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1 FÚRIA INOCENTE HILBERT FERNANDES MACHADO

Itamar –Terça –feira - PerSe · quanto à falta de atenção para os que procuram aumentar a ... Deles saem a energia negativa que ficara acumulada ... mas eu vou comer um baita

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FÚRIA

INOCENTE

HILBERT FERNANDES MACHADO

2

Purifica o teu coração antes de permitires que o amor entre nele, pois até o mel mais doce azeda num recipiente sujo.

Pitágoras

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DEDICAÇÃO

DEDICO ESTE LIVRO À MINHA ESPOSA, VANESSA,

ETERNAMENTE LINDA e ÀS MINHAS FILHAS, BIANCA E

SABRINA, ANJOS. À MINHA MÃE E MEUS IRMÃOS.

AOS MEUS AMIGOS, EM ESPECIAL À ELISABETH VIEIRA

LOPES, QUE SEMPRE ME APOIOU, AO SR. LUIS LIARTE FILHO (IN MEMORIAN) E JOSÉ CARLOS FERREIRA, QUE

ME GARANTIRAM UMA GRANDE PROFISSÃO.

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SOBRE O AUTOR

HILBERT FERNANDES MACHADO é natural de Tupã,

interior de São Paulo. Viveu um começo de vida atribulado devido à separação

de seus pais. Porém o crescimento sem o auxilio de seu pai deu

tanto a ele quanto aos irmãos um rápido amadurecimento. Atualmente atua como advogado, e a feitura deste livro

encerrou um sonho antigo, o de ser Autor.

Tem esperança que nosso País um dia mude a deficiência quanto à falta de atenção para os que procuram aumentar a

cultura, e possa chegar ao patamar dos poderosos países, que se

dedicam arduamente à isto.

Dados sobre o Autor:

Residência: Rua alto Alegre, 381

Cep: 17602-320 Tupã/SP

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ITAIMAR

Terça-Feira

Uma freada, o cantar de pneus seguido de um estrondo. Paulo ergueu os olhos, arregalados, quase deixando

escapar um grito com o susto que levou. Estava concentrado em

sua leitura com uma revista de moto que muito admirava. Correu por trás do balcão da pequena mercearia de duas

portas, herança deixada pelo avô ao pai, que o incumbira de

tomar conta enquanto viajava. Já na porta, viu o motivo de tamanho barulho. Na esquina

da calçada adjacente à sua, à distância de cinqüenta metros, um

veículo Voyage havia colidido contra um poste. Praticamente abraçou-o.

Várias pessoas, entre transeuntes e moradores, se

acotovelavam para ajudar o casal e o filho que estavam dentro. A mulher foi retirada com alguma dificuldade. Está toda

ensanguentada e com o rosto desfigurado, devido à negligência

em não usar o cinto de segurança, pensando que dentro de uma cidade pequena não há perigo de acidentes, ocasionando a

batida violenta de seu rosto contra o para-brisa.

O homem ficou preso às ferragens e o garoto estava sendo retirado pelo vidro traseiro.

Paulo não sabia se ia prestar socorro ou só ficava olhando

de longe. Nunca se deparou com uma situação dessas, incomum em uma rua que na maior parte do dia é deserta.

Essa rotina mudou nesse caso, onde um homem, não

acostumado à bebida, tomou uns copos a mais de sua tolerância em um almoço com a família e, enquanto dirigia, com reflexos

lerdos, um cachorro que cruzou sua frente foi suficiente para

perder a direção ao tentar desviar, chocando-se contra o poste. Paulo decide ligar para o resgate, mesmo não tendo

certeza se alguém já ligara.

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Correu novamente para dentro da mercearia, esbarrando

em uma das bancas de legumes, que espalhou batatas pelo

chão. Enquanto com uma das mãos ele esfregava o joelho

dolorido, com a outra pegava um telefone antigo, também

herança do avô, de trás do balcão. Mas antes de discar, lembrou-se de alguém que estava mais perto do que o resgate.

Precisamente a dois quarteirões dali. Decide então discar para

este. - Alô! – atendem do outro lado.

- Alô! Seu Cícero? É o Paulo.

- Oi! Olá Paulo. Como vai? - Bem! Estou ligando para saber se o Kaio está por aí! Ele

me disse que visitaria o Senhor hoje à tarde.

- Ele já veio e acabou de sair. - Ah, não! É que houve um acidente aqui e...

- É por isso mesmo que saiu. Passou um rapazinho aqui

em frente de bicicleta enquanto estávamos conversando à porta e disse sobre o acidente. Kaio saiu daqui em disparada.

- Então ainda bem. Ele já deve ter chegado aqui.

Obrigado. No local do acidente, o filho do casal, de onze anos, estava

ajoelhado na calçada ao lado da mãe ainda desmaiada,

esperando por socorro, com pessoas em volta tentando consolá-lo. Chorando e gritando pela mãe desconsoladamente, quase

não sente a mão que pousa suave em seu ombro.

Ele olha para trás a fim de ver quem é e sente um grande alívio ao ver Kaio ao seu lado.

O rapaz e seus pais são de fora e estavam na cidade

visitando parentes, mas já ouviram muitas estórias sobre ele. Mesmo sem nunca tê-lo visto, sentiu dentro de si que era ele.

Kaio, um rapaz de vinte e um anos, estatura mediana,

olhos castanhos combinando com os cabelos, se difere dos outros rapazes principalmente por seu jeito calmo e simpático.

- Como é seu nome? - Pergunta.

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- Robson. - Responde o rapaz, voltando-se triste para sua

mãe.

Kaio se agacha e toca afavelmente a testa da mulher, e o que o garoto vê é algo que nunca irá esquecer.

Os olhos de Kaio se tornam brancos como neve. Sua mão e

a parte em que a toca brilham, não ofuscamente, mas forte o suficiente para as pessoas em sua volta piscarem um pouco os

olhos a fim de se acostumarem com a luz.

A luz se apaga de repente e Kaio se levanta, um pouco cambaleando devido à gravidade dos ferimentos, passando

entre as pessoas para ir até o carro onde os bombeiros

terminavam de tirar o pai do garoto. Nesse meio tempo, a mulher abriu os olhos e, sem saber

direito o que aconteceu e o porquê de tanta gente em sua volta,

procura sentar-se. O filho, não acreditando no que presenciara, abraça-a, chorando, desta vez de felicidade.

O homem já estava na maca dos bombeiros, desmaiado,

quando Kaio encostou ao seu lado. Os bombeiros se afastaram um pouco, pois já sabem o que

irá acontecer.

Já houve várias oportunidades onde presenciaram Kaio prestando socorro. A primeira vez foi um choque, mas a partir

da segunda, não houve uma vez onde não conseguiram

disfarçar a alegria em vê-lo nestas situações. Ele toca o braço do homem, caído para fora da maca e, de

repente, o cura como fez com sua esposa.

Quando termina, o homem se levanta assustado: - Cuidado! Não! - Grita, com as mãos tentando proteger o

rosto, como se no carro estivesse.

- Calma, senhor! - Diz um dos bombeiros, segurando-o pelos braços.

Kaio se aproxima novamente, ainda com os olhos

embranquecidos pela energia. - O senhor bebeu antes de dirigir?

