ISER, Wolfgang - A Arte parcial - A interpretação Universalista IN O ato da leitura. Vol 1. São Paulo - Editora 34, 1996

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    UmaTeoria do EfeitoEsttico

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    A. ARTEPARCIAL-A INTERPRETAOUNIVERSALIST/

    1. HENRYJAMES, THE FIGURE IN THE CARPETEM LUGARDEUMA INTRODUO

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    Henry Jamespublicouem1896suanovelaTheFigurein theCarpet, que, analisada retrospectivamente, aparece como o prog-nstico de uma cincia que em sua poca ainda no existia, naextenso que nos hoje habitual. Mas, de lpara c, essacinciaprovocou um tal desconforto que a apreenso explcita desse fatoj se tornou um clich. Estamos falando da interpretao tericada literatura que busca as significaes aparentemente ocultas nostextos literrios. Seo prprio Henry James tematiza a procura porsignificaes ocultas do texto, em uma antecipaco por certo noconsciente dos futuros modos de interpretao, pode-se concluirda que ele se referiu a pontos de vista que desempenharam umpapel importante em sua poca. r:oisJgeralmente, textos ficcionaisresEQ!1dema.situaes de sua p.oca,.me.dida.q.\lu,Lroduzemalgoq~e est condicionado pelas normasvigentes,-fIlG6-que..j.JJ.D.pocle..mais ser captado por elas. .Quando James converte a relao en-tre a obra e a interpretao em um sujet literrio, evidencia-se queo acesso habitual ao texto tem um lado avesso, cuja elucidaocomea a problematizar esse acesso. Nessa elucidao expressa-se aOmenos a suspeita de que a procura por significaes, apa-rentemente to evidente e, por conseguinte, desprovida de pres-supostos, orientada, contudo, por normas histricas, ainda quea interpretao se realize como se esse processo fosse um dadonatural. A coisificao de normas histricas, todavia, foi semprecondio de misria, que entretanto alcanou tambm essa for-

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    ma de interpretao terica da literatura. Na novela deJames, talinterpretao, ainda obscura na poca, j e~tava presente. preciso detalhar? problema que James delineia, para quese faa compreensvel a dimenso da crtica. A apreenso da sig-nif icao do ltimo romance do protagonista Vereker forja oponto de vista orientado r da histr ia. A esse ponto de vista vi-sam duas perspectivas diferentes: a perspectiva do eu-narrador ea de seu amigo Corvick. O meio da narrao, porm, distorceesse paralelismo aparente. Pois o que experimentamos das des-cobertas de Corvick, no que diz respeito significao oculta,reflete-se na verso do eu-narrador. Mas como Corvick parecehaver encontrado o que o eu-narrador procura em vo, o leitord~ssa novela AA~cisaesistir orientao da perspectiva do nar-rador. Quanto mais o faa, tanto mais compreensivelmente aprocura por significao do eu-narrador se revela como o tema,at que, por fim, se torna objeto de sua cr tica. Essa a estrutu-rao e a estratgia da histria.Logo no comeo, o eu-narrado r - que designaremos comoo crtico - exalta-secomo fato deter desveladoemsua resenhaa significao oculta do ltimo romance de Vereker, motivo peloqual est agora curioso em saber como o autor reage a essa per-da ("loss of his mistery")l. Sea interpretao consiste em arran-car do texto a sua significao oculta, ento lgico que o autorsofre uma perda nesse processo. A partir da, duas conseqnciassurgem que perpassam toda a histria. \O crtico, ao descobrir o sentido oculto, decifrou o enigma.Em face desse xito, nada mais resta seno congratular-se com oresultad02. Pois o que sepode fazer agora com esse sentido, aps

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    1 Henry)ames, The Figure in the Carpet (The Complete Tales IX), LeonEdel (org.), Philadelphial New York, 1964, p. 276.2 Diz o crtico acerca de simesmo, quando encontra Vereker, com oqual gostaria defalarsobresua resenha:"... heshould notremain in ignoranceof the peculiar justice I had done him"(ibidem, p. 276).

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    ter-se tornado, enquanto significao desvelada, uma coisa e per-dido o seu carter de "mistrio"? Enquanto a significao este-ve escondida, a meta era procur-Ia; logo depois de a descobrir-mos, apenas a habilidade demonstrada se reveste de algum inte-resse. O crtico quer agora estimular esse interesse junto ao seupblico e ao prprio Vereker3. No de espantar, assim, que setorne um pedante.Contudo, essa conseqncia tem menor importncia que aque se mostrou a partir da orientao indicada. Sea interpreta-o tem de descobrir a significao oculta de um texto literrio,ento os pressupostos que lhe so caractersticos so feitos doseguinte modo:

    [..,] o autor encobriria um sentido claro, que man-te.ria, no entanto, para si, com o intuito de utiliz-lo-da decorre uma certa arrogncia: com a apario docrtico chegaria a hora da verdade, pos este afirma terdesvelado o sentido originrio e a razo do encobri-menro.4Com isso, uma primeira norina surge, que dirige essa apreen-so. Seo autor sofre uIl1aperda atravs da significao desveladapelo crtico, como aparece no incio da novela, ento o sentido algo que pode sersubtrado dotexto. Ao extrair o sentido, enquanto

    ncleo prprio da obra, esta se esvazia; por isso, a interpretaocoincide Coma consumptibilidade da literatura. Tal esvaziamen-to, contudo, no fatal apenas para o texto, pois suscitada apergunta: em que sepode fundar ainda propriamente a funo dainterpretao, seela, atravs da significao tirada da obra, a aban-

    3 Ibidem, pp. 276 ss.4 Assim).B. Pontalis (em Nach Freud, t rad. para o alemo dePeterAssion et ai., Frankfurt, 1968, p. 297) caracterizava esse fato em sua anlisede The Figurein the Carpet de ]ames.

