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ISBN 9788547218607 Sarlet, Ingo Wolfgang

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ISBN 9788547218607

Sarlet, Ingo Wolfgang

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Princípios do direito ambiental I Ingo Wolfgang Sarlet e TiagoFensterseifer. - 2. ed. - São Paulo : Saraiva, 2017.

1. Direito ambiental - Legislação - Brasil I. Título. II. Fensterseifer,Tiago.

16-1585 CDU 34:502.7(81 )(094)

índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Legislação : Direito ambiental 34:502.7(81 )(094)

Presidente Eduardo Mufarej

Vice-presidente Claudio Lensing

Diretora editorial Flávia Alves Bravin

Conselho editorial

Presidente Carlos Ragazzo

Gerente de aquisição Roberta Densa

Consultor acadêmico Murilo Angeli

Gerente de concursos Roberto Navarro

Gerente editorial Thais de Camargo Rodrigues

Edição Bruna Schlindwein Zeni

Produção editorial Ana Cristina Garcia (coord.) / Luciana CordeiroShirakawa

Clarissa Boraschi Maria (coord.) / Kelli Priscila Pinto / Marília Cordeiro /Mônica Landi / Tatiana dos Santos Romão / Tiago Dela Rosa

Diagramação (Livro Físico) Perfekta Soluções Editoriais

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Revisão Perfekta Soluções Editoriais

Comunicação e MKT Elaine Cristina da Silva

Capa William Rezende Paiva

Livro digital (E-pub)

Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador

Serviços editoriais Surane Vellenich

Data de fechamento da edição: 16-2-2017

Dúvidas?

Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meioou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 epunido pelo artigo 184 do Código Penal.

SUMÁRIOABREVIATURAS

NOTA DOS AUTORES À 2a EDIÇÃO

NOTA DOS AUTORES À Ia EDIÇÃO

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO - CLASSIFICAÇÃO, FUNÇÕES, EFICÁCIA EAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL

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1. PRINCÍPIO DO ESTADO (SOCIO)AMBIENTAL DE DIREITO

2. PRINCÍPIO DO FEDERALISMO COOPERATIVO ECOLÓGICO

2.1. Considerações gerais sobre o princípio do federalismo“cooperativo” ecológico

2.2. Princípio da subsidiariedade como expressão do federalismocooperativo ecológico

3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUADIMENSÃO ECOLÓGICA

3.1. Breves considerações acerca do conceito e conteúdonormativo do princípio (e valor) constitucional da dignidade dapessoa humana

3.2. A dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoahumana

4. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DO ANIMAL NÃO HUMANO EDA VIDA EM GERAL

5. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

5.1. O princípio da solidariedade como marco jurídico-constitucional do Estado (Socio)ambiental de Direito

5.2. Solidariedade entre Estados e cidadãos de diferentes Estados

5.3. Solidariedade entre diferentes gerações humanas (e oprincípio da equidade intergeracional)

5.4. Solidariedade entre espécies naturais?

6. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE EM FACE DASPRESENTES E das FUTURAS GERAÇÕES

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7. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR

8. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

8.1. Considerações gerais sobre o conceito de desenvolvimentosustentável

8.2. Os três pilares (social, econômico e ambiental) dasustentabilidade

8.3. Princípio do consumo sustentável: o dever jurídico deconsumir produtos e serviços ecologicamente sustentáveis

9. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO AMBIENTAL DA POSSE E DAPROPRIEDADE

10. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

10.1. Introdução: considerações preliminares sobre a democraciaparticipativa no Estado (Socio)ambiental de Direito

10.2. Os três pilares do princípio da participação pública emmatéria ambiental a partir da Declaração do Rio (1992) e daConvenção de Aarhus (1998)

10.2.1. Notas preliminares

10.2.2. a participação pública no processo de tomada dedecisões em matéria ambiental

10.2.3. O acesso à informação ambiental

10.3. O acesso à justiça em matéria ambiental como garantia daparticipação pública

10.3.1. O direito à assistência jurídica das entidadesambientalistas e das pessoas vulneráveis em matériaambiental

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10.4. Educação ambiental

10.4.1. Educação em direitos ecológicos

11. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

12. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

13. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO (NACIONAL EINTERNACIONAL)

14. PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO E DO ACESSOEQUITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS

15. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DARAZOABILIDADE

15.1. Considerações gerais sobre oS princípios daproporcionalidade e da razoabilidade378

15.2. A proporcionalidade entre proibição de proteçãoinsuficiente e proibição de excesso (e a inconstitucionalidade dasmedidas - legislativas e administrativas - violadoras do direitofundamental ao ambiente)

16. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO AMBIENTAL

REFERÊNCIAS

INGO WOLFGANG SARLET

Doutor em Direito pela Universidade de Munique. Estudos em Nível dePós-Doutorado nas Universidades de Munique (bolsista DAAD),Georgetown e junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro eInternacional (Munique), como bolsista do Instituto, onde também atuacomo representante brasileiro e correspondente científico. Pesquisadorvisitante na Harvard Law School (2008). Pesquisador Visitante comobolsista do STIAS-Stellenbosch Institute for Advanced Studies, África doSul (2011). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da

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PUC-RS. Professor Titular nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutoradoda PUC-RS e Professor de Direito Constitucional da Escola Superior daMagistratura do RS (AJURIS). Professor Visitante (bolsista do ProgramaErasmus Mundus) da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa, 2009) e daFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2012). Professor do Cursode Mestrado em Direito Constitucional Europeu na Universidade deGranada. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre DireitosFundamentais (NEDF) da PUC-RS (Sistema de Grupos de Pesquisa doCNPq), vinculado ao Mestrado e Doutorado em Direito da PUC-RS. Autor,entre outras, das obras: A eficácia dos direitos fundamentais (12. ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2015), Dignidade da pessoa humana edireitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 (10. ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2015) e Curso de direito constitucional (6.ed. São Paulo: Saraiva, 2017), esta última em coautoria com LuizGuilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. Desembargador do Tribunal deJustiça do Estado do Rio Grande do Sul.

TIAGO FENSTERSEIFER

Doutor e Mestre em Direito Público pela PUC-RS (Ex-Bolsista do CNPq),com pesquisa de doutorado-sanduiche junto ao Instituto Max-Planck deDireito Social e Política Social de Munique, na Alemanha (Bolsista daCAPES). Professor-convidado de diversos Cursos de Especialização emDireito Constitucional e Direito Ambiental (PUC-SP, PUC-Rio, PUC-RS,Fundação Escola Superior do MP/DF, Escola Paulista da Magistratura,Faculdade Dom Alberto). Associado do Instituto O Direito por um PlanetaVerde, da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil(APRODAB) e do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP).Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Direitos Fundamentais daPUC-RS (CNPq). Autor das obras Direitos fundamentais e proteção doambiente (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008), Defensoria Pública,direitos fundamentais e ação civil pública (São Paulo: Saraiva, 2015) e ADefensoria Pública na Constituição Federal de 1988 (Rio de Janeiro:GEN/Forense, 2017); coautor, juntamente com Ingo Wolfgang Sarlet, dasobras Direito constitucional ambiental (5. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2017, no prelo), Direito ambiental: introdução, fundamentos eteoria geral (São Paulo: Saraiva, 2014) e Princípios do direito ambiental

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(2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017); coautor, juntamente com Ingo WolfgangSarlet e Paulo Affonso Leme Machado da obra Constituição e legislaçãoambiental comentadas (São Paulo: Saraiva, 2015); e organizador,juntamente com Carlos A. Molinaro, Fernanda L. F. de Medeiros e Ingo W.Sarlet, da obra A dignidade da vida e os direitos fundamentais para alémdos humanos: uma discussão necessária (Belo Horizonte: Fórum, 2008).Defensor Público Estadual (SP).

Para o Professor Paulo Affonso Leme Machado, por toda uma trajetóriavirtuosa em prol da proteção ecológica e do Direito Ambiental no Brasil.

ABREVIATURASABRAMPA - Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público deMeio Ambiente

AC - Apelação Cível

ACP - Ação Civil Pública

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AG - Agravo Regimental

AgRg - Agravo Regimental

AI - Agravo de Instrumento

AP - Ação Popular

APP - Área de Preservação Permanente

AR - Ação Rescisória

BAT - Best Available Technology (Melhor Tecnologia Disponível)

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BverfGE - Bundesverfassungsgerichtsentscheidungen (Coletânea Oficialdas Decisões do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)

CAOMA - Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MinistérioPúblico

CAR - Cadastro Ambiental Rural

CC - Conflito de Competência

CCB - Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002)

CDC - Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90)

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe daOrganização das Nações Unidas

CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CMMAD - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento daONU

CNEA - Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas

CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

CPC - Código de Processo Civil (Lei n. 5.869/73)

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito

DESCA - Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais

DP - Defensoria Pública

EIA - Estudo de Impacto Ambiental

EUA - Estados Unidos da América

FBCN - Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza

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FSC - Forest Stewardship Council

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis

IC - Inquérito Civil

ICMBio - Instituto “Chico Mendes” de Conservação da Biodiversidade

INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IPTU - Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

ITR - Imposto sobre a propriedade territorial rural

IUCN - União Internacional para a Conservação da Natureza

LACP - Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.437/85)

LF - Lei Fundamental da Alemanha (1949)

MC - Medida Cautelar

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

MJ - Ministério da Justiça

MMA - Ministério do Meio Ambiente

MP - Ministério Público

MPU - Ministério Público da União

MS - Mandado de Segurança

NCPC - Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015)

OEA - Organização dos Estados Americanos

OGMs - Organismos Geneticamente Modificados

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OMS - Organização Mundial da Saúde

ONG - Organização Não Governamental

ONGA- Organização Não Governamental de Ambiente

ONU - Organização das Nações Unidas

PF - Polícia Federal

PGR - Procurador-Geral da República

PIDESC - Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais eCulturais (1966)

PIDCP - Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966)

PMFS - Plano de Manejo Florestal Sustentável

PNEA - Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n. 9.795/99)

PNMA - Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81)

PNMC - Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187/2009)

PNRH - Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97)

PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010)

PNSB - Política Nacional de Saneamento Básico (Lei n. 11.445/2007)

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

POPs - Poluentes Orgânicos Persistentes

PROCONVE - Programa de Controle da Poluição do Ar por VeículosAutomotores RDA - Revista de Direito Ambiental (Editora Revista dos

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Tribunais)

RE - Recurso Extraordinário

REsp - Recurso Especial

RG - Repercussão Geral

RHC - Recurso Ordinário em Habeas Corpus

RIMA - Relatório de Impacto Ambiental

RMS - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

SINPDEC - Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil

SINIMA - Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente

SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei n.9.985/2000)

SUS - Sistema Único de Saúde

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TAC - Termo de Ajustamento de Conduta

TJ - Tribunal de Justiça

TRF - Tribunal Regional Federal

TST - Tribunal Superior do Trabalho

UCs - Unidades de Conservação da Natureza

UGB - Umweltgesetzbuch (Projeto do Código Ambiental Alemão)

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UIG - Umweltinformationsgesetz (Lei de Informação Ambiental)

UNESCO - Organização das Nações Unidas para Cultura, Ciência eEducação

NOTA DOS AUTORES À 2a

EDIÇÃOFelizes com a boa acolhida dos leitores, trazemos a público a 2- edição donosso livro Princípios do Direito Ambiental. Desde o lançamento da 1-edição, muita água, ou melhor, muita “lama” rolou no cenário ambientalbrasileiro. E foi, infelizmente, pelo viés negativo (leia-se: degradação daNatureza) que a temática ecológica tomou assento nos noticiários do Paísnesse período 1, destacando-se, como não poderiamos deixar de mencionar,a ocorrência daquele tido por alguns especialistas como o maior desastreambiental brasileiro de todos os tempos. Ou seja, o rompimento dabarragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco (de propriedade dabrasileira Vale do Rio Doce e da anglo-australiana BHP Billiton) nomunicípio de Mariana, no Estado de Minas Gerais, em novembro de 2015.Um tsunami de lama tóxica, acompanhado televisivamente pelo país inteiro,percorreu por vários dias o leito do Rio Doce até desaguar na sua foz eavançar no mar, atingindo também o litoral do Estado do Espírito Santo.Além de destruir por completo o vilarejo secular de Bento Rodrigues, odesastre causou o desabastecimento de água de diversas cidades ao longodo caminho, deixou ao menos 8 mortos e 11 desaparecidos e provocou umdano ambiental inestimável.

Ocorre que, para a nossa surpresa, como se não bastassem os fatos narrados,o que nos levaria a pensar na necessidade de um maior rigor normativo e defiscalização das autoridades públicas, avançam no Congresso Nacionalprojetos de lei e propostas de emenda constitucional voltados àflexibilização da nossa legislação ambiental (ex.: licenciamento ambiental,recursos minerais etc.). O nosso legislador, infelizmente, parece alheio àrealidade, ou pior, movido por interesses outros divergentes da tutela

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ecológica. Fato é que os princípios do Direito Ambiental e o regimejurídico-ambiental como um todo estão postos à prova no atual cenáriolegislativo-ambiental brasileiro. Esperamos, caros leitores, que tenham elesreconhecida a sua força normativa necessária para barrar retrocessos nalegislação ambiental e, caso não seja possível evitar tal movimento políticorefratário no campo legislativo, também sirvam de baliza e diretriznormativa para o Poder Judiciário exercer o seu papel de “guardião” dodireito fundamental ao ambiente, inclusive fazendo valer a eficáciacontramajoritária inerente à proteção dos direitos fundamentais.

Mas, para não dizer que não tivemos algo positivo no campo ambientalnesse ínterim da reedição da obra, registra-se a Encíclica Laudato Si - Sobreo Cuidado da Casa Comum, do Papa Francisco, sobre a questãoambiental2, publicada no mês de junho de 2015. O documento, em linhasgerais, propõe uma “nova definição de progresso”, inclusive no sentido deque os países ricos aceitem “um certo decréscimo” de seu consumo a fim defrear o impacto humano sobre o meio ambiente. No diploma papal, asmudanças climáticas são tomadas como “um dos principais desafios para ahumanidade”. Muito embora não se trate (por óbvio) de um documentojurídico, a “encíclica papal ecológica” repercutiu de forma bastantesignificativa na comunidade política internacional, lançando as bases parauma profunda reflexão no campo moral e ético acerca da questão ecológicae do perigo existencial a que a humanidade está exposta caso se perpetue aatual intervenção predatória do ser humano na Natureza.

Registramos, ainda, nossa alegria com a escolha da obra Direito Ambiental:introdução, fundamentos e teoria geral (São Paulo: Saraiva, 2014) paraintegrar a lista de finalistas do Prêmio Jabuti 2015, na categoria Direito. Olivro em questão, conjuntamente com a presente obra ora reeditada, compõea nossa Teoria Geral do Direito Ambiental. Também nos encheu defelicidade a aceitação pelo Professor Paulo Affonso Leme Machado paraprefaciar a 2- edição da obra. A 1-edição do nosso livro, cabe frisar, foidedicada ao Professor Paulo Affonso, de sorte que o ter agora comoprefaciador desta 2- edição, somado ainda ao fato de nos tornarmos os trêscoautores da obra Constituição e legislação ambiental comentadas (SãoPaulo: Saraiva, 2015) ao longo de tal período entre edições, é motivo degrande celebração acadêmica e pessoal para nós. Andar na companhia do

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Professor Paulo Affonso ao longo da nossa jornada acadêmica jusambientalé motivo de profundo orgulho, mas, mais do que isso, é uma oportunidadeúnica para aprender sobre o Direito Ambiental e a vida.

Por fim, no que toca à 2- edição da obra, tivemos o cuidado de atualizá-lacom a produção bibliográfica, legislativa e jurisprudencial verificada noperíodo transcorrido desde a lâ edição, com destaque para o Novo Códigode Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), a nova Lei sobre Acesso aoPatrimônio Genético (Lei n. 13.123/2015), a Lei da Política Nacional deCombate à Desertiflcação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei n.13.153/2015), a Lei da Política de Educação para o Consumo Sustentável(Lei n. 13.186/2015) e as mais recentes decisões do Superior Tribunal deJustiça e do Supremo Tribunal Federal. Também buscamos facilitar ao leitoro acesso às referências legislativas e jurisprudenciais (STF e STJ) sobrecada um dos princípios abordados, sistematizando a informação ao final doscapítulos. Esperamos, assim, continuar com a boa receptividade dos nossosamigos leitores, sempre com o propósito de aperfeiçoar a nossa pesquisaconsolidada nesta obra, inclusive registrando e-mail para as valiosas críticase sugestões: [email protected].

Porto Alegre/Campinas, verão de 2017.

Ingo Wolfgang Sarlet Tiago Fensterseifer

NOTA DOS AUTORES À Ia

EDIÇÃOO presente livro é resultado de pesquisa realizada pelos autores ao longodos últimos anos, como dão conta especialmente alguns estudos no campoda proteção constitucional do ambiente, notadamente a obra DireitoConstitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteçãodo Ambiente, já na sua 4â edição (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014),escrita em regime de coautoria, a obra coletiva organizada pelo coautorIngo Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais (Porto Alegre:

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Livraria do Advogado, 2010), bem como a obra do coautor Tiago DireitosFundamentais e Proteção do Ambiente (Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2008) e a obra coletiva organizada pelos ora autores em parceriacom os Professores Carlos Alberto Molinaro e Fernanda L. Fontoura deMedeiros A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais para além dosHumanos (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008). Mais recentemente, emlançamento praticamente simultâneo ao do presente livro, registra-setambém a obra escrita em coautoria pelos autores Direito Ambiental:Introdução, Fundamentos e Teoria Geral (São Paulo: Saraiva, 2014).

O estudo que ora publicamos, versando sobre os princípios do DireitoAmbiental, também pode ser inserido no contexto de uma Teoria Geral doDireito Ambiental, daí a relação direta e complementar existente entre apresente monografia e o livro antes referido (Direito Ambiental: Introdução,Fundamentos e Teoria Geral). Tendo em conta a ideia de valorização daparte relativa aos princípios do Direito Ambiental, é nosso intento, com odestaque assegurado por uma obra monográfica autônoma, ofertar ao leitoro “estado da arte” na matéria, mediante a apresentação e análise de umamplo e atualizadíssimo rol dos princípios norteadores do DireitoAmbiental, avançando significativamente em relação à sua listagemclássica, pelo menos no sentido do que habitualmente tem sido objeto deconsideração na maior parte das obras sobre o tema.

Na análise da temática buscamos amparo em farta e atualizada doutrina,legislação e jurisprudência, inclusive mediante um olhar sobre o DireitoAmbiental Internacional e o direito estrangeiro. Assim, almejando o melhorproveito possível, fica a nossa promessa de continuarmos a buscar oaperfeiçoamento e mesmo a complementação do presente texto,considerando o caráter dinâmico da matéria e a farta produção que se temregistrado nessa seara. Por fim, esperamos ter conseguido atingir o nossopropósito e desejamos a todos o máximo proveito possível com a leitura.Críticas e sugestões são sempre bem-vindas e poderão ser endereçadas àEditora.

Porto Alegre (RS) e Santos (SP), janeiro de 2014.

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PREFÁCIOA presença de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer como escritoresno campo do Direito Ambiental me enche de alegria. Os resultados sãofecundos, tanto que este livro - Princípios do Direito Ambiental - entra nasua 2- edição.

Os dois autores unem uma vivência mais antiga e uma mais recente: IngoWolfgang Sarlet, um renomado constitucionalista, professor universitário,com formação germânica e Magistrado gaúcho, e Tiago Fensterseifer,Defensor Público no Estado de São Paulo, que vem de obter seu Doutoradoem Direito pela PUC-RS.

Com os mencionados autores, tenho a honra e o prazer de ser coautor dolivro Constituição e legislação ambiental comentadas, também editado pelaSaraiva.

Na Ia edição desta obra, fui homenageado pelos autores, de uma formagenerosa. Prefaciar esta edição é a manifestação renovada da consideraçãoque eles, com magnanimidade, me tributam.

Pesquisar e escrever sobre Direito Ambiental pressupõe sensibilidade eestudo. A sensibilidade nasce e cresce em meio a experiências de vida.Como Promotor de Justiça tive oportunidade de atuar em comarcas comagudos problemas ambientais de poluição do ar e pude constatar suasconsequências maléficas, principalmente para os seres mais vulneráveis,como as crianças. Por 18 anos fui titular de uma das Promotorias dePiracicaba, onde aprendi a amar e a defender o seu rio, tão necessário eencantador.

No terreno dos estudos, comecei de forma solitária, publicando artigos naRevista dos Tribunais, desde 1973, após a Conferência da ONU deEstocolmo. Fui para Strasbourg, França, onde em 1977-1978 cursei aUniversidade de Strasbourg III, hoje denominada Robert Schuman. Nocurso Droit de L'Environnment et Aménagement du Territoire fui aluno eorientado do Professor Michel Prieur.

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Cito o meu inovador Mestre - Michel Prieur -, afirmando que o DireitoAmbiental “diz respeito não só ao jurista, mas ao cidadão. A causa do meioambiente é a chave indispensável para a sobrevivência de nossas sociedadesem crise” 3.

O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação dalegislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos queintegram o ambiente, evitando o isolamento dos temas ambientais e suaabordagem antagônica. O Direito Ambiental não ignora o que cada matériatem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa daidentidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, deinformação, de monitoramento e de participação 4.

Os coautores Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer afirmam no livroapresentado que “os princípios podem ser divididos em três grupos, quaissejam: aqueles consagrados na esfera do direito internacional público, osque encontram assento direto e expresso no direito constitucional positivointerno e os que foram objeto de previsão pela legislação infraconstitucionalinterna”.

Apresentam 15 princípios integrando o direito ambiental, importandosalientar que não consideram essa formulação como fechada ou inalterável,tanto que enfatizam que “a própria seleção de princípios aqui efetuada éevidentemente sujeita a controvérsias”.

Os seguintes princípios estão tratados na nova edição: estadosocioambiental de direito, federalismo cooperativo ecológico, dignidadehumana e sua dimensão ecológica, solidariedade, responsabilidade em facedas presentes e das futuras gerações, poluidor-pagador e usuário-pagador,função ambiental da posse e da propriedade, participação pública,prevenção, precaução, da cooperação nacional e internacional, da nãodiscriminação e do acesso equitativo aos recursos naturais, daproporcionalidade e da razoabilidade, da proibição de retrocesso ambiental.

Os princípios devem constituir os alicerces das atividades do PoderLegislativo, Executivo e Judiciário. Inevitavelmente, surgirão conflitos naaplicação dos princípios e aparentemente colisão de direitos. Na ponderaçãodos interesses existentes, há de serem sopesados o interesse social, o

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interesse econômico e o interesse ambiental, constituindo este último a basedo edifício, para que o desenvolvimento seja realmente sustentável.

O livro Princípios do Direito Ambiental, tão bem elaborado por IngoWolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, contribui para que seus leitorestenham conhecimentos mais aprofundados dos temas tratados e, dessaforma, sintam-se atraídos a postular os direitos ambientais, construindo umplaneta Terra harmônico ambientalmente e justo socialmente.

Piracicaba, 30 de julho de 2016.

Paulo Affonso Leme Machado

Bacharel em Direito pela PUC-Campinas. Mestre em Direito Ambientalpela Universidade de Strasbourg (França). Doutor Honoris Causa pelaUnesp e Vermont Law School (Estados Unidos da América). Doutor emDireito pela PUC-SP. Prêmio de Direito Ambiental Elizabeth Haub/1985(Alemanha/Bélgica). Promotor de Justiça (aposentado). Professor naUniversidade Estadual Paulista (Unesp) - IB - Rio Claro - SP (aposentado).Professor Convidado na Universidade de Limoges/França (1986-2003).Chevalier de la Légion d 'Honneur (França). Professor na Faculdade deDireito da Universidade Metodista de Piracicaba - Unimep. ProfessorVisitante da Escola Superior Dom Helder Câmara (Belo Horizonte-MG).Autor, entre outros, dos livros Direito à informação e meio ambiente,Direito dos cursos de água internacionais e Direito ambiental brasileiro(24. ed.).

INTRODUÇÃO CLASSIFICAÇÃO, FUNÇÕES, EFICÁCIA EAPLICABILIDADE DOSPRINCÍPIOS EM MATÉRIAAMBIENTAL

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Ao erigir o meio ambiente como bem da vida fundamental não apenas paraas gerações viventes, como para aquelas do porvir, o Constituinte conferiusingular relevo à tutela ecológica e acenou com a imprescindibilidade denovo olhar do operador jurídico para a efetiva proteção da Natureza,sobretudo na flexibilização do formalismo estéril, do praxismo burocráticoe do exagerado apego aos preceitos processuais. A efetiva tutela doambiente não prescinde de uma arejada exegese e de consequenteimplementação de princípios quais a instrumentalidade do processo, alémde adequada incidência dos princípios da precaução, da prevenção, dopoluidor-pagador e da responsabilidade objetiva do degradador(Desembargador Renato Nalini)5.

Sem que aqui se pretenda - à vista da farta e qualificada produçãodoutrinária nacional e estrangeira à qual se remete para o devidoaprofundamento - empreender a tentativa de apresentar uma espécie deteoria geral dos princípios jurídicos, nem mesmo adentrar a celeuma

em torno de sua distinção de outras formas normativas, com destaque paraas regras (de acordo com o amplamente difundido modelo dúplice deRobert Alexy 6, no sentido de que normas são sempre ou princípios ouregras), ou mesmo levando em conta a existência de uma terceira figura,como é o caso dos assim designados postulados normativos (na esteira doque preconiza, no Brasil, a influente teorização de Humberto Ávila 7),necessário despender alguma atenção pelo menos a alguns aspectos que nosparecem relevantes para a compreensão do que são e como operam osprincípios em matéria ambiental.

Não se deve olvidar que, transcorrido o período de maior ufanismo quecaracterizou as duas primeiras décadas desde o pacto constituinte de 1988,quando se costumava, praticamente sem maior contestação, enfatizar aforça normativa da Constituição em geral e, de modo particular, dosprincípios nela consagrados explícita ou implicitamente, os princípios, masespecialmente sua compreensão e manejo em sede doutrinária ejurisprudencial, cada vez mais tem sido alvo de críticas de toda natureza,chegando a se falar, e não sem razões importantes, em uma espécie de“panprincipialismo” (Lênio Streck8), o que se revela ainda mais inspiradorde cuidados na seara ambiental, que, como ocorre em outros campos

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sensíveis, nem sempre se encontra imune a excessos de perfil até mesmofundamentalista ou, pelo menos, o que é mais frequente, de uma dose devoluntarismo que procura se legitimar mediante invocação genérica - e, porvezes, mesmo panfletária - do discurso dos princípios.

Mas, a despeito de tais mazelas, que igualmente não iremos aqui inventariarem toda sua extensão, ou mesmo discutir e avaliar, o fato é que a presençados princípios no texto constitucional, a começar pelo fato de o primeiroTítulo da Constituição Federal de 1988 (doravante apenas CF/88), queostenta a epígrafe “Dos Princípios Fundamentais”, foi particularmentevalorizada pela Constituinte, seja quanto à sua quantidade, seja no que dizrespeito à diversidade de matérias, pois foram consagrados desde princípiosestruturantes e gerais até princípios impositivos de objetivos e programas deação e princípios que regiam as relações do Brasil no âmbito internacional.Assim como ocorreu com os direitos e garantias fundamentais, a CF/88 é delonge a mais generosa no âmbito da evolução constitucional brasileiraquando se trata da positivação de princípios. Isso se torna ainda maisevidente se no respectivo rol se fizerem incluir as demais normas-princípiosprevistas em outras partes do texto constitucional.

De qualquer sorte, é cediço no seio da doutrina majoritária9 e mesmo emsede jurisprudencial, ao menos para o caso brasileiro, que os princípios sãoespécies do gênero normas e, como tais, são dotadas de eficácia,aplicabilidade, almejando obter a respectiva eficácia social ou efetividade,ainda que não se verifique o mesmo grau de consenso (e isso cada vezmais) em torno de qual seja a medida e o alcance da eficácia eaplicabilidade dos princípios jurídico-constitucionais, inclusive pelo fato deas normas-princípios cumprirem funções distintas na ordem constitucional.Nesse contexto, calha referir, em caráter ilustrativo, o caso da discussãosobre a eficácia e aplicabilidade dos princípios, ou seja, se ela é ou não (eem que caso) direta, ou de como se comportam os

princípios quando em concorrência ou mesmo conflito com outrosprincípios ou regras, bem como (e esse aspecto é seguramente um dos maiscontroversos) sobre qual a margem de apreciação que os princípios deferemaos órgãos estatais, especialmente quando em pauta o controle de seus atos(com destaque para os atos legislativos e administrativos) com base nos

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princípios, tal como se verifica nos casos de controle deconstitucionalidade. Até mesmo a qualidade da eficácia dos princípios naesfera das relações privadas não é imune a uma série de controvérsias, doque também dá conta farta literatura 10.

Nesse contexto, renunciando-se, como já frisado, a maiores digressões deordem teorética, importa, contudo, para efeitos de uma classificação dosprincípios em matéria ambiental, pelo menos de modo a identificar asprincipais tipologias, recordar que pelo prisma de sua fonte normativaimediata (direta) os princípios podem ser divididos em três grupos, quaissejam aqueles consagrados na esfera do direito internacional público(declarações, tratados e outros atos internacionais), os que encontramassento direto e expresso no direito constitucional positivo interno e os queforam objeto de previsão pela legislação infraconstitucional interna. Comefeito, a grande maioria dos princípios gerais do Direito Ambientalencontra-se positivada na legislação ambiental (nacional e internacional).Nesse aspecto, sempre houve uma influência preponderante da legislaçãointernacional ambiental, pelo menos desde a Declaração de Estocolmosobre o Meio Ambiente Humano (1972), em face das legislaçõesdomésticas, que, ao longo dos anos, foram sistematicamente incorporandoos princípios que se consagravam no plano internacional 11. Em caráterilustrativo, podemos citar os princípios da prevenção e da precaução, oprincípio do poluidor-pagador, o princípio da equidade intergeracional, oprincípio da cooperação, o princípio da participação pública, o princípio dodesenvolvimento sustentável, o princípio da responsabilidade comum, masdiferenciada, o princípio do acesso equitativo aos recursos naturais, entreoutros.

A legislação ambiental brasileira, seguindo o panorama normativointernacional, tratou de consolidar e positivar inúmeros princípios. De modoprecursor, a Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente),estabeleceu, no seu art. 22, o primeiro rol expressivo de princípios regentesdo Direito Ambiental na legislação brasileira (e ainda hoje referencial). Deacordo com o seu art. 22, são princípios norteadores da PNMA: “I - açãogovernamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando omeio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamenteassegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do

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uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III - planejamento e fiscalizaçãodo uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com apreservação de áreas representativas; V -controle e zoneamento dasatividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo eà pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dosrecursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidadeambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreasameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis deensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la paraparticipação ativa na defesa do meio ambiente”. O dispositivo citado da Lein. 6.938/81 estabelece também no seu caput, como objetivo da PNMA, a“preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia àvida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimentosocioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção dadignidade da vida humana”. É bem verdade que a Lei n. 6.938/81 nãoprimou pela precisão conceituai no tocante aos princípios, muitas vezesmisturando conceitos entre objetivos, princípios e instrumentos da PNMA.Mas, ainda assim, é possível identificar no referido diploma, mesmo quesem a consagração expressa e com a correta atribuição de nomenclatura, oconteúdo da grande maioria dos princípios do Direito Ambiental moderno.

Posteriormente, inúmeros outros diplomas ambientais editados no âmbitoinfraconstitucional trataram de replicar e acrescentar novos princípios ao rolinicial estabelecido pela Lei n. 6.938/81, inclusive, em alguns casos,trazendo maior precisão conceituai à matéria. A título de exemplo, podemoscitar a Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006). No seu art. 62, parágrafoúnico, elencam-se diversos princípios condutores do regime jurídico deproteção da Mata Atlântica, dentre eles: função socioambiental dapropriedade, equidade intergeracional, prevenção, precaução, usuário-pagador, transparência das informações e atos, gestão democrática,celeridade procedimental e gratuidade dos serviços administrativosprestados ao pequeno produtor rural e às populações tradicionais. Demodo similar, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n.12.187/2009), no seu art. 32, estabeleceu que a PNMC e as ações deladecorrentes, executadas sob a responsabilidade dos entes políticos e dosórgãos da administração pública, observarão os princípios da precaução, da

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prevenção, da participação cidadã, do desenvolvimento sustentável e o dasresponsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Na sequência, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010) também ofertou rol amplo de princípios no seu art. 62, o qualse trata de uma das relações mais completas e modernas de princípios doDireito Ambiental existentes no âmbito da legislação brasileira. De acordocom o dispositivo citado, são considerados princípios da Política Nacionalde Resíduos Sólidos: “I - a prevenção e a precaução; II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; III - a visão sistêmica, na gestão dosresíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural,econômica, tecnológica e de saúde pública; IV - o desenvolvimentosustentável; V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre ofornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados quesatisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a reduçãodo impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, nomínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; VI -a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setorempresarial e demais segmentos da sociedade; VII - a responsabilidadecompartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII - o reconhecimento doresíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valorsocial, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; IX - o respeitoàs diversidades locais e regionais; X - o direito da sociedade à informação eao controle social; XI - a razoabilidade e a proporcionalidade”.

Também o Novo Código Florestal Brasileiro de 2012 (Lei n. 12.651/2012)trouxe rol expressivo de princípios voltados ao regime jurídico de proteçãoflorestal. De acordo com o seu art. I2, § l2, o conjunto regulatório trazidopela legislação florestal estaria centrado no objetivo de promover odesenvolvimento sustentável, tendo como princípios: “I - afirmação docompromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas edemais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo,dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras; II - reafirmação da importância dafunção estratégica da atividade agropecuária e do papel das florestas edemais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimentoeconômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na

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presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos ebioenergia; III - ação governamental de proteção e uso sustentável deflorestas, consagrando o compromisso do País com a compatibilização eharmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, dosolo e da vegetação; IV - responsabilidade comum da União, Estados,Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, nacriação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa ede suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais; V - fomentoà pesquisa científica e tecnológica na busca da inovação para o usosustentável do solo e da água, a recuperação e a preservação das florestas edemais formas de vegetação nativa; VI -criação e mobilização de incentivoseconômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetaçãonativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivassustentáveis”. No entanto, o rol apresentado pelo novo diploma florestal,como se pode observar, é impreciso, pois traz inúmeras medidas e tarefas aserem adotadas pelo Estado, mas que não se tratam de princípios em si.Infelizmente, a imprecisão técnica do nosso legislador é habitual emmatéria ambiental, deixando para a doutrina o labor de identificar os“verdadeiros” princípios que se encontram muitas vezes dispersos nosnossos diplomas ambientais.

No plano constitucional, designadamente mediante a promulgação daCF/88, diversos princípios ambientais consagrados em sede internacional epela própria legislação infraconstitucional brasileira acabaram sendo objetode previsão expressa ou pelo menos implícita, seja no art. 225 e nos seusrespectivos parágrafos e incisos, seja em outras partes do textoconstitucional, como ocorre com a função ambiental da propriedade, oprincípio do Estado (Socio)Ambientall2, o princípio da precaução (e daprevenção) etc. Aliás, precisamente aqui é que se pode perceber já uma dasfunções dos princípios fundamentais da CF/88, pois, embora se cuide deprincípios gerais e em parte de caráter estruturante, os mesmos servem deparâmetro material para a justificação de outros princípios, inclusive emmatéria ambiental, assim como se dá com a identificação de direitosfundamentais não expressamente positivados no título próprio da CF/88.Assim, também é possível reconhecer a existência tanto de princípiosexpressamente positivados (seja na CF/88, seja em documentos de matrizinternacional ou mesmo na legislação nacional) quanto de princípios

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implicitamente positivados, como é o caso, entre outros, do princípio daproibição de retrocesso ambiental. Muito embora haja suporte legislativo(vide o exemplo do Protocolo de San Salvador Adicional à ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais de 1988) para assegurar a sua existência no planojurídico-ambiental, não há a consagração expressa do referido princípio nonosso ordenamento. No entanto, a doutrina tem reconhecido o princípio daproibição de retrocesso como um princípio geral do Direito Ambientall3, omesmo já se verificando em seara jurisprudenciall4, mas isso será objeto dedesenvolvimento mais adiante.

Os princípios também podem ser classificados em gerais e setoriais (ouespeciais). Princípios gerais não são apenas princípios do DireitoAmbiental, mas são princípios ou de cunho estruturante ou que encontramaplicação em outros domínios, como é o caso do princípio do EstadoSocioambiental, do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípioda proporcionalidade, do princípio da sustentabilidade e mesmo o daprecaução e prevenção, os quais, cada vez mais, encontram ressonância emáreas que, embora guardem relação com a proteção do ambiente, assumemuma dimensão pelo menos em parte autônoma, como se verifica na saúde,no trabalho, entre outras searas. Os princípios especiais ou princípiosambientais (ou do Direito Ambiental) em sentido estrito seriam entãoaqueles que por sua finalidade e âmbito de aplicação dizem respeitoessencialmente à proteção do ambiente. Aqui poderia ser enquadrado oprincípio do poluidor-pagador e mesmo (já considerado tratar-se de umdesdobramento de outros princípios) o da proibição de retrocessoambiental. De todo modo, não se trata de uma distinção rígida, pois oDireito Ambiental e as questões vinculadas à proteção ecológica, aindamais quando se adota uma noção ampliada de ambiente, se articulam comdiversas outras áreas da vida e do Direito.

Em razão de sua natureza jurídico-normativa, os princípios sãofundamentais na aplicação e desenvolvimento do Direito Ambiental. Nacondição de parâmetros materiais, eles permitem ao intérprete e aplicadordo Direito Ambiental (em especial, Juizes e Tribunais) alcançar overdadeiro sentido e “estado da arte” do ordenamento jurídico ambiental,inclusive para o efeito de suprir deficiências e lacunas muitas vezes

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existentes. O mesmo se pode dizer em relação ao papel dos princípiosjurídicos ambientais nos casos de conflito entre a proteção ambiental e aproteção e promoção de outros bens jurídicos de hierarquia constitucional,em especial quando em causa direitos e garantias fundamentais. Os deveresde proteção do ambiente necessitam ser conciliados com a proteção deoutros bens fundamentais e, ao mesmo tempo, os princípios ambientaisdevem ser realizados de modo o mais eficaz possível, justamente tendo emconta a conhecida noção de que princípios operam, pelo menos em certosentido e em boa parte dos casos, como mandados de otimização nãoobedecendo à lógica do tudo ou nada 15. Além disso, considerados osaspectos referidos, a partir dos princípios se viabiliza também o própriocontrole das ações e omissões dos órgãos estatais e até mesmo de atoresprivados, pois mesmo os atos designados de discricionários daadministração pública são sempre os vinculados aos direitos e princípiosfundamentais, sendo cabível, portanto, o controle jurisdicionall6. Da mesmaforma, poderá o ato legislativo ser sindicado quanto ao atendimento dasexigências da normativa constitucional, mediante o controle deconstitucionalidade, ou mesmo ser impugnado no âmbito do assim chamadocontrole de convencionalidade decorrente da hierarquia supralegal dostratados internacionais de direitos humanos. É claro que justamente ocontrole dos atos estatais, em especial do Poder Executivo e do PoderLegislativo, com base nos princípios, demanda rigor metodológico, oexercício do dever de motivação adequada e por vezes uma saudávelautocontenção do Poder Judiciário, pena de tal controle desembocar emarbítrio e voluntarismo, aspecto que aqui não poderá ser desenvolvido.

Às funções já referidas, de modo assumidamente ilustrativo e sumário,agrega-se a circunstância de que os princípios são muitas vezes essenciaistambém para permitir uma (de regra cogente) interpretação sistemática doDireito Ambiental 17, precisamente em homenagem, também, aosprincípios da supremacia da Constituição e da unidade da Constituição e daordem jurídica. Ainda nesse contexto, visto se tratar de critério parasolucionar antinomias, destaca-se o reconhecimento do princípiohermenêutico do in dubio pro naturais. Tal princípio, contudo, exige umaadequada compreensão e aplicação, devendo ser conciliado com outrosprincípios de interpretação e aplicação do Direito em caso de conflitos(antinomias), como é o caso do assim chamado princípio pro homini,

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consagrado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos 19, bem como(entre outros), dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Maisrecentemente, também o princípio favor debilis tem sido aplicado emmatéria ambiental pelo Superior Tribunal de Justiça, com o propósito defacilitar o acesso à justiça e assegurar maior paridade na relação processual(por exemplo, mediante a inversão do ônus da prova) 20.

Outro ponto a ser destacado é o de que a própria seleção de princípios aquiefetuada é evidentemente sujeita a controvérsias. Da mesma forma, não serevela imune a críticas a circunstância de que um ou outro dos princípiosaqui como tal referido poderá, na visão de alguns, não configurar típicanorma-princípio. Cientes disso, o que nos moveu foi o propósito deapresentar, em sintonia com o que se verifica ser a tendência doutrináriadominante (em muitos dos casos) e a própria opção legislativa (como dãoconta as observações precedentes), um inventário o mais completo possível,sem prejuízo de se avançar, mais adiante, na própria reflexão crítica sobre oacerto da escolha feita nessa quadra.

Assim, lançada esta breve introdução sobre o tema, passaremos a examinar,um a um, os mais importantes princípios (expressos e implícitos, gerais eespeciais) do Direito Ambiental, quando, então, uma série de questões aquiapenas esquematicamente formuladas serão, a depender do caso, mais bemexaminadas e desenvolvidas.

1 PRINCÍPIO DO ESTADO(SOCIO)AMBIENTAL DEDIREITOO princípio do Estado de Direito (nas suas diferentes dimensões) é um dosprincípios fundamentais do constitucionalismo contemporâneo 21. Mas oEstado de Direito (aqui compreendido sempre como um EstadoDemocrático) assumiu e tem assumido diferentes configurações ao longo daevolução do constitucionalismo. Assim, tendo em conta os novos desafiosgerados pela crise ecológica e pela sociedade tecnológica e industrial, a

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configuração de um novo modelo de Estado de Direito no horizontejurídico-constitucional contemporâneo, superando os paradigmasantecedentes, respectivamente, do Estado Liberal e do Estado Social,passou a assumir um lugar de destaque. Entre outras denominações,registram-se as seguintes nomenclaturas para designar a nova “roupagemecológica” 22 incorporada pelo atual Estado de Direito, notadamente talqual também consagrado pela CF/88 (art. I2, caput): Estado Pós-social23,Estado Constitucional Ecológico24, Estado de Direito Ambiental25, Estadode Direito Ecológico26, Estado Socioambiental, Estado do Ambiente28,Estado Ambiental29, Estado de Bem-Estar AmbientalSO, Estado Verde31,Estado de Prevenção32 e Estado Sustentável33. Em que pese a preferênciarecair, em geral, sobre a terminologia Estado Ambiental, é pelanomenclatura Estado Socioambiental que nos decidimos 34, isso porentendermos a necessária e urgente convergência das agendas social eambiental num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimentohumano35. O Estado contemporâneo, pelo menos como aquicompreendido, não pode ser concebido como um Estado “Pós-Social”,precisamente em virtude da circunstância de que o projeto de realização dosdireitos fundamentais sociais longe está de uma realização satisfatória,ainda mais considerando a privação, até mesmo na esfera de um patamarminimalista, do acesso aos bens sociais básicos para um expressivo númerode seres humanos.

Em regra, a miséria e a pobreza (como projeções da falta de acesso aosdireitos sociais básicos, como saúde, saneamento básico, educação,moradia, alimentação, renda mínima etc.) caminham juntas com adegradação e poluição ambiental, expondo a vida das populações de baixarenda e violando, por duas vias distintas, a sua dignidade. Entre outrosaspectos a considerar, é perceptível a importância de uma tutelacompartilhada e integrada dos direitos sociais e dos direitos ecológicos,agrupados sob o rótulo genérico de direitos fundamentais socioambientaisou direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA),assegurando as condições mínimas para a preservação da qualidade de vida,aquém das quais poderá ainda haver vida, mas essa não será digna de servivida. No sentido de ampliar o núcleo de direitos sociais, de modo aatender às novas exigências para uma vida digna, especialmente em razãoda “nova” questão ambiental, Maria Clara Dias assevera que, por direitos

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sociais básicos, devemos compreender tanto os direitos relacionados àeducação, formação profissional, trabalho etc., como os direitos àalimentação, moradia, assistência médica e a tudo aquilo que, no decorrerdo tempo, puder ser reconhecido como parte integrante da nossa concepçãode vida digna, o que é o caso, nos últimos anos, dos direitos que concernemà demanda por um meio ambiente saudável 36.

A compreensão integrada e interdependente dos direitos sociais e daproteção do ambiente, mediante a formatação dos direitos fundamentaissocioambientais, constitui um dos esteios da noção de desenvolvimentosustentável no âmbito do Socioambiental de Direito. Nesse sentido, JoséAfonso da Silva afirma que o desenvolvimento sustentável tem como seurequisito indispensável um crescimento econômico que envolva equitativaredistribuição dos resultados do processo produtivo e a erradicação dapobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida dapopulação. O constitucionalista afirma, ainda, que se o desenvolvimentonão elimina a pobreza absoluta, não propicia um nível de vida que satisfaçaas necessidades essenciais da população em geral, consequentemente, nãopode ser qualificado de sustentável 37. A partir de tal premissa, conforme játratamos anteriormente, deve-se ter em conta a existência tanto de umadimensão social quanto de uma dimensão ecológica inerentes à dignidade(da pessoa) humana, sendo que somente um projeto que contemple ambasas dimensões normativas se revela como constitucionalmente adequado.Embora não se refira à noção de um Estado Socioambiental, vale registrar alição de Hãberle, quando afirma que os objetivos estatais do EstadoAmbiental, assim como do Estado Social, são, em seu conteúdofundamental, consequências do dever jurídico-estatal de respeito e proteçãoda dignidade humana, no sentido de uma “atualização viva do princípio”,em constante adaptação à luz dos novos valores humanos que sãoincorporados ao seu conteúdo normativo, o que acaba por exigir tambémuma medida mínima de proteção ambiental38.

Na configuração do atual Estado de Direito, a questão da segurançaambiental toma um papel central, assumindo o ente estatal a função deresguardar os cidadãos contra novas formas de violação da sua dignidade edos seus direitos fundamentais por força do impacto ambiental(socioambiental) produzido pela sociedade de risco (Ulrich Beck)

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contemporânea. Nessa perspectiva, há quem afirme a incapacidade doEstado (Democrático) de Direito, na sua configuração atual, de enfrentar osriscos ambientais gerados pela sociedade contemporânea, de modo especialpelo fato de que a esfera pública no Estado Democrático, em geral tem sidoincapaz de se articular adequadamente contra a escalada de riscos eincertezas com que é confrontada, ao mesmo tempo em que o projeto doEstado Providência esgotou as suas energias utópicas39. O Estado deDireito, com o propósito de promover a tutela da dignidade humana em facedos novos riscos ambientais e da insegurança gerados pela sociedadetecnológica contemporânea, deve ser capaz de conjugar os valoresfundamentais que emergem das relações sociais e, por meio das suasinstituições democráticas (e adequada regulação jurídica), garantir aoscidadãos a segurança necessária à manutenção e proteção da vida comqualidade ambiental, vislumbrando, inclusive, as consequências futurasresultantes da adoção de determinadas tecnologias. É precisamente nessecontexto que assume importância o reconhecimento dos deveres deproteção do Estado, em especial a partir da assim chamada dimensãoobjetiva dos direitos fundamentais.

Com efeito, a consagração, a partir da assim chamada dimensão objetivados direitos fundamentais, de deveres de proteção (ou, como preferemalguns, de imperativos de tutela) estatais40 ocorreu em primeira linha noâmbito da jurisprudência e doutrina constitucional alemãs do Segundo Pós-Guerra, sendo que tais deveres de proteção (para com a dignidade da pessoahumana, os direitos fundamentais e com as próprias bases naturais da vida eos interesses das futuras gerações, como, aliás, expressamente estabelecidopela Lei Fundamental alemã) implicam, mais especificamente, também odever de tomar medidas no sentido de controlar os riscos e perigosderivados do desenvolvimento tecnológico, em razão do comprometimentodos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao equilíbrio ambiental. Há, nahipótese, um dever estatal de garantia da segurança ou de prevenção deriscos, o que, à evidência, se verifica em todas as dimensões dasocioambientalidade (bastaria aqui apontar para a segurança alimentar, asegurança na produção e comercialização de medicamentos etc.) e daprópria segurança pública e pessoal, a tal ponto de já se falar hoje natransformação do Estado Constitucional em um Estado de Prevenção(Prãventionsstaat) 41.

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O Estado contemporâneo, nesse sentido, deve ajustar-se (e, se necessário,remodelar-se) a cada novo passo histórico no sentido de enfrentar comotarefa estatal as novas ameaças e riscos ecológicos (como é o caso, porexemplo, do aquecimento global) que fragilizam a existência humana, tendoem vista, como refere Hãberle, um “processo dialético posto em marcha”42, que se renova constantemente no horizonte do projeto político-jurídicoda comunidade estatal. É certeira, portanto, a afirmação de Hãberle sobre anecessidade de um desenvolvimento mais reforçado de deveres eobrigações decorrentes da dignidade humana em vista do futuro humano, oque se justifica especialmente nas dimensões comunitária e ecológica dadignidade humana. Como refere o constitucionalista alemão, tal afirmativajá foi contemplada no âmbito constitucional alemão (art. 20a da LeiFundamental de 1949), que, reconhecendo os “limites do crescimento” doEstado Social de Direito, tornou necessária a proteção do ambiente,enquanto um reforço da proteção da dignidade humana43. Essa perspectivatambém está contemplada na ordem constitucional brasileira, conforme dáconta o disposto nos arts. 170 (caput e inciso VI), 186 (inciso II) e 225,todos da CF/88, implicando um modelo jurídico-político-econômico emsintonia com o princípio (e dever) do desenvolvimento sustentável.

O modelo do Estado Socioambiental difere substancialmente do EstadoLiberal, já que, como refere Canotilho, “o ‘Estado do Ambiente’ não é umEstado liberal, no sentido de um Estado de polícia, limitado a assegurar aexistência de uma ordem jurídica de paz e confiando que também o livrejogo entre particulares - isto é, uma ‘mão invisível’ - solucione osproblemas do ambiente”44. Pelo contrário, o Estado Socioambientalcumpre um papel ativo e promocional dos direitos fundamentais,especialmente no que tange à tutela ambiental. Nessa trilha, Orei P.Bretanha Teixeira propõe, à luz do conteúdo normativo expresso na CF/88(art. 225), que o Estado deve levar em conta a crise ambiental e posicionar-se diante da sua tarefa de defesa do ambiente, cumprindo um papelintervencionista, comprometido com a implantação de novas políticaspúblicas para dar conta de tal tarefa45. O Estado Socioambiental apontapara a compatibilidade da atividade econômica com a ideia dedesenvolvimento (e não apenas crescimento) sustentável, de modo que a“mão invisível” do mercado seja substituída necessariamente pela “mãovisível” do Direito, já que, como salienta Antonio López Pina, em prólogo à

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obra de Hãberle, “el mercado no es un fin en si mismo, un espacio libre delDerecho extramuros dei Estado e de la ética. La economia solo tieneservicio al servicio del Hombre, debiendo encontrar en ella su lugar nomenos la ‘visible hand’ del Derecho Constitucional que la ‘invisible hand’del mercado”46.

A edificação do Estado Socioambiental de Direito, é importante consignar,não representa uma espécie de “marco zero” na construção da comunidadepolítico-jurídica estatal, mas apenas mais um passo de uma caminhadacontínua, embora marcada por profundas tensões, conflitos, avanços eretrocessos, iniciada sob a égide do Estado Liberal, muito embora suasorigens sejam, em grande parte, mais remotas. O novo modelo de Estado deDireito objetiva uma salvaguarda cada vez maior da dignidade humana e detodos os direitos fundamentais (de todas as dimensões), em vista de uma(re)construção histórica permanente dos seus conteúdos normativos, já que,como refere Hãberle, ao destacar a importância histórica da RevoluçãoFrancesa, em 1789, existe uma eterna peregrinação, constituída de inúmerasetapas, em direção ao Estado Constitucional47. Nessa mesma linha, JoséManuel Pureza refere que o modelo de Estado de Direito Ambiental revelaa incorporação de uma nova dimensão para completar o elenco dosobjetivos fundamentais do Estado de Direito contemporâneo, qual seja, aproteção do ambiente, que se articula dialeticamente com as outrasdimensões já plenamente consagradas ao longo do percurso histórico doEstado de Direito, designadamente a proteção dos direitos fundamentais, arealização de uma democracia política participativa, a disciplina e regulaçãoda atividade econômica pelo poder político democrático e a realização deobjetivos de justiça social48.

O Estado de Direito contemporâneo apresenta, de acordo com a lição deCanotilho, as seguintes dimensões fundamentais, integradas entre si:juridicidade, democracia, sociabilidade e sustentabilidade ambiental, 49 demodo que a qualificação de um Estado como Estado Ambiental traduz-seem - pelo menos - duas dimensões jurídico-políticas relevantes: a) aobrigação do Estado, em cooperação com outros Estados e cidadãos ougrupos da sociedade civil, de promover políticas públicas (econômicas,educativas, de ordenamento) pautadas pelas exigências da sustentabilidadeecológica; e b) o dever de adoção de comportamentos públicos e privados

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amigos do ambiente, dando expressão concreta à assunção daresponsabilidade dos poderes públicos perante as gerações futuras 50, massem descurar da necessária partilha de responsabilidades entre o Estado 51,e os atores privados na consecução do objetivo constitucional de tutela doambiente, consoante, aliás, anunciado expressamente no art. 225, caput, danossa Lei Fundamental. Considerando a perspectiva aqui trilhada, seriapossível, contudo, agregar um terceiro eixo às duas dimensões propostaspor Canotilho, notadamente o dever do Estado - em relação de (difícil)equilíbrio com os demais vetores acima enunciados - de promover políticassociais que assegurem, igualmente de modo sustentável (mas progressivo),a toda a população as condições para uma vida condigna, na perspectiva dagarantia de um mínimo existencial não apenas fisiológico (vital), massociocultural e ambiental.

Esse entendimento guarda “sintonia fina” com a tese - ora assumida comocorreta - da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos efundamentais. As dimensões dos direitos humanos e fundamentais,conforme sustentamos em diversas passagens ao longo do texto,materializam as diferentes refrações do princípio da dignidade da pessoahumana, pilar central da arquitetura constitucional contemporânea,portanto, do Estado Socioambiental52, reclamando uma compreensãointegrada, desde logo incompatível com um sistema de preferências no quediz com a prevalência, em tese, de determinados direitos em relação aoutros. Afinal de contas, a razão suprema da existência do Estado residejustamente no respeito, proteção e promoção da dignidade dos seuscidadãos, individual ou coletivamente considerados, devendo, portanto, talobjetivo ser continuamente concretizado e perseguido pelo Poder Público epela própria sociedade. Os deveres de proteção do Estado veiculam, antesde qualquer coisa, o compromisso de tutelar para garantir nada menos doque uma vida digna aos indivíduos e grupos sociais, o que passa pela tarefade promover a realização dos direitos fundamentais de todas as dimensões,afastando possíveis óbices à sua efetivação e impondo medidas de cunhoprotetor e promocional.

Nessa perspectiva, o princípio do Estado Socioambiental (e Democrático)de Direito assume a condição de princípio constitucional geral eestruturante, assegurando uma integração e articulação, sem que se possa

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falar em hierarquia, entre pilares da Democracia, do Estado de Direito, doEstado Social (ou da socialidade) e da proteção do ambiente. Em outraspalavras, a proteção e promoção do ambiente como tarefa essencial doEstado e da sociedade deve se dar de modo a preservar e mesmo reforçar (apartir da noção de democracia participativa, como se verá mais adiante) oprincípio democrático. Além disso, a proteção ambiental não poderá ocorreràs custas da realização dos direitos sociais, econômicos e culturais53, pelomenos quanto à salvaguarda de um mínimo existencial, tampouco, violar asexigências básicas do Estado de Direito, como, por exemplo, da legalidade(no sentido de uma legalidade constitucional), da proporcionalidade, dasegurança jurídica, entre outros. O princípio do Estado Socioambiental, poroutro lado, se decodifica em outros princípios de ordem geral e especial,como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana e da vida emgeral, a exigência da salvaguarda de um mínimo existencial socioambiental(portanto, incluindo um mínimo existencial ecológico), dos princípios dasolidariedade e da subsidiariedade, do desenvolvimento sustentável, entreoutros que serão a seguir analisados.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio AmbienteHumano (1972)

- Princípios 1,2 e 11 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Declaração Mundial sobre o Estado de Direito Ambiental (WorldDeclaration on the Environmental Rule of Law) da IUCN (2016)

- Arts. 1A caput, 23, VI e VI I, 24, VI, VII e VI11,170, VI, e 225,caput e § 1A da CF/88

- Arts. 1A 2A 4A I, e 6nda Lei da Política Nacional do Meio Ambiente(Lei n. 6.938/81)

- Arts. 1A 3A caput, I e II, da Lei Complementar 140/2011(Competência Administrativa em Matéria Ambiental)

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Jurisprudência:

STF

- MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30-10-1995

- ADI 3.540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

STJ

- REsp 1.120.117/AC, 2H Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 10-11-2009

- CC 144.922/MG, 1À Seção, Rel. Min. Diva Malerbi(Desembargadora convocada doTRF da 3^ Região), j. 22-6-2016

2 PRINCÍPIO DOFEDERALISMO COOPERATIVOECOLÓGICO2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OPRINCÍPIO DO FEDERALISMO"COOPERATIVO" ECOLÓGICO

O programa político-normativo instituído pela CF/88 estabelece avinculação do Estado - Estado-Legislador, Estado-Administrador e Estado-Juiz - ao estrito cumprimento dos ditames constitucionais, no âmbito dasatribuições e competências delineadas para cada esfera federativa estatal. Avinculação constitucional do Estado aos direitos fundamentais impõe aosentes estatais tanto limites quanto tarefas, o que dá conformação aosdeveres constitucionais de proteção, tanto de ordem normativa quantofática, derivados da dimensão objetiva dos direitos fundamentais 54. Pelo

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prisma ecológico, tal cenário constitucional é verificado no art. 225, onde seconstata, além de uma norma geral que atribui deveres de proteçãoambiental ao Estado (caput), também um extenso rol exemplificative deatribuições a cargo dos entes públicos (§ l2). Em outras palavras, a CF/88estabeleceu um mapa institucional, recortando atribuições e competênciaspara os diversos entes estatais com o propósito de assegurar efetividade àproteção ecológica. As competências constitucionais (legislativa eexecutiva) em matéria ambiental - previstas, respectivamente, nos arts. 24 e23 da CF/88 - inserem-se em tal cenário, demarcando, sobretudo, os papéisinstitucionais que cabem ao Estado-Legislador, para a hipótese dacompetência legislativa, e ao Estado-Administrador, no tocante àscompetências executivas (ou materiais) 55, sem olvidar, por óbvio, o papelreservado também ao Estado-Juiz no controle das omissões e ações(excessivas ou insuficientes) dos demais órgãos estatais.

A questão federativa, por sua vez, está na essência da discussão a respeitodas competências constitucionais, tomando por base a estruturaorganizacional do Estado brasileiro (à luz da sua feição socioambiental) e opapel dos diferentes entes federativos que o integram: União, Estados,Distrito Federal e Municípios. De acordo com Gilmar Ferreira Mendes ePaulo G. Gonet Branco, “a Constituição Federal atua como fundamento devalidade das ordens jurídicas parciais e central. Ela confere unidade àordem jurídica do Estado Federal, com o propósito de traçar umcompromisso entre as aspirações de cada região e os interesses comuns àsesferas locais em conjunto. A Federação gira em torno da ConstituiçãoFederal, que é seu fundamento jurídico e instrumento regulador” 56. Não hácomo estabelecer uma adequada compreensão das competênciasconstitucionais (legislativas e executivas) sem conhecer os contornosnormativos do sistema federativo delineado na Constituição.

Nessa perspectiva, por mais que se possa afirmar que a história político-institucional (e também constitucional) brasileira tenha trilhado no passadoum modelo federativo centralizado, em grande medida, no ente federal, e,portanto, não “cooperativo”, essa perspectiva não nos parece mais coadunarcom o novo sistema constitucional consagrado a partir de 1988, o qualassegura um modelo de Estado Democrático de Direito (caput do art. I2),com entes federativos dotados de autonomia (arts. I2 e 18, caput, da CF/88).

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O novo espírito constitucional instaurado a partir de 1988, de modo asuperar um período histórico antecedente de centralismo e autoritarismoestatal, caminha no sentido da descentralização e afirmação de um modelodemocrático-participativo57, pautado, sobretudo, pela tutela e promoçãodos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana 58. Nessesentido, nos parece correto afirmar que o marco federativo estabelecido pelaCF/88 demarca os alicerces normativos de um modelo de federalismocooperativo 59.

Diante da arquitetura federativa posta na CF/88, o sistema constitucional dedistribuição das competências 60 está alicerçado a partir de uma lógica de“verticalização”, o que é facilmente apreensível, tanto diante doestabelecimento de competências legislativas concorrentes (art. 24) quantode competências materiais comuns (art. 23), para todos os entes federativos.Ou seja, todos os entes federativos são “chamados” pela CF/88 a atuaremlegislativa e administrativamente nas matérias basilares da nossa estruturapolítico-normativa, entre elas a proteção do ambiente. O art. 23, parágrafoúnico, da CF/88, também reforça tal perspectiva “cooperativa” aoestabelecer que “leis complementares fixarão normas para a cooperaçãoentre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo emvista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.O mesmo se pode dizer no tocante à elevação do Município ao status deente federativo (arts. I2 e 18 da CF/88), ao contrário do que ocorreu nasConstituições brasileiras antecedentes, ainda que por si só não seja talcondição que justifica a qualificação de um federalismo cooperativo. À luzde tal somatório de fatores, é possível afirmar, de acordo com expressãoutilizada pelo Ex-Ministro do STF Carlos Ayres Britto, que a CF/88 criouum verdadeiro “condomínio legislativo federado” 61.

A incidência do princípio da predominância do interesse no nosso sistemaconstitucional também reforça tal entendimento, já que, com base nadoutrina de José Afonso da Silva, “o princípio geral que norteia a repartiçãode competência entre as entidades componentes do Estado federal é o dapredominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelasmatérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo queas Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesseregional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local” 62.

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Há, portanto, forte suporte normativo-constitucional para sustentar que aCF/88 consagrou (no plano textual) um sistema federativo do tipocooperativo, ainda que se deva alertar para o fato de que estamos, todavia,distantes de uma realização plena de tal modelo em todas as suas dimensõese em todas as áreas de atuação do Estado.

O exercício das competências constitucionais (legislativas e executivas) emmatéria ambiental, respeitados os espaços político-jurídicos de cada entefederativo, deve rumar para a realização do objetivo constitucional expressono art. 225 da CF/88, inclusive sob a caracterização de um dever decooperação entre os entes federativos no cumprimento dos seus deveres deproteção ambiental. Isso implica a adequação das competênciasconstitucionais ambientais ao princípio da subsidiariedade, conformetrataremos de forma detalhada à frente, enquanto princípio constitucionalimplícito no nosso sistema constitucional, o qual conduz à descentralizaçãodo sistema de competências e ao fortalecimento da autonomia dos entesfederativos inferiores (ou periféricos) naquilo em que representar ofortalecimento dos instrumentos de proteção ambiental e dos mecanismosde participação política, ensejando a caracterização do princípio dofederalismo cooperativo ecológico.

O fundamento normativo de sustentação do princípio do federalismocooperativo ecológico por nós defendido pode ser apreendido a partir daintegração dos seguintes dispositivos da CF/88: “Art. 18. A organizaçãopolítico-administrativa da República Federativa do Brasil compreende aUnião, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,nos termos desta Constituição. (...) Art. 23. É competência comum daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) VI -protegero meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII -preservar as florestas, a fauna e a flora. (...) Art. 24. Compete à União, aosEstados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI -florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dosrecursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. (...)Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lopara as presentes e futuras gerações” (grifos nossos).

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Não por outra razão, a Lei Complementar 140/2011, ao regulamentar noplano infraconstitucional a competência executiva (ou material) em matériaambiental estabelecida no art. 24, incisos VI, VII e VIII, da CF/88,consagra, no seu art. 32, como objetivos fundamentais da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios: “proteger, defender econservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestãodescentralizada, democrática e eficiente” (inciso I), “garantir o equilíbriodo desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente,observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e aredução das desigualdades sociais e regionais (inciso II), “harmonizar aspolíticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuaçãoentre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições egarantir uma atuação administrativa eficiente (inciso III), “garantir auniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas aspeculiaridades regionais e locais” (inciso IV) (grifos nossos). A LC n.140/2011 foi bastante incisiva no sentido de propor um modelo defederalismo cooperativo ecológico, notadamente pelo prisma da atuaçãoadministrativa dos entes federativos. Além de estabelecer capítulosespecíficos sobre os instrumentos de cooperação (arts. 42 e 52) e sobre asações de cooperação (arts. 62 e ss.), o art. I2 da LC n. 140/2011 estabeleceque a legislação tem por escopo: “a cooperação entre a União, os Estados,o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes doexercício da competência comum relativas à proteção das paisagensnaturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição emqualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”(grifos nossos).

Precisamente nessa linha de entendimento, é fundamental uma atuaçãoarticulada entre os Poderes Legislativo e Executivo no tocante à elaboraçãode políticas públicas em matéria ambiental e execução das mesmas, o que,se tomarmos como parâmetro o Sistema Nacional de Meio Ambiente(SISNAMA) delineado no art. 62 da Lei n. 6.938/81 (Lei da PolíticaNacional do Meio Ambiente), compreende a cooperação de todas as esferasfederativas com o objetivo (e dever) comum de tutelar e promover aqualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental. Há, portanto, tanto noplano constitucional quanto infraconstitucional, a edificação normativa de

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um modelo federativo cooperativo para o tratamento das competências(legislativas e executivas) em matéria ambiental 63.

Insere-se também nesse cenário a discussão a respeito da limitação dadiscricionariedade do Estado (Legislador, Administrador e Juiz), tanto sob aótica do exercício da competência legislativa quanto da competênciaexecutiva em matéria ambiental, tendo em vista o comando normativo quese extrai do regime jurídico do direito-dever fundamental ao ambienteconsagrado na CF/88 (art. 225 e art. 52, § 22) e que caracteriza os deveres deproteção ambiental atribuídos ao Estado. A partir de tal premissa, oexercício das competências constitucionais em matéria ambiental, seja porparte do Estado-Legislador, seja em relação ao Estado-Administrador, devedar-se com estrita observância ao marco constitucional-ambientalestabelecido pela Lei Fundamental de 1988. Evidencia-se, de tal sorte, umpacto federativo ecológico com nítido propósito de, para além daconsagração normativa de direitos e deveres ecológicos, conferir-lhes anecessária efetividade, o que está subjacente e deve ser sempre perseguidano exercício levado a efeito pelos entes federativos das competências(legislativa e executiva) em matéria ambiental na conformação do Estado(Socio)Ambiental de Direito 64.

2.2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADECOMO EXPRESSÃO DO FEDERALISMOCOOPERATIVO ECOLÓGICO

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar aparticipação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados (...). OsEstados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular(...) (Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento de 1992).

