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IUEES - ASPECTOS CONCEITUAIS E A PRÁXIS DO PROCESSO DE INCUBAÇÃO

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Presidente da RepúblicaDilma Rouseff

Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)Tereza Campello

Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan)Maya Takagi

Reitor da Universidade Estadual de Maringá (UEM)Julio Santiago Prates Filho.

Coordenadora do Núcleo/Incubadora Unitrabalho da UEMNeuza Corte de Oliveira

Coordenadora e OrganizadoraMaria Nezilda Culti

Financiamento:Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (PRONINC)

Convênio de nº 375/2007, Processo n. 71000.010027/2007-33, firmado entre a Fundação Universidade Estadual de Maringá (UEM) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

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Sumário

PREFÁCIO 7

APRESENTAÇÃO 13

INTRODUÇÃO 23Maria Nezilda Culti

1. O PROCESSO DE INCUBAÇÃO COMO MEIO ASSEGURATÓRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 57Rodrigo Manso de Almeida, Maurício Domingos, Maria Clara Corrêa Tenório

2. ATUAÇÃO DA INCUBADORA DE EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS DA UEM COM PRODUTORES DA AGRICULTURA FAMILIAR 91João Batista da Luz Souza, José Marcos de Andrade, Maria Aparecida Alves,

Lucas Vinnicius Amorin Natali, Lívia Bischof Pian

3. O PROCESSO DE INCUBAÇÃO COM AS TRABALHADORAS DO ARTESANATO 155Fernanda Gozzi Pereira Lima, Giovana Gimenez, Murilo da Costa Scrivanti,

Nanci Aparecida Meneguetti Garcia, Tatiane Yumiko Tanaka

4. ANÁLISE DO DESEMPENHO DOS EMPREENDIMENTOS POR MEIO DE INDICADORES QUANTITATIVOS SOCIOECONÔMICOSNO SETOR DE RECICLAGEM E AGRICULTURA FAMILIAR 187Neuza Corte de Oliveira, Márcio Eidi Ono, Leandro Torino da Silva, Maria Aparecida Alves

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS INCUBADORA DE EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS: Agente de transformação por meio da práxis 235Maria Nezilda Culti

OS AUTORES 249

Projeto Gráfico e capaLilian Aparecida Fregadolli SchwabeWesley Soares Maffei

DiagramaçãoLilian Aparecida Fregadolli SchwabeWesley Soares Maffei

RevisãoMaria Dolores Machado

NormalizaçãoAdriana Curti Cantadori de Camargo

EditoraCaiuás Gráfica e Editora

2011

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil) I37 Incubadora universitária de empreendimentos econômicos solidários : aspectos conceituais e a práxis do processo de incubação / Organizadora Maria Nezilda Culti. - Maringá: MDS/PRONINC, UEM/Núcleo/Incubadora Unitrabalho, 2011.256 p. : il, col.Vários autores.ISBN 1. Economia solidária - Brasil. 2. Economia solidária - Incubadoras de EES. 3. Incubação de EES. I. Culti, Maria Nezilda, org. II. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares. III. Título.338.47 CDD 21.ed.

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PREFÁCIO

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Nas últimas décadas, vêm sendo observadas diversas mudanças na sociedade, com reflexos substanciais para o mundo do trabalho e para os trabalhadores. A crise vivenciada pelo capitalismo dos países centrais, a partir dos anos de 1970, marca esse processo de mudanças. Soma-se a isso a globalização e a adoção do ideário neoliberal, demarcando, portanto, um novo cenário da economia mundial. No caso do Brasil, a partir de meados dos anos de 1980 e mais precisamente na década de 1990, tais mudanças vão exigir novas configurações nas formas de produção e gestão do trabalho. Os reflexos ocasionados pela crise econômica vivenciada pelo Brasil, nos anos de 1980, foram extremamente perversos para os trabalhadores, período em que foram perdidos mais de 3 milhões de empregos, conforme indica Matoso em seu livro “O Brasil Desempregado”. Os anos de 1990 herdam os reflexos dessa crise e as empresas brasileiras, diante da concorrência internacional, tiveram que adequar sua estrutura produtiva, renovar seus equipamentos com novas tecnologias, pensar novas formas de gestão, re-estruturar a sua produção. Essas mudanças também vão afetar os trabalhadores, ocorrendo, pois, o enxugamento de vários postos de trabalho.

Ao elevado índice de desemprego da década de 1980, somam-se as transformações internas realizadas pelas empresas que exigem um novo perfil de trabalhador, cada vez mais qualificado. Sendo assim, trabalhadores que dedicaram toda vida a uma mesma profissão, se sentiram sem perspectivas; enquanto outros, ameaçados pela re-estruturação produtiva, começam a repensar a lógica do emprego formal, além daqueles que nunca tiveram acesso a qualquer vínculo empregatício.

Para alguns trabalhadores, o emprego formal continua sendo a única via; para outros, faz-se necessário encontrar formas de gerar renda, seja individual ou coletiva. Entretanto, estes se esbarram na falta de capital de giro, de infraestrutura, de equipamentos, entre outros. Ainda assim, a possibilidade de montar um negócio coletivo parecia ser uma possibilidade. A realidade brasileira tem mostrado que, fundamentalmente, a partir da década de 1990, há uma proliferação de iniciativas produtivas,

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não dão conta das inúmeras demandas no campo da economia solidária, mas nota-se, também, que a experiência que vem sendo acumulada, ao longo da década de 1990 e do século XXI, tem contribuído para pensar uma nova sociedade e outras formas de produzir e de viver.

As universidades, como se demonstra neste livro, podem e devem contribuir com o ensino, a pesquisa e a extensão, ou seja, com o seu tripé fundante e integrado na construção de uma sociedade justa e igualitária. O processo de incubação, pela via da extensão acadêmica, mostra a importância da intervenção na sociedade, entretanto não se trata de uma mera participação técnica; ao contrário, é uma ação que tem como base o caráter dialógico, de construção e reconstrução de saberes. Resgatar saberes, valorizá-los, respeitar identidades e culturas, significa dar voz e vez àqueles que, historicamente, foram excluídos de qualquer bem e serviço.

O trabalho de incubação, pela via da extensão universitária, tem contribuído com todo trabalho de formação continuada, mostrando como é possível a conquista de direitos, ou seja, “o direito a ter direitos”, desvelando, assim, o grau de desigualdade social, muito peculiar na sociedade brasileira, geradora de riquezas para poucos. Em uma nação como o Brasil, rica em leis importantes e, muitas vezes, extremamente avançadas, os direitos fundamentais para uma vida digna não são garantidos no cotidiano daqueles que se encontram na categoria dos “sem direitos”. A incubação como processo educativo que privilegia a dialogicidade, a troca de conhecimentos, reveste-se de importância, no sentido de despertar os cooperados/associados para assegurar direitos, por meio da participação em diversos espaços societários, além do empreendimento. A participação social nem sempre é algo presente na vida daqueles que estão nos empreendimentos econômicos solidários. Imersos em uma sociedade em que precocemente adentram ao mercado de trabalho, assumindo, muitas vezes, o papel de adulto, exercitar a sua participação é sempre um grande desafio. Muitas vezes, as questões emergenciais de sobrevivência pesam em momentos em que é necessário

vinculadas à economia solidária, incluindo cooperativas, associações de produtores, grupos de produção, empresas autogestionárias, bancos comunitários, redes solidárias, de caráter urbano e rural, que se organizam com base no trabalho coletivo autogerido, fundamentadas na democracia, participação, socialização de informações, gestão coletiva. Pode-se afirmar que se trata de uma forma produtiva e de prestação de serviços, extremamente, desafiante, como bem demonstra todos os artigos deste livro. Daí a importância do trabalho realizado pelas universidades, por meio da ação extensionista, especificamente a da incubação de empreendimentos econômicos solidários. Ainda na década de 1990, as universidades são chamadas a refletir sobre as mudanças que estavam acontecendo no mundo do trabalho. Havia uma cobrança do movimento sindical, no sentido de que tais instituições contribuíssem mais, efetivamente, não só com a reflexão sobre essas mudanças, por meio de estudos e pesquisas, mas também que se envolvessem, via atividade de extensão, em projetos que visassem a atender os segmentos excluídos da sociedade.

O movimento sindical, naquele momento representado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), universidades e outros segmentos sociais juntaram-se para pensar algumas estratégias que pudessem combater o desemprego e encontrar possibilidades de sobrevivência para os mais de 50 milhões de pessoas em situação de miserabilidade. Nesse processo, o Movimento de Combate à Fome e à Miséria e Pela Vida, coordenado pelo sociólogo Herbert de Souza, teve papel fundamental, principalmente ao trazer a ideia da importância do combate à fome, sendo também essencial a presença de ações estruturantes que propiciem a essas pessoas condições de uma vida digna.

Sem ter como propósito assumir o papel do Estado, as universidades, em cada território nacional, uniram-se nessa luta coletiva, e várias ações foram desencadeadas e realizadas. Resultado de todo esse esforço coletivo são as incubadoras universitárias, cujo foco de ação está voltado para os segmentos excluídos que desejam organizar seus empreendimentos coletivos e autogeridos. Sabe-se que as universidades

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fazer a escolha entre exercer as atividades laborativas e a participação social. No trabalho de incubação, inúmeros são os desafios vivenciados, como mostram bem os artigos deste livro. Por isso, a importância de um trabalho articulado, interdisciplinar e, acima de tudo, pautado no compromisso e na capacidade de encontrar no outro a possibilidade de construção do novo e a busca de alternativas para o enfrentamento das dificuldades encontradas ao longo do caminho. A universidade, enquanto espaço que agrega várias áreas do conhecimento, propicia ao trabalho desenvolvido junto aos empreendimentos econômicos solidários a realização de ações que ampliam a visão do mundo, agrega valor aos produtos, instrumentaliza no acesso ao mercado, entre outros.

Trabalhar com a economia solidária e com o processo de incubação em uma sociedade na qual impera o individualismo é extremamente desafiante, pois requer uma construção diária entre a equipe responsável pelo trabalho de incubação, aqueles que participam dos empreendimentos, parceiros e instituições. Entretanto, é justamente essa possibilidade de construção coletiva que mostra o diferencial desse tipo de trabalho, daí a importante contribuição das universidades/incubadoras.

Por fim, convido os leitores para aproveitarem ao máximo as reflexões propostas neste livro pelos seus autores. Trata-se de uma grande contribuição não só para a academia, mas também para os participantes dos empreendimentos, os parceiros e os órgãos públicos. As reflexões teóricas e as experiências se alimentam todo o tempo, o que demonstra o lastro importante do trabalho realizado, tendo como base a descortinação do real, pautada na ação e na reflexão.

Maria da Conceição Almeida VasconcelosProfessora Doutora do Departamento de

Serviço Social Universidade Federal de Sergipe

APRESENTAÇÃO

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É um privilégio escrever a Apresentação deste livro. Ele apresenta, de forma resumida, um método de pesquisa para a investigação de inferências válidas a partir de eventos que se encontram fora dos limites do laboratório, ao mesmo tempo em que mantém os objetivos do conhecimento compartilhado com a ciência. Antes de adentrar sobre os assuntos abordados no livro, reporto-me inicialmente a Paul Singer, no qual descreve tão bem sobre economia solidária. Para ele, economia solidária expressa um conjunto de práticas associada a ações de consumo, comercialização, produção e serviços, ligados à participação coletiva, autogestão, democracia, cooperação e intercooperação, autossustentação, promoção do desenvolvimento humano, responsabilidade social e a preservação do equilíbrio dos ecossistemas. Embora não seja uma ideia nova, a economia solidária é uma exigência hoje, dada a necessidade de se estabelecer, em nível global, as bases de uma vivência com respeito entre os povos, fraternidade, desenvolvimento autossustentável, justiça, democracia e plenitude de cidadania, entre outras tantas possibilidades de interação entre homens, mulheres e seu meio. Hoje, as Redes de Economia Solidária agrupam organizações de todo o planeta e oferecem um novo modelo de convivência. No seu penúltimo livro - À Sombra da Mangueira, escrito em 1995, Paulo Freire analisa e denuncia o utilitarismo e o consumismo pós-moderno neoliberal e anuncia uma concepção de civilização que não nega a importância da tecnologia atual, mas a subordina a outros valores, os da cooperação e da solidariedade. Para Paulo Freire, a racionalidade reclama racionalmente o direito a suas raízes emocionais. É a volta à sombra da mangueira ao ser humano completo. E com os cheiros e sabores da mangueira, um conceito muito mais amplo do que esquerda e direita, e profundamente radical: o da solidariedade humana. No contexto da atual educação intertranscultural, Paulo Freire está vivo com a concepção de que as diferenças devem não apenas ser respeitadas, mas compreendidas como riquezas culturais com as quais

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todos podem aprender e crescer. Desse modo, verifica-se que a Economia Solidária na realidade é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver, sem explorar, os mais fracos não destruindo o ambiente. Assim, a economia solidária vem se apresentando, nos últimos anos, como alternativa inovadora de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social. Faz parte dela uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Nesse sentido, compreende-se por economia solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizadas na forma de autogestão. Considerando essa concepção, destacam-se as seguintes características da Economia Solidária:

a. Cooperação: existência de interesses e objetivos comuns, a união dos esforços e capacidades, a propriedade coletiva de bens, a partilha dos resultados e a responsabilidade solidária. Envolve diversos tipos de organização coletiva: empresas autogestionárias ou recuperadas (assumida por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo; grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens etc); clubes de trocas etc. Na maioria dos casos, essas organizações coletivas agregam um conjunto grande de atividades individuais e familiares.

b. Autogestão: os/as participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses etc. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria não devem substituir nem

impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação.c. Dimensão Econômica: é uma das bases de motivação da agregação

de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais.

d. Solidariedade: o caráter de solidariedade nos empreendimentos é expresso em diferentes dimensões: na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; no compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa aos processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem-estar dos trabalhadores e consumidores; e no respeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Considerando essas características, a economia solidária aponta para uma nova lógica de desenvolvimento sustentável com geração de trabalho e distribuição de renda, mediante crescimento econômico com proteção dos ecossistemas. Seus resultados econômicos, políticos e culturais são compartilhados pelos participantes, sem distinção de gênero, idade e raça. Implica na reversão da lógica capitalista ao se opor à exploração do trabalho e dos recursos naturais, considerando o ser humano na sua integralidade como sujeito e finalidade da atividade econômica. Verifica-se desse modo que a economia solidária é movimento que busca contrapor os princípios de produção, comercialização e distribuição de riquezas inerentes ao sistema capitalista, buscando novas relações (sociais, econômicas e ambientais) contrárias à alienação em relação ao processo do trabalho como um todo;

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às desigualdades sociais (poder e riqueza na mão de uma minoria, pobreza para a maioria); e aos desequilíbrios ecológicos - visto que grandes corporações tendem a se preocupar mais com o lucro e menos com os danos ambientais que o seu crescimento desenfreado pode causar. E como visto, o desenvolvimento territorial busca expandir com base nesta economia solidária, levando em conta que seu crescimento necessita do envolvimento das pessoas. A forma associativista e cooperativista (cada um contribuindo com o seu melhor, com o que é possível dentro de seus parâmetros); todos participam do processo desde sua implementação até o produto final (propriedade da economia solidária que tem características também do comércio justo);e, principalmente, tendo em mente o equilíbrio ecológico (fator essencial para harmonizar as relações entre pessoas, desenvolvimento territorial e natureza). Para Singer1 (2002, p. 4), a definição da economia solidária está ligada à relação entre o trabalhador e os meios de produção, sendo que:

[...] a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. [...] A empresa solidária é basicamente de trabalhadores, que apenas secundariamente são seus proprietários. Por isso, sua finalidade básica não é maximizar lucro, mas a quantidade e a qualidade do trabalho.

É no aspecto da participação que se provocam mudanças, e que reside a importância desse livro, após discutir a economia solidária, mostrando o contexto histórico e destacando o processo de incubação como meio asseguratório dos direitos fundamentais com uso de terminologia de fácil entendimento inclusive para os leigos que pretende entender sobre economia solidária. O livro é produto do trabalho coletivo e multidisciplinar desenvolvido pela equipe da Incubadora de empreendimentos econômicos solidários da Universidade Estadual de Maringá concluido em 2010. Norteada na construção e reconstrução 1 SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

de conhecimentos como um processo educativo por meio da práxis, conforme relatado na Introdução, a equipe descreve a realidade vivida no processo de incubação dos empreendimentos.

No Capítulo 2, os autores tratam do processo de incubação como meio asseguratório dos direitos fundamentais; demonstram a maneira pela qual o processo de incubação é capaz de garantir alguns direitos essenciais ao homem, ressaltando que na maioria das vezes esse direito ocorre de forma indireta, pois o objetivo da incubadora é a liberdade econômica, a autonomia e a autogerência. No entanto, como consequência mediata encontra-se a segurança dos direitos fundamentais propiciado pelo processo de incubação. Os autores tomaram para análise, os trabalhadores de materiais recicláveis que estavam no lixão do município de Maringá que vieram a constituir suas cooperativas.

Para o Capítulo 3, os autores apresentam a atuação da incubadora com os produtores da agricultura familiar, destacando a relevância da mesma tanto para a produção de alimentos como na geração de trabalho no meio rural, respondendo por 70% de alimentos consumidos pelos brasileiros. Entretanto, os pequenos produtores rurais têm dificuldades não somente na produção, mas principalmente na comercialização dos produtos. Uma das alternativas tem sido a formação de coletivos de produtores, formando empreendimentos econômicos solidários (EES). Segundo os autores, nesse sentido, as incubadoras universitárias de empreendimentos econômicos solidários desempenham papel fundamental, na medida em que interagem para auxiliar na busca por alternativas de comercialização como também, auxiliam na melhoria dos processos técnicos produtivos. Assim ao relatar a atuação da incubadora, os autores focam alguns resultados obtidos, especificamente com alguns grupos de produtores familiares e de assentamentos da reforma agrária em quatro municípios localizados na região central do Estado do Paraná. Para o desenvolvimento dessas ações, a Incubadora Unitrabalho/UEM pratica a metodologia participativa como princípio norteador do processo, identificando potencialidades, facilidades e dificuldades, muitas vezes por serem específicas deste tipo de ação com produtores da área rural,

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mas de forma geral, os resultados são importantes e positivos.No Capítulo 4, os autores abordam o processo de incubação com

as trabalhadoras do artesanato; relatam as ações que foram desenvolvidas pela equipe da Incubadora com dois grupos de produtoras de artesanato. Um localizado no Município de Sarandi, região metropolitana de Maringá, conhecido como “Mãos que Fazem”, o outro grupo é “Artefaz”, que fica no município de Guaporema, região Noroeste. Para o desenvolvimento e exposição das ações, primeiramente descreveram o perfil dos grupos e as principais características. Na sequência, explicaram como acontece o processo de incubação de um grupo em que a maioria dos participantes é do gênero feminino, destacando as dificuldades para conquistar o espaço no mercado consumidor principalmente em razão da concorrência existente inclusive com grupos que executam atividades semelhantes.

No Capítulo 5, os autores analisam o desempenho dos empreendimentos por meio de indicadores quantitativos e qualitativos socioeconômicos no setor de reciclagem e agricultura familiar. Para analisar esses empreendimentos, coletaram-se dados de três cooperativas incubadas pela Incubadora. Tais empreendimentos são formados por trabalhadores oriundos do lixão a céu aberto e de catadores de lixo de rua do município de Maringá, Estado do Paraná. Com relação à área rural, tomou-se como base o caso da cooperativa formada por pequenos produtores familiares de maracujá orgânico no município de Poema, distrito de Nova Tebas. Os resultados da análise dos indicadores apontam para uma evolução positiva no aspecto econômico desses empreendimentos. Para o Capítulo 6, o livro é finalizado com as considerações finais da organizadora a qual apresenta a incubadora de empreendimentos econômicos solidários como agente de transformação por meio da práxis, ressalta que o processo de incubação é de construção e reconstrução de conhecimentos, que une saberes populares e acadêmicos de forma dialógica e participativa entre os agentes envolvidos. Com o objetivo tão somente de atender às necessidades e desejos trazidos pelos trabalhadores que pretendem ser empreendedores, autogerindo seus

próprios empreendimentos. Dada a diversidade de situações, perfis dos grupos de trabalhadores, condições materiais, sociais e ambientais, o processo precisa ser conduzido de forma criativa, sem perder de vista o aspecto coletivo e de transformação das realidades, independentemente do setor produtivo, seja ele rural ou urbano. Diante das considerações, no livro são relatadas as experiências vividas por professores, alunos, técnicos juntamente com tantas outras, como produtores rurais, que apesar das dificuldades na luta para o preparo, colheita e comercialização dos seus produtos, ainda sentem o prazer no cultivo da lavoura. Mulheres, que com suas mãos, fazem a diferença ao fazer arte e felizes em contribuir no orçamento familiar. Homens e mulheres que utilizam do lixo, deixado pelos cidadãos do consumo fácil, a renda para manter seus familiares com a dignidade que todo trabalho merece. Em razão disso, considero esse um trabalho grandioso, pois nasceu e foi construído das experiências de vida de pessoas que buscaram alternativas que possibilitam que o ser humano seja dignificado por meio do trabalho, justo e honesto. E não deixa influenciar pelo poder da mais valia. Na sua simplicidade mostram que existem bens os quais o capital ainda não pode comprar - que é a coragem para mudar a realidade.

Neuza Corte de OliveiraProfessora Mestre do Departamento de Ciências Contábeis

Universidade Estadual de Maringá

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INTRODUÇÃO1

1 Texto publicado na Revista Outra Economia (Revista Latinoamericana de economía social y solidária), Buenos Aires, v. III, n. 4, 2009, e também no livro Economia Solidária e Processos de Incubação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2008

Maria Nezilda Culti

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1HUMANIDADE,

CONHECIMENTO E PRÁXIS

A relação do ser humano com o mundo se dá por intermédio da ação. Não uma ação qualquer, mas aquela que altera o mundo: uma ação transformadora, modificadora. Mais ainda, uma ação transformadora consciente, que é capaz de agir intencionalmente em busca de mudança que favoreça o mundo. Trata-se de uma ação humana a que chamamos de trabalho ou práxis. Essa ação é consequência de um agir intencional, cuja finalidade é a alteração da realidade, moldando-a às nossas necessidades. Essa ação pressupõe trabalho que é, portanto, o instrumento da intervenção e de apropriação do mundo pelo homem. Da relação do homem com o mundo, da nossa intervenção na realidade e vice-versa, por meio do trabalho, resultam produtos que podemos chamar de ideias (produtos ideais) e coisas (produtos materiais). Nessa relação, constroem-se a cultura e o conhecimento. A cultura, como o conjunto dos resultados da ação do homem sobre o mundo pela via do trabalho, constrói-se com as coisas que fazemos graças a nossas ideias e das que tivemos graças às coisas que fazemos. Nenhuma ideia é gestada isoladamente de nossa ação com o mundo material; tampouco as coisas originam-se independentemente de nossa capacidade de pensá-las antes, ou seja, as coisas estão impregnadas de idealidade e as ideias, de materialidade. O conhecimento, imprescindível para a nossa existência, por se constituir em entendimento, averiguação e interpretação da realidade, é o que nos guia para nesta intervir. Ao seu lado, coloca-se a Educação, em suas múltiplas formas, como veículo que transporta o conhecimento para ser produzido e reproduzido. Entretanto, o mundo por nós construído e os valores (como um dos produtos da cultura) que criamos nesse processo produzem um enquadramento de nossa existência individual e coletiva que nos possibilita ajustar nossos atos e pensamentos, situando-os em uma visão de mundo ou compreensão da realidade que dê forma aos nossos conhecimentos e entendimentos. É com base nos conhecimentos, que, de certa forma,

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antecedem nossas ações e, portanto, são nossos conceitos prévios, que guiamos nossa existência. Porém, os valores, os conhecimentos e os preconceitos mudam, porque o ser humano é passível de mudança, assim como a vida é processo e processo é mudança. Além disso, os valores e conhecimentos são moldados pela sociedade e pelo seu tempo histórico, assim como nossas referências não são iguais para todos e em todo tempo, ou seja, são relativos, não podem ser examinados em si mesmos, de forma isolada, uma vez que o ser humano não está apartado da vida social. Nas formações sociais da história da humanidade, nunca se observou uma composição igualitária entre os vários grupos que nelas se constituíram, seja quanto à propriedade dos bens materiais e aos ideais necessários à reprodução da existência, seja quanto à capacidade de ascendência e controle de uns sobre outros. Dessa maneira, uma vez que estão relacionados ao âmbito do poder e de quem o possui, os valores e conhecimentos produzidos em sociedade não são neutros. Por imposição ou convencimento, a maior parte dos valores e conhecimentos oriundos daqueles que detêm o poder é seguida e acatada como se tivesse extensão globalizante e sempre verdadeira. Nós, seres humanos, dependemos em grande medida de processos educativos para nossa sobrevivência e, desse prisma, a educação é instrumento de base, tanto aquela do “vivendo e aprendendo” como a organizada em locais determinados e com instrumentos e processos pedagógicos específicos, que, por sua vez, por estarem imersos no tecido social, também não são neutros. Em síntese, estamos adotando a concepção de que os conhecimentos são produzidos neste mundo pelos próprios seres humanos e que a relação de conhecimento acontece entre sujeito e objeto, que se dá no tempo humano e histórico, e também de que a relação com o mundo não é individual e imutável, mas coletiva, social, ou seja, conhecimento é uma construção histórica, social e cultural (CORTELLA, 2003).

1.2. PRÁXIS E CONHECIMENTO

Para abordar o processo de construção do conhecimento por meio da práxis, tomamos a discussão apresentada por Vázquez (1968), em Filosofia da Práxis. Segundo o autor, Karl Marx discorre sobre práxis e conhecimento quando expõe as “Teses sobre Feuerbach”. Ao falar sobre aquela como fundamento do conhecimento (Tese I), ele estaria se contrapondo ao idealismo e ao materialismo tradicional (o de Feurbach), uma vez que para Marx o conhecimento é o de um mundo criado pelo homem, dentro da História e da sociedade. A prática é fundamento e limite do conhecimento e do objeto humanizado que, como produto da ação, é objeto do conhecimento. Em princípio, Marx não negaria,

[...] a existência de uma realidade absolutamente independente do homem, exterior a ele, ou seja, uma realidade em si. O que nega é que o conhecimento seja mera contemplação à margem da prática. O conhecimento só existe na prática, e é o conhecimento de objetos nela integrados, de uma realidade que já perdeu, ou está em vias de perder, sua existência imediata, para ser uma realidade mediada pelo homem (VÁSQUEZ, 1968, p.154-155).

Na Tese II, Marx estaria avançando na discussão sobre o papel da prática no conhecimento, como forma de lhe agregar o critério de verdade. Segundo Vázquez (1968, p. 155):

Se a práxis é fundamento do conhecimento; isto é, se o homem só conhece um mundo que é objeto ou produto de sua atividade, e se, além disso, só o conhece porque atua praticamente, e graças a sua atividade real, transformadora, isso significa [...] que a verdade de um pensamento não pode fundamentar-se se não sair da própria esfera do pensamento. Para mostrar sua verdade, tem que sair de si mesmo, plasmar-se, adquirir corpo na própria realidade, sob a forma de atividade prática.

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Segundo a interpretação que o referido autor faz de Marx, na prática é que se provaria e se demonstraria a verdade, ou seja, esta não existiria em si, apenas na esfera do pensamento, mas, sim, na ação prática. Entretanto, ela não falaria por si mesma, os fatos práticos careceriam de análise, interpretação, pois não revelariam seu sentido em uma observação direta e imediata. Nesse sentido, só se descobriria a verdade em uma relação teórica com a prática, o que se entende melhor com a Tese III. Há limitações de aplicabilidade na concepção de que a prática seria o critério absoluto de verdade, pois todo fato prático carece de análise, interpretação, ou, melhor dizendo, a compreensão da prática implica uma atuação revolucionária prático-crítica. Na Tese III, esta é ressaltada como práxis, que transforma a sociedade (o homem e as circunstâncias), em oposição à transformação, que a reduz a um trabalho de educação de uma parte da sociedade sobre a outra, pelo caminho meramente pedagógico. Essa atividade só seria reconhecida para uma parte da sociedade (os filósofos), os educadores apenas exerceriam influência sobre os educandos, abstraindo-se do processo de educação. Segundo Marx, a doutrina materialista da transformação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias fazem os homens mudarem e que o educador, por sua vez, precisa ser educado. “[...] A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana, ou alteração de si próprio, só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária” (MARX; ENGELS, 1996, p. 126).

Segundo Vázquez (1968, p. 159-160), ao fazer essa crítica, Marx estaria afirmando que:

a) não só os homens são produto das circunstâncias, como estas são igualmente produtos seus. Reivindica-se assim o condicionamento do meio pelo homem, e com isso seu papel ativo em relação ao meio [...];

b) os educadores também devem ser educados. Repele-se assim a concepção característica de uma sociedade dividida

em duas partes: em educadores e educandos, com a particularidade de que os primeiros se abstraem do processo de educação [...] Desse modo, a tarefa de transformar a humanidade – concebida como educação da espécie humana – fica mais nas mãos de educadores que, por sua vez, não se transformam em si mesmos, e cuja missão é transformar os demais [...] os demais seres humanos não passam de uma matéria passiva que eles devem modelar [...];

c) as circunstâncias que modificam o homem são, ao mesmo tempo, modificadas por ele; o educador que educa tem que ser ao mesmo tempo educado. É o homem, sem qualquer dúvida, que faz as circunstâncias mudarem e que se muda a si mesmo. Através deste fundamento humano comum, coincidem a transformação das circunstâncias e a transformação do próprio homem.

Segundo esse autor, quando Marx afirma que os educadores também devem ser educados, ele está repelindo o princípio de que o desenvolvimento da humanidade seja privilégio de uma parte da sociedade, para a qual não interessa a transformação histórica, e de que a relação educacional seja uma divisão entre homens ativos e passivos, ou seja, ele não está aceitando o dualismo de educadores e educandos. A negação desse dualismo implica a ideia de uma práxis contínua, na qual se transformam tanto o objeto como o sujeito, em um processo de autotransformação sem fim, em que não existem educadores que não devam ser educados. A práxis das duas teses anteriores converte-se, assim, em uma categoria sociológica e fixa as condições da verdadeira transformação social: transformação das circunstâncias e do próprio homem.

Assim, o homem age conhecendo e, ao mesmo tempo, se conhece agindo. Podemos afirmar que a atividade prática é real, objetiva ou material. Sem a ação objetiva sobre uma realidade, seja natural ou humana, não se pode falar propriamente de práxis como atividade material consciente e objetivante.

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Há diversas formas de práxis. Em alguns casos, tem-se por objeto o homem e, em outros, uma matéria não propriamente humana, que pode ser natural ou artificial. Entre as formas fundamentais de práxis temos a atividade prática produtiva transformadora que o homem estabelece socialmente com seu trabalho, criando um mundo de objetos úteis que satisfazem determinadas necessidades e que Marx denomina de relação de produção. Segundo VÁZQUEZ (1968, p. 197-198),

A práxis produtiva é assim a práxis fundamental porque nela o homem não só produz um mundo humano ou humanizado, no sentido de um mundo de objetos que satisfazem necessidades humanas e que só podem ser produzidos na medida em que se plasmam nele finalidades ou projetos humanos, como também no sentido de que na práxis produtiva o homem se produz, forma ou transforma a si mesmo.

Há uma forma de práxis na qual o homem é sujeito e objeto, ou seja, em que o homem atua sobre si mesmo. Pode ser chamada de práxis social, na medida em que toma por objeto não um indivíduo isolado, mas um grupo, uma ou mais classes sociais ou mesmo uma sociedade inteira e cuja ação é destinada a mudar as relações econômicas, políticas e sociais. Essa forma de práxis é justamente a atividade política que está vinculada a certo tipo de organização real de seus membros, cujos objetivos correspondem aos interesses das classes sociais.

Em suma, uma vez que, em face da sua própria natureza e da que lhe é exterior, o homem existe e se afirma com sua atividade prática transformadora, a práxis política e a produtiva constituem duas dimensões essenciais de seu ser prático. Estas, juntamente com outras formas específicas de práxis, “nada mais são que formas concretas, particulares, de uma práxis total humana, graças à qual o homem como ser social e consciente humaniza os objetos e se humaniza a si próprio” (VÁZQUEZ, 1968, p. 202).

Retomando a questão teórica, ainda segundo o autor, a atividade

teórica por si só não é práxis, ou seja, enquanto a teoria permanece em seu estado puramente teórico não passando à práxis, isto é, não se realizando, não se plasmando, não produzindo nenhuma mudança real, não pode ser considerada transformadora. Ela precisa se transformar em atuação prática, precisa sair de si mesma, ser arrancada de seu estado meramente teórico e, com base em mediações adequadas, buscar realização. “Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas” (VÁZQUEZ, 1968, p. 204). A teoria e a prática são duas formas de comportamento do homem em face da realidade e se desenvolvem em estreita unidade ao longo da história humana. Por conseguinte, a práxis é, na verdade, atividade teórico-prática, ou seja, tem um lado ideal, teórico, e outro, material, prático, os quais só podem ser separados um do outro por um processo de abstração.

A atividade prática desenvolvida por um indivíduo é simultaneamente subjetiva e objetiva, dependente e independente de sua consciência, ideal e material, e tudo isso em unidade indissolúvel [...]. O objetivo (produto) é o resultado real de um processo que tem seu ponto de partida no resultado ideal (finalidade) (VÁZQUEZ, 1968, p. 242).

Porém, ainda que a finalidade (consciência) presida o processo, há sempre inadequações que precisam ser ajustadas. Ou seja, segundo o autor, a “consciência não pode limitar-se a traçar um objetivo ou modelo ideal imutável”; é preciso um dinamismo de consciência, a qual tem que se manter ativa ao longo do processo para não só perseguir o objetivo original, como também modificá-lo, tendo em vista à realização deste. Dessa forma, na atividade prática, ocorrem tanto a sujeição do lado material como a do ideal; ela requer um constante vai-e-vem de um plano a outro, uma vez que, no processo, aprofunda-se a distância entre

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o resultado prefigurado e o real. Portanto, as modificações impostas às finalidades que ocorrem no processo de passagem do subjetivo para o objetivo ou do ideal para o real só demonstram, na própria ação, a unidade entre o teórico e o prático. Portanto, a realização é guiada por uma consciência que se orienta pela própria realização de seus objetivos. Desse modo, por carregar certa imprevisibilidade e indeterminação do processo e do resultado, a práxis é também criadora. Há certa gestação interna, subjetiva, da teoria e de sua realização efetiva. As modificações decorrem da própria resistência da matéria humana, social ou não humana, visto que, na atividade prática, antes da sua construção, nem sempre se pode conhecer previamente o produto acabado. Entretanto, o fato de a práxis ir se fazendo na própria realização não significa que seja exterior ao próprio processo prático ou que esteja escrita em algum lugar, mas que tem caráter único e que não se repete. Entretanto, carrega traços fundamentais que a distinguem, especialmente quanto a objetivos, essência e desenvolvimento que se manifestam por meio da singularidade imposta pelas circunstâncias históricas. “Trata-se de um desenvolvimento que nunca está escrito de antemão e que só se cumpre com a intervenção de fatores subjetivos. [...] e imprevisibilidade que não exclui, por sua vez, certa previsão ou antecipação ideal do desenvolvimento da práxis revolucionária” (VÁZQUEZ, 1968, p. 254). A práxis também é intencional, na medida em que um indivíduo, ou um conjunto deles, atua coletivamente de acordo com um projeto ou objetivo comum, de cuja elaboração e realização participam, conjugando causas e objetivos diversos. Embora falando do coletivo, temos sempre presente a individualidade impregnada da essência social que é inerente ao indivíduo, como síntese das relações sociais.

Nessa práxis individual ou coletiva, a atividade obedece a um objetivo previamente traçado; seu resultado é, portanto, uma objetivação do sujeito prático – individual ou coletivo – e, em virtude de tudo isso, há certa adequação entre seus objetivos ou intenções e os resultados de sua ação (VÁZQUEZ, 1968, p. 318).

Trata-se de uma esfera prática que implica “intervenção da consciência como processo de realização de uma intenção determinada no decurso do qual o subjetivo se objetiva, a intenção se realiza e o objetivo se subjetiviza”: ou seja, o realizado corresponde, em maior ou menor grau e de acordo com as vicissitudes do processo prático, a certa intenção original (VÁZQUEZ, 1968, p. 318). Toda práxis corresponde a certos interesses, independentemente de se ter ou não consciência deles. Na práxis coletiva é preciso que os indivíduos tenham consciência de classe, pois é esta consciência que os leva a traçar objetivos comuns e a desenvolver uma prática coletiva consciente. Entretanto, esta práxis vai encontrar os limites próprios da estrutura da sociedade capitalista, como a propriedade privada sobre os meios de produção. Os interesses são antagônicos.

2CONHECIMENTO E PROCESSO DE INCUBAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS

ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS (EES)

Antes de entrarmos diretamente nesse tema, precisamos introduzir a Economia Solidária, pois nela se processa o conhecimento por meio da práxis desenvolvida no trabalho de incubação dos empreendimentos que a compõe.

Apesar de o conceito de Economia Solidária nem sempre ser usado com o mesmo significado e nome, seu princípio é a ideia da solidariedade em contraste com o individualismo competitivo que caracteriza a sociedade capitalista. Atualmente se utiliza esse conceito amplamente no Brasil e em diversos países. Seus empreendimentos apresentam as seguintes características: são organizações urbanas ou rurais, de produtores, de consumidores e de crédito, baseadas na livre associação, posse dos meios de produção, no trabalho cooperativo, na autogestão e no processo decisório democrático, em que cada associado representa um voto. A cooperativa é a forma clássica de organização de um empreendimento da Economia Solidária.

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Essa Economia vem se transformando em eficiente mecanismo gerador de trabalho e renda. Seus empreendimentos são formados predominantemente por trabalhadores de segmentos sociais de baixa renda, desempregados ou em via de desemprego, trabalhadores do mercado informal ou subempregados e pelos empobrecidos.

No atendimento a essa Economia, surgem as Incubadoras Universitárias de empreendimentos econômicos solidários como parte das entidades de apoio, assessoria e fomento. Elas desempenham papel importante à medida que se tornam espaços de troca de experiências em autogestão e autodeterminação na consolidação desses empreendimentos e das estratégias para conectar empreendimentos solidários de produção, serviços, comercialização, financiamento, consumidores e outras organizações populares que possibilitam um movimento de realimentação e crescimento conjunto autossustentável.

As Incubadoras Universitárias de empreendimentos econômicos solidários constroem uma tecnologia social cada vez mais utilizada no âmbito das ações de geração de trabalho e renda. São espaços que agregam professores, pesquisadores, técnicos e acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, bem como programas internos existentes nas universidades para desenvolverem pesquisas teóricas e empíricas sobre a economia solidária, além das atividades de incubação de empreendimentos econômicos solidários (EES), com o objetivo de atender a trabalhadores que tencionam organizar seus próprios empreendimentos, sejam cooperativas, associações ou empresas autogestionárias, urbanas ou rurais.

As Incubadoras ajudam, na prática, a organizar, formar/orientar, acompanhar sistematicamente ou oferecer assessorias pontuais, procurando qualificar técnica e administrativamente as pessoas interessadas em constituir e melhorar seus EES. Por meio de processo educativo, orientado na participação e no diálogo, instrui quanto à organização do trabalho, aos aspectos da autogestão, de ordem jurídica, contábil, financeiro, relações interpessoais e outros aportes necessários. Tem como principal objetivo promover a geração

e consolidação dos empreendimentos de autogestão. A parceria com os poderes públicos e com as iniciativas privadas nas localidades onde as ações são desenvolvidas tem sido praticada e é muito importante para os empreendimentos e para o fortalecimento das ações desenvolvidas no processo de incubação.

Nesse sentido, o trabalho desenvolvido nas Incubadoras, o qual denominamos de incubação, é uma construção/reconstrução de conhecimento por meio do processo prático educativo de organização e acompanhamento sistêmico a grupos de pessoas interessadas na formação de empreendimentos econômicos solidários, tendo em vista a necessidade de dar suporte técnico e social a eles. Esse processo:

• valoriza o saber acumulado das pessoas e do grupo com vistas à inclusão social e econômica;

• acrescenta conhecimentos básicos de trabalho cooperativo e técnicas específicas de produção e gestão administrativa;

• orienta para o mercado e inserção em cadeias produtivas e/ou planos e arranjos produtivos locais, etc.;

• une “saber popular” a “saber científico” em uma tentativa de transformação da prática cotidiana inter-relacionando as atividades de ensino, pesquisa e extensão;

• é um processo educativo que modifica as circunstâncias, os homens e as mulheres na sua maneira de ser e agir;

• é um processo de construção e reconstrução de conhecimentos para os atores envolvidos, em vários aspectos.

3PRINCÍPIOS NORTEADORES

DO PROCESSO DE INCUBAÇÃO

O conhecimento adquirido no Processo de Incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), realizado pelas Incubadoras Universitárias no campo da economia solidária, implica um conjunto complexo de atividades de caráter técnico e social, orientado

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por objetivos, o que faz desta prática uma atividade conscientemente buscada e orientada a um fim.

A forma pedagógica característica do processo educativo na incubação é a que parte do percebido para o não percebido, do imediato para o mediato. Em si mesma, essa prática pedagógica transforma os conteúdos e altera a conduta. Além disso, por envolver trabalhadores, especialmente os excluídos do mercado formal de trabalho ou desempregados e em vias de desemprego, o processo educativo na prática de incubação implica a existência de determinada classe social, historicamente explorada, subalterna e marginalizada, no processo produtivo e social. Em virtude disso, imprime-se um conteúdo político ao processo educativo, ou seja, a prática de incubação, além de ser pedagógica é também uma prática política. A prática de incubação (processo real), na qual se dá o processo educativo, é o objeto do relacionamento entre saber popular, trazido pelo trabalhador/educando (sujeito), e o acadêmico/científico, conduzido pelos educadores (sujeito). Por outro lado, o processo prático de incubação, mais que uma troca de saberes, é entendido como um processo de produção de conhecimento, no qual o saber popular e os conceitos teóricos ou conhecimentos acadêmicos/científicos do educador são utilizados como matéria prima por ambos, educador-educando, de maneira a transformar o saber popular e o científico em saberes aplicáveis ou mais adequados à natureza do empreendimento e do trabalhador cooperativo. O processo prático de incubação é muito mais um conjunto de objetivos que se detalham em passos e instrumentos, de certa forma experimentados e produzidos na e pela prática, do que propriamente uma metodologia de incubação. Em síntese, é inerente à nossa conceituação de processo prático de incubação a existência de dois saberes, distintos, mas não opostos: o saber popular e o acadêmico/científico, que são trabalhados por meio de uma prática pedagógica participativo-dialógica, na qual se procura respeitar os limites e o tempo de aprendizagem do educando. Nessa

prática:

a) o saber acadêmico/científico, ao entrar em relação com o popular, deve com este interagir, de forma a construir ou recriar um conhecimento possível;

b) a forma de interação entre os dois saberes deve ser bidirecional e participativa, ou seja, deve ser entendida como um construir em conjunto;

c) o processo educativo deve se dar como processo de produção, no qual o saber popular se transforma com os instrumentos do saber acadêmico/científico predeterminado e são respeitados o limite e o tempo do educando para absorver e elaborar os conteúdos no processo de produção de conhecimento, uma vez que este se constrói com erros e acertos, avanços e recuos;

d) o caráter político dessa ação educativa (pedagógica) deve levar os educadores a assumi-la como compromisso de aprendizagem, para si e para os trabalhadores (educandos), cujo conteúdo é a nova organização de trabalho e condição de vida, que não se limita aos aspectos técnicos do saber, mas corresponde também a uma concepção totalizadora da sociedade concreta em que a prática se realiza;

e) a prática pedagógica implica não somente o conhecimento e a construção ou reconstrução de ambos os saberes, mas também a mudança de comportamento dos sujeitos do processo (educandos e educadores).

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3.1. PROCESSO EDUCATIVO NA PRÁTICA DE INCUBAÇÃO COMO PROCESSO

CRIATIVO

A Prática de Incubação dos Empreendimentos Econômicos Solidários é um processo pedagógico que implica sempre uma atitude criativa por parte de todos os envolvidos. Esta atitude é inerente ao seu próprio meio de operar, cujos caminhos, embora com um roteiro mínimo, são construídos com avanços, recuos e muita imprevisibilidade, experimentação e indeterminação quanto aos próprios resultados.

Esse tipo de incubação se faz por meio de uma ação educativa, cujo êxito depende de certa gestação interna, subjetiva, do conhecimento teórico, o qual deve se refletir incondicionalmente em sua realização efetiva. Dessa forma, ocorrem modificações na própria objetivação da teoria e dos conceitos, uma vez que esta objetivação depende da dificuldade ou facilidade dos trabalhadores (educandos) e dos próprios educadores quanto ao conhecimento do produto acabado, antes da sua construção na atividade prática. Ou seja, não existe possibilidade de se prever totalmente o caminho, este é construído no próprio processo, realiza-se com base em erros e acertos, avanços e recuos, e, por isso, adquire um caráter único, que não se repete. Embora previsto teórica e idealmente, sua realização é imprevisível, uma vez que está sujeita à intervenção de fatores subjetivos. O conhecimento é gerado por meio da vivência, ou seja, as ações interativas entre educadores e educandos, entre os próprios educadores e entre os próprios educandos são fundamentais para a aquisição de novos saberes. Ha diferentes aspectos do processo criativo que caracteriza o procedimento pedagógico da prática de incubação. Podemos destacar o da interação entre conhecimento teórico e a prática; entre o saber acadêmico e saber popular, bem como sobre a necessidade de, nesse processo, se estabelecer uma relação dialógica na qual o educador também aprende e se educa.

3.1.1. Conhecimento teórico-prático

Na prática de incubação dos empreendimentos econômicos solidários, tanto os conceitos teóricos e os princípios do cooperativismo como sua objetivação, sua concretização passam por um processo de adaptação e modificação. Ou seja, o processo de incubação de empreendimentos é uma ação educativa de construção e reconstrução do conhecimento, cuja base é o conhecimento teórico pensado, o qual, todavia, vai sendo modificado no próprio processo.

Sobre a relação entre conhecimento teórico e prática, esta muito discutida, há uma tendência na Universidade de formar os sujeitos com base em um processo de distanciamento da realidade. Os conceitos, por serem abstratos, implicam que os sujeitos se distanciem da realidade concreta à qual, supostamente, se referem. Tornamo-nos, lembrando Freire e Schor (1987, p. 131), “excelentes especialistas, num jogo intelectual muito interessante – o jogo dos conceitos! É um balé de conceitos”. Portanto, em nossa linguagem corremos o risco de perder o contato com o concreto, de nos distanciar das pessoas, cuja linguagem, ao contrário, é absolutamente ligada àquele. Ou seja, os intelectuais, em primeiro lugar, fundamentam-se, definem os conceitos, ao passo que as pessoas que não têm ligação com o mundo acadêmico descrevem diretamente a realidade, o concreto, sem a mediação da abstração conceitual.

Por isso, o processo prático de incubação estabelece uma ponte entre essas duas formas de conhecimento e seu êxito depende da interação entre o conhecimento teórico e o prático; esse caminho de compreensão rigorosa da realidade é imprescindível para a formação dos empreendimentos dos trabalhadores associados. É, portanto, esse caminho, sempre em construção, que define a metodologia ou o procedimento didático e técnico, que precisa ser flexível e adaptável. As modificações vão ocorrendo na objetivação dos conceitos teóricos e na apreensão dos mesmos, na prática, o que dificulta, especialmente, prever o resultado antes e até mesmo durante a

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ação concreta da incubação. A criatividade é, assim, inerente ao processo educativo na prática de incubação; os caminhos encontrados muitas vezes são singulares, não se repetem. Portanto, os conhecimentos são produzidos por meio da vivência, das ações interativas entre educadores e educandos, bem como entre os educadores, no interior da equipe. Esse processo de produção do conhecimento tem efeito multiplicador nas atividades de ensino e pesquisa na Universidade e nos grupos de educandos. Em certo sentido, os acadêmicos que participam desse processo de conhecimento morrem um pouco, mas renascem muito, em especial os graduandos, uma vez que a mudança é mais fácil nos jovens que nos seus professores porque estes estão há mais tempo condicionados pela vida em sociedade, apesar de nela se fazer e refazer.

3.1.2. Interação entre saber acadêmico e saber popular

No aspecto da interação entre o conhecimento acadêmico, mais teórico e conceitual, e o conhecimento popular, mais prático, há troca e interação entre os agentes dos dois saberes. O saber dos trabalhadores, adquirido na experiência de vida e de trabalho, é importante e pode alterar a prática acadêmica dos educadores na sua tarefa de transmitir os conhecimentos teóricos acumulados na academia.

