nucleotídeos (timina, adenina, citosina e guanina), enquanto os ácidos ribonucleicos (RNA) são compostos por também quatro tipos de nucleotídeos, semelhantes aos do DNA, sendo a timina substituída pela uracila no RNA. As proteínas são constituídas por 20 tipos de aminoácidos (essenciais e não essenciais). Os oito tipos de nucleotídeos que os ácidos nucleicos são constituídos e os 20 tipos de aminoácidos que formam as proteínas são os mesmos em todos os organismos vivos.

Os nucleotídeos são muito importantes como subunidades na constituição dos ácidos nucleicos, mas também exercem um importante papel como moléculas transportadoras de energia. Os aminoácidos, além de serem as subunidades que formam as proteínas, também são precursores de neurotransmissores, pigmentos e outros tipos de biomoléculas (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

2.3 PRODUÇÃO DE ENERGIA E SEU CONSUMO NO METABOLISMO

A energia é um tema central em bioquímica: as células e os organismos dependem de um suprimento constante de energia para poderem se opor à tendência, inexorável da natureza, de queda para níveis de estado energético (NELSON; COX, 2002). Todas as reações que acontecem a nível celular envolvem o fornecimento de energia, como por exemplo, as reações de síntese, a energia consumida no movimento de uma bactéria ou até mesmo no transporte ativo da bomba de sódio e potássio. As células desenvolveram, durante o processo evolutivo, mecanismos especializados para capturar a energia do sol ou também extrai-la de alimentos e transferi-la para os processos que dela necessitam.

No curso da evolução biológica um dos primeiros desenvolvimentos deve ter sido o aparecimento de uma membrana lipídica que envolveu as moléculas hidrossolúveis da célula primitiva, separando-as do meio ambiente e permitindo que elas se acumulassem em concentrações relativamente altas. As moléculas e os íons contidos no interior dos organismos vivos diferem em tipo e em concentrações das existentes no meio ambiente. Por exemplo, as células de um peixe de água doce contêm certos íons inorgânicos em concentrações muito diferentes das da água em que vivem. Proteínas, ácidos nucleicos, açúcares e lipídios estão presentes no peixe, mas essencialmente ausentes no meio ambiente, o qual, por sua vez, contém átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio em moléculas mais simples como o dióxido de carbono e a água. Quando o peixe morre, as substâncias que o compõe entram, finalmente, em equilíbrio com aquelas do meio ambiente (NELSON; COX, 2002, p. 6).

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FIGURA 7 – OS ORGANISMOS VIVOS NÃO ESTÃO EM EQUILÍBRIO COM O MEIO AMBIENTE. A MORTE E A DECOMPOSIÇÃO RESTABELECEM O EQUILÍBRIO

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 6)

Para Nelson e Cox (2002), as células e os organismos precisam realizar trabalho para permanecerem vivos e para se reproduzirem. A síntese contínua de componentes celulares requer trabalho químico; o acúmulo e a retenção de sais e de vários compostos orgânicos contra um gradiente de concentração envolvem um trabalho osmótico; a contração de um músculo ou o movimento do fl agelo de um espermatozoide representa trabalho mecânico.

A taxa de conversão da energia química para mecânica durante a contração muscular é considerada um dos principais eventos fi siológicos determinantes do desempenho esportivo. Em linhas gerais, assume-se que durante os esforços de curta duração e com alta intensidade, a molécula de adenosina trifosfato (ATP) é ressintetizada, predominantemente, pela degradação da fosfocreatina e do glicogênio muscular, com subsequente formação de lactato (BERTUZZI et al., 2008).

Na bioquímica, os processos pelos quais a energia é extraída, canalizada e consumida, envolvem os estudos da bioenergética – transformações ou trocas de energia das quais todos os organismos vivos dependem.

A transformação da energia biológica obedece às leis da Termodinâmica. Mas quais são essas Leis? A Primeira Lei da Termodinâmica é conhecida como Princípio da Conservação da Energia. Para qualquer mudança física ou química, a quantidade total de energia no universo permanece constante. A energia pode até mudar de forma ou ser transportada, mas não pode ser destruída (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

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Os seres vivos usam energia para realização de trabalho mecânico, químico, osmótico ou elétrico e para a manutenção de sua organização, reprodução e interação com o meio. As células vivas se comportam como transdutores de energia, convertendo energia química em algo que seja necessário para a célula.

A Segunda Lei é referente à desordem do universo. Segundo essa lei, a desordem sempre tende a aumentar, onde em todos os processos naturais a entropia (grau de desorganização) do universo sempre tende a aumentar. Os organismos vivos preservam sua organização interna retirando energia livre do ambiente e retornando a sua vizinhança energia na forma de calor, aumentando assim o número de moléculas (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015). Através de um conjunto de reações químicas produtoras ou consumidoras de energia, os organismos conseguem ter suas características ou funções preservadas.

Para reações que ocorrem em solução, podemos definir um sistema como todos os reagentes e produtos, o solvente e a atmosfera próxima, ou seja, tudo o que está dentro de uma região definida do espaço. Juntos, o sistema e seus arredores constituem o universo. Se o sistema não trocar matéria nem energia com seus arredores, ele é dito fechado. Se o sistema trocar energia, mas não trocar matéria com seu meio, ele é dito sistema isolado; se trocar ambas, energia e matéria, com o meio, ele é um sistema aberto (NELSON; COX, 2002).

Para Rodwell, Murray e Granner (2017 p. 23):

Um organismo vivo é um sistema aberto, ele troca matéria e energia com seu meio. Organismos vivos usam duas estratégias para captar energia do seu meio: (1) eles obtêm combustíveis químicos da vizinhança e extraem a energia oxidando-os; ou (2) eles absorvem energia da luz solar. Organismos vivos criam e mantêm suas estruturas complexas e ordenadas usando energia extraída de combustíveis ou da luz solar.

Praticamente todos os seres vivos obtêm energia, direta ou indiretamente, da energia radiante da luz solar, a qual se origina de reações de fusão termonuclear que foram o elemento hélio e que ocorrem no interior do Sol, conforme mostra a figura a seguir:

FIGURA 8 – A LUZ SOLAR É FONTE ÚLTIMA DE TODA ENERGIA BIOLÓGICA, ATRAVÉS DAS REAÇÕES TER-MONUCLEARES NO INTERIOR DO SOL

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/quimica/fusao-nuclear.htm>. Acesso em: 15 mar. 2019.

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Para Berg (2014), as células fotossintéticas absorvem a energia radiante do Sol e a utilizam para retirar elétrons da molécula de água e adicioná-la à molécula de dióxido de carbono, formando produtos ricos em energia, como o amido e a sacarose. Quando promovem essas reações, a maioria dos organismos fotossintéticos liberam oxigênio molecular na atmosfera. Em última análise, os organismos que não executam a fotossíntese obtêm energia para suas necessidades pela oxidação dos produtos ricos em energia elaborados pela fotossíntese, passando elétrons para o oxigênio atmosférico e sintetizando água, dióxido de carbono e outros produtos, os quais são recicladas no meio ambiente.

Virtualmente todos os transdutores de energia nas células podem ser relacionados ao fluxo de elétrons de uma molécula para outra na oxidação de combustíveis ou na captura de energia luminosa durante a fotossíntese. Esse fluxo de elétrons é “morro-abaixo”, quer dizer, de um potencial eletroquímico maior para outro menor; como tal, ele é formalmente análogo ao fluxo de elétrons em um circuito elétrico acionado por uma bateria. Todas essas reações que envolvem fluxos de elétrons são reações de oxirredução. Assim, emergem outros princípios característicos do estado vivo da matéria: (1) as necessidades energéticas de, virtualmente, todos os organismos são providos, direta ou indiretamente, da energia solar. (2) O fluxo de elétrons nas reações de oxirredução é a base da transdução e da conservação da energia nas células vivas. (3) todos os organismos vivos são interdependentes, trocando entre si energia e matéria por meio do meio ambiente (NELSON; COX, 2002, p. 15).

O tema central em bioenergética é o modo pelo qual a energia do metabolismo de combustíveis ou de captura de luz é acoplada a reações que requerem energia. Considere um exemplo mecânico simples de acoplamento de energia mostrado na Figura 9. Um objeto no alto de um plano inclinado tem certa quantidade de energia potencial devido a sua altura. Esse objeto tende a deslizar para baixo espontaneamente, perdendo a sua energia potencial de posição na medida em que se aproxima do solo. Quando um instrumento apropriado, constituído de correios e polias, é ligado ao objeto, o movimento espontâneo para baixo pode realizar certa quantidade de trabalho, quantidade esta nunca maior que a variação da energia potencial de posição. A quantidade de energia realmente disponível para a realização de trabalho, chamada de energia livre, G, será sempre um pouco menor que a variação total em energia, porque uma parte dela é dissipada como calor de fricção (BERG, 2014).

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FIGURA 9 – ACOPLAMENTO DE ENERGIA EM PROCESSOS MECÂNICOS

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 8)

Reações químicas podem ser acopladas assim que uma reação liberadora de energia promove uma reação que requer energia. Reações químicas em sistemas fechados ocorrem espontaneamente até que o equilíbrio seja alcançado. Quando um sistema está em equilíbrio, a velocidade de formação do produto é exatamente igual à velocidade na qual o produto é convertido para reagente. Portanto, não existe nenhuma variação líquida nas concentrações de reagentes e produtos, e um “estado estacionário” é alcançado.

Existem reações exergônicas e endergônicas. As reações exergônicas ocorrem quando há uma diminuição da energia livre e os produtos são expressos em valores negativos. As reações endergônicas requerem uma quantidade de energia e seus valores na variação de energia livre são positivos. Nelson e Cox (2002) relatam que, nos processos mecânicos, somente parte da energia liberada nas reações bioquímicas exergônicas pode ser usada para executar trabalho. Nos sistemas vivos, parte da energia dissipada como calor ou perdida são necessárias para aumentar a entropia.

VOCÊ SABIA?O termo “entropia”, que literalmente signifi ca “mudança em seu interior”, foi usado pela primeira vez em 1851 por Rudolf Clausius, um dos formuladores da Segunda Lei da Termodinâmica. Uma defi nição quantitativa rigorosa de entropia envolve considerações probabilísticas e estatísticas. Entretanto, sua natureza pode ser ilustrada qualitativamente por três exemplos simples, cada um demonstrando um aspecto da entropia. A chave para a descrição de entropia é a aleatoriedade e a desordem, manifestadas em diferentes maneiras.

NOTA

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Segundo Berg (2014), o acoplamento de reações endergônicas com aquelas exergônicas é absolutamente central para trocas de energia nos sistemas vivos. O mecanismo pelo qual o acoplamento de energia ocorre nas reações biológicas é via um intermediário compartilhado. Por exemplo, a quebra de adenosina trifosfato (ATP) é a reação exergônica, que dirige muitos processos endergônicos, nas células. De fato, ATP (Figura 10) é o maior transportador de energia química em todas as células, acoplando processos endergônicos àqueles exergônicos O grupo fosfato terminal do ATP é transferido para uma variedade de moléculas receptoras, que são ativadas para favorecer transformações químicas. Adenosina difosfato (ADP) é reciclado (fosforilado) para ATP, à custa de energia química (durante oxidação dos combustíveis) ou da luz solar (na fotossíntese celular).

FIGURA 10 – ADENOSINA TRIFOSFATO (ATP). A REMOÇÃO DO GRUPO FOSFATO TERMINAL DO ATP É ALTAMENTE EXERGÔNICA E ESTA REAÇÃO É ACOPLADA A MUITAS REAÇÕES ENDERGÔNICAS NA CÉLULA

FONTE: <https://www.infoescola.com/bioquimica/adenosina-trifosfato-atp/>. Acesso em: 16 mar. 2019.

O fato de uma reação ser exergônica não significa que ela necessariamente se processará de forma rápida. O caminho que vai do reagente ao produto quase invariavelmente envolve uma barreira energética, chamada barreira de ativação (Figura 11), a qual precisa ser superada para que qualquer reação ocorra. A quebra e síntese de ligações geralmente requerem tensionamento e a torção das ligações existentes, criando um estado de transição de alto nível de energia livre, tanto em relação ao reagente quanto ao produto. O ponto mais alto da coordenada da reação, no diagrama, representa o estado de transição (NELSON; COX, 2014).

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FIGURA 11 – CURSO DE UMA REAÇÃO QUÍMICA DO PONTO DE VISTA ENERGÉTICO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 15)

No interior das células, todas as reações químicas ocorrem devido à presença de enzimas – catalisadores biológicos que aumentam a velocidade das reações químicas. As enzimas como catalisadores agem diminuindo a barreira de ativação entre o reagente e o produto.

FIGURA 12 – UMA ENZIMA AUMENTA A VELOCIDADE DE UMA REAÇÃO QUÍMICA ESPECÍFICA

FONTE: <https://www.vestibulandoweb.com.br/biologia/enzimas.asp>. Acesso em: 19 mar. 2019.

As enzimas são proteínas, com exceção da ribozima, uma enzima presente no RNA, cuja constituição não é proteica. Cada proteína enzimática é específi ca para a catálise de uma determinada reação, e cada reação no interior da célula é catalisada por uma enzima diferente. Cada célula requer, portanto, milhares de tipos diferentes de enzimas. A multiplicidade de enzimas, a sua alta especifi cidade para os reagentes e a sua suscetibilidade à regulação dão às células a capacidade de diminuir as barreiras de ativação seletivamente (BERG, 2014).

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Nelson e Cox (2002, p. 10) relatam que:

Milhares reações químicas enzimaticamente catalisadas nas células são funcionalmente organizadas em muitas sequências diferentes de reações consecutivas chamadas vias, nas quais o produto de uma reação se torna o reagente para a próxima. Algumas dessas sequências de reações enzimaticamente catalisadas degradam nutrientes orgânicos em produtos fi nais simples, de forma a extrair energia química e convertê-la em uma forma utilizável pela célula. Juntos esses processos degradativos liberadores de energia livre são designados de catabolismo. Outras vias enzimaticamente catalisadas partem de moléculas precursoras pequenas e as convertem, progressivamente, em moléculas maiores e mais complexas, incluindo proteínas e ácidos nucleicos. Essas vias sintéticas requerem invariavelmente a adição de energia, e quando consideradas em conjunto representam o anabolismo. Esse conjunto de vias imbricadas e enzimaticamente catalisadas constitui o que chamamos de metabolismo. O ATP é transportador universal de energia metabólica e une o catabolismo e o anabolismo.

As células vivas não só podem sintetizar simultaneamente milhares de tipos diferentes de moléculas de carboidratos, lipídios, proteínas e ácidos nucleicos e suas subunidades mais simples, mas também podem fazê-lo nas proporções requeridas pela célula (NELSON; COX, 2014). Por exemplo, quando ocorre uma rápida multiplicação celular, os precursores de proteínas e ácidos nucleicos precisam ser sintetizados em grandes quantidades, enquanto as necessidades desses precursores para células que estão em repouso são muito reduzidas (BAYNES, 2015).

As enzimas-chave em cada via metabólica são reguladas de tal forma que cada tipo de molécula precursora é produzido em quantidades apropriadas às necessidades das células (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015). Na Figura 13, observamos a síntese de isoleucina (um dos aminoácidos, as subunidades monoméricas das proteínas). Se a célula começar a produzir mais isoleucina do que o necessário para a síntese proteica, a isoleucina não utilizada se acumula, dessa forma, altas concentrações de isoleucina inibem a atividade catalítica da primeira enzima na via, diminuindo, imediatamente, a produção desse aminoácido. Essa retroalimentação (feedback) negativa mantém em equilíbrio a produção e a utilização de cada intermediário metabólico (NELSON; COX, 2002).

FIGURA 13 – INIBIÇÃO RETROATIVA

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 10)

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Apesar de o conceito de rota discreta ser uma ferramenta importante para organizar o conhecimento do metabolismo, ele é muito simplificado. Existem milhares de metabólitos intermediários na célula, muitos dos quais fazem parte de mais de uma rota. O metabolismo seria mais bem representado por uma rede de rotas interconectadas e interdependentes. A mudança na concentração de qualquer metabólito dá início a um efeito de ondulação, influenciando o fluxo de materiais pelas outras rotas (NELSON; COX, 2014). A tarefa de compreender essas complexas interações entre intermediários e rotas em termos quantitativos é desencorajadora, mas a nova ênfase em biologia de sistemas começou a oferecer uma importante compreensão da regulação global do metabolismo (MARZZOCO; TORRES, 2007).

As células regulam também a síntese de seus próprios catalisadores, as enzimas, em resposta ao aumento ou à diminuição da necessidade de um produto metabólito. A expressão de genes (a tradução da informação contida no DNA em proteínas ativas na célula) e a síntese de enzimas são outros níveis de controle metabólico na célula. Todos os níveis devem ser levados em conta na descrição do controle global do metabolismo celular (NELSON; COX, 2014).

2.4 TRANSFERÊNCIA DA INFORMAÇÃO BIOLÓGICA

Talvez a propriedade mais marcante dos organismos e das células vivas seja sua capacidade de se reproduzir por incontáveis gerações com fidelidade quase perfeita. Essa continuidade de traços herdados sugere constância, ao longo de milhões de anos, na estrutura das moléculas que contêm a informação genética. Poucos registros históricos de civilizações sobreviveram por mil anos mesmo quando riscados em superfícies de cobre ou talhados em pedra (Figura 14). Contudo, existem boas evidências de que as instruções genéticas permaneceram praticamente intactas nos organismos vivos por períodos muito maiores; muitas bactérias têm praticamente o mesmo tamanho, forma e estrutura interna, apresentando também o mesmo tipo de moléculas precursoras e enzimas das bactérias que viveram há cerca de quatro bilhões de anos (NELSON; COX, 2014). Essa continuidade da estrutura e da composição é o resultado da continuidade da estrutura do material genético.

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FIGURA 14 – DOIS REGISTROS MUITO ANTIGOS. (A) O PRISMA DE SENNACHERIB; (B) UMA ÚNICA MOLÉCU-LA DE DNA DA BACTÉRIA E. COLI, EXTRAVASANDO DE UMA CÉLULA ROMPIDA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 30)

Sobre a Figura 14 – Dois registros muito antigos. (a) o prisma de Sennacherib, inscrito em torno de 700 a.c., descreve em caracteres da linguagem assíria alguns eventos históricos durante o reinado de Sennacherib. (b) uma única molécula de DNA da bactéria e. coli, extravasando de uma célula rompida. o DNA bacteriano contém cerca de 5 milhões de caracteres.

NOTA

Entre as descobertas mais notáveis da biologia no século XX está a natureza química e a estrutura tridimensional do material genético, ácido desoxirribonucleico, DNA. A sequência de subunidades monoméricas, os nucleotídeos (composto por bases nitrogenadas, pentose e um grupo fosfato), codifi ca as instruções para formar todos os outros componentes celulares e fornece o molde para a produção de moléculas de DNA idênticas a serem distribuídas aos descendentes por ocasião da divisão celular. Segundo Marzzoco e Torres (2007), a perpetuação de uma espécie biológica requer que sua informação genética seja mantida de modo estável, expressa com exatidão na forma de produtos dos genes e reproduzida com o mínimo de erros. O armazenamento, a expressão e a reprodução efetivas da mensagem genética defi nem espécies individuais, distinguem umas das outras e asseguram a sua continuidade em sucessivas gerações.

O DNA é um polímero orgânico, fi no e longo, em forma de hélice; a rara molécula que é construída na escala atômica em uma dimensão (largura) na escala humana em outra (comprimento: uma molécula de DNA pode ter vários centímetros de comprimento). Um esperma ou ovócito humano, carregando a informação hereditária acumulada em

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bilhões de anos de evolução, transmite essa herança na forma de moléculas de DNA, nas quais a sequência linear de subunidades de nucleotídeos, ligados covalentemente, codifica a mensagem genética (NELSON; COX, 2002).

Normalmente quando são descritas as propriedades de espécies químicas, é descrito o comportamento médio de um número muito grande de moléculas idênticas. Embora seja difícil prever o comportamento de uma única molécula em uma população, por exemplo, de um picomol de compostos (cerca de 6 3 1011 moléculas), o comportamento médio das moléculas é previsível porque muitas delas entram no cálculo da média. O DNA celular é uma notável exceção. O DNA que forma todo o material genético da E. coli é uma única molécula contendo 4,64 milhões de pares de nucleotídeos. Essa única molécula tem de ser replicada com perfeição nos mínimos detalhes para que uma célula de E. coli possa gerar descendentes idênticos por divisão celular; não existe espaço para tomar médias nesse processo! O mesmo vale para todas as células. O esperma humano traz para o óvulo que ele fertiliza somente uma molécula de DNA de cada um dos 23 cromossomos, para se combinar com somente uma molécula de cada cromossomo correspondente no óvulo. O resultado dessa união é altamente previsível: um embrião com todos os seus 25.000 genes, feitos de 3 bilhões de pares de nucleotídeos, intactos. Um feito químico impressionante! (NELSON; COX, 2014, p. 60).

Sackheim (2001) relata em sua obra Química e bioquímica para ciências biomédicas que uma única página deste livro contém cerca de 5.000 caracteres, de tal forma que o livro inteiro contém 5 milhões de caracteres. O cromossomo da E. coli também contém 5 milhões de caracteres (pares de nucleotídeos). Se você fizer uma cópia manual deste livro e, então, passá-lo a um colega de classe para também fazer uma cópia manual, e se essa cópia for passada para um terceiro colega de classe para fazer a terceira cópia da cópia, e assim por diante, quanto cada cópia vai se assemelhar com o livro original? Agora, imagine o texto que resultaria ao se fazer cópias de cópias à mão alguns trilhões de vezes!

A capacidade dos seres vivos de preservar seu material genético e duplicá-lo para a próxima geração resulta da complementaridade entre as duas fitas da molécula de DNA (Figura 15). A unidade básica do DNA é um polímero linear de quatro subunidades monoméricas diferentes, desoxirribonucleotídeos, arranjados em uma sequência linear precisa. Essa sequência linear codifica a informação genética. Duas dessas fitas poliméricas estão torcidas uma em torno da outra, formando a dupla-hélice de DNA, na qual cada desoxirribonucleotídeo em uma fita, pareia especificamente com um desoxirribonucleotídeo complementar na fita oposta. Antes de a célula se dividir, as duas fitas de DNA se separam uma da outra e cada uma serve de molde para a síntese de uma nova fita complementar, gerando duas moléculas em forma de dupla-hélice idênticas, uma para cada célula-filha. Se qualquer uma das fitas é danificada, então a continuidade da informação é assegurada pela informação presente na fita oposta, que pode atuar como molde para reparar o dano (GRIFFITHS, 2016).

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FIGURA 15 – COMPLEMENTARIDADE ENTRE AS DUAS FITAS DE DNA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 31)

Referente à Figura 15, o DNA é um polímero linear de quatro tipos de desoxirribonucleotídeos, ligados covalentemente: desoxiadenilato (A), desoxiguanilato (G), desoxicitidilato (C), desoxitimidilato (T).

ATENÇÃO

A informação no DNA é codifi cada na sequência linear (unidimensional) de subunidades de desoxirribonucleotídeos, mas a expressão dessa informação resulta em uma célula tridimensional. Essa transformação da informação de uma dimensão para três dimensões ocorre em duas fases (NELSON; COX, 2014). Uma sequência linear de desoxirribonucleotídeos no DNA codifi ca (por meio de um intermediário, RNA) a produção de uma proteína com a sequência linear de aminoácidos correspondente (Figura 16). A proteína é enovelada em uma forma tridimensional particular determinada pela sua sequência de aminoácidos e estabilizada principalmente por interações não covalentes. Embora a forma fi nal da proteína enovelada seja ditada pela sua sequência

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de aminoácidos, o processo de enovelamento é assistido por “chaperonas moleculares”. A estrutura tridimensional precisa ou conformação nativa de uma proteína é crucial para sua função.

FIGURA 16 – DO DNA AO RNA, DO RNA À PROTEÍNA E DA PROTEÍNA À ENZIMA (HEXOCINASE)

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 31)

As chaperonas (do francês chaperon, “dama de companhia”) são proteínas importantes para auxiliar no enovelamento proteico, fazendo com que as proteínas atinjam a confi guração terciária correta. Se por alguma situação (disfunção, defeito genético) essas proteínas não conseguirem atingir a confi guração correta, as chaperonas encaminham essas proteínas para a destruição (NELSON; COX, 2014).

Uma vez em sua conformação nativa, a proteína pode associar-se não covalentemente com outras macromoléculas (outras proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos ou lipídios) para formar complexos supramoleculares, como cromossomos, ribossomos e membranas. As moléculas individuais desses complexos têm sítios de ligação para cada uma com alta afi nidade específi ca, e dentro das células elas se agrupam espontaneamente em complexos funcionais (BERG, 2014).

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Apesar de as sequências de aminoácidos das proteínas carregarem toda a informação necessária para alcançar a conformação nativa da proteína, o enovelamento preciso e a automontagem também requerem o ambiente celular correto – pH, força iônica, concentrações de íons metálicos, e assim por diante. Portanto, a sequência de DNA sozinha não é suficiente para formar e manter uma célula completamente funcional (NELSON; COX, 2014).

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Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Todas as células são delimitadas por uma membrana plasmática; têm um citosol contendo metabólitos, coenzimas, íons inorgânicos e enzimas; e têm um conjunto de genes contidos dentro de um nucleoide (bactérias e arqueas) ou de um núcleo (eucariotos).

• Todos os organismos requerem uma fonte de energia para realizar o trabalho celular.

• Os fototróficos obtêm energia da luz solar; os quimiotróficos oxidam combustíveis químicos, transferindo elétrons para bons aceptores: compostos inorgânicos, compostos orgânicos ou oxigênio molecular.

• As células de bactérias e de arqueas contêm citosol, nucleoide e plasmídeos, todos contidos dentro de um envelope celular.

• As células eucarióticas possuem um núcleo delimitado por uma membrana – a membrana nuclear.

• Todas as macromoléculas são construídas a partir de compostos simples.

• Os organismos vivos dependem da bioenergética (transformações ou trocas de energia).

• Os organismos transformam energia e matéria do meio ambiente.

• O fluxo de elétrons fornece energia para os organismos.

• As enzimas são catalisadores biológicos que promovem reações químicas em cadeia.

• A continuidade genética é atribuída às moléculas de DNA.

• A estrutura do DNA permite seu reparo e sua replicação com fidelidade quase perfeita.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 Faça um desenho esquemático evidenciando as características da Terra Primitiva e o aparecimento das primeiras biomoléculas – coacervados.

2 A hidrólise de ATP é uma reação altamente:

a) ( ) Endergônica.b) ( ) Aeróbia.c) ( ) Volátil.d) ( ) Exergônica.e) ( ) Aleatória.

3 As reações metabólicas podem ser classificadas em dois processos metabólicos. Explique esses processos e evidencie qual deles leva à síntese de biomoléculas.

AUTOATIVIDADE

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CÉLULA EUCARIONTE E PROCARIONTE

1 INTRODUÇÃO

O universo se formou, de acordo com os dados geológicos mais aceitos atualmente, há cerca de um pouco mais de 14 bilhões de anos, e a Terra há cerca de 4,5 bilhões de anos, a partir de sedimentos provenientes de material oriundo das estrelas. Foi necessário que a Terra sofresse mudanças que favorecessem o surgimento da vida como conhecemos (MAYWORM, 2014).

A unidade e a diversidade dos organismos se tornam aparentes mesmo em nível celular. Os menores organismos consistem em células isoladas e são microscópicos. Os organismos multicelulares maiores têm muitos tipos celulares diferentes (geralmente derivados de células mesenquimais), os quais variam em tamanho, forma e função especializada. Apesar dessas diferenças óbvias, todas as células dos organismos, desde o mais simples ao mais complexo, compartilham determinadas propriedades fundamentais, que podem ser vistas em nível bioquímico e microscópio, como por exemplo, a superfície celular (membrana plasmática), que é essencial para todas as formas de célula.

2 COMPARTIMENTOS CELULARES

Células de todos os tipos compartilham algumas características estruturais comuns (Figura 17). A membrana plasmática define o contorno da célula, impede o extravasamento do citoplasma, separando seu conteúdo do ambiente. Ela é composta por uma dupla camada de lipídios e proteínas que formam uma barreira fina, resistente, flexível. A membrana plasmática é considerada uma estrutura anfipática, ou seja, possui uma região hidrofílica (com afinidade pela água) e outra região hidrofóbica (com fobia pela água). Geralmente a região hidrofílica (polar) é a cabeça dos fosfolipídios, enquanto a região hidrofóbica é representada pela causa dos fosfolipídios. Isso acaba conferindo à membrana plasmática das células um aspecto de mosaico fluido, em que as cabeças dos fosfolipídios permitem a entrada e saída de água na célula, ao passo que as caudas repelem essa água.

A membrana é uma barreira para a passagem livre de íons inorgânicos e para a maioria de outros compostos carregados ou polares. Proteínas de transporte na membrana plasmática permitem a passagem de determinados íons e moléculas; proteínas receptoras transmitem sinais para o interior da célula; e enzimas de membrana participam em algumas rotas de reações. Como os lipídios individuais

UNIDADE 1 TÓPICO 2 -

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e as proteínas da membrana não estão covalentemente ligados, toda a estrutura é extraordinariamente flexível, permitindo mudanças na forma e no tamanho da célula. À medida que a célula cresce, novas moléculas de proteínas e de lipídios são inseridas na membrana plasmática; a divisão celular produz duas células, cada qual com sua própria membrana. O crescimento e a divisão celular (fissão) ocorrem sem perda da integridade da membrana.

Ainda devemos destacar que as proteínas presentes na membrana plasmática são classificadas em periféricas e integrais (transmembrana). As proteínas periféricas estão relacionadas com a integração entre as outras proteínas de membrana, não ficando realmente claras suas funções, enquanto as proteínas integrais ou transmembrana são as responsáveis pelo reconhecimento, transporte de substâncias através da membrana e receptores para hormônios, enzimas.

Existem especializações de Membrana Plasmática muito importantes para o desempenho de funções específicas nas células. As especializações da superfície livre da membrana envolvem: cílios, estereocílios, microvilosidades e flagelos. Os cílios presentes na traqueia, por exemplo, têm como função filtrar partículas que entram com o ar inspirado, como também expelir as secreções produzidas pelas células caliciformes. Os estereocílios estão presentes no epidídimo e aumentam a superfície de contato do espermatozoide com a glândula, visto que os espermatozoides recebem nutrientes importantes no epidídimo. As microvilosidades aumentam a superfície de contato dos nutrientes no intestino delgado, facilitando sua absorção, enquanto os flagelos realizam movimentos para conduzir o espermatozoide até o ovócito (ALBERTS et al., 1997).

FIGURA 17 – AS CARACTERÍSTICAS UNIVERSAIS DAS CÉLULAS VIVAS

FONTE: <www.sobiologia.com.br/conteudos/Citologia2/nucleo.php>. Acesso em: 19 mar. 2019.

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Referente à Figura 17: Células eucariontes possuem um núcleo delimitado por um envoltório nuclear, enquanto nas células procariontes o material genético encontra-se disperso no citoplasma.

Curiosidade:Você já ouviu falar em fi brose cística?A fi brose cística é uma doença genética que compromete o funcionamento das glândulas exócrinas que produzem muco, suor ou enzimas pancreáticas. O excesso de muco nos alvéolos respiratórios difi culta a hematose (trocas gasosas) (Figura 18). Essa patologia é resultado de uma alteração na proteína transmembrana presente na membrana plasmática das células respiratórias e do sistema digestório. Essa patologia é diagnosticada no teste do pezinho.

ATENÇÃO

NOTA

FIGURA 18 – FIBROSE CÍSTICA

FONTE: <https://www.hc.unicamp.br/node/1101>. Acesso em: 20 mar. 2019.

O volume interno envolto pela membrana plasmática, o citoplasma, é composto por uma solução aquosa, o citosol, e uma grande variedade de partículas em suspensão com funções específi cas. Esses componentes particulados (organelas envoltas por membrana como mitocôndria e cloroplastos; estruturas supramoleculares como ribossomos e proteossomos, os sítios de síntese e degradação das proteínas) sedimentam-se quando o citoplasma é centrifugado a 150.000 g (g é aceleração da gravidade na superfície terrestre).

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O que sobra como fluido sobrenadante é o citosol, solução aquosa altamente concentrada que contém enzimas e as moléculas de RNA que as codificam; os componentes (aminoácidos e nucleotídeos) que formam essas macromoléculas; centenas de moléculas orgânicas pequenas chamadas de metabólitos, intermediários em rotas biossintéticas e degradativas; coenzimas, compostos essenciais em muitas reações catalisadas por enzimas; e íons inorgânicos (NELSON; COX, 2002).

O citoplasma também possui um citoesqueleto (Figura 19), que dá forma para a célula e está relacionado com as funções que esta célula desempenha no organismo. O citoesqueleto é constituído por filamentos de actina, filamentos intermediários e microtúbulos. Os filamentos de actina, como o próprio nome lembra, é formado pela união de várias proteínas contrácteis actina e geralmente encontra-se revestindo a periferia das células. Ele é responsável pela movimentação celular, fagocitose, dá forma e sustentação para as microvilosidades e na fase de telófase, do ciclo celular, separar as células recém-formadas. Os filamentos intermediários possuem uma constituição proteica mais variada, pois estão presentes em células de diferentes tecidos. Se presentes no tecido epitelial, teremos como proteínas a queratina; se presentes na lâmina nuclear, teremos como proteína a lamina. São muito importantes para a função estrutural, ou seja, eles fornecem resistência mecânica para as células.

Já os microtúbulos são constituídos pela proteína tubulina e criam uma rede de trilhos sob os quais vesículas e organelas celulares podem se locomover. Os microtúbulos também são responsáveis por organizar as organelas dentro da célula, formar o fuso mitótico e estão presentes na composição de cílios e flagelos.

Uma importante observação, quando falamos de citoesqueleto, é a formação do citoesqueleto das hemácias. As hemácias ou eritrócitos são células que necessitam de muita flexibilidade, pois devem passar dos vasos mais calibrosos e chegar até os capilares sanguíneos. Para garantir essa flexibilidade, o citoesqueleto das hemácias apresenta três importantes proteínas: aducina, anquirina e espectrina.

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FIGURA 19 – CONSTITUIÇÃO DO CITOESQUELETO DAS CÉLULAS EUCARIONTES. OBSERVAR A DISPOSIÇÃO DOS FILAMENTOS INTERMEDIÁRIOS, DOS MICROTÚBULOS E DOS FILAMENTOS DE ACTINA

FONTE: Junqueira e Carneiro (2007, p. 96)

Segundo Nelson e Cox (2014), todas as células eucariontes têm, pelo menos em algum momento de sua vida, um nucleoide ou núcleo, em que o genoma – o conjunto completo de genes composto por DNA – é replicado e armazenado com suas proteínas associadas. O núcleo tem como função comandar e controlar todas as atividades da célula. Poderíamos fazer uma analogia entre o núcleo das células e a CPU de um computador, em que nas células, o núcleo define todas as atividades celulares, e no computador, a CPU é a unidade central de processamento. Em bactérias e em arqueas, o nucleoide não é separado do citoplasma por uma membrana; o núcleo, nos eucariotos, é confinado dentro de uma dupla membrana, o envelope nuclear. As células com envelope nuclear compõem o grande domínio dos Eukarya (do grego eu, “verdade”, e karyon, “núcleo”). Os microrganismos sem membrana nuclear, antes classificados como procariontes (do grego pro, “antes”), são agora reconhecidos como pertencentes a dois grupos muito distintos: Bacteria e Archaea.

O núcleo é composto por estruturas muito importantes, como membrana nuclear interna e externa, espaço perinuclear, poros nucleares, lâmina nuclear, nucleoplasma, cromática e nucléolo. Cada uma dessas estruturas desempenha um papel importante para o equilíbrio e bom funcionamento celular. Em geral, o núcleo é único, arredondado, centralizado ou pode ser desviado do centro celular, tornando-se periférico.

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FIGURA 20 – A) NÚCLEOS PERIFÉRICOS EM CÉLULAS MUSCULARES ESTRIADAS ESQUELÉTICAS. B) NÚ-CLEO CENTRALIZADO EM UM CORPO CELULAR DE NEURÔNIO

FONTE: A autora

A B

Como citado anteriormente, o núcleo possui vários componentes. Esses componentes são de fundamental importância para que ele desempenhe com efi cácia sua função na célula.

O envoltório nuclear, por exemplo, é responsável pela separação do conteúdo nuclear do citoplasma. Ele é constituído por duas membranas separadas por um espaço de 40 a 70 nanômetros, chamadas de cisterna perinuclear. Esse envoltório também apresenta poros cuja função é o transporte seletivo de moléculas para fora e para dentro do núcleo. Essas membranas podem ser chamadas de: membrana interna e membrana externa. A membrana interna possui como função dar estruturação ao núcleo. Ela possui ligações das fi bras cromatínicas ao envoltório nuclear (ALBERTS et al., 1997).

Também verifi camos na membrana ou envoltório nuclear a presença de poros nucleares, que são interrupções do envoltório nuclear que permite a troca citoplasma-nucleoplasma. O transporte de substâncias no complexo de poros é dependente dos receptores de importação ou exportação nuclear. Geralmente do núcleo das células para o citoplasma, passam através do complexo de poros nucleares, metabólitos e RNA mensageiro e ribossômico, enquanto do citoplasma para o interior do núcleo irão atravessar proteínas, íons e nucleotídeos pelo complexo de poro.

Para Junqueira e Carneiro (2007), a importação de proteínas através do Complexo do Poro Nuclear acontece de algumas maneiras. A primeira etapa envolve a proteína com sequência de localização nuclear (NLS), que é identifi cada por outra proteína presente, chamada importina, ligada ao GDP (Guanina Difosfato). O complexo proteína-importina-RAN-GDP liga-se a uma proteína específi ca dos fi lamentos citoplasmáticos do poro nuclear. O complexo é translocado através do poro nuclear. No núcleo, o GDP (Guanina Difosfato) ligado a RAN é substituído por GTP (Guanina trifosfato), gerando uma alteração conformacional, em seguida ocorre a liberação da proteína. O complexo importina-RAN-GTP é exportado através do poro nuclear e o GTP é hidrolisado a GDP no citoplasma, como mostra o esquema a seguir:

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FIGURA 21 – PROCESSO DE IMPORTAÇÃO ATRAVÉS DO COMPLEXO DE PORO NUCLEAR

FONTE: A autora

Curiosidade:O que é Talassemia?A talassemia é uma forma de anemia crônica, de origem genética (hereditária), que faz parte de um grupo de doenças do sangue (hemoglobinopatias) caracterizada por defeitos genéticos que resultam em diminuição da produção de um dos tipos de cadeias que formam a molécula de hemoglobina. Alguns desses defeitos envolvem uma disfunção na formação dos poros nucleares, difi cultando a saída do RNAm do núcleo para ser traduzido no citoplasma das células pelos polirribossomos em hemoglobina.

NOTA

Na fi gura a seguir podemos observar um esfregaço sanguíneo com hemácias normais e outro esfregaço sanguíneo com hemácias alteradas (talassemia):

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FIGURA 22 – ESFREGAÇO SANGUÍNEO EVIDENCIANDO HEMÁCIAS NORMAIS E HEMÁCIAS ALTERADAS (TALASSEMIA)

FONTE: <https://www.abrasta.org.br/tipos/>. Acesso em: 26 mar. 2019.

3 DIMENSÕES CELULARES

A maioria das células é microscópica, invisível a olho nu. As células dos animais e das plantas têm um diâmetro geralmente de 5 a 100 mm, e muitos microrganismos unicelulares têm comprimento de 1 a 2 mm. Então, o que limita as dimensões de uma célula? O limite inferior provavelmente é determinado pelo número mínimo de cada tipo de biomolécula requerido pela célula. As menores células, certas bactérias conhecidas como micoplasmas, têm diâmetro de 300 nm e volume de cerca de 10-14 mL. Um único ribossomo bacteriano tem 20 nm na sua dimensão mais longa, de forma que poucos ribossomos ocupam uma fração substancial do volume de uma célula de micoplasma (NELSON; COX, 2002).

O limite superior de tamanho celular provavelmente é determinado pela taxa de difusão das moléculas de soluto nos sistemas aquosos. Por exemplo, uma célula bacteriana que depende de reações de consumo de oxigênio para extração de energia deve obter oxigênio molecular, por difusão, a partir do ambiente através de sua membrana plasmática. A célula é tão pequena, e a relação entre sua área de superfície e seu volume é tão grande, que cada parte do seu citoplasma é facilmente alcançada pelo O2 que se difunde para dentro dela. Com o aumento do tamanho celular, no entanto, a relação área-volume diminui, até que o metabolismo consuma O2 mais rapidamente do que o que pode ser suprido por difusão. Assim, o metabolismo que requer O2 torna-se impossível quando o tamanho da célula aumenta além de certo ponto, estabelecendo um limite superior teórico para o tamanho das células. O oxigênio é somente uma entre muitas espécies moleculares de baixo peso que precisam difundir de fora para várias regiões do seu interior, e o mesmo argumento da razão área-volume se aplica a cada uma delas (NELSON; COX, 2014, p. 3).

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Há exceções interessantes a essa generalização de que a célula deva ser pequena. A alga verde Nitella possui células gigantes de vários centímetros de comprimento. Para garantir a chegada de nutrientes, de metabólitos e de informação genética (RNA) para todas as suas partes, cada célula é vigorosamente “agitada” por correntes citoplasmáticas vivas. A forma da célula também pode ajudar a compensar o seu longo tamanho. Uma esfera lisa possui a menor razão possível superfície/volume para um dado volume (NELSON; COX, 2014).

Muitas células grandes, embora aproximadamente esféricas, possuem

superfície altamente convoluta (Figura 23), criando grandes áreas de superfície para o mesmo volume e, portanto, facilitando a captação de combustíveis e nutrientes. A figura mostra as vilosidades intestinais e suas microvilosidades, especializações da superfície celular que aumentam a área de contato com os nutrientes, facilitando sua absorção (NELSON; COX, 2002).

FIGURA 23 – CÉLULAS DA MUCOSA DE REVESTIMENTO INTESTINAL, EVIDENCIANDO SUAS VILOSIDADES E A BORDA MAIS ESCURA, AS MICROVILOSIDADES INTESTINAIS

FONTE: <https://www.misodor.com/ANATOFISIOINTDELGADO.php>. Acesso em: 26 mar. 2019.

Células como os neurônios possuem uma elevada razão superfície/volume pelo fato de serem longas e delgadas, em forma de estrela ou altamente ramificadas, em vez de esféricas.

FIGURA 24 – NEURÔNIOS DO HIPOCAMPO

FONTE: <http://anatpat.unicamp.br/bineuhipocamponlmap2.html>. Acesso em: 27 mar. 2019.

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4 CÉLULAS E TECIDOS USADOS EM ESTUDOS BIOQUÍMICOS

Pelo fato de todas as células vivas terem se desenvolvido dos mesmos progenitores, elas compartilham certas semelhanças fundamentais. Os métodos para estudo das células são bastante diversificados e o conhecimento sobre elas progridem com o aperfeiçoamento das técnicas de estudo. O estudo da célula começou através do microscópio óptico e com o surgimento do microscópio eletrônico houve um grande avanço no estudo das funções celulares.

Estudos bioquímicos cuidadosos de apenas alguns tipos de células devem gerar princípios gerais aplicáveis a todas as células e organismos (BAYNES, 2015).

O conhecimento em bioquímica é primariamente derivado de alguns organismos e tecidos representativos como a bactéria Escherichia coli, a levedura Sacharomyces cerevisiae, as algas fotossintetizantes, tais como Chlamydomonas, as folhas de espinafre, o fígado de rato e o músculo esquelético de vários vertebrados. Alguns estudos bioquímicos focalizam o isolamento, a purificação e a caracterização de componentes celulares; outras pesquisas investigam as vias metabólicas e genéticas das células vivas (NELSON; COX, 2002, p. 18).

5 EVOLUÇÃO E ESTRUTURA DAS CÉLULAS PROCARIÓTICAS

Todos os organismos vivos se enquadram em três grandes grupos, que definem os três ramos da árvore evolucionária da vida que se originou a partir de um ancestral comum (Figura 25). Dois grandes grupos de microrganismos unicelulares podem ser distinguidos em bases genéticas e bioquímicas: Bacteria e Archaea. As bactérias habitam o solo, as águas superficiais e os tecidos de organismos vivos ou em decomposição. Muitas das arqueas, reconhecidas na década de 1980 por Carl Woese como um grupo distinto, habitam ambientes extremos – lagos de sais, fontes termais, pântanos altamente ácidos e profundezas do oceano. As evidências disponíveis sugerem que Bacteria e Archaea divergiram cedo na evolução. Todos os organismos eucariontes, que formam o terceiro domínio, Eukarya, evoluíram a partir do mesmo ramo que deu origem a Archaea; por isso, os eucariontes são mais proximamente relacionados às archaeas do que às bactérias (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

Algumas células primitivas evoluíram gradativamente na capacidade de fixar CO2 e utilizar a energia radiante do sol para a produção das próprias moléculas nutritivas. Antes ou durante a evolução dos seres unicelulares para os organismos autótrofos, um evento evolutivo possibilitou o surgimento destes novos organismos unicelulares: os pigmentos capazes de promover a captação da energia solar, fixação do CO2 e a produção de moléculas mais complexas. Inicialmente, os primeiros doadores de elétrons utilizados por organismos fotossintetizantes durante a rota fotossintética foi possivelmente o H2S. Estes eliminavam, como resíduo, o enxofre elementar (S0) ou sulfato (SO4 -2). Este novo tipo celular era bastante semelhante às algas azuis ou cianofíceas. Com o surgimento

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da capacidade enzimática, as células começaram a utilizar a H2O como doador de elétrons eliminando o O2 como subproduto. O oxigênio (O2) levou aproximadamente 1,5 bilhão de anos para atingir a concentração dos 21% atuais. O oxigênio é um agente fortemente oxidante e tóxico para as células anaeróbicas. As células que existiam no meio ambiente primitivo, não estavam adaptadas para sobreviver a um ambiente rico em oxigênio (MAYWORM, 2014).

FIGURA 25 – FILOGENIA DOS TRÊS GRUPOS DA VIDA

FONTE: <http://sateuece.blogspot.com/2014/05/fi logenia-simplifi cadareino-animalia.html>.Acesso em: 18 mar. 2019.

É possível classifi car os organismos pela maneira como obtêm a energia e o carbono de que necessitam para sintetizar o material celular (conforme resumido na Figura 26). Existem duas categorias amplas com base nas fontes de energia: fototrófi cos (do grego trophe, “nutrição”), que captam e usam a luz solar, e quimiotrófi cos, que obtêm sua energia pela oxidação de um combustível químico. Alguns quimiotrófi cos oxidam combustíveis inorgânicos – por exemplo, HS – a S0 (enxofre elementar), S0 a SO4 – NO2

– a NO3 –, ou Fe21 a Fe31.

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FIGURA 26 – CLASSIFICAÇÃO DOS ORGANISMOS DE ACORDO COM A FONTE DE ENERGIA UTILIZADA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 5)

5.1 O ESTUDO DA Escherichia coli

Escherichia coli, a bactéria mais estudada, é geralmente um habitante inofensivo do trato intestinal humano. A célula de E. coli (Figura 27) é um ovoide com cerca de 2 mm de comprimento e um pouco menos de 1 mm de diâmetro, mas outras bactérias podem ser esféricas ou ter forma de bastonete. Ela tem uma membrana externa protetora e uma membrana plasmática interna que envolve o citoplasma e o nucleoide. Entre a membrana interna e a externa existe uma fi na, mas resistente, camada de um polímero de alto peso molecular (peptidoglicano) que confere à célula sua forma e rigidez (NELSON; COX, 20014). Essa camada mais espessa e resistente é chamada de cápsula, uma estrutura gelatinosa, rica em glicoproteínas e diversos polissacarídeos.

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FIGURA 27 – CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS COMUNS DAS CÉLULAS DE BACTÉRIAS E ARQUEAS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 6)

Para Nelson e Cox (2014, p. 6):

A membrana plasmática e as camadas externas a ela constituem o envelope celular. A membrana plasmática das bactérias consiste em uma bicamada fi na de moléculas lipídicas impregnadas de proteínas. As membranas plasmáticas arqueanas têm arquitetura similar, mas os lipídios podem ser acentuadamente diferentes das bactérias. Bactérias e arqueias têm especializações grupo-específi cas em seus envelopes celulares. Algumas bactérias, chamadas gram-positivas porque se coloram com o corante de Gram (desenvolvido por Hans Peter Gram em 1882), têm uma camada espessa de peptidoglicanos na parte externa da sua membrana plasmática, mas não apresentam uma membrana externa. Já as bactérias gram-negativas têm uma membrana externa composta de uma dupla camada lipídica na qual se encontram inseridos lipopolissacarídeos e proteínas chamadas porinas que proveem canais transmembrana para que compostos de baixo peso molecular e íons possam se difundir através dessa membrana externa. As estruturas na parte externa da membrana plasmática das arqueias diferem de organismo para organismo, mas eles também têm uma camada de peptidoglicanos ou proteínas que conferem rigidez aos seus envelopes celulares.

O citoplasma da E. coli contém cerca de 15.000 ribossomos, várias cópias (de 10 a milhares) de cada uma das aproximadamente 1.000 diferentes enzimas, talvez 1.000 compostos orgânicos de massa molecular menor do que 1.000 (metabólitos e cofatores), e uma variedade de íons inorgânicos. O nucleoide contém uma única molécula de DNA circular, e o citoplasma (como na maioria das bactérias) contém um ou mais segmentos de DNA circular chamados de plasmídeos (Figura 28). Na natureza, alguns

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plasmídeos conferem resistência a toxinas e antibióticos do ambiente. No laboratório, esses segmentos de DNA circular são práticos para a manipulação experimental e são ferramentas poderosas para a engenharia genética (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

FIGURA 28 – PLASMÍDEO DE UMA CÉLULA BACTERIANA, EVIDENCIANDO SEUS GENES DE RESISTÊNCIA

Bactéria

Plasmídeo circular (cada um com

vários milhares de pares de bases)

Cromossomo circular principal (quatro milhões

de pares de bases)

Gene de resistência a antibiótico

Gene necessário para transferência

de DNA

Plasmídeo móvel

FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/biologia/plasmideos>. Acesso em: 26 mar. 2019.

Quando falamos de bactérias, devemos lembrar que:

Outras espécies de Bacteria e também de Archaea contêm uma coleção similar de moléculas, mas cada espécie tem especializações físicas e metabólicas relacionadas ao nicho ambiental e fontes nutricionais. Cianobactérias, por exemplo, têm membranas internas especializadas em capturar energia da luz. Muitas arqueias vivem em ambientes extremos e têm adaptações bioquímicas para sobreviver em extremos de temperatura, pressão ou concentração de sal. Diferenças observadas na estrutura dos ribossomos deram a primeira indicação de que Bacteria e Archaea constituem grupos diferentes. A maioria das bactérias (inclusive E. coli) existe na forma de células individuais, mas muitas vezes associadas a biofilmes ou películas, nas quais inúmeras células se aderem umas às outras e ao mesmo tempo ao substrato sólido que fica junto ou próximo de uma superfície aquosa. Células de algumas espécies de bactérias (p. ex., mixobactéria) mostram um comportamento social simples, formando agregados multicelulares em resposta a sinais entre células vizinhas (NELSON; COX, 2014, p. 36).

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6 EVOLUÇÃO DAS CÉLULAS EUCARIÓTICAS

Fósseis mais antigos do que 1,5 bilhão de anos estão limitados àqueles organismos pequenos e relativamente simples, semelhantes na forma e no tamanho aos procariotos modernos. Iniciando-se há cerca de 1,5 bilhão de anos, os registros fósseis começam a mostrar evidência de organismos mais complexos e maiores, provavelmente as primeiras células eucarióticas.

Para Nelson e Cox (2002, p. 23):

Três alterações principais devem ter ocorrido quando os procariotos deram origem aos eucariotos. Primeiro, as células adquiriram mais DNA, surgiram mecanismos que o dobraram e o compactaram em discretos complexos com proteínas específicas e dividiram-no igualmente entre as células filhas durante a divisão celular. Esses complexos DNA-proteína, os cromossomos, tornaram-se especialmente compactados no instante da divisão celular, quando podem ser observados ao microscópio óptico como fios de cromatina. Segundo, à medida que as células se tornaram maiores, um sistema de membranas intracelulares se desenvolveu, incluindo a membrana dupla que envolve o DNA. E a terceira alteração, seria quando as células eucarióticas primitivas, que eram incapazes de realizar fotossíntese ou metabolismo anaeróbico, misturaram suas vantagens com as das bactérias aeróbicas ou fotossintetizantes para formar associações endossimbióticas que se tornaram permanentes.

Na Figura 29 podemos observar a evolução dos procariotos para os eucariotos. Os organismos modernos podem ter surgido a partir de um ancestral procarioto comum por uma série de associações endossimbióticas.

Acredita-se que algumas bactérias aeróbicas evoluíram para as mitocôndrias, quando as condições do meio ambiente tornaram-se desfavoráveis e algumas cianobactérias fotossintetizantes tornaram-se os plastídios, tais como os cloroplastos das algas verdes, os prováveis ancestrais das modernas células das plantas (NELSON; COX, 2014).

FONTE: <http://1.bp.blogspot.com/-sXWYAODckOM/Vq5OOwmFcNI/AAAAAAAAD3w/ZvQygdTCrFI/s1600/1.gif>. Acesso em: 30 mar. 2019.

FIGURA 29 – EVOLUÇÃO DOS PROCARIONTES PARA OS EUCARIONTES

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As células procariontes e eucariontes possuem características bem distintas. O Quadro 1 faz uma comparação de células procarióticas com eucarióticas:

Características Célula Procariótica Célula Eucariótica

Tamanho Geralmente pequeno (1-10 um).

Geralmente grande (5-100 um).

Genoma DNA com proteínas não histonas, genoma no

nucleoide, não envolvido por membrana.

DNA complexado com proteínas histonas e não histonas em

cromossomos;Cromossomos no núcleo com

envelope membranoso.

Divisão Celular Fissão ou brotamento, não ocorre mitose.

Mitose, incluindo fuso mitótico, centríolos em muitas espécies.

Organelas ligadas a

membranas

Ausentes Mitocôndria, cloroplastos, retículo endoplasmático, complexos de Golgi,

lisossomos.

Nutrição Absorção, alguns fotossintetizantes.

Absorção, ingestão, fotossíntese em algumas espécies

Citoesqueleto Nenhum Complexo, com Microtúbulos, filamentos intermedipários e

filamentos de actina.

Movimento intracelular

Não possui Citoplasma fluídico, endocitose, fagocitose, mitose, vesícula de

transporte.

QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE CÉLULAS PROCARIONTES E EUCARIONTES

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 23)

Acredita-se que as células eucariontes primitivas originaram diversos protistas (organismos unicelulares eucarióticos). Alguns se assemelham aos protistas fotossintetizantes modernos, como a Euglena; outros protistas não fotossintetizantes eram mais parecidos com o Paramecium (COOPER, 2001).

6.1 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DAS CÉLULAS EUCARIÓTICAS

As células eucarióticas típicas (Figura 30) são muito maiores do que as bactérias – em geral de 5 a 100 mm de diâmetro, com um volume de mil a um milhão de vezes maior do que o das bactérias. As características que distinguem os eucariotos são o núcleo e uma grande variedade de organelas envoltas por membranas com funções específicas.

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FIGURA 30 – CÉLULA EUCARIONTE ANIMAL E SUAS ORGANELAS ESPECIALIZADAS

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQbGluPRVYq1A8nMGd1_St69Sg-Q8ShSABrfeU8ybzdjCgyszKGk>. Acesso em: 26 mar. 2019.

A célula eucarionte possui organelas especializadas em diversas funções. A mitocôndria é considerada a usina energética da célula, pois é onde ocorre o sítio ativo na produção de energia (ATP). Além disso, a mitocôndria possui uma característica bem peculiar. Ela possui material genético próprio, fazendo com que seja autorreplicativa, ou seja, dá origem a outras mitocôndrias sempre que houver na célula um aumento da necessidade de ATP. Geralmente as células que possuem um número maior de mitocôndrias são justamente aquelas que têm uma demanda maior de energia, como as células musculares, por exemplo. As mitocôndrias possuem na sua estrutura uma membrana externa, membrana interna, espaço intermembranas, matriz mitocondrial, ribossomos livres e DNA mitocondrial.

FIGURA 31 – (A) ESTRUTURA DAS MITOCÔNDRIAS. (B) ELETROMICROGRAFIA DE UMA MITOCONDRIAL

FONTE: A autora

(A) (B)

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Além das mitocôndrias, a célula eucarionte possui o retículo endoplasmático, sendo este de dois tipos: granular ou rugoso e agranular ou liso (Figura 32). Os retículos são formados a partir da invaginação da membrana plasmática, é constituído por uma rede de túbulos e vesículas achatadas e interconectas. Essas vesículas no retículo endoplasmático granular se comunicam com o envoltório nuclear.

O retículo endoplasmático granular possui ribossomos aderidos as suas cisternas, o que o deixa com esse aspecto granular. Ele tem como função síntese, segregação de proteínas. Já o retículo endoplasmático agranular (REA) é uma rede de membranas de formato tubular e desorganizado. Uma das características do REA é a ausência de ribossomos aderidos as suas vesículas e possui funções mais distintas: síntese de lipídios, glicólise, reservatório de cálcio e destoxificação (geralmente converte substâncias insolúveis em compostos solúveis).

Uma das funções do retículo endoplasmático liso é a síntese de lipídios de membrana (fosfolipídios, glicolipídios e colesterol). Os fosfolipídios são sintetizados no lado citosólico da membrana do REL, enquanto que os glicolipídios são sintetizados no Complexo de Golgi a partir da ceramida.

Outra função importante atribuída ao retículo endoplasmático liso é a destoxificação, onde drogas insolúveis, que tendem a se acumular no organismo, podem chegar a níveis tóxicos. No retículo endoplasmático liso, essas drogas insolúveis são transformadas em substâncias hidrossolúveis. No fígado, em suas células chamadas de hepatócitos, ocorre o acúmulo de glicogênio. O retículo endoplasmático liso libera a enzima glicose 6-fosfatase, que degrada essa molécula de glicogênio e devolve glicose para circulação sanguínea, controlando a glicemia do organismo.

Nas células musculares, o retículo endoplasmático, recebe um nome especial – retículo sarcoplasmático. No retículo sarcoplasmático ocorre o reservatório de cálcio, que estará diretamente relacionado para a contração muscular.