A expressão “pensar global e agir localmente” é uma das “bandeiras” domovimento ambientalista. A ideia por trás de tal “máxima ecológica”coincide, em certa medida, com o conteúdo que informa o princípio dasubsidiariedade, afirmando a autonomia individual e coletiva em face depráticas arbitrárias provenientes do Estado, mas também de poderes

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privados, muitas vezes sem a devida intervenção protetiva pelo Estado. Anoção de subsidiariedade, por sua vez, também guarda relação com a matrizdemocrático-participativa que inspira a atuação dos movimentosecológicos, conforme, por exemplo, decorre do Princípio 10 da Declaraçãodo Rio de 1992, de modo a apontar para a formação de uma verdadeiracidadania ecológica, tudo com o escopo de potencializar a dimensãodemocrática do Estado Socioambiental de Direito. Mas em primeira linha,na perspectiva da estrutura estatal e do exercício da governança econsecução das políticas públicas destinadas a dar efetividade aos direitosfundamentais de todas as dimensões, a subsidiariedade está vinculada ànoção de descentralização do poder político e sugere a criação demecanismos capazes de aproximar os cidadãos das instâncias políticas,ainda que não apenas na esfera ambiental.

Não por outra razão, o professor espanhol Ramón Martin Mateo elenca oprincípio da subsidiariedade como um dos “megaprincípios” do DireitoAmbiental65. Ao analisar o princípio no contexto europeu, o autor refereque o V Programa da Comunidade Européia sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento adotou o princípio da subsidiariedade ao estabelecer quea Comunidade Européia somente interviesse na medida em que os objetivosde determinada ação pretendida não pudessem ser alcançados de maneirasuficiente pelos Estados-membros, bem como que as decisões devem sertomadas da forma mais próxima possível dos cidadãos 66.

O princípio da subsidiariedade cumpre um papel importante não apenas,mas especialmente no âmbito do Estado Federal, tal como ocorre no casobrasileiro. Com efeito, a devida aplicação do princípio da subsidiariedadefortalece a autonomia dos entes políticos regionais e locais,descentralizando a atuação política e o poder estatal. Ao analisar o princípioda subsidiariedade, Augusto Zimmermann assevera que “apenas quando aonível inferior não seja possível a realização de determinada ação, de igualou melhor forma, é que o nível superior deve receber competência paraagir” 67. De tal sorte, o princípio opera justamente no sentido de que o entepolítico centralizador (por exemplo, a União) só deve agir quando os entesmenores ou inferiores (por exemplo, Estados e Municípios) não tiveremcondições estruturais (normativas e fáticas) para resolver determinadoproblema ambiental, dando forma a um sistema político mais democrático,

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uma vez que as decisões estariam sendo tomadas por instâncias políticasmais próximas dos cidadãos e, consequentemente, de forma mais direta eparticipativa.

À luz do cenário constitucional brasileiro, Roberta C. Baggio assinala que asubsidiariedade teria sido recepcionada como um princípio implícito eincorporado ao texto constitucional quando este institui competênciascomuns entre os entes da federação (inclusive municípios), masprincipalmente quando atribui competências vinculadas à realização deinteresses locais 68. Isso é facilmente percebido a partir da autonomiaassegurada a todos os entes federativos por força do art. 18 da CF/88.Portanto, não apenas o ente federal (União) detém autonomia, mas tambémos entes regionais (Estado) e locais (Município). Assim, nos pareceparticularmente relevante, para a análise do princípio da subsidiariedade, aconsagração da autonomia e inclusão do Município no pacto federativoestabelecido pela CF/88. A iniciativa constitucional de fortalecer a esferapolítica local atende justamente ao comando normativo do princípio dasubsidiariedade. Tanto a previsão do inciso I do art. 30 da CF/88, queassegura ao Município competência para legislar sobre assuntos de“interesse local”, quanto a previsão do inciso II do art. 30, ao assinalar acompetência legislativa do Município para “suplementar a legislaçãofederal e a estadual no que couber”, reforçam essa perspectiva e dão suportenormativo suficiente, juntamente com o marco democrático participativoconsagrado pela CF/88, para admitir a consagração, de forma implícita, doprincípio da subsidiariedade no nosso sistema constitucional edificado em1988, especialmente a partir da abertura material do mesmo estabelecido noart. 52, § 22, da CF/88.

O princípio da subsidiariedade, por sua vez, não está limitado apenas àcompreensão das competências do Estado (legislativa e executiva) emmatéria socioambiental, como aqui é o caso de privilegiar, conformetratamos no tópico precedente sobre o princípio do federalismo cooperativoecológico. O princípio da subsidiariedade, retomando inclusive sua gênesena doutrina social da igreja para afirmar a autonomia do indivíduo diante daarbitrariedade estatal, também reforça a autonomia e participação dasociedade, em termos individuais e coletivos (por exemplo, das entidadesambientalistas e dos movimentos populares de base), no tocante a tomada

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de decisão e participação em questões atinentes à matéria ambiental. A suaaplicação, no entanto, não deve servir para, sob o pretexto de uma“ideologia ecológica”, fechar os olhos para as realidades político-institucionais concretas. Por exemplo, pretender a não intervenção dainstância política superior (federal ou regional, a depender do caso) e apreservação da esfera política inferior (regional ou local) para a hipótese delicenciamento ambiental pode representar absoluto “desserviço” para aproteção ecológica se a esfera regional ou local não dispor de estruturaorganizacional e procedimental para dar conta de tal medida de formaadequada e suficiente. Nessa perspectiva, o manuseio do princípio dasubsidiariedade, na perspectiva ecológica, deve obedecer, cumpre frisar, àpremissa de uma maior proteção ambiental, carecendo de uma compreensãoafinada com os demais princípios do Direito Ambiental.

Portanto, nos parece bastante evidente a incorporação do princípio dasubsidiariedade no ordenamento jurídico nacional como princípio doDireito Ambiental especialmente em reforço ao próprio princípio dofederalismo cooperativo ecológico e do marco constitucional do EstadoSocioambiental de Direito. Para fechar o tópico, servimo-nos da lição deRamón Martin Mateo, para quem “la participación, en cuantoperfeccionamiento de la democracia, requiere de la inmediación de losciudadanos con los centros de decision política, y por ello se beneficia, enlo que a tutela ambiental se refiere, de la postura comunitária, firmementeasumida, sobre la subsidiariedad, principio ya aludido que expresamente elActa Única incorpora a las actuaciones, que solo se acometerán en lamedida en que sus objetivos pudieren conseguir mejor en este plano que enel de los Estados miembros aisladamente considerados” 69. Além de traçaruma diretriz no sentido da descentralização política do Estado em matériaambiental, o princípio da subsidiariedade também expressa o fortalecimentoda sociedade, em termos individuais e coletivos, na tomada de decisõespolíticas e administrativas que reflitam na seara ecológica.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípios 5,7 e 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

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- Arts. 18, 23, caput, VI e VII, 24, caput, VI, VII e VIII, 30,1, e 225, §1* da CF/88

- Art. (P da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

- Arts. IA 3A caput, I, II, III e IV, 4fle 6^da Lei Complementar140/2011 (Competência Administrativa em Matéria Ambiental)

Jurisprudência: STF

- RE 586.224/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 9-3-2015

- RE 729.731 /SR decisão monocrática, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 29-12-2015

STJ

- AR 756/PR, Ia Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki.j. 27-2-2008

- AgRg no REsp 1.417.023/PR, 2-a Turma, Rel. Min. HumbertoMartins, j. 18-8-2015

3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADEDA PESSOA HUMANA E SUADIMENSÃO ECOLÓGICAO homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrutede condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal quelhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a soleneobrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as geraçõespresentes e futuras (Princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre MeioAmbiente Humano de 1972).

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A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visandoassegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aosinteresses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana(art. 2-, caput, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei n.6.938/81).

3.1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCADO CONCEITO E CONTEÚDONORMATIVO DO PRINCÍPIO (E VALOR)CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DAPESSOA HUMANA

A matriz filosófica moderna da concepção de dignidade humana tem sidoreconduzida essencialmente, e na maior parte das vezes, ao pensamento dofilósofo alemão Immanuel Kant. Até hoje, a fórmula elaborada por Kantinforma a maioria das conceituações jurídico-constitucionais da dignidadeda pessoa humana70. A formulação kantiana coloca a ideia de que o serhumano não pode ser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para asatisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado comofim em si mesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação71, seja em face doEstado seja em face de particulares. Isso se deve, em grande medida, aoreconhecimento de um valor intrínseco a cada existência humana, já que afórmula de se tomar sempre o ser humano como um fim em si mesmo estádiretamente vinculada às idéias de autonomia, de liberdade, deracionalidade e de autodeterminação inerentes à condição humana. Aproteção - ética e jurídica - do ser humano contra qualquer reificação da suaexistência e o respeito à sua condição de sujeito nas relações sociais eintersubjetivas são seguramente manifestações da concepção kantiana dedignidade da pessoa humana, embora, por certo, encontradas já empensadores anteriores.

Sem que se vá - ainda - questionar alguns aspectos da concepção kantiana, evoltando-nos ao direito constitucional positivo, há como partir da premissade que a CF/88, no seu art. I2, inciso III, consagra expressamente a

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dignidade da pessoa humana como princípio fundamental edificante doEstado de Direito brasileiro, e, portanto, como ponto de partida e fonte delegitimação de toda a ordem estatal, com destaque aqui para o sistemajurídico pátrio. A dignidade da pessoa humana, como, aliás, já tem sidolargamente difundido, assume a condição de matriz axiológica doordenamento jurídico, visto que é a partir desse valor e princípio que osdemais princípios (assim como as regras) se projetam e recebem impulsosque dialogam com os seus respectivos conteúdos normativo-axiológicos, oque não implica aceitação da tese de que a dignidade é o único valor acumprir tal função nem a adesão ao pensamento de que todos os direitosfundamentais (especialmente se assim considerados os que foram como taisconsagrados pela Constituição) encontram seu fundamento direto eexclusivo na dignidade da pessoa humana72.

A dignidade humana, para além de ser também um valor constitucional,configura-se como -juntamente com o respeito e a proteção da vida - oprincípio de maior hierarquia da CF/88 e de todas as demais ordensjurídicas que a reconheceram73. A dignidade da pessoa humana apresenta-se, além disso, como a pedra basilar da edificação constitucional do Estado(Social, Democrático e Ambiental) de Direito brasileiro, na medida em que,aderindo a uma trajetória consolidada especialmente a partir do II Pós-Guerra e inspirada fortemente na visão humanista de Kant e tantos outros, oconstituinte reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoahumana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidadeprecípua, e não meio da atividade estatal74, o que, diga-se de passagem,demarca a equiparação de forças na relação Estado-cidadão, em vista daproteção e afirmação existencial desse último, especialmente no que tange àtutela e promoção dos seus direitos fundamentais.

No âmbito de um Estado Socioambiental75 de Direito, tal comoentendemos no consagrado programa político-jurídico estabelecido naCF/88, pelo menos como se sugere no presente estudo, a dignidade dapessoa humana é tomada como o principal, mas não o exclusivo,fundamento (e tarefa) da comunidade estatalTS, projetando a sua luz (eforça normativa) sobre todo o ordenamento jurídico-normativo e assimvinculando de forma direta todos os entes públicos e privados. Para além deuma força normativa autônoma como princípio jurídico, a dignidade da

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pessoa humana se projeta especialmente em conjunto com toda uma gamade direitos tanto de natureza defensiva (negativa) como prestacional(positiva), implicando também todo um conjunto de deveres de proteção doEstado - e também deveres fundamentais atribuídos aos particulares -, que,embora não sejam necessariamente todos deduzidos diretamente dadignidade da pessoa humana, geralmente também atuam comoconcretizações em maior ou menor medida desta e que também por essarazão podem ser igualmente (como o princípio da dignidadeindividualmente considerado) opostos tanto em face do Estado quanto departiculares 77.

Com isso, desde logo se coloca a necessidade de reconhecimento daeficácia dos direitos fundamentais (e principalmente da dignidade humana)também nas relações entre particulares, assim como o reconhecimento dadimensão normativa (vinculante) do princípio (e dever) constitucional dasolidariedade e dos deveres jurídico-constitucionais (para além dadimensão ética e moral) que lhe são inerentes. A partir do princípioconstitucional da dignidade humana, embora no mais das vezes emarticulação com outros valores e bens jurídico-constitucionais, projeta-setodo um leque de posições jurídicas subjetivas e objetivas, com a funçãoprecípua de tutelar a condição existencial humana contra quaisquerviolações do seu âmbito de proteção, assegurando o livre e plenodesenvolvimento, em termos individuais, sociais e ecológicos, da vida (e dapersonalidade) de cada ser humano. Todavia, muito embora o EstadoSocioambiental consagrado pela CF/88 tenha na dignidade da pessoahumana o seu principal fundamento e razão de ser, a dignidade da pessoahumana (ou simplesmente a dignidade humana), assume relevo a dimensãoecológica (ou ambiental) dessa mesma dignidade humana, o que, aliás, édeterminante para a compreensão da própria noção de EstadoSocioambiental. É precisamente este o aspecto a ser desenvolvido nasequência.

3.2. A DIMENSÃO ECOLÓGICA DOPRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOAHUMANA

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O princípio da dignidade da pessoa humana comporta uma dimensão social(ou comunitária), já que, apesar de encarregar-se sempre em primeira linhada dignidade da pessoa concreta, individualmente considerada, a suacompreensão constitucionalmente adequada - ainda mais sob a formataçãode um Estado Social - implica necessariamente também um permanenteolhar para o outro, visto que indivíduo e a comunidade são elementosintegrantes de uma mesma realidade político-social. Em outras palavras, adignidade do indivíduo nunca é a do indivíduo isolado ou socialmenteirresponsável, exigindo também igual dignidade de todos os integrantes dogrupo social78. Como acentua Cármen Lúcia Antunes Rocha, à luz de umaperspectiva fundada no princípio constitucional da solidariedade, “adignidade humana - mais que aquela garantida à pessoa - é a que se exercecom o outro” 79, com o que apenas se enfatiza a perspectiva relacionai dapessoa humana em face do corpo social que integra, bem como ocompromisso jurídico (e não apenas moral) do Estado e dos particulares nacomposição de um quadro social de dignidade para (e com) todos.

Com efeito, já alinhando a reflexão com o propósito deste estudo, não nosparece possível excluir de uma compreensão necessariamentemultidimensional e não reducionista da dignidade da pessoa humana, aquiloque se poderá designar de uma dimensão ecológica (ou, quem sabe,formulado de um modo integrativo, socioambiental) da dignidade humana,que, por sua vez, também não poderá ser restringida a uma dimensãopuramente biológica ou física, pois contempla a qualidade de vida como umtodo, inclusive do ambiente em que a vida humana (mas também a nãohumana) se desenvolve. É importante, aliás, conferir um destaque especialpara as interações entre a dimensão natural ou biológica da dignidadehumana e a sua dimensão ecológica, sendo que esta última objetiva ampliaro conteúdo da dignidade da pessoa humana no sentido de assegurar umpadrão de qualidade, equilíbrio e segurança ambiental (e não apenas nosentido da garantia da existência ou sobrevivência biológica), mesmo que,nas questões ecológicas, muitas vezes esteja em causa a própria existência(e, portanto, sobrevivência) natural da espécie humana, para além mesmoda garantia de um nível de vida com qualidade ambiental.

Atualmente, pelas razões já referidas, pode-se dizer que os valoresecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo normativo do princípio

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da dignidade da pessoa humana. No contexto constitucionalcontemporâneo, consolida-se a formatação de uma dimensão ecológica dadignidade humana, que abrange a ideia em torno de um bem-estarambiental (assim como de um bem-estar individual e social) indispensávela uma vida digna, saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se concebera indispensabilidade de um patamar mínimo de qualidade (e segurança)ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos. Aquémde tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendovioladas no seu núcleo essencial. A qualidade, o equilíbrio e a segurançaambiental, com base em tais considerações, passariam a figurar comoelemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade dapessoa humana, sendo, portanto, fundamental para o desenvolvimento detodo o potencial humano num quadrante de completo bem-estar existencial,até mesmo no sentido do reconhecimento de um direito-garantia ao mínimoexistencial ecológicoSO.

O conteúdo conceituai e normativo do princípio da dignidade da pessoahumana está intrinsecamente relacionado à qualidade do ambiente (onde oser humano vive, mora, trabalha, estuda, pratica lazer, bem como o que elecome, veste etc.). A vida e a saúde humanas (ou como se refere o caput doart. 225 da CF/88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) sósão possíveis, dentro dos padrões mínimos exigidos constitucionalmentepara o desenvolvimento pleno da existência humana, num ambiente naturalonde haja qualidade ambiental da água que se bebe, dos alimentos que secomem, do solo onde se planta, do ar que se respira, da paisagem que se vê,do patrimônio histórico e cultural que se contempla, do som que se escuta,entre outras manifestações da dimensão ambiental.

Como se percebe, o ambiente está presente nas questões mais vitais eelementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência doser humano como espécie animal natural81. Sobre o tema, conforme jásinalizamos anteriormente, a Organização Mundial da Saúde (OMS)estabelece como parâmetro para determinar uma vida saudável “umcompleto bem-estar físico, mental e social”, o que coloca indiretamente aqualidade ambiental como elemento fundamental para o “completo bem-estar” caracterizador de uma vida saudável. Seguindo tal orientação, a Lein. 8.080/90 incorpora tal conceito no ordenamento jurídico brasileiro (art.

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32, parágrafo único), bem como registra o meio ambiente como fatordeterminante e condicionante à saúde (art. 32, caput).

As dimensões (ou, como preferem alguns, as gerações) de direitosfundamentais - e o mesmo se aplica aos direitos humanos na perspectivainternacional -, na sua essência, materializam os diferentes conteúdosnormativos que conformam o princípio da dignidade da pessoa humana,pilar central da arquitetura constitucional contemporânea, reclamando umacompreensão integrada, desde logo incompatível com um sistema depreferências no que diz com a prevalência, em tese, de determinadosdireitos em relação a outros. Tal entendimento, no sentido daindivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e fundamentais82, muito embora já destacado originariamente na l2 Conferência Mundialde Direitos Humanos - realizada em Teerã, no ano de 1968 -, resultouconsagrado de forma definitiva na Declaração sobre o Direito aoDesenvolvimento (1986), ao estabelecer que “todos os direitos humanos eliberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes; atenção iguale consideração urgente devem ser dadas à implementação, promoção eproteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais” (art.6.2). No mesmo sentido, a Declaração e Programa de Ação de Viena(1993), promulgada na 2- Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,destacou que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis,interdependentes e inter-relacionados” (art. 52). Tais diplomasinternacionais reconhecem, em outras palavras, que as diferentes dimensõesde direitos humanos (e o mesmo raciocínio se aplica aos direitosfundamentais) conformam um sistema integrado de tutela da pessoa, tantopelo prisma individual quanto coletivo, sob pena de, ao admitirmos afragmentariedade dos mesmos, aceitarmos um status jurídico deindignidade para determinados indivíduos e grupos sociais.

A partir de tais considerações, deve-se considerar também que a tese daindivisibilidade, unidade e interdependência dos direitos fundamentais,refuta, de certa maneira, o conceito de “gerações” de direitos fundamentais,no sentido de que todos os direitos fundamentais, de diferentes dimensões,complementam-se na busca de uma tutela integral e efetiva da dignidade dapessoa humana, não havendo, portanto, como defendem alguns, primazia ousuperioridade hierárquica entre tais direitos como decorrência de integrarem

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uma geração precedente. Nesse sentido, Antônio A. Cançado Trindade, aoformular sua crítica à concepção de “gerações de direitos humanos”, com oque estamos de pleno acordo, destaca a “natureza complementar” de todosos direitos humanos. O eminente internacionalista pontua que, subjacente àperspectiva “fantasiosa” das gerações, está uma visão fragmentária dosdireitos humanos, a qual tem operado a postergação da realização de algunsdos direitos humanos, como ocorre com os direitos econômicos, sociais eculturais83. Contra a visão fragmentária e geracional, a tese da unidade eindivisibilidade dos direitos fundamentais é o melhor antídoto, rompendocom qualquer hierarquização ou priorização da realização de direitosfundamentais em razão da sua precedência geracional, no sentido de afirmarque todos os direitos fundamentais, inclusive o direito a viver em umambiente sadio e equilibrado, expressam conteúdos fundamentais naconformação de uma proteção jurídica integral - e, portanto,constitucionalmente adequada - da dignidade da pessoa humana 84.

Há, portanto, com base nas idéias lançadas até aqui, uma lógica evolutiva ecumulativa no que diz com as dimensões da dignidade da pessoa humanaque também podem ser compreendidas a partir da perspectiva histórica daevolução e consagração político-jurídica dos direitos fundamentais - e sob aótica internacional, também dos direitos humanos -, já que os mesmos, emlarga medida, simbolizam a própria materialização da proteção e promoçãoda dignidade humana em cada etapa histórica. Assim como outrora osdireitos liberais e os direitos sociais foram incorporados ao “patrimônionormativo” conformador do conteúdo do princípio da dignidade da pessoahumana, hoje também os direitos de solidariedade, como é o casoespecialmente do direito a viver em um ambiente sadio, equilibrado eseguro, passam a integrar o seu conteúdo, ampliando o seu âmbito deproteção. Daí falar-se, conforme já anunciado anteriormente, em uma novadimensão ecológica para a dignidade humana, em vista especialmente dosnovos desafios de matriz ambiental que expõem existencialmente o serhumano ao cenário contemporâneo de riscos ecológicos, visando inclusive aproteção das futuras gerações85.

Esse novo cenário e rearranjo normativo delineado para o princípio dadignidade da pessoa humana é perceptível na legislação ambientalbrasileira. O melhor exemplo disso é a previsão normativa do caput do art.

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2a da Lei n. 6.938/81, o qual estabelece que “a Política Nacional do MeioAmbiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação daqualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condiçõesao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional eà proteção da dignidade da vida humana”. O dispositivo em questãoantecipou, por certo, a própria consagração constitucional da proteçãoambiental, reconhecendo, de forma expressa, a importância da qualidadeambiental para a tutela e promoção da dignidade da pessoa humana 86.Além disso, também no âmbito da Lei da Política Nacional do MeioAmbiente, o conceito de ambiente adotado no seu art. 3a, I, evidencia aessencialidade do equilíbrio ecológico para o desenvolvimento pleno davida humana, dispondo ser o mesmo o “conjunto de condições, leis,influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

O diploma ambiental brasileiro é seguramente um dos mais destacados nonosso cenário jurídico ocidental, em que pese o mesmo destaque não se darno plano da efetividade das normas nele consubstanciadas. Semdesenvolver propriamente o conteúdo da legislação referida, apenas se queraqui registrar a percepção do legislador brasileiro para a relevância daproteção ambiental como mecanismo de tutela integral da dignidade dapessoa humana. Por esse prisma, destaca-se também dispositivo da Lei deBases do Ambiente portuguesa (Lei n. 11/87), ao assinalar, no seu art. 402,1, que “é dever dos cidadãos, em geral, e dos sectores público, privado ecooperativo, em particular, colaborar na criação de um ambiente sadio eecologicamente equilibrado e na melhoria progressiva e acelerada daqualidade de vida”. Ao dispor sobre a “melhoria progressiva” da qualidadede vida, o dispositivo em questão também conduz à importância doequilíbrio ecológico para assegurar patamares dignos para a vida humana87.

As reflexões lançadas no presente estudo estão ancoradas teoricamente noconceito jurídico de dignidade da pessoa humana formulado anteriormentepelo primeiro autor88, o qual se toma como moldura conceituai aberta auma reformulação parcial, especialmente para o efeito de enfatizar ainclusão de uma dimensão ecológica e, de tal modo, tornar o conceito maisresponsivo aos novos desafios existenciais impostos pela degradação

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ambiental, mas também em vista da evolução cultural e dos novos valoresecológicos legitimados no âmbito comunitário. Da mesma forma, a reflexãoposta neste estudo se propõe a avançar para além do espectro humano, como propósito de colocar algumas questões sobre a necessidade dereconhecimento de uma dignidade da vida em geral (dos animais nãohumanos e da Natureza em geral). Em razão de ser a dignidade humana apedra fundamental de toda a edificação jurídico-constitucionalcontemporânea, qualquer modificação em termos conceituais acaba porrepercutir e projetar-se para todo o sistema jurídico, principalmente no quetange aos direitos fundamentais e à própria conformação do Estado deDireito contemporâneo 89.

Diplomas internacionais e legislação:

- Art. I da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

- Arts. 11.1 e 12.1 el 2.2.b do Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais - PIDESC (1966)

- Princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio AmbienteHumano (1972)

- Art. 11 (11.1 e 11.2) do Protocolo de São Salvador Adicional àConvenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria deDireitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988)

- Princípio 1 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes emRelação às Gerações Futuras da UNESCO (1997)

- Art. IA III, e art. 225, caput, da CF/88

- Art. 2A caput, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

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- Art. 3A II, da Lei Complementar 140/2011 (CompetênciaAdministrativa em Matéria Ambiental)

Jurisprudência:

STF

- MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30-10-1995

- ADI 3.540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

- RE 254.764/SP, 1* Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 24-10-2010

- RE 658.171 AgR/DF, 1À Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 1-4-2014

- RE 586.224/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 9-3-2015

- Al 692.541 AgR/SP, IaTurma, Rel. Min. Luís Roberto Barroso,]. 25-8-2015

STJ

- REsp 1.120.117/AC, 2^ Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 10-11-2009

- MS 16.074/DF, 1aSeção, Rel. Min. Arnaldo Esteves,]. 9-11-2011

- AgRg no AREsp 50.151/RJ, Ia Turma, Rel. Min. BeneditoGonçalves, j. 3-10-2013

- REsp 1.150.392/SC, 1H Turma, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 13-9-2016

4 PRINCÍPIO DA DIGNIDADEDO ANIMAL NÃO HUMANO E

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DA VIDA EM GERALConscientes do valor intrínseco da diversidade biológica (...) (Preâmbulo daConvenção sobre Diversidade Biológica de 1992).

Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas quecoloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espéciesou submetam os animais a crueldade (art. 225, § Ia, VII, da CF/88).

A reflexão em torno da dimensão ecológica do princípio da dignidade dapessoa humana também coloca “em cheque” a concepção estritamenteantropocêntrica do Estado Constitucional 90. Retomando aqui a premissade que a matriz filosófica moderna para a concepção de dignidade (dapessoa humana) radica essencialmente no pensamento kantiano, qualquertentativa de superação de tal “paradigma” teórico requer um diálogo com assuas formulações e argumentos. Embora não se possa aprofundar adiscussão, enfatiza-se que a formulação central do pensamento kantiano, talqual apontado anteriormente, coloca a ideia de que o ser humano não podeser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para a satisfação dequalquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado como fim em simesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação, seja em face do Estado sejaem face de outros indivíduos 91. Desde logo, verifica-se que é certamentepossível questionar o excessivo antropocentrismo que informa tanto opensamento kantiano92 quanto a tradição filosófica ocidental de um modogeral, especialmente confrontando-a com os novos valores ecológicos quealimentam as relações sociais contemporâneas e que reclamam uma novaconcepção ética, ou, o que talvez seja mais correto, a redescoberta de umaética de respeito à vida que já era sustentada por alguns.

Assim, importa ter presente que a vedação de qualquer prática de“objetificação” ou “coisificação” (ou seja, tratamento como simples“meio”) não deve, em princípio, ser limitada apenas à vida humana, mas tero seu raio de incidência ampliado para contemplar também outras formas devida. Essa “objetificação” da vida animal (não humana), para ficarmos numexemplo, estaria vedada diante do conteúdo normativo traçado pelo art.225, § I2, VI, da CF/88, conforme posto na epígrafe de abertura deste

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tópico. O alargamento da concepção kantiana para além do espectrohumano conduz, portanto, ao reconhecimento de um jim em si mesmoinerente a outras formas de vida (ou à vida de um modo geral, seja humana,seja não humana), atribuindo-lhes um valor próprio e não meramenteinstrumental, ou seja, uma dignidade que igualmente implica um conjuntode deveres (morais e jurídicos) para o ser humano. Além disso, comunga-seda inquietação em torno da possibilidade de pelo menos questionar aexistência de autênticos direitos, no mínimo, todavia, de interesses e bensfundamentais juridicamente tuteláveis, não sendo nosso propósito enunciaraqui juízos conclusivos a respeito de tal aspecto da problemática.

Todas as concepções (e a de Kant é provavelmente apenas a mais influente)que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humanaencontram-se, pelo menos em princípio, sujeitas à crítica de um excessivoantropocentrismo, notadamente naquilo em que sustentam que a pessoahumana, em função de sua racionalidade, ocupa lugar superior eprivilegiado em relação aos demais seres vivos. De acordo com Kant,conforme anunciado na citação precedente da sua obra, todo o universo“não humano” estaria enquadrado no conceito de coisas, e, portanto, não depessoas, tendo apenas um valor relativo, na medida em que se prestariam -em maior ou menor grau - como “meio” para a satisfação da vontadehumana. No entanto, a nosso ver, para além de tal “compreensão especista”,sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modogeral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção doambiente como valor ético-jurídico fundamental indicia que não mais estáem causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursosnaturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda quese possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em últimaanálise, exigência da vida humana e, acima de tudo, da vida humana comdignidade93.

Direcionando fortes críticas ao tratamento dispensado aos animais pelafilosofia kantiana, que os destituía de qualquer valor intrínseco e colocavaos deveres dos seres humanos para com os animais apenas como um deverindireto para com a própria humanidade (justamente a perspectivaantropocêntrica ora questionada), Martha Nussbaum alerta para o fato deque o reconhecimento da dignidade de determinadas existências não

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humanas implica uma questão básica de justiça, já que, na esteira do que foiafirmado por Aristóteles, há algo de admirável ou respeitável (Wonderful;Wonder-Inspiring) em todas as formas complexas de vida animal94. Aautora, de outra parte, rejeita a ideia de compaixão e humanidade notratamento dos animais não humanos, defendendo uma ideia de justiça quetranscenda essa perspectiva limitada para reconhecer o valor intrínseco e adignidade de animais não humanos. O dever moral de um tratamento nãocruel dos animais deve buscar, portanto, o seu fundamento não mais nadignidade humana ou na compaixão humana, mas sim na própria dignidadeinerente às existências dos animais não humanos. Tal reflexão, na nossacompreensão, pode ser ampliada para a vida em termos gerais (ou àNatureza em si), não se limitando à esfera animal.

Outra contribuição filosófica importante que modelou, em grande medida, opensamento moderno de matriz iluminista, e que influencia até hoje o nossométodo de abordagem científica (e o Direito não fica alheio a talcondicionamento), é a ideia de “animal-máquina” formulada por RenéDescartes (Discurso do Método, Quinta Parte) 95. O filósofo francêsformulou o entendimento de que os animais poderíam ser equiparados amáquinas móveis ou autômatos, já que, diferentemente do homem que écomposto de corpo e alma (e, portanto, nunca poderia ser identificado comuma simples máquina), apenas possuem corpo 96. Ao afirmar que osanimais não possuem nenhuma razão 97 e, portanto, tampouco valorintrínseco, Descartes abriu caminho para a separação entre ser humano eNatureza que até hoje marca a abordagem científica em quase todas as áreasdo conhecimento, bem como para o processo de instrumentalização eapropriação da Natureza e dos recursos naturais, o que, em grande medida,nos conduziu ao atual estágio preocupante de degradação ambiental e riscoexistencial.

De acordo com Luc Ferry, “o humanismo cartesiano é, sem dúvida alguma,a doutrina que mais longe chegou na desvalorização da Natureza em geral ena do animal em particular” 98. A perspectiva humanista de cunho liberal-individualista que caracterizou o pensamento moderno - e a obra deDescartes é o melhor exemplo disso - coloca o indivíduo como o centro eponto de partida da sua edificação teórico-filosófica, ou seja, a concepçãoantropocêntrico-humanista, sem dúvida foi fundamental para a evolução do

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pensamento filosófico à época, inclusive na perspectiva da afirmação dedireitos individuais, conduziu à dicotomia no trato com a Natureza e,consequentemente, à própria “desnaturalização” do ser humano. A Naturezaera tida como algo estranho ao ser humano e, portanto, não integrava ocírculo moral de matriz humanista.

Em contrapartida ao antropocentrismo clássico representado pelopensamento cartesiano, em que pese uma fundamentação doutrinária aindaincipiente (pelo menos no campo jurídico), merecem registro osdesenvolvimentos, especialmente no campo filosófico, no sentido de umaabordagem biocêntrica ou ecocêntrica. A Deep Ecology ou, em português,“Ecologia Profunda”, foi um termo criado em 1973 por Arne Naess99(1912-2009), alpinista, professor de filosofia e ecologista norueguês. Elepretendeu estabelecer uma abordagem para a questão ecológica que fossealém do entendimento da ecologia como ciência em sentido estrito, mas queabrisse caminho para um questionamento de ordem filosófica e mesmoespiritual 100. Na mesma trilha ética proposta algumas décadas antes porAldo Leopold, com sua “Ética da Terra” (Land Ethic), Naess propunha umanova abordagem ética para a questão ecológica, com o intuito de integrar aNatureza (ou os elementos naturais individualmente) na mesma“comunidade” constituída pelo ser humano. Essa compreensão edificava-sea partir de um paradigma filosófico ecocêntrico ou biocêntrico, onde Naesspropõe o reconhecimento de um “valor intrínseco” para além da esferahumana, ou seja, para todas as formas de vida que habitam a Terra, bemcomo que o valor das formas de vida não humanas independe da suautilidade para os propósitos humanos. Há, com base nesse paradigmafilosófico biocêntrico, a ruptura contundente com o antropocentrismoclássico e a visão instrumental da Natureza ditada pelo cartesianismo.

A relevância dessa abordagem justifica-se também diante da exposiçãoexistencial a que está submetido o ser humano contemporâneo e daemergência de novos valores culturais (veiculados, por exemplo, pelomovimento ecológico e pelo movimento dos direitos dos animais). De fato,o dilema existencial com que se defronta a humanidade hoje revela afragilidade (para não dizer falácia) da separação cartesiana entre serhumano e Natureza. Em tempos de gripe aviária, “vacas loucas”, poluiçãoquímica, aquecimento global e outras questões que desnudam o vínculo

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existencial elementar existente entre o ser humano e as bases naturais davida, revela-se como insustentável pensar o humano sem relacioná-lodiretamente com o seu espaço ambiental e toda a cadeia de vida quefundamenta a sua existência. A fragilização das bases naturais que dãosuporte à vida implica diretamente a vulneração da vida humana. Em vistadessa dependência existencial, assim como se fala em dignidade da pessoahumana, atribuindo-se valor intrínseco à vida humana, também parecepossível conceber a dignidade da vida em geral, conferindo-se à Naturezaou às bases naturais da vida um valor intrínseco. O filósofo alemão HansJonas, em sua obra O princípio da vida, à luz de uma biologia filosófica,busca reformular a compreensão ética moderna da relação entre ser humanoe Natureza, em vista de afirmar que há algo de transcendente e espiritual jána própria base da vida (e não apenas na etapa evolutiva onde se encontra oser humano), havendo, portanto, um valor intrínseco a ser reconhecido àprópria existência orgânica como tallOl. O mesmo entendimento, ainda quenão com a mesma fundamentação, pode ser encontrado no pensamento dofilósofo utilitarista Peter Singer, mas que aqui não será desenvolvido 102.

Transpondo o discurso filosófico (ético) para o plano jurídico, verifica-seexistirem importantes documentos legislativos internacionais e de direitocomparado que abordaram a temática do valor intrínseco de formas de vidanão humanas. A Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992) destaca,no início do seu preâmbulo, o reconhecimento do “valor intrínseco dadiversidade biológica e dos valores ecológico, genético, social, econômico,científico, educacional, cultural, recreativo e estético da diversidadebiológica e de seus componentes”. Mais especificamente sobre a questãodos animais não humanos, a Declaração Universal dos Direitos dos Animaisda UNESCO (1978)103 prevê o direito dos animais de existirem em umambiente biologicamente equilibrado (art. I2), bem como que todos osanimais têm o direito de ser respeitados (art. 22). A ideia de respeito estádiretamente vinculada ao reconhecimento de um valor intrínseco adeterminada manifestação existencial, como ocorrido em relação aos sereshumanos ao longo da nossa evolução cultural precedente, como, de resto, jádestacado. O art. 42 estabelece o direito dos animais silvestres de viveremlivres no seu meio natural, sendo inadmissível qualquer uso de animaisselvagens que não tenha uma razão vital ou existencial para o ser humano(questões meramente patrimoniais não poderíam fundamentar tais

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medidas). O art. 52 destaca o direito ao bem-estar dos animais dependentesdo ser humano (domésticos ou domesticados), fazendo referência, inclusive,ao respeito à sua dignidade. Não obstante a ausência de força jurídica daDeclaração Universal dos Direitos dos Animais, a discussão moral nelaconsubstanciada teve ressonância no âmbito de vários ordenamentosjurídicos nacionais, que, ao longo, principalmente, das últimas décadas, têmpautado a questão da proteção dos animais nas discussões filosóficas,políticas e jurídicas.

Na análise comparativa da evolução da tutela jurídica dos animais, importafrisar, entre outras, a inovação incorporada pela Constituição Suíça (1992),ao reconhecer uma “dignidade da criatura” (art. 24), que deve ser respeitadaespecialmente no âmbito da legislação sobre engenharia genética 104. Oidealizador do “movimento” suíço de reforma constitucional, Peter Saladin,sustenta um novo perfil constitucional para o tratamento da questãoambiental baseado em três princípios éticos: a) princípio da solidariedade(justiça intrageracional); b) princípio do respeito humano pelo ambientenão humano (justiça interespécies); c) princípio da responsabilidade paracom as futuras gerações (justiça intergeracional)105. Essa ideia traduz umaconcepção de justiça ecológica, enfatizando o respeito e os deveres que oser humano deve observar quando da sua interação com o meio natural e asformas de vida não humanas. Igualmente em manifesta sinergia com anoção de uma dignidade da vida não humana, a Constituição do Equador(2008) consagrou capítulo específico sobre os “Direitos da Natureza (ouPacha Mama)” no seu texto. Conforme resultou consignado na normaconstitucional equatoriana, “la naturaleza o Pacha Mama, donde sereproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente suexistência y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales,estructura, funciones y procesos evolutivos (art. 71), bem como que “lanaturaleza tiene derecho a la restauración (art. 72)106.

No âmbito da Lei Fundamental da Alemanha (1949), Klaus Bosselmannrefere que a introdução da expressão “bases naturais da vida”, ao invés de“vida humana”, marcou, com a inclusão do art. 20a, por meio da reformaconstitucional de 1994, um passo para além de um antropocentrismo puro.No entanto, o debate prosseguiu no cenário jurídico e político alemão,especialmente por força do movimento em favor dos direitos dos animais,

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que seguiu pressionando para a inclusão da proteção dos animais comoobjetivo do Estado, o que veio a ocorrer em 2002, com o acréscimo daexpressão “e os animais” (die Tiere) no art. 20a da Lei Fundamental deBonn 107. A respeito do tema, refere o jurista alemão que,independentemente de a alteração constitucional ter ou não conduzido ainterpretação do seu texto em favor de uma abordagem não antropocêntrica,ficou registrado que o discurso ético marcou sua presença no âmbito dodiscurso jurídico 108. Verifica-se, assim, a crescente importância dasdiscussões provocadas pela corrente filosófica da ética animal, que, aospoucos, tem conseguido sensibilizar as estruturas jurídicas e, ainda que emparte e de modo incipiente, influir na remodelação do Direito.

A concepção de direitos humanos ecológicos defendida por Bosselmanntambém contribui para a análise da temática. De acordo com o autor, osdireitos humanos ecológicos objetivam reconciliar a base filosófica dosdireitos humanos com os princípios ecológicos, conectando o valorintrínseco do ser humano com o valor intrínseco de outras espécies e daNatureza como um todo. A partir dessa compreensão, os direitos humanos(como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, apropriedade e o desenvolvimento) deveríam corresponder ao fato de que oindivíduo não opera somente num ambiente social, mas também numambiente natural 109. Assim como o indivíduo deve respeitar o valorintrínseco dos demais seres humanos, o indivíduo também deve respeitar ovalor intrínseco de outros seres, como animais, plantas, ecossistemas etc., oque serve de fundamento para a caracterização de deveres (fundamentais)ecológicos do ser humano para com as demais manifestações existenciais.Nesse contexto, o jurista alemão afirma a importância dos direitos humanos(e fundamentais) para o enfrentamento dos desafios ecológicos, propondo asua releitura diante dos novos princípios de natureza ecológica que passama integrar e reformular as relações sociais (socioambientais) no âmbito dacomunidade político-estatal contemporânea.

Embora de modo não exatamente igual, o referencial dos direitos humanostambém é utilizado por Tom Regan para traçar a evolução histórica ecultural dos próprios direitos dos animais, os quais, é importante consignar,não estão a negar os primeiros, mas sim a complementar uma evoluçãomoral integrada de valores culturais. Para o filósofo norte-americano, a

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expressão “vamos resolver os problemas humanos primeiro” é um convite ànegligência perpétua dos direitos dos animais 110, que devem sercompreendidos como um passo moral mais avançado em termos deevolução ética e cultural da comunidade humana. A luta em defesa dessesnovos valores não deve servir para deslegitimar os direitos humanos, masapenas para reforçar o desenvolvimento pleno da vida em comum entreseres humanos, não humanos e a Natureza em si, enquanto existênciasinterdependentes. O defensor dos direitos dos animais ou da vida em termosgerais deve ser, antes de qualquer coisa, também um defensor dos direitoshumanos, já que a consagração tanto dos direitos humanos (e fundamentais)quanto dos direitos dos animais se revela como constituindo uma evoluçãocumulativa, e, portanto, como duas etapas de um mesmo caminhar humanorumo a um horizonte moral, cultural e jurídico em permanente construção eevolução.

Os desenvolvimentos em torno da natureza relacionai e comunicativa dadignidade da pessoa humana, conforme pudemos desenvolver neste tópico,contribuem para a superação de uma concepção eminentemente especista(biológica) e, portanto, necessariamente reducionista e vulnerável, nosentido de uma peculiar e específica dignidade dos seres humanos (que, porsi só, não afasta uma possível consideração da dignidade da vida de ummodo geral)111. A atribuição de dignidade a outras formas de vida ou àvida em termos gerais transporta a ideia de respeito e responsabilidade quedeve pautar o comportamento do ser humano para com tais manifestaçõesexistenciais. Nesse contexto, para além de uma compreensão especista dadignidadell2, que parece cada vez mais frágil diante do quadro existencialcontemporâneo e dos novos valores culturais de matriz ecológica, deve-seavançar com as construções morais e jurídicas no sentido de ampliar oespectro de incidência do princípio da dignidade para além do círculohumano, alcançando também outras formas de vida e a Natureza em si.

Após destacarmos algumas importantes e em boa parte diferentes correntesda ética ambiental e dos fundamentos que alicerçam o reconhecimento dadignidade para além do ser humano, é o caso de esclarecer o nossoposicionamento. No caso do Direito Ambiental, assume relevo a disputaentre “antropocentristas ecológicos (ou moderados)” e “biocentristas (ouecocentristas)”, disputa essa que tem marcado o debate ambiental inclusive

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na esfera jurídica e gerado uma série de posições diferenciadas entreteóricos e préticos da causa ambiental. A abordagem teórica de matrizconstitucional-ambiental por nós adotada, conforme o leitor pode constatarao longo da obra, é marcada por uma concepção antropocêntrica, tal qual oé essencialmente o Direito na condição de construção humana 113 e comoproduto cultural. Não um antropocentrismo clássico de matriz filosóficacartesiana, calcado numa rígida relação de sujeito (ser humano) e objeto(Natureza), com nítido caráter instrumental e dicotômico. Trata-se de umantropocentrismo jurídico ecológico - ou mesmo “relativo” ou “alargado”como sustentam alguns autores (José de S. Cunhai Sendimll4, Vasco Pereirada Silva 115 e J. R. Morato Leite e Patryck de A. Ayala 116) -, com opropósito de reconhecer o valor intrínseco e não meramente instrumentalatribuído ao ser humano e a outras formas de vida não humanas e, épossível afirmar, à própria Natureza em si.

Essa é a questão colocada na passagem do Preâmbulo da Convenção sobreDiversidade Biológica (1992) citado na epígrafe de abertura deste tópico. O“reconhecimento” de um valor intrínseco em outras formas de vida nãohumanas conduz, a nosso ver, à atribuição de “dignidade” para além daesfera humana, além, é claro, de permitir a identificação de uma dimensãoecológica da própria dignidade da pessoa humana, conforme será tratadomais à frente. Nessa ótica, a proteção de valores e bens jurídicos ecológicosimporá restrições aos próprios direitos e ao comportamento do ser humano,inclusive a ponto de caracterizar também deveres morais e jurídicos (opróprio direito ao ambiente possui um regime jurídico constitucional de“direito-dever fundamental”). E não apenas para proteger outros sereshumanos, mas de modo a afirmar valores e proteger bens jurídicos quetranscendem a órbita humana.

A atribuição ao Estado de deveres constitucionais de proteção, no sentidode uma proteção jurídica de natureza objetiva, mas também a imposição aosparticulares (na forma de deveres fundamentais de proteção do ambiente),do dever de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais eprover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (art. 225, § l2,1)”,bem como de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, aspráticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem aextinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inciso VII do

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mesmo dispositivo), nos parecem exemplos expressivos de uma tutelajurídica autônoma dos bens jurídicos ambientais (por exemplo, a Naturezaem si, o bem-estar animal, a fauna e a flora) e mesmo de uma tomada derumo jurídico bastante evidente no sentido contrário ao antropocentrismoclássico.

A mesma reflexão pode surgir a partir da criminalização de condutashumanas degradadoras do ambiente, o que foi levado a efeito no planoinfraconstitucional por meio da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.9.605/98)117, regulamentando dispositivo da CF/88 (art. 225, § 32). A“criminalização” dos maus-tratos contra os animais, trazida pela Lei n.9.605/98, pode, em certa medida, conduzir ao entendimento de que talnorma está fundamentada numa concepção jurídica “biocêntrica” (art. 32),ao dispor que configura crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir oumutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ouexóticos” (caput), bem como incorre na mesma pena “quem realizaexperiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticosou científicos, quando existirem recursos alternativos” (§ l2) e que “a pena éaumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal” (§ 22).

No entanto, não nos parece que a abordagem supostamente biocêntrica sejapredominante na caracterização dos tipos penais trazidos pela Lei n.9.605/98. O crime de poluição ambiental, por exemplo, previsto no seu art.54, estabelece que o enquadramento em tal tipo se dá quando a conduta:“causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem oupossam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem amortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Ou seja, deacordo com o conteúdo normativo trazido pelo tipo penal da poluiçãoambiental - diga-se de passagem, um dos mais importantes do diplomapenal ambiental brasileiro e com a maior pena prevista entre os tiposelencados, com reclusão de 1 a 5 anos para a hipótese “qualificada” dosseus parágrafos § 22 e § 32118 a proteção do ser humano (vida, integridadefísica e saúde) e tutela da Natureza (fauna e flora) mesclam-se naconformação de um bem jurídico ambiental complexo, mas com supostapreponderância para a proteção humana, de modo a reforçar a abordagemde um antropocentrismo jurídico ecológico por nós sustentada.

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Por isso, a criminalização de condutas lesivas ao ambiente tampouco ésuficiente para romper com a concepção antropocêntrica do Direito em prolde uma visão biocêntrica - como ditada, por exemplo, pela ótica filosófica,pela Ecologia Profunda (Deep Ecology) de Arne Naess e pela obra dofilósofo alemão Hans Jonas a respeito do princípio da responsabilidade(Das Prinzip Verantwortung), conforme tratamos anteriormente. Não háhoje edificação jurídica - teórica e normativa - para romper com a tradiçãoantropocêntrica, sendo, na nossa ótica, a superação do “antropocentrismoclássico” no sentido da conciliação dos valores humanos e ecológicos, demodo a proporcionar a sua integração e, ao mesmo tempo, reconhecer ainterdependência que lhes é inerente, o caminho mais ajustado ao atualregime jurídico (nacional, comparado e internacional) de que dispomos. Adevida proteção ecológica passa, necessariamente, pela consolidação eefetivação integradora dos direitos fundamentais liberais, sociais eecológicos, sem o que a proteção do ambiente será mera ficção e tinta nopapel. Importa notar, conforme pontua Klaus

Bosselmann, a possibilidade de “coexistência” entre os paradigmas“antropocêntrico” e “ecocêntrico”, no âmbito mais amplo do sistemaprotetivo estabelecido pelo Direito Ambientalll9.

Por mais que a perspectiva filosófica biocêntrica - em oposição aoantropocentrismo - seja defendida com entusiasmo no discursoambientalista (jurídico e não jurídico), tal entendimento não reflete asconstruções jurídicas e respectivos mecanismos normativos dos quaisdispomos hoje para promover a tutela e promoção do ambiente. Na absolutamaioria das vezes, serão os mesmos fundamentos teóricos e instrumentosnormativos disponíveis para promover a proteção da vida e da dignidade doser humano que servirão para promover a proteção ecológica. Não por outrarazão a nossa abordagem teórica é construída a partir dos pilares do DireitoConstitucional e da Teoria dos Direitos Fundamentais (e também da Teoriados Direitos Humanos se tomarmos a perspectiva do Direito Internacional).A proteção do ser humano é sempre também a proteção da Natureza e vice-versa. Talvez aí resida uma marca “biocêntrica” na nossa abordagemteórica, porquanto não advogamos qualquer separação entre ser humano eNatureza. Pelo contrário, entendemos vital tal “religação”, identificando oser humano como mais um elemento na cadeia da vida. Com Lutzenberger,

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entendemos que “não estamos fora, por cima e contra a Natureza, estamosbem dentro. Somos um pedaço dela” 120.

O objetivo da abordagem jurídica antropocêntrica ecológica é ampliar oquadro de bem-estar humano para além dos espectros liberal e social,inserindo necessariamente a variável ecológica, somado à atribuição devalor intrínseco à Natureza. Entendemos, em última instância, que o melhorcaminho jurídico para a proteção ecológica, mesclando em algunsmomentos fundamentos de matriz “antropocêntrica” e “ecocêntrica”, residena luta pela efetivação dos direitos fundamentais (liberais, sociais eecológicos), já que, como premissas ao desfrute de uma vida digna, estão aqualidade, a segurança e o equilíbrio ambiental. Tal “virada ecológica” naconcepção dos direitos fundamentais e também no próprio princípio dadignidade da pessoa humana (a partir de sua dimensão ecológica e mesmoda atribuição da dignidade para além da fronteira humana 121) imporáfortes restrições ao exercício dos demais direitos fundamentais (liberais esociais), mas sempre buscando assegurar a integralidade, indivisibilidade einterdependência que caracterizam o regime jurídico jusfundamental. Trata-se de uma abordagem conciliatória e integradora dos valores humanos eecológicos, como duas faces de uma mesma identidade jurídico-constitucionall22. A nosso ver, essa parece ter sido a opção político-jurídicadelineada na nossa Lei Fundamental de 1988 (art. 225) e na legislaçãoambiental infraconstitucional de um modo geral, considerando, inclusive, anossa responsabilidade - enquanto geração humana presente - para com osinteresses e direitos (?) das futuras gerações (humanas e não humanas).

Diplomas internacionais e legislação:

- Declaração Universal dos Direitos dos Animais da UNESCO (1978)

- Preâmbulo da Convenção-Quadro sobre Diversidade Biológica(1992)

- Arts. 71 e 72 da Constituição do Equador (2008)

-Art. 225, § 1A I e VII, da CF/88

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- Art. 32 da Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais(Lei n. 9.605/98)

Jurisprudência:

STF

- RE 153.531 /SC, 2H Turma, Rel. Min. Francisco Resek, j. 3-6-1997

- ADI 2.514/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. 29-6-2005

- ADI 3.776/RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 14-6-2007

- ADI 1,856/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Veloso, j. 26-5-2011

- ADI 4.983/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 6-10-2016

STJ

- REsp 1.115.916/MG, 2H Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 1 -9-2009

5 PRINCÍPIO DASOLIDARIEDADE5.1. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADECOMO MARCO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO ESTADO(SOCIO)AMBIENTAL DE DIREITO

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em

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espírito e fraternidade (art. I2 da Declaração Universal dos DireitosHumanos de 1948).

O princípio da solidariedade (expressão que preferimos à fraternidade) éretomado da Revolução Francesa para transformar-se no novo marcojurídico-constitucional dos direitos fundamentais de terceira dimensão(entre eles, o direito ao ambiente) e do Estado Socioambiental de Direitocontemporâneo. A respeito do “esquecimento” do princípio dasolidariedade, Ricardo Lobo Torres refere que, em que pese a solidariedade,como sinônimo da fraternidade, ter sido valor fundante do Estado de Direitoe já aparecer na trilogia da Revolução Francesa (liberdade, igualdade efraternidade), o pensamento jurídico posterior a Kant exacerbou a ideia deliberdade, diluindo-a na de legalidade, com o que ficaram esquecidas asidéias de justiça e solidariedade 123. No compasso das promessas nãocumpridas da modernidade, os princípios da liberdade e da igualdade,como os marcos normativos, respectivamente, do Estado Liberal (e dosdireitos fundamentais de primeira dimensão) e do Estado Social (e dosdireitos fundamentais de segunda dimensão), não deram conta sozinhos decontemplar uma vida digna e saudável a todos os integrantes dacomunidade humana, deixando para os juristas contemporâneos uma obranormativa ainda inacabada. O princípio da solidariedade aparece, nessehorizonte, como mais uma tentativa histórica de realizar na integralidade oprojeto da modernidade, concluindo o ciclo dos três princípiosrevolucionários: liberdade, igualdade e fraternidade 124. Trata-se, emúltima instância, de continuar na edificação de uma comunidade estatal queteve o seu marco inicial com o Estado Liberal, alicerçando agora novospilares constitucionais ajustados à nova realidade social e desafiosexistenciais postos no espaço histórico-temporal contemporâneo, emespecial no tocante à crise ecológica.

O art. Ia da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948),conforme destacado na epígrafe de abertura deste tópico, enuncia de formaclara o projeto da modernidade referido, situando todos os princípiosrevolucionários (liberdade, igualdade e fraternidade), ademais de destacar oprincípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que, diga-se depassagem, conforme desenvolvemos no tópico anterior, desde as luzeslançadas por Immanuel Kant sobre a razão e a moral humanas, constitui a

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pedra fundamental da edificação do Estado de Direito, inclusive na suavertente ecológica. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia,imbuída do mesmo espírito axiológico-normativo, prevê logo no início doseu Preâmbulo, à luz do projeto da modernidade aludido anteriormente, quea comunidade estatal que constitui está alicerçada “nos valores indivisíveise universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e dasolidariedade”, bem como nos princípios da democracia e do Estado deDireito.

Para cumprir com o projeto político-normativo moderno, há que darespecial destaque ao fortalecimento normativo-constitucional do princípioda solidariedade, reequacionando a distribuição das responsabilidades pelaproteção e promoção dos direitos fundamentais entre o Estado e asociedade, inclusive em face dos novos conteúdos trazidos pelos direitosfundamentais de terceira dimensão, como é o caso da proteção do ambiente,além, é claro, de reafirmação dos próprios direitos fundamentais de segundadimensão (direitos sociais). Nesse compasso, Daniel Sarmento assinala que,em vista da eficácia horizontal (ou entre particulares) dos direitosfundamentais, incluídos neles os direitos sociais, recupera-se a noção desolidariedade, revestindo-a de juridicidade, o que confere aos podereseconômicos privados não apenas o dever moral de garantir certas prestaçõessociais para as pessoas carentes com que se relacionarem, mas também, emcertas situações, a obrigação jurídica de fazê-lo 125.

A relevância do princípio da solidariedade para o Direito tomou formaprincipalmente a partir da segunda metade do século XX (Pós-SegundaGuerra Mundial), impulsionado, entre outros documentos internacionais ecomparados, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),conforma já destacado. As Constituições dos Estados nacionaispromulgadas ao longo desse período, como ocorrido com a Constituiçãobrasileira de 1988 (art. I2, III), acabaram por adotar o marco fundamental dadignidade da pessoa humana, consagrando, como refere Maria C. Bodin deMoraes, a ideia de “primazia das situações existenciais sobre as situaçõesde cunho patrimonial” 126. A CF/88 adotou o princípio da solidariedadecomo objetivo central do Estado e da sociedade brasileira no seu art. 32, I,ao estabelecer a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”,além de destacar, também como objetivo, a “erradicação da pobreza e da

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marginalização social e a redução das desigualdades sociais e regionais”, oque estabelece um novo marco normativo-constitucional, consolidando asolidariedade como princípio e valor da nossa ordem jurídica. O princípioda solidariedade também aparece consubstanciado no Preâmbulo daConstituição Federal ao estabelecer os direitos sociais e individuais, aliberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e ajustiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, muito embora asolidariedade não possa pura e simplesmente ser equiparada à fraternidade.

À vista desse contexto, merecem registro as linhas traçadas por José Afonsoda Silva ao comentar o objetivo constitucional previsto no art. 32, I, daCF/88. De acordo com o constitucionalista, tal missão constitucional postano âmbito da República Federativa brasileira implica a construção de uma“ordem de homens livres, em que a justiça distributiva e retributiva seja umfator de dignificação da pessoa e em que o sentimento de responsabilidade eapoio recíprocos solidifique a ideia de comunidade fundada no bemcomum. Surge aí o signo do Estado Democrático de Direito, voltado àrealização da justiça social, tanto quanto a fórmula liberdade, igualdade efraternidade o fora no Estado Liberal proveniente da Revolução Francesa”127. De modo a destacar a importância do princípio da solidariedade, porassociado à dignidade da pessoa humana, Pietro Perlingieri afirma que omesmo, juntamente com o princípio da igualdade, é instrumento e resultadoda atuação da dignidade social do cidadão, que confere a cada um o direitoao “respeito” inerente à qualidade de homem, assim como a pretensão deser colocado em condições idôneas de exercer as próprias aptidões pessoais,assumindo a posição a estas correspondentes 128. Na mesma perspectiva,Maria C. Bodin de Moraes destaca que a solidariedade foi consagrada noâmbito constitucional como princípio geral, que tem como objetivo, à luzdo que foi acima exposto, a “igual dignidade social”, garantindo umaexistência humana digna e saudável comum a todos os membros dasociedade 129.

A colisão entre liberdade e solidariedade coloca-se como uma dasprincipais tensões axiológico-normativas na conformação do Estado deDireito contemporâneo (Estado Socioambiental), como outrora verificadono conflito entre liberdade e igualdade levado a cabo na edificação doEstado Social diante do Estado Liberal. No entanto, o conflito suscitado é

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apenas aparente, já que ambos os princípios (e valores constitucionais) têmo seu conteúdo estabelecido de forma interdependente e sistemática noordenamento jurídico, objetivando ambos a uma tutela integral e abrangenteda dignidade da pessoa humana. Na abordagem que faz do “direito-dever desolidariedade social”, Maria C. Bodin de Moraes ressalta que não se trataem verdade de impor limites à liberdade individual, atribuindonecessariamente maior relevância à solidariedade, mas sim da conformaçãode ambos os princípios em face da proteção da dignidade humana, o que, àluz do caso concreto, poderá fazer com que “a medida de ponderação para asua adequada tutela propenda ora para a liberdade, ora para a solidariedade”130. Deve-se referir o necessário resguardo do núcleo essencial dos direitos(e princípios) em colisão, procedendo-se, à luz do caso concreto, semprecom o “teste” da proporcionalidade (adequação, necessidade eproporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade) para traçar alegitimidade constitucional de qualquer medida restritiva de direitosfundamentais.

Em linhas gerais, a solidariedade expressa a necessidade fundamental decoexistência do ser humano em um corpo social, formatando a teia derelações inter subjetivas e sociais que se traçam no espaço da comunidadeestatal. Mas, para além de uma obrigação ou dever moral de solidariedade,há que transpor a noção de solidariedade para o plano jurídico-normativo,na condição de pilar fundamental para a construção de uma sociedade e deum Estado de Direito que tenham na guarda, proteção e promoção dosdireitos fundamentais a sua maior missão. Aliás, aqui vale retomar osensinamentos de Bodin de Moraes no sentido de ressaltar a força normativado princípio constitucional da solidariedade, que transcende do campo damoral para o mundo jurídico-normativo, uma vez que, como refere, asolidariedade social, no âmbito da “juridicizada sociedade contemporânea”,já não pode ser considerada como resultante de ações eventuais, éticas oucaridosas, pois se tornou um princípio geral do ordenamento jurídico,dotado de força normativa e capaz de tutelar o devido respeito a cada um131. Por fim, a autora destaca que as hipóteses mais conhecidas e tuteladascom base no fundamento da solidariedade são representadas pela defesa dosconsumidores e do meio ambiente 132.

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O princípio da solidariedade, por certo, não opera de forma isolada nosistema normativo, mas atua juntamente com outros princípios e valorespresentes na ordem jurídica, merecendo destaque especial para a justiçasocial (como justiça distributiva e corretiva), a igualdade substancial e adignidade humana. Nesse sentido, em que pese a análise voltada mais parao âmbito do direito tributário, é oportuna a lição de Ricardo Lobo Torres,para quem a solidariedade se aproxima da Justiça “por criar o vínculo deapoio mútuo entre os que participam dos grupos beneficiários daredistribuição de bens sociais”. Como assevera o autor, os direitos sociais,ou de segunda dimensão, como preferem outros, dependem dos vínculos defraternidade 133. O mesmo raciocínio pode ser ampliado também para acompreensão dos direitos fundamentais de terceira dimensão, como é o casodos direitos ecológicos, que, em vista da sua natureza difusa e, portanto, detitularidade dispersa por toda a coletividade, também encontram o seufundamento no princípio da solidariedade e na ideia de justiça ambiental(ou mesmo socioambiental). Na perspectiva ecológica, há também anecessidade de se assegurar uma redistribuição justa e equânime do acessoaos recursos naturais, pena de incidir-se em prática discriminatória, o que seacentua, de forma significativa em vista da feição socioambiental quecaracteriza alguns aspectos da crise ecológica. Para Ramón Martin Mateo,do ponto de vista ecológico, há a exigência de justiça distributiva contida noprincípio da solidariedade, referindo-se, inclusive, à ideia de “círculossociais progressivamente ampliados”, o que objetiva contemplar uma dupladimensão intercomunitária e intergeneracional para a aplicação do princípio134.

O Princípio 3 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992) consagra que “o direito ao desenvolvimento deveser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente asnecessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das geraçõespresentes e futuras”. O conceito de desenvolvimento sustentável trazidopelo Relatório Nosso Futuro Comum (1987), elaborado pela ComissãoMundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, destaca, comopremissa, atender às necessidades das gerações presentes, mas semcomprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suaspróprias necessidades 135. Assim, verifica-se a existência de importantenexo entre o princípio da solidariedade e a noção de desenvolvimento

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sustentável (ou, simplesmente sustentabilidade). A natureza difusa do bemambiental coloca tal feição à titularidade do direito, que, em regra, deve serusufruído tendo em vista o interesse de toda a coletividade. A ideia de umpatrimônio comum da humanidade também toca de forma direta a questãoambiental, pois busca dar a dimensão de importância dos bens ambientaisde forma alijada de uma perspectiva individualista, mas, acima de tudo,solidária e compartilhada entre todos.

O comando constitucional expresso no art. 225, caput, tem especialrelevância para essa compreensão, pois traz justamente a ideia deresponsabilidades e encargos ambientais compartilhados entre Estado esociedade, quando subscreve que se impõe “ao Poder Público e àcoletividade o dever” de defender e proteger o ambiente para as presentes efuturas gerações, destacando que os deveres de solidariedade na tutelaambiental, para além do Estado, são atribuídos agora também aosparticulares 136. A ideia de dever fundamental é um dos aspectosnormativos mais importantes trazidos pela “nova dogmática” dos direitosfundamentais, vinculando-se diretamente com o princípio da solidariedade,notadamente em relação aos deveres fundamentais ambientais 137. Comobem observa Peter Hãberle, a fraternidade (aqui preferimos solidariedade),como o terceiro ideal frequentemente esquecido da Revolução Francesa,reclama por deveres fundamentais e vinculação social 138. O princípio dasolidariedade, por sua vez, desloca o marco referencial de proteção doindivíduo (direitos liberais) e do grupo social (direitos sociais) para umadimensão mais ampla, ou seja, a coletividade como um todo (inclusive emtermos planetários e, para alguns, também extra-humano).

Com base nessa perspectiva ampla de incidência do princípio dasolidariedade, iremos explorar não apenas o princípio em questão peloprisma da sua verificação no âmbito das relações (morais e jurídicas) desolidariedade entre os integrantes da mesma geração humana e circunscritosà mesma comunidade estatal. Mas também analisaremos a incidência doprincípio da solidariedade no tocante às relações entre cidadãos dediferentes comunidades estatais (ou Estado-Nação), entre diferentesgerações humanas e até mesmo entre diferentes espécies naturais (oumesmo entre o ser humano e a Natureza). A nosso ver, o marco normativoda solidariedade, no tocante à questão ecológica, alcança essa amplitude de

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incidência, o que é fundamental para a proteção da vida na sua acepçãomais ampla possível.

5.2. SOLIDARIEDADE ENTRE ESTADOS E CIDADÃOS DEDIFERENTES ESTADOS

O princípio da solidariedade, além de incidir nas relações jurídicas travadasno âmbito doméstico, deve ser projetado para além das fronteiras dosEstados nacionais, o que se impõe pelo próprio contexto internacional damaioria dos sistemas naturais, no sentido de ser tomado como umimperativo, ao mesmo tempo ético e jurídico, com o propósito de conformare limitar as práticas sociais (e também estatais) predatórias do ambiente, emvista de um desenvolvimento sustentável mundial. Não por outra razão, aCF/88 assinala que a República Federativa do Brasil se rege nas suasrelações internacionais pelo princípio da “prevalência dos direitoshumanos” (art. 42, II). O modelo clássico de soberania nacional está com osdias contados em razão da crise ecológica e da dimensão transnacional dosdesafios da proteção ambiental. Nesse sentido, Ramón Martin Mateodestaca que “más allá de los limites que acotan las soberanías de losEstados nacionales, la solidaridad debe ser un imperativo no solo ético, sinotambién práctico, impuesto por la base internacional de la mayoría de lossistemas naturales y por la necesidad de limitar, en aras dei desarrollosostenible, un excesivo uso de los recursos, lo que requiere obligadamentede asistencias y transvases. Así la solidaridad aparece como complemento ya la vez consecuencia y corolário de la puesta en vigor de los princípiosantes enunciados (ubicuidad, sostenibilidad, globalidad y subsidiaridad)”139.

De igual modo, Luigi Ferrajoli registra que o fim dos blocos e, ao mesmotempo, a crescente interdependência econômica, política, ecológica ecultural transformam o mundo, apesar do aumento de sua complexidade ede seus inúmeros conflitos e desequilíbrios, numa aldeia global 140. Deve-se conceber, portanto, o mundo inteiro como integrante de uma mesma“aldeia global” em termos ecológicos. Em outras palavras, pode-se dizerque todos somos reféns, em maior ou menor medida, das condiçõesambientais, diante da conexão entre todos os ecossistemas mundiais. Oaquecimento global é o exemplo mais ilustrativo dessa situação. A conexão

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ecológica mundial é determinante para a ideia de solidariedade entrecidadãos de diferentes nações, pois suas ações prejudiciais ao ambientetrarão efeitos para além das fronteiras dos seus próprios países, como, aliás,também informa outro princípio geral do Direito Ambiental, no caso oprincípio da cooperação. Nesse sentido, assinala o Princípio 7 daDeclaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) que“os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para aconservação, proteção e restauração da saúde e da integridade doecossistema terrestre (...)”.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (1992)141, segundo FábioKonder Comparato, aponta para a aplicação do princípio da solidariedadena esfera planetária, incidindo nas relações entre todas as nações, povos egrupos humanos da mesma geração, bem como entre a geração atual e afutura. O autor destaca, como projeção normativa do princípio dasolidariedade, os deveres jurídicos atribuídos às presentes gerações degarantir uma qualidade de vida ao menos igual a que desfrutam no presentepara as futuras gerações 142. Aí reside um dos aspectos mais importantesdo princípio da solidariedade, que, em face de conter a liberdade individualnaquilo em que ela representa uma ameaça ao desfrute dos direitosfundamentais, busca equilibrar as relações sociais na esfera comunitáriamundial, estabelecendo uma carga de responsabilidades e deveres (queoutrora só tocava ao Estado) aos particulares tanto no plano interno dosEstados nacionais quanto no plano internacional. Porém, como suscitadopor Comparado nas suas considerações, o princípio da solidariedadetambém se projeta na perspectiva das futuras gerações, o que analisaremosno tópico seguinte.

