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Giacomo Patrocinio Figueredo Uma descrição sistêmico-funcional da estrutura do grupo nominal em português orientada para os estudos lingüísticos da tradução Belo Horizonte - 2007

IV. Figueiredo Uma Descrição Sistêmico-funcional Da Estrutura Do Grupo Nominal[1]

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Linguistica sistêmico funcional

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  • Giacomo Patrocinio Figueredo

    Uma descrio sistmico-funcional da estrutura do grupo nominal em portugus orientada para os estudos lingsticos da traduo

    Belo Horizonte - 2007

  • Giacomo Patrocinio Figueredo

    Uma descrio sistmico-funcional da estrutura do grupo nominal em portugus orientada para os estudos lingsticos da traduo

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingsticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Lingstica Aplicada. rea de concentrao: Lingstica Aplicada Linha de Pesquisa H Estudos da Traduo Orientadora: Professora Doutora Adriana Silvina Pagano

    Belo Horizonte

    Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais

    2007

    2

  • 3

  • AGRADECIMENTOS

    Esta dissertao uma unidade de significado produzida coletivamente como

    resultado da criao de representaes por tantas pessoas que no seria capaz de enumer-las

    todas aqui. Por isto, restringindo-me poca da escritura deste texto, presto agradecimentos:

    professora Adriana Pagano, pela orientao e co-autoria neste projeto.

    Aos colegas do LETRA/CORDIALL pela cooperao que ajudou este trabalho a

    ganhar vida, em particular Camila, colega de trabalho nas pesquisas da poca da graduao

    e ao Cristiano, com quem, em conjunto, pude desenvolver vrias pesquisas, inclusive parte da

    que nesta dissertao ser apresentada.

    CAPES pelo apoio financeiro a esta pesquisa.

    Aos professores Clia Magalhes e Fabio Alves por terem contribudo no

    amadurecimento das idias apresentadas nesta pesquisa.

    Aos amigos Joaquim, Alberto, Ernesto, Francisco, Nelson, Joozinho, Guilherme,

    Eduardo, Darcy, Jaime, Fernando, Jos, Lus e Miguel.

    Grazziela, no incentivo fraterno e por ser modelo de pesquisadora.

    Ao David, companheiro nesses anos e amigo, obrigado.

    E, principalmente, Cristina, cujo apoio, solidariedade e companheirismo ajudaram

    de modo fundamental a levar a cabo este projeto. Obrigado por dividir comigo a vida.

    professora Adriana Pagano agradeo mais uma vez, pelas tantas ocasies em que

    me serviu de apoio nestes anos de pesquisa em conjunto, contribuindo de forma crucial para

    minha formao.

    4

  • Na desesperao j repousava O peito longamente magoado, E, com seu dano eterno concentrado, J no temia, j no desejava; Quando a sombra v me assegurava Que algum bem me podia estar guardado Em to fermosa imagem, que o treslado Na alma ficou, que nela se enlevava. Que crdito que d to facilmente O corao quilo que deseja, Quando lhe esquece o fero seu destino! Ah! deixem-me enganar, que eu sou contente; Que, posto que maior meu dano seja, Fica-me a glria do que imagino.

    Cames

    5

  • RESUMO

    Diante da necessidade apontada pelos estudos sistmico-funcionais aplicados

    lngua portuguesa, qual seja, a descrio sistmico-funcional do portugus como instrumento

    de anlise e estudo da traduo, esta dissertao adota uma viso lingstico-funcional da

    traduo (TEICH, 1999; MATTHIESSEN, 2001), na qual a traduo entendida a partir da

    dimenso da instanciao como uma relao entre sistemas lingsticos e a descrio

    lingstica se constitui como uma das etapas dos estudos tradutrios no contexto desta viso.

    Objetivando promover a identificao da ordem do grupo em portugus e a descrio dos

    sistemas componentes das estruturas experiencial e lgica da classe do grupo nominal (cf.

