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Perspectivas qUalitativas em sociologia da NadirZago Marz1ia Pinto de Carvalho Rita Ameiia Teixeira Vilela (orgs.) lamparina

Itinerários de Pesquisa

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Perspectivas qUalitativas em sociologia da educa~o NadirZago

Marz1ia Pinto de Carvalho

Rita Ameiia Teixeira Vilela (orgs.)

lamparina

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Itinerarios de pesquisa: perspectivas qualitativas em soci%gia da educa~iio Nadir Zago; Marflia Pinto de Carvalho; Rita Amelia Teixeira Vilela (orgs.) J. ed. (2003). Rio de Janeiro: DP&A. © Lamparina ediLora

Revisiio Alexandre Arbex Valadares (1. ed.)

Adapta~iio ao Acordo Ortograftco da Lingua Portuguesa (2. ed.) Frederico Hartje

Projeto graftco, diagrama~iio e capa

Amanda Meirinho

o texto deste Iivro foi adaptado ao Acordo Ortografico da Lingua Portuguesa, assinado em 1990, que comec;:ou a vigorar em 1° de janeiro de 2009.

Proibida a reproduc;:ao, total ou parcial, por qualquer meio ou processo, seja reprografico, fotografico, grafico, microfilmagem etc. Estas proibic;:6es aplicam-se tambem as caracteristicas gnificas e/ou editoriais. A violac;:ao dos direitos autorais e punivel como crime (C6digo Penal, art. 184 e §§; lei 6.895/1980), com busca, apreensao e indenizac;:6es diversas (lei 9.610/1998 - Lei dos Direitos Autorais - arts. 122, 123, 124 e 126).

Catalogac;:ao na fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros

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Itinerarios de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educa­c;:ao/Nadir Zago, MarHia Pinto de Carvalho, Rita Amelia Teixeira Vilela (orgs.) - 2.ed. - Rio de Janeiro: Lamparina, 20ll.

Inclui bibiografia indice ISBN 978-85-98271-87-3 1. Sociologia educacional. 2. Pesquisa educacional. I. Zago, Nadir. II. Carva­

lho, Marilia Pinto de. III. Vilela, Rita Amelia Teixeira. ll-1635. CDD: 306-43

CDU: 316.74:37

Lamparina editora Rua Joaquim Silva, 98, 2° andar, sa la 201, Lapa CEP 20241-110 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel.lfa x: (21) 2252-0247 (21) 2232 -1768

www.lamparina [email protected]

Itinerarios de pesquisa Perspectivas qualitativas em sociologia da educa~ao

NadirZago Marilia Pinto de Carvalho Rita Ame1ia Teixeira Vilela (orgs.)

Agnes Van Zanten Aida Judith Alves-Mazzotti Geraldo Romanelli InesAssunr;Eio de Castro Teixeira Lea Pinheiro PaixEio Leila de Alvarenga Mafra Magali de Castro Manuel Jacinto Sarmento Maria de Lourdes Rangel Tura

lamparina

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Sumario

Introdu~iio 7 Nadir Zago; Manlia Pinto de Carvalho; Rita Amelia Teixeira Vilela

Primeira parte: Impactos da pesquisa em educa~iio - reflexoes

Impacto da pesquisa educacional sobre as prciticas escolares 33

Aida Judith Alves-Mazzotti

La "reflexividad" social y sus efectos sobre la investigaci6n cualitativa de las realidades educativas 48 Agnes Van Zanten

Por entre pIanos, fios e tempos : a pesquisa em Sociologia da Educac;ao 80

Ines Assun~ao de Castro Teixeira

Segunda parte: A escola como campo de pesquisa - balan~os

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares: passado e presente de um campo de pesquisa em reconstruc;ao 109

Leila de Alvarenga Mafra

o estudo de caso etnogrMico em educac;ao 137

Manuel Jacinto Sarmento

Terceira parte: Praticas de pesquisa - a escola e 0 professor como focos

A observac;ao do cotidiano escolar 183

Maria de Lourdes Rangel Tura

Um lugar para 0 pesquisador na vida cotidiana da escola 207

Manlia Pinto de Carvalho

Profissao docente: refletindo sobre a experiencia de pesquisa na abordagem s6cio-hist6rica 222

Magali de Castro; Rita Amelia Teixeira Vilela

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Quarta parte: Pniticas de pesquisa - em torno da escolariza~ao

Questoes te6ricas e metodol6gicas nas pesquisas sobre familia e escola 245

Ceraldo Romanelli

Catadoras de dignidade: assimetrias e tensoes em pesquisa no lixao 265

Lea Pinheiro Paixiio

A entrevista e seu processo de constrw;ao: reflexoes com base na experiencia prarica de pesquisa 287

NadirZago

Introdu~ao

Nadir Zago; Mantia Pinto de Carvalho; Rita Amelia Teixeira Vilela

Este livro nasceu dos encontros e trocas de experiencias entre pesquisa­dores que participam do grupo de trabalho Sociologia da Educa~ao, da Associac;ao Nacional de Pesquisa e P6s-graduac;ao em Educac;ao (Anped). Emjunho de 2000, num semimirio realizado na Funrei, em Sao Joao del­-Rei (MG), destinado a discutir os problemas te6rico-rnetodo16gicos enfrentados no cotidiano da pesquisa,l muitos dos capftulos deste livro foram debatidos em formato de "comunicac;oes", em tomO das quais se travaram discussoes estimulantes, num ambiente ao mesrnO tempo calo­roso, amigavel e exigente do ponto de vista intelectual. A eles se acrescen­taram outras contribuic;oes, inclusive de colegas de fora do Brasil, com quem vimos dialogando ao longo desse perfodo.

Embora nao possamos contar aqui com a preciosa ajuda do ceu impeca­velmente azul, das broas e sequilhos das Minas Gerais, e aquele clima de en­tusiasmo pela pesquisa e pelo rigor cientifico que deu 0 tom a todo 0 processo de organizac;ao dessa coletanea e que gostariamos de transmitir ao leitor.

NaosetratadeummanualdepesquisaqualitativaemSociologiadaEdu­cac;ao. Nossa intenc;ao e contribuir com a discussao te6rico-metodo16gica com base em situac;oes concretas da investigac;ao, uma lacuna ainda exis­tente na bibliografia voltada para a metodologia da pesquisa educacional.

Cada autor procurou expor algumas das questoes te6ricas e metodo16-gicas com as quais vem se defrontando e as soluc;oes que vern construindo para esses problemas no processo de realizac;ao de pesquisas empfricas, pois estamos convictas da necessidade de reatar os lac;os entre a reflexao te6rica e 0 debate metodo16gico, de urn lado, e, de outro, 0 trabalho de investigac;ao social. Parece-nos inevitavel concordar com Becker, quando afirma que "a metodologia e importante demais para ser deixada aos metod6logos" (1997, p. 17), isto e, que aquele que faz pesquisa necessaria­mente elabora os instrumentos apropriados para obtenc;ao dos dados e a compreensao da realidade que investiga. Dentro dessa 16gica, 0 autor aponta as armadilhas em que podemos cair quando nos apoiamos em quadros metodo16gicos prontos, tomados como uma "carnisa de forc;a" de

1 Trata-se do encontro "Pesquisas qualitativas na area da Sociologia da Edu­ca<;ao e suas quest6es metodoI6gicas", realizado em Sao Joao del-Rei (MG) durante os dias 8 e 9 de junho de 2000.

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Segunda parte A escola como campo de pesquisa - balam;os

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A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares: pass ado e presente de urn campo de pesquisa em reconstrw;:a.o Leila de Alvarenga M afra *

Neste capitulo, pretende-se fazer urn balanc;:o de estudos e pesquisas inclui­das no campo de uma Sociologia dos Estabelecimentos Escolares, situar diferentes orientac;:6es paradigmaticas e metodologicas desses estudos entre os anos I960 e I970, e discutir dificuldades e impasses teorico-meto­dolo gicos surgidos nesse pedodo. A partir da crise dos paradigmas hege­monicos no campo das Ciencias Sociais e das Ciencias da Educac;:ao, e com a crescente introduc;:ao das abordagens qualitativas nas pesquisas socio­educacionais, prop6e-se analisar a retomada das investigac;:6es sobre os estabelecimentos escolares, entre os anos I980 e I990, dando destaque especial a abordagem sociocultural, seu carater multidisciplinar e multi­metodologico, sua complexidade, avanc;:os e limitac;:6es, comparativa­mente aos estudos anteriores.