5.3. SOLIDARIEDADE ENTREDIFERENTES GERAÇÕES HUMANAS (E OPRINCÍPIO DA EQUIDADEINTERGERACIONAL)

Outro aspecto fundamental que caracteriza o princípio da solidariedade,especialmente na sua aplicação voltada para a questão ambiental, diz

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respeito à solidariedade (o dever de solidariedade) entre as geraçõeshumanas presentes (ou viventes) e as gerações humanas futuras, à luz,inclusive, do reconhecimento da dignidade de tais vidas potenciais. ParaJosé J. Gomes Canotilho, o significado básico do princípio da solidariedadeentre gerações circunscreve-se a “obrigar as gerações presentes a incluircomo medida de ação e de ponderação os interesses das futuras gerações”143. Essa situação se dá em razão de a proteção ambiental, como refere opróprio caput do art. 225 da CF/88144, objetivar a salvaguarda decondições ambientais favoráveis ao desenvolvimento da vida humana empatamares de dignidade não apenas para as gerações que hoje habitam aTerra e usufruem dos recursos naturais, mas também assegurando taiscondições para as gerações que irão habitar a Terra no futuro. Isso, porcerto, implica, necessariamente, um conjunto de deveres eresponsabilidades a cargo das gerações presentes para com as geraçõesfuturas. Nesse sentido, François Ost destaca o reconhecimento de um dever(das gerações presentes) de assegurar a existência das gerações futuras 145.Há, de certa forma, o reconhecimento da “vulnerabilidade” das futurasgerações e a necessidade de lhes assegurar proteção jurídica, limitando osdireitos das gerações viventes 146.

O princípio da solidariedade intergeracional estabelece responsabilidades(morais e jurídicas) para as gerações humanas presentes em vista da ideiade justiça intergeracional, ou seja, justiça (e equidade) entre geraçõeshumanas distintas. As gerações futuras nada podem fazer hoje parapreservar o ambiente, razão pela qual toda a responsabilidade (e deverescorrespondentes) de preservação da vida e da qualidade ambiental para ofuturo recai sobre as gerações presentes. Com base na Constituiçãoportuguesa, Carla Amado Gomes refere que, a partir da revisãoconstitucional de 1997, que aditou um novo texto à alínea “d”, n. 22, do seuart. 66, introduziu-se o princípio da solidariedade intergeracional no âmbitodo ordenamento jurídico-constitucional português, determinando o início deuma “viragem” legislativa no sentido de um antropocentrismo alargado,comunicando-se também com o princípio da utilização racional dosrecursos naturais, na perspectiva de possibilitar o seu aproveitamento pelasgerações futuras. Essa previsão constitucional, como refere a autoraportuguesa, reconhece que o “caráter transgeracional dos bens ambientais

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gera deveres para com as gerações vindouras, obrigando a um cuidadoacrescido na gestão dos mesmos” 147.

Ao tratar do princípio de equidade intergeracional, José A. Leite Sampaiodestaca que “as presentes gerações não podem deixar para as futurasgerações uma herança de déficits ambientais ou do estoque de recursos ebenefícios inferiores aos que receberam das gerações passadas. Esse é umprincípio de justiça ou equidade que nos obriga a simular um diálogo comnossos filhos e netos na hora de tomar uma decisão que lhes possaprejudicar seriamente” 148. Há um princípio de justiça ou equidadeintergeracional que também fortalece tal entendimento 149. De acordo comAlexandre Kiss e Dinah Shelton, por força do princípio da equidadeintergeracional, “as gerações presentes receberam uma herança de seusantepassados em relação à qual elas têm direitos benéficos de uso, mas quesão limitados pelos interesses e necessidades das gerações futuras”. Damesma forma, segundo os autores, cada geração, com base na confiança,deve assegurar que essa herança não seja repassada às gerações futuras emcondições piores do que foi recebida 150. A solidariedade e a equidade(embora não se trate da mesma noção) entre diferentes gerações humanascolocam-se como elementos-chave para a viabilidade de um futuro para ahumanidade, tomando em conta a crise ecológica vivenciada.

No âmbito da ADI 3.510/DF, proposta pelo Procurador-Geral da Repúblicaem face do art. 52 da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), a nossaCorte Constitucional julgou favoravelmente à constitucionalidade do uso decélulas-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos.Na ocasião, o tema da solidariedade intergeracional (e mesmo da dignidadedas futuras gerações humanas), inclusive por disposição do art. 225 daCF/88, serviu de fundamento no voto lançado pela Min. Cármen Lúcia nosseguintes termos: “o art. 225, § l2, inc. II, da Constituição brasileiraestabelece o princípio da solidariedade entre as gerações, como forma degarantir a dignidade da existência humana, quer dizer, não apenas adignidade do vivente (agora), mas a dignidade do viver e a possibilidade detal condição perseverar para quem vier depois. (...) A espécie humana éagora constitucionalmente tomada em sua integralidade, pelo que algunsdireitos fundamentais são considerados em sua potencialidade, quer dizer,em relação aos efeitos que poderá carrear para as gerações futuras (neste

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sentido o art. 225, caput, da Constituição da República brasileira, porexemplo; no plano do direito internacional, art. I2, da Declaração Universalsobre o Genoma e os Direitos Humanos; também o item 6 da Declaração daConferência de ONU sobre o Ambiente Humano, de Estocolmo, de 1972,dentre outros), (grifos nossos)” 151.

Na medida em que o vínculo existencial entre o ser humano e as condiçõesnaturais para o seu desenvolvimento é cada vez mais reforçado no âmbitocientífico (e repercute nas formulações políticas e jurídicas), é possível,como um critério de justiça ou equidade, cogitar até mesmo um direito detitularidade (e dignidade) das futuras gerações a não receberem a Terra ouos recursos naturais em condições ambientais piores do que as recebidaspelas gerações anteriores, a conformar, inclusive, uma proibição deretrocesso em termos de qualidade ambiental. Esse foi o intuito da Lei daPolítica Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187/2009) ao dispor,no seu art. 32, I, que “todos têm o dever de atuar, em benefício daspresentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes dasinterferências antrópicas sobre o sistema climático”. À luz daresponsabilidade (e também cautela) imposta como imperativo à conduta doser humano contemporâneo, especialmente quando do manuseio de novastecnologias, o princípio da precaução joga um papel fundamental para atutela dos interesses (ou direitos e dignidade?) das gerações futuras 152.Portanto, a incidência normativa do princípio da solidariedade nas relaçõesentre gerações humanas revela a carga de deveres atribuída à geraçãopresente, reforçando, inclusive, a tese da dignidade de tais vidas futuras153.

5.4. SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIESNATURAIS?

Também como projeção normativa do princípio constitucional dasolidariedade na órbita ecológica, como refere Ulrich Beck, há que seconceber uma “solidariedade entre todas as coisas vivas”, na forma de umacomunidade entre a terra, as plantas, os animais e os seres humanos, tendoem vista que a ameaça ecológica afeta por igual a todos e ao todo 154. Aproposta formulada pelo sociólogo alemão não se distancia do contrato

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natural de Michel Serres 155, já que transporta o ideal de uma comunidadepolítica integrada por todos os membros da comunidade natural,considerando o respeito e a reciprocidade que devem orientar as relaçõesestabelecidas em tal quadrante comunitário. A consciência de umasolidariedade entre os seres naturais é despertada, conforme acentua Beck,em razão de as ameaças à vida ocasionadas pelo desenvolvimentocivilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça como um sernatural integrante de um todo natural ameaçado, e ao mesmo temporesponsável por tal situação de ameaça existencial. A ameaça decontaminação faz com que o ser humano perceba que o seu corpo formaparte das “coisas naturais”, e que, portanto, juntamente com as pedras e asárvores, está também exposto à chuva ácida 156. Essa consciência leva oser humano a reconhecer uma comunidade natural, diante da qual umarelação de solidariedade e respeito mútuo apresenta-se como pressupostopara a permanência existencial das espécies naturais (incluída entre elas aespécie humana).

No plano jurídico, à luz das considerações já desenvolvidas, a vedação daspráticas cruéis contra os animais (não humanos), conforme estabelecido noart. 225, § I2, VII, da CF/88, e no art. 32 da Lei dos Crimes e InfraçõesAdministrativas Ambientais (Lei n. 9.605/98), reforça a concepção de umprincípio de solidariedade entre as espécies naturais. Não apenas em relaçãoaos animais, mas à Natureza em termos gerais. A ideia de “solidariedadeentre espécies naturais”, portanto, também pode transportar oreconhecimento do valor intrínseco de todas as manifestações existenciais,bem como o respeito e a reciprocidade indispensável ao convívioharmonioso entre todos os seres vivos na nossa casa planetária comum. Aproposta de um contrato natural, conforme formulada por Serres, teriacomo propósito justamente ampliar o atual pacto social, incluindo novosparceiros de aventura natural no rol dos sujeitos de direito. O princípio dasolidariedade passa a ser uma das bases-éticas (e jurídicas) fundamentais dasociedade contemporânea na sua caminhada civilizatória, considerandotodas as suas dimensões (intrageracional, intergeracional e interespécies)157.

Diplomas internacionais e legislação:

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- Art. I da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

- Preâmbulo (item 6) e princípios 1 e 2 da Declaração de Estocolmosobre o Meio Ambiente Humano (1972)

- Princípios 3, 5 e 6 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes emRelação às Gerações Futuras da UNESCO (1997)

- Arts. 3A I, 4A II, e 225, caput, da CF/88

- Arts. 2A caput e inciso I, e 4Ü, I e VI, da Lei da Política Nacional doMeio Ambiente (Lei n. 6.938/81)

- Art. 3A I e III, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima(Lei n. 12.187/2009)

Jurisprudência:

STF

- MS 22.164/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30-10-1995

- ADI 3.540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

-ADI 3.510/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres BrittoJ. 29-5-2008

- RE 586.224/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux,j. 9-3-2015

STJ

- REsp 883.656/RS, 2^ Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 9-3-2010

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- REsp 1.240.122/PR, 2^ Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28-6-2011

6 PRINCÍPIO DARESPONSABILIDADE EM FACEDAS PRESENTES E DASFUTURAS GERAÇÕESA existência física e a própria dignidade humana está ameaçada pela atualcrise ecológica. O filósofo alemão Hans Jonas colocou em cheque a“civilização tecnológica” com o seu princípio da responsabilidade (dasPrinzip Verantwortung), propondo uma abordagem ética da ciência, emvista principalmente dos riscos existenciais trazidos pelas novas tecnologiasdesenvolvidas que, de acordo com o autor, como nunca dantes visto,expressam o triunfo do homofaber sobre a Natureza e a vocação tecnológicada humanidade 158. Para o autor, a operacionalização do arsenal científicoe tecnológico deve ser pautada pela responsabilidade do cientista esubmetida a parâmetros éticos, a fim de que seja preservada a condiçãoexistencial humana, bem como a qualidade de vida no nosso Planeta. Acrítica de Jonas sabidamente é procedente, já que, em muitas situações, aciência está a serviço de interesses puramente econômicos, o que, comorefere o filósofo alemão, coloca o ser humano, dentre todas as espécies quejá habitaram o Planeta Terra, como a mais destrutiva e ameaçadora. Em tomcrítico, Jonas enfatiza e confronta a prepotência (e suposta autossuficiência)do pensamento humano, ao afirmar que “solamente con la supremacia delpensamiento y con el poder de la civilización técnica posibilitada por él,una forma de vida, ‘el hombre’, se ha colocado en situación de poner enpeligro a todas las demás formas de vida y, con ellas, a sí mismo. No pudo‘la naturaleza’ incurrir en mayor riesgo que el de hacer surgir al hombre”159.

A ação (e omissão) humana está na origem da atual crise ecológica. Dito deoutro modo, são justamente as práticas inconsequentes e irresponsáveis dos

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seres humanos, nas mais diversas áreas de atuação, tanto privadas quantopúblicas, que nos conduziram ao atual estado de risco existencial. Há, nessesentido, para além da responsabilidade na esfera moral, também anecessidade de imposição de responsabilidades (deveres e obrigações) nocampo jurídico, com o propósito de frear o ímpeto destrutivo que tem nosguiado nos últimos séculos, e de modo particularmente acelerado a partir dasegunda metade do Século XX. É nesse cenário (social, político, econômicoe jurídico) que se insere o princípio da responsabilidade. Trata-se, semdúvida, de um dos princípios precursores do Direito Ambiental, muitoembora se trate de um princípio geral de Direito.

No plano normativo internacional, pelo menos desde a Declaração deEstocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), o princípio daresponsabilidade tem sido reiteradamente invocado na esfera da proteçãoambiental. No seu Preâmbulo (item 7), restou consignado que, para efetivara defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as geraçõespresentes e futuras, “será necessário que cidadãos e comunidades, empresase instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades quepossuem e que todos eles participem equitativamente, nesse esforçocomum”. No mesmo dispositivo, há também a previsão de que “asadministrações locais e nacionais, e suas respectivas jurisdições são asresponsáveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplicaçõesde medidas em grande escala sobre o meio ambiente”. Há, conforme sepode ver na passagem citada, tanto a atribuição de responsabilidades aosindivíduos e à sociedade em geral, quanto ao Estado. Além do dispositivoreferido, o Princípio 4 do diploma, de modo complementar, assevera que “ohomem tem a responsabilidade especial de preservar e administrarjudiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat,que se encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinaçãode fatores adversos (...)”. Já o Princípio 22, igualmente vinculado ao tema,dispõe que “os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo odireito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização àsvítimas da poluição e de outros danos ambientais que as atividadesrealizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de tais Estados causem azonas fora de sua jurisdição”.

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Em etapa subsequente, avançando no campo da responsabilização pelodano ambiental no plano internacional, é digna de nota a Declaração do Riosobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992). Entre os aspectosinovadores trazidos pelo diploma, está a denominada “responsabilidadecomum, mas diferenciada”, tomando como referência a desigualdade(sobretudo socioeconômica) existente entre os Estados no planointernacional e, consequentemente, o fato de alguns Estados (e seusrespectivos cidadãos) serem grandes poluidores e consumidores de recursosnaturais, enquanto outros muito pouco ou nada contribuem para a criseecológica, tanto pelo prisma do presente quanto do passado. De acordo como Princípio 7, “(...) os Estados têm responsabilidades comuns, porémdiferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade quelhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo emvista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambienteglobal e as tecnologias e recursos financeiros que controlam” 160.

De modo complementar, o Princípio 13 da Declaração do Rio assinala que“os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa àresponsabilidade e à indenização das vítimas de poluição e de outros danosambientais. Os Estados irão também cooperar, de maneira expedita e maisdeterminada, no desenvolvimento do direito internacional no que se refere àresponsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos danosambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentrode sua jurisdição ou sob seu controle”. Em outras palavras, o últimodispositivo citado destaca o papel que cabe ao Estado, tanto no planointerno, no sentido de adotar regime jurídico específico para assegurar aresponsabilidade pelo dano ambiental, como também no plano externo, ouseja, na relação travada pelos Estados no âmbito internacionall61.Conforme reportam Alexandre Kiss e Dinah Shelton, “a versão mais amplado princípio citado acima obrigaria o mundo desenvolvido a pagar pordanos passados, como uma forma de justiça corretiva, bem como danospresentes e futuros” 162.

No ordenamento jurídico brasileiro, pelo prisma da proteção ambiental, oprimeiro diploma que tratou de forma diferenciada a temática daresponsabilidade pelos danos ecológicos foi a Lei n. 6A53/T7, que regulou aresponsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por

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atos relacionados com atividades nucleares. Além da responsabilização deordem criminal pelos danos nucleares, o diploma em análise consagrou a“responsabilidade objetiva”, ou seja, independentemente da existência deculpa do operador da instalação nuclear, para ensejar a responsabilizaçãocivil pelo dano nuclear, bem como a “natureza solidária” atribuída à mesma.Sobre o tema, dispõe o diploma em comento que “será exclusiva dooperador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente daexistência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclearcausado por acidente nuclear” (art. 42, caput), bem como que “quandoresponsáveis mais de um operador, respondem eles solidariamente, seimpossível apurar-se a parte dos danos atribuível a cada um” (art. 52). Tem-se aí importantíssima inovação jurídica que rompe com o paradigma liberal-individualista clássico do Direito Civil e que será aproveitada, pouco tempodepois, muito embora a discussão envolvendo as diferentes teorias sobre atemática da responsabilidade civil objetiva 163, pela Lei n. 6.939/81, aodispor, no seu art. 14, § l2, que também a responsabilidade civil em matériaambiental é de natureza objetiva, ou seja, independentemente da existênciade culpa do poluidor.

À luz desse cenário consolidado a respeito da responsabilidade pelos danosambientais, sobretudo na esfera cível, a CF/88, no § 42 do art. 225, veio aaprimorar o regime jurídico até então vigente, cristalizando a trípliceresponsabilidade (administrativa, civil e penal) do poluidor pelo danoambiental: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambientesujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais eadministrativas, independentemente da obrigação de reparar os danoscausados”. A responsabilização pelo dano ambiental ainda foicomplementada de forma expressiva pela Lei dos Crimes e InfraçõesAdministrativas em Matéria Ambiental (Lei n. 9.605/98), inclusive notocante à responsabilização penal da pessoa jurídica em decorrência daprática de crimes ambientais (art. 32), seguindo a diretriz delineada pelaprópria CF/88 no dispositivo referido anteriormentel64. Portanto, a partir domarco geral traçado pela CF/88, no tocante às três esferas daresponsabilização do poluidor pelos danos causados ao ambiente, tem-se aLei n. 6.938/81, encarregada da responsabilidade civil pelo dano ambiental,bem como a Lei n. 9.605/98, regulamentando tanto a responsabilidade penalquanto a responsabilidade administrativa (art. 70 e s.165) na matéria.

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Reforçando o regime da responsabilidade civil em matéria ambiental, a Leida Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010) consagroude forma expressa a responsabilidade pós-consumo, ou seja, aresponsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (art. 6a,VII).

Nesse sentido, verifica-se a existência, no Brasil, de um regime jurídicoextremamente sólido pelo prisma normativo no tocante à responsabilizaçãodo poluidor pelo dano ambiental, alcançando pessoas físicas e jurídicas,privadas e públicas (art. 3a, IV, da Lei n. 6.938/81). Alinhados com talperspectiva, Juizes e Tribunais brasileiros têm fortalecido no âmbitojurisprudencial a responsabilidade pelos danos causados ao ambiente 166,inclusive avançando de forma progressista em alguns pontos, como, porexemplo, na responsabilização pelo dano moral ambiental, no acolhimentoda teoria do risco integral para a responsabilização civil em matériaambiental 167, na adoção da prioridade da reparação in natura e integral dodano ambiental (em detrimento da reparação por perdas e danos, poisjamais será equivalente à perda da biodiversidade e da qualidadeambiental), na tríplice responsabilização do poluidor e independência entreas esferas civil, administrativa e penal, na relativização do nexo causai,entre outros pontos sensíveis da matéria 168. A título de exemplo, notocante ao dano moral ambiental (extrapatrimonial), doutrina ejurisprudência tem convergido substancialmente no sentido de que tal danoabarca as lesões de natureza social e moral coletiva, ou seja, o dano consisteno impacto negativo ao bem-estar da coletividade decorrente da degradaçãoecológica 169.

O princípio da responsabilidade, de modo similar ao que verificamos notocante ao princípio da solidariedade, também possui múltiplas dimensões,alcançando inclusive os interesses das futuras gerações. As futurasgerações, nessa perspectiva, são consideradas por alguns autores 170 comocategoria jurídica detentora de vulnerabilidade, haja vista que os seusinteresses (e direitos?) somente podem ser resguardados e reivindicados porterceiros (no caso, a geração presente), o que reforça a esfera dos deveresjurídicos (e morais) e responsabilidade que recaem sobre as geraçõesviventes. Assim como ocorre de modo geral com os princípios, o princípioda responsabilidade carece, especialmente para o efeito da dedução de

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sanções concretas e medidas de natureza organizatória e procedimental, dedensificação, especialmente no plano da normativa infraconstitucional, mastambém mediante a prática decisória dos Tribunais, como, aliás, se

percebe em face da sumária apresentação das principais medidaslegislativas e mesmo de como o Poder Judiciário tem interpretado eaplicado concretamente tal princípio. Mas talvez a mensagem maiselementar a ser extraída do princípio da responsabilidade seja a de conter oímpeto destrutivo do ser humano na sua relação com a Natureza, colocando,para tanto, balizas tanto de ordem moral quanto jurídicas, inclusive com autilização, quando necessário, dos recursos mais extremos do nossoordenamento jurídico (e Sistema de Justiça), como é o caso do Direito Penal171.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípios 2 e 4 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio AmbienteHumano (1972)

- Princípios 7 e 13 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes emRelação às Gerações Futuras da UNESCO (1997)

- Art. 225, § 3A da CF/88

- Arts. 3A IV, 14, § 1A da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente(Lei n. 6.938/81)

- Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei n.9.605/98)

- Art. 3A caput, e I, da Lei da Política Nacional sobre Mudança doClima (Lei n. 12.187/2009)

- Art. 6A VII, Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

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Jurisprudência:

STF

- MS 22.164/SR Rel. Min. Celso de Mello, j. 30-10-1995

- ADI 3540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

- AgR no RE 548.181/PR, Ia Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 14-5-2013

STJ

- REsp 442.586-SR 1* Turma. Rel. Min. Luiz Fux,j. 26-11-2002

- REsp 610.114/RN, 5* Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 17-11-2005

- REsp 1.198.727/MG, 2^ Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 14-8-2012

- REsp 1367923/RJ, 2^Turma, Rel. Min. Humberto Martins,]. 27-8-2013

7 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADORAs autoridades nacionais devem procurar promover a internalização doscustos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista aabordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custoda poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocardistorções no comércio e nos investimentos internacionais (Princípio 16 daDeclaração do Rio de 1992).

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A utilização de recursos naturais, no ciclo de produção de bens e serviços,enseja a geração de externalidades negativas, notadamente em termos depoluição e degradação ambiental. O princípio do poluidor-pagador, tomadoem tal perspectiva, objetiva justamente “internalizar” nas práticasprodutivas (em última instância, no preço dos produtos e serviços) os custosecológicos, evitando-se que os mesmos sejam suportados de modoindiscriminado (e, portanto, injusto) por toda a sociedade 172. De acordocom Ramón Martin Mateo, o princípio do poluidor pagador representeautêntica “piedra angular del Derecho Ambiental”, com o propósito deeliminar as motivações econômicas da contaminação, inclusive aplicandoos imperativos da ética distributival73. Em outras palavras, coloca-se anecessidade de vincular juridicamente o gerador de tais custos ambientais(ou seja, poluidor), independentemente de ser ele o fornecedor (ouprodutor) ou mesmo o consumidor, com o propósito de o mesmo serresponsabilizado e, consequentemente, arcar com tais custos ecológicos,exonerando-se a sociedade desse encargo. O princípio do poluidor-pagadornão deixa de ser uma decorrência normativa do próprio princípio daresponsabilidade aplicado à matéria ambiental. A origem do princípio dopoluidor pagador (Verursacherprinzip) é atribuída à legislação ambientalalemã da Década de 1970, assim como, aliás, ocorre em relação a outrosprincípios gerais do Direito Ambiental, como é o caso, por exemplo, doprincípio da precaução e do princípio da cooperação 174.

Adotado no ano de 1972 pelos países membros da Organização para aCooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE - Organisation forEconomic Cooperation and Development), de acordo com o documentodenominado “Princípios orientadores relativos aos aspectos econômicosinternacionais das políticas ambientais” (Guiding principles concerninginternational economic aspects of environmental policies) VI5, o princípiodo poluidor-pagador, conforme assinalam Alexandre Kiss e Dinah Shelton,foi compreendido originalmente “como um princípio econômico e como aforma mais eficiente de alocar os custos da prevenção da poluição e demedidas de controle introduzidas pelas autoridades públicas nos paísesmembros” 176. Mais adiante, ainda no plano internacional, o princípio dopoluidor-pagador foi consagrado expressamente no Princípio 16 daDeclaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992),conforme referimos na epígrafe de abertura deste tópico.

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No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei da Política Nacional do MeioAmbiente (Lei n. 6.938/81) dispõe, no seu art. 42, inciso VII, que se visará“a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ouindenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilizaçãode recursos ambientais com fins econômicos”. De modo complementar, aLei n. 6.938/81 estabelece o conceito de poluidor, no seu art. 32, IV, como“a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.Embora os dispositivos citados não tenham empregado diretamente aexpressão “poluidor-pagador”, o conteúdo do princípio está ali consagrado.O princípio do poluidor-pagador aparece consagrado expressamente no art.62, II, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010), inclusive no mesmo dispositivo do denominado princípio doprotetor-recebedor.

O conteúdo do princípio do poluidor-pagador não se dirige única eexclusivamente ao “fornecedor” de bens e serviços de consumo, mastambém impõe responsabilidades ao consumidor ou usuário de tais produtosou serviços, inclusive de acordo com o conteúdo da parte final da normainscrita no art. 42, VII, da Lei n. 6.938/81, conforme já referido. É possível,portanto, identificar o princípio do usuário-pagador como um princípio doDireito Ambiental, orientando normativamente o usuário de recursosnaturais no sentido de adequar as práticas de consumo ao uso racional esustentável dos mesmos, bem como à ampliação do uso de tecnologiaslimpas no âmbito dos produtos e serviços de consumo, a exigência decertificação ambiental dos produtos e serviços etc. A Lei da Mata Atlântica(Lei n. 11.428/2006) tratou de consagrar normativamente, no seu art. 6a,parágrafo único, entre outros princípios, o princípio do usuário-pagador.Antes ainda, de modo similar, a Lei da Política Nacional de RecursosHídricos (Lei n. 9.433/97) também já havia incorporado o mesmoentendimento, ao consagrar, no seu art. 5a, IV, como instrumentos daPolítica Nacional de Recursos Hídricos, “a cobrança pelo uso de recursoshídricos”. Na mesma trilha, a Lei da Política Nacional sobre Mudança doClima (Lei n. 12.187/2009) tratou de assinalar, no seu art. 3a, III, que “asmedidas tomadas devem levar em consideração os diferentes contextossocioeconômicos de sua aplicação, distribuir os ônus e encargosdecorrentes entre os setores econômicos e as populações e comunidades

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interessadas de modo equitativo e equilibrado e sopesar asresponsabilidades individuais quanto à origem das fontes emissoras e dosefeitos ocasionados sobre o clima”. A diretriz geral de ambos os princípios(poluidor-pagador e usuário-pagador) consiste, tomando por base oreferencial normativo referido, na responsabilização jurídica e econômicapelos danos causados ao ambiente com o nítido propósito de desonerar asociedade, ou, pelo menos, de modo a minimizar o fenômeno da“externalização” dos custos ambientais gerados no âmbito das atividades deprodução e consumos de bens e serviços.

Na jurisprudência, o princípio do poluidor-pagador tem sido um grandealiado no sentido de reforçar o regime da responsabilidade civil em matériaambiental, extraindo eficácia normativa do princípio em questão. Não poroutra razão, o princípio é comumente empregado como fundamento,sobretudo na jurisprudência do STJ, para justificar, por exemplo, a adoçãoda teoria do risco integral para a hipótese de dano ambiental e, portanto,rejeição das excludentes de ilicitude 177, bem como a reparação integral dodano ambiental, admitindo a imposição de obrigações de fazer, não fazer epagar quantia em dinheiro 178, além, é claro, da inversão do ônus da prova179 e da caracterização do dano moral ambiental coletivo 180. Conformeassinala o Ministro Herman Benjamin, é “pacífica a jurisprudência do STJde que, nos termos do art. 14, § l2, da Lei n. 6.938/1981, o degradador, emdecorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 42, VII(primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente daexistência de culpa, a reparar - por óbvio que às suas expensas - todos osdanos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade,sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que,consequentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins deacertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração dostatus quo ante ecológico e de indenização” 181.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípio 16 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Art. 225, § 3A da CF/88

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- Arts. 3A IV, 4A VII, e 14, § IA da Lei da Política Nacional do MeioAmbiente (Lei n. 6.938/81)

- Art. 5A IV, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n.9.433/97)

- Art. 6A parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei n.11.428/2006)

- Art. 3A III, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lein. 12.187/2009)

- Art. 6A II, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

Jurisprudência:

STF

- ADI 3.378/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, j. 9-8-2008

STJ

- REsp 605.323/MG, 1H Turma, Rel. Min. José Delgado e Rel. p.acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j. 18-8-2005

- REsp 769.753/SC, 2HTurma, Rel. Min. Herman Benjamin,). 8-9-2009

- REsp 1.060.753/SP, 2H Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 1-12-2009

- REsp 1.114.398/PR, 2H Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 8-2-2012

- REsp 1,367.923/RJ, 2^ Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 27-8-2013

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- REsp 1.255.127/MG, 2HTurma, Rel. Min. Herman Benjamin,). 18-8-2016

8 PRINCÍPIO DODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELA fim de alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambientedeverá constituir-se como parte integrante do processo de desenvolvimentoe não poderá ser considerada de forma isolada (Princípio 4 da Declaraçãodo Rio de 1992).

A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização dodesenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade domeio ambiente e do equilíbrio ecológico (...) (art. 4a, I, da Lei n. 6.938/81).

8.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OCONCEITO DE DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL

Tanto as ideologias liberais quanto as socialistas, como bem acentuam JoséR. Morato Leite e Patryck de A. Ayala, não souberam lidar com a criseambiental e tampouco inseriram a agenda ambiental no elenco dasprioridades dos seus respectivos projetos político-econômicos,especialmente se se considerar que ambos os modelos - o capitalismoindustrial e o coletivismo industrial - promoveram um modelo de produçãoextremamente agressivo ao ambiente 182. O quadro contemporâneo dedegradação e crise ambiental é fruto, portanto, dos modelos econômicosexperimentados no passado e dos equívocos que seguem sendo cometidos,não tendo sido, além disso, cumprida a promessa de bem-estar para todoscomo decorrência da Revolução Industrial, mas sim, instalado um contextode devastação ambiental planetária e indiscriminada 183. No mesmo

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sentido, Vasco Pereira da Silva destaca que o Estado Social “desconheceraem absoluto” a problemática ambiental, por estar imbuído de uma“ideologia otimista” do crescimento econômico, como “milagre” criador doprogresso e de qualidade de vida 184. Somente com a crise do modelo deEstado Social ou de Providência, surgida no final dos anos 60 e cujossintomas mais agudos só foram sentidos nos anos 70, com a denominada“crise do petróleo”, que se obrigou a uma tomada generalizada deconsciência acerca dos limites do crescimento econômico e daesgotabilidade dos recursos naturais 185. Também data do início da décadade 1970 o relatório do Clube de Roma sobre os limites do crescimentoeconômico, revelando diversos problemas sociais e econômicosrelacionados à crescente poluição ambiental e ao esgotamento dos recursosnaturais.

Foi precisamente naquela quadra que o conceito de desenvolvimentosustentável foi cunhado no âmbito da Comissão Mundial sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, designadamente pormeio do Relatório Nosso Futuro Comum (1987), veiculando a noção de quedesenvolvimento sustentável seria “aquele que atende às necessidades dopresente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderema suas próprias necessidades” 186. Incorporando o conceito adotado pelaComissão Bruntland, o Princípio 4 da Declaração do Rio sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento de 1992, veio a estabelecer que “a fim dealcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente deveráconstituir-se como parte integrante do processo de desenvolvimento e nãopoderá ser considerada de forma isolada”. A ideia de sustentabilidade 187encontra-se, portanto, vinculada à proteção do ambiente, já que manter (e,em alguns casos, recuperar) o equilíbrio ambiental implica o uso racional eharmônico dos recursos naturais, de modo a por meio de sua degradaçãotambém não os levar ao seu esgotamento.

O conceito de desenvolvimento transcende, substancialmente, a ideialimitada de crescimento econômico. Nesse sentido, a Declaração sobreDireito ao Desenvolvimento (1986), da qual o Brasil é signatário, dispõe(art. I2, § l2) que “o direito ao desenvolvimento é um direito humanoinalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estãohabilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e

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político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanose liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. Esseentendimento também está presente no pensamento de Amartya Sen, queidentifica o desenvolvimento como expressão da própria liberdade doindivíduo, de tal sorte que o mesmo deve necessariamente resultar naeliminação da privação de liberdades substantivas (leia-se: bens sociaisbásicos, como, por exemplo, alimentação, tratamento médico, educação,água tratada ou saneamento básico) 188, rol que deve ser acrescido daqualidade do ambiente, conforme reconhecido pelo próprio Sen 189. Atépor uma questão de justiça entre gerações humanas, a geração presenteteria a responsabilidade de deixar como legado às gerações futurascondições ambientais idênticas ou melhores do que aquelas recebidas dasgerações passadas, estando a geração vivente, portanto, vedada a alterar emtermos negativos as condições ecológicas, até por força do princípio daproibição de retrocesso ambiental e do dever (do Estado e dos particulares)de melhoria progressiva da qualidade ambiental.

No plano normativo nacional, a noção de sustentabilidade encontrouressonância já na legislação editada antes da constitucionalização daquestão ambiental. Com efeito, a Lei n. 6.938/81, no seu art. 42, entre osobjetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, destaca a“compatibilização do desenvolvimento econômico-social com apreservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico(inciso I)” e a “preservação e restauração dos recursos ambientais comvistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendopara a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida” (inciso VI).Também a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97)arrolou, no seu art. 22, como objetivos da PNRH: I - assegurar à atual e àsfuturas gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões dequalidade adequados aos respectivos usos; e II - a utilização racional eintegrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, comvistas ao desenvolvimento sustentável. Também a Lei da Mata Atlântica(Lei n. 11.428/2006) consagrou, no seu art. 62, caput, como objetivo centrala proteção do bioma da Mata Atlântica com vistas ao desenvolvimentosustentável.

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Nessa mesma trilha, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima(Lei n. 12.187/2009), no seu art. 32, caput, arrolou, entre os princípiosnorteadores da PNMC, o princípio do desenvolvimento sustentável. Alémdos diplomas referidos, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lein. 12.305/2010) consagrou, entre os princípios da PNRS (art. 62), “a visãosistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveisambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública”(inciso III), “o desenvolvimento sustentável” (inciso IV), e “a ecoeficiência,mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos,de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas etragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumode recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade desustentação estimada do planeta” (inciso V). O Novo Código Florestal (Lein. 12.651/2012) também consagrou o desenvolvimento sustentável como oobjetivo central do regime jurídico de proteção florestal (art. I2, parágrafoúnico). Em termos gerais, conforme se pode apreender dos exemplosdestacados, a legislação ambiental brasileira incorporou o princípio dodesenvolvimento sustentável e lhe deu vida, ainda que com isso não estejaresolvida a questão da eficácia social (efetividade) da legislação.

Para além da regulação legislativa ou mesmo administrativa e judicial doprincípio do desenvolvimento sustentável (ou simplesmentesustentabilidade), importa sublinhar que existe uma tensão dialéticapermanente entre o objetivo da proteção ambiental e o desenvolvimentosocioeconômico, de modo que a opção por uma perspectiva integrada -socioambiental - implica ainda maior (e também mais complexa etensionada) articulação com uma concepção de constituição econômica,que, portanto, não pode ser concebida como um núcleo isolado no contextomais amplo da ordem constitucional 190. Em razão do forte conteúdoeconômico que envolve a utilização dos recursos naturais, e,consequentemente, das pressões de natureza político-econômica quepermeiam, na maioria das vezes, as medidas protetivas do ambiente, Paulode Bessa Antunes pontua que não se pode entender a natureza econômicada proteção jurídica do ambiente como um tipo de relação jurídica queprivilegie a atividade produtiva em detrimento de um padrão de vidamínimo que deve ser assegurado aos seres humanos, mas a preservação e autilização sustentável e racional dos recursos ambientais devem ser

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encaradas de modo a assegurar um padrão constante de elevação daqualidade de vida, sendo, portanto, o fator econômico encarado comodesenvolvimento, e não como crescimento 191.

Entre os aspectos relevantes do paradigma do desenvolvimento sustentável,está a internalização dos custos ecológicos decorrentes das práticaseconômicas produtivas, conforme apontado anteriormente no tópico sobre oprincípio do poluidor pagador. De acordo com a lição de Fábio Nusdeo, emsua obra precursora no âmbito nacional sobre a temática dodesenvolvimento sustentável intitulada Desenvolvimento e ecologia (1975),“a grande maioria dos fenômenos ligados à poluição e à degradaçãoambiental enquadram-se na categoria das externalidades. São, na realidade,custos transferidos por um circuito paralelo ao mercantil e que atingemindistintamente a comunidade. Esta não consegue encontrar no conjunto dasinstituições que disciplinam o sistema econômico meios de deles seressarcir e, assim, o processo vai-se estendendo indefinidamente,cumulando os seus efeitos. São, portanto, verdadeiros custos sociais, talcomo acima definidos” 192.

O Estado Socioambiental de Direito, conforme já sinalizamos em tópicoanterior, longe de ser um Estado “Mínimo” (permissivo no que diz com olivre jogo dos atores econômicos e do mercado), deve ser um Estadoregulador da atividade econômica, capaz de dirigi-la e ajustá-la aos valorese princípios constitucionais, objetivando o desenvolvimento humano esocial de forma ambientalmente sustentável 193. Nessa perspectiva, pormais que se possa e deva reconhecer os câmbios ocorridos na esfera dateoria (e prática) da Constituição Dirigente (na perspectiva de um dirigismo- mas não “totalitarismo” ecológico), aspectos que, todavia, aqui nãopoderão ser aprofundados, resulta evidente que especialmente na esferaambiental, uma vez reconhecida a vinculação jurídica (e mesmojudicialmente controlável) dos órgãos estatais, com destaque para olegislativo e executivo, às imposições constitucionais, ainda mais à vista doperfil adotado pelo direito constitucional brasileiro, não é possíveldesconsiderar ou mesmo minimizar a noção de Constituição Dirigente e suaarticulação com a Constituição Econômica e o problema dodesenvolvimento 194.

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O princípio do desenvolvimento sustentável expresso no art. 170 (inciso VI)da CF/88, confrontado com o direito de propriedade privada e a livre-iniciativa (caput e inciso II do art. 170), também se presta a desmistificar aperspectiva de um capitalismo liberal-individualista em favor dos valores eprincípios constitucionais ambientais. Com relação à pedra estruturante dosistema capitalista, ou seja, a propriedade privada, os interesses do seutitular devem ajustar-se aos interesses da sociedade e do Estado, na esteiradas funções social e ecológica que lhe são inerentes. A ordem econômica,constitucionalizada a partir dos princípios diretivos do art. 170 da CF/88,mas também e essencialmente com base também nos demais fundamentos eobjetivos constitucionais que a informam (por exemplo, os objetivosfundamentais da República elencados no art. 32 da CF/88), expressa umaopção pelo que se poderia designar de um capitalismo ambiental ousocioambiental (ou economia ambiental ou socioambiental de mercado)195 capaz de compatibilizar a livre iniciativa, a autonomia e a propriedadeprivada com a proteção ambiental e a justiça social (e também justiçaambiental), tendo como norte normativo, “nada menos” do que a proteção epromoção de uma vida humana digna e saudável (e, portanto, comqualidade, equilíbrio e segurança ambiental) para todos os membros dacomunidade estatal.

Para ilustrar esse projeto normativo em termos práticos, destaca-se, dentreoutros instrumentos jurídicos criados com o propósito de conciliar aspráticas produtivas com a proteção ambiental, o estudo prévio de impactoambiental (art. 225, § I2, IV, da CF/88, art. 10 da Lei n. 6.938/81 eResolução 237/97 do CONAMA) exigido para a instalação de obra ouatividade causadora ou potencialmente causadora de significativadegradação ambiental. Em linhas gerais, trata-se de um mecanismo jurídicode ajuste e regulação da atividade econômica, que limita o direito depropriedade e a livre-iniciativa dos atores econômicos privados,conformando o seu comportamento ao princípio constitucional (e dever) dodesenvolvimento sustentável. O mesmo entendimento é advogado porCristiane Derani, ao assinalar que a avaliação de impacto ambientalincorpora um processo de planejamento para a “sustentabilidade” dasatividades econômicas, integrado por um conjunto de ações estratégicas emvista de uma melhoria (e também melhor distribuição) da qualidade de vida196. Ainda nesse contexto, Orei P. Bretanha Teixeira aduz que não se pode

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desconsiderar crescente relevância do poder de polícia como instrumentoconferido ao Estado para viabilizar a intervenção na economia, de modo afiscalizar e regulamentar as atividades poluidoras ou potencialmentepoluidoras 197.

Considerando que a incorporação da proteção ambiental como objetivofundamental do Estado não é incontroversa, de modo especial por implicaruma reorientação radical das funções econômicas e sociais do Estado, épreciso ter em mente - de acordo com a lição de José Manuel Pureza - que,diferentemente da lógica limitativa que estava em jogo no embate entreEstado Liberal e o Estado Social, a questão decisiva para o Estado deDireito Ambiental não é a intensidade da intervenção econômica do Estado,mas sim o primado do princípio do destino universal dos bens ambientais, oque impõe o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural 198. Oautor português agrega, ainda, que o Estado Ambiental assume abertamenteo patrimônio natural e o ambiente como bens públicos, objeto de utilizaçãoracional (controlada, por exemplo, por meio de instrumentos fiscais ouadministrativos), impondo balizas jurídicas que orientem toda a atividadeeconômica para um horizonte de solidariedade substanciall99.

Seguindo a mesma linha de entendimento, é possível, tomando porempréstimo a lição de Ramón Mateo, afirmar que o conceito dedesenvolvimento sustentável vai mais além de uma mera harmonizaçãoentre a economia e a ecologia, incluindo valores morais relacionados àsolidariedade 200, o que indica o estabelecimento de uma nova ordem devalores que devem conduzir a ordem econômica rumo a uma produçãosocial e ambientalmente compatível com a dignidade de todos osintegrantes da comunidade político-estatal. O desenvolvimento econômico,portanto, deve estar vinculado à ideia de uma melhoria substancial daqualidade de vida, e, portanto, não apenas assentar em aspectosquantitativos no que diz com o crescimento econômico. A partir da mesmaideia de solidariedade, inclusive considerando a dimensão intergeracionalque lhe é inerente, Édis Milaré alerta para a relação entre “direito” e“dever” consubstanciada no princípio do desenvolvimento sustentável201,na medida em que tal comando jurídico impulsiona, para além do direitoindividual e coletivo de viver e desenvolver-se em um ambienteecologicamente equilibrado, a ideia de responsabilidade e dever das

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gerações humanas presentes em preservar e garantir condições ambientaisfavoráveis para o desenvolvimento adequado da vida das futuras gerações.

O princípio do desenvolvimento sustentável deve pautar e vincular ascondutas públicas e privadas, especialmente no que diz com sua atuação naórbita econômica. Na linha defendida por Cristiane Derani, consideradas asprescrições constitucionais da ordem econômica, em razão da vinculação dagarantia da propriedade privada ao desempenho de uma função social (arts.52, XXIII, e 170, III) e mesmo ambiental (há que agregar), estaríamosdiante de uma espécie de capitalismo social2Q2, ao passo que odesenvolvimento econômico encontra limites no interesse coletivo, devendoservir apenas como meio (e não um fim em si mesmo) de realização dosvalores fundamentais do Estado de Direito e da comunidade político-estatal.É com razão, portanto - e a lição se revela perfeitamente compatível com onosso próprio modelo -, que Antonio E. Perez Luho aponta para a opçãoconstitucional espanhola de tutela ambiental, objetivando um modelo dedesenvolvimento econômico e humano de resgate do “ser” (qualitativo) emdetrimento de um modelo predatório do “ter” (quantitativo) 203, não sendoà toa que a garantia de uma existência digna foi erigida à condição deobjetivo maior também no âmbito da ordem econômica na CF/88.

8.2. OS TRÊS PILARES (SOCIAL,ECONÔMICO E AMBIENTAL) DASUSTENTABILIDADE

O Relatório Nosso Futuro Comum (1987), da Comissão Mundial sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento, reconheceu a nossa dependênciaexistencial em face da biosfera e destacou o quadro de desigualdade socialna base do projeto de desenvolvimento econômico e social levado a caboaté então no cenário mundial, revelando que uns poucos países ecomunidades no mundo consomem e esgotam boa parte dos recursosnaturais, ao passo que outros, em um número muito maior, consomemmuito pouco e vivem na perspectiva da fome, da miséria, da doença e damorte prematura 204. Antes do Relatório Nosso Futuro Comum (1987), oPreâmbulo da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humanode 1972, no seu item 4, já havia consagrado o mesmo entendimento, ao

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referir que “nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemasambientais estão motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoasseguem vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários para umaexistência humana digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação eeducação, de condições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os paísesem desenvolvimento devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento,tendo presentes suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhoraro meio ambiente. Com o mesmo fim, os países industrializados devemesforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países emdesenvolvimento. Nos países industrializados, os problemas ambientaisestão geralmente relacionados com a industrialização e o desenvolvimentotecnológico”. Os principais objetivos do conceito de desenvolvimentosustentável estabelecido pelo Relatório Nosso Futuro Comum, de acordocom a lição de Alexandre Kiss e Dinah Shelton, seriam: a) retomar ocrescimento econômico, mas mudando a sua dimensão qualitativa; b)atender às necessidades essenciais em termos de empregos, alimentos,energia, água e saneamento; c) garantir um nível sustentável quanto aocrescimento demográfico; d) melhorar e conservar os recursos básicos; e)reorientar a tecnologia e a gestão de riscos; f) conciliar o ambiente e aeconomia na tomada de decisões 205.

De lá para cá, tanto a degradação do ambiente quanto a desigualdade socialforam agravadas. O enfrentamento dos problemas ambientais e a opção porum desenvolvimento sustentável passam, portanto, necessariamente, pelacorreção do quadro alarmante de desigualdade social e da falta de acesso departe expressiva da população aos seus direitos sociais básicos, o que,importa referir, também é causa agravante da degradação ambiental. Arealização dos direitos sociais, além de não ter atingido níveis satisfatóriosna maior parte dos casos, necessitando, portanto, de contínuo investimento,de há muito reclama seja agregado um novo desafio existencial, no caso, aproteção do ambiente. Diante dos novos desafios postos no mundocontemporâneo para a sociedade, o Estado e o Direito, Antonio HermanBenjamin destaca que o surgimento do Direito Ambiental está justamentevinculado às dificuldades do Estado (e dos cidadãos de um modo geral) deenfrentar uma nova e complexa situação posta no seio da sociedadeindustrial: a degradação ambiental206.

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Como bem pontua Cármen Lúcia Antunes Rocha, a CF/88 traz o bem-estarsocial e a qualidade de vida como “princípios-base” da ordem econômica,sendo que a ordem social (aí também incluída a proteção ambiental), queera relegada a um plano secundário antes de 1988, ganhou “foro e títulopróprios” no novo texto constitucional207. Pode-se dizer, portanto, emapertada síntese, que o constituinte brasileiro delineou no textoconstitucional, para além de um capitalismo social, um capitalismoambiental (ou socioambiental), consagrando a proteção ambiental comoprincípio matriz da ordem econômica (art. 170, inciso VI, da CF/88) 208.Nessa perspectiva, além da necessidade de uma compreensão integrada doregime jurídico dos direitos fundamentais econômicos, sociais, culturais eambientais (DESCA), de modo a contemplar uma tutela ampla e qualificadada dignidade da pessoa humana, tanto sob a perspectiva individual quantocoletiva, a própria noção de sustentabilidade deve ser tomada a partir doseixos econômico, social e ambiental2Q9. Tais eixos, contudo, devem serconcebidos e aplicados de forma isonômica e equilibrada, refutando-se,consoante já frisado, toda e qualquer hierarquização prévia, notadamentepelo fato de que é no seu conjunto que tais dimensões se prestam àpromoção de uma existência digna na perspectiva de uma “economiaverde” 210.

8.3. PRINCÍPIO DO CONSUMOSUSTENTÁVEL: O DEVER JURÍDICO DECONSUMIR PRODUTOS E SERVIÇOSECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEIS

Un cíudadano educado e informado está en perfectas condiciones paracolaborar con los poderes públicos en el mejor tratamiento de los problemasambientales, sin perjuicio de que directamente los particulares ajustenambientalmente sus conductas y de que, en cuanto consumidores y usuáriosde servicios, con su selection influyan en la mejora ambiental de la oferta,entrando asi en el juego del mercado (Ramón Martin Mateo) 211.

Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida maiselevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões

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insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficasadequadas (Princípio 8 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento de 1992).

O consumo sustentável212 está intrinsecamente relacionado à participaçãopública em matéria ambiental, pois as práticas de consumo de bens eserviços dos indivíduos também conformam um espaço de atuação política,e não tem, portanto, um propósito exclusivamente econômico 213. Ocomportamento do consumidor, ajustado a um padrão ecologicamentesustentável dos produtos e serviços no âmbito das suas práticas deconsumo, é um forte instrumento de controle individual e social das práticasprodutivas e comerciais de fornecedores de bens e serviços. Há inúmerosestudos (pelo menos desde o Relatório do Clube de Roma do início daDécada de 1970) que dão conta da “insustentabilidade” dos padrões deconsumo, especialmente nos países desenvolvidos, ocasionando a escassezprogressiva de recursos naturais e a degradação ambiental. Como pontuaJames Lovelock, “somos mais de 6 bilhões de indivíduos famintos evorazes, todos aspirando a um

estilo de vida de Primeiro Mundo, nosso modo de vida urbano avança sobreo domínio da Terra viva. Consumimos tanto que ela já não conseguesustentar o mundo familiar e confortável a que nos habituamos” 214.

A crítica às práticas de consumo da nossa sociedade de massas,posteriormente incorporadas ao discurso do movimento ambientalista, jádatam da Revolução de Maio de 1968. No movimento revolucionárioeuropeu havia uma crítica ao consumismo, que teve expressão compensadores como Herbert Marcuse, ao criticar a mania de adquirir coisas dohomem “unidimensional” que sofre do fetichismo da mercadoria, otratamento do mercado como medida do valor das coisas e das pessoas, bemcomo o elogio à capacidade do ser humano livre de criar sua própriaestrutura de necessidades, autodeterminada, imune à publicidade e àssatisfações psicologicamente satisfatórias que o consumo proporciona 215.Como refere Petra Kelly, que foi a seu tempo uma das principais liderançasdo Partido Verde na Alemanha, o ideário político verde toma a forma, entreoutras bandeiras, a partir de uma base ética de controle sobre as nossaspráticas de consumo. Segundo a autora, “nuestra fundamental prioridad fue

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tratar de transformar la mentalidad consumista y nuestro sistema decrecimiento econômico industrial en una economia ecologicamentesostenible con la conservación reemplazando al consumo como fuerzadirectora, una base ética de control, una conciencia de los limites quecapacitase a las personas para actuar sin danarse a sí mismas o al entorno”216.

A título de exemplo, para ilustrar a questão, podemos destacar as práticasde consumo no tocante à alimentação e sua repercussão em temasambientais sensíveis. Preocupados em evidenciar a dimensão éticasubjacente às práticas de consumo alimentar, Peter Singer e Jim Mason, naobra The Way We Eat: Why our Food Choices Matter (2006), tratam dotema da ética alimentar, alertando para o fato de que a produção dealimentos é a maneira pela qual os seres humanos mais afetam diretamenteo planeta. Na obra, os autores apontam para cinco princípios éticos quedeveríam ser considerados nas nossas práticas alimentares: transparência,equilíbrio, humanidade, responsabilidade social e necessidade 217. Osautores referem em passagem do livro que as pessoas deveríam, quando sedirigem ao supermercado, praticar um ato político, assim como ocorre coma votação eleitoral218, tendo em conta que as suas escolhas de consumopossuem conteúdo ético e político. Assim, todas as implicações ecológicas,econômicas, morais, jurídicas etc. que circundam os nossos hábitosalimentares devem ser colocadas na balança quando das nossas práticas deconsumo. Muito embora voltada a temática da alimentação, a reflexãoproposta pelos autores, inclusive em relação aos princípios indicados,alcança um espectro muito mais amplo, incidindo sobre todas as nossaspráticas de consumo em geral.

No plano legislativo internacional, o Princípio 8 da Declaração do Rio(1992) dispõe que “para alcançar o desenvolvimento sustentável e umaqualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir eeliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promoverpolíticas demográficas adequadas”. A Agenda 21, adotada na Conferênciado Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), apresenta umcapítulo próprio para tratar da mudança dos padrões de consumo, trazendonos seus objetivos: a) promover padrões de consumo e produção quereduzam as pressões ambientais e atendam às necessidades básicas da

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humanidade; b) desenvolver uma melhor compreensão do papel doconsumo e da forma de se implementar padrões de consumo maissustentáveis 219. Merece registro também o conceito de consumosustentável elaborado pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável daOrganização das Nações Unidas (CDS/ONU), em 1995: “Consumosustentável é o uso de serviços e produtos que respondam às necessidadesbásicas de toda população e trazem a melhoria da qualidade de vida, aomesmo tempo em que reduzem o uso dos recursos naturais e de materiaistóxicos, a produção de lixo e as emissões de poluição em todo ciclo de vida,sem comprometer as necessidades das gerações futuras” 220.

O conteúdo do princípio do poluidor-pagador, tomando seu sentido deforma ampla, não se dirige única e exclusivamente ao “fornecedor” de bensde consumo, mas também impõe responsabilidades ao consumidor de taisprodutos ou serviços. Nesse contexto, assume relevo princípio do usuário-pagador, de acordo com o qual as práticas de consumo devem seradequadas ao uso racional e sustentável dos recursos naturais, bem como àampliação do uso de tecnologias limpas no âmbito dos produtos e serviços.A respeito do tema, dispõe a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente(Lei n. 6.938/91), no seu art. 42, inciso VII, que se visará “à imposição, aopoluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danoscausados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursosambientais com fins econômicos”. Assim como se espera o cumprimento,por parte dos entes estatais, de políticas públicas no sentido de “enquadrar”os fornecedores de produtos e serviços em padrões ecologicamentesustentáveis, há parcela de responsabilidade também a cargo dosconsumidores para a efetivação de tal “enquadramento ecológico” daspráticas de consumo. Além das escolhas de consumo feitas pelo consumidorfora da sua casa (por exemplo, nos supermercados e shoppings centers), omesmo também deve empreender a utilização sustentável de recursos noseu âmbito “caseiro”, como energia, água, além, é claro, de promover acoleta seletiva do seu lixo doméstico.

A livre escolha do consumidor, conforme indica Lafayete J. Petter, pode serlegitimamente limitada em nome da defesa ambiental, em conta de que osconsumidores precisam tornar-se conscientes da dimensão ecológica doprocesso de consumo em geral e do seu comportamento individual em

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particular 221. Na medida em que a proteção ambiental limita a autonomiada vontade, aos consumidores deve ser conferida a responsabilidade deorientar as suas práticas de consumo de modo a se informarem (e tambémserem informados pelos fornecedores) a respeito da origem e do processoprodutivo dos produtos e serviços dos quais se servem para a satisfação dassuas necessidades, tendo em conta aspectos relativos ao consumo de energia(mais ou menos limpas) e de recursos naturais, às tecnologias adotadas, àgeração de resíduos etc. A responsabilidade pós-consumo (ouresponsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos), consagradaexpressamente (art. 62, VII), na Lei da Política Nacional de ResíduosSólidos (Lei n. 12.305/2010), também reforça essa perspectiva, ou seja, osdeveres jurídicos dos consumidores, especialmente para combater aobsolescência programada dos produtos 222. O diploma em análiseconsagra o princípio do consumo sustentável no seu art. 62, V, aoestabelecer, como princípio geral da PNRS, “a ecoeficiência, mediante acompatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens eserviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragamqualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo derecursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade desustentação estimada do planeta”.

Mais recentemente, foi editada a Lei da Política de Educação para oConsumo Sustentável (Lei n. 13.186/2015). O diploma em questão tratou deconceituar consumo sustentável no seu art. I2, parágrafo único, aoestabelecer que: “entende-se por consumo sustentável o uso dos recursosnaturais de forma a proporcionar qualidade de vida para a geração presentesem comprometer as necessidades das gerações futuras”. No âmbito dosobjetivos da Política de Educação para o Consumo Sustentável arrolados noart. 22 da legislação referida, registram-se as seguintes práticas: I -incentivar mudanças de atitude dos consumidores na escolha de produtosque sejam produzidos com base em processos ecologicamente sustentáveis;II - estimular a redução do consumo de água, energia e de outros recursosnaturais, renováveis e não renováveis, no âmbito residencial e dasatividades de produção, de comércio e de serviços; III - promover a reduçãodo acúmulo de resíduos sólidos, pelo retorno pós-consumo de embalagens,pilhas, baterias, pneus, lâmpadas e outros produtos considerados perigososou de difícil decomposição; IV - estimular a reutilização e a reciclagem dos

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produtos e embalagens; V - estimular as empresas a incorporarem asdimensões social, cultural e ambiental no processo de produção e gestão; VI- promover ampla divulgação do ciclo de vida dos produtos, de técnicasadequadas de manejo dos recursos naturais e de produção e gestãoempresarial; VII - fomentar o uso de recursos naturais com base emtécnicas e formas de manejo ecologicamente sustentáveis; VIII - zelar pelodireito à informação e pelo fomento à rotulagem ambiental; IX - incentivara certificação ambiental. Como forma de atender aos objetivos referidos, odiploma estabelece (ainda que de forma “tímida”) no seu art. 32, queincumbe ao poder público, em âmbito federal, estadual e municipal: “I -promover campanhas em prol do consumo sustentável, em espaço nobredos meios de comunicação de massa; e II - capacitar os profissionais daárea de educação para inclusão do consumo sustentável nos programas deeducação ambiental do ensino médio e fundamental”.

À luz do manancial legislativo referido, resultam sobremaneira reforçadosos “deveres jurídicos” (e, portanto, não apenas deveres morais), atribuídosaos cidadãos, em termos individuais e coletivos, no tocante ao consumosustentável de bens e serviços, inclusive a ponto de ensejar a suaresponsabilização jurídica na hipótese de práticas antiecológicas em parcelade responsabilidade no enfrentamento de práticas de consumoinsustentáveis. Não obstante a necessidade de uma tutela por parte do PoderPúblico contra práticas publicitárias que, de forma abusiva, incentivemhábitos de consumo inadequados a um padrão de qualidade ambiental, bemcomo violem valores ecológicos, o próprio consumidor, consideradoindividualmente223, também tem papel essencial nesse enfrentamento. Paratanto, importa estimular (e mesmo induzir) seja evitado o consumo deprodutos e serviços que não atendam às normas de proteção do ambiente eque não sigam uma política empresarial “amiga do ambiente”, dandopreferência às empresas que sigam tais padrões ecologicamentesustentáveis, inclusive exigindo a certificação ambiental dos produtos eserviços sempre que possível224.

Por fim, a ideia central não é pensar na condição de consumidor para alémde uma perspectiva estritamente econômica, mas sim de acordo com umacondição político-jurídica de cidadão. Há um espaço de diálogofundamental entre a proteção do consumidor e a proteção ambiental. Não se

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deve elidir o consumidor da responsabilidade de agir, ou seja, consumirprodutos e serviços de acordo com práticas ecologicamente equilibradas.Além do mais, com base no caput do art. 225 da CF/88, há também comose considerar a existência de um dever fundamental225 dos cidadãos-consumidores de ajustarem as suas práticas de consumo de modo a protegero ambiente para as gerações presentes e futuras. Ao tomar consciência dassuas concretas necessidades existenciais e abandonar o seu estado de“apatia política”, estará o consumidor livre das amarras que o mercadopublicitário lhe imprime, transcendendo de uma condição de súdito domercado para uma condição política de cidadão e colocando-o em sintoniacom o paradigma da democracia participativa ecológica226.

Diplomas internacionais e legislação:

- Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento dasNações Unidas, Relatório Nosso Futuro Comum (1987)

- Princípios 4 e 8 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Art. 170, caput e inciso VI, art. 186, II, e art. 225 da CF/88

- Art. 4A I e VI, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

- Art. 2A I e II, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lein. 9.433/97)

- Art. 6A caput, da Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006)

- Art. 3A caput e IV, da Lei da Política Nacional sobre Mudança doClima (Lei n. 12.187/2009)

- Art. 6A IV e V, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lein. 12.305/2010)

- Art. IA parágrafo único, do Novo Código Florestal (Lei n.12.651/2012)

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- Lei da Política de Educação para o Consumo Sustentável (Lei n.13.186/2015)

Jurisprudência:

STF

- ADI 3.540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

- ADPF 101 /DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24-6-2009

STJ

- AgRg no REsp 1.418.795/SC, 5H Turma, Rel. Min. Marco AurélioBellizze j. 18-4-2014

- RHC 62.119/SP, 5H Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 10-12-2015

- REsp 1391271 /RJ, 2H Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 3-11-2015

9 PRINCÍPIO DA FUNÇÃOAMBIENTAL DA POSSE E DAPROPRIEDADEO direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suasfinalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, deconformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, asbelezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,bem como evitada a poluição do ar e das águas (art. 1.228, § l2, do CódigoCivil de 2002).

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O princípio da função ambiental da posse e da propriedade configura-secomo um princípio geral do Direito Ambiental. Assim como outrora afunção social foi consagrada para limitar e redefinir o conteúdo do direitode propriedade227, hoje também os valores e direitos ecológicos passam aconformar o seu conteúdo com uma nova carga de deveres e obrigaçõescorrelatas ao seu exercício. A tutela do ambiente, conforme lição jáconhecida de Stefano Rodotá, aparece como um dos marcos maisimportantes na caracterização dos interesses coletivos e difusos quesedimentam um conteúdo “não dominial” no seio do direito de propriedade228. Nesse sentido, registra-se a compreensão, ora defendida, no sentido deser a propriedade um direito-dever fundamental, visto que, associados ouconexos ao direito de propriedade, conjugam-se diversos deveres queincidem sobre a conduta do seu titular (como, por exemplo, dever deexploração racional da terra, dever de manutenção do equilíbrio ecológico,dever de recuperação de área degradada, dever de não exploração dostrabalhadores etc.).

A consagração emergente do princípio (e valor constitucional) dasolidariedade, como refere Miguel Reale 229, ao comentar o “espírito” doCódigo Civil de 2002, alimenta a ideia de vinculação social do indivíduo-cidadão e, de certa forma, representa um resgate dos “deveres” (em face dosdireitos subjetivos) diante do débito do pensamento jurídico liberal-clássicopara com os mesmos. De tal sorte, deve-se, especialmente no tocante aoregime jurídico-constitucional da propriedade, retomar o curso da Históriano sentido de amarrar de forma adequada e equilibrada a relação entredireitos e deveres, de modo a combater a crescente desigualdade social e adegradação ecológica, pena de fazer retroceder a nossa comunidade políticade volta a um “Estado da Natureza” ao estilo hobbesiano, ou, o que seriamuito pior, um Estado “Sem Natureza”.

Com efeito, é possível associar a figura dos deveres fundamentais à própriaideia de funcionalização dos direitos (ao exemplo do que ocorreuespecialmente com a propriedade privada) 230, que teve o seu marcohistórico na Constituição de Weimar (1919)231, ao determinar que apropriedade “obriga”, ou seja, longe de uma concepção de direitopraticamente absoluto (conforme pregado pelo pensamento liberal-individualista francês 232), impõe-se ao seu titular condutas (positivas e

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negativas) em prol do bem-estar social como medida legitimadora dopróprio direito e até mesmo para garantir a proteção estatal em caso de suaviolação por terceiro 233. A

gradativa desconstrução da hipertrofia do patrimônio, que marcou a suatrajetória histórica desde a Revolução Francesa (1789) e o CódigoNapoleônico (1804), mediante o fortalecimento de valores de naturezaexistencial, acabou por permitir que a proteção do ambiente viesse a ocuparespaço de forma definitiva no seio do “constitucionalizado” Direito Civilcontemporâneo. Esta assim chamada “constitucionalização” do direito depropriedade, mediante a integração de outros valores e princípiosfundamentais, juntamente com a consagração constitucional da sua funçãoecológica 234 ou socioambiental (art. 186, II, da CF/88), reforçou a noçãode que existem deveres fundamentais de proteção ecológica os quais sãoimpostos aos proprietários (e possuidores).

A perspectiva subjetivo-individual do direito de (e à) propriedade deve sermitigada e exercida em equilíbrio com a ordem de valores objetivos dacomunidade estatal, notadamente quando estiver em causa o interesse detoda a coletividade, como ocorre também com a questão ambiental. Nessesentido, Klaus Bosselmann refere que a gradual aceitação deresponsabilidades morais para com a Natureza pode nos levar a um pontoonde começamos a aceitar a ideia de limitações ecológicas ao exercício dosnossos direitos, a exemplo do que se dá no caso do direito de propriedade235. No âmbito do direito brasileiro vigente, é possível afirmar que tal“ponto” ou “momento” já se faz presente, especialmente por força dotratamento constitucional dispensado à proteção ambiental e ao regimeestabelecido para o direito de propriedade, o qual se mostra como umexemplo paradigmático para a compreensão adequada do tema dos deveresfundamentais. Em artigo sobre a matéria, Fábio Konder Comparato destacaos deveres fundamentais consubstanciados no estatuto constitucional dapropriedade privada, afirmando que o descumprimento dos deveres sociaisdo proprietário (de atender às necessidades sociais) significa lesão aodireito fundamental de acesso à propriedade (de outros particulares) 236. Oautor registra, ainda, que a verdadeira natureza constitucional do direito depropriedade é a de um direito-meio, e não de um direito-flm, já que apropriedade não é garantida em si mesma, mas sim, como instrumento de

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proteção de valores fundamentais237. A proteção do ambiente, desde aCF/88, passou a ser um desses valores constitucionais a ser alcançado eincorporado à compreensão de outros valores, princípios e direitos humanose fundamentais.

Tal entendimento, como já apontado, está alinhado com a ideia de ser odireito fundamental à propriedade um “direito-dever”, ou seja, conexo aodireito subjetivo à propriedade (e especialmente sobre a propriedade) existeum dever (mais precisamente, um leque de deveres) de adequar o exercícioda titularidade aos valores comunitários, tudo em conformidade com agarantia constitucional da função social (ou melhor formulado,socioambiental) da propriedade (art. 52, XXIII, da CF/88). Conforme dispõeo texto constitucional, no que tange à propriedade rural (mas tais diretrizesnormativas também se aplicam em certo sentido à propriedade urbana)238,a sua função social é cumprida quando atenda aos seguintes requisitos: I -aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursosnaturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância dasdisposições que regulam as relações de trabalho; e IV - exploração quefavoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186 daCF/88). Do ponto de vista histórico, o embrião da função ambiental dapropriedade já aparecia no Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771/65),revogado pelo Novo Código Florestal de 2012 (Lei n. 12.651/2012), aoassinalar, no seu art. I2 que “as florestas existentes no território nacional eas demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras querevestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País,exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislaçãoem geral e especialmente esta Lei estabelecem”.