No processo de incubação de empreendimentos econômicos solidários, os portadores do conhecimento teórico são os acadêmicos: educadores/orientadores (professores, pesquisadores, técnicos e acadêmicos) ligados à Universidade, local onde se produz e acumula esse tipo de conhecimento, nas diferentes áreas. Esses educadores são essenciais no processo de sensibilização coletiva dos trabalhadores, da criação, organização e autogestão administrativa, técnica e financeira dos empreendimentos. Porém, mesmo sendo portadores desse conhecimento teórico, os educadores não deixam de reconhecer o saber trazido pelos educandos/orientados, declarando a importância deste tanto para o processo de

incubação como para a mudança de seu perfil de educadores.Na forma de produção coletiva e autogestionária dos próprios

trabalhadores, construída com a presença dos educadores, esses dois agentes educativos, além de aprender mais sobre o que já sabiam, também adquirem um saber que não tinham. Esse é o resultado da interação entre o saber popular e científico, a qual é necessária e indispensável na formação dos empreendimentos dos trabalhadores.

O saber popular não dispensa o saber científico, mas o inverso também é verdadeiro: o rigor científico não se contrapõe ao saber popular como se este fosse ingênuo. A capacidade crítica da academia não é superior nem inferior à sensibilidade popular. A leitura do real requer as duas. O que está colocado é que o educador precisa fazer ou construir com os trabalhadores associados (educandos), não para eles e jamais sobre eles. O desafio que se coloca é que ambos, educandos e educadores, ultrapassem o saber alcançado por meio de sua própria prática. No processo, no caminho percorrido em busca de um objetivo comum, a convivência e o diálogo entre educadores e educandos geram saberes para as duas partes, uma vez que, em uma interação produtiva, em um processo educativo mútuo, se aproveitam os conhecimentos acumulados nas vivências sociais e de trabalho de cada uma delas.

Para ocorrer a interação desses saberes particulares, é indispensável o diálogo. No entanto, os atores desse diálogo carregam dificuldades específicas, que vão sendo identificadas ao longo do caminho e que precisam ser trabalhadas durante o próprio fazer.

Portanto, podemos afirmar, como Freire (1996), que há um processo que se desenvolve, mutuamente, de construção e reconstrução de conhecimentos, a saber:

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender [...] Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que

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meramente repetir a lição dada [...] Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se

faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito (FREIRE,

1996, p. 69).

3.1.3. Complexidade na interação – relação dialógica

A interação entre os saberes mencionados não é uma prática pedagógica fácil; requer muita paciência, humildade e criatividade, tanto do educador como do educando. É uma prática difícil, mas que permite diminuir a distância entre o educador e as condições negativas de vida do educando, na medida em que, em face da mudança, ajuda-os a aprender não importa que saber, que conteúdo. É preciso saber abrir-se à realidade desses educandos, com os quais o educador vai partilhar a atividade pedagógica. Na concepção pedagógica de Freire, o “diálogo é uma relação horizontal. Nutre-se de amor, humildade, esperança, fé e confiança” (GADOTTI, 1989, p. 66). Além disso, uma das virtudes do diálogo é o respeito para com os educandos, não apenas como indivíduos, mas também como expressão de uma prática social. Na prática do diálogo, “o educador não pode colocar-se na posição ingênua de quem se pretende detentor de todo saber, deve, antes, colocar-se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo” (GADOTTI, 1989, p. 66-69), reconhecendo que o educando tem toda uma experiência de vida e por isso também é portador de um saber.

Em uma entrevista à Schor, Freire afirma que “não devemos entender o diálogo como uma tática que usamos para fazer dos alunos nossos amigos. Isto faria do diálogo uma técnica para a manipulação, em vez de iluminação. Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 122). É uma espécie de postura necessária, porque os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. “O diálogo é o momento em que os humanos

se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem [...]. Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade”. Segundo ele, ainda, quando nos comunicamos no processo de conhecimento da realidade que transformamos, o fazemos socialmente, “apesar de o processo de comunicação, de conhecimento, de mudança, ter uma dimensão individual. Mas o aspecto individual não é suficiente para explicar o processo. Conhecer é um evento social ainda que com dimensões individuais” (FREIRE; SCHOR,1987, p.123).

Por isso, qualquer caminho que se baseie em uma linha impositiva por parte do educador não terá êxito. No entanto, com o diálogo, com uma atitude horizontal entre os atores, as chances de êxito são bem maiores, em especial no caso do processo prático de incubação, em que, em razão da própria natureza da atividade, que é eminentemente coletiva, a reflexão em conjunto é fundamental. Nela é que se vão desvelando o que os sujeitos sabem e o que ainda precisam saber. Isso, por um lado.

Por outro, ainda segundo Freire, sem negar a autoridade que o educador tem e representa, a presença deste, por sua experiência, deve ser mediadora. Trata-se de uma relação em que a liberdade do educando não é proibida de exercer-se, ao contrário, deve ser estimulada, até mesmo para se “escutar as urgências e opções do educando”. Ao mesmo tempo, porém, deve-se incentivar que ele ultrapasse o imediatamente vivido, ou seja, suas situações limites (GADOTTI, 1989, p. 67).

Freire e Schor (1987) considera o papel direto e informativo do conhecimento na relação educativa, mas alerta que ele não deve ser confundido com a verdade. Segundo ele, o educador “não pode deixar os estudantes entregues a si mesmos”, não pode cair no laissez-faire e tampouco ser autoritário. O educador tem que ser “radicalmente democrático, responsável e diretivo. Não diretivo dos estudantes, mas diretivo do processo no qual os estudantes estão comigo. Enquanto dirigente do processo, o professor libertador não está fazendo alguma coisa aos estudantes, mas com os estudantes” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 61).

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Para Freire, “o educador é diferente do educando”, mas essa diferença não pode ser antagônica, ou seja, não pode se transformar em autoritarismo. Segundo ele, há ”um fato inconteste de que a natureza do processo educativo sempre é diretiva, não importando se a educação é feita pela burguesia ou pela classe trabalhadora” (GADOTTI, 1989, p. 73).

No processo de incubação, os educadores levam seus conhecimentos conceituais e técnicos para serem aplicados; no entanto, os educandos dispõem de liberdade para discuti-los com os educadores, para usá-los, adequá-los da melhor maneira ou como lhes convier. Evita-se, assim, que esses conhecimentos sejam confundidos com a verdade, até porque já existem um saber adquirido e muita criatividade por parte de quem executa o trabalho. Nesse caso, o educador não está renunciando ao que sabe, mas, por meio de uma relação dialógica cujo intuito é o de não se distanciar dos objetivos, está dispondo e dando oportunidade para que o educando tenha a iniciativa de usar, modificar, ou não, esse conhecimento.

Já que, no processo de incubação, o objetivo é a autogestão e esta exige iniciativa do educando para dirigir seu empreendimento, a ação indutiva do educador é necessária, mas não pode ser perpetuada. Segundo Freire e Schor (1987, p. 187-188), de um lado, o educador precisa sempre ter clareza quanto ao que se quer criar para não se perder no espontaneísmo, o que pode levá-lo a perder de vista também os objetivos. Por outro lado, embora deva aceitar a natureza diretiva da educação, também não pode manipular o educando. Esse autor afirma ainda que, em qualquer tipo de educação, existe sempre determinado momento que ele chama de “momento indutivo”. Trata-se do “momento em que o educador não pode esperar que os alunos tomem a iniciativa do próprio progresso no sentido de uma idéia ou de uma compreensão, e quando o professor deve fazê-lo” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 187). O educador deve fazer a indução de maneira que o educando desenvolva a própria iniciativa de fazer suas induções o quanto antes. Ou seja, deve evitar um comportamento autoritário e monopolizador ou manter a função

indutiva sempre em suas mãos.Assim, o educador não pode “apenas sentar e esperar que os

alunos articulem todo o conhecimento” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 188), uma vez que, em uma relação educativa dialógica, ele não pode renunciar ao que sabe. “Ao contrário, tem que demonstrar sua competência aos alunos” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 126) porque “o diálogo se dá dentro de um programa e contexto. [...] Para alcançar os objetivos da transformação, o diálogo implica responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina, objetivos” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 127). Tarefa difícil essa!

No entanto, vale ressaltar que a Prática de Incubação dos Empreendimentos Econômicos Solidários ensina a todos, em especial aos educadores, não só a interagir com o educando, mas também a trabalhar em equipe, realizar uma atividade coletiva multidisciplinar e, ao mesmo tempo, orientar os trabalhadores para o trabalho coletivo, compartilhado e solidário. Os trabalhadores (educandos) ensinam muita coisa aos educadores, mas a maneira destes de ensinar é diferente, eles ensinam quase em silêncio, por meio de sua condição real e concreta. Eles vivenciam aquilo que os educadores estudam: os professores universitários são informalmente educados pelos trabalhadores.

Os educadores, com sua presença, não ficam apenas contemplando: interagem no processo, levam seus conhecimentos também. Atuam de forma diretiva e informativa, porque já tiveram contato teórico prévio com o objeto que está sendo conhecido, construído. No entanto, esse conhecimento circunscreve-se ao objeto e não significa que os educadores tenham esgotado todos os seus aspectos e dimensões. Ou seja, os educadores podem até conhecer melhor o objeto de estudo ou o que está sendo construído, no entanto, ele reaprende no processo ao interagir com os educandos. “A capacidade do educador de conhecer o objeto refaz-se, a cada vez, através da própria capacidade de conhecer dos alunos, do desenvolvimento de sua compreensão crítica” (FREIRE; SCHOR, 1987, p. 124). Em suma, nós, seres humanos, no decorrer de nossa existência

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no mundo, dependemos em grande medida de processos educativos permanentes, e, como afirma o autor referido (FREIRE, 1996, p. 53), “gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele”. Mais ainda, “a inconclusão que se reconhece a si mesma implica necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente processo social de busca”.

O conhecimento é produzido, criado, pelos próprios seres humanos, ao longo da sua existência, em um processo misto de busca, curiosidade, desafios e possibilidades. Essa relação de construção e reconstrução por meio da práxis demonstra que a unidade entre o teórico e o prático realiza-se na própria ação.

3.2. PROCESSO EDUCATIVO NA PRÁTICA DE INCUBAÇÃO COMO AÇÃO COLETIVA

Como já afirmamos várias vezes, a ação educativa na prática de incubação não se esgota em uma relação interpessoal ou individual, que parte do educador para o educando. Pelo contrário, nessa atividade, os sujeitos dedicam-se coletivamente a compreender dada realidade e produzir um saber novo ou diferenciado sobre ela. O processo de incubação exige, por um lado, a constituição da equipe multidisciplinar de professores, técnicos e acadêmicos e, por outro, a organização coletiva dos trabalhadores interessados em formar um empreendimento (cooperativa/associação), que não é fim, mas meio para buscar e constituir a sua fonte de trabalho e renda e que se organiza na forma de autogestão coletiva, diferenciando-se da relação tradicional capital-trabalho.

Trata-se também de uma ação intencional, na medida em que os trabalhadores (educandos) atuam coletivamente de acordo com uma intenção, um projeto (formar um empreendimento) e um objetivo comum (proporcionar trabalho e renda). Na elaboração e realização desse projeto, eles conjugam causas e objetivos. Por outro lado, os educadores, também organizados em uma equipe multidisciplinar, agem intencionalmente com

os mesmos objetivos, utilizando seu conhecimento acadêmico/científico para esse fim. Portanto, trata-se de uma inter-relação entre educadores e educandos, equipe de educadores entre si e grupo de educandos entre si. Embora a proposta seja coletiva, não se ignora a presença marcante da individualidade, impregnada de essência social, uma vez que todos somos síntese das relações sociais.

Nessa práxis coletiva, a atividade obedece a um objetivo previamente traçado. Portanto, embora possa vir a ocorrer adequação entre os objetivos ou intenções e os resultados da ação, estes são uma objetivação do sujeito prático coletivo. Trata-se de uma esfera prática na qual o realizado corresponde, em maior ou menor grau, dependentemente das vicissitudes do processo prático, a certa intenção original.Identificamos melhor as questões que envolvem a ação coletiva que permeia esse processo educativo por meio do trabalho em equipe multidisciplinar, em que as dificuldades e facilidades para assimilar e colocar em prática as orientações oferecidas no processo de incubação aparecem.

3.2.1. Equipe multidisciplinar

Na realização do processo de incubação de empreendimentos econômicos solidários, por sua própria natureza, é necessário ter um olhar sobre todo o contexto, macro e micro, que os envolve. Por isso, para dar conta da complexidade implícita em cada uma das áreas de conhecimento que esse tipo de ação orientadora requer, é necessário montar uma equipe multidisciplinar de profissionais orientadores (professores, técnicos e acadêmicos), os quais estão sendo nominados de educadores. Ou seja, tendo sempre em vista a consequente melhoria de vida, a orientação para a viabilidade econômica dos empreendimentos solidários, cuja característica é a autogestão e o trabalho cooperativo coletivo, que envolve ações de organização operacional, técnica, administrativa, comercial, financeira, contábil e de recursos humanos. Os

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educadores compartilham com os educandos as atividades de formação e administração do empreendimento do educando, cujo objetivo comum é lhes proporcionar trabalho e renda. Interagem, portanto, intencionalmente, com os mesmos fins e objetivos, utilizando ou transmitindo o conhecimento acadêmico das suas respectivas áreas. Portanto, é preciso que exista uma interação, na equipe de orientadores (educadores), entre as diversas áreas de conhecimento para operacionalizar o trabalho de orientação prática.

3.2.2. Dificuldades e facilidades dos trabalhadores (educandos) para assimilar

as orientações no processo prático de incubação

Vale notar que o individualismo é um valor muito difícil de ser quebrado por todos nós, pelo fato de sermos, indistintamente, instigados a exercê-lo como meio de sobrevivência em um sistema macro e micro-econômico que cada vez mais se pauta pela concorrência, pelos valores da empregabilidade e da capacidade individual em detrimento do coletivo. A experiência de vida que trazemos reflete esse sistema ou meio social em que vivemos e do qual não nos abstraímos. Assim, tanto os educandos como os educadores vivem, cada um, a sua realidade. Não há dúvidas de que as condições materiais em que e sob que vivemos condicionam a compreensão do nosso mundo, da nossa capacidade de aprender e de responder aos desafios.

O que nos distingue, como educadores, é que já tivemos a oportunidade de estudar, tivemos acesso a conhecimentos que nos permitiram, para além dos limites do senso comum, ver a realidade que nos cerca.

Por isso, quando os educadores, de forma adequada, transmitem o conhecimento que já adquiriram durante sua vida acadêmica, é possível que a compreensão por parte dos cooperados aconteça, porque eles tornam aquele algo vivido, não o mantêm como uma abstração.

Daí a importância de uma relação que, de fato, respeite o

conhecimento desses trabalhadores e, começando por esse nível, construa, juntamente com eles, os novos valores, conceitos e instrumentos. Os educadores devem absorver os conhecimentos que os trabalhadores têm de sua própria realidade, transpondo-os, junto com os seus conhecimentos teóricos, para a gestão dos empreendimentos coletivos. Esses trabalhadores são capazes, como qualquer pessoa; o que lhes faltou foi acesso ao conhecimento, seja em educação básica, seja profissional. Portanto, o saber resultante dessa forma de produzir coletiva e autogestionária, que está sendo gestada e vem crescendo em meio ao sistema tradicional de produção, pode ser entendido como o novo que é gerado no corpo do velho. Um novo que vem tentando alargar cada vez mais os limites de sua possibilidade, uma vez que é muito difícil e é preciso muito tempo para desfazer aquele.

3.3. PROCESSO EDUCATIVO NA PRÁTICA DE INCUBAÇÃO COMO AÇÃO

MODIFICADORA DA REALIDADE

Como prática pedagógica, o processo de incubação busca modificar conteúdos de consciência e conduta dos envolvidos, o que implica perceber a realidade, a maneira como ela se exprime na consciência e como se pode conhecê-la. Nessa concepção, o saber, tanto o popular como o acadêmico/científico, apresenta-se não apenas como conhecimento já cristalizado, mas também como percepção da realidade. A conscientização nessa prática é entendida como um processo de construção ou de recriação de conhecimentos.

No entanto, a ação educativa na prática de incubação dos empreendimentos coletivos não é só produção de conhecimentos. Ela requer, como prática (processo objetivo), a transformação da realidade, ou seja, não se limita à contemplação ou à manutenção dos princípios predominantes na sociedade. Implica, entre outras, a transformação da prática de trabalho individual, autônoma ou realizada sob as

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determinações do capital privado (trabalho assalariado), em trabalho cooperativo com autogestão coletiva. Imprime a mudança ou adaptação dos próprios instrumentos teórico-científicos ou conceitos usados pelos educadores. Propicia, portanto, circunstâncias que modificam o homem e as coisas e que, ao mesmo tempo, são modificadas por ele; o educador que educa é ao mesmo tempo educado.

Para identificar melhor o aspecto transformador desse processo educativo que acompanha a prática de incubação, comentaremos as mudanças de atitude, sejam dos próprios educadores, sejam dos educandos, bem como a autonomia que os trabalhadores associados adquirem em relação aos orientadores (educadores).

3.3.1. Efeitos educativos do processo de incubação para o educador

Nas Universidades e suas Incubadoras, os professores, técnicos e acadêmicos despertam para outra forma de ver o mundo, passam a valorizar e estimular mais o diálogo, a participação e a autocrítica, enquanto educadores e pessoas. A relação dialógica nesse trabalho não é espontânea aos educadores orientadores, pois estes não foram preparados para exercê-la; por isso são necessários esforço, empenho e vontade para estabelecê-la, recriá-la constantemente. Em fase das dificuldades inerentes a esse tipo de atividade, são fundamentais constante reforço e vigilância da própria equipe de orientadores para não abandoná-la, para evitar imprimir uma relação autoritária com os trabalhadores orientados. O próprio processo e a reação dos educandos, que rejeitam atitudes dessa natureza, sinalizam, ajudam os educadores a recuar e a não perder de vista a interação por meio do diálogo. A dificuldade não reside só em se estabelecer a relação dialógica entre educador e educando. Ela se apresenta também no relacionamento dentro da própria equipe multidisciplinar dos educadores. Além da troca de saberes entre os componentes, da experiência que enriquece e modifica a forma de se ensinar, deve haver, também, respeito pelo conhecimento das áreas ali

representadas, é preciso também aprender a trabalhar como grupo, no coletivo. Afinal, um dos pontos que os orientadores trabalham com os educandos é o relacionamento na equipe. Portanto, ao mesmo tempo em que se ensina, também se aprende.

Não é só o educando que tem dificuldades em absorver o conhecimento acadêmico como algo novo e, em grande medida, desconhecido. Há também grande dificuldade por parte dos orientadores para lidar com os conhecimentos práticos trazidos pelos orientados, para aproveitá-los e conectá-los com os instrumentos e conceitos acadêmicos, em benefício dos empreendimentos que são alvo do processo de incubação. Não é só o educando que desconhece termos e conceitos teóricos. O contrário também é verdadeiro. São evidentes as fragilidades do corpo de educadores, assim como a necessidade, de fato, de a Universidade avançar para além de seus muros, tanto para levar conhecimento como para aprender lá fora o que ela desconhece. Essa imersão na vida real, não acadêmica, lhe dá retornos: tanto realimenta o próprio conhecimento teórico produzido internamente, como lhe fornece meios de repensar seus mecanismos de saber. Tudo isso repercute em benefício do próprio ensino acadêmico e do crescimento dos atores (professores e acadêmicos) como pessoas que, ao interagir com outras realidades concretas, podem fazer autocrítica do seu próprio papel no atual sistema econômico e social. Acaba sendo inócuo falar e teorizar sobre a exclusão social sem conhecê-la de perto, até porque as formas e arranjos de vida que nela nascem, florescem e se reproduzem modificam-se muito rapidamente, conforme as dificuldades e vicissitudes do próprio modo de viver e das necessidades humanas e sociais. Esse fato faz do teorizado, quando descolado de um olhar mais próximo ou de mínima vivência com os excluídos, algo superado e irreal. Isso lembra o fato de que o ensino, a pesquisa e a extensão são indissociáveis e que a prática enriquece e modifica a forma de os educadores ensinarem, bem como a efetivação da interdisciplinariedade. Em síntese, uma das riquezas do processo de incubação está em nos mostrar que as dificuldades e os limites no processo de educação não

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se colocam apenas para os trabalhadores atendidos, mas também para a própria academia, representada pelos educadores, e que, para além das dificuldades e limites, esta é uma ação que implica transformação e mudanças. Nessa construção recíproca de saberes, um não é inferior nem superior ao outro, mas ambos, em conjunto, se humanizam, elucidam e desvelam.

3.3.2. Autonomia dos trabalhadores em relação aos educadores

A questão da autonomia dos trabalhadores associados tem sido preocupação constante e dificuldade por parte de quem os orienta no processo de incubação. Por ser uma ação de interação entre os sujeitos, fica sempre o cuidado para não se ir além da orientação, para se evitar a atitude de tutela, visto que o objetivo é ensinar e não fazer o que é próprio ou função dos trabalhadores que estão sendo orientados. O educador deve ser apenas a presença mediadora. Entretanto, é um trabalho difícil em razão do envolvimento que naturalmente acaba acontecendo: as duas partes, em especial o educador, precisam ser vigilantes e identificar a hora de recuar para que os associados caminhem por si só, ou seja, ganhem autonomia para a autogestão de seus empreendimentos. Como afirmava Freire (1996, p. 70), “não me posso permitir a ingenuidade de pensar-me igual ao educando, de desconhecer a especificidade da tarefa do professor”, e mais, “não posso, por outro lado, negar que o meu papel fundamental é contribuir positivamente para que o educando vá sendo o artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador”. Nisso reside, portanto, a difícil tarefa de conseguir a autonomia dos trabalhadores associados na gestão de seus empreendimentos.

Mesmo na Universidade, pouco se sabe ou se discute a respeito do cooperativismo como alternativa ao trabalho assalariado formal ou informal. Logo, nada mais compreensível do que faltar, a trabalhadores sem quase nenhuma instrução, informação quanto a outras alternativas de trabalho. É obrigação da Universidade e do poder público apresentar

opções, como política pública e caminhos melhores de trabalho e sobrevivência. O cooperativismo não precisa de uma política de caráter assistencialista, mas, sim, de uma que proporcione oportunidades aos menos favorecidos, que crie condições para que eles se realizem como cidadãos e se tornem empreendedores. Mas estamos progredindo, como lembra Martins (2002), quando se refere à necessidade de se acelerar a inclusão social e política das populações pobres no processo de desenvolvimento econômico,

[...] na hoje possível comparação com o Brasil de meados do século XX, seria uma perda não reconhecer que o crescimento da consciência critica da sociedade e, em decorrência, que a remodelação do Estado para compatibilizá-lo com a missão de administrar e superar esse desencontro fortalecem o empenho dos que com o desencontro se inquietam. (MARTINS, 2002, p. 9).

Pensamos que, independentemente de esse tipo de atividade econômica baseada no trabalho coletivo ser induzida ou não, embora a forma de trabalho sempre buscada seja a assalariada, alguns trabalhadores parecem desejar outra relação e carregam o embrião de empreendedores. Assim, ao entrar em contato com uma opção que possa ser colocada pelo poder público, que não é de emprego e nem de assistencialismo, que a escolha pelo associativismo seja abraçada. De qualquer forma, o que se deseja é a autonomia dos trabalhadores empreendedores e, uma vez que eles fazendo essa escolha, o caminho para alcançá-la torna-se muito mais fácil e curto. Se o processo educativo na prática de incubação propicia ou reforça esse desejo, se possibilita acesso a novos conhecimentos e resulta em mudanças e avanços positivos para os trabalhadores e para a própria academia, isso é mais um incentivo para continuar com esse tipo de ação.

Como afirma Freire (1994, p. 5), “os homens e as mulheres são seres programados para saber” e o “saber tem um papel emancipador”. Com base nessas palavras, podemos concluir que, no trajeto da incubação

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de empreendimentos associativos, se reconstrói o sujeito e pode-se chegar à desejada e concreta autonomia dos trabalhadores. Como vimos em páginas anteriores, a autogestão é o caminho para a autonomia, pois, à medida que a praticam, os associados se transformam em artesãos da própria organização e também sujeitos do próprio conhecimento adquirido. Nesse processo, a capacidade de conhecer, aliada à curiosidade, permite que os trabalhadores associados (educandos) e os educadores gradativamente desvelem o que não sabiam e aprimorem ou modifiquem o que sabiam.

O saber que se adquire nesse processo, de forma gradativa e com muitos percalços, para além dos resultados no campo profissional, técnico ou tecnológico, permite ver o mundo de outra forma, porque não é preestabelecido, elucida e revela as relações entre os sujeitos em uma sociedade capitalista.

A autonomia adquirida pelos trabalhadores, por mais incipiente e embrionária que seja, enche de esperança os sujeitos envolvidos, mesmo porque não há vida sem esperança. “A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança”. (FREIRE, 1996, p. 72). Sem esperança, não haveria história e, sim, determinismo.

Com esse olhar, a leitura dos artigos que se seguem neste livro ficará mais elucidativa aos leitores e estudiosos do processo de incubação de empreendimentos econômicos solidários formados por trabalhadores, tanto do meio urbano, quanto rural.

Referências Bibliográficas

CORTELLA, Mario Sergio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez, 2003. (Instituto Paulo Freire, Coleção prospectiva, n. 5).

CULTI, Maria Nezilda. Sócios do suor: cooperativas de trabalho. In: PRIORI, Angelo (Org.). O Mundo do trabalho e a política: ensaios interdisciplinares, Maringá: Eduem, 2000.

______. El cooperativismo popular en Brasil: importancia y representatividad. In: CONGRESO EUROPEO DE LATINOAMERICANISTAS, 3., 2002, Amsterdam. Anais... Amsterdam, 2002a.

______. Popular cooperative enterprises: a process of (Re)education. In: SZÉLL, Gyorgy; CELLA, Gian Primo. The injustice at work: an international view on the world of labour and society. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2002b.

______. O desafio do processo educativo na prática de incubação de empreendimentos econômicos solidários. 2006. Tese (Doutorado em Educação)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

FREIRE, Paulo. Entrevista a concedida a Dagmar Zibas. Revista Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, n. 88, p. 78-80, fev. 1994.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).

FREIRE, Paulo; SCHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Paz e Terra, 1987. (Coleção Educação e Comunicação, v. 18).

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GADOTTI, Moacir. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1989.

MARTINS, Jose de Souza. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Petrópolis: Vozes, 2002.

MARX, Karl; ENGELS, F. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1996.

VÁZQUEZ. Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

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O PROCESSO DE INCUBAÇÃO COMO

MEIO ASSEGURATÓRIO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Rodrigo Manso de Almeida

Maurício Domingos

Maria Clara Corrêa Tenório

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INTRODUÇÃO

Os Direitos Fundamentais são, em linhas gerais, aqueles enumerados pela Constituição. Direitos que devem ser resguardados e respeitados pelo Estado, por meio dos três poderes, a saber, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. São direitos que possuem caráter de universabilidade, inviolabilidade e imprescritibilidade diante dos demais.

A igualdade é um dos direitos que formam a base da República Federativa do Brasil, segundo a qual é dever do Estado promover uma sociedade igualitária. Em contrapartida, tem-se que as autoridades públicas permanecem em estado de inércia para com a concretização desse direito.

Nesse diapasão, a Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários da Universidade Estadual de Maringá (Incubadora Unitrabalho/UEM) se utiliza do processo de incubação, objetivando mudar a realidade social que se encontra em Maringá e região, pela via da Extensão Universitária, como meio de mobilização da Universidade (professores, técnicos e acadêmicos) para a promoção da incubação de grupos excluídos da sociedade moderna, oportunizando a formação de cooperativas ou associações, pautadas no conceito de Economia Solidária.

Pretendemos demonstrar a maneira pela qual o processo de incubação é capaz de garantir alguns direitos essenciais ao Homem, por meio indireto, haja vista que a Incubadora objetiva a liberdade econômica, a autonomia e a autogerência. No entanto, como consequência desse processo, encontra-se a segurança dos direitos fundamentais, propiciada pelo processo de incubação.

A Incubadora gera toda orientação e acompanhamento necessário para a formação e manutenção das Cooperativas. No caso em tela, a assistência jurídica objetiva a formalização e legalização das cooperativas e associações. Porém, a função jurídica transcende as questões meramente legais, haja vista que, como efeito da atuação da Incubadora/UEM, tem-se a reconquista de alguns direitos fundamentais dos cooperados. Isso se justifica pela convergência de pretensões entre

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a concretização de direitos fundamentais e a Extensão Universitária, as quais exigem a mudança da realidade social.

1DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

NA CIÊNCIA DO DIREITO

Já é conhecida a divisão funcional das Universidades, preconizada desde a Constituinte de 19881 que instituiu a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que sustenta a Universidade na convivência dialética desses três ramos. Porém, desde logo, nos faz necessário alegar que,

Só se pode considerar que uma universidade cumpre efetivamente seu papel social quando se mede o alcance de sua política de extensão, a diversidade do trabalho e o engajamento que, nessa área, consegue de seus alunos, professores e servidores junto à sociedade na qual se integra. (MAIA FILHO, 2007, p. 29).

A extensão universitária, por meio do processo de incubação de empreendimentos econômicos solidários, permite que os acadêmicos (pensadores em formação), em um sistema de retroalimentação do conhecimento entre os extensionistas e a população externa da Universidade, compartilhem saberes em um processo dialético, com a finalidade de estender o conhecimento universitário ao praticá-lo e aplicá-lo em situações reais do cotidiano.

Dessa forma, sucede o trabalho realizado pela Incubadora, uma verdadeira conexão entre a Universidade e a comunidade, para que, desta troca de saberes e conhecimentos, possa resultar mudança social. Nesse sentido, Culti (2009) assevera sobre o papel da práxis na vida universitária:

1 Cf, art. 207 “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. BRASIL (2009).

A relação do ser humano com o mundo se dá por intermédio da ação. Não uma ação qualquer, mas aquela que altera o mundo: uma ação transformadora, modificadora. Mais ainda, uma ação transformadora consciente, que é capaz de agir intencionalmente em busca de mudança que favoreça o mundo (CULTI, 2009, p. 11).

A práxis não configura mera prática, o que leva a procura a ser mais abrangente, haja vista que é realizada por meio de uma “ação transformadora”: uma ação que busca alterar a realidade social ao seu redor, por meio do verdadeiro escambo de conhecimentos que culmina em um só saber e em uma nova postura do homem perante a sociedade.

A autora ainda esclarece que na práxis não há finitude ou certeza acerca dos resultados daquilo que se postula como proposta transformadora, pois os objetivos devem ser restabelecidos durante o próprio processo de atuação extensiva do saber. Assim, Culti (2009, p. 13) concebe a práxis como ação criativa “por carregar certa imprevisibilidade e indeterminação do processo e do resultado, a práxis é também criadora. Há uma certa gestação interna, subjetiva, da teoria e de sua realização efetiva”.

O comportamento humano não se configura conforme se encontra nas ciências exatas, mas é tão imprevisível que torna o trabalho conjunto igualmente indeterminado. Por isso há possibilidade de se afirmar sobre “subjetividade dos resultados da teoria”, eis que o homem é complexo demais para respeitar leis e normas puramente teóricas.

Ora, a teoria acadêmica não trabalha perfeitamente com todas as possibilidades da realidade, esta é muito mais criativa do que os cientistas. Nesse sentido, Weber já pregava a utilização dos Tipos Ideais (ou também chamados de Puros), quais sejam, aqueles que representam a realidade por conta de seus aspectos mais significativos e característicos. A união dos traços fundamentais de cada fenômeno é suficiente para um estudo mais preciso e independente das instabilidades da realidade. Porém, esse pensador já ensinava em seus trabalhos sobre o Estado que: “Certo é que, na realidade, só muito raramente se encontram êsses (sic) tipos

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puros” (WEBER, 1967, p. 58) ou, vez que a realidade não é exatamente como se prega nas teorizações acadêmicas.

Nesse diapasão, é quando da práxis que se tem a ingrata surpresa de jamais se obter aquela exatidão ou perfeição doutrinária. E não raras vezes, a perfeita teoria deve ser, de fato, adaptada e repensada pelo seu aplicador a fim de obter maior sucesso na transformação do homem.

No que se refere às Ciências Jurídicas é manso e pacífico o entendimento de que os ordenamentos jurídicos de Tradição Romana (nações latinas e germânicas), quanto às fontes do Direito, obedecem ao primado do processo legislativo (a lei propriamente dita), com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito (REALE, 2001, p. 131). Mesmo que, hodiernamente, a Teoria Tridimensionalista2 tenha apregoado por uma aplicação normativa (da norma) vinculada a aspectos fáticos e axiológicos (valorativos), ao tempo em que também se abomina uma aplicação meramente mecanicista3 do direito. A norma jurídica não deixa de possuir relevância vital, uma vez que ela é a essência do sistema jurídico brasileiro, vale dizer, é a sua fonte primária.

O extensionista da área jurídica vincula-se umbilicalmente à norma, ao passo que se ausenta de Tipos Ideais que devem ser adaptados à realidade, ora, parte-se do pressuposto que o legislador já a adaptou à realidade fática e valorativa outrora, quando da confecção da própria lei. Reale (2001) já afirma em sua obra que o direito está presente em todas as ações humanas, eis que onde há sociedade há o direito (ubi societas, ibi jus):

O médico, que receita para um doente, pratica um ato de ciência, mas exerce também um ato jurídico. Talvez não o perceba, nem tenha consciência disso, nem ordinariamente é necessário que haja percepção do Direito que está sendo praticado. Na realidade, porém, o médico que redige uma receita está no exercício de uma profissão garantida pelas

2 “Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando as ações dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor”. (REALE, 2001. p. 60).3 Não pretendemos demonstrar analítica e filosoficamente as características do Positivismo, porém, para melhor aperfeiçoamento na matéria, recomendamos a leitura de O Positivismo Jurídico de Bobbio (1995).

leis do país e em virtude de um diploma que lhe faculta a possibilidade de examinar o próximo e dar-lhe o caminho para restabelecer a saúde. (REALE, 2001, p. 5).

Assim, notamos que a presença do direito na práxis é ampla, mas durante essa ação modificadora o aplicador do direito sujeita-se, por meio da crítica axiológica, a adaptar a realidade fática à normativa. Vale dizer que resta ao aplicador da lei acatá-la da forma com que o legislador já a criara e adaptar a realidade fática para haver transformação jurídica, diverso do que ocorre habitualmente na Extensão Universitária das demais áreas da ciência alheias ao Direito.

A Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) presencia o projeto de extensão intitulado “O Direito Achado na Rua” (COSTA, 2007, p. 11), que pretende mesclar os conhecimentos jurídicos aos da comunidade, ao mesmo tempo que visa superar a dicotomia teoria/prática por meio do conhecimento interdisciplinar. Tal modelo de extensão assemelha-se à maneira de trabalho da Incubadora. Eis o que o projeto da Universidade de Brasília pretende:

[...] recolher e valorizar todos os direitos comunitários, locais, populares e mobilizá-los em favor das lutas das classes populares, confrontadas tanto no meio rural como no meio urbano, com um direito oficial hostil ou ineficaz. (COSTA, 2007, p. 21).

No caso específico da atuação da Incubadora, trabalha-se com o Processo de Incubação, cujo objetivo é orientar parte da comunidade externa à Universidade que está à margem da sociedade – homens e mulheres que não tiveram oportunidade para possuir significativa instrução ou emprego digno4 – para formarem seus empreendimentos econômicos à luz da economia solidária. Mas, acima de tudo, é relevante não se contentar com um empreendimento sob a forma de uma Sociedade de Fato, mas é pertinente que ocorra a legalização desses empreendimentos

4 No mesmo sentido temos Mazzei e Miranda (2008).

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e, assim, a oportunidade de a sociedade reconhecê-los como tais.Nesse sentido, a norma jurídica é rígida e clara, só há um

caminho para que haja a legalização de empreendimentos, seguindo os procedimentos descritos na própria legislação civil brasileira. Para tal, ressalta-se que a transformação pessoal deve ocorrer no que tange a detalhes, tais como os documentos pessoais, e até para haver possibilidades de os empreendedores envolverem-se em negociações contratuais com terceiros.

2DA ATUAÇÃO DA INCUBADORA DE EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS

SOLIDÁRIOS COM TRABALHADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

À vista do já exposto, o trabalho extensionista da Incubadora diz respeito à incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), ou seja, o auxílio técnico unido à formação pessoal de ambos, os extensionistas e a comunidade externa, com o objetivo último de alojar grupos informais de trabalhadores urbanos ou rurais em cooperativas ou associações. Aqui, mostraremos esse processo, relatando a atuação da Incubadora com os trabalhadores envolvidos com materiais recicláveis.

Na cidade de Maringá, por volta do ano 2000, havia um grande número de pessoas desempregadas que se tornaram catadores de materiais recicláveis. Nessa época, havia dois grandes grupos que podem ser identificados: o dos carrinheiros e o dos catadores. Carrinheiros são aqueles que colhem o material reciclável diretamente nas ruas, com carrinhos. O trabalho desse grupo é completamente individual e não há qualquer ligação entre esses trabalhadores. Os Catadores são aqueles que coletam recicláveis diretamente no “lixão”, a céu aberto.

Nesse segundo grupo, a população morava, durante a semana, no próprio “lixão”. Logo, a qualidade de vida desse era a mínima possível, e eis que, para facilitar o trabalho, muitos dormiam no “lixão” e só voltavam para suas respectivas residências nos finais de semana. Era do antigo “lixão” que eles retiravam parte do alimento, vestimentas, entre outros...

Em face desse quadro de vida, o Ministério Público tomou a iniciativa, e então, a municipalidade estabeleceu parceria com a Universidade Estadual de Maringá com o objetivo de disponibilizarem a incubação desse grupo, visando-se a criação de cooperativa ou associação.

A Incubadora, representando a Universidade Estadual de Maringá, possibilitou a organização e instrução dessas pessoas excluídas da sociedade, no relacionamento interpessoal para formação de um grupo coeso e também acerca dos princípios e diretrizes de cooperativas de trabalho.

Em 2001 havia uma ação judicial contra a Prefeitura para a retirada dos trabalhadores do “lixão”. O então prefeito municipal assumiu e teve que tomar uma atitude, pois se nada fosse feito, a Prefeitura teria que pagar uma multa diária equivalente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Diante de tais fatos, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente organizou um projeto de ação, solicitando a parceria da Incubadora/UEM. Dessa forma, foi montada uma equipe de reconhecimento que deu início aos primeiros contatos com as pessoas que trabalhavam naquele local.

Foi feito um questionário para se conhecer os catadores e buscar uma alternativa para tirá-los de lá. Foram mapeadas 102 famílias que sobreviviam no lixão. Realizaram-se reuniões entre a equipe da Prefeitura, a Incubadora e os catadores e havia um grupo interessado pela ideia de cooperativismo.

A Prefeitura ofereceu infraestrutura para o início dos trabalhos da cooperativa.

Foi reformulada toda a coleta seletiva na cidade, feita uma campanha educativa com a população para a conscientização da importância de se separar o lixo reciclável e, consequentemente, entregá-lo para a futura cooperativa.

Um barracão foi alugado no Jardim Cleópatra, Zona 2, e as reuniões passaram a ser feitas ali mesmo. Em outubro de 2001 se formou a primeira cooperativa com 54 cooperados, a saber: Coopermaringá (Cooperativa Maringá de Seleção de Materiais Recicláveis e Prestação

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de Serviços).As reuniões e discussões não pararam, uma vez que havia ainda

muitos catadores que continuavam no “lixão”. Somente no ano seguinte (outubro de 2002) foi incubado outro grupo, formalizando-se uma segunda cooperativa denominada Cocarema (Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Maringá), que foi estabelecida em um barracão próximo do “lixão” no Contorno Sul.

Ainda em 2002 a Coopermaringá e a Cocarema se transferiram para um barracão na BR317, na saída para Campo Mourão.

Os próprios trabalhadores adaptaram as instalações do barracão para receber a coleta, de modo a garantir as condições de trabalho, e foram construídas baias de trabalho, refeitórios e banheiros.

Nesse momento houve ainda um trabalho de panfletagem e visitas às escolas, realizados pela Prefeitura e pelos próprios cooperados, visando à conscientização da população acerca da necessidade da coleta seletiva.

Objetivando o incentivo à coleta seletiva do lixo, a Câmara legislativa aprovou um projeto de lei que foi sancionado pelo prefeito municipal, a qual permitia a destinação de recursos à coleta seletiva e às cooperativas que sobreviviam dela. Tais recursos seriam materializados por meio do pagamento de aluguel do barracão, cestas básicas e vale-transporte para os trabalhadores. Desde o início a Prefeitura de Maringá estabeleceu parceria com os municípios de Sarandi e Paiçandu, uma vez que a maioria dos trabalhadores das cooperativas de Maringá vinha dessas cidades.

Em 2003 foi formada em Sarandi a Ascemar (Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Sarandi), por meio da organização de carrinheiros, na época com cerca de 20 associados, que atualmente estão em processo de transição para Cooperativa. Também no mesmo ano foi fundada em Paiçandu a cooperativa Coopmar, que não vingou, e, assim, em seguida foi criada a Apcemar (Associação Paiçanduense de Catadores de Materiais Recicláveis e Prestação de Serviço), que atualmente também está em processo de transição para uma cooperativa.

Havia ainda um último grupo em Maringá que permanecia trabalhando no “lixão”, haja vista que este ainda não havia fechado. No entanto, após muitas negociações, os trabalhadores aceitaram a proposta de serem transferidos para uma usina de reciclagem da Prefeitura que estava desativada à época, sob a condição ainda de receber ali o lixo bruto.

Desse modo, esse foi o último grupo que saiu do “lixão” e foi para a referida usina, onde foi formada uma cooperativa com mais de 60 cooperados denominada Coopernorte (Cooperativa Norte de Maringá de Separadores de Separadoras de Materiais Recicláveis e Prestação de Serviços).

Após esses grupos, de necessidade latente de mudança de vida, criaram-se outros grupos, como o caso dos carrinheiros para os que, igualmente, não havia as mínimas garantias asseguradas pelo trabalho nas ruas. Em 2004 foi organizada a Coopercanção (Cooperativa de Materiais Recicláveis dos Conjuntos João de Barro e Santa Felicidade) e em 2005, foi formalizada a Cooperpalmeiras (Cooperativa de Materiais Recicláveis do Parque das Palmeiras), ambas localizadas em Maringá. De janeiro a abril de 2004 foram elaborados os Planos de Negócios da Cocarema, Coopermaringá e Coopernorte. Esses planos foram elaborados com a parceria da Empresa Júnior dos cursos de Ciências Econômicas, Administração e Ciências Contábeis (Adecon).

Neste período, a ação conjunta da Incubadora e Prefeituras de Maringá, Sarandi e Paiçandu com as cooperativas e associações que surgiram do fechamento do “lixão” e entidades como Copel, Sebrae e ADS/CUT, formaram o Conselho Gestor do Complexo do Lixo, com objetivo de resgatar a cidadania dos ex-catadores(as).

No início de 2005, a nova administração do município de Maringá, pautada por práticas neoliberais, propôs para as Cooperativas Coopermaringá e Cocarema que passassem a trabalhar no mesmo local da Coopernorte, localizada na Usina de Reciclagem, pois a Prefeitura visava diminuir os gastos que tinha com aluguel dos barracões onde elas funcionavam. Mas, somente a Coopermaringá transferiu sua cooperativa

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para aquela localidade.Com o encaminhamento de todo o trabalho desenvolvido até

então, a equipe da Incubadora, os parceiros e alguns cooperados, tiveram a percepção de que era necessário vender coletivamente e melhorar a separação dos materiais recicláveis para agregar mais valor ao produto. Desta forma, teve início à ideia de criar uma cooperativa de segundo grau, que seria constituída pelas já formadas cooperativas de reciclagem da região. Assim, em novembro de 2004 foi legalmente constituída a Coopercentral pelas três cooperativas: Coopermaringá, Cocarema e Coopernorte, no contexto da economia solidária e com base em princípios de autogestão, cooperação, eficiência e viabilidade econômica.

Os outros empreendimentos de reciclagem (cooperativas e associações), que não se filiaram a Central também participaram da elaboração do Estatuto da Central e se reuniam semanalmente com os representantes da mesma para realizarem visitas a cada empreendimento, conversar sobre as atividades realizadas, comercialização coletiva, explicar como deve ser feita a separação dos materiais, entre outras atividades. Hoje, a Central de cooperativas está mais fortalecida, entretanto, ainda há problemas relacionados principalmente, a falta de recursos financeiros para capital de giro.

De todo modo, por meio de projetos encaminhados com o apoio da Incubadora, foram adquiridos vários equipamentos para ajudar na coleta seletiva e na preparação interna dos materiais nas cooperativas. Entre eles o Conjunto de Moagem de PET, um caminhão e vários computadores concedidos a fundo perdido pela Fundação Banco do Brasil (FBB). Após o evento de inauguração dessa unidade de processamento de embalagens PET e o seu beneficiamento em partículas, o floco de PET (ou flake), foi realizado um levantamento pela equipe técnica da Incubadora que constatou precisar adquirir alguns equipamentos adicionais, essenciais ao funcionamento da máquina: a esteira de classificação horizontal, esteira elevatória, duas balanças, conjunto de afiar facas (p/ as facas dos moinhos), big-bag, extintores, reforma do sistema de iluminação e tomadas do galpão, construção de espaços externos cobertos (p/ transferir

as atividades de separação e prensagem que estavam sendo realizadas no interior do galpão), guincho elevador de cargas, equipamentos de proteção individual (EPI), dentre outros. Após este levantamento, foram iniciadas tentativas de captação de recursos, para suprir essas necessidades.

Mais um projeto é direcionado para atender às demandas das cooperativas e da Central, o Rede Solidária de Reciclagem, com recursos da Petrobras e parceria com a União das Cooperativas de Economia Solidária (Unisol). O objetivo era a construção de uma rede solidária de reciclagem no Noroeste do Paraná formada pelos empreendimentos cooperativos e associativos da região. Também previa recursos para a aquisição de dois caminhões para ser utilizado na coleta de materiais recicláveis e comercialização, a construção de um barracão no município de Sarandi (região metropolitana de Maringá) para abrigar um Conjunto de Moagem e Extrusão de PE e PP.

Em 2009 teve início a formação de outras duas cooperativas de reciclagem, a Coopervidros e a Cooperativa Ecológica. A Coopervidros é constituída por trabalhadores que possuem sólidos conhecimentos na triagem e comercialização de vidros e cacos. Tem como objetivo o desenvolvimento das atividades de reciclagem apenas com este material. Atualmente, o grupo trabalha com todos os materiais, aguardando apenas melhores condições de infraestrutura para redirecionar suas atividades.

A Cooperativa Ecológica tem como objetivos coordenar a agregação de valor com o processo de triagem e industrialização dos plásticos no conjunto de moagem e lavagem de PET e no conjunto de moagem, lavagem e extrusão de PE e PP. Para isso, possui cooperados com experiência nestas atividades. Algumas dificuldades ainda continuam, como garantir que as cooperativas singulares mantenham organizada a documentação contábil e financeira, além de dificuldades para garantir e melhorar os rendimentos, visto que a melhor alternativa para agregar valor é a industrialização dos materiais, que remete a questão de empréstimos para capital de giro. Importante destacar também a redução geral dos valores dos materiais recicláveis a partir de outubro de 2008,

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em decorrência da crise econômica mundial.Em 2010, foi reorganizado e formalmente instalado o “Fórum

Intermunicipal Lixo & Cidadania”, envolvendo três municípios: Maringá, Sarandi e Paiçandu. A proposta do Fórum é ser um espaço de discussão da gestão de resíduos e inclusão social dos catadores e separadores – associados ou não – que participam deste processo cooperativo. Pretende-se com a atuação do Fórum, envolver toda a sociedade de forma a promover um diálogo permanente que construa soluções contemplando os aspectos sociais, econômicos e ambientais.

Portanto, a Incubadora sempre visou integrar essas pessoas à sociedade, por meio do trabalho. Singer (2002), porém, já afirmava que esse processo de incubação não é imediato:

[...] o primeiro momento em que o indivíduo entra na cooperativa, na grande maioria, se dá como uma busca para escapar da pobreza, e, conseqüentemente, para conseguir uma alternativa de geração de renda, e somente com o passar do tempo e com a convivência, é que passam a desenvolver o espírito cooperativista. (SINGER, 2002, p. 21).

