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Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
Universidade de Évora - Mestrado em Engenharia do Solo e da Água 47
IV - Equações de Saint-Venant
O escoamento da água sobre o solo é um processo distribuído, porque o caudal,
velocidade e altura da lâmina de água variam no tempo e no espaço. O cálculo destas
variáveis pode ser efectuado através das equações de Saint-Venant. Estas são equações
diferenciais às derivadas parciais, que permitem o cálculo do caudal e da altura da lâmina de
água como funções do tempo e do espaço.
A dedução das equações de Saint-Venant baseia-se nos seguintes pressupostos:
- O escoamento é unidimensional, a profundidade e a velocidade variam só na
direcção longitudinal do canal. Isto implica que a velocidade é constante e a
superfície da água é horizontal numa secção perpendicular ao eixo longitudinal
do canal;
- O escoamento varia gradualmente ao longo do canal, podendo-se desprezar
as acelerações verticais e considerar a distribuição de pressões segundo a
vertical hidrostática;
- O eixo longitudinal do canal é aproximadamente uma linha recta;
- O declive do fundo é pequeno e o fundo não é móvel, ou seja os efeitos do
destacamento e deposição não influenciam o escoamento;
- Os coeficientes de rugosidade para o regime permanente e uniforme são
aplicáveis, sendo válidas as equações de Manning ou Chézy para os
quantificar.
- O fluido é incompressível e com densidade constante.
IV.1. Equação da continuidade
Considerando um volume de controlo elementar, com um comprimento fixo dx,
conforme esquematizado nas figuras IV.1.1, IV.1.2 e IV.1.3.
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
Universidade de Évora - Mestrado em Engenharia do Solo e da Água48
Linha de energia
S0
Nível de referência
y
z
h
1
Figura IV.1.1 - Volume de controlo (Perfil longitudinal)
Figura IV.1.2 - Volume de controlo (Planta)
y
z
w
dw
B
h
Figura IV.1.3 - Volume de controlo (Perfil transversal)
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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O caudal que entra no volume de controlo é a soma do caudal Q que entra pela secção
de montante com o caudal de percurso q que entra lateralmente. O caudal q é dado em
m3/s/m assim o caudal total de percurso é dado por:
dxq ⋅ (IV.1.1)
então a entrada de massa para o volume de controlo é dada por:
( )∫∫ ⋅+⋅−=⋅⋅entrada
dxqQdAV ρρ (IV.1.2)
O sinal negativo aparece porque os caudais de entrada são considerados negativos no
teorema de transporte de Reynolds. A massa que sai do volume é dada por:
∫∫
⋅
∂∂+⋅=⋅⋅
saida
dxxQ
QdAV ρρ (IV.1.3)
em que:
xQ
∂∂
(IV.1.4)
representa a variação do caudal no volume de controlo ao longo da distância. O volume
do elemento é dado por:
dxA ⋅ (IV.1.5)
sendo A a área média da secção transversal. Assim a variação da massa armazenada
no volume de controlo é dada por:
( )∫∫∫ ∂
⋅⋅∂=∀⋅⋅t
dxAd
dtd ρρ (IV.1.6)
A saída de massa do volume de controlo é calculada por:
( ) ( ) 0=
⋅
∂∂
+⋅+⋅+⋅−∂
⋅⋅∂dx
xQ
QdxqQt
dxAρρ
ρ(IV.1.7)
Ou seja a soma da massa que sai com a variação no interior volume de controlo é igual
á massa que entra.
Assumindo que a densidade do fluido ρ é constante, a equação IV.1.7 pode ser
dividida por dx⋅ρ , de onde se obtém a equação da conservação da massa:
qtA
xQ =
∂∂+
∂∂
(IV.1.8)
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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IV.2. Equação da conservação da quantidade de movimento
A segunda equação de Newton:
tP
F∂∂= (IV.2.1)
em que:
F força;
P quantidade de movimento;
t tempo.
pode ser escrita na forma do teorema de transporte de Reynolds:
∫∫∫∫∫∑ ⋅⋅⋅+∀⋅⋅⋅= dAVVdVdtd
F ρρ (IV.2.2)
A equação anterior mostra que o somatório das forças aplicadas na massa de fluido
contida no interior do volume de controlo é igual á variação da quantidade de movimento no
interior do volume de controlo mais a quantidade de movimento que sai do referido volume.