- Como sabe?

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- Porque eu sinto o que as pessoas têm antes de curá-las.

O senhor deveria ter mais responsabilidade. Se não quer pensar

em si, pense em sua família antes de beber e dirigir, principalmente quando elas estão juntas, no carro.

Após esse desabafo, inesperado para todos à sua volta,

Kaio se afasta das pessoas, que não se contêm e gritam, batendo palmas para ele.

Alguns metros à frente, mais isolado, ele olha para cima e

estende seu braço direito, com os dedos apontando para as nuvens. Deles saem a energia negativa que ficara acumulada

em seu ser. Dura apenas segundos para deixar seu corpo.

Quando termina, seus olhos voltam à tonalidade normal. Respira fundo e solta, esboçando um leve sorriso, feliz por mais

uma vez ter ajudado.

Olha para o outro lado da rua e vê Paulo gesticulando para chamar-lhe a atenção.

- Ei, Kaio! Passa aqui à tardinha para tomarmos um

guaraná! - Gritou. - Pode deixar que eu passo, sim.

Sua atenção é desviada quando o casal e a criança se

aproximam para agradecer-lhe. À tarde, precisamente as dezessete horas e trinta minutos,

Paulo estava fechando as portas corrediças de sua mercearia,

quando Kaio se aproximou por trás: - Movimento fraco, hoje?

- O que? Oh! Kaio! É você? É, o movimento não foi muito

bom hoje. E como meu pai está viajando, vou aproveitar e fechar mais cedo. Achei que não viesse mais!

Antes de terminar a frase, puxou de uma vez a porta e

quando ouviu um estampido, virou a chave da tranca. - Eu tive de ir à minha avó. Meu avô está terminando um

viveiro de pássaros e fui ajudá-lo.

Ambos começaram a descer a rua em direção a uma lanchonete ali perto.

- Que loucura aquele acidente hoje, não?

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- Nem me fale. Fazia tempo que eu não presenciava um

acidente tão feio. Coitados. Dei uma bronca no homem, mas

acho que só pelo susto já bastava para ele parar de beber antes de dirigir. Achei que iam ficar bravos comigo, mas acredita que

eles foram em casa e queriam me dar dinheiro pelo que fiz?

Paulo fez uma careta de inveja. - E você pegou?

- Lógico que não. Eu não tava prestando um serviço.

Estava ajudando. - Tá certo. Olá! Vamos parar nesta lanchonete.

Eles entraram no estabelecimento, que ficava na esquina

do quarteirão de baixo da mercearia. A frente é aberta, com um cercado feito de madeira e várias mesas. Dentro não era tão

grande, também havendo mesas e um grande balcão repleto de

salgados. No lugar não havia quase ninguém. Só um casal numa

mesa em um dos cantos e um senhor perto da entrada.

Kaio foi sentando à primeira mesa que viu. - Não sei você, mas eu vou comer um baita lanche. Estou

morrendo de fome - comenta Paulo, ao se sentar.

A garçonete chega sorrindo para Kaio, trazendo o cardápio.

- Oi!

- Oi! - Oi, também! - respondeu Paulo, mesmo sem ter sido com

ele o cumprimento - eu quero o especial da casa e um

refrigerante. E você, Kaio? - Só um suco de laranja, por favor.

A garçonete sai, ainda com um sorriso voltado para Kaio,

prometendo ser o mais rápida possível. - Mas que levada. Acho que você tem dois dons, Kaio. O

de curar pessoas e o de roubar as mulheres da cidade.

Ele se ruboriza. - Eu não. Eu tenho a minha namorada. E não tenho um

pingo de vontade de roubar mulher de ninguém.

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- Por falar em dom, você nunca me contou como adquiriu

o seu.

- Você nunca perguntou. Paulo se estica na cadeira, colocando no canto da boca um

palito que pegou no suporte de condimentos.

- Pois agora pode falar que eu quero saber. - Bom! Esse dom se manifestou quando eu tinha sete anos

de idade. Lembro-me que aconteceu dois dias após o natal. Eu

estava com mais três colegas indo a uma praça para estrear a bola que um deles havia ganho. Agora não me pergunte quem

era pois não me lembro.

- Enfim, estávamos a um quarteirão de distância quando avistamos uma pipa descer do céu, rodopiando, em direção à

pracinha. Meus colegas nem pensaram, e puseram-se a correr

em busca da bendita. Eu, para não ficar para trás, também corri. Acontece que a rua era muito deitada, uma senhora descida, e

eu estava com aqueles chinelos de dedo que teimam em

quebrar a tira que fica entre os dedos. - Não me diga que quebrou? - pergunta Paulo.

- Quebrou, me desequilibrei e, literalmente, voei sobre o

asfalto. Manja aqueles caras que jogam sacas de arroz em cima de caminhões para serem transportadas? Pois é, eu parecia uma

saca ao cair ao solo. Foi de uma vez.

Paulo faz uma careta como se tivesse sentido a dor. - E doeu muito?

- Se tá brincando ao perguntar isso, né? Claro que doeu!

Arrebentei os joelhos, cotovelos, mãos, queixo! Era puro asfalto. - Porém, na hora que tentava me levantar, a cada

movimento senti uma pontada aguda nos machucados. Achei

que era devido à dor que sentia. Mas foi que, de repente, a dor do braço direito sumiu. Olhei para ele e me espantei, pois o

machucado simplesmente desaparecera. Por reflexo fui tocar

onde estava o machucado com a mão esquerda e percebi que não sentia mais dor nesta mão também. Olhei para o ralado que

tinha na palma e o vi sumindo. Com o joelho foi o mesmo.

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- Fiquei ali parado, abismado por um bom tempo. Depois

fui para casa, entrei escondido e de mansinho para minha mãe

não ver o estado de minhas roupas. Como ia explicar o estado delas sem ter um arranhão no corpo? Troquei de roupa, e joguei

a velha em baixo da cama, para dar fim nela depois.

Kaio cessa a narrativa com a chegada da garçonete, que deixa as coisas e sai.

Paulo, morto de fome, abocanha seu lanche rapidamente.

- Hum!! - Tenta falar com a boca cheia. - Forquê ochê não falsou com chua mãe?

- Ô educação, hein? Ainda bem que não tem ninguém por

perto. Eu não falei nada porque queria primeiro tentar entender o que aconteceu. Lá na rua, após o acontecido, a reação que tive

era correr para casa e contar para minha mãe. Mas no meio do

caminho fui pensando “o que vou mostrar para ela acreditar em mim? A roupa rasgada e suja?”. Então fui guardando esse

segredo até os catorze anos, quando por um acontecimento que

me marcou, decidi ajudar os outros. - Comecei com o meu gato, que foi atropelado em frente

de casa. Quando fui pegá-lo, às portas da morte, ele se curou e

pulou de minhas mãos. Minha mãe me apoiou muito até hoje. Paulo, já na metade de seu lanche, ia dizer algo

novamente com a boca cheia, mas decidiu terminar de mastigar

quando viu o olhar reprovador de Kaio. - Você foi certo neste ato, mas podia tê-lo feito um pouco

mais cedo. Poderia ter ajudado mais pessoas.