Porém isso ocorre em um processo lento, a transformação social já referida é decorrente da interação de saberes causada pela extensão universitária, entre os incubados e os integrantes da incubadora, em um processo dialético de trocas de informação. É, porém, um trabalho transformador, que nunca é solitário:

Assim, para poder fortalecer esse movimento, requer participação do poder público local e de órgãos de apoio, como incubadoras, universidades e organizações não-governamentais. Esse apoio e fomento contribuem no fortalecimento dos empreendimentos cooperativos no sentido de promover uma adaptação dos sujeitos à participação, e, dessa forma, proporcionar que continuem sendo uma oportunidade de geração de trabalhos e de inclusão social (MAZZEI; MIRANDA, 2008).

É esse apoio externo que possibilita a verdadeira mudança social. Não é exagero alegar que, sem a referida interação, esses grupos, notoriamente excluídos da sociedade civil, dificilmente conseguiriam mudar suas vidas, eis que é justamente no que tange ao ordenamento jurídico que se cria a maior dificuldade em garantir os direitos fundamentais.

3DA TEORIA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A origem dos direitos fundamentais remonta à iniciativa da confecção das Cartas da nobreza inglesa que pretendiam limitar os poderes do monarca, como assevera Silva (2009a, p. 51):

[...] elaboraram-se cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais, como a Magna Carta (1215-1225), a Petition of Rights (1628), o Hábeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688). Não são, porém, declarações de direitos no sentido moderno, que só apareceram no século XVIII com as Revoluções Americana e Francesa.

Como se apercebe, o autor pretende diferenciar as cartas inglesas das declarações de direitos do século XVIII, uma vez que cada um desses textos legais tem objetivos diversos. Os primeiros (os ingleses) pretendiam assegurar direitos específicos que estavam sendo lesados, tutelar bens jurídicos de uma classe específica – no caso a própria nobreza inglesa, perante os abusos do monarca. Estas cartas legislam sobre direitos fundamentais por acaso, após a ocorrência de fatos que feriram tais direitos.

As declarações de direitos americana e francesa surgiram como resultado das revoluções do século XVIII, elaboradas para assegurar direitos adquiridos em decorrência do processo revolucionário. Essas declarações são grandes exposições de direitos considerados

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fundamentais a todo ser humano. E, a partir desse século, as declarações se disseminaram pelo mundo ocidental, sob a forma de Constituições escritas, no sentido em que Alexandre de Moraes (2003, p. 58) assevera:

Ressalte-se que o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites ao poder político, ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário.

Consonante com o autor supra, temos que Maluf, em sua obra sobre o Estado, afirma que:

[...] a constituição, para que seja como tal reconhecida e aceita, há de conter, necessariamente, dois princípios essenciais: a divisão do Poder em três órgãos (Legislativo, Executivo e Judiciário) e a declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana (MALUF, 2008, p. 221, grifo nosso).

Eis que não há Constituição quando esta não trata de direitos fundamentais.

Direitos fundamentais podem ser definidos como aqueles que são inerentes à própria condição humana, os quais são geradores de outros direitos. São direitos fundamentais aqueles que se referem a princípios que resumem a concepção do mundo, no nível de direito positivo, com prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual entre todas as pessoas. O termo fundamental justifica-se por exprimir situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, ou, por vezes, nem sobrevive. Essa é a matriz dos direitos inerentes ao Homem, isto é, à pessoa humana (PACHECO, 2009). Nesse sentido, tem-se que Fernandez Segado (1994, p. 77) simplifica o conceito de Direitos Fundamentais ao alegar que “los derechos fundamentales son la expresión más inmediata de la dignidad

humana”.A afirmação de Fernandez Segado (1994) de que o direito

fundamental faz parte da dignidade humana possibilita o fenômeno atual de esses direitos passarem a ser o centro do universo jurídico após terem perpassado pelo processo legislativo e entrado no mundo jurídico, sob a forma das Constituições. Por terem sido positivados nos Textos Constitucionais, os direitos fundamentais possuem as seguintes características (SILVA, 2009b).

1. historicidade: os direitos são conquistas de todo o contexto histórico humano, que, quando colocados na Constituição, se tornam Direitos Fundamentais;

2. imprescritibilidade: os Direitos Fundamentais não prescrevem, ou seja, não se perdem com o decurso do tempo. São permanentes;

3. irrenunciabilidade: os Direitos Fundamentais não podem ser renunciados de maneira alguma, são indisponíveis em sua maioria;

4. inviolabilidade: os direitos de outrem não podem ser desrespeitados por nenhuma autoridade ou lei infraconstitucional, sob pena de responsabilização civil, penal ou administrativa de quem os violar;

5. universalidade: os Direitos Fundamentais são dirigidos a todo ser humano em geral, sem restrições, independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política. Releva-se que um estrangeiro no Brasil tem as mesmas garantias Constitucionais que qualquer brasileiro;

6. concorrência: podem ser exercidos vários Direitos Fundamentais ao mesmo tempo, a exemplo do jornalista que, quando dá a notícia, exerce os direitos de informar e expressar sua opinião simultaneamente;

7. efetividade: o Poder Público deve atuar para garantir a efetivação dos Direitos e Garantias Fundamentais, usando, quando necessário, meios coercitivos;

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8. interdependência: não podem se chocar com os Direitos Fundamentais as previsões constitucionais e infraconstitucionais, devendo se relacionarem para atingir seus objetivos;

9. complementaridade: os Direitos Fundamentais devem ser interpretados de forma conjunta, com o objetivo de sua realização absoluta.

Alexy (2008), em sua obra sobre os Direitos Fundamentais, esclarece a chamada fundamentalidade formal das normas de direitos fundamentais que, segundo o pensador, “decorre da sua posição no ápice da estrutura escalonada no ordenamento jurídico, como direitos que vinculam diretamente o legislador, o Poder Executivo e o Judiciário” (ALEXY, 2008, p. 520).

Esse caráter formal de fundamentalidade está claramente presente na Constituição brasileira, uma vez que todo Direito Fundamental inscrito no texto constitucional é tido como cláusula pétrea, vale dizer, que é eterno, impossível de revogação ou alteração como informa o artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda (à Constituição) tendente a abolir os direitos e garantias individuais” (BRASIL, 2009, p. 30).

Logo, em decorrência da força de vinculação para com os poderes constituídos (legislativo, executivo e judiciário), as declarações de direitos não são meras Cartas de Recomendação, e a Constituição foi elaborada para ser cumprida e respeitada. Tamanha importância tem as declarações de direitos que elas se amoldam conforme a estrutura de cada Estado, são variáveis de acordo com a cultura, necessidades específicas, tipo de Estado e de Governo, etc. Releva-se que em um Estado Democrático de Direito existe plena tendência a se possuir maior variedade de direitos, ao passo que, em um Estado Autoritário ou Totalitário, a tendência é que se limitem tais direitos, por meio de sua respectiva constituição.

Na República Federativa do Brasil, a Constituinte de 1988 preferiu explicitar os direitos fundamentais, uma vez que a população pretendia, por meio de um novo regime político, excluir de sua história a recente

ditadura. Nesse sentido, Moraes (2003) elucida as especificidades da Carta Magna brasileira no que se refere aos direitos fundamentais:

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. Assim, a classificação adotada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero direitos e garantias fundamentais: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos (MORAES, 2003, p. 60).

O doutrinador indica, precisamente, como localização dos direitos fundamentais o Título II da Constituição Federal, todavia, deve-se atentar para todo o restante desse ordenamento, uma vez que ele está permeado de direitos fundamentais em outros artigos diversos desse específico. Tem-se como exemplo o artigo 225 desse codex, o qual tutela o meio ambiente, nas seguintes palavras:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 2009, p. 69).

Ou ainda, o artigo 3º, que enumera os objetivos do Estado brasileiro. Ao fazê-lo, lista alguns direitos dos cidadãos brasileiros. Em decorrência desse instituto legal, vale dizer que é direito fundamental a todos os habitantes do Brasil que o Poder Executivo administre, visando:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos

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de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 2009, p. 7).

Mesmo que não estejam no título específico para direitos fundamentais, esses artigos, e vários outros, tratam de direitos intrínsecos ao homem, inerentes à sua existência. Nesse sentido, a Constituinte de 1988 escolheu os temas mais relevantes para a sociedade e os espalhou dentre os 250 artigos da Constituição. Araujo e Nunes Junior (2001) ainda explicita alguns outros exemplos, tais como o direito da anterioridade tributária, que consta somente no art. 150, III, b, da CF, e também outro caso já conhecido na doutrina:

O direito à saúde é exemplo típico. Trata-se de direito fundamental, que está explicitamente reconhecido no Título II da Constituição Federal, em seu art. 6º, como direto social. A interpretação sistemática, por seu lado, faz com que os direitos se espalhem pelo texto, de forma que o assegurado genericamente no art. 6º seja detalhado nos art. 196 e 197. (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2001, p. 84).

Por derradeiro, é pertinente observar na Lei Maior do Brasil que, em seu artigo 5º, parágrafo 1º, lê-se que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (BRASIL, 2009, p. 11). Essa característica que a Constituinte atribuiu aos Direitos Fundamentais é imprescindível, uma vez que impossibilita a escusa de não ter regulamentação legal para que sejam efetivados os direitos, pois têm aplicação imediata.

Quando a Legislação Maior demanda uma lei complementar, ou qualquer outro tipo legislativo para organizar a matéria, tal lei é necessária porque é pedida pela Constituição, mas a sua ausência não pode servir de escusa ao aplicador da lei pela sua inércia. Destarte, todo o Direito fundamental que está consubstanciado na Constituição Federal, ali está pronto para ser exigido pela população desde o dia 05 de outubro de 1988 – dia da promulgação da Constituição.

Para Bobbio (1992), além da teorização acerca dos direitos fundamentais, o que realmente importa é que se busquem meios eficazes de concretização de tais direitos:

[...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 1992, p. 25).

Dessa feita, passamos a analisar se o impacto da extensão universitária, e mais especificamente da atuação da Incubadora de empreendimentos econômicos solidários da UEM, beneficia a comunidade externa à Universidade e se, desse relacionamento, é possível asseverar que há concretização dos direitos elencados na Constituição Federal.

4 DA GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VIA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

NO PROCESSO DE INCUBAÇÃO DE EES

Mesmo com a presença de toda a declaração de direitos que se encontra em todo o texto da Constituição do Brasil, a realidade demonstra existir pessoas que desconhecem a concretização de seus mínimos direitos inerentes à sua condição de brasileiros, que deve ser acobertada pelas garantias contidas na Lei Maior.

Apesar de ser função e objetivo do Estado (lê-se ser função dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 2009, p. 11), observa-se que na práxis isso não ocorre, fato que traduz um movimento na contramão da evolução dos Direitos Fundamentais.

A exemplo, há milhões de desempregados que vivem na miséria e

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à margem desse Estado Democrático de Direito, que, apesar de possuir uma bela Declaração de Direitos, não possibilita que sejam concretizados para todos. Apercebemos, assim, que há duas realidades: uma idealizada pela Constituição Federal, segundo a qual o mínimo existencial seria garantido; enquanto que, em contrapartida, ontologicamente, encontra-se uma sociedade desigual, em que não é possível a existência com respeito à dignidade à vida.

Ressaltamos que a população com a qual a Incubadora interage e exerce atividades é em parte relacionada àqueles provenientes do antigo “lixão” da cidade de Maringá. Local sem as mínimas condições salutares de trabalho e que acarreta péssimos hábitos de vida, haja vista que a maioria passava a semana no próprio lixão, o que pode ser constatado em trabalho em tela. Tal mínimo de condições não é ideal, pois está longe daquele descrito na própria Constituição, onde se encontra prescritos dentre direitos sociais aqueles que possibilitam a vida com dignidade à pessoa humana, a saber, “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social” (BRASIL, 2009, p. 11), entre outros.

Nesse diapasão, a Incubadora pretende, por meio da extensão universitária e no próprio processo de incubação de seus empreendimentos (as cooperativas), complementar alguns direitos de parcela da população outrora excluída, como uma função secundária e atípica da Universidade. A principal atuação se refere ao trabalho, uma vez que um trabalho digno é capaz de complementar diversos outros Direitos Fundamentais. Após a atuação dos extensionistas e seus parceiros, os trabalhadores egressos do “lixão”, nesse momento do trabalho de acompanhamento, estavam em um ambiente mais adequado, não mais em meio ao lixo orgânico – que, com o passar do tempo, ganha o odor nauseante e característico do chorume - uma vez que recebiam o material reciclável após a coleta seletiva.

Resta aos trabalhadores a separação adequada dos materiais coletados para posterior venda. Possuem, ainda, transporte adequado, tempo e lugar reservado para uma alimentação mais digna, possibilidade

de grande melhora na higiene pessoal, acesso à informação e auxílios diversos no que tange ao trabalho, proporcionados por meio da Incubadora, com a qual mantêm parceria, entre outros.

Temos que os cooperados, muitas vezes, ignoram que para o Estado é necessário a identificação pessoal, haja vista que há, com assustadora frequência, pessoas que simplesmente não possuem documentação civil completa. E, por vezes, encontra-se documentação com os nomes errados e incompletos, por exemplo, um documento que apresenta nome de solteiro(a) e outro em que há o de casado(a).

A falta de simples documentos, algo que para essas pessoas não opera relevante diferença em suas vidas, para o sistema jurídico é imprescindível, eis que se trata da identificação pessoal para com o Estado. A legalização de um grupo como uma cooperativa não é uma operação simples, a qual qualquer um pode realizar, é preciso lembrar que é necessária a assinatura de um advogado no Estatuto Social e nas Atas de Assembleias (ALMEIDA; BALDE, 2009). Encontra-se na simples documentação uma patente incompatibilidade entre essa parcela da população e o Estado de Direito, momento em que ambos se repelem.

No entanto, torna-se função da Incubadora proporcionar subsídios a esses grupos para possibilitar a devida legalização, sob forma de Cooperativas ou Associações para que haja identificação da sociedade com o grupo. Releva-se, ainda, que, após já formado o grupo e legalizado, o grande desafio estabelecido é possibilitar a autogerência, uma vez que a grande pretensão é a integração à sociedade, mas de modo independente, sem a necessidade de haver intervenção para a administração interna ou para representação em casos de negociações com terceiros.

O processo de incubação pela via da extensão universitária é árduo, principalmente na área do Direito, uma vez que se faz mister a adaptação dos “incubados” para com as leis que regem as Cooperativas. A questão supracitada (a documentação) é somente um aspecto diante de todo o processo de legalização de uma cooperativa.

A “burocratização” exigida pelas leis, e em especial de uma

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cooperativa, é demasiada, principalmente porque, no Brasil, existe uma legislação especial que regula somente essa matéria. É pertinente ressaltar que, depois de formalizados os grupos em cooperativas, estágio atual dos grupos de coletores de recicláveis, as eleições periódicas das cooperativas e a autogestão são conquistas diárias.

Em que pesem as dificuldades que se põem no caminho para a garantia dos Direitos Fundamentais, existe ainda a participação do poder público que se faz mister, pois, como já asseverado acima, a ajuda externa é de suma importância para o sucesso de projetos dessa natureza.

No município de Maringá, no início da corrente década e do grande movimento para a realização de mudanças sociais, no que toca aos catadores de materiais recicláveis, os Poderes Públicos5 se mobilizaram de modo viabilizar a constituição e estabilização das cooperativas.

Nesse sentido, a Lei Municipal n° 5.475/2001 instituiu o “Programa Municipal de Apoio aos Catadores de Materiais Recicláveis”, o qual pretende proporcionar aos participantes - leiam-se os catadores de material reciclável do município de Maringá -, entre outras: a assistência técnica para a constituição de cooperativas, comercialização e eventual industrialização de materiais recicláveis para a geração de emprego e renda. Esta Lei autoriza ao chefe do Poder Executivo fazer convênio e dispor da quantia de 60.000,00 reais para as custas iniciais do Projeto.

A Lei n°5.594/2001, uma das pioneiras ao incentivo para a viabilização do trabalho das Cooperativas em estruturação, define que a Administração promoverá a distribuição do produto da coleta pública seletiva de lixo às cooperativas de catadores de materiais recicláveis legalmente constituídas e em atividade regular no Município de Maringá.

Também se apresenta a Lei n°6.632/2004, que autoriza o poder executivo municipal a conceder em uso (contrato de comodato), a título gratuito, à “Cooperativa Maringá de Seleção de Materiais Recicláveis e Prestação de Serviços”, quatro barracões para que sejam usados como sede e área de trabalho para a referida Cooperativa.

Por derradeiro, e de forma simbólica e representativa do interesse 5 Leis e projetos de leis retirados do arquivo da Incubadora/UEM.

dos Poderes Constituídos Municipais em promover mudança social no que tange à população menos privilegiada de Maringá, a Câmara Municipal deste município, por meio da Lei 6.079/2003, autoriza a Administração Municipal a promover a distribuição de máscaras e luvas para os catadores de materiais recicláveis. Segundo a mesma Lei cabe ainda promover medidas para se instruir os catadores de materiais recicláveis sobre a importância do uso de materiais para a prevenção de acidentes e de contaminação por organismos provenientes do lixo.

Dessa forma, é pertinente ressaltar que todos os mandamentos normativos elaborados pelo Poder Legislativo Municipal, representado pelos vereadores, deixam à disposição do Poder Executivo Municipal, ou seja, o Prefeito, a implementação dos programas municipais aos quais as leis fazem referência por meio da sanção ou veto. Com exceção do que ocorreu com o usufruto dos barracões que foi implementado pela Lei n°6.632/2004, bem como a disponibilização do material coletado via coleta seletiva municipal, haja vista a Lei n°5.594/2001.

Assim, os demais projetos que, por sua essência, necessitam de maior interesse do Poder Público em se manter em funcionamento, foram abandonados com o tempo, principalmente com a vinda de novos governos municipais e com objetivos diversos, conforme interesses políticos. Tais interesses, mais viáveis politicamente, que ofereciam resposta imediata, foram estabelecidos na municipalidade em detrimento das antigas leis de auxílio para com os trabalhadores nas Cooperativas de coleta de materiais recicláveis.

O infeliz resultado da não-observância do Poder Público para com os direitos já garantidos dos cooperados é que esses direitos são esquecidos como se jamais tivessem existido e já estão agregados ao patrimônio dos indivíduos, que não pode ser revogado.

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5DA PERCEPÇÃO DOS COOPERADOS QUANTO À EXISTÊNCIA E PROTEÇÃO DE

SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A teoria acadêmica pode parecer um método perfeito e infalível, no entanto, não passa de uma grande abstração dos fatos mais relevantes da realidade. Nesse sentido, a aplicabilidade da teoria nas ciências humanas deve ser muito cuidadosa, haja vista que a realidade humana é mais ampla, diversa e criativa do que a mente de um único teórico.

Percebemos que, quando da práxis da extensão universitária no processo de incubação de EES, os resultados são diversos conforme a realidade social e valores do grupo de trabalhadores. A atuação da Incubadora é ampla e não se restringe a um único grupo, logo, mesmo com a defesa dos mesmos direitos com uma abordagem semelhante nos diversos grupos, o resultado e a reação de cada grupo – Cooperativa – são diversos, com poucas similaridades.

Pelo grande número de grupos de trabalhadores, os quais aceitam o trabalho de incubação feito pela Incubadora, escolhemos, a título de amostragem, para a presente análise, somente dois grupos, ao passo que são ainda as cooperativas em que mais se efetuaram trabalhos recentes na área jurídica.

A Coopernorte, uma das mais antigas cooperativas que permite a atuação extensionista da Incubadora, tem uma história diferenciada das demais. Inicialmente foi formada pelos últimos egressos do “lixão”, vale dizer que não havia grande estabilidade no grupo, pois mais de 100 (cem) indivíduos estudados não conheciam o “pensamento coletivo” ou possuíam ânimo de trabalhar em grupo.

Esse grupo, após perpassar por longo período de turbações, possui hoje cerca de 15 cooperados que têm uma conjuntura estrutural mais organizada e estável, em que não há mais grande variação do número de associados, e percebemos, por meio do acompanhamento, que os conflitos de convivência são menores que em outros grupos e épocas.

O grupo está estabilizado, e cada cooperado se encontra

devidamente ciente de sua função (guarda de documentos, pagamento/recebimento etc). Assim, a Incubadora, na área jurídica, corrobora a melhor organização administrativa dos Conselhos internos da Cooperativa, presta auxílio no que se refere aos documentos necessários para o ingresso de novos cooperados, datas de eleições e demais promoções.

Insta salientarmos que a Coopernorte pode ser considerada um grupo que possui maior percepção de seus direitos, haja vista que preserva os subsídios da Prefeitura, como também possui fixa a ideia de que um grupo organizado deve zelar pelos documentos, e aceita com menos pesar a burocracia de uma cooperativa, a exemplo, o processo eleitoral. O trabalho para os extensionistas da área do Direito tem sido menos árduo.

Com outra realidade social estava a Coopercanção, Cooperativa na qual a maioria das pessoas é antigo “carrinheiros”, vale dizer que estes trabalharam de forma independente por longo tempo, sem vinculação com outros trabalhadores do mesmo gênero. Porém, a realidade social desta ainda se assemelha muito com a da Coopernorte.

A Coopercanção apresentava um quadro de instabilidade, tal como, uma desorganização político-administrativa, conjugada à falta de documentos que eram frequentemente perdidos pelos próprios cooperados. A Cooperativa demonstrava grande dependência em face à Incubadora para os assuntos administrativos, como pagamentos e toda a esfera contábil. Do mesmo modo, a parte jurídica de legalização enfrentava dificuldades, pois os cooperados não conseguiam se organizar politicamente com o objetivo de compor uma chapa para realização de eleições e respeitar o previsto pelo Estatuto e, simultaneamente, manter a Cooperativa de acordo com as diretrizes legais.

Relevamos ainda que a Coopercanção apresentava um quadro social com idade avançada e atualmente a maioria é composta de mulheres que participam tanto da coleta, que é feita atualmente com caminhões – um trabalho extremamente desgastante e árduo –, quanto da separação do material reciclável. Foi notado que grande parte dos integrantes da cooperativa tinha problemas de saúde como diabetes,

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hipertensão, problemas de audição e visão, que representavam, de forma inconteste, a diminuição da força de trabalho dos integrantes, fato que prejudicava o rendimento da Cooperativa.

Esse grupo possuía outras peculiaridades acerca do local de trabalho que era ruim, uma vez que estava em um período de transição de um barracão alugado para outro que estava em fase de acabamento, mas havia a demora da Prefeitura na entrega do referido, já que a obra se iniciara havia muito tempo.

Entretanto, a Incubadora iniciou um projeto de reestruturação de cooperativas em risco e tem como seu projeto-piloto a Coopercanção. Esse projeto consiste basicamente de acompanhamento diário de equipes multidisciplinares que envolvem a área da saúde, administrativa, jurídica e também estrutural, portanto, extensionitas de enfermagem, ciências contábeis, administração, direito e engenharia de produção que pudessem diagnosticar e tratar rapidamente todas as áreas que estavam debilitadas na Cooperativa, ajudando sua reestruturação, para esta sair da condição de risco.

Hoje a Coopercanção, com a entrega do seu barracão e uma prensa mecânica, pela Prefeitura, teve um crescimento significativo e uma reorganização não apenas de forma estrutural, mas também no aumento do conjunto de integrantes que se renova em idade, essencial na ampliação da força de trabalho.

Em que pese o mesmo tratamento efetuado pelos extensionistas, é relevante observarmos que a extensão universitária praticada no processo de incubação traz em seus princípios o pressuposto de que tudo é imprevisível a partir da primeira abordagem.

Porém, é possível apreendermos que, em ambos os exemplos extraídos da vivência da Incubadora com as cooperativas de recicláveis, apesar dos diversos resultados obtidos com o trabalho, há nítida semelhança quanto à mudança de posicionamento dos cooperados diante da sociedade.

Observamos que ambos os grupos, ressalvando-se as peculiaridades de cada um, obtiveram grande percepção acerca de seus

direitos fundamentais. Não nos referimos aqui ao conceito doutrinário, mas tão somente ao conhecimento da existência de direitos fundamentais os quais devem ser respeitados pelas autoridades públicas.

É pertinente salientarmos que ambos os grupos frequentam a Prefeitura em várias reuniões, no sentido de não perderem as garantias outrora obtidas por meio das legislações municipais e outros subsídios. Fato este que possibilita a atuação dos cooperados e maior participação e, em consequência, o sentimento de inserção social.

Destarte, apesar das imensas dificuldades que a realidade fática impõe ao processo de incubação por meio da extensão universitária, são reais e patentes a mudança e melhora na qualidade de vida do trabalho, familiar e social dos cooperados que caminham, com a ajuda da Incubadora, para construir um Estado Democrático de Direito, uma vez que, não raramente, a Administração Pública não atua de ofício na concretização dos direitos fundamentais.

6CONSIDERAÇÕES

FINAIS

À vista do exposto, relevamos que os direitos fundamentais são uma criação de todo um contexto histórico-cultural da sociedade, que tem como pretensão inicial elencar os direitos mais básicos ao ser humano para que possam ser tutelados pelo ordenamento jurídico.

No entanto, há que observarmos que nem toda população mantém seus direitos mínimos garantidos como enseja a Constituição Federal. Assim há a necessidade de que grupos de trabalhadores permitam que a Incubadora opere na (re)conquista junto aos cooperados, parcela de seus direitos fundamentais.

Busca-se o retorno da dignidade de cada cooperado para que tais direitos tragam a independência e liberdade (social) deste, estando regularizado com a lei do país. A importância dos Direitos Fundamentais na vida do cooperado é a capacitação de autogerência ou autogestão que é o fim social proposto pela Incubadora de EES. Só organizados social

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e juridicamente – como em cooperativas – é possível que os grupos de trabalhadores se desenvolvam de modo a ganhar independência.

A Incubadora visa, primeiramente, garantir o trabalho, eis que quanto mais estabilidade de trabalho os cooperados têm, maior possibilidade de melhoria da qualidade de vida.

Em que pese ser a aplicação da teoria acadêmica, este trabalho mostra que o sucesso no processo de incubação somente se dá a partir de uma mente aberta a sempre reavaliar as atitudes e circunstâncias de acordo com os objetivos e metas estabelecidos.

No âmbito jurídico, tornam-se mais imperiosos o diálogo e a maleabilidade do extensionista, muito embora haja a possibilidade de mudarem-se os meios para se alcançar o fim (legalização da cooperativa – por exemplo), pois a lei não se adapta em face das circunstâncias fático-pessoais de cada grupo. Assim, necessita-se de maior diálogo entre extensionista e cooperado para convencer esse associado a aceitar o Estado e sua burocracia.

Todavia, percebemos ainda na área forense que, embora em diversas graduações, todos os indivíduos do grupo de trabalhadores são capazes de perceber a existência de direitos fundamentais. Estes se demonstram com pequenas manifestações de protecionismo e defesa do que já foi adquirido, bem como com o inconformismo expresso pelos cooperados se lhes são ameaçados alguns direitos fundamentais. É patente a melhora das condições de trabalho que proporcionam indubitavelmente um grande avanço rumo à concretização dos direitos fundamentais elencados na Constituição Federal.

Destarte, percebemos, na sociedade atual, a latente necessidade de atuação de grupos como a Incubadora que atua em Maringá e região, uma vez que a existência do sistema econômico vigente pressupõe a exclusão de uma parcela social. O trabalho é fator decisivo para o maior sucesso de reintegração dessa parcela da população, apesar das grandes dificuldades impostas quando da práxis e das diversas reações manifestadas por cada grupo, e permite a defesa e o alcance de outros direitos mais básicos e intrínsecos ao homem.

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2

ATUAÇÃO DA INCUBADORA DE

EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS

SOLIDÁRIOS COM PRODUTORES DA

AGRICULTURA FAMILIAR

João Batista da Luz de Souza

José Marcos de Bastos Andrade

Maria Aparecida Alves

Lucas Vinicius Amorin Natali

Lívia Bischof Pian

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INTRODUÇÂO

A agricultura familiar é importante tanto para a produção de alimentos como na geração de trabalho no meio rural. Ela responde por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Entretanto, os pequenos produtores rurais têm dificuldades para produzirem e comercializarem melhor seus produtos. Uma das alternativas para esse problema tem sido a formação de coletivos de produtores, formando-se empreendimentos econômicos solidários (EES). Nesse sentido, as Incubadoras Universitárias de Empreendimentos Econômicos Solidários desempenham papel importante, na medida que podem interagir nesse aspecto e também na melhoria dos processos técnicos produtivos. Neste artigo, o objetivo é relatar a atuação da Incubadora, focando alguns resultados do processo de incubação, especificamente com alguns grupos de produtores familiares e de assentamentos da reforma agrária em quatro municípios localizados na região central do Estado do Paraná. Para o desenvolvimento das ações, a Incubadora Unitrabalho/UEM pratica a metodologia participativa como princípio norteador do processo. Naquilo que o estudo procurou explorar, identificou potencialidades, facilidades e dificuldades, muitas vezes por serem específicas desse tipo de ação, com produtores da área rural, mas, de forma geral, os resultados são importantes e positivos.

1 AGRICULTURA

FAMILIAR

A Nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) preconiza que a missão da ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) consiste em participar na promoção e animação de processos, sendo capaz de contribuir para a construção e execução de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar e das suas organizações, por meio

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de metodologias educativas e participativas integradas às dinâmicas locais, buscando, assim, viabilizar as condições para o exercício da cidadania e a melhoria de qualidade de vida da sociedade. Agricultura familiar não é propriamente um termo novo, mas seu uso recente, com ampla penetração nos meios acadêmicos, nas políticas de governo e nos movimentos sociais, adquire novas significações (VERDEJO, 2006).

Muitas vezes os conceitos de agricultura familiar e de pequenos produtores rurais são utilizados como sinônimos. Contudo, essa percepção é equivocada. Uma abordagem que teve maior aceitação nos últimos anos foi a proposta por Altmann (2002), que expõe de forma detalhada o que vem a ser agricultura familiar. Para o autor, o agricultor familiar é aquele que explora uma parcela da terra na condição de proprietário, assentado, posseiro, arrendatário ou parceiro e que atende simultaneamente aos seguintes quesitos:

Utilize o trabalho direto, seu e de sua família, podendo ter, em caráter complementar, até dois empregados permanentes e contar com ajuda de terceiros, quando a natureza sazonal da atividade agropecuária o exigir; não detenha, a qualquer título, área superior a quatro módulos fiscais, quantificados segundo a legislação em vigor; tenha, no mínimo, 80% da renda familiar bruta anual originada da exploração agropecuária, pesqueira e/ou extrativa; resida na propriedade ou em aglomerado rural ou urbano próximo (ALTMANN, 2002, p. 7).

A definição proposta por Altmann (2002, p. 7) foi ratificada com o surgimento da delimitação formal do conceito de agricultor familiar, prevista na Lei 11.326, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República em 24 de julho de 2006. Esta Lei considera:

[...] agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro)

módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Tendo em conta o atendimento de tais requisitos, incluem-se também:

[...] silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; [...] aqüiculturas que explorem reservatórios hídricos com superfície total de até dois hectares ou ocupem até 500 m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; [...] extrativistas pescadores que exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores. (ALTMANN, 2002, p. 7).

Tanto nas pequenas propriedades como em assentamentos rurais o trabalho familiar geralmente é predominante. Estes últimos, para Bergamasco e Norder (1996), são criações de novas unidades de produção agrícola, geradas por políticas governamentais com o objetivo de reordenar a distribuição da terra, a fim de atender aos princípios da justiça social e ao aumento de produtividade. Ou melhor, é a criação de pequenas unidades produtivas onde a organização do trabalho tem como base a família.

O negócio agropecuário com base de trabalho na mão de obra familiar, segundo Lourenzani (2006), traz uma mistura de emoção e sentimentalismo com objetividade e racionalidade. A família e a produção são inseparavelmente conectadas, apesar da relativa incompatibilidade entre os dois componentes que pode ser observada em outras organizações. Com isso, a agricultura familiar deve tratar as demandas

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dos relacionamentos familiares tão bem como as do mercado consumidor. Portanto, nem sempre as decisões produtivas são tomadas

estritamente de acordo com a maior viabilidade. Mas, em linhas gerais, Lourenzani (2006) observou um dos principais objetivos da maioria dos negócios familiares – incluindo os empreendimentos rurais – crescer de forma sustentável, aumentando a sua viabilidade e preparando sua transição para a próxima geração. Com isso, o negócio familiar deve, portanto, ser gerenciado em busca de maior viabilidade em curto prazo e acumulação de riqueza em longo prazo.

A agricultura familiar pode ser considerada multifuncional, ou seja, que tem várias funções adicionadas ao seu papel primário de produção. Para Soares (2001, p. 42), o conceito de multifuncionalidade no meio rural tem quatro funções essenciais: “1) segurança alimentar; 2) função econômica; 3) função ambiental; e 4) função social”.

O autor observou que a multifuncionalidade pode ser exercida de diferentes maneiras, dependendo do sistema produtivo adotado. Ressaltou que a contribuição para a segurança alimentar exercida por uma comunidade de agricultores familiares é consideravelmente distinta da contribuição de uma grande propriedade patronal especializada no monocultivo. No mesmo sentido, os impactos ambientais de um policultivo tradicional são muito diferentes dos impactos da monocultura mecanizada e geralmente dependente de insumos químicos.

Como observado, uma primeira contribuição da agricultura familiar é em relação à segurança alimentar. Cabem aqui algumas definições, pois, dentro do conceito de gestão da qualidade em cadeias agroalimentares, destacam-se os conceitos de segurança do alimento. Scalco e Souza (2006) definiram segurança do alimento como a garantia ao consumidor de que aquele contém os atributos de qualidade que são de seu interesse, dentre os quais, destacam-se aqueles ligados à higiene. Já a segurança alimentar é definida como a garantia de que a população tenha acesso a alimentos de qualidade e em quantidade compatíveis com as necessidades nutricionais humanas.

Uma das principais relações que se pode estabelecer entre a

agricultura familiar e a segurança alimentar é a da própria geração de alimentos para o consumo familiar. Na Tabela I, é possível observar o número de estabelecimentos agropecuários e a área utilizada, tanto para o Brasil, como para o Estado do Paraná.

Tabela I - Número de estabelecimentos e área dos estabelecimentos

agropecuários (milhões de hectares), para o Brasil e para o Estado do Paraná

– 2006.

Número de estabelecimentos

agropecuários (Unidades)

%

Área dos estabelecimentos

agropecuários (Hectares)

%

Não-familiar Brasil 807.587 15,6% 249.690.940 75,7%

Agricultura familiar Brasil 4.367.902 84,4% 80.250.453 24,3%

Total Brasil 5.175.489 100% 329.941.393 100%

Não-familiar Paraná 68.144 18,4% 11.036.652 72,2%

Agricultura familiar Paraná 302.907 81,6% 4.249.882 27,8%

Total Paraná 371.051 100% 15.286.534 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE (2006) Censo Agropecuário.

No Brasil 75,7% do total da área dos estabelecimentos agropecuários são concentrados em apenas 15,6% dos mesmos, o que caracteriza a existência de grandes propriedades que possuem em média 309 ha, sendo constituídas então por agricultores não-familiares. De maneira antagônica, no Brasil os 24,3% das áreas restantes são divididos para 84,6% dos estabelecimentos, de forma que a agricultura familiar se encontra bastante pulverizada; em média, os agricultores familiares trabalham em propriedades com 18,3 ha. O Estado do Paraná apresenta números similares: 28,8% do número de estabelecimentos podem ser caracterizados agricultura familiar.

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Na Tabela II, é possível observar o valor da produção de propriedades que se enquadram nos conceitos de familiar e não-familiar. Os valores comprovam a importância das pequenas propriedades que trabalham no sistema familiar de produção e seu papel essencial na produção agrícola brasileira.

Tabela II - Valor da produção para a agricultura familiar e a não-familiar –

2006.

País/UFValor da produção (Mil reais)

%

BrasilNão-familiar 89.453.608 62,2%

Agricultura familiar 54.367.701 37,8%

Total Brasil 143.821.309 100%

ParanáNão-familiar 9.057.533 56,9%

Agricultura familiar 6.840.335 43,0%

Total Paraná 15.897.868 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE (2006) Censo Agropecuário.

Em nível nacional, a agricultura familiar utiliza apenas 24,3% da área disponível para a produção agropecuária, o que representa 37,8% do valor da produção total nacional. Ou seja, se se considerar o valor da produção em termos de área utilizada, tem-se que a agricultura familiar é mais produtiva e gera maior valor por hectare.

No Estado do Paraná esses números são ainda mais marcantes, tanto em relação à maior produtividade da agricultura familiar, como em termos absolutos, comparados ao país. A agricultura familiar utiliza apenas 27,8% da área disponível para a produção agropecuária, o que representa 43% do valor da produção total do Estado.

Em suma, a agricultura familiar é essencial para a promoção da segurança alimentar. Isso ocorre tanto pela produção de alimentos como

pela geração de empregos, que acontece ao longo de todo o sistema agroindustrial, fornecendo, assim, condição para o acesso ao alimento. Também, os dados apresentados sobre o número de estabelecimentos, área dos estabelecimentos agropecuários e o valor da produção deixam evidente outra função importante da agricultura familiar, que é relacionada à economia.

Para Soares (2001), apesar da maior eficiência econômica e da segurança alimentar que estão ligadas ao sistema familiar de produção, este vem sofrendo pela ausência de políticas públicas relacionadas a linhas específicas de crédito, maior inserção do produtor no mercado, assessoria técnica, transferência de tecnologia e conhecimento, entre outros. Existem políticas de desenvolvimento específicas para a agricultura familiar, contudo, há também alguns entraves1 que acabam dificultando o acesso dos produtores a esses instrumentos.

Contudo, o autor alerta que a atenção das políticas públicas não deve ser voltada exclusivamente para a produção, pois,

[...] as comunidades de agricultores familiares estão associadas aos conceitos de cultura, tradição e identidade. [...] Nesta perspectiva é interessante a adoção de um olhar mais amplo, que leve em conta inclusive o impacto das políticas públicas sobre a sociedade nos aspectos culturais. (SOARES, 2001, p. 47).

Ou seja, a viabilidade econômica e social da agricultura familiar não depende exclusivamente da produção. Há ainda um conjunto de características institucionais que são intrinsecamente ligadas à agricultura familiar e que, por isso, podem ser tão ou mais importantes que os fatores de ordem econômica. Soares (2001) observou que as políticas públicas construídas somente sob a ótica do mercado podem ignorar valores culturais intangíveis e, com isso, não terem o alcance desejado.

Outra observação importante é que a agricultura familiar é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro. Em 1 Entende-se como entrave qualquer condição imposta por agentes, mercados, instituições ou organizações, que são possam dificultar ou até impedir a atuação de determinados grupos de agentes na busca por um determinado objetivo.

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relação ao total de mão de obra empregada em empreendimentos rurais no Estado do Paraná, 69,9% dos postos de trabalho estão no sistema familiar de produção.

Tabela III – Pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários,

estratificado por sexo e em relação a ser, ou não, agricultura familiar – 2006.

Sexo Brasil % Paraná %

HomensNão-familiar 3.341.192 20,2% 252.114 22,6%

Agricultura familiar 8.174.002 49,3% 504.553 45,2%

MulheresNão-familiar 904.127 5,5% 84.652 7,5%

Agricultura familiar 4.148.223 25,0% 275.765 24,7%

Total 16.567.544 100% 1.117.084 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE (2006) Censo Agropecuário.

Uma característica marcante da agricultura familiar é a maior participação da mulher, que desempenha papel fundamental para a condução das propriedades. No Brasil 30,5% do pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários têm origem na mão de obra das mulheres, sendo que 25,5% destas atuam no sistema familiar de produção.

Outra função essencial da agricultura familiar no meio rural se refere ao papel em relação ao meio ambiente. Para Ferraz e Hanisch (2003), de forma geral, com o advento da revolução verde ocorreram severas mudanças no meio rural em prol da busca por melhor produtividade e resultados econômicos, intensificando a utilização de agrotóxicos e outras substâncias que podem ser nocivas à saúde, tanto dos animais como humana. Na pecuária, houve uma alteração na dieta animal que passou a receber aditivos, hormônios e antibióticos. Isso se aliou a outras práticas predatórias do meio ambiente que acabaram promovendo a eliminação da diversidade biológica, a perda da fertilidade do solo, a contaminação e o assoreamento dos rios e lagos, entre outros fatores.

Contudo, o autor observou também que esses impactos na agricultura familiar foram menores, pois, esta população está mais aberta

às práticas como a adubação verde, integração de subsistemas, utilização de corretivos e fertilizantes naturais e técnicas de plantio adaptadas às diferentes condições do solo.

Nos diversos aspectos abordados foi evidenciada a importância econômica e social da produção agropecuária da agricultura familiar e, dentre estes, estão os assentados da Reforma Agrária. Nesses sistemas produtivos existe grande heterogeneidade de estágios de desenvolvimento, havendo tanto sistemas de subdesenvolvimento como sistemas que podem ser considerados exemplos no mundo.

1.1 A LUTA PELA TERRA PELO MOVIMENTO SEM-TERRA (MST)

Os conflitos e crises no campo são recorrentes ao longo da História e este fato é derivado de mudanças nas relações econômicas, sociais e institucionais no meio rural. Durante a Colônia (até o final de 1800), os índios protagonizavam essa luta, defendendo territórios invadidos pelos bandeirantes e colonizadores. Já no final do século XIX, surgiram movimentos camponeses messiânicos: Canudos, com Antônio Conselheiro; do Contestado, com Monge José Maria; o Cangaço, com Lampião, e diversas lutas regionalizadas. Nas décadas de 1930 e 1940 ocorreram conflitos violentos, em diversas regiões, com os posseiros.

Entre 1950 e 1964, o movimento camponês organizou-se enquanto classe, fazendo surgir as Ligas Camponesas; a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB); e o Movimento dos Agricultores Sem-Terra (MST).

No passado recente os conflitos pela terra se acentuaram e criaram novas perspectivas para o futuro. Nesse sentido, Mallmann (2007) observou que a compreensão da questão agrária no Brasil, nos dias atuais, depende de se considerá-la fator histórico que se constitui em um momento determinado da história social e que persiste renovado e modificado ao longo do tempo.

A partir da década de 1980 houve uma fissura nas relações sociais

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no campo. Esta questão foi bem ilustrada por Schreiner (2002, p. 11):

[...] os trabalhadores sem-terra se têm insubordinado diante das práticas de domínio exercidas pelos fazendeiros. Denotam, pois, mudanças nas expectativas, nos valores e significados, que os trabalhadores atribuem às formas possíveis de inserção social. O consenso em torno do objetivo de conquistar terra parece ser tão forte a ponto de levá-los a passar por cima do medo e da deferência às leis. As recorrências dos acampados e assentados, nas entrevistas orais, às suas trajetórias de vida e experiências de luta reforçam esta evidência.

Os grandes latifúndios apoiados pelos governos militares, segundo Pechanski (2007), se voltaram para atender às demandas internacionais em detrimento dos produtos destinados ao mercado interno. Na primeira metade da década de 1970, os camponeses sentiram, de modo violento, os impactos sociais com o aumento do êxodo rural, a falta de perspectiva de reforma agrária, o desmantelamento das comunidades e das famílias. Para apoiar essas famílias em situação de vulnerabilidade, foi criada em 1975 a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Com o apoio da CPT, foi formalizada a sinalização de uma nova etapa da atuação dos movimentos dos trabalhadores, apontada por massificação, radicalização e institucionalização do Movimento. É dentro dessa perspectiva que nasce o Movimento dos Sem-Terra (MST). De acordo com Caldart (2000), o MST foi criado formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem-Terra que aconteceu no ano de 1984, em Cascavel, no Paraná. Hoje, o MST está organizado em 22 Estados e segue os mesmos objetivos definidos e ratificados no I Encontro Nacional.

O Movimento procurou se embasar nos artigos 184 e 186 da

Constituição Federal, que apontam como competência da União a desapropriação de terras por interesse social, para fins de reforma agrária, desde que o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social. A função social da terra ocorre quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado da terra; utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

A ala progressista da Igreja teve papel fundamental no MST. Pode ser vista como o epicentro da emergência deste. Entre 1979 e 1985, o movimento da Teologia da Libertação promoveu encontros para articular reuniões estaduais e nacionais. De acordo com Coletti (2006), a constituição do MST, enquanto movimento nacional de luta pela terra e pela reforma agrária, em 1984/1985 coincide com a fase derradeira do governo de Figueiredo e com as articulações que levaram à presidência da República, por meio da eleição indireta, Tancredo Neves e José Sarney.

Nesse Movimento se deve abarcar a presença do MST no Estado do Paraná. Segundo Haracenko (2007), o território paranaense estava completo no sentido de organização do movimento camponês, que, a partir desse momento, teria duas metas a serem cumpridas: a primeira seria manter a unidade do Movimento no Paraná em volta de um comando central, e a segunda, interligar toda a mobilização organizacional do Estado, que estava eclodindo em nível nacional.

Entrementes, o papel do MST foi fundamental na organização do território no Noroeste do Paraná. A partir da década de 1980, as constantes ocupações de latifúndios improdutivos por grupos de famílias acampadas que eram excedentes de outras regiões do Estado geraram vários conflitos, envolvendo fazendeiros, governo do Estado e MST, que vão modificar as condições da região Noroeste no que se refere à reforma agrária.

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No Noroeste do Paraná, evidentemente, o MST, em seu processo de formação e territorialização, tem sua estrutura organizada. A década de 1990 foi um período em que essa região recebeu considerável aumento de famílias sem-terra que procuravam aderir ao MST.

A luta pela terra no país, de acordo com Schreiner (2002), para além do espaço local, teceu-se apenas no passado recente, quando homens e mulheres sem-terra confrontaram a situação vivida com as necessidades de suas existências e propuseram desafios mais amplos.

O governo Collor e o início do processo de implantação do neoliberalismo significaram um retrocesso político para as classes trabalhadoras, o que implicou um refluxo para a maioria dos movimentos sociais populares. Com o afastamento de Collor da presidência e com o início do governo Itamar Franco, o MST começou lentamente a recobrar as suas forças políticas.

Entre 1988 a 2002, os movimentos sociais, incluindo o MST, atravessaram um período de relações ríspidas com o Governo Federal. Ele teve dois ápices no caso dos sem-terra: a eleição de Fernando Collor de Melo e a de Fernando Henrique Cardoso.

Após oito anos do mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, o MST recobrou a sua força e os movimentos sociais retomaram com toda a intensidade o seu lugar de destaque.

Com esta breve apresentação da agricultura familiar e do movimento dos trabalhadores sem-terra (MST), nota-se a importância dos mesmos para o desenvolvimento, não apenas econômico, mas também social, no Estado do Paraná. É nesse contexto, nas regiões Norte Central e Centro Ocidental do Estado, que a Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), da Universidade Estadual de Maringá (Incubadora Unitrabalho/UEM), vem atuando na área rural com produtores familiares e assentados da reforma agrária desde o lançamento do Programa do governo do Estado do Paraná, denominado “Universidade Sem Fronteiras”, pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI).

2ATUAÇÃO DA INCUBADORA NA AGRICULTURA FAMILIAR E ASSENTAMENTOS

DA REFORMA AGRÁRIA

Nas regiões Norte Central e Centro Ocidental do Estado, a Incubadora vem trabalhando com produtores familiares e assentamentos da reforma agrária em alguns municípios: Quinta do Sol, Peabiru, Engenheiro Beltrão e Poema, distrito de Nova Tebas. Visando melhor contextualizar o trabalho da equipe da Incubadora com os produtores, inicia-se com uma breve caracterização da formação dos municípios citados.

2.1 HISTÓRIA E CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO DE PEABIRU

A história do município de Peabiru está ligada à do famoso Caminho do Peabiru, que se estendia por mais de 1.200 km da costa do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, atravessando os rios Tibagi, Ivaí e Piquiri, pelo qual passou a grande Expedição organizada, em 1769, pelo Capitão Mor Afonso Botelho de San Payo e Souza.

O desenvolvimento do município se deu de maneira decisiva após 1903, quando inúmeros colonizadores, acompanhados de suas respectivas famílias, construíram suas casas e dedicaram-se à agricultura, incentivando a vinda de novas famílias à região. Porem, o município só foi fundado em 14/12/1952, quando foi desmembrado da cidade de Campo Mourão, segundo IPARDES (2008).

Peabiru possui uma área de aproximadamente 467.212 km², representando 0,2344% do território paranaense. Sua população é de aproximadamente 13.662 pessoas, segundo o último Censo do IBGE (2010). Destas, 11.009 moram na cidade, enquanto que 2.613 residem no campo. Separando os habitantes por gênero, tanto o homem quanto a mulher são em maior número na cidade, porem elas são a maioria no meio urbano, enquanto que, no campo, são os homens. O grau de urbanização do município ficou em 82,68%, segundo o IBGE (2007).

