19
1 IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil _______________________________________________________ Interações entre a Cidade e Paisagem ao longo da Sub-Bacia do Barbado, Cuiabá – MT. M.Sc. Yara da Silva Nogueira Galdino Arquiteta e Urbanista, mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Mato Grosso. [email protected] M.Sc. Liza Maria Souza de Andrade Arquiteta e Urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “A Sustentabilidade na Arquitetura e no Urbanismo”. Professora do Curso de Especialização Lato Sensu – REABILITA: Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística, FAU/UnB; e do centro Universitário UNIEURO. [email protected] Resumo As ocupações humanas desenvolveram com água uma relação de dependência, envolvendo variados aspectos, como: abastecimento, saneamento, controle de território, oferta de alimentos, possibilidade de circulação de pessoas e bens, energia hidráulica e lazer. Com o crescimento das cidades, essa relação foi se tornando cada vez mais conflituosa, e problemas como poluição dos cursos d água, falta de água potável, enchentes urbanas e conflitos espaciais começam a surgir e se agravar. Cuiabá, como muitas outras cidades brasileiras, fundamentou seu crescimento a partir de processos de desmatamento de matas ciliares para implantação de vias e edificações, impermeabilização do solo, lançamento de efluentes sanitários sem tratamento nos cursos d'água, implantação de obras de drenagem urbana tradicionais e canalização de seus córregos. Dessa forma, o ciclo da água foi alterado e paralelamente a paisagem urbana foi se modificando. Dentre os 17 córregos presentes no perímetro urbano da cidade, apenas 4 não apresentam nenhuma obra de drenagem urbana ou intervenção física em seu curso. Os demais possuem canalizações abertas ou fechadas em variados trechos, todos situados em áreas de ocupação urbana consolidada, de grande densidade demográfica e impermeabilização intensa do solo. O presente trabalho avalia a interação entre o Córrego do Barbado, sua APP e a cidade, levantando as ocupações formais e informais ao longo de seu curso, e a condição de interferência física em seu leito natural.

IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho … possibilidades de uso das APPs: utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. No centro das discussões ambientais

  • Upload
    voduong

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

1

IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil _______________________________________________________

Interações entre a Cidade e Paisagem ao longo da Sub-Bacia do Barbado, Cuiabá – MT.

M.Sc. Yara da Silva Nogueira Galdino

Arquiteta e Urbanista, mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professora do Departamento de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade do Estado de Mato Grosso. [email protected]

M.Sc. Liza Maria Souza de Andrade

Arquiteta e Urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “A Sustentabilidade na Arquitetura e no

Urbanismo”. Professora do Curso de Especialização Lato Sensu – REABILITA: Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística, FAU/UnB; e do

centro Universitário UNIEURO. [email protected]

Resumo As ocupações humanas desenvolveram com água uma relação de dependência, envolvendo

variados aspectos, como: abastecimento, saneamento, controle de território, oferta de

alimentos, possibilidade de circulação de pessoas e bens, energia hidráulica e lazer. Com o

crescimento das cidades, essa relação foi se tornando cada vez mais conflituosa, e problemas

como poluição dos cursos d água, falta de água potável, enchentes urbanas e conflitos espaciais

começam a surgir e se agravar. Cuiabá, como muitas outras cidades brasileiras, fundamentou seu

crescimento a partir de processos de desmatamento de matas ciliares para implantação de

vias e edificações, impermeabilização do solo, lançamento de efluentes sanitários sem

tratamento nos cursos d'água, implantação de obras de drenagem urbana tradicionais e

canalização de seus córregos. Dessa forma, o ciclo da água foi alterado e paralelamente a

paisagem urbana foi se modificando. Dentre os 17 córregos presentes no perímetro urbano da

cidade, apenas 4 não apresentam nenhuma obra de drenagem urbana ou intervenção física

em seu curso. Os demais possuem canalizações abertas ou fechadas em variados trechos,

todos situados em áreas de ocupação urbana consolidada, de grande densidade demográfica

e impermeabilização intensa do solo. O presente trabalho avalia a interação entre o Córrego do

Barbado, sua APP e a cidade, levantando as ocupações formais e informais ao longo de seu

curso, e a condição de interferência física em seu leito natural.

2

1. Introdução

Alterações ambientais tais como retirada da cobertura vegetal e impermeabilização de

grande parte da cobertura do solo são intrínsecas ao estabelecimento das áreas urbanas

(PELLEGRINO et al,2006). Neste processo os rios e córregos urbanos comumente passam

por sucessivas obras de engenharia hidráulica, como retificações e canalizações, que alteram

sua fisionomia e os transformam em um sistema de drenagem subterrânea, ou seja, alteram

o ciclo natural da água.

Tratar os corpos d' água como receptáculo de esgoto doméstico é uma atitude

observada em várias cidades brasileiras. Segundo relatório elaborado pelo Ministério das

Cidades (2003), os sistemas de drenagem urbana em loteamentos novos são muitas vezes

implantados quando se implementa a pavimentação de vias, antecedendo, os sistemas de

esgotamento sanitário. Quando a área urbana ainda apresenta pequena densidade populacional,

são geralmente utilizadas as fossas sépticas para disposição do esgoto, à medida que a área se

adensa e não se promove a implantação de um sistema de esgotamento sanitário, a saída do

esgoto das propriedades é muitas vezes ligada à rede de esgotamento pluvial, sem tratamento

prévio algum. Esse esgoto escoado converge para os cursos d’água urbanos e daí para o sistema

fluvial a jusante, gerando impactos na qualidade da água.

Em Cuiabá este quadro ilustrado pelo Ministério das Cidades é observado tanto em

loteamentos irregulares, quanto regulares. O lançamento de esgoto sem tratamento em

corpos d’água, é um dos grandes problemas vivenciados pelos corpos hídricos da cidade.

Deste modo a paisagem urbana vem sofrendo, grandes alterações ambientais, que

afetam tanto a qualidade e a integridade do ambiente como a vida de seus habitantes. Assim

não há mais como pensar a qualidade de vida sem pensar no equilíbrio ambiental de nossas

cidades.