- Acontece que após o primeiro acontecimento desse meu dom, ele só foi se manifestar novamente quando completei onze

anos e... Bom, é isso!

Ele pára de falar por uns instantes girando o canudo em seu copo, evitando contar o que realmente o motivou a ajudar

os outros.

- No começo, pensei que estava ficando louco. Não achei que fosse sonho, pois foi real demais o que aconteceu naquele

dia. O estranho é que foi só aquela vez que aconteceu. Alguns

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dias depois da primeira manifestação desse meu dom, eu estava

cortando minhas unhas com um cortador de unhas, mas acabei

cortando-a um pouco mais fundo. Saiu um pouco de sangue, chegou a doer, mas não aconteceu nada. Não curou sozinho.

Fiquei com uma pontadinha de dor o dia inteiro e nada. Só foi

manifestar quando fiz onze anos, como já te disse. Paulo terminou seu sanduíche e já estava folheando o

cardápio sobre a mesa, pensando se come outro.

Kaio ia tomar mais um gole de seu suco, quando parou o copo no meio do caminho e perguntou:

- Hoje é terça?

- É sim. - Caramba! Eu falei que ia às 5 horas da tarde na casa do

Sr. Luis ajudá-lo com o seu filho que adoeceu. Tchau! Depois a

gente conversa. Kaio tira o dinheiro do suco da carteira, coloca sobre a

mesa e desce correndo a rua, torcendo para encontrar algum

amigo de carro para dar-lhe uma carona. A cidade não é tão grande assim, mas a lanchonete em

que estava fica à 12 quarteirões da casa do Sr. Luis.

Ao aproximar-se à casa do Sr. Luis, o vê, por cima do muro baixo da casa, sentado na cadeira de sua varanda. Parou

um pouco, encostando no muro baixo, para tomar um ar.

- Vai entrando, Kaio. Você já é da casa. – disse, levantando-se e indo em sua direção, para abrir o portãozinho.

- Com licença, desculpe o atraso – diz, apertando sua mão

– Como vai seu filho? - Ele melhorou um pouco. A febre ainda está um pouco

alta, sabe.

Eles entram na casa, passando pela sala onde a esposa do Sr. Luis assiste a TV, fazendo tricô.

- Olá, D.Teresa.

- Oi, Kaio. O Luis conseguiu te enrolar de novo? - Que isso. Eu viria a qualquer hora que vocês

precisassem.

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- Não quer descansar um pouco antes de fazer aquilo que

você faz? Parece tão cansado – pergunta ela, apontando para o

pequeno sofá de um lugar ao lado do dela. - Não, Obrigado.

Luiz abre a porta do quarto de seu filho, que fica num

corredor ao lado da sala. Quarto modesto, com uma cama simples, o guarda-roupa

em frente e uma sapateira ao lado. Uns pôsteres de filmes na

parede quebram o clima de antiguidade. O menino está deitado, dormindo, coberto até o pescoço

com um cobertor.

- Ele está ruim mesmo. - Está sim. Sabe, eu não o chamaria, mas é que à meses

vínhamos planejando uma viagem para a praia, sonho dele,

pois nunca havia ido, e agora que consegui juntar um dinheirinho para isso, ele ficou doente. Queríamos ir amanhã

mesmo, se desse.

- Pois prepare as malas – brincou Kaio, aproximando-se do menino e quase tocando sua cabeça com a mão direita.

Seus olhos passaram a ficar totalmente brancos, e da

cabeça do menino saltaram pequenas faíscas em direção às pontas dos dedos de Kaio.

Não demora nem 15 segundos, quando termina. Kaio sai

de perto da cama e se aproxima da janela, apontando a mão para cima. Dela sai um fino raio que é lançado de uma só vez

para o céu.

Luis dá um passo para trás, espantado. “Nunca vou me acostumar com isso” – pensa.

Kaio já o ajudou uma vez, há três anos, quando seu braço

ficou preso em um torno na madeireira em que trabalhava. Sua mão e metade do antebraço ficaram totalmente mutilados e

teriam que ser amputados.

Entrou em desespero, quando ouviu da boca de um enfermeiro do hospital sobre um rapaz que fazia curas

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milagrosas com as mãos. A princípio não acreditou, mas diante

da situação, resolveu investigar e descobriu sobre Kaio.

Luis o chamou, prometendo pagar-lhe muito dinheiro, ou pelo menos o quanto podia dar, se Kaio não deixasse que ele

perdesse seu braço.

Ele ficou impressionado e muito assustado com os poderes dele, e mais impressionado ficou com sua bondade em

não aceitar um dinheiro sequer pelo ato, dizendo que só a

amizade já bastava. Passou a considerá-lo como seu segundo filho.

Mas algo que ele nunca se acostumou foi com o jeito com

que Kaio cura as pessoas. Católico fervoroso, ele não sabe se tem em sua frente um Deus reencarnado ou o próprio demônio

que engana a todos com sua falsa bondade, para no final fazer

algo terrível. E agora, vendo-o usar seus poderes estranhos novamente,

ele disfarça e desvia o olhar para o chão receando que algo

tenha dado errado. - Está feito. – diz Kaio, voltando-se para ele, agora com os

olhos normais.

O Sr. Luis chega perto de seu filho e acarecia-lhe os cabelos.

- Será que curou? Ele nem acordou.

- A cura é instantânea. É como um alívio para o doente. Seu filho nem sentiu pois está dormindo. Agora mais relaxado

sem a doença, ele irá dormir normalmente. É bom tirar o

cobertor de cima dele, ou vai sentir muito calor. Luis obedece imediatamente, dobrando o cobertor em

seguida e colocando na cabeceira da cama.

- Vamos sair e deixá-lo dormir então. – sugere, colocando a mão sobre o ombro de Kaio.

Quando já lá fora, tirou uma nota de cinqüenta do bolso e

a deu a Kaio, que imediatamente negou. - Não, obrigado. Eu não posso aceitar.

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- Ande, pegue! Você merece. – insiste Luis, tentando sem

sucesso fazê-lo segurar a nota com a mão. Então você vai ficar

para jantar. Ambos já estão na porta da cozinha, onde a esposa de

Luis está colocando a comida na mesa.

- Deixa para outra vez. Já está tarde e eu preciso ir para casa. Obrigado mesmo assim.

Ambos se cumprimentam e Kaio se dirige para a porta da

sala. - Tchau, D.Teresa.

- Tchau Kaio, e obrigada. Tome, leve esse abacaxi.

Sem poder negar, e com um sorriso amarelo, já que não gosta de abacaxi, ele acaba pegando.

Depois de deixar a casa, começa a subir a rua pela calçada.

Passa perto de uns meninos que estão sentados no chão brincando com umas figurinhas.

A rua sossegada e o calor tiram alguns moradores de suas

casas, que na calçada colocam o papo em dia, sentados em suas cadeiras de área.

Todos o cumprimentam, demonstrando total respeito por

sua pessoa. Há muitas árvores nas ruas da cidade, ocasionando um

frescor noturno aconchegante, não havendo porque as pessoas

ficarem enclausurados em suas casas. A maioria das residências ainda continua com estilo

antigo, barroco, mesmo com alguma coisa moderna, como

pinturas berrantes, portões de garagem com motor, entre outras coisas. Há poucas, porém, com exagero nos adornos e

ornamentos antigos.