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    dona como uma casca vazia?Mostra-se aqui seu carter parasit-rio; e por issoqueJames faz o escritor dizer que a resenha do crticocontm to-somente a lengalenga usual ("the usual twaddle")5.

    Com esse julgamento, Vereker desmente quer o esforo "ar-queolgico" da interpretao mais profunda, quer a hiptese deque a significao seja algo que - como dito explicitamente notexto - simbolize um tesour06 a ser descoberto pela interpretao.Esse desmentido, que Vereker formula na presena do crtic07,conduz inevitavelmente a uma melhor explicao das normas quedirigem a interpretao. Alm disso, revela-se o carter histricodas normas. A soberba, mostrada no incio pelo crtico, justifica-se agora com a exigncia da procura pela verdade8. Mas, como averdade do tex!..9 tem o carter de uma coisa e sua validade semostra no fato de existir tambm independentemente dele, o cr-tico pergunta se o romance de Vereker no contm, como sem-pre sups, uma mensagem esotrica, uma certa filosofia, pontosde vista centrais sobre a vida ou uma "extraordinary 'generalintention,,,9, ou ao menos uma figura de estilo impregnada designificaes IO.Com isso est definido. um r~pertrio de;;;Jscaracterstico da concepo literria do sculo XIX. Para o crti-co, a significao buscada denota normas dessetipo, e,caso sedevadesvelar tais normas como o sentido do texto, o sentido deverser ento mais do que apenas o produto do texto, Tal pressupos-'to possui paro o crtico uma tal obviedade que sepode supor tra-tar-se de uma expectativa bastante disseminada entre os leitores

    de obras literrias. Parece, pois, natural ao crtico que o sentidocomo segredo escondido seja acessvel e seja reduzido pelas fer-ramentas da anlise discursiva.

    A discursividade articula'o sentido a dois mbitos j consti-tudos. Primeiramente ao mbito da disposio subj~tiva do cr-tico, ou seja, ao modo de sua percepo, de sua observao e de~eus juzos. O crtico quer explicar a significao que descobriu.'Pontalis observa a propsito:

    Tudo o que os crt icos tocam setorna trivial. Oscrticos s querem integrar em uso geral, autorizado eestabelecido uma linguagem, cujo prprio mpeto con-siste em nem poder, nem querer coincidir com aqueleuso, mas sim emencontrar o seu prprio estilo. As ex-plicaes habituais do crtico sobre suas intenes emnada mudam seu procedimento; de fato ele esclarece,compara e interpreta. Essas palavras podem enlouque-cer algum.II

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    5James, op. cit., p. 279.6 Ibidem, p. 285.

    Tal irri tao funda-se, em ltima anlise, em que a crt icaliterria, com freqncia, ainda reduz os textos ficcionais a umasignificao referencial, embora isso j houvesse sido questiona-do no final do sculo passado.

    Pode-se supor que havia uma necessidade elementar de ex-plicao das obras literrias' que o crtico podia cumprir. No s-culo XIX, ele tinha a importante funo demediar entre a obra eopblico, medida que interpretava o sentido da obra de arte'para -oseu pblico, como orientao para vida. Carlyle formu--lou de modo paradigmtico a relao estreita entre literatura e cr-tica em 1840 em suas conferncias sobre Hero-Worship: o crti-co e o homem deletras eram postos no Panteo dos Imortais como seguinte elogio:7Ibidem.8 Ibidem, p. 281.

    \) \9 Ibidem, pp. 283 ss. e 285.10Ibidem, p. 284. 11Pontalis, op. cit., p. 297.

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    Men of letters are a perpetual Priesthood, fromage to age,teaching all men that a God is stil l presentin their li fe; that all "Appearance", whatsoever we seein the world, is but a vestUre for the "Divine Idea ofthe World", for "that which lies at the bottom of Ap-pearance". In the true Literary Man there isthus ever,acknowledged or not by the world, a sacredness:he isthe light of the world; the world's Priest: - guiding it,like a sacredPillar of Fire, in its dark pilgrimage throughthe waste of Time.12

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    o queCarlyleexageroupateticamente- ~otar o mundo ~osatributos deDeus- jera,cinqenta anosdepois,para Jamestynanorma histrica.: invlida. O crtico quecapta as"aparies", captapara James o vazio. Pois as "aparies" no so mais o vu queencobre um significado substancial, porque tais "aparies" soos meios detrazer ao mundo algo que no existia antese em ne-~ (nhum outro lugar.! medida, porm, qu~o crtico s,eixa a_QS.entich.oculto, no capaz, como o prprio Vereker lhe diz, dever coi~a-lguma. No surpreende que por fim o crtico considere a obra do~omancista semvalor13, pois no sedeixa reduzir aopadro expli-cativo que o crtico nunca questiona. Em conseqncia, o leitordessanovela deve decidir se afalta devalor da obra ou da explicao.

    Entra em ce~ agora o segundo quadro de referncia queorienta o crticf-' crtico possua no sculo XIX tal importn-cia porque a literatura, enquanto pea central da religio da artedessa poca, prometia solues que no podiam ser oferecidaspelos sistema~ religioso, scio-poltico ou cientfico. Essa situaoemprestava literatura do sculoXIX umaextraordinria signi-ficao histrica. A literatura equilibrou as deficincias resultan-

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    12Thomas Carlyle, On Heroes, Hero- Worship, and the Heroic in His-tory (Everyman's Library), London, 1948, p. 385.