O Código Civil de 2002 (sobretudo por força do conteúdo do seu art. 1.228,§ 12239) e o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), no seu art. I2,parágrafo único 240, colocam-se em sintonia com o novo paradigmaconstitucional descrito anteriormente, também consagraram de formaexpressa a proteção ambiental como componente do regime jurídico dapropriedade, transportando para o plano infraconstitucional a configuraçãodos deveres ecológicos do proprietário no exercício da sua titularidade. Demodo complementar, a Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006)consagrou, de forma expressa, no seu art. 62, parágrafo único, o princípio da

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função socioambiental da propriedade. O Novo Código Florestal de 2012(Lei n. 12.651/2012), reforçando a funcionalidade da propriedade e posseflorestal e os deveres atribuídos ao seu titular, estabeleceu no seu art. 22, §22, que “as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e sãotransmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência dedomínio ou posse do imóvel rural”. O mesmo conteúdo aparecereproduzido no art. 72, §§ l2 e 22, do diploma florestal, designadamente emrelação às áreas de preservação permanente (APPs). Com isso, verifica-seque a legislação acabou incorporando orientação jurisprudencial jáconsolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentidode que o proprietário ou possuidor de imóvel sobre o qual, por exemplo,incida o regime da área de preservação permanente ou mesmo da reservalegal estará obrigado (obrigação real ou propter rem) a repará-la mesmo quea degradação tenha tido origem em momento anterior e o seu antecessortenha sido o responsável241.

Ainda no plano legislativo, é de se registrar que de acordo com o art. 32, II,tem-se por área de preservação permanente (APP) a “área protegida,coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservaros recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e abiodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo eassegurar o bem-estar das populações humanas”. No tocante à reservalegal, conforme dispõe o art. 3a, III, do novo diploma florestal, a mesmaseria a “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o usoeconômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural,auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promovera conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de faunasilvestre e da flora nativa”. Ambos os institutos (área de preservaçãopermanente e reserva legal) concretizam o princípio da função ecológica dapropriedade e da posse, vinculando inúmeros deveres de proteção ambientalao exercício e fruição do direito pelo seu titular.

Os deveres fundamentais de proteção ambiental, além de conteremobrigações de cunho negativo, como, por exemplo, a abstenção de práticasdegradadoras da qualidade ambiental, impõem também comportamentospositivos dos atores privados (pessoas físicas e jurídicas), impondo a

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adoção de condutas específicas no sentido de prevenir, precaver e repararqualquer forma de degradação do ambiente que esteja relacionada aoexercício do direito de propriedade (e da posse), cabendo, inclusive, ocontrole externo (extrajudicial e judicial) pela coletividade e pelo Estado arespeito do cumprimento das finalidades socioambientais por parte doproprietário (ou possuidor) 242. Nessa perspectiva, Bruno Miragem acentuaque os deveres extraídos do novo regime “constitucionalizado” do direitode propriedade tomam a forma tanto de deveres relativos à disposição dosbens móveis e imóveis de modo a não permitir lesão ao ambiente, quanto dedeveres vinculados a prerrogativas de uso e gozo dos bens. Como asseverao civilista, tais deveres poderão consistir tanto na “abstenção” de umadeterminada prática em que o exercício da propriedade possa gerar algumaespécie de degradação ou dano ao ambiente, quanto na forma de um“comportamento positivo”, por meio do qual seja exigida do proprietário arealização de um “dever positivo”, ou seja, um típico “dever deprestação”243.

Trabalhando com o conceito genérico de função ambiental, AntônioHerman Benjamin aponta para a existência de uma “trindade de deveres”inerente ao conceito de função, o que encontra expressão na imposição decondutas positivas (e não mais apenas negativas) ou múnus que vai além domero “não poluir”, mas também toma forma de missão constitucional nodever de defender, no dever de reparar e no dever de preservar, sendo queeste último estabelece para o cidadão tanto uma proibição (não poluir)quanto uma obrigação positiva (impedir também terceiros de poluírem)244. De igual modo, como assevera o autor, não há que falar em um direitoadquirido de poluir245, mas sim, onde a poluição se fizer presente, há odever do proprietário ou possuidor da área degrada de tomar as medidas -negativas ou positivas - necessárias ao restabelecimento do equilíbrioecológico no local.

A função ambiental da propriedade e os correspondentes deveresfundamentais atribuídos ao seu titular tem encontrado - como já adiantado -guarida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que consolidouentendimento 246 no sentido de ser incabível o pagamento de indenizaçãoao proprietário de imóvel que tem o seu exercício limitado em razão doenquadramento da sua área em algum regime de proteção ambiental

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(notadamente, no caso de área de preservação permanente, reserva legal oumesmo de unidade de conservação). Em outras palavras, o STJ compreendeque as limitações sofridas pelo titular do direito de propriedade (epossuidor) em relação a não utilização econômica e manutenção da reservalegal e da área de preservação permanente estão amparadas pela obrigaçãoque o mesmo tem de manter o equilíbrio ecológico da área sobre seudomínio, de modo que não lhe cabe reivindicar qualquer indenizaçãodecorrente da limitação sofrida no exercício do seu direito.

A limitação sofrida pelo titular do direito, por força dos deveres jurídicosque lhe são impostos pela ordem constitucional, mostra-se, no nossoentender, razoável e proporcional, em perfeita sintonia com as diretrizesconstitucionais e infraconstitucionais de tutela ecológica, sem alcançar emnenhum momento, o núcleo essencial do direito em questão (apropriedade). Nesse particular, com relação à reserva legal e às áreas depreservação permanente, na condição de limitações internas ao direito depropriedade, conforme defendido por Benjamin, não se pode falar emdesapropriação indireta diante da verificação de tais limitações impostas aodireito de propriedade, porquanto constituem um “ônus indissociável” datitularidade, e que deve ser suportado por seu titular247. Pode-se dizer,assim, que tal limitação ao direito subjetivo de propriedade representa a suaadequação normativa aos valores constitucionais de matriz ecológica.

A jurisprudência do STJ, conforme se pode aferir das inúmeras decisõescolacionadas, tem evoluído significativamente no sentido de reconhecermedidas de natureza positiva (e não apenas negativa) impostas ao titular oupossuidor de determinado imóvel, reconhecendo, portanto, deveresfundamentais de proteção do ambiente a cargo dos atores privados (pessoasfísicas ou jurídicas). Se, de um lado, ao proprietário é imposta a obrigaçãonegativa de não degradar a área de preservação permanente ou mesmo areserva legal, por outro, uma vez constatada tal degradação,independentemente da caracterização de culpa e mesmo que perpetrada porterceiro que o tivesse antecedido na propriedade ou posse do imóvel,impõe-se a ele também a obrigação positiva de recuperar a área degradada,não obstante a possibilidade de eventual ação regressiva em face deterceiro. Nesse ponto, a jurisprudência do STJ antecipou a inovação

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legislativa trazida pelo Novo Código Florestal de 2012 (art. 22, § 22, e art.72, § l2), conforme verificamos anteriormente.

De acordo com esse entendimento, vale registrar as palavras do MinistroHerman Benjamin, já pela perspectiva dos novos problemas ambientaisocasionados pelas mudanças climáticas e do papel do Juiz e dos Tribunaisem face de tal realidade: “é dever de todos, proprietários ou não, zelar pelapreservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo emépoca de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los parauso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e debenefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para a especulaçãoimobiliária ou exploração do solo, ou transformá-los em depósito de lixocaracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado eao bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta eenergicamente coibido e apenado pela Administração e pelo Judiciário. (...)As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduosno solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem aotítulo e se transferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debatesobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito daresponsabilidade subjetiva, baseada em culpa” 248. Na mesma decisão,resultou consignado que tal postura adotada pelo Poder Judiciário - econsolidada na jurisprudência do STJ - não reflete qualquer forma de“ativismo judicial”, mas sim o fiel cumprimento da legislação ambientalbrasileira e da própria Constituição Federal por parte do órgão julgador.Felizmente, a legislação ambiental brasileira, apontada por muitos comouma das mais avançadas do mundo, é fértil no que tange à imposição delimitações e deveres aos atores privados - e também ao próprio Estado -, demodo a evitar que suas práticas coloquem em risco o equilíbrio ecológico.Cabe ao Poder Judiciário, em última instância, apenas o efetivocumprimento e implementação das normas ambientais nos casos que lhessão submetidos, do que os Juizes e Tribunais não podem se eximir.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípio 5 da Declaração Mundial sobre o Estado de DireitoAmbiental da Comissão Mundial de Direito Ambiental da IUCN(2016)

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- Art. 170, caput e inciso VI, art. 186, II, e art. 225 da CF/88

- Art. 4A I e VI da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

- Art. 2A I e II, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lein. 9.433/97)

- Art. IA parágrafo único, do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001)

- Art. 1.228, § IA do Código Civil (2002)

- Art. 6A parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei n.11.428/2006)

- Arts. IA 2A caput, §§ 1ne 2A 7A caput, §§ 1ne 2A do Novo CódigoFlorestal (Lei n. 12.651/2012)

Jurisprudência:

STF

- ADI 3.540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

- ADPF 101/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 24-6-2009

STJ

- AgRg no REsp 1.138.517/MG, 2H Turma, Rei. Min. HumbertoMartins, j. 18-8-2011

- REsp 1.240.122/PR, 2H Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 28-6-2011

- REsp 1,362.456/MS, 2H Turma, Rei. Min. Campbell Marques, j. 20-6-2013

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- REsp 1.391.271 /RJ, 2^ Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 3-11-2015

10 PRINCÍPIO DAPARTICIPAÇÃO PÚBLICAA participação pública é baseada no direito das pessoas que podem serafetadas a terem uma palavra a dizer sobre a determinação do seu futuroambiental (Alexandre Kiss e Dinah Shelton) 249.

10.1. INTRODUÇÃO: CONSIDERAÇÕESPRELIMINARES SOBRE A DEMOCRACIAPARTICIPATIVA NO ESTADO(SOCIO)AMBIENTAL DE DIREITO

No âmbito do constitucionalismo contemporâneo (e o brasileiro não foge àregra), o princípio democrático assume a condição de princípio estruturantee indissociável da moderna noção de Estado Constitucional, estecompreendido como um Estado Democrático de Direito, tal comosolenemente enunciado no art. I2 da CF/88. Mas o Estado Democráticoconsagrado pelo nosso constituinte é também um Estado (Socio)Ambientalde Direito 250, para o qual o conteúdo do princípio democrático implica,para além de um conjunto de princípios e regras de matriz procedimental,um determinado conteúdo, já que a legitimidade se afere com base nessadupla perspectiva, procedimental e substancial. A democracia, por sua vez,guarda relação com a própria dignidade humana e os direitos humanos efundamentais que lhe são correlates, pois, a exemplo do que bem lecionaPeter Hãberle, a democracia é a garantia organizacional e política dadignidade humana e do pluralismo, ao passo que essa (a dignidade humana)assume a condição de premissa e verdadeiro pressuposto antropológico doEstado Democrático (e Socioambiental) de Direito 251. Mas a dignidadehumana e a democracia exigem uma peculiar e forte noção de cidadania,que, como dá conta o art. I2, II, da CF/88, também foi erigida à condição de

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princípio fundamental do nosso Estado Democrático e Socioambiental deDireito (doravante chamado de Estado Socioambiental). Não por outrarazão - já explicitando o sentido da democracia para o EstadoSocioambiental consagrado pela CF/88 - o parágrafo único do art. I2 acimacitado assinala que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio derepresentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Aexpressão “diretamente”, portanto, agrega a dimensão de uma democraciaparticipativa, abrindo espaço para a intervenção direta dos cidadãos nasdecisões políticas.

A democracia, portanto, não se esgota no voto. A democracia é um conceitojurídico, mas, mais do que isso, é uma práxis político-jurídica em constanteaprimoramento e consolidação. A participação pública, nesse contexto,situa-se como elemento central do conceito constitucional contemporâneode democracia, o qual, reitera-se, extrapola substancialmente o espectrodeveras limitado do voto popular. Note-se, ademais, que, tanto na esferaconstitucional quanto infraconstitucional, a participação direta da populaçãoassumiu particular relevância no Brasil, seja no que diz com a consagraçãode um direito fundamental ao exercício da democracia direta (namodalidade participativa) mediante as figuras do plebiscito, referendum einiciativa legislativa popular (art. 14 da CF/88), seja pela previsão de outrasformas de participação popular em diversas searas, especialmente quandoem causa a proteção e promoção de direitos fundamentais, como, porexemplo, na gestão da seguridade social, no caso dos conselhos tutelares(para proteção das crianças e dos adolescentes), entre outros.

A participação popular, portanto, por imposição do próprio constituinte,deve se dar também e cada vez mais de forma direta (e não apenasrepresentada) quando em causa a formação da vontade do Estado,especialmente - para o que aqui interessa - no que toca à sua atuação nocampo ecológico, assumindo uma responsabilidade compartilhada entreEstado e sociedade. Como destaca Elida Séguin, o princípio da participaçãopopular na defesa ambiental objetiva impedir a formação de um “exércitode silenciosos” 252, considerando não apenas o direito mas também - e ébom frisar tal aspecto - o dever dos cidadãos de participarem da construçãode um mundo sustentável, conforme enuncia de forma expressa o caput doart. 225 da CF/88.

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Os direitos fundamentais como um todo (e não apenas os direitos de carátercomunicativo, ainda que esses assumam uma particular dimensãodemocrático-participativa) também exercem papel central na concepçãocontemporânea de uma democracia substancial253, aperfeiçoando ecomplementando o relevante mas por si só insuficiente procedimentalismodemocrático. Por outro lado, sabe-se que os direitos fundamentais tambémpossuem uma espécie de eficácia normativa contramajoritária254:,blindando parcialmente o seu conteúdo contra a ação (e omissão) dasmaiorias deliberativas, uma vez que o seu conteúdo essencial não seencontra na esfera plena de discricionariedade do Estado-Legislador etampouco do Estado-Administrador, podendo, por conta disso, ser passívelde controle pelo Estado-Juiz qualquer prática estatal ou privada que violeou ameace de violação esse conteúdo.

Assim, ainda que em caráter meramente esquemático, verifica-se, a partirdas considerações precedentes, a natureza multidimensional do conceitocontemporâneo de democracia, superando a sua concepção formal epautada pelo paradigma da representação política. Nesse cenário, não hádúvida de que a participação pública exerce um papel fundamental,conferindo legitimidade às práticas e decisões legislativas e administrativasem questões atinentes também e em especial à matéria ambiental, já que éeste o foco da nossa preocupação no momento. Conforme pontua JonasEbbesson, “o envolvimento do público serve para legitimar as decisões emmatéria ambiental, uma vez que a confiança nas autoridades públicas e aaceitação das decisões são reforçadas se é assegurado aos membros dopúblico participar e ser ouvidos - não apenas por meio do seu voto -nodesenvolvimento, implementação e efetivação das normas legais e políticaspúblicas, bem como na tomada de decisão envolvendo projetosespecíficos”255. Reforçando esse entendimento, Paulo A. Leme Machadoassinala que “o voto popular, em escrutínio secreto, passou a não satisfazertotalmente o eleitor. A ausência de um conjunto de obrigações dos eleitos,previamente fixadas, tem levado as cidadãs e os cidadãos a pleitear umaparticipação contínua e mais próxima dos órgãos de decisão em matériaambiental”256.

Há, de tal sorte, inúmeros instrumentos e práticas que se prestam aconcretizar o ideal democrático-participativo, desde medidas de ação direta

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(protestos, manifestações etc.) a instrumentos tradicionais, como é o casodo sufrágio universal, sem prejuízo dos já conhecidos, mas nem sempredevidamente utilizados, mecanismos de democracia participativa a exemplodo plebiscito, referendum e iniciativa popular legislativa, como jáconsagrados na condição de direitos fundamentais pela CF/88, ou mesmodo instituto do recall, que permite a revogação do mandato eletivo pelapopulação antes mesmo de ocorrerem novas eleições regulares. De acordocom a lição de Alexandre Kiss e Dinah Shelton, “a participação podeocorrer por meio de eleições, ações diretas (grass roots action), lobby,discursos públicos, audiências e outras formas de governança, em quevários interesses e comunidades participem na definição das leis e decisõesque as afetam” 257. Em vista da expansão sem precedentes do acesso à redemundial de computadores (internet), esta tem servido para propiciar aarticulação da sociedade civil (indivíduos, organizações nãogovernamentais, movimentos populares etc.), por meio de redes sociais, emtorno de diversas temáticas, entre elas a proteção ambiental. Isso, por suavez, permite a atuação política coordenada da sociedade civil,transformando a rede e a sua ampla utilização como meio de manifestação,em importantíssimo instrumento de luta política em prol da causa ecológica.A respeito da “ciberdemocracia” ou “e-democracia” ecológica, IvarHartmann, em trabalho original e precursor sobre a questão na doutrinabrasileira, assinala que “o verdadeiro potencial de transformação doprocesso político com o uso do ciberespaço está na comunicação, naformação de comunidades de discurso político, no livre acesso aos dadosque informam as decisões (...)” 258.

A participação pública em matéria ambiental, no entanto, não se limita aoscampos tradicionais da atuação política, como é o caso do legislativo e doadministrativo. O mesmo caráter participativo também se verifica noâmbito judicial, especialmente quando estiverem em jogo questões deespectro coletivo como, por exemplo, nas ações civis públicas voltadas aocontrole judicial de políticas públicas ou mesmo no campo da jurisdiçãoconstitucional, por meio de ações diretas de inconstitucionalidade etc. Arealização de audiências públicas judiciais no âmbito da jurisdiçãoconstitucional (como praticado de modo exemplar pelo STF desde 2007) etambém no trâmite de ações coletivas, a utilização crescente do instituto doamicus curiae, a ampliação dos entes públicos e privados legitimados para a

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propositura de ações coletivas, a inversão do ônus da prova em processoscoletivos, a assistência jurídica prestada aos indivíduos e grupos sociaisnecessitados, entre outras medidas, revelam mecanismos que potencializama participação pública no campo judicial.

Em linhas gerais, a criação e o aprimoramento de mecanismos capazes depropiciar a participação pública no âmbito da atuação dos três poderesrepublicanos asseguraram maior controle social sobre as atividadespúblicas. Isso, por certo, ganha especial relevância em questões queenvolvam direitos fundamentais, como é o caso da proteção ambiental. Parareforçar a importância da participação pública na temática, destaca-se anatureza de interesse público primário que permeia a questão ecológica,por força especialmente da natureza difusa do bem jurídico ambiental,conforme tivemos oportunidade de tratar de forma detalhada em outraocasião 259. Não por outra razão, ou seja, por congregar o interesse de todaa coletividade, a tutela ecológica sempre teve como característica marcanteo envolvimento e engajamento de atores não estatais, notadamente dasorganizações não governamentais, muito embora, é claro, os sistemasjurídicos contemporâneos (no plano nacional e internacional) têm cada vezmais assentado os deveres do Estado em relação à proteção do ambiente. Aparticipação pública em questões atinentes a políticas ambientais sempre sefez presente de forma bastante singular e expressiva, diferentemente do quecostuma (ainda que existam exceções260) ocorrer em outras áreasenvolvendo direitos fundamentais. Sem dúvida, o protagonismo dasociedade civil na seara da política ambiental contribuiu significativamentepara o aprimoramento dos mecanismos de participação da sociedade, emtermos individuais e coletivos, em todas as esferas públicas (legislativa,administrativa e judicial).

Da parte do Estado, como corolário do seu dever constitucional de proteçãoecológica, cumpre ao mesmo facilitar e dar condições concretas para que aparticipação pública na tomada de decisões em matéria ambiental se dê deforma qualificada, com a disponibilização, pelos órgãos públicos, de toda ainformação ambiental disponível e pertinente (Lei de Acesso à InformaçãoAmbiental - Lei n. 10.650/2003), o que é hoje reforçado pela nova Lei deAcesso à Informação (Lei n. 12.527/2011).

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Em sintonia com esse entendimento, Ramón Martin Mateo assinala que “elambiente no es propiedad de la Administration, sino que ésta es solo suguardián, las actividades que aqui inciden deben ser supervisadas por laopinion pública y las organizaciones ambientales con un máximo detransparência, discusión pública y amplios derechos adjudicados a losgrupos de interés medioambientales”261. Só a partir desse “exercíciodemocrático” constante e reforçado, dando voz e oportunidade efetiva departicipação à sociedade civil, é que estará plenamente atendido o comandoconstitucional inscrito no caput do art. 225 da CF/88, ao determinar que édever de todos -Estado e coletividade - a defesa e preservação do ambientepara as presentes e futuras gerações.

O mesmo conteúdo normativo é encontrado, por exemplo, na Constituiçãoportuguesa (1976), ao exigir, no tocante à proteção ambiental, “oenvolvimento e a participação dos cidadãos” (art. 662, n. 2). Na legislaçãoinfraconstitucional portuguesa, mais precisamente no art. 32, c, da Lei deBases do Ambiente (Lei n. 11, de 7 de abril de 1987), verifica-se aconsagração da participação como princípio específico do DireitoAmbiental português. De acordo com o dispositivo citado, “os diferentesgrupos sociais devem intervir na formulação e execução da política deambiente e ordenamento do território, através dos órgãos competentes deadministração central, regional e local e de outras pessoas coletivas dedireito público ou de pessoas e entidades privadas”. No entanto, semdisponibilizar os mecanismos - legislativos, administrativos e judiciais -adequados para assegurar a participação efetiva da coletividade (ou seja,dos atores não estatais) na tutela ecológica, o dispositivo constitucional emquestão não passará de tinta no papel, em total desacordo com o espíritodemocrático-participativo consubstanciado na CF/88.

O marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito, aosedimentar uma democracia participativa com viés ecológico 262,pressupõe uma sociedade civil politizada, criativa e protagonista do cenáriopolítico estatal, reclamando por um cidadão autônomo e participativo,portanto, não submisso à máquina estatal e ao poder econômico. Em outraspalavras, o Estado de Direito constrói-se de baixo para cima, e não de cimapara baixo, a partir da sua base democrática, em oposição ao Estado de“Não Direito” 263. Sustentando uma teoria constitucional que nos aparta

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dos modelos representativos clássicos, Paulo Bonavides coloca ademocracia participativa como fonte de legitimação do processo políticobrasileiro, fazendo do “cidadão-povo” a medula da legitimidade de todo osistema. O eminente constitucionalista brasileiro pontua que, com base nademocracia participativa, estar-se-ia por acabar com a intermediaçãorepresentativa, como símbolo de tutela, sujeição e menoridade democráticado cidadão (meio povo, meio súdito)264. A “maioridade” política edemocrática passa, então, pela concepção de um sujeito político capaz deconstruir o seu próprio mundo e identidade, e não mais como mero objeto einstrumento manipulável por interesses dominantes. Com efeito, a proteçãodo ambiente alia-se ao marco constitucional da democracia participativa,conformando a assim designada democracia participativa ecológica.

0 princípio (e o correlato dever e direito) da participação pública, portanto,assume a feição de princípio geral do Direito Ambiental. Na medida em quea degradação ambiental em termos locais, regionais e planetários aproxima-se de um quadro-limite e preocupante, não se pode conceber um cidadãoapático ou mesmo conformado com os rumos trágicos delineados pela criseecológica contemporânea. Para tanto, é imperativo conceber um cidadão265 comprometido com tal momento histórico que atue de forma decisivano rumo civilizatório, a fim de reverter esse quadro em favor do interessecomum e planetário. Registra-se, ainda, que a partir do comandoconstitucional do caput do art. 225, a defesa do ambiente pela sociedadecivil não se constitui apenas de mero voluntarismo e altruísmo de unspoucos idealistas, mas toma a forma de dever jurídico fundamental,revelando a dupla natureza de direito e dever fundamental da abordagemconstitucional conferida à proteção do ambiente. Isso tudo, de acordo com oque sinalizamos antes, consolida o marco político-normativo de umademocracia participativa ecológica. A partir de agora, com o propósito dedesmembrar as concretizações e dimensões desse novo paradigmaconstitucional, iremos desenvolver, entre outros pontos vinculados àtemática, os três elementos-chave ou que de modo mais apropriado sepoderia designar de três pilares que alicerçam o conceito de participaçãopública em matéria ambiental: a participação pública na tomada dedecisões, o acesso à informação e o acesso à justiça.

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10.2. OS TRÊS PILARES DO PRINCÍPIO DAPARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM MATÉRIAAMBIENTAL A PARTIR DADECLARAÇÃO DO RIO (1992) E DACONVENÇÃO DE AARHUS (1998)

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar aparticipação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. Nonível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informaçõesrelativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas,inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suascomunidades, bem como a oportunidade de participar dos processosdecisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização eparticipação popular, colocando as informações à disposição de todos. Seráproporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos,inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos (Princípio10 da Declaração do Rio de 1992).

10.2.7. NOTAS PRELIMINARES

A Declaração de Estocolmo (1972), embora de forma ainda incipiente, játratou de lançar as primeiras linhas sobre a necessidade de participação doscidadãos e das comunidades, e não apenas dos Estados, na proteçãoambiental. No item 7 do seu Preâmbulo, resultou consignado que, paraalcançar a meta de defesa e melhoramento do meio ambiente humano paraas gerações presentes e futuras, “será necessário que cidadãos ecomunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem asresponsabilidades que possuem e que todos eles participemequitativamente, nesse esforço comum. Homens de toda condição eorganizações de diferentes tipos plasmarão o meio ambiente do futuro,integrando seus próprios valores e a soma de suas atividades. (...) AConferência encarece aos governos e aos povos que unam esforços parapreservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e desua posteridade”. Outros diplomas internacionais e domésticos editadosapós a Declaração de Estocolmo também se encarregaram de estimular e

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participação pública em matéria ambiental. Até mesmo por força dapolitização do movimento ecológico verificada especialmente a partir daDécada de 1980, com uma articulação cada vez maior de grupos voltados àproteção ambiental no cenário político (doméstico e internacional),verificou-se a reivindicação de instrumentos (legislativos, administrativos ejudiciais) voltados a propiciar uma maior participação pública e intervençãodireta na tomada de decisões políticas de índole ecológica.

O Princípio 10 da Declaração do Rio (1992), nesse percurso evolutivo,tornou-se, sem dúvida, a norma internacional referencial para aconformação do conteúdo inerente ao princípio da participação pública emquestões envolvendo a tutela ecológica. No dispositivo citado, é possívelidentificar os três elementos-chave ou pilares que alicerçam o conceito departicipação pública em matéria ambiental: a) participação pública natomada de decisões; b) acesso à informação; e c) acesso à justiça. Taiselementos estão sobremaneira conectados e apresentam conteúdosnormativos, tanto de ordem material quanto procedimental,interdependentes. Isso se pode perceber especialmente na relação entreparticipação pública na tomada de decisões e acesso à informação, sendoeste último pré-requisito para que a participação pública se dê de modoqualificado e efetivo, o que só se faz possível com o acesso à informaçãoambiental existente no âmbito dos órgãos públicos tomadores da decisão (e,em algumas circunstâncias, também as informações ambientais em poder departiculares). Do contrário, a participação não será efetiva, por mais queformalmente assegurada.

No tocante ao acesso à justiça, é importante destacar que o mesmo não ésinônimo de acesso ao Poder Judiciário. Trata-se de conceito mais amplo,tanto que o Princípio 10 faz questão de deixar claro isso, ao dispor que seráassegurado “acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos”.Quando trata dos mecanismos administrativos, o dispositivo em questãoabre o seu leque normativo para além do espectro judicial. De certa forma,o acesso à justiça em questões ambientais cumpre um papel que se podedenominar “subsidiário”, pois somente quando a “participação pública beminformada” não tiver força suficiente para afastar situações de lesão ouameaça de lesão ao bem jurídico ambiental no âmbito extrajudicial é que avia judicial deverá ser acionada para corrigir essa situação. Esse raciocínio

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está de acordo com certa tendência contemporânea verificada no cenáriojurídico brasileiro, com o propósito de priorizar a resolução extrajudicialdos conflitos 266. A utilização do Poder Judiciário para solucionar conflitosambientais (em especial no tocante ao manuseio dos instrumentosprocessuais coletivos) deve ser utilizada apenas como última salvaguarda,ou seja, somente quando as demais instâncias (legislativa e administrativa)tenham fracassado para impedir a degradação ecológica. Por fim, traçadasas primeiras considerações sobre o princípio da participação pública emmatéria ambiental e os seus três pilares, iremos, a partir de agora, analisarcada um deles de forma específica e com maior desenvolvimento.

10.2.2. A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO DE TOMADADE DECISÕES EM MATÉRIA AMBIENTAL

0 direito à participação pública em matéria ambiental pode ser consideradocomo derivado do próprio direito fundamental (e humano) à participaçãopolítica, consagrado, entre inúmeros outros dispositivos internacionais, noart. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no art. 25 doPacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e no art. 23 daConvenção Americana sobre Direitos Humanos (1969). No âmbitoconstitucional brasileiro, o direito (e também dever) à participação políticaestá inscrito nos arts. I2 (inciso II e parágrafo único) e 14 e s. da CF/88,cuidando-se de direitos fundamentais de participação política. Não poroutra razão, Jonas Ebbesson destaca a relação entre os direitos departicipação em matéria ambiental com o Direito Internacional dos DireitosHumanos. Para o autor, todo o aporte e desenvolvimento teórico ejurisprudência! já assegurado no âmbito dos direitos humanos sobre aquestão da participação pública também deve ser utilizado no âmbitoecológico (assim como - acrescentamos - no tocante ao acesso à informaçãoe ao acesso à justiça) 267.

No caso brasileiro, tal entendimento é reforçado a partir do reconhecimentodo direito ao ambiente como autêntico direito fundamental (art. 225 c/c art.52, § 22, da CF/88) 268. Os direitos de participação ambiental podem serrelacionados também com a própria dimensão ou perspectivaprocedimental-organizacional do direito fundamental ao ambiente 269. Arespeito do tema, Robert Alexy destaca que os direitos a procedimentos

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judiciais e administrativos são essencialmente direitos a uma “proteçãojurídica efetiva”, objetivando por meio do procedimento a garantia dosdireitos materiais do seu respectivo titular270. Os procedimentos einstrumentos administrativos (e também judiciais, conforme veremos àfrente no tópico sobre o acesso à justiça) de que dispõem os titulares dodireito fundamental ao ambiente ou mesmo os entes públicos (MinistérioPúblico, Defensoria Pública, IBAMA etc.) ou privados (indivíduos,organizações não governamentais de defesa ecológica, movimentospopulares etc.) legitimados para promover a sua tutela e promoção podemser compreendidos, portanto, como projeções normativas da perspectivaprocedimental suscitada, uma vez que são cruciais para assegurar aefetivação da legislação ambiental e salvaguardar o direito em si nahipótese de sua violação ou ameaça de violação.

Alinhado à “doutrina da norma de proteção”, Vasco Pereira da Silva pontuaque o dever do Estado de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais,tanto por intermédio do procedimento administrativo quanto do processojudicial, coloca nas mãos do indivíduo um direito subjetivo a exigir doEstado o cumprimento de tais regras processuais e procedimentais271.Verifica-se, portanto, a configuração de um verdadeiro dever do Estado nosentido de criar tais vias processuais ou procedimentais necessárias àefetivação do direito fundamental ao ambiente e, da mesma forma,assegurar a participação pública em tais questões, tanto na esferaadministrativa quanto judicial. Em sintonia com essa afirmação, J. J. GomesCanotilho assevera que os direitos procedimentais ambientais expressam-sesob a forma de direitos de informação, direitos de participação e direitos deação judicial272. Ao Estado cabe assegurar a fruição adequada dessesdireitos procedimentais ou processuais ambientais por parte do públicointeressado, tanto pelo prisma individual quanto coletivo.

Ao tratamos da questão da participação “pública” em matéria ambiental, éfundamental estabelecer a conceituação do “público”, ou seja, quem seria obeneficiário dos respectivos mecanismos de participação. Quem é o“público”, ou seja, quem são os atores não estatais a que se dirigem asdisposições voltadas à participação pública ambiental? Respondendo a essapergunta, Jonas Ebesson afirma que “o público” é definido de formanegativa, ou seja, todos os atores que não integram o poder público em

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geral (Public Administration). Incluem-se, portanto, como integrantes do“público” os indivíduos, grupos, organizações não governamentais,movimentos sociais, povos indígenas e comunidades locais, os quais não seencontram vinculados ao governo ou ao poder público em geral273. Esseentendimento, a nosso ver, está em sintonia com o próprio caput do art. 225da CF/88, ao dispor que incumbe ao Estado e à coletividade o dever deproteger o ambiente, tudo a apontar para o fato de que o conceito decoletividade adotado pelo texto constitucional brasileiro pode ser tido comoabarcando os sujeitos indicados por Ebesson na passagem citada.

Muito embora o conceito de “público” seja amplo, há, na seara ambiental,tanto em âmbito nacional quanto internacional, verdadeiro protagonismodas organizações não governamentais ambientais274, não obstante aparticipação individual das pessoas também ocorrer em diversas situações,inclusive no campo da reivindicação judicial da proteção do ambiente(como ocorre, no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio doajuizamento de ações populares). A importância das organizações nãogovernamentais (e também das entidades científicas) foi ressaltada noRelatório Nosso Futuro Comum (1987). De acordo com o documento, “osgrupos científicos e as ONGs desempenharam papel de destaque nomovimento em prol do meio ambiente desde o início”, de modo que “asorganizações não governamentais e grupos de cidadãos foram pioneiros nodespertar da consciência pública e na iniciativa de pressões políticas queestimularam os governos a agir”275. Resultou consignado também nodocumento que “é preciso que os governos reconheçam e ampliem o direitodas ONGs de possuir e ter acesso a informações sobre o meio ambiente e osrecursos naturais, bem como seu direito de serem consultadas e departiciparem das decisões sobre atividades que podem ter efeitossignificativos sobre seu meio ambiente, e de disporem de recursos legaispara serem indenizadas quando a saúde das pessoas e meio ambiente foremseriamente afetados” 276.

A Agenda 21 (item 27, § l2), reforçando esse entendimento, assinala que “asorganizações não governamentais desempenham um papel fundamental namodelagem e implementação da democracia participativa. A natureza dopapel independente desempenhado pelas organizações exige umaparticipação genuína; portanto, a independência é um atributo essencial

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dessas organizações e constitui condição prévia para a participaçãogenuína”. Nessa linha de entendimento, Vasco Pereira da Silva acentua aimportância da atuação das associações de defesa do ambiente, afirmandoque “a proteção jurídica subjetiva, garantida pela Constituição e pelasnormas jurídicas, em matéria ambiental, tanto se refere ao indivíduo como aassociações representativas dos seus direitos ou interesses... Taisassociações atuam, assim, como verdadeiros sujeitos das relaçõesambientais, para a defesa das respectivas posições jurídicas subjetivas, deacordo com os seus fins estatutários” 277. Ainda a respeito do tema, Inês deSouza Dias e João Paulo Capobianco asseveram que “a legislaçãoambiental e os mecanismos que permitem a participação popular nosprocessos decisórios são, sem dúvida, uma das principais armas domovimento ambientalista no caso de obras e empreendimentos queenvolvam grandes interesses econômicos e políticos” 278.

Para ilustrar com exemplos pinçados do direito legislado estrangeiro, valecitar o caso de Portugal e de sua Lei das Organizações Não Governamentaisde Ambiente - ONGAs (Lei n. 35, de 18 de julho de 1998), que tem comopropósito assegurar especial tratamento jurídico às entidades ambientalistas,inclusive reconhecendo a sua utilidade pública (art. 42), além de inúmerasgarantias e prerrogativas. A título de exemplo, a legislação assegura àsONGAs o acesso à informação junto aos órgãos da Administração Públicasobre documentos ou decisões administrativas, com incidência no ambiente(art. 52), o direito de participação na definição da política e das grandeslinhas de orientação legislativa em matéria de ambiente (art. 62), o direitode representação em órgãos colegiados (art. 72), a legitimidade parapromover e intervir em procedimentos administrativos para a defesa doambiente (art. 92), inclusive no sentido de solicitar a laboratórios públicos arealização de análises sobre a composição ou o estado de quaisquercomponentes do ambiente (art. 92, 2), bem como a legitimidade processualpara propor ações judiciais (art. 102), inclusive com isenções deemolumentos e custas (art. 11).

O exemplo das organizações não governamentais ecológicas coloca emdebate não apenas os direitos de participação, mas também os deveres departicipação e proteção do ambiente. A proteção constitucional doambiente, para além de um direito fundamental, também é caracterizada

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pela configuração de um ou vários deveres fundamentais de proteção doambiente a cargo dos próprios titulares do direito ao ambiente, tanto peloprisma individual quanto coletivo. O direito ao ambiente possui, portanto,uma natureza peculiar de direito-dever fundamental, conforme, aliás, tementendido a doutrina 279. Assim, além dos deveres estatais de proteçãoambiental, arrolados exemplificativamente no § l2 do art. 225 da CF/88, háa consagração constitucional de deveres fundamentais atribuídos aosparticulares. Essa constatação reflete justamente na perspectiva daparticipação pública em matéria ambiental, podendo a mesma sercaracterizada como um dever inerente à condição político-jurídica decidadão, inclusive levando em conta a concepção de uma cidadaniaambiental ou ecológica. Dito de outro modo, a passividade e inércia políticado cidadão, quando confrontadas com uma situação concreta de lesão ouameaça de lesão ao ambiente, contrariam o regime jurídico-constitucionaldelineado pelo art. 225 da CF/88.

Por outro lado, resulta evidente que uma postura proativa dos indivíduos edas organizações não governamentais (além dos movimentos popularesetc.) em relação à participação política em matéria ambiental depende, emgrande medida, da existência de mecanismos legislativos, administrativos ejudiciais capazes de dar concretização e efetividade ao protagonismo dasociedade, o que torna fundamental a atuação do Estado no sentido de criartais instrumentos participativos. No caso de tais instrumentos existirem e deserem colocados à disposição dos cidadãos, no plano individual e coletivo,haveria quase como um correspondente dever jurídico de participação (e,portanto, não apenas de caráter moral) no sentido de os mesmosparticiparem (ativamente) no processo decisório em matéria ecológica,além, é claro, de contribuírem para a fiscalização e controle de práticaspúblicas e privadas de caráter antiecológico. A eficácia social da legislaçãoambiental brasileira é em grande parte dependente do protagonismo dasociedade civil (organizada e também não organizada), inclusive peloprisma da atuação individual de cada pessoa (por exemplo, denunciando àsautoridades públicas competentes as práticas lesivas ao ambiente quechegam ao seu conhecimento).

O art. 70, § 22, da Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais(Lei n. 9.605/98) bem ilustra essa condição político-participativa dos

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cidadãos em matéria ambiental, ao reconhecer que “qualquer pessoa,constatando infração ambiental, poderá dirigir representação àsautoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício doseu poder de polícia”, bem como, de modo complementar, no § 3a domesmo dispositivo, que “autoridade ambiental que tiver conhecimento deinfração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata,mediante processo administrativo próprio, sob pena decorresponsabilidade”280. Ou seja, além do próprio caput do art. 225 daCF/88, que estabelece o dever da coletividade no tocante à proteçãoambiental, a legislação infraconstitucional também se encarrega deestabelecer um regime jurídico adequado para a participação dos cidadãosna proteção ambiental. A Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65 e art. 52,LXXIII, da CF/88), a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e a Lei doAcesso à Informação (Lei n. 12.527/2011) são bons exemplos normativosdesse paradigma participativo ecológico, pois colocam ao acesso do públicointeressado mecanismos eficientes de controle e participação em temasafetos ao ambiente.

O princípio da participação pública aparece consagrado em diversosdispositivos da legislação ambiental brasileira no plano infraconstitucional.De modo pioneiro, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81) estabeleceu, no seu art. 42, V, como objetivos a “difusão detecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados einformações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre anecessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrioecológico”. A Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006) consagra, no seuart. 62, parágrafo único, como princípios norteadores do seu regimejurídico, a transparência das informações e atos, a gestão democrática, aceleridade procedimental e a gratuidade dos serviços administrativosprestados ao pequeno produtor rural e às populações tradicionais. A Lei daPolítica Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187/2009) reconhece,no seu art. 32, caput, como princípio da PNMC, a participação cidadã. ALei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010), com omesmo propósito, arrola como princípio da PNRS, a “cooperação entre asdiferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentosda sociedade” (inciso VI), e o “direito da sociedade à informação e aocontrole social” (inciso X).

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No tocante aos instrumentos legislativos de participação pública ambiental,registram-se, entre outros, além do direito de sufrágio ativo e passivo, ainiciativa popular de lei (arts. 14, III, 29, XIII, e 61, § 22, da CF/88), oplebiscito (art. 14,1, da CF/88 e Lei n. 9.709/98) e o referendo (art. 14,1, daCF/88 e Lei n. 9.709/98). Muito embora não se tenha visto com frequênciaa utilização desses instrumentos de participação na nossa práxis política,com exceção, por óbvio, do tradicional direito de voto para escolha doscargos eletivos do legislativo e executivo, é possível a utilização dosmesmos com propósitos ecológicos. Com efeito, seria perfeitamentepossível lançar mão da iniciativa popular para a apresentação de projetos deleis complementares ou ordinárias (federais, estaduais ou municipais) comconteúdo ecológico, bem como a realização de referendo sobre uma leirelacionada com a proteção do ambiente ou mesmo plebiscito a respeito dealguma temática ecológica específica que ainda não tenha sido objeto deregulamentação. Precisamente a respeito da iniciativa legislativa, ÉdisMilaré assinala que “a admissão da iniciativa popular de lei é um dosaspectos fundamentais trazidos pela legislação, principalmente em funçãoda especificidade técnica das matérias que envolvem a questão ambiental.Dessa forma, as entidades ambientalistas e a comunidade científica emgeral passam a ter a oportunidade de contribuir efetiva e concretamente paraa solução dos problemas ambientais e também para a evolução do direito eda legislação sobre o meio ambiente” 281.

Ainda na seara legislativa, como expressão da participação públicaecológica, destaca-se a criação de partidos políticos com o objetivo dedefender no cenário político a bandeira ecológica. Talvez o melhor exemplodisso seja a criação do Partido Verde, verificada no início da Década de1980, na Alemanha, que serviu de inspiração para iniciativas similares emmuitos outros países, inclusive (e de modo bastante precoce) o Brasil. Aexistência de partidos políticos “ecológicos” permite a ocupação de umespaço político extremamente relevante para fortalecer a causa ambiental eproduzir modificações significativas no plano institucional (legislativo,administrativo e judiciário) do Estado. No trâmite dos projetos de lei quetenham como objeto a matéria ambiental, também deve ser oportunizada aparticipação dos interessados, sobretudo das entidades ambientalistas,cabendo às casas legislativas promover audiências públicas (por exemplo,no âmbito das comissões temáticas sobre meio ambiente existente nos

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nossos parlamentos nacional, estaduais e municipais) e oportunizar amanifestação do público interessado.

No campo da Administração Pública, há também inúmeros instrumentosadministrativos catalisadores da participação pública em matéria ambiental.O paradigma democrático-participativo deve conduzir as práticasadministrativas, abrindo espaço para a participação pública. Entre osinstrumentos administrativos com viés ambiental que autorizam epotencializam a participação pública, destacam-se a publicação do estudo edo relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) no âmbito dolicenciamento ambiental (art. 225, § l2, IV, da CF/88, arts. 92, III, e 10,caput e § l2, da Lei n. 6.938/81 e Resoluções n. 1/86, 6/86 e 237/97 doCONAMA), inclusive com a previsão

de realização de audiência pública (Resolução n. 9/87 do CONAMA), odireito de petição aos órgãos públicos reivindicando acesso à informaçãoambiental (art. 52, XXXIII, da CF/88 e Lei n. 12.527/2011), a participaçãoda sociedade civil nos órgãos colegiados ambientais (art. 39, IV e V, da Lein. 9.433/97). A título de exemplo, o art. 11 da Resolução n. 1/86 doCONAMA dispõe que “respeitado o sigilo industrial, assim solicitado edemonstrado pelo interessado, o RIMA será acessível ao público. Suascópias permanecerão à disposição dos interessados, nos centros dedocumentação ou bibliotecas da SEMA e do órgão estadual de controleambiental correspondente, inclusive durante o período de análise técnica”.

Outro exemplo bastante peculiar de procedimento administrativo ensejadorda participação pública em matéria ambiental diz respeito à possibilidade deimpugnação ou cancelamento do registro de agrotóxicos. De acordo com oart. 52, III, da Lei dos Agrotóxicos (Lei n. 7.802/89), as entidadeslegalmente constituídas para defesa dos interesses difusos relacionados àproteção do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais (art. 52,III) encontram-se legitimadas para requerer o cancelamento ou aimpugnação, em nome próprio, do registro de agrotóxicos e afins, arguindoprejuízos ao meio ambiente, à saúde humana e aos animais. O dispositivocitado prevê, inclusive, uma espécie de inversão do ônus probatório noâmbito administrativo, ao dispor, no § l2 do mesmo dispositivo, que, “paraefeito de registro e pedido de cancelamento ou impugnação de agrotóxicos

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e afins, todas as informações toxicológicas de contaminação ambiental ecomportamento genético, bem como os efeitos no mecanismo hormonal,são de responsabilidade do estabelecimento registrante ou da entidadeimpugnante e devem proceder de laboratórios nacionais ou internacionais”.

Também operando como instrumento viabilizador da participação públicaem matéria ambiental, destaca-se a presença de representantes dacomunidade, indicados livremente pelas associações civis, nos conselhos eórgãos colegiados de defesa do ambiente dotados de poderes normativos.Exemplo altamente significativo é o do Conselho Nacional do MeioAmbiente (CONAMA), o mais importante órgão colegiado de âmbitonacional, com competência, entre outras, de estabelecer normas, critérios epadrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do ambiente comvistas ao uso racional e sustentável dos recursos naturais, conforme dispõeo art. 82, VII, da Lei n. 6.938/81. Portanto, a presença da sociedade civilorganizada na composição do CONAMA constitui importante mecanismode participação pública e de cooperação entre governo e sociedade,propiciando o debate de temas ambientais relevantes entre representantes daUnião, dos Estados e Municípios, da iniciativa privada e de organizações dasociedade civil.

O CONAMA é constituído de representantes de cinco segmentosdiretamente interessados na temática ambiental: o Governo Federal, osgovernos estaduais e municipais, o setor empresarial e a sociedade civil,essa integrada por representantes de organizações ambientalistas,comunidade científica, populações indígenas e tradicionais, órgãos de classee movimentos sindicais. De acordo com seu Regimento Interno, entre osseus cento e seis conselheiros com direito a voto, estão: o Ministro deEstado do Meio Ambiente e o Secretário-Executivo do Ministério do MeioAmbiente; um representante de cada um dos Ministérios, das Secretarias daPresidência da República e dos Comandos Militares do Ministério daDefesa, do IBAMA e da ANA indicados pelos respectivos titulares, numtotal de trinta e nove Conselheiros; um representante de cada um dosGovernos Estaduais e do Distrito Federal, indicados pelos respectivosgovernadores, somando vinte e sete Conselheiros; oito representantes deGovernos Municipais; vinte e dois representantes da sociedade civil

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(entidades de trabalhadores, ONGs etc.); oito representantes de entidadesempresariais; e um membro honorário indicado pelo Plenário.

Muito embora a hegemonia do setor público na composição do CONAMA,há espaço significativo reservado à sociedade civil (22 representantes comdireito a voto). A atuação das entidades ambientalistas em tais órgãoscolegiados282 permite, em certa medida, além do exercício de algumcontrole sobre as práticas administrativas, a participação na formulação eexecução de políticas públicas ambientais. Outro exemplo relevante departicipação pública em órgãos colegiados de natureza ambiental dizrespeito aos Comitês de Bacia Hidrográfica, que integram o SistemaNacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos estabelecido pela Lei n.9.433/97. Há, nesse sentido, a previsão, no art. 39, IV e V, do referidodiploma, que os mesmos serão compostos não apenas por representantes desetores públicos, mas também pelos usuários de sua área de atuação e dasentidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia,além das comunidades indígenas ali residentes ou com interesse na bacia,quando for o caso (art. 39, § 32, II).

0 direito à audiência pública nos procedimentos administrativos ambientais(e também judiciais, conforme veremos à frente) representa tambémimportante dimensão do princípio da participação pública. Com relação àaudiência pública, Vasco Pereira da Silva identifica o direito à audiêncianos procedimentos administrativos de natureza ambiental como direitofundamental e fase obrigatória do procedimento administrativo, tendo comoobjetivo possibilitar uma tomada de decisão mais correta em face daglobalidade dos interesses em jogo. O desrespeito do direito fundamentalem questão implicaria a nulidade do procedimento administrativo 283. Odireito à audiência está ajustado ao ideal democrático-participativo quepermeia a norma constitucional de tutela do ambiente (art. 225), já que oobjetivo último da audiência, por exemplo, em procedimento delicenciamento ambiental (ou mesmo no curso de uma ação civil pública,conforme veremos à frente), é assegurar o acesso à informação relativa àquestão ambiental em causa, bem como possibilitar a intervenção daspessoas interessadas na tomada de decisão de forma qualificada.

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De acordo com o art. I2 da Resolução n. 9/87 do CONAMA, que dispõeespecificamente sobre as audiências públicas, as mesmas têm “porfinalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e doseu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes ascríticas e sugestões a respeito”. Segundo o art. 22 do mesmo diploma,“sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil,pelo Ministério Público, ou por cinquenta ou mais cidadãos, o órgão demeio ambiente promoverá a realização de audiência pública”, bem como o§ l2 do mesmo dispositivo, que, com o recebimento do relatório de impactoambiental (RIMA), o órgão público ambiental responsável publicará eanunciará pela imprensa local a abertura de prazo de 45 dias para asolicitação de audiência pública para a discussão do empreendimento 284.Também a Lei n. 9.784/99, que institui procedimento administrativo noâmbito federal, estabeleceu, no seu art. 32, a realização de audiência públicacomo parte do procedimento instrutório, o que também incide em matériaambiental. O art. 15 da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105/2005) prevêque “a CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participaçãoda sociedade civil, na forma do regulamento. Parágrafo único. Em casos deliberação comercial, audiência pública poderá ser requerida por partesinteressadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil quecomprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento”.

O inquérito civil (art. 82, § l2, da Lei n. 7.347/85), em que pese o MinistérioPúblico não integrar a Poder Executivo, dada a sua autonomia institucional,também nos parece um instrumento administrativo (extrajudicial) que deveoportunizar a participação pública, autorizando os interessados (entidadesambientalistas) a acompanhar o seu trâmite e colaborar com o Parquet naapuração dos fatos e adoção das medidas administrativas e judiciaispertinentes. A Resolução n. 23 do CNMP, de 17 de setembro de 2007, dá asdiretrizes gerais no tocante à regulamentação do inquérito civil,estabelecendo, no seu art. 62, § 52, que “qualquer pessoa poderá, durante atramitação do inquérito civil, apresentar ao Ministério Público documentosou subsídios para melhor apuração dos fatos”. De modo complementar, oart. 72, caput, determina que se aplique “ao inquérito civil o princípio dapublicidade dos atos, com exceção dos casos em que haja sigilo legal ou emque a publicidade possa acarretar prejuízo às investigações, casos em que adecretação do sigilo legal deverá ser motivada”. A aproximação entre o

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Ministério Público e a sociedade civil é deveras salutar à proteçãoecológica, estimulando práticas colaborativas e participativas. Afinal decontas, retomando a lição de Carla Amado Gomes, “a democraciaparticipativa irradiou para a atividade administrativa, abrindo as portas doprocedimento à intervenção dos interessados para defesa dos seus interessese para a formação de consensos alargados em torno da noção de interessepublico” 285.

Por fim, destacando-se os três níveis de participação pública em matériaambiental (legislativo, administrativo e judiciário), registra-se que aparticipação no âmbito do Poder Judiciário será objeto de análise em tópicosubsequente, quando tratarmos especificamente do acesso à justiça nocampo ecológico.

10.2.3. O ACESSO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL

A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...) V - à difusão detecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados einformações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre anecessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrioecológico (art. 4a, V, da Lei n. 6.938/81).

O acesso à informação ambiental286 constitui componente essencial doexercício pleno da democracia participativa ecológica e, portanto, além deum dos pilares do princípio da participação pública, assume também acondição de direito fundamental, que, ademais de assegurado em carátergeral pelo art. 52, XIV, da CF/88, apresenta uma dimensão particularmenterelevante na esfera da proteção ambiental. De acordo com Paulo Bonavides,o direito à informação constitui-se direito fundamental de quarta dimensão(ainda que se possa discutir a respeito de tal aspecto), assim como severifica com o direito à democracia e ao pluralismo, já que da realizaçãodesses direitos “depende a concretização da sociedade aberta do futuro, emsua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundoinclinar-se no plano de todas as relações de convivência” 287. Com efeito,somente o cidadão devidamente informado e consciente da realidade e daproblemática ambiental é capaz de atuar de forma qualificada no processopolítico, ensejando a autonomia e autodeterminação da sua condição

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político-participativa. O acesso à informação está diretamente relacionado àprópria esfera de liberdade do indivíduo. Especialmente num mundo comoo de hoje, onde a informação circula de forma desordenada e complexa,somente o acesso à informação possibilitará ao indivíduo e à coletividadecomo um todo (as entidades ambientalistas, movimentos populares etc.)tomarem partido no jogo político ambiental.

A respeito da questão, Jonas Ebbesson destaca que a Corte Européia deDireitos Humanos (Caso Guerra e Outros v. Itália, julgado em 19 defevereiro de 1998) reconheceu, vinculando a temática do acesso àinformação ambiental à proteção dos direitos humanos, a violação - porparte do Estado -do direito humano de respeito à privacidade e à vidafamiliar na hipótese em que o Estado falha ou se omite em providenciarinformação essencial sobre atividades perigosas e permitir às pessoasconhecer e avaliar os riscos que elas e seus familiares poderíam correr. Talentendimento da Corte reconheceu o “direito a saber (Right-to-Know) sobrequestões ambientais” 288. De acordo com Paulo A. Leme Machado, “ainformação ambiental deve ser transmitida de forma a possibilitar temposuficiente aos informados para analisarem a matéria e poderem agir dianteda Administração Pública e do Poder Judiciário. A informação ambientaldeve ser prevista nas convenções internacionais de forma a atingir nãosomente as pessoas do país onde se produza o dano ao ambiente, comotambém atingir as pessoas de países vizinhos que possam sofrer asconsequências do dano ambiental” 289.

O acesso à informação ambiental diz respeito ao acesso à informação sobredeterminados dados e fatos relativos a alguma atividade ouempreendimento. Por exemplo, na hipótese da construção de umahidrelétrica 290, o estudo de impacto ambiental deverá trazer os respectivosdados sociológicos, antropológicos, econômicos e ambientais que forempertinentes, apontando os efeitos negativos e possíveis danos ocasionadospelo empreendimento. Além disso, há que ter sempre em consideração avulnerabilidade (técnica, econômica e jurídica etc.) do cidadão tanto emface dos poderes econômicos privados quanto do Poder Público, nemsempre, convém frisar, isento em relação aos interesses econômicos dosparticulares. O acesso à informação, nesse plano, atua como mecanismo deequalização das relações jurídicas, possibilitando ao cidadão, de forma

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individual ou coletiva (por exemplo, por meio de organizações nãogovernamentais ambientais), reivindicar, em um patamar mais igualitário, orespeito ao seu direito fundamental ao ambiente. Em sintonia com essaassertiva, Ana Cláudia Bento Graf afirma que “o direito à informaçãoconstitui um indicador significativo dos avanços em direção a umademocracia participativa: oponível ao Estado, comprova a adoção doprincípio da publicidade dos atos administrativos; sob o ponto de vista docidadão, é instrumento de controle social do poder e pressuposto daparticipação popular, na medida em que o habilita a interferir efetivamentenas decisões governamentais; e se analisado em conjunto com a liberdadede imprensa e o banimento da censura, também funciona como instrumentode controle social do poder” 291.

O constituinte brasileiro de 1988 mostrou-se preocupado com a questão doacesso à informação de um modo geral, ao consagrar duas garantiasindividuais: primeiramente, como já destacado, mediante a norma contidano inciso XIV do art. 52 da CF/88, ao estabelecer que “é assegurado a todoso acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessárioao exercício profissional”. Soma-se a tal garantia a previsão contida noinciso XXXIV do mesmo dispositivo constitucional, dispondo que “são atodos assegurados, independentemente de taxas: a) o direito de petição aospoderes públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso depoder, e b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa dedireitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. Os dispositivoscitados, conforme veremos logo à frente, foram regulamentados no planoinfraconstitucional pela Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011).Especificamente em relação à informação ambiental, pode-se destacar o art.225, § l2, que estabelece o dever de o Poder Público, como forma deassegurar efetividade do direito fundamental ao ambiente: “exigir, na formada lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora designificativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impactoambiental, a que se dará publicidade” (inciso IV); e “promover a educaçãoambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para apreservação do meio ambiente” (inciso VI).

O marco delineado pela CF/88, conforme destacado no parágrafoantecedente, atribui deveres ao Estado que repercutem na esfera da

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informação ambiental, assumindo a condição de verdadeiros deveresestatais de informação ambiental. A respeito da questão, destaca-se oentendimento de Alexandre Kiss e Dinah Shelton no sentido da existência,no plano internacional, de um dever de informar e consultar atribuído aoEstado, no tocante a questões ambientais. De acordo com os autores, “umEstado que pretenda empreender ou autorizar atividades capazes deocasionar um impacto significativo sobre o meio ambiente de outro Estadodeve informar a este último e transmitir os detalhes pertinentes sobre oprojeto”292. Os deveres estatais em questão encontram-se reconhecidos noPrincípio 19 da Declaração do Rio (1992), ao declarar que “os Estadosfornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados,notificação prévia e informações relevantes acerca de atividades quepossam vir a ter considerável impacto transfronteiriço negativo sobre omeio ambiente, e se consultarão com estes tão logo seja possível e de boa-fé”.

Os mesmos deveres estatais de informação consagrados no dispositivocitado também encontram incidência no plano doméstico dos Estados-Nação e têm como beneficiários a coletividade em geral, indivíduos,entidades ambientalistas etc. No Brasil, a Lei de Acesso à InformaçãoAmbiental (Lei n. 10.650/2003) é o melhor exemplo disso, pois objetivatornar acessível para o público em geral os dados e as informaçõesexistentes no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do SISNAMA(Sistema Nacional do Meio Ambiente), tal como previstos na Lei n.6.938/81 (art. 62). Ainda no plano da legislação infraconstitucional,expressam esse dever de informação a cargo do Estado a exigência depublicização do estudo de impacto ambiental e do relatório de impactoambiental (EIA-RIMA), prevista na Lei n. 6.938/81 (art. 10, § l2) e naCF/88 (art. 225, § l2, IV) 293, bem como, na condição de instrumentos daPolítica Nacional do Meio Ambiente, a criação do Sistema Nacional deInformações sobre o Meio Ambiente (art. 92, VII, da Lei n. 6.938/81) e ainstituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgadoanualmente pelo IBAMA (art. 92, X, da Lei n. 6.938/81).

Com o mesmo propósito de assegurar acesso à informação de naturezaambiental, o art. 52, VI, da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n.9.433/97) estabeleceu, como instrumento da PNRH, a criação do Sistema de

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Informação sobre Recursos Hídricos. Outro exemplo peculiar a respeito dainformação ambiental é a situação prevista no art. 40 da Lei deBiossegurança (Lei n. 11.105/2005), ao determinar que “os alimentos eingredientes destinados ao consumo humano ou animal que contenham ousejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados ouderivados deverão conter informação neste sentido em seus rótulos,conforme regulamento”. A Lei da Política de Educação para o ConsumoSustentável (Lei n. 13.186/2015) também dispôs sobre o acesso àinformação ambiental, consagrando, entre os objetivos da referida políticapública, previstos no art. 22 do diploma, “zelar pelo direito à informação epelo fomento à rotulagem ambiental (inciso VIII)” e “incentivar acertificação ambiental (inciso IX)”, bem como, no seu art. 32,1, queincumbe ao poder público, em âmbito federal, estadual e municipal,“promover campanhas em prol do consumo sustentável, em espaço nobredos meios de comunicação de massa”.

O Código Florestal Brasileiro atual (Lei n. 12.651/2012) também trouxealguns pontos interessantes em reforço ao acesso à informação ambiental. Oprimeiro deles diz respeito à criação do Cadastro Ambiental Rural, de modointegrado ao SINIMA. Segundo seu art. 29, “é criado o Cadastro AmbientalRural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre MeioAmbiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional,obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar asinformações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo basede dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental eeconômico e combate ao desmatamento”. De modo complementar, o art. 35da legislação florestal estabelece mecanismos voltados ao controle daorigem dos produtos florestais. Conforme o enunciado do seu caput, “ocontrole da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ousubprodutos florestais incluirá sistema nacional que integre os dados dosdiferentes entes federativos, coordenado, fiscalizado e regulamentado peloórgão federal competente do SISNAMA”, bem como, no § 42 do mesmodispositivo, que “os dados do sistema referido no caput serãodisponibilizados para acesso público por meio da rede mundial decomputadores, cabendo ao órgão federal coordenador do sistema forneceros programas de informática a serem utilizados e definir o prazo paraintegração dos dados e as informações que deverão ser aportadas ao sistema

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nacional”. Em linhas gerais, o diploma estimula a regularização dosimóveis florestais (por meio do CAR) e, ao mesmo tempo, cria algunsmecanismos novos que proporcionam maior controle das práticasdegradadoras no âmbito florestal por parte da sociedade (e não apenas doEstado), tornando acessível ao público interessado a informação ambientalflorestal.

A realização de audiência pública, nessa perspectiva, também se apresentacomo mecanismo exemplar para conferir não apenas espaço para aparticipação pública na tomada de decisão, mas também para franquearacesso à informação aos interessados sobre o estudo de impacto ambientallevado a cabo em face da instalação de obra ou atividade causadora oupotencialmente causadora de significativa degradação ambiental294. Nessesentido, Álvaro Valery Mirra afirma que a audiência pública garantidaconstitucionalmente por força das normas do art. I2, parágrafo único, daCF/88, que estabeleceu no país o regime de democracia semidireta, e do art.225, caput, que consagrou o direito de todos ao meio ambienteecologicamente equilibrado, é um instrumento de informação e consulta dapopulação a respeito de uma atividade sujeita ao estudo de impactoambiental, aparecendo, assim, como um dos principais instrumentos departicipação popular na proteção do meio ambiente 295. De acordo comLuís Felipe Colaço Antunes, “a participação do público, com base numacorreta informação, configura-se como um dos elementos básicos doprocedimento de avaliação de impacto ambiental. O estudo de impactoambiental deve submeter-se a informação pública juntamente com o restodas peças documentais do dossier” 296.

Ainda nesse contexto, merece destaque a Lei do Acesso à Informação (Lein. 12.527/2011), que representou um marco extremamente significativo naedificação de um sistema público de acesso à informação com forte índoledemocrático-participativa. Ainda nesse contexto, merece destaque a Lei doAcesso à Informação (Lei n. 12.527/2011), que representou um marcoextremamente significativo na edificação de um sistema público de acesso àinformação com forte índole democrático-participativa. De modocomplementar à Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei n.10.650/2003), a Lei n. 12.527/2011 regulamenta, no planoinfraconstitucional, o inciso XXXIII do art. 52, o inciso II do § 32 do art. 37

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e o § 22 do art. 216 da CF/88. Alinhada com esse cenário normativo-constitucional, a Lei n. 12.527/2011 estabelece, no seu art. I2, § l2, que“subordinam-se ao regime desta Lei: I - os órgãos públicos integrantes daadministração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo asCortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; II - as autarquias, asfundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mistae demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados,Distrito Federal e Municípios”.

A partir da vigência da nova legislação, nenhuma entidade pública estáimune ao dever de assegurar o acesso à informação por ela detida. Nessaótica, conforme dispõe o art. 32 do citado diploma legal, “os procedimentosprevistos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acessoà informação e devem ser executados em conformidade com os princípiosbásicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I -observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;II - divulgação de informações de interesse público, independentemente desolicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pelatecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura detransparência na administração pública; V - desenvolvimento do controlesocial da administração pública”. O que coloca a questão ambiental emcontato direto com tal diploma normativo é o fato de a proteção doambiente transportar sempre a natureza de interesse público (interessepúblico primário). Portanto, qualquer informação ambiental de posse deentidade pública passa a ser acionável com amparo na Lei n. 12.527/2011,considerando-se, por exemplo, a sua extrema relevância para a atuação dasentidades ambientalistas (ou mesmo do cidadão) na hipótese de situação delesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico ambiental.

Pelo prisma do dever de informação (assim como já decorre do deverconstitucional de transparência) cometido ao Estado, sobretudo em questõesrelacionadas ao exercício de direitos fundamentais, o art. 62 da legislaçãocomentada estabelece que cabe aos órgãos e entidades do poder públicoassegurar a: “I - gestão transparente da informação, propiciando amploacesso a ela e sua divulgação (...)”. Vários dispositivos da Lei de Acesso àInformação têm grande potencial de aplicação no tocante à informaçãoambiental, como, por exemplo, a informação sobre as atividades exercidas

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pelos órgãos ambientais, a implementação de projetos e obras realizadaspelo poder público etc. Em todos os casos, o interesse coletivo que qualificao acesso à informação ambiental será o fundamento legitimador de taispedidos. Nessa ótica, dispõe o art. 82 do diploma que “é dever dos órgãos eentidades públicas promover, independentemente de requerimentos, adivulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, deinformações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas oucustodiadas”. Merece registro, ainda, a forma como será assegurado oacesso às informações públicas. A respeito disso, estabelece o art. 92 que “oacesso a informações públicas será assegurado mediante: I - criação deserviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do poderpúblico, em local com condições apropriadas para: a) atender e orientar opúblico quanto ao acesso a informações; b) informar sobre a tramitação dedocumentos nas suas respectivas unidades; c) protocolizar documentos erequerimentos de acesso a informações; e II - realização de audiências ouconsultas públicas, incentivo à participação popular ou a outras formas dedivulgação”.

Designadamente no último item do dispositivo citado, verifica-se, de modoespecial, a intenção do legislador no sentido de estabelecer um parâmetrodemocrático-participativo no que diz com o acesso à informação, inclusivepor meio de audiência e consultas públicas, incentivando a participaçãopopular, o que guarda sintonia com os princípios norteadores de umacidadania ambiental. Sem avançar mais na análise da lei em questão, poisnão se trata do nosso propósito aqui levar a efeito um levantamentominucioso de todos os seus aspectos, cumpre apenas enfatizar que há tantoo reconhecimento de um direto à informação quanto o estabelecimento deum procedimento de acesso à informação, inclusive mediante previsão deum recurso para ser manuseado em hipótese de negativa (arts. 10 a 19),sendo, nos termos do texto legal, “vedadas quaisquer exigências relativasaos motivos determinantes da solicitação de informações de interessepúblico (art. 10, § 32), bem como restrições de acesso à informação (arts. 21a 31). Destaca-se aqui o art. 21, de acordo com o qual “não poderá sernegado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativade direitos fundamentais”, entre eles, cabe frisar, o direito ao ambiente.

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Feitas tais considerações, não restam dúvidas a respeito do potencial deutilização da Lei do Acesso à Informação para a obtenção de informação denatureza ambiental em poder de entidades públicas. Trata-se de diplomalegislativo extremamente relevante, que segue as diretrizes de outrosmarcos legislativos importantes no plano internacional, como é o caso doPrincípio 10 da Declaração do Rio de 1992, e da Convenção de Aarhussobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada de Decisões eAcesso à Justiça em Matéria Ambiental (1998)297. A Convenção deAarhus, nesse sentido, elenca entre os seus objetivos o de garantir aopúblico em geral, bem como às organizações não governamentais, o acessoà informação ambiental e a mecanismos judiciais eficazes para proteger osseus interesses legítimos, bem como o de garantir a aplicação da lei emquestões ambientais. De acordo com o teor literal da Convenção, o Estado“além e sem prejuízo dos procedimentos de revisão referidos nos §§ l2 e 22

acima, assegurará aos membros da comunidade que satisfaçam os critériosestabelecidos no direito interno, o acesso aos processos administrativos oujudiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e deautoridades públicas que infrinjam o disposto no respectivo direito internoem relação ao ambiente (art. 92, 3)”298. Em caráter ilustrativo da evoluçãoque se verifica em outros países e na esfera supranacional, cabe referir aDiretiva 2003/4/EC, de 28 de janeiro de 2003, da Comunidade Européia,assim como, no plano doméstico, a lei argentina sobre o regime de livreacesso à informação pública em matéria ambiental (Lei n. 25.831, de 23 denovembro de 2003), bem como, no plano europeu, a Lei de InformaçãoAmbiental (Umweltinformationsgesetz - UIG) alemã, de 2004. É, aliás,afinada com esse espírito democrático-participativo que impregna aproteção do ambiente e cada vez mais a proteção e promoção dos direitosfundamentais de um modo geral, que a Lei de Acesso à Informação deveser compreendida, aproveitando-se o que dela é possível para fortalecer oacesso à informação ambiental e estimular a participação cada vez maiordos indivíduos e grupos sociais na tomada de decisões públicas em matériaambiental.