FONTE: A autora

(A) (B)

FIGURA 32 – (A) RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO GRANULAR (NOTE A PRESENÇA DE RIBOSSOMOS ADERI-DOS EM SUAS VESÍCULAS). (B) RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO AGRANULAR

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O Complexo de Golgi (Figura 33) é composto por cisternas envoltas por membranas achatadas e empilhadas. Apresenta uma face cis (de entrada) e uma fase trans (de saída). Ele é responsável pelo processamento e endereçamento de proteínas, além de realizar a glicosilação de glicoproteínas e glicolipídios do retículo endoplasmático granular. O complexo golgiense também é responsável pela formação do acrossomo dos espermatozoides e possui dois tipos de secreção: constitutiva e regulada.

A secreção constitutiva acontece quando as vesículas finais golgianas são secretadas diretamente, sem armazenamento no citosol, de forma constitutiva (sem sinalização). Ex.: células produtoras de proteínas da matriz extracelular. Já a secreção regulada ocorre quando as vesículas finais golgianas são primeiramente armazenadas, podem fundir-se umas com as outras, formando grânulos de secreção que são estocados perto do ápice da célula até haver um sinal (nervoso ou hormonal) para secreção. Ex.: glândulas.

Junqueira e Carneiro (2007) relatam que, em muitas células, o complexo golgiense localiza-se em posição constante, quase sempre ao lado do núcleo, podendo ser encontrado disperso pelo citoplasma em outras células.

FONTE: A autora

FIGURA 33 – ELETROMICROGRAFIA EVIDENCIANDO AS CISTERNAS DO COMPLEXO DE GOLGI

Outra organela presente nas células eucariontes são os peroxissomos, que são estruturas caracterizadas pela presença de enzimas oxidativas que transferem átomos de hidrogênio de diversos substratos para o oxigênio (COOPER, 2001). Eles realizam a desintoxicação celular e possuem uma quantidade de enzimas oxidativas, que realizam oxidação formando o peróxido de hidrogênio, abundante nas células hepáticas (400 peroxissomos por célula).

Os peroxissomos surgem através de brotamentos do retículo endoplasmático rugoso e contêm a maior parte da enzima catalase, que converte peróxido de hidrogênio em água e oxigênio.

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Adrenoleucodistrofia é uma doença genética rara, autossômica recessiva, ligada ao sexo (mulheres portadoras). Ocorre uma mutação na enzima ligase acil CoA gordurosa (membrana dos peroxissomos), levando ao acúmulo de ácidos graxos no citoplasma de células do tecido nervoso, gerando a degeneração das bainhas de mielina e disfunção adrenal. O Filme: O Óleo de Lorenzo retrata o surgimento, sinais e sintomas dessa patologia associada a essa disfunção em enzimas do peroxissomos.

NOTA

Células eucariontes também possuem organelas derivadas do complexo golgiense, chamadas de lisossomos. Os lisossomos são organelas em formato arredondado, cheias de enzimas digestivas e envoltas por uma membrana lipoproteica. Possui como funções a autofagia (eliminação de organelas citoplasmáticas); digestão de partículas prejudiciais ao organismo e digestão intracelular. Possuem enzimas digestivas que degradam substratos específicos, como por exemplo lipases e fosfolipases, digerindo lipídios; as proteases que realizam a digestão de proteínas; as glicosidades, digerindo polissacarídeos e as nucleases, que realizam a digestão de ácidos nucleicos.

As enzimas lisossômicas são produzidas no retículo endoplasmático granular, passam pelo complexo golgiense, no qual são sintetizadas e liberadas sob a forma de vesículas:

FONTE: A autora

FIGURA 34 – SÍNTESE DE ENZIMAS LISOSSÔMICAS

Os lisossomos são classificados em primários e secundários. Os lisossomos primários não estão em atividade de digestão. São menores e homogêneos. Já os lisossomos secundários estão em constante atividade de digestão, são maiores e heterogêneos.

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Além dessas organelas, as células vegetais também têm vacúolos (que acumulam grandes quantidades de ácidos orgânicos) e cloroplastos (nos quais a luz solar realiza a síntese de ATP no processo da fotossíntese). No citoplasma de muitas células estão presentes também grânulos ou gotículas contendo nutrientes armazenados, como amido e gordura (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

7 ESTUDO DOS COMPONENTES CELULARES

Algumas técnicas foram desenvolvidas ao longo dos anos, para o estudo dos componentes celulares. A seguir, você conhecerá algumas delas, suas características e importância clínica.

7.1 ORGANELAS ISOLADAS POR CENTRIFUGAÇÃO

Em um avanço importante na bioquímica, Albert Claude, Christian de Duve e George Palade desenvolveram métodos para separar as organelas do citosol e elas entre si – etapa essencial na investigação de suas estruturas e funções (NELSON; COX, 2014). Em um processo típico de fracionamento (Figura 35), as células ou tecidos em solução são suavemente rompidos por cisalhamento físico. Esse tratamento rompe a membrana plasmática, mas deixa intacta a maioria das organelas. O homogeneizado é então centrifugado; organelas como núcleo, mitocôndria e lisossomos diferem em tamanho e por isso sedimentam em velocidades diferentes. Esses métodos foram utilizados para estabelecer, por exemplo, que os lisossomos contêm enzimas degradativas, as mitocôndrias contêm enzimas oxidativas e os cloroplastos contêm pigmentos fotossintéticos. O isolamento de uma organela rica em determinada enzima é, com frequência, a primeira etapa de purificação dessa enzima.

Nelson e Cox (2014) relatam que organelas, como os núcleos, as mitocôndrias e os lisossomos, diferem em tamanho e, portanto, sedimentam com velocidades diferentes durante a centrifugação. Elas também diferem na gravidade específica e “flutuam” em diferentes níveis em um gradiente de densidade (Figura 35). A centrifugação diferencial leva a um fracionamento grosseiro do conteúdo citoplasmático, que deve ser purificado por centrifugação isopícnica (mesma densidade).

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FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 8)

FIGURA 35 – FRACIONAMENTO SUBCELULAR DE TECIDOS

As técnicas de imunocitoquímica permitem o estudo da localização intracelular de proteínas específi cas. Ela localiza, com precisão, um determinado tipo de molécula proteica, excluindo todas as outras proteínas existentes nas células. A imunocitoquímica se baseia na reação antígeno-anticorpo e pode ser classifi cada em Imunocitoquímica Direta e Indireta (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

Imunocitoquímica Direta: suponha-se que, de um determinado órgão de rato, se possa extrair e purifi car quimicamente uma proteína, que será chamada proteína X. O problema citoquímico consiste em descobrir em que células ou parte da célula está localizada a proteína X, pois ela foi isolada de um órgão inteiro. Injetando-se a proteína X (antígeno) em um coelho, este formara uma gamaglobulina (anticorpo) com a propriedade de se combinar exclusivamente com a proteína X, não se combinando com qualquer outra. O anticorpo aparece porque a proteína X pertence a um órgão de rato e, portanto, estranha para o coelho no qual foi injetada (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007, p. 30).

FIGURA 35 – FRACIONAMENTO SUBCELULAR DE TECIDOS

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Na técnica de Imunocitoquímica Indireta, a marcação é colocada em um anticorpo, isto é, uma antigamaglobulina. Por sua maior sensibilidade, permitindo a demonstração de quantidades mínimas de antígeno, a técnica indireta é a mais usada na prática.

7.2 ESTUDOS IN VITRO

In vitro (“em vidro”) é uma expressão que designa todos os processos biológicos que têm lugar fora dos sistemas vivos, no ambiente controlado e fechado de um laboratório e que normalmente são utilizadas as vidrarias. Em 1904, ocorreu o primeiro cultivo  in vitro  de crucíferas observando a necessidade de suplementação do meio mineral com sacarose para a germinação dos embriões, bem como mostrando o efeito das diferentes fontes de nitrogênio sobre sua morfologia.

Uma abordagem para o entendimento de um processo biológico é o estudo in vitro de moléculas purificadas (“no vidro” – no tubo de ensaio), sem a interferência de outras moléculas presentes na célula intacta – isto é, in vivo (“no vivo”). Embora essa abordagem seja muito esclarecedora, deve-se considerar que o interior de uma célula é totalmente diferente do interior de um tubo de ensaio. Os componentes “interferentes” eliminados na purificação podem ser cruciais para a função biológica ou para a regulação da molécula purificada. Por exemplo, estudos in vitro de enzimas puras são comumente realizados com concentrações muito baixas da enzima em soluções aquosas sob agitação. Na célula, uma enzima está dissolvida ou suspensa no citosol com consistência gelatinosa junto com milhares de outras proteínas, e algumas delas se ligam à enzima e influenciam sua atividade. Algumas enzimas são componentes de complexos multienzimáticos nos quais os reagentes passam de uma enzima para a outra, sem interagir com o solvente. Quando todas as macromoléculas conhecidas de uma célula são representadas em suas dimensões e concentrações conhecidas (Figura 36), fica claro que o citosol é bem ocupado e que a difusão de macromoléculas dentro do citosol deve ser mais lenta devido à colisão com outras estruturas grandes. Em resumo, certa molécula pode ter um comportamento muito diferente na célula e in vitro. Um desafio central na bioquímica é entender as influências da organização celular e das associações macromoleculares sobre a função das enzimas individuais e outras biomoléculas – para entender a função in vivo assim como in vitro (NELSON; COX, 2002, p. 33).

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FIGURA 36 – A CÉLULA LOTADA. ESTE DESENHO DE DAVID GOODSELL É UMA REPRESENTAÇÃO PRECISA DOS TAMANHOS RELATIVOS E NÚMERO DE MACROMOLÉCULAS EM UMA REGIÃO PEQUENA DA CÉLULA

DE E. COLI

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 11)

8 EVOLUÇÃO DOS ORGANISMOS MULTICELULARES E A DIFERENCIAÇÃO CELULAR

Todos os organismos eucariotos unicelulares modernos – os protistas – contêm as organelas e os mecanismos que descrevemos anteriormente. Essas organelas e mecanismos devem ter se originado relativamente cedo.

O Reino Protista é um dos reinos dos seres vivos, caracterizado por organismos eucariontes, autótrofos (sintetizam seu próprio alimento) ou heterótrofos (ingerem partículas alimentares do meio externo). Podem ser unicelulares (possuem apenas uma célula) ou pluricelulares (formados por várias células). Os protistas compreendem os protozoários e as algas. Existem também os mixomicetos, organismos semelhantes aos fungos, mas classifi cados como Protistas (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

Os protistas são muito versáteis. Um exemplo é o protista Paramecium (Figura 37), que move-se rapidamente com auxílio de uma especialização de membrana chamada cílios. Ele percebe estímulos mecânicos, químicos e térmicos do seu ambiente e responde alterando o seu caminho. Consegue realizar a fagocitose de diversas substâncias, como as partículas alimentares, por exemplo. Possui a habilidade de excretar os fragmentos não digeridos; elimina o excesso de água (NELSON; COX, 2014).

Em alguma etapa posterior da evolução, os organismos unicelulares descobriram a vantagem de se agregar, adquirindo, portanto, maior motilidade, efi ciência ou sucesso reprodutivo do que os seus competidores unicelulares de

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vida livre. A evolução posterior de tais organismos aglutinados levou às associações permanentes entre células individuais e eventualmente à especialização da colônia – a diferenciação celular (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

FIGURA 37 – PARAMECIUM: PROTOZOÁRIO CILIADO

FONTE: <http://www.carloshotta.com.br/brontossauros/2009/4/16/paramecios-se-comunicam-por-luz.html>. Acesso em: 11 jul. 2019.

Para Nelson e Cox (2002, p. 34):

As vantagens da especialização celular levaram a evolução de organismos mais complexos e altamente diferenciados, nos quais algumas células desempenham funções sensoriais, outras digestivas, fotossintetizantes ou reprodutoras. Muitos organismos multicelulares modernos contêm centenas de diferentes tipos celulares, cada um especializado em alguma função que apoia o organismo inteiro. Mecanismos fundamentais que surgiram anteriormente foram refinados e completados durante a evolução. O mecanismo simples responsável pela movimentação da miosina ao longo dos filamentos de actina no mofo foi conservado e elaborado nas células musculares dos vertebrados. A mesma estrutura básica e o mesmo mecanismo que sustenta a movimentação do bater dos cílios do Paramecium e dos flagelos na Chlamydomonas são empregados nas células altamente diferenciadas dos vertebrados, o espermatozoide.

As células individuais de organismos multicelulares permaneceram delimitadas por membranas plasmáticas, mas também desenvolveram estruturas especializadas na superfície para a fixação e comunicação entre as células. As moléculas de adesão celular permitem o contato entre células epiteliais, e este contato é estabilizado por junções celulares especializadas (KIERSZENBAUM, 2008).

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Embora moléculas de adesão celular sejam responsáveis pela adesão do tipo célula-célula, as junções celulares são importantes para fornecer estabilidade mais intensa. As junções celulares podem ser de três tipos: junções de oclusão, junções de ancoragem (adesão) e junções comunicantes (tipo gap).

As junções de oclusão promovem a vedação do trânsito de íons e moléculas entre as células. Os folhetos externos da membrana plasmática das duas células se fundem. São formadas pelas proteínas adesivas claudinas e ocludinas.

As junções de ancoragem ou adesão promovem a adesão entre as células. É uma zônula que circunda a célula como um cinturão e possui como proteínas adesivas as caderinas. Nas junções de adesão, devemos citar estruturas em forma de botões chamadas de desmossomos, que também são responsáveis pela coesão celular e dependentes das proteínas transmembranas, chamadas de caderinas.

Você sabia?Existe uma doença autoimune chamada de Pênfi go Bolhoso (Figura 38), em que ocorre uma produção de anticorpos contra a proteína caderina dos desmossomos da epiderme. As pessoas desenvolvem bolhas grandes e pruriginosas, com áreas de pele infl amada. Para diagnosticar o pênfi go bolhoso são examinadas amostras da pele no microscópio e verifi cado se existem depósitos de certos anticorpos. Ocorre com mais frequência nos homens com mais de 60 anos, mas também podem ocorrer em crianças. É uma doença menos séria que o pênfi go vulgar (que também provoca bolhas), geralmente não é fatal, e não resulta em descamação generalizada da pele. No entanto, pode envolver uma grande extensão da pele e causar muito desconforto (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

NOTA

FIGURA 38 – PÊNFIGO BOLHOSO NA EPIDERME

FONTE: <http://doencasautoimunes.com.br/noticias/penfi go-bolhoso-o-que-e-e-como-tratar/>. Acesso: 29 mar. 2019.

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Os desmossomos mecanicamente fornecem resistência às conexões físicas entre as células, mas não impedem a passagem de material através do espaço extracelular entre as células conectadas (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

As junções comunicantes ou do tipo gap (Figura 39) promovem a comunicação

entre as células através de um canal chamado de conexon. Cada conexon é formado por seis proteínas chamadas de conexinas. Geralmente encontram-se abertas, provocando um aumento no cálcio intracelular.

FIGURA 39 – JUNÇÕES COMUNICANTES OU DO TIPO GAP

FONTE: <https://transformandodoremamor.wordpress.com/2018/04/03/o-papel-das-juncoes-gap nas-sis-toles-cardiacas/>. Acesso: 31 mar. 2019.

9 VÍRUS: PARASITAS DAS CÉLULAS

Devido as suas relações com as células e seus efeitos sobre estas, podendo causar doenças de gravidade variável, abordaremos algumas informações importantes sobre os vírus. Vírus são acelulares, ou seja, não possuem célula e, portanto, não podem ser considerados seres vivos. Eles não são capazes de se multiplicar, exceto quando parasita uma célula e utiliza essa célula para sintetizar novas partículas virais. São, portanto, parasitas intracelulares obrigatórios. Na verdade, os vírus são parasitas nível molecular, pois induzem a maquinaria sintética das células parasitadas a trabalhar para formar novos vírus, em vez de trabalhar para formar seus próprios componentes (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2007).

Os vírus constituem de uma única molécula de ácido nucleico (DNA ou RNA). O ácido nucléico é envolvido por uma capa proteica chamada capsídeo, onde encontramos também no capsídeo, as proteínas virais, que determinam a célula que o vírus irá infectar.

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Nelson e Cox (2002, p. 34) relatam que:

Os vírus existem em dois estados. Fora das células hospedeiras que os formam, os vírus são simplesmente partículas não vivas chamadas de virions, os quais podem ser cristalizados. Assim que um vírus ou seu componente ácido nucleico entra numa célula hospedeira específica, ele se torna um parasita intracelular. O ácido nucleico viral transporta a mensagem genética especificando a estrutura do vírion intacto. Ele desvia os ribossomos e as enzimas das células hospedeiras das suas funções celulares normais para a construção de muitas novas partículas virais filhas. Em consequência, uma progênie de centenas de vírus pode se originar de apenas um vírion que infecta a célula hospedeira. Em alguns sistemas vírus-hospedeiro, a progênie do vírion escapa através da membrana plasmática da célula hospedeira. Outros vírus produzem a lise celular (quebra da membrana e morte da célula hospedeira) quando são liberados. Muito da patologia associada com as doenças virais resulta da lise da célula hospedeira.

Centenas de vírus diferentes são conhecidos, sendo cada um mais ou menos específico para uma célula hospedeira. Geralmente os vírus que infectam as células animais não infectam os vegetais, e vice-versa. Porém, existem alguns vírus vegetais que invadem e multiplicam-se nas células de insetos disseminadores deste vírus de uma planta para outra. Os vírus que infectam bactérias são chamados de bacteriófagos ou, simplesmente, fagos.

A Bioquímica tem ganhado enormemente com o estudo dos vírus, que tem

fornecido informação nova sobre a estrutura do genoma, os mecanismos enzimáticos da síntese dos ácidos nucleicos e de proteínas e a regulação do fluxo da informação genética (NELSON; COX, 2002).

FIGURA 40 – ESTRUTURA VIRAL

FONTE: <https://horadaescola.com/biologia/433-virus-biologia>. Acesso em: 31 mar. 2019.

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A COMPARAÇÃO GENÔMICA APRESENTA IMPORTÂNCIA CRESCENTE NA BIOLOGIA E NA MEDICINA HUMANA

Os genomas de chimpanzés e humanos são 99,9% idênticos; mesmo assim, as diferenças entre as duas espécies são enormes. As poucas diferenças nos conteúdos genéticos devem explicar o domínio da linguagem em humanos, a extraordinária capacidade física dos chimpanzés e uma miríade de outras diferenças. A comparação de genomas está permitindo aos pesquisadores identificar genes candidatos conectados a divergências no programa de desenvolvimento de humanos e dos outros primatas e a emergência de funções complexas como a linguagem. Tudo se tornará mais claro somente quando o genoma de mais primatas se tornar disponível para comparação com o genoma humano. Da mesma forma, as diferenças no conteúdo genético entre humanos são extremamente pequenas se comparadas com as diferenças entre humanos e chimpanzés. Mesmo assim, essas poucas diferenças são responsáveis pelas diferenças dentro da espécie humana – incluindo diferenças na saúde e na suscetibilidade a doenças crônicas. Há muito a aprender sobre a variabilidade na sequência entre humanos, e a disponibilidade dessa informação genômica vai certamente transformar o diagnóstico e o tratamento médico. Pode-se esperar que, para algumas doenças genéticas, os tratamentos paliativos até agora utilizados serão substituídos por curas. Pode-se esperar também que o alerta e a prevenção serão as medidas usadas quando suscetibilidades a doenças são detectadas por marcadores genéticos específicos. O atual “histórico médico” poderá ser substituído pelo “prognóstico médico”.

FONTE: NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

LEITURACOMPLEMENTAR

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RESUMO DO TÓPICO 2Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As células, unidade da vida, são de dimensões microscópicas.

• Todas as células compartilham algumas características: DNA contendo a informação genética, ribossomos e uma membrana plasmática que envolve o citoplasma.

• Certos organismos, tecidos e células oferecem vantagens para os estudos bioquímicos.

• A E. coli pode ser muito utilizada para estudos bioquímicos, pois possui curto tempo de geração sendo especialmente apropriada para a manutenção genética.

• As primeiras células vivas foram os procariotos e anaeróbicos.

• Com o passar do tempo, a evolução biológica conduziu as células capazes de produzir fotossíntese, com o oxigênio como subproduto.

• Cerca de 1,5 bilhão de anos atrás surgiram as células eucarióticas.

• As células eucarióticas foram evoluindo e cada organela se especializou em uma função específica.

• As células eucarióticas modernas possuem um sistema complexo de membranas intracelulares.

• O material genético nas células eucarióticas está organizado nos cromossomos complexos altamente organizados de DNA e proteínas histonas.

• O citoesqueleto é uma rede intracelular de filamentos de actina, filamentos intermediários e microtúbulos.

• O citoesqueleto confere a forma da célula e geralmente essa forma está associada com a função que a célula desempenha no organismo.

• As organelas intracelulares movem-se ao longo dos filamentos do citoesqueleto, propelidas por proteínas como a cinesina, a dineína e a miosina, usando a energia do ATP.

• Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios.

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1 Leia o texto a seguir e responda ao que se pede:

Relatos de uma viagem

Finalmente conseguimos visitar a célula. É um mundo pequeno, totalmente cercado por uma fronteira bem controlada, que regula tudo o que entra e o que sai. O acesso pode ser feito por diferentes tipos de portões. Alguns são como as portas giratórias de lojas ou bancos, que permitem atravessar a fronteira em um piscar de olhos; em outros, um funcionário da alfândega de lá nos agarra e nos empurra para dentro (ou para fora), mesmo que não queiramos.

Há um incrível trânsito de matéria-prima e de energia nas fronteiras dessa cidadela, pois sua vida depende totalmente de produtos importados. É verdade também que há alguns produtos internos que são exportados e muito requisitados no exterior. O lugar é muito organizado, com túneis e canais que levam a todas as partes, garantindo um trânsito rápido e fácil. Além disso, esses canais estão diretamente ligados às fábricas, nas quais são produzidas matérias-primas necessárias ao dia a dia e também produtos para exportação; estes são levados aos centros de armazenagem e de estocagem onde ficam até a hora de serem exportados.

Há encarregados de limpeza e de consertos, que eliminam os resíduos e mantêm limpo e em perfeito funcionamento. Mas o que chama a atenção são as usinas de produção de energia. Aqui se adota um modelo descentralizado: em vez de uma única usina grande, há dezenas ou centenas de pequenas usinas, distribuídas por toda parte. A energia da matéria-prima que chega à usina é extraída e convertida em pacotes energéticos rotulados de ATP, uma espécie de moeda energética local, com a qual se faz qualquer coisa. Dizem que o mais impressionante daqui é o núcleo de controle, um prédio em formato esférico e estilo futurista, que utiliza os mais modernos sistemas informatizados para organizar a vida dentro da célula. Isso nós não fomos visitar ainda, vimos apenas de longe. Mais notícias em breve.

FONTE: A autora

Essa viagem, impossível na vida real, tornou-se possível graças às descobertas que os pesquisadores têm feito sobre a estrutura e o funcionamento das células vivas.

a) Este texto deverá ser traduzido para a linguagem científica da Biologia Celular, relatando quais são as estruturas celulares (sublinhadas no texto) correspondentes a cada descrição.

AUTOATIVIDADE

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b) Pela descrição dada no texto, trata-se de uma célula eucarionte ou procarionte? Justifique sua resposta.

2 A microscopia eletrônica foi inicialmente criada para estudos de estrutura de material bélico, sendo posteriormente utilizada para estudos de estruturas e  organelas  celulares. As eletromicrografias I e II mostram organelas citoplasmáticas distintas. Com base na identificação das organelas nas figuras I e II, sabemos que a primeira participa na síntese de lipídios, enquanto a segunda é responsável pela produção de proteínas. Essas organelas são, respectivamente:

FONTE: A autora

FIGURA – ORGANELAS

a) ( ) Retículo endoplasmático liso e retículo endoplasmático rugoso.b) ( ) Retículo endoplasmático rugoso e retículo endoplasmático liso.c) ( ) Mitocôndrias e lisossomos.d) ( ) Complexo de Golgi e retículo endoplasmático liso.e) ( ) Retículo endoplasmático rugoso e ribossomos.

3 Paciente branco, 47 anos, tabagista com história de tosse produtiva crônica, expectoração purulenta abundante, cefaleia frontal e dor em região malar. Desde a infância apresentou vários episódios de sinusite, pneumonia e otite média. Ao exame: hipocratismo digital, sibilos difusos e estertores crepitantes em ambas as bases pulmonares. Espirometria revelou moderada obstrução sem resposta à terapia broncodilatadora. Radiografia de tórax com situs inversus, hiperinsuflação pulmonar. Exame de sêmen mostrou mobilidade reduzida e/ou ausente dos espermatozoides.

Qual o diagnóstico do caso descrito?

b) Qual estrutura celular apresenta-se comprometida neste caso?

c) Descreva a composição da estrutura descrita.

d) Qual a relação existente entre a mobilidade reduzida dos espermatozoides e os problemas respiratórios do paciente do caso e a estrutura celular acometida?

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4 A membrana plasmática possui várias especializações, seja ela de um organismo unicelular ou pluricelular, estas especializações são variadas em relação às designações celulares. São especializações envolvidas com a união da célula à matriz extracelular, adesão célula-célula, uniões transitórias e especializações da superfície livre, como microvilosidades, cílios, flagelos, estereocílios. Sobre as especializações de membrana, analise as frases a seguir:

I- Os hemidesmossomos têm como função unir a célula à matriz extracelular, através de proteínas chamadas de integrinas.

II- A zônula de oclusão veda a passagem de substâncias entre as células e possui como proteínas as claudinas e ocludinas.

III- Desmossomos são junções celulares, presentes no tecido muscular e possuem a proteína caderina.

IV- As junções tipo GAP também são chamadas de junções comunicantes.

A alternativa que contém as afirmativas CORRETAS é:a) ( ) I e III.b) ( ) I, II e IV.c) ( ) III e IV.d) ( ) I, II e III.e) ( ) II, III e IV.

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BIOMOLÉCULASUNIDADE 2 —

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a função biológica em termos químicos;

• identifi car as principais biomoléculas;

• estabelecer as características que diferenciam as biomoléculas;

• compreender que em cada organismo vivo as biomoléculas exercem funções que permitem a manutenção da vida;

• estabelecer os princípios da bioquímica para explicar as biomoléculas em termos quí-micos;

• identifi car os monômeros que formam as macromoléculas;

• compreender as funções das biomoléculas;

• estabelecer que o surgimento de algumas patologias está associado a disfunções nas biomoléculas.

Esta unidade está dividida em sete tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoati-vidades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS BIOMOLÉCULASTÓPICO 2 – ÁGUATÓPICO 3 – AMINOÁCIDOS, PEPTÍDEOS E PROTEÍNASTÓPICO 4 – ENZIMASTÓPICO 5 – CARBOIDRATOS E GLICOCONJUGADOSTÓPICO 6 – NUCLEOTÍDEOS E ÁCIDOS NUCLEICOSTÓPICO 7 – LIPÍDIOS

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

CHAMADA

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CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2!

Acesse o QR Code abaixo:

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TÓPICO 1 —

CARACTERÍSTICAS GERAIS

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Bioquímica não é nada menos que a “química da vida”; com essa ciência a vida pode ser investigada, analisada e compreendida. O maior objetivo da bioquímica é explicar a forma e a função biológica em termos químicos. Uma das formas mais produtivas de abordar o entendimento dos fenômenos biológicos tem sido aquela de purificar os componentes químicos individuais, tais como a proteína de um organismo, e caracterizar a sua estrutura química ou sua atividade catalítica.

No início do estudo das biomoléculas e de suas interações, algumas questões básicas merecem atenção. Quais espécies de moléculas estão presentes nos organismos vivos e em quais proporções? Quais são as estruturas dessas moléculas? Como interagem umas com as outras?

Neste tópico, faremos uma revisão dos princípios químicos que estão relacionados com as propriedades das moléculas biológicas: ligação covalente entre os átomos de carbono entre si e com outros elementos, grupos funcionais que ocorrem nas biomoléculas, entre outras características.

2 COMPOSIÇÃO E LIGAÇÃO QUÍMICA

No final do século XVIII, ficou evidente para os químicos que a composição da matéria viva era claramente diferente do mundo inanimado. Antoine Lavoisier (1743-1794) notou a relativa simplicidade química do mundo mineral e comparou com a complexidade do mundo dos animais e das plantas. Animais e plantas eram compostos por substâncias ricas nos elementos carbono, oxigênio, nitrogênio e fósforo.

Dos mais de 90 elementos químicos que ocorrem naturalmente, apenas cerca de 30 são essenciais para os organismos vivos. A maioria dos elementos químicos da matéria viva tem números atômicos relativamente pequenos e apenas cinco deles têm número atômico acima do selênio. Os quatro elementos químicos mais abundantes nos organismos, em termos das porcentagens do número total de átomos, são o hidrogênio, o oxigênio, o nitrogênio e o carbono, os quais, juntos, perfazem mais de 99% da massa da maioria das células. Eles são os elementos mais leves, capazes formar uma, duas, três e quatro ligações, respectivamente. Em geral, os elementos mais leves formam as ligações químicas mais fortes (NELSON; COX, 2002).

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FIGURA 1 – ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA A VIDA ANIMAL E PARA A MANUTENÇÃO DA SAÚDE

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 42)

3 BIOMOLÉCULAS SÃO COMPOSTOS DE CARBONO

A química dos organismos vivos está organizada ao redor do elemento carbono, o qual representa mais da metade do peso seco das células. No metano (CH4), um átomo de carbono compartilha quatro pares de elétrons compartilhados, formando uma ligação simples. Bertuzzi et al. (2008) relatam que o carbono pode também estabelecer ligações simples e duplas com os átomos de oxigênio e com o de nitrogênio.

De maior importância em biologia é a capacidade de os átomos de carbono compartilharem pares de elétrons entre si para formar ligações simples carbono-carbono, as quais são muito estáveis. Cada átomo de carbono também pode formar ligações simples com um, dois, três ou quatro átomos de carbono. Dois átomos de carbono podem também compartilhar dois (ou três) pares de elétrons, formando assim ligações duplas ou triplas carbono-carbono (Figura 2).

As quatro ligações simples que podem ser estabelecidas por um átomo de carbono estão dispostas tetraedricamente. Os grupos participantes de cada ligação simples carbono-carbono podem girar livremente ao redor dela; essa liberdade sofre restrições somente quando essas ligações estão ocupadas por grupos muito grandes ou quando são portadoras de cargas elétricas muito altas (NELSON; COX, 2002).

Os átomos de carbono unidos entre si covalentemente podem formar cadeias lineares, cadeias ramificadas e estruturas cíclicas. Outros grupos de átomos, chamados grupos funcionais, são adicionados a esses esqueletos carbônicos, o que confere propriedades químicas específicas à molécula assim formada. As moléculas que contêm esqueletos carbônicos são chamadas de compostos orgânicos; eles ocorrem em uma variedade quase ilimitada. A maioria das biomoléculas são compostos orgânicos; portanto, podemos inferir que a versatilidade de ligações do carbono foi um fator maior

12 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

Menos de 30 entre os mais de 90 elementos químicos de ocorrência natural são essenciais para os organismos. A maioria dos elementos da matéria viva tem um número atô-mico relativamente baixo; somente três têm números atô-micos maiores do que o selênio, 34 (Figura 1-13). Os qua-tro elementos químicos mais abundantes nos organismos vivos, em termos de porcentagem do total de número de átomos, são hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono, que juntos constituem mais de 99% da massa das células. Eles são os elementos mais leves capazes de formar de maneira eficiente uma, duas, três e quatro ligações; em geral, os ele-mentos mais leves formam ligações mais fortes. Os elemen-tos-traço (Figura 1-13) representam uma fração minúscula do peso do corpo humano, mas todos são essenciais à vida, geralmente por serem essenciais para a função de proteí-nas específicas, incluindo muitas enzimas. A capacidade de transporte de oxigênio da hemoglobina, por exemplo, é totalmente dependente de quatro íons ferro, que somados representam somente 0,3% da massa total.

Biomoléculas são compostos de carbono com uma grande variedade de grupos funcionaisA química dos organismos vivos está organizada em torno do carbono, que contribui com mais da metade do peso seco das células. O carbono pode formar ligações simples com átomos de hidrogênio, assim como ligações simples e duplas com átomos de oxigênio e nitrogênio (Figura 1-14). A capacidade dos átomos de carbono de formar ligações simples estáveis com até quatro outros átomos de carbono é de grande importância na biologia. Dois átomos de car-

bono também podem compartilhar dois (ou três) pares de elétrons, formando assim ligações duplas (ou triplas).

As quatro ligações simples que podem ser formadas pelo átomo de carbono se projetam a partir do núcleo formando os quatro vértices de um tetraedro (Figura 1-15), com ângulo de aproximadamente 109,5° entre duas ligações quaisquer e comprimento médio de ligação de 0,154 nm. A rotação é livre em torno de cada ligação simples, a menos que grupos muito grandes ou altamente carregados estejam ligados aos átomos de carbono. Nesse caso, a rotação pode ser limitada. Já a ligação dupla é mais curta (cerca de 0,134 nm) e rígida, permitindo somente uma rotação limitada em torno do seu eixo.

Átomos de carbono covalentemente ligados em biomo-léculas podem formar cadeias lineares, ramificadas e estru-turas cíclicas. Aparentemente, a versatilidade de ligação do carbono com outro carbono e com outros elementos foi o principal fator na seleção dos compostos de carbono para a maquinaria molecular das células durante a origem e a evolução dos organismos vivos. Nenhum outro elemento químico consegue formar moléculas com tanta diversidade de tamanhos, formas e composição.

A maioria das biomoléculas deriva dos hidrocarbonetos, tendo átomos de hidrogênio substituídos por uma grande variedade de grupos funcionais que conferem propriedades químicas específicas à molécula, formando diversas famílias de compostos orgânicos. Exemplos típicos dessas biomolé-culas são os álcoois, que têm um ou mais grupos hidroxila; aminas, com grupos amina; aldeídos e cetonas, com gru-pos carbonila; e ácidos carboxílicos, com grupos carboxi-la (Figura 1-16). Muitas biomoléculas são polifuncionais,

FIGURA 113 Elementos essenciais para a vida e a saúde dos animais. Os elementos principais (vermelho) são componentes estrutu-rais das células e dos tecidos e são necessários na dieta em uma quantidade de vários gramas por dia. Para os elementos-traço (amarelo), as quan-tidades requeridas são muito menores: para hu-manos, alguns miligramas por dia de Fe, Cu e Zn são suficientes, e quantidades ainda menores dos demais elementos. As necessidades mínimas para plantas e microrganismos são semelhantes às mostradas aqui; o que varia são as maneiras pelas quais eles adquirem esses elementos.

1 2

3 4 5 6 7 8 9 10

11 12 13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54

55 56 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86

87 88

H He

Li Be B C N O F Ne

Na Mg Al Si P S Cl Ar

K Ca Sc Ti V Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn Ga Ge As Se Br Kr

Rb Sr Y Zr Nb Mo Tc Ru Rh Pd Ag Cd In Sn Sb Te I Xe

Cs Ba Hf Ta W Re Os Ir Pt Au Hg Tl Pb Bi Po At Rn

Fr RaLantanídeos

Actinídeos

Elementos principaisElementos-traço

FIGURA 114 A versatilidade do carbono em formar ligações. O carbono pode formar ligações cova-lentes simples, duplas e triplas (indi-cadas em vermelho), particularmente com outros átomos de carbono. Li-gações triplas são raras em biomo-léculas.

1 C NC N C N

H C HH HC1C

1 O C OC COO

1 C OC OO OC

1 C C CCC C

1 CC C CC C

1 NC N C N C

1 C C CC C C

Nelson_6ed_book.indb 12 Nelson_6ed_book.indb 12 02/04/14 18:4102/04/14 18:41

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na seleção dos compostos de carbono para a maquinaria molecular das células durante a origem e a evolução dos organismos vivos. Nenhum outro elemento químico pode formar moléculas com tanta diversidade de formas e de tamanhos ou com tal variedade de grupos funcionais (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

FIGURA 2 – OBSERVE A VERSATILIDADE DO ÁTOMO DE CARBONO EM FORMAR LIGAÇÕES COVALENTES

FONTE: Bertuzzi et al. (2008, p. 36)

4 GRUPOS FUNCIONAIS DETERMINAM AS PROPRIEDADES QUÍMICAS

A maioria das biomoléculas pode ser vista como derivada dos hidrocarbonetos, os quais são compostos formados por um esqueleto de átomos de carbono ligados covalentemente entre si e aos quais estão ligados apenas átomos de hidrogênio. Os esqueletos carbônicos desses compostos são muito estáveis. Os átomos de hidrogênio podem ser substituídos individualmente por uma grande variedade de grupos funcionais para formar famílias diferentes dos compostos orgânicos. Famílias típicas de compostos orgânicos são: os álcoois, os quais possuem um ou mais grupos hidroxila; as aminas, possuidoras do grupo funcional amino; os aldeídos e as cetonas, os quais possuem o grupo carbonila; e os ácidos carboxílicos, que exibem os grupos carboxilas (NELSON; COX, 2002).

Na Figura 3 podemos observar todos os grupos em sua forma neutra (não ionizada). Nesta figura, e em toda parte deste livro didático, usamos R para representar “qualquer substituinte”. Pode ser um simples átomo de H, mas tipicamente ele é uma porção que contém carbono. Quando dois ou mais constituintes são mostrados em uma molécula, iremos designar R1, R2, e assim por diante.

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FIGURA 3 – ALGUNS DOS GRUPOS FUNCIONAIS COMUNS DE BIOMOLÉCULAS

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 43)

5 ESTRUTURA TRIDIMENSIONAL: CONFIGURAÇÃO E CONFORMAÇÃO

Embora as ligações covalentes e os grupos funcionais das biomoléculas tenham importância central para a função delas, eles não contam toda a história; o arranjo espacial em três dimensões dos átomos de uma biomolécula – sua estereoquímica – é também crucialmente importante. Os compostos de carbono podem existir como estereoisômeros, moléculas nas quais a ordem das ligações é a mesma, mas a relação espacial entre os átomos é diferente. Interações moleculares entre biomoléculas são invariavelmente estereoespecífi cas; isto é, elas requerem estereoquímica específi ca nas moléculas interativas (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

A Figura 4 mostra três maneiras de ilustrar a confi guração estereoquímica das moléculas simples. O diagrama ilustra perspectivas específi cas de forma não ambígua à confi guração (estereoquímica) de um composto. O modelo bola e bastão representa melhor os ângulos entre as ligações e o comprimento da ligação centro a centro, enquanto os contornos das moléculas são mais bem representados pelos modelos do tipo espaço-cheio (NELSON; COX, 2002).

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FIGURA 4 – MANEIRAS DE ILUSTRAR A CONFIGURAÇÃO ESTEREOQUÍMICA

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 44)

A configuração de uma molécula geralmente é mudada somente pela quebra de uma ligação. Configuração é o arranjo espacial de uma molécula orgânica, que lhe é conferido ou pela presença de duplas ligações, ao redor das quais não existe liberdade de rotação, ou então por centros quirais, ao redor dos quais os grupos substituintes estão arranjados em uma sequência específica. A característica identificadora dos isômeros configuracionais é que eles podem ser convertidos um no outro sem a quebra de uma ou mais ligações covalentes (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

Segundo Berg (2014), a conformação molecular é alterada pela rotação ao redor das ligações simples. O termo conformação molecular refere-se ao arranjo espacial dos grupos substituintes que são livres para assumir diferentes posições no espaço, sem a quebra de qualquer ligação, devido à liberdade de rotação da ligação. Por exemplo, no etano, um hidrocarboneto simples, existe uma liberdade de rotação quase completa ao redor da ligação simples carbono-carbono. Muitas conformações moleculares do etano, diferentes e interconvertíveis, são possíveis, dependendo do grau de rotação.

6 REATIVIDADE QUÍMICA

Os mecanismos das reações bioquímicas não são diferentes dos de outras reações químicas. Eles podem ser entendidos e previstos a partir da natureza dos grupos funcionais dos reagentes. Os grupos funcionais alteram a distribuição eletrônica e a geometria dos átomos vizinhos e dessa maneira afetam a reatividade química de toda a molécula. Embora um grande número de reações químicas diferentes ocorra em uma célula típica, essas reações são de apenas alguns tipos gerais. Abordaremos de forma geral e breve os aspectos fundamentais sobre ligação química e reatividade (NELSON; COX, 2002).

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Para Berg (2014), nas reações químicas, ligações são quebradas e novas são formadas. A força de uma ligação química depende de eletronegatividades relativas – as afinidades relativas por elétrons – dos elementos ligados (Tabela 1), da distância dos elétrons que participam da ligação em relação a cada um dos núcleos e da carga nuclear de cada átomo.

Elemento Eletronegatividade Elemento Eletronegatividade

F 4,0 Fe 1,8

O 3,5 Co 1,8

Cl 3,0 Ni 1,8

N 3,0 Mo 1,8

Br 2,8 Zn 1,6

S 2,5 Mn 1,5

C 2,5 Mg 1,2

I 2,5 Ca 1,0

Se 2,4 Li 1,0

P 2,1 Na 0,9

H 2,1 K 0,8

TABELA 1 – A ELETRONEGATIVIDADE DE ALGUNS ELEMENTOS QUÍMICOS

FONTE: Berg (2014, p. 45)

É importante ressaltar que quanto maior for o número da eletronegatividade, tanto mais eletronegativo é o elemento. O número de elétrons compartilhados também influencia a força da ligação; ligações duplas são mais fortes que ligações simples, e ligações triplas são ainda mais fortes. Na Tabela 2 podemos observar a energia de dissociação das ligações mais frequentes nas biomoléculas. Podemos observar que quanto maior a energia requerida para a dissociação da ligação (quebra), mais forte é essa ligação (NELSON; COX, 2002).

Tipo de ligação Energia de dissociação da ligação (kJ/mol)

Ligações Simples

O – H 461

H – H 435

P – O 419

C – H 414

N – H 389

C – O 352

Ligações Duplas

C=O 712

C=N 615

C=C 611

TABELA 2 – ENERGIA DE DISSOCIAÇÃO (RESISTÊNCIA) NAS BIOMOLÉCULAS

FONTE: Nelson e Cox (2002, p. 49)

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A força de uma ligação química é expressa em joules, e conhecida como energia de ligação (em bioquímica, as calorias têm sido as unidades de energia mais frequentemente empregadas, como por exemplo, para expressar a força de ligação e a energia livre; o joule é a unidade de energia no Sistema Internacional de Unidades e será usado para conversões, 1 cal é igual a 4,184J). A energia de ligação pode ser imaginada como a quantidade de energia ganha pelo ambiente, quando os dois átomos formam essa ligação. Um meio de se introduzir energia em um sistema é aquecê-lo, o que dá às moléculas maior energia cinética; a temperatura é uma medida da energia cinética média de uma população de moléculas. Quando o movimento molecular é suficientemente violento, as vibrações intramoleculares e as colisões intermoleculares podem, em algumas ocasiões, quebrar as ligações químicas. O aquecimento aumenta a fração de moléculas com energia suficientemente alta para reagir. Quando o movimento molecular é suficientemente violento, vibrações intramoleculares e colisões intermoleculares, algumas vezes, quebram ligações e permitem a formação de novas (NELSON; COX, 2002, p. 49).

Quando nas reações químicas as ligações são quebradas e novas ligações são formadas, a diferença entre a energia do ambiente usada para romper as ligações e a energia recebida pelo ambiente na formação de novas ligações é virtualmente idêntica à variação da entalpia para a reação (NELSON; COX, 2002).

A maioria das células tem a capacidade de realizar milhares de reações específicas e enzimaticamente catalisadas, como por exemplo, a transformação de nutrientes simples, como a glicose em aminoácidos, nucleotídeos ou lipídios; a extração de energia dos alimentos por oxidação ou a polimerização de subunidades em macromoléculas (BAYNES, 2015).

As reações nas células vivas pertencem a um dos cinco tipos (ou categorias) gerais: (1) oxidação-redução; (2) reações que formam ou quebram ligações carbono-carbono; (3) reações que rearranjam a estrutura das ligações ao redor de um ou mais átomos de carbono; (4) transferência de grupos funcionais; (5) reações nas quais duas moléculas se condensam com a eliminação de uma molécula de água. As reações em uma mesma categoria geral ocorrem por meio de mecanismos similares (BAYNES, 2015).

Quando os dois átomos que compartilham elétrons em uma ligação covalente têm afinidade igual para os elétrons, como no caso de dois átomos de carbono, a ligação resultante é não polar. Quando dois elementos diferem em afinidade por elétrons, ou eletronegatividade, formam uma ligação covalente (por exemplo, C e O), a ligação é polarizada, ou seja, os elétrons compartilhados estarão na região do átomo mais eletronegativo (O) e não naquela do átomo menos eletronegativo (C). No caso extremo de dois átomos de eletronegatividade muito diferente (Na e Cl, por exemplo), um dos átomos cede os elétrons para o outro átomo, resultando na formação de íons e interações iônicas, como a existente no cloreto de sódio (NaCl) sólido (NELSON; COX, 2002).

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Nas ligações carbono-hidrogênio, o carbono mais eletronegativo possui os dois elétrons compartilhados com H, mas, nas ligações carbono-oxigênio, os dois elétrons estão deslocados unicamente em favor do oxigênio. Então, na transformação de – CH3 (um alcano) para – CH2OH (um álcool), o átomo de carbono perde efetivamente elétrons, o que é por definição: oxidação. A Figura 5 mostra que átomos de carbono encontrados em bioquímica podem existir em cinco estados de oxidação (alcano, álcool, aldeído, ácido carboxílico e dióxido de carbono), dependendo dos elementos com os quais o carbono compartilha elétrons (NELSON; COX, 2002).

FIGURA 5 – ESTADO DE OXIDAÇÃO DO CARBONO EM BIOMOLÉCULAS

FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/biomoleculas-121110173452-phpapp02/95/biomolecu-las-23-638.jpg?cb=1352569229>. Acesso: 10 abr. 2019.

Em muitas oxidações biológicas, um composto perde dois elétrons e dois íons de hidrogênio (isto é, dois átomos de hidrogênio); essas reações são comumentemente chamadas de desidrogenações e as enzimas que as catalisam são chamadas de desidrogenases. Em algumas, mas não em todas as oxidações biológicas, um átomo de carbono torna-se covalentemente ligado a um átomo de oxigênio. As enzimas que catalisam essas oxidações são geralmente chamadas de oxidases (BERTUZZI et al., 2008).

De acordo com Nelson e Cox (2002, p. 50):

Toda oxidação é acompanhada de redução, na qual um grupo que recebe elétrons adquire os elétrons removidos pela oxidação. Reações de oxidação geralmente liberam energia (imagine um incêndio no campo, em que vários compostos da madeira são oxidados pelas macromoléculas de oxigênio do ar). A maioria das células vivas obtém a energia necessária para o trabalho celular oxidando combustíveis, como carboidratos ou gorduras; organismos fotossintéticos podem também usar a energia da luz solar. As vias catabólicas são reações de oxidação-redução em cadeia que resultam na transferência de elétrons das moléculas combustíveis por meio de uma série de transportadores de elétrons até oxigênio. A afinidade alta do O2 por elétrons torna todo processo de transferência de elétrons altamente exergônico, fornecendo a energia que impulsiona a síntese de ATP – o objetivo central do catabolismo.

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FIGURA 6 – ESQUEMA DE UMA REAÇÃO DE OXIDAÇÃO E REDUÇÃO

FONTE: A autora

7 MACROMOLÉCULAS E SUAS SUBUNIDADES MONOMÉRICAS

Muitas moléculas encontradas no interior das células são macromoléculas, polímeros de alto peso molecular construídos com precursores relativamente simples. Os polissacarídeos, as proteínas e os ácidos nucleicos, os quais podem ter pesos moleculares variando de dezenas de milhares até bilhões (DNA), são construídos pela polimerização de subunidades relativamente pequenas, de peso molecular ao redor de 500 ou menos. A síntese de macromoléculas é uma atividade celular que pode ser classificada como forte consumidora de energia (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

A Tabela 3 mostra as principais classes de biomoléculas em um organismo unicelular típico, a Escherichia coli. A água é o composto simples mais abundante na E. coli e em todas as outras células e organismos. Em todos os tipos de células, quase toda a matéria sólida é substância orgânica e está presente em quatro formas principais: proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos e lipídios. Os sais inorgânicos e os elementos minerais constituem apenas uma fração muito pequena do peso seco total (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

Porcentagem do peso total da

célula

Número aproximado das diferentes espécies

moleculares

Água 70 1

Proteínas 15 3.000

Ácidos Nucleicos

DNA 1 1

RNA 6 > 3.000

Carboidratos 3 5

Lipídios 2 20

Íons inorgânicos 1 20

TABELA 3 – COMPONENTES MOLECULARES DE UMA CÉLULA DA E. COLI

FONTE: Adaptado de Berg, Tymoczko e Stryert (2015)

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As proteínas são polímeros de aminoácidos, constituem ao lado da água a maior fração das células. Algumas proteínas têm atividade catalítica e funcionam como enzimas, outras servem como elementos estruturais e ainda transportam sinais específicos (no caso dos receptores) ou substâncias específicas (no caso das proteínas de transporte) para o interior ou exterior das células. As proteínas podem ser consideradas as mais versáteis das biomoléculas. Os ácidos nucleicos, DNA e RNA, são polímeros de nucleotídeos. Eles armazenam, transmitem e transcrevem a informação genética (NELSON; COX, 2014).

Os carboidratos, polímeros de açúcares ou hidratos de carbono, têm duas principais funções: servem como armazenadores de energia (na forma de glicogênio e amido) e como elementos estruturais (celulose e quitina, por exemplo). Carboidratos (oligossacarídeos) ligados a proteínas ou lipídios na superfície celular servem como receptores para sinalizadores específicos. Entre seus inúmeros papéis, os lipídios, derivados oleaginosos dos hidrocarbonetos, servem principalmente como componentes estruturais das membranas e como forma de armazenamento de alimentos ricos em energia. Todas essas quatro classes de grandes biomoléculas são sintetizadas em reações de condensação (NELSON; COX, 2002).

Cada uma dessas macromoléculas tem diferentes funções nos organismos vivos. Os aminoácidos, por exemplo, não são apenas as subunidades monoméricas das proteínas; alguns agem como neurotransmissores e como precursores de hormônios e toxinas. A adenina serve tanto como subunidades na estrutura dos ácidos nucleicos e do ATP, como neurotransmissora. Os ácidos graxos servem como componentes de membranas lipídicas complexas, como gorduras ricas em energia e que funcionam como reserva de alimentos e também como precursores de um grupo de moléculas sinalizadoras potentes, os eicosanoides (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

Nos tópicos seguintes, conheceremos as principais características bioquímicas das biomoléculas.

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RESUMO DO TÓPICO 1Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A maior parte do peso seco dos organismos vivos consiste de compostos orgânicos, moléculas que contêm esqueletos ou estruturas de átomos de carbono ligados covalentemente entre si.

• Átomos de carbono, nitrogênio, hidrogênio e oxigênio podem ser ligados.

• Aos esqueletos carbônicos são ligados diferentes tipos de grupos funcionais, o que determina as propriedades químicas das moléculas orgânicas.

• As forças das ligações químicas covalentes, medidas em joules, dependem da eletronegatividade e do tamanho dos átomos que compartilham elétrons.

• A variação da entalpia para uma reação química reflete o número e o tipo de ligações que são quebradas ou sintetizadas.

• Para as reações endotérmicas, a variação da entalpia é positiva, para as reações exotérmicas, negativa.

• As diferentes reações químicas que ocorrem no interior de uma célula pertencem a cinco categorias gerais: reações de oxidação-redução, quebra ou formação de ligações carbono-carbono, rearranjo de ligações ao redor de átomos de carbono, transferência de grupos e condensações.

• A maior parte da matéria orgânica nas células vivas consiste em macromoléculas: ácidos nucleicos, proteínas e carboidratos.

• Moléculas de lipídios, outro componente importante das células, são moléculas pequenas que formam grandes agregados.

• Cada tipo de macromolécula é composto de subunidades monoméricas pequenas unidas por ligações covalentes.

• Ácidos nucleicos e proteínas são macromoléculas informacionais; as sequências características de suas subunidades constituem a individualidade genética da espécie.

• Os carboidratos simples funcionam como componentes estruturais, mas os mais complexos também são macromoléculas informacionais.

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1 No laboratório de bioquímica, primeiramente é necessário separar a molécula de interesse de outras biomoléculas presentes em uma amostra – isto é, purificar proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos ou lipídios. Pela observação das subunidades monoméricas das quais as biomoléculas grandes são formadas, você deve imaginar quais características dessas biomoléculas permitem separá-las umas das outras.

a) Quais características do aminoácido e do ácido graxo permitiriam separá-los facilmente um do outro?

b) Como os nucleotídeos devem ser separados das moléculas de glicose?

2 Alguns anos atrás, duas companhias farmacêuticas comercializaram um remédio sob os nomes de Dexedrina e Benzedrina. A estrutura da droga é mostrada a seguir:

AUTOATIVIDADE

As propriedades físicas e químicas (elementos constitutivos como C, H, N, ponto de fusão, solubilidade etc.) de ambas eram idênticas. A dosagem por via oral recomendada da Dexedrina era 5 mg por dia, mas a dosagem recomendada da Benzedrina era significativamente mais alta. Aparentemente, para um mesmo efeito, era necessária uma dose muito menor de Dexedrina. Explique essa contradição.

FIGURA – ESTRUTURA QUÍMICA DA DEXEDRINA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 53)

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ÁGUA

1 INTRODUÇÃO

A água é a substância mais abundante nos sistemas vivos, constituindo mais de 70% do peso da maioria dos organismos. O primeiro organismo vivo na Terra, sem dúvida, nasceu em ambiente aquoso, e o curso da evolução tem sido moldado pelas propriedades do meio aquoso no qual a vida começou (NELSON; COX, 2014).

Dentre as várias funções que a água desempenha nas células, podemos citar algumas, como: solvente para compostos bioquímicos, recebe resíduo, absorve calor e participa diretamente das reações químicas. Sem água, a vida como a conhecemos, poderia não existir, pois nenhum organismo pode permanecer biologicamente ativo sem água.

Neste tópico, conheceremos as propriedades físicas e químicas da água, às quais são adaptados todos os aspectos da estrutura e função da célula, as forças de atração entre as moléculas de água, ionização da água e ação do tamponamento contra as variações de pH nos sistemas biológicos.

2 PONTES DE HIDROGÊNIO

As ligações de hidrogênio entre moléculas de água fornecem as forças coesivas que fazem da água um líquido à temperatura ambiente e um sólido cristalino (gelo) com arranjo altamente ordenado de moléculas em temperaturas frias. As biomoléculas polares se dissolvem facilmente em água porque elas podem substituir interações entre as moléculas de água (água-água) por interações energeticamente mais favoráveis entre a água e o soluto (água-soluto). Em contrapartida, as biomoléculas apolares são pouco solúveis em água porque interferem nas interações do tipo água-água, mas são incapazes de formar interações do tipo água-soluto. Em soluções aquosas, moléculas apolares tendem a formar agregados. Ligações de hidrogênio e interações iônicas, hidrofóbicas (do grego, “medo de água”) e de Van der Waals são individualmente fracas, mas coletivamente têm influência significativa nas estruturas tridimensionais de proteínas, ácidos nucleicos, polissacarídeos e lipídios de membranas (NELSON; COX, 2014).

As ligações ou pontes de hidrogênio são responsáveis pelas propriedades incomuns da água. A água tem ponto de fusão, ebulição e calor de vaporização mais alto que os outros solventes comuns. Essas propriedades incomuns são uma consequência

UNIDADE 2 TÓPICO 2 -

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74

da atração entre as moléculas de água adjacentes que oferecem à água líquida grande coesão interna. A visualização da estrutura eletrônica da molécula de H2O revela a origem dessas atrações intermoleculares (NELSON; COX, 2014).

Ponto de fusão (ºC)

Ponto de ebulição (ºC)

Calor de Vaporização J/g

Água 0 100 2.260

Metanol -98 65 1.100

Etanol -117 78 854

Propanol -127 97 687

Acetona -95 56 523

Hexano -98 69 423

Benzeno 6 80 394

Butano -135 -0,5 381

Clorofórmio -63 61 24

TABELA 4 – PONTO DE FUSÃO, PONTO DE EBULIÇÃO E CALOR DE VAPORIZAÇÃO DE ALGUNS SOLVENTES COMUNS

FONTE: Adaptado de Nelson e Cox (2014)

Cada átomo de hidrogênio de uma molécula de água compartilha um par de elétrons com o átomo central do oxigênio. A geometria da molécula é ditada pela forma dos orbitais eletrônicos mais externos do átomo de oxigênio, que são similares aos orbitais ligantes sp3 do carbono. Na Figura 7 observamos que esses orbitais descrevem um formato aproximado de tetraedro, com um átomo de hidrogênio em cada um de dois vértices e pares de elétrons não compartilhados nos outros dois. O núcleo do átomo de oxigênio atrai elétrons mais fortemente que o núcleo de hidrogênio (um próton); ou seja, o oxigênio é mais eletronegativo. Isso significa que os elétrons compartilhados estão mais frequentemente nas vizinhanças do átomo de oxigênio que os de hidrogênio. O resultado desse compartilhamento desigual de elétrons é a formação de dois dipolos elétricos na molécula de água (COOPER, 2001).

Você sabia?Que a quantidade de água é diretamente proporcional ao metabolismo da célula?Células com uma atividade metabólica intensa, como por exemplo, os neurônios, possuem 80% de água no seu interior.

NOTA

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Na figura a seguir podemos observar a natureza dipolar da molécula de água em modelo de esfera e bastão, em que as linhas tracejadas representam os orbitais não ligantes. Existe um arranjo aproximadamente tetraédrico dos pares de elétrons mais externos da camada ao redor do átomo de oxigênio; os dois átomos de hidrogênio têm cargas parciais positivas e o átomo de oxigênio tem carga parcial negativa. Em (b) vê-se duas moléculas de H2O unidas por ligações de hidrogênio, representada por três linhas azuis.

FIGURA 7 – ESTRUTURA DA MOLÉCULA DE ÁGUA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 48)

As ligações de hidrogênio não são exclusivas para a molécula de água. Elas se formam prontamente entre um átomo eletronegativo (aceptor de hidrogênio, geralmente oxigênio ou nitrogênio) e um átomo de hidrogênio ligado covalentemente a outro átomo eletronegativo (doador de hidrogênio) na mesma molécula ou em outra (Figura 8). Átomos de hidrogênio covalentemente ligados a átomos de carbono não participam de ligações de hidrogênio, porque o átomo de carbono é somente um pouco mais eletronegativo que o hidrogênio e, portanto, a ligação C-H é apenas levemente polar (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

FIGURA 8 – LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO COMUM EM SISTEMAS BIOLÓGICOS

FONTE: <https://player.slideplayer.com.br/46/11652478/data/images/img15.jpg>. Acesso em: 11 abr. 2019.