    13James, op. cit., p. 307.

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    tes de sistemas que postulavam validez universal. Em contrastecom pocas passadas,em que dominava uma hierarquia mais oumenos estvel devalores, essahierarquia ruiu no sculo XIX, emvirtude da crescente complexidade dos sistemas particulares deinterpretao, assim como pelo nmero crescente desses sistemase pela concorrncia entre eles. Esses sistemas conflitantes de quese dispunha, da teologia at s cincias, limitavam reciprocamentesuas exigncias de valor. Dessemodo, a importncia da ficocomo equilibrador de dficits de saber e de explicao comeoua se ampliar/Ao contrrio de sculos anteriores, a literatura ane-xou quase todos ~s sistemasde explicao ao seu prprio meio eos ps no texto. Ali, onde se mostraram as fronteiras dos siste--rias~a literatur sempre apresentava suas respostas. No espan-ta que se buscasse encontrar mensagens na literatura, pois a fic-o oferecia aquelas orientaes de que se carecia por efeito dosproblemas criados pelos sistemas de explicao. A afirmao deCarlyle, de que "Litei:ature, so far as it is Literature, is an 'apo-calypse af Nature', a revealing ofthe 'open secret",14 - que reu-nia sincreticamente quase todo o idealismo alemo - no era demodo algum atpica. O crtico da novela deJames tambm estem busca de um segredo aberto, pois para ele s a mensagem ra-tifica o carter de arte da obra.

    Contudo, o crtico fracassa; ou seja a obra no oferece umamensagem dela separvel; o sentido no ~11tvpl

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    comea a mudar sua vida: "It was immense, but it was simple-i t was simple, but it was immense, and the final knowledge of ' itwas an experience quite apart,,15. Uma srie de acasos impede queo crtico se encontre com Corvick e chegue s razes das mudan-as16. Quando por fim parece sab-Ias, Corvick vt ima de umacidente17. Dessa maneira, como um detetive filolgico, o crticocomea a interrogar a senhora Corvick, assim como sua produoliterria e, depois da morte dela, seu segundo marido - DraytonDeane -, no esforo incessante deenontrar o que ele pensa ser osegredo afinal revelado. Quando, por ~ nada descobre, passa aadmitir que o prprio Deane desconhec1 a chave do romance deVereker. Contenta-se em cultivar uma vingana latente, medidaque insinua que a falecida escondera de Deane'o mais importan-te18. A busca inrJlcivel da verdade termina por se satisfazer coma vingana!

    Mas a descoberta de Corvick escondida do leitor, pois tam-bm ele orientado pela perspectiva do crt ico. Da resulta umatenso, que sedesmancha apenas medida que o leitor se distan-cia da orientao que lhe foi dada. Essa dissoluo notvel, poisde modo geral o leitor de textos ficcionais aceita o padro esta-belecido pelo narrador, no ato de sua "willing suspension of dis-belief". Tal hbito deve se~rrejcit;wQ" p-oisesse o nico modo- -pelo qual o leitor consegue consti tuir o sentido da novela com odesmentido ~scente da pe;;pectiva que o orienta. Para o leitor,ler a contrapelo seria particularmente difcil, pois os preconcei-tos do crtico - compreender o sentido como mensagem ou comosignificao de uma filosofia para vida -lhe parecem to natu-rais que at hoje ele os manteve. Em face da arte moderna, tor-

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    15 James, op. cit., p. 300.16Ibidem, pp. 301 ss.17Ibidem, p. 304.18Ibidem, pp. 314 ss.

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    na-se ainda mais enftica a pergunta: que que isso quer dizer?Sese trata, porm, de desmentir a perspectiva orientadora do cr-tico, essa estratgia implica que o leitor leia contra seus prpriospreconceitos. Essa disposio atualizada apenas se se retira doleitor o que ele deseja saber por meio da prpria perspectiva. Sea perspectiva prvia permite que o leitor perceba, no ato da leitu-ra, as suas insuficincias, isso o leva a cada vez mais voltar qui-10em que ele confiava, at que, por fim, consegue ver os seus pr-prios preconceitos. Pois a "willing suspension of disbelief" nomais se relaciona com as linhas postas pelo autor, mas sim comas orientaes que dirigiam o leitor. Liberar-se delas, mesmo quepor apenas um lapso de tempo, no fcil.

    A falta de informaes sobre o segredo descoberto por Cor-vick agua pelo menos a observao, pois no lhe escapam os si-nais, com que se dispunha a intil busca pelo sentido oculto. Ocrtico recebe o sinal mais importante do prprio Vereker, sem que,ao contrrio de Corvick, o compreenda:

    For himself, beyond doubt, the thing we were aliso blank about was vividly there. It was something, Iguessed, in the primal plan, something like a complexfigure in a Persian carpet. He highly approved of thisimagewhen I used it, and he used another himself. "It 'st~e very string", he said, "that my pearls arestrungon!,,19O crtico, emvezde compreender o sentido como objeto, ape-

    nas percebe um lugar vazio. -Esselugar vago, porm, no preen-chido por 'uma slgnificao-dScursiva e,por isso, toda busca dessetipo termina em um no-sentido. No obstante, o prprio crticod a chave para essa qualidade diferente do sentido que James ex-pressamente sublinha com o ttulo de sua novela, The Figure in

    19Ibidem, p. 289.