Ele atravessa a rua e passa em frente à casa de D. Lucélia, que está debruçada no muro, olhando para ele desde que saiu

da casa do Sr. Luis.

“Saco, devia ter lembrado que a pior fofoqueira dessa cidade mora neste quarteirão” – pensa, apertando mais o passo.

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- Kaio! Tá tudo bem na casa do Sr. Luis? Sabe, eu vi aquela

luz e pensei que...

- Está tudo na santa paz, D. Lucélia. - Pare um pouco para conversar. – pede ela, pronta para

abrir o portãozinho.

- Não posso, estou com pressa. Deixa para a próxima. Ele então vira logo a esquina, aliviando-se de ter

conseguido escapar. D. Lucélia tem o péssimo costume de

segurar a pessoa até arrancar tudo o que quer saber, nem que passe o dia inteiro tentando.

O ar fresco da noite e as luzes meio fracas dos postes o

fazem relaxar enquanto caminha, pois agora não tem mais motivo para correr.

Passou em frente ao único prédio da cidade e viu seu

amigo José, o porteiro, lá dentro. Decide parar então perto da guarita, que fica rente à calçada.

- Ei, Zé. Ainda aí?

Ele leva um susto, já que estava concentrado com a TV. - Ah! É você? Pois é, esse Seu Guilherme vive atrasando.

Já está dez minutos atrasado. – responde mal humorado,

mostrando o relógio para Kaio. Kaio sorri.

- Ei, cara – fala José, que desliga a pequena TV e sai da

guarita, ficando no portão de entrada, ao lado de Kaio – aproveitando que está aqui, que tal curar esse meu dedo?

- O que tem ele? – pergunta, olhando para o dedo da mão

que José esticou em sua frente. - Não está vendo? Eu o prensei contra esse portão safado

hoje cedo, quando cheguei, e ainda está doendo um pouco.

Kaio o olha com cara negativa. - Eu não vou te curar de uma dorzinha. Se eu for curar

todo mundo que leva uma pancadinha, estou frito. Além de

todos ficarem mal acostumados. Tome, eu trouxe um abacaxi para você não chorar.

Ele passa a fruta para José, que pega bronqueado.

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- Eu lhe peço para me curar de uma doença que sofro, e

você me trata assim, me dando um abacaxi? E eu duvido que

comprou para mim. Você o ganhou e está dando embora. Eu sei que você não gosta de abacaxi.

- Larga mão de ser mal agradecido. Olá seu amigo

porteiro chegando. - Eis que chega o nosso schumaker brasileiro. – ironiza

José para seu colega de trabalho.

- Desculpa o atraso de novo, José. É que eu parei para conversar um pouco com um amigo no bar aqui perto.

- Um amigo branquinho de uns 30 centímetros que fica

atrás do balcão? – brinca Kaio. - Cuida da sua vida, Kaio. – responde, dando um pequeno

empurrão nele, brincando. Como estava um pouco aéreo, quase

caiu, ao desequilibrar-se. - Há! Há! Vambora, Kaio. Não vai dormir hein, Seu

Guilherme.

- Você também vai cuidar da sua vida. Os dois passam a subir a rua, ainda rindo. A iluminação

dos postes agora é mais forte, já que estão mais próximos da

avenida, típico de cidades pequenas, onde a iluminação é melhor no centro.

Passam em frente a um restaurante chique que tem ali

perto do prédio. Está cheio, pois é aniversário do prefeito da cidade e toda a nata da cidade, fazendeiros da região e

empresários, estão presentes.

José não deixou de fazer sua observação. - Olha quanto puxa saco. Garanto que se fosse meu

aniversário só viria minha mãe. Você eu não convido mais

porque não quis me curar. Kaio cutucou o braço de José.

- Pare de reclamar e veja uma coisa.

Ambos param o caminhar, como se para não cortar a entrada de alguns convidados que descem de seus carros

estacionados à frente ao restaurante.

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- Olá Kaio. Tudo bem?

- Oi, Sr. Marcos! – esse ai é o juiz. Curei de um problema

da artéria três meses atrás. – diz, enquanto ele entra no restaurante.

Logo atrás vinha uma senhora.

- Oi, Kaio. Como vai? - Tudo bem, D. Celeste. – essa aí é a mulher do prefeito.

Ajudei a filha dela no começo do ano.

- Kaio, como vai? - Oi, Dr. Antônio. – Rá! Esse eu não preciso dizer quem é,

sendo que é o único médico da cidade. Deve estar feliz comigo.

Os outros médicos foram embora por minha causa. Ta ganhando sem fazer nada.

Eles se afastam e atravessam a rua. José olha para ele com

olhar de desprezo e comenta: - Está querendo se mostrar para mim?

- Eu não!

- Então porque ficou falando daqueles riquinhos lá? - Eu só queria te mostrar que não é bem assim como você

diz que funciona. Eu não tenho dinheiro nem um status social.

Sou pobre. Mas os ajudei da forma como pude e por isso, se eu chamar para irem ao meu aniversário, garanto que irão. Antes

de reclamar de porque uma pessoa tem mais amizade ou “puxa

mais o saco” de outro, olhe para trás e veja se fez algo de bom para essas pessoas ou para qualquer outra. Para que mereça a

amizade deles.

- Tem que acabar esse negócio de separar as pessoas pelo que elas têm.

- Ei cara, calma! Eu só fiz um comentário vazio. Lá no

prédio mora bastante grã fino, e eu sou muito agradecido pela amizade que tenho com eles. Mas mudando de assunto, porque

você não cobra por seus serviços? Esse pessoal ia pagar uma

nota. - Eu não vou fazer isso. Meus poderes são para ajudar o

próximo, não para meu beneficio próprio.

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- Mas você não trabalha. Vai me dizer que sua mãe te

sustenta sozinha até hoje? Você com vinte e um anos? –

pergunta José desconfiado. - Não. Eu não cobro, mas também não impeço que me

ajudem. – confessa, dando de ombros. – tem gente que me dá

até dois salários quando eu ajudo. - Ainda é pouco pelo que faz, mas está bom. Vamos tomar

um refrigerante ali no bar? Eu pago – sugere José, apontando

para um bar na avenida onde acabaram de chegar. - Não dá. Eu tenho que jantar e tomar banho.

- Eu também. Mas você vai perder esse monte de gatinhas

que estão passeando aqui? – aponta para duas que vem descendo na mesma calçada. - Saca só.

Ele pára na frente delas.

- Oi gatinhas, posso conhecê-las? - Não! Responde as duas juntas, passando por ele sem

parar.

- Ah, então vão... Opa! Se anime, vem subindo uma gata. Kaio encosta na parede de uma loja de roupas com os

braços cruzados e fica só olhando.

- Agora sou obrigado a mostrar minhas armas. – diz, esfregando as mãos, vitorioso, e indo em direção a ela.

- Madame, só gostaria que soubesse que a luz do luar é

ofuscada ante sua beleza. Se tiver uma colher, a hora é agora de usá-la, pois estou dando sopa e... ei, espera. Eu não acabei

ainda.