As forças que actuam sobre o fluido contido no volume de controlo são:
Fg força gravitica;
Ff força de atrito com o fundo e laterais do volume de controlo;
Fe força de contracção ou expansão causada por variações bruscas da
geometria do canal;
Fw força do vento na superfície do fluido;
Fp diferença de pressão.
A componente da força gravitica que actua sobre o fluido no interior do volume de
controlo segundo a direcção do escoamento é determinada como o produto do peso
volúmico pelo volume do fluido pelo seno do ângulo que o fundo faz com a horizontal. Para
inclinações pequenas, o seno é aproximadamente igual à tangente:
dxSAgsindxAgFg ⋅⋅⋅⋅≈⋅⋅⋅⋅= 0ρθρ (IV.2.3)
A força de atrito causada pelo esforço transverso ao longo do fundo e lados do volume
de controlo é dada por:
dxP ⋅⋅− 0τ (IV.2.4)
sendo:
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0τ tensão tangencial ou de arrastamento;
P perímetro molhado;
dx comprimento do volume de controlo.
A tensão tangencial ou de arrastamento 0τ é calculada por:
fSR ⋅⋅= γτ0 (IV.2.5)
sendo:
γ peso volúmico do fluido;
R raio hidráulico;
Sf declive da linha de energia.
como o peso volúmico é dado por:
g⋅= ργ (IV.2.6)
e o raio hidráulico define-se como:
PA
R = (IV.2.7)
substituindo na equação IV.2.5, a tensão tangencial define-se como:
fSPA
g ⋅⋅⋅= ρτ0 (IV.2.8)
assim a força resultante devido ao atrito é calculada por:
dxSAgF ff ⋅⋅⋅⋅−= ρ (IV.2.9)
Expansões ou contracções bruscas do canal provocam perdas de energia devido a
remoinhos. Essas perdas são proporcionais à variação da energia cinética ao longo do
comprimento do canal:
2
22
22 AgQ
gV
Ec ⋅⋅=
⋅= (IV.2.10)
As forças que causam essa perda de carga são calculadas por:
dxSAgF ee ⋅⋅⋅⋅−= ρ (IV.2.11)
sendo Se a perda de carga devida à expansão ou contracção. Se é calculado pela
seguinte expressão:
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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xAQ
gK
S ee ∂
∂
⋅⋅
=
2
2(IV.2.12)
em que:
Ke factor de expansão ou contracção, negativo para expansões e positivo
para contracções;
O efeito do vento é causado pela fricção entre o ar e a superfície livre do volume de
controlo e é dado por:
dxBF ww ⋅⋅= τ (IV.2.13)
sendo:
wτ tensão tangencial entre o ar e a superfície livre do volume de
controlo;
B largura superficial da secção transversal.
A tensão tangencial numa fronteira de um fluido pode ser escrita como:
2rrf
w
VVC ⋅⋅⋅−=
ρτ (IV.2.14)
sendo:
Vr velocidade relativa entre o fluido e o ar;
Cf coeficiente da tensão tangencial entre o fluido e o ar;
Como a velocidade média do escoamento é dada por:
AQ
U = (IV.2.15)
e designando a velocidade do vento por Vw , a velocidade relativa entre o ao e o fluido
é calculada por:
( )ϖcos⋅−= wr VAQ
V (IV.2.16)
em que:
ϖ é o ângulo formado entre a direcção do vento e a direcção do
escoamento;
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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Assim a força resultante da acção do vento sobre o fluido contido no volume de
controlo é dada por:
dxBVVC
F rrfw ⋅⋅
⋅⋅⋅−=
2
ρ(IV.2.17)
chamando:
2rrf
f
VVCW
⋅⋅= (IV.2.18)
resulta:
dxBWF fw ⋅⋅⋅−= ρ (IV.2.19)
A resultante devido à diferença de pressões hidrostáticas entre a secção de montante a
e secção de jusante do volume de controlo e à contracção ou expansão do canal, é
determinada por:
plpjpmp FFFF +−= (IV.2.20)
sendo:
Fpm resultante da pressão hidrostática actuante na secção de montante;
Fpj resultante da pressão hidrostática actuante na secção de jusante;
Fpl resultante da pressão hidrostática segundo a direcção do
escoamento nas laterais do volume de controlo;
De acordo com a figura IV.1.3, um elemento de altura dw a uma altura w medida a
partir do fundo do canal e a uma profundidade y-w, está sujeito a uma pressão hidrostática:
( )wyg −⋅⋅ρ (IV.2.21)
e consequentemente uma força hidrostática dada por:
( ) dwbwyg ⋅⋅−⋅⋅ρ (IV.2.22)
Assim, a força hidrostática actuante na secção de montante do volume de controlo é
dada por:
( )∫ ⋅⋅−⋅⋅=y
pm dwbwygF0
ρ (IV.2.23)
Consequentemente a resultante das pressões hidrostáticas actuantes na secção de
jusante do volume de controlo é dada por:
dxx
FFF pm
pmpj ⋅∂
∂+= (IV.2.24)
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
Universidade de Évora - Mestrado em Engenharia do Solo e da Água54
Aplicando a regra de Leibnitz para a primitivação de um integral, vem:
( )∫ ∫ ⋅∂∂
⋅−⋅⋅+⋅⋅∂∂
⋅⋅=∂
∂ y ypm dw
xb
wygdwbxy
gx
F
0 0
ρρ (IV.2.25)
( )∫ ⋅∂∂
⋅−⋅⋅+∂∂
⋅⋅=∂
∂ ypm dw
xb
wygxy
gx
F
0
ρρ (IV.2.26)
Como a área da secção transversal do escoamento é dada por:
∫ ⋅=y
dwbA0
(IV.2.27)
A força resultante da pressão hidrostática actuante nas laterais do volume de controlo
está relacionada com a variação da largura do canal:
xb
∂∂
(IV.2.28)
ao longo do comprimento do volume de controlo dx, e é dada por:
( ) dxdwxb
wygFy
pl ⋅
⋅
∂∂⋅−⋅⋅= ∫
0
ρ (IV.2.29)
Substituindo a equação IV.2.24 na equação IV.2.20, obtem-se:
pl
pm
pmpmp Fdxx
FFFF +
⋅
∂∂
+−= (IV.2.30)
pb
pm
p Fdxx
FF +⋅
∂
∂−= (IV.2.31)
Substituindo IV.2.26 e IV.2.29 em IV.2.31, vem:
dxxy
AgFp ⋅∂∂⋅⋅⋅−= ρ (IV.2.32)
O somatório das forças actuantes no fluido contido no volume de controlo, é dada por:
dxxy
AgdxBW
dxSAgdxSAgdxSAgF
f
ef
⋅∂∂⋅⋅⋅−⋅⋅⋅−
⋅⋅⋅⋅−⋅⋅⋅⋅−⋅⋅⋅⋅=∑ρρ
ρρρ 0
(IV.2.33)
Os dois termos do lado direito da equação IV.2.33, 2ª lei de Newton escrita na forma
do teorema de transporte de Reynolds, representam a variação e a saída da quantidade de
movimento no volume de controlo respectivamente.
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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A entrada de massa no volume de controlo é dada por:
( )dxqQ ⋅+⋅− ρ (IV.2.34)
A quantidade de movimento associada é:
( )[ ] βρ ⋅⋅⋅+⋅− VdxqQ (2.2.35)
sendo β um factor de correcção da quantidade de movimento ou coeficiente de
Boussinesq que toma em consideração a distribuição de velocidades na secção transversal:
∫∫ ⋅⋅⋅
= dAvAV
22
1β (IV.2.36)
Segundo Chow 1959 e Henderson 1966, os valores de β variam entre 1.01 para
canais prismáticos e 1.33 para canais naturais com margens de inundação.