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3 INTERAÇÕES DE VAN DER WAALS

Quando dois átomos não carregados são colocados bem próximos um do outro, as suas nuvens eletrônicas influenciam uma à outra. Variações aleatórias nas posições dos elétrons ao redor do núcleo podem criar um dipolo transitório elétrico, que induz à formação de um dipolo transiente de carga oposta no átomo mais próximo a ele. Os dois dipolos atraem-se fracamente um ao outro, aproximando os dois núcleos. Essas atrações fracas são chamadas de interações de Van der Waals (também conhecidas como forças de London). À medida que os dois núcleos se aproximam, as nuvens eletrônicas começam a repelir uma à outra. Nesse ponto, no qual a atração líquida é máxima, diz-se que o núcleo está em contato de Van der Waals. Cada átomo tem um raio de Van der Waals característico, uma medida do quão próximo um átomo permite que outro se aproxime (NELSON; COX, 2014).

4 IONIZAÇÃO DA ÁGUA, ÁCIDOS FRACOS E BASES FRACAS

Embora muitas propriedades de solvente da água possam ser explicadas em termos da molécula de água não carregada, o pequeno grau de ionização da água em seus íons (H1) e (OH–) deve também ser levado em consideração.

Como todas as reações reversíveis, a ionização da água pode ser descrita por uma constante de equilíbrio. Quando ácidos fracos são dissolvidos na água, eles contribuem com um H1 por ionização; bases fracas consomem um H1 se tornando protonadas. Esses processos também são governados por constantes de equilíbrio. A concentração total dos íons hidrogênio a partir de todas as fontes é experimentalmente mensurável, sendo expressa como o pH da solução. Para predizer o estado de ionização de solutos na água, devem-se considerar as constantes de equilíbrio relevantes para cada reação de ionização (NELSON; COX, 2014, p. 58).

Para Rodwel, Murry e Granner (2017), as moléculas de água têm a leve tendência de sofrer uma ionização reversível, produzindo um íon hidrogênio (próton) e um íon hidróxido, gerando o equilíbrio: H2O Δ H1 1 OH (2-1). Apesar de geralmente se mostrar o produto de dissociação da água como H1, os prótons livres não existem em solução; os íons hidrogênio formados em água são imediatamente hidratados para formar íons hidrônio (H3O). As ligações de hidrogênio entre as moléculas de água fazem com que a hidratação dos prótons dissociados seja praticamente instantânea.

A ionização da água pode ser medida pela sua condutividade elétrica; a água pura carrega corrente elétrica enquanto o H3O1 migra para o cátodo e OH– para o ânodo. O movimento dos íons hidrônio e hidróxido no campo elétrico é extremamente rápido comparado com o de outros íons como Na1, K1 e Cl–. Essa alta mobilidade iônica resulta do tipo de “salto de prótons”, mostrado na Figura 9. Os prótons individuais não se movem para muito longe na solução, mas uma série de prótons salta entre as moléculas

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de água ligadas por hidrogênio e gera um movimento líquido de prótons por uma longa distância em um tempo extremamente curto (OH também se move rapidamente por saltos, mas na direção oposta). Como resultado da alta mobilidade iônica do H1, reações ácido/básicas em soluções aquosas são excepcionalmente rápidas.

FIGURA 9 – SALTO DE PRÓTONS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 58)

O produto iônico da água, Kw, é a base para a escala de pH. É um meio conveniente de designar a concentração de H1 (e, portanto, de OH–) em qualquer solução aquosa no intervalo de 1,0 M H1 e 1,0 M OH–. O termo pH é defi nido pela expressão:

1pH log log HH

+

+ = = −

O símbolo p denota “logaritmo negativo de”. Para uma solução neutra a 25 ºC, na qual a concentração de íons hidrogênio é exatamente 1,0 3 10–7 M. Quando temos uma solução com pH 7, uma solução neutra não é um número escolhido arbitrariamente, sendo derivado do valor absoluto do produto iônico da água a 25 ºC, que, por uma coincidência conveniente, é um valor inteiro.

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Soluções com pH maior que 7 são alcalinas ou básicas; a concentração de OH– é maior que a de H1. Inversamente, soluções tendo pH menor que 7 são ácidas. Lembre-se de que a escala de pH é logarítmica e não aritmética. Se duas soluções diferem em pH por uma (1) unidade, isso significa que uma solução tem dez vezes mais a concentração de íons H1 que a outra, mas isso não indica a magnitude absoluta da diferença. Um refrigerante de cola (pH 3,0) ou um vinho tinto (pH 3,7) têm uma concentração de íons H1 de aproximadamente 10.000 vezes a do sangue (pH 7,4) (NELSON; COX, 2014).

O pH de uma solução aquosa pode ser medido por aproximação, usando vários tipos de indicadores coloridos, incluindo tornassol, fenolftaleína e vermelho de fenol. Essas substâncias passam por uma mudança de cor quando um próton se dissocia da molécula. Determinações precisas do pH em laboratórios químicos ou clínicos são feitas com um eletrodo de vidro que é seletivamente sensível à concentração dos íons H1, mas insensível à concentração de Na1, K1 e outros cátions. Em um pH-metro, o sinal do eletrodo de vidro colocado em uma solução de teste é amplificado e comparado com o sinal gerado por uma solução de pH conhecido (NELSON; COX, 2014).

A medida do pH é um dos procedimentos mais importantes e usados com mais frequência na bioquímica. O pH afeta a estrutura e a atividade de macromoléculas biológicas; por exemplo, a atividade catalítica das enzimas é extremamente dependente do pH. As medidas do pH do sangue e da urina são comumentemente usadas em diagnóstico médico. O pH do plasma sanguíneo das pessoas com diabetes grave e não controlado é comumentemente abaixo do valor normal de 7,4; essa condição é chamada de acidose. Em outras doenças, o pH sanguíneo é mais alto que o normal, uma condição conhecida como alcalose. A acidose ou a alcalose extrema podem ameaçar a vida.

5 AÇÃO TAMPONANTE CONTRA AS VARIAÇÕES DE PH NOS SISTEMAS BIOLÓGICOS

Quase todos os processos biológicos são dependentes do pH; uma pequena mudança no pH produz uma grande mudança na velocidade do processo. Os grupos amino e carboxila protonados de aminoácidos e os grupos fosfato de nucleotídeos, por exemplo, agem como ácidos fracos; o seu estado iônico é determinado pelo pH do meio circundante. As interações iônicas estão entre as forças que estabilizam a molécula da proteína e permitem que uma enzima reconheça e se ligue ao seu substrato (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

Células e organismos mantêm um pH citosólico específico e constante, em geral, perto de pH 7, mantendo biomoléculas em seu estado iônico otimizado. Em organismos multicelulares, o pH dos fluidos extracelulares também é rigorosamente regulado. A constância do pH é atingida principalmente por tampões biológicos: misturas de ácidos fracos e suas bases conjugadas (NELSON; COX, 2014).

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Tampões são sistemas aquosos que tendem a resistir a mudanças de pH quando pequenas quantidades de ácido (H1) ou base (OH–) são adicionadas. Um sistema tampão consiste em um ácido fraco (o doador de prótons) e sua base conjugada (o aceptor de prótons). Como um exemplo, uma mistura de concentrações iguais de ácido acético e íons acetato, encontradas no ponto central da titulação na Figura 10, é um sistema tampão. Observe que a curva de titulação do ácido acético tem uma zona relativamente plana que se estende por cerca de uma unidade de pH em ambos os lados do seu pH do ponto central de 4,76. Nessa zona, uma dada quantidade de H1 ou OH– adicionada ao sistema tem muito menos efeito no pH que a mesma quantidade adicionada fora da zona. Essa zona relativamente plana é a região de tamponamento do par tampão ácido acético/acetato (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

No ponto central da região de tamponamento, no qual a concentração do doador de prótons (ácido acético) é exatamente igual à do aceptor de prótons (acetato), a força de tamponamento do sistema é máxima; isto é, seu pH muda menos pela adição de H1 ou OH–. O pH do sistema tampão acetato muda levemente quando uma pequena quantidade de H1 ou OH– é adicionada, mas essa mudança é muito pequena comparada com a mudança de pH que resultaria se a mesma quantidade de H1 ou OH– fosse adicionado à água pura ou a uma solução salina de um ácido forte e de uma base forte, como NaCl, que não tem poder tamponante (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 10 – CURVA DE TITULAÇÃO DO ÁCIDO ACÉTICO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 62)

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Sackheim (2001) relata que o tamponamento resulta do equilíbrio entre duas reações reversíveis ocorrendo em uma solução de concentrações quase iguais de doador de prótons e de seu aceptor de prótons conjugado. A Figura 11 explica como um sistema tampão funciona. Sempre que H1 ou OH– é adicionado em um tampão, o resultado é uma pequena mudança na razão das concentrações relativas dos ácidos fracos e seus ânions e, portanto, uma pequena mudança no pH. O decréscimo na concentração de um componente do sistema é equilibrado exatamente pelo aumento do outro. A soma dos componentes do tampão não muda somente a sua razão.

FIGURA 11 – ACÉTICO/ACETATO COMO SISTEMA TAMPÃO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 64)

Os fl uidos intracelulares ou extracelulares de organismos multicelulares têm como característica um pH quase constante. A primeira linha de defesa dos organismos contra mudanças internas de pH é proporcionada por sistemas tampão. O citoplasma da maioria das células contém altas concentrações de proteínas e, estas, contêm muitos aminoácidos com grupos funcionais que são ácidos fracos ou bases fracas. Por exemplo, a cadeia lateral da histidina tem um pKa de 6,0 e, por isso, pode existir tanto nas formas protonadas quanto nas desprotonadas, próximo ao pH neutro. Proteínas contendo resíduos de histidina, portanto, são tampões efetivos próximo ao pH neutro. Nucleotídeos como ATP, assim como muitos metabólitos de baixa massa molecular, contêm grupos ionizáveis que podem contribuir para o poder tamponante do citoplasma. Algumas organelas altamente especializadas e compartimentos extracelulares apresentam altas concentrações de compostos que contribuem para a capacidade de tamponamento: ácidos orgânicos tamponam os vacúolos das células das plantas; amônia tampona a urina (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Dois tampões biológicos especialmente importantes são o sistema fosfato e o bicarbonato. O tampão fosfato, que age no citoplasma de todas as células, consiste em H2PO4 – como doador de prótons e HPO como aceptor de prótons. O sistema tampão fosfato é mais efetivo em um pH perto de seu pKa de 6,86 e, portanto, tende a resistir

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a mudanças de pH em um intervalo de 5,9 e 7,9. Esse é, então, um tampão efetivo em fluidos biológicos; em mamíferos, por exemplo, fluidos extracelulares e a maioria dos compartimentos citoplasmáticos têm pH no intervalo de 6,9 a 7,4 (BERG et al., 2008).

Curiosidades:• Sob desidratação: as pessoas observam que realmente começam a reter água nas pernas, pés, braços e face. Os rins começam a “economizar” água, reduzindo a produção de urina e levando à retenção de produtos tóxicos potencialmente danosos.• A diminuição da água no cérebro acarreta a diminuição da energia e deprime muitas funções vitais. Com baixo nível de energia cerebral, ficamos incapazes de lidar com o medo, a ansiedade, a raiva e muitas outras emoções.

Fique Ligado!

Posso substituir a ingestão de água por chá, café, sucos, vinho e cerveja?Quanto mais destas bebidas se consome, mais desidratado o corpo se torna. Bebidas contendo cafeína, por exemplo, disparam resposta de estresse devido ao forte efeito diurético, aumentando as micções. Bebidas com açúcar aumentam rapidamente os níveis de açúcar sanguíneo (> diurese).

NOTA

IMPORTANTE

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SENDO SUA PRÓPRIA COBAIA (NÃO TENTE ISSO EM CASA!)

Este é um relato de J. B. S. Haldane dos experimentos fisiológicos sobre o controle do pH sanguíneo, do livro Mundos Possíveis (HARPER; BROTHERS, 1928). “Eu queria descobrir o que aconteceria com um homem se ele fosse mais ácido ou mais alcalino... Poder-se-ia, claro, fazer experimentos em um coelho primeiro, e alguns trabalhos haviam sido feitos nesse sentido; mas é difícil, de qualquer forma, ter certeza como um coelho se sente. Na verdade, alguns coelhos não levavam a sério a possibilidade de cooperar comigo.

“[...] Um colega e eu então começamos a fazer experimentos em nós mesmos [...]. Meu colega Dr. H. W. Davies e eu nos tornamos alcalinos pela respiração e pela ingestão de tudo que contivesse mais de 85,05 g de bicarbonato de sódio. Tornamo-nos ácidos ficando sentados em uma sala apertada contendo entre 6 e 7% de dióxido de carbono no ar. Isso faz a respiração ficar como se recém-tivéssemos terminado uma regata de remo, e também dá uma tremenda dor de cabeça... Duas horas foi o máximo de tempo que alguém conseguiu permanecer sob dióxido de carbono, mesmo se a câmara de gás à nossa disposição não tivesse retido um odor irremovível de gás mostarda de alguns experimentos de guerra, o qual faz lacrimejar quem quiser que entre nela. A coisa mais óbvia a fazer foi tentar beber ácido clorídrico. Se tomássemos concentrado, isso dissolveria os dentes e queimaria a garganta, razão pela qual eu quis deixá-lo difundir-se suavemente em meu corpo. A concentração maior que tive a coragem de ingerir foi aproximadamente uma parte do ácido comercial em cem partes de água, mas meio litro foi o suficiente para mim, pois irritou minha garganta e estômago, enquanto meus cálculos mostravam que eu precisaria de um galão e meio para obter o efeito que eu desejava... Argumentei que se cloreto de amônio fosse ingerido, ele poderia se dissociar parcialmente no corpo, liberando ácido clorídrico. Isso provaria estar correto... o fígado transforma amônia em uma substância inofensiva chamada ureia antes que alcance o coração e o cérebro depois de absorvida pelo intestino. O ácido clorídrico que foi deixado para trás combina-se com o bicarbonato de sódio, que existe em todos os tecidos, produzindo cloreto de sódio e dióxido de carbono. Esse gás foi produzido em mim dessa forma na taxa de 6,6 L por hora (embora não por uma hora inteira nessa taxa).

“Eu estava bem satisfeito de reproduzir em mim o tipo de respiração curta que ocorre nos estágios terminais de doenças dos rins e diabetes. Sabe-se, há muito tempo, que isso é devido ao envenenamento por ácido, mas em cada caso o envenenamento é complicado por outras anormalidades químicas, e não se tem certeza quais os sintomas são decorrentes do ácido em si.

LEITURACOMPLEMENTAR

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“A cena agora muda para Heidelberg, onde Freudenberg e György estavam estudando o tétano em bebês... ocorreu a eles que poderia ser bastante válido tentar o efeito de aumentar de forma incomum a acidez do corpo. Visto que o tétano havia sido ocasionalmente observado em pacientes que foram tratados, por outras queixas, pela administração de doses muito altas de bicarbonato de sódio, ou perderam grande quantidade de ácido clorídrico por constantes vômitos; e se alcalinidade dos tecidos produzisse tétano, a acidez poderia ser uma expectativa de cura. Infelizmente, dificilmente se curaria um bebê moribundo colocando-o em uma sala cheia de ácido carbônico, e ainda menos com a indicação de ingestão de ácido clorídrico; então, nada poderia resultar dessa ideia, e eles estavam usando sais de lima, não facilmente absorvidos no organismo, os quais perturbam a digestão, mas certamente foram benéficos em muitos casos de tétano. Entretanto, no momento em que leram o meu artigo sobre os efeitos do cloreto de amônio, eles começaram a administrá-lo aos bebês, e ficaram encantados ao descobrir que o tétano era eliminado em poucas horas. Desde então, tem sido usado com sucesso na Inglaterra e na América, tanto em crianças como em adultos. Ele não remove a causa, mas coloca o paciente em melhores condições de recuperação”.

FONTE: NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. (Adaptado)

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RESUMO DO TÓPICO 2Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A diferença entre a eletronegatividade do H e a do O torna a água uma molécula muito polar, capaz de formar ligações de hidrogênio entre suas moléculas e com solutos.

• As ligações de hidrogênio são curtas, basicamente eletrostáticas e mais fracas que as ligações covalentes.

• A água é um bom solvente para solutos polares (hidrofílicos), com os quais forma ligações de hidrogênio, e para solutos carregados, com os quais forma interações eletrostáticas.

• Compostos apolares (hidrofóbicos) se dissolvem fracamente em água; eles não formam ligações de hidrogênio com o solvente, e a sua presença força um ordenamento energeticamente desfavorável de moléculas de água nas suas superfícies hidrofóbicas.

• Interações fracas e não covalentes, em grande número, influenciam decisivamente o enovelamento de macromoléculas como proteínas e ácidos nucleicos.

• As conformações mais estáveis são aquelas nas quais as ligações de hidrogênio são maximizadas dentro da molécula e entre a molécula e o solvente, e nas quais as partes hidrofóbicas se agregam no interior das moléculas, longe do solvente aquoso.

• A água é tanto o solvente no qual as reações metabólicas ocorrem quando um reagente em muitos processos bioquímicos, incluindo hidrólise, condensação e reações de oxidação-redução.

• A água pura se ioniza levemente, formando número igual de íons hidrogênio (íons hidrônio, H3O1) e íons hidróxido.

• Uma mistura de um ácido fraco (ou base) e seus sais resiste a mudanças de pH causadas pela adição de H1 ou OH–. A mistura, portanto, funciona como tampão.

• Em células e tecidos, tampões de fosfatos e bicarbonatos mantêm os fluidos intracelulares e extracelulares em seu pH ótimo (fisiológico), que em geral é próximo de 7. As enzimas costumam ter atividade ótima nesse pH.

• Condições de saúde que diminuem o pH sanguíneo, causando acidose, ou aumentam, causando alcalose, podem ameaçar a vida.

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1 O sistema de tamponamento biológico é muito importante, pois permite que sangue mantenha seu pH em torno de 7,40/7,45 independentemente da chegada de substâncias ácidas ou alcalinas. Para que isso aconteça de forma correta, sabemos que existe uma ação conjunta do sistema respiratório, urinário e o sistema químico, que envolve o mais importante componente. O componente químico responsável em manter o pH sanguíneo constante é:

a) ( ) Cloreto de Sódio.b) ( ) Azul de Bromotimol.c) ( ) Bicarbonato.d) ( ) Ninidrina.e) ( ) Ácido Clorídrico.

2 Quimicamente, os ácidos referem-se a compostos capazes de transferir íons H+ numa reação química, podendo gerar a queda do pH. Sendo que o pH se refere justamente à concentração destes íons, que quanto maior, mais ácido se torna o meio. As bases são “análogos” opostos aos “ácidos”, que têm em sua composição OH, conhecidas como hidroxilas. As hidroxilas consomem os íons H+ presentes no meio, diminuindo então a concentração de íons H+, aumentando o pH. Neste caso, dizemos que o pH é mais alcalino. De acordo com o que foi estudado, observe a seguinte equação e analise as afirmativas que seguem:

AUTOATIVIDADE

I- A equação é um exemplo hipotético de uma solução aquosa.II- Na equação: o A representa o ácido e o H3O representa a base.III- A equação demonstra uma dissociação parcial.IV- A água teve comportamento de base nesta equação, mas pode se comportar como

ácido, pois se trata de uma molécula anfótera.

A alternativa que apresenta a sequência CORRETA é:a) ( ) I, II, III e IV.b) ( ) Apenas I, II e IV.c) ( ) Apenas I, II e III.d) ( ) Apenas II e III.e) ( ) Apenas I, III e IV.

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3 Analise o gráfico que segue:

FONTE: A autora

Com relação ao gráfico, analise as afirmativas e marque V para as afirmativas que são verdadeiras e F para as falsas.

( ) A solução inicial na qual está representado o gráfico se trata de uma solução ácida, com um pH aproximado de 7,0.

( ) À medida que se adiciona base, representada por OH, o pH sobe.( ) No momento em que se adicionou 25 mL de base (OH), o pH sobe bruscamente.( ) No gráfico está representada uma solução contendo tampão.

Assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) V – V – V – V.b) ( ) F – F – V – V.c) ( ) V – V – F – F.d) ( ) F – V – V – F.e) ( ) F – V – F – F.

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TÓPICO 3 -

AMINOÁCIDOS, PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS

1 INTRODUÇÃO

Proteínas controlam praticamente todos os processos que ocorrem em uma célula, exibindo uma quase infinita diversidade de funções. Para explorar o mecanismo molecular de um processo biológico, um bioquímico estuda quase que inevitavelmente uma ou mais proteínas. Proteínas são as macromoléculas biológicas mais abundantes, ocorrendo em todas as células e em todas as partes das células. As proteínas também ocorrem em grande variedade; milhares de diferentes tipos podem ser encontrados em uma única célula. Como os árbitros da função molecular, as proteínas são os resultados mais importantes e são os instrumentos moleculares pelos quais a informação genética é expressa.

Subunidades monoméricas, relativamente simples, fornecem a chave da estrutura de milhares de proteínas diferentes. As proteínas de cada organismo, da mais simples das bactérias aos seres humanos, são construídas a partir do mesmo conjunto onipresente de 20 aminoácidos. Como cada um desses aminoácidos tem uma cadeia lateral com propriedades químicas características, esse grupo de 20 moléculas precursoras pode ser considerado o alfabeto no qual a linguagem da estrutura proteica é lida (NELSON; COX, 2014).

Para gerar uma determinada proteína, os aminoácidos se ligam de modo covalente em uma sequência linear característica. O mais marcante é que as células produzem proteínas com propriedades e atividades completamente diferentes, ligando os mesmos 20 aminoácidos em combinações e sequências muito diferentes. A partir desses blocos de construção, diferentes organismos podem gerar produtos tão diversos como enzimas, hormônios, anticorpos, transportadores, fibras musculares, proteínas das lentes dos olhos, penas, teias de aranha, chifres de rinocerontes, proteínas do leite, antibióticos, venenos de cogumelos e uma miríade de outras substâncias com atividades biológicas distintas. Entre esses produtos de proteínas, as enzimas são as mais variadas e especializadas. Como catalisadoras de quase todas as reações celulares, as enzimas são uma das chaves para compreensão da química da vida e, assim, fornecem um ponto central para qualquer curso de bioquímica (BERTUZZI et al., 2008).

UNIDADE 2

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2 AMINOÁCIDOS

Proteínas são polímeros de aminoácidos, com cada resíduo de aminoácido unido ao seu vizinho por um tipo específi co de ligação covalente (o termo “resíduo” refl ete a perda de elementos de água quando um aminoácido é unido a outro). As proteínas podem ser degradadas (hidrolisadas) em seus aminoácidos constituintes por vários métodos, e os estudos mais iniciais de proteínas naturalmente se concentraram nesses aminoácidos livres delas derivados. Vinte aminoácidos diferentes são comumentemente encontrados em proteínas. O primeiro a ser descoberto foi a asparagina, em 1806. O último dos 20 a ser descoberto (treonina) não havia sido identifi cado até 1938. Todos os aminoácidos têm nomes comuns ou triviais, em alguns casos derivados da fonte da qual foram primeiramente isolados. A asparagina foi descoberta pela primeira vez no aspargo e o glutamato no glúten do trigo; a tirosina foi isolada a primeira vez a partir do queijo (seu nome é derivado do grego tyros, “queijo”); e a glicina (do grego glykos, “doce”) foi assim denominada devido ao seu sabor adocicado (NELSON; COX, 2014).

2.1 CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS

Todos os 20 tipos de aminoácidos comuns são a-aminoácidos. Eles têm um grupo carboxila e um grupo amino ligados ao mesmo átomo de carbono (o carbono a):

FIGURA 12 – ESTRUTURA GERAL DE UM AMINOÁCIDO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Amino%C3%A1cido>. Acesso em: 11 jul. 2019.

Para Nelson e Cox (2014, p. 43), os aminoácidos:

Diferem uns dos outros em suas cadeias laterais ou grupos R, que variam em estrutura, tamanho e carga elétrica, e que infl uenciam a solubilidade dos aminoácidos em água. Além desses 20 aminoácidos, há muitos outros menos comuns. Alguns são resíduos modifi cados após a síntese de uma proteína; outros são aminoácidos presentes em organismos vivos, mas não como constituintes de proteínas. Foram atribuídas aos aminoácidos comuns das proteínas abreviações de três letras e símbolos de uma letra, utilizados como abreviaturas para indicar a composição e a sequência de aminoácidos polimerizados em proteínas.

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O código de três letras é transparente (Figura 13); as abreviações em geral consistem nas três primeiras letras do nome do aminoácido. O código de uma letra foi concebido por Margaret Oakley Dayhoff, considerada por muitos a fundadora do campo da bioinformática. O código de uma letra reflete uma tentativa de reduzir o tamanho dos arquivos de dados (em uma época da computação de cartões perfurados) utilizados para descrever as sequências de aminoácidos. Foi desenvolvido para ser facilmente memorizado, e a compreensão de sua origem pode ajudar os estudantes a fazer exatamente isso. Para seis aminoácidos (CHIMSV), a primeira letra do nome do aminoácido é única e, portanto, utilizada como o símbolo. Para cinco outros (AGLPT), a primeira letra não é única, mas é atribuída ao aminoácido mais comum em proteínas (por exemplo, leucina é mais comum do que lisina). Para todos os aminoácidos comuns, exceto a glicina, o carbono a está ligado a quatro grupos diferentes: um grupo carboxila, um grupo amino, um grupo R e um átomo de hidrogênio (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

FIGURA 13 – CÓDIGO GENÉTICO

FONTE: A autora

2.2 CLASSIFICAÇÃO PELO GRUPO R

O conhecimento das propriedades químicas dos aminoácidos comuns é fundamental para a compreensão da bioquímica. O tópico pode ser simplificado agrupando-se os aminoácidos em cinco classes principais com base nas propriedades dos seus grupos R, particularmente sua polaridade ou tendência para interagir com a água em pH biológico (próximo do pH 7,0). A polaridade dos grupos R varia amplamente, de apolar e hidrofóbico (não hidrossolúvel) ao altamente polar e hidrofílico (hidrossolúvel). Alguns aminoácidos são um pouco difíceis de caracterizar ou não se

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encaixam perfeitamente em qualquer grupo, particularmente glicina, histidina e cisteína. Suas atribuições a determinados grupos são o resultado de avaliações ponderadas em vez de absolutas (NELSON; COX, 2014).

Os aminoácidos são classificados em relação às gradações de polaridade, tamanho e forma dos grupos R: Grupos R apolares, alifáticos (Figura 14) – Os grupos R nesta classe de aminoácidos são apolares hidrofóbicos. As cadeias laterais de alanina, valina, leucina e isoleucina tendem a se agrupar no interior de proteínas, estabilizando a estrutura proteica por meio de interações hidrofóbicas. A glicina tem a estrutura mais simples. Embora seja mais facilmente agrupada com os aminoácidos apolares, sua cadeia lateral muito pequena não contribui realmente para interações hidrofóbicas. A metionina, um dos dois aminoácidos que contém enxofre, tem um grupo tioéter ligeiramente apolar em sua cadeia lateral. A prolina tem cadeia lateral alifática com estrutura cíclica distinta. O grupo amino secundário (imino) de resíduos de prolina é mantido em uma configuração rígida que reduz a flexibilidade estrutural de regiões polipeptídicas contendo prolina (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 14 – GRUPOS R APOLARES, ALIFÁTICOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 79)

Grupos R aromáticos – Fenilalanina, tirosina e triptofano, com suas cadeias laterais aromáticas, são relativamente apolares (hidrofóbicos). Todos podem participar em interações hidrofóbicas. O grupo hidroxila da tirosina pode formar ligações de hidrogênio e é um importante grupo funcional em algumas enzimas. A tirosina e o triptofano são significativamente mais polares do que a fenilalanina (NELSON; COX, 2014).

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 79

muito pequena não contribui realmente para interações hidrofóbicas. A metionina, um dos dois aminoácidos que contém enxofre, tem um grupo tioéter ligeiramente apolar em sua cadeia lateral. A prolina tem cadeia lateral alifática com estrutura cíclica distinta. O grupo amino secundário (imino) de resíduos de prolina é mantido em uma configu-ração rígida que reduz a flexibilidade estrutural de regiões polipeptídicas contendo prolina.

Grupos R aromáticos Fenilalanina, tirosina e triptofano, com suas cadeias laterais aromáticas, são relativamente apolares (hidrofóbicos). Todos podem participar em in-

terações hidrofóbicas. O grupo hidroxila da tirosina pode formar ligações de hidrogênio e é um importante grupo fun-cional em algumas enzimas. A tirosina e o triptofano são sig-nificativamente mais polares do que a fenilalanina, devido ao grupo hidroxila da tirosina e ao nitrogênio do anel indol do triptofano.

O triptofano, a tirosina e, em menor extensão, a fenilala-nina, absorvem a luz ultravioleta (Figura 3-6; ver também Quadro 3-1). Isso explica a forte absorbância de luz com comprimento de onda de 280 nm característica da maior parte das proteínas, propriedade explorada por pesquisa-dores na caracterização de proteínas.

Grupos R apolares, alifáticos

Glicina Alanina Valina

Grupos R aromáticos

Fenilalanina Tirosina

Prolina

Triptofano

Grupos R polares, não carregados

Serina

Grupos R carregados positivamente

Lisina Arginina Histidina

Grupos R carregados negativamente

Aspartato GlutamatoGlutaminaAsparagina

Cisteína

H3N1

C

COO2

H

H H3N1

C

COO2

CH3

H H3N1

C

COO2

C

CH3 CH3

H

H

Leucina

H3N1

C

COO2

C

C

CH3 CH3

H

H2

H

Metionina

H3N1

C

COO2

C

C

S

CH3

H2

H2

H

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

Treonina

H3N1

C

COO2

H C

CH3

OH

H H3N1

C

COO2

C

SH

H2

H

H 2N1

H 2C

C

COO2

H

C

CH2

H 2

H3N1

C

COO2

C

COO2

H2

H H3N1

C

COO2

C

C

COO2

H2

H2

H

1N

C

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H2

H3 C

N

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H

NH2

N1

H2

H3N1

C

COO2

C

C

CH2N O

H2

H2

HH3N1

C

COO 2

C

CH2N O

H2

H

H3N1

C

COO2

CH

C NH

2

H

CH

N

CH

H3N1

C

COO2

CH2

H H3N1

C

COO2

C

C CH

H2

H

NH

Isoleucina

H3

1

C

COO2

H C

C

CH3

H2

H

HN

C 3

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

FIGURA 35 Os 20 aminoácidos comuns de proteínas. As fórmulas es-truturais mostram o estado de ionização que predomina em pH 7,0. As por-ções não sombreadas são aquelas comuns a todos os aminoácidos; aquelas sombreadas são os grupos R. Embora o grupo R da histidina seja mostrado

sem carga, seu pKa (ver a Tabela 3-1) é tal que uma pequena mas significativa fração desses grupos seja positivamente carregada em pH 7,0. A forma pro-tonada da histidina é mostrada acima do gráfico na Figura 3-12b.

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Page 101: ioquíMica básica e MetabolisMo

91

FIGURA 15 – GRUPOS R AROMÁTICOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 79)

Grupos R polares, não carregados – Os grupos R desses aminoácidos são mais solúveis em água, ou mais hidrofílicos do que aqueles dos aminoácidos apolares, porque eles contêm grupos funcionais que formam ligações de hidrogênio com a água. Essa classe de aminoácidos inclui a serina, treonina, cisteína, asparagina e glutamina. Os grupos hidroxila da serina e treonina e os grupos amida da asparagina e glutamina contribuem para suas polaridades (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 16 – GRUPOS R POLARES, NÃO CARREGADOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 79)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 79

muito pequena não contribui realmente para interações hidrofóbicas. A metionina, um dos dois aminoácidos que contém enxofre, tem um grupo tioéter ligeiramente apolar em sua cadeia lateral. A prolina tem cadeia lateral alifática com estrutura cíclica distinta. O grupo amino secundário (imino) de resíduos de prolina é mantido em uma configu-ração rígida que reduz a flexibilidade estrutural de regiões polipeptídicas contendo prolina.

Grupos R aromáticos Fenilalanina, tirosina e triptofano, com suas cadeias laterais aromáticas, são relativamente apolares (hidrofóbicos). Todos podem participar em in-

terações hidrofóbicas. O grupo hidroxila da tirosina pode formar ligações de hidrogênio e é um importante grupo fun-cional em algumas enzimas. A tirosina e o triptofano são sig-nificativamente mais polares do que a fenilalanina, devido ao grupo hidroxila da tirosina e ao nitrogênio do anel indol do triptofano.

O triptofano, a tirosina e, em menor extensão, a fenilala-nina, absorvem a luz ultravioleta (Figura 3-6; ver também Quadro 3-1). Isso explica a forte absorbância de luz com comprimento de onda de 280 nm característica da maior parte das proteínas, propriedade explorada por pesquisa-dores na caracterização de proteínas.

Grupos R apolares, alifáticos

Glicina Alanina Valina

Grupos R aromáticos

Fenilalanina Tirosina

Prolina

Triptofano

Grupos R polares, não carregados

Serina

Grupos R carregados positivamente

Lisina Arginina Histidina

Grupos R carregados negativamente

Aspartato GlutamatoGlutaminaAsparagina

Cisteína

H3N1

C

COO2

H

H H3N1

C

COO2

CH3

H H3N1

C

COO2

C

CH3 CH3

H

H

Leucina

H3N1

C

COO2

C

C

CH3 CH3

H

H2

H

Metionina

H3N1

C

COO2

C

C

S

CH3

H2

H2

H

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

Treonina

H3N1

C

COO2

H C

CH3

OH

H H3N1

C

COO2

C

SH

H2

H

H 2N1

H 2C

C

COO2

H

C

CH2

H 2

H3N1

C

COO2

C

COO2

H2

H H3N1

C

COO2

C

C

COO2

H2

H2

H

1N

C

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H2

H3 C

N

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H

NH2

N1

H2

H3N1

C

COO2

C

C

CH2N O

H2

H2

HH3N1

C

COO 2

C

CH2N O

H2

H

H3N1

C

COO2

CH

C NH

2

H

CH

N

CH

H3N1

C

COO2

CH2

H H3N1

C

COO2

C

C CH

H2

H

NH

Isoleucina

H3

1

C

COO2

H C

C

CH3

H2

H

HN

C 3

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

FIGURA 35 Os 20 aminoácidos comuns de proteínas. As fórmulas es-truturais mostram o estado de ionização que predomina em pH 7,0. As por-ções não sombreadas são aquelas comuns a todos os aminoácidos; aquelas sombreadas são os grupos R. Embora o grupo R da histidina seja mostrado

sem carga, seu pKa (ver a Tabela 3-1) é tal que uma pequena mas significativa fração desses grupos seja positivamente carregada em pH 7,0. A forma pro-tonada da histidina é mostrada acima do gráfico na Figura 3-12b.

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P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 79

muito pequena não contribui realmente para interações hidrofóbicas. A metionina, um dos dois aminoácidos que contém enxofre, tem um grupo tioéter ligeiramente apolar em sua cadeia lateral. A prolina tem cadeia lateral alifática com estrutura cíclica distinta. O grupo amino secundário (imino) de resíduos de prolina é mantido em uma configu-ração rígida que reduz a flexibilidade estrutural de regiões polipeptídicas contendo prolina.

Grupos R aromáticos Fenilalanina, tirosina e triptofano, com suas cadeias laterais aromáticas, são relativamente apolares (hidrofóbicos). Todos podem participar em in-

terações hidrofóbicas. O grupo hidroxila da tirosina pode formar ligações de hidrogênio e é um importante grupo fun-cional em algumas enzimas. A tirosina e o triptofano são sig-nificativamente mais polares do que a fenilalanina, devido ao grupo hidroxila da tirosina e ao nitrogênio do anel indol do triptofano.

O triptofano, a tirosina e, em menor extensão, a fenilala-nina, absorvem a luz ultravioleta (Figura 3-6; ver também Quadro 3-1). Isso explica a forte absorbância de luz com comprimento de onda de 280 nm característica da maior parte das proteínas, propriedade explorada por pesquisa-dores na caracterização de proteínas.

Grupos R apolares, alifáticos

Glicina Alanina Valina

Grupos R aromáticos

Fenilalanina Tirosina

Prolina

Triptofano

Grupos R polares, não carregados

Serina

Grupos R carregados positivamente

Lisina Arginina Histidina

Grupos R carregados negativamente

Aspartato GlutamatoGlutaminaAsparagina

Cisteína

H3N1

C

COO2

H

H H3N1

C

COO2

CH3

H H3N1

C

COO2

C

CH3 CH3

H

H

Leucina

H3N1

C

COO2

C

C

CH3 CH3

H

H2

H

Metionina

H3N1

C

COO2

C

C

S

CH3

H2

H2

H

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

Treonina

H3N1

C

COO2

H C

CH3

OH

H H3N1

C

COO2

C

SH

H2

H

H 2N1

H 2C

C

COO2

H

C

CH2

H 2

H3N1

C

COO2

C

COO2

H2

H H3N1

C

COO2

C

C

COO2

H2

H2

H

1N

C

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H2

H3 C

N

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H

NH2

N1

H2

H3N1

C

COO2

C

C

CH2N O

H2

H2

HH3N1

C

COO 2

C

CH2N O

H2

H

H3N1

C

COO2

CH

C NH

2

H

CH

N

CH

H3N1

C

COO2

CH2

H H3N1

C

COO2

C

C CH

H2

H

NH

Isoleucina

H3

1

C

COO2

H C

C

CH3

H2

H

HN

C 3

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

FIGURA 35 Os 20 aminoácidos comuns de proteínas. As fórmulas es-truturais mostram o estado de ionização que predomina em pH 7,0. As por-ções não sombreadas são aquelas comuns a todos os aminoácidos; aquelas sombreadas são os grupos R. Embora o grupo R da histidina seja mostrado

sem carga, seu pKa (ver a Tabela 3-1) é tal que uma pequena mas significativa fração desses grupos seja positivamente carregada em pH 7,0. A forma pro-tonada da histidina é mostrada acima do gráfico na Figura 3-12b.

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Page 102: ioquíMica básica e MetabolisMo

92

Grupos R carregados positivamente (básicos) – Os grupos R mais hidrofílicos são aqueles carregados positiva ou negativamente. Os aminoácidos nos quais os grupos R têm uma carga positiva significativa em pH 7,0 são a lisina, a arginina e a histidina, seus resíduos facilitam muitas reações catalisadas por enzimas, funcionando como doadores/aceptores de prótons (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 17 – GRUPOS CARREGADOS POSITIVAMENTE (BÁSICOS)

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 79)

Grupos R carregados negativamente (ácidos) – Os dois aminoácidos que apresentam grupos R com carga negativa final em pH 7,0 são o aspartato e o glutamato, cada um tem um segundo grupo carboxila (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 18 – GRUPOS R CARREGADOS NEGATIVAMENTE (ÁCIDOS)

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 79)

2.3 PROPRIEDADES DOS AMINOÁCIDOS

As propriedades compartilhadas de muitos aminoácidos permitem algumas generalizações simplificadas sobre seu comportamento acido-básico. Em primeiro lugar, todos os aminoácidos com um único grupo a-amino, um único grupo a-carboxila e um grupo R não ionizável têm curvas de titulação semelhantes à da glicina. Esses aminoácidos têm valores de pKa muito semelhantes, mas não idênticos (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 79

muito pequena não contribui realmente para interações hidrofóbicas. A metionina, um dos dois aminoácidos que contém enxofre, tem um grupo tioéter ligeiramente apolar em sua cadeia lateral. A prolina tem cadeia lateral alifática com estrutura cíclica distinta. O grupo amino secundário (imino) de resíduos de prolina é mantido em uma configu-ração rígida que reduz a flexibilidade estrutural de regiões polipeptídicas contendo prolina.

Grupos R aromáticos Fenilalanina, tirosina e triptofano, com suas cadeias laterais aromáticas, são relativamente apolares (hidrofóbicos). Todos podem participar em in-

terações hidrofóbicas. O grupo hidroxila da tirosina pode formar ligações de hidrogênio e é um importante grupo fun-cional em algumas enzimas. A tirosina e o triptofano são sig-nificativamente mais polares do que a fenilalanina, devido ao grupo hidroxila da tirosina e ao nitrogênio do anel indol do triptofano.

O triptofano, a tirosina e, em menor extensão, a fenilala-nina, absorvem a luz ultravioleta (Figura 3-6; ver também Quadro 3-1). Isso explica a forte absorbância de luz com comprimento de onda de 280 nm característica da maior parte das proteínas, propriedade explorada por pesquisa-dores na caracterização de proteínas.

Grupos R apolares, alifáticos

Glicina Alanina Valina

Grupos R aromáticos

Fenilalanina Tirosina

Prolina

Triptofano

Grupos R polares, não carregados

Serina

Grupos R carregados positivamente

Lisina Arginina Histidina

Grupos R carregados negativamente

Aspartato GlutamatoGlutaminaAsparagina

Cisteína

H3N1

C

COO2

H

H H3N1

C

COO2

CH3

H H3N1

C

COO2

C

CH3 CH3

H

H

Leucina

H3N1

C

COO2

C

C

CH3 CH3

H

H2

H

Metionina

H3N1

C

COO2

C

C

S

CH3

H2

H2

H

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

Treonina

H3N1

C

COO2

H C

CH3

OH

H H3N1

C

COO2

C

SH

H2

H

H 2N1

H 2C

C

COO2

H

C

CH2

H 2

H3N1

C

COO2

C

COO2

H2

H H3N1

C

COO2

C

C

COO2

H2

H2

H

1N

C

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H2

H3 C

N

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H

NH2

N1

H2

H3N1

C

COO2

C

C

CH2N O

H2

H2

HH3N1

C

COO 2

C

CH2N O

H2

H

H3N1

C

COO2

CH

C NH

2

H

CH

N

CH

H3N1

C

COO2

CH2

H H3N1

C

COO2

C

C CH

H2

H

NH

Isoleucina

H3

1

C

COO2

H C

C

CH3

H2

H

HN

C 3

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

FIGURA 35 Os 20 aminoácidos comuns de proteínas. As fórmulas es-truturais mostram o estado de ionização que predomina em pH 7,0. As por-ções não sombreadas são aquelas comuns a todos os aminoácidos; aquelas sombreadas são os grupos R. Embora o grupo R da histidina seja mostrado

sem carga, seu pKa (ver a Tabela 3-1) é tal que uma pequena mas significativa fração desses grupos seja positivamente carregada em pH 7,0. A forma pro-tonada da histidina é mostrada acima do gráfico na Figura 3-12b.

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P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 79

muito pequena não contribui realmente para interações hidrofóbicas. A metionina, um dos dois aminoácidos que contém enxofre, tem um grupo tioéter ligeiramente apolar em sua cadeia lateral. A prolina tem cadeia lateral alifática com estrutura cíclica distinta. O grupo amino secundário (imino) de resíduos de prolina é mantido em uma configu-ração rígida que reduz a flexibilidade estrutural de regiões polipeptídicas contendo prolina.

Grupos R aromáticos Fenilalanina, tirosina e triptofano, com suas cadeias laterais aromáticas, são relativamente apolares (hidrofóbicos). Todos podem participar em in-

terações hidrofóbicas. O grupo hidroxila da tirosina pode formar ligações de hidrogênio e é um importante grupo fun-cional em algumas enzimas. A tirosina e o triptofano são sig-nificativamente mais polares do que a fenilalanina, devido ao grupo hidroxila da tirosina e ao nitrogênio do anel indol do triptofano.

O triptofano, a tirosina e, em menor extensão, a fenilala-nina, absorvem a luz ultravioleta (Figura 3-6; ver também Quadro 3-1). Isso explica a forte absorbância de luz com comprimento de onda de 280 nm característica da maior parte das proteínas, propriedade explorada por pesquisa-dores na caracterização de proteínas.

Grupos R apolares, alifáticos

Glicina Alanina Valina

Grupos R aromáticos

Fenilalanina Tirosina

Prolina

Triptofano

Grupos R polares, não carregados

Serina

Grupos R carregados positivamente

Lisina Arginina Histidina

Grupos R carregados negativamente

Aspartato GlutamatoGlutaminaAsparagina

Cisteína

H3N1

C

COO2

H

H H3N1

C

COO2

CH3

H H3N1

C

COO2

C

CH3 CH3

H

H

Leucina

H3N1

C

COO2

C

C

CH3 CH3

H

H2

H

Metionina

H3N1

C

COO2

C

C

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CH3

H2

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H

H3N1

C

COO2

CH2

H

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Treonina

H3N1

C

COO2

H C

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H H3N1

C

COO2

C

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H2

H

H 2N1

H 2C

C

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C

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H H3N1

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C

C

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H2

H2

H

1N

C

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H2

H3 C

N

C

C

C

H3N1

C

COO2

H

H2

H2

H2

H

NH2

N1

H2

H3N1

C

COO2

C

C

CH2N O

H2

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HH3N1

C

COO 2

C

CH2N O

H2

H

H3N1

C

COO2

CH

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H

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C

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C

C CH

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H

NH

Isoleucina

H3

1

C

COO2

H C

C

CH3

H2

H

HN

C 3

H3N1

C

COO2

CH2

H

OH

FIGURA 35 Os 20 aminoácidos comuns de proteínas. As fórmulas es-truturais mostram o estado de ionização que predomina em pH 7,0. As por-ções não sombreadas são aquelas comuns a todos os aminoácidos; aquelas sombreadas são os grupos R. Embora o grupo R da histidina seja mostrado

sem carga, seu pKa (ver a Tabela 3-1) é tal que uma pequena mas significativa fração desses grupos seja positivamente carregada em pH 7,0. A forma pro-tonada da histidina é mostrada acima do gráfico na Figura 3-12b.

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Page 103: ioquíMica básica e MetabolisMo

93

Os aminoácidos com um grupo R ionizável têm curvas de titulação mais complexas, com três estágios correspondendo às três etapas possíveis de ionização; assim, eles possuem três valores de pKa. O estágio adicional para a titulação do grupo R ionizável se funde, em algum grau, com aquele para a titulação do grupo a-carboxila, para a titulação do grupo a-amino, ou ambos (NELSON; COX, 2002).

3 PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS Agora o foco passa a ser os polímeros de aminoácidos, os peptídeos e as proteínas.

Os polipeptídeos que ocorrem biologicamente variam em tamanho de pequenos a muito grandes, consistindo em dois ou três a milhares de resíduos de aminoácidos ligados.

Duas moléculas de aminoácidos podem ser ligadas de modo covalente por meio de uma ligação amida substituída, denominada ligação peptídica, a fim de produzir um dipeptídio. Tal ligação é formada pela remoção de elementos de água (desidratação) do grupo a-carboxila de um aminoácido e do grupo a-amino do outro (Figura 19). A formação da ligação peptídica é um exemplo de uma reação de condensação, uma classe comum de reações nas células vivas. Em condições bioquímicas padrão, o equilíbrio para a reação mostrada favorece os aminoácidos em relação ao dipeptídio. Para tornar a reação mais favorável termodinamicamente, o grupo carboxila deve ser modificado ou ativado quimicamente, de modo que o grupo hidroxila possa ser mais rapidamente eliminado (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 19 – LIGAÇÃO PEPTÍDICA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 86)

Três aminoácidos podem ser unidos por duas ligações peptídicas para formar um tripeptídeo; do mesmo modo, quatro aminoácidos podem ser unidos para formar um tetrapeptídeo, cinco para formar um pentapeptídeo, e assim por diante. Quando alguns aminoácidos se ligam desse modo, a estrutura é chamada de oligopeptídeo. Quando muitos aminoácidos se ligam, o produto é chamado de polipeptídeo. As proteínas podem ter milhares de resíduos de aminoácidos. Embora os termos “proteína” e “polipeptídeo” sejam algumas vezes intercambiáveis, as moléculas chamadas de polipeptídeos têm massas moleculares abaixo de 10.000, e as chamadas de proteínas têm massas moleculares mais elevadas (BERTUZZI et al., 2008, p. 27).

86 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

uma reação de condensação, uma classe comum de rea-ções nas células vivas. Em condições bioquímicas padrão, o equilíbrio para a reação mostrada na Figura 3-13 favore-ce os aminoácidos em relação ao dipeptídeo. Para tornar a reação mais favorável termodinamicamente, o grupo car-boxila deve ser modificado ou ativado quimicamente, de modo que o grupo hidroxila possa ser mais rapidamente eliminado. Uma abordagem química para esse problema será destacada posteriormente neste capítulo. A aborda-gem biológica para a formação de ligações peptídicas é o tópico principal do Capítulo 27.

Três aminoácidos podem ser unidos por duas ligações peptídicas para formar um tripeptídeo; do mesmo modo, quatro aminoácidos podem ser unidos para formar um te-trapeptídeo, cinco para formar um pentapeptídeo, e assim por diante. Quando alguns aminoácidos se ligam desse modo, a estrutura é chamada de oligopeptídeo. Quando muitos aminoácidos se ligam, o produto é chamado de po-lipeptídeo. As proteínas podem ter milhares de resíduos de aminoácidos. Embora os termos “proteína” e “polipep-tídeo” sejam algumas vezes intercambiáveis, as moléculas chamadas de polipeptídeos têm massas moleculares abaixo de 10.000, e as chamadas de proteínas têm massas molecu-lares mais elevadas.

A Figura 3-14 mostra a estrutura de um pentapeptí-deo. Como já observado, uma unidade de aminoácido em um peptídeo é frequentemente chamada de resíduo (a par-te restante após a perda de elementos de água – um áto-mo de hidrogênio de seu grupo amino e a metade hidroxi-la de seu grupo carboxila). Em um peptídeo, o resíduo de aminoácido na extremidade com um grupo a-amino livre é chamado de resíduo aminoterminal (ou N-terminal); o resíduo na outra extremidade, que tem um grupo carboxila livre, é o resíduo carboxiterminal (C-terminal).

CONVENÇÃOCHAVE: Quando uma sequência de aminoáci-dos de um peptídeo, polipeptídeo ou proteína é exibida, a extremidade aminoterminal é localizada à esquerda e a extremidade carboxiterminal à direita. A sequência é lida da esquerda para a direita, começando com a extremidade aminoterminal. ■

Embora a hidrólise de uma ligação peptídica seja uma reação exergônica, ela só ocorre lentamente porque tem uma elevada energia de ativação (p. 27). Como resultado, as ligações peptídicas em proteínas são muito estáveis, com meia-vida média (t1/2) de cerca de 7 anos na maioria das condições intracelulares.

Peptídeos podem ser diferenciados por seus comportamentos de ionizaçãoPeptídeos contêm apenas um grupo a-amino e um gru-po a-carboxila livres, em extremidades opostas da cadeia (Figura 3-15). Esses grupos se ionizam como nos ami-noácidos livres, embora as constantes de ionização sejam diferentes porque um grupo de carga oposta não é mais ligado ao carbono a. Os grupos a-amino e a-carboxila de todos os aminoácidos não terminais são ligados covalen-temente nas ligações peptídicas, que não se ionizam e, portanto, não contribuem para o comportamento acido-básico total dos peptídeos. Entretanto, os grupos R de

H3N1

C

R1

H C

O

OH 1 H N

H

C

R2

H COO2

H2OH2O

H3N1

C

R1

H C

O

N

H

C

R2

H COO2

FIGURA 313 Formação de uma ligação peptídica por condensação. O grupo a-amino de um aminoácido (com grupo R2) atua como nucleófi-lo para deslocar o grupo hidroxila de outro aminoácido (com grupo R1), formando uma ligação peptídica (sombreada). Os grupos amino são bons nucleófilos, mas o grupo hidroxila é um grupo de saída fraco e não pronta-mente deslocado. No pH fisiológico, a reação mostrada aqui não ocorre em grau apreciável.

H3N1

C

CH2OH

H

C

O

N

H

C

H

H

C

O

N

H

C

CH2

H

C

O

N

H

C

CH3

H

C

OH

N

H

C

C

CCH3 CH3

H

H2

COO2

Extremidadeaminoterminal

Extremidadecarboxiterminal

O H

FIGURA 314 O pentapetídeo seril-glicil-tirosil-alanil-leucina, Ser–Gly–Tyr–Ala–Leu, ou SGYAL. Os peptídeos são nomeados a partir do resí-duo aminoterminal, que por convenção é colocado à esquerda. As ligações peptídicas são sombreadas; os grupos R estão em cor-de-rosa.

Ala

C

COO2

NH

O C

C

NH

O C

C

NH

O C

C

N1

H3

H CH3

H CH2 CH2 COO2

H2

H CH2 CH2 CH2 CH2 N1

H3Lys

Gly

Glu

FIGURA 315 Alanil-glutamil-glicil-lisina. Este tetrapeptídeo tem um grupo a-amino livre, um grupo a-carboxila livre e dois grupos R ionizáveis. Os grupos ionizados em pH 7,0 estão em cor-de-rosa.

Nelson_6ed_book.indb 86 Nelson_6ed_book.indb 86 02/04/14 18:4202/04/14 18:42

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94

3.1 ASPECTOS GERAIS DA ESTRUTURA PROTEICA

A purifi cação de uma proteína é geralmente apenas um prelúdio para uma dissecção bioquímica detalhada de sua estrutura e função. O que torna uma proteína uma enzima, outra um hormônio, outra uma proteína estrutural e, ainda, outra um anticorpo? Como elas diferem quimicamente? As distinções mais óbvias são estruturais, e agora será abordada a estrutura das proteínas.

A estrutura de grandes moléculas, tais como proteínas, pode ser descrita em vários níveis de complexidade, arranjada em um tipo de hierarquia conceitual. Quatro níveis de estrutura proteica são comumente defi nidos. Uma descrição de todas as ligações covalentes (principalmente ligações peptídicas e ligações dissulfeto) ligando resíduos de aminoácidos em uma cadeia polipeptídica é a sua estrutura primária. O elemento mais importante da estrutura primária é a sequência de resíduos de aminoácidos (NELSON; COX, 2014).

As diferenças na estrutura primária podem ser especialmente informativas. Cada proteína tem um número e uma sequência de resíduos de aminoácidos distintos.

FIGURA 20 – NÍVEIS DE ESTRUTURA NAS PROTEÍNAS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 96)

3.2 ESTRUTURA SECUNDÁRIA DAS PROTEÍNAS

A estrutura secundária se refere a arranjos particularmente estáveis de resíduos de aminoácidos dando origem a padrões estruturais recorrentes. O termo estrutura secundária se refere a qualquer segmento de uma cadeia polipeptídica e descreve o arranjo espacial de seus átomos na cadeia principal, sem considerar a posição de suas cadeias laterais ou sua relação com outros segmentos.

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95

3.3 ESTRUTURAS TERCIÁRIAS E QUATERNÁRIAS DAS PROTEÍNAS

O arranjo tridimensional total de todos os átomos de uma proteína é chamado de estrutura terciária. Enquanto o termo “estrutura secundária” se refere ao arranjo espacial dos resíduos de aminoácidos adjacentes em um segmento polipeptídico, a estrutura terciária inclui aspectos de alcance mais longo da sequência de aminoácidos. Aminoácidos que estão bem distantes na sequência polipeptídica e em diferentes tipos de estruturas secundárias podem interagir na estrutura da proteína completamente dobrada. O arranjo das subunidades proteicas em complexos tridimensionais constitui a estrutura quaternária. Considerando esses níveis mais altos de estrutura, é conveniente designar dois grandes grupos nos quais muitas proteínas podem ser classificadas: proteínas fibrosas, com cadeias polipeptídicas arranjadas em longos filamentos ou folhas, e proteínas globulares, com cadeias polipeptídicas dobradas em forma esférica ou globular (BERG, 2014).

3.4 DESNATURAÇÃO PROTEICA E ENOVELAMENTO

Para Nelson e Cox (2014, p. 148):

O enovelamento dos polipeptídeos é sujeito a uma série de limitações físicas e químicas, e várias regras foram propostas a partir de estudos de padrões comuns de enovelamento proteico. 1. As interações hidrofóbicas dão uma grande contribuição para a estabilidade da estrutura de proteínas. O ocultamento dos grupos R dos aminoácidos hidrofóbicos, de modo a excluir a água, necessita de pelo menos duas camadas de estrutura secundária. 2. Quando ocorrem juntas em uma proteína, as hélices a e as folhas b geralmente são encontradas em camadas estruturais diferentes. 3. Segmentos adjacentes na sequência de aminoácidos normalmente se posicionam de forma adjacente na estrutura dobrada. Segmentos distantes do polipeptídeo podem se aproximar na estrutura terciária, mas não é a regra.

As proteínas têm uma existência surpreendentemente precária. A conformação de uma proteína nativa é apenas marginalmente estável. Além disso, a maioria das proteínas deve manter certa flexibilidade conformacional para funcionar. A manutenção contínua do grupo ativo de proteínas celulares, necessárias em um dado conjunto de condições, é chamada proteostase. A proteostase celular requer a atividade coordenada de vias para síntese e enovelamento de proteínas, o redobramento de proteínas parcialmente desdobradas e o sequestro e degradação de proteínas irreversivelmente desdobradas. Em todas as células, essas redes envolvem centenas de enzimas e proteínas especializadas.

Na Figura 21 podemos observar que a vida de uma proteína engloba muito mais do que sua síntese e degradação. A estabilidade marginal da maioria das proteínas pode produzir um balanço tênue entre os estados dobrados e desdobrados (NELSON; COX, 2014).

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96

FIGURA 21 – VIAS QUE CONTRIBUEM PARA PROTEOSTASE

FONTE: Rodwell, Murray e Granner (2017, p. 108)

À medida que as proteínas são sintetizadas nos ribossomos, elas devem dobrar-se em sua conformação nativa. Algumas vezes isso ocorre de forma espontânea, porém, mais frequentemente com a assistência de enzimas e complexos especializados chamados chaperonas. Muitos desses mesmos auxiliares do enovelamento atuam para redobrar proteínas que se tornaram transitoriamente desdobradas. As proteínas inapropriadamente dobradas frequentemente expõem superfícies hidrofóbicas que as tornam “pegajosas”, conduzindo à formação de agregados inativos. Esses agregados podem perder suas funções normais, mas não são inertes; seu acúmulo nas células situa-se no centro de doenças que vão de diabetes a doenças de Parkinson e Alzheimer. Não surpreendentemente, todas as células elaboraram vias de reciclagem e/ou degradação de proteínas irreversivelmente deformadas (NELSON; COX, 2014).