A moça já estava no meio da rua, a fim de alcançar a outra calçada.

Kaio vai em direção ao amigo, e põe a mão em seu ombro.

- É, meu velho. É melhor irmos para casa. Primeiro que eu tenho namorada e segundo que sua maré não está pra peixe.

- Mas elas não perdem por esperar. – grita, apontando o

punho fechado para cima. – Virão rastejando um dia atrás de mim. Você vai ver.

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- Calma. Não desista. Um dia você chega lá. Lute e

conseguirá.

- É isso aí, ó grande Kaio! Salvador e filósofo nas horas vagas.

Ambos continuam caminhando pela avenida para suas

casas, movimentada devido ao fim de semana que se aproxima. Ficam em silêncio, um vencido pelo cansaço, o outro pelas

mulheres.

A noite passa tranqüila em Itaimar. Pequena, e com índice de criminalidade bem baixo, ela dorme em paz.

* * *

No outro dia, logo cedo, Kaio está defronte à casa de

Gabriela, sua namorada. É um sobrado com muro e portão bem altos, este último

de grade, possibilitando a visão lá de dentro.

Um cheiro agradável preenche o ar, resultado do acúmulo de várias flores do jardim, como rosas, hortênsias, crisântemos,

entre outras, bem distribuídas, seja em vasos no chão, ou na

grade que se escora no muro lateral, suportando trepadeiras que teimam em prender-se em suas hastes, subindo, buscando

ocupar todo o espaço que puder no muro.

O caminho por onde passa o carro da família com destino à garagem coberta corta o jardim, dividindo-o em dois.

O quarto dela fica no andar de cima e mesmo com o

portão somente encostado, Kaio decide gritar seu nome. - Ô Gabriela! – grita sem sucesso.

“Terei que chamá-la de outra forma” – pensa.

Então ele pega uma pedra pequena do chão. “Vou aproveitar que seus pais estão viajando para jogar

uma pedra na vidraça, igual aos filmes. Espero que não a

quebre”.

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Após um rápido e superficial beijo de sorte na pedra, ele a

lança, mas acaba acertando um vaso que estava no beiral da

janela, fazendo-o cair e se espatifar em muitos pedaços no chão. De repente, a janela se abre e um copo voa em sua direção.

- Ô louco! – grita ao se abaixar.

O copo se estilhaça na grade do portão. - Se tá doida, sua assassina? Tá querendo me matar?

- Mas eu vou mesmo. – esbraveja Gabriela, debruçada à

janela. – Já é a terceira vez este mês que você me deixa esperando por causa de seus doentes. E olha o que fez com meu

vaso.

- Hei! Não precisa falar assim. Eles precisam de minha ajuda. O que posso fazer? Você sabia disso quando aceitou meu

pedido de namoro. Não tem lógica ficar brava assim.

- Não tem lógica é o que vou fazer com você! Espera aí que estou descendo.

Ela entra, batendo forte a janela.

Kaio se assusta. - Ai, meu Deus! Será que corro ou fico aqui? – fala para si

mesmo, tentando imaginar o que poderia acontecer.

Só que antes de descobrir, ele abre o portão e corre para dentro da casa, a surpreendendo na porta da sala, ao abri-la.

Antes que Gabriela pudesse esboçar qualquer reação, ele a

toma nos braços e a beija. Um beijo longo e demorado. Não é por menos que ele a chama de a mulher mais linda

que já viu. Loiros, sem uso de qualquer química para isso, seus

cabelos lisos brilham quando os raios do sol o atingem. Tanta beleza se funde à cor rosada de sua pele e aos olhos cor de mel.

Mesmo com dezenove anos, seu rosto tem as feições de alguém

com quinze, delicado e vigoroso ao mesmo tempo. Porém hoje, por motivos só dela, ela deixou um pouco de

lado sua forma meiga.

Kaio pára de beijá-la, olha em seus olhos, se aproxima de seu ouvido e sussurra.

- Melhorou?

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Uma joelhada em sua coxa foi a resposta.

- Que é isso, pô? – pergunta, sentando-se no sofá com a

mão na perna atingida. - É que estou ruim de mira hoje, senão você ia deitar no

chão. Quanto à pergunta, agora melhorei.

- Como você é legal! Seus olhos ficam brancos, pequenas faíscas circundam

rapidamente seu corpo e a dor se vai tão rápido quanto veio.

Ao se levantar, estala os dedos na frente do rosto de Gabriela, fazendo sair uma pequena fumaça deles, resultado da

pouca energia negativa que retirou da pancada.

- Quer tentar outro chute? – pergunta, com um sorriso sarcástico.

- Seu metido. Porque se importa mais com essas pessoas

do que comigo? No começo do namoro eu te via mais do que agora. Mas aí foram aumentando seus doentes e você nem se

lembra mais de mim. – desabafa, convertendo seu olhar

nervoso para um triste e desolado. Kaio respira fundo e solta profundamente.

- Tá! Eu vou te explicar mais ou menos porque me

importo tanto. Senta aqui no sofá comigo. Gabriela se senta no sofá de um lugar de frente para o de

dois onde está Kaio.

- É o seguinte. O medo, quando eu era criança, em falar sobre o que aconteceu comigo aos outros me prejudicou muito.

Quando completei quatorze anos, o meu pai sofreu um acidente

de carro na pista. Bateu de frente com um caminhão que se desgovernou. Não tinha chance de sobrevivência, disseram os

médicos, pois o caminhão quase subiu em cima do carro. Tão

inacreditável que ultimamente andei pensando que aquilo deve ter sido um teste macabro para mim, em troca desse dom de

cura que recebi.

- Eu poderia salvá-lo, mas não tinha coragem de usar esse poder. Nem sabia como. Era muito criança, e estava assustado

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com tudo que de uma vez aconteceu. Enfim, por causa de

negligência e medo, meu pai morreu.

Ele dá uma pausa e abaixa a cabeça, triste. - Posso ser antiquado, mas o tinha como meu herói.

Qualquer problema que eu tinha, ele fazia de tudo para

resolver. Se na escola alguma criança brigava comigo, ele ia até a diretoria exigir providências.

- Confesso que ele era meio nervoso, mas sempre deixou

claro que se uma pessoa chateasse muito alguém, a ponto de não ter como resolver pacificamente, seja parente ou amigo, que

não era nem para ficar pensando mal dessa pessoa. A pessoa

que for chateada deve distanciar-se da que tratou mal, pois não há coisa melhor que o tempo para dissipar um

desentendimento entre duas pessoas. Com isso, quando após

um tempo for voltar a conversar com o desafeto, com certeza a amizade voltará mais forte ou mais fraca, mas nunca mais

ocorrerá outra briga dessas.

Mais uma vez Kaio pára por uns segundos de falar. - Não gosto de contar essa parte de minha vida. – diz.

Gabriela passa para o sofá em que seu namorado está e

segura sua mão, para dar-lhe conforto. - Me sinto responsável. – continua ele – Se eu tivesse

contado meu segredo a meus pais antes, teriam me ajudado a

aprender como usar esse poder e talvez ele estaria a salvo hoje. Ela então o abraça.