    HALLIDAY, 2002), esta dissertao tomou como base os processos scio-semiticos (cf.

    COUCHMAN, 2006), para a compilao de um crpus (com um total de 12.000 palavras

    distribudas em oito subcrpora de 1.500 palavras, cada qual relativo a um dos oito processos

    scio-semiticos) no qual as classes de grupos foram anotadas segundo suas funes, bem

    como os itens na ordem da palavra que serviram de elementos na estrutura dos grupos. Destas

    anotaes foram retirados os padres de funes destes elementos. Para a realizao da

    anlise, adotou-se como ponto de partida para a descrio a dimenso da estrutura. O exame

    de baixo revelou a forma como os elementos da ordem inferior se agrupam, formando,

    assim, classes. De cima foi possvel observar quais so as classes de grupos que operam

    como elemento na estrutura da orao. Tal anlise indica que so as ordens em portugus:

    morfema, palavra, grupo (e frase) e orao. Para a descrio da estruturao do grupo

    nominal, este foi examinado de baixo e nele foram identificadas as classes de palavras que

    servem como elemento na ordem do grupo (nominal). Examinando o grupo nominal ao

    redor, descreveu-se a forma como as classes de seus elementos componentes se organizam.

    Os resultados alcanados indicam que o grupo nominal em portugus se estrutura de forma

    experiencial e lgica. Experiencialmente, os elementos presentes nesta classe de grupo

    6

  • cumprem as funes de Qualidade: Diticos: no-seletivo (especfico e no-especfico),

    seletivo de proximidade, seletivo de pessoa, indefinido, interrogativo. Numerativo:

    ordenativo, quantitativo, interrogativo. Epteto: experiencial, interpessoal. Classificador:

    vrias classes (material, origem, caracterstica, etc.). Alm destas, h presente tambm a

    funo do Ente, que pode ser classificado taxonomicamente como: consciente, animal, objeto

    material, substncia, abstrao material, instituio, objeto semitico, abstrao semitica. Na

    estrutura lgica, o sistema lingstico do portugus possui um elemento operando como

    Ncleo e outros elementos operando como Pr- e Ps-modificadores. Foi possvel tambm

    observar que a posio de ps-modificao exerce dominncia em relao de pr-

    modificao, permitindo que os elementos Ps-modificadores sejam modificados pelos Pr-

    modificadores. Em seguida, promoveu-se a comparao e o contraste entre o portugus e um

    outro sistema lingstico que, no caso desta pesquisa, a seleo foi pelo ingls. Corroborando

    os estudos de Matthiessen (2001), Teich (2001) e Steiner (2002), esta descrio provou ser

    til para o contraste tipolgico com outros sistemas lingsticos, podendo ser capaz de

    contribuir para anlises futuras pautadas pela viso lingstico-funcional da traduo.

    Palavras-chave: viso lingstico-funcional da traduo; descrio sistmico-funcional;

    descrio do portugus; grupo nominal.

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  • ABSTRACT

    In the past few years, systemic-functional studies of translation having Portuguese as

    one of the systems involved have claimed the need for further descriptions as a resource to

    further studies of translation. As an attempt to meet this need, this thesis adopted a linguistic-

    functional view of translation (TEICH, 1999; MATTHIESSEN, 2001) in which translation is

    understood as a meaning-making resource that takes place when a relationship is established

    between linguistic systems seen first through the instantiation dimension of the systems. This

    view requires system description as a fundamental step to the study of translation. Within this

    context, this thesis identified Portuguese rank scale and described the nominal class of groups

    as well as its experiential and logical structures by taking the dimension of structure as the

    most comprehensive environment (HALLIDAY, 2002). Based on the social-semiotic

    processes and the text types related to them (see COUCHMAN, 2006) a 12,000-word corpus

    was collected (with 1,500 words per socio-semiotic process). Classes of group were annotated

    in relation to their clause functions, as well as word rank items serving as elements or parts of

    elements in group structure. For the analysis, this thesis took structure as the most

    comprehensive environment for description and was able to point at the hierarchical

    constitution of the Portuguese rank scale. Looked at from below, it was possible to

    understand how group items form elements in clause structure and word items form elements

    in group structure. Looked at from above, it was possible to understand which group classes

    operate as particular elements in clause rank. As a result, this description indicates that