As estruturas proteicas evoluíram para atuar em determinados ambientes celulares. Condições diferentes daquelas da célula podem resultar em mudanças estruturais grandes ou pequenas na proteína. A perda de estrutura tridimensional sufi ciente para causar a perda de função é chamada de desnaturação. O estado desnaturado não necessariamente corresponde ao desdobramento completo da proteína e à randomização da conformação. Na maioria das condições, as proteínas desnaturadas existem como um conjunto de estados parcialmente dobrados (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

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97

A maioria das proteínas pode ser desnaturada pelo calor, que tem efeitos complexos nas muitas interações fracas da proteína (principalmente sobre as ligações de hidrogênio).

3.5 FUNÇÕES DAS PROTEÍNAS

As proteínas são fundamentais para qualquer ser vivo, pois grande parte dos processos orgânicos que acontecem nas células são mediados por proteínas (enzimas). Toda manifestação genética é dada por meio de proteínas, pois os genes são fragmentos de DNA que codificam proteínas.

As proteínas podem ter função estrutural, participando na composição de várias estruturas do organismo, sustentando e promovendo rigidez, como a queratina, colágeno e elastina. Existem proteínas que promovem a defesa do organismo contra microrganismos e substâncias estranhas, como os macrófagos e as imunoglobulinas.

Outras funções desempenhadas pelas proteínas envolvem a ação catalítica, transportadora (hemoglobina transportando os gases respiratórios), nutritiva, energética, promovem a contração e podem atuar como mensageiros químicos (hormônios).

NOTA

A anemia falciforme é causada por uma mutação homozigota (aa) de um único nucleotídeo que codifica para a cadeia B da hemoglobina fazendo com que a forma da hemácia seja modificada, provocando um transporte ineficiente de O

2.

A anemia falciforme é causada por uma mutação homozigota (aa) de um único nucleotídeo que codifica para a cadeia B da hemoglobina fazendo com que a forma da hemácia seja modificada, provocando um transporte ineficiente de O2.

NOTA

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98

Morte por enovelamento errado: as doenças priônicas

Uma proteína cerebral dobrada de forma errada parece ser o agente causador de doenças cerebrais neurodegenerativas raras em mamíferos. Talvez a mais conhecida seja a encefalopatia espongiforme bovina (EEB, ou BSE, do inglês bovine spongiform encephalopathy; também conhecida como doença da vaca louca). Doenças relacionadas incluem a kuru e a doença de Creutzfeldt-Jakob em humanos, scrapie em ovinos, e doença debilitante crônica em cervos e alces. Essas doenças também são conhecidas como encefalopatias espongiformes porque o cérebro doente frequentemente se torna cheio de buracos. A deterioração progressiva do cérebro leva a um espectro de sintomas neurológicos, incluindo perda de peso, comportamento errático, problemas de postura, equilíbrio e coordenação, e perda da capacidade cognitiva. Essas doenças são fatais. Nos anos de 1960, pesquisadores descobriram que amostras de agentes causadores de doença pareciam não conter ácidos nucleicos. Naquela época, Tikvah Alper sugeriu que o agente fosse uma proteína. Inicialmente, a ideia pareceu uma heresia. Todos os agentes causadores de doenças conhecidos até aquele momento – vírus, bactérias, fungos, e assim por diante – continham ácidos nucleicos, e sua virulência estava relacionada à reprodução genética e propagação.

Os agentes infecciosos foram identificados como uma única proteína (Mr 28.000), que Prusiner apelidou de proteína príon (PrP). O nome foi derivado de proteinaceous infectious (proteína infecciosa), mas Prusiner achou que “príon” soava melhor do que “proin”. A proteína príon é um constituinte normal do tecido cerebral em todos os mamíferos. Seu papel não é conhecido em detalhes, mas deve ter uma função de sinalização molecular. Várias outras condições neurodegenerativas envolvem agregação intracelular de proteínas com enovelamento errado. Na doença de Parkinson, a forma mal dobrada da proteína a-sinucleína se agrega em massas esféricas filamentosas, chamadas de corpos de Lewy. A doença de Huntington envolve a proteína huntingtina, que tem uma longa repetição de poliglutaminas. Em alguns indivíduos, essa repetição é maior do que o normal, ocorrendo um tipo de agregação intracelular mais sutil. Notavelmente, quando proteínas mutantes humanas envolvidas nas doenças de Parkinson e Huntington são expressas em Drosophila melanogaster, as moscas demonstram degeneração expressa como deterioração dos olhos, tremores e morte precoce. Todos esses sintomas são altamente suprimidos se a expressão da chaperona Hsp70 também estiver aumentada.

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 150)

NOTA

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99

RESUMO DO TÓPICO 3Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os vinte aminoácidos comumentemente encontrados como resíduos em proteínas contêm um grupo a-carboxila, um grupo a-amino e um grupo R característico substituído no átomo do carbono a.

• Os aminoácidos podem ser classificados em cinco tipos com base na polaridade e carga (em pH 7) de seus grupos R.

• Aminoácidos podem ser unidos de modo covalente por meio de ligações peptídicas para formar peptídeos e proteínas.

• As células geralmente contêm milhares de proteínas diferentes, cada uma com uma atividade biológica diferente.

• Proteínas podem ser cadeias peptídicas muito longas, de 100 a muitos milhares de resíduos de aminoácidos. Entretanto, alguns peptídeos que ocorrem naturalmente possuem apenas alguns poucos resíduos de aminoácidos.

• Algumas proteínas são compostas por várias cadeias polipeptídicas associadas de modo não covalente, chamadas de subunidades.

• Proteínas simples produzem, por hidrólise, apenas aminoácidos; proteínas conjugadas contêm além deles, outros componentes, tais como um metal ou um grupo prostético.

• Peptídeos e proteínas pequenas (até cerca de 100 resíduos) podem ser sintetizados quimicamente.

• Sequências proteicas são uma fonte rica de informação sobre a estrutura e a função da proteína, bem como sobre a evolução da vida na Terra.

• Estrutura secundária é o arranjo espacial dos átomos da cadeia principal em um determinado segmento da cadeia polipeptídica.

• A estrutura terciária é a estrutura tridimensional da cadeia polipeptídica. Muitas proteínas se encaixam em uma ou duas classes de proteínas em geral, com base na estrutura terciária: fibrosa e globular.

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100

• A estrutura quaternária resulta de interações entre as subunidades de proteínas com múltiplas subunidades ou grandes associações de proteínas. A estrutura tridimensional e a função da maioria das proteínas podem ser destruídas pela desnaturação, demonstrando uma relação entre estrutura e função. Algumas proteínas desnaturadas podem renaturar espontaneamente para formar proteínas biologicamente ativa.

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101

1 A  proteína  é a mais importante das macromoléculas biológicas, compondo mais da metade do peso seco de uma célula. Está presente em todo ser vivo e tem as mais variadas funções. Ela é um polímero de aminoácidos que pode atuar como  enzimas,  catalisando  reações químicas, podem transportar pequenas moléculas ou íons; podem ser motoras para auxiliar no movimento em células e tecidos; participam na regulação gênica, ativando ou inibindo; estão no  sistema imunológico, entre outras centenas de funções. Praticamente, todas as funções celulares necessitam de proteínas para intermediá-las. A formação das proteínas acontece através de ligações peptídicas. A ligação peptídica resulta da união entre o grupo:

a) ( ) Carboxila de um aminoácido e o grupo carboxila do outro.b) ( ) Carboxila de um aminoácido e o grupo amina do outro.c) ( ) Amina de um aminoácido e o grupo amina do outro.d) ( ) Amina de um aminoácido e o radical (R) do outro.e) ( ) Carboxila de um aminoácido e o radical (R) do outro.

2 As proteínas, formadas pela união de aminoácidos, são componentes químicos fundamentais na fisiologia e na estrutura celular dos organismos. Em relação às proteínas, assinale a alternativa correta:

a) ( ) O colágeno é a proteína menos abundante no corpo humano, sendo classificado como uma proteína globular.

b) ( ) A ligação peptídica entre dois aminoácidos acontece pela reação do grupo carboxila de um aminoácido com o grupo amino de outro aminoácido.

c) ( ) A testosterona, hormônio sexual masculino, é um hormônio proteico.d) ( ) A proteína albumina é amplamente encontrada nos vegetais.e) ( ) A vitamina sódio é importante para regular a pressão arterial.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4 -

ENZIMAS

1 INTRODUÇÃO

Boa parte da história da bioquímica é a história da pesquisa sobre enzimas. A catálise biológica foi reconhecida e descrita no final dos anos de 1700 em estudos da digestão de carne por secreções do estômago. A pesquisa continuou no século seguinte, examinando a conversão do amido em açúcar pela saliva e por vários extratos de plantas. Por volta de 1850, Louis Pasteur concluiu que a fermentação de açúcar em álcool por leveduras é catalisada por “fermentos”. Ele postulou que esses fermentos eram inseparáveis da estrutura das células de levedura vivas. Esse ponto de vista, chamado de vitalismo, prevaleceu por décadas. Então, em 1897, Eduard Buchner descreveu que extratos de levedura podiam fermentar açúcar em álcool, provando que a fermentação era feita por moléculas que continuavam ativas mesmo após removidas das células. Os experimentos de Buchner, ao mesmo tempo, marcaram o final da visão vitalista e o alvorecer da ciência bioquímica. Posteriormente, Frederick W. Kühne deu o nome de enzimas para as moléculas detectadas por Buchner (NELSON; COX, 2014).

Exceto por um pequeno grupo de moléculas de RNA catalíticas (ribozimas), todas as enzimas são proteínas. A atividade catalítica depende da integridade das suas conformações nativas. Se uma enzima for desnaturada ou dissociada nas suas subunidades, geralmente a atividade catalítica é perdida.

Algumas enzimas não necessitam de outros grupos químicos além dos seus próprios resíduos de aminoácidos. Outras, necessitam de um componente químico adicional denominado cofator, que pode ser um ou mais íons inorgânicos como Fe21, Mg21, Mn21 ou Zn21) ou uma molécula orgânica ou metalorgânica complexa, denominada coenzima. As coenzimas agem como carreadores transitórios de grupos funcionais específicos. A maioria deles é derivada das vitaminas, nutrientes orgânicos cuja presença na dieta é necessária em pequenas quantidades. Algumas enzimas necessitam tanto de uma coenzima quanto de um ou mais íons metálicos para terem atividade. Uma coenzima ou um íon metálico que se ligue muito firmemente, ou mesmo covalentemente, a uma enzima é denominado grupo prostético. Uma enzima completa, cataliticamente ativa junto a sua coenzima e/ou íons metálicos é denominada holoenzima. A parte proteica de uma dessas enzimas é denominada apoenzima ou apoproteína. Finalmente, algumas enzimas são modificadas covalentemente por fosforilação, glicosilação e outros processos. Muitas dessas modificações estão envolvidas na regulação da atividade enzimática (BERTUZZI et al., 2008).

UNIDADE 2

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104

2 FUNÇÃO ENZIMÁTICA

A catálise enzimática das reações é essencial para os sistemas vivos. Nas condições biológicas relevantes, as reações não catalisadas tendem a ser lentas – a maioria das moléculas biológicas é muito estável nas condições internas das células com pH neutro, temperaturas amenas e ambiente aquoso. Além disso, muitos processos químicos corriqueiros, como a formação transitória de intermediários instáveis carregados ou a colisão de duas ou mais moléculas na orientação exata necessária para que as reações ocorram, são desfavoráveis ou improváveis no ambiente celular (NELSON; COX, 2014).

As reações necessárias para digerir os alimentos, enviar sinais nervosos ou contrair os músculos simplesmente não ocorrem em velocidades adequadas sem catálise. As enzimas contornam esses problemas ao proporcionarem um ambiente específico adequado para que uma dada reação possa ocorrer mais rapidamente. A propriedade característica das reações catalisadas por enzimas é que a reação ocorre confinada em um bolsão da enzima denominado sítio ativo (Figura 22). A molécula que se liga no sítio ativo e sobre a qual a enzima age é denominada substrato.

FIGURA 22 – ESQUEMA DE FUNCIONAMENTO DE UMA ENZIMA

FONTE: <https://www.infoescola.com/bioquimica/complexo-chave-e-fechadura/>. Acesso em: 25 abr. 2019.

3 CINÉTICA ENZIMÁTICA

Normalmente os bioquímicos utilizam várias abordagens para estudar o mecanismo de ação de enzimas purificadas. A estrutura tridimensional das proteínas fornece informações importantes, que são incrementadas pela química de proteínas e por modernos métodos de mutagênese sítio dirigida (mudança na sequência de aminoácidos de uma proteína por engenharia genética). Essas tecnologias permitem que os enzimologistas examinem o papel de aminoácidos individualmente na estrutura e na atividade de uma enzima. Entretanto, a abordagem mais antiga para entender o mecanismo das enzimas, e que permanece ainda entre as mais importantes, é determinar a velocidade da reação e como ela se modifica em resposta às mudanças nos parâmetros experimentais, disciplina conhecida como cinética enzimática (NELSON; COX, 2014).

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105

Um fator-chave que afeta a velocidade das reações catalisadas por enzimas é a concentração do substrato [S]. Entretanto, o estudo dos efeitos da concentração do substrato é complicado pelo fato de [S] modificar-se durante o curso de uma reação in vitro à medida que o substrato é convertido em produto (NELSON; COX, 2014).

As enzimas têm um pH (ou uma faixa de pH) ótimo no qual a atividade catalítica é máxima; a atividade decresce em pH maior ou menor. Isso não surpreende. As cadeias laterais dos aminoácidos do sítio ativo podem funcionar como ácidos ou bases fracas em funções críticas que dependem da manutenção de certo estado de ionização, e em outras partes da proteína, as cadeias laterais ionizáveis podem ter uma participação essencial nas interações que mantêm a estrutura proteica (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

3.1 ENZIMAS REGULADORAS

No metabolismo celular, grupos de enzimas trabalham conjuntamente em vias sequenciais para realizar um determinado processo metabólico, como a degradação da glicose a lactato por uma série de reações ou as muitas reações da síntese de aminoácidos a partir de precursores simples. Nesses sistemas enzimáticos, o produto da reação de uma enzima é o substrato da enzima seguinte. Para Nelson e Cox (2014, p. 190):

A maioria das enzimas das vias metabólicas segue os padrões cinéticos que foram descritos. Cada via, entretanto, inclui uma ou mais enzimas que influenciam em muito a velocidade de toda a sequência de reações. Essas enzimas regulatórias têm a atividade catalítica aumentada ou diminuída em resposta a certos sinais. Ajustes na velocidade das reações catalisadas por enzimas regulatórias e, portanto, ajustes na velocidade da sequência metabólica inteira permitem que as células atendam às necessidades de energia e das biomoléculas de que precisam para crescer e se manter. As atividades das enzimas regulatórias são moduladas de várias maneiras. Enzimas alostéricas agem por meio de ligações reversíveis e não covalentes com compostos regulatórios denominados moduladores alostéricos ou efetores alostéricos, que geralmente são metabólitos pequenos ou cofatores. Outras enzimas são reguladas por modificações covalentes reversíveis. As duas classes de enzimas regulatórias tendem a ser proteínas com subunidades múltiplas e, em alguns casos, o(s) sítio(s) regulatório(s) e o sítio ativo se encontram em subunidades separadas. Os sistemas metabólicos têm ao menos dois outros mecanismos de regulação enzimática. Algumas enzimas são estimuladas ou inibidas quando estão ligadas a proteínas regulatórias distintas. Outras são ativadas quando segmentos peptídicos são removidos por proteólise. Diferentemente da regulação mediada por efetores, a regulação por proteólise é irreversível.

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106

Exemplos importantes desses mecanismos são encontrados em processos fisiológicos como digestão, coagulação do sangue, ação hormonal e visão. O crescimento e a sobrevivência das células dependem do uso eficiente dos recursos disponíveis, e essa eficiência é possibilitada pelas enzimas regulatórias. Não há uma regra única para governar os diferentes tipos de regulação dos diferentes sistemas. Em certo grau, a regulação alostérica (não covalente) talvez possibilite os ajustes finos das vias metabólicas que constantemente são necessários e em níveis, variando em decorrência das mudanças da atividade e das condições das células. A regulação por modificações covalentes pode ser do tipo “tudo ou nada”, normalmente no caso de proteólise, ou então possibilitar mudanças sutis na atividade. Vários tipos de regulação podem ocorrer em uma única enzima regulatória (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

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107

RESUMO DO TÓPICO 4Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A vida depende de catalisadores poderosos e específicos: as enzimas.

• Praticamente todas as reações bioquímicas são catalisadas por enzimas.

• Com a exceção de poucos RNA catalíticos, todas as enzimas conhecidas são proteínas.

• Muitas proteínas necessitam de coenzimas ou cofatores não proteicos para exercerem a atividade catalítica.

• As enzimas são classificadas segundo o tipo de reação que catalisam.

• As reações catalisadas por enzimas são caracterizadas pela formação de um complexo entre o substrato e a enzima (complexo ES). A ligação ao substrato ocorre em um bolsão da enzima denominado sítio ativo.

• A maioria das enzimas tem algumas propriedades cinéticas em comum.

• Cada enzima tem um pH ótimo (ou um intervalo de pH), no qual a atividade é máxima.

• A atividade das vias metabólicas nas células é regulada pelo controle da atividade de determinadas enzimas.

• Outras enzimas regulatórias são moduladas por modificações covalentes de grupos funcionais específicos que são necessários para a atividade. A fosforilação de resíduos de determinados aminoácidos é uma maneira muito comum de regular a atividade de enzimas.

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108

1 Nos dias atuais, sabemos que as moléculas de proteínas são formadas por dezenas, centenas ou milhares de outras moléculas, ligadas em sequência como os elos de uma corrente. Assinale a alternativa que menciona quais moléculas formam as proteínas:

a) ( ) Moléculas de proteínas. b) ( ) Moléculas de aminoácidos. c) ( ) Moléculas de glicose.d) ( ) Moléculas de polissacarídeos.e) ( ) Moléculas de quitina.

2 A figura ilustra a ligação que ocorre entre dois aminoácidos. Analise e preencha as lacunas da frase que segue:

AUTOATIVIDADE

FIGURA – LIGAÇÃO QUE OCORRE ENTRE DOIS AMINOÁCIDOS

FONTE: A autora

A formação de proteínas ocorre devido à ligação da amina de um aminoácido com o ________________ de outro aminoácido. Esta ligação está circulada na figura apresentada e é denominada _______________. Para que esta ligação ocorra é necessária a saída de uma molécula de ____________.

3 Com o título Boca livre, a revista Veja, edição 1298, ano 26, nº 30, de 28 de julho de 1993, página 55, publicou um artigo sobre uma nova droga ainda em testes, o Orlistat, desenvolvida pelo laboratório Hoffmann-La Roche. A reportagem diz que essa droga “[...] bloqueia (uma fatia dessas) enzimas, impedindo que elas desdobrem as enormes

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109

moléculas de gordura em fragmentos menores. Assim, a gordura não tem como atravessar as paredes do intestino e não chega à corrente sanguínea”. As enzimas que o Orlistat bloqueia correspondem às:

a) ( ) Proteases. b) ( ) Lipases.c) ( ) Amilases.d) ( ) Lactases. e) ( ) Peptidases.

4 Enzimas são moléculas orgânicas de natureza proteica e agem nas reações químicas das células como catalisadoras, ou seja, aceleram a velocidade dos processos sem alterá-los. Geralmente são os catalisadores mais eficazes, por sua alta especificidade. Sua estrutura quaternária é quem determinará sua função, a que substrato ela se acoplará para acelerar determinada reação. Nosso corpo é mantido vivo por uma série de reações químicas em cadeia que chamamos de vias metabólicas, nas quais o produto de uma reação serve como reagente posteriormente. Todas as fases de uma via metabólica são mediadas por enzimas. Muitas enzimas podem ser utilizadas como marcadores biológicos para auxiliar no diagnóstico de algumas patologias. Pesquise a importância clínica das seguintes enzimas:

a) AMILASE:b) LIPASE:c) FOSFATASE ALCALINA:d) AMINOTRANSFERASE:e) GGT:f) ALT:g) AST:h) CREATINA QUINASE:i) TGO:j) TGP:

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111

CARBOIDRATOS E GLICOCONJUGADOS

1 INTRODUÇÃO

Os carboidratos são as biomoléculas mais abundantes na Terra. A cada ano, a fotossíntese converte mais de 100 bilhões de toneladas métricas de CO2 e H2O em celulose e outros produtos vegetais. Alguns carboidratos (açúcar e amido) são os principais elementos da dieta em muitas partes do mundo, e sua oxidação é a principal via de produção de energia na maioria das células não fotossintéticas. Polímeros de carboidratos (também chamados de glicanos) agem como elementos estruturais e protetores nas paredes celulares bacterianas, vegetais e nos tecidos conectivos animais. Outros polímeros de carboidratos lubrificam as articulações e auxiliam o reconhecimento e a adesão intercelular. Polímeros de carboidratos complexos covalentemente ligados a proteínas ou lipídios atuam como sinais que determinam a localização intracelular ou o destino metabólico dessas moléculas híbridas, chamadas de glicoconjugados.

Existem três classes principais de carboidratos: monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos (a palavra “sacarídeo” é derivada do grego sakcharon, que significa “açúcar”). Os monossacarídeos, ou açúcares simples, são constituídos por uma única unidade poli-hidroxicetona ou poli-hidroxialdeído. O monossacarídeo mais abundante na natureza é o açúcar de seis carbonos D-glicose, algumas vezes chamado de dextrose. Monossacarídeos de quatro ou mais carbonos tendem a formar estruturas cíclicas. Os oligossacarídeos consistem em cadeias curtas de unidades de monossacarídeos, ou resíduos, unidas por ligações características chamadas de ligações glicosídicas (NELSON; COX, 2014).

Os mais abundantes são os dissacarídeos, com duas unidades de monossacarídeos. Um dissacarídeo típico é a sacarose (açúcar de cana), constituído pelos açúcares de seis carbonos D-glicose e D-frutose. Todos os monossacarídeos e dissacarídeos comuns têm nomes terminados com o sufixo “-ose”. Em células, a maioria dos oligossacarídeos constituídos por três ou mais unidades não ocorre como moléculas livres, mas sim ligada a moléculas que não são açúcares (lipídios ou proteínas), formando glicoconjugados. Os polissacarídeos são polímeros de açúcar que contêm mais de 20 unidades de monossacarídeo; alguns têm centenas ou milhares de unidades. Alguns polissacarídeos, como a celulose, têm cadeias lineares; outros, como o glicogênio, são ramificados. Ambos são formados por unidades repetidas de D-glicose, mas diferem no tipo de ligação glicosídica e, em consequência, têm propriedades e funções biológicas notavelmente diferentes (NELSON; COX, 2014).

Neste tópico estudaremos as características e a importância dos diferentes grupos de carboidratos.

UNIDADE 2 TÓPICO 5 -

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112

2 MONOSSACARÍDEOS E DISSACARÍDEOS

Os mais simples dos carboidratos, os monossacarídeos, são aldeídos ou cetonas, com dois ou mais grupos hidroxila; os monossacarídeos de seis carbonos, glicose e frutose, têm cinco grupos hidroxila. Muitos dos átomos de carbono aos quais os grupos hidroxila estão ligados são centros quirais, o que origina os muitos estereoisômeros de açúcares encontrados na natureza. Esse estereoisomerismo é biologicamente importante, porque as enzimas que agem sobre os açúcares são absolutamente estereoespecíficas, normalmente preferindo um estereoisômeros a outro por três ou mais ordens de magnitude (NELSON; COX, 2014).

Os monossacarídeos são sólidos cristalinos e incolores plenamente solúveis em água, mas insolúveis em solventes apolares. Baynes (2015) relata que os esqueletos dos monossacarídeos comuns são compostos por cadeias de carbono não ramificadas, nas quais todos os átomos de carbono estão unidos por ligações simples. Nessa forma de cadeia aberta, um dos átomos de carbono está ligado duplamente a um átomo de oxigênio, formando um grupo carbonil; os outros átomos de carbono estão ligados, cada um, a um grupo hidroxila. Quando o grupo carbonil está na extremidade da cadeia de carbonos (isto é, em um grupo aldeído), o monossacarídeo é uma aldose; quando o grupo carbonil está em qualquer outra posição (em um grupo cetona), o monossacarídeo é uma cetose. Os monossacarídeos mais simples são as duas trioses de três carbonos: gliceraldeídos (aldotrioses) e di-hidroxiacetonas (cetotrioses, ver Figura 23).

FIGURA 23 – MONOSSACARÍDEOS REPRESENTATIVOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 244)

244 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

xila que é parte da mesma molécula, gera formas cíclicas com esqueletos de quatro ou mais carbonos (as formas que predominam em solução aquosa). O fechamento desse anel cria um novo centro quiral, adicionando ainda mais comple-xidade a essa classe de compostos. A nomenclatura para es-pecificar sem ambiguidades a configuração de cada átomo de carbono em uma forma cíclica e os meios para represen-tar essas estruturas no papel são, portanto, descritos com alguns detalhes; essas informações serão úteis quando for discutido o metabolismo dos monossacarídeos na Parte II deste livro. São apresentados também alguns importantes derivados de monossacarídeos encontrados em capítulos posteriores.

As duas famílias de monossacarídeos são aldoses e cetosesOs monossacarídeos são sólidos cristalinos e incolores plenamente solúveis em água, mas insolúveis em solven-tes apolares. A maioria tem sabor adocicado (ver Quadro 7-2, p. 254). Os esqueletos dos monossacarídeos comuns são compostos por cadeias de carbono não ramificadas, nas quais todos os átomos de carbono estão unidos por ligações simples. Nessa forma de cadeia aberta, um dos átomos de carbono está ligado duplamente a um áto-mo de oxigênio, formando um grupo carbonil; os outros átomos de carbono estão ligados, cada um, a um grupo hidroxila. Quando o grupo carbonil está na extremidade da cadeia de carbonos (isto é, em um grupo aldeído), o monossacarídeo é uma aldose; quando o grupo carbonil está em qualquer outra posição (em um grupo cetona), o monossacarídeo é uma cetose. Os monossacarídeos mais simples são as duas trioses de três carbonos: gliceralde-ídos (aldotrioses) e di-hidroxiacetonas (cetotrioses, ver Figura 7-1a).

Monossacarídeos com quatro, cinco, seis e sete átomos de carbono no esqueleto são chamados, respectivamente, de tetroses, pentoses, hexoses e heptoses. Existem aldoses e cetoses para cada um desses comprimentos de cadeia: al-dotetroses e cetotetroses, aldopentoses e cetopentoses, e assim por diante. As hexoses, que incluem a aldo-hexose

D-glicose e a ceto-hexose D-frutose (Figura 7-1b), são os monossacarídeos mais comuns na natureza – os produtos da fotossíntese e os intermediários-chave das sequências de reações produtoras de energia centrais da maioria dos organismos. As aldopentoses D-ribose e 2-desóxi-D-ribose (Figura 7-1c) são componentes dos nucleotídeos e dos áci-dos nucleicos (Capítulo 8).

Monossacarídeos têm centros assimétricosTodos os monossacarídeos, com exceção da di-hidroxiace-tona, contêm um ou mais átomos de carbono assimétricos (quirais) e, portanto, ocorrem em formas isoméricas op-ticamente ativas (p. 17-18). A aldose mais simples, o gli-ceraldeído, contém um centro quiral (o átomo de carbono central) e assim tem dois isômeros ópticos diferentes, ou enantiômeros (Figura 7-2).

CONVENÇÃOCHAVE: Um dos dois enantiômeros do gliceral-deído é, por convenção, designado isômero D, e o outro é isômero L. Assim como para outras biomoléculas com centros quirais, as configurações absolutas dos açúcares são conhecidas a partir de cristalografia por raios X. Para representar estruturas tridimensionais de açúcares no papel, em geral são utilizadas as fórmulas de projeção de Fischer (Figura 7-2). Nas fórmulas de projeção de Fischer, as ligações horizontais se projetam para fora do plano do papel, em direção ao leitor; as ligações verticais se projetam para trás do plano do papel, distanciando-se do leitor. ■

Geralmente, uma molécula com n centros quirais pode ter 2n estereoisômeros. O gliceraldeído tem 21 5 2; as aldo--hexoses, com quatro centros quirais, têm 24 5 16. Para cada um dos comprimentos de cadeia carbônica, os este-reoisômeros dos monossacarídeos podem ser divididos em dois grupos, os quais diferem quanto à configuração do centro quiral mais distante do carbono do carbonil. Aque-les nos quais a configuração desse carbono de referência é a mesma daquela do D-gliceraldeído são designados isôme-ros D, e aqueles com a mesma configuração do L-gliceral-deído são isômeros L. Em outras palavras, quando o grupo

H C

O

OH

Di-hidroxiacetona,cetotriose

OHC

C

H

H

H

H C OH

OHCH

HD-Gliceraldeído,

aldotriose

OC

H

(a) (b)

D-Frutose,ceto-hexose

C

O

OH

C

C

H

C

H

H

HO

CH2OH

H

OH

OHCH

D-Glicose,aldo-hexose

C OH

C

C

H

H

HO

CH2OH

H

OH

OHCH

OC

H

(c)

2-Desóxi-D-ribose,aldopentose

C OH

OC

H

H

CH2

OHCH

D-Ribose,aldopentose

C OH

CH

H

CH2OH

OH

OHCH

CH2OH

OC

H

FIGURA 71 Monossacarídeos representativos. (a) Duas trioses, uma aldose e uma cetose. O grupo carbonil em cada molécula está som-breado. (b) Duas hexoses comuns. (c) As pentoses componentes de áci-

dos nucleicos. A D-ribose é um componente do ácido ribonucleico (RNA) e a 2-desóxi-D-ribose é um componente do ácido desoxirribonucleico (DNA).

Nelson_6ed_07.indd 244Nelson_6ed_07.indd 244 07/04/14 14:3007/04/14 14:30

A nomenclatura dos monossacarídeos é baseada na quantidade de átomos de carbono, então onde existem monossacarídeos com quatro, cinco, seis e sete átomos de carbono no esqueleto eles são chamados, respectivamente, de tetroses, pentoses, hexoses e heptoses. Existem aldoses e cetoses para cada um desses comprimentos de cadeia: aldotetroses e cetotetroses, aldopentoses e cetopentoses, e assim por diante. As hexoses, que incluem a aldo-hexoseD-glicose e a ceto-hexose D-frutose (Figura 24) são os monossacarídeos mais comuns na natureza – os produtos da fotossíntese e os intermediários-chave das sequências de reações produtoras de energia centrais da maioria dos organismos. As aldopentoses ribose e desoxirribose são componentes dos nucleotídeos e dos ácidos nucleicos (será discutido no próximo tópico).

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Observe o esquema a seguir sobre a nomenclatura dos monossacarídeos:

FIGURA 24 – NOMENCLATURA DOS MONOSSACARÍDEOS

FONTE: A autora

Podemos perceber que a nomenclatura dos monossacarídeos envolve três etapas:

1. Verificar se é uma aldose ou uma cetose.2. Verificar a quantidade de átomos de carbono.3. Acrescentar o sufixo Ose.

Por simplicidade, até este momento foram representadas as estruturas de aldoses e cetoses como moléculas de cadeia aberta. Na verdade, em solução aquosa, as aldotetroses e todos os monossacarídeos com cinco ou mais átomos de carbono no esqueleto ocorrem predominantemente como estruturas cíclicas (em anel), nas quais o grupo carbonil está formando uma ligação covalente com o oxigênio de um grupo hidroxila presente na cadeia. A formação dessas estruturas em anel é o resultado de uma reação geral entre álcoois e aldeídos ou cetonas para formar derivados chamados de hemiacetais ou hemicetais (NELSON; COX, 2014).

Muito frequentemente, durante a síntese e o metabolismo de carboidratos, os intermediários não são os próprios açúcares, mas os seus derivados fosforilados. A condensação do ácido fosfórico com um dos grupos hidroxila de um açúcar forma um éster de fosfato, como na glicose-6-fosfato, o primeiro metabólito da rota por meio da qual a maioria dos organismos oxida a glicose para energia. Os açúcares fosforilados são relativamente estáveis em pH neutro e têm carga negativa. Um dos efeitos da fosforilação intracelular de açúcares é o confinamento do açúcar dentro da célula; a maioria das células não tem transportadores para açúcares fosforilados na membrana plasmática. A fosforilação também ativa açúcares para subsequente transformação química. Alguns derivados de açúcares fosforilados importantes são componentes dos nucleotídeos (BERG, 2008).

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Os monossacarídeos podem ser oxidados por agentes oxidantes relativamente suaves, como o íon cúprico (Cu21). O carbono do carbonil é oxidado a um grupo carboxil. A glicose e outros açúcares capazes de reduzir o íon cúprico são chamados de açúcares redutores. O íon cúprico oxida a glicose e certos outros açúcares a uma complexa mistura de ácidos carboxílicos. Essa é a base da reação de Fehling, teste semiquantitativo para a presença de açúcar redutor, que por muitos anos foi utilizado para detectar e dosar níveis elevados de glicose em pessoas com diabetes melito. Hoje, utilizam-se métodos mais sensíveis, que envolvem uma enzima imobilizada em uma tira de teste e requerem apenas uma única gota de sangue (NELSON; COX, 2014, p. 251).

Os dissacarídeos (como maltose, lactose e sacarose) consistem em dois monossacarídeos unidos covalentemente por uma ligação O-glicosídica, a qual é formada quando um grupo hidroxila de uma molécula de açúcar, normalmente cíclica, reage com o carbono anomérico de outro. Ligações glicosídicas são prontamente hidrolisadas por ácido, mas resistem à clivagem por base. Assim, os dissacarídeos podem ser hidrolisados para originar seus componentes monossacarídicos livres por fervura em ácido diluído. Ligações N-glicosídicas unem o carbono anomérico de um açúcar a um átomo de nitrogênio em glicoproteínas e nucleotídeos (NELSON; COX, 2014).

3 POLISSACARÍDEOS

A maioria dos carboidratos encontrados na natureza ocorre como polissacarídeos, polímeros de média a alta massa molecular. Os polissacarídeos, também chamados de glicanos, diferem uns dos outros na identidade das unidades de monossacarídeos repetidas, no comprimento das cadeias, nos tipos de ligações unindo as unidades e no grau de ramificação. Os homopolissacarídeos contêm somente uma única espécie monomérica; os heteropolissacarídeos contêm dois ou mais tipos. Alguns homopolissacarídeos, como o amido e o glicogênio, servem como formas de armazenamento para monossacarídeos utilizados como combustíveis. Outros homopolissacarídeos, como a celulose e a quitina, atuam como elementos estruturais em paredes celulares de plantas e em exoesqueletos de animais. Os heteropolissacarídeos fornecem suporte extracelular para organismos de todos os reinos. Por exemplo, a camada rígida do envelope celular bacteriano (o peptidoglicano) é parcialmente composta por um heteropolissacarídeo construído por duas unidades alternadas de monossacarídeo. Nos tecidos animais, o espaço extracelular é preenchido por alguns tipos de heteropolissacarídeos, os quais formam uma matriz que conecta células individuais e fornece proteção, forma e suporte para células, tecidos e órgãos (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Os polissacarídeos de armazenamento mais importantes são o amido, em células vegetais, e o glicogênio, em células animais. Ambos ocorrem intracelularmente em grandes agrupamentos ou grânulos. As moléculas de amido e glicogênio são

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extremamente hidratadas, pois têm muitos grupos hidroxila expostos e disponíveis para formarem ligações de hidrogênio com a água. A maioria das células vegetais possui a capacidade de sintetizar amido, e o seu armazenamento é especialmente abundante em tubérculos – como a batata – e em sementes. O amido contém dois tipos de polímero de glicose, amilose e amilopectina (NELSON; COX, 2014).

O glicogênio é o principal polissacarídeo de armazenamento das células animais. Como a amilopectina, o glicogênio é um polímero formado pela união de várias moléculas de glicose. O glicogênio é especialmente abundante no fígado, podendo constituir até 7% do peso líquido; ele também está presente no músculo esquelético. Nos hepatócitos, o glicogênio é encontrado em grandes grânulos, os quais são agrupamentos de grânulos menores compostos por moléculas únicas de glicogênio, altamente ramificadas, com massa molecular média de alguns milhões. Esses grânulos de glicogênio também apresentam, firmemente ligadas, as enzimas responsáveis pela síntese e degradação do glicogênio (NELSON; COX, 2014). Alguns homopolissacarídeos estão presentes como componentes estruturais na parede celular de vegetais (celulose) e no exoesqueleto de insetos e crustáceos (quitina).

O espaço extracelular dos tecidos dos animais multicelulares é preenchido com um material semelhante a gel, a matriz extracelular (MEC), também chamada de substância fundamental, que mantém as células unidas e provê um meio poroso para a difusão de nutrientes e oxigênio para cada célula. A MEC, que circunda fibroblastos e outras células do tecido conectivo, é composta por uma rede entrelaçada de polissacarídeos e proteínas fibrosas, como colágenos, elastinas e fibronectinas fibrilares. A membrana basal é uma MEC especializada sobre a qual se assentam as células epiteliais; ela é constituída por colágenos especializados, laminas e heteropolissacarídeos (NELSON; COX, 2014).

Os heteropolissacarídeos, os glicosaminoglicanos, formam uma família de polímeros lineares compostos por unidades de dissacarídeo repetidas. Os glicosaminoglicanos são exclusivos de animais e bactérias, não sendo encontrados em plantas. O glicosaminoglicano ácido hialurônico (hialuronana) forma soluções claras, altamente viscosas, que funcionam como lubrificantes no líquido sinovial das articulações e geram a consistência gelatinosa do humor vítreo nos olhos dos vertebrados (a palavra grega hyalos significa “vidro”; o ácido hialurônico pode ter aparência vítrea ou translúcida). O ácido hialurônico também é um componente da matriz extracelular de cartilagens e tendões, em que auxilia na resistência à tensão e elasticidade, devido a sua forte interação não covalente com outros componentes da matriz. A hialuronidase, enzima secretada por certas bactérias patogênicas, hidrolisa as ligações glicosídicas do ácido hialurônico, tornando os tecidos mais suscetíveis à infecção bacteriana. Em muitas espécies animais, uma enzima similar presente no espermatozoide hidrolisa o revestimento de glicosaminoglicano que envolve o ovócito, permitindo a penetração do espermatozoide.

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Você sabia?O condroitin-sulfato, um heteropolissacarídeo, é um dos principais componentes estruturais da cartilagem. Colírios oftalmológicos, em sua maioria, são soluções de condroitin-sulfato que permitem uma melhor lubrificação do globo ocular.

NOTA

4 GLICOCONJUGADOS: PROTEOGLICANOS, GLICOPROTEÍNAS E GLICOLIPÍDIOS

Além dos importantes papéis como armazenadores de combustível (amido, glicogênio, dextrana) e como material estrutural (celulose, quitina, peptidoglicanos), os polissacarídeos e oligossacarídeos são transportadores de informação. Alguns fornecem comunicação entre as células e a matriz extracelular circundante; outros sinalizam proteínas para o transporte e a localização em organelas específicas ou para degradação, quando a proteína é malformada ou supérflua; e outros atuam como pontos de reconhecimento para moléculas de sinalização extracelulares (fatores de crescimento, por exemplo) ou parasitas extracelulares (bactérias e vírus).

Em praticamente todas as células eucarióticas, cadeias de oligossacarídeos específicos ligadas a componentes da membrana plasmática formam uma camada de carboidratos (o glicocálice) com alguns nanômetros de espessura, que serve como uma superfície rica em informações que a célula expõe para o meio exterior. Esses oligossacarídeos são componentes centrais para reconhecimento e adesão entre células, migração celular durante o desenvolvimento, coagulação sanguínea, resposta imune, cicatrização de ferimentos e outros processos celulares. Na maioria desses casos, o carboidrato que carrega a informação está covalentemente ligado a uma proteína ou lipídio, formando um glicoconjugado (Figura 25), molécula biologicamente ativa.

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FIGURA 25 – ESTRUTURA DE ALGUNS GLICOCONJUGADOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 263)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 263

RESUMO 7.2 Polissacarídeos c Os polissacarídeos (glicanos) servem para o armazena-

mento de combustível e como componentes estruturais da parede celular e da matriz extracelular.

c Os homopolissacarídeos amido e glicogênio armazenam combustível em células vegetais, animais e bacterianas. São constituídos por D-glicose com ligações (a1S4), e ambos contêm algumas ramificações.

c Os homopolissacarídeos celulose, quitina e dextrana têm funções estruturais. A celulose, composta por resí-duos de D-glicose em ligações (b1S4), garante força e rigidez à parede celular de plantas. A quitina, um polí-mero de N-acetilglicosamina com ligações (b1S4), for-talece o exoesqueleto de artrópodes. A dextrana forma um revestimento aderente ao redor de certas bactérias.

c Os homopolissacarídeos se dobram em três dimensões. A forma em cadeira do anel piranose é essencialmen-te rígida, de modo que a conformação dos polímeros é determinada pela rotação das ligações entre os anéis e o átomo de oxigênio na ligação glicosídica. O amido e o glicogênio formam estruturas helicoidais com ligações de hidrogênio dentro da própria cadeia; a celulose e a quitina formam fitas longas e retas que interagem com as fitas vizinhas.

c As paredes celulares de algas e bactérias são fortaleci-das por heteropolissacarídeos – peptidoglicano em bac-térias, ágar em algas. O dissacarídeo que se repete no peptidoglicano é GlcNAc(b1S4)Mur2Ac; no ágar, é D--Gal(b1S4)3,6-anidro-L-Gal.

c Os glicosaminoglicanos são heteropolissacarídeos ex-tracelulares nos quais uma das duas unidades de mo-nossacarídeo é um ácido urônico (o queratan-sulfato é uma exceção) e a outra é um aminoaçúcar N-aceti-lado. Ésteres de sulfato em alguns dos grupos hidro-xila e em alguns dos grupos amino de certos resíduos de glicosamina na heparina e no heparan-sulfato dão a esses polímeros uma alta densidade de cargas negati-vas, forçando-os a adotarem conformações estendidas. Esses polímeros (ácido hialurônico, sulfato de condroi-tina, dermatan-sulfato e queratan-sulfato) garantem à matriz extracelular viscosidade, adesão e resistência à compressão.

7.3 Glicoconjugados: proteoglicanos, glicoproteínas e glicoesfingolipídeosAlém dos importantes papéis como armazenadores de com-bustível (amido, glicogênio, dextrana) e como material es-trutural (celulose, quitina, peptidoglicanos), os polissacarí-deos e oligossacarídeos são transportadores de informação. Alguns fornecem comunicação entre as células e a matriz extracelular circundante; outros sinalizam proteínas para o transporte e a localização em organelas específicas, ou para degradação, quando a proteína é malformada ou supérflua; e outros atuam como pontos de reconhecimento para molé-culas de sinalização extracelulares (fatores de crescimento, por exemplo) ou parasitas extracelulares (bactérias e ví-rus). Em praticamente todas as células eucarióticas, cadeias

de oligossacarídeos específicos ligadas a componentes da membrana plasmática formam uma camada de carboidratos (o glicocálice) com alguns nanômetros de espessura, que serve como uma superfície rica em informações que a cé-lula expõe para o meio exterior. Esses oligossacarídeos são componentes centrais para reconhecimento e adesão entre células, migração celular durante o desenvolvimento, coa-gulação sanguínea, resposta imune, cicatrização de ferimen-tos e outros processos celulares. Na maioria desses casos, o carboidrato que carrega a informação está covalentemente ligado a uma proteína ou lipídeo, formando um glicoconju-gado, molécula biologicamente ativa (Figura 7-24).

Os proteoglicanos são macromoléculas da superfície celular ou da matriz extracelular nas quais uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanos sulfatados estão covalen-temente unidas a uma proteína de membrana ou a uma proteína secretada. A cadeia de glicosaminoglicano pode ligar-se a proteínas extracelulares por meio de interações eletrostáticas entre a proteína e os açúcares negativamente carregados do proteoglicano. Os proteoglicanos são os prin-cipais componentes de todas as matrizes extracelulares.

As glicoproteínas têm um ou alguns oligossacarídeos de complexidades variadas, unidos covalentemente a uma proteína. Costumam ser encontradas na superfície externa da membrana plasmática (como parte do glicocálice), na matriz extracelular e no sangue. Nas células, são encon-tradas em organelas específicas, como aparelho de Golgi, grânulos de secreção e lisossomos. As porções oligossaca-rídicas das glicoproteínas são muito heterogêneas e, assim como os glicosaminoglicanos, são ricas em informação, for-

Sulfato de condroitina

N-glicano

O-glicano

Fora

Proteoglicanos

Glicoproteínas

Glicoesfingolipídeos

Dentro

Membrana

Heparan-sulfato

COO–COO–| |

+NH3

+NH3

GlcA

IdoAGlcNAc

Man

GalGlc

Neu5Ac

Fuc

GalNAc

Xilose

Ser

Ser/Thr

Ser/Thr

Asn

Asn

Ser

|

|

FIGURA 724 Glicoconjugados. As estruturas de alguns proteoglicanos, glicoproteínas e glicoesfingolipídeos típicos descritos no texto.

Nelson_6ed_07.indd 263Nelson_6ed_07.indd 263 07/04/14 14:3007/04/14 14:30

Os proteoglicanos são macromoléculas da superfície celular ou da matriz extracelular nas quais uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanos sulfatados estão covalentemente unidas a uma proteína de membrana ou a uma proteína secretada. A cadeia de glicosaminoglicano pode ligar-se a proteínas extracelulares por meio de interações eletrostáticas entre a proteína e os açúcares negativamente carregados do proteoglicano. Os proteoglicanos são os principais componentes de todas as matrizes extracelulares.

As glicoproteínas têm um ou alguns oligossacarídeos de complexidades variadas, unidos covalentemente a uma proteína. Costumam ser encontradas na superfície externa da membrana plasmática (como parte do glicocálice), na matriz extracelular e no sangue. Nas células são encontradas em organelas específicas, como aparelho de Golgi, grânulos de secreção e lisossomos. As porções oligossacarídicas das glicoproteínas são muito heterogêneas e, assim como os glicosaminoglicanos, são ricas em informação, formando locais extremamente específicos para o reconhecimento e a ligação de alta afinidade por proteínas ligantes de carboidratos, chamadas de lectinas. Algumas proteínas citosólicas e nucleares também podem ser glicosiladas (NELSON; COX, 2014).

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Os glicoesfingolipídios são componentes da membrana plasmática nos quais o grupo hidrofílico da cabeça é um oligossacarídeo. Como nas glicoproteínas, os oligossacarídeos servem como pontos específicos para o reconhecimento por lectinas. O cérebro e os neurônios são ricos em glicoesfingolipídios, os quais auxiliam na condução nervosa e na formação da mielina. Os glicoesfingolipídios também são importantes para a transdução de sinal celular (NELSON; COX, 2014).

Curiosidades:Você sabia que os glicoconjugados estão envolvidos com a sinalização descoberta em hemácias (glóbulos vermelhos) envelhecidas?Sim, as hemácias jovens têm, em sua superfície, glicoproteínas cuja extremidade é rica em ácido siálico. Quando tais células envelhecem, suas glicoproteínas perdem esse ácido e passam a expressar, em sua extremidade, a galactose. Esse monossacarídeo é reconhecido por receptores do fígado, que então capturam e removem da circulação as hemácias ‘velhas’.

Dosagem de glicose sanguínea no diagnóstico e no tratamento do diabetes

A glicose é o principal combustível para o cérebro. Quando a quantidade de glicose que chega até o cérebro é muito baixa, as consequências podem ser desastrosas: letargia, coma, dano cerebral permanente e morte. Com a evolução, os animais desenvolveram mecanismos hormonais complexos para garantir que a concentração de glicose no sangue permaneça alta o suficiente (aproximadamente 5 mM) para satisfazer as necessidades cerebrais, mas não alta demais, já que níveis elevados de glicose no sangue também podem ter consequências fisiológicas sérias.

Os indivíduos com diabetes melito dependente de insulina não produzem insulina suficiente, o hormônio que normalmente atua para a redução da concentração de glicose no sangue, e, se o diabetes não for tratado, os níveis de glicose sanguínea nesses indivíduos podem elevar-se, ficando algumas vezes maiores do que o normal. Acredita-se que esses altos níveis de glicose sejam pelo menos uma das causas das sérias consequências de longo prazo no diabetes não tratado – insuficiência renal, doenças cardiovasculares, cegueira e cicatrização debilitada –, de modo que um dos objetivos da terapia é prover exatamente a quantidade de insulina suficiente (por injeção) para manter os níveis de glicose próximos do normal. Para manter o balanço correto entre exercício, dieta e insulina para cada indivíduo, a concentração de glicose sanguínea deve ser dosada algumas vezes ao dia, e a quantidade de insulina injetada deve ser ajustada de modo apropriado.

NOTA

NOTA

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As concentrações de glicose no sangue e na urina podem ser determinadas por meio de um ensaio simples para açúcares redutores, como a reação de Fehling, que por muitos anos foi o teste diagnóstico padrão para diabetes. Dosagens modernas precisam de apenas uma gota de sangue, que é adicionada a uma fita de teste contendo a enzima glicose-oxidase. Uma segunda enzima, uma peroxidase, catalisa a reação do H2O2 com um composto incolor gerando um produto colorido, quantificado com um fotômetro simples que mostra a concentração de glicose no sangue.

Como os níveis de glicose sanguínea variam com os períodos de refeição e exercício, essas dosagens em momentos específicos não refletem a glicose sanguínea média ao longo de horas ou dias, de modo que elevações perigosas podem passar despercebidas. A concentração de média glicose pode ser estimada pelo seu efeito na hemoglobina, a proteína carreadora de oxigênio dos eritrócitos. Transportadores na membrana dos eritrócitos equilibram a concentração de glicose intracelular e plasmática, de modo que a hemoglobina está constantemente exposta à concentração de glicose presente no sangue, qualquer que seja essa concentração. Uma reação não enzimática ocorre entre a glicose e os grupos amino primários da hemoglobina. A velocidade desse processo é proporcional à concentração de glicose; por isso, essa reação pode ser usada como base para a estimativa do nível médio de glicose sanguínea ao longo de semanas.

A quantidade de hemoglobina glicada (HbG) circulante em qualquer momento reflete a concentração de glicose sanguínea média durante o “período de vida” do eritrócito (cerca de 120 dias), embora a concentração das últimas duas semanas seja a mais importante na determinaçãodo nível de HbG.

FONTE: Adaptado de Nelson e Cox (2014, p. 280-281)

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RESUMO DO TÓPICO 5Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os açúcares (também chamados de sacarídeos) são compostos que contêm um grupo aldeído ou cetona e dois ou mais grupos hidroxila.

• Os monossacarídeos comumente formam hemiacetais ou hemicetais internos, nos quais o grupo aldeído ou cetona se une a um grupo hidroxila da mesma molécula, criando uma estrutura cíclica.

• Oligossacarídeos são polímeros curtos, com alguns monossacarídeos unidos por ligações glicosídicas. Em uma das extremidades da cadeia, a extremidade redutora está uma unidade de monossacarídeo com seu carbono anomérico não envolvido em uma ligação glicosídica.

• Os polissacarídeos (glicanos) servem para o armazenamento de combustível como componentes estruturais da parede celular e da matriz extracelular.

• Os homopolissacarídeos amido e glicogênio armazenam combustível em células vegetais, animais e bacterianas.

• Os homopolissacarídeos celulose, quitina e dextrana têm funções estruturais. A celulose, composta por resíduos de D-glicose em ligações (b1S4), garante força e rigidez à parede celular de plantas. A quitina, um polímero de N-acetilglicosamina com ligações (b1S4), fortalece o exoesqueleto de artrópodes. A dextrana forma um revestimento aderente ao redor de certas bactérias.

• Os glicosaminoglicanos são heteropolissacarídeos extracelulares nos quais uma das duas unidades de monossacarídeo é um ácido urônico. Esses polímeros (ácido hialurônico, sulfato de condroitina, dermatan-sulfato e queratan-sulfato) garantem à matriz extracelular viscosidade, adesão e resistência à compressão.

• Os proteoglicanos são glicoconjugados nos quais um ou mais glicanos grandes, chamados de glicosaminoglicanos sulfatados (heparan-sulfato, sulfato de condroitina, dermatan-sulfato ou queratan-sulfato) estão covalentemente ligados a uma proteína central. Eles fornecem pontos de adesão, reconhecimento e transferência de informação entre as células ou entre as células e a matriz extracelular.

• Muitas proteínas extracelulares ou da superfície celular são glicoproteínas, assim como a maioria das proteínas secretadas. Os oligossacarídeos covalentemente ligados influenciam o enovelamento e a estabilidade das proteínas, fornecem informações cruciais sobre o destino de proteínas recentemente sintetizadas e permitem o reconhecimento específico por outras proteínas.

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1 Os polissacarídeos são macromoléculas  formados pela união de muitos monossacarídeos. Estes compostos apresentam uma massa molecular muito elevada que depende do número de unidades de monossacarídeos que se unem. Podem ser hidrolisados em polissacarídeos menores, assim como em  dissacarídeos  ou monossacarídeos mediante a ação de determinadas enzimas. Nos organismos, os polissacarídeos são classificados em dois grupos dependendo da função biológica que exercem. Um importante polissacarídeo é a heparina. A heparina é um anticoagulante, produzido de forma natural no nosso organismo. As células que produzem heparina são ____________________. A heparina é um polissacarídeo classificada como ____________________.

A alternativa que preenche corretamente as lacunas é, respectivamente:a) ( ) Fibroblastos, Heteropolissacarídeos.b) ( ) Mastócitos, Homopolissacarídeos.c) ( ) Fibroblastos, Homopolissacarídeos.d) ( ) Mastócitos, Heteropolissacarídeos.e) ( ) Macrófagos, Heteropolissacarídeo.

2 Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples, em que o número de átomos de carbono pode variar de cinco, como nas pentoses, a seis carbonos, como nas hexoses. Os dissacarídeos são associações de dois monossacarídeos, enquanto que os polissacarídeos possuem muitos carboidratos do tipo monossacarídeo. Levando em consideração o que foi estudado acerca destes compostos, analise a seguinte figura:

FIGURA – EXEMPLOS DE CARBOIDRATOS

AUTOATIVIDADE

FONTE: A autora

Com relação à classificação destes carboidratos, marque com V as sentenças verdadeiras e com F as falsas.

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( ) A glicose é um monossacarídeo, se trata de uma hexose, e seu grupamento químico é um aldeído.

( ) A frutose é uma pentose, também se trata de um monossacarídeo, no entanto, difere da glicose por apresentar o grupamento do tipo cetona.

( ) Manose se trata de uma pentose do tipo aldeído, assim como a frutose.( ) A galactose é um dissacarídeo, que forma a lactose, “açúcar do leite”, se trata de

uma hexose, pois possui seis carbonos centrais e seu grupamento é o aldeído.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) V – F – V – F.b) ( ) V – F – F – V.c) ( ) V – F – F – F.d) ( ) F – V – V – F.e) ( ) F – F – V – V.

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NUCLEOTÍDEOS E ÁCIDOS NUCLEICOS

1 INTRODUÇÃO

Nucleotídeos apresentam uma variedade de funções no metabolismo celular. Eles são a moeda energética nas transações metabólicas; são as ligações químicas essenciais nas respostas da célula a hormônios e a outros estímulos extracelulares; também são os componentes estruturais de uma estrutura ordenada de cofatores enzimáticos e intermediários metabólicos. E, por último, mas não menos importante, são os constituintes dos ácidos nucleicos: ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA), os repositórios moleculares da informação genética. A estrutura de cada proteína – e, em última análise, de cada biomolécula e componente celular – é o produto da informação programada na sequência nucleotídica dos ácidos nucleicos da célula. A capacidade de armazenar e transmitir a informação genética de uma geração à outra é uma condição fundamental para a vida (NELSON; COX, 2014).

Os ácidos nucleicos são assim chamados por seu caráter ácido e por terem sido originalmente descobertos no núcleo das células. A partir da década de 1940, os ácidos nucleicos passaram a ser intensivamente estudados, pois foi descoberto que eles formam os genes responsáveis pela herança biológica (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

A sequência de aminoácidos de cada proteína na célula e a sequência nucleotídica de cada RNA são especificadas pela sequência nucleotídica do DNA da célula. Um segmento de uma molécula de DNA que contém a informação necessária para a síntese de um produto biologicamente funcional, seja proteína ou RNA, é denominado gene. Uma célula costuma ter muitos milhares de genes, e moléculas de DNA, não surpreendentemente, tendem a ser muito grandes. O armazenamento e a transferência da informação biológica são as únicas funções conhecidas do DNA. O RNA tem uma ampla variedade de funções e muitas classes são encontradas nas células (NELSON; COX, 2014).

Este tópico fornecerá a você, acadêmico, uma visão geral da natureza química dos nucleotídeos e ácidos nucleicos encontrados na maioria das células.

2 ESTRUTURA DOS NUCLEOTÍDEOS E NUCLEOSÍDEOS

Os nucleotídeos apresentam três componentes característicos: (1) uma base nitrogenada (contendo nitrogênio); (2) uma pentose; e (3) um ou mais fosfatos. A molécula sem o grupo fosfato é denominada nucleosídeo (Figura 26).

UNIDADE 2 TÓPICO 6 -

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FIGURA 26 – ESTRUTURA DOS NUCLEOTÍDEOS E NUCLEOSÍDEO

FONTE: A autora

As bases nitrogenadas são derivadas de dois compostos relacionados: a pirimidina e a purina. As bases e as pentoses dos nucleotídeos comuns são compostos heterocíclicos.

A base de um nucleotídeo é ligada covalentemente por uma ligação N-b-glicosídica ao carbono 19 da pentose, e o fosfato é esterifi cado no carbono 59. A ligação N-b-glicosídica é formada pela remoção dos elementos de água (um grupo hidroxila da pentose e o hidrogênio da base), como na formação da ligação O-glicosídica. Tanto o DNA quanto o RNA contêm duas bases púricas principais: adenina (A) e guanina (G), e duas pirimídicas. No DNA e no RNA, uma das pirimidinas é a citosina (C), mas a segunda pirimidina não é a mesma nos dois: é a timina (T) no DNA e a uracila (U) no RNA. As estruturas das cinco principais bases estão mostradas na Figura 27 (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

FIGURA 27 – PRINCIPAIS BASES PÚRICAS E PIRIMÍDICAS DOS ÁCIDOS NUCLEICOS

FONTE: Rodwell, Murray e Granner (2017, p. 178)

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Os ácidos nucleicos são constituídos por duas pentoses. Se o açúcar em questão é a ribose, teremos um ribonucleosídeo, característico do RNA. Se o açúcar em questão é a desoxirribose, teremos um desoxirribonucleosídeo, característico do DNA.