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    the Carpet, que Vereker canfirma autra vez na presena da crti-ca: a sentida tem a carter de imagem. Nessa,direo.,desde a prin-cpio., se do.as hipteses de Carvick. Cabe ento.ao.crtica cam-preender:" ...there was mare in Vereker thn met the eye,,20, ao.que a crtica apenas capaz de respander: "When I remarked thatthe eye seemedwhat the printed page had been expressly inventedta meet he immediately accused me af bj,' g spiteful because I hadbeen failed21."

    O crtica, trabalhando. cam cuidad filalgica, nunca aban-dan~u em tada navela a pressupasta de encantrar a sentida far-mulada nas prprias pginas impressas. Par isso.,apenas vluga-res vazias (blank), que no. lhe respandem ao que ele busca erpvo.nas l"gina;.~impressasda texto.. Mas a texto. farmulada -cama Vereker e Carvick campreendem ~antes a madela de in-dicaes estrutura das para a imaginao. do. leitar; par issa~ a~e~tjda pade ser captada apenas cama imagem. Na imagem su-- cede a preenchimento. da que a llladela textual amite e ao.mes-ma tempo. esbaa par sua estrutura. Tal "preenchimento." apre-senta-se cama candia elementar para a camunicaa e, emba-ra a autar nameie essemada de camunicaa, sua explicao. no.tem efeito.sabre a crtica, pais para ele a sentida apenas pade secanverter em sentida se far apreendida par meia de uma lingua-gem referencial. Na entanto., a imagem se furta essa referen-

    3a.lidade.~ P';;isela no. descreve algoextstente de antema:Illassim cancretiza uma representao. daquilo. que no. existe e qu~no.-se-manifesta verbalmente naSpginas impressas da ramance.-Mas i~saa crtica no.cansegue campreender, e j havendo. acei-tada a apinia de Vereker de que a sentida se mastra em umaimag~m,~nta s i capaz 'ae caripreender tal imag.eIllcama c-pia de alga dada que, enquanto. caisa, deve preceder tal pracessa.Na entanto., to.absurda imaginar alga dda quanta contar cam20 Ibidem, p. 287.21 Ibidem.

    que seja dada tambm sua repradua em imagem. Amedida quea crtica no.campreende esseprablema, permanece cega ante adiferena entre imagem e discursividade: so.duas apreenses demundo., independentes entre sie, par canseguinte, quase irredut-veis. Em canseqncia, a qualidade especfica da sentida semastrana fracassa da arientaa da crtica. Essa especificidade vem tanana negao. canstante das quadros de referncia, pais atravsdestes que a crtica tenta traduzir a sentida da fico.em uma dis..cursividade referencial. Essa negao. se recanhece na fato.de ques pela recusa das critrias herdadas passa a existir a passibili-dade de se imaginar aquilo.que buscada pela sentida da fico..Se a sentida da texto. ficcianal tem um carter de imagem,ento. a relao. entre texto.e leitar farasamente se tarna diversa

    > daquela que a crtica busca fixar par suas redues.Sua apreen-Sse car'cteiiza pela diviso.Sujeita-Objeta, que se estende atadacampa da canhecimenta discursiva. O sentida a abjeta, a que asujeita sedirige e que tenta definir guiada par um quadra de refe-rncia. A validade, que assim se alcana, se caracteriza pela fato.de que a definio. elaborada no.s se afasta das marcas da sub-jetividade, mas super a prpria sujeita. Essa independncia dasujeita canstitui ento. a critrio. buscada de verdade. , parm,duvidasa que tal definio.da sentida ainda pade significar para asujeita. Se a sentida tem um carter de imagem, ento. a sujeitanunca desaparecer dessa relao., ao.contrria da que em prin-cpio.vlida para a mada da canhecimenta discursiva. Os seguin-tes pantas de vista so.caractersticas desse pracessa.le- a princ-pio.a imagem que estimula a sentida que no.seencantra farmu-laaonas~pgmas illlpressas da texto., ento. ela se mastra cama apradutque resulta da camplexa designas da texto.e das ats deapreenso. da leitar. O leitar no.cansegue mais sedistanciar des-sainteraa. Aacantrria, ele relaciana a texto.a uma situao.pela"tlvidade nele despertada; assim estabelece as candies necess-rias para que a texto.seja eficaz. Sea leitar realiza as atas de apreen~so.exigidas, produz uma situao. para a texto. e sua relao.camele no.pade ser mais realizada par meia da diviso.discursiva entre

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    Sujeito e Objeto. Por conseguinte, o sentido no mais algo a serexplicado, mas sim um efeito a ser experimentado.Em sua novela James tematizou ess questo pela perspec-tiva de Corvick. Depois que este compreendeu o sentido do ro-mance de Vereker, sua vida mudou. Por conseguinte, sabe ape-nas relatar essa transformao extraordinria que sepassou comele, mas no explicar e comunicar, como o crtico desejaria, seuprprio sentido. Essatransformao afeta tambm a senhora Cor-vick, que empreende uma nova produo literria depois da mortede seu marido, que desilude o crtico, pois ele no consegue dis-secar as influncias que lhe permitiriam algumas concluses so-re o sentido oculto do romance de Vereker1.2.