A Constituição Federal Brasileira (1988) estabelece que todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado. Mas como alcançar ou até mesmo medir este equilíbrio

ambiental? O Código Florestal (1965) estabeleceu algumas diretrizes na busca de um ambiente

mais equilibrado. Neste código surge o conceito de Área de Preservação Permanente (APP),

como área essencial á conservação de sistemas frágeis (cursos d’água, nascentes, alagados,

lagoas e encostas), localizados em área urbanas e rurais.

As contradições em relação ao tratamento das APPs urbanas se intensificam com a

promulgação da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/1979), que estipula que sejam

deixados 15m de faixa non aedificandi as margens de cursos d’ água urbanos, contradizendo o

Código Florestal que prevê uma faixa mínima de 30m.

Com a pressão que se estabeleceu entre a cidade e essas áreas ditas “preservadas”, é

promulgada a Resolução CONAMA N.369 (2006) onde são apresentadas as seguintes

3

possibilidades de uso das APPs: utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. No

centro das discussões ambientais e sociais das cidades brasileiras estão, portanto as APPS,

estas que podem ser tanto a solução como o entrave para conciliação entre os diferentes

pontos de vista sobre a cidade.

Para Bordest (2003) a ocupação de bacias hidrográficas, em zonas urbanas, tem

gerado situações ambientais críticas, que deterioram a qualidade de vida de seus habitantes

e exigem soluções cada vez mais complexas e onerosas para a sociedade. Segundo Metzger

(2001) para compatibilizar o uso de determinado território e a sustentabilidade ambiental,

social e econômica é necessário planejar a ocupação e a conservação da paisagem como um

todo.

Esta pesquisa parte do princípio que a manutenção de Áreas de Preservação

Permanente e dos serviços ecológicos que nelas se estabelecem, pode trazer vitalidade e

sustentabilidade aos fragmentos verdes presentes na matriz urbana. Desta forma, pretende-

se fazer uma leitura do diálogo que se estabelece entre a cidade e a paisagem natural,

diagnosticando as características da ocupação urbana na sub-bacia do Barbado.

2. Área de Estudo

O crescimento de Cuiabá veio acompanhado de processos de desmatamento das

matas ciliares para implantação de vias e edificações, impermeabilização do solo,

lançamento de efluentes sanitários sem tratamento nos cursos d' água e implantação de

obras de drenagem urbana convencionais (canalizações e retificações). Processos estes que,

segundo PELLEGRINO et a (2006), desencadeiam problemas, como aumento da velocidade

de escoamento das águas para seu curso principal, contribuindo com a poluição difusa das

águas e agravamento das inundações.

Dentre os 17 córregos presentes no perímetro urbano apenas 4 não apresentam

nenhuma obra de drenagem urbana ou intervenção física em seu curso. Os demais possuem

canalizações abertas ou fechadas em variados trechos, sendo que os mais modificados são

os córregos Prainha, Mané Pinto, Engole Cobra, Barbado e Gambá, todos situados em áreas

de ocupação urbana consolidada, de grande densidade demográfica e impermeabilização

intensa do solo.

A sub-bacia do córrego do Barbado vem passando por rápida transformação,

principalmente devido à ocupação desordenada do solo, resultante da inoperância local das

leis ambientais e de parcelamento do solo urbano e ao modelo econômico imediatista que

regula o mundo atual (BORDEST, 2003).

4

O Córrego do Barbado, tributário do Rio Cuiabá, possui 9.400 metros de extensão

(BORDEST, 2003), e tem sua sub-bacia totalmente inserida no perímetro urbano (Figura 1).

Centro Político Administrativo

UFMT

Figura 1: Bacia do Córrego do Barbado e bairros: 1) Centro Político Administrativo; 2) Morada do Ouro; 3) Jd. Aclimação; 4)Terra Nova; 5) Bela Vista; 6) Dom Bosco; 7) Canjica; 8) Campo Verde; 9) Bosque da Saúde; 10) Jd. Itália; 11) Pedregal; 12) Jd. Leblon; 13) Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT; 14) Jd. Das Américas; 15) Pico do Amor; 16) Jd. Tropical; 17) Jd. Petrópolis, 18) Grande Terceiro; 19) Jd. Califórnia; 20) Praeiro; 21) Praeirinho. Fonte: IPDU – Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano, Prefeitura Municipal de Cuiabá.

A ocupação da sub-bacia do Barbado ocorreu principalmente a partir da construção do

Centro Político Administrativo (CPA), na porção nordeste da cidade, na região das cabeceiras

do córrego em 1970; e a instalação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) na

porção sudeste da cidade, na área central da sub-bacia, em 1972 (BORDEST, 2003).

A construção desses dois pólos de expansão urbana e a chegada das frentes

pioneiras vindas das mais variadas regiões do Brasil impulsionou a urbanização da sub-bacia

do Barbado. A abertura de loteamentos regulares afastados do centro e próximos ao CPA e

UFMT é seguida pelo surgimento de loteamentos irregulares ao longo dos vazios urbanos

deixados entre a região central e essas novas ocupações.

Na bacia do Córrego do Barbado vivem 51.320 pessoas distribuídas em 22 bairros, onde

11 bairros são regulares e 11 são oriundos de invasões (IPDU, 2002).

5

O córrego do Barbado originalmente era alimentado por várias pequenas nascentes.

Atualmente sobrevivem 3 nascentes localizadas: na Reserva Ecológica Massairo Okamura, nas

proximidades do Centro Político Administrativo e no bairro Canjica. Estes afloramentos naturais

drenam pela sub-bacia nas áreas de baixada, ao longo de locais densamente urbanizados e

povoados.

A mata ciliar ao longo do córrego do Barbado se encontra com diferentes níveis de

intervenção. Em alguns trechos a mata ciliar foi completamente retirada para implantação de

vias, e em outros a vegetação natural convive com habitações sub-normais1. A retirada da

vegetação da APP do Barbado trouxe para a área problemas ambientais como: erosões,

assoreamento, redução da infiltração e aumento do escoamento superficial, poluição do

córrego através da poluição difusa e carreamento de sedimentos e resíduos sólidos pelas

enxurradas.