3 LIGAÇÕES FOSFODIÉSTERES

Os nucleotídeos consecutivos de ambos DNA e RNA são ligados covalentemente por “pontes” de grupos fosfato, nas quais o grupo 59-fosfato de uma unidade nucleotídica é ligado ao grupo 39-hidroxila do próximo nucleotídeo, criando uma ligação fosfodiéster (Figura 28). Portanto, o esqueleto covalente dos ácidos nucleicos consiste em fosfatos e resíduos de pentose alternados, e as bases nitrogenadas podem ser consideradas como grupos laterais ligados ao esqueleto em intervalos regulares. O esqueleto do DNA e do RNA são hidrofílicos. Os grupos hidroxila dos resíduos de açúcar formam ligações de hidrogênio com a água. Os grupos fosfato, com um pKa próximo a 0, são completamente ionizados e carregados negativamente em pH 7, e as cargas negativas são, de um modo geral, neutralizadas pelas interações iônicas com cargas positivas nas proteínas, nos íons metálicos e nas poliaminas (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 28 – LIGAÇÕES FOSFODIÉSTER NO ESQUELETO COVALENTE DO DNA E DO RNA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 285)

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4 ESTRUTURA DOS ÁCIDOS NUCLEICOS

A descoberta da estrutura do DNA por Watson e Crick, em 1953, deu origem a disciplinas completamente novas e influenciou o rumo de muitas já estabelecidas. Agora, abordaremos algumas características particulares presentes no DNA e no RNA.

4.1 CARACTERÍSTICAS DO DNA

O DNA foi inicialmente isolado e caracterizado por Friedrich Miescher, em 1868. Ele chamou a substância contendo fósforo de “nucleína”. Até os anos de 1940, com o trabalho de Oswald T. Avery, Colin MacLeod e Maclyn McCarty, não existia uma evidência convincente de que o DNA fosse o material genético. Avery e seus colegas descobriram que DNA extraído de uma linhagem virulenta (patogênica) da bactéria Streptococcus pneumoniae, e injetado em uma linhagem não virulenta da mesma bactéria, transformava a linhagem não virulenta em virulenta. Eles concluíram que o DNA da linhagem virulenta carregava a informação genética para virulência. Então, em 1952, experimentos de Alfred D. Hershey e Martha Chase, que estudaram a infecção de células bacterianas por um vírus (bacteriófago), com DNA ou proteína marcados radioativamente, acabaram com qualquer dúvida remanescente de que o DNA, e não a proteína, portava a informação genética. Outra pista importante para a estrutura do DNA veio do trabalho de Erwin Chargaff e seus colegas, no final dos anos 1940. Eles descobriram que as quatro bases nucleotídicas do DNA eram encontradas em proporções diferentes nos DNAs de organismos diferentes e que as quantidades de certas bases estavam relacionadas (NELSON; COX, 2014).

James Watson e Francis Crick contaram com essas informações acumuladas sobre o DNA para deduzir sua estrutura. Em 1953, eles postularam o modelo tridimensional da estrutura do DNA que levava em consideração todos os dados disponíveis. O modelo consiste em duas cadeias de DNA helicoidais enroladas em torno do mesmo eixo para formar uma dupla hélice de orientação à direita.

O DNA é uma molécula extremamente flexível, em que entre as bases nitrogenadas adenima e timina observamos a presença de duas ligações de hidrogênio, enquanto no pareamento de citocina e guanina, percebemos a presença de três ligações de hidrogênio.

5 CARACTERÍSTICAS DOS RNAS

Agora o foco será a expressão da informação genética que o DNA contém. O RNA, a segunda maior forma de ácidos nucleicos nas células, tem muitas funções. Na expressão gênica, o RNA atua como intermediário pelo uso da informação codificada no DNA para especificar a sequência de aminoácidos da proteína funcional. Uma vez que

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o DNA de eucariotos é basicamente confinado no núcleo, enquanto a síntese proteica ocorre nos ribossomos no citoplasma, alguma outra molécula que não o DNA deve carregar a mensagem genética do núcleo para o citoplasma. Já por volta da década de 1950, o RNA foi considerado o candidato lógico: o RNA é encontrado tanto no núcleo quanto no citoplasma e um aumento na síntese proteica é acompanhado por um aumento na quantidade de RNA citoplásmico e um aumento da sua taxa de renovação. Essas e outras observações levaram vários pesquisadores a sugerir que o RNA carrega a informação genética do DNA para a maquinaria biossintética proteica do ribossomo (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Em 1961, François Jacob e Jacques Monod apresentaram uma descrição consistente de muitos aspectos desse processo. Eles propuseram o nome “RNA mensageiro” (mRNA) para aquela porção do RNA celular total que carrega a informação genética do DNA para os ribossomos, em que os mensageiros fornecem os moldes que especificam as sequências de aminoácidos nas cadeias polipeptídicas. O processo de formação de um mRNA a partir de um molde de DNA é conhecido como transcrição (NELSON; COX, 2014).

Além do RNA mensageiro, existem também o RNA ribossômico e RNA transportador. O RNA ribossômico participa da constituição dos ribossomos e são armazenados no núcleo da célula, em uma região denominada de nucléolo. Já o RNA transportador transporta os aminoácidos até o local da síntese de proteínas na Tradução.

6 A QUÍMICA DO ÁCIDO NUCLEICO

O papel do DNA como repositório da informação genética depende em parte da sua estabilidade inerente. As transformações químicas que ocorrem geralmente são muito lentas na ausência de um catalisador enzimático. Entretanto, o armazenamento de longo prazo da informação inalterada é tão importante para a célula que mesmo reações muito lentas, que alteram a estrutura do DNA, podem ser fisiologicamente significativas. Processos como carcinogênese e envelhecimento podem estar intimamente ligados ao acúmulo lento e irreversível de alterações no DNA. Outras alterações, não destrutivas, também ocorrem e são essenciais para a função, como a separação das cadeias que deve preceder a replicação do DNA ou a transcrição. Além de proporcionar maior compreensão dos processos fisiológicos, nosso conhecimento da química dos ácidos nucleicos nos concedeu um conjunto poderoso de tecnologias que tem aplicações em biologia molecular, na medicina e na ciência forense (NELSON; COX, 2014).

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RESUMO DO TÓPICO 67 OUTRAS FUNÇÕES DOS NUCLEOTÍDEOS

Além das suas funções como subunidades dos ácidos nucleicos, os nucleotídeos têm uma variedade de outras funções em cada célula: como carreadores de energia, componentes de cofatores enzimáticos e mensageiros químicos. Podemos citar algumas funções relacionadas ao nucleotídeo:

• os nucleotídeos carregam energia química nas células;• nucleotídeos da adenina são componentes de muitos cofatores enzimáticos;• alguns nucleotídeos são moléculas reguladoras.

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RESUMO DO TÓPICO 6Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Um nucleotídeo é constituído por uma base nitrogenada (purina ou pirimidina), um açúcar pentose e um ou mais grupos fosfato. Os ácidos nucleicos são polímeros de nucleotídeos, unidos por ligações fosfodiéster entre o grupo 59-hidroxila de uma pentose e o grupo 39-hidroxila da próxima pentose.

• Existem dois tipos de ácidos nucleicos: RNA e DNA.

• Os nucleotídeos no RNA contêm ribose e as bases pirimídicas comuns são a uracila e a citosina.

• No DNA, os nucleotídeos contêm 29-desoxirribose e as bases pirimídicas comuns são a timina e a citosina. As purinas primárias são adenina e guanina tanto no RNA quanto no DNA.

• Muitas linhas de evidência demonstram que o DNA carrega a informação genética.

• Alguns dos primeiros indícios vieram do experimento de Avery-MacLeod-McCarty, o qual demonstrou que o DNA isolado de uma linhagem bacteriana pode entrar em células de outra linhagem e transformá-las, dotando-as com algumas características hereditárias do doador.

• O RNA mensageiro transfere a informação genética do DNA para os ribossomos para a síntese proteica.

• O RNA transportador e o RNA ribossômico também estão envolvidos na síntese proteica.

• O ATP é o carregador central de energia química nas células. A presença de uma porção adenosina em uma variedade de cofatores enzimáticos pode ser relacionada às necessidades de energia de ligação.

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Através dessa sequência de perguntas e respostas, observe a importância dos ácidos nucleicos.

Ex.: Como a célula realiza suas funções? R.: Através de reações químicas. Quem catalisa essas reações? R.: As enzimas. Quimicamente, o que são enzimas? R.: Proteínas. Quem comanda a síntese das proteínas?R.: Os A.N. Logo, sem A.N. as células não receberiam de suas antecessoras as informações genéticas para orientar a síntese das enzimas certas capazes de catalisar as reações responsáveis pelo tipo de atividades a ser desenvolvida por cada tipo de célula.

Agora, responda:

1 Quais as funções dos ácidos nucleicos?

2 Diferencie DNA e RNA.

3 O que é um nucleotídeo? E um nucleosídeo?

AUTOATIVIDADE

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LIPÍDIOS

1 INTRODUÇÃO

Os lipídios biológicos são um grupo de compostos quimicamente diversos, cuja característica em comum que os define é a insolubilidade em água. As funções biológicas dos lipídios são tão diversas quanto a sua química. Gorduras e óleos são as principais formas de armazenamento de energia em muitos organismos. Os fosfolipídios e os esteróis são os principais elementos estruturais das membranas biológicas. Outros lipídios, embora presentes em quantidades relativamente pequenas, desempenham papéis cruciais como cofatores enzimáticos, transportadores de elétrons, pigmentos fotossensíveis, âncoras hidrofóbicas para proteínas, chaperonas para auxiliar no enovelamento de proteínas de membrana, agentes emulsificantes no trato digestivo, hormônios e mensageiros intracelulares (NELSON; COX, 2014).

Este tópico apresentará os lipídios mais representativos de cada um dos tipos de lipídios, organizados de acordo com suas funções, com ênfase na estrutura química e nas propriedades físicas.

2 LIPÍDIOS DE ARMAZENAMENTO

As gorduras e os óleos utilizados de modo quase universal como formas de armazenamento de energia nos organismos vivos são derivados de ácidos graxos. Os ácidos graxos são derivados de hidrocarbonetos, com estado de oxidação quase tão baixo (ou seja, altamente reduzido) quanto os hidrocarbonetos nos combustíveis fósseis. A oxidação celular de ácidos graxos (a CO2 e H2O), assim como a combustão controlada e rápida de combustíveis fósseis em motores de combustão interna, é altamente exergônica (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Mas o que é uma reação exergônica? São reações que liberam energia para o trabalho celular a partir do potencial de degradação dos nutrientes orgânicos.

Os ácidos graxos representam o grupo mais abundante de lipídios e são derivados dos ácidos carboxílicos (COOH). Possuem de 4 a 24 átomos de carbono e podem ser chamados de lipídios saponificáveis, porque a reação destes com uma solução quente de hidróxido de sódio produz o correspondente sal sódico do ácido carboxílico, isto é, o sabão.

UNIDADE 2 TÓPICO 7 -

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Ácidos graxos podem ser classificados em saturados e insaturados. Os saturados geralmente estão no estado sólido e são armazenados no interior de células de gordura chamadas de adipócitos. Os ácidos graxos insaturados geralmente estão no estado líquido e faltam alguns átomos de hidrogênio em sua molécula e, por isso, ocorre uma ligação dupla entre os átomos de carbono. Nos saturados essa ligação é simples.

Você sabia?Existe um tipo de gordura formada por um processo químico (hidrogenação), no qual óleos vegetais líquidos são transformados em ácido graxo trans, uma gordura sólida. Essa gordura é muito prejudicial, pois além de aumentar os níveis de Lipoproteína de baixa densidade LDL, acaba diminuindo os níveis de Lipoproteína de alta densidade HDL. Similar à gordura saturada, na gordura trans os átomos de hidrogênio estão dispostos transversalmente (na diagonal), e não em paralelo, como ocorre nos ácidos graxos encontrados na natureza. Daí vem o nome trans.

NOTA

Os lipídios mais simples construídos a partir de ácidos graxos são os triacilgliceróis, também chamados de triglicerídeos, gorduras ou gorduras neutras. Os triacilgliceróis são compostos por três ácidos graxos, cada um em ligação éster com uma molécula de glicerol (Figura 29). Aqueles que contêm o mesmo tipo de ácido graxo em todas as três posições são chamados de triacilgliceróis simples, e sua nomenclatura é derivada do ácido graxo que contêm. A maioria dos triacilgliceróis de ocorrência natural é mista, pois contém dois ou três ácidos graxos diferentes. Os lipídios têm densidades específicas mais baixas do que a água, o que explica por que as misturas de óleo e água (por ex., tempero de salada com azeite e vinagre) têm duas fases: o óleo, com densidade específica mais baixa, flutua sobre a fase aquosa (NELSON; COX, 2014).

As ceras biológicas são ésteres de ácidos graxos saturados e insaturados de cadeia longa (C14 a C36) com álcoois de cadeia longa (C16 a C30). No plâncton, microrganismos de vida livre na base da cadeia alimentar dos animais marinhos, as ceras são a principal forma de armazenamento de combustível metabólico. As ceras também servem para uma diversidade de outras funções relacionadas as suas propriedades impermeabilizantes e sua consistência firme. Certas glândulas da pele de vertebrados secretam ceras para proteger os pelos e a pele e mantê-los flexíveis, lubrificados e impermeáveis. As aves, particularmente as aquáticas, secretam ceras por suas glândulas uropigiais para manter suas penas impermeáveis à água. As folhas lustrosas do azevinho, do rododendro, da hera venenosa e de muitas outras plantas tropicais são cobertas por uma camada grossa de ceras, que impede a evaporação excessiva de água e as protege contra parasitas. As ceras biológicas têm várias aplicações em indústrias como a farmacêutica, a cosmética, entre outras. A lanolina (da lã de cordeiro), a cera de abelha, a cera de carnaúba (palmeira brasileira) e a cera extraída do óleo do cachalote (espécie de baleia) são amplamente utilizadas na manufatura de loções, pomadas e polidores (NELSON; COX, 2014).

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FIGURA 29 – O GLICEROL E UM TRIACILGLICEROL

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 360)

360 D AV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

Os triacilgliceróis são ésteres de ácidos graxos do glicerolOs lipídeos mais simples construídos a partir de ácidos gra-xos são os triacilgliceróis, também chamados de trigli-cerídeos, gorduras ou gorduras neutras. Os triacilgliceróis são compostos por três ácidos graxos, cada um em ligação éster com uma molécula de glicerol (Figura 10-3). Aque-les que contêm o mesmo tipo de ácido graxo em todas as três posições são chamados de triacilgliceróis simples, e sua nomenclatura é derivada do ácido graxo que contêm. Os triacilgliceróis simples de 16:0, 18:0 e 18:1, por exemplo, são tripalmitina, triestearina e trioleína, respectivamente. A maioria dos triacilgliceróis de ocorrência natural é mista, pois contém dois ou três ácidos graxos diferentes. Para dar nome a esses compostos sem gerar ambiguidade, o nome e a posição de cada ácido graxo devem ser especificados.

Como as hidroxilas polares do glicerol e os carboxila-tos polares dos ácidos graxos estão em ligações éster, os triacilgliceróis são moléculas apolares, hidrofóbicas, essen-cialmente insolúveis em água. Os lipídeos têm densidades específicas mais baixas do que a água, o que explica por que as misturas de óleo e água (p. ex., tempero de salada com azeite e vinagre) têm duas fases: o óleo, com densidade es-pecífica mais baixa, flutua sobre a fase aquosa.

Os triacilgliceróis armazenam energia e proporcionam isolamento térmicoNa maioria das células eucarióticas, os triacilgliceróis for-mam uma fase separada de gotículas microscópicas de óleo no citosol aquoso, servindo como depósitos de combustível metabólico. Em vertebrados, os adipócitos (células especia-lizadas) armazenam grandes quantidades de triacilgliceróis em gotículas de gordura que quase preenchem a célula (Fi-gura 10-4a). Os triacilgliceróis também são armazenados como óleos nas sementes de vários tipos de plantas, for-necendo energia e precursores biossintéticos durante a germinação da semente (Figura 10-4b). Os adipócitos e as sementes em germinação contêm lipases, enzimas que ca-talisam a hidrólise dos triacilgliceróis armazenados, liberan-do ácidos graxos para serem transportados para os locais onde são necessários como combustível.

Existem duas vantagens significativas em se usar tria-cilgliceróis para o armazenamento de combustível em vez de polissacarídeos, como o glicogênio e o amido. Primeiro, os átomos de carbono dos ácidos graxos estão mais reduzi-

CO

OCH2

1 3

2

O

CO

HCH2

O CO

1-estearoil, 2-linoleoil, 3-palmitoil glicerol,um triacilglicerol misto

Glicerol

HO

CH2

OH

H

CH2

OHC

C

1 3

2

FIGURA 103 O glicerol e um triacilglicerol. O triacilglicerol misto mos-trado aqui tem três ácidos graxos diferentes ligados à cadeia do glicerol. Quando o glicerol apresenta ácidos graxos diferentes em C-1 e C-3, o C-2 é um centro quiral (p. 17).

125 mm(a)

3 mm(b)

FIGURA 104 Depósitos de gordura nas células. (a) Secção transversal de tecido adiposo branco de humanos. Cada célula contém uma gotícula de gordura (branco) tão grande que espreme o núcleo (corado em verme-lho) contra a membrana plasmática. (b) Secção transversal de uma célula de cotilédone de uma semente da planta Arabidopsis. As estruturas grandes e escuras são corpos proteicos, que estão rodeados por gordura de armazena-mento nos corpos oleosos, de coloração clara.

Nelson_6ed_book.indb 360 Nelson_6ed_book.indb 360 02/04/14 18:4502/04/14 18:45

3 LIPÍDIOS ESTRUTURAIS DE MEMBRANA

A característica central na arquitetura das membranas biológicas é uma dupla camada de lipídios que atua como barreira à passagem de moléculas polares e íons. Os lipídios de membrana são anfipáticos: uma extremidade da molécula é hidrofóbica e a outra é hidrofílica. Suas interações hidrofóbicas entre si e suas interações hidrofílicas com a água direcionam o seu empacotamento em camadas, chamadas de bicamadas de membrana. Existem cinco tipos gerais de lipídios de membrana: glicerofosfolipídios, nos quais as regiões hidrofóbicas são compostas por dois ácidos graxos ligados ao glicerol; galactolipídios e sulfolipídios, que também contêm dois ácidos graxos esterificados com o glicerol, mas não apresentam os fosfatos característicos dos fosfolipídios; lipídios tetraéter em arquea, nos quais duas cadeias muito longas de alquilas estão unidas por ligação éter ao glicerol em ambas as extremidades; esfingolipídios, nos quais um

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único ácido graxo está ligado a uma amina graxa, a esfingosina; e esteróis, compostos caracterizados por um sistema rígido de quatro anéis hidrocarbonados fusionados (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Os esfingolipídios diferem dos fosfolipídios, pois nos esfingolipídios em vez de ter o glicerol, eles são derivados de um amino álcool. Um dos esfingolipídios mais importantes é a Esfingomielina, popularmente chamada de bainha de mielina, que reveste o axônio dos neurônios.

4 LIPÍDIOS COMO SINAIS, COFATORES E PIGMENTOS

As duas classes funcionais de lipídios consideradas até agora são importantes componentes celulares; os lipídios de membrana compõem de 5 a 10% da massa seca da maioria das células, e os lipídios de armazenamento, mais de 80% da massa de um adipócito. Com algumas exceções importantes, esses lipídios desempenham um papel passivo na célula; os combustíveis lipídicos formam barreiras impermeáveis em volta das células e dos compartimentos celulares (NELSON; COX, 2014).

Outro grupo de lipídios, presente em quantidades bem menores, tem papéis ativos no tráfego metabólico como metabólitos e mensageiros. Alguns servem como sinalizadores potentes – como hormônios, carregados no sangue de um tecido a outro, ou como mensageiros intracelulares gerados em resposta a uma sinalização extracelular (hormônio ou fator de crescimento). Outros funcionam como cofatores enzimáticos em reações de transferência de elétrons nos cloroplastos e nas mitocôndrias, ou na transferência de porções de açúcar em várias reações de glicosilação (NELSON; COX, 2014).

Um terceiro grupo consiste em lipídios com um sistema de ligações duplas conjugadas: moléculas de pigmento que absorvem a luz visível. Alguns deles atuam como pigmentos fotossensíveis na visão e na fotossíntese; outros produzem colorações naturais, como o alaranjado das abóboras e cenouras e o amarelo das penas dos canários. Finalmente, um grupo muito grande de lipídios voláteis produzidos nas plantas serve de sinalizador, que é transportado pelo ar, permitindo às plantas comunicarem-se umas com as outras, atraírem animais amigos e dissuadirem inimigos (NELSON; COX, 2014).

As prostaglandinas (PG) contêm um anel de cinco carbonos que se origina da cadeia do ácido araquidônico. Seu nome deriva da glândula próstata, o tecido a partir do qual elas foram isoladas pela primeira vez por Bengt Samuelsson e Sune Bergström. As prostaglandinas apresentam diversas funções. Algumas estimulam a contração da musculatura lisa do útero durante a menstruação e o trabalho de parto. Outras afetam o fluxo sanguíneo a órgãos específicos, o ciclo sono-vigília e a sensibilidade de certos

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tecidos a hormônios como a epinefrina e o glucagon. As prostaglandinas de um terceiro grupo elevam a temperatura corporal (produzindo a febre) e causam inflamação e dor (NELSON; COX, 2014).

Os tromboxanos têm um anel de seis membros que contém éter. São produzidos pelas plaquetas (também chamadas de trombócitos) e atuam na formação dos coágulos e na redução do fluxo sanguíneo no local do coágulo.

Os leucotrienos, encontrados pela primeira vez em leucócitos, contêm três ligações duplas conjugadas e são poderosos sinalizadores biológicos. Por exemplo, o leucotrieno D4, derivado do leucotrieno A4, induz a contração da musculatura lisa que envolve as vias aéreas até o pulmão. A produção excessiva de leucotrienos causa a crise de asma, e a síntese de leucotrienos é um dos alvos dos fármacos antiasmáticos, como a prednisona. A forte contração da musculatura lisa dos pulmões que ocorre durante o choque anafilático é parte da reação alérgica potencialmente fatal em indivíduos hipersensíveis a ferroadas de abelha, penicilina ou outros agentes (NELSON; COX, 2014).

Os esteroides são derivados oxidados dos esteróis; eles têm o núcleo esterol, mas não a cadeia alquila ligada ao anel D do colesterol. Os hormônios esteroides circulam pela corrente sanguínea (em carreadores proteicos) do local onde foram produzidos até os tecidos-alvo, onde entram nas células, ligam-se a receptores proteicos altamente específicos no núcleo e causam mudanças na expressão gênica e, portanto, no metabolismo. Como os hormônios têm afinidade muito alta por seus receptores, concentrações muito baixas (nanomolar ou menos) são suficientes para produzir respostas nos tecidos-alvo. Os principais grupos de hormônios esteroides são os hormônios sexuais masculinos e femininos e os hormônios produzidos pelo córtex suprarrenal, cortisol e aldosterona. A prednisona e a prednisolona são fármacos esteroides com atividades anti-inflamatórias potentes, mediadas em parte pela inibição da liberação do araquidonato pela fosfolipase A2 e pela consequente inibição da síntese de leucotrienos, prostaglandinas e tromboxanos. Elas têm uma série de aplicações médicas, incluindo o tratamento de asma e de artrite reumatoide (RODWELL; MURRAY; GRANNER, 2017).

5 SEPARAÇÃO E ANÁLISE DE LIPÍDIOS

Como os lipídios são insolúveis em água, sua extração e seu posterior fracionamento requerem o uso de solventes orgânicos e de algumas técnicas pouco utilizadas na purificação de moléculas hidrossolúveis, como as proteínas e os carboidratos. Em geral, misturas complexas de lipídios são separadas por diferenças na polaridade ou na solubilidade em solventes apolares. Os lipídios que contêm ácidos graxos ligados a éster ou amida podem ser hidrolisados pelo tratamento com ácido ou base ou com enzimas hidrolíticas específicas (fosfolipases, glicosidases) para liberar seus componentes para análise. Alguns métodos bastante utilizados nas análises de lipídios são mostrados a partir da seguinte figura:

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FIGURA 30 – PROCEDIMENTOS COMUNS NA EXTRAÇÃO, NA SEPARAÇÃO E NA IDENTIFICAÇÃO DE LIPÍ-DIOS CELULARES

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 377)

Misturas complexas de lipídios dos tecidos podem ser fracionadas por procedimentos cromatográficos com base nas diferentes polaridades de cada classe de lipídio (NELSON; COX, 2014).

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 377

RESUMO 10.3 Lipídeos como sinalizadores, cofatores e pigmentos

c Alguns tipos de lipídeos, embora presentes em quanti-dades relativamente baixas, desempenham papéis cru-ciais como cofatores ou sinalizadores.

c O fosfatidilinositol-bifosfato é hidrolisado para pro-duzir dois mensageiros intracelulares, o diacilglicerol e o inositol-1,4,5-trifosfato. O fosfatidilinositol-3,4,5--trifosfato é um ponto de nucleação para complexos proteicos supramoleculares envolvidos na sinalização biológica.

c As prostaglandinas, os tromboxanos e os leucotrienos (os eicosanoides), derivados do araquidonato, são hor-mônios extremamente potentes.

c Os hormônios esteroides, tal como os hormônios se-xuais, são derivados dos esteróis. Servem como pode-rosos sinalizadores biológicos, alterando a expressão gênica nas células alvos.

c As vitaminas D, A, E e K são compostos lipossolúveis constituídos por unidades de isopreno. Todos desempe-nham papéis essenciais no metabolismo ou na fisiologia dos animais. A vitamina D é precursora de um hormônio que regula o metabolismo do cálcio. A vitamina A forne-ce o pigmento fotossensível do olho dos vertebrados e é um regulador da expressão gênica durante o crescimen-to das células epiteliais. A vitamina E funciona na prote-ção dos lipídeos de membrana contra o dano oxidativo, e a vitamina K é essencial no processo de coagulação sanguínea.

c As ubiquinonas e as plastoquinonas, também derivadas de isoprenoides, são transportadores de elétrons nas mitocôndrias e nos cloroplastos, respectivamente.

c Os dolicóis ativam e ancoram os açúcares às membra-nas celulares; os grupos açúcar são então utilizados na síntese de carboidratos complexos, glicolipídeos e gli-coproteínas.

c Os dienos conjugados a lipídeos servem como pigmen-tos nas flores e nos frutos e dão às penas das aves suas cores vistosas.

c Os policetídeos são produtos naturais amplamente usa-dos na medicina.

10.4 Trabalhando com lipídeosComo os lipídeos são insolúveis em água, sua extração e seu posterior fracionamento requerem o uso de solventes orgânicos e de algumas técnicas pouco utilizadas na purifi-cação de moléculas hidrossolúveis, como as proteínas e os carboidratos. Em geral, misturas complexas de lipídeos são separadas por diferenças na polaridade ou na solubilidade em solventes apolares. Os lipídeos que contêm ácidos gra-xos ligados a éster ou amida podem ser hidrolisados pelo tratamento com ácido ou base ou com enzimas hidrolíticas específicas (fosfolipases, glicosidases) para liberar seus componentes para análise. Alguns métodos comumente utilizados nas análises de lipídeos são mostrados na Figura 10-25 e discutidos a seguir.

A extração de lipídeos requer solventes orgânicosOs lipídeos neutros (triacilgliceróis, ceras, pigmentos, etc.) são prontamente extraídos dos tecidos com éter etílico, clorofórmio ou benzeno, solventes que não permitem a agregação causada pelas interações hidrofóbicas. Os lipí-

Espectrometria de massa com tipos, condiçõese modos de monitoramento diferentes

Homogeneizado emclorofórmio/metanol/água

Células

Metanol + água

Clorofórmio + lipídeos

Cromatografia deadsorção,

cromatografiagasosa, HPLC

Lipidoma

Espectrometriadireta do

extrato total

Tecido

Cromatografia emcamada delgada

(b)

(a)

(c)Separa as principais classes primeiro Usa o método rápido

FIGURA 1025 Procedimentos comuns na extração, na separação e na identificação de lipídeos celulares. (a) O tecido é homogeneizado em uma mistura de clorofórmio/metanol/água, que gera duas fases com a adi-ção de água e a remoção dos sedimentos não extraíveis por centrifugação. (b) As principais classes dos lipídeos extraídos na fase clorofórmio podem ser primeiro separados por cromatografia de camada delgada (CCD), na qual os lipídeos são carregados para cima em uma placa de sílica coberta de gel por uma frente ascendente de solvente, com os lipídeos menos polares migrando mais do que os lipídeos mais polares ou carregados, ou por cromatografia de adsorção em uma coluna de sílica gel em que passam solventes de polaridade crescente. Por exemplo, cromatografia em coluna com solventes apropriados pode ser usada para separar espécies lipídicas intimamente relacionadas, tal como fosfatidilserina, fosfatidilglicerol, e fosfatidilinositol. Uma vez separados, os ácidos graxos complementares a cada lipídeo podem ser determinados por espectrometria de massa. (c) Alternativamente, no método rápido, um extrato de lipídeos não fracionado pode ser diretamente submetido à espectrometria de massa de alta resolução de diferentes tipos e sob condições distintas para determinar a composição total de todos os lipídeos: o lipidoma.

Nelson_6ed_book.indb 377 Nelson_6ed_book.indb 377 02/04/14 18:4502/04/14 18:45

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Acúmulos anormais de lipídios de membrana: algumas doenças

Os lipídios polares das membranas sofrem constante renovação metabólica (turnover), e a sua taxa de síntese normalmente é contrabalançada por sua taxa de degradação.

A degradação dos lipídios é promovida por enzimas hidrolíticas nos lisossomos, sendo cada enzima capaz de hidrolisar uma ligação específica. Quando a degradação de esfingolipídios é prejudicada por um defeito em uma dessas enzimas, os produtos da degradação parcial se acumulam nos tecidos, causando doenças graves.

Por exemplo, a doença de Niemann-Pick é causada por um defeito genético raro na enzima esfingomielinase, que cliva a fosfocolina da esfingomielina. A Esfingomielina se acumula no encéfalo, no baço e no fígado. A doença se torna evidente em bebês e causa deficiência intelectual e morte prematura. Mais comum é a doença de Tay-Sachs, na qual o gangliosídeo GM2 se acumula no encéfalo e no baço devido à falta da enzima hexosaminidase A. Os sintomas da doença de Tay-Sachs são retardo progressivo no desenvolvimento, paralisia, cegueira e morte até os 3 ou 4 anos de idade.

O aconselhamento genético pode prever e evitar muitas doenças hereditárias. Os testes nos futuros pais podem detectar enzimas anormais, então testes de DNA podem determinar a natureza exata do defeito e o risco que ele representa para os descendentes. Uma vez que ocorra a gravidez, as células fetais obtidas por amostra de parte da placenta (da vilosidade coriônica) ou do líquido amniótico (amniocentese) podem ser testadas.

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 369)

NOTA

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RESUMO DO TÓPICO 7Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os lipídios são componentes celulares insolúveis em água, de estruturas diversas, que podem ser extraídos dos tecidos por solventes apolares.

• Quase todos os ácidos graxos, os componentes hidrocarbonados de muitos lipídios, têm um número par de átomos de carbono (geralmente 12 a 24); eles são saturados ou insaturados, com ligações duplas quase sempre na configuração cis.

• Os triacilgliceróis contêm três moléculas de ácidos graxos esterificadas aos três grupos hidroxila do glicerol.

• Os triacilgliceróis simples contêm somente um tipo de ácido graxo; os mistos contêm dois ou três tipos. Eles são principalmente gorduras de reserva, estando presentes em muitos alimentos.

• A hidrogenação parcial de óleos vegetais na indústria alimentícia converte algumas ligações duplas cis para a configuração trans. Ácidos graxos trans na dieta são um importante fator de risco para doenças cardíacas coronarianas.

• Os lipídios polares, com grupos polares e caudas apolares, são importantes componentes das membranas. Os mais abundantes são os glicerofosfolipídios, que contêm ácidos graxos esterificados a dois dos grupos hidroxila do glicerol e um segundo álcool, o grupo cabeça, esterificado à terceira hidroxila do glicerol via uma ligação fosfodiéster. Outros lipídios polares são os esteróis.

• Alguns tipos de lipídios, embora presentes em quantidades relativamente baixas, desempenham papéis cruciais como cofatores ou sinalizadores.

• As prostaglandinas, os tromboxanos e os leucotrienos (os eicosanoides), derivados do araquidonato, são hormônios extremamente potentes.

• Os hormônios esteroides, tal como os hormônios sexuais, são derivados dos esteróis. Servem como poderosos sinalizadores biológicos, alterando a expressão gênica nas células-alvos.

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AUTOATIVIDADE

1 Os lipídios possuem alta solubilidade em solventes orgânicos e baixa solubilidade em água (Hidrofóbicas). Estão distribuídos em todos os tecidos, principalmente nas membranas celulares e nas células de gordura, possuindo uma classificação muito ampla. A coluna I, a seguir, apresenta quatro grupos de lipídios, e a coluna II, alguns exemplos desses lipídios. Associe adequadamente a segunda coluna com a primeira.

COLUNA I COLUNA II1- Lipoproteína 2- Glicerídeos3- Esfingolipídio4- Esteroides

( ) Glicerol( ) Bainha de Mielina ( ) Colesterol( ) Testosterona ( ) Aldosterona( )HDL( ) LDL 

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:a) ( ) 2 – 3 – 1 – 4 – 4 – 2 – 1. b) ( ) 2 – 3 – 4 – 4 – 4 – 1 – 1. c) ( ) 3 – 1 – 3 – 4 – 2 – 1 – 4. d) ( ) 2 – 3 – 4 – 1 – 3 – 1 – 2. e) ( ) 1 – 2 – 2 – 3 – 1 – 3 – 4.

2 A  adrenoleucodistrofia, também conhecida pelo  acrônimo  ALD, é uma  doença genética rara, incluída no grupo das leucodistrofias, e que tem duas formas, sendo a mais comum a forma ligada ao cromossomo X, uma herança ligada ao sexo de caráter recessivo transmitida por mulheres portadoras e que afeta fundamentalmente homens. O causador é um gene mutante localizado no cromossomo X. Afeta as células brancas do cérebro, bem como o sistema nervoso, além de alterar o metabolismo dos peroxissomos, codificando a síntese da proteína ALDO, relacionada ao metabolismo lipídico. O filme O óleo de Lourenço fala sobre essa patologia genética. Essa patologia acaba trazendo danos às células nervosas – neurônios, em que um importante componente lipídico é degenerado. O componente lipídico é ___________________ e está presente no __________________ de neurônios.

A alternativa que completa a sentença é, respectivamente:a) ( ) Fosfolipídio, Corpo celular de neurônio.b) ( ) Esfingomielina, Dendritos.c) ( ) Cerídeos, Axônio.d) ( ) Esteroides, Terminal Axônico.e) ( ) Esfingomielina, Axônio.

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METABOLISMOUNIDADE 3 —

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• relatar a primeira e a segunda lei da termodinâmica e compreender como elas se aplicam aos sistemas biológicos;

• explicar o que signifi cam os termos energia livre, entropia, entalpia, exergônica e en-dergônica;

• observar como as reações endergônicas podem ser favorecidas por meio do acopla-mento às reações que são exergônicas nos sistemas biológicos;

• compreender o papel dos fosfatos de alta energia, do ATP e de outros nucleotídeos trifosfato na transferência de energia livre dos processos exergônicos para os ender-gônicos, possibilitando que atuem como a “moeda” energética nas células;

• explicar os conceitos das vias metabólicas anabólicas, catabólicas e anfi bólicas.

• descrever, em linhas gerais, o metabolismo de carboidratos, lipídios e aminoácidos no nível dos tecidos e órgãos e no nível subcelular e a conversão dos combustíveis metabólicos;

• caracterizar o modo como é regulado o fl uxo de metabólitos através de vias metabólicas;

• elucidar como uma provisão de combustíveis metabólicos é fornecida tanto no esta-do alimentado quanto no jejum, assim como a formação de reservas de combustíveis metabólicos no estado alimentado e a sua mobilização durante o jejum.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoa-tividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PRINCÍPIOS DA BIOENERGÉTICATÓPICO 2 – CICLO DO ÁCIDO CÍTRICOTÓPICO 3 – METABOLISMO DE ÁCIDOS GRAXOS E TRIGLICERÍDEOSTÓPICO 4 – METABOLISMO DE AMINOÁCIDOSTÓPICO 5 – METABOLISMO DE NUCLEOTÍDEOS

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

CHAMADA

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CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3!

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TÓPICO 1 —

PRINCÍPIOS DA BIOENERGÉTICA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

O metabolismo é uma atividade celular altamente coordenada, em que muitos sistemas multienzimáticos (vias metabólicas) cooperam para: (1) obter energia química capturando energia solar ou degradando nutrientes energeticamente ricos obtidos do meio ambiente; (2) converter as moléculas dos nutrientes em moléculas com características próprias de cada célula, incluindo precursores de macromoléculas; (3) polimerizar precursores monoméricos em macromoléculas (proteínas, ácidos nucleicos e polissacarídeos); e (4) sintetizar e degradar as biomoléculas necessárias para as funções celulares especializadas, como lipídios de membrana, mensageiros intracelulares e pigmentos. Embora o metabolismo englobe centenas de diferentes reações catalisadas por enzimas, o grande objetivo dessa unidade é o estudo das principais vias metabólicas, poucas em número e notavelmente semelhantes em todas as formas de vida (NELSON; COX, 2014).

Os organismos vivos podem ser divididos em dois grandes grupos de acordo com a forma química pela qual obtêm carbono do meio ambiente.

Os autotróficos (como bactérias fotossintéticas, algas verdes e plantas vasculares) podem usar o dióxido de carbono da atmosfera como sua única fonte de carbono, a partir do qual formam todas as suas biomoléculas constituídas de carbono. Alguns organismos autotróficos, como as cianobactérias, também podem utilizar nitrogênio atmosférico para gerar todos os seus componentes nitrogenados.

Os heterotróficos não conseguem utilizar o dióxido de carbono atmosférico e devem obter carbono a partir do ambiente na forma de moléculas orgânicas relativamente complexas, como a glicose. Os animais multicelulares e a maioria dos microrganismos são heterotróficos. As células e os organismos autotróficos são relativamente autossuficientes, enquanto as células e os organismos heterotróficos, por necessitarem de carbono em formas mais complexas, dependem de produtos de outros organismos (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

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2 SERES AUTOTRÓFICOS, HETEROTRÓFICOS E VIAS METABÓLICAS

Segundo Berg (2014), muitos organismos autotrófi cos são fotossintéticos e obtêm sua energia da luz solar, enquanto organismos heterotrófi cos obtêm sua energia a partir da degradação de nutrientes orgânicos produzidos por autotrófi cos. Em nossa biosfera, os autotrófi cos e heterotrófi cos vivem juntos em um ciclo vasto e interdependente onde os organismos autotrófi cos usam o dióxido de carbono atmosférico para construir suas biomoléculas orgânicas, alguns deles gerando oxigênio a partir da água durante o processo. Os organismos heterotrófi cos, por sua vez, utilizam os produtos orgânicos dos autotrófi cos como nutrientes e devolvem dióxido de carbono para a atmosfera. Algumas das reações de oxidação que produzem dióxido de carbono também consomem oxigênio, convertendo-o em água. Assim, carbono, oxigênio e água são constantemente reciclados entre os mundos heterotrófi co e autotrófi co, com a energia solar como a força que impulsiona esse processo global.

FIGURA 1 – CICLO DO DIÓXIDO DE CARBONO E DO OXIGÊNIO ENTRE O DOMÍNIO AUTOTRÓFICO (FOTOS-SINTÉTICO) E O HETEROTRÓFICO NA BIOSFERA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 502)

Todos os organismos vivos também exigem uma fonte de nitrogênio, necessária para a síntese de aminoácidos, nucleotídeos e outros componentes. As bactérias e as plantas, geralmente, podem usar amônia ou nitrato como única fonte de nitrogênio, mas os vertebrados devem obter nitrogênio na forma de aminoácidos ou de outros compostos orgânicos. Somente alguns organismos – as cianobactérias e muitas espécies de bactérias do solo, que vivem simbioticamente sobre as raízes de algumas plantas – são capazes de converter (“fi xar”) nitrogênio atmosférico (N2) em amônia. Outras bactérias (as bactérias nitrifi cantes) oxidam amônia em nitritos e nitratos; e outras, ainda, convertem nitrato a N2. As bactérias anamox convertem amônia e nitrito em N2. Portanto, além dos ciclos globais de carbono e oxigênio, um ciclo de nitrogênio opera

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na biosfera, movimentando enormes quantidades de nitrogênio (Figura 2). A reciclagem de carbono, oxigênio e nitrogênio que, em última análise, envolve todas as espécies, depende do equilíbrio adequado entre as atividades dos produtores (autotrófi cos) e consumidores (heterotrófi cos) em nossa biosfera (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 2 – CICLO DO NITROGÊNIO NA BIOSFERA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 502)

Esses ciclos de matéria são impulsionados por um enorme fl uxo de energia na biosfera, iniciando com a captura da energia solar pelos organismos fotossintéticos e a utilização dessa energia para gerar carboidratos ricos em energia e outros nutrientes orgânicos; esses nutrientes são, então, usados como fontes de energia por organismos heterotrófi cos. Nos processos metabólicos, e em todas as transformações energéticas, existe uma perda de energia útil (energia livre) e um aumento inevitável na quantidade de energia não utilizável (calor e entropia). Ao contrário da reciclagem de matéria, portanto, a energia fl ui em uma direção através da biosfera; os organismos não conseguem reciclar energia útil a partir da energia dissipada na forma de calor e entropia. Carbono, oxigênio e nitrogênio são reciclados continuamente, mas energia é constantemente transformada em formas não utilizáveis, como o calor (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

O metabolismo, a soma de todas as transformações químicas que ocorrem em uma célula ou em um organismo, ocorre por meio de uma série de reações catalisadas por enzimas que constituem as vias metabólicas. Cada uma das etapas consecutivas em uma via metabólica produz uma pequena alteração química específi ca, em geral a remoção, a transferência ou a adição de um átomo particular ou um grupo funcional. O precursor é convertido em um produto por meio de uma série de intermediários metabólicos chamados de metabólitos. O termo metabolismo intermediário frequentemente é aplicado às atividades combinadas de todas as vias metabólicas que interconvertem precursores, metabólitos e produtos de baixo peso molecular.

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Curiosidade:Todo mundo vive falando nesse tal de metabolismo. Mas, o que precisamos realmente saber sobre ele? Muitas pessoas acreditam que ele pode ser tratado como um músculo ou órgão, que você pode flexionar ou controlar de alguma forma. Mas, na realidade, o seu metabolismo está relacionado com uma série de processos químicos que ocorre em cada célula, que basicamente transforma as calorias que você consome em combustível para o corpo.

NOTA

Para Nelson e Cox (2014, p. 502):

O catabolismo é a fase de degradação do metabolismo, na qual moléculas, nutrientes orgânicos (carboidratos, gorduras e proteínas) são convertidas em produtos finais menores e mais simples (como ácido láctico, CO2 e NH3). As vias catabólicas liberam energia, e parte dessa energia é conservada na forma de ATP (adenosina trifosfato) e de transportadores de elétrons reduzidos (NADH – Dinucleótido de nicotinamida e adenina; NADPH –  Nicotinamida adenina dinucleótido fosfato e FADH2-Dinucleótido de flavina e adenina; o restante é perdido como calor. No anabolismo, também chamado de biossíntese, precursores pequenos e simples formam moléculas maiores e mais complexas, incluindo lipídios, polissacarídeos, proteínas e ácidos nucleicos. As reações anabólicas necessitam de fornecimento de energia, geralmente na forma de potencial de transferência do grupo fosforil do ATP e do poder redutor de NADH, NADPH e FADH2.

Algumas vias metabólicas são lineares e algumas são ramificadas, gerando múltiplos produtos úteis a partir de um único precursor ou convertendo vários precursores em um único produto. Em geral, as vias catabólicas são convergentes e as vias anabólicas são divergentes (Figura 3). Algumas vias são cíclicas: um composto inicial da via é regenerado em uma série de reações que converte outro componente inicial em um produto.

A maioria das células tem as enzimas para realizar tanto a degradação quanto a síntese das categorias importantes de biomoléculas – ácidos graxos, por exemplo. No entanto, a síntese e a degradação simultâneas de ácidos graxos seriam inúteis, e isso é evitado pela regulação recíproca das sequências de reações anabólicas e catabólicas: quando uma sequência está ativa, a outra está suprimida. Tal regulação não poderia ocorrer se as vias anabólicas e catabólicas fossem catalisadas por exatamente o mesmo grupo de enzimas, operando em um sentido para o anabolismo, e no sentido oposto para o catabolismo: a inibição de uma enzima envolvida no catabolismo também inibiria a sequência de reações no sentido do anabolismo. As vias catabólicas e anabólicas que conectam os mesmos produtos finais, como por exemplo a transformação da glicose em piruvato e vice-versa, podem empregar muitas das mesmas enzimas, mas

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invariavelmente pelo menos uma das etapas é catalisada por enzimas diferentes nos sentidos catabólico e anabólico, e essas enzimas constituem pontos de regulação independentes. Além disso, a fim de que as vias anabólicas e catabólicas sejam essencialmente irreversíveis, pelo menos uma das reações específicas de cada sentido deve ser termodinamicamente muito favorável – em outras palavras, uma reação cuja reação inversa é muito desfavorável. Como contribuição adicional à regulação independente das sequências de reações anabólicas e catabólicas, elas geralmente ocorrem em compartimentos celulares distintos: por exemplo, o catabolismo de ácidos graxos na mitocôndria, e a síntese dos ácidos graxos no citosol. Como as vias metabólicas são cineticamente controladas pela concentração do substrato, conjuntos separados de intermediários anabólicos e catabólicos também contribuem para o controle das taxas metabólicas. Esses recursos que separam os processos anabólicos e catabólicos serão de interesse particular em nossa discussão sobre o metabolismo (NELSON; COX; 2014, p. 503).

FIGURA 3 – TRÊS TIPOS DE VIAS METABÓLICAS NÃO LINEARES

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 504)

504 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

membrana, produzido tanto por oxidação de substratos como por absorção de luz, promove a síntese de ATP.

Os Capítulos 20 a 22 descrevem as principais vias ana-bólicas pelas quais as células utilizam a energia do ATP para produzir carboidratos, lipídeos, aminoácidos e nucleotídeos a partir de precursores mais simples. O Capítulo 23 volta a abordar o estudo das vias metabólicas – como elas ocorrem em todos os organismos, de Escherichia coli a humanos – e considera como elas são reguladas e integradas por me-canismos hormonais nos mamíferos.

No momento em que o foco de estudo será o metabo-lismo intermediário, uma observação final. Não esqueça de que uma grande quantidade das reações descritas nestas

páginas ocorre e tem funções fundamentais em organis-mos vivos. A cada reação e a cada via que você encontrar, questione: o que essa transformação química faz pelo or-ganismo? Como essa via se conecta com as outras vias que operam simultaneamente na mesma célula para produzir a energia e os produtos necessários para a manutenção e o crescimento da célula? Como os diferentes níveis dos me-canismos de regulação cooperam para o balanço metabólico e o fornecimento e consumo de energia, alcançando o es-tado de equilíbrio dinâmico da vida? Estudando com essa perspectiva, o metabolismo proporciona dados fascinantes e reveladores sobre a vida, com aplicações incontáveis na medicina, agricultura e biotecnologia.

Borracha

Ácidosbiliares

Hormôniosesteroides

(a) Catabolismo convergente

(b) Anabolismo divergenteOxaloacetato

CO2

CO2

(c) Via cíclica

Acetato(acetil-CoA)

Citrato

PiruvatoGlicoseGlicogênio

Fosfolipídeos

Alanina

Ácidos graxos

Leucina

Fenilalanina

Isoleucina

Amido

SerinaSacarose

Eicosanoides

Fosfolipídeos

Pigmentoscarotenoides

Vitamina K

Triacilgliceróis

Ésteres decolesteril

Triacilgliceróis

Mevalonato

Isopentenil--pirofosfato

Ácidos graxos

Acetoacetil-CoA

Diacilglicerol-CDP

Colesterol

FIGURA 4 Três tipos de vias metabólicas não linea-res. (a) Convergente, catabólica, (b) divergente, anabólica, e (c) cíclica. Em (c), um dos compostos de partida (no caso, o oxaloacetato) é regenerado e reingressa na via. O acetato, um intermediário metabólico chave, é o produto da degradação de uma variedade de combustíveis (a), serve de precursor de um grande número de produtos (b) e é consumido na via ca-tabólica conhecida como o ciclo do ácido cítrico (c).

Nelson_6ed_book.indb 504 Nelson_6ed_book.indb 504 03/04/14 07:4303/04/14 07:43

As vias metabólicas são reguladas em vários níveis, dentro e fora das células. A regulação mais imediata é a disponibilidade de substrato, a velocidade de reação depende muito da concentração do substrato. Um segundo tipo de controle rápido dentro da célula é a regulação alostérica por um intermediário metabólico ou por uma coenzima – um aminoácido ou ATP, por exemplo – que sinaliza o estado metabólico no interior da célula. Quando a célula contém uma quantidade de aspartato, por exemplo, suficiente para suas necessidades imediatas, ou quando os níveis celulares de ATP indicam não ser necessário o consumo adicional de combustível no momento, esses sinais inibem alostericamente a atividade de uma ou mais enzimas nas vias pertinentes. Em organismos multicelulares, as atividades metabólicas de tecidos diferentes são

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reguladas e integradas por fatores de crescimento e hormônios que atuam de fora da célula. Em alguns casos, essa regulação ocorre quase que instantaneamente (algumas vezes em menos de um milissegundo) por alterações nos níveis dos mensageiros intracelulares que, por sua vez, modificam a atividade de enzimas intracelulares por mecanismos alostéricos ou por modificações covalentes, como a fosforilação. Em outros casos, o sinal extracelular modifica a concentração celular de uma enzima alterando a velocidade de sua síntese ou degradação, de tal forma que o efeito é visto apenas em minutos ou horas (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

3 GLICÓLISE E VIA PENTOSE-FOSFATO

A glicose ocupa posição central no metabolismo de plantas, animais e muitos microrganismos. Ela é relativamente rica em energia potencial e, por isso, é um bom combustível. Por meio do armazenamento da glicose na forma de polímero de alta massa molecular, como o amido e o glicogênio, a célula pode estocar grandes quantidades de unidades de hexose, enquanto mantém a osmolaridade citosólica relativamente baixa. Quando a demanda de energia aumenta, a glicose pode ser liberada desses polímeros de armazenamento intracelulares e utilizada para produzir ATP de maneira aeróbia ou anaeróbia (NELSON; COX, 2014).

Para Nelson e Cox (2014), a glicose, além de excelente combustível, também é um precursor admiravelmente versátil, capaz de suprir uma enorme variedade de intermediários metabólicos em reações biossintéticas. Uma bactéria como a Escherichia coli pode obter, a partir da glicose, os esqueletos carbônicos para cada aminoácido, nucleotídeo, coenzima, ácido graxo ou outro intermediário metabólico necessário para o seu crescimento. Um estudo abrangente dos destinos metabólicos da glicose compreenderia centenas ou milhares de transformações químicas. Em animais e em vegetais vasculares, a glicose tem quatro destinos principais: ela pode ser usada na síntese de polissacarídeos complexos direcionados ao espaço extracelular; ser armazenada nas células (como polissacarídeo ou como sacarose); ser oxidada a compostos de três átomos de carbonos (piruvato) por meio da glicólise, para fornecer ATP e intermediários metabólicos; ou ser oxidada pela via das pentoses-fosfato (fosfogliconato) produzindo ribose-5-fosfato para a síntese de ácidos nucleicos e NADPH para processos biossintéticos redutores.

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149

FIGURA 4 – AS PRINCIPAIS VIAS DE UTILIZAÇÃO DA GLICOSE

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 389)

Os organismos sem acesso à glicose de outras fontes devem sintetizá-la. Os organismos fotossintéticos sintetizam glicose inicialmente por redução do CO2

atmosférico a trioses e, em seguida, por conversão das trioses em glicose. As células não fotossintéticas produzem glicose a partir de precursores simples com três ou quatro átomos de carbono pelo processo de gliconeogênese, que reverte a glicólise em uma via que utiliza muitas enzimas glicolíticas. Iremos descrever as reações individuais da glicólise, da gliconeogênese e da via das pentoses-fosfato e o signifi cado funcional de cada via, bem como os destinos metabólicos do piruvato produzido na glicólise.

Na glicólise (do grego glykys, “doce” ou “açúcar”, e lysis, “quebra”), uma molécula de glicose é degradada em uma série de reações catalisadas por enzimas, gerando duas moléculas do composto de três átomos de carbono, o piruvato. Durante as reações sequenciais da glicólise, parte da energia livre da glicose é conservada na forma de ATP e NADH. A glicólise foi a primeira via metabólica a ser elucidada e é provável que seja a mais bem entendida. Desde a descoberta da fermentação, em 1897, por Eduard Buchner, em extratos de células de levedura até a elucidação da via completa em leveduras (por Otto Warburg e Hans von Euler-Chelpin) e em músculo (por Gustav Embden e Otto Meyerhof) na década de 1930, as reações da glicólise em extratos de leveduras e de músculo foram o objetivo principal da pesquisa bioquímica (BERG, 2014).

O desenvolvimento de métodos de purifi cação de enzimas, a descoberta e o reconhecimento da importância de coenzimas, como o NAD, e a descoberta do crucial papel metabólico do ATP e de outros compostos fosforilados resultaram dos estudos da glicólise. Enzimas glicolíticas de muitas espécies foram purifi cadas e minuciosamente estudadas.

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150

A glicólise é uma via central quase universal do catabolismo da glicose, a via com o maior fluxo de carbono na maioria das células. A quebra glicolítica da glicose á a única fonte de energia metabólica em alguns tecidos e células de mamíferos (p. ex., eritrócitos, medula renal, cérebro e esperma). Alguns tecidos vegetais modificados para o armazenamento de amido (como os tubérculos da batata) e algumas plantas aquáticas (p. ex., agrião) derivam a maior parte de sua energia da glicólise; muitos microrganismos anaeróbios são totalmente dependentes da glicólise. Quando ocorre a degradação anaeróbia da glicose, utilizamos o termo Fermentação. Como os organismos vivos surgiram inicialmente em uma atmosfera sem oxigênio, a quebra anaeróbia da glicose provavelmente seja o mais antigo mecanismo biológico de obtenção de energia a partir de moléculas orgânicas combustíveis. O sequenciamento do genoma de vários organismos revelou que algumas arquibactérias e alguns microrganismos parasitas são deficientes em uma ou mais enzimas da glicólise, mas possuem as enzimas essenciais da via; provavelmente realizam formas variantes de glicólise. No curso da evolução, a sequência dessas reações químicas foi completamente conservada; as enzimas glicolíticas dos vertebrados são estreitamente similares, na sequência de aminoácidos e na estrutura tridimensional, às suas homólogas em levedura e no espinafre. A glicólise difere entre as espécies apenas nos detalhes de sua regulação e no destino metabólico subsequente do piruvato formado. Os princípios termodinâmicos e os tipos de mecanismos regulatórios que governam a glicólise são comuns a todas as vias do metabolismo celular. A via glicolítica de importância central por si só, também pode servir de modelo para muitos aspectos das vias discutidas ao longo desta unidade (NELSON; COX, 2014, p. 544).

A quebra da glicose, formada por seis átomos de carbono, em duas moléculas de piruvato, cada uma com três carbonos, ocorre em dez etapas, sendo que as cinco primeiras constituem a fase preparatória (nessas reações a glicose é inicialmente fosforilada no grupo hidroxil ligado ao C-6 (etapa 1). A D-glicose-6-fosfato assim formada e convertida a D-frutose-6-fosfato (etapa 2), a qual é novamente fosforilada, desta vez em C-1, para formar D-frutose-1,6-bifosfato (etapa 3). Nas duas reações de fosforilação, o ATP e o doador de grupos fosforil. Como todos os açúcares formados na glicólise são isômeros D, omite-se a designação D, exceto quando o objetivo e enfatizar sua estereoquímica (NELSON; COX, 2014).

Em bioquímica, fosforilação é a adição de um grupo fosfato (PO4) a uma proteína ou outra molécula. A fosforilação é um dos principais participantes nos mecanismos de regulação das proteínas. É importante nos mecanismos de reações da qual participa o trifosfato de adenosina (ATP), que funciona como uma "moeda de energia" nas células dos organismos vivos.

NOTA

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151

Em síntese, na fase preparatória da glicólise, a energia do ATP é consumida, aumentando o conteúdo de energia livre dos intermediários, e as cadeias de carbono de todas as hexoses metabolizadas são convertidas a um produto comum, o gliceraldeido-3-fosfato.

IMPORTANTE

A frutose-1,6-bifosfato é dividida em duas moléculas de três carbonos, a di-hidroxiacetona-fosfato e o gliceraldeido-3-fosfato (etapa 4); essa é a etapa de “lise” que dá nome à via. A di-hidroxiacetona-fosfato é isomerizada a uma segunda molécula de gliceraldeido-3-fosfato (etapa 5), finalizando a primeira fase da glicólise. Note que duas moléculas de ATP são consumidas antes da clivagem da glicose em duas partes de três carbonos; haverá depois um bom retorno para esse investimento (NELSON; COX, 2014).

Os ganhos de energia provêm da fase de pagamento da glicólise (Figura 5). Cada molécula de gliceradeido-3- -fosfato é oxidada e fosforilada por fosfato inorgânico (não por ATP) para formar 1,3-bifosfoglicerato (etapa 6). Ocorre liberação de energia quando as duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato são convertidas a duas moléculas de piruvato (etapas 7 a 10). Grande parte dessa energia é conservada pela fosforilação acoplada de quatro moléculas de ADP a ATP. O rendimento líquido são duas moléculas de ATP por molécula de glicose utilizada, já que duas moléculas de ATP foram consumidas na fase preparatória. A energia também é conservada na fase de pagamento com a formação de duas moléculas do transportador de elétrons NADH por moléculas de glicose (NELSON; COX, 2014).

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152

FIGURA 5 – FASE DE PAGAMENTO DA GLICÓLISE

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 545)

Nas reações seguintes da glicólise, três tipos de transformações químicas são particularmente notáveis: (1) a degradação do esqueleto carbônico da glicose para produzir piruvato; (2) a fosforilação de ADP a ATP pelos compostos com alto potencial de transferência de grupos fosforil, formados durante a glicólise; e (3) a transferência de um íon hidreto para o NAD1, formando NADH.