Assim como os outros municípios da região, Peabiru também

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é um município onde a pequena propriedade é forte, pois, dos 40.898 ha, os produtores destinam 71,53% para a lavoura temporária, havendo um total de 410 estabelecimentos. Considerando-se essa mesma área, constata-se que a principal condição do produtor é o de proprietário da terra, pois, dos 40.898 ha, o produtor é dono de 89,34%, enquanto a área em que o mesmo não tem titulação definitiva é de 341 ha, o que representa apenas 0,833% do total, segundo dados de IBGE (2006).

Assim como depois de 1903, Peabiru continuou sendo uma região dedicada à agricultura, uma vez que, com o passar dos anos, novos produtores se instalaram e novas atividades foram surgindo. Desse modo, hoje, é produzida uma grande variedade de culturas, tais como, milho, soja, uva, café, mandioca, laranja, maracujá, batata doce, banana, alho, amendoim, arroz, cana-de-açúcar, feijão, figo. Vale destacar as culturas de lavouras temporárias, pois, como mostrado pelo IBGE (2009), estas foram as que apresentaram o maior volume de produção: soja, milho e cana-de-açúcar. A soja foi a cultura que obteve o maior volume de produção, com 55.525 t, e a que mais contribuiu para o faturamento, R$ 41.050.000,00. Em segundo lugar veio o milho, com uma produção estimada de 38.266 t. A cana-de-açúcar foi a terceira cultura que mais produziu, obtendo o melhor rendimento médio, com 90.000 kg/ha, produzindo 27.000 t em uma área de 300 ha.

A pecuária também é uma atividade bastante praticada no município. Segundo o IBGE (2009), os principais tipos de rebanho são: galináceos (galinhas, galos, frangos e pintos), bovinos, suínos e vacas ordenhadas. Porem, o principal produto de origem animal obtido no município é o casulo do bicho-da-seda, com um volume produzido de 5.609 kg no ano. Cabe destaque também a produção de leite, ovos de galinha e mel de abelha, com produção de 2.780.000 L, 991.000 dúzias e 500 kg, respectivamente. E, tamanha é a importância da atividade agrícola para o município, que, das 5.433 pessoas ocupadas, 1.689 estavam trabalhando na agricultura, silvicultura, pecuária, exploração vegetal e pesca, segundo o IBGE (2000).

O produto per capita de Peabiru, segundo dados do IBGE (2008),

foi de R$ 10.240,00, enquanto que o PIB, medido a preços correntes, ficou em R$ 136.919.000,00. Se comparado com o de Engenheiro Beltrão, onde a renda per capita foi de R$ 15.845,00, no mesmo ano, pode-se inferir que o mercado interno de Peabiru é mais fraco, dando aos habitantes um padrão de vida mais baixo e fazendo com que tenham mais dificuldade para se desenvolver. Se se adotar o Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDH-M) como parâmetro para se medir a capacidade de desenvolvimento da região, pode-se chegar à conclusão de que Peabiru possui um mercado interno mais fraco, pois seu IDH-M, publicado por PNUD (2000), foi de 0,736, abaixo do 0,762 apresentado por Engenheiro Beltrão.

Considerando-se o PIB segundo os ramos de atividade, vê-se que a atividade que mais contribuiu com a renda daquele município foi o setor de serviços, representando 62,37% dos R$ 128.839.000,00 totais. Logo em seguida veio a agropecuária, com participação de 51,35% do total enquanto em terceiro lugar aparece o setor industrial, que contribui com apenas 5,6%. Vale destacar que a atividade Industrial de Peabiru emprega pouca mão de obra, sendo que a indústria de materiais elétricos é a que mais contrata, com cerca de 80 empregados, enquanto que, só na administração pública que está dentro do setor serviços, empregam-se 290 pessoas, como mostra o IBGE (2008).

Nesse município existem dois assentamentos da reforma agrária: o Santa Rita e o Monte Alto.

Assentamento Santa Rita

No Assentamento Santa Rita, a princípio ficaram 120 famílias acampadas, muitas delas vinham na luta pela terra há muitos anos, sendo conhecido como Acampamento Baia. A área total do assentamento é de 1.713,50 ha, desta, 363 ha são destinados à Reserva Legal, e foi dividida em 85 lotes de 17 ha em média. Os moradores da colônia da fazenda, formada por seus trabalhadores, permaneceram acampados juntamente com outras diversas famílias que ali montaram barracas Em 1998, as

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famílias conseguiram finalmente ocupar a fazenda sem grandes conflitos. Os lotes foram todos escolhidos por sorteio.

A criação do Assentamento Santa Rita iniciou-se quando, da fazenda Santa Rita, foi decretada a falência do seu proprietário, um grande pecuarista da região, lavrada em vistoria do INCRA em 1996. No momento de alta produção, a propriedade possuía 5.000 cabeças de gado da raça Nelore, assim como um ‘haras’ com cavalos da raça Quarto de Milha. Em 1997, o MST e o INCRA organizaram os grupos para a ocupação da fazenda. Esse assentamento foi o primeiro instalado na região Noroeste do Paraná.

No assentamento há hoje 85 famílias, e, em um levantamento junto aos produtores feito pela equipe da Incubadora, ficou identificado que elas possuem como principal atividade econômica a pecuária leiteira, seguida pelas culturas anuais, como milho, soja, café, mandioca e maracujá. No que se refere à olericultura, esta ainda está em fase de implantação por um grupo de produtores interessados. Com relação ao trabalho das mulheres desenvolvido no assentamento, ressalta-se que apenas 2,63% das mulheres pesquisadas exercem exclusivamente trabalho doméstico, a grande maioria, 89,4%, acumula as funções domésticas e agropecuárias – a principal responsabilidade produtiva das mulheres é a ordenha. Muitos dos assentados não tiveram a oportunidade de estudar pois 48% apresentam o 1° grau incompleto e 13% são analfabetos.

Com a realização das entrevistas, foi possível levantar que a média de idade dos moradores é de 45 anos, 66% são casados oficialmente e possuem em média três filhos. Durante as entrevistas que de fato eram mais um diálogo ou “bate-papo”, pôde-se notar grande evasão dos filhos dos produtores dessas propriedades e que somente os filhos com menos de 18 anos permanecem no campo ajudando os pais. Porém, quando aqueles atingem maior idade, buscam emprego nas cidades, alegando que o “campo não proporciona condições dignas de sobrevivência”. Um dos entrevistados que faz relatos da fazenda antes de ser ocupada, um produtor de 50 anos, mantém em sua propriedade a produção de leite, maracujá orgânico, frango caipira, frutas, verduras e hortaliças, fazendo-a

tornar-se uma propriedade modelo.

Assentamento Monte Alto

O Assentamento Monte Alto está formado por 17 lotes com média de 16 ha por família. Está localizado entre grandes fazendas, o que gera graves problemas para os assentados lá instalados, pelo uso de agrotóxicos nas lavouras vizinhas. Muitos gostariam de trabalhar com produtos orgânicos, mas nessas circunstancias ficam impossibilitados pelas normativas para a produção desses produtos, que são exigências das entidades certificadoras.

Por esta característica da região, muitos produtores aderiram à monocultura da soja, que ali é predominante. A garantia de renda mensal é provida pela pecuária leiteira, das 17 famílias de produtores, oito produzem leite.

Com as entrevistas, foi possível levantar que a média de idade dos produtores é de 44 anos, sendo que 33,3% são casados oficialmente, 33,3% mantém uma relação estável, 22,2% são solteiros e 11,1% são viúvos. As famílias têm, predominantemente, três filhos e, diferente dos outros assentamentos, neste, o êxodo rural é mínimo.

Os produtores que possuem o 2° grau completo representam 33,33% deles, 33,3% possuem o 1° grau incompleto e 11,1%, o 1° grau completo, 11,1% são semianalfabetos e 11,1%, analfabetos.

2.2 HISTÓRIA E CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO DE QUINTA DO SOL

O município de Quinta do Sol foi criado por meio da Lei estadual N° 4.778 de 29/11/1963 e instalado em 14/12/1964, depois de desmembrado do município de Fênix, de acordo com o IPARDES (2008). O nome foi originário da quinta nota musical, ou seja, Sol; e esta nota aparece na pauta que está na bandeira da cidade com a anotação da chave Sol, junto à nota musical Sol.

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Possui uma área de 326.085 km², o que representa 0,1636% do território do Estado. Sua população estimada é de 5.085 habitantes, de acordo com o IBGE (2010), sendo 1.276 habitantes da zona rural e 3.809 da zona urbana. Separando-se o tipo de domicilio segundo o sexo, percebe-se que as mulheres são em maior quantidade na cidade, enquanto que os homens são a maioria no campo. O grau de urbanização, de acordo com o IBGE (2007), é de 71,76% no município.

Assim como em Peabiru, Quinta do Sol também é um município onde a lavoura temporária predomina sobre a permanente, mostrando ser um município onde a produção de cereais, soja e cana é mais frequente. Para aquela foram destinados 26.042 ha dos 33.385 ha totais, enquanto que, para a permanente, foram apenas 3.332 ha. O regime de propriedade que predomina é o da propriedade privada, pois, do total, 83,13% da terra pertence ao produtor, segundo o IBGE (2006).

Tamanha é a importância da atividade agrícola para o município, que, de acordo com o IBGE (2000), 1.043 pessoas praticavam a agricultura, silvicultura, pecuária, exploração vegetal e pesca, enquanto na educação, a segunda atividade a gerar mais emprego, cerca de 185 pessoas estavam empregadas.

Tomando-se os dados da produção agrícola do município, pode-se confirmar o que foi dito anteriormente, pois as maiores produções ficaram com as culturas temporárias, tais como, cana-de-açúcar, soja, milho e trigo. A cana-de-açúcar foi a cultura que obteve o maior volume de produção, com 414.000 t, porem, não foi a que obteve maior receita, ficando este posto com a soja, com faturamento de R$ 21.765.000,00. O segundo maior volume de produção ficou com o milho, com 56.839 t, enquanto em terceiro lugar ficou a soja, com 29.640 t, como divulgou o IBGE (2009).

A criação de animais da região também é considerável. Segundo dados do IBGE (2009), os principais rebanhos da região eram de galinhas, bois e suínos. Vacas ordenhadas também apresentaram uma criação considerável, com cerca de 650 cabeças. Desses dados, tem-se que os principais produtos de origem animal, levando-se em conta o volume

produzido, foram: leite, com 1.605.000 L, casulo do bicho-da-seda, com 200 kg, e ovos de galinha, com 21.000 dúzias.

O Produto Interno Bruto de Quinta do Sol, medido a preços correntes, foi da ordem de R$ 78.831.000,00, enquanto a renda per capita se situou em R$ 15.027,00, segundo o IBGE (2008). Vale destacar que mesmo Quinta do Sol possuindo uma renda per capita maior que a de Peabiru, que foi de R$ 10.240,00 em 2008, seu IDH-M foi de 0,712, de acordo com o PNUD (2000), contra 0,736 daquele município. Isso mostra que, apesar de o produto por habitante ser maior em Quinta do Sol, o padrão de vida é melhor em Peabiru, mesmo com pequena a diferença entre os índices.

Quando consideramos o PIB por ramos de atividade, verificamos que Serviços foi o setor que mais contribuiu para o resultado geral, participando com 55,76% dos R$ 73.951.000,00. Em segundo lugar vem a Agropecuária, com 39,91%, enquanto em terceiro lugar ficou a Indústria, com 4,31%, de acordo com o IBGE (2008). Apesar de a agropecuária empregar mais mão de obra do que os outros setores e, como mostrado, a produção agrícola ter sido expressiva em 2008, seus produtos, de pouco valor agregado, contribuem muito pouco em relação ao PIB, sendo uma das explicações para ela não ser a primeira em participação no valor total. E vale destacar também que, em Quinta do Sol, existem poucos setores industriais, pois, como mostra o IBGE (2008), só existia uma indústria do setor têxtil, artefatos e tecido e outra de produtos alimentícios. O que mais emprega é o primeiro, com 69 empregados, enquanto que, quanto ao segundo, não é informado o número de empregos gerados. O setor que mais emprega está dentro do de Serviços, que é a administração pública, com 207 empregados.

No município existem dois assentamentos da reforma agrária: o Roncador e o Marajó.

Assentamento Roncador

Localizado no município de Quinta do Sol, foi formado de 65 lotes.

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As famílias que ocuparam esses lotes eram provenientes dos municípios de Borrazópolis, Itambé, Floresta, Terra Boa, Foz do Iguaçu, Quinta do sol, Quedas do Iguaçu, Virmond, São João do Ivaí e de outros poucos municípios do Estado do Paraná.

Os produtores possuem em média 48 anos e 76% deles possuem apenas o 1° grau incompleto, representando uma população muito parcialmente escolarizada. A maioria das pessoas são casadas, de 88,0% destas, 12% vivem juntos e 12% são solteiras, prevalecendo uma população de homens (63%). São famílias (71%) que têm de dois a três filhos e a maioria mora na propriedade, mas bem dividida entre os que trabalham na propriedade e os que desenvolvem atividades na cidade. As mulheres (62%) desempenham grande participação nas atividades produtivas.

O assentamento mantém uma produção diversificada: vassoura, leite, soja, milho, feijão, mandioca, maracujá, abobora, manga, cana-de-açúcar e derivados (cachaça, rapadura e açúcar mascavo). Das 65 famílias, 24 são produtoras de leite e oito, de maracujá, (aproximadamente 3.700 pés de maracujás).

Assentamento Marajó

Localizados entre os municípios de Peabiru e Quinta do Sol, foi criado em novembro de 2000, sendo dividido entre 58 famílias, ficando 17 destas no território pertencente ao município de Peabiru e 41 no município de Quinta do Sol.

Os resultados do levantamento por meio das entrevistas demonstraram que a faixa etária dos moradores varia entre 19 a 59 anos. Das 58 famílias, 40 produtores têm o 1º grau completo. A maioria (88%) é de pessoas casadas, sendo que, destas, 22% vivem juntas sem casamento formal, prevalecendo uma população de homens (65%). A maioria absoluta das famílias tem filhos e a maioria destes moram e trabalham nas propriedades dos pais (64%). A participação das mulheres é grande nas atividades produtivas.

As atividades agropecuárias desenvolvidas são: feijão, milho, soja, mandioca, hortaliças, derivados de farinácea e pecuária leiteira. Na cultura da fruticultura existem quatro famílias que plantam um total de 200 pés de maracujá e 1.300 pés de uva. Outras quatro famílias iniciaram com 470 pés desta fruta e 400 pés de uva. As demais famílias possuem frutas para consumo familiar, comercializando o excedente na feira de Quinta do Sol e nas casas.

2.3 HISTÓRIA E CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO DE ENGENHEIRO BELTRÃO

A região de Engenheiro Beltrão teve sua ocupação iniciada em 1930. Porém, seu desenvolvimento só aconteceu depois de 1932, quando grande número de colonizadores, acompanhados de suas famílias, construíram seus ranchos e iniciaram pequenas lavouras e criação de suínos. Segundo dados de IPARDES (2008), esse município nasceu do desmembramento que houve com o de Peabirú em 26 de novembro de 1955. Possui uma área de aproximadamente 469.424 km², representando 0,23% da área total do Estado.

Quando analisamos os tipos de estabelecimentos agropecuários no município, vemos que a lavoura temporária é a predominante, tanto em termos de área, com 33.791 ha, quanto em número de estabelecimentos, com 576. A área representa 77,42% do total utilizado, enquanto os estabelecimentos significam 69,06%. Quando observamos a condição do produtor rural, o interessante é que apenas um estabelecimento não possuiu titulação definitiva, enquanto que, na condição de proprietário, o produtor é dono de 68,94% dos 834 estabelecimentos, segundo o IBGE (2006).

Engenheiro Beltrão é um município predominantemente agrícola, pois, como mostra o IBGE (2000), 2.839 pessoas estavam ocupadas na agricultura, silvicultura, pecuária, exploração vegetal e pesca. Por isso, na região se cultivam várias culturas e há vários tipos de rebanho. Na agricultura se produzem alimentos dos mais tradicionais, como a banana e a mandioca, até os mais modernos, como a soja e o milho.

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Atualmente, os mais produzidos são: milho, soja, cana-de-açúcar, feijão e café (em coco). A cana foi a lavoura que obteve o maior volume de produção, com 1.208.700 t. O milho foi a segunda cultura com o maior volume produzido, com 80.550 t. A soja veio em terceiro com 42.520 t produzidas; em quarto veio o café (em coco) com uma produção de 476 t; e em quinto veio o feijão, pois foram produzidos 460 t deste. Vale destacar o valor da produção obtido pela cana-de-açúcar, milho e soja, pois cada um foi, respectivamente, de: R$ 35.342.000,00, R$ 31.656.000,00 e R$ 25.583.000,00, segundo o IBGE (2009).

Como a pecuária é forte na região, notamos como a produção de origem animal é significativa, com destaque para o leite, ovos de galinha e mel de abelha. No primeiro, foram produzidos 2.450.000 L, já, para o segundo, obtiveram-se 62.000 dúzias, enquanto para o terceiro, conseguiram-se 650 kg, segundo o IBGE (2009).

Pegando os dados do IBGE (2010), vemos que a população de Engenheiro Beltrão é predominantemente urbana, sendo que, dos 13.920 habitantes pesquisados, 12.288 moram na cidade, enquanto o restante reside no campo. Só para confirmar isso, segundo o IBGE (2007), o grau de urbanização, que representa o percentual de residentes em áreas urbanas, atingiu 82,58% da população. Quando separamos por gênero, constatamos que homens e mulheres são a maioria na cidade, porém, ao compararmos o tipo de domicílio entre os dois, elas são em maior numero no meio urbano enquanto que os homens o são no meio rural.

O PIB do município, medido a preços correntes, foi de foi de R$ 226.153.000,00, enquanto a renda per capita foi de aproximadamente R$ 15.845, segundo dados do IBGE (2008), um pouco abaixo da brasileira, que em 2009 foi de R$ 16.414,00. Considerando o PIB por ramos de atividade, verificamos que a atividade que mais contribuiu para Engenheiro Beltrão foi Serviços, representando 59,67% dos R$ 209.931.000,00. Em segundo lugar veio a Agropecuária, participando com 24,57% do total, enquanto que em terceiro lugar veio a Indústria, contribuindo com 15,54%. Seu IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano do Município) foi de 0,762, segundo dados do PNUD (2000), acima do que foi registrado por Peabiru

e Quinta do Sol, mostrando ser Engenheiro Beltrão uma economia mais desenvolvida.

Um dado que mostra como a economia de Engenheiro Beltrão é mais desenvolvida que as demais é o fato de nele o número de indústria ser maior. Ao todo, elas geram 2.391 empregos, sendo que só a indústria de produtos alimentícios é responsável por 92,51% do total, como mostra o IBGE (2008).

2.4 HISTÓRIA E CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO DE NOVA TEBAS – DISTRITO

POEMA

O município de Nova Tebas nasceu depois de se desmembrar do de Pitanga em 01 de janeiro de 1989, segundo o IPARDES (2008). A campanha de sua criação começou no início da década de 1970, pelo Padre Antonio Holler, mas ela só foi atingir seu ápice e premiar a persistência dos seus abnegados em 1986, quando em um abaixo assinado, de iniciativa de Donato Esser, que representava a Câmara de Vereadores de Pitanga, e que continha mais de 5.000 assinaturas, foi apresentado à Assembleia Legislativa do Estado, inicialmente pelo Deputado Trajano Bastos. Acabou sendo aprovado naquela casa e, com a sanção do Governador Álvaro Dias, estava criado o município de Nova Tebas.

Nova Tebas possui uma área de aproximadamente 544.187 km², representando 0,2730% do território paranaense. Sua população é de aproximadamente 7.389 pessoas, segundo o último Censo do IBGE (2010). Destas, 2.891 moram na cidade, enquanto que 4.498 residem no campo. Separando os habitantes por gênero, os homens são em maior número, tanto na cidade quanto no campo, ao contrário do que ocorreu nos outros municípios. O município é predominantemente rural, uma vez que, segundo último dado do IBGE (2007), o grau de urbanização atingiu apenas 37,55% da população.

Nova Tebas é um município onde a pecuária é muito forte, pois,

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dos 51.784 ha, os produtores destinam 64,02% da área para criação de animais, com um total de 834 estabelecimentos. A principal condição do produtor é o de proprietário da terra, com 47.560 ha dos 51.784 ha, enquanto a área em que o agricultor não tem titulação definitiva é de 120 ha, representando apenas 0,2317% do total, segundo dados do IBGE (2006).

O município possui maior variedade de culturas produzidas por seus agricultores. Além das já citadas, como: milho, soja, uva, café, mandioca, laranja, maracujá, batata doce, banana, alho, amendoim, arroz, cana-de-açúcar, feijão e figo, também são produzidos: tomate, ervilha, maracujá, goiaba, manga, melancia, cebola e fumo. No ano de 2009 as culturas mais produzidas foram a soja, milho, trigo, cana-de-açúcar e mandioca. O milho foi a cultura que obteve o maior volume de produção, com 12.160 t. Em segundo lugar veio o trigo, com uma produção estimada de 11.000 t. A soja foi a terceira cultura em produção, com 8.990 t. O quarto destaque ficou com a cana-de-açúcar, pois se produziram 2.500 t em uma área de 50 ha, e o quinto e último destaque coube à mandioca, com uma produção de 2.310 t, segundo o IBGE (2009).

Como afirmamos anteriormente, Nova Tebas possui uma pecuária muito forte e uma variedade de rebanhos muito grande, mas os que se destacam são: galináceos (galinhas, galos, frangos e pintos), bovinos, suínos e o de vacas ordenhadas. Porém, os principais produtos de origem animal produzidos no município são o leite, casulo do bicho-da-seda, mel de abelha e lã, com uma produção estimada de: 9.360.000 L, 10.350 kg, 8.500 kg e 550 kg, respectivamente, no ano, como mostrado pelo IBGE (2009).

Tamanha é a importância agropecuária para o município, que, de acordo com o IBGE (2000), 2.465 pessoas praticavam a agricultura, silvicultura, pecuária, exploração vegetal e pesca, enquanto a segunda atividade a mais gerar emprego era a de comércio, reparação de veículos automotivos, com cerca de 214 pessoas.

O produto per capita do município, segundo dados do IBGE (2008), foi de R$ 6.859,00, enquanto que o PIB, medido a preços correntes, ficou

em R$ 57.626.000,00. Isso mostra porque seu IDH-M de 0,689, publicado pelo PNUD (2000), ser mais baixo do que os dos outros municípios da região, como, por exemplo, Engenheiro Beltrão, Peabiru e Quinta do Sol.

Considerando o PIB segundo os ramos de atividade, vemos que a atividade que mais contribuiu com a renda do município foi a de Serviços, representando 51,66% dos R$ 55.574.000,00 totais. Em segundo lugar veio a atividade Agropecuária, representando 42,18%, e, em terceiro, veio a Indústria, contribuindo com apenas 6,15%. Vale frisar que o setor Industrial de Nova Tebas emprega pouca mão de obra, sendo a atividade que mais contrata a indústria de transformação, com apenas 95 empregados, como mostra o IBGE (2008).

A agricultura familiar é predominante na região e a principal atividade econômica é a agropecuária. Por ser uma região de topografia montanhosa, a grande agricultura e a mecanizada não se desenvolveram nessa região. Nesse sentido, é apropriada para a produção de orgânicos. Em 2006, um grupo de famílias decidiu se unir, uma vez que os moradores do distrito estavam em constante migração para as grandes cidades, principalmente o Estado de São Paulo. Assim, tiveram a ideia de cultivar o maracujá azedo, pelo clima, relevo e ausência de grandes plantações de soja na região, uma vez que o terreno é ondulado. Para melhorar a situação econômica e familiar que estava precária, a alternativa foi pelo plantio do maracujá orgânico, que se deveu a quatro fatores importantes:

1° - melhorar a qualidade de vida do produtor e consumidor;2°- iniciar um trabalho de conscientização da população sobre a

preservação do meio ambiente;3° - melhorar o preço do produto;4° - fazer de seu município uma região orgânica2.

Atualmente, as famílias estão organizadas em uma cooperativa, a qual facilita a produção e comercialização de maracujás. O número de produtores aumentou de 11, por época da reunião, para quase 100 famílias 2 Segundo entrevista realizada por um técnico da Incubadora (Marcos A. Queiroz) com um produtor local, em setembro/2007.

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produtoras dessa frutífera orgânica. A Cooperatvama (Cooperativa dos Agricultores das Comunidades 300 Alqueires, Vila Rural, Água dos Martas, 1.000 Alqueires e Alvorada) nasceu em 2008, da iniciativa de um grupo de 52 produtores, com baixo grau de instrução. Inicialmente os produtores que se dedicavam à produção do maracujá orgânico tinham muitas dificuldades com o plantio/manejo, controle de pragas e doenças nos maracujazeiros e na comercialização.

A comercialização está sendo realizada através do “Venda Direta do Produtor” no Programa de Aquisição de Alimento (PAA) com distribuição simultânea junto ao Banco de Alimento (CEASA-PR) e Mesa Brasil (SESC), com parcerias de prefeituras municipais. A Incubadora/UEM tem papel importante na elaboração do projeto enviado aos órgãos competentes, organização e acompanhamento dos produtores na busca de preços adequados e de novos mercados.

2.5 METODOLOGIA PARTICIPATIVA

Considerações sobre extensão rural no Brasil

O modelo produtivo agropecuário adotado no Brasil a partir da década de 1960 foi implantado em uma ação conjunta e organizado pelo tripé: ensino, pesquisa e extensão. Isto é, universidades, órgãos de pesquisa e de extensão rural foram os responsáveis pela introdução dos pacotes tecnológicos voltados para a utilização intensiva de insumos e máquinas, com o objetivo do aumento da produtividade.

A extensão rural no Brasil nasceu sob o comando do capital, com forte influência norte-americana e visava superar o atraso na agricultura. Para tanto, havia a necessidade de se “educar” o povo rural, para que ele passasse a adquirir equipamentos e insumos industrializados necessários à modernização de sua atividade agropecuária, pois, com isso, ele passaria do atraso para a “modernidade”. O modelo serviria para que o homem rural entrasse na dinâmica da sociedade de mercado, produzindo mais, com melhor qualidade e maior rendimento.

Um modelo “tecnicista”, isto é, com estratégias de desenvolvimento e intervenção que levam em conta apenas os aspectos técnicos da produção, sem observar as questões culturais, sociais ou ambientais. Com raízes “difusionistas”, pois visava apenas divulgar, impor ou estender um conceito, sem levar em conta as experiências e os objetivos das pessoas atendidas.

Fases da extensão rural no Brasil

A primeira fase, denominada “humanismo assistencialista”, prevaleceu desde 1948 até o início da década de 1960. Nela, os objetivos do extensionista eram o de aumentar a produtividade agrícola e, consequentemente, melhorar o bem-estar das famílias rurais com crescimento da renda e diminuição da mão de obra necessária para se produzir. Em geral, as equipes locais eram formadas por um extensionista da área agrícola e um da área de Economia Doméstica.

Apesar de levar em conta os aspectos humanos, os métodos dos extensionistas nessa época também eram marcados por ações paternalistas. Isto é, não “problematizavam” com os agricultores, apenas procuravam induzir mudanças de comportamento por meio de metodologias preestabelecidas, as quais não favoreciam o florescimento da consciência crítica nos indivíduos, atendendo apenas as suas necessidades imediatas.

A segunda fase, que orientou as ações dos extensionistas no período de abundância de crédito agrícola subsidiado (1964 a 1980), era denominada de “difusionismo produtivista”, baseando-se na aquisição, por parte dos produtores, de um pacote tecnológico modernizante, com uso intensivo de capital (máquinas e insumos industrializados). A extensão rural servia como instrumento para a introdução do homem do campo na dinâmica da economia de mercado. A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) visava ao aumento da produtividade e à mudança da mentalidade dos produtores, do “tradicional” para o “moderno”.

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A extensão era um empreendimento que buscava persuadir os produtores, para que estes adotassem as novas tecnologias. Seus conhecimentos empíricos não interessavam, bem como suas reais necessidades não eram levadas em conta. A extensão assumiu um caráter tutorial e paternalista.

Foi durante esse período que surgiu a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) e houve grande expansão do serviço de extensão rural no país. Para se ter uma ideia, em 1960 apenas 10% dos municípios no Brasil contavam com esse serviço e em 1980 a extensão rural chegou a 77,7%. Entretanto, como o papel dos extensionistas era condicionado pela existência do crédito agrícola, os pequenos agricultores familiares que não tiveram acesso ao crédito também ficaram à margem do serviço de extensão rural.

Do início dos anos 1980 até os dias atuais, principalmente pelo término do crédito agrícola subsidiado, iniciou-se no país uma nova proposta de extensão rural, que preconizava a construção de uma “consciência crítica” nos extensionistas. O “planejamento participativo” era um instrumento de ligação entre os assessores e os produtores, com bases na pedagogia da libertação desenvolvida por Paulo Freire. Essa fase foi denominada de “humanismo crítico”.

Seus defensores afirmam que as metodologias de intervenção rural devem pautar-se por princípios participativos, que levem em conta os aspectos culturais do público alvo. A grande diferença de orientação entre as metodologias de extensão, na era do “difusionismo produtivista” e na do “humanismo crítico”, é a questão da participação ativa dos agricultores.

Porém, apesar de haver uma orientação para seguir princípios participativos, a maioria das empresas continua com a mesma regra básica: “incluir” o pequeno agricultor familiar na lógica do mercado, torná-lo cada vez mais dependente dos insumos industrializados, subordinando-o ao capital industrial.

O desafio dos órgãos de pesquisa, universidades e movimentos sociais é o de criar estratégias para colocar em prática metodologias

participativas, que incluam os agricultores familiares, desde a concepção até a aplicação das tecnologias, transformando-os em agentes no processo, valorizando seus conhecimentos e respeitando seus anseios.

A Embrapa vem conduzindo atividades de pesquisa e transferência de tecnologia, utilizando metodologias dialógicas, que valorizam a experiência e respeitam os objetivos do produtor rural, promovendo a soma de conhecimentos pesquisador-agricultor, estimulando os trabalhos em grupo e o associativismo para, dessa forma, potencializar o processo participativo.

Processos educativos geram conhecimentos e são relevantes para todos os seres humanos. Nesse sentido, Culti (2006) afirmou que a educação é instrumento de base, tanto aquela do ‘vivendo e aprendendo’ como aquela organizada em locais determinados e com instrumentos e processos pedagógicos específicos que, por sua vez, por estarem imersos no tecido social, não são neutros. Com isso a autora quer dizer que os conhecimentos são produzidos pelos próprios seres humanos e que esta relação com o mundo não é individual e imutável, mas coletiva, social, ou seja, conhecimento é uma construção histórica, social e cultural.

Pensando a educação com o trabalho de extensão, podemos afirmar em síntese, segundo Melo Neto (2004), que a extensão está adquirindo as dimensões filosóficas e educativa, intrínsecas à categoria trabalho, pertencendo às instâncias fundamentais na vida da sociedade. O autor também salienta que, pela educação, em seu sentido mais amplo, garante-se a preservação dos conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações em um processo de acumulação, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade, mantendo-se a sobrevivência da espécie. Portanto, o trabalho torna-se um fator de criatividade do humano. Nesse processo de criatividade, há necessidade de que a práxis extensionista seja baseada em metodologias que assegurem a participação dos beneficiários em todas as suas fases.

No âmbito de uma miríade de metodologias se encontra o DRP (Diagnóstico Rápido/Rural Participativo). De acordo com Verdejo (2006),

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esse Diagnóstico consiste em um conjunto de técnicas e ferramentas que permitem que as comunidades façam a sua própria descrição e, a partir daí, comecem a autogerenciar o seu planejamento e desenvolvimento. Dessa maneira, os participantes poderão compartilhar experiências e analisar os seus conhecimentos, a fim de melhorar as suas habilidades de planejamento e ação. Embora originariamente tenham sido concebidas para zonas rurais, muitas das técnicas do DRP podem ser empregadas igualmente em comunidades urbanas. O procedimento metodológico leva em consideração as questões ambientais, sociais, econômicas, políticas e culturais da comunidade rural, visando ao desenvolvimento local. O DRP pretende desenvolver processos de pesquisa a partir das condições e possibilidades dos participantes, baseando-se nos seus próprios conceitos e critérios de explicação. O objetivo dessa metodologia é acentuar o processo de intercâmbio de aprendizagem entre os agentes externos (técnicos, professores e acadêmicos) e os membros da comunidade na qual se realiza o diagnóstico participativo. Devemos salientar que o DRP valoriza o conhecimento comum sobre as condições locais, tornando-se o ponto de partida para conduzir à implementação e execução dos projetos nesses locais. O DRP preconiza a autodeterminação da comunidade pela participação, para, assim, fomentar um desenvolvimento sustentável. Lembrando que Freire (1983) já discutia a comunicação e extensão, a ação da extensão da agronomia junto aos camponeses e fazia importantes reflexões sobre o diálogo e a postura que os acadêmicos deveriam adotar e vivenciar na sua prática, assim define a dialogicidade: os profissionais que pretendem levar o saber até o homem do campo devem agir e refletir, dialogar, construindo seu conhecimento, combatendo a imposição de conteúdos e ajustando coletivamente a compreensão dialética do conhecimento problematizado, por novas vias de esclarecimento. Devem buscar fazer reflexão acerca do homem e suas relações (faz parte da busca dessa comunicação coletiva); com atitude crítica: saírem de meros objetos de sua ação, da mente formada pela

sociedade, alienada, sem conhecimento a sua volta, sendo fantoches, querendo um diálogo e reflexão, conhecimento e desenvolvimento coletivos; fazer interação com a realidade que cada um sente, percebe e sobre a qual exerce uma prática transformadora.

No desenvolvimento da aprendizagem das técnicas, o profissional exerce papel fundamental, pois é ele que será o inovador que construirá, junto aos camponeses, a atividade e a melhor forma de se utilizar ou fazer tal atividade, pois é o agente de ação, juntamente com os produtores.

A “extensão” tem usado uma linguagem técnica e “fala difícil” com os camponeses, dificultando o entendimento destes, leva conhecimento que alguém lhes transferira, não analisa caso por caso, mas, sim, de forma genérica. Como cada propriedade tem suas formas e ideias diferentes de produção e trabalho, a extensão usa intensamente a propaganda como forte influência na vida dos camponeses.

O termo “extensão”, para Freire (1983), deveria ser “comunicação”, uma forma diferente da extensão, pois, nessa forma, devemos sempre ampliar o conhecimento camponês/técnico e técnico/camponês, sendo que quem transmite o conhecimento precisa admitir que sabe parte deste e quem recebe também está de posse de outra parte do conhecimento. Dessa forma, em conjunto vão em busca da transmissão do saber, construindo juntos o sucesso esperado. Freire analisa cada propriedade - cada caso um caso - o conhecimento do camponês, o interesse de cada um, falando em uma linguagem de fácil entendimento, uma Educação Libertadora.

Essa forma de Educação Libertadora é a que se propõe contribuir para a libertação das classes dominadas, pois não há práxis autêntica fora da unidade dialética da ação-reflexão, da prática-teoria, da tomada de consciência. É uma educação que foge dos moldes de acomodação, na qual se busca intrigar, desafiar, incomodar, agir de modo desafiador, perturbador diante da estrutura sócio-econômica e cultural da sociedade de privilégios que vê o eu somente e não consegue atender em sua plenitude, por assumir uma fantasia do real descomprometimento com a vida, à pessoa e à dignidade humana, e a educação libertadora vai de

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encontro a que o indivíduo busque esse comprometimento com a vida, esse envolvimento com reflexões e críticas.

O profissional educador tem a função de perguntar, dialogar, ouvir as pessoas, ensinar a argumentar, abrindo espaços para estas expressarem seus sentimentos, desejos, de modo que tragam sua realidade vivida. Assim, os profissionais das ciências agrárias, formados hoje, devem ser “agentes de mudança” principalmente junto à agricultura familiar.

Levando em conta esses princípios, a Incubadora/UEM, com base na práxis, desenvolveu o seu processo de incubação na medida em que atendia aos trabalhadores, tanto do meio urbano como do rural, na organização coletiva e constituição de seus empreendimentos econômicos.

Processo de incubação como processo educativo e de extensão

As Incubadoras universitárias de Empreendimentos Econômicos Solidários trabalham para atender aos trabalhadores nos ideais da economia solidária. Esta economia, segundo Culti (2006, p. 20),

[...] tem em comum a idéia da solidariedade em contraste com o individualismo competitivo que caracteriza a sociedade capitalista. Fazem parte dela os empreendimentos urbanos e rurais, baseados na livre associação, no trabalho cooperativo e na autogestão. São organizações de produtores, consumidores e de créditos que se diferenciam por estimular e praticar a solidariedade entre os membros e a autogestão de seus empreendimentos. A cooperativa é a forma clássica de um empreendimento da economia solidária e a ela também se aplicam as regras da autogestão. A economia solidária vem se transformando em um eficiente mecanismo gerador de trabalho e renda.

O envolvimento das universidades tem sido importante na construção e apoio às iniciativas da economia solidária, em vista da

sua capacidade de pesquisa, extensão e transferência de tecnologia e, portanto, na elaboração teórica e atividades práticas executadas por meio das ações desenvolvidas nas Incubadoras Universitárias, com envolvimento de professores, pesquisadores, técnicos e acadêmicos. As Incubadoras atendem a uma demanda crescente de trabalhadores que buscam formar, pela via do coletivo, empreendimentos econômicos solidários.

As incubadoras auxiliam na prática, a organizar, formar/orientar, acompanhar sistematicamente ou oferecer assessorias pontuais e procuram qualificar tecnicamente e administrativamente as pessoas interessadas em formar seus empreendimentos econômicos solidários. Por meio de processo educativo, orientado na participação e no diálogo, instrui quanto: à organização do trabalho, aos aspectos da autogestão, de ordem jurídica, contábil, financeira e outros aportes necessários. Tem, portanto, como principal objetivo, promover a geração e consolidação dos empreendimentos de autogestão e transferir a eles tecnologias. (CULTI, 2009: p. 20).

Nesse sentido, a Incubadora/UEM, para realizar o seu trabalho de atendimento aos trabalhadores, desenvolve um processo de incubação que é prático educativo, tendo em vista a necessidade de orientar na organização coletiva e formalização dos empreendimentos. Esse processo, segundo Culti (2009, p. 21), precisa ser eminentemente participativo e dialógico e aquele que “valoriza o saber acumulado das pessoas e do grupo com vistas à inclusão social e econômica”. Além disso, procura “unir `saber popular` a `saber científico` numa tentativa de transformação da prática cotidiana inter-relacionando as atividades de ensino, pesquisa e extensão”. Ainda, segundo essa autora, a incubação é “um processo educativo que modifica as circunstâncias, os homens e as mulheres na sua maneira de ser e agir” e é um “processo de construção e reconstrução de conhecimentos para os atores envolvidos em vários aspectos”. Portanto, é com essa orientação pedagógica, que procura

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transformar os conteúdos e alterar as condutas, que a Incubadora desenvolve seu trabalho com os grupos atendidos.

Parcerias na execução do processo

Para que o processo de incubação seja reforçado na sua ação externa, a universidade articula-se com instituições que se tornam parceiras no trabalho, oferecendo diversos tipos de apoio. São parceiras mais comuns as Prefeituras, Fundações, Emater, Associações de agricultores, entre outros órgãos públicos e privados. Dentro da própria Universidade se articula entre os Programas, Institutos e Projetos existentes que possam atuar mutuamente.

No caso da Incubadora/UEM, no trabalho com os grupos/empreendimentos rurais localizados nos municípios acima indicados, são parceiras externas as Prefeituras de cada município, as Ematers e a Fundação Terra/INCRA. Os internos são os Programas que desenvolvem atividades na área agronômica, voltados para a agro-ecologia e zootécnica, além da equipe multidisciplinar da Incubadora, composta pelos professores, alunos e técnicos contratados por projetos. Assim, o processo de educação e transferência mútua de conhecimentos na incubadora se dá de forma continuada.

O conhecimento da realidade da agricultura familiar no Estado, que capacita os acadêmicos pela experiência nas atividades de campo, contribui para o desenvolvimento desses municípios. Notamos que as ações específicas de intervenção interagem entre si. O conhecimento universitário se solidifica e a realidade da agricultura familiar e dos municípios pobres se modifica também.

A relevância do trabalho da Incubadora, neste caso, reside no atendimento a uma população rural, por vezes excluída do mercado e das políticas públicas. Com seu caráter multidisciplinar/Interdisciplinar, engloba a formação de recursos humanos para o cooperativismo, associativismo de autogestão e metodologias participativas, buscando, além do caráter de sustentabilidade econômica dessas famílias, melhorar

a qualidade de vida por meio da educação, propiciando que as pessoas se conscientizem e se convertam em agentes de mudança do meio em que vivem.

Essas formações propõem o desenvolvimento do indivíduo, buscando ir além dos conhecimentos técnicos, proporcionando ao trabalhador rural também conhecer as suas potencialidades, habilidades e seus valores, restabelecendo, assim, a sua dignidade e transformando-o em agente de mudanças para buscar em comunidade uma qualidade de vida melhor, deixando de participar com as fileiras dos excluídos. É o saber ensinado, na universidade, de várias áreas do conhecimento e que é disseminado de forma participativa por meio da extensão e também recebe outros saberes populares. Dessa forma, são todos parceiros em um mesmo processo.

Equipe de trabalho

Na composição e recomposição da equipe da Incubadora, em vista principalmente da rotatividade dos alunos que se formam e dos profissionais já graduados que trabalham como técnicos contratados em projetos, é necessário fazer edital de chamada para o processo seletivo dentro da Universidade, que é publicado para a comunidade acadêmica e a externa. Realiza-se o processo seletivo que depois é seguido de reuniões com os professores para a busca de profissionais e técnicos já formados e que possam ser contratados por projetos que têm financiamento com verbas específicas para essas contratações. São convocados os interessados nessa ótica de trabalho, que passam por provas, entrevistas e são classificados aqueles que demonstram afinidades com o ideal do trabalho, senso de coletividade, capacidade de trabalho em equipe, conhecimento técnico, portadores de desejos de melhora da sociedade.

Após a seleção, recebem orientações e treinamentos por meio de oficinas e pequenos cursos sobre economia solidária, cooperativismo/associativismo e outros temas conforme a necessidade do momento,

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bem como, sobre os objetivos e as divisões das tarefas concretas de acordo com o planejamento discutido de forma coletiva na equipe. Cada pessoa da equipe fica responsável por executar tarefas que estejam relacionadas com sua área de formação, interagindo com as demais em um processo dialógico e participativo. Os profissionais, sob a orientação dos professores, terão a incumbência de colocar em prática os objetivos dos trabalhos e fazer o acompanhamento e execução junto com os acadêmicos no atendimento aos beneficiários.

Para o encaminhamento das ações é preciso realizar várias tarefas organizadas internamente na Incubadora até se chegar às localidades onde se encontram os beneficiários. As tarefas burocráticas são: pedido de carro, pois esta tarefa está relacionada ao sistema de transporte da Universidade que muitas vezes não pode atender no mesmo ritmo de trabalho de que a equipe e os grupos envolvidos têm necessidade. Portanto, ter carros à disposição é fator importante, pois é preciso estar atento às demandas, às idas a campo, quais as propostas da viagem, quantas pessoas, dia, horário, se o público que irá receber tem agenda, se o momento é adequado, observar o clima na internet etc., sendo necessária uma pessoa responsável por esta tarefa.

Na equipe da Incubadora os temas tratados de forma recorrente sempre abrangem questões que envolvem as relações humanas, conhecimento da população em que os orientadores estão inseridos, formas de abordagem e relacionamento, diálogo acessível com decodificação de termos técnicos e acadêmicos, entre outros. Os aspectos técnicos são discutidos de forma contínua e com todo o grupo, buscando-se integração. Quando há novos indivíduos integrando a equipe, os temas são novamente apresentados. Fazem-se planejamento, execução junto à população, realizam-se a avaliação e novamente o planejamento. Esse método pedagógico praticado consiste de um processo de construção dialógica e participativo entre a equipe orientadora e os trabalhadores beneficiários e que procura respeitar os limites e tempo de aprendizagem dos envolvidos no processo, visando à união e troca dos saberes acadêmicos e dos saberes populares, à compreensão do funcionamento

do conjunto do empreendimento e da base técnica produtiva (visão de totalidade integrada) e ao estímulo à formação da identidade de grupo.

Portanto, o procedimento metodológico de formação da equipe congrega o assessoramento e o acompanhamento sistemático das atividades práticas para a geração de trabalho e renda e para a melhoria nas relações interpessoais, além de debates esclarecedores sobre as relações de trabalho tradicional e trabalho coletivo/cooperativo, bem como de desenvolvimento da cidadania, com o fim de promover a adoção da autogestão com inserção eficiente e ativa nos empreendimentos no mercado e avanço no aspecto técnico da produção, gerando com isso a sobrevivência dos produtores, por meio de empreendimentos solidários, propiciando, portanto, renda e melhoria da qualidade de vida.

2.6 ENTRAVES E DIFICULDADES NO PROCESSO DE INCUBAÇÃO

Nesse processo, em que se trabalha com a interdisciplinariedade e pretende-se discutir a transdisciplinariedade e educação continuada, muitas ciências estão envolvidas, mas o entrelaçamento entre estas não ocorre de forma satisfatória. As ciências têm sido construídas dentro do conceito cartesiano, segundo o qual, elas desenvolvem, aprofundam, pesquisam seus conceitos e práticas, sendo, portanto, diferentes de práticas interdisciplinares e continuadas, em que as ciências devem se entrelaçar de forma contínua e atuar na realidade e na qual a própria prática vai apontando novas ações. Nas universidades essa prática de extensão, que envolve diversas ciências com a pretensão de ser continuada, ainda é insipiente, com pouco saber acumulado. Os professores são responsáveis por muitas outras atividades, com tempo limitado para serem usados nessas práticas extensionistas que exigem dedicação de muitas horas de trabalho, disposição e energia. Além disso, as atividades de extensão não são valorizadas acadêmicamente quando comparadas à pesquisa, dificultando o envolvimento de maior número de professores nas ações. Portanto, essas atividades ainda carecem

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de apoio para ser um setor suficientemente estruturado para atender à prática de extensão, que exige finanças, transporte, pessoal permanente e pesquisas adequadas e, sobretudo, maior envolvimento de todos os sujeitos institucionais.

Também há dificuldades pela elitização dos cursos superiores em relação ao público atendido, pois as áreas de pesquisa e desenvolvimento geralmente estão voltadas para as grandes propriedades, especialmente aqueles cursos voltados para a área rural, como o de agronegócios. Esta é uma visão limitada e uma atuação distorcida da realidade, uma vez que, como os dados do IBGE (2006) demonstram, a agricultura familiar é tão importante quanto à não-familiar. Como exemplos, podemos citar a agronomia, cujas principais áreas de pesquisa são a produção de soja, milho e algodão em larga escala e não condizentes com o sistema produtivo familiar. A mesma relação é possível ser observada na zootecnia em que as principais áreas de pesquisa são a bovinocultura de corte e a leiteira de alta produtividade.

Observamos, também, na prática das ações desenvolvidas com os grupos atendidos pela Incubadora, a exclusão das políticas públicas. A população da agricultura familiar convive com as distâncias aliadas às estradas mal conservadas até os centros urbanos. Dessa problemática advém historicamente a falta de acesso a serviços públicos, à saúde e o alcance à educação é precário, pois os transportes (ônibus) buscam as crianças no meio rural só em dias em que não chove. No caso dos assentamentos rurais da reforma agrária, alguns jovens estudam em escolas mantidas pelo MST e essas instituições incentivam o trabalho e a vida no campo, mas ainda para poucos.

Os assentamentos obtêm o benefício da moradia. No caso daqueles atendidos pela equipe da Incubadora, se constatou que, no início, os assentados foram construindo suas casas com recursos próprios e, hoje, recebem incentivos para a melhoria destas, desde que tenham a documentação pessoal e a da terra legalizadas.

A presença da Universidade, por meio da atuação da Incubadora, enquanto agente que estaria sendo facilitador ao acesso de políticas

públicas através do Programa “Universidade Sem Fronteiras” do governo do Estado do Paraná e do Programa Nacional de Apoio às Incubadoras Universitárias (PRONIC) do Governo Federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), ao se inserir nesse contexto, tem convivido com as mesmas dificuldades primárias: chegar até a população pela precariedade das estradas, chuvas, buracos, cascalhos mal conservados, falta de transporte adequado, de meios de comunicação que cheguem até a população atendida, fatores que limitam muitas das ações, gastos acima do previstos nos programas, entre outros.