    Portuguese rank scale has four ranks: morpheme, word, group (phrase) and clause. Examining

    nominal group class from below, word classes operating as elements in nominal group

    structure were identified. Examining nominal group from roundabout it was possible to see

    how elements functioning within the nominal group were selected to form secondary

    8

  • structures of nominal groups, indicating that the nominal group structure in Portuguese is both

    experiential and logical. The experiential structure of the nominal group in Portuguese has

    two broad functions of Quality and Thing. Quality in Portuguese has the functions of:

    Deictics: non-selective (specific and non-specific), selective for proximity, selective for

    person, indefinite and interrogative. Numerative: ordenative, quantitative and interrogative.

    Epithet: experiential and interpersonal. Classifier: several classes (in respect to material,

    origin, characteristic, etc.). Thing, classified taxonomically as: conscious, animal, material

    object, substance, material abstraction, institution, semiotic object, semiotic abstraction. The

    logical structure of the nominal group in Portuguese has a Head and Pre- and Post-modifiers.

    The Head can be operated by any of the elements from experiential structure, including

    Qualifiers (prepositional phrases mostly). Post-modifying position is dominant in relation to

    pre-modifying position in Portuguese, which enables Post-modifiers to be modified by Pre-

    modifiers. Following the works of Teich (1999), Matthiessen (2001), Teich (2001) and

    Steiner (2002), the present description can be understood as a means to typological contrast

    and a resource to future investigations bearing the linguistic-functional view of translation.

    Keywords: linguistic-functional view of translation; systemic-functional description;

    description of Portuguese; nominal group.

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  • LISTA DE ILUSTRAES

    Quadros:

    Quadro 1 - As dimenses da linguagem e seus princpios de organizao ...........................33

    Quadro 2 - Contextualizao da traduo .............................................................................56

    Quadro 3 - Perspectiva sistmico-funcional da traduo ......................................................65

    Quadro 4 - Classes de grupo e frase em relao funo oracional .....................................89

    Quadro 5 - Os sistemas da Qualidade ...................................................................................91

    Quadro 6 - Tipos de texto coletados para o crpus segundo os processos

    scio-semiticos ................................................................................................124

    Quadro 7 - Exemplo de marcao ........................................................................................128

    Quadro 8 - Anotao do grupo nominal ...............................................................................129

    Quadro 9 - Grupos em relao s dimenses do sistema em portugus ...............................137

    Quadro 10 - Funo experiencial dos Elementos .................................................................142

    Quadro 11 - Taxonomia comparada para o Ente ..................................................................151

    Quadro 12 - Entes e sua funo experiencial ........................................................................153

    Quadro 13 - Critrios de categorizao sistmica dos Entes ................................................154

    Quadro 14 - Convergncia entre os sistemas de REFERNCIA e

    DETERMINAO ..........................................................................................164

    Quadro 15 - Pronomes demonstrativos relacionados s pessoas do discurso .......................167

    Quadro 16 - As funes de especificidade e proximidade dos Diticos de proximidade

    em portugus ....................................................................................................172

    Quadro 17 - Convergncia entre os sistemas de REFERNCIA e ORIENTAO

    PARA A PROXIMIDADE ...............................................................................174

    Quadro 18 - A natureza bipessoal dos possessivos ................................................................185

    Quadro 19 - Os pronomes possessivos em portugus ............................................................185

    Quadro 20 - Exemplos de ocorrncias de itens possessivos ..................................................188

