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Regra gramatical e regra linguística A autoestima lingüística do brasileiro é muito baixa. Eu ouço os meus alunos dizerem o tempo todo que não sabem português, que português é difícil, que há muitas regras para decorar, e mais exceções ainda. Ora, quando pensamos em regras da língua, temos que distinguir dois tipos de regra: as que são

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outra, com o verbo no singular, como a forma incorreta. Funciona assim para o português e outras línguas latinas, mas em inglês já é bem diferente. Se pegarmos em inglês as formas equivalentes a: Eu vou - Tu vais - Ele vai - Nós vamos - Vos ides - Eles vão Fica assim: I go - You go - He goes - We go - You go - They go Uma tradução literal para o português faria a flexão verbal ser assim: Eu vai - Tu vai - Ele vão - Nós vai - Vós vai - Eles vai

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Regra gramatical e regra linguística

A autoestima lingüística do brasileiro é muito baixa. Eu ouço os meus alunos dizerem o tempo todo que não sabem português, que português é difícil, que há muitas regras para decorar, e mais exceções ainda.

Ora, quando pensamos em regras da língua, temos que distinguir dois tipos de regra: as que são feitas pelos homens no sentido de sistematizar e regulamentar o uso que se faz da língua e as regras naturais, que são típicas de cada sistema linguístico.

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A regra gramatical tal como ela está descrita naqueles livrões chamados "gramáticas normativas" ela não pertence à língua propriamente dita. As gramáticas normativas assim são chamadas porque elas tem por função normatizar, regulamentar o uso da língua. É uma tentativa de manter um mínimo de unidade, o que é muito importante, especialmente em um país do tamanho do nosso.

Mas há outro tipo de regras nas línguas, que são as regras intrínsecas a elas. Vejam só: linguisticamente, não há nada que determine que "nós vamos" é uma forma melhor do que

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"nós vai". Apenas se elegeu, por diversas razões, inclusive razões históricas, o verbo flexionado para o plural como a forma correta, e a outra, com o verbo no singular, como a forma incorreta. Funciona assim para o português e outras línguas latinas, mas em inglês já é bem diferente.

Se pegarmos em inglês as formas equivalentes a:

Eu vou - Tu vais - Ele vai - Nós vamos - Vos ides - Eles vão

Fica assim:

I go - You go - He goes - We go - You go - They go

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Uma tradução literal para o português faria a flexão verbal ser assim:

Eu vai - Tu vai - Ele vão - Nós vai - Vós vai - Eles vai

Fazendo outra comparação com o inglês, um bom exemplo são os artigos. Os nossos artigos definidos sofrem flexão de gênero e número (masculino/feminino. Singular/plural, o/a/os/as). Pessoas que tiveram poucas chances de freqüentar a escola podem utilizar a forma “os menino”, mas não fazem o contrário, dizendo “o meninos”.

E qual será a razão disso?

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Eu pergunto, eu respondo: essa forma não pertence à língua portuguesa, é uma forma chamada“agramatical”, não faz parte do conjunto de regras lingüísticas que regem a nossa língua, que não permite que o substantivo vá para o plural e o artigo no singular. E isso independe da escolaridade do falante! O sujeito pode nunca ter se sentado em um banco de escola e ele nunca vai falar “o meninos”, “a menino”, “o menina”. Já um falante de língua inglesa que esteja dando os seus primeiros passos na aprendizagem da língua portuguesa constrói uma sentença assim, sabem

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por quê? Porque no inglês só existe um artigo definido, que é o “the”, e ele serve para masculino, feminino, singular ou plural: the boy/ the boys, the girl/the girls".

Eu vejo o caminho do domínio da norma padrão na reflexão sobre os fatos da língua, e não na valorização excessiva das regras. Não se aprende nada decorando - ou se se aprende, logo depois se esquece.

Quando refletimos e discutimos, nós formulamos hipóteses... e fica tudinho com a gente. Já ouviram falar na estória de dois homens que se encontram na estrada, cada um com um pão na mão? Eles trocam os

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pães e saem, cada um como chegou, carregando um pão. No entanto, se ao invés de pão eles estiverem carregando uma boa idéia e estiverem dispostos a trocar as suas idéias, após o encontro cada um leva consigo duas boas idéias.

Até a próxima!