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares, como campo de estudo e de pesquisa, surgiu nos EVA e na Inglaterra, no final dos anos 1960, em decorrencia da necessidade de se aprofundar 0 entendimento das relac;:6es entre as desigualdades na sociedade e os processos de ensino-aprendiza­gem que ocorriam no interior das escolas entre alunos de diferentes ori­gens socioculturais. Se 0 funcionalismo e as metodologias quantitativas orientaram inicialmente os estudos, desde os anos I970, as abordagens etnometodologicas, interacionista e etnograficas competem entre si, por maior espac;:o nesse campo de pesquisa, ainda que 0 volume e a importan­cia dos estudos tenham, ness a decada, permanecido em segundo plano.

Os estudos sobre os estabelecimentos apresentaram conclus6es bas­tante contraditorias e, por permanecerem presos ao paradigma normati­vo e a modelos funcionalistas de analise da realidade, levantaram d uvidas sobre sua importancia como urn campo de pesquisa. Mesmo assim, foi possivel constatar que os estabelecimentos de ensino construiam uma identidade propria, sendo capazes, segundo Forquin (I995), de absorver elementos emanados do exterior, trabalha.-Ios internamente, reformulan­do-os por meio de uma dinamica especial que estava por ser melhor inves­tigada e decifrada.

* Pontificia Universidade Cat61ica de Minas Gerais CPUC-MG).

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Como lembra esse autor, somente nos anos 1980 este campo de estudo ganhou novo impulso, com a intensificac;:ao do uso de abordagens etno­gnHicas e etnol6gicas na pesquisa educacional. Enquanto as pesquisas quantitativas sugeriam que a vida escolar produzia pouca diferenc;:a na vida dos estudantes e de seus professores, os estudos etnognificos mais voltados para as experiencias vividas, as representac;:6es, significados e percepc;:oes dos alunos revelavam que a vivencia escolar era extrema­mente importante para aqueles.

A partir dessa decada, os estudos sobre os estabelecimentos de ensino passaram a agregar urn numero maior de pesquisadores em diferentes paises, ampliando-se as suas perspectivas de amilise. Reconhece-se, en­tao, a necessidade de se aprofundarem os processos socioculturais na constituic;:ao hist6rica da identidade desses estabelecimentos, como con­dic;:ao para se colocarem corretamente 0 seu significado social, sua impor­tancia na vida pessoal e profissional de alunos e professores.

A seguir, na trajet6ria das pesquisas sobre os estabelecimentos escola­res, analisaremos os resultados rna is significativos, os limites e avanc;:os possibilitados por cada urn desses momentos, dando maior destaque as abordagens etnograJicas e socioculturais, por constituirem as que possibi­litam en tender e apreender de forma mais abrangente 0 lugar ocupado pelos estabelecimentos de ensino, na vida dos alunos e na formac;:ao pro­fissional de seus professores. Nessa amilise privilegiou-se a literatura estrangeira, uma vez que a produc;:ao nacional sobre esta temcitica sera objeto de estudo em urn segundo artigo, em fase de elaborac;:ao.

As abordagens funcionalistas e os metodos quantitativos na Sociologia dos Estabelecimentos Escolares: principais contribuifoes e limites

Predominantes entre os anos I960 e 1970, os estudos sobre os estabele­cimentos escolares nessa perspectiva podem ser agrupados em tomo de duas preocupac;:oes principais: a primeira procura identificar os "efeitos agregados" dos estabelecimentos de en sino nos resultados escolares de seus alunos; a segunda busca apreender e compreender a estrutura orga­nizacional e as relac;:6es interpessoais, vivenciadas em diferentes tipos de escolas, apoiando-se para isso em teorias do campo da sociologia das organizac;:6es e no estrutural-funcionalismo parsoniano. .

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as "efeitos agregados" dos estabelecimentos escolares

Nos EUA enos paises europeus, nas decadas de 1960 e I970, a questao central que instigava a pesquisa sobre as escolas era saber se, ao longo dos 12 anos de escolarizac;:ao ba.sica - 0 que em geral somava cerca de IS mil horas - a escola e os professores haviam causado algum impacto no desen­volvimento das crianc;:as. Que diferenc;:as podiam ser observadas nas crian­c;:as em func;:ao do tipo de escola que frequentavam? Que efeitos causavam as experiencias escolares vivenciadas por uma crianc;:a? Que aspectos da vida escolar eram mais significativos nessa experiencia?

Na tentativa de responder as questoes, alguns autores se posicionaram contrarios a visao, amplamente difundida no meio academico, de que 0

tipo de escola fazia pouca ou nenhuma diferenc;:a na vida de urn aluno. 0 argumento ganhou sustentac;:ao empirica ap6s as publicac;:6es de Coleman (1966) e Jencks (1972). Tais autores, ao analisarem dados colhidos numa amostra de 645 mil estudantes, em 400 escolas elementares e secundarias norte-americanas, concluiram que os resultados escolares, avaliados por testes de conhecimento, eram totalmente independentes da escolarizac;:ao que a crianc;:a recebera. Evidencias estatisticas indicavam que qualquer tentativa de unificac;:ao da qualidade do ensino entre as escolas reduziria em apenas 1%, ou menos, as desigualdades cognitivas entre os alunos.

Simultaneamente, autores ingleses afirmavam ser tambem limitada a influencia das escolas no desenvolvimento de seus alunos. 0 Plowden Report reuniu evidencias em muitos aspectos comparaveis aos estudos americanos, indicando que as influencias do lar tinham peso muito maior que as da escola. Os artigos de Farrington (1972) e Bernstein (1970) ajuda­ram a reforc;:ar a percepc;:ao de que as escolas nao solucionavam nem os problemas familiares trazidos pelos alunos nem reduziam as desigualda­des sociais, cujas origens estavam enraizadas nas estruturas economicas da sociedade.

Apesar do pessimismo das avaliac;:6es, existiam grandes discordancias sobre 0 papel da escola na vida dos alunos e de sua influencia no compor­tamento e no desempenho de uma crianc;:a. Isso porque, embora nao conseguissem apreender os efeitos cumulativos dos estabelecimentos de ensino sobre as crianc;:as e jovens que neles estudavam, os surveys contra­ditoriamente revelavam que as escolas tinham participac;:ao ativa na pro­duc;:ao e na ampliac;:ao das desigualdades educacionais.

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares III

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Segundo Ruther (I979), parte das contradi<;oes surgidas nesses resul­tados podia ser explicada pelas diferen<;as de abordagens metodologi­cas, pelo tipo de dados coletados, ou de anaIises estatisticas utilizadas. Segundo 0 autor, alguns estudos apontavam serios problemas no dese­nho metodologico de seus surveys. Entre eles, 0 simples fato de as pes­quisas usarem resultados de testes de inteligencia como substituto do desempenho do aluno nas disciplinas escolares conduzia a subestima<;ao da import<lncia da escola. De forma semelhante, na elabora<;ao dos testes padronizados aplicados, excluiam-se itens que mostravam as diferen<;as mais expressivas entre as escolas, privilegiando os passiveis de compa­ra<;ao. Dessa forma, minimizavam-se os efeitos escolares. Alem disso, algumas disciplinas e conteudos escolares, escolhidos como definidores das influencias, eram mais indicados a grupos de idade proprios do nivel da escola elementar, e pouco demonstrativos das influencias escolares sobre grupos etarios da escola secundaria.

Duas questoes sao igualmente apontadas como problematicas nesses estudos. Caracterizados metodologicamente como cross sectional surveys, utilizavam questionarios fechados como instrumentos de coleta, e exami­navam urn conjunto limitado de variaveis escolares. Segundo Jencks (I972), desconsideravam-se, dessa forma, nao apenas as atitudes e valores da vida interna da escola, mas, igualmente, se as crian<;as eram influen­ciadas pelo estilo, pela qualidade do ensino, pelo tipo de intera<;ao na sala de aula, pelo clima social da escola, ou pelas caracteristicas e qualidades da escola como organiza<;ao social. A escolha das variaveis, para avaliar os efeitos escolares, poderia recair, assim, sobre as variaveis mais irrele­vantes, em termos dos aspectos da vida da escola, descartando-se as que, de fato, teriam algum impacto na vida dos alunos.

Os estudos sobre a influencia da experiencia escolar na vida dos alu­nos ganharam novo impulso, quando Power (I967) publicou os resulta­dos de sua pesquisa em escolas secundarias masculinas, mostrando dife­ren<;as surpreendentes no nivel de delinquencia entre elas. Embora sem explicar as razoes para tais diferen<;as, ele sugere que algumas escolas conseguiam prevenir a progressao da delinquencia entre os seus alunos, enquanto outras possuiam ambientes escolares que favoreciam 0 com­portamento delinquente, dentro e fora deles. Essas afirma<;oes promove­ram na Inglaterra debates calorosos sobre delinquencia juvenil e vida escolar, levando as autoridades educacionais de Londres e os sindicatos

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dos professores a coibirem a realiza<;ao de novos estudos sobre 0 tema naquela regiao.