3.1 A FASE PREPARATÓRIA DA GLICÓLISE REQUER ATP

Na fase preparatória da glicólise, duas moléculas de ATP são consumidas e a cadeia carbônica da hexose é clivada em duas trioses-fosfato. A compreensão de que as hexoses fosforiladas são intermediárias na glicólise foi conseguida lentamente e por um feliz acaso. Em 1906, Arthur Harden e William Young testaram suas hipóteses de que inibidores de enzimas proteolíticas estabilizariam as enzimas da fermentação da glicose em extratos de leveduras. Adicionaram soro sanguíneo (conhecido por conter inibidores de enzimas proteolíticas) a extratos de levedura e observaram o estímulo predito do metabolismo da glicose. No entanto, em um experimento de controle realizado com a intenção de demonstrar que ferver o soro destrói a atividade estimulante, eles descobriram que o soro fervido foi tão efetivo em estimular a glicólise quanto o soro não fervido. Exames cuidadosos e testes do conteúdo do soro fervido revelaram que o fosfato inorgânico foi o responsável pela estimulação. Harden e Young logo perceberam

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153

que a glicose adicionada ao seu extrato de levedura era convertida a hexose-bifosfato. Esse foi o início de uma longa série de investigações sobre o papel dos ésteres orgânicos e anidridos de fosfato em bioquímica, que levaram ao nosso entendimento atual do papel central da transferência de grupos fosforil em biologia (NELSON; COX, 2014).

A fosforilação da glicose é catalisada pela hexocinase. Cinases são enzimas que catalisam a transferência do grupo fosforil terminal do ATP a um aceptor nucleofílico. As cinases são uma subclasse das transferases. Ela geralmente, como muitas outras cinases, requer Mg21 para sua atividade, já que o verdadeiro substrato da enzima não é ATP4-, mas sim o complexo MgATP22. A hexocinase está presente em praticamente todos os organismos. O genoma humano codifica quatro hexocinases diferentes (I a IV), e todas catalisam a mesma reação (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

3.2 A FASE DE PAGAMENTO DA GLICÓLISE PRODUZ ATP E NADH

A fase de pagamento da glicólise (Figura 5) inclui as etapas de fosforilação que conservam energia, nas quais parte da energia química da molécula da glicose é conservada na forma de ATP e NADH. Lembre-se de que uma molécula de glicose rende duas moléculas de gliceraldeido-3-fosfato, e as duas metades da molécula de glicose seguem a mesma via na segunda fase da glicólise. A conversão das duas moléculas de gliceraldeido-3-fosfato a duas moléculas de piruvato é acompanhada pela formação de quatro moléculas de ATP a partir de ADP. No entanto, o rendimento líquido de ATP por molécula de glicose consumida é de apenas dois, já que dois ATP foram consumidos na fase preparatória da glicólise para fosforilar as duas extremidades da molécula da hexose (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

4 A CAPTAÇÃO DA GLICOSE É DEFICIENTE NO DIABETES MELITO TIPO 1

O metabolismo de glicose em mamíferos é limitado pela taxa de captação da glicose pelas células e sua fosforilação pela hexocinase. A captação da glicose do sangue é mediada pela família GLUT de transportadores de glicose. Nelson e Cox (2014, p. 558) relatam que:

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154

Os transportadores nos hepatócitos (GLUT1, GLUT2) e nos neurônios cerebrais (GLUT3) estão sempre presentes nas membranas plasmáticas. Por outro lado, o principal transportador de glicose nas células do músculo esquelético, músculo cardíaco e tecido adiposo (GLUT4) está armazenado em pequenas vesículas intracelulares e se desloca para a membrana plasmática apenas em resposta a um sinal de insulina. Portanto, em músculo esquelético, coração e tecido adiposo, a captação e o metabolismo da glicose dependem da liberação normal de insulina pelas células b pancreáticas em resposta à quantidade elevada de glicose no sangue.

Os indivíduos com diabetes melito tipo 1 (também chamado de diabetes dependente de insulina) têm pouquíssimas células b e são incapazes de liberar insulina suficiente para desencadear a captação de glicose pelas células do músculo esquelético, do coração ou do tecido adiposo. Assim, após uma refeição contendo carboidratos, a glicose se acumula a níveis anormalmente altos no sangue, condição conhecida como hiperglicemia. Incapazes de captar glicose, o músculo e o tecido adiposo utilizam os ácidos graxos armazenados nos triacilgliceróis como seu principal combustível. No fígado, a acetil-CoA, derivada da degradação desses ácidos graxos, é convertida a “corpos cetônicos” – acetoacetato e b-hidroxibutirato – que são exportados e levados a outros tecidos para serem utilizados como combustível. Esses compostos são especialmente críticos para o cérebro, que utiliza os corpos cetônicos como combustível alternativo quando a glicose está indisponível (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Em pacientes com diabetes tipo 1 não tratados, a superprodução de acetoacetato e b-hidroxibutirato leva a seu acúmulo no sangue e a consequente redução do pH sanguíneo leva à cetoacidose, uma condição potencialmente letal.

Você sabia?Os ácidos graxos não conseguem atravessar a barreira hematoencefálica e, por isso, não servem de combustível para os neurônios do encéfalo.

NOTA

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155

FIGURA 6 – EFEITO DO DIABETES TIPO 1 SOBRE O METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS E DAS GORDURAS EM UM ADIPÓCITO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 559)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 559

continua o processo de degradação. A a-amilase pancreá-tica gera principalmente maltose e maltotriose (os di e trissacarídeos de glicose) e oligossacarídeos chamados de dextrinas-limite, fragmentos de amilopectina conten-do pontos de ramificação (a1S6). A maltose e as dex-trinas são degradadas até glicose por enzimas do epité-lio intestinal com borda em escova (as microvilosidades das células epiteliais do intestino, que aumentam muito a área da superfície intestinal). O glicogênio da dieta tem

essencialmente a mesma estrutura do amido, e sua diges-tão segue a mesma via.

Como foi visto no Capítulo 7, a maioria dos animais não pode digerir celulose devido à falta da enzima celulase, que cliva as ligações glicosídicas (b1S4) da celulose. Em ani-mais ruminantes, o estômago estendido inclui uma câmara onde microrganismos simbióticos que produzem celulase degradam celulose em moléculas de glicose. Esses micror-ganismos utilizam a glicose resultante por meio de fermen-

Membranaplasmática

GLUT4

Glicose

Gota de gordura

Ácidograxo Triacilglicerol

Glicose entra por meio de GLUT4

Hexocinase fosforila a glicose

Glicólise

Cetoacidoseacetoacetato,

b-hidroxibutirato

Oxidação do piruvato pelo ciclo do ácido cítrico

Glicose-6-fosfato

Via daspentoses--fosfato Ribulose-5-fosfato

Piruvato

CO2CO2

Fosforilaçãooxidativa namitocôndria

Vesículas contendo GLUT4 fundem-se com a membrana plasmática

A mobilização de triacilglicerol fornece ácidos graxos como combustível alternativo

A transferência de elétrons nas mitocôndrias direciona a síntese de ATP

,30 ATP

2 ATP

➊ Pâncreas secreta insulina

Principal defeito no diabetes

IRS

Receptor de insulina ativado

PI-3K

PKB

FIGURA 1410 Efeito do diabetes tipo 1 sobre o metabolismo dos carboidratos e das gorduras em um adipócito. Normal-

mente, a insulina desencadeia a inserção de transportadores GLUT4 na membrana plasmática pela fusão de vesículas contendo GLUT4 com a mem-brana, permitindo a captação de glicose do sangue. Quando os níveis de in-sulina diminuem no sangue, GLUT4 é ressequestrado em vesículas por endo-citose. No diabetes melito tipo 1 (dependente de insulina), a inserção de GLUT4 nas membranas, assim como outros processos normalmente estimu-lados por insulina, estão inibidos como indicado por X. A deficiência de insu-lina impede a captação de glicose por GLUT4; como consequência, as células

são privadas de glicose, enquanto ela está elevada na corrente sanguínea. Sem glicose para o suprimento de energia, os adipócitos degradam triacilgli-ceróis estocados em gotas de gordura e fornecem os ácidos graxos resultan-tes para outros tecidos para a produção mitocondrial de ATP. Dois subprodu-tos da oxidação dos ácidos graxos acumulam-se no fígado (acetoacetato e b-hidroxibutirato, ver p. 686) e são liberados na corrente sanguínea, forne-cendo combustível para o cérebro, mas também diminuindo o pH do san-gue, causando cetoacidose. A mesma sequência de eventos ocorre no mús-culo, exceto que os miócitos não estocam triacilgliceróis, mas captam os ácidos graxos que são liberados na corrente sanguínea pelos adipócitos.

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5 VIAS ALIMENTADORAS DA GLICÓLISE

Muitos carboidratos, além da glicose, encontram seus destinos catabólicos na glicólise, após serem transformados em um dos intermediários glicolíticos. Os mais significativos são os polissacarídeos de armazenamento, glicogênio e amido, contidos nas células (endógenos) ou obtidos da dieta; os dissacarídeos maltose, lactose, trealose e sacarose; e os monossacarídeos frutose, manose e galactose.

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FIGURA 7 – ENTRADA DE GLICOGÊNIO, AMIDO, DISSACARÍDEOS E HEXOSES DA DIETA NO ESTÁGIO PREPA-RATÓRIO DA GLICÓLISE

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 410)

5.1 OS POLISSACARÍDEOS E OS DISSACARÍDEOS DA DIETA

Para a maioria dos seres humanos, o amido é a principal fonte de carboidratos na dieta. A digestão inicia na boca, onde a amilase salivar hidrolisa as ligações glicosídicas internas do amido, produzindo fragmentos polissacarídeos curtos ou oligossacarídeos. No estômago, a amilase salivar é inativada pelo pH baixo, mas uma segunda forma de amilase, secretada pelo pâncreas no intestino delgado, continua o processo de degradação. A amilase pancreática gera principalmente maltose e maltotriose (os di e trissacarídeos de glicose) e oligossacarídeos chamados de dextrinas-limite, fragmentos de amilopectina. A maltose e as dextrinas são degradadas até glicose por enzimas do epitélio intestinal com borda em escova (as microvilosidades das células epiteliais do intestino, que aumentam muito a área da superfície intestinal). O glicogênio da dieta tem essencialmente a mesma estrutura do amido, e sua digestão segue a mesma via (NELSON; COX, 2014).

560 D AV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

tação anaeróbia, produzindo grandes quantidades de pro-pionato. Esse propionato serve como material de partida para a gliconeogênese, que gera a maior parte da lactose do leite.

O glicogênio endógeno e o amido são degradados por fosforóliseOs estoques de glicogênio em tecidos animais (principal-mente no fígado e no músculo esquelético), em micror-ganismos ou em tecidos vegetais podem ser mobilizados, para o uso da mesma célula, por uma reação fosfolítica ca-talisada pela glicogênio-fosforilase (amido-fosforilase em vegetais) (Figura 14-12). Essas enzimas catalisam o ataque por Pi sobre a ligação glicosídica (a1S4) que une os dois últimos resíduos de glicose na extremidade não re-dutora, gerando glicose-1-fosfato e um polímero com uma unidade de glicose a menos. A fosforólise preserva parte da energia da ligação glicosídica do éster-fosfato da glico-se-1-fosfato. A glicogênio-fosforilase (ou amido-fosforilase) age repetidamente até alcançar um ponto de ramificação

(a1S6) (ver Figura 7-13), onde cessa sua ação. Uma enzi-ma de desramificação remove as ramificações. Os meca-nismos e o controle da degradação de glicogênio são descri-tos em maior detalhe no Capítulo 15.

A glicose-1-fosfato produzida pela glicogênio-fosforilase é convertida a glicose-6-fosfato pela fosfoglicomutase, que catalisa a reação reversível:

Glicose-1-fosfato ∆ Glicose-6-fosfato

A fosfoglicomutase utiliza basicamente o mesmo mecanis-mo que a fosfoglicerato-mutase (Figura 14-9): ambas en-volvem um intermediário bifosfato, e a enzima é transito-riamente fosforilada em cada ciclo catalítico. O nome geral mutase é dado a enzimas que catalisam a transferência de um grupo funcional de uma posição para outra, na mesma molécula. As mutases são uma subclasse das isomerases, enzimas que interconvertem estereoisômeros ou isômeros estruturais ou de posição (ver Tabela 6-3). A glicose-6-fos-fato formada na reação da fosfoglicomutase pode entrar na glicólise ou em outra via, como a via das pentoses-fosfato, descrita na Seção 14.5.

OH

H H

H

OH

CH2OH

Gliceraldeído-3--fosfato

Sacarase

Frutose-1--fosfato--aldolase

UDP-galactose

H2O

CH2OHO

H

HH

OHHO

OH

O

HO

H H H

H

OH H

CH2OH

D-Glicose

D-Galactose

D-Manose

D-Frutose

OH

OH

OH

HOCH2

Glicogênio dadieta; amido

Glicose-1--fosfato

Lactose

Manose-6-fosfato

Pi

Glicose 6--fosfato

Sacarose

Trealose

Fosfoglicomutase

Lactase

a -amilase

Trealase

UDP-glicose

OHO

H

H H

H

OH H

CH2OH

OH

OH

HO

OH

H

ATP

Hexocinase

ATP

ATP

Fosfomanose-isomerase

Frutose-1,6--bifosfato

Triose-fosfato--isomerase

Frutose-1-fosfato

ATP Frutocinase

Gliceraldeído 1 Di-hidroxiacetonafosfato

Triosecinase

Hexocinase

ATP

Frutose6-fosfato

Hexocinase

Fosforilase

Glicogênioendógeno

FIGURA 1411 Entrada de glicogênio, amido, dissacarídeos e hexoses da dieta no estágio preparatório da glicólise.

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157

5.2 O GLICOGÊNIO ENDÓGENO E O AMIDO SÃO DEGRADADOS POR FOSFORÓLISE

Os estoques de glicogênio em tecidos animais (principalmente no fígado e no músculo esquelético), em microrganismos ou em tecidos vegetais podem ser mobilizados, para o uso da mesma célula, por uma reação fosfolítica catalisada pela glicogênio-fosforilase (amido-fosforilase em vegetais) (Figura 9). A fosforólise preserva parte da energia da ligação glicosídica do ester-fosfato da glicose- 1-fosfato (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

FIGURA 8 – DEGRADAÇÃO DO GLICOGÊNIO INTRACELULAR PELA GLICOGÊNIO-FOSFORILASE

FONTE: Berg, Tymoczko e Stryert (2015, p. 561)

A quebra de polissacarídeos da dieta, como o glicogênio e o amido no trato gastrintestinal, por fosforólise, em vez de hidrólise, não produziria ganho de energia: açúcares fosfatados não são transportados para dentro das células que revestem o intestino, devendo primeiro ser desfosforilados a açúcar livre. Os dissacarídeos devem ser hidrolisados a monossacarídeos antes de entrar na célula (NELSON; COX, 2014).

Os monossacarídeos assim formados são transportados ativamente para as células epiteliais, em seguida passam para o sangue e são transportados para vários tecidos, onde são fosforilados e entram na sequência glicolítica.

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 561

PROBLEMA RESOLVIDO 141 Economia de energia para a quebra do glicogênio por fosforólise

Calcule a economia de energia (em moléculas de ATP por monômeros de glicose) obtida pela quebra do glicogênio por fosforólise em vez de hidrólise para iniciar o processo de glicólise.

Solução: A fosforólise produz uma glicose fosforilada (gli-cose-1-fosfato), que é então convertida a glicose-6-fosfato – sem gasto da energia celular (1 ATP) necessária para a formação de glicose-6-fosfato a partir de glicose livre. Por-tanto, é consumido apenas 1 ATP por monômero de glicose na fase preparatória, em comparação com 2 ATP consumi-dos quando a glicólise inicia com glicose livre. Consequen-temente, a célula ganha 3 ATP por monômero de glicose (4 ATP produzidos na fase de pagamento menos 1 ATP usado na fase preparatória), em vez de 2 – uma economia de 1 ATP por monômero de glicose.

A quebra de polissacarídeos da dieta, como o glicogênio e o amido, no trato gastrintestinal por fosforólise em vez de hidrólise não produziria ganho de energia: açúcares fos-fatados não são transportados para dentro das células que revestem o intestino, devendo primeiro ser desfosforilados a açúcar livre.

Os dissacarídeos devem ser hidrolisados a monossaca-rídeos antes de entrar na célula. Dissacarídeos intestinais e dextrinas são hidrolisados por enzimas acopladas à superfí-cie externa das células epiteliais intestinais:

Dextrina 1 nH2Odextrinase

n D-glicose

Maltose 1 H2Omaltase

2 D-glicose

Lactose 1 H2Olactase

D-galactose 1 D-glicose

Sacarose 1 H2Osacarase

D-frutose 1 D-glicose

Trealose 1 H2Otrealase

2 D-glicose

Os monossacarídeos assim formados são transportados ativamente para as células epiteliais (ver Figura 11-43), em seguida passam para o sangue e são transportados para vá-rios tecidos, onde são fosforilados e entram na sequência glicolítica.

A intolerância à lactose, comum entre adultos na maior parte das populações humanas, exceto aquelas

originárias do norte da Europa e alguns países da África, é devida ao desaparecimento, após a infância, da maior parte ou de toda atividade lactásica das células epiteliais intesti-nais. Na ausência de lactase intestinal, a lactose não pode ser completamente digerida e absorvida no intestino delga-do, passando para o intestino grosso, onde bactérias a con-vertem em produtos tóxicos que causam cãibras abdominais e diarreia. O problema é ainda mais complicado porque a lactose não digerida e seus metabólitos aumentam a osmola-ridade do conteúdo intestinal, favorecendo a retenção de água no intestino. Na maioria dos lugares do mundo onde a intolerância à lactose é prevalente, o leite não é usado como alimento para adultos, embora os produtos do leite pré-dige-ridos com lactase estejam comercialmente disponíveis em alguns países. Em certas patologias humanas, estão ausen-tes algumas ou todas as dissacaridases intestinais. Nesses casos, o distúrbio digestivo ocasionado pelos dissacarídeos da dieta pode ser minimizado por uma dieta controlada. ■

Outros monossacarídeos entram na via glicolítica em diversos pontosNa maior parte dos organismos, outras hexoses além da gli-cose podem sofrer glicólise após a conversão a um derivado fosforilado. A D-frutose, presente na forma livre em muitas frutas e formada pela hidrólise da sacarose no intestino del-gado de vertebrados, é fosforilada pela hexocinase:

Esta é a principal via de entrada da frutose na glicólise nos músculos e nos rins. No fígado, a frutose entra por uma via diferente. A enzima hepática frutocinase catalisa a fosfori-lação da frutose em C-1 em vez de C-6:

HOOH

OH

O2

O2

OH

O

O

O

H

HH

H

H

P

Glicogênio (amido)n unidades de glicose

Glicogênio-(amido)--fosforilase

O2

O2O P

Extremidade não redutora

CH2OH

OH

OH

O

O

H

HH

H

H H

CH2OH

HOOH

OH

O

O

H

HH

H

H

Glicogênio (amido)(n-1) unidades de glicose

HO

CH2OH

OH

OH

O

O

H

HH

H

H H

CH2OH

1

Glicose-1-fosfato

FIGURA 1412 Degradação do glicogênio intracelular pela glicogê-nio-fosforilase. A enzima catalisa o ataque pelo fosfato inorgânico (em cor salmão) sobre o resíduo glicosil terminal (em azul) na extremidade não redu-tora de uma molécula de glicogênio, liberando glicose-1-fosfato e formando uma molécula de glicogênio com um resíduo de glicose a menos. A reação é uma fosforólise (não hidrólise).

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A intolerância à lactose, comum entre adultos na maior parte das populações humanas, exceto aquelas originárias do norte da Europa e alguns países da África, é devida ao desaparecimento, após a infância, da maior parte ou de toda atividade lactásica das células epiteliais intestinais. Na ausência de lactase intestinal, a lactose não pode ser completamente digerida e absorvida no intestino delgado, passando para o intestino grosso, onde bactérias a convertem em produtos tóxicos que causam cãibras abdominais e diarreia. O problema é ainda mais complicado porque a lactose não digerida e seus metabólitos aumentam a osmolaridade do conteúdo intestinal, favorecendo a retenção de água no intestino. Na maioria dos lugares do mundo, onde a intolerância a lactose é prevalente, o leite não é usado como alimento para adultos, embora os produtos do leite pré-digeridos com lactase estejam comercialmente disponíveis em alguns países. Em certas patologias humanas estão ausentes algumas ou todas as dissacaridases intestinais. Nesses casos, o distúrbio digestivo ocasionado pelos dissacarídeos da dieta pode ser minimizado por uma dieta controlada (NELSON; COX, 2014).

IMPORTANTE

6 GLICONEOGÊNESE

O papel central da glicose no metabolismo surgiu cedo na evolução e esse açúcar permanece sendo combustível quase universal e unidade estrutural nos organismos atuais, desde micróbios até humanos. Em mamíferos, alguns tecidos dependem quase completamente de glicose para sua energia metabólica. Para o encéfalo humano e o sistema nervoso, assim como para os eritrócitos, os testículos, a medula renal e os tecidos embrionários, a glicose do sangue é a principal ou a única fonte de combustível. Apenas o encéfalo requer em média 120 g de glicose por dia – mais da metade de toda a glicose estocada como glicogênio nos músculos e no fígado. No entanto, o suprimento de glicose a partir desses estoques não é sempre suficiente; entre as refeições e durante períodos de jejum mais longos, ou após exercício vigoroso, o glicogênio se esgota. Para esses períodos, os organismos precisam de um método para sintetizar glicose a partir de precursores que não são carboidratos. Isso é realizado por uma via chamada de gliconeogênese (“nova formação de açúcar”), que converte em glicose o piruvato e os compostos relacionados, com três e quatro carbonos (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

A gliconeogênese ocorre em todos os animais, vegetais, fungos e microrganismos. As reações são essencialmente as mesmas em todos os tecidos e em todas as espécies. Os precursores importantes da glicose em animais são compostos de três carbonos como o lactato, o piruvato e o glicerol, assim como certos aminoácidos (Figura 10). Em mamíferos, a gliconeogênese ocorre principalmente no fígado, e em menor extensão no córtex renal e nas células epiteliais que revestem internamente o intestino delgado. A glicose assim produzida passa para o sangue e vai suprir outros tecidos. Após exercícios

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vigorosos, o lactato produzido pela glicólise anaeróbia no músculo esquelético retorna para o fígado e é convertido a glicose, que volta para os músculos e é convertida a glicogênio – circuito chamado de ciclo de Cori (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 9 – SÍNTESE DE CARBOIDRATOS A PARTIR DE PRECURSORES SIMPLES

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 569)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 569

nucleotídeos, coenzimas e uma série de outros metabólitos essenciais das plantas. Em muitos microrganismos, a glico-neogênese inicia a partir de compostos orgânicos simples de dois ou três carbonos, como acetato, lactato e propiona-to, presentes em seu meio de crescimento.

Embora as reações da gliconeogênese sejam as mesmas em todos os organismos, o contexto metabólico e a regu-lação da via diferem de uma espécie para outra e de teci-do para tecido. Nesta seção, analisa-se a gliconeogênese e como ela ocorre no fígado de mamíferos. No Capítulo 20 é mostrado como organismos fotossintéticos usam essa via para converter os produtos primários da fotossíntese em glicose, para ser estocada como sacarose ou amido.

A gliconeogênese e a glicólise não são vias idênticas cor-rendo em direções opostas, embora compartilhem várias etapas (Figura 14-17); sete das 10 reações enzimáticas da gliconeogênese são o inverso das reações glicolíticas. No

GlicoproteínasGlicose

sanguínea

Glicogênio

Aminoácidosglicogênicos

Ciclodo ácido

cítrico

Glicose-6-fosfato

Outrosmonossacarídeos Sacarose

Dissacarídeos

Piruvato

Lactato

Fosfoenol--piruvato

3-Fosfoglicerato

Fixação doCO2

Triacilgliceróis

Glicerol

Animais Plantas

Amido

Energia

FIGURA 1416 Síntese de carboidratos a partir de precursores sim-ples. A via a partir de fosfoenolpiruvato até glicose-6-fosfato é comum para a conversão biossintética de muitos precursores diferentes de carboidratos de animais e plantas. A via partindo de piruvato a fosfoenolpiruvato passa por oxaloacetato, um intermediário do ciclo do ácido cítrico, discutido no Capítulo 16. Qualquer composto que possa ser convertido a piruvato ou oxaloacetato pode, consequentemente, servir como material inicial para a gliconeogênese. Isso inclui alanina e aspartato, que podem ser converti-dos a piruvato e oxaloacetato, respectivamente, e outros aminoácidos que também podem gerar fragmentos de três ou quatro carbonos, os chamados aminoácidos glicogênicos (ver Tabela 14-4; ver também Figura 18-15). Plan-tas e bactérias fotossintetizantes são as únicas capazes de converter CO2 em carboidratos, usando o ciclo de Calvin (ver Seção 20.1).

Hexocinase

Fosfofrutocinase-1

Piruvato--cinase

Glicose-6--fosfatase

Frutose-1,6--bifosfatase-1

Piruvato--carboxilase

PEP--carboxicinase

Glicose

Pi

Glicose--6-fosfato

Frutose-6--fosfato

Frutose-1,6--bifosfato

(2) Gliceraldeído-3--fosfato

(2) 1,3-Bifosfoglicerato

(2) 3-Fosfoglicerato

(2) 2-Fosfoglicerato

(2) Fosfoenolpiruvato

(2) Oxaloacetato

Di-hidroxiacetona--fosfato

Di-hidroxiacetona--fosfato

GliconeogêneseGlicólise

ATP

ADP H2O

PiATP

ADP H2O

2Pi

2NADH 1 2H1

2ADP

2GDP

2GTP

2NAD12Pi

2NADH 1 2H1

2NAD1

2ATP

2ADP

2ATP

2ADP

2ATP

2ADP

(2) Piruvato

2ATP

FIGURA 1417 Vias opostas da glicólise e da gliconeogênese em fíga-do de rato. As reações da glicólise estão do lado esquerdo, em vermelho; a via oposta, a gliconeogênese, está mostrada do lado direito, em azul. Os principais pontos de regulação da gliconeogênese representados aqui são discutidos posteriormente neste capítulo e em detalhe no Capítulo 15. A Fi-gura 14-20 ilustra uma rota alternativa para a produção de oxaloacetato na mitocôndria.

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Alta taxa da glicólise em tumores sugere alvos para quimioterapia e facilita o diagnóstico

José de Felippe Junior

Em muitos tipos de tumores encontrados em humanos e em outros animais, a captação e a degradação de glicose ocorrem cerca de 10 vezes mais rápido do que em tecidos normais, não cancerosos. A maior parte das células tumorais cresce em condições de hipóxia (i.e., com suprimento de oxigênio limitado) devido à falta, pelo menos inicialmente, das redes capilares que suprem com oxigênio suficiente. Células cancerosas localizadas a mais de 100 a 200 mm dos capilares mais próximos dependem somente da glicose (sem oxidação adicional de piruvato) para a maior parte da produção de ATP. O rendimento de energia (2 ATP por glicose) é muito menor do que o que pode ser obtido pela oxidação completa do piruvato a CO2 na mitocôndria (cerca de 30 ATP por glicose). Portanto, para fazer a mesma quantidade de ATP, as células tumorais devem captar muito mais glicose do que as células normais, convertendo-a a piruvato e depois a lactato enquanto reciclam NADH. É provável que as duas etapas iniciais na transformação de uma célula normal em uma célula tumoral sejam (1) a mudança para a dependência da glicólise na produção de ATP, e (2) o desenvolvimento de tolerância a pH baixo no fluido extracelular (causado pela liberação do produto da glicólise, o ácido láctico). Em geral, quanto mais agressivo é o tumor, maior é a taxa de glicólise.

Esse aumento da glicólise é alcançado ao menos em parte pelo aumento da síntese das enzimas glicolíticas e dos transportadores da membrana plasmática GLUT1 e GLUT3 que carregam a glicose para a célula. Com a alta velocidade de glicólise resultante, as células tumorais podem sobreviver em condições anaeróbias até que o suprimento de vasos sanguíneos alcance o tumor em crescimento. Outra proteína induzida por HIF-1 e o hormônio peptídico VEGF (fator de crescimento vascular endotelial), que estimula crescimento dos vasos sanguíneos (angiogênese) em direção do tumor. Existe também a evidência de que a proteína supressora de tumor p53, mutada na maior parte dos tipos de câncer, controla a síntese e a montagem das proteínas mitocondriais essenciais para o transporte dos elétrons ao O2. As células com p53 mutada são deficientes no transporte de elétrons na mitocôndria e são forçadas a depender mais significativamente da glicólise para a produção de ATP. Essa dependência maior dos tumores pela glicólise em comparação aos tecidos normais sugere uma possibilidade de terapia anticâncer: inibidores da glicólise poderiam atingir e matar tumores por esgotar seu suprimento de ATP.

FONTE: Adaptado de <http://www.medicinabiomolecular.com.br/biblioteca/pdfs/Cancer/ca-0369.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2019.

LEITURACOMPLEMENTAR

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RESUMO DO TÓPICO 1Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A glicólise é uma via quase universal pela qual uma molécula de glicose é oxidada a duas moléculas de piruvato, com energia conservada na forma de ATP e NADH.

• Na fase preparatória da glicólise, ATP é consumido para a conversão de glicose em frutose-1,6-bifosfato.

• Na fase de pagamento, cada uma das duas moléculas de gliceraldeido-3-fosfato derivada da glicose sofre oxidação em C-1; a energia dessa reação de oxidação é conservada na forma de um NADH e dois ATP.

• A glicólise é rigidamente regulada de forma coordenada com outras vias geradoras de energia para garantir um suprimento constante de ATP.

• No diabetes tipo 1, a captação deficiente de glicose pelo músculo e tecido adiposo tem efeitos profundos sobre o metabolismo de carboidratos e gorduras.

• O glicogênio e o amido endógenos, as formas de armazenamento da glicose, entram na glicólise em um processo de duas etapas.

• A clivagem fosforolítica de um resíduo de glicose de uma extremidade do polímero, formando glicose-1-fosfato, é catalisada pela glicogênio-fosforilase ou pela amido-fosforilase. A fosfoglicomutase então converte a glicose-1-fosfato em glicose-6-fosfato, que pode entrar na glicólise.

• Os polissacarídeos e os dissacarídeos ingeridos são convertidos a monossacarídeos por enzimas hidrolíticas intestinais, e os monossacarídeos entram nas células intestinais e são transportados para o fígado ou para outros tecidos.

• A gliconeogênese é um processo de múltiplas etapas em que a glicose é produzida a partir de lactato, piruvato ou oxaloacetato, ou qualquer composto que possa ser convertido a um desses intermediários.

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AUTOATIVIDADE

1 Adultos engajados em exercício físico intenso requerem, para nutrição adequada, uma ingestão de cerca de 160 g de carboidrato diariamente, mas apenas em torno de 20 mg de niacina. Dado o papel da niacina na glicólise, como você explica essa observação?

2 Os sintomas clínicos das duas formas de galactosemia – deficiência de galactocinase ou de UDP-glicose: galactose-1-fosfato-uridiltransferase – mostram severidades radicalmente diferentes. Embora os dois tipos provoquem desconforto gástrico após a ingestão de leite, a deficiência da transferase também leva a disfunções do fígado, dos rins, do baço, do cérebro e, finalmente, à morte. Quais produtos se acumulam no sangue e nos tecidos em cada tipo de deficiência enzimática?

3 Uma consequência do jejum prolongado é a redução da massa muscular. O que acontece com as proteínas musculares?

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CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO

1 INTRODUÇÃO

Como mencionamos no tópico anterior, algumas células obtêm energia (ATP) pela fermentação, degradando a glicose na ausência de oxigênio. Para a maioria das células eucarióticas, e muitas bactérias que vivem em condições aeróbias e oxidam os combustíveis orgânicos a dióxido de carbono e água, a glicólise é apenas a primeira etapa para a oxidação completa da glicose. Em vez de ser reduzido a lactato, etanol ou algum outro produto da fermentação, o piruvato produzido pela glicólise é posteriormente oxidado a H2O e CO2. Essa fase aeróbia do catabolismo é chamada de respiração. No sentido fisiológico ou macroscópico mais amplo, respiração alude à captação de O2 e eliminação de CO2 por organismos multicelulares. Bioquímicos e biólogos celulares, entretanto, utilizam esse termo em um sentido mais estrito para referirem-se ao processo molecular por meio do qual as células consomem O2 e produzem CO2 – processo mais precisamente denominado respiração celular.

A respiração celular acontece em três estágios principais (Figura 11). No primeiro, a glicólise, ocorre quando a glicose é transformada em duas moléculas de piruvato. Esse estágio acontece no citosol das células. No segundo estágio, o piruvato entra na mitocôndria, se une à Coenzima A e forma a Acetil – CoA. Já no terceiro estágio, chamado de cadeia respiratória, ocorre na membrana mitocondrial interna e os elétrons do NADH são enviados para a cadeia transportadora de elétrons. No curso da transferência de elétrons, a grande quantidade de energia liberada é conservada na forma de ATP, por um processo chamado de fosforilação oxidativa. A respiração é mais complexa do que a glicólise e acredita-se que tenha evoluído muito mais tardiamente, após o surgimento das cianobactérias. As atividades metabólicas das cianobactérias são responsáveis pelo aumento dos níveis de oxigênio na atmosfera terrestre, um momento decisivo na história evolutiva (NELSON; COX, 2014).

Neste tópico, abordaremos a conversão de piruvato a grupos acetil e, então, a entrada destes grupos no ciclo do ácido cítrico, também chamado de ciclo de Krebs (em homenagem ao seu descobridor, Hans Krebs). Em seguida, serão examinadas as reações do ciclo e as enzimas que as catalisam. Já que os intermediários do ciclo do ácido cítrico também são desviados como precursores biossintéticos, serão consideradas algumas maneiras pelas quais esses intermediários são repostos. O ciclo do ácido cítrico é um pivô do metabolismo, com vias catabólicas chegando e vias anabólicas partindo, sendo cuidadosamente regulado em coordenação com outras vias. Terminamos esse tópico com uma descrição da via do glioxilato, uma sequência metabólica presente em certos organismos que utiliza algumas das mesmas enzimas e reações utilizadas pelo ciclo do ácido cítrico, causando a síntese líquida de glicose a partir dos triacilgliceróis armazenados.

UNIDADE 3 TÓPICO 2 -

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FIGURA 10 – CATABOLISMO DE PROTEÍNAS, GORDURAS E CARBOIDRATOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, 634)

634 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

é oxidado a acetil-CoA e CO2 pelo complexo da piruvato--desidrogenase (PDH, de pyruvate dehydrogenase), um grupo de enzimas – múltiplas cópias de três enzimas – loca-lizado nas mitocôndrias de células eucarióticas e no citosol de bactérias.

O exame cuidadoso desse complexo enzimático é gra-tificante sob diversos aspectos. O complexo da PDH é um exemplo clássico e muito estudado de um complexo mul-tienzimático no qual uma série de intermediários químicos permanece ligada às moléculas de enzima à medida que o substrato é transformado no produto final. Cinco cofatores, quatro derivados de vitaminas, participam do mecanismo da reação. A regulação desse complexo enzimático também

ilustra como uma combinação de modificações covalentes e mecanismos alostéricos resulta em um fluxo precisamen-te regulado em uma etapa metabólica. Finalmente, o com-plexo da PDH é o protótipo para dois outros importantes complexos enzimáticos: a-cetoglutarato-desidrogenase, do ciclo do ácido cítrico, e a-cetoácido-desidrogenase de ca-deia ramificada, das vias de oxidação de alguns aminoáci-dos (ver Figura 18-28). A notável similaridade na estrutura de proteínas, na exigência de cofator e nos mecanismos de reação desses três complexos inquestionavelmente reflete uma origem evolutiva comum.

O piruvato é oxidado a acetil-CoA e CO2A reação geral catalisada pelo complexo da piruvato-desi-drogenase é uma descarboxilação oxidativa, um pro-cesso de oxidação irreversível no qual o grupo carboxil é removido do piruvato na forma de uma molécula de CO2, e os dois carbonos remanescentes são convertidos ao grupo acetil da acetil-CoA (Figura 16-2). O NADH formado nessa reação doa um íon hidreto (:H2) para a cadeia respiratória (Figura 16-1), que transferirá os dois elétrons ao oxigênio ou, em microrganismos anaeróbios, a um aceptor de elé-trons alternativo, como nitrato ou sulfato. A transferência de elétrons do NADH ao oxigênio gera, ao final, 2,5 molécu-las de ATP por par de elétrons. A irreversibilidade da rea-ção do complexo da PDH foi demonstrada por experimen-tos com marcação isotópica: o complexo não pode religar CO2 radioativamente marcado à acetil-CoA para formar uma molécula de piruvato com o carboxil marcado.

O complexo da piruvato-desidrogenase requer cinco coenzimasA combinação de desidrogenação e descarboxilação do pi-ruvato ao grupo acetil da acetil-CoA (Figura 16-2) requer a ação sequencial de três enzimas diferentes e cinco coenzi-mas diferentes ou grupos prostéticos – pirofosfato de tiami-na (TPP, de thiamine pyrophosphate), dinucleotídeo de flavina-adenina (FAD, de flavin adenine dinucleotide), coenzima A (CoA, algumas vezes denominada CoA-SH, para enfatizar a função do grupo ¬SH), dinucleotídeo de nico-tinamida-adenina (NAD, de nicotinamide adenine dinu-cleotide) e lipoato. Quatro vitaminas diferentes essenciais à nutrição humana são componentes vitais desse sistema: tiamina (no TPP), riboflavina (no FAD), niacina (no NAD)

Complexo dapiruvato--desidrogenase

(transportadores de e2 reduzidos)

Cadeia respiratória(transferência de

elétrons)

Estágio 3Transferênciade elétrons efosforilaçãooxidativa

Ciclo doácido cítrico

Estágio 2Oxidação daacetil-CoA

Acetil-CoA

Oxaloacetato

Piruvato

Glicólise

Ácidosgraxos

Amino-ácidos

e2

Estágio 1Produçãode acetil-CoA

e2

e2

e2

e2

e2

e2

e2

e2

Glicose

Citrato

NADH,FADH2

ATPADP + Pi

H2O

CO2

CO2

CO2

2H+ + 12 O2

FIGURA 161 Catabolismo de proteínas, gorduras e carboidratos durante os três estágios da respiração celular. Estágio 1: a oxidação de ácidos graxos, glicose e alguns aminoácidos gera acetil-CoA. Estágio 2: a oxidação dos grupos acetil no ciclo do ácido cítrico inclui quatro etapas nas quais os elétrons são removidos. Estágio 3: os elétrons carreados por NADH e FADH2 convergem para uma cadeia de transportadores de elétrons mitocondrial (ou, em bactérias, ligados à membrana plasmática) – a cadeia respiratória – reduzindo, no final, O2 a H2O. Este fluxo de elétrons impele a produção de ATP.

DG98 5 233,4 kJ/mol

1CoA-SH

NADH

Acetil-CoA

OC

S-CoANAD1

C

Piruvato

CH3

O

O

C

2O

CH3

CO2

Complexo dapiruvato-desidrogenase (E1 1 E2 1 E3)

TPP,lipoate,

FAD

FIGURA 162 Reação geral catalisada pelo complexo da piruvato--desidrogenase. As cinco enzimas participantes desta reação e as três en-zimas que formam o complexo são discutidas no texto.

Nelson_6ed_book.indb 634 Nelson_6ed_book.indb 634 03/04/14 07:4403/04/14 07:44

2 PRODUÇÃO DE ACETATO

Em organismos aeróbios, glicose e outros açúcares, ácidos graxos e a maioria dos aminoácidos são finalmente oxidados a CO2 e H2O pelo ciclo do ácido cítrico e pela cadeia respiratória. Antes de entrarem no ciclo do ácido cítrico, os esqueletos de carbono dos açúcares e ácidos graxos são convertidos ao grupo acetil da acetil-CoA, a forma na qual a maioria dos combustíveis entra no ciclo. Os carbonos de muitos aminoácidos também entram no ciclo dessa maneira, embora alguns aminoácidos sejam convertidos a outros intermediários do ciclo. Aqui, o foco será em como o piruvato, derivado da glicose e de outros açúcares pela glicólise, é oxidado a acetil-CoA e CO2 pelo complexo da piruvato desidrogenase (utilizaremos a abreviação PDH), um grupo de enzimas – múltiplas cópias de três enzimas – localizado nas mitocôndrias de células eucarióticas e no citosol de bactérias (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

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O exame cuidadoso desse complexo enzimático é gratifi cante sob diversos aspectos. O complexo da PDH é um exemplo clássico e muito estudado de um complexo multienzimático no qual uma série de intermediários químicos permanece ligada às moléculas de enzima à medida que o substrato é transformado no produto. Cinco cofatores, quatro derivados de vitaminas, participam do mecanismo da reação. A regulação desse complexo enzimático também ilustra como uma combinação de modifi cações covalentes e mecanismos alostéricos resultam em um fl uxo precisamente regulado em uma etapa metabólica. Finalmente, o complexo da PDH é o protótipo para dois outros importantes complexos enzimáticos: a-cetoglutarato-desidrogenase, do ciclo do ácido cítrico, e a-cetoácido-desidrogenase de cadeia ramifi cada, das vias de oxidação de alguns aminoácidos. A notável similaridade na estrutura de proteínas, na exigência de cofator e nos mecanismos de reação desses três complexos inquestionavelmente refl ete uma origem evolutiva comum (NELSON; COX, 2014).

O piruvato será oxidado a acetil-CoA e CO2. Essa reação geral é catalisada pelo complexo da piruvato-desidrogenase e é considerada uma descarboxilação oxidativa, um processo de oxidação irreversível no qual o grupo carboxil é removido do piruvato na forma de uma molécula de CO2, e os dois carbonos remanescentes são convertidos ao grupo acetil da acetil-CoA (Figura 11). O NADH formado nessa reação doa um íon hidreto (H-) para a cadeia respiratória (Figura 10), que transferirá os dois elétrons ao oxigênio ou, em microrganismos anaeróbios, a um aceptor de elétrons alternativo, como nitrato ou sulfato. A transferência de elétrons do NADH ao oxigênio gera, ao fi nal, 2,5 moléculas de ATP por par de elétrons (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

FIGURA 11 – REAÇÃO GERAL CATALISADA PELO COMPLEXO DA PIRUVATO-DESIDROGENASE

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 501)

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A combinação de desidrogenação e descarboxilação do piruvato ao grupo acetil da acetil-CoA (Figura 12) requer a ação sequencial de três enzimas diferentes e cinco coenzimas diferentes ou grupos prostéticos – pirofosfato de tiamina (TPP), dinucleotídeo de flavina-adenina (FAD), coenzima A (CoA), dinucleotídeo de nicotinamida-adenina (NAD) e lipoato. Quatro vitaminas diferentes essenciais à nutrição humana são componentes vitais desse sistema: tiamina (no TPP), riboflavina (no FAD), niacina (no NAD) e pantotenato (na CoA). Já sabemos que FAD e NAD têm como função serem transportadores de elétrons e verificamos que o TPP era a coenzima da piruvato-descarboxilase (NELSON; COX, 2014).

3 REAÇÕES DO CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO

Agora serão focalizados os processos por meio dos quais a acetil-CoA é oxidada. Essa transformação química é realizada pelo ciclo do ácido cítrico, a primeira via cíclica descoberta (Figura 13). Para iniciar uma rodada do ciclo, a acetil-CoA doa seu grupo acetil ao composto de quatro carbonos oxaloacetato, formando o composto de seis carbonos citrato. O citrato é, em seguida, transformado a isocitrato, também uma molécula com seis carbonos, o qual é desidrogenado com a perda de CO2 para produzir o composto de cinco carbonos a-cetoglutarato (também chamado de oxoglutarato). O a-cetoglutarato perde uma segunda molécula de CO2, originando ao final o composto de quatro carbonos succinato. O succinato é, então, convertido por quatro etapas enzimáticas ao composto de quatro carbonos oxaloacetato – que está, assim, pronto para reagir com outra molécula de acetil-CoA. Em cada rodada do ciclo entra um grupo acetil (dois carbonos) na forma de acetil-CoA, e são removidas duas moléculas de CO2; uma molécula de oxaloacetato é utilizada para a formação do citrato e uma molécula de oxaloacetato é regenerada. Não ocorre nenhuma remoção líquida de oxaloacetato; teoricamente, uma molécula de oxaloacetato pode participar da oxidação de um número infinito de grupos acetil, e, na verdade, o oxaloacetato está presente nas células em concentrações muito baixas. Quatro das oito etapas deste processo são oxidações, nas quais a energia da oxidação é conservada de maneira muito eficiente na forma das coenzimas reduzidas NADH e FADH2 (NELSON; COX, 2014).

Como mencionado antes, embora o ciclo do ácido cítrico seja fundamental ao metabolismo gerador de energia, sua função não está limitada à conservação energética. Intermediários do ciclo com quatro e cinco carbonos servem como precursores para uma ampla variedade de produtos.

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167

FIGURA 12 – REAÇÕES DO CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 639)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 639

ção do citrato (etapa ➊ na Figura 16-7). O grupo metil do acetato é convertido a metileno no ácido cítrico. Esse ácido tricarboxílico, então, prontamente passa por uma

série de oxidações que eliminam dois carbonos na forma de CO2. Observe que todas as etapas levando à quebra ou à formação de ligações carbono-carbono (etapas ➊, ➌ e

Aconitase

Fumarase

Aconitase

Malato-desidrogenase

Citrato-sintase

Isocitrato--desidrogenase

Complexoa-cetoglutarato--desidrogenaseSuccinil-CoA-

-sintatetase

Succinato-desidrogenase

Oxaloacetato

Acetil-CoA

Malato

Citrato

Isocitrato

Succinil-CoA

Succinato

Fumarato

Ciclo do ácido cítrico

a-Cetoglutarato

cis-Aconitato

❽ CH3 C

O

S-CoAH2O CoA-SH

CH2

COO2

HO

H

C

O

CoA-SH

H2O

COO2

C COO2

CH

CH2

COO2

C

O

CH2 COO2

COO2

C

COO2

CH2

COO2

C

H

HO C COO2

CH2 COO2

C COO2H

CH2 COO2

CH2

COO2

COO2

O

CO2COO2

C

CH2

CH2

COO2CH2

COO2

COO2

HC

HO

COO2

COO2

CH

CH2

CO2S-CoA

CoA-SH

CH2

H2O

H2O

(3) NADH

GTP(ATP) GDP

(ADP)1 Pi

FADH2

Condensação de Claisen:grupo metil da acetil-CoAconvertido a metileno nocitrato.

Desidratação/reidratação:grupo —OH do citratoreposicionado no isocitratopreparando para a descar-boxilação da próxima etapa.

Fosforilação ao nível do substrato:energia do tioéster conservada naligação fosfoanidrido do GTP ou ATP.

Desidrogenação:introdução daligação dupla iniciaa sequência deoxidação dometileno.

Hidratação:adição deágua à ligação duplaintroduzo grupo —OH paraa próximaetapa deoxidação.

Desidrogenação:oxidação do —OHcompleta a sequênciade oxidação; carbonilgerado posicionadopara facilitar acondensação deClaisen na próximaetapa.

Descarboxilação oxidativa:mecanismo similar apiruvato-desidrogenase;dependente do carbonil nocarbono adjacente.

Descarboxilaçãooxidativa:grupo —OH oxidadoa carbonil, o que,por sua vez, facilita adescarboxilação pormeio da estabilizaçãodo carbânionformado no carbonoadjacente.

Reidratação

FIGURA 167 Reações do ciclo do ácido cítrico. Os átomos de carbono sombreados em cor salmão são aqueles derivados do acetato da acetil-CoA durante a primeira rodada do ciclo; estes não são os carbonos liberados na forma de CO2 durante a primeira rodada. Observe que, no succinato e no fumarato, o grupo de dois carbonos derivado do acetato não pode mais ser especificamente indicado; como succinato e fumarato são moléculas simé-tricas, C-1 e C-2 são indistinguíveis de C-4 e C-3. O número ao lado de cada

etapa de reação corresponde a um tópico numerado nas p. 640-647. As setas em vermelho mostram onde a energia é conservada pela transferência de elétrons ao FAD ou NAD1, formando FADH2 ou NADH 1 H1. As etapas ➊, ➌ e ➍ são essencialmente irreversíveis na célula; todas as outras etapas são reversíveis. O nucleosídeo trifosfatado produzido na etapa ➎ pode ser tanto ATP quanto GTP, dependendo da isoenzima de succinil-CoA-sintetase que está catalisando a reação.

Nelson_6ed_book.indb 639 Nelson_6ed_book.indb 639 03/04/14 07:4403/04/14 07:44

O Ciclo do Ácido Cítrico ocorre na matriz mitocondrial. O piruvato penetra na mitocôndria, se une à Coenzima-A e forma a Acetil-CoA. Rendimento do ciclo: 2 ATP, 6NADH e 2FADH2.

IMPORTANTE

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O fluxo de átomos de carbono que entram no ciclo do ácido cítrico a partir do piruvato, e também durante o curso do ciclo, está sob constante regulação em dois níveis: a conversão de piruvato a acetil-CoA, o material de partida do ciclo (a reação da piruvato-desidrogenase), e a entrada da acetil-CoA no ciclo (a reação da citrato-sintase). A acetil-CoA também é produzida por outras vias que não a reação do complexo da PDH – a maioria das células produz acetil-CoA pela oxidação de ácidos graxos e certos aminoácidos – e a disponibilidade de intermediários a partir dessas vias é importante para a regulação da oxidação do piruvato e do ciclo do ácido cítrico. O ciclo também é regulado nas reações da isocitrato-desidrogenase e da a-cetoglutarato-desidrogenase (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

4 O CICLO DO GLIOXILATO

Os vertebrados não conseguem converter ácidos graxos, ou o acetato derivado deles, a carboidratos. As conversões de fosfoenolpiruvato a piruvato e de piruvato a acetil--CoA de tão exergônicas são essencialmente irreversíveis. Se uma célula não consegue converter acetato a fosfoenolpiruvato, o acetato não pode ser o material de partida para a via gliconeogênica, que leva de fosfoenolpiruvato a glicose. Sem essa capacidade, portanto, uma célula ou organismo é incapaz de converter combustíveis ou metabólitos que são degradados a acetato (ácidos graxos e certos aminoácidos) em carboidratos.

Como os átomos de carbono das moléculas de acetato que entram no ciclo do ácido cítrico aparecem oito etapas depois no oxaloacetato, pode parecer que esta via pode produzir oxaloacetato a partir de acetato e, assim, originar fosfoenolpiruvato para a gliconeogênese. Contudo, como mostrado por um exame da estequiometria do ciclo do ácido cítrico, não há conversão líquida de acetato a oxaloacetato; nos vertebrados, para cada dois carbonos que entram no ciclo na forma de acetil-CoA, dois são liberados na forma de CO2. Em muitos organismos que não os vertebrados, o ciclo do glioxilato funciona como mecanismo para a conversão de acetato a carboidratos (NELSON; COX, 2014).

Você sabia?Quando os mecanismos da regulação de uma via como o ciclo do ácido cítrico são afetados por uma perturbação metabólica importante, o resultado pode ser uma doença grave. São raríssimas as mutações nas enzimas do ciclo do ácido cítrico em humanos e outros mamíferos, mas quando ocorrem são devastadoras. Defeitos genéticos no gene da fumarase levam a tumores no músculo liso (leiomas) e nos rins; mutações na succinato-desidrogenase levam a tumores da glândula suprarrenal (feocromocitomas).

NOTA

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No ciclo do glioxilato, a acetil-CoA é condensada com o oxaloacetato para formar citrato, e o citrato é convertido a isocitrato, exatamente como no ciclo do ácido cítrico. A próxima etapa, porém, não é a quebra do isocitrato pela isocitrato-desidrogenase, mas a clivagem do isocitrato pela isocitrato-liase, formando succinato e glioxilato. O glioxilato, então, é condensado com uma segunda molécula de acetil-CoA para a geração de malato, em uma reação catalisada pela malato-sintase. O malato é posteriormente oxidado a oxaloacetato, o qual pode ser condensado com outra molécula de acetil-CoA para iniciar outra volta do ciclo (Figura 13). Cada volta do ciclo do glioxilato consome duas moléculas de acetil-CoA e produz uma molécula de succinato, que está, então, disponível aos propósitos biossintéticos (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

FIGURA 13 – CICLO DO GLIOXILATO

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 510)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 657

portanto, uma célula ou organismo é incapaz de converter combustíveis ou metabólitos que são degradados a acetato (ácidos graxos e certos aminoácidos) em carboidratos.

Como mencionado na discussão sobre reações anaple-róticas (Tabela 16-2), o fosfoenolpiruvato pode ser sinte-tizado a partir de oxaloacetato em uma reação reversível catalisada pela PEP-carboxicinase:

Oxaloacetato 1 GTP ∆ fosfoenolpiruvato 1 CO2 1 GDP

Como os átomos de carbono das moléculas de acetato que entram no ciclo do ácido cítrico aparecem oito etapas de-pois no oxaloacetato, pode parecer que esta via pode pro-duzir oxaloacetato a partir de acetato e, assim, originar fosfoenolpiruvato para a gliconeogênese. Contudo, como mostrado por um exame da estequiometria do ciclo do áci-do cítrico, não há conversão líquida de acetato a oxaloace-tato; nos vertebrados, para cada dois carbonos que entram no ciclo na forma de acetil-CoA, dois são liberados na forma de CO2. Em muitos organismos que não os vertebrados, o ciclo do glioxilato funciona como mecanismo para a conver-são de acetato a carboidratos.

O ciclo do glioxilato produz compostos de quatro carbonos a partir de acetatoEm plantas, certos invertebrados e alguns microrganismos (incluindo E. coli e levedura), o acetato pode ser tanto um combustível rico em energia como uma fonte de fosfoenol-piruvato para a síntese de carboidratos. Nesses organismos, as enzimas do ciclo do glioxilato catalisam a conversão líquida de acetato a succinato ou outros intermediários de quatro carbonos do ciclo do ácido cítrico:

2 Acetil-CoA 1 NAD1 1 2H2O ¡succinato 1 2CoA 1 NADH 1 H1

No ciclo do glioxilato, a acetil-CoA é condensada com o oxaloacetato para formar citrato, e o citrato é convertido a isocitrato, exatamente como no ciclo do ácido cítrico. A próxima etapa, porém, não é a quebra do isocitrato pela isocitrato-desidrogenase, mas a clivagem do isocitrato pela isocitrato-liase, formando succinato e glioxilato. O glioxilato, então, é condensado com uma segunda mo-lécula de acetil-CoA para a geração de malato, em uma reação catalisada pela malato-sintase. O malato é pos-teriormente oxidado a oxaloacetato, o qual pode ser con-densado com outra molécula de acetil-CoA para iniciar outra volta do ciclo (Figura 16-22). Cada volta do ciclo do glioxilato consome duas moléculas de acetil-CoA e pro-duz uma molécula de succinato, que está, então, dispo-nível aos propósitos biossintéticos. O succinato pode ser convertido via fumarato e malato a oxaloacetato, o qual pode, então, ser convertido a fosfoenolpiruvato pela PEP--carboxicinase, e, assim, a glicose pela gliconeogênese. Os vertebrados não têm as enzimas específicas do ciclo do glioxilato (isocitrato-liase e malato-sintase) e, portanto, não conseguem realizar a síntese líquida de glicose a par-tir de lipídeos.

Em plantas, as enzimas do ciclo do glioxilato estão se-questradas em organelas delimitadas por membrana cha-

madas de glioxissomos, os quais são peroxissomos espe-cializados (Figura 16-23). As enzimas comuns ao ciclo do ácido cítrico e do glioxilato têm duas isoenzimas, uma espe-cífica das mitocôndrias, outra específica dos glioxissomos. Os glioxissomos nem sempre estão presentes em todos os tecidos vegetais. Eles se desenvolvem nas sementes ricas em lipídeos durante a germinação, antes de a planta adqui-rir a capacidade de produzir glicose pela fotossíntese. Além das enzimas do ciclo do glioxilato, os glioxissomos contêm todas as enzimas necessárias para a degradação dos ácidos graxos estocados nos óleos das sementes (ver Figura 17-14). A acetil-CoA formada pela degradação dos lipídeos é convertida a succinato, via ciclo do glioxilato, e o succinato é exportado para a mitocôndria, onde as enzimas do ciclo do ácido cítrico o transformam em malato. Uma isoenzima citosólica da malato-desidrogenase oxida malato a oxaloa-cetato, um precursor para a gliconeogênese. As sementes em germinação podem, assim, converter em glicose os car-bonos dos lipídeos estocados.

C

CH2

NADH

NAD1

O

COO2

COO2

C

CH2

HO

COO2

CH2 COO2

COO2

Citrato

CH

CH2 COO2

COO2

CH2 COO2

CH2 COO2

CH COO2HO

C

C O

O

H

O2

CH2

COO2

COO2

CHHO

Isocitrato

Succinato

Oxaloacetato

CH3

O

C S-CoAAcetil-CoA

Acetil-CoA

CH3

O

C S-CoA

Malato

Glioxilato

Citrato-sintase

Isocitrato-liase

Malato-sintase

Malato-desidrogenase

AconitaseCiclo do

glioxilato

FIGURA 1622 Ciclo do glioxilato. A citrato-sintase, a aconitase e a malato-desidrogenase do ciclo do glioxilato são isoenzimas das enzimas do ciclo do ácido cítrico; isocitrato-liase e malato-sintase são exclusivas do ciclo do glioxilato. Observe que dois grupos acetil (em cor salmão) entram no ciclo e quatro carbonos saem na forma de succinato (em azul). O ciclo do glioxilato foi elucidado por Hans Kornberg e Neil Madsen no laboratório de Hans Krebs.

Nelson_6ed_book.indb 657 Nelson_6ed_book.indb 657 03/04/14 07:4403/04/14 07:44

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FIGURA 14 – MICROGRAFIA ELETRÔNICA DE UMA SEMENTE DE PEPINO EM GERMINAÇÃO, MOSTRANDO GLIOXISSOMO, MITOCÔNDRIAS E CORPOS LIPÍDICOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 658)

Em plantas, as enzimas do ciclo do glioxilato estão sequestradas em organelas delimitadas por membrana chamadas de glioxissomos, os quais são peroxissomos especializados (Figura 15). As enzimas comuns ao ciclo do ácido cítrico e do glioxilato têm duas isoenzimas, uma específi ca das mitocôndrias, outra específi ca dos glioxissomos. Os glioxissomos nem sempre estão presentes em todos os tecidos vegetais. Eles se desenvolvem nas sementes ricas em lipídios durante a germinação, antes de a planta adquirir a capacidade de produzir glicose pela fotossíntese. Além das enzimas do ciclo do glioxilato, os glioxissomos contêm todas as enzimas necessárias para a degradação dos ácidos graxos estocados nos óleos das sementes (RODWEL; MURRAY; GRANNER,2017).