- Não adianta se culpar. Chegou a hora dele. Com ou sem

poderes isso ia acontecer. Não precisa estar em um avião para tê-lo como causa para a morte. Não se lembra daquele avião

que caiu em uma casa matando quem lá estava em São Paulo?

Se tivesse usado seus poderes, um outro motivo o levaria. - É verdade, mas dói muito. Bom, chega dessa fossa. –

encerra, levantando-se. Passei para ver se quer der uma volta

comigo. - Não dá, tenho que arrumar a casa.

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- Então vim na hora errada. Vou tratar de fugir e dar um

pulo no hospital.

Gabriela também se levanta e o beija. - Desculpa pelo chute. Só me aproveitei do fato de que

você sara rápido. Vê se volta depois, hein?

- Ei, algum dia eu te deixei esperando? – pergunta, com um sorriso malandro.

- Quer que eu responda.

Ela bate rápido com a palma da mão no joelho direito e Kaio leva um susto, deixando a sala rapidamente, após dar

tchau, com medo de levar outro chute.

Já na rua, passa a caminhar tranquilamente, rindo ao lembrar de quando conheceu Gabriela. Mandava flores e pedia

para que os colegas a apresentassem, mas quando ia acontecer,

ele dava um jeito de deixar para outro dia, já que era muito tímido e tinha receio de ela lhe dar um fora por causa de seus

poderes.

Mas um dia tomou coragem e, em frente à fonte da praça que contorna a igreja da cidade, resolveu conversar com ela.

Não acreditou quando ela aceitou seu convite de irem ao

cinema, e foi lá que a beijou pela primeira vez. Duas semanas depois a pediu em namoro.

Um dia, ao saírem de uma sorveteria à noite, enquanto

passeavam, ela lhe pediu para que finalmente conta-se a ela sobre seu dom, o que é, e o que o faz ser tão especial, pois

nunca o tinha visto exercitá-lo.

Kaio explicou meio com receio da reação dela, mas o que o espantou foi seu pedido de um exemplo de como se porta seu

dom.

- Você quer o que? – perguntou ele. - Quero que você me mostre como faz isso. Eu já percebi

desde o começo que você tem medo que eu descobrisse algo

sobre o que faz. Toda a cidade te conhece. Eu não sabia muito bem sobre o que faz porque nunca precisei de você, nem

qualquer de minha família.

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- E porque quer uma demonstração?

- Porque só quero ver como faz. Eu não vou com você na

casa dos outros para ver, porque é muito chato. Tenho vergonha.

Kaio, sem outra solução para resolver essa questão, a

levou para um lado um pouco mais escuro da calçada onde estavam e quebrou ao meio a colherzinha de plástico do

sorvete, deixando uma ponta.

De repente, para espanto maior de Gabriela, que já não entendera o porquê de quebrar a colherzinha, Kaio enfia a

ponta em seu braço esquerdo.

- Meu Deus! Porque fez isso? – perguntou ela, abismada. - Eu não posso fazer uma demonstração sem uma cobaia.

– diz ele.

Então, seus olhos ficaram brancos, assustando sua namorada, que fica paralisada ao ver o machucado cicatrizar-se

rapidamente, até que some.

Kaio esperava qualquer outra reação de Gabriela, menos que ela desmaia-se em seus braços.

- Era o que faltava. – diz, olhando para cima.

Ele beija sua testa, lhe passando uma pequeníssima fração do poder, e ela lentamente acorda.

Gabriela o olha e, ao ver seus olhos brancos, desmaia

novamente. - Mas que coisa! – reclama – Mas pudera, esqueci de

liberar a energia. Meus olhos a assustaram.

Então ele ergue seu braço direito para cima e rapidamente a pequena energia negativa deixa seu corpo, voltando ao

normal. Novamente a beija, acordando-a.

- Não precisava ter se machucado – ela reclama, olhando para o braço que agora só tem uma pequena mancha de sangue.

- Mas não é nada. Eu já sarei. E não tinha outro jeito de te

mostrar como eu “trabalho”. O cumprimento de um senhor que o viu na rua o faz

despertar de seus pensamentos.

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- Kaio! Ô Kaio! Tudo bem com você? – pergunta o velho

homem, sentado em um tronco em frente sua casa.

- Tudo bem. – responde, meio sem graça por ignorá-lo sem vontade.

Todos na cidade o respeitam, sempre cumprimentando,

onde quer que passe. A comunidade entrou em acordo para que ninguém

soubesse sobre seu dom fora da cidade, a fim de que ele não

fosse levado embora. Foi mais uma súplica da mãe, com medo de que o usassem para estudos científicos e o machucassem.

Conforme Kaio foi ajudando as pessoas, todos passaram

a ter enorme carinho e respeito, tendo o mesmo medo que a mãe. Uma pontada de ganância também ajudou, já que

escondem para si uma pessoa que a muitos poderia ajudar.

Após vários quarteirões além da casa de Gabriela, Kaio chegou ao hospital.

Seu prédio ocupa todo o quarteirão, com velório e

estacionamento juntos. Desde que Kaio começou a curar as pessoas, espaço é o

que mais tem, tanto no estacionamento quanto nos quartos.

Médicos foram embora, enfermeiras tiveram que arrumar outro emprego, leitos foram usados para guardar equipamentos sem

uso. Somente dois médicos ficaram na cidade para atender

casos urgentes e os quais Kaio não pode resolver de imediato. Ele sobe a rampa de acesso usada para entrada dos

enfermos e da ambulância, levando direto à sala de

atendimento geral. Já no saguão de espera, observa um pequeno tumulto no

fundo do corredor, em um dos quartos.

Uma das enfermeiras o vê e vem ao seu encontro. - Kaio, você chegou em uma péssima hora. Tem um

homem aqui exigindo que você cure sua filha, mas eu disse que

não podia. Agora ele ficou bravo e quer quebrar tudo, principalmente “nós”.

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- Porque disse que não posse curá-la? O que ela tem? –

pergunta, abismado.

- Ela tem AIDS! Kaio então percebe que o que a enfermeira fez foi o certo.

Esfrega a mão na testa, nervoso.

- Maldita doença. Ele não acreditou quando disse que não posso curá-la?

- Não, e está muito bravo. É melhor que você vá embora.

Mas quando a enfermeira terminou de dar o alerta, escutam a pessoa referida gritar o nome de Kaio, enquanto

corre em sua direção, após também vê-lo.

É um homem alto, bem forte, logo pensando Kaio em quanto dinheiro ele não deve ter gasto com anabolisantes.

- Kaio, que bom que apareceu. Você precisa me ajudar.

Minha filha precisa de sua ajuda. – pede, puxando a mão dele para apertá-la. Está tão eufórico, que sem querer aperta

fortemente a mão. Com a outra mão tenta forçá-lo a ir até o

quarto. - Espere! Como é seu nome? – pergunta Kaio, puxando o

braço para soltar-se dele.

- Meu nome é Fábio. Vamos logo, e pare de enrolar. - Não estou enrolando. O que a enfermeira disse é

verdade. Eu não posso curar AIDS. Eu já tentei várias vezes e

em todas falhei. Vai ver que essa doença é um tipo de castigo e quem me deu o dom da cura lá em cima não queria que eu

curasse aidéticos.