Fora do ambiente londrino, no entanto, pesquisas conduzidas por Ruther (I975) sugeriam tambem que algumas escolas refor<;avam com­portamentos delinquentes ou anormais entre os alunos. As analises multivariadas, realizadas por seus estudos, apontavam a existencia de alguns problemas, quantificavam 0 seu percentual de ocorrencia, mas pouco contribuiam para explica-Ios. Ao final, apenas reafirmavam que as escolas fabricavam diferen<;as. Bastante conhecido e seu estudo de I979,

quando Ruther investiga 0 que diferencia 0 comportamento e 0 desem­penho dos alunos entre as escolas, a partir de quatro aspectos, a saber: a) as caracteristicas das crian<;as ao ingressarem na escola media, como o background social, habilidades intelectuais e comportamento; b) medidas de aspectos particulares do processo de escolariza<;ao, no caso, a organiza<;ao social da escola e 0 tipo de ambiente oferecido pela escola para a aprendizagem; c) os resultados da escolariza<;ao face aos objetivos educacionais defini­dos pela escola; d) avalia<;ao das denominadas "influencias ecologicas" ou da comuni­dade.

Todas as caracteristicas escolares foram consideradas mais importan­tes do que as trazidas pelas crian<;as para a escola, concluindo-se que a escola influencia rna is a crian<;a do que esta influencia a escola. A dife­ren<;a fundamental entre as escolas estaria, assim, na forma pela qual a escola funciona como organiza<;ao social, sugerindo 0 termo ethos escolar - urn conjunto de valores, atitudes e comportamentos que dao identidade particular a escola - para caracterizar a diferen<;a.

As institui~oes escolares como organiza~oes complexas

Ao longo dos anos 1960 e 1970, os estudos sobre as instituic;:oes escolares se apoiavam no estrutural-funcionalismo e na teoria de sistemas, para investigar as escolas como organiza<;oes formais, sob a otica de diferentes e irreconciliaveis abordagens dentro do campo da denominada sociologia das organiza<;oes. Estas, ao serem transportadas para 0 campo educacio­nal, acentuavam as preocupac;:6es com a sua racionalizac;:ao e a eficacia do sistema escolar e do ensino. 0 interesse pelo desenvolvimento organiza-

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares II3

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cional, aplicado as escolas, partiu de autores norte-americanos, com 0

objetivo de alcanc;ar a melhoria das escolas em termos de funcionamento e gestao, e muito influenciou pesquisadores europeus e canadenses ao longo dessas decadas. 1

Segundo Berg (I982), embora nao houvesse uma coerente teoria so­ciologica da escola como organizaC;ao formal, estas abordagens propu­nham que a escola fosse examinada como urn sistema social composto de partes ou segmentos. Ponto central na amilise funcionalista e saber que func;6es desempenham as partes de urn sistema, em relac;ao as outras e em relac;ao ao sistema como urn todo. Torna-se essencial, assim, considerar os limites, mais ou menos definidos, colocados para as ac;6es dos sujeitos, dentro das organizac;6es escolares, embora a existencia de espac;os para ac;6es alternativas fosse aventado, em algumas circunstancias.

Para Berg (1982),2 a escola, na perspectiva funcionalista, como organi­zac;ao complexa ou como organizaC;ao burocratica, tern side abordada sob o ponto de vista sistemico. Ele destaca tres tipos de pesquisa nessa orien­tac;ao: a) pesquisas que nao identificam qualquer diferenc;a fundamental entre a organizac;ao escolar e os outros tipos de organizac;ao institucional. Possuem percepc;ao formal dos alunos, e a organizac;ao escolar e abor­dada mais como questao de administrac;ao que de educac;ao (Charter Jr.,

I964); b) pesquisas que consideram a escola como organizac;ao prestadora de servic;os, na qual seus profissionais (professores) proporcionam a seus clientes (alunos) urn servic;o educacional que possui natureza publica benefica. Essa analise esta principalmente centrad a na ideia de autono-

1 Segundo Laderriere (1996), mais recentemente em meio a crise de qua­lidade das escolas, e das novas func;6es a elas atribuidas, a OCDE tern finan­ciado projetos internacionais voltados para a melhoria do funcionamento das escolas em varios paises, com base no pressuposto de que 0 estabeleci­mento de ensino desempenha urn papel essencial na melhoria da eficacia do sistema educativo.

2 Gunnar Berg escreveu entre 1982 e 1989 tres artigos que apresentam uma visao abrangente das pesquisas e estudos que focalizam a escola como uma organizac;ao complexa. Neste capitulo, apoiamo-nos nesses artigos para abor­dar essa forma de analise da escola, cuja influencia ainda se estende ate os nossos dias.

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mia organizacional, mas pouco se discute sobre os limites dessa ac;ao au ­tonoma (Katz, I964);

c) pesquisas que partem do pressuposto de que a escola detem especifi­cidade organizacional propria, determinada por uma dicotomia estrutu­ral entre 0 corpo docente e os alunos, e entre estruturas forma is e infor­mais (Bidwell, I965; Banks, I968). Para esses autores, a escola manifesta claros sintomas de burocracia tradicional, identificada como "frouxidao estrutural" ou "autonomia funcional", sendo regida por normas e politi­cas publicas universais e particulares.

o uso da abordagem sistemica, nos estudos da escola como organiza­c;ao complexa, foi objeto de varias criticas. Para Devies (I974),

as escolas, ao serem pens ad as como sistemas abertos, mostram, de forma obvia, que essa abertura variava ao longo do tempo e entre diferentes escolas, indicando a ausencia de perspectiva historica na abordagem sistemica. Afirmava, ainda, que as escolas eram organi­zadas para desempenharem tarefas especificas para a sociedade, mas como organizac;6es contraditoriamente pareciam ganhar "uma vida propria". Consequentemente, nao poderiam ser examinadas a luz do funcionalismo de Parsons, e somente a ausencia de estudos sobre a organizac;ao escolar, per se, explicaria a posic;ao dominante da abordagem sistemica ness as analises.

A cultura organizacional e 0 clima da escola

Estudos mais atuais sobre cultura organizacional (Morgan, I990) e cultura organizacional da escola (Vala, Monteiro e Lima, I988; Erick­son, I987) tendem a se confundir com os estudos que tradicionalmente eram incluidos na rubric a de "clima da escola". Tais estudos procura­yam dar expressao aos aspectos interpessoais e subjetivos das experi­encias escolares vivenciadas numa organizac;ao. 0 "clima da escola", ou a "atmosfera" escolar, e caracterizado por urn "sentimento geral afinado" com 0 estabelecimento, favorecendo 0 born relacionamento e a identificac;ao institucional necessaria ao funcionamento adequado das instituic;6es.

Mais recentemente, com a crescente importancia do conceito de cultu­ra organizacional, pela contribuic;ao de Novoa (I992), novos elementos de confusao sao introduzidos na distinC;ao entre cultura e clima organizacio-

A Sociologia dos Estabelecimentos Escalares IIS

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nal da escola. Enquanto alguns autores entendem que clima escolar diz respeito aos aspectos especificamente perceptivos e subjetivos dos atores em uma organiza~ao, Vala, Monteiro e Lima (1988) entendem que 0 clima escolar constitui urn elemento integrante da cultura organizacional, ou mesmo, como afirma Schein (1985), "uma manifesta~ao de superficie da cultura de uma institui~ao".

Historicamente, as qualidades distintivas do "clima escolar" tern ori­gem na forma como algumas universidades construiram identidades separadas com tradi~6es, valores e normas que as diferenciavam de outras e, como espa~os de ressocializa~ao, eram lembradas por essas qualidades. o elemento central para se identificar 0 clima social da escola e, segundo Weeler (1966), a predominancia de uma subcultura especifica, traduzida, nesses estudos, como 0 "tom emocional" da institui~ao (clima democra­tico, autoritario e laissez-faire), engendrado nas rela~6es de autoridade entre os "agentes de socializa~ao" e os alunos.