    Quadro 21 - Classificao de elementos de grupos nominais com possessivos ....................188

    Quadro 22 - Insero de itens em grupos nominais com Diticos de pessoa .........................189

    Quadro 23 - Termos e itens do sistema da DETERMINAO em portugus ......................194

    Quadro 24 - Os sistemas da DETERMINAO em portugus - tipo e modo ......................196

    Quadro 25 - Os pronomes indefinidos ....................................................................................197

    Quadro 26 - Os Diticos no-especficos em portugus .........................................................198

    10

  • Quadro 27 - Funes de preciso e ordem nos Numerativos ..................................................201

    Quadro 28 - Funes do grupo nominal em portugus e classes de palavra ...........................226

    Quadro 29 - Grupo nominal com Qualificador .......................................................................231

    Quadro 30 - Princpio de qualificao esquerda ..................................................................234

    Quadro 31 - Princpio de qualificao direita ......................................................................234

    Quadro 32 - Princpio de qualificao do grupo nominal em portugus ................................235

    Quadro 33 - Primeiro elemento modificador ..........................................................................237

    Quadro 34 - Primeiro elemento modificador ..........................................................................237

    Quadro 35 - Submodificao do grupo nominal em portugus ..............................................238

    Quadro 36 - Submodificao com dois Eptetos ....................................................................239

    Quadro 37 - Diviso do trabalho gramatical para a submodificao em portugus ...............240

    Quadro 38 - Classificao de Eptetos em portugus .............................................................241

    Quadro 39 - Classificadores em portugus .............................................................................242

    Quadro 40 - Ocorrncias previstas para Eptetos e Ente ........................................................244

    Quadro 41 - Anlise do grupo nominal nos EXEMPLOS 149 e 154 .....................................248

    Quadro 42 - O processo de descobrir no primeiro captulo de Hawking (1988) ....................250

    Quadro 43 - Termos e itens do sistema da DETERMINAO em portugus e

    ingls ..................................................................................................................267

    Quadro 44 - O sistema de nmero no grupo nominal especfico em ingls ...........................268

    Quadro 45 - O sistema de nmero no grupo nominal no-especfico em ingls ....................268

    Quadro 46 - Principais caractersticas dos Eptetos e Classificadores em portugus e

    ingls ..................................................................................................................271

    Quadro 47 - Diviso do trabalho gramatical para a submodificao em portugus e

    ingls ..................................................................................................................274

    Figuras:

    Figura 1 - Opes em alto nvel de delicadeza no sistema para os itens mulher

    e menina ...............................................................................................................36

    Figura 2 - Realizao do contexto ............................................................................................62

    Figura 3 - O contnuo da instanciao e os campos de estudo .................................................63

    Figura 4 - Grupo nominal apresentando a estrutura experiencial de varivel

    mltipla ....................................................................................................................92

    Figura 5 - Ncleo e modificador ...............................................................................................92

    Figura 6 - Categorias e escalas .................................................................................................104

    11

  • Figura 7 - Sistema de trs unidades ..........................................................................................107

    Figura 8 - Unidade e estrutura ..................................................................................................108

    Figura 9 - Unidade, estrutura e classe ......................................................................................109

    Figura 10 - Rede do sistema .....................................................................................................110

    Figura 11 - A linguagem no contexto de cultura ......................................................................121

    Figura 12 - O contnuo de contagem ........................................................................................148

    Figura 13 - Contnuo de generalidade ......................................................................................149

    Figura 14 - Identificao da clula do Ente ..............................................................................152

    Figura 15 - Taxonomia do Ente em um primeiro nvel de delicadeza ......................................157

    Figura 16 - Referncia endofrica ............................................................................................168

    Figura 17 - Contnuo de proximidade ......................................................................................183

    Figura 18 A estrutura dos sistemas de DETERMINAO e ORIENTAO

    em portugus .........................................................................................................192