3. Metodologia

Entre outubro de 2007 e fevereiro de 2008 foram realizadas visitas de campo no Parque

Massairo Okamura, na Universidade Federal de Mato Grosso e nos seguintes bairros

pertencentes à sub-bacia do Barbado: Renascer, Pedregal, Praerinho, Dom Bosco, Canjica,

Bosque da Saúde e Jardim das Américas. Mapas oficiais e reportagens a respeito da área de

estudo foram coletados no Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura

Municipal de Cuiabá.

A análise dos dados da Sub–bacia do Córrego do Barbado está relatada, seguindo a

classificação proposta por Bordest (2003): cabeceira do barbado, alto curso, médio curso, baixo

curso e foz do Barbado.

4. Referencial teórico

A discussão que há muito tempo persegue o planejamento urbano sobre a definição de

unidades de referência para análise e intervenção em cidades, atualmente, recai sobre a bacia

hidrográfica (FERREIRA et al, 2006). Em estudos sobre planejamento urbano e ecologia urbana

adotar a bacia hidrográfica como unidade de referência possibilita reconhecer a presença de

marcos da natureza sobreviventes na cidade – córregos, rios, nascentes, matas ciliares, áreas

alagáveis, brejos – permitindo deste modo, a leitura dos diálogos e conflitos entre o meio ambiente

natural e o construído.

Segundo Schlee et al (2006) o tratamento da paisagem em contextos urbanos, a partir da

bacia hidrográfica é interessante, pois nesta abordagem o espaço é delimitado pela topografia, a

qual define a área de convergência de fluxos d’ água, de sedimentos e de elementos solúveis que 1Qualificação genérica dos órgãos de planejamento urbano para as favelas, áreas de invasão, cortiços, etc (ROLNIK, 2004).

6

convergem para uma saída comum. Enquanto para Costa (2006) olhar para as relações entre as

cidades e os rios a partir de sua bacia nos permite expandir e entrelaçar suas dimensões culturais

e ambientais.

Os cursos d’ água e as unidades de paisagem associadas aos mesmos (nascentes, matas

ciliares, áreas alagáveis, várzeas, etc) são de fundamental importância para as cidades. Essa

relação de intimidade entre os rios e as cidades brasileiras fez com que, segundo Costa (2006) as

paisagens fluviais fossem paulatinamente se transformando em paisagens urbanas.

O estabelecimento das cidades trouxe consigo alterações que influenciaram diretamente o

ciclo hidrológico. Segundo Andrade (2005) a urbanização modifica o ciclo hidrológico através da:

impermeabilização do solo (aumentando o escoamento superficial e redução da infiltração);

poluição e assoreamento dos rios (causados pelo carreamento de detritos lançados nas ruas pelo

sistema de drenagem tradicional); e diminuição do tempo de concentração da água, com graves

reflexos nos cursos de drenagem natural.

A problemática da água se faz evidente na cidade, não só com relação ao abastecimento,

ao saneamento e à qualidade da água, mas também com destaque às enchentes urbanas, uma

vez que as planícies naturais de inundação dos rios são hoje áreas que se encontram sob forte

ocupação (AMANTE, et al , 2006).

Segundo o Tucci (2002) as obras de drenagem tradicional aceleram a retirada da água das

planícies de inundação através da canalização dos trechos críticos. Esse tipo de solução focaliza

um trecho da bacia, sem levar em conta às conseqüências das intervenções para o restante da

mesma. A canalização dos pontos críticos acaba apenas transferindo a inundação de um lugar

para outro na bacia.

Nas cidades contemporâneas, uma das principais funções desempenhada pelos rios e

córregos é a de coletor de lixo e esgoto doméstico e industrial. Para Britto & Silva (2006) as obras

tradicionais de drenagem, além de mudar a fisionomia e retirar a visibilidade dos rios e córregos

fez com que eles se transformassem em um sistema de drenagem subterrânea, cuja função inicial

seria evitar enchentes e facilitar a ocupação urbana de um determinado território sujeito a

inundação, enquanto a função subseqüente seria servir como receptáculo de efluentes. Segundo

os mesmos autores as obras de saneamento urbano, ao longo de várias décadas, priorizaram a

construção de sistemas de coleta de esgoto e relegaram a segundo plano a questão do

tratamento destas águas servidas.

A poluição dos rios e córregos e a degradação ambiental de unidades de paisagem

associadas aos ambientes aquáticos, fizeram com que as áreas ribeirinhas fossem consideradas

espaços desvalorizados, desprezados pelos processos formais de urbanização, transformando-se

em paisagem residual, sujeita a ocupações irregulares (BRITTO & SILVA, 2006).

Estas áreas situadas em regiões desvalorizadas e rejeitadas pelo mercado imobiliário

privado e pelas políticas públicas são, então, ocupadas pela população excluída do mercado

formal: beiras de córregos, encosta de morros, terrenos sujeitos as enchentes ou outro tipo de

7

risco, regiões poluídas ou áreas de proteção ambiental, onde a vigência da legislação de proteção

e a ausência de fiscalização definem a desvalorização (MARICATO, 2001).

Trabalhos em planejamento urbano sustentável reconhecem que os ambientes aquáticos e

as áreas de preservação permanente, desempenham papéis fundamentais para a qualidade do

ambiente urbano, por isso buscam formas de conservar e garantir a sustentabilidade destes

territórios.

Segundo Pellegrino et al (2006) as funções ambientais que os fragmentos verdes

desempenham no tecido urbano são: 1) proteção e controle da densidade das áreas edificadas,

contribuindo para o conforto ambiental e a saúde pública; 2) contribuição com a qualidade das

águas urbanas, através da conformação de um sistema de drenagem que propicie uma maior

retenção, filtragem e sedimentação dos resíduos difusos que seriam lançados diretamente nos

canais principais; 3) conexão entre fragmentos de vegetação – corredores ecológicos entre os

fragmentos verdes urbanos; 4) proteção da diversidade de espécies; 5) fluidez da drenagem

hídrica, através da permeabilidade do solo; 6) conservação dos espaços rurais de produção; 7)

recreação lazer e educação ambiental.

5. Desenvolvimento

A sub-bacia do Barbado possui toda sua área inserida no perímetro urbano, e apresenta

diferentes níveis de intervenção e degradação ao longo do curso do córrego do Barbado. Para

desenvolvimento do trabalho será usada a abordagem proposta por Bordest (2003), que dividiu a

bacia em cinco trechos: cabeceira do barbado, alto curso, médio curso, baixo curso e foz do

Barbado .