Em todos esses cas os, 0 conceito "clima social escolar" expressa algo sobre os sentimentos gerados pelo con junto de rela~6es entre membros das institui~6es e os seus alunos, e entre todos aqueles que convivem num ambiente escolar, caracterizando-se como exemplo dos possiveis efeitos do contexto social da escola nos process os de socializa~ao. Tais estudos mostram, assim, como as escolas constroem marca propria que as dis tin­gue das demais, e que, ao ser incorporada pela experiencia, fixa-se como segunda natureza, na forma~ao, na representa~ao e na pratica social da­queles que ali passaram alguns anos de vida, como professores ou como alunos. Ruther (1979), no entanto, ao reafirmar a importancia do clima, da atmosfera ou de urn ethos da escola, argumenta que falta as pesquisas investigar como as a~6es do corpo docente, dos "gestores escolares" ou de outros atores colaboram na cria~ao do tipo de clima escolar.

Os estudos rna is atuais, voltados para 0 que se denomina cultura orga­nizacional, agregam assim duas perspectivas, ate entao examinadas sepa­radamente: a perspectiva de sistema e a perspectiva do ator. Estas sao estudadas de forma articulada, de modo a se perceberem as escolas como urn sistema de a~ao coletiva, em que se articulam e rearticulam os ·cons­trangimentos sistemicos, a imprevisibilidade e os comportamentos estra­tegicos que decorrem da autonomia, ainda que relativa, dos atores. P6em em causa as abordagens que examinam a escola como organiza~ao sus­tentada por "pretensa racionalidade cientifica" em que se privilegia 0

conceito de eficacia dos estabelecimentos de ensino. Assim fazendo, bus-

II6 Itinerarios de pesquisa

cam integrar os niveis macro e meso na analise da escola, numa perspec­tiva sistemica de analise coerente e globalizante. Tomam a escola como totalidade sistemica, dotada de arbitrariedade, que se concretiza numa rede de rela~6es, em que e possivel explicitar tanto os dominios mais res­tritos e internos da escola, quanta as rela~6es da escola com outros niveis mais amplos (Canario, 1996).

o paradigma estruturalista e a teoria cr{tica nos estudos sobre estabelecimentos escolares

Em meados dos anos 1970, as pesquisas sobre os estabelecimentos esco­lares perdem espa~o entre os pesquisadores, na medida em que 0 para­digma estruturalista e a teoria critica tornam-se hegemonicos no campo da Sociologia da Educa~ao. A analise politico-ideologica das rela~6es entre a estrutura social eo sistema educacional torna-se central na abor­dagem, pelo que se den uncia a participa~ao dos sistemas escolares e das escolas na perpetua~ao e legitima~ao de hierarquias e divis6es socia is, e das estruturas de poder entre os diferentes grupos sociais. A critic a as fun~6es socia is e ideologicas da escola torna-se central nesses estudos. Nela se atribui a escola a condi~ao de agencia de reprodu~ao das rela~6es sociais e de reprodu~ao ideologica, para realizar as fun~6es de perpetua­~ao das desigualdades de acesso diante do conhecimento e da cultura, mais valorizados socialmente. As escolas eram, assim, reconhecidas como pe~as essenciais aos processos de reprodu~ao da sociedade por participa­rem ativamente na manuten~ao da estrutura de poder e na certifica~ao de privilegios economicos, sociais ou culturais. Nesse caso, atuavam como promotoras da integra~ao cultural e simbolica dos individuos a ordem social e a ordem economica, de forma dissimulada e oculta.

Sao bastante conhecidos os principais estudos desse periodo, seja os que integram as analises da reprodu~ao social nas sociedades capitalistas - Althusser (1971), Bowles e Gintis (1976), Baudelot e Establet (1975),

Edwards (1979) - bern como os que enfatizam as rela~6es reprodutivistas entre 0 sistema escolar e a sociedade, a partir de uma abordagem cultural, Bourdieu (1974, 1975), Bernstein (1964), Willis (1991) etc.

As abordagens estruturalistas projetam a pedagogia para fora dos mu­ros da escola, aprofundando-se a analise dos mecanismos e estrategias de reprodu~ao cultural e social, incorporados nas estruturas dos sistemas de ensino. As teorias da reprodu~ao cultural, ainda que conferissem as esco-

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares II?

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las uma margem de autonomia e independencia, em relac;ao a esfera material, preferencialmente analisam as escolas como parte dos apare­!hos de reproduc;ao cultural. De forma similar, as teorias da reproduc;ao social, de filiac;ao marxista e neomarxista, ressaltam a participac;ao do aparelho escolar na reproduc;ao das relac;6es sociais de produc;ao, subja­centes ao processo de produc;ao economica e ao mundo do trabalho.

Ao longo do desenvolvimento dos sistemas escolares, os estudos rea­lizados sob essas duas vertentes, no entanto, pouco avanc;aram em rela­c;ao aos processos subjacentes a constituic;ao e a praticas reprodutivistas no interior da escola e da sala de aula. Deixaram de investigar os meios pelos quais as pniticas e as relac;6es sociais de dominac;ao eram de fato produzidas, reproduzidas e inculcadas no interior das instituic;6es esco­lares. Permaneceram, assim, quase que totalmente desvinculados da teia de relac;6es concretas, das redes de interac;ao, dos encontros e desencon­tros das experiencias vividas no cotidiano das escolas e das salas de aula, desvalorizando-se 0 potencial transformador dos processos educativos no interior das escolas. Esses estudos deixaram urn rastro de desencanto e de suspeita no campo educacional, reforc;ando a imagem do homem como produto de estruturas que 0 determinam e 0 cerceiam, dando pou­ca expressao a participac;ao ativa dos atores sociais nesse processo, tor­nando impessoal tanto 0 ensino como a aprendizagem.

Segundo Barroso (2000), as abordagens funcionalistas e estrutura­listas acabaram por reforc;ar a existencia na escola de uma "cultura da homogeneidade", matriz unica de orientac;ao pedagogica, urn tipo de ensino, urn modele de escola publica e de formac;ao, definido por normas, espac;os, tempos, saberes e processos. Nesse sentido, em termos his tori­cos, 0 que presenciamos foram analises de "culturas escolares" que, embora resguardando especificidades sociais, historicamente se apre­sentaram sob a forma de dois modelos unificadores: 0 modelo domestico de ensino e 0 modele burocratico-tecnocratico de escola graduada e seriada, da divisao de trabalho e saberes, classes e sec;6es. Nesses mode­los, a cultura escolar e concebida fora da escola, do seu fazer, de suas interac;6es, de seu cotidiano. A racionalidade pedagogica e a gestao esco­lar nessa concepc;ao prop6em que se ensine a muitos alunos como se fosse a urn so. A cultura escolar seria, assim, a cultura da ordem social, subcultura da cultura hegemonicamente estruturada pelas sociedades­-nac;6es, mediadora entre essa sociedade, 0 poder instituido, os profes­sores e os alunos.

118 Itinerarios de pesquisa

As abordagens etnogrcificas nos estudos sobre estabelecimentos escolares: primeiras incursoes

A abordagem etnografica nas pesquisas sobre estabelecimentos escola­res se desenvolveu a partir dos denominados "estudos etnograficos clas­sicos", vinculados teoricamente ao campo da antropologia cultural. Tais pesquisas surgem inicialmente nos EUA e em paises anglo-sax6es, ao longo dos anos 1970, afastando-se dos paradigmas e metodologias que tradicionalmente dominaram 0 campo da Sociologia da Educac;ao, entre elas os surveys ou enquetes de natureza mais quantitativa.

Esses estudos introduzem na educac;ao a pratica da pesquisa etnogra­fica, que, na realidade, significa tanto uma forma de realizar a pesquisa de campo como 0 produto final da pesquisa etnografica classica: uma monografia descritiva. 3 A etnografia classica corresponde a urn ramo da antropologia que acumula conhecimentos sobre realidades sociais e cul­turais primitivas e peculiares. No entanto, 0 campo da antropologia e hoje mais abrangente, pois reune estudos sobre diversos fenomenos so­cia is - vida cotidiana, ruas, bairros, comunidades, hospicios, carceres, clinicas, tribunais, escolas etc.4 - procura acumular conhecimentos pe­culiares sobre a diversidade humana, e sobre 0 que unifica basicamente os seres humanos em sociedades complexas.