Ainda que se cuide aqui de princípio e dever autônomo (conforme previstono art. 37, caput, da CF/88), o princípio da publicidade (e o dever estatal deconferir publicidade aos atos administrativos) também agrega forçanormativa ao princípio democrático-participativo e, de outra parte, opera

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como garante do próprio direito e correspondente dever de acesso àinformação. Com efeito, o princípio da publicidade impõe limites à atuaçãodo administrador, em vista principalmente da possibilidade do controlesocial que deve pautar a sua atividade num Estado Democrático. Apublicidade assegura, ademais, a devida transparência na condução daadministração pública, possibilitando a todos os interessados tomaremciência de temas que lhes tocam diretamente e que dizem com o exercício eproteção de seus direitos, inclusive e de modo particularmente relevante,quando se cuida de dar efetividade ao princípio do acesso à informaçãoambiental. Nesses termos, Paulo Afonso Leme Machado destaca que apublicidade “abre as portas da Administração Pública”, assim como “atransparência conserva essas portas abertas e mantém a circulação dainformação pelas referidas portas”. Com efeito, destaca o eminenteprofessor que a publicidade estrutura o manuseio da informação, ao passoque a transparência operacionaliza a fruição do direito à informação frente àAdministração Pública e àqueles que usam bens comuns da coletividade299.

A respeito do princípio da publicidade, a Lei sobre o ProcessoAdministrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei n.9.784/99), além de estabelecer, no caput do seu art. 22, que “aAdministração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios dalegalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interessepúblico e eficiência”, estabelece, no parágrafo único, inciso V, do mesmodispositivo, que nos processos administrativos serão observados, entreoutros, os critérios de: “divulgação oficial dos atos administrativos,ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição”. O diploma emquestão destaca, ainda, como direito dos administrados, no art. 32: “sertratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar oexercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações” (inciso I) e“ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha acondição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentosneles contidos e conhecer as decisões proferidas” (inciso II). Ressalta-se,apenas, que, em se tratando de questão ambiental, o conceito de“interessado” deve ser ampliado o máximo possível, já que haverá interessede toda a coletividade e, portanto, qualquer cidadão ou entidade ecológica

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poderá requerer o acesso à informação existente no âmbito de procedimentoadministrativo que trate da matéria.

Questão de alta relevância e impacto diz com a assim chamada eficácia dodireito à informação (e de modo geral dos direitos fundamentais) na esferadas relações entre particulares 300. Dito de outro modo, necessárioresponder se os atores privados (e não apenas os entes públicos) tambémestão obrigados a fornecer informações que detenham em seu poder, quandotais informações sejam essenciais a informar grupos sociais ou mesmoindivíduos a respeito de questões relevantes atinentes à proteção doambiente. Uma resposta afirmativa, ainda que carente de maiordesenvolvimento quanto ao seu detalhamento, já é possível anunciar a partirdo reconhecimento de uma eficácia entre particulares do direitofundamental ao ambiente 301, implicando, por exemplo, o dever deinformação ambiental dos particulares e, conforme veremos mais adiante, apossibilidade de inversão do ônus da prova nos processos judiciais eadministrativos. Como fundamento legislativo (ainda que não criemobrigações expressas de informação) dos deveres de informação ambientalna esfera do ordenamento jurídico-privado é possível invocar o princípio daboa-fé objetiva (art. 422 do CC/2002), o princípio da função social eecológica da propriedade (art. 1.228, § l2, do CC/2002), o princípio dafunção social do contrato (art. 421 do CC/2002) e o princípio da funçãosocial da empresa, bem como do instituto do abuso de direito (art. 187 doCC/2002), todos reguladores das relações jurídicas de direito privado e que,ademais, dão concretude aos princípios, direitos e deveres de matrizconstitucional colacionados acima.

Os institutos jurídicos citados atuam no sentido de determinar deveresconexos a direitos em geral, fazendo com que o exercício de determinadodireito esteja alinhado ao seu fim social, especialmente relevante quandoestiver em causa direito de natureza fundamental, como é o caso do direitoao ambiente. Aqui se manifesta como particularmente relevante a relaçãoentre a inversão do ônus da prova e o acesso à informação ambiental, umavez que, à luz dos princípios da prevenção e da precaução, deve-se exigir dosuposto poluidor (empreendedor de prática ou atividade lesiva oupotencialmente lesiva ao ambiente) que forneça as informações (estudos,laudos etc.) que detém em seu poder, inclusive com o propósito de

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demonstrar a segurança e consequências em termos ecológicos doempreendimento. Isso, por sua vez, aplica-se tanto no âmbito administrativoquanto judicial, recaindo esse dever (e a correspondente inversão do ônusprobatório) sobre quem pretenda desenvolver uma determinada atividadecuja lesividade para o ambiente já seja conhecida, bem como quando nãoesteja cientificamente comprovada302. Ademais, no âmbito das relaçõesprivadas, também se opera a proteção dos indivíduos e grupos vulneráveis,colocando-se, entre eles, inclusive as futuras gerações, conforme a lição deCláudia Lima Marques e Bruno Miragem 303. Portanto, o acesso àinformação em poder de particulares, quando imprescindível para apurar aexistência ou mesmo potencial ocorrência de dano ambiental, deve servislumbrada, a depender por óbvio da situação concreta, como mecanismode equalização de forças privadas e, ao mesmo tempo, como instrumentopara a proteção de grupos sociais vulneráveis (neles incluídas as futurasgerações), aqui não apenas na perspectiva ambiental em sentido estrito.

Ademais, é importante reiterar a relevância do Poder Judiciário - que, deresto, encontra-se igualmente vinculado pelo dever de proteção ambiental -no sentido de assegurar o cumprimento, por parte do Estado e departiculares (com destaque para atores que exercem poder social), dos seusrespectivos deveres de informação ambiental, bem como de parte dostitulares do direito ao ambiente (ou seja, toda a coletividade) desalvaguardar o direito à informação ambiental. Para superar eventuaisóbices criados, tanto por agentes públicos quanto privados, no tocante aoacesso à informação ambiental (e até mesmo em relação à sua divulgação),torna-se perfeitamente possível a sua reivindicação judicial (a título deexemplo, em se tratando de agente público, a negativa do acesso àinformação pode ser combatida judicialmente por meio do ajuizamento demandado de segurança, tanto individual quanto coletivo, a depender dascircunstâncias) 304. Há, portanto, a possibilidade de acionamento do PoderJudiciário para a obtenção de acesso à informação ambiental, haja vista queestará sempre em causa interesse público. Tecidas essas consideraçõesfinais a respeito da relevância dos Juizes e Tribunais para salvaguardar oacesso à informação ambiental, ingressaremos, a partir de agora,propriamente na temática do acesso à justiça em matéria ambiental.

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10.3. O ACESSO À JUSTIÇA EM MATÉRIAAMBIENTAL COMO GARANTIA DAPARTICIPAÇÃO PÚBLICA

0 acesso à justiça, de acordo com Jonas Ebbesson, é um elemento essencialda participação pública, como instrumento para aplicação da legislaçãoambiental, correção de decisões administrativas errôneas e para enquadraras autoridades competentes no seu devido papel305. É nesse mesmo sentidoa lição de Luiz G. Marinoni, que, amparado numa leitura do DireitoProcessual Civil com base na Teoria dos Direitos Fundamentais, afirma quea participação por meio da ação judicial justifica-se também numaperspectiva democrática, já que essa “não mais se funda ou pode se fundaro sistema representativo tradicional” 306. As ações judiciais conformam,em alguma medida, o direito à participação inerente aos direitosfundamentais, permitindo a democratização do poder por intermédio daparticipação popular, que, conforme pontua Marinoni, se dá, no caso daação judicial, de forma direta 307. O autor colaciona o exemplo da açãopopular como sendo um “instrumento pelo qual o indivíduo exerce o seudireito de tomar parte na gestão dos negócios públicos”, espelhando oexercício de um direito político 308. Por sua vez, Antônio H. Benjaminrefere que, como benefício substantivo da “constitucionalização” daproteção do ambiente, deve-se “ampliar os canais de participação pública,sejam os administrativos, sejam os judiciais”, com o afrouxamento doformalismo individualista especialmente para os procedimentos judiciais,que é a marca da legitimação para agir tradicional309. O Ministro doSuperior Tribunal de Justiça defende o entendimento de que, em algunscasos, conforme a dicção utilizada pelo legislador constitucional, “essalegitimação ampliada pode vir a ser automaticamente aceita pelo PoderJudiciário, sem necessidade de intervenção legislativa” 310.

A ampliação da legitimidade para a propositura de ações judiciais,especialmente daquelas que veiculam a tutela de direitos difusos ecoletivos, como é o caso da ação civil pública, está em sintonia com aconcretização do princípio democrático e da garantia do acesso à justiça.Como assevera Marinoni, “quanto mais se alarga a legitimidade para apropositura dessas ações, mais se intensifica a participação do cidadão -

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ainda que representado por entidades - e dos grupos no poder e na vidasocial” 311. Assim, de forma a romper com uma concepção democráticatradicional, espelhada basicamente em uma abordagem representativa eindireta, deve-se estimular a abertura cada vez maior das portas do PoderJudiciário e o reconhecimento de tal poder como instância estatallegitimada constitucionalmente a atuar na proteção dos direitosfundamentais. A atuação judicial crescente dos cidadãos, individualmenteou por meio de entidades coletivas (associações civis etc.) ou mesmoestatais (Ministério Público, Defensoria Pública, PROCON, IBAMA312etc.), deve ser tida como uma legítima forma de atuação política,compatível com os ditames de uma democracia participativa, a qual,inclusive, é referida por alguns também como um direito fundamental 313.

A conexão entre direitos fundamentais e procedimentos processuais, comopontua Robert Alexy, objetiva unir o aspecto material e o aspectoprocedimental num modelo que garanta o primado do direito material314.Em verdade, o direito ao procedimento, judicial e administrativo, operacomo projeção do próprio direito material, já que busca conferir ao mesmouma tutela integral e efetiva. De tal sorte, conforme já tratamosanteriormente, reconhece-se a dimensão procedimental (ou processual)como essencial para contemplar um sistema de tutela efetiva do direitofundamental ao ambiente, inclusive assegurando, como sustenta Patryck deAraújo Ayala, um devido processo ambiental315, o qual deverá sernecessariamente participativo. Cabe ao processo civil, nesse sentido, criartécnicas capazes de dar conta de uma tutela adequada e efetiva dos direitos,especialmente dos direitos fundamentais, sem nunca perder de vista a suanatureza de instrumento e o primado do direito material.

A respeito do tema, Carla Amado Gomes atribui natureza instrumental aoacesso à justiça em vista dos direitos de acesso à informação e departicipação pública na tomada de decisão, na medida em que permiteultrapassar restrições indevidas ao exercício de tais direitos. Segundo aautora, o acesso à justiça serviría como mecanismo de salvaguarda para ahipótese de violação aos demais direitos ambientais procedimentais 316.Não é diferente, em linhas gerais, o entendimento de Luís F. ColaçoAntunes, para quem “a tutela procedimental é a antecâmara da tutelaprocessual do interesse difuso ambiental” 317. Ou seja, a via judicial só

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passa a ser legitimada se a instância administrativa não for capaz deassegurar o devido exercício dos direitos ambientais procedimentais (e,numa perspectiva mais ampla, a proteção ao direito fundamental aoambiente), tanto no âmbito do acesso à informação quanto da participaçãona tomada de decisão. Esse raciocínio está de acordo com certa tendênciacontemporânea verificada no cenário jurídico brasileiro, com o propósito depriorizar a resolução extrajudicial dos conflitos, como resultou evidenciadorecentemente por meio do Novo Código de Processo Civil (Lei n.13.105/2015)318. A utilização do Poder Judiciário para solucionar conflitosambientais (em especial no tocante ao manuseio dos instrumentosprocessuais coletivos) deve ser utilizada apenas como última salvaguarda,ou seja, somente quando as demais instâncias tenham fracassado na tutelaecológica.

Tanto no plano judicial quanto no extrajudicial deve-se assegurar o caráterdemocrático-participativo da norma constitucional-ambiental,possibilitando aos atores sociais (associações ambientalistas, cidadãos,associações de bairro, movimentos populares, entidades científicas etc.)uma participação qualificada (e, portanto, necessariamente bem informada)e ativa na formação da vontade e tomada de decisão do Estado-Juiz,especialmente em ações de natureza coletiva, dados o impacto e arepercussão social destas. No ordenamento jurídico brasileiro, há inúmerosinstrumentos processuais que potencializam e podem ser utilizados comesse viés participativo-ambiental. Até mesmo as ações que tutelam direitosde vizinhança, em alguma medida, permitem ao cidadão, de formaindividual, promover a tutela ecológica 319 e foram, de certa forma, oembrião das ações processuais voltadas à tutela ecológica consagradas nalegislação processual posteriormente. Nesse sentido, as duas principaisações processuais que tradicionalmente veiculam a proteção do ambientesão a ação civil púbica (Lei n. 7.347/85) e a ação popular (art. 5a, LXXIII,da CF/88 e Lei n. 4.717/65).

Mas há inúmeros outros instrumentos processuais que também podem seracionados para o mesmo propósito a depender das peculiaridades do casoconcreto. Esse é o caso do mandado de segurança individual e coletivo (art.5a, LXIX e LXX, da CF/88), das ações voltadas ao controle concentrado deconstitucionalidade, como a ação direta de inconstitucionalidade - ADI e a

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ação declaratória de constitucionalidade - ADC (Lei n. 9.868/99), domandado de injunção (art. 52, LXXI, da CF/88), da ação direta deinconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 22, da CF/88 e Lei n.9.898/99) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental -ADPF (Lei n. 9.882/99). Em relação ao mandado de injunção, destaca-se omandado de injunção coletivo, regulamentado por meio da Lei n.13.300/2016, com especial potencial de manuseio em prol da defesaambiental320. Registra-se a crescente utilização de instrumentosparticipativos no campo judicial como a audiência pública judicial e oinstituto do amicus curiae (art. 72, § 22, da Lei n. 9.868/99 e art. 138 doNCPC). No caso das audiências públicas judiciais, registra-se oprotagonismo do Supremo Tribunal Federal, tendo realizado já muitasaudiências que versaram sobre a temática ecológica, oportunizando aparticipação de inúmeros atores (entidades ambientalistas, entidadescientíficas etc.).

O STF, nesse sentido, tem nos dado um exemplo emblemático já desde2007 e capitaneado a realização de audiências públicas judiciais, permitindoa participação das diversas partes interessadas, notadamente em questões degrande envergadura social, como comumente ocorre com as questõesecológicas, já que veiculam o interesse de toda a coletividade.Especificamente sobre temas que direta ou indiretamente estão relacionadosà proteção ambiental, destacam-se as seguintes audiências públicas: 1)Pesquisas com células-tronco embrionárias, em 20 de abril de 2007,referente à ADI 3.510; 2) Importação de pneus usados, em 27 de junho de2008, referente à ADPF 101; 3) Judicialização do direito à saúde, em 27, 28e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009, referente à SL 47, SL 64, STA 36,STA 185, STA 211, STA 278, SS 2.361, SS 2.944, SS 3.345, SS 3.355; 4)Proibição do uso de amianto, em 24 e 31 de agosto de 2012, referente àADI 3.937; 5) Campo Eletromagnético de Linhas de Transmissão deEnergia, em 6, 7 e 8 de março de 2013, referente ao RE 627.189; 6) Queimada palha da cana-de-açúcar, 22 de abril de 2013, referente ao RE 586.224; e7) Novo Código Florestal, em 18 de abril de 2016, referente às ADI 4.901,ADI 4.902, ADI 4.903, ADI 4.937. A realização de audiências públicasjudiciais pelo STF é um exemplo paradigmático para o nosso Sistema deJustiça, abrindo importantíssimo instrumento de participação pública (etambém de acesso à informação) na seara judicial. A temática ecológica,

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conforme se pode verificar dos exemplos trazidos, tem suscitado temas degrande relevância social e ocupado grande espaço no nosso PoderJudiciário, sendo fundamental que a condução de tais ações judiciaispermita a participação pública na tomada de decisões judiciais em matériaambiental. Espera-se, por certo, que outras instâncias judiciais também sesintam estimuladas a seguir o exemplo do STF e promover audiênciaspúblicas judiciais, especialmente no curso de ações coletivas 321 e açõesvoltadas ao controle concentrado de constitucionalidade.

O instituto do amicus curiae, de modo similar ao que tem ocorrido nasaudiências públicas judiciais promovidas pelo STF, também tem tido a suautilização crescente no plano judicial, permitindo que um terceirointeressado (por exemplo, uma entidade ambientalista ou uma entidade decunho acadêmico ou científico) intervenha no processo de tomada dedecisão judicial, frequentemente, em defesa dos interesses de grupos por elerepresentados, lançando informações por meio de parecer acerca da questãojurídica controvertida (além da possibilidade de sustentação oral perante aCorte). O fundamento legal do instituto é o art. 7a, § 2a, da Lei n. 9.868/99(e também o art. 138 do NCPC), ao prever que: “o relator, considerando arelevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, pordespacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafoanterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”. A função da figurado amicus curiae, de acordo com a lição de Luiz G. Marinoni, “é contribuirpara a elucidação da questão constitucional por meio de informes eargumentos, favorecendo a pluralização do debate e a adequada e racionaldiscussão entre os membros da Corte, com a consequente legitimação socialda decisão” 322.

O Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) inovou de formasignificativa na matéria ao consagrar expressamente o instituto do amicuscuriae, possibilitando sua aplicação para todo o espectro de açõesprocessuais, não mais restrito, portanto, ao plano das ações constitucionais,desde que, é claro, preenchidos os requisitos trazidos pelo diplomaprocessual. De acordo com o art. 138 do NCPC, “o juiz ou o relator,considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto dademanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisãoirrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda

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manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural oujurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada,no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação” 323. Trata-se de figura suigeneris de intervenção processual de terceiro trazida pelo NCPC, mas que,pela relevância e repercussão social inerente às ações que versam sobre aproteção ecológica, é perfeitamente aplicável à matéria ambiental (como,por exemplo, em ações civis públicas ambientais).

O instituto do amicus curiae em ações coletivas ambientais abre importante“fenda” para a participação de atores, em especial de entidadesambientalistas e entidades científicas, que podem contribuir para oesclarecimento de fatos e informações técnicas, influenciando de formasignificativa na formação do convencimento do Estado-Juiz (tanto noprimeiro grau quanto em instâncias recursais). É notório o conhecimentotécnico ou expertise de algumas entidades da sociedade civil organizada oumesmo de entidades públicas ou privadas que trabalham nas mais diversasáreas ambientais, de modo que a sua abertura propiciada pelo instituto doamicus curiae para trazer tal informação - muitas vezes, de natureza nãojurídica - para a discussão processual travada é importante mecanismo departicipação no campo processual, reforçando a própria legitimidade dadecisão judicial a ser tomada.

A ação popular, nesse contexto processual-participativo, é um dosinstrumentos processuais com maior amplitude democrática.Diferentemente de outros instrumentos, notadamente no âmbito do processocivil coletivo (como se verifica na hipótese da ação civil pública), alegitimidade para a propositura da ação popular é conferida ao cidadão, oque, do ponto de vista subjetivo, configura-se a partir da sua condiçãopolítico-jurídica de eleitor. Portanto, não há a necessidade de “mediação”,ou seja, substituição processual por parte de outras entidades (por exemplo,o Ministério Público ou a Defensoria Pública), para a propositura dareferida ação. Aí (e no seu objeto) reside o seu caráter altamentedemocrático-participativo. A ação popular foi consagrada no ordenamentojurídico brasileiro por meio da Lei n. 4.717/65. No entanto, a ampliação doseu objeto para abarcar outros bens jurídicos, como, por exemplo, aproteção ambiental324, antes circunscrito à proteção do erário público,somente ocorreu com a edição da CF/88325. Dispõe o art. 52, LXXIII, da

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CF/88 que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular quevise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que oEstado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e aopatrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Tomando por base os inúmeros instrumentos judiciais, conformedemonstrado mediante os exemplos citados, há um campo judicial fértilpara potencializar ao máximo a participação democrática dos indivíduos eorganizações da sociedade civil no âmbito judicial, bem como lhesassegurar o acesso à informação em matéria ambiental em poder dos entespúblicos e, por vezes, também os particulares, em vista, sobretudo, daeficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, inclusivequanto ao efeito de estabelecer a inversão do ônus da prova em açõesjudiciais ambientais.

No âmbito da jurisprudência e de modo afinado com a ampliação do acessoà justiça em matéria ambiental e de modo a assegurar a efetividade dodireito à informação, o STJ, de modo a estabelecer um panorama processualmais igualitário e participativo 326, tem admitido a inversão do ônus daprova em ação civil pública de natureza ambiental, considerando a relaçãointerdisciplinar entre as normas de proteção ao consumidor e as de proteçãoambiental, bem como o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado.Essa interpretação formulada pelo STJ determinou, ao aplicar a extensãodas regras de proteção do consumidor para a tutela ecológica e ao aplicar oprincípio da precaução no caso, que “compete a quem se imputa a pecha deser, supostamente, o promotor do dano ambiental a comprovação de quenão o causou ou de que não é potencialmente lesiva a substância lançada noambiente”. Resultou consignado também na decisão que “a perícia é semprenecessária quando a prova do fato depender de conhecimento técnico e serecomenda ainda mais na seara ambiental, visto a complexidade do bioma”.

O STJ, ao aplicar a inversão do ônus da prova em matéria ambiental,consolidou entendimento extremamente relevante para a resolução depleitos coletivos que envolvam matéria ecológica. Esse entendimento podeser traduzido até mesmo como um incentivo a que atores privados -notadamente indivíduos e organizações não governamentais voltadas à

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tutela ecológica, que possuem maior receio de ingressar em juízo por faltade recursos técnicos e econômicos -compareçam, com maior frequência ede forma direta, ao Poder Judiciário, independentemente da intermediaçãode entes públicos, como é o caso do Ministério Público e da DefensoriaPública. O fortalecimento da atuação da sociedade civil em prol da tutelaecológica seria de todo desejável do ponto de vista democrático e deefetividade da legislação ambiental.

No âmbito das ações civis públicas ambientais, nos parece correto que oJuiz deva assumir postura mais participativa, de modo a relativizar oprincípio do impulso oficial 32 7, em virtude da relevância social do tema,bem como por se tratar, na grande maioria das vezes, de pleito que envolvedireito indisponível, o que repercute, inclusive, na produção de provas,justificando a possibilidade de inversão do ônus probatório em tais pleitos,de modo a privilegiar a “paridade de armas” e uma relação equânime entreas partes, já que muitas vezes se verifica um grande desequilíbrio técnico eeconômico entre as mesmas 328. Essa intervenção judicial trata-se, emverdade, não de um “poder”, mas sim de um “dever” constitucional doagente político investido do papel de prestar a jurisdição, haja vista o seucompromisso com a efetividade do processo e a tutela ecológica.

Ademais, tendo em conta que dentre os meios de o Estado cumprir com osseus deveres de proteção está o de criar procedimentos e técnicas adequadasà tutela efetiva dos direitos, cabe também ao Poder Judiciário o papel deinterpretar a legislação processual de um modo compatível com asexigências da proteção suficiente, mediante o recurso, dentre outros, àtécnica da interpretação conforme a Constituição, ou mesmo declarando ainconstitucionalidade da legislação processual, crescendo, nesse contexto,os poderes (mas também a responsabilidade) dos Juizes e Tribunais. Emúltima instância, essa postura ativa do Poder Judiciário, sobretudo quandoestiver diante de pleito que envolva violação a direitos fundamentais emmatéria ambiental, implica a ampliação dos canais de acesso à justiça,inclusive em vista do princípio favor debilis, que, conforme assinala oMinistro do STJ Herman Benjamin, legitima “uma série de técnicas defacilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus daprova em favor da vítima ambiental” 329.

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10.3.7. 0 DIREITO À ASSISTÊNCIA JURÍDICA DAS ENTIDADESAMBIENTALISTAS E DAS PESSOAS VULNERÁVEIS EM MATÉRIAAMBIENTAL

Outro tema relevante pelo prisma do acesso à justiça em matéria ambientaldiz respeito à assistência jurídica, tanto aos cidadãos do ponto de vistaindividual quanto às entidades ambientalistas em termos coletivos330. Arazão principal para a concessão de assistência jurídica diz respeito àtransposição de barreiras, especialmente as de natureza econômica etécnica, que impedem que os indivíduos e as entidades ambientalistaspossam valer-se dos instrumentos jurídicos, extrajudiciais e judiciais, com opropósito de promoverem a proteção do ambiente. Conforme a lição deÁlvaro L. Valery Mirra, “só dessa maneira, com a assistência jurídica ejudiciária integral e gratuita aos indivíduos e entes representativos dosinteresses da coletividade na proteção do meio ambiente, associada a umregime financeiro que lhes seja favorável no processo coletivo, ter-se-ácondições de assegurar, na sua inteireza, o acesso participativo à justiça naárea ambiental, sem os obstáculos jurídicos e econômicos quetradicionalmente inibem iniciativas judiciais e extrajudiciais da sociedadecivil” 331.

No plano legislativo internacional, a respeito do tema, a Convenção deAarhus sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada deDecisões e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental (1998) prevê que oEstado “assegurará a disponibilização ao público das informações relativasao acesso aos processos de recursos administrativos e judiciais econsiderará a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistênciaadequados para eliminar ou reduzir os óbices financeiros e outros aoacesso à justiça (art. 92, 5)”. No cenário legislativo brasileiro, a assistênciajurídica às entidades ambientalistas encontra-se consagrada no art. 42, V, daLC n. 80/94332, com redação dada pela LC n. 132/2009, ao dispor que setrata de função institucional da Defensoria Pública “exercer, mediante orecebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favorde pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais,perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ouextraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar aadequada e efetiva defesa de seus interesses”. A Lei Orgânica da Defensoria

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Pública do Estado de São Paulo (LC n. 988/2006) foi ainda mais elucidativaa respeito da questão, assegurando, de forma expressa, no seu art. 52, VI, h,como atribuição institucional, promover “a orientação e a representaçãojudicial das entidades civis que tenham dentre as suas finalidades a tutela deinteresses dos necessitados, desde que não disponham de recursosfinanceiros para a atuação em juízo”.

Assim, fica evidenciado que também as pessoas jurídicas (e,particularmente, as associações ambientalistas), com fins lucrativos ou não,podem fazer jus ao benefício da assistência jurídica prestada pelaDefensoria Pública, desde que, é claro, conforme inclusive entendimento doSTJ333, comprovada efetivamente a insuficiência de recursos financeiros.O STF também já se manifestou a respeito da questão, no âmbito da ADI558 MC/RJ, quando afastou a inconstitucionalidade de dispositivo daConstituição do Estado do Rio de Janeiro que estabelece como atribuição daDefensoria Pública a orientação jurídica, a postulação e a defesa em juízodos direitos e interesses “coletivos” dos necessitados (art. 176, caput), bemcomo o patrocínio de ação civil em favor de associações destinadas àproteção de interesses “difusos” (art. 176, § 22, V, e, 1) e em favor deassociações de defesa de interesses “coletivos” (art. 176, § 22, V, e, 2), isso“desde que se cuide de entidade civil desprovida de meios para o custeio doprocesso” 334.

A prestação de assistência jurídica pela Defensoria Pública em prol dedeterminadas pessoas jurídicas (organizações não governamentaisambientais, associações de bairro voltadas à proteção do patrimôniohistórico e cultural, movimentos populares de base que têm entre as suasbandeiras a proteção do ambiente etc.) nos parece coadunar perfeitamentecom os seus objetivos institucionais, desde que, é claro, haja pertinênciatemática e a verificação de insuficiência de recursos da pessoa jurídicaassistida. Até por força do ideário da democracia participativa que inspira asua atuação, a Defensoria Pública deve estimular (e prover os meiostécnicos necessários) a sociedade civil organizada a reivindicar, por contada própria atuação de tais entidades, a tutela e promoção dos direitos quedefendem, considerando o amplo leque temático das associações civis. Emsintonia com esse entendimento, José A. Garcia de Sousa pontua que “aposse da legitimidade para as ações coletivas não deve degradar-se no

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âmbito estreito das disputas corporativas; deve, sim, homenagear o interessepúblico, em especial no que diz aos escopos sociais e políticos aquirealçados. Para tanto, a atuação da Defensoria Pública no setor coletivo háde se abrir a parcerias. Entre os parceiros bem-vindos, mencionem-seprimeiramente a sociedade civil e os movimentos populares, fontes não sóde legitimidade substancial para as iniciativas da Defensoria mas tambémde conhecimento especializado acerca das matérias postas em juízo” 335.

No tocante à atuação da Defensoria Pública na prestação da assistênciajurídica às entidades ambientalistas e aos movimentos populares, érecomendável, a nosso ver, que, a depender do caso concreto e da amplitudedos interesses em jogo, não se retire o protagonismo da sociedade civil,limitando-se a Defensoria Pública apenas a instrumentalizar e agregar oelemento técnico-jurídico aos seus pleitos. Com isso, preserva-se aautonomia de tais entidades e estimula-se, em detrimento de uma situação, anosso ver, indesejada de “tutela estatal” das mesmas, como comumenteocorre quando o Ministério Público ou a Defensoria Pública assumem demodo exclusivo o polo ativo das demandas que lhes são trazidas pelasociedade civil organizada e protagonizam tais pleitos, deixando para taisentidades participação secundaria.

O mais importante é que a sociedade civil organizada e os movimentospopulares possam identificar na assistência jurídica prestada pelaDefensoria Pública um instrumento para levar a cabo as suasreivindicações. A consagração da legitimidade das associações civis para apropositura de ação civil pública (art. 52, V, da LACP) e do cidadão para oajuizamento da ação popular (art. 52, LXXIII, da CF/88 e Lei n. 4.717/65)expressa essa vontade do nosso legislador. No caso da LACP, muito emborasua promulgação date de 1985, o ajuizamento de ações civis públicas pelasassociações é muito escasso 336. As razões certamente são muitas, mas nãohá dúvida de que a carência econômica e o fato de não disporem deadvogados contratados para lhes assessorar juridicamente estão entre asprincipais causas. O cenário descrito reflete ainda o déficit democrático (e,conforme lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, também a existênciade “litigiosidade contida” 337) que permeia o nosso Sistema de Justiça econtra o que a Defensoria Pública deve se colocar, muitas vezes por meioda sua atuação institucional direta em pleitos coletivos, mas também

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abrindo canais para que a sociedade civil organizada possa potencializar asua atuação e acessar o Poder Judiciário de forma independente eautônoma.

A mesma situação, notadamente em relação à assistência jurídica àsentidades ambientalistas para a propositura de ações civis públicas, tambémse verifica no caso do cidadão individual para o ajuizamento de açãopopular. De modo complementar ao reconhecimento normativo dalegitimidade ativa atribuída ao cidadão pela legislação constitucional einfraconstitucional, há a necessidade de amparo técnico-jurídico (inclusiveem termos de capacidade postulatória) para o ajuizamento da ação popular,tornando essencial a assistência jurídica para viabilizar a efetividade de talinstrumento processual coletivo, notadamente para a hipótese de o cidadãolegitimado não possuir condições econômicas de contratar um advogadoparticular. É nesse contexto que entra em

cena a importância da Defensoria Pública, ou seja, para assegurar aassistência jurídica ao cidadão necessitado para a propositura de açãopopular ambiental 338.

10.4. EDUCAÇÃO AMBIENTAL

É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais,dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devidaatenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar asbases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dosindivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de suaresponsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente emtoda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios decomunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meioambiente humano e, ao contrário, difundam informação de carátereducativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que ohomem possa desenvolver-se em todos os aspectos (Princípio 19 daDeclaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972).

A educação ambiental também apresenta relação direta com o princípio daparticipação pública em matéria ambiental, bem como com os elementos-

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chave que conformam tal conceito (participação na tomada de decisão,acesso à informação e acesso à justiça). O constituinte brasileiro, ciente dasua importância, incluiu norma específica sobre o tema no art. 225, § l2, VI,da CF/88, a qual estabelece o dever estatal de “promover a educaçãoambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para apreservação do meio ambiente”. Trata-se a educação

ambiental, em verdade, de um mecanismo basilar para dar efetividadesocial ao direito fundamental ao ambiente, já que só com a consciênciapolítico-ambiental ampliada no espectro comunitário é que a proteçãoambiental tomará a forma desejada pelo constituinte. Também é uma formade assegurar autonomia e proporcionar a tomada de consciência aosindivíduos e aos grupos da sociedade civil organizada para agirem no planopolítico. De modo a contemplar uma perspectiva integrada dos princípiosque conformam o conteúdo da democracia participativa ambiental, José R.Morato Leite e Patryck de A. Ayala destacam que a informação, econsequente participação, só se complementam com a educação ambiental,de forma a ampliar a consciência popular no que diz respeito aos valoresambientais. Destacam os autores ainda que, em uma rede interligada deinformação, participação e educação, a última é a base das demais, pois sómunido de educação pertinente é que o cidadão exerce o seu papel ativo,com plenitude 339.

Antes da CF/88, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81), com redação similar à conferida no dispositivo constitucionalcitado anteriormente, já dispunha a respeito da educação ambiental comoprincípio da Política Nacional do Meio Ambiente. Dispõe o art. 22, X, dodiploma ambiental que incumbe ao Estado promover, sob a forma depolítica pública, a “educação ambiental a todos os níveis do ensino,inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la paraparticipação ativa na defesa do meio ambiente”. Também no planoinfraconstitucional, no sentido de conferir regulamentação ao art. 225, § l2,VI, da CF/88, editou-se a Lei da Política Nacional de Educação Ambiental(Lei n. 9.795/99). No art. I2 da legislação em questão, tem-se o conceito deeducação ambiental, que correspondería aos “processos por meio dos quaiso indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio

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ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vidae sua sustentabilidade”. A educação ambiental, por sua vez, possui umconceito mais abrangente do que o simples acesso à informação ambiental,operando no espectro da conscientização das pessoas (de toda acoletividade) a respeito da relevância e das implicações (sociais, políticas,econômicas etc.) da atual crise ambiental que vivenciamos.

Em última instância, a educação ambiental cumpre a missão deconscientização da sociedade sobre os problemas ambientaiscontemporâneos, apontando caminhos políticos e jurídicos para a superaçãode tais desafios e mesmo para o resguardo dos seus direitos. Em verdade,trata-se de uma educação para o futuro, ou seja, para construir um futuro deplenitude e concretização do espírito humano, o que, necessariamente,passa pela conscientização de todos acerca da necessidade de umareconciliação entre o “animal humano”, a sua racionalidade e o seu meionatural. Uma existência humana digna, segura e saudável coloca-se nohorizonte almejado pela educação, ou seja, deve-se educar para uma vidacomum plena, onde todos sejam portadores de condições existenciaiscapazes de potencializar ao máximo o bem-estar existencial (social eecológico) e a dignidade humana (e também não humana). Conforme alição de Moacir Gadotti, a partir do paradigma de uma “pedagogia daTerra”, “reorientar a educação a partir do princípio da sustentabilidadesignifica retomar nossa educação em sua totalidade, implicando umarevisão de currículos e programas, sistemas educacionais, do papel daescola e dos professores, da organização do trabalho escolar (...)” 340.

10.4.7. EDUCAÇÃO EM DIREITOS ECOLÓGICOS

O Direito Ambiental, alinhado com essa perspectiva de transformaçãosocial por meio da educação ambiental, também é um instrumentoimportante de conscientização político-ambiental da sociedade, já que é, nasua essência, um direito de luta. Em razão do seu objeto e da dimensão dosinteresses que visa proteger, o “Direito Verde”, conforme lição de MichelPrieur341, difere dos demais ramos jurídicos em virtude de seu caráterfinalístico, qual seja, a proteção e promoção da defesa da vida em sentidoamplo (humana e não humana). É nesse contexto, tendo como premissa a

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natureza “militante” do Direito Ambiental, que se insere a discussão arespeito da educação em direitos ecológicos.

Assim, cabe ao Estado assumir a educação especialmente das pessoasvulneráveis, carentes de especial proteção jurídica no que diz com oexercício dos seus direitos. A título de exemplo, a Lei Orgânica Nacional daDefensoria Pública (LC n. 80/94), por meio das alterações trazidas pelas LCn. 132/2009, reconhece a Defensoria Pública como “expressão einstrumento do regime democrático”, incumbindo-lhe “a orientação epromoção dos direitos humanos” (art. I2 da LC n. 80/94) em prol dosnecessitados, bem como “a difusão e a conscientização dos direitoshumanos, da cidadania e do ordenamento jurídico” (art. 42, III, da LC n.80/94). Em outras palavras, os dispositivos em questão, lidos de formaconjugada, consolidam o marco normativo da assim designada educaçãoem direitos na perspectiva da atuação institucional da Defensoria Pública. Anosso sentir, contudo, o alcance dessa regulamentação jurídica é maisamplo, envolvendo todas as esferas do poder público na tarefa de promovera educação em direitos da nossa população, em especial dos grupos sociaisvulneráveis e no que diz com a questão ambiental.

Até por força do dever geral de proteção ambiental do Estado previsto nocaput do art. 225 e do seu dever específico de promover a educaçãoambiental e conscientização pública para a preservação do ambienteinscrito no § l2, IV, do mesmo dispositivo, a Defensoria Pública, assimcomo os demais entes públicos, sobretudo aqueles que atuam no âmbito donosso Sistema de Justiça, deveríam exercer um papel, para além da atuaçãopropriamente judicial, também no sentido de informar e educar as pessoas arespeito dos seus direitos ecológicos 342. Por meio de tal atuação, o Estadoestará cumprindo seu papel de assegurar a tais pessoas o exercício do seustatus político-jurídico de cidadão, ou seja, de membro ativo e participativoda nossa comunidade política, de modo, inclusive, a que tais pessoas, emdeterminadas circunstâncias, tenham condições de fazer valer e reivindicaros seus direitos por conta própria (em face de outros particulares ou mesmodos entes públicos), independentemente da intervenção de outros entesintermediários (públicos ou privados).

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A realização de cursos de formação e educação em direitos e cidadaniapelos entes públicos, com palestras temáticas, elaboração de materialinformativo (cartilhas, vídeos etc.) para a formação de liderançascomunitárias e informação dos cidadãos, entre outras práticas similares,traduz e concretiza o ideário normativo de caráter democrático-participativo. As práticas de educação em direitos permitem o“empoderamento” político-jurídico de tais pessoas. A adequadacompreensão dos seus direitos e dos deveres dos órgãos públicos permitemaior poder de diálogo e mesmo de resolução e reivindicação em situaçõesde desrespeito aos seus direitos ecológicos. Este seria o maior objetivo daspráticas institucionais relacionadas à educação em direitos, ou seja,informar e educar cidadãos para saber fazer valer a sua cidadania e os seusdireitos por meio da sua própria atuação ou mesmo acionando os órgãospúblicos responsáveis. Já que, conforme lição de Cláudia Maria da CostaGonçalves, “a democratização da sociedade passa inevitável eirremediavelmente pela democratização dos canais que tornem efetivo oacesso aos direitos” 343. A democracia impõe a criação de condiçõespolíticas, econômicas, educacionais, culturais etc. que permitam aparticipação de todos na vida pública em condições de igualdade, o que éfundamental para conferir efetividade às normas ambientais.

Diplomas internacionais e legislação:

- Preâmbulo (item 7) e Princípio 19 da Declaração de Estocolmo sobreo Meio Ambiente Humano (1972)

- Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, ParticipaçãoPública na Tomada de Decisões e Acesso à Justiça em MatériaAmbiental (1998)

- Arts. IA II, 5A LXXIII, 134, e 225, caput e § 31A VI, da CF/88

- Art. 2A X, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

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- Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85)

- Art. 4A X, da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC n.80/94)

- Arts. 1A VI, 5A VI, da Lei da Política Nacional de RecursosHídricos (Lei n. 9.433/97)

- Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n. 9.795/99)

- Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei n. 10.650/2003)

- Art. 6A parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei n.11.428/2006)

- Art. 3A caput, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima(Lei n. 12.187/2009)

- Art. 6A X, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

- Lei do Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011)

- Arts. 3A VIII, e 4A I e II, da Lei da Política Nacional de Combate àDesertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei n. 13.153/2015)

- Arts. 2A VIII e IX, e 3A I, da Lei da Política de Educação para oConsumo Sustentável (Lei n. 13.186/2015)

Jurisprudência:

STF

- ADI 3.378/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Carlos Britto, j. 9-8-2008

STJ

- REsp 586.316/MG, 2H Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 17-4-2007

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- REsp 889.766/SP, 2^ Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 4-10-2007

- REsp 1,049.822/RS, 1H Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 23-4-2009

- REsp 972.902/RS, 2^ Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 25-8-2009

- REsp 1,060.753/SP, 2^ Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 1 -12-2009

- REsp 1.115.555/MG, IaTurma, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 15-2-2011

- AgRg na SLS 1,552/BA, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler, j.16-5-2012

- REsp 1,252.697/RJ, 2^ Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 27-11-2012

- REsp 1.454.281/MG, 2^ Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16-8-2016

- REsp 604.725/PR, 2H Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 21-6-2005

11 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO(...) Observando que é vital prever, prevenir e combater na origem ascausas da sensível redução ou perda da diversidade biológica (Preâmbuloda Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992).

O princípio da prevenção é um dos princípios mais característicos doDireito Ambiental. Além disso, é um dos princípios mais “antigos” doregime jurídico de proteção ambiental, para além de corresponder inclusivea uma antiga máxima de sabedoria em geral, representada pela conhecidaformulação “melhor prevenir do que remediar”. Com o avanço científico econhecimentos mais abrangentes sobre os danos decorrentes da poluição eda degradação ambiental, cristalizou-se, especialmente a partir da Década

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de 1960, a ideia a respeito da necessidade de se adotarem medidas nosentido de evitar os danos ambientais já conhecidos. O princípio daprevenção opera com o objetivo de antecipar a ocorrência do danoambiental na sua origem (conforme destacado na passagem do Preâmbuloda Convenção sobre Diversidade Biológica), evitando-se, assim, que omesmo venha a ocorrer. Isso em razão de as suas causas já seremconhecidas em termos científicos. A título de exemplo, já se sabe que aretirada da mata ciliar provoca a perda da biodiversidade e o assoreamentodos rios, entre outras consequências. Conforme a lição de Paulo de BessaAntunes, “o princípio da prevenção aplica-se a impactos já conhecidos edos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos decausalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futurosmais prováveis” 344. A irreversibilidade de certos danos ambientais, como,por exemplo, a extinção de espécies da fauna e da flora, reforça a relevânciade se adotarem medidas preventivas, impedindo e proibindo a adoção decertas práticas antiecológicas.

Seguindo na análise da matéria, merece destaque a distinção conceituaientre os princípios da prevenção e da precaução 345. O princípio daprevenção transporta a ideia de um conhecimento completo sobre os efeitosde determinada técnica e, em razão do potencial lesivo já diagnosticado, ocomando normativo toma o rumo de evitar tais danos já conhecidos. Nessesentido, Carla Amado Gomes pontua que o princípio da prevenção traduz-se na hipótese em que, diante da iminência de uma atuação humana quecomprovadamente lesará de forma grave e irreversível bens ambientais, talintervenção deve ser travada 346. O princípio da precaução, no entanto,conforme analisaremos de forma detida no próximo tópico, tem umhorizonte mais abrangente, pois objetiva regular o uso de técnicas sob asquais não há um domínio seguro dos seus efeitos, como se sustenta, porexemplo, no tocante aos organismos geneticamente modificados, adeterminadas substâncias químicas e às radiações eletromagnéticas no usode telefones celulares. Aproveitando a lição de Paulo Afonso LemeMachado, “em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido,como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou deincerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação doprincípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentosrazoáveis, não dispensa a prevenção (...). Aplica-se o princípio da

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precaução ainda quando existe a incerteza, não se aguardando que esta setorne certeza” 347.

O princípio da prevenção, muito embora não apareça expressamente comessa nomenclatura, já se encontrava presente no conteúdo de diversosdispositivos da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano(1972). No seu Princípio 5, a título de exemplo, consagrou-se que “osrecursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite operigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidadecompartilhe dos benefícios de sua utilização”. Também o Princípio 6assinala que “deve-se pôr fim à descarga de substâncias tóxicas ou deoutros materiais que liberam calor, em quantidades ou concentrações taisque o meio ambiente não possa neutralizá-los, para que não se causemdanos graves e irreparáveis aos ecossistemas. Deve-se apoiar a justa lutados povos de todos os países contra a poluição”. O Princípio 15 do diploma,de modo similar, destaca que “deve-se aplicar o planejamento aosassentamentos humanos e à urbanização com vistas a evitar repercussõesprejudiciais sobre o meio ambiente e a obter os máximos benefícios sociais,econômicos e ambientais para todos (...)”.

No âmbito legislativo nacional, a Lei da Política Nacional do MeioAmbiente (Lei n. 6.938/81) consagra, como princípio da PNMA, no art. 22,além do próprio objetivo de “preservação, melhoria e recuperação” daqualidade ambiental, a “ação governamental na manutenção do equilíbrioecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público aser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”(inciso I), a “racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar”(inciso II), o “planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais”(inciso III), o “controle e zoneamento das atividades potencial ouefetivamente poluidoras” (inciso V). Em termos gerais, o conteúdo dosprincípios citados da Lei n. 6.938/81 revela a matriz axiológica do princípioda prevenção, em que pese não aparecer a expressão “princípio daprevenção” no seu texto 348.

O instrumento do estudo de impacto ambiental talvez seja o melhorexemplo prático de operacionalização do princípio da prevenção, uma vezque se trata de instrumento administrativo para identificar a ocorrência de

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danos ambientais de forma antecipada, tornando possível a adoção demedidas preventivas para evitar a sua ocorrência ou ao menos suamitigação. Sobre o estudo de impacto ambiental, a Declaração do Rio sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento (1992), no seu Princípio 17, assinalaque “a avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, seráefetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impactoadverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão deuma autoridade nacional competente”. Além do estudo de impactoambiental e do licenciamento ambiental, Alexandre Kiss e Dinah Sheltondestacam, como expressão do princípio da prevenção, medidas como o usoda melhor tecnologia disponível (Best Available Technology - BAT), omonitoramento de emissões de poluentes, a divulgação de informaçõesambientais, entre outras 349.

No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 10 da Lei da Política Nacional doMeio Ambiente (Lei n. 6.938/81) assinala que “a construção, instalação,ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras derecursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bemcomo capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental,dependerão de prévio licenciamento (...)”. O estudo de impacto ambientalobjetiva justamente dimensionar os danos ambientais (conhecidos epotenciais) decorrentes de determinada atividade, possibilitando a adoçãode medidas voltadas à sua prevenção. O mesmo marco normativo encontra-se consagrado no art. 225, § l2, IV, da CF/88, ao obrigar o Estado a “exigir,na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmentecausadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio deimpacto ambiental, a que se dará publicidade”. O princípio da prevençãotambém resultou consagrado, de forma expressa, no art. 62, parágrafo único,da Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006), no art. 32 da Lei da PolíticaNacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187/2009) e no art. 62, I, daLei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010). A Leida Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitosda Seca (Lei n. 13.153/2015) também consagrou o princípio, estabelecendo,entre os seus objetivos, no art. 32 do diploma: “I - prevenir e combater adesertificação e recuperar as áreas em processo de degradação da terra emtodo o território nacional; II - prevenir, adaptar e mitigar os efeitos da secaem todo o território nacional”.

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Na jurisprudência, a aplicação do princípio da prevenção é verificada demodo bastante recorrente, muitas vezes inclusive de forma simultânea como princípio da precaução. No entanto, resulta patente a consagração dadistinção entre os referidos princípios no âmbito jurisprudencial, ao passoque ambos são mencionados de forma simultânea, evidenciando que não setrata do mesmo princípio 350. Isso, por certo, não implica reconhecer asempre correção conceituai adotada pela jurisprudência brasileira, já que,em algumas situações, os seus significados são trocados. Mas, na maioriadas vezes e de modo crescente, a jurisprudência, em especial dos nossosTribunais Superiores, tem capitaneado a correta aplicação dos princípios daprevenção e da precaução. A título de exemplo, podemos citar julgado doSTJ, em que o Min. Felix Fischer fundamentou sua decisão no princípio daprevenção para obstar situação que implicava risco de contaminação debovinos por febre aftosa351. Aqui não se está diante de situação em que sãodesconhecidos ou mesmo pouco conhecidos os efeitos negativos em termosecológicos (e também para a saúde pública), já que são sim conhecidas ascausas e efeitos decorrentes da contaminação pela febre aftosa, tratando-seapenas de aplicar medida de prevenção para evitar a ocorrência do danoecológico (repita-se, conhecido). Não há dúvida de que o contato de umrebanho bovino com outro contaminado com a febre aftosa traz um riscocerto (e, portanto, conhecido) de contaminação para o primeiro. A nossover, andou bem o Min. Felix Fischer, muito embora o princípio daprecaução também pudesse ser manejado para justificar alguma medidaprotetiva diante dos riscos diretos para o ser humano, onde, salvo melhorjuízo, alguma incerteza científica ainda possa existir.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípios 5, 6 e 15 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio AmbienteHumano (1972)

- Princípio 17 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica (1992)

- Art. 225, caput e § 1A IV, da CF/88

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- Arts. 2n e 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

- Art. 2A III, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n.9.433/97)

- Art. 6A parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei n.11.428/2006)

- Art. 3A caput, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima(Lei n. 12.187/2009)

- Art. 6A I, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

- Art. 3A I e II, da Lei da Política Nacional de Combate àDesertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei n. 13.153/2015)

Jurisprudência:

STF

- ADI 3.378/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Carlos Britto, j. 9-8-2008

STJ

- REsp 1.153.500/DF, 2H Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques,j. 7-12-2010

- REsp 1.115.555/MG, 1HTurma, Rei. Min. Esteves Lima,). 15-2-2011

- REsp 1.116.964/PI, 2a Turma, Rei. Min. Campbell Marques, j. 15-3-2011

- MS 16.074/DF, Ia Seção, Rei. Min. Arnaldo Esteves, j. 9-11-2011

- AgRg na SLS 1749/RN, Corte Especial, Rei. Min. Felix Fischer, j.15-5-2013

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- REsp 1,306.093/RJ, 2H Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 28-5-2013

- AgRg no REsp 1.418.795/SC, Turma, Rei. Min. Marco AurélioBellizze j. 18-4-2014

12 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃOCom o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deveráser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência decerteza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamentode medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental(Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento de 1992).

O princípio da precaução, como uma espécie de princípio da prevençãoqualificado ou mais desenvolvido 352, abre caminho para uma novaracionalidade jurídica, mais abrangente e complexa, vinculando a açãohumana presente a resultados futuros. Isso faz com que o princípio daprecaução seja um dos pilares mais importantes da tutela jurídica doambiente e, consequentemente, seja reconhecido como um dos princípiosgerais do Direito Ambiental moderno. O seu conteúdo normativoestabelece, em linhas gerais, que, diante da dúvida e da incerteza científicaa respeito da segurança e das consequências do uso de determinadasubstância ou tecnologia, o operador do sistema jurídico deve ter como fiocondutor uma postura precavida, interpretando os institutos jurídicos queregem tais relações sociais com a responsabilidade e a cautela que demandaa importância existencial dos bens jurídicos ameaçados (vida, saúde,qualidade ambiental e até mesmo, em alguns casos, a dignidade da pessoahumana), inclusive em vista das futuras gerações.

A ausência de um conhecimento científico adequado para assimilarcomplexidade dos fenômenos ecológicos e os efeitos negativos dedeterminadas técnicas e substâncias empregadas pelo ser humano podemlevar, muitas vezes, a situações irreversíveis do ponto de vista ambiental,

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como, por exemplo, a extinção de espécies da fauna e da flora, além dadegradação de ecossistemas inteiros. O princípio da precaução operajustamente como um filtro normativo para prevenir tais situações,considerando a ausência de domínio científico em relação à determinadatécnica ou substância. Analisando esse contexto, Erhard Denninger assinalaque uma das características essenciais do pensamento científicocontemporâneo reside na constatação da impossibilidade de dominar comsegurança as consequências da técnica nas suas mais amplas dimensõesespaciais e temporais (compreendendo também a sua projeção para asfuturas gerações) 353. A questão posta pelo princípio da precaução,partindo-se da premissa relativa à impossibilidade de dominar de formasegura todas as consequências negativas da técnica suscitada porDenninger, é justamente identificar os riscos e, ao invés de aguardar pelopior, passar a intervenção no sentido de adotar medidas para que asconsequências negativas não ocorram. Se o avanço científico demonstrar asegurança de determinada técnica, desnecessárias as medidas de precauçãoou tais medidas, quando efetivadas, podem ser descontinuadas ouflexibilizadas. Mas, até isso ocorrer, o princípio da precaução atua nosentido de evitar que o pior ocorra, notadamente, conforme assinalamAlexandre Kiss e Dinah Shelton, quando as consequências podem ser sériase irreversíveis 354.

A origem do princípio da precaução é atribuída ao Direito Ambientalalemão, por meio do denominado Vorsorgeprinzip. A sua consagraçãonormativa teria ocorrido já no âmbito do Programa de Meio Ambiente doGoverno Federal (Umweltprogramm der Bundesregierung) de 1971, emvista das modificações nas definições da política ambiental levadas a efeitopelo Relatório Ambiental (Umweltbericht) de 1976. De acordo com oprograma governamental alemão citado, “a política ambiental não se esgotana prevenção de ameaças e eliminação dos danos ocorridos. Políticaambiental preventiva também exige que as bases naturais sejam protegidase exploradas de modo econômico e sustentável” 355. A partir da lição deAna Gouveia e Freitas Martins, “o princípio da precaução surgiu naAlemanha, no início da década de 70, como fundamento de uma políticaintervencionista e centralizadora na área da poluição atmosférica, numcontexto de grande agitação e preocupação social relativamente aos perigospara a saúde pública advenientes do smog fotoquímico e à perspectiva

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alarmante de destruição das florestas pelas chuvas ácidas”356. Já na Décadade 1990, seguindo a mesma diretriz da legislação ambiental alemã, verifica-se a consagração expressa do princípio da precaução no Princípio 15 daDeclaração do Rio (1992): “Com o fim de proteger o meio ambiente, oprincípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, deacordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ouirreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizadacomo razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis paraprevenir a degradação ambiental”.

O princípio da precaução sempre foi aceito pela doutrina brasileira (etambém jurisprudência) antes mesmo da Lei n. 11.105/2005 (quando foireconhecido pela primeira vez de forma expressa em legislação nacional,conforme veremos à frente), de modo a já integrar, sob a ótica “material”, onosso sistema jurídico. Esse entendimento encontra guarida normativaespecialmente na Lei n. 6.938/81, ao dispor, no art. 22, V, que se configura,como princípio da Política Nacional do Meio Ambiente, o “controle ezoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras”, bemcomo, ao consagrar, por meio do art. 92, os instrumentos da “avaliação deimpactos ambientais” (inciso III) e do “licenciamento e a revisão deatividades efetiva ou potencialmente poluidoras” (inciso IV). A CF/88também reproduz as mesmas premissas. A matriz constitucional doprincípio da precaução está contida no art. 225, § I2, IV e V, ao exigir oestudo prévio de impacto ambiental para a “instalação de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”(inciso IV), bem como ao determinar a obrigação do Estado de “controlar aprodução, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos esubstâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meioambiente” (inciso V). As normas constitucionais suscitadas ditam a cautelajurídica que deve reger as atividades que, enquadradas num quadro deincerteza científica quanto a possíveis danos que possam causar aoambiente, tragam um risco, mesmo que potencial, a fim de evitar danosambientais em relação aos quais não se tem uma compreensão exata esegura, em termos científicos.

A Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei n. 9.605/98),ao tipificar o crime de poluição, consignou de forma bastante clara que

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estava implícito no seu corpo normativo o princípio da precaução, aoasseverar que se aplica a pena maior prevista no § 22 do seu do art. 54 a“quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente,medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ouirreversível” (§ 32). Mas foi, sem dúvida, a Lei n. 11.105/2005 queconsagrou pela primeira vez, de forma expressa e para não deixar pairarqualquer dúvida, até porque a questão do “risco” é um elemento central daabordagem da temática da biossegurança, o princípio da precaução noordenamento jurídico brasileiro. Incorporando esse entendimento, dispõe oart. I2 do diploma que “esta Lei estabelece normas de segurança emecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, amanipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, oarmazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação nomeio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados -OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avançocientífico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e àsaúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precauçãopara a proteção do meio ambiente”.

Posteriormente à Lei n. 11.105/2005, o princípio da precaução também foiconsagrado, de forma expressa, no art. 62, parágrafo único, da Lei da MataAtlântica (Lei n. 11.428/2006), no art. 32 da Lei da Política Nacional sobreMudança do Clima (Lei n. 12.187/2009) e no art. 62,1, da Lei da PolíticaNacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010). A Lei n. 11.934/2009,sobre exposição humana a campos elétricos, magnéticos eeletromagnéticos, muito embora não disponha de forma expressa sobre oprincípio da precaução no seu texto, nos parece um dos melhores exemplosde aplicação prática do princípio, inclusive adotando os padrões sugeridospela Organização Mundial da Saúde (OMS) em vista da proteção da saúdepública e do ambiente. Dada a “dúvida científica” posta em relação àspossíveis consequências à saúde humana e ao ambiente decorrentes dasradiações eletromagnéticas, é justamente o princípio da precaução que seriao marco normativo regente na adoção da Lei n. 11.934/2009.

A Lei da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei n. 12.608/2012),que dispõe, entre outras questões, acerca do Sistema Nacional de Proteção eDefesa Civil, do Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil, bem como

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a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres, tambémtratou do princípio da precaução na regulação da matéria. Ao estabelecer nocaput do art. 22 do diploma que constitui “dever da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à reduçãodos riscos de desastre”, o § 22 do mesmo dispositivo assinalou que “aincerteza quanto ao risco de desastre não constituirá óbice para a adoçãodas medidas preventivas e mitigadoras da situação de risco”. Na perspectiva(do incremento) dos episódios climáticos extremos associados aoaquecimento global, o diploma em análise aplicou, sem dúvida, o princípioda precaução como forma de impor medidas preventivas ao poder público,mesmo diante de um cenário de incerteza quanto à situação de risco.

Até que um domínio controlável e seguro da técnica seja assegurado nocampo científico, o princípio da precaução cumpre a missão jurídica deproteger o ambiente e o ser humano contra os danos potenciais acobertadospelo uso disseminado da técnica potencialmente lesiva ao ambiente (e, namaioria dos casos, também à saúde pública). Sobre a questão, Carla A.Gomes destaca que o princípio da precaução representaria, em termossubstanciais, uma prevenção qualificada ou agravada, que atuaria sempre afavor do ambiente na ausência de certeza científica, proibindo qualqueratividade cujo efeito ambiental é desconhecido ou legitimando umaintervenção tendente a evitar um determinado efeito mesmo quando não setem a certeza, sequer, se pode haver lesão 357. No tocante à distinçãoconceituai dos princípios em tela, é precisa a lição de Juarez Freitas, aoafirmar que a diferença entre ambos os princípios reside no grau estimadode probabilidade da ocorrência do dano, ou seja, “certeza” (para aprevenção) versus “verossimilhança” (para a precaução) 358.

O risco, que difere do conceito de perigo 359, está impregnado nas relaçõessociais contemporâneas, remetendo-se aqui ao paradigmático contributo deUlrich Beck sobre a “sociedade de risco”. Nessa linha, o uso dedeterminadas tecnologias coloca, em alguns casos, grande potencial dedestruição massiva da vida humana e da própria Natureza, tanto de formadireta e imediata (por exemplo, por meio da contaminação nuclear ouquímica) quanto de forma indireta e gradual (câncer provocado porexposição a poluentes orgânicos persistentes 360, altos índices de câncer depele provocado pela redução da camada de ozônio, redução da fertilidade

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humana e animal em decorrência de alterações hormonais provocadas poragentes químicos etc.). Dessa forma, a fim de preservar e proteger aexistência humana de tais riscos, impõe-se uma atuação do Estado e dosparticulares lastreada no princípio da precaução, movimentando-se, ambos,na lógica do in dubio pro natura, ou seja, diante da incerteza quanto apossíveis danos ao ambiente e à proteção ambiental, deve prevalecer e serproibida ou retardada (até um melhor domínio da técnica) determinadaprática potencialmente degradadora dos recursos naturais 361. Não poroutra razão, o princípio da precaução tem servido de fundamento parajustificar a inversão do ônus da prova em processos judiciais, fazendo recairsobre o suposto poluidor o ônus de provar a segurança ambiental da técnica,atividade ou empreendimento impugnada362.

Do ponto de vista dos deveres de proteção ambiental do Estado, o princípioda precaução de guiar a política ambiental, mas sempre lastreada pelaadoção de medidas (por exemplo, legislativas e administrativas) queatendam aos ditames da proporcionalidade. Em outras palavras, se aoEstado, por um lado, é imposta a adoção de medidas de precaução em grausuficiente, sob pena de violar direitos em razão da proibição de proteçãoinsuficiente, de outro lado, lhe é igualmente vedado restringir direitos deforma excessiva, como decorrência da proibição de excesso, tambémdecorrente do princípio da proporcionalidade, conforme trataremos commaiores detalhes em tópico específico. Assim, o Estado, ao adotar medidasconcretas, por exemplo, nas medidas de caráter organizatório eprocedimental (o estudo de impacto ambiental é uma delas), deve situar-seno espaço normativo estabelecido pela dupla dimensão do princípio daproporcionalidade, entre a proibição de proteção insuficiente e a proibiçãode excesso, dado que se trata, em última instância, da tutela de direitofundamental, como é o caso do direito ao ambiente. O mesmo raciocíniotambém se aplica ao Poder Judiciário, devendo a sua intervenção, sobretudono controle que exerce sobre os demais poderes republicanos (Legislativo eExecutivo), mas também em face de particulares, pautar-se pela adoção doprincípio da precaução sempre à luz da proporcionalidade 363, sob pena de,não o fazendo, mesmo com a boa intenção de proteger bem jurídico deexpressão constitucional (o meio ambiente e a saúde pública), incidir emmedida inconstitucional e, nesse sentido, violadora de outros bens tambémde índole constitucional 364.

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Diplomas internacionais e legislação:

- Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Art. 225, caput e § IA IV e V, da CF/88

- Arts. 2n e 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

- Art. 54, § 2A da Lei dos Crimes e Infrações AdministrativasAmbientais (Lei n. 9.605/98)

- Art. Ia da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105/2005)

- Art. 6A parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei n.11.428/2006)

- Art. 3A caput, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima(Lei n. 12.187/2009)

- Art. 6A I, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

- Art. 2A § 2A da Lei da Política Nacional de Defesa Civil (Lei n.12.608/2012)

Jurisprudência:

STF

- ADPF 101/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 24-6-2009

STJ

- REsp 1.060.753/SP, 2H Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 1 -12-2009

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- REsp 1.153.500/DF, 2H Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,j. 7-12-2010

- REsp 1.115.555/MG, 1HTurma, Rel. Min. Esteves Lima,]. 15-2-2011

- REsp 1.116.964/PI, 2a Turma, Rel. Min. Campbell Marques, j. 15-3-2011

- MS 16.074/DF, IaSeção, Rel. Min. Arnaldo Esteves,]. 9-11-2011

- REsp 1,306.093/RJ, 2HTurma, Rel. Min. Herman Benjamin,]. 28-5-2013

13 PRINCÍPIO DACOOPERAÇÃO (NACIONAL EINTERNACIONAL)Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito ecooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas àproteção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar paracontrolar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais queas atividades que se realizem em qualquer esfera, possam ter para o meioambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meiosapropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados(Princípio 24 da Declaração de Estocolmo de 1972).

O princípio da cooperação é tido como um dos princípios gerais do DireitoAmbiental, tendo a sua origem no Direito Ambiental alemão do início daDécada de 1970, assim como os já tratados princípios do poluidor-pagadore da precaução. A razão para a importância da ideia de cooperação naperspectiva ecológica é bastante simples. O efetivo enfrentamento dosproblemas ambientais exige a atuação articulada e cooperativa de inúmerosatores públicos e privados, nos mais diferentes planos e instâncias políticas(local, regional, nacional, comunitária e internacional). Outros temas, como

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é o caso dos direitos humanos, também evocam tal amplitude de articulaçãoe esforços comuns, inclusive em termos planetários, para o seu adequadoenfrentamento. O princípio da cooperação está presente de forma expressana CF/88, por intermédio da previsão que há no inciso IX do seu art. 42

sobre a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”,considerando, inclusive, o conteúdo do inciso II do mesmo dispositivo nosentido de estabelecer a “prevalência dos direitos humanos” nas relações doEstado brasileiro no plano internacional. O princípio da cooperação,conforme lição de José Rubens Morato Leite e Patryck de A. Ayala, postulauma política mínima de cooperação solidária entre os Estados em busca decombater efeitos devastadores da degradação ambiental, o que pressupõeajuda, acordo, troca de informações e transigência no que toca a umobjetivo macro de toda a coletividade, além de apontar para uma atmosferapolítica democrática entre os Estados, visando a um combate eficaz da criseambiental global365.

No cenário internacional, o princípio da cooperação foi consagrado naDeclaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), estandopresente em diversos dos seus dispositivos, a exemplo do Princípio 24citado na epígrafe deste tópico. O seu Princípio 14, seguindo a mesmadiretriz normativa, assinala que “os Estados devem cooperar de formaefetiva para desestimular ou prevenir a realocação e transferência, paraoutros Estados, de atividades e substâncias que causem degradaçãoambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde humana”. De modosimilar, o seu Princípio 22 reforça que “os Estados devem cooperar paracontinuar desenvolvendo o direito internacional no que se refere àresponsabilidade e à indenização às vítimas da poluição e de outros danosambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob ocontrole de tais Estados causem a zonas fora de sua jurisdição”. O mesmose verifica na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento(1992), aparecendo o princípio da cooperação, por exemplo, nos Princípios5, 7,12,13,14,18,19 e 27. A título de exemplo, o Princípio 7 enuncia que “osEstados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação,proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre.Considerando as diversas contribuições para a degradação do meioambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porémdiferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que

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lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo emvista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambienteglobal e as tecnologias e recursos financeiros que controlam” 366.

Muito embora tais dispositivos tratem da perspectiva internacional, ou seja,dos objetivos e valores que devem nortear as relações do Estado brasileironas relações internacionais, o mesmo espírito normativo de “índolecooperativa” também vincula o Estado no plano interno, notadamente emrelação aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal eMunicípios). O melhor exemplo disso é o sistema de distribuição decompetências (legislativa e executiva) adotado pela CF/88, o qualestabelece tanto competências legislativas concorrentes (art. 24) quantocompetências executivas comuns (art. 23) entre todos os entes federativos.Revelando tal espírito constitucional “cooperativo”, o art. 23, parágrafoúnico, da CF/88 assinala, de forma expressa, no tocante ao exercício dacompetência executiva dos entes federativos, que “leis complementaresfixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o DistritoFederal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento edo bem-estar em âmbito nacional”. Há, à luz do Estado Socioambientaledificado pela CF/88, a consagração do marco do federalismo cooperativoecológico, como, aliás, tivemos oportunidade de desenvolver em capítuloespecífico anteriormente.