Fábio o olha prestando atenção, mas novamente pega em seu braço.

- Tá certo! A história é bonita, mas chega de brincadeira e

vamos lá. Kaio tenta puxar o braço, mas quanto mais tenta, mais ele

segura forte, puxando-o.

- Eu não estou brincando, Senhor Fábio! - Escuta aqui, moleque! – grita Fábio, segurando-o agora

pelo colarinho. – Você vai curá-la por bem ou por mal.

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Fábio o arrasta puxando-o fortemente pela camisa, não

dando chances para Kaio se soltar, por mais que tente. Uma das

enfermeiras que chegou para ver o que acontecia decide ir chamar a polícia, enquanto a que veio alertar Kaio foi na

direção deles para tentar soltá-lo.

- Largue dele, Senhor! A polícia já foi chamada! Fábio está tão cego com o seu nervosismo que não pensa

ao desferir um golpe no peito dela, arremessando-a contra a

parede atrás, caindo desmaiada. Kaio viu a cena e aos poucos foi crescendo um sentimento

de ódio dentro dele que nunca sentiu. Seus olhos ficam

totalmente brancos e de seu corpo brotam pequenas faíscas, fazendo Fábio soltá-lo de medo.

Ele então se abaixa ao lado da enfermeira e, tocando sua

testa, cura-a. De repente, se levanta e anda em direção a Fábio. - Chega! – grita, batendo com o antebraço no peito dele,

como se seu braço fosse um martelo pregando um grande

prego. Na hora em que o braço tocou o peito de Fábio, um

enorme clarão explodiu com a pancada, ocasionando o

arremesso deste a uns três metros de onde estavam. Em seguida Kaio volta ao normal e se assusta com o que

fez. Vê Fábio desmaiado no chão e olha para as mãos, tentando

entender o que aconteceu. Nesse mesmo tempo o médico e o porteiro do hospital,

que estavam em outro quarto mais longe e foram alertados pela

enfermeira que foi chamar a polícia, chegam. - Que diabos aconteceu aqui? – pergunta o médico.

Uma das enfermeiras que está ao lado da outra que foi

agredida se prontifica a explicar. - Este homem arrumou briga com o Kaio e deu um soco

nela.

- Vamos levá-la para a enfermaria. – ordena o médico, batendo no ombro do porteiro para ajudar.

Kaio vem por trás dos dois e os afasta.

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- Não precisa pois eu já a curei. Ela só está confusa.

Aconteceu tudo muito rápido.

Ele então se vira para a outra enfermeira que está cuidando de Fábio no chão.

- Como ele está?

- Ainda está desmaiado. Você vai curá-lo? - Não. Leve-o para a enfermaria. Vamos deixar ele se

acalmar.

- E você? – pergunta o médico a Kaio. – Está bem? - Estou. Só não sei como fiz aquilo.

- Aquilo o quê?

Uma das enfermeiras entra no meio da conversa e explica ao médico e à enfermeira que estava desmaiada.

- Ele o jogou longe com um raio que saiu de suas mãos. Eu

nunca vi isso. Parecia um bruxo. - Do jeito que cura as pessoas do nada, isso não é

novidade. – diz o porteiro, ajudando outra enfermeira a

levantar Fábio para levar à enfermaria. Todos ficam meio sem graça diante de um comentário tão

fora de hora e até meio maldoso. Kaio percebe que não foi por

mal e logo corta o rápido clima que ocorreu. - Dr. Antônio, por favor, explique para este homem,

quando ele melhorar, que eu não posso curar sua filha. O

Senhor está de prova. Eu tentei em algumas vezes aqui no hospital, com pessoas diferentes.

- Eu me lembro. Agora pode ir embora que eu converso

com ele, fique sossegado. Kaio agradece e acena para as enfermeiras, saindo em

seguida do hospital, olhando para as mãos ainda sem entender

direito. - O que será que foi aquilo? De onde tirei forças para jogar

aquele cara daquele jeito?

Ele pára de repente, e volta o olhar para o hospital.

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- Estranho. Até esqueci de liberar a energia negativa que

retirei da enfermeira desmaiada. O ferimento não era tão

grande, mas um pouco eu deveria liberar. Então volta a caminhar, tão perdido em seus

pensamentos, que não presta atenção nos cumprimentos das

pessoas por quem passa. Passa em frente a um bar que fica ao lado de uma

pastelaria, do próprio dono, onde nunca deixou de parar para

conversar e comer um pastel. - E aí, Kaio? – grita o dono, detrás do balcão – Não vai

entrar? Kaio? Ué! Será que está surdo?

Kaio continua andando, já longe da pastelaria. Tão preocupado está que atravessa ruas quase sem olhar. Só olhava

rapidamente.

Sua sorte é que está num ponto menos movimentado da cidade.

D. Quitéria, que está lavando a calçada em frente sua casa,

estranha quando a mangueia repentinamente escapa de suas mãos.

Olha para trás e vê Kaio enroscado da mangueira.

- Desculpa. - Não tem problema. – diz ela, ajudando a desenroscar a

mangueira de seus pés.

- Mas aproveitando que você apareceu por aqui, eu queria te pedir um favor. Sabe, eu estou com um inchaço na mão, e

está meio ruim segurar a mangueira. É que ontem eu a bati

contra a ... Kaio pega em sua mão machucada e, com os olhos

embranquecidos, puxa faíscas da mão dela para a sua,

desinchando-a e curando-a. - Muito obrigado, Ka...

- Tchau! – diz Kaio, virando-se e novamente seguindo seu

caminho, distraído,

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“Nossa, se ele não tivesse curado minha mão, diria que

não ouviu uma palavra que disse”. – pensa D.Quitéria,

voltando a lavar a rua. Ainda sem rumo e sem prestar atenção para onde vai,

atravessa um pasto grande que separa a cidade da ferroviária.

Passa pelas linhas de trem, à muito não usadas, e logo pela parte de trás da rodoviária, que fica ao lado. Quando chega

perto da auto-estrada, ele pára, repentinamente.

- Já sei – diz, batendo uma das mãos fechadas na outra aberta – Deve ter sido o pouco poder que armazenei com o

chute na perna que a Gabriela me deu e a energia negativa que

retirei da enfermeira. Isso explica porque eu tinha poder para derrubar um homem daquele tamanho. Liberei nele a energia.

- Então o poder que eu sempre usei para salvar pode

também ser usado para ferir? – pensa alto. De repente ele leva um baita susto quando uma carreta

passa pela auto-estrada, fazendo a maior barulheira.

- Caramba? Onde é que estou? Finalmente toma consciência de onde está. Respira fundo,

soltando o ar em seguida, e recomeça a caminhada de volta

para casa. - Beleza de poder. Podia me fazer voar também. Ia

quebrar um galho agora. – reclama, desanimado com o tanto

que tem para andar.

* * *

BRASÍLIA D.F.

Quinta-Feira

- Sr. Moacir! Sr. Moacir! O senhor está aí?

D.Márcia, secretária, aflita com a demora em ser atendida, continua batendo à porta da sala de Moacir Soares Júnior,

Ministro da Saúde.