Vencendo as burocracias

Nas idas a campo, a equipe da Incubadora depende do como se encontra a situação da garagem com relação ao agendamento dos carros, da Universidade ou os carros que servem ao Programa “Universidade Sem Fronteiras” a que a Incubadora pode ter acesso. Esta tem um carro próprio, mas o gargalo é a falta de motoristas para atender a tantas ações externas, visto que só professores ou servidores autorizados podem dirigir os veículos para as idas até onde estão os pequenos agricultores, sujeitos de nossa ação. Além disso, há falta de carros que se adaptam às condições do meio rural. A burocracia da UEM é demorada, pois é preciso formalizar as solicitações, colher assinaturas e sincronizar as agendas com a dos participantes da equipe interna e com a dos parceiros e beneficiários. Há o preparo de material para as reuniões, distribuições adequadas das tarefas no espaço/tempo e, quando as condições climáticas não permitem a realização do evento, agenda-se nova data, segue-se então novamente a mesma burocracia. Nos locais onde estão os produtores, muitas vezes, deve haver improvisações, modificar as estratégias, realizar reuniões debaixo de árvores, improvisar assentos e metodologias.

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As diversidades da cultura camponesa e os acordos simbólicos

Ao longo do tempo essa população desenvolveu uma cultura própria, que foi se estabelecendo, oriunda das mais variadas origens, consideradas populações tradicionais, tais como, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, seringueiros, pantaneiros, roceiros, sertanejos, camponeses e várias outras. Essas populações buscam reinserção econômica, social, política e até tecnológica, pela sua reafirmação, redefinição e atualização de seus modos de vida e construção de alternativas.

Dentre essa diversidade, a agricultura familiar tem sua representatividade valorizada pelas formas de atuações e manifestações, construídas pela sua história, com características próprias como o fato de a família ser proprietária dos meios de produção, o trabalho na terra, modalidades de produção e manifestações de valores e tradições (patrimônio sociocultural).

Tais sujeitos sociais são indivíduos envolvidos em ações coletivas de construção do “mundo da vida” no meio rural, que compreendem a realidade em sua individualidade e como atores sociais, no caso dos participantes de movimentos sociais, que dão a medida da democracia e a natureza do desenvolvimento da sociedade em que aqueles estão inseridos.

Quando a equipe da Incubadora opera com a metodologia de ações participativas e tenta conhecer a realidade de perto (apesar de pesquisas realizadas), observamos que a essência do conhecimento é individual e às vezes o coletivo não é conhecido. São necessários mais tempo, mais informação, envolvimento e educação no meio rural, para atendimento às suas necessidades e para que se possam interiorizar novos conhecimentos.

Por meio do levantamento e dos diálogos com os produtores, compilamos muitos dados que nortearam nossas ações. Muitas foram as idas e vindas às localidades, conversando com as famílias, algumas conversas compridas, bastante amistosas, alegres e cheias de

receptividades, com cafezinhos, bolos, almoços e chimarrões.Outras famílias mais desconfiadas, em alerta, nos mostraram

cansaço de tantos projetos frustrados de intervenção que não deixaram respostas e nem subsídios para que outros pudessem realizar uma continuidade. Observamos que aqueles falharam, pois as respostas nunca voltaram aos pequenos agricultores. Esses comportamentos demonstram uma canseira histórica, uma forma de viver isolada que constrói uma cultura própria que não se entrelaça com as ofertas apresentadas pelos que vêm de fora, há falta de comunicação de mundos, na linguagem, seja ela oral, corporal, artística, tecnológica, com muitas arestas a serem aparadas. É preciso tempo e disposição de ambos os lados para ouvir, para traduzir e, assim, ir construindo no processo dialógico um novo saber e poder, realmente trabalhando com as técnicas desenvolvidas no âmbito das instituições que acumulam saberes científicos.

Em todo desenvolvimento das ações junto aos produtores familiares dos municípios citados e em outros trabalhos da Incubadora, levamos em consideração os relatos que nos aportam insatisfação do público atendido e a falta de esperança de que algo possa realmente ser construído - o mundo simbólico: as esperanças; o medo do novo; a falta de conhecimento, pelas experiências anteriores sem êxitos; as desconfianças em relação às instituições envolvidas, Prefeituras, Emater, Fundação Terra, Universidade, semelhanças a outras cooperativas da região às quais não têm acesso; o receio da pouca instrução. Assim, por não se apoderar do processo e ser enganado nas negociações, o grupo desiste pela fragilidade. Interesses adversos também podem desestruturar o grupo e a falta de comunicação. Portanto, muitas são as etapas a serem vencidas nesse processo. A equipe envolvida com os atendidos, para lhes amenizar e tentar romper o distanciamento e o medo, precisa estar em contato constante, senão com todos, o que é quase impossível, pelo menos com as lideranças ou comissões de produtores quando indicadas por eles. Há vários caminhos para isso: fazer ligações telefônicas, ir às localidades e propriedades, informando os próximos passos ou as dificuldades encontradas e outras atividades que possam

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envolvê-los, como festas, viagens e outros projetos. Faz-nos necessário manter esse fio, essa teia invisível carregada

de afetos, de símbolos e ficar sempre atentos às informações reais e subliminares que são trazidas nos discursos, nem sempre claros e conscientes. A equipe precisa cuidar para traduzir e transmitir falas, comunicações que colaborem no sentido da integração do grupo, fazendo o possível para que as desagregadoras se percam e diminuam as suas forças. Para facilitar essa relação e torná-la mais presente, foi-nos necessário fazer algumas parcerias entre a equipe e algumas pessoas das localidades, que fizeram acordos simbólicos, em que o principal fator é a identificação e a confiança, ‘acordo de alma’, acordos que não podem ser maculados sob hipótese nenhuma, pois, se isso ocorrer, corremos sérios riscos de as ações não obterem êxito. Não pode a Universidade, por meio das ações da Incubadora ou outros projetos, frustrar a comunidade, sob pena de ela não mais ter crédito para continuar atuando com esta.

2.7 AS AÇÕES PLANEJADAS E OS RESULTADOS ALCANÇADOS

Nesta parte vamos focar mais o processo de incubação e relacionamento com os produtores por meio do encaminhamento de algumas das ações planejadas. A demanda pelo atendimento partiu dos próprios produtores por meio de uma produtora familiar da região de Poema e de um agrônomo que trabalha atendendo aos assentamentos, pela Fundação Terra/Emater.

Uma das ações planejadas pela equipe da Incubadora com os produtores familiares consistiu em oferecer condições para melhor estruturar a produção leiteira e acompanhar as unidades produtivas atendidas nos municípios citados.

Inicialmente foi realizada uma reunião em cada município onde estão os assentamentos e uma em Poema para a equipe da Incubadora se apresentar, conhecer os demais produtores e discutir com eles as suas necessidades e ações que foram propostas com seus representantes,

visando abrir um planejamento conjunto das ações. Na sequência também foram feitas reuniões da equipe com os Prefeitos e/ou seus Secretários, Emater e Fundação Terra e representantes dos produtores, com os mesmos objetivos e também para firmar parcerias.

Na continuidade, a equipe entendeu ser necessário fazer um grande levantamento (pesquisa) em cada propriedade, dialogando com cada produtor na busca de informações reais e mais precisas das condições sociais e produtivas das famílias. Esse trabalho também teve o objetivo de estreitar a aproximação com cada produtor, fator importante para o desenvolvimento das ações. Além dos dados quantitativos que foram formando um banco de dados, a equipe foi descobrindo e redescobrindo muitas coisas, tais como a desconfiança característica do produtor rural que vive com pouca informação, comunicação e a procura por se proteger do “forasteiro” (equipe da Incubadora) que se aproxima com “boas” propostas e outros. No outro extremo, mostrou-se muito mais acessível para receber a equipe, como também, o grau de politização e a existência de pequenos grupos de produtores e suas lideranças, atuação das “brigadas” do MST no interior de cada assentamento. Ganhar a confiança da maioria dos produtores, principalmente nos primeiros contatos e início das ações, demandou muita “prosa” em um longo caminho percorrido que incluiu pescarias, festas, almoços e outros encontros informais.

Com os dados levantados foi possível observar as dificuldades encontradas na produção do leite. Com isso, se formalizou um projeto de extensão com o objetivo geral de realizar dias de campo para solucionar os principais problemas e demandas enfrentadas no manejo da criação de bovinos de leite e na gestão rural dos pequenos produtores familiares e assentados.

Com relação ao leite, em todas as reuniões, oficinas, dia de campo ou palestra, sempre vinha à tona a discussão sobre o preço recebido pelo produto. Demonstrou-se, assim, que o principal problema enfrentado pelos produtores era na hora de realizar a comercialização. Os dados das entrevistas depois de compilados também apontaram esse problema

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e foi possível observar essa questão com maior propriedade.Como encaminhamento das ações, a equipe da Incubadora

passou a programar pequenas reuniões com grupos de produtores que produziam leite em cada assentamento. Em alguns assentamentos foram necessárias mais reuniões em vista das divisões políticas internas entre os produtores. A questão política é muito forte nos assentamentos em vista da organização e lideranças do MST ainda presentes. O objetivo desses encontros era discutir a problemática da comercialização do leite, mas acabavam-se discutindo também as questões da qualidade do leite, de ordenha, do rebanho e das pastagens. Foram inúmeros encontros e depois a equipe foi organizando outros maiores, reunindo os anteriores pequenos grupos ou seus representantes durante pelo menos um ano. Nessas discussões, levava-se a possibilidade de organização dos produtores individuais de leite em uma cooperativa, para obter maior volume e, consequentemente, melhor preço na comercialização. Nessas discussões ficavam muito evidentes os conflitos existentes entre os grupos que são formados internamente entre os produtores dos assentamentos. O MST desenvolve um forte processo de politização com esses produtores, o que, por um lado, torna-se importante para conseguirem a terra para trabalharem e construírem suas vidas; por outro, também gera muitos conflitos, mesmo depois de assentados. A equipe da Incubadora encontrou dificuldades em muitos momentos para lidar com essas diferenças e conflitos e precisou de cuidadosa discussão interna e avaliação para a interação com todos os grupos de produtores.

O município de Engenheiro Beltrão, no estudo, feito pela equipe da Incubadora, de logística e de viabilidade econômica de instalação de uma cooperativa de leite, demonstrou ser isso um ponto estratégico. Foi marcada uma reunião com o prefeito desse município para apresentar o projeto e uma estratégia de venda conjunta dos produtores dos três municípios. Na reunião também estava presente a Emater, que, na sequência, organizou uma outra com os produtores de leite do município para uma semana depois. Nesta reunião com os produtores a equipe apresentou a ideia para a formação de uma cooperativa de produtores

de leite, com a possibilidade de incluí-los nessa estratégia e logística, que foi bem aceita.

A partir de então as reuniões com os produtores passaram a ser realizadas em assembleias em que se reuniram os produtores de leite dos três municípios. Na primeira assembleia foram apresentados os estudos que a equipe elaborou sobre a produção do leite nessas regiões. Procurou-se mostrar que a organização social dos produtores era importante para que eles pudessem buscar diversos objetivos que são de difícil alcance se buscados de forma isolada. Também foi demonstrada a estratégia da obtenção de uma plataforma de refrigeração e armazenamento do leite que daria suporte para a comercialização coletiva, o que implica melhor poder de negociação com a indústria.

A partir do levantamento de perfil da produção leiteira dos assentamentos, foi possível mapear as principais dificuldades encontradas e que, na opinião do pequeno produtor, seriam o gargalo para a otimização do processo produtivo na criação. Frente a isso, foram tabeladas essas opiniões, discutidas e definiram-se estratégias como a criação e formalização em evento de extensão de um dia de campo e um workshop da qualidade do leite, abrangendo pontualmente essas dificuldades.

As principais conclusões a que os produtores chegaram foi que a plataforma é uma boa estratégia de atuação e que a formalização de uma cooperativa autogestionária é a saída para que os pequenos produtores possam continuar na atividade leiteira que é a mais importante para a sua manutenção no campo. O passo seguinte foi criar comissões de produtores para cada localidade para que estes pudessem discutir internamente, levantar os nomes dos produtores que estavam dispostos a participar da cooperativa. Os resultados foram animadores, com 60 produtores dispostos a iniciar o empreendimento.

O Processo de formação da cooperativa teve grande avanço. Foi elaborada pela equipe da Incubadora uma primeira versão de um estatuto segundo os princípios do cooperativismo autogestionário, que foi previamente distribuído entre os pequenos grupos de produtores para

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discussão, inicialmente entre eles e depois com a equipe da Incubadora encarregada dessa tarefa. Várias sugestões e alterações foram feitas até ser levada a discussão em assembleias maiores. Esse estatuto foi levado à assembleia geral para se deliberar sobre os seus principais pontos para essa cooperativa se tornar um empreendimento solidário autogestionário e formalizado com registro nos órgãos públicos. Esse processo culminou com a criação, depois de um ano e meio, da Cooperativa de Leite do Vale do Ivaí (Cooperivaí), inicialmente com 108 produtores de leite, sendo eles dos assentamentos e outros produtores familiares do município de Engenheiro Beltrão. Cabe registrar que não é comum reunir produtores de assentamentos da reforma agrária com outros produtores familiares, em vista das suas histórias de vida, visão política e de mundo. Entretanto, aos poucos e ao seu tempo, a equipe foi conduzindo com eles todo esse processo de relacionamento e entendimento em torno de um objetivo comum, a cooperativa.

A equipe da Incubadora elaborou um projeto para a instalação da plataforma de resfriamento, que consistiu na construção de um barracão para instalar a unidade de resfriamento e um caminhão coletor de leite, uma vez que a Prefeitura de Engenheiro Beltrão fez a doação de terreno. Esse projeto foi apresentado e discutido e aprovado por todos os cooperados em assembleia, depois foi enviado à Petrobras em um edital, para se obter os recursos a fundo perdido, bem como ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) pelo próprio prefeito de Engenheiro Beltrão, no final de 2010. O presidente da cooperativa também procurou o Programa DRS do Banco do Brasil para ver a possibilidade de financiamento. A busca de apoio financeiro é necessária, pois os cooperados não dispõem de recursos para instalar a plataforma de resfriamento.

Outra ação planejada foi implantar dois viveiros de mudas de maracujá e outras frutíferas orgânicas, uma em um dos assentamentos, e outra no distrito de Poema (Nova Tebas). Essa iniciativa foi pensada para se evitar que os produtores precisassem comprar as mudas no mercado e, com isso, proporcionar um novo conhecimento de plantio e controle da qualidade dos frutos, bem como aumentar a renda com a cultura. Na

região dos assentamentos a proposta teve que ser repensada, pois houve muitas intempéries e dificuldades de locomoção, mas, principalmente, falta de pessoas que se responsabilizassem pelos cuidados e ampliação das primeiras mudas no viveiro. Os argumentos dos produtores eram de que essa atividade tomava um tempo que precisava ser dedicado a outras culturas já existentes e o agricultor que fosse responsável por isso seria prejudicado uma vez que as mudas seriam distribuídas sem custo aos demais proprietários rurais. Vemos aqui a presença do pensamento individual em detrimento do fortalecimento do coletivo.

As mudas foram cultivadas no assentamento Marajó e transportadas para o campo dos produtores interessados, mas parte delas foram perdidas por causa da estiagem no período do transplante, outras, em função do excesso de chuva na fase de formação de mudas. Além disso, não foi realizado o desbaste, assim, o excesso de planta por recipiente e o mau tempo não permitiram a aplicação de calda sulfocálcica para o controle de doenças, ainda no viveiro. Algumas foram perdidas pelo uso de agrotóxicos, usadas na cultura da cana nas proximidades dos assentamentos. Outras foram compradas com recursos de um projeto da Incubadora, pois havia orçamento financeiro para esse fim, porém, a quantidade era insuficiente, mas essas foram cultivadas com sucesso.

Em Poema, o plano foi mantido e o viveiro foi montado coletivamente. A equipe da Incubadora programou a colheita e escolha dos melhores frutos nos maracujazeiros junto com os próprios produtores e, em um planejamento coletivo, fizeram a secagem das sementes e plantio do fruto para produzir as mudas, que formaram um grande canteiro de 5.000 delas. Algumas foram perdidas quando levadas à lavoura e outras 1.000 foram transportadas ao assentamento Marajó para plantio. Com isso, se aprendeu todo o processo de produção das próprias mudas. A demanda dos produtores foi maior que o planejado e por isso, também, alguns agricultores compraram mudas com recursos próprios, cabendo à equipe localizar e atestar mudas de boa qualidade e o pagamento de combustível para transporte. Diferentemente dos produtores dos assentamentos, em Poema os produtores se engajaram na atividade de

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forma coletiva e em benefício do próprio coletivo de produtores. Eram mais fortes os laços coletivos nestes produtores familiares em relação àqueles dos assentamentos do MST. Desde 2006 se uniram e em 2008 já tinham uma cooperativa formalizada e em funcionamento até o presente. Além disso, os conflitos entre aqueles produtores eram bem menos frequentes, predominando o bom relacionamento entre eles.

O planejamento também previa estruturar e manter uma Secretaria regional em Peabiru e outra em Poema (Nova Tebas) para promover e melhorar o processo de comercialização dos produtos. Este fator é de fundamental importância, pois a produção poderia ser levada a contento pelo assessoramento técnico da equipe da Incubadora, mas na comercialização percebemos entraves que deixavam os produtores às vezes sem alternativas.

A situação do mercado e estratégia de comercialização em linhas gerais é um dos principais problemas dos pequenos produtores, tanto de leite quanto da fruticultura. Para se ter produção dentro do padrão tecnológico, depende-se das condições de cultura e do preparo do produto para atender às exigências do mercado. Uma série de mudanças ocorridas a partir da década de 1990 promoveram transformações na cadeia produtiva. Os sistemas de produção foram divididos em dois modos básicos: o primeiro representava a maioria, os pequenos produtores que não incorporaram tecnologia, não se ajustaram às mudanças de mercado e seguiram paradigmas culturais próprios, em sistemas produtivos pouco ou nada especializados na atividade. Já o segundo grupo representava os sistemas de produção especializados, que eram dinâmicos, modernos, competitivos e tinham a consciência de que eficiência produtiva e a qualidade do produto eram necessárias para tornar o empreendimento rural um negócio lucrativo.

O produtor com maior nível de especialização geralmente possui melhores condições para negociar com o mercado por oferecer um produto com melhor qualidade e volume que também é beneficiado pelas economias de escala na produção. Mas então qual é o motivo para o não investimento em especialização produtiva? Ao analisar esta questão,

uma das principais causas identificadas é a baixa renda obtida com as atividades que não permitem amortizar investimentos tecnológicos que possibilitem melhorias de qualidade e do volume. Essa situação leva a um círculo vicioso, pois os mesmos critérios de volume e qualidades servem de penalidade para o produtor não especializado.

Uma das alternativas para se melhorar os aspectos da comercialização é a união dos produtores para o trabalho coletivo e cooperativo que pode ocorrer em torno de um empreendimento associativo, de formato cooperativo autogestionário. Entretanto, esse movimento de agregação é de difícil concretização, especialmente pelo individualismo que todos fomos estimulados a praticar nesse sistema econômico, que gerou sempre a falta de confiança no outro, além da falta de capital entre os produtores familiares. Intervir nessas questões é possível quando se pode contar com políticas públicas, tanto de apoio financeiro como de orientação técnica e de formação para o trabalho coletivo. Na região dos assentamentos, apesar de o grupo de produtores de leite ter organizado uma cooperativa para vender, juntos, o produto resfriado, ainda não foi possível instalá-la no local pensado em Peabiru, em uma casa do MST usada como espaço para receber ou reunir os produtores dos quatro assentamentos. No início da discussão com os produtores sobre o local de instalação dessa regional de comercialização, a equipe da Incubadora precisou fazer várias reuniões e encontros para defini-lo, pois havia disputa entre os assentamentos para levar essa instalação para o município de Quinta do Sol, mesmo sem haver um lugar disponível como em Peabiru e apesar de esta casa necessitar de reformas para oferecer segurança de funcionamento do escritório, com equipamentos funcionais. Mesmo sendo definido o local por Peabiru, as insatisfações com a escolha foram emperrando e retardando as reformas na casa que deveriam ser feitas pelos próprios produtores, com os materiais comprados com recursos de projetos da Incubadora e da Prefeitura de Peabiru. Houve divergência com a chamada “brigada” organizada nos assentamentos que parecia ter receio de mudar a finalidade de uso dessa casa na medida que se instalava nela o escritório para comercializar

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os produtos dos assentamentos. A Prefeitura também não manteve o apoio financeiro prometido na parceria. Tal impasse já tem mais de um ano sem solução, apesar de haver quantidade de vários produtos dos assentamentos que necessitam melhorar a venda. Podemos citar o caso da Associação das Mulheres do Assentamento Marajó (AMAM), que foi oficialmente constituída com CNPJ. Esse grupo fabrica pães, bolachas para vendas diretas para merenda escolar no município de Quinta do Sol, para feiras e supermercados. Existem muitas necessidades nesse grupo, entre elas: cozinha adequada, melhoria da qualidade do local e dos produtos. Nesse grupo, a equipe da Incubadora elaborou e enviou um projeto para o MEC, que foi aprovado e deve iniciar suas ações para trabalhar as questões de cultura e alimentação, objetivando manter as tradições e trocar saberes entre as mulheres produtoras. Outros projetos foram enviados com a finalidade de equipar e adequar a cozinha, mas ainda estão em fase de análise.

A equipe da Incubadora observou, na convivência com os grupos, as relações, como se organizam em pequenos grupos e se unem, geralmente por vizinhanças ou por laços familiares que vão solidariamente se apoiando. Sobre outros fatores históricos e culturais, preservam suas culturas religiosas, festas tradicionalmente católicas nas igrejas e centros comunitários, pesca nos rios, ida a encontros e jornadas promovidos pelo MST, o que permite preparar, principalmente, os filhos dos produtores, para, se quiserem, ficar no campo e continuar o processo da agricultura familiar.

Quanto à proposta de instalação do outro escritório regional de comercialização aos produtores de maracujá, em Poema (distrito do município de Nova Tebas), o processo se deu de forma diferente. Lá a equipe da Incubadora já vinha atuando há algum tempo, orientando na formação e acompanhamento do funcionamento da cooperativa Cooperatvama. Os produtores associados foram auxiliados na negociação e na elaboração do projeto necessário para a realização de venda para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Também vem sendo

trabalhada a comercialização com o banco de alimentos da Central de Abastecimento (Ceasa) de Maringá. Em vista do aumento do número de produtores de maracujá e também da produção, os cooperados queriam agregar valor à atividade, passando a processar o fruto para vender na forma de polpa de maracujá orgânico. Para isso, a equipe da Incubadora elaborou, em parceria com a Emater, um projeto de instalação de uma unidade industrial para a produção de polpas congeladas, que concorreu e foi vencedor em um processo seletivo de projetos em um Programa dos territórios do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA, 2000). Atualmente os recursos estão em processo de licitação para início da construção do espaço físico da cooperativa e da unidade industrial. Já está definido pelos produtores que será nesse local que funcionará também a regional de comercialização, tão logo se conclua a construção. Não se observaram dúvidas ou conflitos de interesses nesses produtores para melhorar a comercialização.

Esse grupo de produtores faz parte dos camponeses que compõem a agricultura familiar mais tradicional, que preservam e suas culturas religiosas, festas tradicionalmente católicas nas igrejas, centros comunitários e, sobretudo, preservam as caminhadas e cavalgadas em trilhas ecológicas na região.

Com relação ao material didático para a execução das ações e divulgação para ampliar o conhecimento e difundir as novas técnicas empregadas, tanto do maracujá orgânico e demais frutíferas, quanto na melhoria da qualidade da produção leiteira, aquele foi produzido e editado, na forma de cartilhas em linguagem simples e compreensível, a pessoas com dificuldades de leitura, usando-se inclusive muita ilustração colorida e letras grandes. Tais cartilhas trataram de orientações técnicas aos produtores sobre como produzir maracujá orgânico e controle de pragas e doenças nos maracujazeiros, caldas para facilitar a produção da fruticultura orgânica e manejo de ordenha. Outras com diferentes temas estão em discussão com os produtores, pois estes receberam muito bem as já em uso. Com registros das experiências práticas desenvolvidas, foram confeccionados folders e banners explicativos para divulgar as

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práticas desenvolvidas em eventos diversos, tanto dos acadêmicos como dos produtores rurais. Ainda serão editados CDs com resultados das ações e experiências vividas.

É preciso mostrar a prática e a viabilidade na produção da agricultura familiar e a Economia Solidária. Produzir isoladamente, sem qualidade é pura subsistência. É preciso incentivar o cultivo de bons produtos e a qualidade. Para isso, a capacitação da produção é necessária. A assistência técnica deve levar em conta a cultura inerente ao grupo, levar-lhe conhecimento e, para isso, é necessária uma visão globalizada de quem a faz. É um processo lento, mas que procura melhorar não só a renda dos produtores, mas, sobretudo, a qualidade de vida destes. A extensão rural praticada na Universidade precisa ter essa visão e ela deve ser intrínseca na formação dos profissionais, ou seja, os cursos devem investir no ensino multi e transdiciplinar.

2.8 AVALIAÇÃO DA ATUAÇÃO DA INCUBADORA PELOS PRODUTORES ATENDIDOS

Tendo em vista que o processo de incubação é coletivo e participativo, em que todos interagem e aprendem, tanto a equipe da Incubadora como os grupos atendidos por ela, é necessário que a avaliação deste trabalho seja feita com a observação ou olhar de todos que dele participam, não apenas os orientadores da Incubadora. A opinião dos produtores dos grupos e empreendimentos é até mais importante, pois eles são os sujeitos principais deste processo.

Com intuito de buscar a avaliação dos produtores, a Incubadora organizou um seminário com duração de dois dias, sendo um deles de apresentação de palestras e outro para ouvi-los durante um dia de trabalho, em maio de 2010. Deste seminário participaram a equipe da Incubadora (alunos, professores e técnicos) e os produtores, representados por alguns de cada empreendimento, escolhidos por eles, tanto do setor urbano, como do rural, aberto também à comunidade acadêmica interessada no tema.

Nesses dois dias de seminário foram discutidos temas sobre

a economia solidária, sua conceituação, histórico e suas perspectivas na sociedade contemporânea e o processo de incubação dos EES. O segundo dia foi destinado às oficinas com os produtores cooperados, que apresentaram as suas opiniões e perspectivas a respeito do trabalho da Incubadora com eles, mostrando o que pensavam a respeito, os seus prós e contras e como o acompanhamento pode melhorar ao longo de toda atividade.

A metodologia do seminário foi discussão em dois grandes grupos (manhã e tarde) sem nenhuma divisão por setor produtivo. Todos falaram nos mesmos grupos, e a discussão foi organizada de forma aberta, sem direcionamento pelo coordenador do grupo, permitindo que todos pudessem se manifestar e interagir livremente.

Estavam participando do seminário alguns representantes dos EES e assentamentos, como a presidente da Cooperatvama, de Poema (Nova Tebas), a representante associada da AMAM - Associação de Mulheres do Assentamento Marajó e Quinta do Sol; os representantes associados da Cooperivaí; do Assentamento Marajó; do Assentamento Roncador; e um produtor não assentado do Município de Quinta do Sol. Dessa discussão, apresentamos aqui apenas algumas falas de representantes dos produtores e dos empreendimentos da agricultura familiar

A presidente da Cooperatvama, ao descrever a história da cooperativa, relatou que:

A Incubadora, universidade é anjo que aparece. As pessoas ligam perguntando como que a gente conseguiu, eu digo, primeiro Deus, depois a universidade e a prefeitura, que nos apoiaram, e por isso somos conhecidos hoje. A nossa missão é produzir e modificar: maracujá, abacaxi e futuramente acerola. Pequenos produtores se juntaram para crescer. A princípio a cooperativa queria comprar o barracão, mas então o MDA disse que era necessária a parceria para não ser uma cooperativa privada, pois os projetos são de fundo perdido. A Universidade fez esse projeto e o projeto do PAA -

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Programa de Aquisição de Alimentos (CONAB).

A representante da AMAM, ao relatar a história da sua associação, falou:

No começo a gente só queria nos reunir, não tinha nada, era perdido, a gente não sabia os preços, apenas fazia e vendia. A Cida (equipe da Incubadora) indicou o caminho, que precisava calcular o que gastava produzindo, pra colocar o preço correto, pra não ter prejuízo.

O representante da Cooperivaí na sua intervenção, ao falar da formação da sua cooperativa, disse:

É preciso olhar para o outro lado, não só para os assentamentos para fazer cooperativa, pois Quinta do Sol não é só assentamento. O começo foi assim, depois chegou demanda para os assentamentos, mas depois da pesquisa do João (equipe da Incubadora) foi descoberto que em Quinta não era somente isso, e então foi estudado outras partes também.

Pelas manifestações dos(as) produtores(as) podemos perceber, pela primeira fala acima, que parece haver, em parte da sociedade, uma depreciação quanto à capacidade de os pequenos produtores familiares organizarem seus empreendimentos coletivos e com eles terem possibilidades de progredir. Esse sentimento percebido da produtora foi explicitado de forma diferente, em uma visita à Prefeitura de Poema, em um diálogo com um dos secretários desta com uma professora da equipe da Incubadora, quando disse: “A senhora deveria desenvolver seu projeto com os produtores do outro lado do rio, porque estes aí, não vai dar nada, são caboclos!!” [sic] É lamentável que, além das próprias dificuldades, tais produtores tenham que lidar com preconceitos sociais no meio em que estão inseridos. Também por isso, pensamos que a atuação de um agente externo à região, como a Universidade, é bastante positiva na

medida em que apoia tais produtores nas suas escolhas, orientando-os e, com isso, ajudando-os a romper essas barreiras, mostrando, por meio do progresso deles mesmos, que é possível outro futuro.

Nos relatos seguintes fica evidente a necessidade de a Universidade, por meio da Incubadora, fazer levantamentos de campo (pesquisas) e com eles proceder aos estudos necessários para bem orientar os produtores a partir das suas próprias condições. Os pequenos produtores têm dificuldades para acessar, especialmente por não disporem de recursos financeiros para comprar, as assessorias técnicas qualificadas que possam orientá-los, como os projetos mencionados por eles, tanto para melhorar a produção como para a comercialização. Dessa forma, a extensão viabiliza levar o conhecimento produzido pela Universidade à comunidade, direcionado para as necessidades de trabalhadores e produtores de toda natureza, sendo este também o seu papel.

Ao demonstrarem satisfação com a atuação da Incubadora e pensando na continuidade das ações, depois das avaliações, os representantes dos assentamentos demonstraram querer a ajuda da equipe da Incubadora para continuar e ampliar as vendas pelo PAA e a possibilidade de parcerias com o programa DRS do Banco do Brasil.

A representante da Cooperatvama também fez alguns pedidos, como a possibilidade de colocar uma pessoa capacitada para ficar no local (pelo menos dois dias por semana ou integral), fazendo as orientações na comercialização do produto e, futuramente, um engenheiro agrônomo para orientação na produção, facilitando o contato entre os produtores e o técnico. Também adiantou a necessidade de fazer outro projeto para buscar recursos, visando à compra de um carro com câmara fria para transporte das frutas. Pediu capacitação para poder mexer na máquina de processamento de polpa na agroindústria que será instalada com o projeto que trouxe os recursos. Este também tem a parceria com a Prefeitura que apresentou a contrapartida, que foi ceder o terreno para a construção do barracão. O comodato foi passado para 20 anos, mas foi recomendado que a Prefeitura fizesse a doação definitivamente para a

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Cooperativa.A representante da AMAM apresenta a necessidade de se reformar

a cozinha e procurar formas para que futuramente os filhos não precisem sair da sua cidade para procurar outro trabalho. Também, marcar as reuniões periódicas com pré-agendamento para facilitar a comunicação pessoal já que por telefone ou Internet, muitas vezes o objetivo não é atingido.

Pelos pedidos fica clara a necessidade de obtenção de mais bens materiais, como carro e reforma da cozinha, que vai implicar a elaboração de novos projetos e/ou a busca de novas parcerias para tais finalidades, como já vem fazendo a Incubadora. É importante observar que hoje os cooperados já conseguem, além de autogerir seus empreendimentos, adiantar as necessidades futuras, ou seja, estão pensando e atuando de forma planejada. Isso demonstra mudança, aprendizagem e transformação real na vida desses(as) produtores(as). Tudo isso denota que, diferentemente do que pensa o senso comum, esses produtores familiares são capazes de progredir e mudar suas condições de trabalho, produção e melhorar a vida.

3CONSIDERAÇÕES

FINAIS

Entendemos que a Universidade desempenha papel importante quando consegue ter programas como a Incubadora de EES para fazer extensão e atender à comunidade externa, como os trabalhadores urbanos e/ou rurais. Entretanto, além dos aspectos positivos, pelas dificuldades relatadas, ela precisa ainda melhorar a sua política interna para melhor apoiar as ações de extensão, viabilizando servidores permanentes e menos burocracias para dar agilidade às ações, visto que o tempo dos atendidos é diferente do da Universidade. Para eles, tudo precisa ser mais rápido em vista das precárias condições materiais e financeiras em que vivem.

Fica evidente no processo de atendimento desses produtores que a pesquisa está diretamente associada às atividades de extensão, na medida que, para oferecer as orientações aos produtores para a formação de seus empreendimentos ou mesmo para melhorar a produção, é preciso fazer levantamentos e pesquisas para realizar os estudos e elaborar projetos para e com os produtores.

A metodologia participativa como princípio do processo de incubação é acertada para a orientação aos produtores familiares. De outra forma, dificilmente a equipe da Incubadora conseguiria interagir com os produtores rurais em vista das tradições e modo de vida bastante reservado destes do agente externo. Percebemos que, além disso, no caso dos assentamentos da reforma agrária, o componente político levado pelo MST é bastante forte, em muitos momentos é elemento facilitador, mas, em outros, funciona como dificultador das ações. Nos produtores familiares não assentados esse aspecto é menos presente e as relações são mais facilitadas, há menos conflitos e as ações avançam mais rapidamente.

As parcerias são importantes, mas algumas não funcionam bem, ficando apenas o compromisso verbal e, na prática, ele não se concretiza ou o faz parcialmente.

Em síntese, podemos concluir que a atividade de incubação é positiva e há necessidade de a Universidade continuar atuando na extensão por meio da Incubadora de EES com os trabalhadores produtores familiares.

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3

O PROCESSO DE INCUBAÇÃO COM AS

TRABALHADORAS DO ARTESANATO

Fernanda Gozzi Pereira Lima

Giovana Gimenez

Murilo da Costa Scrivanti

Nanci Aparecida Meneguetti Garcia

Tatiane Yumiko Tanaka

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INTRODUÇÃO

Neste texto vamos relatar as ações que foram desenvolvidas pela equipe da Incubadora Unitrabalho/UEM com dois grupos de produtoras de artesanato. Um se localiza no município de Sarandi, região metropolitana de Maringá, e é conhecido como “Mãos que Fazem”; o outro é o grupo “Artefaz”, que fica no município de Guaporema, região Noroeste do Estado do Paraná.

Para melhor desenvolvimento e exposição das ações, iniciaremos descrevendo o perfil dos grupos e como as características de cada um foram responsáveis pela formação de seus empreendimentos.

O propósito é explicar como acontece o processo de incubação de um grupo cuja maioria participante é do gênero feminino, demonstrando as dificuldades de conquistar um espaço no mercado perante as concorrências e também dos próprios grupos, que criam impasses no decorrer do processo. Nele é interessante percebermos que a dinâmica se diferencia de acordo com os grupos incubados.

Por meio das experiências e práticas realizadas pela equipe da Incubadora, procuramos compreender e, assim, escolher um caminho em que poderiam ser realizadas as ações para acompanhar e assessorar esses grupos, os quais possuem características diferenciadas dos demais grupos incubados por serem femininos e de produtos artesanais, que buscam um complemento da renda, diferentemente de outros, que se formalizam em cooperativa ou associação, procurando obter a renda principal.

1PROCESSO

DE INCUBAÇÃO

1.1. HISTÓRICO DO COMPANHAMENTO DO GRUPO “ARTEFAZ”

A demanda de atendimento desse grupo de mulheres artesãs

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chegou até a Incubadora por meio do coordenador de um projeto que estava sendo desenvolvido na região de Guaporema, Estado do Paraná, em 2007. O projeto diagnosticou, por intermédio de uma mestranda de Geografia e seu orientador, um grupo formado por 13 mulheres que teria potencial para o trabalho associativo num empreendimento e repassou os dados para a Incubadora para que esta estudasse a possibilidade de incluir esse grupo nas ações dela e, assim, iniciar um acompanhamento sistemático e incubar o grupo existente.

Para iniciar os trabalhos, a equipe da Incubadora foi levada até o município de Guaporema - PR para conhecer o grupo e estabelecer o primeiro contato, visando ver o interesse e a potencialidade do grupo que produzia artesanato, para formalizar uma cooperativa ou mesmo uma associação. A partir disso a equipe da Incubadora realizou uma primeira reunião com as artesãs no primeiro semestre de 2008. Foi discutido sobre a possibilidade de se construir um empreendimento coletivo e também se realizou uma palestra sobre cooperativismo. Nessa oportunidade, a equipe da Incubadora também aproveitou para identificar quais as matérias primas que estavam sendo utilizadas pelo grupo para saber como e onde as estavam comprando para produzir os enxovais de cama e mesa em geral. A partir disso, obteve-se que as integrantes do grupo tinham maiores custos do que benefícios, pois não estavam comprando coletivamente. Com a informação acerca dos materiais, a equipe realizou uma pesquisa de preços para compra no atacado na cidade de Maringá para identificar os lugares onde se pudesse comprar os materiais, mostrando ao grupo o quão melhor seria se adquirisse em conjunto e em maior quantidade para distribuir as despesas igualmente a todas que usariam do mesmo material, passando a utilizar um dos princípios do cooperativismo. Por meio de visitas foi identificado o interesse das participantes em fazer um curso de patchwork. A equipe elaborou um curso de extensão e fez a contratação de uma artesã que já trabalhava com esse tipo de artesanato para ministrar as aulas. A Incubadora organizou um seminário na Universidade - que já

estava previsto no seu planejamento anual - a fim de divulgar as atividades desenvolvidas pelos alunos, técnicos, professores, em conjunto com os empreendimentos de Economia Solidária. Paralelamente ao evento, foi realizada uma feira, na qual os grupos puderam expor e vender seus produtos, entre eles, a “Artefaz”. Mais do que vender, as mulheres puderam divulgar os produtos, oportunidade esta que o grupo “Artefaz” aproveitou para ser conhecido e até conseguir clientes. Após a feira, uma grande encomenda foi feita e, assim, o evento funcionou como o primeiro marketing da “Artefaz”. A participação dos grupos e empreendimentos na feira foi uma ótima estratégia utilizada para o marketing dos grupos, mas para que essa ideia tivesse uma continuação, era necessário o empenho de todos em se organizar e planejar novos meios para dar continuidade à inclusão do grupo no mercado. O grupo “Artefaz” fez isso, trazendo produtos para Maringá e regiões próximas à cidade de Guaporema. Entretanto, para que o grupo pudesse ser mais bem administrado, organizado, a equipe foi ministrando mais cursos de Economia Solidária, cooperativismo/associativismo e autogestão para complementar as discussões já realizadas no começo das ações, de modo a auxiliar na decisão de legalização - por ser um grupo informal -, identificando as vantagens para o grupo estar se formalizando em cooperativas ou associações, mas essa decisão só cabia às participantes. Após várias visitas de acompanhamento, troca de informações e cursos ministrados, a equipe da Incubadora identificou a falta de interesse do grupo em se legalizar. Diagnosticou que o grupo tinha interesse no auxílio em encontrar pontos de comercialização na própria cidade e nas regiões, principalmente Maringá, na qual a Incubadora está localizada e, sendo assim, que esta fosse o intermediário para as vendas na cidade. Entretanto, essa ação esperada pelo grupo não faz parte das atividades desenvolvidas pela Incubadora, pois o objetivo principal desta é que os empreendimentos busquem ser autogestionários e que possam futuramente caminhar sozinhos, administrando, planejando, controlando

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e avaliando seu trabalho e seus ganhos. Pela falta de interesse do grupo na legalização, não teve como se dar prosseguimento para a incubação do grupo em um empreendimento formal, apesar de várias tentativas de diálogo feitas por telefone e mesmo outras visitas. Nesse processo de continuidade de diálogo, as mulheres confirmavam a reunião, mas não compareciam. Sem formalizar o afastamento da equipe da Incubadora e sem dar prosseguimento às demais atividades que estavam programadas, foi tomada a decisão de se deixar de atuar nesse grupo até que o mesmo decidisse retomar a assessoria da Incubadora, pois ela não pode forçar uma decisão de legalizar um grupo sem o interesse dos participantes, pois é preciso que os mesmos tomem essa decisão e também que queiram o acompanhamento da Incubadora.

1.2. HISTÓRICO DO ACOMPANHAMENTO DO GRUPO “MÃOS QUE FAZEM”

Um grupo de 77 artesãos chegou até a Incubadora por uma demanda do Centro de Referência da Família do município de Sarandi-Pr. A Prefeitura solicitava que a Incubadora acompanhasse o grupo para organizá-lo coletivamente em um empreendimento.

O Centro de Referência fez um convite de reunião com a participação da equipe da Incubadora para as apresentações e estabelecimento de uma primeira conversa e, na sequência, havendo interesse do grupo, o diálogo caminharia para se levantar as necessidades do grupo.

Após esse primeiro contato com as mulheres do grupo, foi preparado um primeiro curso, que ocorreu em meados do segundo semestre de 2007, por meio do qual elas entraram em contato com os princípios de Cooperativismo/Associativismo e Economia Solidária, em que puderam levantar dúvidas, esclarecer objetivos e conhecer melhor umas às outras.

A priori o grupo possuía 20 (vinte) artesãs, cuja faixa etária situava-se em torno dos 45 (quarenta e cinco anos). A renda familiar dessas mulheres estava em torno de R$ 500,00 (quinhentos reais), e o trabalho

com o artesanato, para boa parte delas, tinha finalidade de complemento de renda, pois nenhuma delas havia conseguido sobreviver apenas com esse trabalho. Dessas 20 mulheres, apenas duas recebiam auxílio do governo.

Grande parte delas aprendeu a fazer artesanato com suas antecessoras, avós e mães, portanto, podemos caracterizar a princípio o trabalho artesanal como diversão familiar, que muitas vezes poderia se caracterizar como hobby (bordar enxovais, tapetes, toalhas de banho e mesa para a própria casa ou para presentear os conhecidos), mas não gerador de renda.

Entre os cursos e reuniões de acompanhamento, foi realizado um curso de Patchwork, para desenvolver mais uma habilidade das mulheres e, assim, aumentar a qualidade e diversidade dos panos de prato que elas já produziam.

Em 2008, buscou-se uma parceria com a Prefeitura de Sarandi para que a mesma ajudasse a encontrar um local na cidade para que essas mulheres pudessem comercializar seus produtos artesanais. A Prefeitura, por sua vez, aceitou e cedeu uma pequena instalação denominada Casinha do Papai Noel, que fica localizada em uma das praças da cidade, já que esta só seria utilizada no final do ano. Assim, elas conseguiram um local para fazer as vendas, sem nenhuma despesa de aluguel.

A seguir foi realizado um levantamento de dados para identificar os reais interesses das mulheres em relação aos seus objetivos e os motivos de cada uma em formalizar um empreendimento. Para tanto foi aplicado um questionário socioeconômico.

A partir do diagnóstico levantado, pôde-se iniciar o processo de legalização, no qual vários passos foram seguidos, como capacitação administrativa, saneamento de dúvidas jurídicas e, também, a discussão, com as participantes, de assuntos como o estatuto social e o regimento interno.

Ainda buscando parceria com a Prefeitura e com os demais órgãos municipais, se pensou na comercialização do produto no final do

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ano. Já que o grupo estava utilizando a Casinha do Papai Noel, seria interessante e importante fazer um acordo para que pudesse, junto com a Prefeitura, decorar a casinha e realizar as comemorações com a criançada. Mas a Prefeitura acabou não se comprometendo com essa sugestão e, por conta própria, as mulheres resolveram decorar a casinha. Para isso, puderam contar com a ajuda do comércio da cidade que doou materiais natalinos. A Prefeitura, aproveitando-se depois da iniciativa, também colaborou.

Antes de a “Casinha do Artesanato”, como a denominaram, se consolidar, as mulheres declaravam faltar a elas, e que era determinante, um lugar fixo para revender o artesanato. Porém, quando a Prefeitura cedeu um lugar para elas revenderem os seus produtos, outras demandas surgiram. Aos poucos a equipe pôde ir caracterizando o perfil do grupo por meio do comportamento dele mesmo, pois parecia que elas estavam sempre buscando outras formas de culpar as dificuldades encontradas, muitas vezes acusando as outras cooperadas, ou então reclamando da falta de divulgação.

Além da “Casinha do Artesanato”, para se comercializar foram realizadas pela equipe da Incubadora duas feiras, nas quais essas mulheres puderam comercializar seus produtos, que eram enfeites variados para casa, como flores artificiais, principalmente, e produtos de cama e mesa e bolsas femininas. Com isso, elas passam a ser conhecidas fora de Sarandi, igualmente ao que ocorrera com o grupo “Artefaz”, de Guaporema. Pôde-se obter um resultado de vendas bastante positivo nessas duas participações.

Outra característica que foi observada por meio das conversas no trabalho com elas é que estavam sempre interessadas para que novos cursos ocorressem, pois elas afirmavam o interesse em adquirir novos conhecimentos. Contudo, após a Incubadora oferecer e realizar esses cursos, foi notório o fato de elas então saírem da cooperativa, que ainda não estava formalizada, e irem trabalhar em casa para revender os seus produtos na rua.

Também nesse grupo, a equipe da Incubadora procurou melhorar

os custos de produção, fazendo pesquisas de preços das matérias primas utilizadas na produção dos produtos artesanais, mostrando que se as integrantes se unissem para a compra em conjunto, esta ficaria muito mais barata, pois, adquirindo grandes quantidades, conseguem-se preços reduzidos. O estudo feito por meio de dados mais econômicos, nas palestras e encontros, pouco adiantou, pois essas mulheres não conseguiram captar esse conhecimento, continuando o mesmo processo de compra que havia antes.

Portanto, ao se desenvolver as atividades e identificar o perfil das mulheres, ficou evidente que no começo elas estavam muito entusiasmadas com a ideia de um lugar fixo para revender seus produtos artesanais e aumentar a sua renda familiar, só que se tornou cômodo para elas a “velha cultura” de culpar os obstáculos encontrados ao invés de se unirem e enfrentá-los.

Outros impasses encontrados durante o processo de incubação desse grupo serão apresentados a seguir, sendo estes importantes para as estratégias que foram adotadas no empreendimento.

1.3 IMPASSES ENCONTRADOS

O problema que pôde ser observado no início da incubação foi o fato de que, dentre as mulheres, uma se destacou e esta muitas vezes confundiu a liderança da cooperativa que tem o princípio do cooperativismo autogestionário mas que deve ser participativo, o que deixou as demais cooperadas acomodadas com a situação, pois não se sentiam donas da cooperativa, mas, sim, funcionárias da ‘dona’. Houve, na verdade, erro de todas.

Em relação ao apoio do poder público local, este era muito satisfatório no início, pois o município procurava atender ao grupo, até mesmo cedendo o local para a “Casinha do Artesanato”, porém, no ano de 2008, com as eleições para a Prefeitura, houve mudança de prefeito e com isso até o segundo semestre de 2009 não pôde se contar com o

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apoio desse setor público. Apesar de o grupo não perder o espaço físico adquirido, não houve avanço nas negociações e a promessa de um lugar exclusivo e mais apropriado para a cooperativa não foi atendida.

A falta de apoio político, a queda das vendas ao longo do tempo, a falta de interesse de algumas mulheres e até mesmo do apoio da própria população foram levando boa parte das mulheres a desanimarem, pois o que elas ganhavam vendendo seus produtos na rua ou por encomenda gerava uma renda maior do que o que elas estavam conseguindo na “Casinha”. Ocorreu, portanto, um movimento de saída constante dentro da cooperativa. Este foi o principal motivo para a falta de legalização do empreendimento.

As vendas em baixa na cooperativa geravam falta de capital de giro para a compra de matérias primas e para as mudanças necessárias, tais como: uma barraca para participar de feiras e outros fatores ligados ao desenvolvimento de uma cooperativa.

A falta de um rendimento certo contribuiu para o abandono das atividades da cooperativa, pois algumas dessas mulheres buscavam empregos que lhes dessem uma renda fixa. Com isso o grupo foi se separando, dificultando a formalização do mesmo, e, por isso, a Incubadora, juntamente com as quatro mulheres que ficaram, decidiram que era melhor continuar com o acompanhamento, mas de forma menos frequente, até que elas buscassem novas integrantes.