    ~ possV$1que James tenha zxagerado a mudana provoca-da pela l iteratura, mas no resta renhuma dvida de que tal exa-gero evidenciou dois caminhos diferentes para os textos ficcionais.~ O sentido comoefeitocausa impacto, e tal impacto no supe-rado pela explicao, mas, ao contrrio, a leva ao fracasso. Oefeito depende da participao do leitor e sua leitura; contraria-- .I mente, a explicao relaciona o texto realidade dos quadros dereferncia e,em conseqncia, nivela com o mundo o que surgiuatravs do texto ficcional. Tendo em vista a oposio entre efeitoe explicao, tem dias contados a funo do crtico como'media-slor do significado oculto dos textos ficcionais.

    taes da teoria literria. Ttulos como Against Interpretation23ou Validity in Interpretation24 mostram tanto em posio ofen-siva como defensiva que osprocedimentos de interpretao j nopodem secontentar com"Susatos de reduo aplicados automa-ticamente. Susan Sontag, no seu ensaio" Against Interpretation",-atacou com veemncia a exegese tradicional da obra de arte, quetem por meta a descoberta do significado oculto da obra:The old style of interpretation was insistent, butrespectful; it erected another meaning on top of the li-

    teral one. The modern style of interpretation excavates,and as it excavates, destroys; it digs "behind" the text,to find a sub-text which isthe true one... To understandisto interpreto And to interpret isto restate the pheno-menon, ineffect to find an equivalent for it. Thus, inter-pretation isnot (asmost people assume) an absolute va-lue, a gesture of mind situated in some timeless realmof capabilities. Interpretation must itself be evaluated,within a historical view of human consciousness.25

    2. A SOBREVIVtNCIADANORMACLSSICADEINTERPRETAO

    Tudo indica que a arte moderna comea a reagir a uma inter-pretao que tem por meta a descoberta de sua significao. Issocorresponde a uma observao que sepode fazer desde o romantis-mo: a literatura e a arte respondem, de diversos modos, s nor-mas das teorias estticas que asacompanham. Tais respostas mui-tas vezes tm um carter ruinoso para a teoria. A pop art umexemplo extraordinrio entre os movimentos da arte contempo-rneos que contam com asexpectativas habituais do receptor dearte. De modo particular, a pop art joga com uma certa interpre-A reduo do texto ficcional uma significao referencialpode ser descrita como uma fase histrica da interpretao desdea irrupo da arte moderna. Essa conscincia comea a penetrarhoje, de forma mais ou menos significativa, tambm nas interpre- 23S. Sontag, Against Interpretation and other Essays, New York, 1966.

    24E.D. Hirsch, Validity in Interpretation, New Haven, 1967.25Sontag , pp . 6 sS.22 Ibidem, p. 308.

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    tao que seinteressa pelo "sentido oculto" da obra. Susan Sontagj notou que a pop art pode ser compreendida como recusa totalda interpretao:mente condicionadas do receptor. A segunda implicao consis-te em que, sempre que uma obra de arte usa efeitos exageradosde afirmao, esses efeitos cumprem uma finalidade estratgica,mas no constituem o prprio tema. Sua funo de fato negaro que aparentemente afirmam. Desse modo, a pop art segue umavelha mxima que Sir Philip Sidney j tinha formulado no sculoXVI em sua Defence of Poesie: "". the Poet, he nothing affir-meth,,27. Sea afirmao de expectativas comuns se converte naprpria forma da obra, ento fcil imaginar a dimenso de fixa-o que asnormas de interpretao devem ter atingido, pois suacorreo apenas se torna possvel se a obra de arte, por meio desua estrutura, confirma o que busca o receptor.\Negar por afir~a-o uma estratgia constante quando setrata de realizar ajust

    Abstract painting istheattempt to have, inthe ordi-nary sense, no content; since there is no content, therecan be no interpretation. Pop Art works bythe oppo-site means to the same result; using a content so blatant,so "what it is", it, too, ends by being uninterpretable.26Mas em que sentido a pop art no-interpretvel? Ora, elasimula produzir algo como cpia de objetos e assim correspon-

    der a uma expectativa que vis~ a uma interptetao interessadaem significae.focultas. Ao meSmotempo, porm, a pop art tornaessa meta to transparente que o desmentido da cpia pela artese converte em seu prprio tema. medida que a pop art apre-senta o efeito-de-cpia como objeto de exposio, ela recusa aspossibilidades necessrias para que se realize aquela interpreta-o que visa traduzir a obra em sua significao. Nesse sentido,ela tematiza uma propriedade especfica da arte: a sua resistnciaem ser absorvida em uma significao referencia!. Em conseqn-cia, pop art confirma seus intrpretes no que parecem buscar naarte; mas a confirmao precipitada: o observador fica com asmos vazias ao insistir nas normas habituais de interpretao. Talefeito de con.tirmao tem um carter estratgico: ele quer chocaro observador, afetando seus modos automatizados de ver a arte.- Dessa questo se inferem duas implicaes. Em primeiro, lugar, a pop art, como manifestao da arte moderna, tem comotema a sua interao com as disposies previsveis do receptorI de arte. Emoutras palavras,a pop art recusa-seexplicitamenteaapresentar um significado referencial e assim chama a ateno parao fato de que a origem deste se funda nas expectativas historica-

    A oposio entre arte contempornea e normas tradicionaisde interpretao tem um fundamento histrico que parece, noentanto, omitido nas interpretaes hoje dominantes. Pois a so-brevivncia de uma norma deinterpretao que busca na obra dearte sua significao mostra que a arte ainda compreendida comoorganon da verdade, pelo qual a verdade se manifesta. Trata-se,em conseqncia, de mostrar o fundamento histrico, de que se,originou o desenvolvimento contraposto da arte e de sua inter-pretao. Pois tanto mais a arte assumiu um carter parcial, tan-to mais se afirmou a universalizao da exigncia explicativa desua interpretao. Dessamaneira, perdeu-se de vista um hiato his-trico,e de seperguntar que razes foram decisivas para isso.

    conhecido que Hegel considerava como certoo fim da arte, e no desconhecido o que ele queriadizer com essas palavras: ~ arte noPQde mais ser vis-ta como manifesta-.9apropriada da verdade. Nenhu-

    26 Ibidem, p. 10 . 27SirPhilip Sidney, The Defence af Paesie (TheProse Works III), AlbertFeuill erat (ed .) , Cambridge, 1962, p . 29.