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RESUMO DO TÓPICO 2Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Piruvato, o produto da glicólise, é convertido a acetil-CoA, o material de partida para o ciclo do ácido cítrico, pelo complexo da piruvato-desidrogenase.

• O complexo da PDH é composto por múltiplas cópias de três enzimas: piruvato-desidrogenase; di-hidrolipoil-transacetilase e di-hidrolipoil-desidrogenase.

• O ciclo do ácido cítrico (ciclo de Krebs, ciclo do ácido tricarboxílico [TCA]) é uma via catabólica central e praticamente universal por meio da qual os compostos derivados da degradação de carboidratos, gorduras e proteínas são oxidados a CO2, com a maior parte da energia da oxidação temporariamente armazenada nos transportadores de elétrons FADH2 e NADH.

• Durante o metabolismo aeróbio, esses elétrons são transferidos ao O2, e a energia do fluxo de elétrons é capturada na forma de ATP.

• A acetil-CoA entra no ciclo do ácido cítrico (na mitocôndria de eucariotos, no citosol em bactérias) quando a citrato-sintase catalisa sua condensação com o oxaloacetato para a formação de citrato.

• O ciclo do glioxilato está ativo nas sementes em germinação de algumas plantas e em certos microrganismos que conseguem viver utilizando acetato como a única fonte de carbono.

• Nas plantas, essa via ocorre nos glioxissomos dos brotos. Ela inclui algumas enzimas do ciclo do ácido cítrico e duas enzimas adicionais: isocitrato-liase e malato-sintase.

• No ciclo do glioxilato, o desvio das duas etapas de descarboxilação do ciclo do ácido cítrico torna possível a formação líquida de succinato, oxaloacetato e outros intermediários do ciclo do ácido cítrico a partir de acetil-CoA. O oxaloacetato formado deste modo pode ser utilizado para a síntese de glicose via gliconeogênese.

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AUTOATIVIDADE

1 Indivíduos com dieta deficitária em tiamina têm níveis relativamente altos de piruvato na corrente sanguínea. Explique esse fenômeno em termos bioquímicos.

2 Como uma deficiência de riboflavina afetaria o funcionamento do ciclo do ácido cítrico? Explique.

3 Que fatores poderiam diminuir a quantidade de oxaloacetato disponível para a atividade do ciclo do ácido cítrico? Como o oxaloacetato pode ser reposto?

4 Pessoas com beribéri, doença causada pela deficiência de tiamina, apresentam níveis sanguíneos elevados de piruvato e a-cetoglutarato, especialmente após consumirem uma refeição rica em glicose. Como esses resultados se relacionam à deficiência de tiamina?

5 Com relação à respiração celular é correto afirmar que: a) ( ) A glicólise, que ocorre no espaço intermembranas devido à ação de enzimas

específicas, rende um total de 2 ATP e 2 NADH.b) ( ) A descarboxilação oxidativa de um piruvato rende, no final da cadeia transportadora

de elétrons, um total de 2,5 ATP.c) ( ) Os NADH produzidos durante a glicólise chegam até a matriz mitocondrial e

rendem sempre um total de 2,5 ATP cada.d) ( ) Os complexos proteicos que participam da cadeia transportadora de elétrons são

encontrados por toda a membrana interna da mitocôndria.e) ( ) No ciclo do ácido cítrico os NADH produzidos necessitam da ação de lançadeiras

para que possam chegar até a matriz mitocondrial.

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TÓPICO 3 -

METABOLISMO DE ÁCIDOS GRAXOS E TRIGLICERÍDEOS

1 INTRODUÇÃO

A oxidação dos ácidos graxos de cadeia longa a acetil-CoA é uma via central de geração de energia em muitos organismos e tecidos. No coração e no fígado de mamíferos, por exemplo, ela fornece até 80% das necessidades energéticas em todas as circunstâncias fisiológicas. Os elétrons retirados dos ácidos graxos durante a oxidação passam pela cadeia respiratória, levando à síntese de ATP; a acetil-CoA produzida a partir dos ácidos graxos pode ser completamente oxidada a CO2 no ciclo do ácido cítrico, resultando em mais conservação de energia. Em algumas espécies e em alguns tecidos, a acetil-CoA tem destinos alternativos. No fígado, a acetil-CoA pode ser convertida em corpos cetônicos – combustíveis solúveis em água exportados para o cérebro e para outros tecidos quando glicose não está disponível. Em vegetais superiores, a acetil-CoA serve principalmente de precursor biossintético, e apenas secundariamente como combustível. Embora o papel biológico da oxidação dos ácidos graxos varie de acordo com o organismo, o mecanismo é essencialmente o mesmo (NELSON; COX, 2014). O processo repetitivo de quatro etapas, chamado de b-oxidação, por meio do qual os ácidos graxos são convertidos em acetil-CoA é o item principal deste tópico.

No Tópico 7 da Unidade 2, foram descritas as propriedades dos triacilgliceróis (também chamados de triglicerídeos ou gorduras neutras) que os tornam especialmente adequados como combustíveis de armazenamento. Vimos que seus ácidos graxos constituintes são essencialmente hidrocarbonetos, estruturas altamente reduzidas com uma energia de oxidação completa (38 kJ/g) mais de duas vezes maior que a produzida pelo mesmo peso de carboidratos ou proteínas. Essa vantagem é composta pela extrema insolubilidade dos lipídios em água; os triacilgliceróis celulares se agregam em gotículas lipídicas, que não aumentam a osmolaridade do citosol.

As propriedades que tornam os triacilgliceróis compostos de armazenamento adequados, no entanto, apresentam problemas em seu papel como combustível. Por serem insolúveis em água, os triacilgliceróis ingeridos devem ser emulsificados antes que possam ser digeridos por enzimas hidrossolúveis no intestino, e os triacilgliceróis absorvidos no intestino ou mobilizados dos tecidos de armazenamento devem ser carregados no sangue ligados a proteínas que neutralizam a sua insolubilidade. Para superar a relativa estabilidade das ligações C-C em um ácido graxo, o grupo carboxil do C-1 é ativado pela ligação à coenzima A, que permite a oxidação gradativa do grupo acil graxo na posição C-3, ou b – daí o nome b-oxidação (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

UNIDADE 3

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Este tópico iniciará com uma breve discussão sobre as fontes de ácidos graxos e sobre as vias pelas quais eles se deslocam até o seu sítio de oxidação, com ênfase especial no processo em vertebrados. Em seguida, descreve as etapas químicas da oxidação dos ácidos graxos nas mitocôndrias. A oxidação completa dos ácidos graxos a CO2 e H2O ocorre em três etapas: a oxidação dos ácidos graxos de cadeia longa a fragmentos de dois carbonos, na forma de acetil-CoA (b-oxidação); a oxidação de acetil-CoA a CO2 no ciclo do ácido cítrico; e a transferência de elétrons dos transportadores de elétrons reduzidos à cadeia respiratória mitocondrial. Neste tópico, também será apresentada a primeira dessas etapas. A discussão sobre a b-oxidação inicia com o caso simples no qual um ácido graxo completamente saturado com um número par de átomos de carbono é degradado a acetil-CoA. Então são analisadas brevemente as transformações extras necessárias para a degradação de ácidos graxos insaturados e ácidos graxos com um número ímpar de carbonos. Finalmente, são discutidas as variações sobre o tema da b-oxidação nas organelas especializadas – peroxissomos e glioxissomos. O tópico é concluído com uma descrição de um destino alternativo para a acetil-CoA formada pela b-oxidação em vertebrados: a produção de corpos cetônicos no fígado.

2 DIGESTÃO, MOBILIZAÇÃO E TRANSPORTE DE GORDURAS

As células podem obter combustíveis de ácidos graxos de três fontes: gorduras consumidas na dieta, gorduras armazenadas nas células como gotículas de lipídios e gorduras sintetizadas em um órgão para exportação a outro. Algumas espécies utilizam as três fontes sob várias circunstâncias, outras utilizam uma ou duas delas. Os vertebrados, por exemplo, obtêm gorduras na dieta, mobilizam gorduras armazenadas em tecidos especializados (tecido adiposo, consistindo em células chamadas adipócitos) e, no fígado, convertem o excesso dos carboidratos da dieta em gordura para a exportação aos outros tecidos. Em média, 40% ou mais das necessidades energéticas diárias das pessoas que vivem em países altamente industrializados são supridos pelos triacilgliceróis da dieta (embora a maioria das diretrizes nutricionais recomende que o consumo calórico diário de gorduras não ultrapasse 35%). Os triacilgliceróis fornecem mais da metade das necessidades energéticas de alguns órgãos, particularmente o fígado, o coração e a musculatura esquelética em repouso. Os triacilgliceróis armazenados são praticamente a única fonte de energia dos animais hibernantes e das aves migratórias. As plantas vasculares mobilizam gorduras armazenadas nas sementes durante a germinação, mas não dependem de gorduras para a obtenção de energia (NELSON; COX, 2014).

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2.1 AS GORDURAS DA DIETA SÃO ABSORVIDAS NO INTESTINO DELGADO

Nos vertebrados, antes que os triacilgliceróis possam ser absorvidos através da parede intestinal, eles precisam ser convertidos de partículas de gordura macroscópicas insolúveis em micelas microscópicas fi namente dispersas.

Para Nelson e Cox (2014, p. 668):

Essa solubilização é realizada pelos sais biliares, como o ácido taurocólico, um ácido que é sintetizado a partir das moléculas de colesterol no fígado, armazenados na vesícula biliar e liberados no intestino delgado após a ingestão de uma refeição gordurosa. Os sais biliares são compostos anfi páticos que atuam como detergentes biológicos, convertendo as gorduras da dieta em micelas mistas de sais biliares e triacilgliceróis. A formação de micelas aumenta muito a fração das moléculas de lipídeo acessíveis à ação das lipases hidrossolúveis no intestino, e a ação das lipases converte os triacilgliceróis em monoacilgliceróis (monoglicerídeos) e diacilgliceróis (diglicerídeos), ácidos graxos livres e glicerol. Esses produtos da ação da lipase se difundem para dentro das células epiteliais que revestem a superfície intestinal (a mucosa intestinal), onde são reconvertidos em triacilgliceróis e empacotados com o colesterol da dieta e proteínas específi cas em agregados de lipoproteínas chamados quilomícrons.

FIGURA 15 – O PROCESSAMENTO DOS LIPÍDIOS DA DIETA EM VERTEBRADOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 668)

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As apolipoproteínas são proteínas de ligação a lipídios no sangue, responsáveis pelo transporte de triacilgliceróis, fosfolipídios, colesterol e ésteres de colesterol entre os órgãos. As apolipoproteínas (“apo” significa “destacado “ou “separado”, designando a proteína em sua forma livre de lipídios) se combinam com os lipídios para formar várias classes de partículas de lipoproteína, que são agregados esféricos com lipídios hidrofóbicos no centro e cadeias laterais hidrofílicas de proteínas e grupos polares de lipídios na superfície. Várias combinações de lipídios e proteínas produzem partículas de densidades diferentes, variando de quilomícrons e lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) a lipoproteínas de densidade muito alta (VHDL), que podem ser separadas por ultracentrifugação (NELSON; COX, 2014).

As porções proteicas das lipoproteínas são reconhecidas por receptores nas superfícies celulares. Na absorção de lipídios no intestino, os quilomícrons, que contêm a apolipoproteína C-II (apoC-II), deslocam-se da mucosa intestinal para o sistema linfático e então entram no sangue, que os carrega para os músculos e o tecido adiposo (Figura 15, etapa 5). Nos capilares desses tecidos, a enzima extracelular, lipase lipoproteica, ativada pela apoC-II, hidrolisa os triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol (etapa 6), absorvidos pelas células nos tecidos-alvo (etapa 7). No músculo, os ácidos graxos são oxidados para obter energia; no tecido adiposo, eles são reesterificados para armazenamento na forma de triacilgliceróis (etapa 8).

Os remanescentes dos quilomícrons, desprovidos da maioria dos seus triacilgliceróis, mas ainda contendo colesterol e apolipoproteínas, se deslocam pelo sangue até o fígado, onde são captados por endocitose mediada pelos receptores específicos para as suas respectivas apolipoproteínas. Os triacilgliceróis que entram no fígado por essa via podem ser oxidados para fornecer energia ou precursores para a síntese de corpos cetônicos (abordaremos a seguir). Quando a dieta contém mais ácidos graxos do que o necessário imediatamente como combustível ou como precursores, o fígado os converte em triacilgliceróis, empacotados com apolipoproteínas específicas formando VLDL. As VLDL são transportadas pelo sangue até o tecido adiposo, onde os triacilgliceróis são removidos da circulação e armazenados em gotículas lipídicas dentro dos adipócitos (NELSON; COX, 2014).

2.2 HORMÔNIOS ATIVAM A MOBILIZAÇÃO DOS TRIACILGLICERÓIS ARMAZENADOS

Os lipídios neutros são armazenados nos adipócitos (e nas células que sintetizam esteroides do córtex da suprarrenal, dos ovários e dos testículos) na forma de gotículas lipídicas, com um centro de ésteres de esteróis e triacilgliceróis envoltos por uma monocamada de fosfolipídios. A superfície dessas gotículas é revestida por perilipinas, família de proteínas que restringem o acesso às gotículas lipídicas, evitando a mobilização prematura dos lipídios. Berg, Tymoczko e Stryert (2015) relatam que, quando hormônios sinalizam a necessidade de energia metabólica, os triacilgliceróis armazenados no

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177

tecido adiposo são mobilizados (retirados do armazenamento) e transportados aos tecidos (musculatura esquelética, coração e córtex renal) nos quais os ácidos graxos podem ser oxidados para a produção de energia. Os hormônios adrenalina e glucagon, secretados em resposta aos baixos níveis de glicose ou atividade iminente, estimulam a enzima adenilil ciclase na membrana plasmática dos adipócitos (Figura 17), que produz o segundo mensageiro intracelular AMP cíclico (cAMP). A proteína-cinase dependente de cAMP (PKA) leva a mudanças que abrem a gotícula de lipídeo para a atividade de três lipases, que atuam sobre tri-, di- e monoacilgliceróis, liberando ácidos graxos e glicerol.

FIGURA 16 – MOBILIZAÇÃO DOS TRIACILGLICERÓIS ARMAZENADOS NO TECIDO ADIPOSO

FONTE: Berg, Tymoczko e Stryert (2015, p. 670)

670 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

pela glicerol-cinase (Figura 17-4), e o glicerol-3-fosfato resultante é oxidado a di-hidroxiacetona fosfato. A enzima glicolítica triose-fosfato-isomerase converte esse composto em gliceraldeído-3-fosfato, que é oxidado na glicólise.

Os ácidos graxos são ativados e transportados para dentro das mitocôndriasAs enzimas da oxidação de ácidos graxos nas células ani-mais estão localizadas na matriz mitocondrial, como de-monstrado em 1948 por Eugene P. Kennedy e Albert Leh-ninger. Os ácidos graxos com comprimento de cadeia de 12 carbonos ou menos entram na mitocôndria sem a ajuda de transportadores de membrana. Aqueles com 14 carbonos ou mais, que constituem a maioria dos ácidos graxos livres obtidos na dieta ou liberados do tecido adiposo, não conse-guem passar livremente através das membranas mitocon-driais – primeiro eles precisam passar pelas três reações enzimáticas do ciclo da carnitina. A primeira reação é catalisada por uma família de isoenzimas (isoenzimas dife-rentes, específicas para ácidos graxos de cadeia carbonada curta, intermediária ou longa) presente na membrana mito-

condrial externa, as acil-CoA-sintetases, que catalisam a reação geral

Ácido graxo 1 CoA 1 ATP ∆ acil-CoA graxo 1 AMP 1 PPi

Assim, as acil-CoA-sintetases catalisam a formação de uma ligação tioéster entre o grupo carboxil do ácido graxo e o grupo tiol da coenzima A para produzir um acil-CoA gra-xo, acoplado à clivagem do ATP em AMP e PPi. (Lembre--se da descrição dessa reação no Capítulo 13, para ilustrar como a energia livre liberada pela clivagem das ligações fosfoanidrido do ATP pode ser acoplada à formação de um composto de alta energia; p. 524.) A reação ocorre em dois passos e envolve um intermediário acil-graxo-adenilato (Figura 17-5).

As acil-graxos-CoA, como a acetil-CoA, são compostos de alta energia; a sua hidrólise a ácidos graxos livres e CoA tem uma grande variação negativa de energia livre padrão (DG9° 5 231 kJ/mol). A formação de uma acil-CoA graxo torna-se favorável pela hidrólise de duas ligações de alta energia do ATP; o pirofosfato formado na reação de ativa-ção é imediatamente hidrolisado pela pirofosfatase inorgâ-nica (lado esquerdo da Figura 17-5), que puxa a reação de

P

P

❹❺

Corrente sanguínea

PP

PPP

Adipócito Miócito

Gotícula de lipídeo

Perilipina

cAMP

PKA

ATP

Glucagon

CO2

Albuminasérica

ATP

Transportadorde ácidosgraxos

Adenilil--ciclase

Ácidos graxos

b oxidação, ciclodo ácido cítrico,cadeia respiratória

Monoacilglicerol

Diacilglicerol

Triacilglicerol

Lipasesensível ahormônio

ATGL

MGL

CGICGICGI

HSL

HSL

ReceptorGs

FIGURA 173 Mobilização dos triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo. Quando os baixos níveis de glicose no sangue ativam a liberação de glucagon, ➊ o hormônio se liga ao seu receptor na membrana do adi-pócito e assim ➋ estimula a adenilil-ciclase, via uma proteína G, a produzir cAMP. Isso ativa a PKA, que fosforila ➌ a lipase sensível a hormônio (HSL, de hormone-sensitive lipase) e ➍ as moléculas de perilipina na superfície da go-tícula lipídica. A fosforilação da perilipina causa a ➎ dissociação da proteína CGI da perilipina. A CGI então se associa com a enzima triacilglicerol lipase no adipócito (ATGL, de adipose triacylglycerol lipase), ativando-a. A triacilglicerol lipase ativada ➏ converte triacilgliceróis em diacilgliceróis. A perilipina fosfo-

rilada se associa com a lipase sensível a hormônios fosforilada, permitindo o acesso à superfície da gotícula lipídica, onde ➐ ela hidrolisa os diacilgliceróis em monoacilgliceróis. Uma terceira lipase, a monoacilglicerol lipase (MGL, de monoacylglycerol lipase) ➑ hidrolisa os monoacilgliceróis. ➒ Os ácidos graxos saem do adipócito, se ligam à albumina sérica no sangue e são transporta-dos no sangue; eles são liberados da albumina e ➓ entram em um miócito por meio de um transportador específico de ácidos graxos. 11 No miócito, os ácidos graxos são oxidados a CO2, e a energia da oxidação é conservada em ATP, que abastece a contração muscular e outros tipos de metabolismo que necessitam de energia no miócito.

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Você sabia?Os ácidos graxos liberados passam dos adipócitos para o sangue, onde eles se ligam à albumina sérica. Ligados a essa proteína solúvel, os ácidos graxos são transportados aos tecidos como o músculo estriado esquelético, o coração e o córtex renal. Nesses tecidos alvos, os ácidos graxos se dissociam da albumina e são levados por transportadores da membrana plasmática para dentro das células para servir de combustível.

NOTA

Cerca de 95% da energia biologicamente disponível dos triacilgliceróis residem nas suas três cadeias longas de ácidos graxos; apenas 5% são fornecidos pela porção glicerol. O glicerol liberado pela ação da lipase é fosforilado pela glicerol-cinase, e o glicerol-3-fosfato resultante é oxidado a di-hidroxiacetona fosfato.

2.2.1 Oxidação dos ácidos graxos

A oxidação dos ácidos graxos ocorre em três etapas (Figura 17). Na primeira etapa – b-oxidação –, os ácidos graxos sofrem remoção oxidativa de sucessivas unidades de dois carbonos na forma de acetil-CoA, começando pela extremidade carboxílica da cadeia acil-graxo. Por exemplo, o ácido palmítico de 16 carbonos passa sete vezes pela sequência oxidativa, perdendo dois carbonos como acetil-CoA em cada passagem. Ao final de sete ciclos, os dois últimos carbonos do palmitato permanecem como acetil-CoA. O resultado global é a conversão da cadeia de 16 carbonos do palmitato em oito grupos acetil de dois carbonos das moléculas de acetil-CoA. A formação de cada acetil-CoA requer a remoção de quatro átomos de hidrogênio (dois pares de elétrons e quatro H1) da porção acil-graxo pelas desidrogenases.

Na segunda etapa da oxidação de ácidos graxos, os grupos acetil da acetil-CoA são oxidados a CO2 no ciclo do ácido cítrico, que também ocorre na matriz mitocondrial. A acetil-CoA derivada dos ácidos graxos então entra em uma via de oxidação final comum com a acetil-CoA derivada da glicose precedente da glicólise e da oxidação do piruvato. As duas primeiras etapas da oxidação dos ácidos graxos produzem os transportadores de elétrons reduzidos NADH e FADH2, que na terceira etapa doam elétrons para a cadeia respiratória mitocondrial, por meio da qual os elétrons passam para o oxigênio com a fosforilação concomitante de ADP a ATP (Figura 17). A energia liberada pela oxidação dos ácidos graxos é, portanto, conservada como ATP (NELSON; COX, 2014).

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Curiosidade: Muitos animais dependem da gordura armazenada para obter energia durante a hibernação, em períodos migratórios e em outras situações envolvendo ajustes metabólicos radicais. Um dos ajustes mais pronunciados do metabolismo de gorduras ocorre nos ursos-pardos em hibernação. Esses animais permanecem em estado contínuo de dormência por períodos de até sete meses. Diferente da maioria das espécies hibernantes, o urso mantém a temperatura corporal entre 32 e 35 °C, próxima ao nível normal (não hibernando). Embora gaste aproximadamente 25.000 kJ/dia (6.000 kcal/dia), o urso não come, bebe, urina ou defeca por meses seguidos. Estudos experimentais mostraram que os ursos-pardos em hibernação utilizam a gordura corporal como seu único combustível. A oxidação das gorduras produz energia suficiente para manter a temperatura corporal, a síntese ativa de aminoácidos e proteínas e outras atividades que requerem energia, como o transporte de membrana. A oxidação das gorduras também libera grandes quantidades de água, que repõem a água perdida na respiração. O glicerol liberado pela degradação dos triacilgliceróis é convertido em glicose sanguínea pela gliconeogênese. A ureia formada durante a degradação de aminoácidos é reabsorvida nos rins e reciclada, os grupos aminos são reutilizados para produzir novos aminoácidos para manter as proteínas corporais. Os ursos armazenam uma enorme quantidade de gordura corporal quando em preparação para o seu longo sono. Um urso-pardo adulto consome cerca de 38.000 kJ/dia durante o final da primavera e o verão, mas à medida que o inverno se aproxima ele come durante 20 horas por dia, consumindo até 84.000 kJ por dia. Essa mudança na alimentação é uma resposta a uma mudança sazonal na secreção de hormônios. Grandes quantidades de triacilgliceróis são formadas a partir da grande ingestão de carboidratos durante o período de engorda. Outras espécies hibernantes, incluindo o minúsculo arganaz (camundongo silvestre), também acumulam grandes quantidades de gordura corporal.

NOTA

2.2.2 Corpos cetônicos

Em humanos, e na maior parte de outros mamíferos, o acetil-CoA formado no fígado durante a oxidação dos ácidos graxos pode entrar no ciclo do ácido cítrico (etapa 2 da Figura 18) ou sofrer conversão a “corpos cetônicos”, acetona, acetoacetato e D-b-hidroxibutirato, para exportação a outros tecidos. (O termo “corpos” é um artefato histórico; esse termo é ocasionalmente aplicado a partículas insolúveis, mas esses compostos são solúveis no sangue e na urina). A acetona, produzida em menor quantidade do que os outros corpos cetônicos, é exalada. O acetoacetato é transportado pelo sangue para outros tecidos que não o fígado (tecidos extra-hepáticos), onde são convertidos a acetil-CoA e oxidados no ciclo do ácido cítrico, fornecendo muita da energia necessária para tecidos como o músculo esquelético e cardíaco e o córtex renal. O cérebro, que usa preferencialmente glicose como combustível, pode se adaptar ao uso de acetoacetato em condições de jejum prolongado, quando a glicose não está

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disponível. A produção e exportação dos corpos cetônicos do fígado para tecidos extra-hepáticos permite a oxidação contínua de ácidos graxos no fígado quando acetil-CoA não está sendo oxidada no ciclo do ácido cítrico (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

FIGURA 17 – ETAPAS DA OXIDAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 673)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 673

te de ADP a ATP (Figura 17-7). A energia liberada pela oxi-dação dos ácidos graxos é, portanto, conservada como ATP.

Agora será analisada com mais atenção a primeira etapa da oxidação dos ácidos graxos, começando com o caso sim-ples de uma cadeia acil-graxo saturada com um número par de carbonos, então passando para os casos um pouco mais complexos das cadeias insaturadas ou de número ímpar. Também será abordada a regulação da oxidação de ácidos graxos, os processos b-oxidativos que ocorrem nas outras organelas que não na mitocôndria e, finalmente, duas ma-neiras menos comuns de catabolismo de ácidos graxos, a a-oxidação e a v-oxidação.

A b-oxidação de ácidos graxos saturados tem quatro passos básicosQuatro reações catalisadas por enzimas constituem a pri-meira etapa da oxidação de ácidos graxos (Figura 17-8a). Primeiro, a desidrogenação da acil-CoA graxo produz uma ligação dupla entre os átomos de carbono a e b (C-2 e C-3), produzindo uma trans-D2-enoil-CoA (o símbolo D2 desig-

na a posição da ligação dupla; você pode querer rever a no-menclatura dos ácidos graxos, p. 357.) Observe que a nova ligação dupla tem configuração trans, enquanto as ligações duplas nos ácidos graxos insaturados que ocorrem natural-mente com frequência estão na configuração cis. O signifi-cado dessa diferença será analisado mais tarde.

NADH, FADH2

Cadeia respiratória(transferência de

elétrons)

Etapa 1 Etapa 2

Etapa 3

16CO2

Ciclo doácido cítrico

8 Acetil-CoA

CH2

64e2

28e2

CH3

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

CH2

C

CH2

O]

O

b Oxidação

e2

ATPADP + Pi

H2O

2H+ + 12 O2

FIGURA 177 Etapas da oxidação de ácidos graxos. Etapa 1: Um ácido graxo de cadeia longa é oxidado para produzir resíduos de acetil na forma de acetil-CoA. Esse processo é chamado de b-oxidação. Etapa 2: Os grupos acetil são oxidados a CO2 no ciclo do ácido cítrico. Etapa 3: Os elétrons derivados das oxidações das etapas 1 e 2 passam ao O2 por meio da cadeia respiratória mito-condrial, fornecendo a energia para a síntese de ATP por fosforilação oxidativa.

CH2

CH3

O

CH2

Acil-CoA(miristoil-CoA)

a

S-CoA

b

Acil-CoA--acetiltransferase

(tiolase)

CoA-SH

C

C

CH2 S-CoA

C

O Palmitoil-CoA

Acil-CoA--desidrogenase

FADH2

FAD

H2O

R CH2

O trans-DEnoil-CoA

2-

S-CoACC C

H

CH2

H

R CH2

O L-b-Hidroxiacil-CoA

S-CoA

b-hidroxiacil-CoA--desidrogenase

NADH 1 H1

NAD1

CC

OH

H

CH2

O

(C16) R

R CH2

O b-Cetoacil -CoA

S-CoACCCH2

O

S-CoA 1

(b)

Acetil

(C14) R

C12

C10

C8

C6

C14

Acetil -CoA

Acetil -CoA

Acetil -CoA

Acetil -CoA

Acetil -CoA

(a)

C4

-CoA

Acetil -CoA

Acetil -CoA

Enoil-CoA--hidratase

FIGURA 178 A via da b-oxidação. (a) Em cada passagem por essa se-quência de quatro passos, um resíduo acetil (sombreado em cor salmão) é removido na forma de acetil-CoA da extremidade carboxílica da cadeia acil graxo – nesse exemplo, o palmitato (C16), que entra como palmitoil-CoA. (b) Mais seis passagens pela via produzem mais sete moléculas de acetil-CoA, a sétima vinda dos dois últimos átomos de carbono da cadeia de 16 carbonos. Oito moléculas de acetil-CoA são formadas no total.

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2.2.3 Corpos cetônicos são produzidos em excesso no diabetes e durante o jejum

Nelson e Cox (2014) relatam que jejum e diabetes melito não tratado leva à

superprodução de corpos cetônicos, com vários problemas médicos associados. Durante o jejum, a gliconeogênese consome os intermediários do ciclo do ácido cítrico, desviando acetil-CoA para a produção de corpos cetônicos (Figura 18). No diabetes não tratado, quando o nível de insulina é insuficiente, os tecidos extra-hepáticos não podem captar a glicose do sangue de maneira eficiente, para combustível ou para conservação como gordura. Nessas condições, os níveis de malonil-CoA (o material de início para a síntese de ácidos graxos) caem, os ácidos graxos entram na mitocôndria para ser degradado a acetil-

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CoA que não pode passar pelo ciclo do ácido cítrico, já que os intermediários do ciclo foram drenados para uso como substrato na gliconeogênese. O acúmulo resultante de acetil-CoA acelera a formação de corpos cetônicos além da capacidade de oxidação dos tecidos extra-hepáticos.

O aumento dos níveis sanguíneos de acetoacetato diminui o pH do sangue, causando a condição conhecida como acidose. A acidose extrema pode levar ao coma e em alguns casos à morte. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de indivíduos com diabetes não tratado pode alcançar níveis extraordinários – uma concentração sanguínea de 90 mg/mL (comparado com o nível normal de 3 mg/100 ml) e excreção urinária de 5.000 mg/24h (comparado com uma taxa normal de #125 mg/24h). Essa condição é chamada cetose. Indivíduos em dietas hipocalóricas, utilizando as gorduras armazenadas no tecido adiposo como sua principal fonte de energia, também têm níveis elevados de corpos cetônicos no sangue e na urina. Esses níveis devem ser monitorados para evitar os riscos da acidose e da cetose (cetoacidose) (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 18 – FORMAÇÃO DE CORPOS CETÔNICOS E EXPORTAÇÃO A PARTIR DO FÍGADO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 687)

Como podemos observar na figura apresentada, as condições que promovem a gliconeogênese (diabetes não tratado, redução na ingestão de alimento) desaceleram o ciclo do ácido cítrico e aumentam a conversão de acetil-CoA em acetoacetato.

688 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

Os corpos cetônicos são produzidos em excesso no diabetes e durante o jejum

Jejum e diabetes melito não tratado leva à superpro-dução de corpos cetônicos, com vários problemas mé-

dicos associados. Durante o jejum, a gliconeogênese conso-me os intermediários do ciclo do ácido cítrico, desviando acetil-CoA para a produção de corpos cetônicos (Figura 17-21). No diabetes não tratado, quando o nível de insulina é insuficiente, os tecidos extra-hepáticos não podem captar a glicose do sangue de maneira eficiente, para combustível ou para conservação como gordura. Nessas condições, os níveis de malonil-CoA (o material de início para a síntese de ácidos graxos) caem, a inibição da carnitina-aciltransferase I é aliviada, e os ácidos graxos entram na mitocôndria para ser degradado a acetil-CoA – que não pode passar pelo ciclo do ácido cítrico, já que os intermediários do ciclo foram dre-nados para uso como substrato na gliconeogênese. O acú-mulo resultante de acetil-CoA acelera a formação de corpos cetônicos além da capacidade de oxidação dos tecidos ex-tra-hepáticos. O aumento dos níveis sanguíneos de acetoa-cetato e D-b-hidroxibutirato diminui o pH do sangue, cau-sando a condição conhecida como acidose. A acidose extrema pode levar ao coma e em alguns casos à morte. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de indivíduos com diabetes não tratado pode alcançar níveis extraordinários – uma concentração sanguínea de 90 mg/mL (comparado com o nível normal de , 3 mg/100 mL) e excreção urinária

de 5.000 mg/24h (comparado com uma taxa normal de #125 mg/24h). Essa condição é chamada cetose.

Indivíduos em dietas hipocalóricas, utilizando as gorduras armazenadas no tecido adiposo como sua principal fonte de energia, também têm níveis elevados de corpos cetônicos no sangue e na urina. Esses níveis devem ser monitorados para evitar os riscos da acidose e da cetose (cetoacidose).

RESUMO 17.3 Corpos cetônicos c Os corpos cetônicos – acetona, acetoacetato e D-b-hi-

droxibutirato – são formados no fígado. Os dois últimos compostos servem como combustíveis nos tecidos ex-tra-hepáticos, por meio da oxidação a acetil-CoA e en-trada no ciclo do ácido cítrico.

c A superprodução de corpos cetônicos no diabetes não controlado ou na redução severa da ingestão de calorias pode levar à acidose ou cetose.

Termos-chaveOs termos em negrito estão definidos no glossário.

b-oxidação 667quilomícron 669apolipoproteína 669lipoproteína 669perilipina 669ácidos graxos livres 669albumina sérica 669ciclo da carnitina 670carnitina-aciltransferase I

671transportador-acil-carnitina/

carnitina 671carnitina-aciltransferase II

671proteína trifuncional (TFP)

674metilmalonil-CoA-mutase

678

coenzima B12 678malonil-CoA 679PPAR (receptor ativado

por proliferadores de peroxissomos) 679

anemia perniciosa 681fator intrínseco 681acil-CoA-desidrogenase de

cadeia média (MCAD) 682

proteína multifuncional (MFP) 684

v-oxidação 684oxidases de função mista

685a-oxidação 685acidose 688cetose 688

Leituras adicionaisGeraisBoyer, P.D. (1983) The Enzymes, 3rd edn, Vol. 16: Lipid Enzymology,

Academic Press, Inc., San Diego, CA.

Ferry, G. (1998) Dorothy Hodgkin: A Life, Cold Spring Harbor Laboratory Press, Cold Spring Harbor, NY.

Biografia fascinante de uma mulher surpreendente.

Gurr, M.I., Harwood, J.L., & Frayn, K.N. (2002) Lipid Biochemistry: An Introduction, 5th edn, Blackwell Science, Oxford, UK.

Plutzky, J. (2009) The mighty mighty fatty acid. Nat. Med. 15, 618–619.

Scheffler, I.E. (1999) Mitochondria, Wiley-Liss, New York.Excelente obra sobre a estrutura e a função mitocondriais.

Wood, P.A. (2006) How Fat Works, Harvard University Press, Cambridge, MA.

Relato muito legível, de nível intermediário, sobre as contribuições da genética e de modelos murinos para a compreensão do metabolismo lipídico e obesidade.

ciclo doácidocítrico

Acetil-CoA

formação decorpos cetônicos

CoA

Ácidosgraxos

Glicose exportadacomo combustívelpara o cérebro eoutros tecidos

Glicose

gliconeogênese

Hepatócito

Gotículas de lipídeos

b-oxidação

Oxaloacetato

Acetoacetato,D-b-hidroxibutirato,

acetonaAcetoacetato e D-b--hidroxibutirato,exportados comofonte de energiapara o coração, omúsculo esquelético,o rim e o cérebro

FIGURA 1721 Formação de corpos cetônicos e exportação a partir do fígado. As condições que promovem a gliconeogênese (diabetes não tratado, redução na ingestão de alimento) desaceleram o ciclo do ácido cítri-co (pelo consumo do oxaloacetato) e aumentam a conversão de acetil-CoA em acetoacetato. A coenzima A liberada permite a b-oxidação contínua de ácidos graxos.

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RESUMO DO TÓPICO 3Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os ácidos graxos dos triacilgliceróis fornecem uma grande fração da energia oxidativa nos animais.

• Os triacilgliceróis da dieta são emulsificados no intestino delgado por sais biliares, hidrolisados pelas lipases intestinais, absorvidos pelas células epiteliais intestinais, reconvertidos em triacilgliceróis, e então transformados em quilomícrons pela combinação com apolipoproteínas específicas.

• Os quilomícrons distribuem os triacilgliceróis aos tecidos, onde a lipase lipoproteica libera ácidos graxos livres para a entrada nas células.

• Os triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo são mobilizados por uma lipase de triacilglicerol sensível a hormônio.

• Os ácidos graxos liberados se ligam à albumina sérica e são transportados no sangue para o coração, para musculatura esquelética e outros tecidos que utilizam ácidos graxos como combustíveis.

• Uma vez dentro das células, os ácidos graxos são ativados na membrana mitocondrial externa pela conversão em tioésteres de acil-CoA graxos.

• A acil-CoA graxo será oxidada entra na mitocôndria em três passos, pelo ciclo da carnitina.

• Na primeira etapa da b-oxidação, quatro reações retiram cada unidade de acetil-Coa da extremidade carboxila de um acil-CoA graxo saturado.

• Na segunda etapa da oxidação dos ácidos graxos, o acetil-Coa é oxidado a CO2 no ciclo do ácido cítrico.

• Defeitos genéticos na acil-CoA-desidrogenase de cadeia média resulta em doenças humanas graves, assim como mutações em outros componentes do sistema de b-oxidação.

• Os corpos cetônicos – acetona, acetoacetato e D-b-hidroxibutirato – são formados no fígado. Os dois últimos compostos servem como combustíveis nos tecidos extra-hepáticos, por meio da oxidação a acetil-CoA e entrada no ciclo do ácido cítrico.

• A superprodução de corpos cetônicos no diabetes não controlado ou na redução severa da ingestão de calorias pode levar à acidose ou cetose.

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AUTOATIVIDADE

1 Um indivíduo desenvolveu uma condição caracterizada por fraqueza muscular progressiva e dolorosas cãibras musculares. Os sintomas foram agravados durante o jejum, exercício e dieta rica em gordura. O homogenato de uma amostra de músculo esquelético do paciente oxida oleato mais lentamente do que homogenatos controle, consistindo de amostras de músculo de indivíduos sadios. Quando carnitina foi adicionada ao homogenato de músculo do paciente, a taxa de oxidação do oleato se igualou a dos homogenatos controle. O paciente foi diagnosticado como portador de uma deficiência de carnitina. Nesse contexto, responda às seguintes questões:

a) Por que a carnitina adicionada aumenta a taxa de oxidação do oleato no homogenato de músculo do paciente?

b) Por que os sintomas do paciente se agravaram durante o jejum, o exercício e em dieta rica em gordura?

c) Sugira duas razões possíveis para a deficiência de carnitina muscular desse indivíduo.

2 Suponha que você tivesse que sobreviver com uma dieta de gordura de baleia e foca, com pouco ou sem carboidrato. Nesse contexto, responda às seguintes questões

a) Qual seria o efeito da privação de carboidrato na utilização de gordura para energia?

b) Se a sua dieta fosse completamente ausente de carboidratos, seria melhor consumir ácidos graxos de cadeia par ou ímpar? Explique.

3 Quando o acetil-CoA produzido durante a b-oxidação no fígado excede a capacidade do ciclo do ácido cítrico, o excesso de acetil-CoA forma corpos cetônicos – acetona, acetoacetato e D-b-hidroxibutirato. Isso ocorre em diabetes grave não controlada: já que os tecidos não podem usar glicose, eles oxidam grandes quantidades de ácidos graxos. Apesar de acetil-CoA não ser tóxico, a mitocôndria deve desviar o acetil-CoA em corpos cetônicos. Qual problema surgiria se acetil-CoA não fosse convertido a corpos cetônicos? Como o desvio a corpos cetônicos soluciona esse problema?

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TÓPICO 4 -

METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico serão abordados os aminoácidos que, por sua degradação oxidativa, contribuem significativamente para a produção de energia metabólica. A fração de energia metabólica obtida a partir de aminoácidos, sejam eles provenientes de proteínas da dieta ou de proteínas teciduais, varia muito de acordo com o tipo de organismo e com as condições metabólicas. Carnívoros obtêm (imediatamente após uma refeição) até 90% de suas necessidades energéticas da oxidação de aminoácidos, enquanto herbívoros obtêm apenas uma pequena fração de suas necessidades energéticas a partir dessa via. A maior parte dos microrganismos obtém aminoácidos a partir do ambiente e os utiliza como combustível quando suas condições metabólicas assim o determinarem. Plantas, no entanto, nunca ou quase nunca oxidam aminoácidos para produzir energia; em geral, os carboidratos produzidos a partir de CO2 e H2O na fotossíntese são sua única fonte de energia. As concentrações de aminoácidos nos tecidos vegetais são cuidadosamente reguladas para satisfazer às necessidades de biossíntese de proteínas, ácidos nucleicos e outras moléculas necessárias para o crescimento. O catabolismo dos aminoácidos não ocorre nas plantas, mas seu propósito é a produção de metabólitos para outras vias biossintéticas.

Para Nelson e Cox (2014, p. 695), nos animais, os aminoácidos sofrem degradação oxidativa em três circunstâncias metabólicas diferentes:

1. Durante a síntese e a degradação normais de proteínas celulares, alguns aminoácidos liberados pela hidrólise de proteínas não são necessários para a biossíntese de novas proteínas, sofrendo degradação oxidativa.2. Quando uma dieta é rica em proteínas e os aminoácidos ingeridos excedem as necessidades do organismo para a síntese proteica, o excesso é catabolizado; aminoácidos não podem ser armazenados. 3. Durante o jejum ou no diabetes melito não controlado, quando os carboidratos estão indisponíveis ou são utilizados de modo inadequado, as proteínas celulares são utilizadas como combustível.

Em todas essas condições metabólicas, os aminoácidos perdem seu grupo amino para formar a-cetoácidos, os “esqueletos de carbono” dos aminoácidos. Os a-cetoácidos sofrem oxidação a CO2 e H2O ou, geralmente mais importante, fornecem unidades de três e quatro carbonos que podem ser convertidas, pela gliconeogênese, em glicose, o combustível para o cérebro, para o músculo esquelético e para outros tecidos (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

UNIDADE 3

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As vias do catabolismo dos aminoácidos são bastante semelhantes na maioria dos organismos. O foco deste tópico concentra-se nas vias em vertebrados, pois essas vias têm recebido maior atenção por parte dos pesquisadores. Assim como no catabolismo dos carboidratos e dos ácidos graxos, os processos de degradação de aminoácidos convergem para vias catabólicas centrais, com os esqueletos de carbono da maioria dos aminoácidos encontrando uma via para o ciclo do ácido cítrico. Em alguns casos, as reações das vias de degradação dos aminoácidos representam etapas paralelas ao catabolismo dos ácidos graxos (NELSON; COX, 2014).

Rodwel, Murray e Granner (2017) relatam que uma característica importante distingue a degradação dos aminoácidos de outros processos catabólicos descritos até aqui: todos os aminoácidos contêm um grupo amino, e as vias para a degradação dos aminoácidos incluem, portanto, uma etapa fundamental, na qual o grupo a-amino é separado do esqueleto de carbono e desviado para as vias do metabolismo do grupo amino (Figura 19). Serão discutidos inicialmente o metabolismo do grupo amino e a excreção do nitrogênio e, a seguir, o destino dos esqueletos de carbono derivados dos aminoácidos; ao longo deste estudo, será examinado de que modo essas vias estão interconectadas. Está curioso? Vamos começar.

FIGURA 19 – VISÃO GERAL DO CATABOLISMO DOS AMINOÁCIDOS NOS MAMÍFEROS

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 589)

696 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

18.1 Destinos metabólicos dos grupos aminoO nitrogênio, N2, é abundante na atmosfera, mas é inerte para a utilização na maioria dos processos bioquímicos. Pelo fato de que apenas poucos organismos conseguem converter o N2 em formas biologicamente úteis, como NH3 (Capítulo 22), os grupos amino são cuidadosamente geren-ciados nos sistemas biológicos.

A Figura 18-2a fornece uma visão geral das vias cata-bólicas da amônia e dos grupos amino nos vertebrados. Os aminoácidos derivados das proteínas da dieta são a origem da maioria dos grupos amino. A maior parte dos aminoáci-dos é metabolizada no fígado. Parte da amônia gerada nesse processo é reciclada e utilizada em uma variedade de vias biossintéticas; o excesso é excretado diretamente ou con-vertido em ureia ou ácido úrico para excreção, dependendo do organismo (Figura 18-2b). O excesso de amônia produ-zido em outros tecidos (extra-hepáticos) é enviado ao fíga-do (na forma de grupos amino, como descrito a seguir) para conversão em sua forma de excreção.

Quatro aminoácidos desempenham papéis centrais no metabolismo do nitrogênio: glutamato, glutamina, alanina e aspartato. O lugar especial desses quatro aminoácidos no metabolismo do nitrogênio não é um acidente evolutivo. Esses aminoácidos em especial são aqueles mais facilmen-

te convertidos em intermediários do ciclo do ácido cítrico: glutamato e glutamina são convertidos em a-cetoglutarato, alanina em piruvato e aspartato em oxaloacetato. Gluta-mato e glutamina são especialmente importantes, atuando como uma espécie de ponto de encontro para os grupos amino. No citosol das células do fígado (hepatócitos), os grupos amino da maior parte dos aminoácidos são transferi-dos para o a-cetoglutarato, formando glutamato, que entra na mitocôndria e perde seu grupo amino para formar NH4

1. O excesso de amônia produzido na maior parte dos demais tecidos é convertido no nitrogênio amídico da glutamina, que circula até chegar ao fígado, entrando na mitocôndria hepática. Glutamina, glutamato ou ambos estão presentes na maior parte dos tecidos em concentrações mais elevadas que os demais aminoácidos.

No músculo esquelético, os grupos amino que excedem as necessidades geralmente são transferidos ao piruva-to para formar alanina, outra molécula importante para o transporte de grupos amino até o fígado. Será mostrado na Seção 18.2 que o aspartato participa dos processos meta-bólicos que ocorrem tão logo os grupos amino sejam entre-gues no fígado.

A presente discussão começa com a degradação das proteínas da dieta e depois faz uma descrição geral dos des-tinos metabólicos dos grupos amino.

Proteínasintracelulares

Proteínasda dieta

Biossíntese deaminoácidos,

nucleotídeos eaminas biológicas

Carbamoil--fosfato

NH 4

OxaloacetatoUreia (produto deexcreção do nitrogênio)

Glicose(sintetizada na

gliconeogênese)

Esqueletosde carbono

a-Cetoácidos

Amino-ácidos

Circuito doaspartato--arginino-

-succinato dociclo do ácido

cítrico

Ciclo doácidocítrico

Ciclo daureia

FIGURA 181 Visão geral do catabolismo dos aminoácidos nos mamíferos. Os grupos amino e os esqueletos de carbono tomam vias separadas, porém interconectadas.

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2 DESTINOS METABÓLICOS DOS GRUPOS AMINOS

O nitrogênio, N2, é abundante na atmosfera, mas é inerte para a utilização na maioria dos processos bioquímicos, pelo fato de que apenas poucos organismos conseguem converter o N2 em formas biologicamente úteis, como NH3, os grupos amino são cuidadosamente gerenciados nos sistemas biológicos. A Figura 21 fornece uma visão geral das vias catabólicas da amônia e dos grupos amino nos vertebrados.

Os aminoácidos derivados das proteínas da dieta são a origem da maioria dos grupos amino. A maior parte dos aminoácidos é metabolizada no fígado. Parte da amônia gerada nesse processo é reciclada e utilizada em uma variedade de vias biossintéticas. O excesso é excretado diretamente ou convertido em ureia ou ácido úrico para excreção, dependendo do organismo.

O excesso de amônia produzido em outros tecidos (extra-hepáticos) é enviado ao fígado (na forma de grupos amino, como descrito a seguir) para conversão em sua forma de excreção. Quatro aminoácidos desempenham papéis centrais no metabolismo do nitrogênio: glutamato, glutamina, alanina e aspartato. O lugar especial desses quatro aminoácidos no metabolismo do nitrogênio não é um acidente evolutivo (BERG; TYMOCZKO; STRYERT, 2015).

FIGURA 20 – CATABOLISMO DOS GRUPOS AMINO

FONTE: Berg, Tymoczko e Stryert (2015, p. 598)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 697

As proteínas da dieta são enzimaticamente degradadas até aminoácidosEm humanos, a degradação das proteínas ingeridas até seus aminoácidos constituintes acontece no trato gastrintesti-nal. A chegada de proteínas da dieta ao estômago estimula a mucosa gástrica a secretar o hormônio gastrina, que, por sua vez, estimula a secreção de ácido clorídrico pelas células parietais e de pepsinogênio pelas células principais das glân-dulas gástricas (Figura 18-3a). A acidez do suco gástrico (pH 1,0 a 2,5) lhe permite funcionar tanto como antissépti-co, matando a maior parte das bactérias e de outras células

estranhas ao organismo, quanto como agente desnaturante, desenovelando proteínas globulares e tornando suas ligações peptídicas internas mais suscetíveis à hidrólise enzimática. O pepsinogênio (Mr 40.554), precursor inativo ou zimogênio (p. 231), é convertido na pepsina ativa (Mr 34.614) por meio de uma clivagem autocatalisada (clivagem mediada pelo pró-prio pepsinogênio) que ocorre apenas em pH baixo. No es-tômago, a pepsina hidrolisa as proteínas ingeridas, atuando em ligações peptídicas em que o resíduo de aminoácido lo-calizado na porção aminoterminal provém dos aminoácidos aromáticos Phe, Trp e Tyr (ver Tabela 3-6), clivando cadeias polipeptídicas longas em uma mistura de peptídeos menores.

Proteínascelulares

C

CH2

CH2

C O

CH3

C O

O

OH

R

C H

NH2

Aminoácidos a-Cetoácidos

a-Cetoglutarato

a-Cetoglutarato

C

R

CH2C H

CH3CH2

C

C

H

CH2

CH2

Glutamato

Glutamina

Piruvato

Fígado

Alaninaoriunda domúsculo

Glutaminaoriunda domúsculo ede outrostecidos

Aminoácidos deproteínas ingeridas

(a)

ureia ou ácido úrico

H2N

O

C

NH2

Amônia (comoíon amônio)

Ureia

Ácido úrico

HN

HN

NH41

NH

O

C

C

CC

OC

O

NH

Animais amoniotélicos: amaior parte dos verte-brados aquáticos, como peixes ósseos e aslarvas dos anfíbios

(b)

Animais ureotélicos:muitos vertebradosterrestres; também ostubarões

Animais uricotélicos:aves e répteis

FIGURA 182 Catabolismo dos grupos amino. (a) Visão geral do cata-bolismo dos grupos amino (sombreados) no fígado de vertebrados. (b) For-mas de excreção do nitrogênio. O excesso de NH4

1 é excretado como amônia (micróbios, peixes ósseos), ureia (maior parte dos vertebrados terrestres) ou

ácido úrico (aves e répteis terrestres). Observe que os átomos de carbono da ureia e do ácido úrico estão altamente oxidados; o organismo descarta car-bonos apenas após extrair a maior parte da energia de oxidação disponível.

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Esses aminoácidos, em especial, são aqueles mais facilmente convertidos em intermediários do ciclo do ácido cítrico: glutamato e glutamina que são convertidos em a-cetoglutarato; alanina em piruvato; e aspartato em oxaloacetato. Glutamato e glutamina são especialmente importantes, atuando como uma espécie de ponto de encontro para os grupos amino. No citosol das células do fígado (hepatócitos), os grupos amino da maior parte dos aminoácidos são transferidos para o a-cetoglutarato, formando glutamato, que entra na mitocôndria e perde seu grupo amino para formar NH4. O excesso de amônia produzido na maior parte dos demais tecidos é convertido no nitrogênio amídico da glutamina, que circula até chegar ao fígado, entrando na mitocôndria hepática. Glutamina, glutamato ou ambos estão presentes na maior parte dos tecidos em concentrações mais elevadas que os demais aminoácidos (NELSON; COX, 2014).

No músculo esquelético, os grupos amino que excedem as necessidades geralmente são transferidos ao piruvato para formar alanina, outra molécula importante para o transporte de grupos amino até o fígado. A presente discussão começa com a degradação das proteínas da dieta e depois faz uma descrição geral dos destinos metabólicos dos grupos amino.

2.1 AS PROTEÍNAS DA DIETA SÃO ENZIMATICAMENTE DEGRADADAS ATÉ AMINOÁCIDOS

Em humanos, a degradação das proteínas ingeridas até seus aminoácidos constituintes acontece no trato gastrintestinal. A chegada de proteínas da dieta ao estômago estimula a mucosa gástrica a secretar o hormônio gastrina, que por sua vez, estimula a secreção de ácido clorídrico pelas células parietais e de pepsinogênio pelas células principais das glândulas gástricas (Figura 22). A acidez do suco gástrico (pH 1,0 a 2,5) lhe permite funcionar tanto como antisséptico, matando a maior parte das bactérias e de outras células estranhas ao organismo, quanto como agente desnaturante, desenovelando proteínas globulares e tornando suas ligações peptídicas internas mais suscetíveis à hidrólise enzimática.

O pepsinogênio (Mr 40.554), precursor inativo ou zimogênio, é convertido na pepsina ativa por meio de uma clivagem autocatalisada (clivagem mediada pelo próprio pepsinogênio) que ocorre apenas em pH baixo. No estômago, a pepsina hidrolisa as proteínas ingeridas, atuando em ligações peptídicas em que o resíduo de aminoácido localizado na porção aminoterminal provém dos aminoácidos aromáticos Phe, Trp e Tyr clivando cadeias polipeptídicas longas em uma mistura de peptídeos menores (NELSON; COX, 2014).

À medida que o conteúdo ácido do estômago passa para o intestino delgado, o pH baixo desencadeia a secreção do hormônio secretina na corrente sanguínea. A secretina estimula o pâncreas a secretar bicarbonato no intestino delgado, para neutralizar o HCl (ácido clorídrico) gástrico, aumentando abruptamente o pH, que fica próximo a 7.

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Todas as secreções pancreáticas chegam ao intestino delgado pelo ducto pancreático.

IMPORTANTE

A digestão das proteínas prossegue agora no intestino delgado. A chegada de aminoácidos na parte superior do intestino delgado (duodeno) determina a liberação para o sangue do hormônio colecistocinina, que estimula a secreção de diversas enzimas pancreáticas com atividades ótimas em pH 7 a 8. O tripsinogênio, o quimotripsinogênio e as procarboxipeptidases A e B – os zimogênios da tripsina, da quimotripsina e das carboxipeptidases A e B – são sintetizados e secretados pelas células exócrinas do pâncreas (Figura 21b ). O tripsinogênio é convertido em sua forma ativa, a tripsina, pela enteropeptidase, uma enzima proteolítica secretada pelas células intestinais. A tripsina livre catalisa então a conversão de moléculas adicionais de tripsinogênio em tripsina. A tripsina também ativa o quimotripsinogênio, as procarboxipeptidases e a proelastase (NELSON; COX, 2014).

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FIGURA 21 – PARTE DO TRATO DIGESTÓRIO HUMANO

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 698)

698 D AV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

À medida que o conteúdo ácido do estômago passa para o intestino delgado, o pH baixo desencadeia a secreção do hormônio secretina na corrente sanguínea. A secreti-na estimula o pâncreas a secretar bicarbonato no intesti-no delgado, para neutralizar o HCl gástrico, aumentando abruptamente o pH, que fica próximo a 7. (Todas as secre-ções pancreáticas chegam ao intestino delgado pelo ducto pancreático.) A digestão das proteínas prossegue agora no

intestino delgado. A chegada de aminoácidos na parte supe-rior do intestino delgado (duodeno) determina a liberação para o sangue do hormônio colecistocinina, que estimula a secreção de diversas enzimas pancreáticas com atividades ótimas em pH 7 a 8. O tripsinogênio, o quimotripsinogê-nio e as procarboxipeptidases A e B – os zimogênios da tripsina, da quimotripsina e das carboxipeptidases A e B – são sintetizados e secretados pelas células exócrinas do

Estômago

Pâncreas

Ductopancreático

pH baixo

Pepsinogênio

Zimogêniosproteases ativas

Pepsina

(a) Glândulas gástricas no revestimento do estômago

(b) Células exócrinas do pâncreas

(c) Vilosidades do intestino delgado

Intestinodelgado

pH7

Célulasparietais

(secretam HCl)

Célulasprincipais(secretam

pepsinogênio)

Mucosa gástrica(secreta gastrina)

RErugoso

Grânulos dezimogênioDucto coletor

Vilosidade

Mucosa intestinal (absorve

aminoácidos)

FIGURA 183 Parte do trato digestório (gastrintestinal) humano. (a) As células parietais e as células principais das glândulas gástricas secretam seus produtos em resposta ao hormônio gastrina. A pepsina inicia o pro-cesso de degradação das proteínas no estômago. (b) O citoplasma das cé-lulas exócrinas é completamente preenchido pelo retículo endoplasmático rugoso, o sítio de síntese dos zimogênios e de muitas enzimas digestivas. Os zimogênios são concentrados em partículas de transporte circundadas por membranas, denominadas grânulos de zimogênios. Quando uma célula

exócrina é estimulada, sua membrana plasmática funde-se com a membra-na do grânulo de zimogênio e estes são liberados por exocitose no lúmen do ducto coletor. Os ductos coletores, por fim, levam ao ducto pancreático e daí ao intestino delgado. (c) Os aminoácidos são absorvidos pela camada de células epiteliais (mucosa intestinal) das vilosidades e chegam aos capilares. Lembre que os produtos da hidrólise dos lipídeos no intestino delgado, após sua absorção pela mucosa intestinal, entram no sistema linfático (ver Figura 17-1).

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Qual a razão para esse mecanismo elaborado ativar enzimas digestivas dentro do trato gastrintestinal? A síntese dessas enzimas como precursores inativos protege as células exócrinas do ataque proteolítico destrutivo. O pâncreas se protege ainda mais da autodigestão por meio da síntese de um inibidor específico, a proteína denominada inibidor pancreático da tripsina, que previne efetivamente a produção prematura de enzimas proteolíticas ativas dentro das células pancreáticas.

Para Nelson e Cox (2014, p. 699):

A tripsina e a quimotripsina continuam a hidrólise dos peptídeos produzidos pela pepsina no estômago. Esse estágio da digestão proteica é realizado com grande eficiência, pois a pepsina, a tripsina e a quimotripsina apresentam especificidades distintas quanto aos aminoácidos sobre os quais atuam. A degradação de pequenos peptídeos no intestino delgado é então completada por outras peptidases intestinais. Estas incluem as carboxipeptidases A e B (duas enzimas que contêm zinco), as quais removem resíduos sucessivos da extremidade carboxiterminal dos peptídeos e uma aminopeptidase, que hidrolisa resíduos sucessivos da extremidade aminoterminal de peptídeos pequenos. A mistura resultante de

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aminoácidos livre é transportada para dentro das células epiteliais que revestem o intestino delgado através dos quais os aminoácidos entram nos capilares sanguíneos nas vilosidades e são transportados até o fígado. Nos humanos, a maior parte das proteínas globulares obtidas a partir de animais é hidrolisada quase completamente até aminoácidos no trato gastrintestinal, mas algumas proteínas fibrosas, como a queratina, são digeridas apenas parcialmente. Além disso, o conteúdo proteico de alguns alimentos obtidos a partir de vegetais está protegido contra a degradação por envoltórios não digeríveis de celulose.