Foram feitos diversos encontros para que o grupo remanescente não desmotivasse e para discutir os problemas internos que vinham ocorrendo, ou que poderiam ocorrer, e também as realizações de dinâmicas de motivação e trabalho coletivo, que contribuíram para que as mulheres que ficaram não perdessem o interesse na organização coletiva mais ampliada.

1.4. AS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS DURANTE O PROCESSO DE INCUBAÇÃO

1.4.1 Estudo de mercado

Durante o acompanhamento desse grupo, surgiram diversas discussões que envolviam a aceitação dos produtos artesanais por parte do público local, o qual, de início, era o principal alvo a ser atingido. A equipe da Incubadora realizou um trabalho para saber o tipo de material utilizado na produção, quantidades compradas e a possibilidade de se formar um grupo de compras. Também foram considerados quais eram os principais fornecedores, se realmente seria vantajoso continuar comprando dos mesmos e ainda sobre a concorrência existente na cidade de Sarandi para tais produtos. A partir dessas reuniões, surgiu a ideia de se elaborar um estudo de mercado, como proposta de aperfeiçoar, mudar ou mesmo criar novos produtos. Consequentemente, por meio dos resultados obtidos, o grupo ficaria mais confiante, pois teria a resposta do público, e, assim, futuramente esses dados auxiliariam na elaboração de um Plano de Negócios, que é um instrumento que

[...] descreve os objetivos de um negócio e quais passos devem ser dados para que esses objetivos sejam alcançados, diminuindo os riscos e as incertezas. Um plano de negócio permite identificar e restringir seus erros no papel, ao invés de cometê-los no mercado. (SEBRAE, 2007, p. 8).

O Estudo de Mercado, hoje, se revela de grande importância no início das atividades de várias empresas, já que pode melhor direcionar as atividades da empresa a um público alvo, também auxiliar o empreendedor na tomada de decisões, inovando seus produtos e aperfeiçoando o trabalho. Para a realização de um estudo eficiente podem ser levados em consideração alguns determinantes como:

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1) caracterização do público-alvo;2) caracterização dos produtos;3) caracterização da concorrência;4) caracterização dos fornecedores.

Quando é aberta uma firma, o empreendedor deve prestar atenção no seu público alvo, porque, em cada comunidade, existe uma população que pensa e tem preferências diferentes uma das outras. Os produtos são correlacionados aos gostos vigentes de determinada população, portanto, muitas vezes aquilo que se acredita ter boa estética não possui potencialidade comercial naquela cidade.

As características dos consumidores podem ser obtidas a partir de informações fornecidas por institutos de pesquisa, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social). Segundo dados desses institutos, pode-se observar que a cidade de Sarandi possui um bom potencial de demanda, embora seja de população de renda menos elevada.

Tabela 1 - Dados socioeconômicos do município de Sarandi.

SarandiPopulação 79.686

Produto Interno Bruto (PIB) 2006 (mil reais) 385.384

Área Territorial (km²) 103

Eleitores 50.094

População Economicamente Ativa (PEA) 35.180

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0, 768

PIB Per capita 4.343

Fontes: IBGE (2006/2007) e Ipardes (2007)1.

É importante levar em consideração que Sarandi é uma cidade que surgiu por meio da emancipação em relação ao município de Marialva-PR e está localizada na área metropolitana do município de Maringá-1 Os dados do IBGE referentes à população são referentes ao ano de 2007, enquanto o PIB e a área territorial são do ano de 2006. Já para os do Ipardes (Eleitores, PEA e IDH), tem como base o ano de 2007.

PR, terceiro centro de poder e influência econômica do Estado; assim, é perceptível o crescimento acelerado e descontrolado desta cidade.

Segundo dados do censo demográfico feito pelo IGBE em 2000, a incidência de pobreza do município de Sarandi é de 48,68% e a população tem dependência de trabalho no município de Maringá. A maioria das mulheres que se organizaram para a realização do trabalho em cooperativas de economia solidária tinha a característica de serem de “meia-idade” e geralmente nunca participaram do mercado de trabalho, principalmente se tratando do ramo do artesanato.

A cultura do “machismo” da geração de 1950, em que o homem era quem deveria ocupar-se da renda familiar, fez com que as mulheres se ocupassem apenas com a “casa”, mas, com queda desse paradigma, foi necessário a elas se ocuparem também do processo produtivo e gerador de renda, abrindo-lhes a perspectiva de maior acesso à educação. Isso ocorreu também em Sarandi. Houve muita insegurança inicial, pois era-lhes uma nova atribuição gerar renda na família. Percebeu-se no grupo, claramente, a insegurança de “abandonar” o lar, mesmo que em algumas horas para se dedicar à cooperativa, e isso explica, em parte, o fato do abandono da cooperativa pela maioria das mulheres.

1.4.2 Caracterização dos produtos

O grupo de artesanato em Sarandi iniciou os trabalhos com aproximadamente 20 artesãs, sendo que cada uma possuía uma identidade diferente com relação a sua produção, o que gerava enorme diversidade dos produtos.

Essa diversidade não se retratava apenas na quantidade de produtos diferentes, mas também ao grau de utilidade, qualidade, acabamento, elaboração, entre outros. A produção variava desde carrinhos feitos com garrafas de plástico recicláveis, flores artificiais, até panos de chão, feitos de crochê, toalhas de banho e enxovais para crianças.

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As mulheres interessadas em colocar seus produtos no estudo ficaram encarregadas de montar as amostras daquilo que elas produziam de melhor. O objetivo desse estudo foi de verificar a aceitação desses produtos.

A equipe da Incubadora ficou muito empolgada com o ânimo inicial das mulheres e a confiança delas na importância da elaboração da pesquisa e posterior Plano de Negócios para o desenvolvimento seguro daquele empreendimento.

Quando aconteceu a reunião para se discutir os produtos e recolher os que entrariam na pesquisa para captar a opinião pública sobre eles, algumas aparências mudaram, já que a maior parte das mulheres se recusou, ou simplesmente não se empenhou nas entregas das amostras, pois levou um número muito menor de peças do que o esperado pela equipe.

A situação inusitada observada foi que os produtos entregues para a realização da pesquisa e estudo tinham uma qualidade muito inferior aos que elas costumavam fazer, demonstrando com isso certo receio delas na investigação e o que se percebeu é que elas não “perderiam muito tempo” com isso.

Mesmo com os problemas apresentados, a pesquisa foi feita. A equipe tinha em mãos apenas aqueles produtos entregues por essas mulheres, que eram principalmente: um tapete de crochê, usado em varanda, no valor de R$15,00; um conjunto de roupa de berço bordado em um tecido de qualidade muito inferior ao de costume de que era produzido, no valor de R$40,00; uma capa de almofada feita com fuxico colorido comercializada por R$20,00; panos de prato e toalhas de banho bordadas que custavam, respectivamente, R$20,00 e R$40,00; e bolsas feitas com o plástico de garrafas pet envolto de uma decoração feita com flores de TNT e tecido do mesmo material, cujo valor girava em torno de R$35,00. Por fim, o produto que gerou maior polêmica entre os diferentes grupos entrevistados foram algumas bolsas, pois a produção dessas é muito diferente do comum.

Apesar dos fatos apresentados, a equipe recolheu todas as amostras fornecidas e passou para a parte de montagem dos questionários. Foram 250 questionários, que seriam aplicados de diferentes formas e lugares, conforme o planejado pela equipe, nos municípios de Sarandi e Maringá.

O objetivo da pesquisa era descobrir, por meio da população de Sarandi que frequentaria o ponto comercial cedido pela Prefeitura do município, que fica localizado na praça central da cidade e ao lado da igreja principal, quais produtos teriam mais aceitação e se a estética deles agradaria à maioria dos possíveis consumidores, objetivando trazer maiores vendas e retorno econômico ao grupo.

Os questionários aplicados foram divididos em três locais específicos com públicos diferentes para que fosse possível se demonstrar a diferença na aceitação dos produtos em locais distintos.

A primeira parte, com 100 questionários, foi realizada com as pessoas que passavam diariamente pela praça municipal de Sarandi e que correspondem a aproximadamente 40% de mulheres. Procurou-se abordar principalmente as mulheres entre as mais jovens e de terceira idade.

Os outros 100 questionários foram aplicados ao mesmo tipo de público em Maringá, em várias ruas no centro da cidade e os últimos 50 foram feitos nas áreas internas da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Na UEM a faixa etária era dos mais jovens.

1.4.3 Os resultados observados na pesquisa

As diferenças culturais e de idade foram observadas conforme era de se esperar. Dentre os entrevistados na cidade de Sarandi, 58% afirmaram já ter comprado produtos artesanais e, dentro desse grupo, 92% eram mulheres, ou seja, o interesse por artesanato mostrou ser essencialmente feminino.

Um detalhe importante a ser observado é a frequência com as quais essas compradoras costumam adquirir um novo produto feito de

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artesanato. Das entrevistadas, apenas 17% confirmaram que sempre compravam algo de produção artesanal, enquanto 41% afirmaram comprarem muito raramente, 42% disseram que compravam, mas apenas às vezes.

Quanto à aceitação dos produtos em Sarandi, os resultados aparentemente foram satisfatórios.

O tapete de crochê obteve 58% de aceitação, mas os entrevistados estipularam uma média de preço, que estariam dispostos a pagar, de R$12,00, sendo que esse produto é vendido normalmente por R$15,00. A roupa de berço, que foi um dos produtos avaliados como melhores, apesar de a amostra ter sido feita com um tecido de qualidade muito inferior à de costume, teve 86% de aceitação e o preço médio dado pela população de R$35,00, também abaixo do valor cobrado por esse produto. A capa de almofada feita de fuxico agradou a apenas 70% dos entrevistados, um número relativamente baixo, já que, como foi visto anteriormente, o número de compradores “fiéis” a esse tipo de produto é relativamente baixo, e o preço médio dado pelos entrevistados foi de R$ 9,00, muito abaixo do esperado. A toalha de banho e o pano de prato, como o previsto, obtiveram maior aceitação, não somente por estética, mas por serem comprados frequentemente por qualquer dona de casa, já que é de grande utilidade no lar. A aceitação desses produtos foi de 95% e os preços médios dados a eles foram exatamente de R$40,00 e R$20,00.

O produto, que a equipe imaginou que teria pior desempenho, a bolsa, não foi tão mal em Sarandi, obtendo uma aceitação de 80% e recebendo um preço médio de R$25,00, inferior, portanto, aos estabelecidos pelas artesãs.

Os resultados da pesquisa em Maringá e na UEM tiveram algumas diferenças significativas. Em Maringá, 76% afirmaram já ter comprado produtos artesanais, só que apenas 11% disseram que compram com frequência esse tipo de produto contra 65% que adquirem de vez em quando e 25% que não compram esses produtos.

Com relação ao tapete de crochê, houve uma aceitação de 55%

e um preço médio igual ao obtido em Sarandi, de R$12,00. A roupa de berço obteve 78% de aceitação e o fato de esta aceitação ter sido pior se deve à falta de qualidade do tecido, como já observado anteriormente, e o preço médio foi de R$30,00, também inferior ao de Sarandi. A capa de almofada teve uma aceitação em Maringá muito maior que em Sarandi, chegando a 87% e o preço médio foi de R$15,00, sendo, assim, muito maior do que o de Sarandi, mas inferior ao das artesãs. A toalha de banho e o pano de prato obtiveram a mesma aceitação tanto em Sarandi quanto Maringá e assim foi também com o preço médio desses dois produtos. Já as bolsas tiveram uma queda considerável na aceitação, em Sarandi era de 80%, já em Maringá caiu para 70%. Mesmo assim, o preço estimado em Maringá continuou o mesmo oferecido em Sarandi, equivalente a R$25,00.

Na UEM as 50 entrevistas também foram realizadas como planejado, e assim obtivemos resultados que comprovam como são grandes as diferenças de gostos entre duas gerações diferentes.

Com relação à aquisição de produtos artesanais, o número já é bem menor, 52% afirmaram que já adquiriram algum produto artesanal, sendo que, destes, 11% sempre compram, 41% compram às vezes e os outros 49%, quase metade dos entrevistados, nunca adquirem produtos artesanais.

O primeiro produto analisado foi o tapete de crochê, que obteve uma aceitação de 50%, e o preço médio pesquisado foi bem maior que o esperado, o que pode demonstrar a falta de conhecimento ou maior valorização por parte dos jovens com os produtos feitos de forma artesanal, o preço dado foi de R$20,00. Os resultados foram semelhantes ao do tapete com praticamente todos os outros produtos pesquisados na região universitária. A roupa de berço teve aceitação semelhante à da amostragem de Maringá e a maior reclamação foi a falta de qualidade do tecido. Já os outros produtos, como a almofada de fuxico, tiveram aceitação na faixa de 60%, bem abaixo dos outros locais, e o preço médio estimado também foi baixo, na faixa de R$10,00. O pano de prato e a toalha de banho tiveram aceitação 15% menor, caindo para 80%,

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que deve ser pela falta de interesse de estudantes em comprar esses produtos com desenhos e bordados, preferindo comprar, normalmente, os que são lisos e diretamente nas lojas. O preço estimado se manteve no mesmo patamar do dos outros lugares. O último produto analisado foi a bolsa. Esta obteve o pior resultado e a maior diferença de aceitação. A aceitação, que já era decrescente nos locais analisados entre Sarandi e Maringá, piorou para apenas 55% e o preço médio permaneceu de R$25,00.

Uma pergunta, para se testar a contradição observada em todos os 250 entrevistados, teve o objetivo de demonstrar a real necessidade de mudanças nos produtos, já que muitas vezes aqueles aparentavam mentir em algumas repostas por ter algum receio em desagradar à equipe que realizou as entrevistas. A pergunta que era muito mais direta que as outras confirmaram as expectativas, pois, quando questionados sobre a necessidade de mudanças nos produtos, 81% dos entrevistados disseram acreditar que os produtos precisavam de boas alterações para adquirir mercado.

Em síntese, a pesquisa aponta que há mercado local para venda do produto artesanal pelo nível de aceitação identificado de modo geral. Entretanto, indica também para a necessidade de se melhorar a qualidade dos produtos e diminuir os custos das matérias-primas utilizadas, para adequar o preço de venda àquele que o mercado, por meio dos consumidores pesquisados, apontou ter disposição em pagar. A pesquisa também identificou, pelos índices de aceitação dos universitários aos produtos, que o espaço da Universidade não é o mais indicado para a realização das feiras com o objetivo de se abrir mercado para esse tipo de produto.

Além das entrevistas o estudo também analisou como estava o mercado artesanal e caracterizou a concorrência no mercado local.

1.4.4 Caracterização da concorrência

Assim como qualquer empresa, o grupo de artesanato “Mãos que

fazem” não estaria no comércio sozinho. Um dos desafios iniciais seria enfrentar a concorrência, que é livre e protegida por lei.

Algo relevante para a análise é o crescimento do setor do artesanato, que vem aumentando cada vez mais nos últimos anos no Brasil. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o artesanato movimenta 28 bilhões de reais por ano, quase 1,8% do PIB brasileiro, o que significa cerca de 8,5 milhões de pessoas envolvidas no processo dessa produção.

Esses números aumentam com a falta de oportunidade e desemprego. O artesanato brasileiro gera renda, movimenta a economia, contribui culturalmente com a sociedade e, ainda, atrai os turistas.

Dentro das 8,5 milhões de pessoas envolvidas no processo artesanal, 87% são mulheres que vivem do artesanato e movimentam por ano quase 3 bilhões de reais. Cada artesão recebe em média de dois a três salários mínimos por mês com a venda dos seus produtos.

Existem dois tipos de concorrentes diretos para o empreendimento artesanal, um deles é interno e o outro, externo. Os primeiros são produtores de artesanato que operam e comercializam na mesma região, no caso, em Sarandi. O concorrente externo apresenta maior impacto no negócio, pois é referente aos produtos da região de Maringá e seus vendedores e produtores.

Já os concorrentes indiretos são os produtos sintéticos fabricados em grande escala, fato que diminui o custo marginal e aumenta o lucro. Esses concorrentes influenciam na venda de produtos artesanais mesmo não sendo classificados como tal, pois há grande demanda por eles.

Dentro desse padrão, a concorrência direta seria menos preocupante para o grupo, já que Sarandi não possui um ponto comercial específico para produtos artesanais, pois o comércio desse tipo de produto é feito por outras mulheres que vendem somente por encomenda. Já os concorrentes externos, apesar de serem fortes, como a Associação dos Artesãos de Maringá, não demonstravam ser tão preocupantes porque o grupo “Mãos que Fazem” tinha o objetivo de atingir principalmente o mercado local.

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O concorrente mais competitivo e prejudicial seriam realmente os indiretos, não somente em Sarandi, mas em qualquer grupo artesanal. As produções em grande escala, pelas indústrias, derrubam o artesanato local quando o produto é similar. Esses produtos, por sua boa aparência e preço mais baixo e qualidade semelhante, fazem reduzir muito a venda do artesanato local. Essa concorrência é muito forte, já que o número de estabelecimentos que vendem os produtos industrializados é enorme, e estes podem ser comprados em lojas de departamento, supermercados, casa de tecidos, entre outros.

Visando estimular as artesãs a vencer esses obstáculos, a equipe da Incubadora, durante o processo de incubação, orientou e ajudou a realizar algumas promoções com o intuito de aumentar as vendas, divulgando a “Casinha do Artesanato”, e até mesmo levantar a autoestima das cooperadas.

Foram realizadas duas feiras dentro da Universidade, em que se procurou divulgar o trabalho artesanal das cidades pequenas ao redor do município de Maringá e, ainda, aumentar o número de vendas, liquidando os produtos antigos estocados na cooperativa.

Divulgaram-se os produtos artesanais e a “Casinha do Artesanato”, foram feitos panfletos onde constavam o número do telefone das cooperadas, os produtos fabricados e vendidos por elas, mas não pôde se averiguar se essa promoção obteve, ou não, grandes resultados.

Houve uma tentativa de realização da “Pizza Solidária”. O objetivo desta promoção seria de fazer pizzas com produtos doados por supermercados, açougues e padarias no intuito de aumentar o capital da cooperativa para que as mulheres pudessem realizar reformas no interior da “Casinha do Artesanato” e ainda comprar matérias primas para aumentar a quantidade de produtos na loja. A princípio as cooperadas gostaram e apoiaram a ideia sugerida pela equipe da Incubadora, mas, na hora que foi preciso que elas buscassem os doadores dos alimentos para a pizza, foi possível observar que não estavam realmente interessadas, pois quase não buscaram doadores e ainda procuravam relatar empecilhos no intuito de conseguir que, ao invés de elas realizarem

a promoção, a Incubadora realizasse a “Pizza Solidária”. Portanto, esta promoção não foi realizada.

1.4.5 Caracterização dos fornecedores

Segundo as mulheres do grupo acompanhado, a matéria prima

utilizada era adquirida no próprio comércio de Sarandi, sendo que cada artesã comprava seu material em lojas específicas, com as quais cada uma teria sua maior afinidade. Como cada cooperada adquiria pequenas quantidades, a equipe concluiu que elas poderiam melhorar os produtos, caso comprassem em conjunto e em maiores quantidades, a melhor preço. Como o foco também era o preço, a equipe da Incubadora colocou em questão se o local onde elas adquiriam a matéria prima era o que traria maior viabilidade econômica e se nos atacadistas em Maringá os preços lhes trariam melhores oportunidades.

A equipe da Incubadora passou, portanto, a pesquisar lojas que forneciam as matérias primas para artesanato, tanto em Maringá como Sarandi, já que as mulheres acreditavam que seus fornecedores compravam das próprias lojas da cidade de Maringá.

Após várias visitas em diferentes pontos nas duas cidades, se pôde concluir que os preços nestas eram semelhantes, já que São Paulo-SP era o ponto de aquisição inicial de matéria prima. Os locais que serviam de fornecedores ao grupo não tinham grandes diferenças de preços, as empresas que apresentavam preços mais baixos eram distantes e esses valores menores não compensariam os gastos com a compra.

Segundo Durlo et al. (2008, p. 12 ), entende-se que “as Redes são articulações entre as unidades que, por meio de certas ligações, trocam elementos entre si, fortalecendo-se reciprocamente”, sendo então uma solução apontada desde o início para o fornecimento de matéria prima. A ideia era a de que as cooperadas montassem um grupo de compras, assim todas adquiririam do mesmo fornecedor, porque o aumento do volume dos produtos comprados traria melhores descontos e os preços mais baixos facilitariam o trabalho. Com isso até a criação de uma rede

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de compras foi sugerida.

1.4.6 Dificuldades na realização da pesquisa e discussão dos resultados com

as artesãs

As dificuldades encontradas pela equipe da Incubadora foram o atraso na entrega das amostras pelas artesãs e a suposta insegurança das mulheres com relação ao trabalho da pesquisa. Além disso, outro fator foi a dificuldade de locomoção, tendo em vista a falta de carros disponíveis para as idas ao município de Sarandi e aos locais onde a pesquisa foi realizada.

Para que todas as entrevistas fossem feitas, foram necessárias aproximadamente seis viagens a Sarandi. Os resultados demoraram mais alguns dias para serem tabulados e discutidos até a elaboração de uma apresentação a ser feita, mostrando os resultados e apresentando novas propostas para discussão com as artesãs, visando melhorar o desempenho do grupo com relação aos produtos, às vendas e à organização do ponto de venda.

Das mais de 20 mulheres, que inicialmente se interessaram em montar uma cooperativa, apenas 12 apareceram e estas ouviram atentamente toda a apresentação dos elogios e críticas observados no estudo e a maioria, aparentemente, foi receptiva às mudanças que seriam feitas. Entretanto, após estas serem anunciadas, uma série de discussões e intrigas dentro do grupo ficaram cada vez mais frequentes, mostrando a fragilidade do mesmo.

Uma semana após a discussão das atividades, já havia ocorrido três desistências, e o grupo, ao contrário do que era esperado, parecia ter se enfraquecido com o resultado do estudo, pois algumas mulheres se recusavam a aceitar a necessidade de mudanças. Tal resistência pode ser explicada, talvez, por elas não quererem admitir que não sabiam fazer diferente e não quiseram assumir esse fato diante do grupo como um todo.

As sugestões do estudo sobre as mudanças e melhorias nos

produtos não foram impostas, elas deveriam decidir o que acatar e o que não mudariam. Tiveram muitas oportunidades para colocar em prática algumas das orientações e produzir algo que agradasse a um maior número de pessoas, aumentando as vendas, porém, essa estratégia não foi utilizada de forma eficaz.

As mulheres que não desistiram de trabalhar coletivamente aos poucos acataram algumas das orientações propostas pelo estudo de mercado e, assim, tentaram melhorar e renovar seus produtos e vendas.

1.5. DINÂMICA DE GRUPO VISANDO AO FORTALECIMENTO DO COLETIVO

Sabendo ser a dinâmica de grupo um instrumento por meio do qual é permitida uma relação aberta e espontânea entre os membros que compõem o mesmo, foi aplicada essa atividade com as artesãs, o que possibilitou avaliar a exposição de opiniões, a comunicação de experiências e conduzir o desenvolvimento das capacidades das artesãs que formavam o grupo. Para tanto, foi solicitado que todos os estagiários que estavam no local participassem por causa do pequeno número de mulheres que compunham a cooperativa, com exceção de uma estagiária que, junto com a técnica, estava coordenando e observando a aplicação e o desenvolvimento das dinâmicas, para posteriormente buscar com as integrantes questões e reflexões acerca dos comportamentos destas.

Segundo Almeida (1973), a dinâmica de grupo, acima de tudo, funciona como um processo de democratização que leva os indivíduos a participarem e terem responsabilidades bem como desenvolverem o espírito de iniciativa. Foi nesse ponto, em que se pôde constatar a falta de iniciativa por parte das integrantes, que a dinâmica das “Garrafas” foi aplicada. Esta consistia em se utilizar três facas de pontas arredondadas e quatro garrafas pet. Então foi proposto um desafio, no qual, utilizando-se três garrafas e três facas, as integrantes do grupo teriam a tarefa de construir uma plataforma sobre as bocas dos pets, sendo que as facas não poderiam tocar o solo, bem como a base da faca seria a única parte que tocaria a pet, com o intuito de formar um triângulo equilátero que

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pudesse sustentar a quarta garrafa. Após a explicação, o grupo composto por cinco mulheres começou a pensar em alternativas para solucionar o desafio e, utilizando os instrumentos dados, passaram a testá-las. Foi ainda instruído aos estagiários que se percebessem que a atividade não estava fluindo, que estes poderiam dar dicas para o grupo, de modo a clarear o pensamento das integrantes. Houve muitas tentativas para se chegar ao resultado esperado e, enquanto realizavam a atividade, foram detectados diversos comportamentos das participantes, como a dificuldade para se trabalhar em grupo, a falta de iniciativa por parte de algumas e a autoridade de umas sobressaindo sobre as demais. Após algumas tentativas, os estagiários e a técnica participaram da dinâmica, dando dicas sobre como tentar solucionar a atividade sobre outros pontos de vista, de modo que, depois de algum tempo, as mulheres visualizassem o que estava sendo proposto, chegando ao objetivo esperado.

Como a dinâmica de grupo é também um veículo de socialização à medida que proporciona a convivência, também se mostra importante ferramenta por meio da qual é permitida uma relação aberta e espontânea entre os participantes do grupo, possibilitando a exposição de opiniões e a comunicação de experiências, conduzindo ao desenvolvimento das capacidades dos indivíduos que compõem o grupo, sendo eficaz no processo de treinamento de equipes de trabalho e na definição dos papéis desempenhados pelos seus membros. Foi por meio das observações, enquanto as participantes resolviam a problemática que a dinâmica propôs, que se constatou essa exposição de opiniões, comunicação de experiência e a convivência relacionada a uma reação espontânea quando duas integrantes apresentaram temperamentos iguais, o que gerou alguns conflitos já que uma não aceitava a opinião da outra.

Outra atitude observada ainda na atividade das “Garrafas” foi que uma das integrantes conseguia amenizar a situação de impulsividade que acometia a outra, porém faltava-lhe a iniciativa de colocar seu pensamento em prática. A questão da insegurança e desistência foram outros pontos

verificados, pois como a solução para a atividade não surgiu de imediato, algumas vezes, durante a mesma, o receio de não conseguir solucionar o desafio gerava o pensamento de desistência.

Para uma boa relação do grupo é necessário que haja integração, confiança, boa comunicação, cooperação, respeito e amizade entre seus membros. Essa relação provoca o aumento da interação e cooperação, repercutindo favoravelmente nas atividades, na motivação e, consequentemente, na produtividade do grupo.

Nesse âmbito as dinâmicas de grupo servem também para se conhecer como a relação do grupo se apresenta. Verificou-se que algumas questões precisam ser desenvolvidas e trabalhadas, como o relacionamento interpessoal e trabalho coletivo, incluindo assuntos como o respeito à opinião do outro, comprometimento para com o grupo, resolução dos conflitos, confiança, convivência com os membros do grupo.

Segundo Moscovici (1986), o relacionamento interpessoal entre os colaboradores pode tornar e manter o ambiente de trabalho harmonioso e prazeroso, permitindo trabalho cooperativo, em equipe, com interação de esforços, conjugando as energias, conhecimentos e experiências para um produto maior que a soma das partes, ou seja, a tão buscada sinergia. Ou então quando não apresenta essa relação harmoniosa, tende a tornar-se muito tenso, conflituoso, levando à desintegração de esforços, à divisão de energias e à crescente deterioração do desempenho grupal para um estado de entropia do sistema e final dissolução do grupo.

Para Tourinho (1982), para que as relações interpessoais sejam estabelecidas dentro de uma organização, fazem-se necessárias a existência de um contato entre aqueles que nela trabalham e uma percepção entre e sobre os indivíduos. A partir do momento em que percebemos o outro, não apenas em suas características físicas, mas também em seus processos mais íntimos, passamos a nos relacionar com ele de forma positiva ou negativa, baseados em preceitos éticos, ou não, e que as dinâmicas de grupo possibilitam perceber essas relações interpessoais.

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Ainda segundo o autor, dentro de uma organização, as relações estabelecidas entre os que trabalham devem ser mediadas da melhor forma possível. Boas relações trazem à tona maior motivação, mais produtividade e, consequentemente, um ambiente de trabalho favorável.

Por meio das dinâmicas aplicadas no grupo de Sarandi, foi observado que as relações interpessoais precisavam ser estimuladas, desenvolvidas nas relações entre as integrantes para que o trabalho tivesse um bom andamento e houvesse sinergia entre as que trabalham, pois esta é componente imprescindível.

Segundo Scholtes (1992), o sinergismo que vem de pessoas que trabalham juntas, de maneira produtiva, em um projeto importante é, em geral, suficiente para manter o entusiasmo e apoio, mesmo em tempos difíceis. Quando o espírito de equipe invade uma organização, todos começam a trabalhar juntos, visando à qualidade – sem barreiras, sem facções, “todos em uma única equipe”, movendo-se juntos na mesma direção. Ou seja, isso gera uma motivação, e uma equipe motivada e em harmonia é mais produtiva e bem sucedida na resolução dos problemas. Portanto, quando uma equipe funciona harmoniosamente, os membros podem concentrar-se em sua meta principal, que é a de melhorar um processo.

Logo após a aplicação da Dinâmica das Garrafas, foi apresentada e utilizada a Dinâmica do “Nó” com a finalidade de interação e descontração. Esta dinâmica é composta de duas etapas: na primeira o grupo fica de pé, formando uma roda em todos se dão as mãos. A estagiária de psicologia e a técnica explicaram aos integrantes e aos estagiários que participaram que, sem soltar as mãos, todos deveriam se movimentar para conseguir ficar de costas para o centro imaginário do círculo. Foi esclarecido para o melhor entendimento do grupo que, ao iniciar a atividade, todos estariam de mãos dadas, formando um círculo e com os olhos voltados para o centro do mesmo. Ao sinal da estagiária, sem soltar as mãos, deveriam buscar a nova posição, de forma que, ao ficar de costas para o centro, não poderiam ficar com os braços cruzados sobre o peito. Explicada a atividade, a estagiária deu o comando e eles

começaram a pensar, porém dois estagiários entenderam errado o objetivo da dinâmica, que seria as integrantes do grupo de artesanato solucionar a questão, e, com sua ideia formada e inconformados com a falta de iniciativa delas, resolveram o desafio, chegando à solução final. Partiu-se então para a segunda etapa, lembrando-se aos estagiários que dessa vez quem deveria resolver a atividade eram as integrantes do grupo. Nesta etapa foi explicado a todos que novamente formassem um círculo e dessem as mãos e também foi pedido que não se esquecessem de quem estava do seu lado direito e do esquerdo. Após esta observação, o grupo deveria soltar as mãos, caminhar livremente, se misturar e, ao sinal da estagiária, deveria parar de caminhar e permanecer no lugar que parara, então cada participante teria que se dar às mãos igualmente como estava no início da dinâmica, mas isso sem sair do lugar. Dessa forma, todos acabaram se misturando, se entrelaçando, formando um “nó” entre as mãos, e, logo após esse momento, a estagiária passou mais uma etapa para os participantes, na qual todos deveriam voltar à posição inicial da dinâmica, mas isso sem soltar as mãos.

Assim como na dinâmica das “garrafas”, os mesmos comportamentos surgiram, como falta de iniciativa, insegurança, desistência e não comprometimento das integrantes. Diferentemente da primeira dinâmica, elas não demoraram muito para solucionar o desafio, mas novamente foi necessária a intervenção dos estagiários dando dicas.

Constatou-se, através das Dinâmicas de Grupo, que, na resolução de conflitos, atitudes e pensamentos desmotivantes eram bem exaltados e manifestados nos comportamentos das integrantes desse grupo.

A motivação remete a fatores que provocam, canalizam e sustentam o comportamento de um indivíduo. Um trabalhador motivado vai dedicar tempo e atenção as suas atividades. A motivação tem que nascer de necessidades interiores, sendo fator decisivo para se manter o clima organizacional excelente e, consequentemente, a excelência da qualidade.

Chiavenato (2000, p. 161) vem explicar essa motivação a qual se busca desenvolver nas integrantes afirmando que esta se refere “ao

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comportamento que é causado por necessidades dentro do indivíduo e que é dirigido em direção aos objetivos que possam satisfazer essas necessidades”.

Ao serem motivados, os funcionários tendem a produzir mais e, com isso, melhoram o relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho.

Segundo Sá (2000), a falta de motivação nos que trabalham trará como consequência a indisciplina, podendo comprometer a ação dos mesmos na execução das tarefas e em suas relações interpessoais. Um exemplo desta falta de motivação e suas consequências foi quando, nas Dinâmicas da “Garrafa” e do “Nó”, se observaram comportamentos de uma das integrantes, de baixa autoestima, como não acreditar em si, pensamentos de desistência, pois não tinha segurança em tomar suas decisões, no seu potencial, por consequência, comprometeu o desenvolvimento e a execução das atividades, acometendo as colegas que estavam juntos trabalhando para solucionar o problema, impedindo, com isso, que houvesse harmonização nas relações pessoais para com as participantes, inibindo também seus comportamentos.

Depois da realização das atividades, chegou o momento quando os estagiários, a técnica e as participantes se reuniram para refletir sobre questões como o objetivo e o porquê da aplicação das atividades, as observações e comportamentos, e fazer com que as participantes reavaliassem algumas atitudes e suas relações com o grupo. A partir disso, pôde-se iniciar a discussão, e houve um feedback positivo, pois as integrantes estavam interessadas em ouvir, refletir, apresentando atitudes bem receptivas. No final dessa reflexão foi solicitado, pela estagiária, que cada uma das participantes falasse uma qualidade da outra, o que acharam das dinâmicas, do objetivo delas, se gostaram ou não, se iriam repensar o que foi abordado e refletido naquele dia. Ao falar das qualidades uma das outras, elas reconheceram que todas tinham potencial e eram importantes para o grupo. Então, percebeu-se que elas já começavam a repensar as suas atitudes, o que muito alegrou a equipe da Incubadora,

pois os objetivos esperados foram alcançados.Aqui se deparou com o conceito de Moscovici (1996), para o

qual, as diferenças existentes entre as pessoas podem ser aceitas e conversadas entre os elementos do grupo no qual estão inseridas, cada pessoa pode falar e ouvir o que os outros têm a dizer sobre ela. Nessa forma de lidar com as diferenças, existe a possibilidade de se dar e receber feedback.

O trabalho foi então finalizado com os agradecimentos dos estagiários e técnica pela cooperação das integrantes e pelas considerações finais sobre as qualidades de cada participante, e foi firmado um compromisso para trocar esse saber, visto que o objetivo era buscar um ótimo desempenho delas no trabalho, seja em relação às questões internas quanto também externas, ressaltando que isso é um processo lento, mas que todos estavam juntas em busca disso.

1.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto teve como objetivo relatar fatos e situações que aconteceram no cotidiano da Incubadora Unitrabalho/UEM, juntamente com as artesãs dos empreendimentos de artesanato durante o processo de incubação em cada um dos grupos. No desenvolvimento das atividades entre a equipe da Incubadora e os empreendimentos foi preciso levar em conta que o trabalho não gira apenas em torno desses dois participantes, é necessário prestar atenção nas influências externas, pois estas também acabam modificando o caminho a ser seguido, e por isso todos os envolvidos devem estar atentos. Além da realização dos cursos técnicos e de economia solidária, as dinâmicas de grupos são necessárias para despertar o espírito cooperativo e a participação interativa das cooperadas entre si, com o poder público e com a sociedade em geral. Em especial nesses dois grupos de mulheres artesãs, observaram-se muita insegurança e certo grau de acomodação, pois, apesar de todas as estratégias de ação, a

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equipe de orientação e acompanhamento não conseguiu uma evolução satisfatória ou que fosse suficiente para fortalecer seus empreendimentos dessas como autogestionárias e também formalizá-los. A equipe da Incubadora precisou diversificar sua forma de interagir e de assessorar esses grupos, escolhendo estratégias diferenciadas, pois eles mostraram ser formados por pessoas que possuem características diferentes das de outros.

Nos empreendimentos de artesanato, normalmente essas mulheres procuram ingressar em um grupo como hobby, procurando uma atividade para relaxar e esquecer-se do dia estressante que tiveram, utilizando a remuneração conseguida apenas para o complemento da renda, diferentemente de outros empreendimentos que formalizam uma cooperativa/associação, ou mesmo um grupo em busca de uma renda e não somente de um complemento. Em empreendimentos de artesanato, observa-se, também, que, por ser um hobby, o comprometimento da mulher é menor, e, consequentemente, outras prioridades são estabelecidas (maior tempo em casa e com a família). O fator cultural das mulheres que vivem em pequenos municípios ainda é de inteira submissão ao homem e que a ela só cabe ficar em casa e fazer fofoca com as outras. Essa cultura machista é que leva a mulher a ser mais compromissada com o trabalho e de se colocar como um membro da família frágil e inferior, mas isso vem mudando gradativamente. Somente a educação e a cultura vão mostrar que a mulher hoje também participa, juntamente com o marido e filhos, na renda familiar. Trabalhar com esse novo tipo de economia é bastante recente e muitos ainda precisam aprender a lidar com esse paradigma, portanto, qualquer passo, mesmo que pequeno, fará enorme diferença.

REFERÊNCIAS

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SEMINÁRIO LOCAL DA UNITRABALHO, 2., 2008, Maringá. Anais... Maringá: UNITRABALHO, 2008.

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TRIVIÑOS, Augusto Nivaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

4

ANÁLISE DE DESEMPENHO DOS

EMPREENDIMENTOS POR MEIO DE

INDICADORES SÓCIOECONÔMICOS NO

SETOR DE RECICLAGEM E AGRICULTURA

FAMILIAR

Neuza Corte de Oliveira

Márcio Eidi Ono

Maria Aparecida Alves

Leandro Torino da Silva

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INTRODUÇÃO

Indicadores nem sempre são uma boa medida para se avaliar processos, sistemas ou comportamento de agentes por retratarem aspectos parciais da realidade. Em especial, na economia solidária, os indicadores quantitativos deixam a desejar em vista de a sua lógica recolocar o ser humano e o vínculo entre as pessoas como superiores ao valor de troca de bens e serviços. Entretanto, são valiosos para a análise de alguns aspectos dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES).

Neste artigo vamos demonstrar alguns indicadores socioeconômicos de empreendimentos incubados, buscando analisar a sua evolução. São empreendimentos que se formaram sob a forma jurídica de cooperativas nas áreas urbana e rural. Na urbana se relacionam ao setor de materiais recicláveis e, na rural, à agricultura familiar. Da área urbana são trabalhadas as informações colhidas de três cooperativas incubadas pela Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários da Universidade Estadual de Maringá (Incubadora Unitrabalho/UEM), formadas por trabalhadores oriundos do lixão a céu aberto e de catadores de rua do município de Maringá. São elas: Coopermaringá (Cooperativa Maringá de Seleção de Materiais Recicláveis e Prestação de Serviços), Coopernorte (Cooperativa Norte de Maringá de Separadores de Separadoras de Materiais Recicláveis e Prestação de Serviços) e Coopercanção (Cooperativa de Materiais Recicláveis dos Conjuntos João de Barro e Santa Felicidade). As informações foram colhidas dos registros feitos pelas próprias cooperativas durante um período de quatro anos (2006 a 2009).

Da área rural, tomaremos o caso de uma cooperativa que foi formada por pequenos produtores familiares de maracujá orgânico, no município de Nova Tebas, distrito de Poema. Trata-se da Cooperatvama (Cooperativa dos Agricultores das Comunidades 300 Alqueires, Vila Rural, Água dos Martas, 1.000 Alqueires e Alvorada).

O resultado da análise dos indicadores socioeconômicos apontou para uma evolução positiva no aspecto econômico dos empreendimentos.

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1INDICADORES

Indicadores ou sistemas de indicadores são úteis para facilitar processos de avaliações, permitindo mensurações, simplificações, comparações e demonstrações. Trata-se de uma informação processada para ajudar a identificar evolução, ou o oposto, no comportamento de agentes ou de sistemas.

Não podem ser vistos de forma absoluta por serem sempre instrumentos limitados por refletir aspectos parciais da realidade. Os indicadores quantitativos não conseguem medir a teia da vida, em que é importante observar o que não é valorizado. Além disso, eles refletem os valores de seus idealizadores, pois avaliar não é um problema técnico apenas, já que emite um juízo.

Por isso, quando construímos indicadores, precisamos indagar para que, como e para quem estamos analisando os dados para conseguirmos informar aos cidadãos.

Na economia solidária, os indicadores quantitativos são apenas um subconjunto, visto que nela é valiosa a avaliação democrática das atividades humanas na lógica econômica solidária. Essa economia recoloca o ser humano e o vínculo entre as pessoas como superiores ao valor de troca dos bens e serviços. A viabilidade dessa economia requer outros parâmetros que sejam capazes de valorá-la mais adequadamente e vão além dos indicadores quantitativos. Sob a ótica da economia solidária, a disponibilidade de bens e serviços suficientes para a sustentabilidade das pessoas e comunidades é uma riqueza. Na economia contemporânea a noção de riqueza foi sendo progressivamente desvinculada do sustento da vida e valorada como acúmulo de valores. Na economia solidária, a busca de uma vida melhor, de justiça social e qualidade de vida são critérios de avaliação da dinâmica econômica.

Entretanto, essa economia se compõe de empreendimentos econômicos solidários que precisam ser exitosos para proporcionar bem-estar e qualidade de vida a seus associados. Nesse sentido, sem abandonar seus princípios que estão intrínsecos na organização e funcionalidade

dos empreendimentos, precisamos avaliar seu desempenho econômico. Nessa tarefa vamos apresentar, a seguir, apenas alguns indicadores quantitativos e qualitativos socioeconômicos, buscando medir a evolução dos mesmos. Escolhemos analisar três empreendimentos (cooperativas) no setor de reciclagem de resíduos sólidos e um (cooperativa) formado por produtores familiares de maracujá orgânico, em um período de quatro anos de funcionamento. No caso das cooperativas de reciclagem esses foram os anos em que, depois de estas estarem formadas e em funcionamento, foi possível construir os registros de forma sistemática. A de produtores familiares gerou, desde a sua formação, as informações que foram utilizadas nas análises.

1.1. COOPERATIVAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

Nossa análise tem início a partir do faturamento das três cooperativas para possibilitar, além da avaliação de desempenho individual, comparações entre elas.

Quadro 1 - Faturamento Semestral (em R$)

1º sem. 2º sem. Total Apurado2006 39.570,63 39.570,63 2007 57.333,36 72.658,53 129.991,892008 71.117,58 64.266,92 135.384,502009 58.866,78 58.866,782006 31.888,95 31.888,95 2007 48.358,92 58.199,51 106.558,432008 67.132,38 55.238,57 122.370,952009 61.511,34 61.511,342006 28.166,14 28.166,14 2007 26.314,32 42.270,37 68.584,692008 56.164,93 45.744,65 101.909,582009 20.252,28 20.252,28

Faturamento (em R$)

Coopermaringá

Coopernorte

Coopercanção

Fonte: Pesquisa de campo.

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De acordo com o Quadro 1, é possível observar uma evolução no faturamento das três cooperativas até o primeiro semestre de 2008. Se no segundo semestre de 2006 o faturamento delas concentrou-se na faixa de R$ 28.166,14 a R$ 39.570,63, de 2007 até o primeiro semestre de 2008 o faturamento semestral passou, em sua maioria, para a faixa de R$ 42.270,37 a R$ 71.117,58.

Fazendo uma análise anual de 2007 para 2008, percebemos que em todas as cooperativas houve aumento nas receitas, sobretudo na Coopercanção, que teve um crescimento de quase 50%, passando de R$ 68.584,69 para R$ 101.909,58. Contudo, o ótimo resultado apresentado pela Coopercanção em 2008 apenas trouxe a cooperativa para o mesmo nível de faturamento anual das outras duas cooperativas, que já faturavam mais de R$ 100.000,00/ano desde 2007. Entretanto, isso não tira o mérito da conquista da Coopercanção, pelo contrário, ela é plausível de muito reconhecimento.

Com relação à queda registrada na maioria das cooperativas a partir do segundo semestre de 2008, é possível citar, desde já, a crise econômica mundial iniciada nos Estados Unidos como o grande responsável por esse fato, já que afetou o preço dos materiais recicláveis. Contudo, podemos verificar que a COOPERNORTE apresentou crescimento de 11% já no primeiro semestre de 2009 quando faturou R$ 61.511,34. Já a Coopermaringá continuou a ter perdas, apresentando um pequeno decréscimo de aproximadamente 8% em seu faturamento nesse mesmo período. Por sua vez a Coopercanção foi a que apresentou maior queda no faturamento semestral de 2008 para 2009, sofrendo uma perda de 55% em seus rendimentos.

Diante dessas informações, surge-nos a necessidade de avaliar os fatores que contribuíram para o crescimento do faturamento da Coopernorte e a queda brusca da Coopercanção nesse período, já que ambas atuam no mesmo segmento. Em primeiro lugar será apresentada a variação de preço de alguns dos principais produtos comercializados por essas cooperativas e, em seguida, outros possíveis indicadores que justificarão a variação do faturamento delas frente à queda do preço dos

materiais a partir do segundo semestre de 2008.

Gráfico 1 - Variação do preço do PET - 2006 a 2009 (R$/Kg)

Fonte: Pesquisa de campo

De acordo com o Gráfico 1, é possível verificar que o preço do kg do PET apresentou crescimento a partir do segundo semestre de 2006 até meados do segundo semestre de 2008 quando, a partir de então, entrou em declínio até o final do primeiro semestre de 2009, caindo de R$ 1,10 para R$ 0,70, ou seja, uma queda de 36%.

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Gráfico 2 - Variação do preço do papel branco - 2006 a 2009. (R$/Kg)

Fonte: Pesquisa de campo

De acordo com o Gráfico 2 o preço do kg do papel branco cresceu de 2006 para 2008, quando atingiu o valor máximo de aproximadamente R$ 0,40 até o começo do segundo semestre, em seguida, sofreu uma redução de 32%, chegando ao valor de R$ 0,27 com o qual permaneceu até o final do primeiro semestre de 2009.

Gráfico 3 - Variação do preço do papelão - 2006 a 2009. (R$/Kg)

Fonte: Pesquisa de campo

Com o papelão não foi diferente. O Gráfico 3 demonstra claramente os efeitos da crise econômica mundial quando reduz em praticamente 50% o preço desse produto a partir do segundo semestre de 2008, que passou de R$ 0,28 para R$ 0,14.

Mas se a queda de preços foi geral para o setor da reciclagem nesse período, o que poderia explicar o fato de a Coopernorte não ter sofrido os efeitos dessa crise? Ao verificar os dados apresentados, a seguir será possível responder a esse questionamento.

Quadro 2 - Homem horas trabalhadas/mês.

2006 2007 2008 2009Nº médio de cooperados/mês 20 20 16 20 Nº médio de horas trabalhadas/mês 2306 2474 2683 3089Índice: Horas/Cooperado 115 127 163 152 Nº médio de cooperados/mês 14 19 16 13 Nº médio de horas trabalhadas/mês 1.722 2.003 2.037 1.846 Índice: Horas/Cooperado 124 104 125 146 Nº médio de cooperados/mês 24 33 23 16 Nº médio de horas trabalhadas/mês 3.608 5.808 4.107 2.329 Índice: Horas/Cooperado 148 176 176 143

INDICADOR: Homem horas trabalhadas/mês

Coopermaringá

Coopernorte

Coopercanção

Fonte: Pesquisa de campo

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O Quadro 2 demonstra que a Coopernorte foi a única cooperativa que aumentou as horas de trabalho por cooperado no período da crise. Se em 2008 cada cooperado dessa cooperativa trabalhava em média 125 h/mês, em 2009 passou a trabalhar 146 h/mês, isto é, um aumento de quase 17%. Por outro lado, a Coopercanção apresentou uma redução de 19% nas horas médias trabalhadas por cooperado/mês. Já a Coopermaringá teve uma redução menor, 7%. A conseqüência em se trabalhar mais para se aumentar o volume de material reciclado pode ser observada a seguir.

Quadro 3 - Quantidade média de material triado/mês (em Kg).