A região da cabeceira do barbado apresenta um terreno acidentado, com as altitudes mais

elevadas da bacia (225m). Originalmente a sub-bacia era alimentada por várias pequenas

nascentes, mas atualmente muitas delas estão extintas. Três nascentes permanecem em

atividade, estando localizadas no parque Massairo Okamura, no bairro Canjica e próximo ao

Centro Político Administrativo. Segundo Bordest (2003) a retirada da vegetação e a

impermeabilizarão do solo, contribuíram com a degradação da bacia e diminuição da infiltração da

água da chuva no subsolo, com a conseqüente diminuição de afloramento de olhos d’água.

O alto curso possui cotas entre 200 e 175m de altitude, e compreende os bairros: Morada

do Ouro, Terra Nova, Jardim Aclimação, Bela Vista, Canjica, Bosque da Saúde, Dom Bosco e

parte do Pedregal.

O médio curso possui cotas variando de 175 a 160m de altitude. Neste trecho estão

localizados: o campus da UFMT, os bairros Jardim das Américas, Jardim Itália (com Condomínio

Alphaville ocupando parte do bairro), Jardim Leblon, parte do Pedregal, Renascer e 21 de Abril (os

dois últimos ainda não regularizados, inseridos dentro da área do Jardim Itália).

O baixo curso está localizado entre a Avenida Fernando Correa da Costa a 160m de

altitude e a Avenida Beira Rio a 150 m de altitude. Deste trecho fazem parte os bairros Jardim

8

Petrópolis, Pico do Amor, Jardim Tropical, Grande Terceiro, Jardim Califórnia, Jardim Shangrilá,

Campo Velho e Jardim Europa. No baixo curso o Córrego do Barbado encontra-se canalizado e a

sua APP encontra-se ocupada por vias nas duas margens (Figura 2a).

Segundo Bordest (2003), a baixa declividade e a decaptação de pequenos afluentes geram

no baixo curso, inundações nos meses de chuva, quando o lençol freático aflora e as águas

pluviais não encontram vazão. Estes fenômenos se intensificaram a partir da intensa ocupação a

que a área foi submetida. Este é o trecho da sub-bacia que sofreu mais intervenções e que

vivencia mais fortemente os problemas decorrentes da retirada da vegetação e impermeabilização

da APP.

A foz do Barbado localizada entre a Avenida Beira Rio e o rio Cuiabá não foi canalizada e

apresenta alguns trechos com vegetação ciliar e várzeas. Segundo Bordest (2003) este trecho se

configura como uma planície inundável, de aspecto brejoso durante todos os meses do ano,

portanto uma grande área de preservação permanente. Este trecho possui um bairro residencial

de origem informal – o Praeirinho, ocupando APP do Barbado e do Rio Cuiabá (Figura 2b).

a

b

Rio Cuiabá

APP do Rio Cuiabá

Praeirinho

Figura 2: a) Trecho canalizado do córrego do Barbado. b) Bairro Praerinho situado entre a APP do Barbado e do rio Cuiabá. Fonte: adaptado de Google Earth.

5.1. Ocupação e Expansão Urbana ao longo da Bacia do Barbado

A expansão urbana sobre a sub-bacia do Barbado ocorreu em função da construção do

Centro Político Administrativo e da Universidade Federal de Mato Grosso. A ocupação da parte

mais alta da bacia (cabeceiras e alto curso) se deu a partir da construção do CPA, que trouxe

valorização para a região nordeste da cidade. O segundo eixo de expansão ocorreu em função do

estabelecimento da UFMT no médio curso do córrego na porção sudeste da cidade, seguida da

construção da Avenida Fernando Correa da Costa que liga a área central a região sul.

Como esses dois pólos de expansão são localizados em regiões afastadas da área central,

foram deixadas ao longo do perímetro urbano, grandes manchas de vazios urbanos, onde

9

inicialmente foram abertos loteamentos residenciais de classe média e média alta e

posteriormente algumas áreas foram invadidas para uso residencial de famílias de baixa renda. O

padrão de ocupação urbana na bacia do Barbado é portanto, caracterizado pela co-existência de

bairros para pessoas de alto poder aquisitivo e assentamentos irregulares ocupados por

população de baixa renda.

No processo de ocupação da sub-bacia do Barbado as manchas desocupadas foram

“naturalmente” invadidas pela população de baixa renda, que impossibilitada de entrar no

mercado formal de moradia ocupou os vazios urbanos de cunho especulativo e as áreas

protegidas ao longo da sub-bacia.

Dos bairros presentes na sub-bacia do Barbado, muitos tiveram sua origem em ocupações

irregulares. Os bairros Bela Vista, São Roque, Dom Bosco, Carumbé, Canjica, Campo Verde,

Pedregal, Jardim Leblon, Campo Velho, Jardim Paulista, Grande Terceiro, Praeiro e Praeirinho

surgiram a partir da invasão de vazios urbanos e APPs ao longo da sub-bacia do Barbado (Tabela

1). O bairro regular Jardim Itália, teve parte de seu território invadido para a implantação dos

Loteamentos Renascer e 21 de Abril (Figura 3).

Pedregal

Renascere 21 de Abril

Alphaville

Campo Verde

Jardim das Américas

Figura 3: Área invadida para implantação do loteamento Renascer e 21 de Abril. Fonte: Adaptado de Google Earth.

As ocupações irregulares das APPs de nascentes, do córrego e de várzeas, ocorreram

sem que houvesse cumprimento as legislações ambientais e urbanísticas. Para Maricato (2001)

na maioria das cidades brasileiras, padrões urbanistas modernistas registrados em leis de

zoneamento, códigos de obras e leis de parcelamento do solo, convivem com a gigantesca cidade

ilegal em que a contravenção é regra.

10

Tabela 1: Sub-bacia do Córrego do Barbado: bairros, características ambientais, posição geográfica na sub-bacia, estimativa da população e domicílios.