No âmbito da legislação brasileira infraconstitucional e já sob o enfoque doDireito Ambiental, a Lei dos Crimes e Infrações AdministrativasAmbientais (Lei n. 9.605/98) consagrou um capítulo específico sobre acooperação internacional para a preservação do ambiente, destacando anecessidade de ser mantido um sistema de comunicações apto a facilitar ointercâmbio rápido e seguro de informações com órgãos de outros países(arts. 77 e 78). O texto em tela revela a preocupação do legislador nacionalcom a dimensão multilateral inerente ao enfrentamento dos problemasambientais. O dispositivo suscitado, por certo, não se aplica apenas aocenário internacional, mas incorpora no ordenamento jurídico nacional oprincípio da cooperação, devendo o mesmo ser aplicado, como jáassinalamos em passagem antecedente, no âmbito interno do Estadobrasileiro.

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Seguindo essa diretriz normativa, notadamente sob a ótica da competênciaambiental administrativa, a LC n. 140/2011 (Competência Administrativaem Matéria Ambiental) incorporou de forma definitiva o princípio dacooperação no ordenamento jurídico nacional, ao regulamentar os incisosIII, VI e VII do art. 23 da CF/88. Logo no seu art. I2, o diploma em análiseestabelece, como seu propósito nuclear, fixar normas para o exercício dacompetência administrativa em matéria ambiental em vista de possibilitar a“cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípiosnas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comumrelativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meioambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e àpreservação das florestas, da fauna e da flora”. De modo a dar concretude àquestão, o diploma estabelece instrumentos de cooperação entre os entesfederativos nos incisos do seu art. 42, como, por exemplo: consórciospúblicos, convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentossimilares com órgãos e entidades do Poder Público, Comissão TripartiteNacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do DistritoFederal, fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos,delegação de atribuições de um ente federativo a outro e delegação daexecução de ações administrativas de um ente federativo a outro. Alémdisso há a previsão, no art. 62 do diploma, de ações de cooperação entre osentes federativos, delimitando, de forma minuciosa, as atividadesadministrativas que cabem a cada um, de modo a atingir os objetivosprevistos no art. 32 e a garantir o desenvolvimento sustentável,harmonizando e integrando todas as políticas governamentais.

O princípio da cooperação é um princípio geral do Direito Ambiental e,como tal, não incide apenas em relação ao Estado (deveres estatais decooperação), mas também nas relações travadas entre particulares. Oprincípio da cooperação possui essa dupla incidência e dimensão, tanto emrelação ao Estado quanto à sociedade em geral. Não por outra razão,Michael Kloepfer assinala que “o princípio da cooperação, em termosessenciais, traduz a ideia de que a proteção ambiental é uma tarefa doEstado e da sociedade. Proteger o meio ambiente não é de responsabilidadeexclusiva do Estado e não pode (ou deve) também ser implementada deforma unilateral contra a economia e a sociedade, mas requer a cooperaçãode todas as forças envolvidas” 367. Em outras palavras, o paradigma

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cooperativo trazido pelo princípio é regente das relações travadas entreEstado e sociedade em matéria ambiental. Por exemplo, os órgãosambientais estatais devem agir em espírito de parceria com as entidadesambientalistas, o que implica garantir o acesso à informação, a participaçãodos indivíduos e grupos sociais interessados na tomada de decisão etc.

O princípio da cooperação também pode ser concebido no campoprocessual, inclusive com reflexos para a matéria ambiental (por exemplo,para justificar a inversão do ônus probatório). O Novo Código de ProcessoCivil (Lei n. 13.105/2015) consagrou expressamente tal princípio aoassinalar, no Capítulo reservado às normas fundamentais do processo civil,que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que seobtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 62). Demodo complementar, o art. 52 do diploma processual assevera que “aqueleque de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordocom a boa-fé”, bem como, no seu art. 378, que “ninguém se exime do deverde colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”. Odever de colaboração no campo processual ambiental alinha-se aocompromisso das partes e, em especial, do Estado-Juiz com a efetividade dalegislação ambiental, dado o interesse coletivo que permeia as lidesecológicas.

Os particulares (pessoas físicas e jurídicas), nesse contexto, também devemter como diretriz o princípio da cooperação nas relações que travam comoutros particulares ou mesmo o próprio Estado, notadamente quando estiverem pauta situação de lesão ou potencial de lesão ao ambiente. Não por outrarazão, hoje se atribui aos particulares deveres fundamentais de proteçãoambiental, ou seja, obrigações jurídicas (e, portanto, não apenas morais), oque também implica deveres jurídicos de cooperação quando tal se fizernecessário para proteger os bens jurídicos ambientais. Esse é, sem dúvida, oespírito constitucional consagrado no caput do art. 225 da CF/88, quecoloca como dever da sociedade - e, portanto, não apenas do Estado -proteger o ambiente para as presentes e futuras gerações. Esse entendimentoresultou cristalizado na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010), ao consagrar como princípio da PNRS “a cooperação entre asdiferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentosda sociedade” (art. 62, VI).

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Diplomas internacionais e legislação:

- Princípios 14, 22 e 24 da Declaração de Estocolmo sobre o MeioAmbiente Humano (1972)

- Princípios 5, 7,12,13,14,18,19 e 27 da Declaração do Rio sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento (1992)

- Arts. 4A IX, 23, VI e VII, 24 e 225, caput, da CF/88

- Arts. 2n e 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81)

- Arts. 77 e 78 da Lei dos Crimes e Infrações AdministrativasAmbientais (Lei n. 9.605/98)

- Art. 5A X, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lein. 12.187/2009)

- Art. 6A VI, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

- Lei Complementar 140/2011 (Competência Administrativa emMatéria Ambiental)

- Art. 6Ü do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015)

Jurisprudência:

STF

- ADPF 101/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 24-6-2009

STJ

- REsp 1,060.753/SP, 2H Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, j. 1 -12-2009

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- REsp 1.153.500/DF, 2H Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques,j. 7-12-2010

- REsp 1.115.555/MG, 1HTurma, Rei. Min. Esteves Lima,). 15-2-2011

- REsp 1.116.964/PI, 2a Turma, Rei. Min. Campbell Marques, j. 15-3-2011

- MS 16.074/DF, Ia Seção, Rei. Min. Arnaldo Esteves, j. 9-11-2011

- REsp 1,306.093/RJ, 2^ Turma, Rei. Min. Herman Benjamin,). 28-5-2013

14 PRINCÍPIO DA NÃODISCRIMINAÇÃO E DOACESSO EQUITATIVO AOSRECURSOS NATURAISExistem problemas novos convivendo com antigos - a persistência dapobreza e de necessidades essenciais não satisfeitas, fomes coletivas (...) eameaças cada vez mais graves ao nosso meio ambiente e à sustentabilidadede nossa vida econômica e social (Amartya Sen) 368.

Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que seevite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda ahumanidade compartilhe dos benefícios de sua utilização (Princípio 5 daDeclaração de Estocolmo de 1972).

O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir quesejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e demeio ambiente das gerações presentes e futuras (Princípio 3 da Declaraçãodo Rio de 1992).

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Há profunda injustiça na distribuição não só dos bens sociais no âmbito danossa comunidade política, mas também na distribuição e no acesso aosrecursos naturais, de modo que a população mais necessitada acaba por ternão só os seus direitos sociais violados como também o seu direito a

viver em um ambiente sadio, equilibrado e seguro. 0 tema dos necessitadose dos refugiados ambientais é elucidativo a respeito desse cenário deinjustiça ambiental e da falta de um acesso equitativo aos recursos naturais.A questão envolvendo os direitos dos povos indígenas também guardacorrelação direta com o princípio da não discriminação e do acessoequitativo aos recursos naturais. O Relatório Nosso Futuro Comum (1987),nesse contexto, destaca a vulnerabilidade dos povos indígenas no contextodo desenvolvimento econômico dominante, o qual negligenciaconsiderações tanto de ordem humana quanto ambiental, o que deve sersuperado sob o marco do desenvolvimento sustentável369. Reproduzindo alição de Paulo A. Leme Machado, ao tratar especificamente sobre oprincípio do acesso equitativo aos recursos naturais, “os bens que integramo meio ambiente planetário, como água, ar e solo, devem satisfazer asnecessidades comuns de todos os habitantes da Terra. As necessidadescomuns dos seres humanos podem passar tanto pelo uso como pelo não usodo meio ambiente. Desde que utilizável o meio ambiente, adequado pensar-se em um meio ambiente como “bem de uso comum do povo” 370.

A falta de um acesso equânime aos recursos ambientais compromete orespeito pela vida e dignidade especialmente dos grupos sociaisvulneráveis. O fortalecimento da busca por justiça (socio)ambiental noBrasil371 transporta justamente essa mensagem, ou seja, de que, assimcomo os custos sociais do desenvolvimento recaem de mododesproporcional sobre a população carente, também os custos ambientaisdesse mesmo processo oneram de forma injusta a vida dessa população,embora, em termos gerais (o problema, em verdade, é de maior ou menorintensidade, guardando relação com a disponibilidade de recursos paraevitar ou minimizar problemas causados pela degradação), todos, pobres ericos, sejam afetados. Essa é a relevância do princípio da nãodiscriminação e do acesso equitativo aos recursos naturais372. Éinadmissível que sobre determinados grupos sociais recaia de forma injustao ônus da degradação e da poluição ambiental, bem como não lhes seja

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franqueado um acesso equânime aos recursos naturais e, acima de tudo, aodireito fundamental de desfrutarem de um ambiente sadio, equilibrado eseguro.

A concepção de um “desenvolvimento sustentável” abarca o compromissoético e jurídico de assegurar o acesso equânime aos recursos naturais,especialmente dos grupos sociais vulneráveis (ou mesmo Naçõesvulneráveis, tomando por contexto o cenário internacional), cabendo aoEstado (tanto no plano internacional quanto doméstico) e à sociedade aadoção de medidas voltadas à retirada de eventuais obstáculos (porexemplo, econômicos, culturais) à distribuição justa e equânime dosrecursos naturais, bem como ao disfrute de condições ecológicas adequadasa uma vida digna e saudável. Conforme a lição de Dinah Shelton, o termo“desenvolvimento sustentável” também pode ser visto como englobandoum entendimento internacional acerca da equidade intrageracional (bemcomo intergeracional) em seus esforços para estabelecer um justo equilíbrioentre os objetivos muitas vezes conflitantes do desenvolvimento econômicoe da proteção ambiental. De fato, muitos dos princípios da Declaração doRio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 refletem esseequilíbrio, bem como outros aspectos de equidade intrageracional, comouma preocupação para com os menos abastados da sociedade. O Princípio6, por exemplo, determina prioridade especial à situação e às necessidadesespeciais dos países em desenvolvimento, particularmente os menosdesenvolvidos e aqueles ecologicamente mais vulneráveis 373.

O regime jurídico delineado pelo Estado Socioambiental, além de seguircomprometido com a justiça social (garantia de uma existência digna noque diz com acesso aos bens sociais básicos), assume, como realça José J.Gomes Canotilho, a condição de um Estado de Justiça Ambiental, o que,entre outros aspectos, implica a proibição de práticas discriminatórias quetenham a questão ambiental de fundo, como decisão, seleção, práticaadministrativa ou atividade material referente à tutela do ambiente ou àtransformação do território que onere injustamente indivíduos, grupos oucomunidades pertencentes a minorias populacionais em virtude de raça,situação econômica ou localização geográfica 374. A injustiça ambiental serevela de diversas formas, mas, assim como a injustiça social, afeta deforma mais intensa os cidadãos vulneráveis em termos socioeconômicos, os

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quais já possuem um acesso mais restrito aos seus direitos sociais básicos(água, saneamento básico, educação, saúde, alimentação etc.), bem comodispõem de um acesso muito mais limitado à informação de naturezaambiental, o que acaba por comprimir a sua autonomia e liberdade deescolha, impedindo que evitem determinados riscos ambientais por absoluta(ou mesmo parcial) falta de informação e conhecimento.

Da mesma forma que a ideia de justiça social permeia a discussão (na suafeição distributiva) envolvendo o acesso igualitário aos direitos e benssociais básicos, quando se discute o acesso equitativo aos recursos e bensnaturais, verifica-se a ideia de justiça ambiental, balizando tanto as relaçõesentre os Estados nacionais no plano internacional (especialmente, diante dasrelações Norte-Sul), quanto as relações entre poluidor/degradador (Estadoou particular) e cidadão ou comunidade titular do direito fundamental aoambiente no âmbito interno dos Estados nacionais. A justiça ambiental devereforçar a relação entre direitos e deveres ambientais, objetivando umaredistribuição de bens sociais e ambientais capaz de assegurar o acesso aosrecursos naturais de forma isonômica. O reconhecimento de um direitofundamental ao ambiente expressa, além de um conteúdo democrático, umforte componente redistributive, de vez que a consagração do ambientecomo um bem comum de todos, tal como reconhecido no art. 225, caput, daCF/88, harmoniza com a noção de um acesso universal e igualitário aodesfrute de uma qualidade de vida compatível com o plenodesenvolvimento da personalidade de cada pessoa humana, considerando,ainda, que tal concepção abrange os interesses das futuras gerações 375. Alegislação penal ambiental, nesse sentido, não pode desconsiderar a facetasocioambiental que permeia a proteção jurídica do ambiente, inclusive aponto de as instituições públicas encarregadas da sua efetivação realmentecentrarem a sua atuação contra os grandes poluidores ambientais, o querealmente fará a diferença para a proteção ecológica.

A Lei de Acesso ao Patrimônio Genético (Lei n. 13.123/2015), aoregulamentar o inciso II do § l2 e o § 42 do art. 225 da CF/88, bem comodispositivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (1992),internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n.2.519/98, dispôs sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e oacesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios

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para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Do ponto de vista daproteção dos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genéticode populações indígenas, de comunidade tradicional ou de agricultortradicional, o diploma tratou de estabelecer procedimentos com o propósitode salvaguardar os direitos de populações indígenas, de comunidadestradicionais e de agricultores tradicionais, além de assegurar a participaçãodestes na tomada de decisões sobre assuntos relacionados à conservação eao uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados aopatrimônio genético do País. É o que dispõe expressamente o art. 82, § l2, eo art. 10, IV, do diploma376. Há, de tal sorte, nítido objetivo da legislaçãoem comento de assegurar critérios de justiça e equidade na repartição debenefícios decorrentes da utilização de tais conhecimentos tradicionais,inclusive tomando por premissa a vulnerabilidade dos grupos sociaisreferidos. Isso também pode ser apreendido por meio da exigência deconsentimento prévio informado pela população indígena ou comunidadetradicional para viabilizar o acesso ao conhecimento tradicional associadode origem identificável. Em linhas gerais, a Lei de Acesso ao PatrimônioGenético tratou de assegurar, no plano procedimental, mecanismosparticipativos e informativos voltados à proteção de populações indígenas ede comunidades tradicionais, incorporando no diploma conteúdorepresentativo do princípio da não discriminação e do acesso equitativo aosrecursos naturais 377.

Diplomas internacionais e legislação:

- Princípio 5 da Declaração de Estocolmo sobre Meio AmbienteHumano (1972)

- Princípio 3 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento (1992)

- Convenção-Quadro sobre Diversidade Biológica (1992)

- Art. 225, caput, da CF/88

- Art. 2A caput, e 4A I, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente(Lei n. 6.938/81)

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- Art. 2A IV, da Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei n.11.445/2007)

- Art. 3n, III, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lein. 12.187/2009)

- Lei de Acesso ao Patrimônio Genético (Lei n. 13.123/2015)

Jurisprudência:

STF

- Pet 3.388/RR, Tribunal Pleno, Rei. Min. Ayres Britto, j. 19-3-2009

- ADPF 101/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 24-6-2009

STJ

- HC 124.820/DF, 6À Turma, Rei. Min. Celso Limongi(Desembargador convocado do TJSP), j. 5-5-2011

15 PRINCÍPIOS DAPROPORCIONALIDADE E DARAZOABILIDADE

15.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBREOS PRINCÍPIOS DAPROPORCIONALIDADE E DARAZOABILIDADE378

O princípio da proporcionalidade, não obstante se tratar de princípio geraldo Direito, apresenta particular relevância no âmbito do Direito Ambiental,sobretudo em razão da natureza fundamental do direito ao ambiente e da

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constante colisão deste com outros bens jurídicos também plasmados notexto constitucional379, de modo que nos pareceu imprescindível tratá-locomo um dos princípios gerais que regem a proteção jurídica do ambiente.Nesse contexto, Ana G. e Freitas Martins, sob o enfoque do princípio daprecaução, assinala que “o princípio da proporcionalidade joga aqui umpapel fundamental, garantindo a ponderação de diversos interessesenvolvidos ao exigir que as medidas adotadas no âmbito de uma políticaguiada pela precaução se revelem economicamente viáveis, componderação de custos e ganhos decorrentes da sua adoção” 380. Na mesmaperspectiva, contextualizando a adoção do princípio da proporcionalidade àtemática dos riscos ecológicos, J. J. Gomes Canotilho enuncia o princípioda proporcionalidade dos ríscos381. O potencial de aplicação do princípioda proporcionalidade à matéria ambiental é enorme.

Mas talvez, além do tema da colisão envolvendo bens jurídicos ambientais,um dos aspectos mais importantes seja a utilização do princípio na aferiçãoda constitucionalidade das medidas, tanto de natureza legislativa quantoadministrativa, que venham a restringir os direitos fundamentais ecológicos,sobretudo em vista do seu núcleo essencial. Haja vista a atual tendência dolegislador nacional no sentido de “flexibilizar” institutos jurídico-ambientais, como ocorreu de forma emblemática com a edição do NovoCódigo Florestal (Lei n. 12.651/2012), o princípio da proporcionalidade éum instrumento importantíssimo para apurar se, tomando como exemplo ocaso citado, o legislador atuou ou não de forma desproporcional, incidindo,se verificada a violação ao princípio, em prática inconstitucional. Damesma forma, é muito rica a análise da dupla face do princípio daproporcionalidade na seara ecológica, uma vez que além da proibição deexcesso do Estado (Legislador ou Administrador) na restrição a direitosfundamentais, também lhe é vedada a proteção insuficiente de tais direitosde sustentação da nossa comunidade estatal, entre eles, o direito a viver emum ambiente sadio, seguro e equilibrado. A violação à vertente normativada proibição de proteção insuficiente pode até mesmo ensejar, em últimainstância, o controle judicial de políticas públicas ambientais (inclusive emdefesa do direito-garantia ao mínimo existencial ecológico ou mesmo donúcleo essencial do direito fundamental ao ambiente). Inicialmente, lançadoum primeiro olhar sobre a questão, faremos algumas consideraçõesconceituais e normativas de índole generalista para, posteriormente,

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voltarmos o olhar para a incidência do princípio da proporcionalidade noDireito Ambiental.

As idéias de proporção e de razoabilidade, vinculadas à própria noção dejustiça e equidade, sempre estiveram presentes no âmbito do fenômenojurídico, permeando, em termos gerais, o direito contemporâneo 382. Noentanto, nem todas as manifestações suscitadas pela ideia de proporçãodizem respeito ao princípio da proporcionalidade em seu sentido técnico-jurídico, tal qual desenvolvido no direito público alemão. Discute-se, hábastante tempo, sobre a correta qualificação jurídico-normativa daproporcionalidade. Assim, ao passo que a maioria da doutrina ainda prefirafalar na proporcionalidade como princípio ou mesmo como regra (tomando-se aqui ambas as noções tal qual formuladas teoricamente por Robert Alexye seus seguidores), há quem questione tal modelo, vislumbrando naproporcionalidade uma figura substancialmente distinta das regras e dosprincípios, qualificando-a como sendo um postulado normativo-aplicativo,razão pela qual se faz também referência a um dever de proporcionalidade383. Da mesma forma, segue existindo acirrada controvérsia doutrinária ejurisprudencial sobre o conteúdo jurídico e significado daproporcionalidade e da razoabilidade.

Em que pese não se pretenda sobrevalorizar a identificação de umfundamento constitucional para os princípios da proporcionalidade e darazoabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, em termos gerais, épossível reconduzir ambos os princípios a um ou mais dispositivosconstitucionais. De acordo com a vertente germânica, o ponto de referênciaé o princípio do Estado de Direito (art. I2 da CF/88), notadamente naquiloque veda o arbítrio, o excesso de poder, entre outros desdobramentos. Jápara quem segue a orientação do direito norte-americano, aproporcionalidade guarda relação com o art. 52, LIV, da CF/88, no queassegura um devido processo legal substantivo 384. No plano da legislaçãoinfraconstitucional, por sua vez, os princípios da proporcionalidade e darazoabilidade foram positivados em vários momentos, destacando-se o art.22 da Lei n. 9.784/99, que regulamenta o processo administrativo no âmbitoda Administração Federal direta e indireta. Também a Lei da PolíticaNacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010), já no contexto dalegislação ambiental brasileira, consagrou de forma expressa, no seu art. 62,

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XI, “a razoabilidade e a proporcionalidade” entre os princípios gerais daPNRS. Mais recentemente, o princípio da proporcionalidade (e darazoabilidade) foi consagrado expressamente no art. 82 do Novo Código deProcesso Civil (Lei n. 13.105/2015), no capítulo reservado às suas normasfundamentais 385. É bom frisar, contudo, que independentemente de suaexpressa previsão em textos constitucionais ou legais, o que importa é aconstatação, amplamente difundida, de que a aplicabilidade dos princípiosda proporcionalidade e da razoabilidade não está excluída de qualquermatéria jurídica.

O princípio da proporcionalidade, que constitui um dos pilares do Estado(Democrático, Social e Ambiental) de Direito brasileiro, desponta comoinstrumento metódico de controle dos atos - tanto comissivos quantoomissivos - dos poderes públicos, sem prejuízo de sua eventual aplicação aatos de sujeitos privados. Nesse contexto, assume relevância, por sua vez, aconhecida e já referida distinção entre as dimensões negativa e positiva dosdireitos fundamentais, com destaque para a atuação dos direitosfundamentais como deveres de proteção ou imperativos de tutela,implicando uma atuação positiva do Estado, obrigando-o a intervir, tantopreventiva quanto repressivamente, inclusive quando se trata de agressõesoriundas de particulares. Em se tratando da temática ecológica, a funçãopreventiva desponta em termos de importância, inclusive em vista dagravidade dos riscos que permeiam as práticas degradadoras do ambiente.Por isso, inclusive como já sinalizamos logo na abertura deste tópico, éextremamente relevante a abordagem do princípio da precaução à luz daproporcionalidade.

A Lei n. 12.187/2009, para ilustrar a questão, traçou uma diretriz normativaimportante a respeito de uma aplicação do princípio da precaução (e daprevenção) à luz do princípio da proporcionalidade. No art. 32, II, dodiploma resultou consagrado que, no âmbito das medidas a serem adotadasna execução da Política Nacional sobre Mudança do Clima e as ações deladecorrentes, “serão tomadas medidas para prever, evitar ou minimizar ascausas identificadas da mudança climática com origem antrópica noterritório nacional, sobre as quais haja razoável consenso por parte dosmeios científicos e técnicos ocupados no estudo dos fenômenosenvolvidos”. Ao exigir “razoável consenso científico”, a Lei n. 12.187/2009

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sinaliza para o manuseio “proporcional” da legislação climática ao aplicaros princípios ambientais (em especial, os princípios da prevenção e daprecaução).

Para a efetivação de seus deveres de proteção, o Estado - por meio daatuação de seus órgãos ou agentes - corre o risco de afetar de mododesproporcional outro(s) direito(s) fundamental(is), inclusive o(s) direito(s)de quem esteja sendo acusado de violar direitos fundamentais de terceiros.Essa hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio daproporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade dasmedidas restritivas de direitos fundamentais - atuantes, nesta perspectiva,como direitos de defesa. O princípio da proporcionalidade atua aqui, noplano da proibição de excesso, como um dos principais limites às limitaçõesdos direitos fundamentais. Por outro lado, poderá o Estado frustrar seusdeveres de proteção atuando de modo insuficiente, isto é, ficando aquémdos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos ou mesmodeixando de atuar - hipótese, por sua vez, vinculada (ao menos em boaparte) à problemática das omissões inconstitucionais.

É nesse sentido que, como contraponto à assim designada proibição deexcesso, expressiva doutrina (e inclusive jurisprudência) tem admitido aexistência daquilo que se convencionou chamar de proibição deinsuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres deproteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermafiverbot),conforme ainda analisaremos com maiores detalhes pelo prisma da proteçãoambiental. É por essa razão que também a doutrina brasileira (e, em algunscasos, a própria jurisprudência), em que pese não ser pequena a discussão arespeito, em geral já aceita a ideia de que o princípio da proporcionalidadepossui como que uma dupla face, atuando simultaneamente como critériopara o controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas doâmbito de proteção de direitos fundamentais, bem como para o controle daomissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento dos seusdeveres de proteção. Em suma, desproporções - para mais ou para menos -caracterizam violações ao princípio em apreço e, portanto,antijuridicidade386.

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De acordo com a posição corrente e amplamente recepcionada pela doutrinae também acolhida em sede jurisprudencial (embora nem semprecorretamente aplicada), na sua função como critério de controle dalegitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de proteçãodos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade costuma serdesdobrado em três elementos (subcritérios ou subprincípios constitutivos,como prefere J. J. Gomes Canotilho): a) a adequação ou conformidade, nosentido de um controle da viabilidade (isto é, da idoneidade técnica) de queseja em princípio possível alcançar o fim almejado por aquele(s)determinado(s) meio(s), muito embora, para alguns, para que seja atendidoo critério, bastaria que o poder público (mediante a ação restritiva) cumpracom o dever de fomentar o fim almejado 387; b) da necessidade, em outraspalavras, a opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objetoda restrição, exame que envolve duas etapas de investigação: o exame daigualdade de adequação dos meios (a fim de verificar se os meiosalternativos promovem igualmente o fim) e, em segundo lugar, o exame domeio menos restritivo (com vista a verificar se os meios alternativosrestringem em menor medida os direitos fundamentais afetados) 388; c) daproporcionalidade em sentido estrito, que exige a manutenção de umequilíbrio (proporção e, portanto, de uma análise comparativa) entre osmeios utilizados e os fins colimados, no sentido de que para muitos temsido também chamado de razoabilidade ou justa medida389, já que mesmouma medida adequada e necessária poderá ser desproporcionall3.

Cumpre anotar, nesse contexto, que embora não se trate propriamente deum critério interno (no sentido de um quarto elemento daproporcionalidade), a aferição da proporcionalidade de uma medidarestritiva há de partir do pressuposto de que a compressão de um direitoencontra sua razão de ser na tutela de outro bem jurídicoconstitucionalmente relevante (não necessariamente outro direitofundamental), ou seja, a restrição deve ter uma finalidadeconstitucionalmente legítima391, em outras palavras e como já referido,uma justificação constitucional. De outra parte, há quem questione autilização da terceira exigência interna, qual seja, a da proporcionalidadeem sentido estrito, sob o argumento central (aqui apresentado em apertadasíntese e de modo simplificado) de que as etapas da adequação e danecessidade são suficientes para assegurar a aplicação da

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proporcionalidade, e que justamente a terceira fase (onde se daria, segundoRobert Alexy, a ponderação propriamente dita) é responsável pelosexcessos de subjetivismo cometidos por conta da proporcionalidade,expondo-a, nesse sentido justificadamente, aos seus críticos 392. Sem quese possa aprofundar o debate, parece-nos que tal proposta, a despeito deapontar com razão para os riscos inerentes ao terceiro momento, o daproporcionalidade em sentido estrito, acaba subestimando o fato de que aponderação, seja qual o nome que se atribuir ao procedimento desopesamento ou hierarquização dos bens e alternativas em pauta, apenasacaba sendo deslocada e concentrada nas primeiras duas etapas, visto que asupressão do exame da relação entre os meios e os fins ínsita ao terceiromomento (da proporcionalidade em sentido estrito) poderá resultar naprópria violação da razoabilidade, que não se confunde - consoante jáfrisado -com a proporcionalidade, mas com esta guarda íntima relação.

Com efeito, há de se levar em conta, nesse contexto, que resta enfrentar oproblema de até que ponto medidas adequadas e necessárias podem, aindaassim, resultar em compressão excessiva do bem afetado pela restrição,sendo questionável se a categoria do núcleo essencial por si só possa darconta do problema. De outra parte, a aceitação de que os direitosfundamentais possuem um núcleo essencial remete novamente ao problemade saber se este núcleo é o que resulta do processo de ponderação (para oque fica difícil a dispensa da proporcionalidade em sentido estrito ou outronome que se atribuir a esta terceira fase), a exemplo do que, em linhasgerais, preconiza Alexy e, entre nós, tem reafirmado Virgílio Afonso daSilva 393. Cuida-se, sem dúvida, de debate a ser aprofundado, revelandoque também a dogmática constitucional brasileira está engajada em avançarquanto a esse ponto, de tal sorte que aqui nos limitamos a referir acontrovérsia, dada a sua relevância, visto que o que se busca é aprimorar osmecanismos de controle das restrições e reduzir os níveis de subjetivismo eirracionalidade na aplicação da proporcionalidade.

Já no que diz com a aplicação da proporcionalidade na perspectiva daproibição de proteção insuficiente (ou deficiente, como preferem outros)utiliza-se, em termos gerais, da mesma análise trifásica (em três níveis ouetapas) - já de todos conhecida - aplicada no âmbito da proibição deexcesso, guardadas, é claro, as peculiaridades que decorrem da finalidade

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do exame do devido cumprimento dos deveres de proteção. Com efeito,valendo-nos aqui das lições de Christian Calliess394 (que sustenta umadistinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência)uma vez determinada a existência de um dever de proteção e o seurespectivo objeto, o que constitui um pressuposto de toda a análiseposterior, é possível descrever as três etapas da seguinte maneira: a) no quediz com o exame da adequação ou idoneidade, é necessário verificar se a(s)medida(s) - e a própria concepção de proteção - adotada(s) ou mesmoprevista(s) para a tutela do direito fundamental é(são) apta(s) a proteger demodo eficaz o bem protegido; b) em sendo afirmativa a primeira resposta,cuida-se de averiguar se existe uma concepção de segurança (proteção)mais eficaz, sem que com isso se esteja a intervir de modo mais rigoroso embens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade? Em outraspalavras, existem meios de proteção mais eficientes, mas pelo menos tãopouco interventivos em bens de terceiros? Ainda nesse contexto, anota oautor referido que se torna possível controlar medidas isoladas no âmbito deuma concepção mais abrangente de proteção, por exemplo, quando estaenvolve uma política pública ou um conjunto de políticas públicas; c) noâmbito da terceira etapa (que corresponde ao exame da proporcionalidadeem sentido estrito ou razoabilidade, como preferem alguns), é precisoinvestigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após aefetivação das medidas de proteção é de ser tolerado em face de umaponderação com a necessidade de preservar outros direitos e bensfundamentais pessoais ou coletivos.

É justamente aqui, aliás, que, segundo o autor, se verifica a confluênciaentre as proibições de excesso e de insuficiência, já que no âmbito das duasprimeiras etapas é necessário efetuar o controle considerando aspeculiaridades de cada instituto (embora as etapas em si, adequação ouidoneidade e necessidade ou exigibilidade sejam as mesmas), ao passo quena terceira etapa é que, no quadro de uma argumentação e de uma relaçãojurídica multipolar, é necessário proceder a uma ponderação que leve emconta o quadro global, ou seja, tanto as exigências do dever de proteçãoquanto os níveis de intervenção em direitos de defesa de terceiros ou outrosinteresses coletivos (sociais e ambientais), demonstrando a necessidade dese estabelecer uma espécie de “concordância prática multipolar” 395. Deacordo com Germana P. N. Belchior e Andreas J. Krell, “ao desenvolver os

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subprincípios da proporcionalidade, as medidas vão se afunilando atéchegar a um meio que o intérprete entenda ser mais adequado para o casoconcreto” 396.

Seguindo na análise da matéria, importa registrar, nesse ponto, a discussãodoutrinária a respeito da “fungibilidade” dos princípios daproporcionalidade e da razoabilidade, especialmente em vista da existênciade fortes posições que, também entre nós, sustentam a ausência deidentidade entre ambos, notadamente quanto ao fato de que o princípio daproporcionalidade tal como desenvolvido dogmaticamente na Alemanha(embora também lá não de modo completamente uniforme e incontroversoquanto a uma série de aspectos) não equivale pura e simplesmente àrazoabilidade dos americanos 397, e que possui, portanto, um sentido econteúdo distintos (pelo menos parcialmente, considerando especialmenteas noções de proporcionalidade em sentido amplo e em sentido estrito dosalemães) 398. Vale referir, ademais, haver quem atribua ao critério daproporcionalidade em sentido estrito (inclusive com base na práticajurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)significado mais teórico do que prático, sustentando que, em geral, é noplano do exame da necessidade da medida restritiva que se situa a maiorparte dos problemas, pois é neste nível que se dá o teste decisivo daconstitucionalidade da restrição 399, aspecto que reclama uma digressãocalcada na análise sistemática da jurisprudência constitucional e que aquinão será desenvolvida. Retomando a controvérsia a respeito da relação entreproporcionalidade e razoabilidade, convém lembrar que, no campo daproporcionalidade em sentido estrito, exige-se a comparação entre aimportância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitosfundamentais, examinando, em síntese, se as vantagens produzidas pelaadoção do meio superam as desvantagens advindas da sua utilização 400.

Precisamente quanto a esse ponto assume relevo a conexão dos princípiosda proporcionalidade em sentido estrito e da razoabilidade com o assimhabitualmente designado método da ponderação401. Tendo em conta que ojuízo de ponderação se verifica, com maior ênfase (para Alexy,essencialmente), no âmbito do assim designado terceiro nível da aplicaçãoda proporcionalidade (seguindo-se a metódica trifásica daproporcionalidade), o fato é que mesmo a ponderação sendo considerada

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simplesmente como coincidente com o raciocínio requisitado pelo princípioda razoabilidade como parâmetro da atuação normativa estatal, é esseseguramente o ponto de contato mais importante entre a proporcionalidadee a razoabilidade. É por essa razão que a razoabilidade é tambémidentificada com a proporcionalidade em sentido estrito, o que, todavia, nãosignifica necessariamente que se trate de noções integralmente fungíveis eque não tenham uma aplicação autônoma. Sem que se possa aqui adentrar oterreno conceituai, avaliando todas as possíveis diferenças e semelhanças,assim como eventuais distinções conceituais entre proporcionalidade erazoabilidade, é certo que se a proporcionalidade não for aplicada na suaintegralidade, mediante consideração, ainda que sumária, de seus trêssubprincípios, não será a proporcionalidade que estará efetivamente emcausa. A razoabilidade, por sua vez, não reclama tal procedimento trifásicoe é assim que tem sido aplicada.

Por outro lado, parece evidente que a utilização indistinta das expressõesproporcionalidade e razoabilidade não se justifica pelo simples fato(portanto, por si só) de que isso corresponde a uma prática usual,especialmente entre nós, visto que a reiterada prática de um equívoco não otorna necessariamente menos equivocado. Com efeito, o uso equivalentedos termos apenas encontraria explicação eficiente se de fato existisse a -por alguns - reclamada equivalência substancial entre os dois princípios. Oque de fato ocorre, e a jurisprudência brasileira bem o atesta, é que emmuitos casos, por não ser aplicada a análise trifásica exigida pelaproporcionalidade, a ponderação ocorre essencialmente no plano da “mera”razoabilidade, o que justamente constitui prova evidente de que, a despeitodo importante elo comum (razoabilidade e proporcionalidade em sentidoestrito), não se trata de grandezas idênticas em toda sua extensão.

A técnica da ponderação (aqui não se fará sequer a tentativa de distinção emrelação a outros termos de uso corrente, como a hierarquização, osopesamento, entre outros), tanto no âmbito do direito público quanto naseara do direito privado, a despeito das toneladas de papel e dos verdadeirosoceanos de tinta gastos com o tema, não chega a apresentar maioresnovidades, visto que, com o passar do tempo, consolidou sua posição comoinstrumento apto a determinar a solução juridicamente correta em cadacaso, com destaque para a solução dos conflitos entre direitos e princípios

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fundamentais, embora não se aplique exclusivamente nessa esfera. Isso nãoafasta, contudo, a necessidade de se encontrar vias por meio das quaissejam mitigados ou evitados os perigos e excessos que tradicionalmente - ecom boa parcela de razão - lhe são imputados 402, com o intuito de conferirà ponderação suporte racional e disciplinado, renunciando, todavia, à suaredução a uma fórmula matemática, esta sim, seguramente condenada aofracasso403. Assim, a despeito da existência de uma série de teorizações arespeito dos meios de controle da utilização não abusiva da própriaproporcionalidade e da razoabilidade, assim como dos princípios em geral,não é aqui, ao menos por ora, que teremos condições de desenvolver taisquestões, de tal sorte que remetemos, para uma ampliação do debate, àliteratura colacionada, que, de resto, não esgota o universo da produçãoexistente, mesmo que restritos ao que foi escrito entre nós nos últimos anos.Por fim, lançado um olhar geral e panorâmico a respeito do princípio daproporcionalidade, analisaremos algumas questões específicas voltadas àsua incidência no campo do Direito Ambiental, especialmente em relação àsua dupla face (proibição de proteção de insuficiência e proibição deexcesso).

15.2. A PROPORCIONALIDADE ENTREPROIBIÇÃO DE PROTEÇÃOINSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DEEXCESSO (E AINCONSTITUCIONALIDADE DASMEDIDAS - LEGISLATIVAS EADMINISTRATIVAS -VIOLADORAS DODIREITO FUNDAMENTAL AOAMBIENTE)

Muito embora a acirrada controvérsia em torno da intensidade davinculação dos órgãos estatais e a ausência de maior uniformidade no quediz com os efeitos jurídicos que decorrem dos deveres de proteção estatais,tem sido generalizadamente aceita a noção de que ao Estado, no que tange

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aos seus deveres de proteção ambiental, também incumbe medidaspositivas no sentido de assegurar a tutela do ambiente, de tal sorte que aação estatal acaba por se situar, no âmbito do que se convencionou designar,na linha do que referimos no tópico anterior, de uma dupla face (ou dupladimensão) do princípio da proporcionalidade, entre a proibição de excessode intervenção, por um lado, e a proibição de insuficiência de proteção404,por outro. Posto de outra forma, se, por um lado, o ente estatal não podeatuar de modo excessivo, intervindo na esfera de proteção de direitosfundamentais a ponto de desatender aos critérios da proporcionalidade oumesmo a ponto de violar o núcleo essencial do direito fundamental emquestão, também é certo que o Estado, por força dos deveres de proteçãoaos quais está vinculado, também não pode omitir-se ou atuar de formainsuficiente na promoção e proteção de tal direito (por exemplo, ausênciaou insuficiência da legislação, conforme já se pronunciou o STF)405, sobpena incorrer em violação da ordem jurídico-constitucional em ambas assituações.

Nesse contexto, se tomarmos a questão ambiental como exemplo,considerando os deveres de proteção ambiental dos entes federativosdelineados na CF/88 (art. 225 e art. 23, VI e VII), a não atuação (quandolhe é imposto juridicamente agir) ou a atuação insuficiente (de modo a nãoproteger o direito fundamental de modo adequado e suficiente), no tocante amedidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às causasgeradoras da degradação do ambiente, pode ensejar até mesmo aresponsabilidade do Estado, inclusive no sentido de reparar os danoscausados a indivíduos e grupos sociais afetados pelos efeitos negativos dosdanos ambientais406. Cabe ao Estado, por força dos seus deveres deproteção para com os direitos fundamentais, assegurar uma tutela efetiva detais direitos, especialmente no que tange - o que assume uma posição dedestaque para a esfera dos direitos sociais e ambientais - à garantia domínimo existencial socioambiental, que, nesse contexto, atua como umaespécie de garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentaiseconômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA), aspecto que seráretomado mais adiante no contexto da proibição de retrocesso em matériaambiental.

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O Estado, diante dos deveres de proteção que lhe são impostos pela CF/88,estará - no âmbito do que se designou da relação multipolar (ChristianCalliess)407 que se estabelece em função da proibição de excesso e daproibição de insuficiência, conforme tratamos anteriormente - vinculado,simultaneamente, a respeitar (na perspectiva negativa ou defensiva) osdireitos fundamentais e (na perspectiva positiva ou prestacional) a atuar naproteção de tais direitos e outros bens constitucionais em relação aos quaisincidem imperativos de tutela. Sob tal enfoque, Vieira de Andrade apontapara a exigência do dever de proteção no plano da intervenção legislativa, oque, para além das “imposições de legislação específica” contidas nospreceitos constitucionais para proteção de direitos fundamentais, determinaa formulação, em paralelo com o já tradicional princípio da proibição doexcesso e inspirado nele, de um princípio de proibição de déficit(Untermafverbot), nos termos do qual o Estado está obrigado a assegurarum nível mínimo adequado de proteção dos direitos fundamentais, sendo,inclusive, responsável pelas omissões legislativas que não assegurem ocumprimento dessa imposição genérica408.

Na esteira da doutrina do professor alemão Claus-Wilhelm Canaris, cumpredestacar que, na aplicação da categoria da proibição de insuficiência deproteção, vinculada à função dos direitos fundamentais como imperativosde tutela ou deveres de proteção do Estado, não incidem exatamente osmesmos argumentos que são utilizados no âmbito da proibição de excesso,visto que vinculada à função defensiva dos direitos fundamentais, ou seja,naquilo que atuam como proibições de intervenção. Com efeito, enquantona esfera da proibição de intervenção está a se controlar a legitimidadeconstitucional de uma intervenção no âmbito de proteção de um direitofundamental, no campo dos imperativos de tutela cuida-se de uma omissão(ou ação “insuficiente” ou “defeituosa”) por parte do Estado em assegurar aproteção de um bem fundamental ou mesmo de uma situação insuficientepara assegurar de modo minimamente eficaz essa proteção409.

A liberdade de conformação do legislador ordinário, ao transpor para oplano infraconstitucional os comandos constitucionais relativos aos direitosfundamentais, conforme já sinalizado anteriormente, situa-se entre aproibição de excesso e a proibição de insuficiência, exigindo que o direitoinfraconstitucional ofereça uma proteção eficiente no seu conjunto, o que

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deixa frequentemente diversas possibilidades de variação em aberto para olegislador, quanto ao modo como esse direito deve ser especificamenteconformado 410. Nesse sentido, ao traçar a relação entre o dever deproteção e a proibição de insuficiência, Canaris destaca que o primeiro temem conta o “se” da proteção do direito fundamental, ao passo que osegundo diz respeito ao “como” o imperativo de tutela será efetivado, aponto de resguardar as exigências mínimas em termos de sua eficiência eque são constitucionalmente exigidas, e se bens jurídicos e interessescontrapostos não estão sobreavaliados411. Assim, num primeiro passo, háque fundamentar a existência do dever de proteção como tal, e, numsegundo momento, verificar se o direito ordinário satisfaz suficientementeesse dever de proteção, ou se, pelo contrário, apresenta insuficiências nesseaspecto412.

Diante da insuficiência manifesta de proteção estatal (por exemplo,ausência ou insuficiência da legislação na matéria), há violação do dever detutela estatal, e, portanto, está caracterizada a inconstitucionalidade damedida, tenha ela natureza omissiva ou comissiva, sendo possível o seucontrole judicial. Nesse contexto, ganha destaque a própria vinculação doPoder Judiciário (no sentido de um poder-dever) aos deveres de proteçãoambiental, de modo que se lhe impõe o dever de rechaço da legislação e dosatos administrativos inconstitucionais, ou, a depender das circunstâncias, odever de correção de tais atos mediante uma interpretação conforme aConstituição e de acordo com as exigências dos deveres de proteção e daproporcionalidade413. A vinculação do Poder Judiciário aos direitosfundamentais 414, e, portanto, aos deveres de proteção, guarda importânciasingular para a análise do princípio da proporcionalidade, posto que,também no que diz respeito a atos do poder público que tenham por escopoa supressão ou redução dos níveis de proteção ambiental (cujo controleigualmente implica consideração dos critérios da proporcionalidade na suadupla perspectiva ora suscitada) caberá aos órgãos jurisdicionais a tarefa deidentificar a ocorrência de prática inconstitucional e, quando for o caso,afastá-la ou corrigi-la415.

Diplomas internacionais e legislação:

- Arts. IA caput, e 5A LIV, da CF/88

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- Art. 2Ü da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei n. 9.784/99)

- Art. 3A II, da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lein. 12.187/2009)

- Art. 6A XI, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.12.305/2010)

- Art. 8a do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015)

Jurisprudência:

STF

- RE 153.531 /SC, 2^ Turma, Rei. Min. Francisco Rezek, j. 3-6-1997

- ADI 3.540 MC/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Celso de Mello, j. 1-9-2005

- ADPF 101/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 24-6-2009

- HC 104.410/RS, Tribunal Pleno, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 6-3-2012

STJ

- RMS 33.562/RJ, 2^ Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j.16-8-2011

- REsp 1,242.746/MS, 2* Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, j. 18-10-2012

- AgRg no REsp 1,480.343/RJ, 2a Turma, Rei. Min. HermanBenjamin, j. 10-2-2015

- AgRg no AREsp 498.497/CE, 2^ Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j.21-5-2015

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16 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃODE RETROCESSO AMBIENTALÉ a degradação da lei levando à degradação ambiental (Ministro AntônioHerman Benjamin)416.

Do ponto de vista da Teoria dos Direitos Fundamentais e mesmo do DireitoInternacional dos Direitos Humanos, nos parece adequado o tratamentointegrado e interdependente dos direitos sociais e dos direitos ecológicos, apartir da sigla DESCA (para além da clássica denominação DESC), ou seja,como direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, de modo acontemplar a evolução histórica dos direitos fundamentais e humanos,incorporando a tutela do ambiente em tal núcleo privilegiado de proteção dapessoa. Nesse sentido, o Protocolo de São Salvador Adicional à ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais (1988) incorpora a compreensão acerca dos DESCA,apontando, no bojo do seu texto, que “toda pessoa tem direito a viver emum meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos” (art.11.1), bem como que “os Estados-Partes promoverão a proteção emelhoramento do meio ambiente” (11.2).

Muito antes ainda do Protocolo de São Salvador, o próprio PactoInternacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC(1966) já sinalizava a sua receptividade e abertura à tutela ecológica (aindabastante incipiente no plano normativo internacional à época, considerandoque a Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio AmbienteHumano data de 1972), de modo que alguns dispositivos do seu texto jádestacam a relação da proteção do ambiente com os direitos sociais. NoPIDESC, há a consagração do direito de toda pessoa a um nível de vidaadequado e de uma melhoria contínua das condições de vida (art. 11.1),bem como do direito de toda pessoa a desfrutar do mais elevado nível desaúde física e mental relacionado à melhoria de todos os aspectos dehigiene do trabalho e do meio ambiente (arts. 12.1 e 12.2.b)417.

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A cláusula de progressividade atribuída aos direitos sociais, consagradatanto no art. 22, § l2, do PIDESC quanto no art. I2 do Protocolo de SãoSalvador, deve abarcar, necessariamente, também as medidas fáticas enormativas voltadas à tutela ecológica, de modo a instituir uma progressivamelhoria da qualidade ambiental e, consequentemente, da qualidade devida em geral. De tal sorte, é possível sustentar a ampliação da incidênciado instituto da proibição de retrocesso para além dos direitos sociais, demodo a contemplar os direitos fundamentais em geral418, mais uma razãopara levar a sério a crítica assacada por Jorge R. Novais, no sentido de que ametódica mais correta consiste em aplicar ao universo dos direitosfundamentais (incluindo, portanto, o direito ao ambiente) a teoria geral quedispõe sobre os limites e restrições dos direitos fundamentais, em vez detratar os direitos sociais como se não fossem fundamentais ou mesmoconstituíssem um grupo distinto a merecer uma tutela diferenciada 419.Com base em tais considerações, a proibição de retrocesso também passa aincidir como regime de salvaguarda do direito fundamental ao ambiente.

Assim, considerando que a proibição de retrocesso em matéria de proteçãoe promoção dos DESCA guarda relação com a previsão expressa de umdever de progressiva realização contido em cláusulas vinculativas de direitointernacional, poder-se-á afirmar que pelo menos tanto quanto proteger opouco que há em termos de direitos sociais e ecológicos efetivos, há quepriorizar o dever de progressiva implantação de tais direitos. Com efeito, oprogresso (em termos fáticos e normativos), aqui compreendido naperspectiva de um dever de desenvolvimento sustentável, necessariamenteconciliando os eixos econômico, social e ambiental, segue sendopossivelmente o maior desafio não apenas, mas especialmente, para EstadosConstitucionais tidos como periféricos ou em fase de desenvolvimento. Agarantia da proibição de retrocesso (socio)ambiental420, nessa perspectiva,seria concebida no sentido de que a tutela jurídica ambiental - tanto sob aperspectiva constitucional quanto infraconstitucional - deve operar de modoprogressivo no âmbito das relações socioambientais, a fim de ampliar aqualidade de vida existente hoje e atender a padrões cada vez maisrigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, não admitindo oretrocesso, em termos fáticos e normativos, a um nível de proteção inferioràquele verificado hoje. De acordo com Canotilho, “a liberdade deconformação política do legislador no âmbito das políticas ambientais tem

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menos folga no que respeita à reversibilidade político-jurídica da proteçãoambiental, sendo-lhe vedado adoptar novas políticas que traduzam emretrocesso retroactivo de posições jurídico-ambientais fortementeenraizadas na cultura dos povos e na consciência jurídica geral”421.

Não sem razão, o conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado noâmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento dasNações Unidas, por conta da publicação, no ano de 1987, do RelatórioNosso Futuro Comum, traz que o mesmo seria “aquele que atende àsnecessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraçõesfuturas atenderem a suas próprias necessidades”422. A ideia desustentabilidade está na razão de ser da proteção do ambiente, já que manter(e, em alguns casos, recuperar) o equilíbrio ambiental implica o usoracional e harmônico dos recursos naturais, de modo a não os levar ao seuesgotamento, e, consequentemente, à sua degradação. Até por uma questãode justiça entre gerações humanas, a geração presente teria aresponsabilidade de deixar como legado às gerações futuras condiçõesambientais idênticas ou melhores do que aquelas recebidas das geraçõespassadas, estando a geração vivente, portanto, vedada a alterar em termosnegativos as condições ecológicas, até por força do princípio da proibiçãode retrocesso (socio)ambiental e do dever (do Estado e dos particulares) demelhoria progressiva da qualidade ambiental.

De modo emblemático, esse parece ser o conteúdo consagrado na normainscrita no art. 37 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia(2000), quando dispõe que “todas as políticas da União devem integrar umelevado nível de proteção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, eassegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável”. Apartir da ideia de um “nível elevado” de proteção ecológica e de umamelhoria da qualidade ambiental, além da evidente proibição de retrocessoslegislativos ou administrativos, também se configura o dever de umamelhoria dos níveis de proteção ecológica. O desrespeito a tal diretriznormativa colocaria a medida legislativa ou administrativa praticada peloEstado-Membro em confronto aberto com a Carta dos DireitosFundamentais. No plano internacional, resultou consignado no Princípio 27da Declaração do Rio de 1992 que “os Estados e os povos irão cooperar deboa-fé e imbuídos de um espírito de parceria para a realização dos

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princípios consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvimentoprogressivo do direito internacional no campo do desenvolvimentosustentável”423.

No ordenamento jurídico brasileiro, em sintonia com tal contexto normativointernacional e comparado, verifica-se também, em diversos diplomas, aadoção de um princípio (ou dever) de melhoria progressiva da qualidadeambiental424. O nosso “Código Ambiental”, ou seja, a Lei da PolíticaNacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), de forma bastante clara,seguiu tal diretriz normativa e consagrou, no seu art. 22, caput, “que aPolítica Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visandoassegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aosinteresses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vidahumana”425. Outro exemplo é verificado no caso do direito ao saneamento,onde resultou consagrada de forma expressa na Lei da Política Nacional deSaneamento Básico (Lei n. 11.445/2007), art. 32, III, que, por meio doobjetivo de universalização das políticas públicas para o setor, deve-secontemplar a “ampliação progressiva do acesso de todos os domicíliosocupados ao saneamento básico”. Assim, no tocante às medidas legislativase políticas públicas levadas a cabo para a efetivação do direito fundamentalao saneamento básico, típico direito fundamental de feição socioambiental,deve o Legislador - e, em certa medida, também o Administrador - atentarpara a garantia constitucional da proibição de retrocesso (socio)ambiental,conforme resulta expresso na norma em comento.

Seguindo na análise da legislação brasileira, é importante destacar, ainda,que há um déficit em termos de proteção ambiental existente hoje, namedida em que, como é visível na questão do aquecimento global, impõem-se medidas no sentido de “recuar” em termos de práticas poluidoras -porexemplo, reduzir as emissões dos gases geradores do efeito estufa -, nãosendo suficiente apenas impedir que tais práticas sejam ampliadas. Emsintonia com tal entendimento, com o intuito de fazer com que as práticaspoluidoras “recuem” - através da “redução dos impactos” da ação humanasobre o ambiente - e a qualidade ambiental melhore de forma progressiva, aLei da Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC (Lei n.12.187/2009), que, além de enunciar, no caput do art. 32, como diretrizes

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para a questão climática, a consagração dos princípios da precaução, daprevenção, da participação cidadã e do desenvolvimento sustentável - bemcomo do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas,aplicado no âmbito internacional -, estabelece, no mesmo artigo citado,inciso I, que “todos têm o dever de atuar, em benefício das presentes efuturas gerações, para a redução dos impactos decorrentes dasinterferências antrópicas sobre o sistema climático”.

No caso especialmente da legislação ambiental que busca dar operatividadeao dever constitucional de proteção do ambiente, há que se assegurar a suablindagem contra retrocessos que a tornem menos rigorosa ou flexível, nãoadmitindo que voltem a ser adotadas práticas poluidoras hoje proibidas,assim como buscar sempre um nível mais rigoroso de proteção,considerando especialmente o déficit legado pelo nosso passado e um“ajuste de contas” com o futuro, no sentido de manter um equilíbrioambiental também para as futuras gerações. O que não se admite, até porum critério de justiça (equidade e solidariedade) entre gerações humanas, éque sobre as gerações futuras recaia integralmente o ônus do descasoecológico perpetrado pelas gerações presentes e passadas. Quanto a esseponto, verifica-se que a noção da limitação dos recursos naturais tambémcontribui para a elucidação da questão, uma vez que boa parte dos recursosnaturais não é renovável, e, portanto, tem a sua utilização limitada e sujeitaao esgotamento. Assim, torna-se imperativo o uso racional, equilibrado eequânime dos recursos naturais, no intuito de não agravar de forma negativaa qualidade de vida e o equilíbrio dos ecossistemas, comprometendo a vidadas futuras gerações. Investir na proibição de retrocesso e correlataproibição de proteção insuficiente em matéria de tutela do meio ambiente,constitui, portanto, tarefa urgente para o jurista e os assim designadosoperadores do Direito, para além dos demais atores envolvidos.

A doutrina, sensível à questão e, sobretudo, à atual tendência de“flexibilização” da legislação ambiental, o que se vê de modo preocupanteno caso brasileiro, tem caminhado no sentido de consagrar a vertenteecológica do princípio da proibição de retrocesso, inclusive a pontos dereconhecê-lo como um novo princípio geral do Direito Ambiental. Nessesentido, Antônio H. Benjamin assinala que a proibição de retrocesso“transformou-se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na

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avaliação da legitimidade de iniciativas legislativas destinadas a reduzir opatamar de tutela geral do meio ambiente, mormente naquilo que afete emparticular: a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas frágeis ou àbeira de colapso e c) espécies ameaçadas de extinção”426. Carlos A.Molinaro, por sua vez, assevera que o princípio em questão afirma umaproposição empírica de que, por intermédio de uma eleição valiosa de nossaexistência e de uma avaliação intergeracional, não é permitido que seretroceda a condições ambientais prévias àquelas que se desfrutam naatualidade427. Canotilho, da mesma forma, destaca que a consagraçãoconstitucional do ambiente como tarefa ou fim do Estado determina aproibição de retrocesso ecológico, determinando que “a água, os solos, afauna, a flora, não podem ver aumentado o ‘grau de esgotamento’, surgindoos ‘limites do esgotamento’ como limite jurídico-constitucional daliberdade de conformação dos poderes públicos”428. De modocomplementar, Orei B. Teixeira assinala que o princípio da proibição deretrocesso ecológico encontra assento constitucional e visa inviabilizar todae qualquer medida regressiva em desfavor do ambiente, impondo limites àatuação dos poderes públicos, bem como autorizando a intervenção doPoder Público para impedir o retrocesso, quer por medidas de políciaadministrativa quer por meio de decisões judiciais. Nesse contexto, concluique o direito fundamental ao ambiente “só é modificável

in mellius e não in pejus, uma vez que é expressão da sadia qualidade devida e da dignidade da pessoa humana”429.

A título de exemplo hipotético de medida legislativa retrocessiva, podemosimaginar, tomando como parâmetro o referencial normativo da Lei n.6.938/81, nova lei visando afastar a responsabilidade objetiva do poluidorpela reparação ou indenização do dano ecológico causado (art. 14, § l2) oumesmo a relativização ou extinção de institutos basilares do DireitoAmbiental brasileiro, como é o caso do licenciamento ambiental, do estudode impacto ambiental, das unidades de conservação, das áreas depreservação permanente e da reserva legal. Em casos mais extremos,poderiamos pensar até mesmo na supressão de algum dispositivoconstitucional ambiental com o mesmo propósito de retirar o rigornormativo da proteção hoje existente. Ou seja, estamos tratando deinstitutos jurídicos que conformam a essência do Direito Ambiental

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brasileiro, e que foram consolidados ao longo de uma caminhada legislativade pelo menos três décadas. A proibição de retrocesso, por esse prisma,reflete na salvaguarda normativa de tais institutos, vedando a atuaçãolegislativa erosiva e flexibilizadora dos mesmos.

Na medida em que a proibição de retrocesso (socio)ambiental se colocacomo “blindagem protetiva” em face da atuação dos poderes públicos, noâmbito das suas funções legislativa, administrativa e judiciária, pode-seconceber a sua incidência sobre a própria estrutura administrativa eorganizacional do Estado voltada à promoção de determinado direitofundamental. Com base em tal entendimento, determinado atoadministrativo que culminasse por reduzir em demasia - portanto, de formadesproporcional - a estrutura administrativa hoje existente para a tutelaecológica (por exemplo, o enxugamento ou mesmo extinção do IBAMAsem a criação de órgão ambiental equivalente), impossibilitando afiscalização e a adoção de políticas públicas ambientais de modominimamente suficientes para salvaguardar tal direito fundamental, estariapor violar a proibição de retrocesso socioambiental (além da proibição deproteção insuficiente) e a medida administrativa em questão estaria eivadade inconstitucionalidade.

Em sintonia com esse entendimento, Anísio Gavião Filho aponta para aaplicação da proibição de retrocesso no âmbito da perspectivaorganizacional e procedimental dos direitos fundamentais, o queimpossibilitaria um “enxugamento” da estrutura administrativa posta hojeno Estado brasileiro para dar efetivação ao direito fundamental ao ambiente.Conforme afirma o autor, a estrutura administrativo-organizacional doEstado Constitucional Ambiental brasileiro está orientada no sentido darealização do direito fundamental ao ambiente, notadamente peladistribuição de sua atuação política e administrativa para as três entidadesfederativas com a fixação de um órgão nacional. Tal “organização”, que dáforma ao direito à organização, encontra-se protegida pela proibição deretrocesso, o que acarreta a impossibilidade de o Estado extinguir os órgãosambientais, salvo criando outros com a mesma ou superior eficácia, já que anão consideração de tal situação pode implicar violação de posiçõesjurídicas fundamentais em matéria ambiental, passível de correção pela viajudicial por intermédio dos mecanismos disponíveis, tais como a ação

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popular, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade, a açãode inconstitucionalidade por omissão e o mandado de segurança, dentreoutros que poderíam ser colacionados430.

Por força da proibição de retrocesso, não é possível engessar a açãolegislativa e administrativa, portanto, não é possível impedir ajustes emesmo restrições. Do contrário - e quanto ao ponto dispensam-se maioresconsiderações - a proibição de retrocesso poderia até mesmo assegurar aosdireitos socioambientais uma proteção mais reforçada do que ahabitualmente empregada para os direitos civis e políticos, em que, emprincípio, se parte do pressuposto de que não existem direitosabsolutamente imunes a qualquer tipo de restrição, mormente parasalvaguarda eficiente (do contrário, incidiría a proibição de proteçãoinsuficiente) de outros direitos fundamentais e bens de valorconstitucional431. Ao analisar a proibição de retrocesso ambiental (ouprincípio da não regressão, como prefere), Michel Prieur assinala que “aregressão não deve, jamais, ignorar a preocupação de tornar cada vez maisefetivos os direitos protegidos. Enfim, o recuo de um direito não pode iraquém de certo nível, sem que esse direito seja desnaturado. Isso dizrespeito tanto aos direitos substanciais como aos direitos procedimentais.Deve-se, assim, considerar que, na seara ambiental, existe um nível deobrigações jurídicas fundamentais de proteção, abaixo do qual toda medidanova deveria ser vista como violando o direito ao ambiente”432. Em outraspalavras, não se deixa de admitir uma margem de discricionariedade dolegislador em matéria ambiental, mas, como bem colocado por Prieur,existem fortes limites à adoção de medidas restritivas no tocante aosdireitos ecológicos, tanto pelo prisma material quanto processual (ouprocedimental).

Assumindo como correta a tese de que a proibição de retrocesso não podeimpedir qualquer tipo de restrição a direitos socioambientais, parte-se aquida mesma diretriz que, de há muito, tem sido adotada no plano da doutrinaespecializada, notadamente a noção de que sobre qualquer medida quevenha a provocar alguma diminuição nos níveis de proteção (efetividade)dos direitos fundamentais recai a suspeição de sua ilegitimidade jurídica,portanto, na gramática do Estado Constitucional, de suainconstitucionalidade, acionando assim um dever no sentido de submeter

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tais medidas a um rigoroso controle de constitucionalidade433, em queassumem importância os critérios da proporcionalidade (na sua dupladimensão anteriormente referida), da razoabilidade e do núcleo essencial(com destaque para o conteúdo “existencial”) dos direitos socioambientais,sem prejuízo de outros critérios, como é o da segurança jurídica e dos seusrespectivos desdobramentos. Assim, ganha destaque a já retratada noção deque no campo da edição de atos legislativos e administrativos que afetam oâmbito de proteção dos direitos socioambientais, é preciso ter semprepresente que tanto o legislador quanto o administrador encontram-sevinculados às proibições de excesso e de insuficiência de proteção,portanto, deverão observar as exigências internas da proporcionalidade,quais sejam, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade emsentido estrito, bem como da razoabilidade, que aqui não serão objeto deaprofundamento434, mas que são - juntamente com a segurança jurídica(em especial a proteção da confiança e a tutela dos direitos adquiridos)reconhecidos por expressiva doutrina como indispensáveis também aocontrole de medidas restritivas em matéria de direitos sociais eecológicos435.

A garantia constitucional da proibição de retrocesso (socio)ambiental (ouecológico, como preferem alguns), conforme já anunciamos anteriormente,tem ganhado cada vez mais destaque no cenário jurídico brasileiro, tanto doponto de vista doutrinário436 quanto jurisprudencial437. De tal sorte, agarantia (e princípio) constitucional em análise assume importância ímparna edificação do Estado Socioambiental de Direito, pois opera comoinstrumento jurídico apto a assegurar, em conjugação com outroselementos, níveis normativos mínimos em termos de proteção jurídica doambiente, bem como, numa perspectiva mais ampla, de tutela da dignidadeda pessoa humana e do direito a uma existência digna, sem deixar de lado aresponsabilidade para com as gerações humanas vindouras. Nessa quadra,cabe invocar a valiosa lição de Peter Hãberle, ao afirmar que, à luz de umadogmática constitucional comprometida com a dignidade e os direitosfundamentais, na planificação dos modelos de Estado de Direito, existe uma“garantia cultural do status quo”, que aponta para determinados conteúdosirrenunciáveis para o Estado Constitucional438, ou seja, conquistas levadasa cabo ao longo da caminhada histórica da humanidade e consolidadas noseu patrimônio jurídico-político fundamental não podem ser submetidas a

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um retrocesso, de modo a fragilizar a tutela da dignidade da pessoa humanae dos direitos fundamentais, mas, pelo contrário, objetivam a continuidadedo projeto da modernidade no sentido de elevar cada vez mais o espíritohumano. Tal formulação, como é fácil perceber, ajusta-se como uma luva àideia que subjaz ao princípio de proibição de retrocesso (socio)ambiental,tendo em vista sempre a busca de uma salvaguarda cada vez mais ampla equalificada da dignidade da pessoa humana e dos correlatos direitosfundamentais, com destaque para a nova conformação constitucional dosdireitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA)439.

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NOTAS1 Para um registro jornalístico sobre o desastre de Mariana, ver:<http://wwwl.folha.uol.com.br/especial/2015/tragedia-no-rio-doce/>.

2 Disponível em:<http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html>.

3 Droit de I’Environenment. 6. ed. Paris: Dalloz, 2011.

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4 MACHADO, Paulo A. Leme. Direito ambiental brasileiro. 24. ed.São Paulo: Malheiros, 2017.

5 TJSP, AI 560.154-5/5, Seção de Direito Público, Câmara Especial doMeio Ambiente, Rei. Des. Renato Nalini, j. 14-12-2006.

6 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo:Malheiros, 2008.

7 ÁVILA, Humberto B. Teoria dos princípios: da definição àaplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros,

2004.

8 STRECK, Lênio L. Hermenêutica jurídica em crise. 10. ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2010.

9 Dentre tantos, v. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normasconstitucionais, São Paulo: Revista dos Tribunais, cuja primeira ediçãoremonta ao constitucionalismo anterior (1967-69), tendo sido reeditadavárias vezes, mediante a devida atualização e adequação ao textoconstitucional de 1988; BARROSO, Luís Roberto. O direitoconstitucional e a efetividade de suas normas. 8. ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2006; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitosfundamentais. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015 (aprimeira edição de 1998); BARCELLOS, Ana Paula de. A eficáciajurídica dos princípios constitucionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,2008 (primeira edição de 2001), bem como SILVA, Virgílio A. da.Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed.São Paulo: Malheiros, 2010.

10 Dentre tantos, v. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição,direitos fundamentais e direito privado. 3. ed., Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2011. Especificamente acerca da eficácia do direitofundamental ao ambiente nas relações particulares, v.FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção doambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco

Page 248: Sarlet, Ingo Wolfgang ISBN 9788547218607

jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 245-252.

11 Tratando sobre o “diálogo das fontes normativas” no âmbito doDireito Ambiente e do “protagonismo” do Direito Internacional namatéria, v. SARLET, Ingo W; FENSTERSEIFER, Tiago. Direitoambiental: introdução, fundamentos e teoria geral. São Paulo: Saraiva,2014, especialmente p. 339-348.

12 V. Declaração Mundial sobre o Estado de Direito Ambiental (WorldDeclaration on the Environmental Rule of Law) da IUCN (2016).

13 Em sede de produção monográfica, v. MOLINARO, CarlosAlberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007. V. BENJAMIN, Antonio Herman.“Princípio da proibição de retrocesso ambiental”. In: COMISSÃO DEMEIO AMBIENTE, DEFESA DO CONSUMIDOR EFISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO SENADO FEDERAL (Org.). Oprincípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasília: SenadoFederal/CMA, 2012, p. 62. No âmbito do direito comparado, v.CHACON, Mario Pena (Edit.). El principio de no regresión ambientalen Iberoamérica. Gland (Suiça): UICN - Union Internacional para laConservación de la Naturaleza/Programa de Derecho Ambiental, 2015.Disponível em:<https://portals.iucn.org/library/sites/library/iiles/documents/EPLP-084.pdf>.