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    J11I~IIIIIIII I~III :

    I111III'i! !

    ma obra de arte constituiria, como Schelling desejava,o meio pelo qual o esprito poderia vir a si mesmo e,imerso na contemplao, ter acesso a sua prpria es-sncia [...]j o mundo cristo spodia incorporar a arteem um contexto de crena. Por fim, as condies abs-tratas da vida moderna se revelaram incapazes por simesmas de fundar na arte uma conscincia de total i-dade adequada. A arte no s ficou para trs de outrosmodos de conhecimento com que deveria se sintonizar,mas tambm o seu val~.rse tornou parciaI.28

    "'I II

    I

    i' Esse carter parcial atinge a todas as formas da arte moder-na ~~e, ao se definirem com~arte: so manifestaes da realida-de~as a realid~e nunca mais sepoder apresentar nas artes par-ciais demaneira direta; pois conceb-Iacomo imagem - sejacomocpia, seja como reflexo - significaria devolver-lhe um carterrepresentativo da totalidade, que, mesmo por ser arte parcial, elaperdera. A arte moderna, interessada em manter o seu poder demediao tambm como arte parcial, traz consigo as velhas co-notaes da forma como ordem, equilbrio, harmonia e integra-o das partes numa unidade, ao mesmo tempo que precisa des-mentir constantemente essas conotaes. Pois, sem esse desmen-tido, ela se comportaria como os movimentos ideolgicos da artecontempor~a e simularia uma falsa totalidade; sem as cono-taes de forma, ao invs, a mediao fracassari; !'Na obra dearte parcial, a forma e a ruptura da forma coexistem numa uni-dade, e nesta oscilam seus elementos de significao contrapos-tos. Cada elementos contesta seu oposto e, entretanto, o faz dedentro de si."29

    "28Dieter Henrich, "Kunst und Kunstphilosophie der Gegenwart (berle-

    gungen mit Rcksicht aufHegel)", inWolfgang Iser (org.), Immanente A.sthetik-A.sthetische Reflexion (Poetik und Hermeneutik 11),Mnchen, 1966, p. 15.

    29 Ibidem, p. 30 .

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    . I

    r~essa estrutura manifesta-se a conscincia deque a arte en-quanto representao do todo coisa do passa~do-ein vis-ta esse estado de coisas, surpreende a sobrevivncia de uma nor-ma de interpretao que se formou com o ideal clssico de arte e,em face de uma arte agora parcial, apresenta uma estranha voca-

    o universalista. Cabe perguntar sea interpretao da arte q~erdevolver a ela o que ela abandonara, ou se se recusa a perceber aruptura histrica que as artes parciais manifestam. Tudo indicaque a velha exigncia de que a arte represente uma totalidade cris-talizou-se na exegese que selhe consagra. Isso se reconhece ondequer que as normas clssicas de interpretao so aplicadas prpria arte parcial. A significao das obras modernas, apreen-dida dessa forma, mostra emprincpio um carter bastante abstru-so, como sepode deduzir dos muitos exemplos intitulados A Rea-der's Cuide to... Segundo a tica dessa interpretao, no entan- , !o, preciso ver na arte a manifestao representativa de uma .totalidade, o que obriga a se tomar o moderno como fenmeno,dedecadncia. Pois, luz dessas normas, a arte moderna fic~atrs' ()do que j se t inha alcanado. Com isso vem tona algo curioso.Em nome da sua exigncia de explicao universalista, a interpre-tao, originalmente dedicada arte, comea a ganhar terrenosobre a prpria arte. Mostra-se agora o que sucede se a formatradicional de interpretao ignora que a autoconcepo da artetenha mudado e resiste a refletir sobre a norma orientadora. Talnorma, por isso, em face da arte atual , antes interpreta a si mes-ma do que interpreta a arte. Assim, na revelao das suas condi-es histricas, um paradigma da interpretao chega ao seu fim.Isso ainda semostra quando a interpretao, interessada nadescoberta de significados ocultos, fundamenta seu modo de pro-ceder em postulados de teorias hoje assentes, cuja validade a obra yde arte parece representar. E assim no surpreende qU~ texto~"literrios foram considerados ora como testemunha do esprito daepoca, ora como reflexo de condies sociais, ora como expres-so das neuroses do seus autores etc.; os textos foram nivelados'como documentao e, desse modo, se elimina aquela dimenso

    ~

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    IA

    que os diferencia da mera documentao: a possibilidade privile-giada de experimentar na leitura o esprito da poca, as condies'Sociais e as disposies dos seus autores. Pois caracterstico dostextos literrios que no percam sua capacidade de comunicaodepois que seu tempo passou; muitos deles ainda conseguem "fa-lar" mesmo depois que sua "mensagem" se tornou hist.rica e sua"significao" se trivializoo/

    A teoria da li teratura, reJpaldada por um corpusterico-filosfico de fun~penas restauradora, athoje tem tido como tarefa principal a anlis~ semnti-ca (exegese, definio da significao) de textos sancio-nados pelos [t'lteresses socialmente dominantes. 30

    entende a obra como apario de uma significao representativa,~ainte!a~ do texto tanto com as normas sociais quanto com ashistricas de seu~ambiente, bem como com as expectativas de seusleitores potenciais, forma um campo de observao privilegiad

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    I/II.1.