BAIRRO ORIGEM CARACT. AMBIENTAIS

POSIÇÃO GEOGRÁFICA NA SUB-BACIA (BORDEST, 2003)

POPULAÇÃO DOMICÍLIOS PESSOAS /DOMICÍLIO

Centro político Administrativo

Planejamento formal – pólo de expansão

Nascente do Córrego do Barbado

Cabeceira do Barbado

445 153 2,90

Morada do Ouro

Planejamento formal

Parque Massairo Okamura

Alto curso 3.913 1.323 2,96

Jd. Aclimação Planejamento formal

Alto curso 1.492 511 2,92

Terra Nova Planejamento formal

Alto curso 2.779 1.260 2,21

Bela Vista Proveniente de invasão

Nascente do Córrego do Barbado – Parque Massairo Okamura

Alto curso 3.831 1.059 3,62

Dom Bosco Planejamento formal com área invadida

APP ocupada por habitações sub-normais

Alto curso 2.035 594 3,43

Canjica Proveniente de invasão

Nascente do Córrego do Barbado

Alto curso 2.858 864 3,31

Campo Verde Proveniente de invasão

Alto curso 1.878 532 3,53

Bosque da Saúde

Planejamento formal com área invadida

Alto curso 3.030 1.082 2,80

Jd. Itália

Planejamento formal com área invadida: Bairros Renascer e 21 de Abril

APP parcialmente conservada (entre as invasões Renascer e Pedregal)

Médio curso 2.103 889 2,37

Alphaville Planejamento formal

Médio curso As casas ainda se encontram em construção – não há moradores

Pedregal Proveniente de invasão

Alto curso / Médio curso

7.087 1.912 3,71

Jd. Leblon Proveniente de invasão

Médio curso 1.689 492 3,44

UFMT Planejamento formal – pólo de expansão

Médio curso 52 22 2,36

Jd. Das Américas

Planejamento formal

APP parcialmente conservada, presença de várzeas.

Médio curso 2.960 951 3,11

Pico do Amor (origem deconhecida)

Baixo curso 2.086 821 2,54

Jd. Tropical Planejamento formal Baixo curso 1.686 586 2,88

Jd. Petrópolis Planejamento formal Baixo curso 1.433 535 2,68

Grande Terceiro

Proveniente de invasão

Baixo curso 4.876 1.512 3,22

Jd. Califórnia Planejamento formal

Baixo curso 1.466 395 3,71

Praeiro Proveniente de invasão

Baixo curso 1.517 409 3,71

Praeirinho Proveniente de invasão

Foz do Barbado 2.103 513 4,10

Fonte: Adaptado de IPDU – Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano, Prefeitura Municipal de Cuiabá, 2002.

11

Os contrastes sociais estão presentes ao longo de toda a sub-bacia, que acomoda

habitações de alto padrão, condomínios fechados como o Alphaville e dois shopping centers, em

bairros com infra-estrutura de água, energia, linha de ônibus, pavimentação asfáltica, assim como

bairros informais sem pavimentação e onde o abastecimento de água e energia é precário. Um

espaço, portanto heterogêneo e marcado por fortes contradições sociais. O que segundo Victorino

(2004) se configura como o perfil característico do espaço urbano brasileiro.

5.2. Ocupação de várzeas e áreas alagáveis

As irregularidades quanto à forma de ocupação da bacia se iniciaram com os loteamentos

regulares, como o Jardim das Américas, localizado no médio curso do córrego do Barbado

próximo a UFMT. Segundo Bordest (2003) na implantação do loteamento durante a década de

1980, o leito do córrego foi desviado e retificado, e uma área alagável foi aterrada para ampliação

da área a ser comercializada pelos empreendedores (Figura 3a).

A segunda etapa do bairro Jardim das Américas foi construída sobre uma várzea

localizada entre dois braços do córrego do Barbado. Da área aterrada sobreviveram dois

pequenos trechos brejosos, um deles cortado pela Av. Arquimedes Pereira Lima entre o Renascer

e o 21 de Abril e o outro margeando o córrego ao lado do Jardim das Américas (Figura 2b).

a

Jardim das Américas

Jardim das AméricasSegunda Etapa -área aterrada

Campus da UFMT

Zoológicoda UFMT

Renascer

b

Jardim das AméricasPrimeira etapa

Jardim das AméricasSegunda etapa

Campus da UFMT

Zoológico da UFMT

Renascer

Figura 3: a) Área alagável aterrada para ampliação do loteamento Jardim das Américas. b) várzeas remanescentes localizadas no médio curso do córrego do barbado. Fonte: Adaptado de Google Earth.

As várzeas são espaços protegidos pelo Código Florestal Brasileiro (1965), pela Lei 6.766

(1979) e pela Resolução CONAMA 303 (2002). Estas unidades de paisagem se constituem como

zonas de transição entre as regiões mais altas e mais baixas das bacias hidrográficas,

funcionando como verdadeiros filtros de poluição difusa, retendo e transformando sedimentos,

absorvendo nutrientes e purificando a água (DUNNETT, N. & CLAYDEN, A. 2007). A preservação

dessas unidades de paisagem contribui com a redução das inundações à jusante, pois esses

12

ambientes funcionam como bacia de retenção e de infiltração, reduzindo as vazões e os volumes

das cheias.

5.3. Invasões urbanas: o caso do Renascer e 21 de Abril

O loteamento Renascer localizado no médio curso da sub-bacia do Barbado na Avenida

Archimedes Pereira Lima, entre os bairros Pedregal, Jardim Itália, abriga atualmente 1.400

pessoas, em um terreno com 52 hectares. A ocupação do terreno ocorreu em 1997 quando cerca

de 300 famílias invadiram a área de propriedade privada. Em 1998 uma área adjacente ao

Renascer é ocupada por novas famílias que fundam o bairro 21 de Abril.

Como o bairro Renascer tinha parte de sua área inserida dentro da APP do Barbado,

projetos de loteamento e regularização do bairro foram negados pela Prefeitura e Ministério

Público. Em 2006 ocorreu a retirada de 54 famílias que viviam na APP do Barbado. As famílias

foram transferidas para habitações de interesse social, com 30m² em um loteamento popular

localizado no bairro Sucuri, em outra sub-bacia. As casas situadas na APP foram demolidas, mas

a área não foi requalificada (Figura 4). A saída desses moradores ocorreu de forma consensual,

principalmente por que a desocupação da APP facilitaria a negociação da regularização do

loteamento.