A pancreatite aguda é uma doença causada por obstrução da via normal pela qual as secreções pancreáticas chegam ao intestino. Os zimogênios das enzimas proteolíticas são prematuramente convertidos em suas formas cataliticamente ativas dentro das células pancreáticas e atacam o próprio tecido pancreático. Isso causa dores intensas e lesão ao órgão, o que pode ser fatal.

NOTA

2.2 O GLUTAMATO LIBERA SEU GRUPO AMINO NA FORMA DE AMÔNIA

Como já vimos, os grupos amino de muitos aminoácidos são coletados no fígado, na forma do grupo amino de moléculas de glutamato. Esses grupos amino devem ser removidos do glutamato e preparados para excreção. Nos hepatócitos, o glutamato é transportado do citosol para a mitocôndria, onde sofre desaminação oxidativa, catalisada pela L-glutamato-desidrogenase. Nos mamíferos, essa enzima está presente na matriz mitocondrial. É a única enzima que utiliza NAD1 ou NADP1 como aceptor de equivalentes redutores (Figura 22).

A ação combinada de uma aminotransferase e da glutamato-desidrogenase é conhecida como transdesaminação. Uns poucos aminoácidos contornam a via de transdesaminação e sofrem diretamente desaminação oxidativa. O a-cetoglutarato formado a partir da desaminação do glutamato pode ser utilizado no ciclo do ácido cítrico e para a síntese de glicose (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

A glutamato-desidrogenase opera em uma importante intersecção do metabolismo do carbono e do nitrogênio. Essa enzima alostérica, com seis subunidades idênticas, tem sua atividade influenciada por um arranjo complicado de moduladores alostéricos. Os mais bem estudados são o modulador positivo ADP e o modulador negativo GTP (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

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FIGURA 22 – REAÇÃO CATALISADA PELA GLUTAMATO-DESIDROGENASE

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 604)

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zão metabólica para esse padrão de regulação ainda não foi esclarecida em detalhe. Mutações que alterem o sítio alos-térico para a ligação do GTP ou que causem ativação per-manente da glutamato-desidrogenase levam a uma doença genética humana, denominada síndrome do hiperinsulinis-mo com hiperamonemia, caracterizada por níveis elevados de amônia na corrente sanguínea e hipoglicemia.

A glutamina transporta a amônia na corrente sanguíneaA amônia é bastante tóxica para os tecidos animais (poste-riormente serão examinadas algumas possíveis razões para essa toxicidade) e seus níveis no sangue são regulados. Em muitos tecidos, incluindo o cérebro, alguns processos, como a degradação de nucleotídeos, geram amônia livre. Na maioria dos animais, a maior parte dessa amônia livre é con-vertida em um composto não tóxico antes de ser exportada dos tecidos extra-hepáticos para o sangue e transportada até o fígado ou até os rins. Para essa função de transporte, o glutamato, essencial para o metabolismo intracelular do grupo amino, é substituído pela L-glutamina. A amônia livre produzida nos tecidos combina-se com o glutamato, produ-zindo glutamina, pela ação da glutamina-sintetase. Essa reação requer ATP e ocorre em duas etapas (Figura 18-8). Inicialmente, o glutamato e o ATP reagem para formar ADP e um intermediário g-glutamil-fosfato, que então reage com a amônia, produzindo glutamina e fosfato inorgânico.

A glutamina é uma forma de transporte não tóxico para a amônia; ela normalmente está presente no sangue em con-centrações muito maiores que os demais aminoácidos. A glutamina também serve como fonte de grupos amino em várias reações biossintéticas. A glutamina-sintetase é en-contrada em todos os organismos, sempre desempenhan-do um papel metabólico central. Nos microrganismos, essa enzima serve como via de entrada essencial do nitrogênio fixado em sistemas biológicos. (Os papéis da glutamina e da glutamina-sintetase no metabolismo são discutidos no Capítulo 22.)

Na maioria dos animais terrestres, a glutamina que ex-cede as necessidades de biossíntese é transportada pelo sangue para o intestino, o fígado e os rins, para ser proces-sada. Nesses tecidos, o nitrogênio amídico é liberado como íon amônio na mitocôndria, onde a enzima glutaminase converte glutamina em glutamato e NH4

1 (Figura 18-8). O

H1

COO2

C

O

a-Cetoglutarato

Glutamato

COO2

CH2

CH2

COO2

COO2

C

CH2 NH41

H2N1

H2O

H3N

CH2

COO2

COO2

C

CH2

CH2

NAD(P)1

NAD(P)H

FIGURA 187 Reação catalisada pela glutamato-desidrogenase. A glutamato-desidrogenase do fígado de mamíferos tem a capacidade inco-mum de utilizar tanto NAD1 quanto NADP1 como cofator. As glutamato--desidrogenases de plantas e microrganismos normalmente são específicas para um ou outro desses aceptores de elétrons. A enzima dos mamíferos é regulada alostericamente por GTP e ADP.

C CHCH2

NH3

COOCH2

OOC CHCH2 COOCH2

O

C CHCH2

O

O

O

COOCH2

ATP

ADP

OP

O

Glutamina--sintetase

Glutamina--sintetase

Glutaminase(mitocôndria

hepática)

L-Glutamina

L-Glutamato

L-Glutamato

g-Glutamil-fosfato

C CHCH2

H2NCOOCH2

O

NH4

O

Pi

NH4

Ureia

H2O

NH3

NH3

NH3

FIGURA 188 Transporte de amônia na forma de glutamina. O exces-so de amônia nos tecidos é adicionado ao glutamato para formar glutamina, processo catalisado pela glutamina-sintetase. Após ser transportada pela corrente sanguínea, a glutamina entra no fígado e NH4

1 é liberado na mito-côndria pela enzima glutaminase.

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2.3 A GLUTAMINA TRANSPORTA A AMÔNIA NA CORRENTE SANGUÍNEA

A amônia é bastante tóxica para os tecidos animais (posteriormente serão examinadas algumas possíveis razões para essa toxicidade) e seus níveis no sangue são regulados. Em muitos tecidos, incluindo o cérebro, alguns processos, como a degradação de nucleotídeos, geram amônia livre. Na maioria dos animais, a maior parte dessa amônia livre é convertida em um composto não tóxico antes de ser exportada dos tecidos extra-hepáticos para o sangue e transportada até o fígado ou até os rins. Para essa função de transporte, o glutamato, essencial para o metabolismo intracelular do grupo amino é substituído pela L-glutamina. A amônia livre produzida nos tecidos combina-se com o glutamato, produzindo glutamina, pela ação da glutamina-sintetase. Essa reação requer ATP e ocorre em duas etapas (Figura 23). Inicialmente, o glutamato e o ATP reagem para formar ADP e um intermediário g-glutamil-fosfato, que então reage com a amônia, produzindo glutamina e fosfato inorgânico (NELSON; COX, 2014).

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FIGURA 23 – TRANSPORTE DE AMÔNIA NA FORMA DE GLUTAMINA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 703)

702 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

zão metabólica para esse padrão de regulação ainda não foi esclarecida em detalhe. Mutações que alterem o sítio alos-térico para a ligação do GTP ou que causem ativação per-manente da glutamato-desidrogenase levam a uma doença genética humana, denominada síndrome do hiperinsulinis-mo com hiperamonemia, caracterizada por níveis elevados de amônia na corrente sanguínea e hipoglicemia.

A glutamina transporta a amônia na corrente sanguíneaA amônia é bastante tóxica para os tecidos animais (poste-riormente serão examinadas algumas possíveis razões para essa toxicidade) e seus níveis no sangue são regulados. Em muitos tecidos, incluindo o cérebro, alguns processos, como a degradação de nucleotídeos, geram amônia livre. Na maioria dos animais, a maior parte dessa amônia livre é con-vertida em um composto não tóxico antes de ser exportada dos tecidos extra-hepáticos para o sangue e transportada até o fígado ou até os rins. Para essa função de transporte, o glutamato, essencial para o metabolismo intracelular do grupo amino, é substituído pela L-glutamina. A amônia livre produzida nos tecidos combina-se com o glutamato, produ-zindo glutamina, pela ação da glutamina-sintetase. Essa reação requer ATP e ocorre em duas etapas (Figura 18-8). Inicialmente, o glutamato e o ATP reagem para formar ADP e um intermediário g-glutamil-fosfato, que então reage com a amônia, produzindo glutamina e fosfato inorgânico.

A glutamina é uma forma de transporte não tóxico para a amônia; ela normalmente está presente no sangue em con-centrações muito maiores que os demais aminoácidos. A glutamina também serve como fonte de grupos amino em várias reações biossintéticas. A glutamina-sintetase é en-contrada em todos os organismos, sempre desempenhan-do um papel metabólico central. Nos microrganismos, essa enzima serve como via de entrada essencial do nitrogênio fixado em sistemas biológicos. (Os papéis da glutamina e da glutamina-sintetase no metabolismo são discutidos no Capítulo 22.)

Na maioria dos animais terrestres, a glutamina que ex-cede as necessidades de biossíntese é transportada pelo sangue para o intestino, o fígado e os rins, para ser proces-sada. Nesses tecidos, o nitrogênio amídico é liberado como íon amônio na mitocôndria, onde a enzima glutaminase converte glutamina em glutamato e NH4

1 (Figura 18-8). O

H1

COO2

C

O

a-Cetoglutarato

Glutamato

COO2

CH2

CH2

COO2

COO2

C

CH2 NH41

H2N1

H2O

H3N

CH2

COO2

COO2

C

CH2

CH2

NAD(P)1

NAD(P)H

FIGURA 187 Reação catalisada pela glutamato-desidrogenase. A glutamato-desidrogenase do fígado de mamíferos tem a capacidade inco-mum de utilizar tanto NAD1 quanto NADP1 como cofator. As glutamato--desidrogenases de plantas e microrganismos normalmente são específicas para um ou outro desses aceptores de elétrons. A enzima dos mamíferos é regulada alostericamente por GTP e ADP.

C CHCH2

NH3

COOCH2

OOC CHCH2 COOCH2

O

C CHCH2

O

O

O

COOCH2

ATP

ADP

OP

O

Glutamina--sintetase

Glutamina--sintetase

Glutaminase(mitocôndria

hepática)

L-Glutamina

L-Glutamato

L-Glutamato

g-Glutamil-fosfato

C CHCH2

H2NCOOCH2

O

NH4

O

Pi

NH4

Ureia

H2O

NH3

NH3

NH3

FIGURA 188 Transporte de amônia na forma de glutamina. O exces-so de amônia nos tecidos é adicionado ao glutamato para formar glutamina, processo catalisado pela glutamina-sintetase. Após ser transportada pela corrente sanguínea, a glutamina entra no fígado e NH4

1 é liberado na mito-côndria pela enzima glutaminase.

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A glutamina é uma forma de transporte não tóxico para a amônia; ela normalmente está presente no sangue em concentrações muito maiores que os demais aminoácidos. A glutamina também serve como fonte de grupos amino em várias reações biossintéticas. A glutamina-sintetase é encontrada em todos os organismos, sempre desempenhando um papel metabólico central. Nos microrganismos, essa enzima serve como via de entrada essencial do nitrogênio fixado em sistemas biológicos.

Na maioria dos animais terrestres, a glutamina que excede as necessidades de biossíntese é transportada pelo sangue para o intestino, o fígado e os rins, para ser processada. Nesses tecidos, o nitrogênio amídico é liberado como íon amônio na mitocôndria, onde a enzima glutaminase converte glutamina em glutamato e NH4 1. O NH4 do intestino e dos rins é transportado no sangue para o fígado. No fígado, a amônia de todas essas fontes é utilizada na síntese da ureia. Parte do glutamato produzido na reação da glutaminase pode ser adicionalmente processado no fígado pela glutamato-desidrogenase, liberando mais amônia e produzindo esqueletos de carbono para utilização como combustível. Contudo, a maior parte do glutamato entra em reações de transaminação necessárias para a biossíntese de aminoácidos e para outros processos (NELSON; COX, 2014, p. 703).

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194

Você sabia?Na acidose metabólica há um aumento do processamento da glutamina pelos rins. Nem todo o excesso de NH4 assim produzido é liberado para a corrente sanguínea ou convertido em ureia; parte é excretado diretamente na urina. No rim, o NH4 forma sais com ácidos metabólicos, facilitando sua remoção na urina. O bicarbonato produzido pela descarboxilação do a-cetoglutarato no ciclo do ácido cítrico também pode funcionar como tampão no plasma sanguíneo. Tomados em conjunto, esses efeitos do metabolismo da glutamina no rim tendem a contrabalançar a acidose.

NOTA

2.4 A ALANINA TRANSPORTA A AMÔNIA DOS MÚSCULOS ESQUELÉTICOS PARA O FÍGADO

A alanina também desempenha um papel especial no transporte dos grupos

amino para o fígado em uma forma não tóxica, por meio de uma via denominada ciclo da glicose-alanina (Figura 24). No músculo e em alguns outros tecidos que degradam aminoácidos como combustíveis, os grupos amino são coletados na forma de glutamato, por transaminação. O glutamato pode ser convertido em glutamina para transporte ao fígado, como descrito anteriormente, ou pode transferir seu grupo a-amino para o piruvato, produto da glicólise muscular facilmente disponível, pela ação da alanina-aminotransferase. A alanina produzida passa para o sangue e segue para o fígado. No citosol dos hepatócitos, a alanina-aminotransferase transfere o grupo amino da alanina para o a-cetoglutarato, formando piruvato e glutamato. O glutamato entra na mitocôndria, onde a reação da glutamato-desidrogenase libera NH4 ou sofre transaminação com o oxaloacetato para formar aspartato, outro doador de nitrogênio para a síntese de ureia (NELSON; COX, 2014).

A utilização de alanina para o transporte da amônia dos músculos esqueléticos para o fígado é outro exemplo da economia intrínseca dos organismos vivos. Os músculos esqueléticos em contração vigorosa operam anaerobiamente, produzindo piruvato e lactato pela glicólise, assim como amônia pela degradação proteica. De algum modo, esses produtos devem chegar ao fígado, onde o piruvato e o lactato são incorporados na glicose, que volta aos músculos, e a amônia é convertida em ureia para excreção. O ciclo da glicose-alanina, em conjunto com o ciclo de Cori, realiza essa operação. O custo energético da gliconeogênese é assim imposto ao fígado e não ao músculo, e todo o ATP disponível no músculo é destinado à contração muscular (NELSON; COX, 2014).

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195

FIGURA 24 – O CICLO DA GLICOSE-ALANINA

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 703)

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 703

NH41 do intestino e dos rins é transportado no sangue para

o fígado. No fígado, a amônia de todas essas fontes é utili-zada na síntese da ureia. Parte do glutamato produzido na reação da glutaminase pode ser adicionalmente processa-da no fígado pela glutamato-desidrogenase, liberando mais amônia e produzindo esqueletos de carbono para utilização como combustível. Contudo, a maior parte do glutamato entra em reações de transaminação necessárias para a biossíntese de aminoácidos e para outros processos (Ca-pítulo 22).

Na acidose metabólica (p. 688), há um aumento do processamento da glutamina pelos rins. Nem todo o

excesso de NH41 assim produzido é liberado para a corrente

sanguínea ou convertido em ureia; parte é excretado direta-mente na urina. No rim, o NH4

1 forma sais com ácidos meta-bólicos, facilitando sua remoção na urina. O bicarbonato produzido pela descarboxilação do a-cetoglutarato no ciclo do ácido cítrico também pode funcionar como tampão no plasma sanguíneo. Tomados em conjunto, esses efeitos do metabolismo da glutamina no rim tendem a contrabalançar a acidose. ■

A alanina transporta a amônia dos músculos esqueléticos para o fígadoA alanina também desempenha um papel especial no trans-porte dos grupos amino para o fígado em uma forma não tóxica, por meio de uma via denominada ciclo da glicose--alanina (Figura 18-9). No músculo e em alguns outros tecidos que degradam aminoácidos como combustível, os grupos amino são coletados na forma de glutamato, por transaminação (Figura 18-2a). O glutamato pode ser con-vertido em glutamina para transporte ao fígado, como des-crito anteriormente, ou pode transferir seu grupo a-amino para o piruvato, produto da glicólise muscular facilmente disponível, pela ação da alanina-aminotransferase (Fi-gura 18-9). A alanina assim produzida passa para o sangue e segue para o fígado. No citosol dos hepatócitos, a alanina--aminotransferase transfere o grupo amino da alanina para o a-cetoglutarato, formando piruvato e glutamato. O glu-tamato então entra na mitocôndria, onde a reação da glu-tamato-desidrogenase libera NH4

1 (Figura 18-7), ou sofre transaminação com o oxaloacetato para formar aspartato, outro doador de nitrogênio para a síntese de ureia.

A utilização de alanina para o transporte da amônia dos músculos esqueléticos para o fígado é outro exemplo da economia intrínseca dos organismos vivos. Os músculos esqueléticos em contração vigorosa operam anaerobiamen-te, produzindo piruvato e lactato pela glicólise, assim como amônia pela degradação proteica. De algum modo, esses produtos devem chegar ao fígado, onde o piruvato e o lac-tato são incorporados na glicose, que volta aos músculos, e a amônia é convertida em ureia para excreção. O ciclo da glicose-alanina, em conjunto com o ciclo de Cori (ver Quadro 14-2 e Figura 23-19), realiza essa operação. O custo energético da gliconeogênese é assim imposto ao fígado e não ao músculo, e todo o ATP disponível no músculo é des-tinado à contração muscular.

A amônia é tóxica para os animaisA produção catabólica de amônia impõe um sério pro-blema bioquímico, por ser muito tóxica. A base mole-

cular para essa toxicidade não é completamente compreen-dida. Os estágios finais da intoxicação por amônia em humanos são caracterizados por indução de um estado de coma, acompanhado por edema cerebral (aumento no con-teúdo de água do cérebro) e aumento da pressão intracra-niana, de modo que pesquisas e especulações em torno da intoxicação por amônia têm sido focalizadas nesse tecido. As especulações centralizam-se em uma possível depleção do ATP nas células do cérebro.

A amônia facilmente cruza a barreira hematoencefálica, de modo que qualquer condição que aumente os níveis de amônia na circulação sanguínea também exporá o cérebro a altas concentrações. O cérebro em desenvolvimento é mais suscetível aos efeitos deletérios do íon amônio que o cére-bro adulto. Os danos causados pela toxicidade do amônio incluem perda de neurônios, alteração na formação de si-napses e deficiência geral no metabolismo energético ce-lular. A remoção do excesso de amônia presente no citosol

Alanina--aminotransferase

a-Cetoglutarato

Alanina--aminotransferase

a-Cetoglutarato

Glutamato

Glutamato

Aminoácidos

Proteínamuscular

Ureia

NH41

NH41

Ciclo da ureia

Fígado

Músculo

Glicosesanguínea

Glicose

Glicose

Piruvato

Piruvato

Alaninasanguínea

Alanina

Alanina

Gliconeogênese

Glicólise

FIGURA 189 O ciclo da glicose-alanina. A alanina funciona como trans-portadora de amônia e do esqueleto de carbono do piruvato do músculo esquelético até o fígado. A amônia é excretada, e o piruvato é utilizado para produzir glicose, que é devolvida ao músculo.

Nelson_6ed_book.indb 703 Nelson_6ed_book.indb 703 03/04/14 07:4503/04/14 07:45

2.5 A AMÔNIA É TÓXICA PARA OS ANIMAIS

A produção catabólica de amônia impõe um sério problema bioquímico, por ser muito tóxica. A base molecular para essa toxicidade não é completamente compreendida. Os estágios finais da intoxicação por amônia em humanos são caracterizados por indução de um estado de coma, acompanhado por edema cerebral (aumento no conteúdo de água do cérebro) e aumento da pressão intracraniana, de modo que pesquisas e especulações em torno da intoxicação por amônia têm sido focalizadas nesse tecido (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

As especulações centralizam-se em uma possível depleção do ATP nas células do cérebro. A amônia facilmente cruza a barreira hematoencefálica, de modo que qualquer condição que aumente os níveis de amônia na circulação sanguínea também exporá o cérebro a altas concentrações. O cérebro em desenvolvimento é mais suscetível aos efeitos deletérios do íon amônio que o cérebro adulto. Os danos causados pela toxicidade do amônio incluem perda de neurônios, alteração na formação de sinapses e deficiência geral no metabolismo energético celular (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

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196

2.6 EXCREÇÕES DE NITROGÊNIO E CICLO DA UREIA

Se não forem reutilizados para a síntese de novos aminoácidos ou de outros produtos nitrogenados, os grupos amino são canalizados em um único produto de excreção. A maioria das espécies aquáticas, como os peixes ósseos, é amoniotélica e excreta o nitrogênio amínico como amônia. A amônia tóxica é simplesmente diluída na água do ambiente. Os animais terrestres necessitam de vias para a excreção do nitrogênio que minimizem a toxicidade e a perda de água. A maior parte dos animais terrestres é ureotélica e excreta o nitrogênio amínico na forma de ureia; aves e répteis são uricotélicos, excretando o nitrogênio amínico como ácido úrico (NELSON; COX, 2014).

As plantas reciclam praticamente todos os grupos amino, e a excreção de nitrogênio ocorre apenas em circunstâncias muito incomuns. Nos organismos ureotélicos, a amônia depositada na mitocôndria dos hepatócitos é convertida em ureia no ciclo da ureia. Essa via foi descoberta em 1932, por Hans Krebs (que mais tarde também descobriu o ciclo do ácido cítrico) e seu colaborador, Kurt Henseleit, estudante de medicina. A produção de ureia ocorre quase exclusivamente no fígado, sendo o destino da maior parte da amônia canalizada para esse órgão. A ureia passa para a circulação sanguínea e chega aos rins, sendo excretada na urina (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017). A produção de ureia será o foco da nossa discussão.

2.7 A UREIA É PRODUZIDA A PARTIR DA AMÔNIA

O ciclo da ureia inicia dentro da mitocôndria hepática, mas três de suas etapas seguintes ocorrem no citosol; o ciclo abrange dois compartimentos celulares. O primeiro grupo amino que entra no ciclo da ureia é derivado da amônia na matriz mitocondrial – a maior parte desses NH4 é fornecida pelas vias descritas anteriormente. O fígado também recebe parte da amônia pela veia porta, sendo essa amônia produzida no intestino pela oxidação bacteriana de aminoácidos. Qualquer que seja sua fonte, o NH4 presente na mitocôndria hepática é utilizado imediatamente, juntamente ao CO2 produzido pela respiração mitocondrial, para formar carbamoil-fosfato na matriz (Figura 25). Essa reação é dependente de ATP, sendo catalisada pela carbamoil-fosfato-sintetase I, enzima regulatória (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

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197

FIGURA 25 – REAÇÕES QUE CAPTAM NITROGÊNIO NO CICLO DA UREIA

FONTE: Rodwel, Murray e Granner (2017, p. 617)

Nelson e Cox (2014, p. 706) relatam que:

O carbamoil-fosfato, que funciona como doador ativado de grupos carbamoila, entra no ciclo da ureia. O ciclo tem apenas quatro etapas enzimáticas. Primeiro, o carbamoil--fosfato doa seu grupo carbamoila para a ornitina, formando citrulina, com a liberação de Pi (etapa 1). A reação é catalisada pela ornitina-transcarbamoilase. A ornitina não é um dos 20 aminoácidos encontrados nas proteínas, mas é um intermediário-chave no metabolismo do nitrogênio. Ela é sintetizada a partir do glutamato. A ornitina desempenha um papel que se assemelha àquele do oxaloacetato no ciclo do ácido cítrico, aceitando material a cada volta do ciclo da ureia. A citrulina produzida no primeiro passo do ciclo da ureia passa da mitocôndria para o citosol. Os próximos dois passos trazem o segundo grupo amino. A fonte é o aspartato produzido na mitocôndria por transaminação e transportado para o citosol. A reação de condensação entre o grupo amino do aspartato e o grupo ureído (carbonila) da citrulina forma arginino-succinato (etapa 2). Essa reação citosólica, catalisada pela arginino-succinato-sintetase, requer ATP e ocorre via um intermediário citrulil-AMP. O arginino-succinato é então clivado pela arginino-succinase (etapa 3), formando arginina e fumarato; este último é convertido em malato e a seguir entra na mitocôndria para unir-se aos intermediários do ciclo do ácido cítrico. Esse passo é a única reação reversível do ciclo da ureia. Na última etapa do ciclo (etapa 4), a enzima citosólica arginase cliva a arginina, produzindo ureia e ornitina. A ornitina é transportada para a mitocôndria para iniciar outra volta do ciclo da ureia.

706 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

citosólica (II), a qual tem uma função distinta na biossínte-se das pirimidinas (Capítulo 22).

O carbamoil-fosfato, que funciona como doador ativado de grupos carbamoila, entra no ciclo da ureia. O ciclo tem apenas quatro etapas enzimáticas. Primeiro, o carbamoil--fosfato doa seu grupo carbamoila para a ornitina, formando citrulina, com a liberação de Pi (Figura 18-10, etapa ➊). A reação é catalisada pela ornitina-transcarbamoilase. A ornitina não é um dos 20 aminoácidos encontrados nas pro-teínas, mas é um intermediário-chave no metabolismo do nitrogênio. Ela é sintetizada a partir do glutamato, em uma via com cinco etapas, descrita no Capítulo 22. A ornitina desempenha um papel que se assemelha àquele do oxalo-acetato no ciclo do ácido cítrico, aceitando material a cada volta do ciclo da ureia. A citrulina produzida no primeiro passo do ciclo da ureia passa da mitocôndria para o citosol.

Os próximos dois passos trazem o segundo grupo ami-no. A fonte é o aspartato produzido na mitocôndria por transaminação e transportado para o citosol. A reação de condensação entre o grupo amino do aspartato e o grupo ureido (carbonila) da citrulina forma arginino-succinato (etapa ➋ na Figura 18-10). Essa reação citosólica, catali-sada pela arginino-succinato-sintetase, requer ATP e ocorre via um intermediário citrulil-AMP (Figura 18-11b). O arginino-succinato é então clivado pela arginino-succi-nase (etapa ➌ na Figura 18-10), formando arginina e fuma-rato; este último é convertido em malato e a seguir entra na mitocôndria para unir-se aos intermediários do ciclo do áci-do cítrico. Esse passo é a única reação reversível do ciclo da

ureia. Na última etapa do ciclo (etapa ➍), a enzima citosó-lica arginase cliva a arginina, produzindo ureia e ornitina. A ornitina é transportada para a mitocôndria para iniciar outra volta do ciclo da ureia.

Como foi observado no Capítulo 16, as enzimas de mui-tas vias metabólicas encontram-se agrupadas (p. 636), com o produto de uma reação enzimática sendo canalizado di-retamente para a próxima enzima da via. No ciclo da ureia, as enzimas mitocondriais e citosólicas parecem estar agru-padas dessa forma. A citrulina transportada para fora da mitocôndria não é diluída no conjunto geral de metabólitos no citosol, mas passa diretamente para o sítio ativo da ar-ginino-succinato-sintetase. Essa canalização entre enzimas continua para o arginino-succinato, a arginina e a ornitina. Apenas a ureia é liberada para o conjunto geral de metabó-litos no citosol.

Os ciclos do ácido cítrico e da ureia podem ser ligadosUma vez que o fumarato produzido na reação da arginino--succinase também é um intermediário do ciclo do ácido cí-trico, os ciclos estão, a princípio, interconectados – em pro-cesso apelidado de “bicicleta de Krebs” (Figura 18-12). Contudo, cada ciclo opera independentemente e a comuni-cação entre eles depende do transporte de intermediários--chave entre a mitocôndria e o citosol. Os principais trans-portadores na membrana interna da mitocôndria incluem o transportador malato-a-cetoglutarato, o transportador glutamato-aspartato e o transportador glutamato-OH-. Jun-

❶ ❷

❷ ❸

O

C OH OH

NH3

–O

O

C

ATP

Bicarbonato

Anidridocarbônico-ácido

fosfórico

Carbamoil-fosfato

Carbamato

ADP ADPPi

PPi

AMPAMP

Aspartato

ADP

O–

O

P O–O

O–

O

P O–O

O–

O

P O–O

ATP

Citrulina Citrulil-AMP Arginino-succinato

Adenosina

O

O

P O

O

P O–O

–O

O–

P O–O

ATP

::

NH2

NH3+

NH

::

O–

O

CH2N

O

CH2N

CO

(CH2)3

COO–

CH

+

NH2 H2N

NH3+

+

NH::

CO

(CH2)3

COO–

CH

NH2

NH3+

+

NH

C CN H

(CH2)3

COO–

COO–

COO–

CH2

CH

COO–

CH2

C H

COO–

H

O bicarbonato é fosforilado pelo ATP.

A amônia desloca o grupo fosforila, gerando carbamato.

O carbamato é fosforilado, produzindo carbamoil-fosfato.

Um rearranjo leva à adição de AMP, ativando o oxigênio da carbonila da citrulina.

A adição de aspartato é facilitada pelo desloca-mento do AMP.

(a)

(b)

MECANISMO FIGURA 1811 Reações que captam nitrogênio no ci-clo da ureia. Os átomos de nitrogênio da ureia são obtidos por meio de duas reações que necessitam de ATP. (a) Na reação catalisada pela carba-moil-fosfato-sintetase I, entra o primeiro átomo de nitrogênio, sob a forma de amônia. Os grupos fosfato terminais de duas moléculas de ATP são uti-lizados para formar uma molécula de carbamoil-fosfato. Em outras pala-

vras, essa reação apresenta dois passos de ativação (➊ e ➌). Mecanismo da carbamoil-fosfato sintetase (b) Na reação catalisada pela arginino-succina-to-sintetase, o segundo nitrogênio entra no ciclo, a partir do aspartato. A ativação do oxigênio do grupo ureído da citrulina no passo ➊ prepara o composto para a adição do aspartato, no passo ➋. Mecanismo da arginino--succinato sintetase

Nelson_6ed_book.indb 706 Nelson_6ed_book.indb 706 03/04/14 07:4503/04/14 07:45

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198

2.8 DEFEITOS GENÉTICOS DO CICLO DA UREIA PODEM SER FATAIS

Pessoas com defeitos genéticos em qualquer das enzimas envolvidas na formação de ureia não toleram dietas ricas em proteína. Os aminoácidos ingeridos em excesso, além das necessidades mínimas diárias para a síntese proteica, são desaminados no fígado, produzindo amônia livre, que não pode ser convertida em ureia para ser exportada para a corrente sanguínea e, como já foi frisado, a amônia é altamente tóxica. A ausência de uma enzima do ciclo da ureia pode resultar em hiperamonemia ou no aumento de um ou mais intermediários do ciclo da ureia, dependendo da enzima que estiver faltando. Uma vez que a maioria das etapas do ciclo da ureia é irreversível, a ausência de uma atividade enzimática frequentemente pode ser identificada pela determinação de qual intermediário do ciclo está presente em concentrações especialmente altas no sangue e/ou na urina. Embora a degradação dos aminoácidos possa apresentar sérios problemas para a saúde das pessoas com deficiências no ciclo da ureia, uma dieta desprovida de proteínas não é uma opção de tratamento. Humanos são incapazes de sintetizar metade dos vinte aminoácidos proteicos, e esses aminoácidos essenciais devem estar presentes na dieta (NELSON; COX, 2014).

Uma variedade de tratamentos é disponibilizada para pessoas com defeitos no ciclo da ureia. A administração cuidadosa na dieta dos ácidos aromáticos benzoato ou fenilbutirato pode ajudar a diminuir os níveis de amônia no sangue.

2.9 VIAS DE DEGRADAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS

As vias do catabolismo dos aminoácidos, em conjunto, representam normalmente apenas 10 a 15% da produção de energia no organismo humano; essas vias são bem menos ativas que a glicólise e a oxidação dos ácidos graxos. O fluxo, ao longo das vias catabólicas, também varia muito, dependendo do equilíbrio entre as necessidades para processos biossintéticos e a disponibilidade de determinado aminoácido. As 20 vias catabólicas convergem para formar apenas seis produtos principais, os quais podem entrar no ciclo do ácido cítrico (Figura 26). Desse ponto, os esqueletos de carbono tomam vias distintas, sendo direcionados para a gliconeogênese ou para a cetogênese, ou oxidados completamente a CO2 e H2O (BERTUZZI et al., 2008).

Sete dos aminoácidos podem ter seus esqueletos de carbono, total ou parcialmente, degradados para produzir acetil-CoA. Cinco aminoácidos são convertidos em a-cetoglutarato, quatro em succinil-CoA, dois em fumarato e dois em oxaloacetato. Seis aminoácidos têm seu esqueleto carbonado, total ou parcialmente, convertido em piruvato, o qual pode ser transformado em acetil-CoA ou em oxaloacetato (NELSON; COX, 2014).

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199

FIGURA 26 – RESUMO DO CATABOLISMO DOS AMINOÁCIDOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 705)

2.10 O CATABOLISMO DA FENILALANINA / FENILCETONÚRIA

Considerando que muitos aminoácidos são neurotransmissores, ou precursores de neurotransmissores, ou antagonistas deles, não é de surpreender que defeitos genéticos no metabolismo dos aminoácidos possam causar prejuízo no desenvolvimento neural e deficiência intelectual. Em muitas dessas doenças, intermediários específicos se acumulam. Por exemplo, um defeito genético na fenilalanina-hidroxilase, a primeira enzima na via catabólica da fenilalanina, é responsável pela doença fenilcetonúria (PKU), a causa mais comum de níveis elevados de fenilalanina no sangue (hiperfenilalaninemia).

A fenilalanina-hidroxilase é uma enzima de uma classe geral de enzimas denominadas oxidases de função mista, que catalisam simultaneamente a hidroxilação de um substrato por um átomo de oxigênio do O2 e a redução do outro átomo de oxigênio em H2O. A fenilalanina-hidroxilase requer o cofator tetra-hidrobiopterina, que transfere elétrons do NADPH ao oxigênio, oxidando-se a di-hidrobiopterina no processo (Figura 27). Em seguida, esse cofator é reduzido pela enzima di-hidrobiopterina-redutase, em uma reação que requer NADPH (NELSON; COX, 2014).

P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 711

pode ser transformado em acetil-CoA ou em oxaloacetato. Posteriormente, serão resumidas as vias individuais para os 20 aminoácidos em diagramas de fluxo, cada um levando a um ponto específico de entrada no ciclo do ácido cítri-co. Nesses diagramas, os átomos de carbono que entram no ciclo do ácido cítrico são mostrados coloridos. Observe que alguns aminoácidos aparecem mais de uma vez, refle-tindo diferentes destinos para diferentes partes de seus es-queletos de carbono. Em vez de examinar cada etapa de cada via no catabolismo dos aminoácidos, serão destacadas para uma discussão especial algumas reações enzimáticas de relevância particular, devido a seus mecanismos ou seu significado médico.

Alguns aminoácidos são convertidos em glicose, outros em corpos cetônicosOs sete aminoácidos inteira ou parcialmente degradados em acetoacetil-CoA e/ou acetil-CoA – fenilalanina, tirosina, isoleucina, leucina, triptofano, treonina e lisina – podem produzir corpos cetônicos no fígado, onde a acetoacetil-

-CoA é convertida em acetoacetato e, então, em acetona e b-hidroxibutirato (ver Figura 17-19). Esses são aminoáci-dos cetogênicos (Figura 18-15). Sua capacidade de pro-duzir corpos cetônicos é especialmente evidente no diabe-tes melito não controlado, quando o fígado produz grandes quantidades de corpos cetônicos a partir de ácidos graxos e de aminoácidos cetogênicos.

Os aminoácidos degradados em piruvato, a-cetoglu-tarato, succinil-CoA, fumarato e/ou oxaloacetato podem ser convertidos em glicose e glicogênio pelas vias des-critas nos Capítulos 14 e 15. Esses são aminoácidos gli-cogênicos. Aminoácidos glicogênicos e cetogênicos não são excludentes entre si; cinco aminoácidos – triptofano, fenilalanina, tirosina, treonina e isoleucina – são tanto cetogênicos quanto glicogênicos. O catabolismo dos ami-noácidos é especialmente crítico para a sobrevivência de animais em dietas ricas em proteína ou durante o jejum. A leucina é um aminoácido exclusivamente cetogênico, muito comum em proteínas. Sua degradação contribui substancialmente para a cetose em condições de jejum prolongado.

Glicose

Fumarato

Succinil-CoACitrato

CO2

Isocitrato

Succinato

Ciclo doácidocítrico

FenilalaninaTirosina

Glutamato

ArgininaGlutaminaHistidinaProlina

IsoleucinaMetioninaTreoninaValina

Corposcetônicos

Oxaloacetato

Malato

Glicogênicos

Cetogênicos

Acetil-CoA

Piruvato

AlaninaCisteínaGlicinaSerinaTreoninaTriptofano

Acetoacetil-CoA

LeucinaLisinaFenilalaninaTriptofanoTirosina

AsparaginaAspartato

IsoleucinaLeucinaTreoninaTriptofano

-Cetoglutaratoa

FIGURA 1815 Resumo do catabolismo dos aminoácidos. Os aminoá-cidos estão agrupados conforme seu principal produto final de degradação. Alguns aminoácidos estão listados mais de uma vez, pois diferentes partes de seus esqueletos de carbono são degradadas em diferentes produtos fi-nais. A figura mostra as vias catabólicas mais importantes em vertebrados; há, contudo, variações menores entre diferentes espécies de vertebrados. A treonina, por exemplo, é degradada por no mínimo duas vias diferentes (ver

Figuras 18-19 e 18-27), e a importância de determinada via pode variar com o organismo e as condições metabólicas. Aminoácidos glicogênicos e ceto-gênicos também estão delineados na figura, sombreados em cores. Observe que cinco aminoácidos são tanto glicogênicos quanto cetogênicos. Os ami-noácidos que produzem piruvato também são potencialmente cetogênicos. Apenas dois aminoácidos, lisina e leucina, são exclusivamente cetogênicos.

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200

FIGURA 27 – REAÇÃO DA FENILALANINA-HIDROXILASE

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 719)

Em pessoas com PKU, uma rota secundária do metabolismo da fenilalanina, normalmente pouco utilizada, passa a desempenhar um papel mais proeminente. Nessa rota, a fenilalanina sofre transaminação com o piruvato, produzindo fenilpiruvato. A fenilalanina e o fenilpiruvato acumulam-se no sangue e nos tecidos e são excretados na urina – daí o nome “fenilcetonúria”. Uma quantidade considerável de fenilpiruvato não é excretada como tal, mas sofre descarboxilação a fenilacetato ou redução a fenil-lactato. O fenilacetato confere à urina um odor característico, tradicionalmente utilizado por enfermeiros para detectar PKU em bebês (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

O acúmulo de fenilalanina ou de seus metabólitos no início da vida prejudica o desenvolvimento normal do cérebro, causando grave deficiência intelectual. Isso pode ser causado pelo excesso de fenilalanina, que compete com outros aminoácidos pelo transporte através da barreira hematoencefálica, resultando em déficit de metabólitos necessários. A fenilcetonúria está entre os primeiros defeitos metabólicos herdados do metabolismo descobertos em humanos. Quando essa condição é identificada nos primeiros dias de vida, a deficiência intelectual pode ser prevenida pelo controle rígido da dieta, a qual deve suprir fenilalanina apenas suficiente para atender às necessidades de síntese proteica. O consumo de alimentos ricos em proteínas deve ser reduzido. Proteínas naturais, como a caseína do leite, devem ser primeiramente hidrolisadas e boa parte da fenilalanina deve ser removida para que o paciente receba uma dieta adequada, pelo menos durante toda a sua infância (NELSON; COX, 2014).

720 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX

-hidrobiopterina no processo (Figura 18-24). Em seguida, esse cofator é reduzido pela enzima di-hidrobiopterina--redutase, em uma reação que requer NADPH.

Em pessoas com PKU, uma rota secundária do metabo-lismo da fenilalanina, normalmente pouco utilizada, passa a desempenhar um papel mais proeminente. Nessa rota, a feni-lalanina sofre transaminação com o piruvato, produzindo fe-nilpiruvato (Figura 18-25). A fenilalanina e o fenilpiruvato acumulam-se no sangue e nos tecidos e são excretados na urina – daí o nome “fenilcetonúria”. Uma quantidade consi-derável de fenilpiruvato não é excretada como tal, mas sofre descarboxilação a fenilacetato ou redução a fenil-lactato. O fenilacetato confere à urina um odor característico, tradicio-nalmente utilizado por enfermeiros para detectar PKU em be-bês. O acúmulo de fenilalanina ou de seus metabólitos no iní-cio da vida prejudica o desenvolvimento normal do cérebro, causando grave deficiência intelectual. Isso pode ser causado pelo excesso de fenilalanina, que compete com outros ami-noácidos pelo transporte através da barreira hematoencefáli-ca, resultando em déficit de metabólitos necessários.

A fenilcetonúria está entre os primeiros defeitos meta-bólicos herdados do metabolismo descobertos em humanos. Quando essa condição é identificada nos primeiros dias de vida, a deficiência intelectual pode ser prevenida pelo con-trole rígido da dieta, a qual deve suprir fenilalanina apenas suficiente para atender às necessidades de síntese proteica. O consumo de alimentos ricos em proteínas deve ser redu-zido. Proteínas naturais, como a caseína do leite, devem ser primeiramente hidrolisadas e boa parte da fenilalanina deve ser removida para que o paciente receba uma dieta adequa-da, pelo menos durante toda a sua infância. Uma vez que o adoçante artificial aspartame é um dipeptídeo contendo as-partato e um metil-éster da fenilalanina (ver Figura 1-24b), alimentos adoçados com aspartame contêm avisos dirigidos a pessoas recebendo dietas em que o conteúdo de fenilalani-na deve ser controlado.

A fenilcetonúria também pode ser causada por um defeito na enzima que catalisa a regeneração da tetra-hidrobiopterina (Figura 18-24). O tratamento, nesse caso, é mais complexo do que a restrição da ingestão de fenilalanina. A tetra-hidrobiop-

terina também é necessária para a formação de L-3,4-di-hidro-xifenilalanina (L-dopa), precursor dos neurotransmissores do-pamina e noradrenalina, e de 5-hidroxitriptofano, precursor do neurotransmissor serotonina. Na fenilcetonúria desse tipo, esses precursores devem ser supridos na dieta. A suplementa-ção da dieta com a própria tetra-hidrobiopterina é ineficiente, pois ela é instável e não cruza a barreira hematoencefálica.

A triagem de doenças genéticas em recém-nascidos pode apresentar uma relação custo-benefício bastante favorável,

N HO

CH3

N

H

HNH

CH

OH

CH

OH

H2N

N HH

7,8-di-hidrobiopterina(forma quinonoide)

N HO

N H

NHCH

HO

CH

OH

N H

H

Tirosina

NH

H

H

CH3

CHCH2 COO2

NH3

1

CH

O2

COO2

NH3

1

OH5,6,7,8-Tetra-hidrobiopterina

Fenilalanina

Di-hidrobiopterina--redutase

CH2

H2O

Fenilalanina--hidroxilase

NAD(P)H1 H1

NAD(P)1 8

65

7

FIGURA 1824 O papel da tetra-hidrobiopterina na reação da fenila-lanina-hidroxilase. O átomo de H sombreado em cor-de-rosa é transferi-

do diretamente do C-4 para o C-3 na reação. Essa característica, descoberta no National Institute of Health (NIH), é denominada “troca NIH”.

CH

COO2

C

O

1

Fenilalanina

Piruvato

Alanina

Fenilpiruvato

Fenilacetato Fenil-lactato

PLP

CH2

NH3

OH

CH3

CH2

CH2

CH2

COO2

C

COO2

COO2

CH COO2

O

COO2

CH3

CH

Aminotransferase

1

NH3

CO2

H2O

FIGURA 1825 Rotas alternativas para o catabolismo da fenila-lanina na fenilcetonúria. Na PKU, o fenilpiruvato se acumula nos tecidos, no sangue e na urina. A urina pode ainda conter fenilacetato e fenil-lactato.

Nelson_6ed_book.indb 720 Nelson_6ed_book.indb 720 03/04/14 07:4503/04/14 07:45

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201

RESUMO DO TÓPICO 4Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Humanos obtêm uma pequena fração de sua energia oxidativa a partir do catabolismo dos aminoácidos.

• Os aminoácidos provêm da degradação normal de proteínas celulares (reciclagem), da degradação de proteínas da dieta e da degradação de proteínas teciduais no lugar de outros combustíveis, durante o jejum ou no diabetes melito não controlado.

• Proteases degradam as proteínas da dieta no estômago e no intestino delgado. A maioria das proteases é primeiramente sintetizada como zimogênios inativos.

• A primeira etapa no catabolismo dos aminoácidos é separar o grupo amino do esqueleto de carbono.

• O glutamato é transportado à mitocôndria hepática, onde a glutamato-desidrogenase libera o grupo amino na forma de íon amônio (NH4).

• O piruvato produzido pela desaminação da alanina no fígado é convertido em glicose, a qual é transportada de volta ao músculo como parte do ciclo da glicose-alanina.

• A amônia é altamente tóxica para os tecidos animais. No ciclo da ureia, a ornitina combina-se com a amônia, na forma de carbamoil-fosfato, para formar citrulina.

• Um segundo grupo amino é transferido para a citrulina a partir do aspartato, para formar arginina – o precursor imediato da ureia.

• O ciclo da ureia resulta na conversão líquida de oxaloacetato em fumarato, ambos intermediários do ciclo do ácido cítrico.

• Após a remoção dos grupos amino, os esqueletos de carbono dos aminoácidos sofrem oxidação a compostos capazes de entrar no ciclo do ácido cítrico para oxidação a CO2 e H2O.

• Diversas doenças humanas graves são causadas por defeitos genéticos nas enzimas do catabolismo dos aminoácidos.

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202

AUTOATIVIDADE

1 O plasma sanguíneo humano, normal, contém todos os aminoácidos necessários para a síntese das proteínas teciduais, mas não em iguais concentrações. A alanina e a glutamina estão presentes em concentrações muito mais elevadas que os demais aminoácidos. Sugira uma razão para que isto ocorra.

2 Em estudo realizado há alguns anos, gatos foram submetidos a um jejum durante a noite e então receberam uma única refeição, completa em relação a todos os aminoácidos, com exceção da arginina. Dentro de duas horas, os níveis de amônia no sangue aumentaram dos níveis normais de 18 mg/L para 140 mg/L, e os gatos mostraram sintomas clínicos de intoxicação por amônia. Um grupo controle recebeu uma dieta contendo todos os aminoácidos ou uma dieta em que a arginina era substituída pela ornitina e não mostrou qualquer sintoma clínico incomum. Nesse contexto, responda às seguintes questões:

a) Qual a razão do jejum no experimento?

b) Qual a causa do aumento dos níveis de amônia no grupo experimental? Por que a ausência de arginina levou à intoxicação pela amônia? A arginina é um aminoácido essencial para os gatos? Justifique.

c) Por que a ornitina pode substituir a arginina?

3 A deficiência de vitamina B12 pode ser causada por raras doenças genéticas que levam a níveis diminuídos de vitamina B12, apesar de uma dieta normal, que inclui carne e laticínios, ricos em B12. Essas condições não podem ser tratadas com suplementos de vitamina B12. Explique.

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203

METABOLISMO DE NUCLEOTÍDEOS

1 INTRODUÇÃO

O nitrogênio perde apenas para o carbono, o hidrogênio e o oxigênio em sua contribuição para a massa dos sistemas vivos. A maior parte desse nitrogênio está ligada à estrutura de aminoácidos e nucleotídeos. Neste tópico serão abordados todos os aspectos do metabolismo de nucleotídeos.

2 BIOSSÍNTESE DE NUCLEOTÍDEOS

Os nucleotídeos apresentam uma variedade de importantes funções em todas as células. Eles são precursores do DNA e do RNA; são carreadores essenciais de energia química – papel desempenhado basicamente pelo ATP e, em parte, pelo GTP; são componentes dos cofatores NAD, FAD, coenzima A, assim como de intermediários biossintéticos ativados, como UDP-glicose (precursor do glicogênio) e CDP-diacilglicerol (enzima catalisadora); e alguns deles, como o cAMP e o cGMP, são também segundos mensageiros celulares.

Dois tipos de vias levam aos nucleotídeos: as vias de novo e as vias de salvação. A síntese de novo dos nucleotídeos inicia com seus precursores metabólicos: aminoácidos, ribose-5-fosfato, CO2 e NH3. As vias de salvação reciclam as bases livres e os nucleosídeos liberados a partir da degradação de ácidos nucleicos. Ambos os tipos de vias são importantes no metabolismo celular (NELSON; COX, 2014).

As vias de novo para a biossíntese de purinas e pirimidinas parecem ser quase idênticas em todos os organismos vivos. Como já vimos, as pirimidinas são representadas pelas bases nitrogenadas Citosina, Timina e Uracila, enquanto as purinas são representadas pela Adenina e Guanina. Uma observação notável é que as bases livres guanina, adenina, timina, citosina e uracila não são intermediárias nessas vias, isto é, as bases não são sintetizadas e então ligadas à ribose, como se poderia esperar. A estrutura do anel púrico é construída ligada à ribose durante todo o processo, com a adição de um ou de poucos átomos por vez. O anel pirimídico é sintetizado como orotato, ligado a ribose-fosfato e, então, convertido nos nucleotídeos pirimídicos comuns necessários para a síntese dos ácidos nucleicos (Figura 29). Embora as bases livres não sejam intermediárias nas vias de novo, elas são intermediárias em algumas das vias de salvação (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

UNIDADE 3 TÓPICO 5 -

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204

Diversos precursores importantes são compartilhados pelas vias de novo para a síntese de pirimidinas e purinas. O fosforribosil-pirofosfato (PRPP) é importante para a síntese de ambas e, nessas vias, a estrutura da ribose é mantida no nucleotídeo produzido, ao contrário do seu destino nas vias para a biossíntese de triptofano e histidina. Um aminoácido é um precursor importante em cada tipo de via: a glicina para as purinas e o aspartato para as pirimidinas. A glutamina é, novamente, a mais importante fonte de grupos amina. O aspartato também é utilizado como fonte de um grupo amino em dois dos passos das vias das purinas (NELSON; COX, 2014).

FIGURA 28 – CLASSIFICAÇÃO DAS BASES NITROGENADAS

FONTE: A autora

2.1 A SÍNTESE DE NOVO DE NUCLEOTÍDEOS PÚRICOS

Os dois nucleotídeos púricos precursores dos ácidos nucleicos são 59-monofosfato de adenosina (AMP; adenilato) e 59-monofosfato de guanosina (GMP; guanilato), os quais contêm as bases púricas adenina e guanina. A Figura 29 mostra a origem dos átomos de carbono e de nitrogênio do sistema de anéis púricos, conforme determinado por John M. Buchanan, utilizando experimentos com marcadores isotópicos em aves. A via detalhada para a biossíntese de purinas foi elucidada principalmente por Buchanan e por G. Robert Greenberg, na década de 1950.

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205

FIGURA 29 – ORIGEM DOS ÁTOMOS NO ANEL DAS PURINAS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 912)

A biossíntese de nucleotídeos púricos é regulada por retroalimentação negativa, sendo que estas cooperam na regulação da velocidade geral da síntese de novo e das velocidades relativas de formação dos dois produtos, adenilato e guanilato.

FIGURA 30 – MECANISMOS REGULADORES NA BIOSSÍNTESE DE NUCLEOTÍDEOS

FONTE: Nelson e Cox (2014, p. 914)

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206

O primeiro mecanismo é exercido sobre a primeira reação que é exclusiva da síntese de purinas: a transferência de um grupo amino para o PRPP para formar 5-fosforribosilamina.

Essa reação é catalisada pela enzima alostérica glutamina-PRPP-aminotransferase, que é inibida pelos produtos finais IMP, AMP e GMP. O AMP e o GMP atuam sinergicamente nessa inibição concertada. Assim, sempre que AMP ou GMP acumulam-se e estão presentes em excesso, o primeiro passo de sua biossíntese a partir de PRPP é parcialmente inibido. No segundo mecanismo de controle, exercido sobre um estágio posterior, um excesso de GMP na célula inibe a formação de xantilato a partir de inosinato, pela IMP-desidrogenase, sem afetar a formação de AMP. Por sua vez, um acúmulo de adenilato inibe a formação de adenilossuccinato pela adenilossuccinato-sintetase, sem afetar a biossíntese de GMP. Quando os dois produtos estão presentes em quantidades suficientes, o IMP acumula-se e inibe um passo anterior da via; essa estratégia reguladora é chamada inibição sequencial por retroalimentação. No terceiro mecanismo, o GTP é necessário para a conversão de IMP em AMP, enquanto o ATP é necessário para a conversão de IMP em GMP, arranjo recíproco que tende a equilibrar a síntese dos dois ribonucleotídeos. O último mecanismo de controle é a inibição da síntese de PRPP pela regulação alostérica da ribose-fosfato-pirofosfocinase. Essa enzima é inibida por ADP e GDP, além de metabólitos de outras vias para as quais o PRPP é o ponto de partida (NELSON; COX, 2014, p. 914).

Você sabia?Cerca de 10% dos seres humanos (e até 50% das pessoas em comunidades pobres) sofrem de deficiência de ácido fólico. Quando a deficiência é grave, os sintomas podem incluir doença cardíaca, câncer e alguns tipos de distúrbios encefálicos. Pelo menos alguns desses sintomas surgem da redução da síntese de timidilato, levando a uma incorporação anormal de uracila no DNA. A uracila é reconhecida pelos sistemas de reparo do DNA e é removida do DNA. A presença de altos níveis de uracila no DNA leva a quebras da fita, que podem afetar muito a função e a regulação do DNA nuclear, causando por fim os efeitos observados sobre o coração e o encéfalo, assim como aumento da mutagênese, que leva ao câncer.

NOTA

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Curiosidade – Excesso de ácido úrico causa gotaDurante muito tempo, acreditou-se erroneamente que a gota fosse devida a um “estilo de vida elevado”. A gota é uma doença das articulações, causada pela concentração elevada de ácido úrico no sangue e nos tecidos. As articulações tornam-se inflamadas, doloridas e artríticas devido à deposição anormal de cristais de urato de sódio. Os rins também são afetados, pois ácido úrico em excesso se deposita nos túbulos renais. A gota ocorre predominantemente em pessoas do sexo masculino. Sua causa precisa não é conhecida, frequentemente envolve uma excreção reduzida de uratos. A deficiência genética de alguma enzima do metabolismo das purinas também pode ser um fator em alguns casos.

NOTA

2.2 BASES PÚRICAS E PIRIMÍDICAS SÃO RECICLADAS POR VIAS DE SALVAÇÃO

As bases púricas e pirimídicas livres são constantemente liberadas nas células durante a degradação metabólica dos nucleotídeos. As purinas livres são, em grande parte, salvas e reutilizadas para sintetizar nucleotídeos, em uma via muito mais simples que a síntese de novo dos nucleotídeos púricos. Uma das principais vias de salvação consiste em uma única reação, catalisada pela adenosina-fosforribosil-transferase, na qual adenina livre reage com PRPP para produzir o correspondente nucleotídeo da adenina. Existe uma via de salvação semelhante para bases pirimídicas em microrganismos e, possivelmente, em mamíferos (RODWEL; MURRAY; GRANNER, 2017).

Um defeito genético na atividade da hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase, observado quase exclusivamente em crianças do sexo masculino, resulta no conjunto de sintomas denominado síndrome de Lesch-Nyhan. Crianças com essa doença genética, que se manifesta em torno dos dois anos, apresentam, algumas vezes, baixa coordenação motora e deficiência intelectual. Além disso, são extremamente agressivas e mostram tendências à compulsão autodestrutiva: apresentam automutilação, mordendo dedos, artelhos e lábios. Os efeitos devastadores da síndrome de Lesch-Nyhan ilustram a importância das vias de salvação (NELSON; COX, 2014).

Hipoxantina e guanina surgem constantemente da degradação dos ácidos nucleicos. Na ausência da hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase, os níveis de PRPP aumentam e ocorre uma superprodução de purinas pela via de novo, resultando na produção de altos níveis de ácido úrico e lesão tecidual semelhante à da gota. O cérebro é especialmente dependente das vias de salvação e isso pode ser a causa da lesão do sistema nervoso em crianças com síndrome de Lesch-Nyhan. Essa síndrome é outro alvo potencial para a terapia gênica (BERTUZZI et al., 2008).

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208

RESUMO DO TÓPICO 5Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As vias de biossíntese de aminoácidos estão sujeitas à inibição alostérica pelo produto; a enzima reguladora geralmente é a primeira da sequência.

• Glicina e a arginina originam a creatina e a fosfocreatina, um tampão energético. A glutationa, formada a partir de três aminoácidos, é um importante agente redutor na célula.

• O sistema de anéis das purinas é construído passo a passo, iniciando com 5-fosforribosilamina.

• Os aminoácidos glutamina, glicina e aspartato fornecem todos os átomos de nitrogênio das purinas. Os passos de fechamento dos dois anéis formam o núcleo das purinas.

• As pirimidinas são sintetizadas a partir de carbamoil-fosfato e de aspartato, e a ribose-5-fosfato é então ligada para produzir ribonucleotídeos pirimídicos.

• O ácido úrico e a ureia são derivados da degradação de purinas e pirimidinas.

• Purinas livres podem ser usadas em vias de salvação, na reconstrução de nucleotídeos

• Deficiências genéticas em certas enzimas das vias de salvação causam doenças graves, como a síndrome de Lesch-Nyhan e a deficiência de ADA.

• O acúmulo de cristais de ácido úrico nas articulações, possivelmente causado por outra deficiência genética, resulta na gota.

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AUTOATIVIDADE

1 A deficiência de ácido fólico, que se acredita ser a deficiência vitamínica mais comum, causa um tipo de anemia em que a síntese de hemoglobina está prejudicada e os eritrócitos não amadurecem adequadamente. Qual a relação metabólica entre a síntese de hemoglobina e a deficiência de ácido fólico?

2 Na biossíntese de aminoácidos estão envolvidas as purinas e pirimidinas. Quais as diferenças entre elas?

3 Quais os resultados da degradação de purinas e pirimidinas?

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210

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211

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