2006 2007 2008 2009Coopermaringá 27.456 33.506 33.908 36.790

Coopernorte 17.623 29.794 28.517 42.342 Coopercanção 24.487 47.177 33.635 18.801

INDICADOR: Quantidade média de material triado/mês (em Kg)

Fonte: Pesquisa de campo

De acordo com o Quadro 3, podemos constatar que o aumento nas horas trabalhadas pela Coopernorte, de 2008 para 2009, refletiu em um crescimento de quase 50% no volume de material reciclado a ser comercializado. Logo, esta é a razão pela qual esta cooperativa conseguiu manter o seu faturamento médio conquistado ao longo dos anos. Contrária a isso, a Coopercanção, que trabalhou em média 19% menos nesse mesmo período, teve o seu faturamento bastante comprometido com os efeitos da crise econômica mundial. Já a Coopermaringá apresentou uma menor queda em seu faturamento médio visto que, apesar de ter apresentado uma redução nas horas trabalhadas, conseguiu comercializar 9% a mais de material reciclado de 2008 para 2009. Contudo, é preciso relatar que a Coopermaringá é uma das cooperativas que apresenta maiores despesas, já que a sua coleta de material reciclável não é feita integralmente pelos caminhões do município. Isto é, ela necessita utilizar um caminhão próprio, tendo que arcar com todas as despesas

do mesmo. Já as outras cooperativas coletam o seu material, utilizando integralmente os veículos do município, cujas despesas ficam a cargo da própria Prefeitura. O caminhão extra utilizado pela Coopermaringá na realidade pertence a todas as cooperativas, entretanto, ela só o utiliza para que a coleta de material reciclável, realizada pelos caminhões do município, atenda às necessidades de todas as cooperativas. Um acordo entre essas cooperativas tinha sido estabelecido quanto à divisão das despesas desse caminhão extra, mas infelizmente isso ainda não acontece. A seguir então será demonstrado um comparativo das despesas das três cooperativas aqui analisadas.

Gráfico 4 - Comparativo das despesas médias/mês de 2006 a 2009.

Fonte: Pesquisa de campo

Como é possível observar no Gráfico 4, a Coopermaringá sempre apresentou maiores despesas ao longo desse período.

A partir de todas essas informações, é imprescindível destacar um fato de suma importância: a autogestão utilizada como ferramenta de superação frente a um agravante fator externo (crise econômica). Com exceção da Coopercanção, tanto a Coopernorte como a Coopermaringá vêm apresentando sustentabilidade em seus empreendimentos. Aquela possui um histórico composto por uma série de dificuldades a

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serem relatadas mais adiante e que pode justificar os altos e baixos apresentados ao longo desses anos. Contudo, vale ressaltar que todas essas cooperativas passaram e possuem o mesmo acompanhamento técnico fornecido pela Incubadora Unitrabalho/UEM.

Embora esta análise acerca do faturamento de cada cooperativa tenha fornecido diversas informações importantes, não é possível ainda visualizar se os cooperados de cada cooperativa estão tendo resultados satisfatórios. Talvez ainda seja cedo para falarmos em satisfação, visto que se trata de algo totalmente subjetivo. No entanto é possível e faz-nos necessário mensurar a renda média de cada cooperado para, a partir de então, dispor de mais dados e instrumentos que vão auxiliar no processo de análise de todo um trabalho acerca desse grupo de trabalhadores. A seguir será demonstrada a retirada média por cooperado de cada cooperativa.

Quadro 4 - Retirada média por cooperado - Coopermaringá (em R$)

2006 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 5.966,05 7.665,53 5.316,42 3.208,06 4.910,41 4.982,95 32.049,43

Nº de cooperados 20 20 20 20 20 20 120Índice 298,30 383,28 265,82 160,40 245,52 249,15 267,08

2007 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 9.804,03 9.540,00 6.964,05 7.462,65 9.412,12 7.562,50 8.156,83 9.460,59 10.127,96 12.619,28 9.866,17 17.156,72 118.132,91

Nº de cooperados 20 20 19 19 20 20 20 20 19 19 19 19 234Índice 490,20 477,00 366,53 392,77 470,61 378,13 407,84 473,03 533,05 664,17 519,27 902,99 504,84

2008 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 12.754,94 11.002,44 7.819,16 10.540,43 10.379,97 11.211,82 9.381,25 9.423,16 10.626,57 11.197,62 8.888,96 3.710,05 116.936,38

Nº de cooperados 15 20 15 15 15 16 16 17 17 17 17 17 197Índice 850,33 550,12 521,28 702,70 692,00 700,74 586,33 554,30 625,09 658,68 522,88 218,24 593,59

2009 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 6.770,00 6.580,00 7.500,00 9.380,00 10.490,00 10.458,00 51.178,00

Nº de cooperados 19 20 20 19 22 22 122Índice 356,32 329,00 375,00 493,68 476,82 475,36 419,49

Retirada Média por Cooperado (em R$)Coopermaringá

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Quadro 4, é possível verificar que a Coopermaringá apresentou uma evolução significativa na retirada média por cooperado ao longo do período analisado. Se no segundo semestre de 2006 cada cooperado retirava mensalmente um valor médio de R$ 267,08, em 2007 esse montante passou a ser de R$ 504,84. Já em 2008

a quantia média retirada mensalmente por cooperado chegou próxima de R$ 600,00. No primeiro semestre de 2009 a retirada média sofreu um decréscimo de 30% em função da crise econômica, mas cada cooperado ainda retirou, em média, R$ 419,49 por mês.

Quadro 5 - Retirada média por cooperado - Coopernorte (em R$).

2006 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 4.332,38 5.015,66 4.130,76 3.129,53 5.122,67 4.854,38 26.585,38

Nº de cooperados 13 13 13 13 16 15 83Índice 333,26 385,82 317,75 240,73 320,17 323,63 320,31

2007 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 7.550,22 7.374,74 6.762,16 7.303,77 6.881,61 7.776,14 8.103,52 9.541,27 9.167,53 9.729,21 9.453,54 10.004,09 99.647,79

Nº de cooperados 18 20 19 19 19 19 19 20 20 20 20 19 232Índice 419,46 368,74 355,90 384,41 362,19 409,27 426,50 477,06 458,38 486,46 472,68 526,53 429,52

2008 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 9.137,84 12.028,14 10.765,31 9.899,97 9.947,49 11.931,08 10.023,07 9.176,16 8.416,48 7.154,12 7.427,88 7.328,11 113.235,65

Nº de cooperados 16 17 17 17 16 16 16 16 16 17 16 16 196Índice 571,11 707,54 633,25 582,35 621,72 745,69 626,44 573,51 526,03 420,83 464,24 458,01 577,73

2009 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 8.385,00 8.745,00 9.860,00 9.150,00 10.340,00 10.700,00 57.180,00

Nº de cooperados 11 11 11 14 14 15 76,00Índice 762,27 795,00 896,36 653,57 738,57 713,33 752,37

CoopernorteRetirada Média por Cooperado (em R$)

Fonte: Pesquisa de campo.

A Coopernorte (Quadro 5) também apresentou um crescimento na retirada média mensal por cooperado. No primeiro semestre de 2006 a média mensal de retirada por cooperado era de R$ 320,31, passando para R$ 429,52 em 2007 e R$ 577,73 em 2008. No primeiro semestre de 2009 surpreendeu, atingindo R$ 752,37 retirados em média por cada cooperado.

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Quadro 6 - Renda média por cooperado - Coopercanção (em R$).

2006 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 3.790,58 4.024,84 4.607,87 5.225,85 3.359,68 5.597,26 26.606,07

Nº de cooperados 26 24 24 24 24 24 146Índice 145,79 167,70 191,99 217,74 139,99 233,22 182,23

2007 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 4.418,46 3.719,58 5.212,31 2.869,25 2.974,58 4.033,12 5.270,72 5.322,83 6.675,61 5.631,19 6.430,89 6.048,27 58.606,81

Nº de cooperados 35 35 22 35 35 35 31 31 31 38 34 34 396Índice 126,24 106,27 236,92 81,98 84,99 115,23 170,02 171,70 215,34 148,19 189,14 177,89 148,00

2008 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 14.022,94 6.671,39 9.411,84 6.840,91 10.709,86 7.866,75 8.360,75 8.777,40 8.968,04 7.380,17 4.623,18 4.347,30 97.980,53

Nº de cooperados 23 24 22 24 26 28 25 23 19 24 21 21 280Índice 609,69 277,97 427,81 285,04 411,92 280,96 334,43 381,63 472,00 307,51 220,15 207,01 349,93

2009 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez totalRetirada 3.944,66 2.503,76 2.503,76 3.424,00 2.154,63 1.197,02 15.727,84

Nº de cooperados 21 16 16 16 16 13 98Índice 187,84 156,49 156,49 214,00 134,66 92,08 160,49

CoopercançãoRetirada Média por Cooperado (em R$)

Fonte: Pesquisa de campo.

Já a Coopercanção (Quadro 6) apresenta uma das menores médias mensais de retirada por cooperado, sendo a pior delas a de 2007, que somou a quantia de R$ 148,00. Em 2006 a retirada média por cooperado esteve próxima de R$ 200,00 e em 2008 esse valor aumentou para quase R$ 350,00. No primeiro semestre de 2009 essa importância sofreu uma redução de 45%, passando para R$ 160,49 por cooperado.

Fazendo um comparativo com o salário mínimo de cada época, podemos verificar que, em 2006, quando o salário mínimo chegou a R$ 350,00, nenhuma das três cooperativas aqui analisadas chegou a retirar mensalmente, em média, esse valor. Ou seja, a renda média de cada cooperado em 2006 esteve abaixo de um salário mínimo.

Já em 2007 os cooperados da Coopermaringá e da Coopernorte retiravam em média um valor mensal superior a um salário mínimo, que na época chegou a R$ 380,00. Enquanto os cooperados desta retiravam mensalmente em 2007 um valor médio de R$ 429,52, os cooperados daquela retiravam R$ 507,80 no mesmo período. Infelizmente os cooperados da Coopercanção sobreviviam mensalmente com um montante de 40% de um salário mínimo, retirados mensalmente em média nesse mesmo ano.

Em 2008 a situação dos cooperados desta cooperativa melhorou significativamente - se em 2007 cada cooperado retirava mensalmente em média R$ 148,00, ou seja, 40% de um salário mínimo (R$ 380,00),

em 2008 a retirada passou a ser de R$ 349,93, quase 85% de um salário mínimo (R$ 415,00). Embora cada cooperado ainda não conseguisse retirar em média pelo menos um salário mínimo em 2008, a evolução de 2007 para 2008 foi de extrema importância. Já os cooperados da Coopermaringá e da Coopernorte retiravam mensalmente em média quase um salário mínimo e meio cada um nesse ano.

No primeiro semestre de 2009 a Coopernorte retirou em média R$ 752,37 por cooperado, ou seja, mais de um salário mínimo e meio (R$ 465,00). A Coopermaringá retirou pouco menos de um salário mínimo por cooperado, R$ 419,49. Já a Coopercanção passou a retirar, em média, R$ 160,49 por cooperado.

Diante dessa leitura feita acerca da retirada média, por cooperado, de cada cooperativa, é possível perceber que tanto a Coopermaringá quanto a Coopernorte apresentaram uma evolução na renda média de seus cooperados, consolidando esta quantia acima de um salário mínimo entre 2007 e 2008. Já a Coopercanção nunca conseguiu, em média, produzir uma retirada média equivalente a um salário mínimo. Sendo assim, qual seria a resposta para explicar tamanha discrepância? Na primeira análise, feita sobre o faturamento mensal de cada cooperativa (Quadro 1), verificamos que a Coopercanção já apresentava, em média, um faturamento mensal inferior ao das demais cooperativas. No entanto, em 2008, esta cooperativa chegou a faturar mais de R$ 100.000,00 anualmente, aproximando-se do faturamento obtido pelas outras duas. Mas por que então a retirada média de seus cooperados ainda assim não atingira ao menos um salário mínimo nesse período?

Para começar a responder a esses questionamentos, é possível fazer uma simples verificação nos Quadros 4, 5 e 6 e observar que a Coopercanção sempre apresentou um maior número de cooperados em relação às demais cooperativas. Sendo esta a cooperativa que teve os menores faturamentos médios mensais e ao mesmo tempo um maior número de cooperados, não fica difícil percebermos que a retirada média por cooperado seria mesmo uma das menores. Mas se a Coopercanção sempre possuiu um maior número de cooperados, não seria lógico pensar

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que a mesma deveria ser a que apresentasse um maior faturamento, visto que um maior número de mão de obra geraria um maior volume de matérias recicláveis?

Enquanto essa pergunta ainda não é respondida, e talvez nem seja mesmo respondida em sua totalidade já que a relação maior número de cooperados não é, necessariamente, diretamente proporcional ao maior volume de produção uma vez que a produtividade de cada cooperado é variável, algumas considerações e relatos históricos acerca dessas cooperativas em estudo podem ser discutidos para que se tente explicar tal situação.

A Coopercanção, desde 2006, armazena e seleciona seus materiais recicláveis em um barracão provisório, de precárias condições, a céu aberto e sem energia elétrica. Só com essas informações já é possível mensurar, de forma qualitativa, a capacidade de produção desta cooperativa. Sem energia elétrica, a cooperativa indispõe de alguns maquinários como as prensas, equipamentos utilizados para condensar os materiais recicláveis em fardos. Como é de conhecimento no setor da reciclagem, esses materiais selecionados têm um preço diferenciado na hora da venda dependendo se estiverem prensados, ou não. Obviamente os materiais que estão prensados ocupam um menor espaço, facilitam no armazenamento e no transporte e, conseqüentemente, estão em um estágio superior no processo de comercialização, agregando maior valor. Nesse sentido, a Coopercanção, além de perder no preço de venda de seus materiais, necessita de maior espaço para armazenar os seus produtos, o que nem sempre é conseguido de forma satisfatória uma vez que, como relatado anteriormente, o barracão desta cooperativa se encontra até hoje em precárias condições.

Outro fator que prejudica o desempenho da Coopercanção é a exposição dos materiais recicláveis ao tempo. Determinados materiais, como os papéis e papelões, expostos à chuva, absorvem muita umidade e alteram suas propriedades na hora da comercialização. Não bastasse um menor preço de venda em função de esses materiais não estarem prensados, quando eles estão úmidos existe ainda um desconto, muitas

vezes não padronizado, no peso dos mesmos.Para demonstrar a diferença de preço de venda de alguns dos

principais materiais comercializados por essas três cooperativas, seguem algumas ilustrações.

Gráfico 5 - Comparativo de preço entre as cooperativas - 2006.

Fonte: Pesquisa de campo.

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Gráfico 6 - Comparativo de preço entre as cooperativas - 2007.

Fonte: Pesquisa de campo

Gráfico 7 - Comparativo de preços entre as cooperativas - 2008.

Fonte: Pesquisa de campo

Gráfico 8 - Comparativo de preços entre as cooperativas - 2009.

Fonte: Pesquisa de campo

De acordo com os Gráficos 5, 6, 7 e 8, é possível visualizar que os produtos comercializados pela Coopercanção sempre apresentaram menor preço de comercialização em relação aos preços praticados pela Coopermaringá e Coopernorte. Como visto anteriormente, a causa disso é o fato de que a Coopercanção não vende seus materiais prensados, uma vez que não possui os equipamentos para esse trabalho. Logo, seus produtos não alcançam os maiores preços de venda e isso explica o desempenho inferior desta cooperativa. Mas será mesmo possível afirmar com certeza o baixo desempenho da Coopercanção, tomando como base apenas esses três produtos? A seguir serão demonstrados todos os materiais vendidos por cada cooperativa, utilizando apenas os dados de 2007 e 2008 bem como a representatividade de cada um deles.

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Quadro 7 - Percentual das vendas anuais por tipo de material - Coopermaringá

- 2007 e 2008.

Item Venda anual total 129.991,89R$ 100% Item Venda anual total 135.384,50R$ 100%1 Aço 88,52R$ 0,07% 1 Aço 27,68R$ 0,02%2 Aço 430 8,23R$ 0,01% 2 Aço 430 4,98R$ 0,00%3 Alumínio 14,00R$ 0,01% 3 Alumínio Bloco 1.237,08R$ 0,91%4 Alumínio Bloco 546,34R$ 0,42% 4 Alumínio Mole 2.467,60R$ 1,82%5 Alumínio Mole 2.641,60R$ 2,03% 5 Antimônio 82,12R$ 0,06%6 Antimônio 619,10R$ 0,48% 6 Bateria 62,80R$ 0,05%7 Bateria 100,64R$ 0,08% 7 Cobre 1.494,17R$ 1,10%8 Cobre 8.032,00R$ 6,18% 8 Garimpo 4,62R$ 0,00%9 Lata 10,00R$ 0,01% 9 Latinha 5.031,31R$ 3,72%

10 Latinha 4.961,84R$ 3,82% 10 Magnésio 2,00R$ 0,00%11 Metal 669,16R$ 0,51% 11 Metal 1.220,40R$ 0,90%12 Motor 63,00R$ 0,05% 12 Motor 96,00R$ 0,07%13 Reator 1,20R$ 0,00% 13 Motor elétrico 4,00R$ 0,00%14 Sucata 6.045,50R$ 4,65% 14 Multiaço 765,90R$ 0,57%15 Jornal 3.591,84R$ 2,76% 15 Sucata 5.385,82R$ 3,98%16 Papel branco 12.961,77R$ 9,97% 16 Telhas 46,80R$ 0,03%17 Papel colorido 4.098,90R$ 3,15% 17 Jornal 2.230,40R$ 1,65%18 Papel misto 4.151,70R$ 3,19% 18 Papel branco 14.796,00R$ 10,93%19 Papelão 16.300,39R$ 12,54% 19 Papel colorido 4.326,72R$ 3,20%20 Amaciante 90,00R$ 0,07% 20 Papel misto 7.254,00R$ 5,36%21 Caixa de leite 10,00R$ 0,01% 21 Papelão 15.646,41R$ 11,56%22 Caixa de plástico 415,60R$ 0,32% 22 Caixa de leite 630,50R$ 0,47%23 Caixa vazia 119,00R$ 0,09% 23 Caixa de plástico 239,70R$ 0,18%24 Quiboa 2.197,59R$ 1,69% 24 Caixa vazia 32,00R$ 0,02%25 Pead branco 8.089,40R$ 6,22% 25 Copinho 280,20R$ 0,21%26 Pead colorido 5.510,50R$ 4,24% 26 Flek 475,50R$ 0,35%27 Pess 27,20R$ 0,02% 27 Flek cristal 1.410,00R$ 1,04%28 PET 19.448,85R$ 14,96% 28 Galões 208,40R$ 0,15%29 PET óleo 658,35R$ 0,51% 29 Garrafinha branca 1.190,20R$ 0,88%30 Plástico branco 874,50R$ 0,67% 30 Garrafinha colorida 661,60R$ 0,49%31 Plástico colorido 435,96R$ 0,34% 31 Quiboa 2.475,72R$ 1,83%32 Plástico duro 288,60R$ 0,22% 32 Lona 2.468,50R$ 1,82%33 Plástico fino 5.802,15R$ 4,46% 33 Pead branco 11.922,90R$ 8,81%34 Potes de plástico 1.707,46R$ 1,31% 34 Pead colorido 8.548,80R$ 6,31%35 PP 4.546,70R$ 3,50% 35 PET 19.913,80R$ 14,71%36 PP colorido 1.654,65R$ 1,27% 36 PET óleo 1.645,80R$ 1,22%37 Tambinha 5,00R$ 0,00% 37 Plástico fino 7.436,90R$ 5,49%38 Tetra Pak 1.177,20R$ 0,91% 38 PP 733,80R$ 0,54%39 Bordaleza 114,42R$ 0,09% 39 Tetra Pak 781,80R$ 0,58%40 Caco Vidro 1.516,00R$ 1,17% 40 Baixo 17,40R$ 0,01%41 Catuaba 6,93R$ 0,01% 41 Bordaleza 67,36R$ 0,05%42 Champanhe 94,74R$ 0,07% 42 Caco Vidro 4.123,00R$ 3,05%43 Coca 290 ml 10,95R$ 0,01% 43 Champanhe 185,76R$ 0,14%44 Coca 600 ml 10,92R$ 0,01% 44 Coca 290 ml 2,00R$ 0,00%

Coopermaringá 2007 Coopermaringá 2008

Fonte: Pesquisa de campo

45 Coca Litro 51,74R$ 0,04% 45 Coca 600 ml 12,24R$ 0,01%46 Garrafa 92,40R$ 0,07% 46 Coca Litro 43,60R$ 0,03%47 Garrafão 68,25R$ 0,05% 47 Garrafa 108,27R$ 0,08%48 Garrafão 2 Lts 193,75R$ 0,15% 48 Garrafão 1,20R$ 0,00%49 Garrafão 2 Lts Bom 32,45R$ 0,02% 49 Garrafão 2 Lts 136,65R$ 0,10%50 Garrafão 5 Lts 141,75R$ 0,11% 50 Garrafão 5 Lts 213,05R$ 0,16%51 Garrafão 5 Lts Bom 111,00R$ 0,09% 51 Garrafão 5 Lts Ruim 15,00R$ 0,01%52 Garrafão 5 Lts Ruim 34,20R$ 0,03% 52 Garrafão bom 66,75R$ 0,05%53 Garrafão bom 21,00R$ 0,02% 53 Garrafão de suco 105,00R$ 0,08%54 Garrafão pelado 10,20R$ 0,01% 54 Garrafão ruim 25,80R$ 0,02%55 Garrafão ruim 11,40R$ 0,01% 55 Inox 140,80R$ 0,10%56 Garrafas de suco 517,40R$ 0,40% 56 Ipioca 127,84R$ 0,09%57 Inox 58,77R$ 0,05% 57 Jamel 599,81R$ 0,44%58 Ipioca 176,56R$ 0,14% 58 Jamel 51 2,64R$ 0,00%59 Jamel 469,96R$ 0,36% 59 Potão 24,45R$ 0,02%60 Potinho de conserva 422,83R$ 0,33% 60 Potinho 1.369,96R$ 1,01%61 Reno 541,78R$ 0,42% 61 Potinho de maionese 3,00R$ 0,00%62 Tubaína 104,49R$ 0,08% 62 Reno 1.105,25R$ 0,82%63 Velho Barreiro 60,34R$ 0,05% 63 Tubaína 104,60R$ 0,08%64 Vidro conservas 33,00R$ 0,03% 64 Velho Barreiro 101,70R$ 0,08%65 Vidro de pimenta 259,89R$ 0,20% 65 Vidro de pimenta 151,50R$ 0,11%66 Vidro perfume 709,47R$ 0,55% 66 Vidro de suco 105,00R$ 0,08%67 Vinho 571,65R$ 0,44% 67 Vidro de veja 20,40R$ 0,02%68 Vinho bom 16,50R$ 0,01% 68 Vidro perfume 410,67R$ 0,30%69 OUTROS 5.562,72R$ 4,28% 69 Vidros 104,00R$ 0,08%

70 Vinho 606,26R$ 0,45%71 Vinho 2 L 34,10R$ 0,03%72 Vinho bom 57,00R$ 0,04%73 Vinho ruim 6,00R$ 0,00%74 OUTROS 1.943,51R$ 1,44%

Fonte: Pesquisa de campo

De acordo com o Quadro 7, a representatividade dos materiais PET, Papelão e Papel Branco, vendidos em 2007 pela Coopermaringá, perfez um montante de 37,47% do total das vendas do ano. Já em 2008 a participação desses mesmos materiais em relação à venda total do ano foi de 37,19%.

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Quadro 8 - Percentual das vendas anuais por tipo de material - Coopernorte

- 2007 e 2008.

11 Metal 1.249,20R$ 1,17% 11 Metal 1.236,55R$ 1,01%12 Motor 87,00R$ 0,08% 12 Motor 94,00R$ 0,08%13 Sucata 7.045,20R$ 6,61% 13 Radiador 31,80R$ 0,03%14 Jornal 1.353,80R$ 1,27% 14 Sucata 9.692,20R$ 7,92%15 Papel branco 8.076,91R$ 7,58% 15 Cimento 179,80R$ 0,15%16 Papel colorido 3.374,80R$ 3,17% 16 Jornal 488,00R$ 0,40%17 Papel misto 4.539,93R$ 4,26% 17 Papel 998,00R$ 0,82%18 Papelão 15.083,73R$ 14,16% 18 Papel branco 7.691,09R$ 6,29%19 Saco de cimento 80,80R$ 0,08% 19 Papel colorido 4.014,20R$ 3,28%20 Balde e bacia 878,00R$ 0,82% 20 Papel misto 5.336,66R$ 4,36%21 Caixa de plástico 732,60R$ 0,69% 21 Papelão 15.661,92R$ 12,80%22 Galão 5 L de plástico 347,10R$ 0,33% 22 Caixa de plástico 424,60R$ 0,35%23 Lona 6.875,80R$ 6,45% 23 Copinho 136,50R$ 0,11%24 Quiboa 72,00R$ 0,07% 24 Galão 5 L de plástico 246,90R$ 0,20%25 Pead Branco 8.567,90R$ 8,04% 25 Lona 9.456,95R$ 7,73%26 Pead Colorido 4.226,70R$ 3,97% 26 Pead Branco 12.945,90R$ 10,58%27 PET 18.141,20R$ 17,02% 27 Pead Colorido 9.959,20R$ 8,14%28 PET Óleo 508,10R$ 0,48% 28 PET 23.728,90R$ 19,39%29 Pneu 5,00R$ 0,00% 29 PET Óleo 745,80R$ 0,61%30 PP Misto 7.588,80R$ 7,12% 30 PP Misto 1.958,40R$ 1,60%31 PVC 45,00R$ 0,04% 31 PVC 950,10R$ 0,78%32 Tetra Pak 1.324,80R$ 1,24% 32 Tetra Pak 969,00R$ 0,79%33 Caco 1.599,15R$ 1,50% 33 Caco 1.440,00R$ 1,18%34 Catuaba 6,30R$ 0,01% 34 Champanhe 197,64R$ 0,16%35 Champanhe 306,32R$ 0,29% 35 Coca 300 ml 42,00R$ 0,03%36 Coca 300 ml 55,52R$ 0,05% 36 Coca 600 ml 24,70R$ 0,02%37 Coca 600 ml 27,64R$ 0,03% 37 Coca Litro 38,30R$ 0,03%38 Coca Litro 101,40R$ 0,10% 38 Garrafão 2 L 169,30R$ 0,14%39 Garrafa tubaína 91,02R$ 0,09% 39 Garrafão Bom 291,60R$ 0,24%40 Garrafão 2 lts 239,80R$ 0,23% 40 Garrafão sem capa 30,80R$ 0,03%41 Garrafão Bom 331,50R$ 0,31% 41 Garrafas de cerveja 136,80R$ 0,11%42 Garrafão sem capa 64,80R$ 0,06% 42 Ipioca 116,50R$ 0,10%43 Garrafas de cerveja 111,80R$ 0,10% 43 L Jamel 539,64R$ 0,44%44 Garrafinha branca 336,00R$ 0,32% 44 L Vinho 617,20R$ 0,50%45 Ipioca 100,04R$ 0,09% 45 Potinho 932,80R$ 0,76%46 L Jamel 566,72R$ 0,53% 46 Reno 741,00R$ 0,61%47 L Vinho 938,00R$ 0,88% 47 Sococo 84,63R$ 0,07%48 Potinho 1.128,86R$ 1,06% 48 Velho Barreiro 121,70R$ 0,10%49 Reno 775,08R$ 0,73% 49 Vidro perfume 233,00R$ 0,19%50 Sococo 63,57R$ 0,06% 50 Vidro suco 60,00R$ 0,05%51 Sodinha 15,60R$ 0,01% 51 Outros 604,00R$ 0,49%52 Velho Barreiro 109,49R$ 0,10%53 Vidro perfume 233,00R$ 0,22%54 Vidro pimenta 11,64R$ 0,01%55 Vidro suco 280,00R$ 0,26%

Item Venda anual total 106.558,43R$ 100% Item Venda anual total 122.370,95R$ 100%1 Aço 34,12R$ 0,03% 1 Aço 53,28R$ 0,04%2 Aço 430 60,90R$ 0,06% 2 Aço 430 12,52R$ 0,01%3 Alumínio Bloco 855,70R$ 0,80% 3 Alumínio Bloco 815,15R$ 0,67%4 Alumínio garimpo 20,94R$ 0,02% 4 Alumínio garimpo 24,20R$ 0,02%5 Alumínio Mole 2.779,68R$ 2,61% 5 Alumínio Mole 2.448,60R$ 2,00%6 Antimônio 45,70R$ 0,04% 6 Alumínio Tubo 45,00R$ 0,04%7 Bateria 48,02R$ 0,05% 7 Antimônio 17,16R$ 0,01%8 Cobre 1.721,00R$ 1,62% 8 Bateria 68,24R$ 0,06%9 Forno microondas 5,00R$ 0,00% 9 Cobre 2.589,00R$ 2,12%

10 Latinha 3.289,76R$ 3,09% 10 Latinha 2.929,72R$ 2,39%

Coopernorte 2007 Coopernorte 2008

Fonte: Pesquisa de campo.

Na Coopernorte, a representatividade dos materiais PET, Papelão e Papel Branco, vendidos em 2007, soma 38,76% do total comercializado no ano, como demonstra o Quadro 8. No ano seguinte a venda desses mesmos materiais atingiu a marca de 38,47% em relação ao todo.

Quadro 9 - Percentual das vendas anuais por tipo de material - Coopercanção

- 2007 e 2008.

Item Venda anual total 63.324,78R$ 100% Item Venda anual total 101.909,58R$ 100%1 Caixa de leite 1.057,79R$ 1,67% 1 Caixa de leite 1.559,00R$ 1,53%2 Caixa de vasilhame 142,53R$ 0,23% 2 Caixa de vasilhame 171,50R$ 0,17%3 Galão 216,83R$ 0,34% 3 Galão 60,40R$ 0,06%4 Garrafinha 10.095,37R$ 15,94% 4 Garrafinha 16.958,50R$ 16,64%5 Pet 11.092,99R$ 17,52% 5 Pet 16.729,00R$ 16,42%6 Pet óleo 410,02R$ 0,65% 6 Pet óleo 621,00R$ 0,61%7 Plástico duro 1.870,68R$ 2,95% 7 Plástico duro 2.255,00R$ 2,21%8 Plástico filme 3.173,98R$ 5,01% 8 Plástico filme 6.598,48R$ 6,47%9 Papelão 11.140,37R$ 17,59% 9 Papelão 15.858,92R$ 15,56%

10 Papelão de 3ª 2.012,07R$ 3,18% 10 Papel branco 12.415,50R$ 12,18%11 Papel branco 4.692,10R$ 7,41% 11 Papel cimento 121,50R$ 0,12%12 Papel cimento 142,76R$ 0,23% 12 Papel colorido 3.515,08R$ 3,45%13 Papel colorido 1.599,03R$ 2,53% 13 Papel jornal 1.827,90R$ 1,79%14 Papel jornal 1.790,25R$ 2,83% 14 Papel misto 747,90R$ 0,73%15 Papel misto 2.103,28R$ 3,32% 15 Papel Misto de 3ª 703,46R$ 0,69%16 Bordaleza 463,98R$ 0,73% 16 Papelão de 3ª 2.600,90R$ 2,55%17 Caco 1.257,18R$ 1,99% 17 Bordaleza 77,09R$ 0,08%18 Campo Largo 195,58R$ 0,31% 18 Caco 2.015,91R$ 1,98%19 Cerveja/Tubaína 124,13R$ 0,20% 19 Campo Largo 220,15R$ 0,22%20 Champanhe 118,48R$ 0,19% 20 Cerveja/Tubaína 132,90R$ 0,13%21 Coca pequena 3,63R$ 0,01% 21 Champanhe 153,50R$ 0,15%22 Coca L 328,81R$ 0,52% 22 Coca L 24,50R$ 0,02%23 Garrafão 2 L 166,76R$ 0,26% 23 Coca pequena 3,80R$ 0,00%24 Garrafão 5 L 270,34R$ 0,43% 24 Garrafão 2 L 194,00R$ 0,19%25 Jamel 498,13R$ 0,79% 25 Garrafão 5 L 240,65R$ 0,24%26 Potinho 813,72R$ 1,28% 26 Jamel 714,25R$ 0,70%27 Reno 708,61R$ 1,12% 27 Potinho 1.222,87R$ 1,20%28 Vinho 1 L 459,87R$ 0,73% 28 Reno 1.086,54R$ 1,07%29 Ypioca/Velho Dreher 137,87R$ 0,22% 29 Vinho 1 L 450,04R$ 0,44%30 Coca 600 ml 0,08R$ 0,00% 30 Ypioca/ Velho Dreher 144,97R$ 0,14%31 Sucata 6.237,56R$ 9,85% 31 Galão 55,40R$ 0,05%

32 Latinha 3.873,48R$ 3,80%33 Sucata 8.555,49R$ 8,40%

Coopercanção 2007 Coopercanção 2008

Fonte: Pesquisa de campo.

O Quadro 9 demonstra que o percentual dos materiais PET, Papelão e Papel Branco atingiu 42,52% do total das vendas em 2007. Em 2008 a soma dos percentuais desses três produtos alcançou 44,16%.

Considerando que os materiais recicláveis, após a separação e classificação, podem gerar cerca de 70 ou mais novos subprodutos para a comercialização, o PET, Papelão e Papel Branco, que representam uma

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faixa de 37% a 44% do total das vendas anuais das três cooperativas, justificam a relevância e a escolha desses três itens na avaliação de desempenho das cooperativas. Contudo, o menor desempenho da Coopercanção em relação ao das outras duas cooperativas não pode ser resumido apenas quanto à diferença de preço desses relevantes itens de comercialização discutidos anteriormente. Algumas outras observações podem ser depreendidas dos Quadros 9, 10 e 11 no que tange ao processo de produção de cada uma das três cooperativas aqui analisadas.

A Coopermaringá, em seu processo de coleta, classificação e comercialização, trabalhou com 69 e 74 subprodutos ao longo dos anos de 2007 e 2008, respectivamente (Quadro 07). Já a Coopernorte apresentava, em sua lista de subprodutos, 55 itens em 2007 e 51 em 2008 (Quadro 08). Por último, a Coopercanção trabalhou com 31 itens em 2007 e 33 em 2008 (Quadro 09). Mas o que significa trabalhar com mais ou menos itens? Como isso pode interferir no desempenho de cada cooperativa?

Em primeiro lugar é preciso deixar claro que a reciclagem é um trabalho que exige qualificação assim como qualquer outro tipo de serviço. Não é porque a “matéria-prima”, que alimenta esse setor, deriva da coleta do lixo que esse trabalho dispense organização, logística e demais qualificações específicas da área. Pelo contrário, é imprescindível que as pessoas que trabalham nesse setor conheçam e saibam classificar os materiais de forma que os mesmos possam ser vendidos separadamente. Isso implica afirmar que cada tipo de material possui um valor específico e diferenciado na comercialização. Assim, determinados processos de separação ou a forma como esses materiais são preparados para a venda elevam ou diminuem o seu valor de mercado. Como visto anteriormente, os materiais PET, Papelão e Papel Branco, quando vendidos prensados, garantem um maior valor na hora da venda do que se vendidos sem prensar.

Outra situação, em que existe variação de valor dos materiais recicláveis na hora da venda, está no próprio processo de classificação. Determinados grupos de materiais, após a coleta e classificação,

admitem ainda uma reclassificação, gerando subgrupos que podem ser vendidos com preços diferenciados. Cabe aqui citar como exemplo o grupo conhecido como Garrafinha, item 4 do Quadro 09, comercializado pela Coopercanção. Esse grupo possibilita ainda uma reclassificação em outros quatro subgrupos: PEAD Branco, PEAD Colorido, PP Branco e PP Colorido. Cada subgrupo desses materiais garante um valor diferenciado de mercado.

De acordo com o Quadro 09, item 4, podemos perceber que a Coopercanção não reclassifica o grupo Garrafinha em outros quatro possíveis subgrupos, ela vende esses materiais todos juntos. Esse grupo representou, juntamente com o PET, Papelão e Papel Branco, um dos principais produtos comercializados em 2007 e 2008, perfazendo, sobre o total das vendas, percentuais de 15,94% e 16,64%, respectivamente.

A Coopernorte, conforme observado no Quadro 08, reclassificou o grupo Garrafinha em três subgrupos: PEAD Branco, PEAD Colorido e PP Misto. Esses materiais também fazem parte dos principais produtos comercializados por esta cooperativa. A soma do percentual deles sobre o total das vendas atingiu 19,13% em 2007 e 20,32% em 2008.

Somente a Coopermaringá reclassificou o grupo Garrafinha em outros quatros subgrupos possíveis (Quadro 07). A representatividade desses materiais no montante anual vendido foi de 15,23% em 2007 e 15,66% em 2008. A seguir serão demonstrados os preços de cada um desses materiais.

Quadro 10 - Variação de preços de materiais plásticos em 2007 (em R$).

Descrição Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez $ MédioGarrafinha 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,70 0,70 0,70 0,70 0,70 0,70 0,70 0,66 Pead Branco 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 Pead Colorido 0,70 0,70 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,78 PP Branco 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 PP colorido 0,60 0,55 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 PP Misto 0,60 0,50 0,55 0,60 0,60 0,55 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,58

PREÇOS DOS MATERIAIS (em R$)

Fonte: Pesquisa de campo.

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213

Quadro 11 - Variação de preços de materiais plásticos em 2008 (em R$).

Descrição Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez $ MédioGarrafinha 0,80 0,70 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,70 0,70 0,78 Pead Branco 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 Pead Colorido 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 PP Branco 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 PP colorido 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 PP Misto 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60 0,60

PREÇOS DOS MATERIAIS (em R$)

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com os Quadros 10 e 11, podemos perceber que o preço praticado na venda do grupo Garrafinha é inferior ao valor praticado pela venda do PEAD Branco, tanto em 2007 quanto em 2008. Já com relação ao preço do PEAD Colorido, o valor apresentado pelo grupo Garrafinha em 2007 esteve sempre inferior e em 2008, quando não esteve menor, não chegou a superá-lo. Para os demais subprodutos (PP Branco, PP Colorido e PP Misto) os valores de venda foram iguais ou inferiores ao do grupo Garrafinha nos dois anos apresentados. O Gráfico a seguir melhor demonstrará essa variação.

Gráfico 9 - Variação de Preços do Grupo Garrafinha/Subgrupos em 2007.

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Gráfico 09, é possível observar que o preço praticado pela venda do grupo Garrafinha esteve praticamente em uma posição intermediária ao longo de 2007, sendo bastante notáveis os maiores preços dos PEAD Branco e Colorido.

Gráfico 10 - Variação de Preços do Grupo Garrafinha/Subgrupos em 2008.

Fonte: Pesquisa de campo.

No Gráfico 10 é possível perceber que o grupo Garrafinha apresentou preços semelhantes ao do PEAD Colorido durante quase todo o ano de 2008, contudo, ainda se manteve inferior aos preços do PEAD Branco, mas, superior aos demais materiais apresentados. Diante dessa análise feita sobre a variação de preços, foi possível verificar que a classificação dos materiais em grupos ou subgrupos interfere diretamente no preço de comercialização dos mesmos. Mas de que forma esse fato pode comprometer ou alterar o desempenho de resultado nesse segmento? A resposta para essa pergunta depende de outra variável denominada quantidade, ou seja, qual o volume que cada material supracitado representa no total comercializado. A seguir será feita essa análise.

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Quadro 12 - Demonstração de venda do grupo Garrafinha/Subgrupos por

quantidade, percentual, preço médio unitário e faturamento anual em 2007

e 2008.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Descrição Kg % KgPreço médio unit.

$ anual % $ Kg % KgPreço médio unit.

$ anual % $

Coopercanção Garrafinha 15.820 100% 0,66 10.441,20 100% 21.725 100% 0,78 16.945,50 100%Subtotal 15.820 100% 10.441,20 100% 21.725 100% 16.945,50 100%

Coopermaringá PEAD Branco 7.630 35% 1,10 8.393,00 47% 10.839 50% 1,10 11.922,90 59%Coopermaringá PEAD Colorido 4.925 22% 0,78 3.857,92 22% 9.412 44% 0,80 7.529,60 37%Coopermaringá PP Branco 6.722 30% 0,60 4.033,20 23% 1.223 6% 0,60 733,80 4%Coopermaringá PP Colorido 2.773 13% 0,58 1.606,03 9% - 0% 0,60 0,00 0%

Subtotal 22.050 100% 17.890,15 100% 21.474 100% 20.186,30 100%Coopernorte PEAD Branco 7.789,0 30% 1,10 8.567,90 42% 11.769 43% 1,10 12.945,90 52%Coopernorte PEAD Colorido 5.379,0 21% 0,78 4.213,55 21% 12.449 45% 0,80 9.959,20 40%Coopernorte PP Misto 12.648,0 49% 0,60 7.588,80 37% 3.264 12% 0,60 1.958,40 8%

Subtotal 25.816 100% 20.370,25 100% 27.482 100% 24.863,50 100%

Colunas2007 2008

Fonte: Pesquisa de campo.

Conforme o Quadro 12, é possível verificar que a Coopercanção comercializou 15.820 kg de Garrafinha em 2007, perfazendo uma receita anual de R$ 10.441,20 com este produto. Já em 2008 sua receita, auferida através desse material, foi de R$ 16.945,50 com a venda de 21.725 kg. A Coopermaringá reclassificou o material Garrafinha em quatro subgrupos (PEAD Branco, PEAD Colorido, PP Branco e PP Colorido). O PEAD Branco, material de maior preço, representou o maior volume comercializado tanto em 2007 quanto em 2008, com 35 e 50%, respectivamente. Já a Coopernorte reclassificou o material Garrafinha em três subgrupos (PEAD Branco, PEAD Colorido, PP Misto). Tanto em 2007 quanto em 2008 o PEAD Branco não representou o maior volume comercializado. Entretanto, por ter maior valor de mercado, garantiu o maior percentual de receita entre os três materiais, 42% no primeiro ano e 52% no segundo. O PEAD Branco, material de maior valor, quando não representou o maior volume em kg na comercialização da Coopermaringá e da Coopernorte nos anos de 2007 e 2008, foi determinante e auferiu as maiores receitas entre os quatro subgrupos do grupo Garrafinha. Considerando esse fato, faz-nos necessário demonstrar, mesmo que

em uma situação hipotética, como seria o desempenho de vendas da Coopercanção se a mesma reclassificasse e comercializasse esses produtos separadamente. Para tanto, serão utilizados os percentuais de volume em kg apresentados pela Coopermaringá e COOPERNORTE.

Quadro 13 - Demonstração hipotética 1: Desempenho de vendas da

Coopercanção, utilizando-se o método de classificação e os percentuais da

Coopermaringá.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Descrição Kg % KgPreço médio unit.

$ anual % $ Kg % KgPreço médio unit.

$ anual % $

Coopercanção Garrafinha 15.820 100% 0,66 10.441,20 100% 21.725 100% 0,78 16.945,50 100%Subtotal 15.820 100% 10.441,20 100% 21.725 100% 16.945,50 100%

Coopercanção PEAD Branco 5.537 35% 1,10 6.090,70 47% 10.863 50% 1,10 11.948,75 59%Coopercanção PEAD Colorido 3.480 22% 0,78 2.726,31 21% 9.559 44% 0,80 7.647,20 38%Coopercanção PP Branco 4.746 30% 0,60 2.847,60 22% 1.304 6% 0,60 782,10 4%Coopercanção PP Colorido 2.057 13% 0,58 1.191,11 9% - 0% 0,60 0,00 0%

Subtotal 15.820 100% 12.855,73 100% 21.725 100% 20.378,05 100%10.441,20 16.945,5012.855,73 20.378,05

1,23 1,20Variação da receita hipotética em relação à real

Colunas

Receita real auferida pela CoopercançãoReceita hipotética da Coopercanção (situação 1)

2007 2008

Fonte: Pesquisa de campo.

Quadro 14 - Demonstração hipotética 2: Desempenho de vendas da

Coopercanção, utilizando-se o método de classificação e os percentuais da

Coopernorte.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Descrição Kg % KgPreço médio unit.

$ anual % $ Kg % KgPreço médio unit.

$ anual % $

Coopercanção Garrafinha 15.820 100% 0,66 10.441,20 100% 21.725 100% 0,78 16.945,50 100%Subtotal 15.820 100% 10.441,20 100% 21.725 100% 16.945,50 100%

Coopercanção PEAD Branco 4.746,0 30% 1,10 5.220,60 42% 9.342 43% 1,10 10.275,93 52%Coopercanção PEAD Colorido 3.322,2 21% 0,78 2.602,39 21% 9.776 45% 0,80 7.821,00 40%Coopercanção PP Misto 7.751,8 49% 0,60 4.651,08 37% 2.607 12% 0,60 1.564,20 8%

Subtotal 15.820 100% 12.474,07 100% 21.725 100% 19.661,13 100%10.441,20 16.945,5012.474,07 19.661,13

1,19 1,16

Total de Vendas por Material (em kg)2007 2008

Colunas

Receita real auferida pela CoopercançãoReceita hipotética da Coopercanção (situação 2)Variação da receita hipotética em relação à real

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Quadro 13, se a Coopercanção classificasse o grupo Garrafinha e vendesse os materiais separadamente, utilizando o

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método de classificação e os percentuais de volume (em kg) vendidos pela Coopermaringá, sua receita teria um incremento de 23% em 2007 e 20% em 2008. Já, utilizando o método de classificação e os percentuais de volume (em kg) da Coopernorte (Quadro 14), a Coopercanção teria aumentado o seu faturamento em 19% e 16% em 2007 e 2008, respectivamente. A escolha por realizar esta análise, apenas utilizando os dados de 2007 e 2008, foi em função de que, nesse período, foram obtidos os dados do ano inteiro, não deixando margem para possíveis variações sazonais no processo de coleta. Mesmo considerando que essas duas situações são hipotéticas e que os percentuais de volume em kg vendidos possam variar, a estatística demonstrou que os materiais de maiores valores (PEAD Branco e PEAD Colorido) apresentaram maior representatividade nos dois anos considerados pela Coopermaringá e Coopernorte. Nesse sentido, justificamos a relevância do processo de classificação dos materiais recicláveis para o desempenho de resultado. Diante de toda a análise realizada até o momento, foi possível verificar diversos aspectos quantitativos e qualitativos importantes. A seguir será apresentado um pouco do perfil social de cada cooperativa.

Gráfico 11 - Percentual médio de Homens e Mulheres por Cooperativa - 2006

a 2009.

35%

65%

31%

69%

38%

62%

45%

55%

70%

30%

83%

17%

83%

17%

80%

20%

40%

60%

44%

56%

32%

68%

30%

70%

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

H M H M H M H M

2006 2007 2008 2009

Coopermaringá

Coopernorte

Coopercanção

Fonte: Pesquisa de campo.

O Gráfico 11 demonstra a distribuição de homens e mulheres em cada cooperativa ao longo dos anos. Como é possível observar, na Coopernorte, o percentual de homens sempre foi bem maior que o de mulheres nos quatro anos e, atualmente, seu quadro de cooperados é composto por 80% de homens e 20% de mulheres.

Já a Coopermaringá e a Coopercanção apresentaram mais mulheres do que homens nesse mesmo período. Se em 2007 69% de mulheres e 31% de homens compunham a Coopermaringá, em 2009 o percentual de mulheres diminuiu para 55% e o de homens aumentou para 45%. Já na Coopercanção o percentual de mulheres foi de 60%, 56%, 68% e 70% em 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente.

Embora a Coopernorte tenha apresentado mais homens do que mulheres em todos os anos, não é possível afirmar que o seu melhor desempenho nesse período se deve a esse fato. Mesmo porque, não necessariamente, homens trabalhem mais que mulheres. O que é possível afirmar é que, usualmente, homens possuem uma estrutura física mais forte e oferecem maior predisposição para os serviços mais pesados. No entanto, no processo de reciclagem, nem todo trabalho a ser executado exige dispêndio de força.

Outro indicador social a ser analisado é o percentual de cooperados por faixa etária, como segue:

Gráfico 12 - Percentual de cooperados por faixa etária - 2006 a 2009.

Fonte: Pesquisa de campo.

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Com relação a esse indicador, o Gráfico 12 demonstra que o número de pessoas com idade entre 31 e 40 anos eram maioria na Coopermaringá, com 35% e 33% em 2006 e 2007, respectivamente. Já em 2008 e 2009 a composição da cooperativa esteve praticamente distribuída de forma homogênea por pessoas entre 20 e 50 anos.

Na Coopernorte é possível verificar que, em todo o período analisado, a predominância é de pessoas com idade entre 31 e 40 anos.

Já na Coopercanção é possível identificar um predomínio de cooperados com idade entre 51 e 60 anos, de 2006 a 2009. A faixa etária de pessoas entre 20 e 40 anos também representa significativamente a composição da cooperativa até 2008, quando esta sofreu uma redução no ano seguinte. Por sua vez é possível visualizar que o percentual de pessoas com mais de 60 anos cresceu gradativamente de 2006 a 2008 e, em 2009, deu um salto, passando a representar 30% do total de cooperados. Nesse sentido, se a faixa etária de cooperados com mais de 51 anos era representada por 44% em 2008, no primeiro semestre de 2009 esse número passou a ser de 70%. Não é que entraram mais cooperados dessa faixa etária, mas houve, sim, a saída de muitos outros de idades menores que conseguiram se colocar em outros empregos de maiores rendas.