Na sub-bacia do Barbado a ocupação da APP e de suas áreas adjacentes, por

loteamentos irregulares, vêm trazendo grande impacto ambiental para o córrego, uma vez que

essas ocupações não possuem infra-estrutura de água, esgoto, coleta de lixo, etc.

Figura 4: Famílias sendo retiradas da APP do Bairro informal Renascer. Fonte: Jornal Folha do Estado (29/01/2006)

5.4. Vazios Urbanos e a pressão sobre as áreas protegidas

A implantação do Centro político Administrativo, Parque Massairo Okamura e Shopping

Pantanal trouxeram valorização às regiões das cabeceiras e alto curso do Barbado. Em virtude

13

desta valorização, vazios urbanos de cunho especulativo são mantidos em vários pontos neste

trecho da sub-bacia.

Em visita de campo foi verificado que o bairro Dom Bosco possui a maioria de seus lotes

formais, desocupados, enquanto as margens do córrego do Barbado estão ocupadas por

edificações sub-normais (Figura 5). Como estas edificações só possuem infra-estrutura para

abastecimento de água e energia, não são passíveis de regularização fundiária sustentável

(Resolução CONAMA 369/2006). Portanto a população que vive neste trecho da APP deveria ser

remanejada para uma outra área. Para que a remoção da população fosse feita sem desvinculá-

los da área em que já estão vivendo, poderiam ser construídas edificações de interesse social

verticais de alta densidade em terrenos destinados a equipamentos públicos (praças, escolas,

igrejas, etc) no próprio bairro Dom Bosco.

Apesar de o Plano Diretor prever o estabelecimento de uma Política Municipal de

Habitação que priorize o adensamento populacional em áreas já atendidas por rede de água e

esgoto, a maioria das habitações de interesse social construídas pelo Governo do Estado do Mato

Grosso, estão localizadas em áreas de expansão urbana, distantes da infra-estrutura de água,

esgoto, energia, asfalto, educação e saúde. Deste modo, enquanto a cidade se expande a partir

de políticas públicas insustentáveis, vazios urbanos são mantidos em áreas consolidadas da

cidade.

Dom BoscoCanjica

Bosque da Saúde

Terra NovaVazios urbanos

Vazios urbanos

Shopping Pantanal

Parque Massairo Okamura

Figura 5: Bairro Dom Bosco constituído principalmente de lotes residenciais desocupados (vazios urbanos) com APP ocupada por habitações sub-normais. Fonte: Adaptado de Google Earth.

5.5. Escoamento, drenagem e enchentes na sub-bacia do Barbado

O córrego do Barbado possui em seu curso diferentes níveis de intervenção (Figura 6 e 7).

O baixo e médio curso são as áreas mais afetadas pelas obras de drenagem urbana

convencionais, possuindo grande trecho com canalização aberta e canalização fechada. Na

cabeceira e no alto curso o córrego do Barbado ainda se encontra com seu leito em condição

natural.

14

A ocupação urbana ao longo da sub-bacia e consequentemente a impermeabilização de

seu território, favoreceramm o escoamento superficial e o aumento da velocidade e da quantidade

do fluxo das águas precipitadas. As obras de drenagem presentes no baixo curso agravaram as

enchentes na foz do Barbado, causando danos não só ao ambiente físico, mas principalmente à

população, afetando a segurança, a saúde e trazendo prejuízos materiais. Para Amante et al

(2006) ao impor modificações estruturais nas calhas dos rios e córregos e em todo o regime

hidrodinâmico das bacias, o homem está desenvolvendo uma nova realidade, intensificando

muitas vezes os processos naturais.

Figura 6: Mapa hidrográfico do córrego do Barbado (azul: leito natural; amarelo: canalização aberta; vermelho: canalização fechada, círculo azul claro: nascentes). Fonte: adaptado de Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá.

a b

Figura 7: a) Córrego do Barbado com leito natural no trecho lindeiro ao loteamento irregular Renascer – médio curso da bacia do Barbado; b) Córrego do Barbado com canalização aberta no trecho compreendido entre os loteamentos regulares Jd. Petrópolis e Jd. Tropical – baixo curso da bacia do Barbado; Fotos: Yara Galdino – dez. 2007

A cheia é um fenômeno natural no regime dos cursos d’ água. Todos os rios e córregos

têm sua área natural de inundação. Segundo Amante et al (2006) as enchentes passam a ser um

problema para o homem quando este deixa de respeitar os limites naturais dos cursos d‘ água,

principalmente devido ao processo de ocupação e urbanização das áreas de inundação dos

mesmos.

O baixo curso e a foz do Barbado possuem a cota mais baixa da bacia e várias áreas são

naturalmente alagáveis. Essa região engloba os bairros formais Jardim Petrópolis, Jardim Tropical

15

e Jardim Califórnia, e os bairros oriundos de invasões: Praeiro, Praeirinho e Grande Terceiro. Os

loteamentos irregulares estão localizados justamente na região mais baixa e mais suscetível a

inundações naturais e à inundações agravadas pela urbanização (Figura 8).

a

B

Figura 8: a) Desabrigados devido inundação no Grande Terceiro. Fonte: Jornal A Gazeta (24/03/2005); b) Morador do Bairro Praeirinho com casa inundada devido enchente no Córrego do Barbado. Fonte: Jornal Diário de Cuiabá (03/01/1995).

Para Tucci (2002) à medida que a cidade se urbaniza, são verificados os seguintes impactos

quanto à drenagem: 1) aumento das vazões máximas, devido à impermeabilização das

superfícies e da rede de condutos; 2) alteração do escoamento total, em função do aumento do

volume de escoamento superficial; 3) o aumento da produção de sedimentos, e por conseqüência

o seu acúmulo no sistema; 4) e deterioração da qualidade da água, devido à lavagem das ruas,

ao transporte de material sólido e às ligações clandestinas de esgoto local. Todos esses fatores

ampliam a ocorrência das inundações nas áreas urbanizadas, com o agravante desta água muitas

vezes estar contaminada pelo esgoto lançado nos corpos d’ água, aumentando o risco de

transmissão de doenças a população que entra em contato com a mesma (Figura 8).

a b

Figura 8: a) Av. Brasília em dia de chuva – situação decorrente das impermeabilizações e do sistema de drenagem no Bairro Jardim das Américas; b) rua do bairro Renascer alagada devido as características naturais do terreno e proximidade com a APP. Fotos: Yara Galdino – dez. 2007

16

Para Amante et al (2006) a enchente urbana é um fenômeno que não deve ser observado

apenas sob a ótica corretiva dos canais atuais dos rios e do sistema de drenagem pluvial: “Há de

se ter um olhar mais amplo sob a presença da água em todas as esferas – desde a entrada da

água nesse ambiente, como recurso e como escoamento, até a sua saída - a fim de se entender

quais mudanças o processo de urbanização trouxe para a circulação da água na cidade”.