As pesquisas introdutorias da abordagem cultural-etnografica no campo dos estabelecimentos de ensino partem inicialmente de metodo­logias que ligavam a cultura a uma unidade social, no caso, a comuni­dade. Entendiam a etnografia cultural como a possibilidade de estudar a escola em pequenas comunidades (Hollingshead, 1975; Waller, 1967),

para onde 0 pesquisador se transportava, inserindo-se na realidade so­cial como condic;ao necessaria ao exercicio da pesquisa, da qual partici-

3 Nesse sentido, segundo Rockwell (1985, p. 33), a etnografia nao pode ser confundida com observaC;ao participante utilizada na sociologia, tampou­co considerada apenas como urn metodo. Insiste-se que ela deva ser enten­dida como uma perspectiva ou enfoque, algo que articula metodo e teoria, embora diferentes orienta<;oes epistemol6gicas tenham influenciado 0 con­ceito de etnografia.

4 Para Rockwell (1985, p. 38) a etnografia busca documentar 0 nao docu­mentado dos fenomenos familia res e, portanto igualmente desconhecidos, promovendo a volta da observaC;ao, da interaC;ao social em "situa<;6es naturais.

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares 119

Page 12: Itinerários de Pesquisa

pava como ator social na realidade. Acreditava-se, assim, ser possivel obter uma visao holistica da "cultura escolar" ao desvelar as suas relac;:6es com outras instituic;:6es sociais como igreja, familia, trabalho, com os valores e comportamentos observados nas form as de recreac;:ao e festivi­dades, nas interac;:6es entre os membros de grupos identita.rios, no com­portamento sexual, namoro etc. Com base nessa perspectiva, Hollings­head muda-se para a comunidade onde esta a escola que investiga e ali permanece por tres anos, para melhor compreender como a sociedade organiza e controla 0 comportamento dos adolescentes de uma High School situ ada em bairro operario.

o estudo de Waller, realizado para compreender "as situac;:6es tipicas de uma escola tipica", tornou-se marco nos estudos da vida escolar ao , examina-la como instituic;:ao sociocultural. Para ele, a teia de relac;:6es e as pes so as fazem da escola urn mundo social cheio de significados. Seu inte­resse volta-se para a escola que tern concretude, a escola como realmente e, e nao a escola que deveria ser. Descreve 0 que denomina ser sua cultura particular e, nessa, os seus segmentos culturais: a cultura dos jovens, a cultura do professor, os conflitos culturais, as tradic;:6es de natureza exter­na e interna, as cerimonias, celebrac;:6es e festividades, os desejos dos profess ores e alunos e a participac;:ao em grupos informais. Ambos os au­tores adotam uma abordagem sociologica em seus estudos, utilizando conceitos da Sociologia e da Psicologia Social.

Urn marco divisor entre os estudos etnogrMicos sobre os estabeleci­mentos escolares e a pesquisa realizada por Willis, ao final dos anos 1970.

o autor reduz seu olhar "antropologico" para descrever os conflitos cul­turais no interior das escolas, associando-os as situac;:6es de sucesso e fracasso escolar dos alunos de camadas populares e as suas futuras esco­lhas em termos socioprofissionais. Os conflitos entre a cultura privilegia­da pela escola e a cultura das camadas populares, numa comunidade de trabalhadores, que ope ram no chao da fabrica, mostram como alunos e professores numa escola vivenciam os processos de produc;:ao e reprodu­c;:ao cultural. Sua etnografia reafirma a escola como local de transmissao e reproduc;:ao das desigualdades entre grupos sociais, indicando entre­tanto que 0 processo nao ocorre de forma submissa e mecanicista. Ao contra rio, ressalta 0 papel ativo de profess ores e alunos nesses conflitos, ao descrever comportamentos de oito alunos, como expressao de incon­formismo, de luta por autonomia e de autoafirmac;:ao, de expressao de

120 Itinerarios de pesquisa

valores e formas de manifestac;:ao cultural que fugiam aos padroes valo­rizados e legitimados pelo sistema escolar. Seu estudo revela assim os aspectos mais dinamicos e as condic;:6es particulares do que ocorre no interior das escolas, contestando as noc;:6es mecanicistas que dominavam as abordagens estruturalistas da reproduc;:ao social. Nas palavras de Gor­don (1990),

Willis ve a essencia da reproduc;:ao social nas escolas residindo nao meramente em alguns determinantes institucionais dominantes e invenciveis, mas, tambem, nas formas culturais que sao parcialmente produzidas dentro dos locais institucionais, como uma expressao das contradic;:oes vividas pelas culturas nao dominantes dentro dos qua­dros institucionais.

Ao examinar as contradic;:6es, Willis analisa os process os de consenti­mento espontaneo e de assimilac;:ao da cultura escolar, as manifestac;:6es de sua rejeic;:ao e as lutas contra as imposic;:oes e constrangimentos incor­porados no codigo social da escola. Sua leitura da escola reforc;:a, portan­to, a importancia de se compreenderem os process os de produc;:ao cultural nas suas inter-relac;:6es com os de reproduc;:ao cultural, abordados em profundidade por Bourdieu (1975).

o problema teorico dos estudos etnograficos sobre os estabelecimen­tos escolares, no entanto, continuava sendo 0 fato de nao se conseguir uma descric;:ao da escola como instituic;:ao articulada a estrutura de deter­minada formac;:ao social, sem desconsiderar 0 estruturante nessa forma­c;:ao, ou seja, os sujeitos, enquanto individualidades subjetivas, cujas expe­riencias sao rnarcadas pelas interac;:oes sociais, situac;:oes e acontecimen­tos, experiencias, sentidos e significados, lutas e conflitos que permeiam os espac;:os escolares. Como demarcar limites nesses campos e como inves­tigar as inter-relac;:6es entre eles, para fazer avanc;:ar as pesquisas que to­mam a escola como seu objeto privilegiado de investigac;:ao? Como inter­relacionar 0 micro e macro, a estrutura e 0 estruturante, 0 espac;:o escolar e os sujeitos que ali convivem? Como a cultura pedagogica, a cultura da escola e a diversidade cultural de alunos e professores sao absorvidas e retraduzidas nesse espac;:o de formac;:ao, de integrac;:ao e de continuidades, mas tambem de ressignificac;:ao, de busca de autonomia, de rupturas e transformac;:oes?

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares 121

Page 13: Itinerários de Pesquisa

A "etnografia constitutiva" e a "etnografia semiol6gica" nos estudos etnometodol6gicos e interacionistas dos estabelecimentos escolares

As primeiras pesquisas mais significativas entre os estudos etnometodo­logicos e interacionistas sobre os estabelecimentos escolares datam dos anos 1960 e 1970. Embora discriminados no meio academico, pela enfase excessiva na descri<;ao das experiencias vividas e pouca elabora<;ao socio­logica dos fenomenos escolares, essas pesquisas possibilitavam porem a constru<;ao de uma imagem mais dinamica da vida nos estabelecimentos de ensino. Por estarem ainda muito orientadas por referenciais teoricos da Psicologia Social e por urn subjetivismo exacerbado, fugiam, no entan­to, da pratica etnografica que dominara 0 campo da Antropologia.

As discussoes recentes, em tome da emergencia de urn paradigma "pos-estruturalista" no campo das Ciencias Sociais, dao a essas aborda­gens novo fOlego. Nas palavras de Santos (1995), os ultimos 20 anos pro­porcionaram urn momenta de transgressao epistemologica e metodolo­gica, 0 questionamento de dogmas teoricos e de metanarrativas e urn certo esgotamento das teorias estruturalistas. Denota-se a partir dai a revaloriza<;ao das praticas e dos processos sociais e dos atores que os protagonizam. A marca fundamental do pensamento social a partir da decada de 1980, segundo ele, e ser antirreducionista, antideterminista e processualista. A enfase em abordagens que focalizam os fenomenos escolares no nivel microssocial, em contraposi<;ao ou em associa<;ao ao macroestrutural, e resultado desse momento. Perdem legitimidade os discursos totalizantes e universalistas que sustentavam projetos sociais unificadores, considerados ineficazes para explicar 0 que se passa no mundo atual.

Desde os anos 1960, os estudos etnometodologicos, adotavam atitude critica em rela<;ao ao emprego da empiria positivista e as generaliza<;oes globalizantes decorrentes das orienta<;oes macroestruturais dominan­tes, seja do marxismo ou do funcionalismo estrutural. Segundo Coulon (1995), a etnometodologia considera os individuos dentro de seus contex­tos naturais e suas intera<;oes sao entendidas como fundamento da vida social na medida em que criam suas microestruturas. Os fenomenos ma­crossociais so seriam estudados pela analise das microssitua<;oes. 0 mo­delo de ator e ativo e a intera<;ao gerada pelo ator privilegia 0 aqui e 0

agora das situa<;oes sociais, e 0 processo de constru<;ao de praticas pelas

122 Itinerarios de pesquisa

quais os atores educacionais produzem, no dia a dia, os fenomenos d II cacionais, expondo, assim, os fenomenos em vias de construir. A estrutura e a ordem social perdem sua independencia em rela<;ao aos individuos, para existirem so mente como constru<;oes desses individuos, fundamen­tadas na cogni<;ao e na reflexao, no raciocmia pratico, nas intera<;6es enos significados compartilhados, que os atores sociais Comungam nas situa­<;oes sociais em que se encontram envolvidos.