    1IIIII1\

    Simetria descreve aqui as conotaes clssicasda forma:-equi:lbrio,-9rdem e comeletude. Ao mesmo tempo, Simmel descobre,-- - ---porm, a motivao que serealiza na busca de harmonizao doselementos preexistentes. Enquanto estrutura de controle, simetriapermite que sealivie a presso do no-familiar e que selhedominedentro da completude de um sistema equilibrado. Sereconhecemosa harmonizao como busca dedominar o estranho, torna-se entomais fcil compreender a sobrevivncia da esttica clssica na in-terpretao da arte. Asnormas clssicasestendefam sua validez paraalm de seu marco histrico, pois assegu~o ato interpretativoum alto grau de certeza. Simmel no deixa dvida de que a sime-tria e a construo de sistema decorrem de uma inter;o estratgica'"

    e no possuem um carter ontolgico. Os quadros clssicos dereferncia pareciam se tornar indispensveis para a interpretaoquanto mais nos perodos ps-clssicos a ordem da arte comeavaa sedesintegrar. A norma de interpretao, que visa significao,seconverte, em faceda arte parcial, em uma estrutura defensiva32.Um exemplo instrutivo dessa questo o new criticism, qUIassinala um momento crucial da interpretao, pois abandona aparte decisiva da norma clssica, ou seja, a obra no mais aquivi"a como objeto cm que a an,li" capta a , ignificao d, valm, ) Ihistoricamente dominantes. Tal busca de significao foi elimina- tda pelo new criticism, que concentra seu interesse nos elementos\ da obra e suas interaes. Desse modo, os procedimentos funcio-nais do texto ganham primazia. Mas nesse novo campo de anlisecontinua repercutindo a fora da velha norma de interpretao. Ovalor da obra sedetermina pela harmonia de seus elementos; nou-tras palavras, quanto maisheterogneos so elesa princpio e quantomai

    .

    s difcil interrelacion-los por causa de:c... ambigidades,tanto maior o valor esttico da obra, desde qu or 1 , suas partesse harmonizem. A meta da interpretao, ha . o e neu-tralizao das ambivalncias manifesta o dbito indisfarvel donew criticism quanto norma clssica de interpretao. Mas, aomesmo tempo, a harmonizao ganha um valor prprio que des-conhecia quando, na compreenso clssica da arte, tinha derepre-sentar a verossimilhana e a universalidade da significaO desco-berta. certo que o new criticism separou as estruturas formaisda obra e as converteu no seu prprio tema; mas o fato de que serecusa a busca de uma significao no texto - o que se conhececomo extrinsic approach - no implica, contudo, que seabandonetambm a norma clssica de interpretao, interessada na avalia-

    83). Emconseqncia, todas as descriesdos estilosno-clssicos tornam-se "terms of exclusion" (p. 89). Da deriva, no entanto, um problema para ainterpretao das obras de arte: "For exclusion implies intention, and suchan intention cannot be directly perceived in a family of forms" (p. 90). medida que essas formas constituam uma referncia para a avaliao, asformas no-clssicas s podiam ser descritas "as a catalogue of sins to beavoided" (p. 89). Dessemodo, ressalta a estrutura do procedimento clssicodeinterpretao que encontra nasnormas clssicas- "regala,ordine,misra,disegno e maniera" (p. 84) - umpadro de referncia a,valiadorde todos osfenmenos da arte. O modelo clssico de interpretao , por conseguinte,um modelo de refetncia, pois avalia todos os produtos da arte segundo asnormas estabelecidas.Ummodelo dereferncia, comsuas definies norma-tivas, se revela como manifestao histrica da interpretao, pois trabalhacom reconhecimento ou excluso.No instante em que setrata de compreen-der a particularidade de fenmenos da arte e as suas funes, necessriosubstituir o modelo de referncia por ummodelo operacional. O caso queessemodelo semostra mais apropriado para a anlise da arte moderna; aomesmo tempo permite ter acesso arte do passado, pois revela suas funese condies de recepo. desnecessrio dizer que todos os modelos tmlimites. Os limites da norma clssica de interpretao se manifestam nomomento emquesua exignciauniversalista de explicaotenta estabelecer-secomo algo evidentetambm emfaceda arte moderna. Poisagora a estti-ca clssica de contemplao no encontra mais nada para contemplar, semque nessa "consumao" todas as funes da arte j setenham exaurido.