As mesmas autoras destacam que o meio urbano é dinâmico e que está em constante

modificação, portanto a cidade vai inserindo transformações através da abertura de vias,

construção de novos loteamentos, aumento da rede de drenagem e/ ou abastecimento - e dessa

maneira o sistema de circulação das águas está em constante processo de adaptação.

O trecho compreendido entre Av. Fernando Correa e a Av. Beira Rio é o único trecho

canalizado do curso principal do Barbado. Como a desocupação completa da APP seria

complicada e cara, propomos a retirada do concreto que reveste as laterais e fundo do canal, para

colocação de taludes de pedras entremeados de áreas vegetadas. Tal medida traria uma melhoria

estética; permitiria a permeabilidade da água; e aumentaria a rugosidade do canal, desacelerando

o escoamento nos picos de cheia, constituindo uma medida de prevenção de enchentes e

inundações à jusante.

Estas alterações estão de acordo com o plano diretor que pretende desenvolver medidas

de prevenção de enchentes e inundações. Tais medidas permitiriam a recarga do aqüífero,

redução do volume e velocidade do escoamento e redução das erosões na foz do barbado; com

isso trariam benefícios para a população que vive nos bairros compreendidos neste trecho do

córrego e principalmente para a população que vive no bairro Praeirinho, localizado a jusante da

área.

5.6. Esgotamento Sanitário: Conseqüências Ambientais no Meio Urbano

As invasões urbanas ocorrem tipicamente em locais sem qualquer infra-estrutura, mas na

bacia do Barbado tanto as ocupações regulares quanto as irregulares não possuem rede de

esgoto. A ocupação urbana da sub-bacia do Barbado trouxe consigo o despejo de dejetos no

córrego, e o aumento do escoamento superficial, contribuindo para o aumento da poluição difusa.

Segundo Reani e Segalla (2006) a ausência de esgotamento sanitário gera vários

impactos no ambiente urbano, como poluição das águas, propagação de doenças e vetores,

tendo conseqüências na saúde, no abastecimento de água e na qualidade de vida da população.

O próprio lançamento de efluentes na água é para Pellegrino (2007) um fator que

contribuiu para que os córregos urbanos fossem canalizados e confinados em galerias

subterrâneas. Como as águas não apresentam boa condição sanitária recorre-se a técnicas de

drenagem tradicionais que escondem a água poluída em canalizações fechadas ou aceleram a

retirada dessa água com canalizações abertas revestidas de materiais de baixa rugosidade, que

17

permitem maior capacidade de descarga, diminuindo as cheias locais, transferindo-as para

regiões a jusante.

6. Conclusão

A legislação ambiental e urbana valoriza e preconiza a sustentabilidade das ações do

planejamento urbano. O instrumental legal e teórico encontra-se em um bom estado de evolução,

mas na prática, o que se observa em Cuiabá é a inoperância da lei e dos conhecimentos

científicos produzidos e discutidos nos meios acadêmicos. A paisagem urbana ainda é manejada

de forma fragmentada e pontual. Analisar a paisagem urbana sob um recorte físico natural – a

bacia hidrográfica, e não sob um recorte social estabelecido pela cidade, proporciona às ações e

políticas urbanas melhores condições para alcançarem a sustentabilidade.

Adotar a bacia hidrográfica como unidade de análise permite trazer a tona a discussão dos

marcos ambientais (rios, córregos, nascentes, matas, várzeas, morros) inseridos na cidade,

unindo a dimensão social e ecológica desse sistema. Tal perspectiva se mostra adequada à

mudança de paradigma que se estabelece entre a cidade e o ambiente. Ao reconhecermos que

muitos dos conflitos ambientais que se desenvolvem na cidade têm origem em conflitos sociais –

desigualdade social, déficit habitacional, políticas públicas imediatistas – estamos dando mais um

passo em direção a cidade sustentável, almejada pelo Estatuto das Cidades.

O Estatuto das Cidades é um instrumento eficiente na sobreposição das condicionantes

ambientais, sociais e políticas que co-habitam a cidade. Assim como, a Resolução CONAMA

369/2006 é um marco na associação dos aspectos sociais e ambientais, que antes eram tratados

como aspectos antagônicos e dissociados. Águas e cidades são unidades de paisagem com

características muito distintas, mas que estabelecem uma relação indissociável. As APPs por sua

vez se configuram como elemento de transição e ligação entre as cidades e suas águas. A

integridade das APPs garante que as mesmas desempenhem um papel de intermediação no

diálogo cidade x águas urbanas. Neste papel as APPs protegem a água, da cidade (retendo a

poluição difusa, reabastecendo o lençol freático, filtrando sedimentos e desacelerando o

escoamento superficial); assim como protegem a cidade, de suas águas (manifestadas em

inundações e enchentes).

As águas urbanas por mais que se pareçam apenas condutores de efluentes, são

elementos dinâmicos, essenciais ao equilíbrio ambiental das cidades. A dinâmica da água e os

processos desenvolvidos no ciclo hidrológico fazem com que as melhorias realizadas no ambiente

tragam reflexos rápidos na qualidade da água e do ecossistema urbano como um todo.

Ao analisar a sub-bacia do Córrego Barbado pudemos perceber os diferentes níveis de

intervenção a que o ambiente foi submetido. Na cabeceira do barbado temos uma grande área de

proteção ambiental, que garante a sobrevivência das nascentes, através da recarga do aqüífero

que esta mancha verde desenvolve. O alto curso é o trecho mais valorizado da sub-bacia, por isso

18

ainda são presentes grandes vazios urbanos de cunho especulativo. Neste trecho o córrego ainda

não foi canalizado e a APP sofre com a ausência de vegetação, que gera a erosão das margens

do córrego, e o carreamento de sedimentos. No alto curso inicia-se o lançamento de esgoto e

poluição difusa que segue ocorrendo por toda a sub-bacia.