Para Cicourel (1963), em termos metodo16gicos, torna-se fundamental descrever cientificamente os processos concretos que ocorrem no cotidia­no das institui<;oes sociais, observar e anotarOS acontecimentos que expe­rimentam, os objetos que cercam os atores, sua vida psicologica interior, suas experiencias sociais, de forma a captar e descrever 0 sentido dessas experiencias. A esses procedimentos nomeia de "etnografia semiologica", ou seja, a descri<;ao dos signos da ordem, exposta no tra<;ado de sua utili­za<;ao: uma sociologia das constru<;oes praticas que teria como eixo cen­tral "a estrutura<;ao da estrutura escolar". Focalizaria assim as estruturas estruturantes para se obter uma "etnografia constitutiva" ou uma micro­etnografia da escola e da sala de aula.

A hipotese central de uma "etnografia constitutiva" e que as estruturas sao construidas socialmente na intera<;ao entre professores e alunos, dire­tores e professores, incorporando, pois, atividades estruturantes respon­saveis pelos fatos sociais da educa<;ao. A apreensao dos processos intera­tivos e das a<;oes individuais ocorreria pelo usa intensivo da observa<;ao direta, da observa<;ao participante, da entrevista, estudos de relatorios escolares, grava<;oes em videos etc. 0 pesquisador estaria simultanea­mente na posi<;ao exterior, para ver e ouvir, e internamente participaria das conversa<;oes e situa<;oes naturais por meio das quais emergem as significa<;oes das rotinas.

o metodo denominado constitutive ethnography fOi criado por Mehan (1978) para se contrapor as pesquisas sobre os efeitos dos estabelecimen­tos escolares, as quais haviam deixado de examinar os processos pelos quais os participantes da vida escolar estruturavam a escola. Ele associa as abordagens etnometodologicas, 0 interacionismo simbolico e a socio­logia compreensiva, colocando em igualdade de an<Hise a estrutura e 0

estruturante da cena escolar, para mostrar como os fatos sociais, no inte­rior da escola, fazem parte de a<;oes constrangedoras e proprias do pro­cesso educacional escolar. A pesquisa de Cicourel e Kitsuse (1963) sobre o cotidiano dos orientadores educacionais numa escola media, e a de

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares 123

Page 14: Itinerários de Pesquisa

Hargreaves (I967), sobre as relac;:oes entre alunos, professores e colegas,

se orientam ness a direc;:ao. As abordagens interacionista e etnometodologica revelam a imagem

de uma escola que nasce das interac;:oes sociais, do fazer e saberes construi­dos no cotidiano, engendrando uma cultura capaz de integrar profess ores,

alunos e familia, mas que se organiza para ah~m da transmissao e da dis­tribuic;:ao dos conhecimentos. A cultura, ao se contrapor a racionalidade

administrativa, pedagogica, uniformizadora e legal, descortina 0 invisivel, o real em construc;:ao, contribuindo para a desmistificac;:ao da existencia de

uma escola linica e unificadora. Os estudos de Woods (I983, I986) tern fortalecido a pesquisa sobre as interac;:oes entre alunos e professores, situando-a porem em tomo de uma serie de questoes ordenadas em seis

noc;:oes: contexto, perspectiva, cultura, estrategia, negociac;:ao e carreira escolar. Woods recomenda 0 uso de tecnicas etnograficas para integrar a

reflexao sociologica e a reflexao pedagogica, acreditando ser fundamen­tal ir alem da simples descric;:ao do que se passa em sala de aula e colaborar

na soluc;:ao dos problemas que afetam 0 cotidiano dos professores.

A abordagem sociocultural na Sociologia dos Estabelecimentos Escolares: alguns avan~os nos anos I98o-I990

Ao longo das duas ultimas decadas, cresceu a necessidade de superar os

impasses te6ricos e metodologicos dos estudos que focalizam as institui­

c;:oes escolares e de buscar altemativas teorico-metodologicas para alem do ja produzido, sem no entanto negar totalmente proposic;:oes e saberes que muitos dos estudos revelaram. Aprofunda-se nessa decada 0 entendi­

mento de que as instituic;:oes escolares nao podem ser analisadas fora do

tempo e do lugar onde atuam, pois expressam urn lento processo de cons­truc;:ao social e cultural, no qual influem tanto as necessidades e interesses da sociedade, quanta ac;:oes, significados, desejos, experiencias coletivas

e individuais daqueles que passam pelas escolas. Se as instituic;:oes escola­res cumprem, por urn lado, func;:oes sociais determinadas, elas igualmente se modificam independentemente dessas determinac;:oes, pois sao molda­

das e construidas pela historia sociocultural e profissional de seus perso­

nagens, de suas vivencias, de suas realizac;:oes, de seus sonhos e de suas possibilidades.

Toma-se, pois, este momento, como uma etapa de superac;:ao e de apro­

fundamento no campo de estudos culturais sobre os estabelecimentos

124 Itinerarios de pesquisa

escolares, no qual inter-relac;:oes metodologicas e teoricas sao ampliacias

ou reduzidas em propostas de pesquisa mais ou menos abrangentcs . Numa tentativa, ainda provisoria, pode-se dizer que tais pesquisas ten­

dem a priorizar pelo menos uma das tres dimensoes culturais, a saber: a cultura na escola, a cultura da escola e a cultura escolar.

A cultura na escola

Nesta dimensao, encontramos estudos que procuram examinar nos esta­

belecimentos escolares as caracteristicas ou manifestac;:oes socioculturais especificas ou a diversidade e diferenc;:as etnico-culturais marcantes entre

os corpos discente e docente. Nesses casos, os autores sao movidos, entre outras, por questoes sobre como se diferenciam as formas de apreensao de uma cultura hegemi'mica por grupos culturais diversos, que marcas de

identidade sao engendradas nas relac;:oes socioculturais entre seus corpos

discente e docente, e como a escola e ressignificada por diferentes grupos culturais. Esses estudos tomam para analise escolas que reunem estudan­tes de minorias raciais, imigrantes, jovens e adolescentes de suburbios e

favelas, e, ainda, escolas de sindicato, escolas de bairros com caracteris­

ticas culturais especificas etc. 0 interesse central esta na descric;:ao das manifestac;:oes de uma ou mais culturas no interior da escola e na analise de suas relac;:oes com 0 instituido da cultura escolar hegemonica. Como

lembra Demartini (2000), historicamente poucos estudos no Brasil tem-se preocupado com as questoes culturais, e so recentemente novas possibi­lidades de pesquisa se abrem nesse campo, orientadas para questoes do

multiculturalismo ou diversidade cultural. Segundo a autora, nessa pers­

pectiva todo 0 fenomeno da emigrac;:ao no Brasil e suas relac;:oes com a educac;:ao e a escola se apresentam como campo fertil de multiplas narra­tivas, a ser escrutinado, analisado e realmente desvelado. Grande parte

dos estudos que focalizam a cultura na escola tern sido produzida nos

EUA, em paises europe us e anglo-saxoes, por autores como Kozal (1967),

Rosenfeld (I971), Davis (I972), e, maisrecentemente, Hale-Benson (I986),

McLaren (I992, I997), Lopes (I996), Anyon (I997), entre outros. Metodologicamente, esses estudos privilegiam os processos, experien­

cias, relac;:oes e urn conjunto sistematico de manifestac;:oes que revelam

como diferentes expressoes culturais se interagem a outras no cotidiano da vida escolar e demarcam a identidade distintiva de grupos sociais espe­

cificos, nos niveis cultural e simbolico. Sao estudos etnograficos que

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares 125

Page 15: Itinerários de Pesquisa

requerem de seis a doze meses de observac;ao da vida escolar e, em espe­cial, dos componentes etnico-culturais investigados que ali se manifes­tam. A observac;ao abrange diferentes espac;os e situac;6es escolares, como a sala de aula, atividades de lazer ao red or da escola, os corredores, dis­cuss6es regulares em grupo, entrevistas informais, diarios, a presenc;a em sess6es de orientac;ao educacional, longas conversas com os pais e com antigos e novos profess ores da escola. Como a dimensao comparativa nesses estudos e fundamental, exige-se do pesquisador a escolha de urn grupo menor de participantes que se possa contrapor ao grupo principal, objeto de investigac;ao. Por essas raz6es, 0 numero de participantes do grupo principal nao deve ser muito extenso, sendo menor ainda 0 numero dos componentes do grupo comparativo. Face a isso, alguns autores refor­c;am a importancia de se procurar apreender, pelos sujeitos estudados, a cultura e 0 saber local desses sujeitos, bern como as form as de penetrac;ao dessa cultura no cotidiano da vida escolar e da sala de aula. A descric;ao compreensiva das caracteristicas socio-historicas e culturais da cidade, vila, bairro ou aglomerado onde a escola se localiza torna-se fundamental para contextualizar as quest6es e grupos examinados, em urn universo mais amplo.