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Sua aflição não é por menos, pois à exatos quinze anos de

serviços para com o Ministro, ela sempre entrou em seu

escritório logo cedo para colocar a papelada que ele larga espalhada no dia anterior em ordem.

No escritório dela há uma porta que dá direto para o

escritório dele. Ela sempre quis ter um escritório só dela, porém o seu nobre patrão aproveitou para que fosse usado também

como sala de espera para ele.

Há uma grande mesa de granito usada pela secretária, e em frente ficam dois sofás aveludados e bem confortáveis, o

suficiente para deixar as pessoas esperando, e muito, para

serem atendidas. Quadros e estátuas elegantes dão um toque a mais à beleza buscada para o local.

Ela novamente gira a maçaneta, tentando inutilmente

abrir a porta, com a esperança de que só estava emperrada. Não deu em nada. Já faz quase quarenta minutos que está ali. O

Ministro sempre se atrasa no máximo vinte minutos.

- Ai, meu Deus! E esse chaveiro que não chega. Acho que vou ligar para ele novamente – reclama, estendendo a mão para

o telefone à mesa ao seu lado.

- Opa! Não precisa que eu já cheguei. – grita o chaveiro, que entra pela porta principal. Rapaz mulato, novo, com ar de

esperto.

D.Márcia leva um susto. Bate então o fone com força. - Isso são horas de chegar?

- Eu fiz o possível. Tenho muitas coisas para fazer. Se

quiser chamar outro eu vou embora, sua sem educação. E antes que ele completa-se a meia volta, D.Márcia o

segura pela caixa de ferramentas que carrega.

- Não, espere! Desculpe. Pode, por favor, abrir logo esta porta?

- Agora melhorou.

Ele passa por ela, põe a caixa no chão e começa a destrancar a grossa porta de carvalho. Demora mais ou menos

uns três minutos, até que, após um estampido, a porta se abre.

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A sala está uma bagunça. A cortina da janela está rasgada,

um dos sofás está virado de ponta cabeça e a escrivaninha está

torta. Tem roupas para todo o lado, e não são só de Moacir. Dois copos e uma garrafa de whisky pela metade estão no

chão ao lado do outro sofá, onde o ministro está deitado,

dormindo, enrolado em um cobertor. - Meu Deus! – espanta-se D.Márcia, levando as mãos à

boca.

- É nisso que dá arrumar Ministro solteiro – diz o chaveiro, dando meia volta e indo embora – depois eu venho

receber, porque acho que hoje não dá.

- Tudo bem. Obrigada. Ela pega um vestido de mulher que está ao lado de seu pé.

- Se foi só uma mulher que fez esta bagunça, ele deve estar

cansado mesmo. O Ministro Moacir é o típico brasileiro. Tem por volta de

quarenta anos, mas nunca se interessou em casar. Já parou para

pensar nisso várias vezes, mas sempre decidiu que era cedo demais para acabar com a vida boa que vinha mantendo.

Detentor de uma conversa de fácil sedução, sempre

conseguiu o que queria, mesmo que a mentira fosse sua arma mais usada. Tanto é que está nessa profissão devido à essa

qualidade duvidosa.

Quanto às mulheres, nunca teve problemas em ficar só, sejam elas casadas ou não, por causa da junção profissão e

qualidade pessoal. A falta de um corpo exuberante nunca

atrapalhou. Sua altura é mediana, beirando o metro e setenta. A barriga às vezes tenta ser escondida com um aperto no cinto da

calça, mesmo que se lhe causar incômodo. Os cabelos teimam

em ficar no pente quando se penteia, porém os olhos azulados atenuam esses pequenos problemas.

De repente, a porta do banheiro se abre e uma mulher,

mulata, forte, tipo carnavalesca, sai de dentro, trajando uma camisola preta bem curta, deixando as pernas todas de fora.

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Caminha cambaleante, pegando um sapato aqui, um

brinco ali, e, ao ver D.Márcia, vai em sua direção, sorri, e pega

com ela o vestido. - Vocês não me ouviram chamar?

- Não. Eu fui tomar um banho na banheira de madrugada

e estava tão gostoso que acabei dormindo – diz, espreguiçando-se. – Agora ele eu acho que é meio fraco para bebidas. Diga que

depois eu telefono. Tchau!

Ela vai embora, deixando D.Márcia com ar de quem não gostou nada do que ocorreu.

Ao se aproximar do sofá onde está Moacir, chuta

calmamente a garrafa vazia de lado. - Que grande exemplo.

Ele se meche um pouco para se ajeitar no sofá e D.Márcia

aproveita para tentar acordá-lo. - Sr. Moacir? – chama, balançando seu ombro.

- Uhn? Não, depois!

- Sr. Moacir, levanta! - Me deixa dormir. – pede, cobrindo a cabeça com o

cobertor e virando-se de lado.

- Não dá, Sr. Moacir. O presidente quer vê-lo dentro de meia hora.

- O quê? D.Márcia?

Com o susto, desaba de costas no chão. Ele se senta onde está mesmo e põe a mão na cabeça,

atordoado.

- Droga, acho que exagerei na bebida. Porque não me chamou antes?

- Faz uma hora que estou tentando, mas o senhor trancou

a porta por dentro. - É mesmo. Saiu alguém daqui?

- Saiu uma moça. Disse que vai ligar depois.

- Pois se ligar avise que viajei e ficarei seis meses fora. – pede, levantando-se e segurando o cobertor com a mão para

não aparecer suas partes íntimas.

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- Tudo bem.

Ele se encaminha, cambaleando, para o banheiro, mas se

esquecendo de tampar a parte de trás. - E uma aspirina também.

- E um bronzeador? – pergunta ela.

- Hã? - Nada.

D. Márcia sai do escritório, tentando disfarçar o riso.

Duas aspirinas, cinco xícaras de café e quarenta minutos depois, Moacir está em frente à secretária do Presidente da

República.

- Oi, vim falar com chefão. - Pode entrar. Ele está esperando.

Ele sempre gostou de entrar no escritório do Presidente. É

um dos mais chiques e bonitos do prédio. Não sabe se é porque ele tem bom gosto ou simplesmente por ter o posto que tem.

É impecavelmente limpo e organizado. O tapete grosso

faz parecer que está flutuando ao andar sobre ele. É de uma beleza que contrasta com o papel de parede e as cortinas, com

cores vivas e suaves de se ver.

Um quebra cabeças, que deduz ter umas dezessete mil peças, dentro de um quadro enfeita a parede. A foto é do

corcovado, com um céu azul e límpido ao fundo.

No teto o ventilador, com grande lustre de cristais pendurado abaixo das hélices, roda vagarosamente.

Atrás da mesa se, encontra uma enorme estante de

carvalho, com algumas pequenas portas fechadas, onde se imagina estar cofres usados para guardar utensílios e papeis

mais importantes, enquanto que no resto da estante estão livros

dos mais variados. A mesa central é o que ele mais admira. Seus quatro pés

são grossos, com vinte e cinco centímetros quadrados talhados

à mão em forma de deuses gregos agachados, segurando como que o tampão de vidro de cinco centímetros, por cima de suas