No trecho subseqüente – médio curso – os vazios urbanos já foram ocupados por

loteamentos irregulares, que por não possuírem rede de esgoto, lançam seus efluentes no

córrego. Este trecho conta com APP e várzea parcialmente conservada, além de uma mancha

verde composta pelo campus da UFMT.

O baixo curso é o trecho mais modificado da sub-bacia. Grande parte do solo deste trecho

é impermeabilizado, e o córrego é canalizado. Estas alterações ambientais aumentam a

velocidade e o volume do escoamento superficial, agravando as inundações nos bairros

compreendidos neste trecho e no bairro à jusante. A foz do barbado por sua vez, teve sua APP

ocupada irregularmente há muitos anos, e é uma área sob constante ameaça de inundação.

Este trabalho nos levou a perceber que em Cuiabá, as APPs ainda se configuram como

paisagens residuais, descaracterizadas e abandonadas pela população e pelas políticas publicas.

O que tem gerado a ocupação das mesmas pela população excluída do mercado imobiliário

formal. Diagnosticar os conflitos sócio-ambientais presentes na sub-bacia do Barbado permite a

proposição de intervenções que beneficiem a sub-bacia como um todo, aumentando a

sustentabilidade das paisagens fluviais, assim como aumentando a qualidade de vida das

pessoas que vivem na área.

7. Referências Bibliográficas

AMANTE, F.O., COSTA, A.J.S.T., MARQUES, J.S. Água, Sociedade e Meio Ambiente Urbano. III Encontro da ANPPAS. Brasília – DF. 2006.

ANDRADE, L.M.S. Agenda Verde x Agenda Marrom: Inexistência de Princípios ecológicos para o desenho de assentamentos urbanos. (Dissertação). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-Universidade de Brasília. Brasília, DF. 2005.

BORDEST, S.M.L. A bacia do Córrego do Barbado, Cuiabá, Mato Grosso. Cuiabá: Gráfica Print, 116p, 2003.

BRASIL. Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o Código Florestal. Disponível na Internet.http:// www.planalto.gov.br.

BRITTO, A.L. & SILVA, V.A.C. Viver às margens dos rios: uma análise da situação dos moradores da favela Parque Unidos do Acari. In: COSTA, L.M.S.A. (org.) Rios e Paisagens Urbanas em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley: Ed. PROURB, p.57 -76. 2006.

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Disponível na Internet. http:// www.mma.gov.br

19

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP. Resolução n. 369, de 28 de março de 2006. Disponível na Internet. http:// www.mma.gov.br

COSTA, L.M.S.A. Rios urbanos e o desenho da paisagem. In: COSTA, L.M.S.A. (org.) Rios e Paisagens Urbanas em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley: Ed. PROURB, p.9-15. 2006. DUNNETT, N. & CLAYDEN, A. Rain Gardens: Managing Water Sustainably in the Garden and Designed Landscape. Oregon: Timber Press. 2007. FERREIRA A.L.A., ATAÍDE, R.M.C., BORGES, J.S. Conflitos sócio espaciais em áreas protegidas de Natal (RN): limites e desafios para uma nova prática urbanística . III Encontro da ANPPAS. Brasília – DF. 2006. FERREIRA, T.M.A. A cidade e as Bacias Hidrográficas: uma discussão a partir de um estudo de caso. III Encontro da ANPPAS. Brasília – DF. 2006.

IPDU – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano. Estimativa da população e domicílios em área da Bacia do Córrego do Barbado, com base nos dados preliminares do Censo demográfico de Cuiabá / IBGE – Ano 2000. Prefeitura Municipal de Cuiabá. 2002.

MARICATO, E. Metrópole periférica, desigualdade social e meio ambiente. In: VIANA, G. SILVA, M. DINIZ, N. (org.). O Desafio da Sustentabilidade. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. P. 215- 232. 2001.

METZGER, J.P. O que é ecologia de paisagens? Biota Neotropica, Vol. 1, números 1 e 2, 2001 -ISSN 1676-0603, 2001.http://www.biotaneotropica.org.br/v1n12/pt/abstract? mthematic-review + BN00701122001. Acessado em 20 de março de 2008.

MINISTÉRIO DAS CIDADES, Programa Drenagem Urbana Sustentável - Manual para Apresentação de Propostas. 2006. http://ministériodascidades.org.br. Acessado em 21 de outubro de 2007.

PELLEGRINO, P.R.M., GUEDES, P.P., PIRILLO, F.C., FERNANDES, S.A. A paisagem da borda: uma estratégia para condução das águas, da biodiversidade e das pessoas. In: COSTA, L.M.S.A. (org.) Rios e Paisagens Urbanas em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley: Ed. PROURB, p.57 -76. 2006.

REANI, R.T., & SEGALLA, R. A Situação do Esgotamento Sanitário na Ocupação Periférica de Baixa Renda em Áreas de Mananciais: Conseqüências Ambientais no Meio Urbano. III Encontro da ANPPAS. Brasília – DF. 2006.

ROLNIK, R. O que é Cidade? São Paulo: Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos. 86p. 2004.

SCHLEE, M.B., COELHO NETTO A. L., TAMMINGA K. Mapeamento Ambiental e paisagístico de bacias hidrográficas urbanas: estudo de caso do Rio Carioca. In: COSTA, L.M.S.A. (org.) Rios e Paisagens Urbanas em cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley: Ed. PROURB, p.57 -76. 2006.

TUCCI, C. E. M. Gerenciamento da drenagem urbana. Revista Brasileira de Recursos Hídricos. Porto Alegre: v.7 p.5-27, ISBN 1414-381X. 2002.

VICTORINO, V.I.P. Proteção de mananciais, atores e conflitos: o caso da Cratera de Colônia. In: COMIN VARGAS, H. & RIBEIRO, H. (org.) Novos instrumentos da gestão ambiental urbana. São Paulo: Editora Universitária de São Paulo. p.125-149. 2004.