A cultura da escola

Os estudos voltados para a compreensao da cultura da escola bus cam dar visibilidade ao que se denomina ethos cultural de urn estabelecimento de ensino, sua marca ou identidade cultural, constituida por caracteristicas ou trac;os culturais que sao transmitidos, produzidos e incorporados pela e na experiencia vivida do cotidiano escolar. Forquin (1993, p. 167) argu­menta que "a escola constitui urn 'mundo social', que tern caracteristicas proprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginario, seus modos proprios de regulac;ao e de transgressao, seu regime proprio de produc;ao e de gestao de simbolos". Nesse sentido, a investigac;ao da cul­tura da escola se confunde com os estudos sobre a identidade da escola, e surge da necessidade de se responder ao seu carater complexo e multi­dimensional, exigindo, portanto, uma abordagem de pesquisa que, se­gundo Barroso (1996), e multirreferencial, multipolar e interdisciplinar. Para Novoa (1992), analiticamente, esse tipo de pesquisa exige uma abor­dagem "meso", ou seja, uma metodologia situada entre as anaIises tradi­cionalmente denominadas de micro ou macroestruturas escolares.

126 Itinerarios de pesquisa

Nesse tipo de estudo, 0 olhar dos pesquisadores dirige-se para os pro cessos mais particulares e contingentes da escola, privilegiando as anal is s culturais do cotidiano, os acontecimentos, as interac;6es sociais, as rela­c;6es de poder, as vivencias escolares, os saberes construidos, reproduzidos e transformados no seu interior, que fazem dessas escolas instituic;6es marcadamente diferentes de outra (Tura, 2000; Lopes, 1996). Busca-se, assim, apreender 0 estruturante da cena escolar, a dinamicidade particU­lar que produz a configurac;ao escolar singular (Derouet, 1996) sem, no entanto, descartar 0 instituido, uma vez que a escola, como integrante de formac;6es sociais historicamente situadas, se constroi tambem nas inter­-relac;6es que seus atores estabelecem com as politicas publicas (finalida­des) e com a cultura cientifica (ciencias da educac;ao).

Para Barroso (2000), metodologicamente, a cultura da escola seria identificada por tres diferentes subculturas: a cultura das normas, ou cul­

tura politica se manifesta nas formas de normatizac;ao da educac;ao, e se materializa nas normas, regras de funcionamento e na organizac;ao for­malizada em burocracias institucionais. Constitui assim uma subcultura da cultura nacional que se expressa nas politicas publicas de educac;ao, sendo po is me diad ora entre 0 poder instituido, os alunos e professores. A cultura estruturalista se express a nos modelos instituidos de funciona­mento da escola, e se concretiza na escola real, resultado das praticas pedagogicas construidas pela experiencia e pratica profissional dos atores escolares. A cultura interacionista, que nasce das interaC;6es socia is, inte­gra os atores escolares - professores, alunos e familias - numa cultura propria, invisivel e distinta da escola real. Uma quarta subcultura e apon­tada por Benito (2000), a cultura cientljica, ou cultura pedag6gica, que diz respeito ao conhecimento produzido pelas ciencias da educac;ao, aos cor­pos de saberes que se expressam nas publicac;6es cientificas, nos manuais e nas praticas pedagogicas. A cultura da escola surgiria como urn produto das areas de intersec;ao entre essas quatro culturas, exigindo, pois, urn desenho metodologico que abranja todas elas.

Para se dar conta dessa complexidade analitica e metodologica, os estudos sobre a Cultura da Escola tem-se utilizado de abordagens etno­graficas mais abrangentes, de longa durac;ao, necessarias a realizac;ao do esforc;o intelectual que Geertz (1989, p. IS) denomina "descric;ao dens a" das caracteristicas singulares da escola. Nesta, se articulam uma multipli­cidade de fenomenos presentes no cotidiano escolar, se constroem e se apreendem os sen tid os atribuidos a vida escolar, as teias de significados

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares 127

Page 16: Itinerários de Pesquisa

compartilhados pelos seus atores, as detalhes do dia a dia que configuram a logica informal da vida escolar, e a ethos cultural da escola (Cardoso, 200!; Dayrell, 1999). Nesta percepc;:ao, a instituido, 0 vivido e a construido compoem as dimensoes principais que permitirao desvelar, em profundi­dade, a familiar e 0 desconhecido da cultura e da vida dos estabelecimen­tos escolares. Tais estudos requerem do pesquisador, alem de observac;:oes de fatos e ocasioes pontuais, uma longa imersao no campo, a vivencia diaria e prolongada da experiencia escolar e da vida da escola, registrada em diario de campo, em questionarios e entrevistas prolongadas, em materiais e artefatos variados etc. Exigem, pois, a utilizac;:ao de diferentes procedimentos de coleta de dados e geram consequentemente uma grande quantidade e variedade de dados empiricos. Esse conjunto de situac;:oes coloca a pesquisador diante de algumas questoes centrais ao longo da coleta, e durante a analise de dados. Estas dizem respeito a incor­porac;:ao au ao abandono das informac;:oes coletadas e a importimcia da perspectiva teorica para enfrentamento dessa decisao,5 ao dilema do maior ou menor distanciamento ou envolvimento do pesquisador com as atores e com a dinamica da escola estudada, a sensibilidade do pesquisa­dar para estabelecer cantata direto e, muitas vezes, perturbadores com detalhes da vida dos sujeitos e situac;:oes que vivencia, e as questoes eticas que perpassam esse tipo de pesquisa. Como nos lembra Geertz (2000) a pesquisa e tambem uma forma de conduta e uma experiencia moral, e suas consequencias refletem inevitavelmente a qualidade do tipo de situa­c;:ao humana em que foram produzidas.

A cultura escolar

Os estudos que tern a foco na cultura escolar tend em a privilegiar as trans­formac;:oes e impregnac;:oes que constituem a vida escolar, reconstituindo a trajetoria historica e social de instituic;:oes escolares, a partir de recortes espac;:o-temporais mais demarcados. Busca-se identificar a presenc;:a de urn ethos escolar na maneira de ser, de agir, de sentir, de conceber e re­presentar a vida escolar, as vivencias de alunos e professores que passa­ram par urn estabelecimento de ensino, num determinado momenta historico. Nesta dimensao, e central a trama das relac;:oes e interac;:oes

5 Ver Cardoso (2001, cap. 1) para uma ampla e bern elaborada discussao so­

bre as questoes te6rico-metodo16gicas da pesquisa sabre a Cultura da Escola.

128 ltinerarios de pesquisa

sociais, as experiencias pessoais e profissionais vividas por seus alOI l':;

considerados, porem, em cenarios e configurac;:oes que se corporificam em memorias e heranc;:as socioculturais familiares, em politicas educa­cionais, em concepc;:oes de formac;:ao, em conhecimentos, processos e tecnicas pedagogicas especificas e em representac;:oes, sentidos e signi­ficados sobre 0 papel da escola e de seus atores na sociedade. Entende­mas, pois, que esses estudos ganham dimensoes socia is e culturais rna is abrangentes ao relacionarem a trajetoria de escolas e de seus atores ao movimento das ideias e das praricas pedagogicas que predominam na sociedade e no meio educacional, em determinado periodo historico.

No en tender de Julia (200!, p. 10), a cultura escolar instituida e cons­truida historicamente ao longo de uma determinada epoca ou periodo pode ser descrita como

urn conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e urn conjunto de praricas que permitem a trans­missao desses conhecimentos e a incorporac;:ao desses comporta­mentos; norm as e praricas, coordenadas a finalidades (religiosas, sociopoliticas ou simples mente de socializac;:ao) que podem variar segundo as epocas.

o recorte cronologico torna-se, pois, fundamental nesses estudos, na medida em que contemplam tres elementos essenciais a cultura escolar: o espac;:o escolar especifico, os cursos graduados em niveis, seus artefatos e a corpo profissional. Dessa forma, segundo a autora, a cultura escolar nao pode ser analisada sem levar em conta 0 corpo profissional dos agen­tes chamados a cumprir normas e ordens, e a utilizar os dispositivos peda­gogicos, ou seja, as professores e demais profissionais da escola. Para alem dos limites da escola, 0 pesquisador deve se preocupar tambem em iden­tificar modos de pensar e agir, largamente difundidos nas denominadas schooled societies, ou seja, em grupos sociais formalmente escolarizados, em contraposic;:ao as culturas familiares.