Assim pode-se escrever:
( )∫∫ ⋅⋅⋅+⋅⋅⋅−=⋅⋅⋅entrada
x dxqvQVdAVV ββρρ (IV.2.37)
E a quantidade de movimento que sai do volume de controlo é dada por:
( )∫∫
⋅
∂⋅⋅∂
+⋅⋅⋅=⋅⋅⋅saida
dxx
QVQVdAVV
ββρρ (IV.2.38)
O balanço da quantidade de movimento é:
[ ] ( )
⋅
∂⋅⋅∂+⋅⋅⋅+⋅⋅⋅+⋅⋅⋅−=
=⋅⋅⋅∫∫
dxx
QVQVdxqvQV
dAVV
x
ββρββρ
ρ.sup
(IV.2.39)
simplificando:
( )∫∫ ⋅
∂⋅⋅∂−⋅⋅⋅−=⋅⋅⋅ dx
xQV
qvdAVV x
ββρρ (IV.2.40)
Como o volume do elemento é:
dxA ⋅ (IV.2.41)
então a sua quantidade de movimento é:
dxQVdxA ⋅⋅⇔⋅⋅⋅ ρρ (IV.2.42)
Assim a variação da quantidade de movimento armazenada no volume de controlo em
ordem ao tempo é:
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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∫∫∫ ⋅∂∂⋅=∀⋅⋅⋅ dx
tQ
dVdtd ρρ (IV.2.43)
Substituindo as forças actuantes no fluido contido no volume de controlo e os termos da
quantidade de movimento na equação IV.2.2, obtém-se:
( )dt
tQ
dxx
QVvdx
xy
Ag
dxBWdxSAgdxSAgdxSAg
x
fef
⋅∂∂⋅+⋅
∂⋅⋅∂−⋅⋅−=⋅
∂∂⋅⋅⋅−
⋅⋅⋅−⋅⋅⋅⋅−⋅⋅⋅⋅−⋅⋅⋅⋅
ρββρρ
ρρρρ 0
(IV.2.44)
Dividindo toda a equação por:
dx⋅ρ
e substituindo V por:
AQ
obtém-se a equação da quantidade de movimento na sua forma conservativa:
00
2
=⋅+⋅⋅−
++−
∂∂⋅⋅+
∂
⋅∂
+∂∂ ββ
βfxef WvqSSS
xy
Agx
AQ
tQ
(2.2.45)
Admitindo que o caudal de percurso entra no canal numa direcção perpendicular à
direcção do escoamento:
0=xv (2.2.46)
desprezando o efeito do vento:
0=fW (2.2.47)
e dividindo por A, obtém-se:
( ) 011
0
2
=−⋅−∂∂
⋅+
⋅
∂∂
⋅+∂∂
⋅ fSSgxy
gA
QxAt
QA
(2.2.48)
Resumindo as equações de Saint-Venant são duas equações diferenciais às derivadas
parciais, uma é a equação da continuidade (IV.1.18) e outra a equação da quantidade de
movimento (IV.2.48).
Os termos da equação IV.2.48 têm os seguintes significados:
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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tQ
A ∂∂⋅1
representa a aceleração local, que descreve a
variação da quantidade de movimento devida a variação
da velocidade em ordem ao tempo;
⋅
∂∂
⋅A
QxA
21representa a aceleração convectiva e descreve a
variação da quantidade de movimento devida a uma
mudança de velocidade do escoamento ao longo do
canal;
xy
g∂∂⋅ representa a diferença das resultantes das pressões
hidrostáticas actuantes na fronteira do volume de
controlo e é proporcional à variação da profundidade
do escoamento ao longo do canal;
0Sg ⋅ representa a acção da gravidade e é proporcional ao
declive do fundo do canal;
fSg ⋅ representa a acção do atrito com o fundo e as margens
do canal;
Os termos da aceleração local e convectiva representam os efeitos da acção de forças
inerciais no escoamento.
Quando o caudal ou a altura da lâmina de água muda num ponto num escoamento
lento, os efeitos dessa perturbação propagam-se para montante. Esses efeitos são
considerados no modelo distribuído pelos termos da aceleração local, convectiva ou
diferença de pressão.
Utilizando um modelo sintético é impossível simular esses efeitos, pois estes modelos
não possuem meios de simular este tipo de perturbações.
Existem vários modelos distribuídos que têm como base as equações de Saint-Venant,
como por exemplo o Full Equations Model, Franz, 1997 ou o FLDWAV, Fread, 1998.
Empregando a equação da continuidade e considerando todos os termos da equação
da quantidade de movimento, obtém-se o modelo de ONDA DINÂMICA.
Capítulo IV - Equações de Saint-Venant
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Se se desprezar os termos inerciais da equação de quantidade de movimento obtém-se
o modelo de INERCIA NULA.
Não considerando os termos inerciais nem os termos da diferença de pressão na
equação da quantidade de movimento obtém-se o modelo de ONDA CINEMATICA.
Este modelo é aplicável quando a lâmina de água tem espessura reduzida, as forças
mais importantes aplicadas ao fluido são a gravidade e o atrito e a velocidade do escoamento
não varia consideravelmente, sendo a aceleração reduzida.