    ,32Isso se mostra por exemplo para a interpretao alegorizante deBeckett. Cf. meu ensaio "Die Figur derNegativitiit", in Hans Mayer & UweJohnson(orgs.),DasWerkvonSamuelBeckett.BerlinerColloquium (Suhr-kamp Taschenbuch 225), Frankfurt, 1975, pp. 54-58, especialmente 63 ss.42

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    'I~IIIII o dos procedimentos funcionais do texto. Por isso, a harmoniados elementos heterogneos semanteve em quase todas as varian-tes do new criticism como o valor ltimo da obra de arte, que re-velava, como valor prprio, a falta de conexo desses elementos eanunciava, desse modo, a crise dessa forma de interpretao.De qualquer modo, esses fatos so instrutivos. O new cri-ticism mudou a anlise li terria, medida que no maIs visava Significao representativa, mas sim s funes presentes na obra.Mostrou-se nessa mudana sua atualidade; mas ficou para trs aotentar definir a interao das funes com as mesmas normas deinterpretao que valiam para a significao representativa. Inter-pretar a funo da arte por meio das mesmas normas desenvolvi-das para a apreensiftiDa significao, significa, portim, que se per-de o que se ganhava com a descoberta da sua funo. Pois umafuno no representa uma significao, mas provoca um efeito.

    jante que, atravs do romance, empreende uma viagem difcil , apartir de seu ponto de vista flutuante. evidente que ele combi-na, em sua memria, tudo que v e estabelece um padro de con-sistncia, cuja confiabil idade depende parcialmente do grau deateno que manteve em cada fase da viagem. Em nenhum caso,porm, a viagem inteira disponvel para o leitor a cada momento.Ao analisar as interpretaes recentes a respeito de Miltone sobretudo a respeito de Paradise Lost, Philip Hobsbaum usouo conceito de "critrio de disponibilidade" para explicar as diver-sas interpretaes:

    Sea norma tradicional deinterpretao no s oculta a rup-tura histrica, como tambm mostra sua prpria eficincia, sem-pre que surgem novas orientaes interpretativas, ento podemosconcluir que as razes at aqui apontadas ainda no explicam bemessa sobrevivncia. Uma razo central da sobrevivncia das nor-mas herdadas de interpretao est no estabelecimento da con-sistncia, necess!!,iapara toda compreenso. Textos maiores comoromances e epopias no se fazem presentes como um todo, naleitura, com o mesmo grau de intensidade. J os autores do s-culo XVIII disso estavam conscientes e, por isso, discutiam nosseus romances estruturas possveis para leitura. Um exemplo ca-racterstico a metfora da diligncia usada por Fielding33e maistarde por Scott34 e seus discpulos: o leitor estilizado como via-

    Ir is a commonplace, indeed, to say that the lon-ger the work the lessthe chance there isof its being flaw-less. But there isa tendency among critics to patch upflaws, to make connections which may not be there forother readers; and this is,no doubt, a result ofthe veryexigency of criticism and the paradox contained withinit [...] The problem, as I see it, is that, in order to keepthe work in his mind as anything more than detachedfragments, the crit ic has to make some effort at inter-pretation, no marter how private, how personal, the re-sultmay be.The temptation then isto pass on that resultin tato to the reading public, expressing indignation, asoften as not, at the disagreement such a proceeding willinevitably arouse. Surely it ismore graceful, as well asmore honest, to concede that , however unified a workmay be inintention, it issadly fragmented ineffect? [...]This iswhat Ihave called the concept of availability: justas all of his experience isnot available even more to themost gifted'creative writer, so all of the writer's workis not available to even the most interested reader.35

    33Cf. Henry Fielding, Tom fones, XVIII, 1 (Everyman's Livrary), Lon-don, 1957, p. 364.34Cf. Sir Walter Scott, Waverly (The Nelson Classics), Edinburgh, s.d.,p.44.

    ,35PhilipHobsbaum, A Theory of Communication, London, 1970, pp.47 ss.

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    A falta deacessibilidade da obra inteira durante o ato de apre-enso que semanifesta como ponto devista flutuante o estmulopara o estabelecimento de consistncia na leitura - processo queainda ser discutido mais adiante36. O que aqui nos interessa aavaliao da necessidade da interpretao, indispensvel para acompreenso do texto como um todo articulado. Quanto menosacessvel toda a epopia de Milton para o crtico - quaisquerque sejam as razes -, tanto mais absoluta a consistncia queele estabelece. Isso significa, no entanto, que a falta de acessibili-dade compensada pela introduo decritrios habituais de ava-liao; estes antes caracterizam o crtico do que a peculiaridade daobra. Sea falta de acessibilidade leva o leitor a utilizar cada vezmais as orientaes habituais, ento a consistncia estabelecida de-...pende de tais orienlaes. Esse e~tado vale para qualquer processode leitura, ou seja, antes de tudo o crtico um leitor como qual-

    1quer outro que busca apreender, por meio da consistncia esta-

    I belecida,a obra como um todo articulado. t;J"essero~essocrti-\ \ I '-.o~i!or~ !.qL

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    efeitos de um texto, desaparece a concorrncia fatal que teve deenfrentar quando tentou impor ao leitor a significap apreendi-da como a mais correta ou a melhor. T.S. Eliot diz que "[The] criticmust not coerce, and he must not make judgments of worse orbetter. He must simply elucidate: the reader will form the correctjudgment for himself"37. Em face da arte moderna, assim comode muitas recepes de obras literrias, o leitor no mais pode serinstrudo pela interpretao quanto ao sentidodo texto, pois ele .no existe em uma forma sem contexto. Mais instrutivo seria ana-lisar o que sucede quando lemos um texto. Pois s na leitura queos textos se tornam efetivos, e isso vale tambm, como se sabe,para aqueles cuja "significao" j se tornou to histrica que jno tem mais um efeito imediato, ou para aqueles que s nos "to-li'cam" quando, ao \!onstituirmos o sentido na leitura, experimen-tamos um mundo que, embora no exista mais, se deixa ver e,embora nos seja estranho, podemos compreender.

    37T.S.Eliot, The SacredWood (UniversityPaperbacks), London, 1960[1928], p. 11. A observao de Eliot se encontra no ensaio "The PerfectCritic".

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