    Figura 19 - As funes numerativas em portugus ..................................................................200

    Figura 20 - Representao dos blocos de submodificao em portugus ................................236

    Figura 21 - Representao da dissociao entre Ncleo e Ente ...............................................252

    Figura 22 - A escala de ordens do portugus ...........................................................................256

    Figura 23 - O sistema de DETERMINAO em ingls .........................................................262

    Figura 24 - Contnuo para os Diticos de proximidade em portugus e ingls .......................265

    Figura 25 - Relao entre Diticos possessivos e outros tipos de Diticos em

    portugus e ingls .................................................................................................265

    Figura 26 - REFERNCIA e DETERMINAO relativas s funes de

    Diticos no-seletivos em portugus e ingls ........................................................266

    12

  • LISTA DE TERMOS TRADUZIDOS

    As tradues dos termos sistmicos apresentados nesta dissertao seguiram as

    recomendaes da lista de termos aprovados pelos pesquisadores que participam da lista de discusso da lingstica sistmico-funcional em portugus. Com relao aos termos ainda no traduzidos, porm utilizados na presente dissertao, apresenta-se a seguinte proposta de traduo, que, neste trabalho foi empregada. Observam-se aqui, conforme o estabelece a teoria sistmico-funcional, as grafias com letras minsculas e maisculas. Termos em ingls Termos em portugus 1 act clause orao-ato 2 affected afetado 3 agnate agnato 4 agnation agnao 5 choice escolha 6 choose escolher 7 class classe 8 closed systems sistemas fechados 9 conflated convergente 10 conflation convergncia 11 Deictic Ditico 12 delicacy delicadeza 13 delicate delicado 14 determiner determinante 15 Element Elemento 16 epithesis eptese 17 Epithet Epteto 18 exhaustion exausto 19 fact clause orao-fato 20 from above de cima 21 from below de baixo 22 fused fundido 23 fusion fuso 24 fuzziness difuso 25 fuzzy difuso 26 grammar gramtica 27 grammatics gramaticologia 28 indelicate indelicado 29 iteration iterao 30 macrophenomenon macrofenmeno 31 metaphenomenon metafenmeno 32 mini-clause mini-orao 33 mini-range mini-extenso 34 modification modificao 35 MOOD system sistema de MODO 36 multivariate structure estrutura de varivel mltipla

    13

  • 37 numeral numeral 38 Numerative Numerativo 39 open sets conjuntos abertos 40 opt optar 41 option opo 42 ordering Numerative Numerativo ordenador 43 permanence permanncia 44 phrase frase 45 Post-deictic Ps-ditico 46 Post-modifier Ps-modificador 47 Pre-modifier Pr-modificador 48 quantifying Numerative Numerativo quantificativo 49 rank ordem 50 rank scale escala de ordens 51 rankshift mudana de ordem 52 rankshifted mudado de ordem 53 roundabout ao redor 54 Scope Escopo 55 select selecionar 56 selection seleo 57 sentence sentena 58 shade matizar 59 shunt manobrar / manobra 60 stratum estrato 61 subcategorization subcategorizao 62 sub-modification submodificao 63 sub-sentence sub-sentena 64 syntagm sintagma 65 system network rede do sistema 66 system-&-process sistema-e-processo 67 systemics sistmica / teoria sistmica 68 thing (fenmeno) ser 69 Thing (gramatical) Ente 70 thing (semntico) ente 71 transience transitoriedade 72 TRANSITIVITY system sistema de TRANSITIVIDADE 73 trinocular perspective perspectiva trinocular 74 unit unidade 75 univariate structure estrutura de varivel nica

    14

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................17 CAPTULO 1 OS ESTUDOS DA TRADUO DE BASE SISTMICO-

    FUNCIONAL: O PERCURSO DAS ABORDAGENS SISTMICAS DA TRADUO ORIENTAO LINGSTICO-FUNCIONAL PARA UM MODELO DE TRADUO ..............................................28