Fazer uma correlação entre o desempenho de cada cooperativa e a composição delas por faixa etária é um trabalho delicado. A prerrogativa de que pessoas com menos idade trabalhem ou produzem mais do que pessoas com mais idade não é uma verdade absoluta. No entanto, de uma forma natural, é concebível que, conforme o ser humano envelhece, ele vai perdendo, aos poucos, as suas habilidades físicas, tornando-se mais frágil para determinados tipos de trabalhos. No caso do trabalho com a reciclagem, as funções de correr com os caminhões fazendo a coleta, manusear as prensas e carregar os fardos, por exemplo, geralmente ficam a cargo dos cooperados mais jovens, cuja predisposição física lhes é peculiar.

Nesse sentido, a queda brusca do desempenho da Coopercanção, de 2008 para 2009, pode ser associada a dois fatores: a diminuição dos

preços em função da crise econômica e a evasão dos cooperados de menor faixa etária.

Além desses indicadores sociais apresentados, é possível apontar mais dois, um que diz respeito ao grau de instrução dos cooperados e outro, sobre a existência, ou não, de trabalho infantil nas cooperativas.

Quadro 15 - Número de cooperados estudando em 2009.

Coopermaringá Coopernorte CoopercançãoNº de cooperados que estudam atualmente 1 0 0Nº total de cooperados 21 15 23Índice 0,05 0,00 0,00

Nº de cooperados que estudam atualmente (2009)

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Quadro 15, é possível verificar que o número de cooperados que estudam atualmente é zero. Somente um cooperado entre as três cooperativas estuda no presente momento, dentre uma realidade em que a maioria possui no máximo o Ensino Fundamental. Quadro 16 - Ausência de trabalho infantil.

Fonte: Pesquisa de campo.

Conforme o quadro 16, podemos notar a ausência de trabalho infantil nas cooperativas de reciclagem, fato já verificado na distribuição de cooperados por faixa etária, já que as faixas compreendem de 20 a mais de 60 anos.

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1.2. COOPERATIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR

Na área rural, vamos tomar para análise dos indicadores socioeconômicos um dos empreendimentos incubados, a cooperativa denominada Cooperatvama - Cooperativa dos Agricultores das Comunidades 300 Alqueires, Vila Rural, Água dos Martas, 1.000 Alqueires e Alvorada. Esse empreendimento foi formado por pequenos produtores familiares de maracujá orgânico na região central do Estado do Paraná, no município de Poema, distrito de Nova Tebas.

Esta cooperativa nasceu da iniciativa de um grupo de 52 produtores, com baixo grau de instrução, que decidiram se unir a partir de uma reunião em maio de 2006, uma vez que os moradores do distrito estavam em constante migração para as grandes cidades, principalmente para o Estado de São Paulo. Assim, tiveram a ideia de cultivar o maracujá azedo, pelo clima, relevo e ausência de grandes plantações de soja na região, uma vez que o terreno é ondulado. As razões para o cultivo do maracujá orgânico são as que seguem: 1°. qualidade de vida do produtor e consumidor; 2°. oportunidade de iniciar um trabalho de conscientização com relação à proteção do meio ambiente; 3°. melhor preço do produto; 4º. objetivo de fazer do distrito uma região orgânica. Inicialmente eram apenas 32 produtores que se dedicavam à produção do maracujá orgânico. Tinham muitas dificuldades com o plantio/manejo, controle de pragas e doenças e na comercialização, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 13 – Escolaridade e dificuldades encontradas.

Escolaridade

02468

1012141618

1 grau i

ncompleto

1 grau c

omple

to

2 grau i

ncompleto

2 grau c

omple

to

3 grau i

ncompleto

3 grau c

omple

to

Analfa

beto

Nível

Qtd

e. d

e pr

odut

ores

Fonte: Pesquisa de campo.

NenhumaBacteriose

ManejoCombate a doenças e pragas

02468

1012141618

Dificuldades encontradas

Tipo de dificuldadeQ

tde.

de

prod

utor

esFonte: Pesquisa de campo.

Com a criação em 2008 da Cooperatvama, houve mais incentivo para os produtores familiares, sob a orientação do quadro técnico agronômico da Incubadora, em aumentar a área plantada e melhorar as condições de

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cultivo do maracujá orgânico, orientando para o fortalecimento do solo como estratégia para controlar pragas e doenças nos maracujazeiros. Além disso, a orientação para a formação da cooperativa foi também um passo importante para facilitar a comercialização dos maracujás.

É possível demonstrar a evolução desses produtores familiares de maracujá orgânico por meio de alguns dados quantitativos, colhidos dos registros da própria cooperativa, referentes ao período de sua formação até 2009, como segue:

Quadro 17 - Demonstração de resultado da Cooperatvama - 2007 a 2009.

Ano 2007 2008 2009Safra 2006 2007 2008

Tipo de maracujá Convencional* Orgânico OrgânicoNº de produtores 11 32 48

Produção(Kg) 70.000 190.000 134.000Nº de pés (em produção) 8.000 14.500 12.000

Área (ha) 4,85 8,79 7,27Preço médio (Kg) 0,45R$ 1,10R$ 1,55R$

Faturamento bruto anual 31.500,00R$ 209.000,00R$ 216.370,00R$ Custo anual de produção 14.700,00R$ 39.900,00R$ 28.140,00R$

ICMS 3.780,00R$ 25.080,00R$ 960,00R$ Funrural 787,50R$ 5.225,00R$ 1.659,00R$

Resultado líquido 12.232,50R$ 138.795,00R$ 185.611,00R$ Renda líquida por produtor/ano 1.019,38R$ 11.566,25R$ 15.467,58R$

Renda líquida por hectare/ano 2.522,95R$ 15.793,91R$ 25.521,51R$ * Em processo de certificação

Região SUL SUDESTE*Área média em (ha) - Tipo A 36,9 57,1Rentabilidade por hectare/ano 465,00R$ 347,00R$ Fonte: Agricultura familiar e reforma agrária no século XXI, 2001

COOPERATVAMAProdução maracujá

RENTABILIDADE POR HECTARE/ANO DOS AGRICULTORES FAMILIARES DO TIPO A* NO SUL E SUDESTE

Fonte: Pesquisa de campo.

Por meio do Quadro 17, é possível identificar que a certificação do maracujá orgânico da Cooperatvama só foi obtida a partir da safra de 2007. Nesse sentido, os produtores familiares desse fruto já obtiveram a primeira conquista, ou seja, um melhor preço do kg deste. O gráfico a

seguir demonstra a evolução do preço do kg do maracujá. Gráfico 14 - Evolução do preço do kg do maracujá.

Preço médio do maracujá (Kg)

R$ 0,45

R$ 1,10

R$ 1,55

R$ -R$ 0,20R$ 0,40R$ 0,60R$ 0,80R$ 1,00R$ 1,20R$ 1,40R$ 1,60R$ 1,80

Convencional Orgânico Orgânico

2007 2008 2009

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Gráfico 13, podemos observar que o preço

médio do maracujá cresceu quase 150% de 2007 para 2008 somente com a certificação do produto, ou seja, se o kg do maracujá convencional era de R$ 0,45 em 2007, em 2008 o kg do maracujá orgânico atingiu R$ 1,10. Já de 2008 para 2009 a variação positiva do preço do maracujá orgânico foi de aproximadamente 41%. A alta do preço médio do kg deste fruto em 2009 se deve a um fator atípico, cerca de 70% da produção foi comercializada através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Nesta operação, o maracujá orgânico foi negociado a R$ 2,00/Kg, inclusive livre de imposto. A necessidade de realizar essa parceria se deu em função que, em 2009, a Cooperatvama encontrou dificuldades de escoar a sua produção. Nesse sentido, a Incubadora Unitrabalho/UEM realizou, junto com os produtores, todo o projeto com a Conab, visando garantir não só a sustentabilidade da cooperativa, mas também beneficiar centenas de pessoas com um produto mais saudável. Isso porque, uma parceria

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entre SESC (Serviço Social do Comércio) e Conab, através do programa MESA BRASIL SESC e da Doação Simultânea, redistribuiu os maracujás orgânicos do município de Poema para diversas creches, asilos e abrigos de Curitiba, Cascavel, Guarapuava, Londrina e Francisco Beltrão. O maracujá orgânico de Poema, comercializado através da Conab, também abasteceu o banco de alimentos da Ceasa de Maringá. Com a evolução do preço desse fruto não fica difícil pensar que o faturamento da Cooperatvama também crescesse. É óbvio que o faturamento não depende apenas de um melhor preço, mas também do volume produzido e comercializado. Nesse sentido, de acordo com o Quadro 17, será demonstrado o aumento da produção bem como o do faturamento.

Gráfico 15 - Evolução da Produção e Faturamento da Cooperatvama.

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Gráfico 15, podemos observar que o faturamento bruto da Cooperatvama deu um salto de 2006 para 2007 com a certificação orgânica do maracujá. Se a safra de 2006 rendeu um faturamento bruto de R$ 31.500,00, a de 2007 teve um incremento de aproximadamente 560%, atingindo um faturamento bruto anual de R$ 209.000,00. Da safra

de 2007 para 2008 o aumento desse faturamento foi de 3,5%. Como dito anteriormente, o crescimento do faturamento ao longo dos anos se deu em função do ganho do preço da fruta, contudo, o aumento da produção também contribuiu para esse fato. A safra de 2007 produziu 171% mais do que a de 2006, ou seja, 120 toneladas a mais. Já da safra de 2007 para 2008 houve uma diminuição de 56 toneladas, aproximadamente 30%. Contudo, mesmo com essa queda, o Gráfico 15 demonstrou aumento do faturamento bruto anual de 2007 para 2008, que só foi possível graças à comercialização efetuada através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Não só a produção e o faturamento aumentaram, mas também o número de pés de maracujá e o de produtores, como pode ser observado a seguir.

Gráfico 16 - Evolução do nº de produtores - Cooperatvama.

Fonte: Pesquisa de campo.

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Gráfico 17 - Evolução do nº de pés de maracujá (em produção) - Cooperatvama.

Fonte: Pesquisa de campo.

Os Gráficos 16 e 17 demonstram a variação do número de produtores e pés de maracujá, respectivamente. Da safra de 2006 para 2008 o número de produtores aumentou gradativamente, de 11 para 48. Atualmente a Cooperatvama está composta por 77 cooperados. O número de pés de maracujá plantados cresceu cerca de 80% da safra de 2006 para 2007, mas diminuiu aproximadamente 17% na safra seguinte. A diminuição do número de pés de maracujá da safra de 2007 para 2008 afetou o montante de frutas produzidas, como foi observado no Gráfico 14. Mesmo assim, como também observado neste mesmo gráfico, a safra de 2008 gerou o maior faturamento de todos os anos. Mais uma vez, o que explica esse fato é a comercialização através do PAA, realizada nesse período. O maior faturamento alcançado com a safra de 2008 se deve não apenas ao melhor preço do kg da fruta conseguido mas, principalmente, pela isenção de tributos sobre 70% do faturamento bruto anual comercializados através do PAA. O Gráfico 18 demonstra essa variação.

Gráfico 18 - Variação dos tributos sobre o faturamento bruto anual da

Cooperatvama.

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com o Gráfico 18, é possível verificar que a maior carga tributária foi apresentada no ano de 2007. Mas como isso é possível visto que em 2008 a Cooperatvama teve o maior faturamento desde 2006? Bem, isso pode ser explicado em função de que a maior parte das vendas de 2008, ou seja, 75% da produção, foram comercializadas através do PAA. Na comercialização através deste programa, os produtores de maracujá orgânico de Poema ficaram isentos do ICMS e do Funrural, o que explica então a baixa carga tributária sobre o faturamento de 2008. Nesse sentido, o MDA desempenha importantíssimo papel para proporcionar a permanência do pequeno agricultor no campo. A Cooperatvama, que apresentou algumas dificuldades quanto à comercialização, em 2010 conta com um projeto de instalação, já aprovado pelo MDA, de uma agroindústria que irá processar os maracujás e produzir polpa. Além de a agroindústria se tornar ferramenta imprescindível para agregar valor e melhorar e trazer novas formas e possibilidades de comercialização, incentiva os pequenos produtores a diversificar sua cultura. Um exemplo disso é a movimentação dos cooperados

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para implantar a produção da acerola. Logo, o trabalho realizado pelos produtores organizados, de forma coletiva, e pela Incubadora e demais colaboradores vem, literalmente, produzindo bons frutos.

1.3 ALGUNS INDICADORES QUALITATIVOS

Num esforço conjunto da equipe da Incubadora, procurou-se levantar alguns indicadores que fossem mais qualitativos, com base na observação e na interação com os trabalhadores cooperados ao longo do período de acompanhamento dos empreendimentos, demonstrados no quadro abaixo. Criamos dois blocos de indicadores sociais que chamamos de Desenvolvimento Humano e Relação com o meio em que está inserida. A metodologia para construção destes indicadores começa com uma pergunta sobre a questão a ser observada. A partir disso, se estabelece os padrões para a classificação dos mesmos e quais as fontes que vão fornecer as informações ou servir de auxilio para concretizar a averiguação, além da observação e diálogo com os trabalhadores cooperados. Portanto, os indicadores sociais aqui apresentados trazem na sua composição, uma referência tanto objetiva, como subjetiva. Além dos três empreendimentos acima analisados do setor de reciclagem e um da agricultura familiar, juntamos outros três também da reciclagem (Coopeecológica, Coopervidros e Coopercentral), um de artesanato (Santo Antonio) e mais um da agricultura familiar de assentados da reforma agrária (Cooperivaí). Em análise ao quadro, podemos observar que a maioria absoluta dos empreendimentos apresentou indicadores satisfatórios nas perguntas levantadas para avaliação. No grupo dos indicadores sociais relativos ao desenvolvimento humano, se procurou identificar substancialmente, mudanças no padrão de vida e relacionamento dos cooperados com a sociedade, além da participação interna e fidelidade ao seu empreendimento. Observamos a incidência de desempenho parcial no indicador de satisfação do cooperado com o seu trabalho, apontando

para queixas e reclamações quanto às relações de trabalho em alguns empreendimentos. É óbvio que as condições que esses trabalhadores associados desfrutam podem e devem melhorar com o tempo de convivência e entendimento, mas dificilmente os cooperados ficarão plenamente satisfeitos. Não podemos esquecer que os conflitos são quase naturais num processo de trabalho coletivo pela sua complexidade de interação. No caso dos empreendimentos urbanos (especialmente da reciclagem), entendemos que isso denota um fator cultural, por observarmos que as reclamações sempre ocorrem, sendo independentes da renda, do nível de rotatividade e organização do empreendimento. Vale destacar uma particularidade do artesanato. No grupo analisado, o planejamento do trabalho coletivo ocorre muito frequentemente, de forma “andante”, ou seja, aproveitando os momentos de encontro e trabalho nas feiras de comercialização e são de curta duração, no máximo em uma hora de diálogo se faz ou refaz um planejamento, sem conflitos.

Já no caso dos empreendimentos rurais, pensamos que as queixas estão mais relacionadas com a situação de isolamento social das comunidades, próprio do meio rural, em vista de praticarem de forma mais freqüente, convivência apenas comunitária, que difere daquelas de organização e integração do trabalho coletivo. Quanto aos indicadores que buscaram identificar o nível da relação dos empreendimentos e associados com o meio em que estão inseridos, todos apresentam um bom desempenho. Gozam de apoio da comunidade e conseguem bom relacionamento com os poderes públicos e instituições, apesar de enfrentarem em alguns casos, dificuldades momentâneas. Utilizam práticas para preservação do meio ambiente e respeitam as comunidades onde funcionam seus empreendimentos.

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INDICADORES SOCIAIS

LEGENDA

S = sim N = não P = parcialmente N/A = não se aplica

2 CONSIDERAÇÕES

FINAIS

Os trabalhadores organizados nas cooperativas de materiais recicláveis, objeto desta análise, demonstram que elas adquiriram, ao longo dos quatro anos, um estágio de sustentabilidade e autogestão importante, pois conseguiram passar pela crise desencadeada em 2008, que afetou o preço dos materiais, objeto de suas vendas sem sofrer desestruturação, apesar de alguma perda financeira, que, pela sua dimensão, não chegou a afetá-las seriamente.

Podemos afirmar que o faturamento reflete o tamanho do quadro social. Além disso, outro fator importante que interfere no faturamento está no processo de classificação dos materiais, ou seja, quanto mais itens classificados dos materiais, maiores são as possibilidades de se melhorar o faturamento. Além disso, as condições das instalações físicas e equipamentos adequados interferem na apresentação e qualidade do produto e, conseqüentemente, no preço de venda. A faixa etária dos cooperados pode também afetar na produtividade do trabalho, que, por sua vez, se traduz no faturamento final. De todo modo, o faturamento, de forma geral, teve uma evolução positiva com o passar dos anos, denotando avanço na organização do trabalho e gestão.

As retiradas dos cooperados evoluíram positivamente ao longo do período analisado, embora estejam em torno do salário mínimo, pouco maior em uma e inferior em outra.

Vale destacar a questão das horas trabalhadas. Em nenhuma das cooperativas acompanhadas os trabalhadores têm jornada superior a 7h por dia de trabalho, considerando-se 25 dias por mês. Levando em conta uma média das três cooperativas, são 6h de trabalho por dia. Esta jornada, respeitando a diversidade de faixa etária, favorece os trabalhadores de maior idade, embora a concentração se apresente na faixa intermediária, entre 30 e 40 anos.

De modo geral, tomando apenas esses indicadores, pensamos que a evolução foi positiva nas condições de trabalho e renda desses

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trabalhadores. Os produtores familiares de maracujás orgânicos, aqui representados na análise do desempenho da Cooperativama, também tiveram evolução muito positiva no aspecto produtivo e de renda. Houve aumento significativo no número de agricultores que passaram a integrar a cooperativa, bem como no número de maracujazeiros plantados. Os resultados positivos nos primeiros passos da cooperativa foram estimulando os produtores a fortaleceram a cooperativa, que, por sua vez, teve maior volume de frutos para comercializar. Ganham ainda mais nos preços à medida que vão substituindo a produção tradicional pelo fruto orgânico. Os dois fatores levam ao aumento no faturamento e na renda líquida da cooperativa. Renda esta melhorada na medida em que a comercialização também passa a ser feita por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), aliviando a carga tributária. Por outro lado, também contribui com a sociedade por distribuir alimento orgânico para uma parcela importante da sociedade, contemplada com esse tipo de venda com doação simultânea, que são as crianças em idade escolar. Ressaltamos, por esta análise, a necessidade de um marco jurídico que diferencie as cooperativas da economia solidária para que esses empreendedores não tenham necessidade de lançar mão da política pública para gozar de redução tributária que é excessiva nesses casos. Esses empreendimentos precisam permanecer no mercado como os demais, até para crescerem e se tornarem mais fortes. Podemos acrescentar que nesses empreendimentos cada grupo fez seu caminho, cada um com suas especificidades, escolhas, diretrizes e resultados. Nesse sentido podemos afirmar que o processo de incubação de EES é, de fato, de construção e reconstrução de conhecimentos, por meio da práxis, trabalhando o conhecimento teórico e prático de forma dialógica em uma ação coletiva criativa e modificadora da realidade. Apesar de nesta análise termos priorizado os dados quantificáveis das cooperativas, podemos supor que esses resultados certamente geraram maior qualidade de vida, tendo em vista a melhoria na renda e o aspecto da sociabilidade que o coletivo proporciona. Organizados

coletivamente, certamente, vivenciam que são mais fortes, fortalecendo, inclusive, a solidariedade entre os associados, o que, por sua vez, é uma demonstração clara para a sociedade onde estão inseridos de que uma economia diferente, mais focada no ser humano e no fortalecimento dos laços sociais é possível. Assim é a economia solidária.

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5 REFERÊNCIAS

CATTANI, Antonio David. A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.

WAUTIEZ, F.; SOARES, Claudia L. B.; LISBOA, Armando de M. Indicadores da economia solidária. In: CATTANI. Antonio David. A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

INCUBADORA DE EMPREENDIMENTOS

ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS:

Agente de transformação

por meio da práxis

Maria Nezilda Culti

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No final desta caminhada em que se apresentou o trabalho desenvolvido na Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários na Universidade Estadual de Maringá (Incubadora Unitrabalho/UEM), o leitor terá percebido a diversidade de situações e soluções que envolvem o processo de incubação junto aos trabalhadores urbanos e rurais que demandam o atendimento da Incubadora. Os relatos e as análises desenvolvidas em cada capítulo trazem nuances das abordagens, das dificuldades, facilidades e das potencialidades do processo de incubação como uma atividade prática que envolve os trabalhadores e a Universidade, por meio da extensão. Não pretendemos nesta conclusão fazer um resumo do que foi exposto para preservar a formulação original apresentada pelos(as) autores(as). Nosso propósito aqui será apenas de ressaltar algumas das constatações que julgamos relevantes para reforçar o entendimento que temos sobre a interação da Universidade, por meio da Incubadora, ao desenvolver ações de extensão com os(as) trabalhadores(as). Vamos nos apoiar para nortear esta discussão no texto da Introdução que discorreu sobre o conhecimento e práxis no processo de incubação como um processo educativo. Como já ressaltado na Introdução deste livro, o processo de incubação é de construção e reconstrução de conhecimentos, que une saberes populares e acadêmicos, de forma dialógica e participativa, entre os agentes envolvidos (trabalhadores, Universidade e parceiros) para atender às necessidades e desejos trazidos pelos trabalhadores que pretendem ser empreendedores, autogerindo seus próprios empreendimentos. Dada a diversidade de situações, perfis dos grupos de trabalhadores, condições materiais, sociais e ambientais, o processo precisa ser conduzido de forma criativa, sem perder de vista o aspecto coletivo e de transformação das realidades, independentemente do setor produtivo, seja ele rural ou urbano. Desse modo, com base nas observações a partir da prática vivida com os grupos atendidos e relatados nos capítulos, percebemos que no meio rural encontramos algumas especificidades. Com os produtores

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rurais da agricultura familiar ou dos assentamentos da reforma agrária, o trabalho precisa ser iniciado muito mais pelo caminho da confiança para se chegar aos objetivos pretendidos. Nesse sentido, no caso rural, primeiro é preciso diagnostigar a cultura de relações humanas, sociais, produtivas e comerciais na localidade, em vista de que, nas comunidades, sempre há famílias de produtores que lideram, ou seja, é preciso identificar as relações locais que foram construídas ao longo do tempo, com base na confiança e convivência local ou comunitária.

A identificação das lideranças locais é importante porque são elas que tomam decisões com base em uma relação informal, mas de confiança plena dos produtores da comunidade, tanto que os demais se orientam por elas.

A porta de entrada para o agente externo (equipe da Universidade/Incubadora) na localidade rural ou comunidade dos produtores é facilitada se ela ocorrer pelas mãos de um produtor local para quebrar resistências e ganhar a confiança dos demais produtores. Depois da sua entrada e na continuidade, essa relação de confiança é mais fácil de ser construída com base em uma relação dialógica entre os produtores e o agente externo (equipe da Universidade/Incubadora) mediante a presença desse agente com certa regularidade na localidade/comunidade. A presença mais constante vai permitir mais tempo de observação do comportamento desse agente pelos produtores, possibilitando mais tempo de “prosa” entre eles, ao estilo do “cerca peão” como dizem os sertanejos. Nessas conversas a equipe de trabalho não pode deixar nada subtendido, todas as intenções precisam ficar bem claras. Dessa forma é possível a continuidade da inserção e desenvolvimento das atividades.

Também é recomendável, no início das ações, esclarecer a função do Estado e das Políticas Públicas que hoje têm por finalidade beneficiar os pequenos produtores, pois eles resistem a elas em vista de as mesmas, no passado, não priorizarem o pequeno produtor, ou seja, tudo isso é necessário para quebrar as desconfianças.

Alguns desses aspectos foram apontados na discussão apresentada por Souza, Andrade, Alves, Natali e Pian (Capítulo 2)

quando afirmaram que, para estreitar a aproximação com os produtores dos assentamentos rurais da reforma agrária que seriam atendidos, a equipe da Incubadora deparara com a “desconfiança característica do produtor rural que vive com pouca informação, comunicação e procura se proteger do “forasteiro” (equipe da Incubadora) que se aproxima com “boas” propostas. Também foi preciso considerar “o grau de politização e a existência de pequenos grupos de produtores e suas lideranças, atuação das brigadas do MST no interior de cada assentamento”. Tentando vencer ou conviver com essas barreiras, a equipe lançou mão das estratégias que são dialógicas e podem permitir e facilitar a maior aproximação. Nesse sentido disseram que, para “Ganhar a confiança da maioria dos produtores, principalmente nos primeiros contatos e início das ações, demandou muita “prosa” num longo caminho percorrido que incluiu pescarias, festas, almoços e outros encontros informais”.

Nesse caso dos assentamentos, mesmo vindo a demanda pelas mãos de um agrônomo que fazia parte do movimento do MST, houve alguma resistência. Isso nos dá a medida do quanto este aspecto é relevante para se atuar no meio rural. De outro lado, havemos que ponderar que se tratou de produtores oriundos do MST, que são naturalmente politizados e talvez por isso fiquem exacerbados esse aspecto e outros apontados pelos autores, como a divisão interna em grupos, que facilita a geração de conflitos entre eles na medida em que precisam tomar alguma decisão coletiva.

Vencidas as dificuldades iniciais da falta de confiança, no decorrer do desenvolvimento das ações e dos trabalhos com os produtores, também é preciso amenizar as resistências para que a formalização dos empreendimentos coletivos seja singular ou a organização das redes ou centrais de produção e comercialização, pois percebemos, ao se recomendar a organização coletiva, que os produtores receiam perder a posse daquilo que é um bem estável e da família, como a terra, bem como ficar sem liberdade, temendo o empoderamento de uma gestão coletiva formalizada.

Os autores já citados relatam as dificuldades no encaminhamento

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das discussões acerca da criação de uma cooperativa por parte dos produtores de leite dos assentamentos. Segundo Souza, Andrade, Alves, Natali e Pian, foi necessário mais de um ano de diálogo e interação por meio de reuniões, encontros informais e formais para finalmente decidirem pela criação do empreendimento que uniu, além dos produtores dos quatro assentamentos localizados em dois municípios vizinhos, outros produtores não assentados de um município próximo, criando-se uma pequena rede de produtores de leite que beneficiaria a todos. Segundo eles,

Nestas discussões ficavam muito evidentes os conflitos existentes entre os grupos que são formados internamente entre os produtores dos assentamentos. O MST desenvolve um forte processo de politização com esses produtores, o que, por um lado, é importante para conseguirem a terra para trabalharem e construírem suas vidas, por outro, também gera muitos conflitos, mesmo depois de assentados. A equipe da Incubadora encontrou dificuldades em muitos momentos para lidar com essas diferenças e conflitos e precisou de cuidadosa discussão interna e avaliação para a interação com todos os grupos de produtores.

Nesse caso vale ressaltar, ainda, a importância da construção coletiva, como também criativa, ao demonstrar um fato pouco comum e, até onde temos conhecimento, inédito - a união dos produtores oriundos do MST com produtores familiares não assentados em um único empreendimento (cooperativa) enquanto pessoas físicas associadas. Até pelo tempo dedicado a essa interação, indicado pelos autores, podemos afirmar que a relação dialógica tem a capacidade de unir trabalhadores com visão de mundo ou ideologia política diferentes em torno de uma iniciativa para benefício de todos indistintamente.

Faz parte do trabalho oferecer orientação para os produtores entenderem que é a união dos mesmos que permite acumular as condições mínimas para potencializar a produção, o volume de venda, melhorar a inserção no mercado e o mínimo necessário para obter

financiamentos por meio de políticas públicas de crédito ou a fundos perdidos, via programas voltados ao apoio do pequeno agricultor familiar ou urbano.

Ainda no caso dos empreendimentos rurais, são muito importantes, no aspecto da comercialização, as orientações para aproveitar as possibilidades de venda direta a Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) aos Centros regionais/locais de abastecimento e também às redes de supermercados e unidades agroindustriais da área de alimentos. Estimular, entre os produtores, o cultivo de orgânicos, por estes terem valor de venda mais elevado no mercado. Nessa mesma linha, orientar e oferecer formação técnica para processar produtos e obter certificação, visando agregar mais valor aos mesmos. Um bom exemplo desses encaminhamentos pode ser observado na atitude que tomaram os produtores de maracujá orgânico que, depois de terem organizado sua cooperativa, buscaram apoio para instalarem uma unidade de processamento da polpa de maracujá. Segundo os autores acima, os produtores,

[...] foram auxiliados na negociação e na elaboração do projeto necessário para a realização de venda para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Também vem sendo trabalhada a comercialização com o banco de alimentos da Central de Abastecimento (Ceasa) de Maringá. Em vista do aumento do número de produtores de maracujá e também da produção, os cooperados queriam agregar valor à atividade, passando a processar o fruto para vender na forma de polpa de maracujá orgânico. Para isso, a equipe da Incubadora elaborou, em parceria com a Emater, um projeto de instalação de uma unidade industrial para a produção de polpas congeladas, que concorreu e foi vencedor, em um processo seletivo de projetos em um Programa dos Territórios do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Atualmente os recursos estão em processo de licitação para início da construção do espaço físico da cooperativa e da unidade industrial.

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De forma geral, a organização de redes, mesmo que pequenas entre produtores de um mesmo produto ou de uma mesma região ou mesmo cadeias de processamento e comercialização, tanto na área rural como na urbana, é importante para dar mais estabilidade econômica aos grupos informais ou empreendimentos formalizados em cooperativas ou associações.

Nos empreendimentos do setor urbano também encontramos o aspecto da desconfiança da aproximação do agente externo. O que muda são as formas ou estratégias de interação que a equipe acaba desenvolvendo, que são diferentes porque nas cidades a cultura das relações humanas é mais individualista e menos comunitária ou de vizinhança em comparação à que se observa no meio rural entre os produtores. As lideranças, quando existem em uma comunidade urbana, são mais facilmente identificadas.

No meio urbano se observa que a desconfiança tem outra origem. Quanto mais excluídos do trabalho e socialmente forem os trabalhadores, maior é o grau de desconfiança de quem deles se aproxima, oferecendo qualquer tipo de oportunidade. Este comportamento foi bem percebido quando a Incubadora interagiu com os trabalhadores que estavam no lixão da cidade de Maringá e região metropolitana, vivendo da catação de materiais recicláveis.

Talvez por terem uma vida produtiva de total precariedade, custam a acreditar que existam, ainda, para eles outras alternativas possíveis e, com isso, colocam a distância os agentes que podem ter algo melhor a oferecer, como as universidades quando atendem a solicitações de poderes públicos locais para fazer parcerias na tentativa de trazer esses trabalhadores para uma atividade e organização de trabalho mais digna. Isso foi observado pela equipe da Incubadora que interagiu com vários grupos formados por esses trabalhadores que acabaram criando suas cooperativas ao longo do processo de incubação. Os autores Almeida, Domingos e Tenório (Capítulo 1) assim descrevem a situação dos trabalhadores:

Ressalta-se que a população com a qual a Incubadora interage e exerce atividades é em parte relacionada àqueles provenientes do antigo “lixão” da cidade de Maringá. Local sem as mínimas condições salutares de trabalho e que acarreta péssimos hábitos de vida, haja vista que a maioria passa a semana no próprio lixão, o que pode ser constatado em trabalho em tela. Tal mínimo de condições não é ideal, ele está descrito na própria Constituição, em que se encontram prescritos, dentre os direitos sociais, aqueles que possibilitam a vida com dignidade à pessoa humana, a saber, “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social”, entre outros.

Quando esses trabalhadores percebem que podem depositar confiança nas pessoas da Universidade, aquela é sólida e a parceria é duradoura em vista, também, das inúmeras fragilidades e dificuldades que geralmente os acompanham. O processo de incubação com esses grupos constrói caminhos inusitados de descobrimentos, nos quais as pessoas (equipe e trabalhadores) vão se conhecendo mutuamente. Alguns membros da equipe entram em contato com a existência de uma realidade desconhecida para eles e, ao mesmo tempo, os trabalhadores tomam conhecimento que ainda podem ser cidadãos e que têm direitos constitucionais garantidos.

Nesse capítulo os autores argumentaram que o processo de incubação é capaz de garantir alguns direitos essenciais ao homem, por meio indireto, tendo em vista que as orientações da equipe multidisciplinar da Incubadora objetiva a liberdade econômica, a autonomia e a autogestão dos empreendimentos, além de proporcionar trabalho e renda.

Os trabalhadores têm direito à existência com respeito à dignidade e à vida. O trabalho digno é capaz de propiciar diversos outros direitos fundamentais. Entretanto, nem toda população mantém seus direitos mínimos garantidos como enseja a Constituição Federal. Neste caso, a ajuda dos agentes externos, como a Incubadora, é de suma importância. Na avaliação dos autores citados,

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Insta salientar que a Coopernorte pode ser considerada um grupo que possui maior percepção de seus direitos, haja vista que preserva os subsídios da Prefeitura, como também possui fixa a ideia de que um grupo organizado deve zelar pelos documentos, e aceitam com menos pesar a burocracia de uma cooperativa.

Prosseguem afirmando que os trabalhadores atendidos, ressalvando-se as peculiaridades de cada grupo, conseguiram obter grande percepção de seus direitos fundamentais. Apesar das dificuldades que a realidade impõe ao processo de incubação, dizem que “é real a mudança e melhora na qualidade de vida do trabalho, familiar e social dos cooperados”. Complementam, ainda, afirmando que,

[...] embora em diversas graduações, todos os indivíduos do grupo de trabalhadores são capazes de perceber a existência de direitos fundamentais. Estes se demonstram com pequenas manifestações de protecionismo e defesa do que já foi adquirido, bem como o inconformismo expresso pelos cooperados se lhes são ameaçados alguns direitos fundamentais. Bem como é patente a melhora das condições de trabalho que proporciona indubitavelmente um grande avanço rumo à concretização dos direitos fundamentais elencados na Constituição Federal.

Desta feita há como afirmar, sem correr o risco de ser apenas uma ideia ou opinião prematura, que o processo de incubação é também um processo real de transformação, já que propicia mudanças na realidade de trabalho e vida das pessoas.

Nesse processo não podemos ignorar a importância e o papel das políticas públicas. Elas são duplamente necessárias, pois precisam potencializar as ações da Incubadora na medida em que provêm Normas e Leis a ela pertinentes em apoio aos Empreendimentos Econômicos Solidários, além de viabilizar recursos materiais necessários para a instalação dos mesmos, em muitas circunstâncias. Os meios materiais,

na maioria das vezes, são necessários porque são pessoas que só dispõem de sua força de trabalho e não têem a posse de bens ou capital financeiro para melhorar suas condições de trabalho e renda.

Vimos, pelo relato dos autores Almeida; Domingos;Tenório (Capítulo 1), os várias decretos e leis implementadas pela Prefeitura do município de Maringá para apoiar as cooperativas que estavam se formando com os trabalhadores de materiais recicláveis. Entretanto, não é desejável que essas leis desapareçam com as mudanças de poder, já que a maioria tem o prazo de um mandato de governo. Por isso se faz necessária uma política permanente, desde a esfera pública municipal até a federal.

Avaliamos que as políticas públicas, bem como a Universidade, por meio da Incubadora, oferecem instrumentos e apoio aos grupos de trabalhadores que pretendem e conseguem organizar seus empreendimentos. Apesar disso, o êxito depende essencialmente dos(as) próprios(as) trabalhadores(as), que precisam de muita determinação para não desistirem quando as dificuldades ou barreiras naturais aparecem no transcorrer do processo. Nem todos os grupos que procuram a Incubadora acabam se transformando em uma cooperativa ou associação formalizadas legalmente. Alguns se desfazem, sucumbem no decorrer do processo e outros fazem a escolha de permanecerem como estavam, trabalhando de forma coletiva, mas continuando como grupos informais. Os motivos são muito variados e diferem de grupo a grupo, conforme suas condições, expectativas e desejos.

No relato dos autores Lima, Gimenez, Scrivanti, Garcia e Tanaka (Capítulo 3), que discutiram dois empreendimentos de artesãs em municípios diferentes, essas possibilidades ficaram bem evidentes. Ou seja, apesar de todo o empenho da equipe da Incubadora para levar adiante a formação da cooperativa das artesãs, em nenhum dos dois casos houve êxito. O que havia de comum entre eles, era a necessidade da remuneração das artesãs como sendo complementar à renda familiar. Talvez este seja o motivo para o desinteresse ou menor empenho, como ficou indicado pelos autores.

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Em um dos grupos (Artefaz) a conclusão a que os autores chegaram foi que:

Após várias visitas de acompanhamento, troca de informações e cursos ministrados, a equipe da Incubadora identificou a falta de interesse do grupo em se legalizar. Diagnosticou-se que o grupo tinha interesse no auxílio em encontrar pontos de comercialização na própria cidade e nas regiões, principalmente Maringá, na qual a Incubadora está localizada e, sendo assim, que ela fosse o intermediário para as vendas na cidade. Entretanto, esta ação esperada pelo grupo não faz parte das atividades desenvolvidas pela Incubadora, pois o objetivo principal é que os empreendimentos busquem ser autogestionários e que possam futuramente caminhar sozinhos, administrando, planejando, controlando e avaliando seu trabalho e seus ganhos.

Em outro (Mãos que Fazem), alegam que,

[...] ao desenvolver as atividades e identificar o perfil das mulheres, ficou evidente que no começo elas estavam muito entusiasmadas com a ideia de um lugar fixo para revender seus produtos artesanais e aumentar a sua renda familiar, só que se tornou cômodo para elas a “velha cultura” de culpar os obstáculos encontrados ao invés de se unirem e enfrentá-los.

Entretanto, para não tirar conclusões apressadas, é preciso analisar outros estudos de casos para observar se o mesmo acontece em outros grupos similares.

Para os empreendimentos que persistem, os parâmetros para analisar o seu desenvolvimento econômico podem ser observados por indicadores sociais e quantitativos. Neste livro foi relatada pelos autores uma análise mais quantitativa que qualitativa por meio de indicadores socioeconômicos. Sabemos não serem estes suficientes quando se trata de empreendimentos de economia solidária, cujos valores vão além do

resultado econômico, como vimos, pois envolve também questões de direitos fundamentais que necessitam ser adquiridos de fato, expressos na própria Constituição Nacional para retomar a cidadania em muitos casos perdida.

Segundo Oliveira, Ono, Alves e Silva (Capítulo 4), os indicadores “Não podem ser vistos de forma absoluta por serem sempre instrumentos limitados por refletir aspectos parciais da realidade. Os indicadores quantitativos não conseguem medir a teia da vida, em que é importante observar o que não é valorizado.” De todo modo, mesmo sendo uma indicação parcial, os indicadores são importantes para avaliar a viabilidade econômica dos empreendimentos.

Na análise que desenvolveram, a conclusão a que chegaram sobre os empreendimentos estudados foi que “De modo geral, tomando apenas estes indicadores, pensamos que a evolução foi positiva nas condições de trabalho e renda desses trabalhadores”. Os autores acrescentaram, ainda, que,

Apesar de esta análise ter priorizado os dados quantificáveis das cooperativas, podemos supor que estes resultados certamente geraram melhor qualidade de vida tendo em vista a melhoria na renda e o aspecto da sociabilidade que o coletivo proporciona. Organizados coletivamente, certamente vivenciam que são mais fortes, fortalecendo, inclusive, a solidariedade entre os associados, que, por sua vez, é uma demonstração clara, para a sociedade onde estão inseridos, de que uma economia diferente, mais focada no ser humano e no fortalecimento dos laços sociais é possível.

Portanto, podemos finalizar estas breves considerações sobre as Incubadoras e o processo de incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários como sendo, de fato, de construção de conhecimentos para todos os envolvidos (Universidade/Incubadora – trabalhadores – parceiros). Que há muitos entraves e dificuldades no processo também para a Universidade por esta não ter ainda uma estrutura mais apropriada

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para apoiar e atender às necessidades dos trabalhos de extensão por meio das Incubadoras, por ser peculiar no que se refere principalmente com relação ao tempo dos atendidos e o seu, que é mais demorado em vista do peso da burocracia institucional pública, bem como também da falta de um corpo de servidores técnicos permanente mais ampliado, para além dos professores e alunos.

Ainda assim, avaliamos que vale a pena a persistência quando temos depoimentos, como o da produtora, indicado pelos autores Souza, et al. (Capítulo 2) quando afirma que “A Incubadora, Universidade é anjo que aparece. As pessoas ligam perguntando como que a gente conseguiu, eu digo, primeiro Deus, depois a Universidade e a Prefeitura, que nos apoiaram, e por isso somos conhecidos hoje.” E, também, que os caminhos e as escolhas são amplos e dependem, em última instância, das peculiaridades de cada grupo e cada um vai determinando, ao seu tempo, a sua caminhada, de forma criativa, podendo, de fato, provocar transformações na vida dos trabalhadores envolvidos. Os Autores

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FERNANDA GOZZI PEREIRA LIMAAcadêmica do Curso de Ciências Economicas da Universidade Estadual de Maringá. Bolsista no Núcleo/Incubadora Unitrabalho – UEM/ Maringá – 2008-2009, atuando no Projeto Proninc. Componente do Programa PET de Economia - Projeto de Educação Tutorial (2010-2011) e integrante do Projeto da Revista Conjuntura Econômica da UEM. JOÃO BATISTA DA LUZ DE [email protected], Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas, área de concentração: Teoria Econômica (2010), pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é professor e atua na Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisa sobre o Trabalho (Unitrabalho/UEM) e professor Assistente do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá. Desenvolve ensino, pesquisa e extensão, principalmente nos temas: economia do agronegócio e economia institucional

JOSÉ MARCOS DE BASTOS ANDRADE [email protected] Agrônomo. Doutor pela Universidade Estadual de Maringá e Mestre pela Universidade Federal de Lavras. É componente do Grupo de Trabalho de Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável no Núcleo/Incubadora Unitrabalho - UEM. Desenvolve ensino, Pesquisa e Extensão, principalmente com Fruticultura.

LEANDRO TORINO DA [email protected]ólogo em Meio Ambiente - Saneamento pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2005), Especialista em Gerenciamento e Auditoria Ambiental pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR (2006). Atua desde 2005 como assessor técnico no Núcleo/Incubadora da UEM ligado a Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas

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sobre o Trabalho (UNITRABALHO), desenvolvendo atividades de formação, constituição e acompanhamento técnico de empreendimentos cooperativos, associativos e organizações autogestionárias, nas cadeias da agricultura familiar e reciclagem. Possui experiência em elaboração de sistemas de produção e planos de comercialização para empreendimentos cooperativos e associativos, além de montagem e execução de projetos para empreendimentos coletivos.

LÍVIA BISCHOF [email protected]êmica do Curso de Agronomia na Universidade Estadual de Maringá - UEM. Atua desde 2008 no Núcleo/Incubadora da UEM integrado a Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO), desenvolvendo atividades de assistência técnica, desenvolvimento e formação de empreendimentos cooperativos, associativos e organizações autogestionárias, na cadeia da agricultura familiar. Desde 2008 participa do Grupo de Agroecologia de Maringá, desenvolvendo projetos de pesquisa na área de agroecologia. Possui experiência em agroecologia e produção sustentável, extensão rural e organização de eventos técnicos-científicos.

LUCAS VINÍCIUS AMORIM [email protected]êmico do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá. Bolsista no Núcleo/Incubadora Unitrabalho – UEM/ Maringá (2010-2011) no Projeto MARALEITE e Rede Prosa. MÁRCIO EIDI ONOContador. Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual de Maringá, Assessor Contábil no Núcleo/Incubadora da UEM integrado a Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO) de 2008 a 2010.

MARIA APARECIDA [email protected]óloga Social, Mestre em Geografia Humana pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é Assessora Técnica em Psicologia no Núcleo/ Incubadora Unitrabalho da Universidade Estadual Maringá (UEM). Desenvolve trabalhos de pesquisa e extensão, principalmente nos temas: geração de renda, psicologia do trabalho, economia solidária, incubadoras universitárias, processo de incubação, cooperativismo/associativismo.

MARIA CLARA CORRÊA TENÓ[email protected] Advogada, Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá e Especialista em Sociologia pela Universidade Estadual de Maringá. É Técnica em Assuntos Universitários, lotada no GRE/UEM, membro do Programa Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas Sobre o Trabalho e os Movimentos Sociais - Núcleo/Incubadora Unitrabalho UEM. Realiza pesquisa e extensão, principalmente nos seguintes temas: geração de renda, economia solidária, processo de incubação, cooperativismo/associativismo, formação de cooperativas e gestão ambiental.

MARIA NEZILDA CULTI [email protected], Doutora pela Universidade de São Paulo (USP/SP) e Mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora no Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). É também integrante do Conselho Nacional de Economia Solidária e componente do Grupo de trabalho (GT) de Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável da Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO). Desenvolve ensino, pesquisa e extensão, principalmente nos seguintes temas: geração de renda, economia do trabalho, economia solidária, incubadoras universitárias, processo de incubação, cooperativismo/associativismo.

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MAURÍCIO [email protected]êmico do Curso de Direito na Universidade Estadual de Maringá. Membro do Grupo de Pesquisa-CNPq “Controle de Constitucionalidade Concentrado e a Defesa da Dignidade da Pessoa Humana”. Membro do Núcleo de Estudos Constitucionais (DDP-UEM). Representante discente da área de Ciências Sociais Aplicadas (CSA-UEM). Estagiário do escritório de advocacia Lybor Landgraf Lawyers trust Corporatinon. Atuou como bolsista no Núcleo/Incubadora Unitrabalho – UEM. MURILO DA COSTA SCRIVANTIAcadêmico do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá. Bolsista no Núcleo/Incubadora Unitrabalho – UEM/ Maringá (2008-2010), atuou nos Projetos Proninc e Maraleite. NANCI APARECIDA MENEGUETTI [email protected]. Mestre em Teoria Econômica (1999), pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Desenvolvimento e Planejamento Agrícola – 1988, pela Universidade Estadual de Maringá. Graduação em Economia pela UEM, Professora Assistente do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá, desde 1986. Atua na Incubadora há 4 anos. Vice-Coordenadora do Núcleo/Incubadora Unitrabalho da UEM (2009/2011). Linha de pesquisa: Economia Agrícola, Economia do Trabalho e da Educação, Economia Solidária e história do Pensamento econômico.

NEUZA CORTE DE [email protected] Contadora. Mestre em Gestão de Negócios pela UEL/UEM em 2005; Especialista em Contabilidade Gerencial pela UEM em 1996; Graduada em Ciências Contábeis pela UEM em 1987. Professora do DCC/UEM

desde 1997, atuando no Campus-Sede e no Campus Regional de Cianorte. Chefe Adjunto do Departamento de Ciências Contábeis – DCC/UEM, no período de 2006 a 2007. Chefe do Departamento de Ciências Contábeis – DCC/UEM, no período de 2007 a 2010. Coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho e Movimentos Sociais – Núcleo/Incubadora Unitrabalho - UEM para exercer mandato pelo período de dois anos a partir de 21/10/2009. Coordenadora da Sub-Comissão da Mulher Contabilista de Maringá do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná. Membro do Conselho Editorial da Revista ENFOQUE – Reflexão Contábil do Departamento de Ciências Contábeis da UEM.

RODRIGO MANSO DE ALMEIDA. [email protected]êmico do Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ex-bolsista do Núcleo/Incubadora Unitrabalho/UEM. Membro do Núcleo de Estudos Constitucionais (NEC-UEM). Estagiário-Bolsista do Ministério Público do Estado do Paraná. Pesquisador na área de Direito Internacional Público, Direito Constitucional e Ciência Política, com ênfase nos temas: Soberania Estatal e Direito dos Tratados.

TATIANE YUMIKO TANAKA Administradora, graduada pela Universidade Estadual de Maringá (2007), especialista em gestão de pessoas pelo Instituto Paranaense de Ensino (2010). No período de 2005 a 2006 integrou projeto de extensão no Centro de Ciências Sociais aplicadas da UEM, titulada de DAD na Web, no qual sua linha de pesquisa era empreendedorismo e sua área de concentração era gestão de negócio, participou do Núcleo/Incubadora Unitrabalho da UEM ligado a Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO) durante 2 anos como aluna bolsista nos projetos de extensão e durante 3 anos atuou no Projeto Proninc como técnica da área administrativa de 2008 a 2010.

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GIOVANA GIMENEZAcadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Ex-bolsista no Núcleo/Incubadora Unitrabalho – UEM/ Maringá (2008-2010), atuou no Projeto Proninc.