14 V. STJ, REsp 302.906/SP, 2- Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j.26-8-2010. Mais recentemente, o princípio da proibição de retrocessoambiental foi utilizado na fundamentação de decisão monocrática doMin. Luís Roberto Barroso, proferida em 11-3-2016, no âmbito daADI 5.447/DF, a fim de reverter atos administrativos federais quesuspenderam períodos de defeso (proibição temporária à atividadepesqueira para preservação de espécies).

15 V. a síntese de CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional eteoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1159 e s.,com base nas teorizações de Ronald Dworkin e Robert Alexy.

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16 Dentre tantos, v., especialmente, FREITAS, Juarez. O controle dosatos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed., São Paulo:Malheiros, 2013; FRANÇA, Phillip Gil. O controle da AdministraçãoPública: tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento.2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

17 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2004. Na jurisprudência do STJ, aplicando ainterpretação sistemática à norma ambiental e ao sistema jurídico deproteção ambiental à luz dos seus princípios reitores, destaca-se aseguinte decisão (seguida de diversas outras similares): “PROCESSOCIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARATUTELA DO MEIO AMBIENTE. (...). INTERPRETAÇÃOSISTEMÁTICA. ART. 225, § 32, DA CF/88, ARTS. 22 E 4S DA LEI6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC.PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DAREPARAÇÃO INTEGRAL. (...) 2. O sistema jurídico de proteção aomeio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, §3°) e infraconstitucionais (Lei n. 6.938/81, arts. 2- e 4a), está fundado,entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e dareparação integrar (...) (grifos nossos) (STJ, REsp 625.249/PR, lâTurma, Rei. Min. Luiz Fux, j. 15-8-2006).

18 Na jurisprudência do STJ, acerca do princípio in dubio pro natura,v., entre outros julgados: REsp 1.114.893/MG, 2a Turma, Rei. Min.Herman Benjamin, j. 16-3-2010; e REsp 1.367.923 /RJ, 2a Turma, Rei.Min. Humberto Martins, j. 27-8-2013. Defendendo em sededoutrinária o reconhecimento do princípio in dubio pro ambiente,inclusive à luz de uma hermenêutica jurídica ecológica, v.BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica jurídicaambiental. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 265. Outra vertente do referidoprincípio pode ser identificada no princípio da primazia dos interessesfuturos, tomando por base a proteção das futuras gerações (RAMOSJR., Dempsey Pereira. Meio ambiente e conceito jurídico de futurasgerações. Curitiba: Juruá, 2012, p. 369 e ss.).

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19 V. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacionalpúblico. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 914.

20 STJ, REsp 1.454.281/MG, 2- Turma, Rei. Min. Herman Benjamin,j. 16-8-2016.

21 V., por todos, NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria doEstado de Direito: do Estado de Direito liberal ao Estado social edemocrático de Direito. Coimbra: Faculdade de Direito daUniversidade de Coimbra, 1987.

22 A Comissão Mundial de Direito Ambiental da IUCN, por ocasiãodo 1- Congresso Internacional de Direito Ambiental da IUCN,realizado entre os dias 27 e 29 de abril de 2016, na Cidade do Rio deJaneiro, elaborou a Declaração Mundial sobre o Estado de DireitoAmbiental (World Declaration on the Environmental Rule of Law),estabelecendo os seus fundamentos, princípios gerais e meios deimplementação. Disponível em: <http://welcongress.org/wp-content/uploads/2016/10/Draft-World-Declaration-on-the-Environmental-Rule-of-Law-2016.pdf>.

23 Adotando a expressão Estado Pós-Social, v. PEREIRA DA SILVA,Vasco. Verde cor de direito: lições de Direito do Ambiente. Coimbra:Almedina, 2002, p. 24; PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza esociedade: o direito do ambiente em Portugal. Lisboa: Cadernos doCentro de Estudos Judiciários, 1996, p. 27; e SARMENTO, Daniel.“Os direitos fundamentais nos paradigmas Liberal, Social e Pós-Social(Pós-modernidade constitucional?)”. In: SAMPAIO, José AdércioLeite (Coord.). Crise e desafios da Constituição: perspectivas críticasda teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: DelRey, 2003, p. 375-414.

24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado ConstitucionalEcológico e democracia sustentada. In: SARLET, Ingo Wolfgang(Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direitoconstitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro/São Paulo:Renovar, 2003, p. 493-508, e STEINBERG, Rudolf. Der õkologischeVerfassungsstaat. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998.

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25 MORATO LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo. Danoambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial (teoria e prática).3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 39-49; e, do mesmoautor, MORATO LEITE, José Rubens. Estado de Direito do Ambiente:uma difícil tarefa. In: MORATO LEITE, José Rubens (Org.).Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux,2000, p. 13-40.

26 BOSSELMANN, Klaus. Im Namen derNatur: der Weg zumÕkologischen Rechtsstaat. Berna: Scherz, 1992.

27 SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e direitosfundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

28 HÃBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento dacomunidade estatal. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensõesda dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 128.

29 KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? Atransformação do sistema político e econômico da República Federalda Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde aperspectiva da ciência jurídica. In: SARLET, Ingo W. (Org.). EstadoSocioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre, Livraria doAdvogado, 2010, p. 39-72; e CALLIESS, Christian. Rechtsstaat undUmweltstaat: Zugleich ein Beitrag zur Grundrechtsdogmatik imRahmen mehrpoliger Verfassung: Tubingen: Mohr Siebeck, 2001.

30 PORTANOVA, Rogério. Direitos humanos e meio ambiente: umarevolução de paradigma para o Século XXL In: BENJAMIN, AntônioHerman (Org.). Anais do 6- Congresso Internacional de DireitoAmbiental (10 anos da ECO-92: o Direito e o desenvolvimentosustentável). São Paulo: Instituto O Direito por um PlanetaVerde/Imprensa Oficial, 2002, p. 681-694.

31 ECKERSLEY, Robyn. The Green State: Rethinking Democracyand Sovereignty. London: MIT Press, 2004.

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32 HUSTER, Stephan; e RUDOLPH, Karsten (Orgs.). VomRechtsstaat zum Prdventionsstaat. Frankfurt am Main: Suhrkamp,2008.

33 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: o direito ao futuro. BeloHorizonte: Editora Fórum, 2011, p. 278 e s.

34 SARLET, Ingo W. (Org.). Estado Socioambiental e direitosfundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

35 No tocante à fundamentação ético-íilosófica do EstadoSocioambiental, v. TEIXEIRA, Orei P. Bretanha. A fundamentaçãoética do Estado Socioambiental. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.

36 DIAS, Maria Clara. Os direitos sociais básicos: uma investigaçãofilosófica da questão dos direitos humanos. Coleção Filosofia, n. 177.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 93-94.

37 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed.São Paulo: Malheiros, 2003, p. 26-27.

38 HÀBERLE, A dignidade humana como fundamento..., p. 130.

39 GOLDBLAT, David. Teoria social e ambiente. Lisboa: InstitutoPiaget, 1996, p. 237.

40 Entre a farta literatura sobre os deveres de proteção (e direitos àproteção), v., para uma abordagem geral, por todos, ALEXY, Teoriados direitos fundamentais..., p. 450 e s.; e, especificamente sob a óticados riscos tecnológicos e ambientais, PASCUAL, Gabriel Domenéch.Derechos fundamentales y riesgos tecnológicos. Madrid: Centro deEstúdios Políticos y Constitucionales, 2006.

41 Entre outros, v. a coletânea organizada por HUSTER, Stephan; eRUDOLPH, Karsten (Orgs.). Vom Rechtsstaat zum Prãventionsstaat.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2008.

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42 HÀBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789 comohistoria, actualidad y futuro del Estado constitucional. Madrid:Editorial Trotta, 1998, p. 53.

43 HÀBERLE, A dignidade humana como fundamento..., p. 102.

44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, associacionismoe publicismo no direito do ambiente: ou o rio da minha terra e asincertezas do direito público. In: Textos 'Ambiente e Consumo”,Volume I. Lisboa: Centro de Estudos Jurídicos, 1996, p. 156.

45 TEIXEIRA, Orei Paulino Bretanha. O direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2006, p. 104. A adoção de “tributosecológicos” é um bom exemplo dessa intervenção estatal com opropósito de implementar uma “economia verde”, em sintonia com oprincípio do desenvolvimento sustentável. Na doutrina acerca datributação ambiental, v. MONTERO, Carlos Eduardo Peralta.Tributação ambiental: reflexões sobre a introdução da variávelambiental no sistema tributário. São Paulo: Saraiva, 2014.

46 PINA, Antonio López. Prólogo à obra de HÀBERLE, Libertad,igualdad, fraternidad..., p. 15.

47 HÀBERLE, Libertad, igualdad, fraternidad..., p. 58.

48 PUREZA, Tribunais, natureza e sociedade..., p. 27.

49 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. CadernosDemocráticos, n. 7. Fundação Mário Soares. Lisboa: Gradiva, 1998, p.23.

50 Idem, p. 44.

51A respeito das mudanças institucionais (por exemplo, o fortalecimentodas agencias estatais ambientais) e adoção, pelos Estados, de mecanismoslegais voltados à proteção ambiental, v. Relatório Nosso Futuro Comum

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(Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento). 2. ed. SãoPaulo: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991, p. 351 e s.

52 Diante de possíveis conflitos entre os direitos fundamentais dediferentes dimensões, Vasco Pereira da Silva alerta para que “osvalores ético-jurídicos da defesa do ambiente não esgotam todos osprincípios e valores do ordenamento jurídico, pelo que a realização doEstado de Direito Ambiental vai obrigar à conciliação dos direitosfundamentais em matéria de ambiente com as demais posiçõesjurídicas subjetivas constitucionalmente fundadas, quer se trate dedireitos da primeira geração, como a liberdade e a propriedade, quer setrate de direitos fundamentais da segunda geração, como os direitoseconômicos e sociais (o que, entre outras coisas, tem também comoconsequência que a preservação da natureza não significa pôr emcausa o desenvolvimento econômico ou, ironizando, não implica o‘retorno à Idade da Pedra’)”. PEREIRA DA SILVA, Verde cor dedireito..., p. 28.

53 A abordagem jurídica socioambiental, inclusive com a referênciaexpressa à ocorrência de “danos socioambientais”, foi levada a efeitopelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de conflito decompetência que envolve um dos maiores desastres ambientais danossa história, ou seja, o rompimento da barragem de rejeitos demineração da Empresa Samarco no Município de Mariana, no Estadode Minas Gerais, ocorrido no ano de 2015 (STJ, CC 144.922/MG, 1-Seção, Rei. Min. Diva Malerbi, Desembargadora convocada do TRFda 3- Região, j. 22-6-2016).

54 A respeito da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, v.SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 142 e s.; e,especificamente sob o enfoque do direito fundamental ao ambiente, v.FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção doambiente..., p. 189 e s.

55 Registra-se, nesse contexto e dada a relevância da questão, apossibilidade de órgãos vinculados à estrutura do Poder Executivotambém exercerem o poder normativo, como é o caso, no cenário

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político-ambiental brasileiro, do Conselho Nacional do MeioAmbiente (CONAMA), por conta do que dispõe o art. 6-, II, da Lei n.6.938/81. No diploma em comento, o CONAMA é caracterizado como“órgão consultivo e deliberativo”, com a finalidade de “assessorar,estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticasgovernamentais para o meio ambiente e os recursos naturais edeliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrõescompatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado eessencial à sadia qualidade de vida” (Redação dada pela Lei n.8.028/90) (grifos nossos).

56 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.857.

57 De acordo com tal entendimento, v. BONAVIDES, Paulo. Teoriaconstitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros,2001.

58 Alinhado com tal abordagem do sistema federativo brasileiro,Augusto Zimmermann pontua que “além da perspectiva democrática, ofederalismo vem a ser descentralizador para a aproximação dosindivíduos com o poder político, destarte ser garantido aos entesfederativos descentrais o status privilegiado da autonomia política. Poresta, os níveis autônomos da Federação podem livremente dispor(dentro de seus limites constitucionais) de poderes legislativospróprios, de organizações jurisdicionais adaptadas às respectivascomunidades e, por fim, de órgãos administrativos independentes. Demaneira genérica, a descentralização realiza um processodiversificador do poder estatal, aproximando o cidadão das fontes deatuação governamental, que estão assim estabelecidas em diferenteslocalidades”. ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismodemocrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 151-152.

59 O modelo federativo cooperativo pode ser exemplificado, noâmbito comparado, a partir do regime constitucional de competênciasestabelecido na Lei Fundamental alemã de 1949 (especialmente art. 70e s.), onde, de modo similar ao que se verifica na CF/88 (art. 23), há,

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inclusive em matéria ambiental, a previsão de uma distribuiçãoconcorrente, entre os entes federativos, da competência legislativa (art.72). Para maiores desenvolvimentos, inclusive tomando por base areforma federativa constitucional de 2006 (Fôderalismusreform), v.JARASS, Hans D.; PIEROTH, Bodo. Grundgesetz fur dieBundesrepublik Deutschland Kommentar. 9. ed. Munique: Verlag C. H.Beck, 2007, especialmente p. 759 e ss.

60 Para maiores desenvolvimentos sobre o regime constitucional dedistribuição de competências (legislativas e administrativas) emmatéria ambiental, v. SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago.Direito constitucional ambiental: Constituição, direitos fundamentais eproteção do ambiente. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014,p. 154-228.

61 A expressão aparece no voto do Ministro Carlos Ayres Brittolançado no julgamento da ADI 3.357/RS (Caso do Amianto).

62 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 478. O princípio dapredominância do interesse foi utilizado como fundamento pelo STJno julgamento do Recurso Especial n. 592.682/RS, onde se discutiuconflito legislativo entre norma federal e norma estadual a respeito daexigência (imposta pela legislação estadual) de Estudo de ImpactoAmbiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) paraatividades envolvendo Organismos Geneticamente Modificados(OGMs). Na decisão em comento, sem dúvida objeto de polêmica emrazão do viés permissivo dado à atividade que carrega substancial riscode dano ambiental, resultou consignado que “a regulamentação dasatividades envolvendo OGMs através de lei federal, que define asregras de caráter geral, homenageia o princípio da predominância dointeresse, na medida em que o controle e a fiscalização dessasatividades não se limita ao interesse regional deste ou daquele Estado-membro, mas possui indiscutível alcance nacional” (grifos nossos)(STJ, REsp 592.682/RS, 1- T, Rei. Min. Denise Arruda, j. 6-12-2005).

63 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reforça talentendimento: “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL

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PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE PASSIVA.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. IBAMA. DEVER DEFISCALIZAÇÃO. OMISSÃO CARACTERIZADA. 1. Tratando-se deproteção ao meio ambiente, não há falar em competência exclusiva deum ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-seamplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entesfederados, independentemente do local onde a ameaça ou o danoestejam ocorrendo. 2. O Poder de Polícia Ambiental pode - e deve -ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata decompetência comum, prevista constitucionalmente. Portanto, acompetência material para o trato das questões ambiental é comum atodos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes defiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever deagir imediatamente, obstando a perpetuação da infração. 3. Nostermos da jurisprudência pacífica do STJ, a responsabilidade por danoambiental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causadosaquele que tenha contribuído apenas que indiretamente para aocorrência da lesão. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg noREsp 1.417.023/PR, 2- Turma, Rei. Min. Humberto Martins, j. 18-8-2015).

64 Para maiores desenvolvimentos sobre a questão das competênciasconstitucionais (legislativa e executiva) em matéria ambiental,remetemos o leitor ao capítulo específico sobre o tema do nossoDireito constitucional ambiental. 5. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2017.

65 MATEO, Ramón Martin. Manual de derecho ambiental. 3. ed.Navarra: Editorial Thomson/Aranzadi, 2003, p. 43.

66 Idem, p. 43.

67 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismodemocrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 201.

68 BAGGIO, Roberta Camineiro. Democracia, republicanismo eprincípio da subsidiariedade: em busca de um federalismo social. In:Revista Direito e Democracia da ULBRA, vol. 5, n. 2, 2004, p. 335.

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69 MATEO, Manual de derecho ambiental..., p. 50.

70 V. o art. I da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Sãodotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outrascom espírito de fraternidade”.

71 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura e outros textos filosóficos(Coleção Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 229.

72 Sobre este tópico, v. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade dapessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de1988. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 87 es.

73 Idem, p. 85.

74 Idem, p. 68.

75 Entre outros fundamentos aptos a justificar a defesa de um EstadoSocioambiental, verifica-se que há todo um percurso social,econômico, político, cultural e jurídico não concluído pelo EstadoSocial, ao que se agrega hoje a proteção ambiental. Para maioresdesenvolvimentos, v. SARLET, Ingo W. (Org.). Estado Socioambientale direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

76 HÃBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento dacomunidade estatal. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensõesda dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 116.

77 Quanto ao desenvolvimento teórico da dignidade como limite etarefa do Estado, da comunidade e dos particulares, v. SARLET,Dignidade da pessoa humana..., especialmente p. 126-134.

78 A noção de uma dignidade socialmente contextualizada, no sentidoda dignidade atribuída ao ser humano não como um indivíduo egoístae possessivo, mas socialmente vinculado e responsável, marcou, desde

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o seu primórdio, a jurisprudência constitucional alemã. Nesse sentido,v., em caráter meramente ilustrativo, decisão prolatada pelo TribunalConstitucional Federal da Alemanha, em 8-11-2006 (BVerfGE 117, p.89), de acordo com a qual “o indivíduo consiste em personalidade quese desenvolve no âmbito da comunidade social A tensão existenteentre o indivíduo e a comunidade foi resolvida no âmbito da ordemconstitucional no sentido da afirmação de uma vinculação social ecomunitária do indivíduo, de modo que o indivíduo deve tolerarrestrições na esfera dos seus direitos fundamentais, com vistas aassegurar bens de matriz comunitária” (tradução livre dos autores).

79 ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. Vida digna: direitos, ética eciência. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). O Direito àVida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 78.

80 Para maior desenvolvimento sobre o direito-garantia ao mínimoexistencial ecológico, v. FENSTERSEIFER, Direitos fundamentais eproteção do ambiente..., p. 264 e s.

81 A partir da leitura que faz da obra de Ulrich Beck, David Goldblatafirma que “os perigos ecológicos colocados por acidentes nuclearesem grande escala, pela liberação de químicos em grande escala e pelaalteração e manipulação da composição genética da flora e da fauna doplaneta colocam a possibilidade de autodestruição”. GOLDBLAT,“Teoria social e ambiente...”, p. 232.

82 Na doutrina brasileira, v. WEIS, Carlos. Direitos humanoscontemporâneos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 171-174;TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direitointernacional dos direitos humanos. 2. ed. Porto Alegre: Safe, 2003.vol. 1, p. 43; e SCHÀFER, Jairo. Classificação dos direitosfundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2005.

83 TRINDADE, Tratado de direito internacional..., p. 43.

84 No plano legislativo infraconstitucional, pode-se destacar, comodispositivo legal acolhedor da tese da indivisibilidade dos direitos

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fundamentais, o art. 4-, X, da Lei Orgânica Nacional da DefensoriaPública (Lei Complementar Federal 80/94, com redação dada pela LeiComplementar Federal 132/2009), ao dispor que cumpre à DefensoriaPública, enquanto função institucional, “promover a mais ampla defesados direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitosindividuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais,sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar suaadequada e efetiva tutela”. Tal fundamento normativo tem especialrelevância para o papel constitucional da Defensoria Pública, uma vezque, com o objetivo de tutelar e promover a dignidade dos indivíduos egrupos sociais necessitados, a instituição deve atuar da defesa de todosos direitos fundamentais de tais pessoas, de todas as diferentesdimensões (liberais, sociais e ecológicos).

85 O reconhecimento de um princípio da dignidade das futurasgerações é defendido por Dempsey P. Ramos Júnior, para quem “oprincípio da dignidade das futuras gerações funciona como ummecanismo de freios e contrapesos intergeracionais, uma espécie demuralha jurídica que serve de referência normativa para o juizpromover a ponderação de valores em um contexto intertemporal. Esseprincípio é o escudo protetor das futuras gerações contra as decisões dageração presente, que nem sempre são tomadas como olhar voltadopara o futuro” (RAMOS JÚNIOR, Dempsey P. Meio ambiente econceito jurídico de futuras gerações..., p. 368).

86 A Lei Complementar 140/2011 (competência administrativa emmatéria ambiental) também consagrou expressamente a vinculaçãoentre proteção ambiental e dignidade da pessoa humana no seu art. 3-,II, ao assinalar, como objetivo fundamental da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios, no exercício da competênciaadministrativa comum em matéria ambiental, “garantir o equilíbrio dodesenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente,observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza ea redução das desigualdades sociais e regionais”. Registra-se previsãoda Lei de Acesso ao Patrimônio Genético (Lei n. 13.123/2015), dandoconta da relação elementar entre a tríade “vida humana-dignidade-ambiente”. Além de estabelecer que a legislação em questão não se

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aplica ao patrimônio genético humano (art. 4°), o art. 5- do diplomaestabelece que “é vedado o acesso ao patrimônio genético e ao

conhecimento tradicional associado para práticas nocivas ao meio ambiente,à reprodução cultural e à saúde humana e para o desenvolvimento de armasbiológicas e químicas”.

87 A interação elementar entre vida, dignidade humana e proteçãoambiental pode ser identificada no âmbito do acesso ao patrimôniogenético. A nova Lei Acesso ao Patrimônio Genético (Lei n.13.123/2015), dispondo, entre outros temas, sobre a proteção e oacesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição debenefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade,assinala no seu art. 5- ser “vedado o acesso ao patrimônio genético eao conhecimento tradicional associado para práticas nocivas ao meioambiente, à reprodução cultural e à saúde humana e para odesenvolvimento de armas biológicas e químicas”.

88 Tem-se por dignidade humana “a qualidade intrínseca e distintivareconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmorespeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveresfundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer atode cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir ascondições existenciais mínimas para uma vida saudável, além depropiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nosdestinos da própria existência e da vida em comunhão com os demaisseres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres queintegram a rede da vida”. SARLET, Dignidade da pessoa humana..., p.70.

89 Em sintonia com tal entendimento, cumpre assinalar trechos dovoto da Min. Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça nojulgamento do REsp 1.120.117/AC sobre a imprescritibilidade dodever de reparação do dano ambiental, onde resultou consignado que alesão ao patrimônio ambiental “está protegida pelo manto daimprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamentale essencial à afirmação dos povos (...) antecedendo todos os demais

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direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer(...)” (STJ, REsp 1.120.117/AC, 2- Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, j.10-11-2009).

90 No campo filosófico, analisando o pensamento de diferentesautores sobre a questão da dignidade dos animais (não humanos), v.BRENNER, Andreas. Umweltethik: ein Lehr- und Lesebuch. Fribourg:Academic Press, 2008, p. 157 e s.

91 KANT, Crítica da razão pura..., p. 229.

92 A citação que segue registra de forma elucidativa o excessivoantropocentrismo do pensamento kantiano, sobre o qual se pretenderefletir e verificar neste estudo a sua pertinência e atualidade à luz dosnovos valores ecológicos que permeiam o pensamento contemporâneo.“Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade,mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas umvalor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo queos seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza osdistingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que nãopode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limitanessa medida todo o arbítrio (e é um objeto do respeito).” KANT,Crítica da razão pura..., p. 229.

93 Tais reflexões encontram-se também em SARLET, Dignidade dapessoa humana..., p. 39-41.

94 NUSSBAUM, Martha C. Beyond “Compassion and Humanity”:Justice for Nonhuman Animals. In: SUNSTEIN, Cass R.;NUSSBAUM, Martha C. (Orgs.). Animal Rights: Current Debates andNew Directions. Nova York: Oxford University Press, 2004, p. 306.

95 DESCARTES, René. Discurso do método; Meditações; Objeções erespostas; As paixões da alma; Cartas. 2. ed. São Paulo: AbrilCultural, 1979, p. 60.

96 Idem, p. 55.

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97 Idem, p. 61.

98 FERRY, Luc. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal, ohomem. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Ensaio, 1994, p. 29.

99 NAESS, Arne. Ecology, community and lifestyle: outline of anecosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p. 28.

100 V. UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano:ecologia e espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p.71 e s.

101 JONAS, Hans. O princípio da vida. Petrópolis: Editora Vozes,2004, p. 15.

102 SINGER, Peter. Libertação animal. Porto: Via Optima, 2000. Nadoutrina brasileira, a respeito do pensamento de Singer, v. o estudoreferencial de LOURENÇO, Daniel Braga. Direitos dos animais:fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio AntonioFabris Editor, 2008, p. 359-389.

103 Destaca-se que o texto foi originalmente proclamado em 1978,sendo, posteriormente, em 1989, revisado pela Liga Internacional dosDireitos dos Animais e tornado público na sua nova versão peloDiretor-Geral da UNESCO em 1990. Disponível em: http://league-animal-rights.org/en-duda.html.

104 Sobre a discussão a respeito da reforma constitucional suíça(1992) e o reconhecimento da dignidade dos animais por meio dainserção no texto constitucional da expressão “dignidade da criatura(Wurde der Kreatur)” contida no seu art. 24, v. KREPPER, Peter. ZurWurde der Kreatur in Gentechnik und Recht. Basel; Frankfurt amMain: Helbing und Lichtenhahn, 1998, especialmente p. 347-377. Porfim, registra-se que o art. 24 foi completamente incorporado na novaConstituição suíça de 2000, no seu art. 120 (2).

105 SALADIN, Peter. Die Wurde der Kreatur, Schriftenreihe UmweltNr. 260 (1994), S. 121. Apud BOSSELMANN, Klaus. Human rights

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and the environment: the search for common ground. In: Revista deDireito Ambiental, n. 23. São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul.-Set.,2001, p. 41. Do mesmo autor, v. BOSSELMANN, Klaus. Direitoshumanos, meio ambiente e sustentabilidade. In: SARLET, Ingo W.(Org.). Estado Socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2010, especialmente p. 104 e s.

106 V. FATHEUER, Thomas. Buen vivir: a brief introduction to LatinAmerica’s new concepts for the good life and the rights

of nature. Berlin: Fundação Heinrich Boll, 2011. Disponível em:

<https://www.boell.de/sites/default/files/Buen_Vivir_engl.pdf>.

107 “Art. 20a (Fundamentos naturais da vida). No âmbito da ordemconstitucional, o Estado protege as bases naturais da vida e os animais,tendo em conta também a sua responsabilidade para com as futurasgerações, por meio do poder legislativo, e segundo a lei e o Direito pormeio dos poderes executivo e judiciário” (tradução livre dos autores).Com relação à inclusão, através da reforma constitucional de 2002, daproteção dos animais (die Tiere) no art. 20a da Lei Fundamental alemã,v. JARASS, Hans D.; PIEROTH, Bodo. Grundgesetz fur dieBundesrepublik Deutschland (Kommentar). 9. ed. München: C. H.Beck, 2007, p. 515; e CASPAR, Johannes; GEISSEN, Martin. O art.20a da Lei Fundamental da Alemanha e o novo objetivo estatal deproteção dos animais. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS,Fernanda L. F.; SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago (Orgs.).A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além doshumanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Editora Fórum,2008, p. 473-492. Na doutrina brasileira, sobre a proteção dos animaisno direito alemão, v. MOLINARO, Carlos Alberto. Têm os animaisdireitos? Um breve percurso sobre a proteção dos animais no direitoalemão. In: SARLET, Ingo W. (Org.). Estado Socioambiental edireitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,especialmente p. 155-172.

108 BOSSELMANN, Klaus. Environmental rights and duties: theconcept of ecological human rights. Artigo apresentado no 10-

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Congresso Internacional de Direito Ambiental, em São Paulo, 5-8 dejunho de 2006, p. 18.

109 BOSSELMANN, Environmental rights and duties..., p. 12.

110 REGAN, Tom. Jaulas vazias: encarando o desafio dos direitos dosanimais. Porto Alegre: Lugano, 2006, p. 86.

111 SARLET, Dignidade da pessoa humana..., p. 64.

112 A respeito do especismo, v., dentre tantos, ARAÚJO, Fernando. Ahora dos direitos dos animais. Coimbra: Almedina, 2003, p. 35 e ss. e131 e ss.

113 Com o mesmo entendimento, inclusive aplicado à temática penalambiental e fundamentado na doutrina alemã, v. COSTA, HelenaRegina Lobo da. Proteção penal ambiental. São Paulo: Saraiva, 2010,p. 24-25.

114 SENDIM, José de Sousa Cunhai. Responsabilidade civil pordanos ecológicos: da reparação do dano através de restauração natural.Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 98 e s.

115 PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde cor de direito: lições deDireito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p. 29-30.

116 MORATO LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo.Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial (teoria eprática). 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 77.

117 A criminalização de condutas lesivas ao ambiente e mesmo doreconhecimento da Natureza como “sujeito passivo da criminalidade”são tratados por: SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius. O meioambiente (natural) como sujeito passivo dos crimes ambientais. In:Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 50. São Paulo, Revistados Tribunais, set./out., 2004, p. 57-90.

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118 A pena de reclusão de 1 a 5 anos também é aplicada para ahipótese dos crimes ambientais previstos nos arts. 35,40.

119 BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability:Transforming Law and Governance. Hampshire: Ashgate, 2008, p. 92-94.

120 LUTZENBERGER, José A. Por uma ética ecológica. In: BONES,Elmar; HASSE, Geraldo. Pioneiros da ecologia: breve história domovimento ambientalista no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: JáEditores, 2002, p. 190.

121 De modo a inserir a discussão sobre os direitos dos animais naperspectiva da Teoria da Justiça, v. NUSSBAUM, Martha C. Frontiersof justice. Cambridge: Harvard University Press, 2007, especialmentep. 325-407.

122 Talvez o dispositivo que expresse de forma mais adequada aconcepção de um antropocentrismo jurídico ecológico seja

o § 1 (1) do Esboço do Código Ambiental alemão (UGB -Umweltgesetzbuch), ao dispor, logo no seu subtítulo inicial, que a legislaçãoambiental tem por objetivo a “proteção do ser humano e do ambiente”(Schutz von Mensch und Umwelt). Disponível em: <http://www.bmu.de/service/publikationen/downloads/details/artikel/ugb-referentenentwurf/?

tx_ttnews%5BbackPid%5D=1555>.

123 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional,financeiro e tributário, vol. II, Valores e princípios constitucionaistributários. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife, 2005, p. 180-181. Deforma semelhante, Peter Hãberle também afirma a existência de umdéficit de elaboração jurídico-positiva e ético-social do postulado dafraternidade de 1789 na atualidade e no futuro Estado constitucional,guardando especial importância a sua aplicação no que tange àproteção ambiental, juntamente com o princípio da responsabilidade.HÃBERLE, Libertad, igualdad,fraternidad..., p. 90.

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124 No presente trabalho, as expressões solidariedade e fraternidadeserão tomadas como sinônimos, não obstante a existência dedivergência doutrinária a respeito da diferenciação conceituai entreambos. No sentido de atribuir identidade conceituai aos conceitos, v.TORRES, Tratado de direito..., p. 181.

125 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas.2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 53.

126 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana:uma leitura Civil-Constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro/SãoPaulo: Renovar, 2003, p. 109.

127 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46-47.

128 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução aodireito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 37.

129 BODIN DE MORAES, Danos à pessoa humana..., p. 114.

130 Idem, p. 108.

131 Idem, p. 115-116.

132 Idem, p. 117.

133 TORRES, Tratado de direito..., p. 183.

134 “Este principio tiene intrínseca validez y operatividad por lo quedebería razonablemente esperarse su efectividad en círculos socialesprogresivamente ampliados. Su transcendência para la tutela deiambiente opera en una doble dimension: intercomunitaria eintergeneracional. La importância de la aplicación de este principiopara la efectividad de la tutela ambiental se deriva de las propiasexigências de la justicia distributiva, lo que es válido tanto a escalaextra como intracomunitária y nacional”. MATEO, Manual de derechoambiental..., p. 44.

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135 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 46.

136 A Constituição espanhola (1978), no dispositivo que trata daproteção do ambiente, recepciona o princípio da solidariedade:“Artículo 45.1. Todos tienen el derecho a disfrutar de un medioambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deberde conservarlo. 2. Los poderes públicos velarán por la utilizaciónracional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger ymejorar la calidad de la vida y defender y restaurar el medio ambiente,apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva. 3. Para quienesviolen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la leyfije se establecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas,así como la obligación de reparar el dano causado”.

137 Para maiores desenvolvimentos sobre os deveres fundamentaisambientais, v. SARLET; FENSTERSEIFER, Direito constitucionalambiental..., p. 221-274.

138 HÀBERLE, Libertad, igualdad, fraternidad..., p. 52.

139 MATEO, Manual de derecho ambiental..., p. 44.

140 FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo:Martins Fontes, 2002, p. 46-47.

141 A Convenção sobre a Diversidade Biológica foi aprovada peloDecreto Legislativo n. 2, de 3-2-1994, e promulgada pelo Decreto n.2.519, de 16-3-1998, incorporando-se, portanto, ao ordenamentojurídico brasileiro.

142 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitoshumanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 422.

143 CANOTILHO, José J. Gomes. Direito constitucional ambientalportuguês e da União Européia. In: CANOTILHO, José J. Gomes;LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambientalbrasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 8.

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144 A Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006), de forma expressa,no seu art. 6-, parágrafo único, entre outros princípios, o princípio daequidade intergeracional.

145 OST, François. A natureza à margem da lei (a ecologia à prova dodireito). Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 318.

146 Na doutrina alemã, reconhecendo a “vulnerabilidade” dasgerações futuras, v. HIPPEL, Eike von. Der Schutz des Schwãcheren.Tubingen: Mohr, 1982, p. 140-168. Segundo Dempsey P. RamosJúnior, “a vulnerabilidade decorre do fato que as futuras gerações nãoparticipam das decisões tomadas pela geração presente; decisões cujosefeitos negativos, todavia, projetam-se em direção às várias regiões doespaço-tempo denominadas futuro, afetando as populações lá situadas”(RAMOS JÚNIOR, Dempsey P. Meio ambiente e conceito jurídico defuturas gerações..., p. 374).

147 GOMES, Carla Amado. A prevenção à prova no direito doambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 42. Mais recente, damesma autora, v. GOMES, Carla Amado. Responsabilidadeintergeracional e direito ao (ou dever de?) não uso dos recursosnaturais. Separata da Revista do Ministério Público (de Portugal), n.145, jan.-mar. 2016, p. 75-99.

148 SAMPAIO, José Adércio Leite. Constituição e meio ambiente naperspectiva do direito constitucional comparado. In: SAMPAIO, JoséAdércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direitoambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte:Del Rey, 2003, p. 53.

149 A ideia de justiça entre gerações também está presente naformulação de John Rawls acerca do “princípio da poupança justa”,concebendo a existência de deveres e obrigações entre gerações.“Podemos agora ver que as pessoas de diferentes gerações têm deverese obrigações em relação umas às outras exatamente como as têm aspessoas que vivem numa mesma época. A geração atual não podefazer o que bem entender, mas é obrigada, por princípios que seriamescolhidos na posição original, a definir a justiça entre as pessoas que

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vivem em épocas diferentes. Além disso, os homens têm um devernatural de defender e promover o crescimento das instituições justas, epara isso a melhoria da civilização até um certo nível é exigida. Adedução desses deveres e obrigações pode parecer no início umaaplicação forçada da doutrina contratualista. No entanto, essasexigências seriam reconhecidas na posição original e, por isso, aconcepção da justiça como equidade abrange essas questões semnenhuma alteração de sua ideia básica”. RAWLS, John. Uma teoria dajustiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 323-324.

150 KISS, Alexandre; SHELTON, Dinah. Guide to internationalenvironmental law. Leiden/Boston: Martinus Hijhoff Publishers, 2007,p. 106.

151 STF, ADI 3.510/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29-5-2008.

152 Nesse sentido, v. KISS, Alexandre. Os direitos e interesses dasfuturas gerações e o princípio da precaução. In: VARELLA, MarceloDias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Orgs.). Princípio da precaução.Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 1-12.

153 Para uma abordagem ampla sobre a questão da solidariedade entregerações humanas e a responsabilidade para com o futuro,especialmente a partir das perspectivas filosófica e jurídica, v.BIRNBACHER, Dieter; BRUDERMULLER, Gerd (Ed.).Zukunftverantwortung und Generationensolidaritãt. Wurzburg:Kõnighausen & Neumann, 2001.

154 BECK, La sociedad del riesgo..., p. 83.

155 SERRES, Michel. O contrato natural. Lisboa: Instituto Piaget,1990.

156 BECK, La sociedad del riesgo..., p. 83.

157 Na jurisprudência, registra-se decisão emblemática do STF sob arelatoria do Min. Celso de Mello, reconhecendo o princípio da

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solidariedade como caracterizador dos direitos fundamentais deterceira dimensão, no caso, o direito ao ambiente: ‘A questão dodireito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito deterceira geração - princípio da solidariedade. O direito à integridadedo meio ambiente - típico direito de terceira geração - constituiprerrogativa jurídica escolhidos na posição original, a definir a justiçaentre as pessoas que vivem em épocas diferentes. Além disso, oshomens têm um dever natural de defender e promover o crescimentodas instituições justas, e para isso a melhoria da civilização até umcerto nível é exigida. A dedução desses deveres e obrigações podeparecer no início uma aplicação forçada da doutrina contratualista. Noentanto, essas exigências seriam reconhecidas na posição original e,por isso, a concepção da justiça como equidade abrange essas questõessem nenhuma alteração de sua ideia básica”. RAWLS, John. Umateoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 323-324.

150 KISS, Alexandre; SHELTON, Dinah. Guide to internationalenvironmental law. Leiden/Boston: Martinus Hijhoff Publishers, 2007,p. 106.

151 STF, ADI 3.510/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29-5-2008.

152 Nesse sentido, v. KISS, Alexandre. Os direitos e interesses dasfuturas gerações e o princípio da precaução. In: VARELLA, MarceloDias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Orgs.). Princípio da precaução.Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 1-12.

153 Para uma abordagem ampla sobre a questão da solidariedade entregerações humanas e a responsabilidade para com o futuro,especialmente a partir das perspectivas filosófica e jurídica, v.BIRNBACHER, Dieter; BRUDERMULLER, Gerd (Ed.).Zukunftverantwortung und Generationensolidaritãt. Wurzburg:Kõnighausen & Neumann, 2001.

154 BECK, La sociedad del riesgo..., p. 83.

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155 SERRES, Michel. O contrato natural. Lisboa: Instituto Piaget,1990.

156 BECK, La sociedad del riesgo..., p. 83.

157 Na jurisprudência, registra-se decisão emblemática do STF sob arelatoria do Min. Celso de Mello, reconhecendo o princípio dasolidariedade como caracterizador dos direitos fundamentais deterceira dimensão, no caso, o direito ao ambiente: ‘A questão dodireito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito deterceira geração - princípio da solidariedade. O direito à integridadedo meio ambiente - típico direito de terceira geração - constituiprerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro doprocesso de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativade um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em suasingularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, aprópria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração(Direito Civis e Políticos) - que compreendem as liberdades clássicas,negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos desegunda geração (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) - que seidentificam com as liberdades positivas, reais ou concretas -acentuamo princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, quematerializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamentea todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade econstituem um momento importante no processo de desenvolvimento,expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de umaessencial inexauribilidade” (STF, MS 22.164/SP, Tribunal Pleno, Rei.Min. Celso de Mello, j. 30-10-1995).

158 JONAS, El principio de responsabilidad..., p. 36.

159 Idem, p. 229.

160 A “responsabilidade comum, mas diferenciada” foi consagrada, noâmbito da legislação ambiental brasileira, por meio da Lei da PolíticaNacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187/2009), maisprecisamente no seu art. 3-, ao asseverar que a Política Nacional sobre

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Mudança do Clima e as ações dela decorrentes, executadas sob aresponsabilidade dos entes políticos e dos órgãos da administraçãopública, observarão, entre outros princípios, o das responsabilidadescomuns, porém diferenciadas, no âmbito internacional.

161 No âmbito internacional, merece destaque também a Declaraçãosobre as Responsabilidades das Gerações Presentes em Relação àsGerações Futuras, adotada em 12 de novembro de 1997, pelaConferência Geral da UNESCO (em sua 29â sessão). Disponível em:<http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001108/110827por.pdf>.

162 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.107.

163 A respeito da discussão teórica sobre a natureza daresponsabilidade civil ambiental, v., por todos, BENJAMIN, AntonioHerman. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. In: Revista deDireito Ambiental, v. 9, São Paulo, Revista dos Tribunais, jan./mar.,1998, p. 5-52.

164 Reconhecendo a responsabilidade penal da pessoa jurídica najurisprudência, v. STJ, REsp 610.114/RN, 5- Turma, Rei. Min. GilsonDipp, j. 17-11-2005. Registra-se decisão do STF: “AGRAVOREGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITOPENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DAPESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO À IDENTIFICAÇÃOE À PERSECUÇÃO DA PESSOA FÍSICA. Tese do condicionamentoda responsabilização penal da pessoa jurídica à simultâneaidentificação e persecução penal da pessoa física responsável, queenvolve, à luz do art. 225, § 3-, da Carta Política, questãoconstitucional merecedora de exame por esta Suprema Corte. Agravoregimental conhecido e provido” (STF, AgR no RE 548.181/ PR, lâTurma, Rei. Min. Rosa Weber, j. 14-5-2013).

165 De acordo com o art. 70, caput, da Lei n. 9.605/98, “considera-seinfração administrativa toda ação ou omissão que viole as regrasjurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meioambiente”.

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166 Adotando a teoria do risco integral para a caracterização daresponsabilidade civil em matéria ambiental, v. STJ, REsp 442.586-SP,lâ Turma. Rei. Min. Luiz Fux, j. 26-11-2002.

167 No tocante à responsabilidade civil pós-consumo, v. LEMOS,Patrícia F. Iglecias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 236.

168 De modo emblemático, reconhecendo os diversos pontos aquianalisados, registra-se a ementa parcial da decisão proferida pelo STJno julgamento do REsp 1.198.727/MG, sob a relatoria do Min.Antonio Herman Benjamin: “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃONATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADEAMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃODOS ARTS. 4s, VII, E 14, § l2, DA Lei n. 6.938/1981, E DO ART. 3*DA Lei n. 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DOPOLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER(REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGARQUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION ADPRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO,RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 52 DA LEI DEINTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO INDUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam osautos de ação civil pública proposta com o fito de obterresponsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamentode vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal deJustiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental econdenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedidoindenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A legislaçãode amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivosdeve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhorpossa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratioessendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se peloprincípio in dúbio pro natura. 3. Ao responsabilizar-se civilmente oinfrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in

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natura do bem degradado com impossibilidade de cumulaçãosimultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer),compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar),e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer). 4. Deacordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidadecivil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-loadministrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processocriminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, naresponsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus dosistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (nãoocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ouindireta), nos termos do art. 935 do Código Civil. 5. Nas demandasambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e dareparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea eagregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí seencontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, nainterpretação dos arts. 4-, VII, e 14, § 1-, da Lei da Política Nacionaldo Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), e do art. 3- da Lei n. 7.347/85, aconjunção ou opera com valor aditivo, não introduz alternativaexcludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o danoambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica epatrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vastouniverso de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, àsgerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmosconsiderados). 6. Se o bem ambiental lesado for imediata ecompletamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinumstatum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar,ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, nofuturo (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in naturanem sempre se mostra suficiente para reverter ou recomporintegralmente, no terreno da responsabilidade civil, as váriasdimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveresassociados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação inintegrum. 7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípiosdo poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, morale socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambientalcompensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de

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aceitável e gerenciável “risco ou custo do negócio”, acarretando oenfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiroestímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade defato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ourepitam seu comportamento deletério. 8. A responsabilidade civilambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, demodo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua odever de indenizar - juízos retrospectivo e prospective. (...)” (STJ,REsp 1.198.727/MG, 2- Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 14-8-2012).

169 “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃODO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVILPÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANOEXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO.POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. (...) 2. ASegunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, aindaque de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo aodano moral coletivo. 3. Havería contra sensu jurídico na admissão deressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudessedar à coletividade o mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada umdos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis deindenização. 4. As normas ambientais devem atender aos fins sociais aque se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração deacordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura. Recursoespecial improvido” (STJ, REsp 1367923/RJ, 2- Turma, Rei. Min.Humberto Martins, j. 27-8-2013).

170 HIPPEL, Eike von. Der Schutz des Schwãcheren. Tübingen: J. C.B. Mooh, 1982, p. 140 e ss.; e MIRAGEM, Bruno; MARQUES,Cláudia Lima. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 166 e ss. Além davulnerabilidade das futuras gerações, na seara ecológica, também podeser aventada a ideia de vulnerabilidade dos animais (não humanos),com os correspondentes deveres fundamentais (dos particulares) edeveres estatais no tocante à sua proteção. Na doutrina, sobre esteúltimo ponto, v. MEDEIROS, Fernanda L. Fontoura de. Direito dos

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animais. Porto Alegre: Livrarias do Advogado, 2013, especialmente p.117 e ss.

171 Na doutrina, sobre este último ponto, v. CÂMARA, GuilhermeCosta. O direito penal do ambiente e a tutela das gerações futuras. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2016.

172 A respeito das externalidades negativas e o seu decorrente custosocial, pelo prisma ecológico, v. NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento eecologia. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 52.

173 MATEO, Manual de derecho ambiental..., p. 49.

174 KLOEPFER, Michael. Umweltrecht. 3. ed. Munique: C. H. Beck,2004, p. 189 e s.

175 Relatório Nosso futuro comum...., p. 246.

176 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.95.

177 ‘AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAISA PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTALPOR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DECOLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ(...) 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTENO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOSDOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTEDA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGAPERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA.PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL AEXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DETERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIALCARACTERIZADOS; (...) c) Inviabilidade de alegação de culpaexclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação deculpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludentede responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria dorisco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental

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(art. 225, § 3-, da CF e do art. 14, § 1-, da Lei n. 6.938/81),responsabilizando o degradador em decorrência do princípio dopoluidor-pagador. d) Configuração de dano moral. Patente osofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pelaprivação das condições de trabalho, em consequência do danoambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, porequidade, em valor equivalente a um salário mínimo, e) termo inicialde incidência dos juros moratórios na data do evento danoso. (...)”(STJ, REsp 1.114.398/PR, 2- Seção, Rei. Min. Sidnei Beneti, j. 8-2-2012).

178 “PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVILPÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕESDE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. ART. 32 DALei n. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 32,DA CF/88, ARTS. 22 E 4* DA LEI N. 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEIN. 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO,DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. 1. Osistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado emnormas constitucionais (CF, art. 225, § 3°) e infraconstitucionais (Lein. 6.938/81, arts. 2- e 4-), está fundado, entre outros, nos princípios daprevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Delesdecorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres eobrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais,positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia(indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura),prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam,se for o caso. 2. A ação civil pública é o instrumento processualdestinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III).Como todo instrumento, submete-se ao princípio da adequação, asignificar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, noplano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material.Somente assim será instrumento adequado e útil. (...) 5. Recursoespecial parcialmente conhecido e, nessa parte, Desprovido” (STJ,REsp 605.323/MG, 1-Turma, Rei. Min. José Delgado e Rei. p. acórdãoMin. Teori Albino Zavascki, j.18-8-2005).

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179 STJ, REsp 1.060.753/SP, 2â Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, j.1M2-2009.

180 STJ, REsp 1367923/RJ, 2â Turma, Rei. Min. Humberto Martins, j.27-8-2013.

181 STJ, REsp 769.753/SC, 2- Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j.8-9-2009.

182 MORATO; AYALA, Dano ambiental..., p. 24.

183 Idem, ibidem.

184 PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito..., p. 18.

185 Idem, p. 17-18.

186 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 43.

187 Especificamente sobre o desenvolvimento sustentável, v., portodos, BOSSELMANN, Klaus. The principle of sustainability. ReinoUnido: Ashgate, 2008. Há versão da obra traduzida para o português:BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade:transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

188 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo:Companhia das Letras, 2000, p. 18.

189 Idem, p. 9.

190 A respeito da concepção de Constituição Econômica, v.BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e desenvolvimento:uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros,2005, p. 13.

191 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2008, p. 23.

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192 NUSDEO, Desenvolvimento e ecologia..., p. 52. A literaturaeconômica destaca como original e referencial, na temática dasexternalidades, a obra do economista inglês PIGOU, Arthur Cecil. TheEconomics of Welfare. Londres, Mcmillan, 1920.

193 Discorrendo sobre um Estado “regulador” Democrático de Direitoe vinculando tal modelo ao desenvolvimento sustentável, v. FRANÇA,Phillip Gil. O controle da Administração Pública: tutela jurisdicional,regulação econômica e desenvolvimento. São Paulo: Revista dosTribunais, 2008, especialmente p. 113 e s. e 191 e s.; e FREITAS,Sustentabilidade..., especialmente p. 229-280.

194 Sobre a relação entre a Constituição Econômica, desenvolvimentoe Constituição Dirigente, v., especialmente, BERCOVICI,Constituição Econômica e desenvolvimento..., p. 33 e s. Propondo,com razão, a adoção de uma concepção constitucionalmente adequadae afinada com o estágio de desenvolvimento social, político,econômico e cultural dos países de modernidade tardia (países emdesenvolvimento, habitualmente tidos como “periféricos”), v.STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: umanova crítica do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

195 Como fonte de inspiração, toma-se aqui a conhecida fórmula daeconomia social de mercado (soziale Marktwirtschaft) desenvolvida naAlemanha sob a égide da Lei Fundamental de 1949, e que marcoutambém o modelo do Estado Social e Democrático de Direitogermânico do Segundo Pós-Guerra, em que pese a crise e astransformações experimentadas nos últimos tempos. Para umaperspectiva jurídico-constitucional geral, que abrange os principaisaspectos da ordem econômica da Constituição alemã, v., por todos,PAPIER, Hans-Jurgen. “Grundgesetz und Wirtschaftsordnung”. In:BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Ed.).Handbuch des Verfassungsrechts, Volume I. Berlin-New York: Walterde Gruyter, 1984, p. 609-652, lembrando que existe edição maisrecente em alemão e tradução da obra completa para a línguaespanhola.

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196 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2008, p. 158.

197 TEIXEIRA, Orei Paulino Bretanha. O direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2006, p. 92.

198 PUREZA, Tribunais, natureza e sociedade..., p. 27.

199 Idem, p. 28.

200 MATEO, Manual de derecho ambiental..., p. 38.

201 MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente.In: RT, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 756,1998, p. 64.

202 DERANI, Direito ambiental econômico..., p. 9.

203 À luz do texto constitucional espanhol, Antonio E. Perez Luhopontua que “con la protección de ‘un medio ambiente adecuado para eldesarrollo de la persona’ se hace eco de la inquietud contemporâneapor ofrecer una alternativa al modelo, de signo puramente cuantitativo,dei desarrollo econômico y humano. La opción constitucionalrepresenta un expreso rechazo de la lógica dei ‘tener’, centrada en laacumulación exclusiva y excluyente de los productos de unaexplotación ilimitada de los recursos humanos y naturales; a favor deimodelo dei ‘ser’, que exige el goce compartido (o inclusivo) de losfrutos de un progreso selective y equilibrado. De que tal propósito nosea traicionado, o relegado al limbo de las buenas intenciones, dependeel inmediato futuro de nuestra calidad de vida”. PÉREZ LUNO,Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de DerechoyConstitution. 5. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1995, p. 478.

204 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 29.

205 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.97.

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206 BENJAMIN, Antonio Herman. Função ambiental. In:BENJAMIN, Antônio Herman (Coord.). Dano ambiental: prevenção,reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 15.

207 ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. Constituição e ordemeconômica. In: FIOCCA, Demian; GRAU, Eros Roberto (Orgs.).Debate sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p.12.

208 “Art. 170 (...) VI - a defesa do meio ambiente, inclusive mediantetratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos eserviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

209 O reconhecimento de três pilares que integram e dão suporte ànoção de desenvolvimento sustentável, quais sejam, o econômico, osocial e o ambiental, é desenvolvida, entre outros, WINTER, Gerd.Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na UniãoEuropéia. Campinas: Millennium Editora, 2009, p. 2 e s.

210 Em sintonia com o marco jurídico-constitucional dodesenvolvimento sustentável, o Supremo Tribunal Federal, nojulgamento da ADPF 101, ocorrido em 24-6-2009, a respeito daimportação de pneus usados, fez consignar, no voto da RelatoraMinistra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que “o argumento (...) de quehaveria afronta ao princípio da livre concorrência e da livre iniciativapor igual não se sustenta, porque, ao se ponderarem todos osargumentos expostos, conclui-se que, se fosse possível atribuir peso ouvalor jurídico a tais princípios relativamente ao da saúde e do meioambiente ecologicamente equilibrado preponderaria a proteção desses,cuja cobertura, de resto, atinge não apenas a atual, mas também asfuturas gerações”. Na decisão do Plenário do STF, reconheceu-se aconstitucionalidade da legislação que proíbe a importação de pneususados, na mesma medida em que, na via transversa, se entendeu que aimportação de pneus usados viola a proteção constitucional conferidaao ambiente.

211 MATEO, Manual de derecho ambiental..., p. 51-52.

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212 Na doutrina brasileira, sobre o consumo sustentável da perspectivajurídica, v. PURVIN DE FIGUEIREDO, Guilherme José. Consumosustentável. In: BENJAMIN, Antônio Herman (Org.). Anais do 6-Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo: Instituto ODireito por um Planeta Verde/Imprensa Oficial, 2002, p. 187-223.LOCATELLI, Paulo Antônio. Consumo sustentável. In: Revista deDireito Ambiental, n. 19, jul.-set., 2000, p. 297-300; SPÍNOLA, AnaLuíza. Consumo sustentável. In: Revista de Direito Ambiental, n. 24,out.-dez., 2001, p. 209-216; e LISBOA, Roberto Senise. O contratocomo instrumento de tutela ambiental. In: Revista de Direito doConsumidor, n. 35, jul.-set., 2000, p. 171-197.

213 Por esse prisma, é certeira a crítica de Plauto Faraco de Azevedo:“Nossa vida transcorre neste ambiente de desorientação ética,indiferente aos valores da humanidade e da solidariedade, dominadapela racionalidade técnica, e orientada no sentido da busca daprosperidade individual e de bens materiais frequentementedesnecessários”. AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: oambiente e o direito no limiar da vida. São Paulo: Revista dosTribunais, 2005, p. 30.

214 LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: EditoraIntrínseca, 2006, p. 20.

215 ALIER, Joan Martinez. Da economia ecológica ao ecologismopopular. Blumenau: Editora da FURB, 1998, p. 348-349.

216 KELLY, Petra K. Por un futuro alternativo: el testimonio de unade las principales pensadoras-activistas de nuestra época. Barcelona:Paidós, 1997, p. 144.

217 MASON, Jim; SINGER, Peter. The way we eat: why our foodchoices matter. New York: Rodale, 2006, p. 270-271.

218 MASON; SINGER, The way we eat..., p. 5.

219 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento. 3. ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretária de

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Edições Técnicas, 2001, p. 40.

220 Disponível em: http://sustainabledevelopment.un.org/csd.html.

221 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordemeconômica: o significado e o alcance do art. 170 da ConstituiçãoFederal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 240-241.

222 Na doutrina, v. MORAES, Kamila Guimarães de. Obsolescênciaplanejada e direito: (in)sustentabilidade do consumo à produção deresíduos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

223 Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/90) dispõe no seu art. 37, § 2-, que constitui publicidade abusivapráticas publicitárias que “desrespeitem valores ambientais”. Nadoutrina, a respeito da proteção ambiental no âmbito do CDC, v., portodos, GARCIA, Leonardo de Medeiros. Consumo sustentável: aproteção do meio ambiente no Código de Defesa do Consumidor.Salvador: JusPodivm, 2016.

224 A título de exemplo, em relação à certificação ambiental, destaca-se o Conselho Brasileiro de Manejo Florestal, representante da FSC(Forest Stewardship Council), criada à época da Conferência do Riosobre Desenvolvimento Sustentável (1992), a qual é uma organizaçãoindependente, não governamental e sem fins lucrativos. O seu objetivoprincipal é promover o manejo e a certificação florestal. Demaisinformações disponíveis em: http://www.fsc.org.br/index.cfm. Nadoutrina, sobre a certificação ambiental, v. MATEO, Manual dederecho ambiental..., p. 119-135.

225 SARLET; FENSTERSEIFER, Direito constitucional ambiental...,p. 221 e s.

226 A respeito do tema, registra-se legislação (Lei n. 2.483/2010)adotada pelo Município de São Vicente, no Estado de São Paulo, nosentido de estabelecer norma que obrigava supermercados a substituiras sacolas plásticas convencionais por embalagens biodegradáveis.Muito embora a bela iniciativa legislativa em prol do consumo

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sustentável, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulojulgou inconstitucional a legislação municipal, com o fundamento devício de iniciativa e de violação do pacto federativo. Por quinze votosa seis, prevaleceu o entendimento do desembargador Samuel Júnior,relator do recurso, segundo o qual “quando o Parlamento, portanto,edita, por sua iniciativa, lei cuja matéria é reservada ao PoderExecutivo, o ato será nulo, por vício de inconstitucionalidade formal”.O desembargador Renato Nalini, por sua vez, capitaneou adivergência. Ele considerou que a defesa de um meio ambientesaudável não permite o apego a esse tipo de formalismo. Noentendimento de Nalini, “é certo que a lei questionada goza delegitimidade, exatamente por ter sido decorrência de uma políticamunicipal de defesa do meio ambiente”. Ainda segundo odesembargador, “a legitimidade da norma também deve prevalecer poresta [a lei] se inserir em um amplo plano de medidas que encontramfundamento na defesa do interesse das presentes e futuras gerações”(TJSP, ADI n. 0547881-67.2010.8.26.0000 - 990.10.547881-6, ÓrgãoEspecial, Relator Des. Samuel Júnior, j. 1--12-2010). O STF, nojulgamento do RE 729.731/SP, entendeu válida lei do Município deAmericana (SP) que proíbe o uso de sacolas plásticas à base depolietileno ou de derivados de petróleo pelo comércio local,reformando acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo oentendimento adotado pelo Ministro Dias Toffoli (Relator), osmunicípios podem legislar sobre direito ambiental quando se tratar deassunto de interesse predominantemente local, bem como que oassunto tratado na lei municipal é matéria de interesse do município,por estar relacionada à gestão dos resíduos sólidos produzidos nalocalidade (sacolas plásticas). (STF, RE 729.731/SP, decisãomonocrática, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 29-12-2015). Por fim, éoportuno registrar que a prática suscitada pela legislação municipaltrata-se, independentemente da atuação no Estado, de medida singelaque pode (e deve!) ser adotada pelos consumidores, recusando-se afazer uso de sacolas plásticas e servindo-se de alternativas sustentáveis(sacolas de pano, caixas de papelão etc.) ao realizar as suas comprasdiárias.

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227 De modo a relacionar o instituto da função social da propriedadeaos deveres fundamentais, v. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS,Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revistados Tribunais, 2007, p. 78.

228 RODOTÀ, Stefano. El terrible derecho: estúdios sobre lapropiedad privada. Madrid: Editorial Civitas, 1986, p. 41.

229 Nesse enfoque, Miguel Reale comenta o princípio da socialidadecomo uma das características mais marcantes do novo Código Civil(2002), na medida em que o “espírito social” do novo diploma civilistafaz prevalecer valores coletivos sobre os individuais (em oposição àmatriz liberal-individualista do antigo diploma), sem nunca perder devista o valor fundante da pessoa humana. REALE, Miguel. “Visãogeral do projeto de Código Civil”. In: RT, v. 752, jun. 1998, p. 23.

230 Registram-se, como expressões normativas da incidência doprincípio da solidariedade no âmbito do Direito Privado,especialmente à luz da Escola do Direito Civil-Constitucional, osinstitutos (sob a forma de princípios ou cláusulas-gerais) do abuso dedireito (art. 187), da boa-fé objetiva e da probidade (art. 422), dafunção social do contrato (art. 421) e da função social e ecológica dapropriedade (art. 1.228, § 1°), entre outros, todos consagrados noCódigo Civil de 2002.

231 Para uma abordagem mais ampla da matéria ora versada nocenário jurídico alemão, inclusive com aporte jurisprudencial, v.KRELL, Andreas J. A relação entre proteção ambiental e função socialda propriedade nos sistemas jurídicos brasileiro e alemão. In:SARLET, Ingo W. (org.). Estado socioambiental e direitosfundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 173-188.

232 Ao comentar a inserção do direito à igualdade na Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão (1789), tomando em conta ocontexto político-jurídico francês da época, José D. de Lima Trindadeassevera que “a igualdade não figurou entre os direitos ‘naturais eimprescindíveis’ proclamados no art. 2-, muito menos foi elevada aopatamar de ‘sagrada e inviolável’, como fizeram com a propriedade

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(...). Assim, a igualdade de que cuida a Declaração é a igualdade civil(fim da distinção jurídica baseada no status de nascimento). Nenhumpropósito de estendê-la ao terreno social, ou de condenar adesigualdade econômica real que aumentava a olhos vistos no país”.TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitoshumanos. 2. ed. São Paulo: Peirópolis, 2002, p. 54-55.

233 Em sintonia com tal entendimento, v. FARIAS, Cristiano Chavesde; ROSENWALD, Nelson. Direitos reais. 5. ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2008, p. 206.

234 A respeito da consagração constitucional da função ecológica dapropriedade, segue decisão da Câmara Especial do Meio Ambiente doTribunal de Justiça de São Paulo: ‘Ação civil pública. Reserva legal.Obrigação legal imposta ao proprietário e não ao poder público.Previsão do código florestal, da lei de registros públicos e dacorregedoria geral da justiça do estado de São Paulo. Reserva legal.Obrigação propter rem, vinculada ao domínio imobiliário, irrelevante adestinação econômica a ser conferida ao imóvel. Função ecológica deíndole constitucional. Inafastabilidade da averbação como ônusimposto ao titular do domínio. Apelo do ministério público provido. Adelimitação, demarcação e averbação da Reserva Legal prevista peloCódigo Florestal não é de natureza pessoal mas é obrigação propterrem e, desde 5/X/1988, constitui pressuposto intrínseco do direito depropriedade, de origem constitucional, como atributo de sua funçãoecológica, à luz dos arts. 186, II, e 170, VI, da Constituição daRepública” (TJSP, AC 4026465/7, Seção de Direito Público, CâmaraEspecial do Meio Ambiente, Rei. Des. Renato Nalini, j. 29-6-2006).

235 BOSSELMANN, Klaus. Environmental rights and duties..., p. 11.

236 COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentaisem matéria de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). Aquestão agrária e a justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.143-145.

237 Idem, p. 147.

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238 Art. 1-, parágrafo único, do Estatuto da Cidade (Lei n.10.257/2001).

239 Há outros dispositivos do Código Civil de 2002 que tambémdeterminam deveres positivos e negativos conferidos pela legislaçãocivil ao titular e ao possuidor de determinada propriedade. Entre eles:“Art. 1.277. O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito defazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e àsaúde dos que o habitam, provocadas pela utilização da propriedadevizinha”; “Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderápoluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dospossuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverárecuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possívela recuperação ou o desvio do curso artificial das águas”; “Art. 1.309.São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para usoordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes”.

240 “Art. 1- (...) Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei,denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordemeconômica e interesse social que regulam o uso da propriedade urbanaem prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos,bem como do equilíbrio ambiental”.

241 STJ, REsp 650.728/SC, 2â T., Rei. Min. Herman Benjamin, j. 23-10-2007. V. também REsp 1.237.071/PR, 2â T., Rei. Min. HumbertoMartins, j. 3-5-2011.

242 Com o mesmo entendimento, v. GAVIÃO FILHO, Anízio Pires.Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2005, p. 66.

243 MIRAGEM, Bruno. O artigo 1.228 do Código Civil e os deveresdo proprietário em matéria de preservação do meio ambiente. In:Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito -PPGDir./UFRGS, Reflexões Jurídicas sobre Meio Ambiente/EdiçãoEspecial, Vol. Ill, n. VI, maio/2005, p. 31.

244 BENJAMIN, Função ambiental..., p. 56.

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245 BENJAMIN, Antônio Herman. “Constitucionalização doambiente e ecologização da Constituição brasileira”. In:CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MORATO LEITE, José Rubens(Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São

Paulo: Saraiva, 2007, p. 124-126. Em conformidade com a rejeição a umsuposto “direito adquirido de poluir”, v. STJ, REsp 948.921/SP, 2- T, Rei.Min. Herman Benjamin, j. 23-2-2007.

246 “PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO.INDENIZAÇÃO. COBERTURA FLORÍSTICA. RESERVA LEGALOU PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OBSCURIDADE QUANTOÀ CLASSIFICAÇÃO DA ÁREA INDENIZADA. (...) 4. É firme ajurisprudência do STJ sobre a inindenizabilidade, como regra, dasÁreas de Preservação Permanente, já que não passíveis de exploraçãoeconômica direta. Por sua vez, a Reserva Legal, onde se encontravedado o corte raso da vegetação nativa, não pode ser indenizadacomo se fosse terra de livre exploração econômica. Cabe, nesse caso,ao proprietário provar o uso lícito. (...) (STJ, REsp 146.356/SP, 2- T., j.28-8-2009, Rei. Min. Herman Benjamin)”. “Desapropriação direta.Imóvel situado na estação ecológica Jureia-Itatins. Indenização pelacobertura florística. Impossibilidade. Área de preservação permanente.Impossibilidade de exploração econômica anterior ao decretoexpropriatório. Violação ao art. 535, do CPC. Inocorrência. Recursoespecial. Prematuro. Ausência de esgotamento da instância ordinária.Não conhecimento. 1. A indenização pela cobertura vegetal de imóveldesapropriado revela-se indevida quando, anteriormente à mencionadadesapropriação, sua exploração econômica já se encontravaimpossibilitada, salvo comprovação pelo proprietário, mediante oajuizamento de ação própria, no sentido de que o mencionado decretoacarretou limitação administrativa mais extensa do que aquelas jáexistentes à época da sua edição. 2. A criação da ‘Estação EcológicaJureia-Itatins’, por intermédio de decreto estadual, segundo orientaçãofirmada por esta e. Corte, não acrescentou qualquer limitação àquelaspreexistentes, engendradas em outros atos normativos (CódigoFlorestal, Lei do Parcelamento do Solo Urbano), que já vedavam autilização indiscriminada da propriedade. Precedentes jurisprudenciais

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do STJ: (REsp 784.106/SP, Rei. Min. Francisco Falcão, DJ 22-3-2007;REsp 503.418/SP, Rei. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, DJ7-3-2007; REsp 595.748/SP, Rei. Min. Denise Arruda, DJ 17-8-2006)3. Restou assentado no v. aresto hostilizado que: Mesmo antes daimplantação da Estação Ecológica de Jureia-Itatins, os expropriados,por força do Código Florestal, já não podiam usufruir em suaintegralidade da área objeto da ação, posto que considerada depreservação permanente. De fato, as florestas e demais formas devegetação natural, localizadas ao longo dos cursos e reservatórios deágua, nas elevações, nas encostas, nas restingas, nas bordas detabuleiros ou chapadas, nas altitudes acima de 1.800 metros,encontram-se protegidas e não podem ser utilizadas, porquesubmetidas a regime de preservação, conforme art. 2-, do CódigoFlorestal (Lei n. 4.771/65). (...). (STJ, AgRg no REsp 873.179/SP, lâ T,j. 21-5-2009, Rei. Min. Luiz Lux).