Forquin (1993, p. 167) chama atenc;:ao para nao se confundir a conceito de cultura da escola com a conceito de cultura escolar. Para ele, a cultura escolar e 0 conjunto de conteudos cognitivos e simbolicos selecionados, organizados, normalizados e rotinizados, sob 0 efeito dos imperativos da didatizac;:ao, e que constituem habitualmente a objeto de uma transmis­sao deliberada no contexte das escolas. 0 referido autor aponta tres eixos

A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares 129

Ii I

Page 17: Itinerários de Pesquisa

tematicos priorizados pelos pesquisadores envolvidos com a historia das culturas escolares: a) as normas e finalidades que regem a escola; b) ava­lia<;ao do papel desempenhado pela profissionaliza<;ao do trabalho do educador ao longo da historia da educa<;ao; c) a analise historica dos conteudos ensinados e das praticas escolares.

Em termos metodologicos, tais estudos transitam de forma pioneira pela historia cultural das praticas escolares, tentando apreender a memo­ria escolar de uma epoca, reunida em diferentes fontes e documentos, como fotografias, poesias, exercicios e deveres escolares escritos, cader­nos de notas tomadas pelos alunos, copia de exames escolares ou concur­sos, diarios e biografias escolares, arquivos escolares, atas de reunioes escolares, correspondencias e revistas da escola, discursos e sauda<;oes, noticias sobre a vida escolar em jornais locais ou arquivos publicos e pes­soais, praticas escolares reunidas em documentos, artefatos reunidos em muse us de educa<;ao, nos manuais e textos escolares e na his tori a oral e na memoria viva de professores e profissionais da educa<;ao. Muitos desses estudos privilegiam 0 recolhimento e organiza<;ao de diversos documen­tos, materiais impressos, registros escritos guardados em arquivos, prate­leiras e armarios escolares. Devido a dispersao espacial desses documen­tos e registros, dedica-se normalmente urn born tempo da pesquisa a identifica<;ao, triagem e coleta do material mais adequado aos objetivos propostos no estudo. 0 pesquisador enfrenta igualmente outra questao crucial, que e 0 pessimo estado de conserva<;ao em que muitos dos docu­mentos se encontram, exigindo cuidados especiais e manuseio adequado. A questao central que se coloca neste tipo de pesquisa e: como conhecer a trajetoria de uma escola, perceber a dinamica de seus ciclos de vida, carac­terizar sua identidade e seu papel social, no movimento da sociedade na qual se ins ere, das politicas publicas e das ideias pedagogicas que orientam a forma<;ao e a pratica docente, em urn determinado momenta historico.

Alem de estudos produzidos por pesquisadores franceses, ingleses e portugueses,6 apos os an os I970, algumas publica<;oes recentes no Brasil demonstram a for<;a e 0 crescente interesse por este campo de estudo: Andrade (2000); Muller (1999); Camargo (2000); Bastos e Faria Filho (I999); Faria Filho (2000); Casasanta e Mafra (2000); Nosella e Buffa (I996); Vidal (200I) etc.

6 Veja Forquin (1993, cap. 4), onde encontramos uma revisao des sa litera­tura ao longo da segunda metade do seculo xx.

130 ltinercirios de pesquisa

Considera~oes finais

Discordando do pessimismo presente na revisao que Forquin (I993) ela­bora sobre a sociologia dos estabelecimentos de ensino, acreditamos que este campo de pesquisa reline, sob a abordagem sociocultural, diferentes dimensoes teorico-metodologicas, compondo urn campo de conhecimen­to amplo, complexo e instigante, ainda com poucas edifica<;oes, mas que, a cad a dia, ganha urn numero maior de adeptos entre pesquisadores de varios paises. Muitos avan<;os sao identificados na configurac;:ao desses estudos nos ultimos 20 anos, tanto em term os teoricos, quanta metodo­logicos. 0 maior deles esta na substituic;:ao de uma visao compacta, uni­forme, homogenea e generalista da escola, para uma visao historica, mul­tidimensional, pluralista, diversificada ainda que abordada a partir de consensus ou ethos culturais unificadores, que se mantem ou se transfor­mam ao longo do tempo e das epocas, alterando consequentemente 0

significado sociocultural e a importancia pessoal atribuida a escola por alunos, professores e familiares. Essas transforma<;oes, como foi mostra­do, se processaram tambem nas abordagens metodologicas utilizadas pelos estudiosos dos estabelecimentos escolares, privilegiando-se nas ultimas decadas os metodos qualitativos, a integra<;ao de diferentes ins­trumentos e procedimentos analiticos, ampliando-se 0 repertorio de ques­toes e de respostas nesse campo de estudo, com vistas a obtenc;:ao de urn conhecimento descritivo, intersubjetivo e compreensivo. Percebe-se, por­tanto, maior liberdade e autonomia na investigac;:ao da natureza social e cultural dos estabelecimentos escolares, 0 que tern estimulado a busca por conceitos e categorias que desfac;:am alguns dos nexos anteriormente es­tabelecidos nesse campo de estudo. Percebem-se, pois, condic;:oes mais adequadas para a construc;:ao de uma teoria dos estabelecimentos escola­res, que necessariamente passa pela investigac;:ao da identidade sociocul­tural das escolas. Neste sentido, coloca-se para 0 investigador do campo dos estabelecimentos escolares a necessidade de responder ao carater complexo e multidimensional da escola, cuja transversalidade aponta para uma desejavel integrac;:ao entre as areas das ciencias da educac;:ao.

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136 Itinercirios de pesquisa

o estudo de caso etnogrMico em educa-;ao* ManueLJacinto Sarmento * *

o estudo de caso

o desenvolvimento dos estudos organizacionais em geral, e dos estudos organizacionais da escola em particular, esta de tal modo ligado ao "es­tudo de caso", como recurso metodologico de grande ado~ao, que se pode mesmo falar de umformato metodol6gico (Wolcott, 1992, p. 36) predomi­nante. Ainda que na escolha de investiga~6es do tipo "estudo de caso" participem diferentes abordagens e correntes teoricas e que, ademais, as diferentes praticas investigativas concretas envolvam paradigmas episte­mologicos e perspectivas metodologicas bern distintas, a verdade e que tal formato apresenta a plasticidade suficiente para que, sendo utilizado de forma tao diferenciada, possa permanecer como poderosamente pre­sente na base de alguns dos mais importantes contributos para 0 estudo das escolas e demais organiza~6es sociais.

o estudo de caso pode definir-se como "0 exame de urn fenomeno espe­cifico, tal como urn programa, urn acontecimento, uma pessoa, urn pro­cesso, uma institui~ao, ou urn grupo social" (Merriam, 1988, p. 9); ou, entao, como "uma investiga~ao empirica que investiga urn fenomeno con­temporaneo dentro do seu contexto real de vida, especialmente quando as fronteiras entre 0 fenomeno e 0 contexto nao sao absolutamente eviden­tes" (yin, 1994, p. 13). Qualquer uma destas defini~6es considera que 0 que especifica 0 estudo de caso e a natureza singular do objeto de incidencia da investiga~ao, e nao 0 seu modo operatorio (Stake, 1998). Aquilo que 0

diferencia de outros desenhos ou formatos metodologicos e 0 fato de se situar numa unidade - ou "sistema integrado" (Stake, 1995, p. 2) - que se visa conhecer na sua globalidade: pessoa, acontecimento ou organiza~ao. Assim, Miles e Huberman (1994, p. 26) prop6em a seguinte tipologia de estudos de caso: estudos de defini~ao espacial, que incidem em individuos, papeis sociais, pequenos grupos, organiza~6es, comunidades ou "contex-

* Este texto corresponde a uma versao revista, parcialmente modificada e atualizada, do capitulo metodol6gico da tese de doutoramento do autor, apresentada e defendida em 1997 na Universidade do Minho (Braga, Portu­gal) e publicada em 2000 (Sarmento, 2000a).

** Instituto de Estudos da Crianc;a da Universidade do Minho (Braga, Por­tugal).

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