247 De acordo com Benjamin, “na esfera dos limites internos, porconseguinte, não se pode falar em desapropriação, pois um ônusindissociável da propriedade não tem o dom de ser, a um só tempo, seuelemento e uma intervenção desapropriadora. Não se pode compensarpela negação (= desapropriação) de um direito que não se tem. Taisfigurantes internos colocam-se como condicionantes a priori do direitode propriedade. No geral, a proteção do meio ambiente, no sistemaconstitucional brasileiro, não é uma incumbência imposta sobre odireito de propriedade, mas uma função inserida no direito depropriedade, dele sendo fragmento inseparável. Em resumo, os limitesinternos não aceitam a imposição do dever de indenizar, exatamenteporque fazem parte do feixe de atributos necessários aoreconhecimento do direito de propriedade”. BENJAMIN, AntônioHerman. Reflexões sobre a hipertrofia do direito de propriedade natutela da reserva legal e das áreas de preservação permanente. In:Anais do 2- Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo:Imesp, 1997, p. 20.

248 “PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZAJURÍDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS. TERRENOS DEMARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ATERRO

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ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADECIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DECAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃOAMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇASCLIMÁTICAS. (...) art. 14, § l2, da Lei n. 6.938/1981. (...) 7. NoBrasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria obrigações deproteção do meio ambiente. Elas jorram da lei, após terem passadopelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de juizesativistas, pois o ativismo é da lei e do texto constitucional. Felizmentenosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou umfestival de meias-palavras legislativas. Se lacuna existe, não é por faltade lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou deficiência deimplementação administrativa e judicial dos inequívocos deveresambientais estabelecidos pelo legislador. 8. A legislação brasileiraatual reflete a transformação científica, ética, política e jurídica quereposicionou os manguezais, levando-os da condição de risco à saúdepública ao patamar de ecossistema criticamente ameaçado.Objetivando resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais,o legislador atribuiu-lhes o regime jurídico de Área de PreservaçãoPermanente. 9. É dever de todos, proprietários ou não, zelar pelapreservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudoem época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucrofácil e de benefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para aespeculação imobiliária ou exploração do solo, ou transformá-los emdepósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambienteecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade,comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido eapenado pela Administração e pelo Judiciário. (...) 12. As obrigaçõesambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo sãode natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e setransferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre aboa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito daresponsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim deapuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-sequem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem

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não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem sebeneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causai entre aação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão,surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da áreaafetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art.14, § 1-, da Lei n. 6.938/81.15. Descabe ao STJ rever o entendimentodo Tribunal de origem, lastreado na prova dos autos, de que aresponsabilidade dos recorrentes ficou configurada, tanto na formacomissiva (aterro), quanto na omissiva (deixar de impedir depósito delixo na área) (...). 16. Recurso Especial parcialmente conhecido e,nessa parte, não provido. (STJ, REsp 65O.728/SC, 2- T., j. 23-10-2007, Rei. Min. Herman Benjamin). V. também REsp 1.237.071/PR,2- T., Rei. Min. Humberto Martins, j. 3-5-2011.

249 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.102.

250 Para maiores desenvolvimentos acerca da noção de Estado(Socio)Ambiental, remete-se o leitor para o Capítulo 1 da presenteobra.

251 HÀBERLE, Peter. A dignidade humana e a democracia pluralista -seu nexo interno. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitosfundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 12 e s.

252 SÉGUIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. 3. ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 313.

253 Defendendo a concepção de uma democracia substancial,vinculada materialmente aos direitos fundamentais, Luigi Ferrajoliassinala que “ninguna mayoría política puede disponer de laslibertades y de los demás derechos fundamentales: decidir que unapersona sea condenada sin pruebas, privada de la libertad personal, delos derechos civiles o políticos, o, incluso, dejada morir sin atención oen la indigencia. De aqui la connotación ‘sustancial’ impresa por losderechos fundamentales al Estado de derecho y a la democracia

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constitucional”. FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechosfundamentales. 3. ed. Madrid: Trotta, 2007, p. 36.

254 O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já demonstrou seualinhamento a uma concepção material de democracia constitucional,admitindo a eficácia contramajoritária dos direitos fundamentais emesmo a função “contramajoritária” a ser exercida pelo próprioTribunal em determinadas situações. O novo entendimentojurisprudencial do STF no sentido da possibilidade do controle judicialde políticas públicas (inaugurado pelo julgamento paradigmático daADPF 45/DF, no ano de 2004, sob a relatoria do Min. Celso de Mello),notadamente nas áreas da saúde e da educação, também se presta ademonstrar tal alinhamento do nosso Tribunal Constitucional àconcepção de democracia substancial ou material, colocando-se emsintonia com a decisão proferida no julgamento conjunto das ADI4277/DF e ADPF 132/RJ, o qual declarou, com efeito vinculante, aobrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, da uniãoentre pessoas do mesmo sexo, além de reconhecer que os mesmosdireitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-seaos companheiros na união entre pessoas do mesmo sexo. No voto doMin. Celso de Mello, resultou consignado que “o Supremo TribunalFederal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido,muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contramajoritário, emclara demonstração de que os julgamentos desta Corte, quando assimproferidos, objetivam preservar, em gesto de fiel execução dosmandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses evalores que identificam os grupos minoritários expostos a situações devulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeitode tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, dediscriminação e de injusta exclusão” (STF, ADI 4277/DF e ADPF132/RJ, Tribunal Pleno, Rei. Min. Carlos Ayres Britto, j. 5-5-2011)(Informativo do STF n. 626).

255 EBBESSON, Jonas. Public participation. In: BODANSKY,Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen (Edit.). The Oxford Handbookof International Environmental Law. New York: Oxford UniversityPress, 2007 (reprinted 2010), p. 687.

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256 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro.16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 95.

257 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.103.

258 HARTMANN, Ivar A. Martins. Ecodemocracia: a proteção domeio ambiente no ciberespaço. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2010, p. 143.

259 A natureza difusa do direito ao ambiente é tratada por nós emcapítulo específico na obra Direito ambiental: introdução,fundamentos e teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 323 e ss.

260 Aqui podem servir de bons exemplos os conselhos de saúde, osconselhos tutelares, os conselhos de proteção do consumidor, entreoutros.

261 MATEO, Manual de derecho ambiental..., p. 51.

262 Como marco normativo referencial sobre a democraciaparticipativa pelo prisma ecológico, merece destaque a Convenção deAarhus sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada deDecisões e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental (1998). Disponívelem: http://www.unece.org/env/pp/treatytext.htm (versão original emlíngua inglesa) ehttp://www.unece.org/env/pp/EU%20texts/conventioninportogese.pdf(versão não oficial em língua portuguesa). Na doutrina e em caráterintrodutório sobre a Convenção de Aarhus, v. EBBESSON, Jonas.Acesso à informação, participação pública e acesso à justiça emmatéria ambiental: uma breve introdução à Convenção de Aarhus. In:Revista de Direito Ambiental, v. 64. São Paulo: Revista dos Tribunais,out.-dez. 2011, p. 35 e s.

263 Para a distinção entre “Estado de Direito” e “Estado de NãoDireito”, v. a lição clássica de CANOTILHO, Estado de Direito..., p.11 e s.

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264 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democraciaparticipativa: por um direito constitucional de luta e resistência, poruma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. SãoPaulo: Malheiros, 2001, p. 33.

265 É precisa nesse contexto a lição de Roberto. A. Ramos de Aguiar:“A cidadania é um conceito conquistado historicamente. Ela é umasuperação da posição do súdito das decisões do poder. O cidadão é osujeito das normas e ações do poder. Se o Estado dispõe deinstrumentos para controlar os cidadãos, estes têm em suas mãos osinstrumentos de sobrevivência ou não desse Estado. (...) Assim, acidadania é um exercício tenso de seres humanos que não dispõemnem das armas, nem da burocracia para fazer valer seus desígnios. Seucampo de ação está na luta política no campo dos direitos, dentro deuma ordem minimamente estável. Nas ordens instáveis eexasperadamente desiguais, as alternativas serão outras. (...) Oexercício democrático da cidadania é fundamentalmente ético. É umaopção valorativa no sentido de entendimento e práticas detransformação em busca de uma sociedade mais justa, mais livre emais feliz. Essas pautas éticas são o inverso do conformismo eestabelecem bases para a constituição de novos direitos”. AGUIAR,Roberto Armando Ramos de. Direito do meio ambiente e participaçãopopular. Brasília: Edições Ibama, 1998, p. 42-43.

266 A título de exemplo, a Lei Orgânica Nacional da DefensoriaPública (LC n. 80/94), por meio das alterações trazidas pela LC n.132/2009, consagrou, no âmbito das suas atribuições institucionais,que a Defensoria Pública deve “promover, prioritariamente, a soluçãoextrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas emconflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem edemais técnicas de composição e administração de conflitos” (art. 4-,II).

267 EBBESSON, Public participation..., p. 687.

268 Sobre o reconhecimento do direito ao ambiente como autênticodireito fundamental, inclusive no sentido de se servir do mesmoregime constitucional dispensado aos direitos liberais e sociais, v.

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FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção doambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; e SARLET, IngoWolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucionalambiental. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

269 Para maiores desenvolvimentos sobre a perspectiva procedimentale organizacional do direito fundamental ao ambiente, v.FENSTERSEIFER, Direitos fundamentais e proteção do ambiente...,p. 231 e s.

270 ALEXY, Teoria de los derechos fundamentales..., p. 472.

271 PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito..., p. 138, nota 2.

272 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente comodireito subjetivo. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudossobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 187.

273 EBBESSON, Public participation..., p. 685.

274 Na doutrina comparada, a respeito da importância e do papel dasassociações civis de defesa do ambiente, v. PRIEUR, Droit de1’envitonnement..., p. 137 e s.

275 Relatório Nosso futuro comum..., p. 365.

276 Relatório Nosso futuro comum..., p. 367.

277 PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito..., p. 29.

278 DIAS, Inês de Souza; CAPOBIANCO, João Paulo. Asorganizações não governamentais e a legislação ambiental: aexperiência da Fundação SOS Mata Atlântica. In: BENJAMIN,Antônio Herman (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação erepressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 394.

279 Sobre o tema dos deveres fundamentais em matéria ambiental, v.SARLET; FENSTERSEIFER, Direito constitucional ambiental...,especialmente p. 221-274; e FENSTERSEIFER, Direitos fundamentais

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e proteção do ambiente..., p. 198-219. Na doutrina estrangeira, aempreitada de desenvolver uma teoria geral dos deveres fundamentaisde proteção do ambiente em língua portuguesa foi realizada, de formaoriginal e exemplar, por GOMES, Carla Amado. Risco e modificaçãodo ato autorizativo concretizador de deveres de proteção do ambiente.Coimbra: Coimbra Editora, 2007, especialmente nas p. 151 e s. A obrareferida da renomada autora portuguesa, fruto da sua tese de doutoradodefendida junto à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,encontra-se disponível em formato eletrônico em:http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/cg_MA_17157.pdf.

280 “Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda açãoou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção,proteção e recuperação do meio ambiente. § 1- São autoridadescompetentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurarprocesso administrativo os funcionários de órgãos ambientaisintegrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA,designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentesdas Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha. § 2- Qualquerpessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação àsautoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercíciodo seu poder de polícia. § 3- A autoridade ambiental que tiverconhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a suaapuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob penade corresponsabilidade”.

281 MILARÉ, Direito do ambiente..., p. 215.

282 No âmbito do Estado de São Paulo, há o Conselho Estadual doMeio Ambiente (CONSEMA), órgão normativo e recursal, que temcomo missão, entre outras, propor normas e encaminhar a participaçãoda comunidade no processo de preservação, melhoria e recuperação daqualidade ambiental (art. 115, II e VII, do Decreto Estadual n.30.555/89).

283 PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito..., p. 152.

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284 O Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grandedo Sul (Lei Estadual n. 11.520/2000) prevê, em seus arts. 84 e 85, aobrigatoriedade da realização de audiência pública nos casos deavaliação do impacto ambiental de empreendimentos, quandosolicitada por uma entidade governamental ou não governamentallegalmente constituída, por 50 pessoas ou pelo Ministério PúblicoEstadual ou Federal, sob pena de a licença concedida não ter validade.O dispositivo ainda assegura a garantia de manifestação a todos osinteressados devidamente inscritos.

285 GOMES, Carla Amado. A prevenção à prova no direito doambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 63.

286 Sobre a temática da informação em matéria ambiental, v., portodos, MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito à informação e meioambiente. São Paulo: Malheiros, 2006.

287 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2002, p. 525.

288 EBBESSON, Public participation..., p. 699.

289 MACHADO, Direito ambiental brasileiro..., p. 94-95.

290 A hipótese referida converteu-se em trágica realidade no CasoBarra Grande, em que, para a construção de uma hidrelétrica, uma áreados mais bem preservados e biologicamente ricos fragmentos deFloresta Ombrófila Mista do Estado de Santa Catarina (comAraucárias), formação florestal integrante do Bioma da MataAtlântica, foi omitida no estudo de impacto ambiental (EIA) e relatóriode impacto ambiental (RIMA) apresentados ao IBAMA para aobtenção da licença de operação do empreendimento. PROCHNOW,Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Riodo Sul/SC: APREMAVI, 2005.

291 GRAF, Ana Cláudia Bento. O direito à informação ambiental. In:PASSOS DE FREITAS, Vladimir (Org.). Direito ambiental emevolução, vol. I. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 13-14.

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292 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.100-101.

293 “Art. 225 (...) § 1- (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalaçãode obra ou atividade potencialmente causadora de significativadegradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, aque se dará publicidade”.

294 O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre anecessidade de realização de audiência pública no âmbito dolicenciamento ambiental, inclusive por força do princípio daprecaução: “PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR.LICENÇA AMBIENTAL. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS. PRINCÍPIODA PRECAUÇÃO. Em matéria de meio ambiente vigora o princípioda precaução que, em situação como a dos autos, recomenda arealização de audiências públicas com a participação da populaçãolocal. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg na SLS 1.552/BA,Corte Especial, Rei. Min. Ari Pargendler, j. 16-5-2012).

295 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos dalegislação brasileira. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 81.

296 ANTUNES, Luís Felipe Colaço. O procedimento administrativode avaliação de impacto ambiental: para uma tutela preventiva doambiente. Coimbra: Almedina, 1998, p. 691-692.

297 A Convenção de Aarhus, conforme a lição de Kiss e Shelton, “éimportante também para os direitos processuais, porque os Estados-Partes estabeleceram um procedimento de observância (complianceprocedure) que admite queixas individuais, sendo o primeiro acordoambiental a fazer isso”. KISS; SHELTON, Guide to internationalenvironmental law..., p. 104.

298 Tradução livre dos autores a partir do texto original na línguainglesa.

299 MACHADO, Direito à informação e meio ambiente..., p. 62.

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300 Sobre o problema em termos gerais, v. as diversas contribuiçõescontidas na obra coletiva organizada por SARLET, Ingo Wolfgang.Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2011.

301 No tocante à eficácia do direito fundamental ao ambiente nasrelações entre particulares, v. FENSTERSEIFER, Direitosfundamentais e proteção do ambiente..., p. 245-258; e BELLO FILHO,Ney de Barros. Direito ao ambiente: da compreensão dogmática dodireito fundamental na pós-modernidade. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2012, p. 68-73.

302 Sobre o tema, v. GOMES, A prevenção à prova..., p. 35-39.

303 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direitoprivado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Revista dosTribunais, 2012, p. 166 e s.

304 O direito à informação tem sido tratado pela jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça, especialmente em matéria envolvendorelações de consumo: “DIREITO DO CONSUMIDOR.ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DOCONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL.PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR.PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉOBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DESEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DOFORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE,SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. DISTINÇÃOENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DECONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. CAMPO DEAPLICAÇÃO DA LEI DO GLÚTEN (LEI N. 8.543/92 AB-ROGADA PELA LEI N. 10.674/2003) E EVENTUAL ANTINOMIACOM O ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. JUSTO RECEIODA IMPETRANTE DE OFENSA À SUA LIVRE-INICIATIVA E ÀCOMERCIALIZAÇÃO DE SEUS PRODUTOS. SANÇÕES

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ADMINISTRATIVAS POR DEIXAR DE ADVERTIR SOBRE OSRISCOS DO GLÚTEN AOS DOENTES CELÍACOS.INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃODA SEGURANÇA. (...) 5. O direito à informação, abrigadoexpressamente pelo art. 5-, XIV, da Constituição Federal, é uma dasformas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendotambém corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio daConfiança, todos abraçados pelo CDC. 6. No âmbito da proteção àvida e saúde do consumidor, o direito à informação é manifestaçãoautônoma da obrigação de segurança. 7. Entre os direitos básicos doconsumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a ‘informaçãoadequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, comespecificação correta de quantidade, características, composição,qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem’ (art. 6-,III). 8. Informação adequada, nos termos do art. 6-, III, do CDC, éaquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil,vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamenterelevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas dequalquer serventia para o consumidor. (...)” (STJ, REsp 586.316/MG,2- Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 17-4-2007).

305 EBBESSON, Public participation..., p. 701.

306 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 196.

307 Idem, p. 198.

308 Idem, ibidem.

309 BENJAMIN, Constitucionalização do ambiente..., p. 76.

310 Idem, p. 76.

311 MARINONI, Teoria geral do processo..., p. 199.

312 A legitimidade do IBAMA para propor ação civil pública resultoureconhecida jurisprudencialmente em: STJ, REsp 789.640/PB, 2-

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Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. 27-10-2009.

313 No sentido de conferir à democracia o status de um direitofundamental de quarta dimensão, v. BONAVIDES, Curso de direitoconstitucional..., p. 525.

314 ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais..., p. 473-474.

315 AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e odireito fundamental ao ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011,especialmente p. 325 e s.

316 GOMES, Carla Amado. “Legitimidade processual popular,litispendência e caso julgado”. In: GOMES, Carla Amado;ANTUNES, Tiago (Coords.). A trilogia de Aarhus. Lisboa: Instituto deCiências Jurídico-políticas/Universidade de Lisboa, 2015, p. 78.Disponível em:<http://icjp.pt/sites/default/iiles/publicacoes/files/ebook_trilogia_aarhus.pdf>.

317 ANTUNES, Direito público do ambiente..., p. 91.

318 “Art. 1- O processo civil será ordenado, disciplinado einterpretado conforme os valores e as normas fundamentaisestabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil,observando-se as disposições deste Código. (...) Art. 3- Não se excluiráda apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (...) §2-0 Estadopromoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. §3- A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensualde conflitos deverão ser estimulados por juizes, advogados,Defensores Públicos e membros do Ministério Público, inclusive nocurso do processo judicial.”

319 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade nodireito ambiental. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.107 e ss.

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320 “Art. 1- Esta Lei disciplina o processo e o julgamento dosmandados de injunção individual e coletivo, nos termos do incisoLXXI do art. 5- da Constituição Federal. Art. 2- Conceder-se-ámandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de normaregulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdadesconstitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania e à cidadania. (...) Art. 12. O mandado de injunção coletivopode ser promovido: I -pelo Ministério Público, quando a tutelarequerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica,do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuaisindisponíveis; (...) IV - pela Defensoria Pública, quando a tutelarequerida for especialmente relevante para a promoção dos direitoshumanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dosnecessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5- da ConstituiçãoFederal. Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativasprotegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes,indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas oudeterminada por grupo, classe ou categoria.”

321 De acordo o espírito democrático-participativo que deve permearos processos coletivos em matéria ambiental, destaca-se decisãoemblemática do Juiz Federal Zenildo Bodnar, da Vara FederalAmbiental, Agrária e Residual da Circunscrição Judiciária deFlorianópolis, Proc. 2004.72.00.013.781-9/SC, no sentido de convocaraudiência judicial participativa, no âmbito de ação civil públicaambiental, sob a alegação de que “é fundamental que o cidadão tenhaoportunidade de participar, como sujeito ativo e protagonista dasdecisões ambientais, por intermédio das audiências públicas judiciais,contribuindo para o tratamento adequado das lides ambientais. Ademocratização do acesso à justiça ambiental, com ampla participaçãopopular, é a melhor forma de legitimar a atuação do Poder Judiciáriona tutela do ambiente e também servirá como mecanismo estratégicode conscientização e educação ambiental” (Revista de DireitoAmbiental, n. 46. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun. 2007, p.357-363).

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322 SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. 5.ed. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.110.

323 De modo complementar, regulamenta o art. 138 do NCPC nosseus parágrafos que: “§ 1- A intervenção de que trata o caput nãoimplica alteração de competência nem autoriza a interposição derecursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e ahipótese do § 3-. § 2- Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão quesolicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.§3-0 amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente deresolução de demandas repetitivas”.

324 “ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. INTERESSE DEAGIR. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIACONSTITUCIONAL (...) 3. A ação popular pode ser ajuizada porqualquer cidadão que tenha por objetivo anular judicialmente atoslesivos ou ilegais aos interesses garantidos constitucionalmente, quaissejam, ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe,à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimôniohistórico e cultural. 4. A ação popular é o instrumento jurídico quedeve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos oucomissivos que possam causar danos ao meio ambiente. (...)”. (STJ,REsp 889.766-SP, Rei. Min. Castro Meira, j. 4-10-2007).

325 Merece destaque decisão do STJ, no REsp 1.252.697/RJ, sobrelatoria do Min. Herman Benjamin, que manteve ação popular contraobra em área do Hotel Intercontinental, na Cidade do Rio de Janeiro.No julgamento, o STJ negou provimento aos recursos do município doRio de Janeiro e de empresa imobiliária, que pretendiam garantir aconstrução de um edifício residencial na área do HotelIntercontinental, em São Conrado, na Zona Sul do Rio. A ação popularquestiona a concessão de licenças para o desmembramento da área epara a construção do residencial de 16 andares, em local que seriadestinado exclusivamente à atividade turístico-hoteleira, e aponta adestruição dos jardins do Hotel Intercontinental, projetados pelopaisagista Burle Marx, “de inestimável valor histórico, cultural epaisagístico”. No seu voto, o Min. Herman Benjamin assinalou, com

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base em precedente do STJ (REsp 849.297), que “mesmo não havendolesão no sentido pecuniário, de prejuízo econômico para o Estado, aação popular é cabível, uma vez que visa proteger não apenas opatrimônio pecuniário, mas também o patrimônio moral e cívico daadministração” (STJ, REsp 1.252.697/RJ, 2-Turma, Rei. Min. HermanBenjamin, j. 27-11-2012).

326 STJ, REsp 1.060.753/SP, 2- T., Rei. Min. Eliana Calmon, j. 1--12-2009. Precedente citado: REsp 1.049.822/RS. No mesmo sentido,inclusive com referência expressa à incidência do princípio daprecaução, v. STJ, REsp 972.902-RS, 2- Turma, Rei. Min. ElianaCalmon, j. 25-8-2009.

327 A doutrina especializada chega a identificar o princípio doativismo judicial como um dos princípios gerais regentes do processocivil coletivo. DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso dedireito processual civil (vol. 4, Processo Coletivo).

6. ed. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 132 e s.

328 Sobre a distribuição equânime do ônus da prova na perspectivaprocessual-ambiental, v. SARAIVA NETO, Pery. A prova najurisdição ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,especialmente p. 135 e s.

329 STJ, REsp 1.454.281/MG, 2- Turma, Rei. Min. Herman Benjamin,j. 16-8-2016.

330 Na doutrina, v. FENSTERSEIFER, Tiago. Defensoria pública,direitos fundamentais e ação civil pública: a tutela coletiva dosdireitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos) dos indivíduos egrupos sociais necessitados. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 174-181.

331 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesado meio ambiente. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p. 579.

332 A respeito da questão, merece destaque a ADI 4.636 interpostapelo Conselho Federal da OAB no STF (Supremo Tribunal Federal),

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impugnando o inciso V do art. 4- da LC n. 80/94, por força da redaçãoque lhe foi conferida pela LC n. 132/2009, com o propósito de vedarque as pessoas jurídicas sejam assistidas judicialmente pela DefensoriaPública. A ADI 4.636, ainda pendente de julgamento, inclusive notocante à medida cautelar, está sob a relatoria do Min. Gilmar Mendes.Já há parecer da PGR no sentido da sua improcedência.

333 STJ, REsp 554.840/MG, 4- Turma, Rei. Min. Aldir PassarinhoJunior, j. 16-9-2004.

334 STF, ADI 558 MC/RJ, Tribunal Pleno, Rei. Min. SepulvedaPertence, j. 16-8-1991.

335 SOUSA, José Augusto Garcia de. A Nova Lei n. 11.448/2007, osescopos extrajurídicos do processo e a velha legitimidade daDefensoria Pública para ações coletivas. In: SOUSA, José AugustoGarcia de (Coord.). A Defensoria Pública e os processos coletivos:comemorando a Lei Federal n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 249.

336 A respeito do “monopólio” do Ministério Público na propositurade ações civis públicas - mais de 90% das ações propostas - e datímida atuação judicial da sociedade civil organizada, inclusiveapontando razões para tal “estado de coisas”, v. LENZA, Pedro. Teoriageral da ação civil pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2005, p. 193-198.

337 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. PortoAlegre: Fabris, 2002, p. 67-73.

338 De modo a reconhecer a possibilidade de a Defensoria Públicainterpor ação popular ambiental conjuntamente com o cidadão, v.MIRRA, Participação, processo civil e defesa do meio ambiente..., p.330-331.

339 LEITE; AYALA, Dano ambiental..., p. 45.

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340 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. 6. ed. São Paulo:Peirópolis, 2009, p. 42.

341 PRIEUR, Michel. Droit de I’environnement. 6. ed. Paris: Dalloz,2011, p. 8.

342 Na doutrina, sobre o tema da educação em direitos, v. REIS,Gustavo Augusto Soares dos. A importância da Defensoria Pública emum Estado Democrático e Social de Direito. In: Revista Brasileira deCiências Criminais, n. 72, São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/jun.2008, especialmente p. 267-268.

343 GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Assistência jurídicapública: direitos humanos e políticas sociais. 2. ed. Curitiba: Juruá,2010, p. 23.

344 ANTUNES, Direito ambiental..., p. 45.

345 No plano legislativo, atestando a distinção conceituai entre osprincípios da prevenção e o princípio da precaução, v. art. 6-, parágrafoúnico, da Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006), e art. 3- da Leida Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187/2009) eart. 6-, I, da Lei da Política de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010).

346 GOMES, A prevenção à prova..., p. 22.

347 MACHADO, Direito ambiental brasileiro..., p. 75.

348 Também identificando a origem normativa do princípio daprevenção no art. 2- da Lei n. 6.938/81, v. MACHADO, Direitoambiental brasileiro..., p. 89.

349 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.89.

350 Adotando ambos os princípios de forma simultânea em matériaatinente aos agrotóxicos, v. decisão do STJ, sob a relatoria do Min.Campbell Marques: ‘AMBIENTAL. AGROTÓXICOS

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PRODUZIDOS NO EXTERIOR E IMPORTADOS PARACOMERCIALIZAÇÃO NO BRASIL. TRANSFERÊNCIA DETITULARIDADE DE REGISTRO. NECESSIDADE DE NOVOREGISTRO. 1. Somente as modificações no estatuto ou contrato socialdas empresas registrantes poderão ser submetidas ao apostilamento, demodo que a transferência de titularidade de registro também devesujeitar-se ao prévio registro. 2. O poder de polícia deve ser garantidopor meio de medidas eficazes, não por meio de mero apostilamento doproduto - que inviabiliza a prévia avaliação pelos setores competentesdo lançamento no mercado de quantidade considerável de agrotóxicos- até para melhor atender o sistema jurídico de proteção ao meioambiente, o qual se guia pelos princípios da prevenção e da precaução.3. Recurso especial não provido” (STJ, REsp 1.153.500/DF, 2- Turma,Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. 7-12-2010).

351 “AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR EDE SENTENÇA. LEGITIMIDADE. PESSOA JURÍDICAINTERESSADA. POSSIBILIDADE DE GRAVE LESÃO À ORDEME ECONOMIA PÚBLICAS. EXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DAPREVENÇÃO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DEFERIDO. AGRAVOREGIMENTAL DESPROVIDO. (...) III - O transporte de animais doEstado do Rio Grande do Norte (área não livre de febre aftosa) para oEstado do Tocantins (área livre da referida moléstia), sem ocumprimento dos normativos aplicáveis, pode, em tese, causar acontaminação do rebanho do local de destino, o que enseja grave lesãoà ordem e à economia públicas. V - A sobrelevação dos riscos permiteconcluir pela aplicação do princípio da prevenção, pois o perigo degrave dano ou de lesão irreversível é passível de ocorrência em caso decontaminação. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg na SLS1749/RN, Corte Especial, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15-5-2013).

352 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.95.

353 DENNINGER, Erhard. Racionalidad tecnológica, responsabilidadética y derecho postmoderno. In: Revista DOXA, n. 14, 1993, p. 368.

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354 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p.95.

355 KLOEPFER, Umweltrecht..., p. 173.

356 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. O princípio da precaução nodireito do ambiente. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade deDireito de Lisboa, 2002, p. 25.

357 GOMES, A prevenção à prova..., p. 38.

358 FREITAS, Juarez. Princípio da precaução: vedação de excesso ede inoperância. In: Separata Especial de Direito Ambiental da RevistaInteresse Público, n. 35, 2006, p. 36.

359 Como destaca Carla A. Gomes, o perigo teria causas naturais, aopasso que o risco teria na sua origem causas humanas, ou seja, seria oproduto da intervenção humana no ambiente natural. GOMES, Aprevenção à prova..., p. 17.

360 A poluição por poluentes orgânicos persistentes (POPs) édenominada “poluição invisível”, o que caracteriza bem a natureza dosperigos causados pela sociedade pós-industrial às comunidadeshumanas, que não são capazes de identificar os riscos que se fazempresentes no seu cotidiano de vida sem dados e estudos científicosespecíficos. Sobre o tema, ver estudo divulgado pela organização nãogovernamental Greenpeace no ano de 2001. Poluentes orgânicospersistentes: poluição invisível e global. Documento disponível em:www.greenpeace.org.br. Na doutrina jurídica, v. ALBUQUERQUE,Leticia. Poluentes orgânicos persistentes: uma análise da Convençãode Estocolmo. Curitiba: Juruá, 2006.

361 A respeito da aplicação do princípio da precaução pelo SuperiorTribunal de Justiça ante a ausência de respaldo técnico-científico paraa liberação de determinada atividade: “ADMINISTRATIVO.AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.CULTIVARES DE SOJA. VARIAÇÃO NA COR DO HILO.AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA. OMISSÃO DO

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MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA EABASTECIMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DEESTUDOS TÉCNICOS-CIENTÍFICOS. DIREITO LÍQUIDO ECERTO NÃO EVIDENCIADO. MANDADO DE SEGURANÇADENEGADO. 1. Insurge-se a impetrante contra a omissão daautoridade coatora em normatizar a questão da variação da tonalidadede cor do hilo das sementes de soja. 2. O meio ambiente equilibrado -elemento essencial à dignidade da pessoa humana como ‘bem de usocomum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’ (art. 225 daCF), integra o rol dos direitos fundamentais. Nesse aspecto, por suaprópria natureza, tem o meio ambiente tutela jurídica respaldada porprincípios específicos que lhe asseguram especial proteção. 3. Odireito ambiental atua de forma a considerar, em primeiro plano, aprevenção, seguida da recuperação e, por íim, o ressarcimento. 4. Acontrovérsia posta em exame no presente mandamus envolve questãoregida pelo direito ambiental que, dentre os princípios que regem amatéria, encampa o princípio da precaução. 5. Deve prevalecer, nopresente caso, a precaução da administração pública em liberar oplantio e comercialização de qualquer produto que não sejacomprovadamente nocivo ao meio ambiente. E, nesse sentido, oMinistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA temtomado as providências e estudos de ordem técnico-científica para asolução da questão, não se mostrando inerte, como afirmado pelaimpetrante na inicial. 6. Não se vislumbra direito líquido e certo daempresa impetrante em plantar e comercializar suas cultivares, até quehaja o deslinde da questão técnico-científica relativa à ocorrência devariação na cor do hilo das cultivares. 7. Mandado de segurançadenegado” (STJ, MS 16.074/DF, 1- Seção, Rei. Min. Arnaldo Esteves,j. 9-11-2011).

362 STJ, REsp 1.060.753/SP, 2â Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, j.1M2-2009.

363 Na doutrina, analisando a aplicação do princípio da precaução àluz da dupla face do princípio da proporcionalidade, v. FREITAS,Juarez. Princípio da precaução: vedação de excesso e de inoperância.In: Separata Especial de Direito Ambiental da Revista Interesse

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Público, n. 35, 2006, p. 33-48; inclusive com análise jurisprudência!,WEDY, Gabriel. 0 princípio constitucional da precaução: comoinstrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública. BeloHorizonte: Editora Fórum, 2009.

364 Na jurisprudência, destaca-se a aplicação do princípio daprecaução em questão envolvendo as radiações eletromagnéticas:“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. REQUISITOS PARAO LICENCIAMENTO DE ESTAÇÕES DE RÁDIO-BASE. Pedido deantecipação de tutela em ação civil pública movida contra empresa detelefonia celular para desativação de estações de rádio-base situadasnas proximidades de hospitais, clínicas e escolas. Descumprimentopela empresa de telefonia do longo prazo de adequação estabelecidopela Lei Municipal de Porto Alegre 8.896/2002 (três anos). Incidênciado princípio da precaução, no caso concreto, em face da relevantedúvida científica acerca dos malefícios das radiações emitidas poressas estações. Risco de dano irreparável, pois o objetivo é a proteçãode crianças e pacientes dos estabelecimentos escolares e hospitalaressituados nas proximidades das estações (menos de 50 metros) (grifosnossos). Presença dos pressupostos para a concessão da antecipação detutela. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido” (TJRS, AI70012938981, 3- Câm. Cível, Rei. Des. Paulo de Tarso Sanseverino, j.16-3-2006).

365 MORATO LEITE; AYALA, Dano ambiental..., p. 55-56.

366 Na doutrina, a respeito do princípio da cooperação ambiental noplano internacional, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; AYALA,Patryck de Araújo. Cooperação internacional para a preservação domeio ambiente: o direito brasileiro e a convenção de Aarhus. RevistaDireito GV, v. 8, n. 1, São Paulo jan.-jun. 2012, p. 297-327.

367 KLOEPFER, Umweltrecht..., p. 198.

368 SEN, Desenvolvimento como liberdade..., p. 9.

369 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 125.

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370 MACHADO, Direito ambiental brasileiro..., p. 59.

371 Conforme apontam Henri Acselrad, Selene Herculano e José A.Pádua, “o tema da justiça ambiental - que indica a necessidade detrabalhar a questão do ambiente não apenas em termos de preservação,mas também de distribuição e justiça - representa o marco conceituainecessário para aproximar em uma mesma dinâmica as lutas popularespelos direitos sociais e humanos e pela qualidade coletiva de vida esustentabilidade ambiental”. ACSELRAD, Henri; HERCULANO,Selene; PÁDUA, José Augusto (Orgs.). Justiça ambiental e cidadania.2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004, p. 16.

372 No contexto do Direito Ambiental Internacional, tratando dautilização equitativa dos recursos naturais compartilhados, v. KISS;SHELTON, Guide to international environmental law..., p. 108-109.

373 SHELTON, Dinah. Equity. In: BODANSKY, Daniel; BRUNNÉE,Jutta; HEY, Ellen (Edit.). The Oxford Handbook of InternationalEnvironmental Law. New York: Oxford University Press, 2007(reprinted 2010), p. 642-643.

374 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, associacionismoe publicismo no direito do ambiente: ou o rio da minha terra e asincertezas do direito público. In: Textos “Ambiente e Consumo”,volume I. Lisboa: Centro de Estudos Jurídicos, 1996, p. 157-158.

375 Na linha do que foi sustentado, analisando a questão ecológica àluz do paradigma socioambiental que lhe é inerente, registra-se decisãoemblemática do STJ, sob a relatoria do Desembargador (Convocado)Celso Limongi, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:“DANO AMBIENTAL. CASEBRE. O paciente foi condenado pelaprática do crime previsto no art. 40 da Lei n. 9.605/1998, pois em 1996invadiu área de preservação ambiental e construiu uma moradia demadeirite de 22 m2, depois convertida em outra, de barro. Nessecontexto, vê-se que o dano não deriva da construção da casa, mas simda retirada da vegetação ali existente, ou seja, quando da construção, odano já ocorrera, além do fato de que não havia a norma incriminadoraà época. A reforma da casa nada acrescenta ao dano ambiental, visto

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não se pode dizer que o barro utilizado na obra consubstanciasse novainfração, pois isso não está na denúncia. Outrossim, a afirmativa feitapelo MP de que os danos também decorrem da permanência ilegal naárea não se relacionam com o referido tipo penal, mas sim com aocupação de área pública. Anote-se, também, que o depoimento dopaciente nos autos bem mostra que não se cuida de dolo necessário aotipo do art. 40 da Lei n. 9.605/1998, mas sim que o dolo era o deconstruir moradia para si e para sua família, mesmo ciente de que aárea não lhe pertencia: trata-se de caso de política ambiental, não depolítica criminal. Por último, ressalte-se que a área degradada édiminuta, menor do que a admitida no programa ‘Minha Casa, MinhaVida’, que a dimensão do dano causado à vegetação perde relevânciadiante do direito de morar, garantido, no art. 6- da CF/1988, comodireito fundamental e que o paciente, reconhecidamente, tem baixograu de instrução ou escolaridade. Com esses fundamentos, a Turmaconcedeu a ordem para restaurar a sentença absolutória. Precedentescitados: REsp 897.426-SP, DJe 28-4-2008, e HC 148.061-SC, DJe 23-8-2010” (STJ, HC 124.820/DF, 6â Turma, Rei. Min. Celso Limongi(Desembargador convocado do TJ-SP), j. 5-5-2011).

376 “Art. 2- (...) VI - consentimento prévio informado - consentimentoformal, previamente concedido por população indígena ou comunidadetradicional segundo os seus usos, costumes e tradições ou protocoloscomunitários; (...) Art. 9- O acesso ao conhecimento tradicionalassociado de origem identificável está condicionado à obtenção doconsentimento prévio informado” (grifos nossos).

377 “Art. 8- Ficam protegidos por esta Lei os conhecimentostradicionais associados ao patrimônio genético de populaçõesindígenas, de comunidade tradicional ou de agricultor tradicionalcontra a utilização e exploração ilícita. §1-0 Estado reconhece o direitode populações indígenas, de comunidades tradicionais e deagricultores tradicionais de participar da tomada de decisões, noâmbito nacional, sobre assuntos relacionados à conservação e ao usosustentável de seus conhecimentos tradicionais associados aopatrimônio genético do País, nos termos desta Lei e do seuregulamento. (...) Art. 10. Às populações indígenas, às comunidades

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tradicionais e aos agricultores tradicionais que criam, desenvolvem,detêm ou conservam conhecimento tradicional associado sãogarantidos os direitos de: IV - participar do processo de tomada dedecisão sobre assuntos relacionados ao acesso a conhecimentotradicional associado e à repartição de benefícios decorrente desseacesso, na forma do regulamento.” (grifos nossos)

378 0 trecho que segue sobre as considerações gerais do princípio daproporcionalidade foi, na sua essência, retirado a partir das idéiaslançadas no âmbito da obra do coautor SARLET, A eficácia dosdireitos fundamentais..., p. 395 e s.

379 Abordando especiíicamente a temática referida, v. GAVIÃOFILHO, Anízio Pires. O direito fundamental ao ambiente e aponderação. In: AUGUSTIN, Sérgio; STEINMETZ, Wilson (Org.).Direito constitucional do ambiente: teoria e aplicação. Caxias do Sul:EDUCS, 2011, p. 51-69; e STEINMETZ, Wilson. O caso da “Farra doBoi”: uma análise a partir da teoria dos princípios. In: AUGUSTIN,Sérgio; STEINMETZ, Wilson (Org.). Direito constitucional doambiente: teoria e aplicação. Caxias do Sul: EDUCS, 2011, p. 71-86.

380 MARTINS, O princípio da precaução..., p. 27.

381 CANOTILHO, Direito constitucional ambiental português..., p.10.

382 Para uma descrição dos antecedentes filosóficos da ideia deproporcionalidade, bem como da evolução do conceito na história dodireito, v. GUERRA FILHO, W. S. Teoria processual da Constituição.São Paulo: Celso Bastos, 2000, p. 71-80.

383 Nesse sentido, v. ÁVILA, Humberto B. Teoria dos princípios: dadefinição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo:Malheiros, 2004, especialmente p. 87 e s., sem que se esteja aqui aaderir à terminologia (postulado normativo-aplicativo) proposta peloautor. Para um diálogo com Humberto Ávila, designadamente no quediz com as críticas por este endereçadas à concepção de Robert Alexy,

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v., por todos, SILVA, Virgílio A. da. Direitos fundamentais: conteúdoessencial, restrições e eficácia. 2. ed. Malheiros, 2010, p. 56 e s.

384 No tocante a esse entendimento, v. ampla jurisprudência do STF.Na doutrina, dentre muitos, v. MENDES, Gilmar F. Direitosfundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direitoconstitucional. São Paulo: Celso Bastos, 1998, p. 83; assim comoBARROSO, Luís R. Interpretação e aplicação da Constituição:fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed.São Paulo: Saraiva, 2003, p. 237. A respeito do devido processoambiental e, consequentemente, a vinculação ao princípio daproporcionalidade das medidas administrativas e legislativas adotadasno âmbito da proteção ecológica, v. AYALA, Patryck de Araújo.Devido processo ambiental e o direito fundamental ao ambiente. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2011, especialmente p. 325 e s.

385 ‘Art. 8- Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos finssociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo adignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, arazoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

386 Sustentando esse entendimento, v. FREITAS Juarez.Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução.In: Direito e Justiça. Revista da Faculdade de Direito da PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul, vol. 31, 2006, p. 14.

387 Nesse sentido, dentre muitos, v. ÁVILA, Teoria dos princípios...,p. 116 e s.

388 V., novamente, ÁVILA, Teoria dos princípios..., p. 122 e s.

389 Importa registrar, nesse ponto, a discussão doutrinária a respeitoda fungibilidade dos princípios da proporcionalidade e darazoabilidade, especialmente a existência de fortes posições que,também entre nós, sustentam a ausência de identidade entre ambos,notadamente quanto ao fato de que o princípio da proporcionalidadetal como desenvolvido dogmaticamente na Alemanha (embora tambémlá não de modo completamente uniforme e incontroverso quanto a uma

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série de aspectos) não equivale pura e simplesmente à razoabilidadedos americanos (como, por exemplo, chega a sugerir BARROS,Suzana de T. O princípio da proporcionalidade e o controle deconstitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais.Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 57), e que possui, portanto, umsentido e conteúdo distintos (pelo menos parcialmente, considerandoespecialmente as noções de proporcionalidade em sentido amplo e emsentido estrito dos alemães). A respeito desse ponto, remetemos, nadoutrina brasileira, especialmente aos estudos de STEINMETZ,Wilson A. Colisão de direitos fundamentais e princípio daproporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 173e s.; SILVA, Virgílio A. da. O proporcional e o razoável. In: Revistados Tribunais, vol. 798, 2002, p. 27 e s.; bem como as diversaspossibilidades de distinção apresentadas por ÁVILA, Teoria dosprincípios..., em especial p. 102 e s.

390 A respeito desses três critérios e sua aplicação, v., dentre tantos,SCHOLLER, H. O princípio da proporcionalidade no direitoconstitucional e administrativo da Alemanha. In: Revista InteressePúblico, n. 2,1999, p. 97 e s. Entre nós, v. também nesse sentido (pelomenos em linhas gerais e no que diz com a adoção deste exame daproporcionalidade em três níveis, consoante o paradigma germânico)as já clássicas contribuições de BONAVIDES, Paulo. Curso de direitoconstitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 360 e s.;BARROS, O princípio da proporcionalidade...; STEINMETZ,Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade...,p. 137 e s.; ÁVILA, Teoria dos princípios..., p. 112 e s.; SILVA,Direitos fundamentais..., p. 167 e s.; e MENDES, Gilmar F.;BRANCO, Paulo G. Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2012, p. 257 e s.

391 V., por todos e entre nós, DIMOULIS, Dimitri; e MARTINS,Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revistados Tribunais, 2007, p. 198 e s.

392 Com esse entendimento, seguindo o magistério de BernhardSchlink, na Alemanha, v. DIMOULIS; e MARTINS, Teoria geral dos

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direitos fundamentais..., p. 226 e s., argumentando que falta umamedida objetiva para a ponderação. Por último, aderindo a tal posição,mas não exatamente pelos mesmos fundamentos, v. ROTHENBURG,Walter C., Princípio da Proporcionalidade. In: OLIVEIRA NETO, O.de; e LOPES, M. E. de Castro (Org.). Princípios processuais civis naConstituição. São Paulo: Elsevier Editora, 2008, p. 303 e s.

393 V. SILVA, Direitos fundamentais..., especialmente, em síntese, p.174 e s.

394 V. CALLIESS, C., Die grundrechliche Schutzpflicht immehrpoligen Verfassungsrechtsverhãltnis. In: Juristen Zeitung (JZ),2006, p. 329.

395 CALLIESS, Die grundrechliche Schutzpflicht im mehrpoligen...,p. 330.

396 BELCHIOR, Germana P. N.; KRELL, Andreas Joachim. Osprincípios da ponderação e da proporcionalidade: instrumentos parasolucionar conflitos normativos que envolvem o direito fundamental aum ambiente sadio. Anais do XVIII Congresso Nacional doCONPEDI. São Paulo, nov. 2009, p. 2.724.

397 BARROS, O princípio da proporcionalidade..., p. 57.

398 A respeito desse ponto, v., especialmente, STEINMETZ, Colisãode direitos fundamentais..., p. 173 e s.; e SILVA, O proporcional e orazoável..., p. 27 e s.

399 SCHOLLER, O princípio da proporcionalidade..., p. 101-102.

400 V. ÁVILA, Teoria dos princípios..., p. 124-125. Em sentidoaproximado, a definição oferecida ao exame da proporcionalidade emsentido estrito por SILVA, O proporcional e o razoável..., p. 40 e s.,para quem o referido exame “consiste em um sopesamento entre aintensidade da restrição ao direito fundamental atingido e aimportância da realização do direito fundamental que com ele colide eque fundamenta a adoção da medida restritiva” (p. 40).

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401 Dentre muitos, v. ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais..., p.167 (“Quanto maior for o grau de não satisfação ou de afetação de umprincípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação dooutro”). Neste caso, faz-se necessário averiguar a relação deprecedência entre os direitos fundamentais em tensão no casoconcreto.

402 A respeito desse ponto v., em especial, SANTIAGO, J. M.Rodríguez de. La ponderación de bienes e intereses en el derechoadministrativo. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 12: “la mayor parte delas opiniones descaliíicadoras dei método de la ponderación incidan,casi siempre, en las mismas ideas: la imprevisibilidad de susresultados, la remisión a la justicia dei caso concreto, con lo que esosupone de pérdida en seguridad jurídica, la utilización de esa técnicacomo brecha a través de la cual se amplia el poder de quien tiene lacompetência para decidir en último término etc.”. Material paraaprofundamento a respeito da polêmica envolvendo a ideia deponderação no pensamento jurídico contemporâneo poderá serencontrado, dentre muitos, em LEISNER, W. Der Abwãgungsstaat:Verhãltnismãssigkeit ais Gerechtigkeit? Berlin: Duncker & Humblot,1997, especialmente p. 11-45. Na literatura jurídica brasileira, dentremuitos, SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses naConstituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003;STEINMETZ, Colisão de direitos fundamentais..., p. 193-207, bemcomo BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade eatividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, propondocritérios para uma metódica racional e controlável da ponderação. Emespecial, v. a postura crítica de STRECK, L. L. Verdade e consenso:Constituição, hermenêutica e teorias discursivas: da possibilidade ànecessidade de respostas corretas no direito. 2. ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007.

403 SANTIAGO, La ponderación de bienes..., p. 16. No mesmosentido, entre nós, a lição de SARMENTO, A ponderação deinteresses na Constituição Federal..., p. 146-147, em passagem quetranscrevemos literalmente: “a realidade dos fatos desmente a crença,algo pueril, de que seja possível equacionar more geométrico todos os

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contrastes potenciais entre as normas da Constituição, delimitandorigidamente os campos normativos de cada uma. Por isto, está certoKlaus Stern ao afirmar que ... en ninguna parte un ordenamentojurídico pode prescindir de la ponderación de bienes jurídicos”.

404 Sobre a dupla face do princípio da proporcionalidade,simultaneamente como proibição de insuficiência e proibição deexcesso, v. SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição eproporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entreproibição de excesso e proibição de insuficiência. In: RevistaBrasileira de Ciências Criminais, n. 47, mar.-abr. 2004, p. 60-122;STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição deexcesso (Ubermassverbot) à proibição de proteção deficiente(Untermassberbot): de como não há blindagem contra normas penaisinconstitucionais. In: Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra,vol. 80, 2004, p. 303-345; ROTHENBURG, Walter C. Princípio daProporcionalidade. In: OLIVEIRA NETO, O. de; e LOPES, M. E. deCastro (Org.). Princípios processuais civis na Constituição. São Paulo:Elsevier Editora, 2008, p. 309 e s.; FELDENS, Luciano. AConstituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle denormas penais.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005; e, por último, SARLET, Aeficácia dos direitos fundamentais..., p. 395 e s. No âmbito da manualística,v., por todos, MENDES, Gilmar F.; BRANCO, Paulo G. Gonet. Curso dedireito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 260 e s. Comenfoque voltado para a matéria ambiental, v. FREITAS, Juarez. Princípio daprecaução: vedação de excesso e de inoperância. In: Separata Especial deDireito Ambiental da Revista Interesse Público, n. 35, 2006, p. 33-48.

405 No julgamento do HC 104.410/RS, de relatoria do MinistroGilmar Mendes, resultou consignado na sua ementa: “O Tribunal devesempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplasmargens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar asmedidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens.Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadastransbordam os limites impostos pela Constituição - o que poderá ser

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verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibiçãode excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente(Untermassverbot) -, deverá o Tribunal exercer um rígido controlesobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leispenais transgressoras de princípios constitucionais” (Tribunal Pleno,Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 6-3-2012). Mais recentemente, nojulgamento do RE 778.889/PE, em processo de relatoria do Min. LuísRoberto Barroso, o STF voltou a enfrentar o tema: “DIREITOCONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.REPERCUSSÃO GERAL. EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DALICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1.(...) 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado.Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para acriação de laços de afeto e para a superação de traumas.Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensadaaos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa.Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteçãodeficiente. (...)” (Tribunal Pleno, Rei. Min. Luís Roberto Barroso, j.10-3-2016).

406 Sobre a possibilidade de responsabilização do Estado por danoscausados às vítimas de desastres ambientais associados às mudançasclimáticas, v. FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do Estadopelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientaisassociados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres deproteção ambiental do Estado e da correspondente proibição deinsuficiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. In:LAVRATTI, Paula; PRESTES, Vanêsca Buzelato (Orgs.). Direito emudanças climáticas (n. 2): responsabilidade civil e mudançasclimáticas (Instituto O Direito por um Planeta Verde). Disponível em:http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas/index.php?ling=por&cont=publicacoes. Sobre a questão da responsabilidade civildo Estado, em tema afeto à questão dos efeitos negativos dasmudanças climáticas (enchentes decorrentes de episódios climáticosextremos), v. decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Pauloem ação civil pública proposta pela Defensoria Pública: TJSP, AI

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990.10.427255-6, Seção de Direito Público, Câmara Especial de MeioAmbiente, Rei. Des. Renato Nalini, j. 3-2-2011.

407 V. CALLIESS, Die grundrechliche Schutzpflicht immehrpoligen..., p. 330.

408 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentaisna Constituição portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001,p. 144.

409 SARLET, Constituição e proporcionalidade..., p. 103-104.

410 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direitoprivado. Coimbra: Almedina, 2003, p. 119.

411 Idem, p. 122-123.

412 Idem, p. 123.

413 SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais..., p. 372.

414 Sobre o papel do Poder Judiciário na implementação da legislaçãoambiental, inclusive por força dos deveres de proteção a que seencontra vinculado, v. a emblemática decisão do Superior Tribunal deJustiça, de lavra do Min. Herman Benjamin: “Processual civil.Natureza jurídica dos manguezais e marismas. Terrenos de Marinha.Área de preservação permanente. Aterro ilegal de lixo. Danoambiental. Responsabilidade civil objetiva. Obrigação propter rem.Nexo de causalidade. Ausência de prequestionamento. Papel do Juizna implementação da legislação ambiental. Ativismo judicial.Mudanças climáticas. (...)” (STJ, REsp 650.728/SC, 2- Turma, Rei.Min. Herman Benjamin, j. 23-10-2007).

415 Na jurisprudência do STF, adotando o princípio da razoabilidadecomo critério hermenêutico, destaca-se o emblemático julgado sobre a“Farra do Boi” no Estado de Santa Catarina: “COSTUME -MANIFESTAÇÃO CULTURAL -ESTÍMULO - RAZOABILIDADE -PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS -

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CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o plenoexercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusãodas manifestações, não prescinde da observância da norma do incisoVII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática queacabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepanteda norma constitucional denominado ‘farra do boi’” (grifos nossos)(STF, RE 153.531/SC, 2- Turma, Rei. Min. Francisco Rezek, j. 3-6-1997).

416 BENJAMIN, O princípio da proibição de retrocesso ambiental...,p. 72.

417 Resultou consagrado no Princípio 25 da Declaração do Rio de1992 que “a paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental sãointerdependentes e indivisíveis”.

418 V., por todos, SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais..., p.437.

419 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra amaioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 196 e s.

420 Merece referência a expressão princípio da proibição deretrogradação socioambiental, difundida, entre nós, por MOLINARO,Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2007, na esteira da doutrina dorenomado professor alemão Michael Kloepfer, substituindo aexpressão “princípio de proibição de retrocesso ambiental (ousocioambiental)”. Todavia, por ser a expressão proibição de retrocessosocial já consagrada na doutrina e mesmo por apontar para aperspectiva mais ampla, da conexão entre os direitos sociais e a tutelaambiental no contexto da socioambientalidade, parece-nos maisadequado apenas adaptá-la para a sua feição ecológica, em vez de criaroutra denominação, evitando-se, assim, a multiplicação de expressõesreferentes ao mesmo instituto jurídico. Para maioresdesenvolvimentos, v. SARLET; FENSTERSEIFER, Direitoconstitucional ambiental..., p. 275-316.

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421 CANOTILHO, Direito constitucional ambiental português..., p. 5.

422 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 43.

423 A cláusula (e dever) de melhoria progressiva da qualidade de vida,no tocante à proteção do ambiente, pode ser encontrada também na Leide Bases do Ambiente Portuguesa (Lei n. 11/87), ao dispor, no seu art.40-, 1, que “é dever dos cidadãos, em geral, e dos sectores público,privado e cooperativo, em particular, colaborar na criação de umambiente sadio e ecologicamente equilibrado e na melhoriaprogressiva e acelerada da qualidade de vida”.

424 Também no âmbito jurisprudencial, mais precisamente noSuperior Tribunal de Justiça, verifica-se a consagração do princípio damelhoria progressiva da qualidade ambiental: “(...) Ante o princípio damelhoria da qualidade ambiental, adotado no Direito brasileiro (art.2-, caput, da Lei n. 6.938/81), inconcebível a proposição de que, se umimóvel, rural ou urbano, encontra-se em região já ecologicamentedeteriorada ou comprometida por ação ou omissão de terceiros,dispensável ficaria sua preservação e conservação futuras (e, commaior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal teseequivalería, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomiaaplicável a pretenso direito de poluir e degradar: se outros,impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmaiaram o meioambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todosbeneficie” (STJ, REsp 769.753/SC, 2- T, Rei. Min. Herman Benjamin,j. 8-9-2009).

425 De modo complementar, o art. 4-, VI, da Lei n. 6.938/81, entre osobjetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, destaca “apreservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à suautilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para amanutenção do equilíbrio ecológico propício à vida”.

426 BENJAMIN, Princípio da proibição de retrocesso ambiental..., p.62.

427 MOLINARO, Direito ambiental..., p. 99-100.

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428 CANOTILHO, O direito ao ambiente como direito subjetivo..., p.182.

429 TEIXEIRA, O direito ao meio ambiente..., p. 124. De acordo comRomeu Thomé, na caracterização do princípio da proibição deretrocesso socioambiental, “o Poder Público encontra-se impedido deadotar qualquer espécie de medida contrária ao equilíbrio ambiental,pesando sobre ele a obrigação de abstenção decorrente dasdeterminações constitucionais. Pretende-se que o legislador e/ou oadministrador público, no exercício de suas atribuições, seja sempreconduzido pelo objetivo de não suprimir ou reduzir o grau deintensidade normativa que os direitos socioambientais já tenhamalcançado” (THOMÉ, Romeu. O princípio da vedação de retrocessosocioambiental: no contexto da sociedade de risco. Salvador:Juspodivm, 2014, p. 206).

430 GAVIÃO FILHO, Direito fundamental ao ambiente..., p. 91-92.

431 Nesse sentido, v. SARLET, A assim designada proibição deretrocesso social e a construção de um direito constitucional comumlatino-americano. In: Revista Brasileira de Estudos Constitucionais -RBEC, n. 11, jul.-set. 2009, p. 190.

432 PRIEUR, Michel. Princípio da proibição de retrocesso ambiental.In: Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor eFiscalização e Controle do Senado Federal (Org.). O princípio daproibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012, p.45.

433 V., por todos, COURTIS, Christian. La prohibición de regresividaden materia de derechos sociales: apuntes introductorios. In: COURTIS,Christian (Comp.). Ni un paso atrás: la prohibición de regresividad enmateria de derechos sociales. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2006,p. 29 e s.

434 Para maior desenvolvimento, v. SARLET, A eficácia dos direitosfundamentais..., p. 394 e s. (capítulo sobre os limites aos limites dosdireitos fundamentais). De acordo com Paula S. Amaral Mello, ao

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propor uma compreensão da garantia da proibição de retrocessoambiental à luz do princípio da proporcionalidade, “a ideia por trás daproibição de retrocesso ambiental é a progressiva implantação dodireito ao meio ambiente, o que não significa que as normasambientais não possam ser revistas. O que a proibição de retrocessoimpede, em última instância, é que garantias constitucionais e,consequentemente, proporcionais sejam suprimidas ou restringidas aponto de não mais exercerem a sua função como se jamais tivessemsido disciplinadas pelo legislador ordinário. Assim, uma vez alcançadodeterminado grau de concretização legal do direito à integridade doambiente e dos deveres associados, o legislador deixa de livrementedispor acerca da forma de sua conformação. (...) A proibição deretrocesso ambiental não mantém, contudo, o direito ao meio ambientee os deveres associados ‘imóveis’, porque se permite ao legislador,como se viu, que substituta a garantia ou restrinja-a de formaproporcional (...)” (MELLO, Paula S. Amaral. Direito ao meioambiente e proibição de retrocesso. São Paulo: Atlas, 2014, p. 130-131).

435 Por último, v. a minuciosa análise de PINTO E NETTO, Luisa C.O princípio de proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2010, especialmente p. 167 e s.

436 A respeito do “despertar” da doutrina para o princípio da proibiçãode retrocesso ambiental, tivemos a oportunidade de participar,juntamente com autores renomados do Direito Ambiental brasileiro einternacional - Michel Prieur, Antônio Herman Benjamin, CarlosAlberto Molinaro, Patryck de Araújo Ayala e Walter ClaudiusRothenburg -, do Colóquio Internacional sobre o Princípio daProibição de Retrocesso Ambiental, realizado pela Comissão de MeioAmbiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) doSenado Federal, sob a presidência do Senador Rodrigo Rollemberg,em 29 de março de 2012. As palestras do evento foram reunidas sob oformato de livro editado pelo Senado Federal: O princípio daproibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal/CMA,2012. No âmbito do direito comparado, v. CHACON, Mario Pena(Edit.). El principio de no regresión ambiental en Iberoamérica. Gland

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(Suiça): UICN - Union Internacional para la Conservación de laNaturaleza/Programa de Derecho Ambiental, 2015. Disponível em:<https://portals.iucn.org/library/sites/library/iiles/documents/EPLP-084.pdf>.

437 Na jurisprudência brasileira, no sentido de reconhecer a dimensãoecológica da garantia constitucional da proibição de retrocesso,notadamente em matéria urbano-ambiental, merece destaque julgadodo STJ: “Processual civil, administrativo, ambiental e urbanístico.Loteamento City Lapa. Ação civil pública. Ação de nunciação de obranova. Restrições urbanístico-ambientais convencionais estabelecidaspelo loteador. Estipulação contratual em favor de terceiro, de naturezapropter rem. Descumprimento. Prédio de nove andares, em área ondesó se admitem residências unifamiliares. Pedido de demolição. Víciode legalidade e de legitimidade do alvará. lus variandi atribuído aoMunicípio. Incidência do princípio da não regressão (ou da proibiçãode retrocesso) urbanístico-ambiental. (...) 1. As restrições urbanístico-ambientais convencionais, historicamente de pouco uso ou respeito nocaos das cidades brasileiras, estão em ascensão, entre nós e no DireitoComparado, como veículo de estímulo a um novo consensualismosolidarista, coletivo e intergeracional, tendo por objetivo primáriogarantir às gerações presentes e futuras espaços de convivência urbanamarcados pela qualidade de vida, valor estético, áreas verdes eproteção contra desastres naturais. (...) 10. O relaxamento, pela vialegislativa, das restrições urbanístico-ambientais convencionais,permitido na esteira do ius variandi de que é titular o Poder Público,demanda, por ser absolutamente fora do comum, ampla e fortemotivação lastreada em clamoroso interesse público, posturaincompatível com a submissão do Administrador a necessidadescasuísticas de momento, interesses especulativos ou vantagenscomerciais dos agentes econômicos. 11.0 exercício do ius variandi,para flexibilizar restrições urbanístico-ambientais contratuais, haveráde respeitar o ato jurídico perfeito e o licenciamento doempreendimento, pressuposto geral que, no Direito Urbanístico, comono Direito Ambiental, é decorrência da crescente escassez de espaçosverdes e dilapidação da qualidade de vida nas cidades. Por issomesmo, submete-se ao princípio da não regressão (ou, por outra

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terminologia, princípio da proibição de retrocesso), garantia de que osavanços urbanístico-ambientais conquistados no passado não serãodiluídos, destruídos ou negados pela geração atual ou pelas seguintes(...)” (STJ, REsp 302.906/SP, 2- T., Rei. Min. Herman Benjamin, j. 26-8-2010). O TJSP, por sua vez, inadmitiu a rediscussão de termo deajustamento de conduta em face do novo regramento trazido peloNovo Código Florestal, sob pena de violação do princípio da vedaçãode retrocesso: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVILPÚBLICA EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA -CONDENAÇÃO IMPOSTA SOB A VIGÊNCIA DA LEI N. 4.771/65- TERMO DE COMPROMISSO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTALFIRMADO SOB A ÉGIDE DE TAL TEXTO NORMATIVO -EDIÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL ATUAL - LEI N. 12.651/12 -APLICAÇÃO DE SEUS DITAMES COM O INTUITO DE SEPRESERVAR O PRINCÍPIO DA ISONOMIA -DESCABIMENTO -ARTIGOS 42, § 1- E 62 - SENSÍVEL REDUÇÃO DO GRAU DEPROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE - COISA JULGADA -PRESERVAÇÃO - PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO -DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO” (TJSP, AI2012816-29.2013.8.26.0000, lâ Câmara Reservada ao Meio Ambiente,Rei. Des. João Negrini Filho, j. 7-11-2013). O princípio da proibiçãode retrocesso ambiental foi utilizado na fundamentação de decisãomonocrática do Min. Luís Roberto Barroso, proferida em 11 de marçode 2016, no âmbito da ADI 5.447/DF, no sentido de reverter atosadministrativos federais que suspenderam períodos de defeso(proibição temporária à atividade pesqueira para preservação deespécies).

438 HÀBERLE, Libertad, igualdad, fraternidad..., p. 87.

439 O princípio da proibição de retrocesso foi consagrado naDeclaração Mundial sobre o Estado de Direito Ambiental da ComissãoMundial de Direito Ambiental da IUCN (2016), por ocasião do 1-Congresso Internacional de Direito Ambiental da IUCN, realizadoentre os dias 27 e 29 de abril de 2016, na Cidade do Rio de Janeiro.Dispõe o Princípio 11 do documento: “Principie 11 (Non-regression) -States, sub-national entities and regional integration organisations shall

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not allow or pursue actions that have the net effect of diminishing thelegal protection of the environment or of access to environmentalJustice”. Disponível em: <http://welcongress.org/wp-content/uploads/2016/10/Draft-World-Declaration-on-the-Environmental-Rule-of-Law-2016.pdf>.

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Table of Contents1. SUMÁRIO2. ABREVIATURAS3. NOTA DOS AUTORES À 2a EDIÇÃO4. NOTA DOS AUTORES À Ia EDIÇÃO5. PREFÁCIO6. INTRODUÇÃO CLASSIFICAÇÃO, FUNÇÕES, EFICÁCIA E

APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS EM MATÉRIAAMBIENTAL

7. 1 PRINCÍPIO DO ESTADO (SOCIO)AMBIENTAL DE DIREITO8. 2 PRINCÍPIO DO FEDERALISMO COOPERATIVO ECOLÓGICO

1. 2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O PRINCÍPIO DOFEDERALISMO "COOPERATIVO" ECOLÓGICO

2. 2.2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE COMOEXPRESSÃO DO FEDERALISMO COOPERATIVOECOLÓGICO

9. 3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUADIMENSÃO ECOLÓGICA

1. 3.1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO ECONTEÚDO NORMATIVO DO PRINCÍPIO (E VALOR)CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOAHUMANA

2. 3.2. A DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DADIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

10. 4 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DO ANIMAL NÃO HUMANO EDA VIDA EM GERAL

11. 5 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE1. 5.1. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE COMO MARCO

JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO ESTADO(SOCIO)AMBIENTAL DE DIREITO

2. 5.3. SOLIDARIEDADE ENTRE DIFERENTES GERAÇÕESHUMANAS (E O PRINCÍPIO DA EQUIDADEINTERGERACIONAL)

3. 5.4. SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES NATURAIS?

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12. 6 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE EM FACE DASPRESENTES E DAS FUTURAS GERAÇÕES

13. 7 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR

14. 8 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL1. 8.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CONCEITO DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL2. 8.2. OS TRÊS PILARES (SOCIAL, ECONÔMICO E

AMBIENTAL) DA SUSTENTABILIDADE3. 8.3. PRINCÍPIO DO CONSUMO SUSTENTÁVEL: O DEVER

JURÍDICO DE CONSUMIR PRODUTOS E SERVIÇOSECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEIS

15. 9 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO AMBIENTAL DA POSSE E DAPROPRIEDADE

16. 10 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA1. 10.1. INTRODUÇÃO: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

SOBRE A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO ESTADO(SOCIO)AMBIENTAL DE DIREITO

2. 10.2. OS TRÊS PILARES DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃOPÚBLICA EM MATÉRIA AMBIENTAL A PARTIR DADECLARAÇÃO DO RIO (1992) E DA CONVENÇÃO DEAARHUS (1998)

3. 10.3. O ACESSO À JUSTIÇA EM MATÉRIA AMBIENTALCOMO GARANTIA DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

4. 10.4. EDUCAÇÃO AMBIENTAL17. 11 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO18. 12 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO19. 13 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO (NACIONAL E

INTERNACIONAL)20. 14 PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO E DO ACESSO

EQUITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS21. 15 PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA

RAZOABILIDADE1. 15.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS PRINCÍPIOS

DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE3782. 15.2. A PROPORCIONALIDADE ENTRE PROIBIÇÃO DE

PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO (E

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A INCONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS -LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS -VIOLADORAS DODIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE)

22. 16 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO AMBIENTAL23. REFERÊNCIAS24. NOTAS