    1.1 As abordagens sistmicas da traduo .........................................................................29 1.2 A lingstica sistmico-funcional .................................................................................31 1.3 A traduo no mbito da lingstica sistmico-funcional ............................................48 1.3.1 Catford (1965) ........................................................................................................48 1.3.2 Matthiessen (2001) .................................................................................................53 1.3.3 Halliday (2001) .......................................................................................................58 1.4 Orientao lingstico-funcional para um modelo de traduo ....................................60 1.5 A importncia da descrio sistmica para a viso lingstico-funcional da traduo ....................................................................................................................71 1.5.1 A relevncia dos trabalhos desenvolvidos no mbito do projeto CORDIALL

    para a relao entre descrio sistmica e estudos da traduo .............................72 1.6 A teoria geral de descrio ............................................................................................75 1.6.1 A descrio da orao (unidade bsica de anlise gramatical) ...............................86 1.6.2 O grupo nominal .....................................................................................................89 1.6.3 A descrio dos grupos e os estudos da traduo ...................................................92 CAPTULO 2 METODOLOGIA DE DESCRIO LINGSTICA

    SISTMICO-FUNCIONAL ....................................................................95 2.1 O grupo abordado a partir da dimenso da estrutura .....................................................97 2.1.1 Demais consideraes na abordagem do grupo ........................................................112 2.2 O crpus .........................................................................................................................119 CAPTULO 3 DESCRIO SISTMICO-FUNCIONAL DOS GRUPOS EM PORTUGUS .........................................................131

    3.1 O grupo nominal ............................................................................................................139 3.1.1 Estrutura experiencial do grupo nominal ..................................................................140 3.1.1.1 Ente ........................................................................................................................144 3.1.1.2 Ditico ....................................................................................................................157 3.1.1.2.1 Ditico no-seletivo ............................................................................................158 3.1.1.2.2 Ditico seletivo orientado para a proximidade ...................................................166 3.1.1.2.3 Ditico seletivo orientado para a pessoa .............................................................184 3.1.1.2.4 Modo de dixis diticos interrogativos de proximidade ..................................195 3.1.1.2.5 Diticos no-especficos .....................................................................................197 3.1.1.3 Numerativo ............................................................................................................199 3.1.1.4 Epteto e Classificador ...........................................................................................202 3.1.1.4.1 Epteto .................................................................................................................208

    15

  • 3.1.1.4.2 Classificador .........................................................................................................219 3.1.1.5 Qualificador .............................................................................................................226 3.2 Estrutura lgica do grupo nominal ..................................................................................233 3.2.1 Qualificao, modificao e Ncleo ...........................................................................233 3.2.2 Epteto e Classificador ................................................................................................240 3.2.3 Qualificador ..................................................................................................................245 3.3 Discutindo os resultados: o papel de uma descrio da ordem do grupo e da estrutura do grupo nominal em portugus a partir da viso lingstico-funcional da traduo ....................................................................................252 3.3.1 A dimenso da estrutura .............................................................................................253 3.3.2 Estruturas e classes .....................................................................................................258 3.3.3 Sistemas de classes: Ente e Qualidade .......................................................................259 3.3.3.1 Entes simples ...........................................................................................................259 3.3.3.2 Determinao ...........................................................................................................262 3.3.3.3 Quantificao ...........................................................................................................270 3.3.3.4 Eptese e Subclassificao .........................................................................................270 3.3.3.5 Qualificadores ............................................................................................................272 3.3.4 Sistemas de classe: Ncleo e Modificadores ................................................................273 CONCLUSO .....................................................................................................................276 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................288

    16

  • INTRODUO

    17

  • Os estudos da traduo tm por marco inicial o mapeamento realizado por J. S.

    Holmes em seu trabalho de 1972. Segundo Holmes (cf. TOURY, 1995), os tipos de pesquisa

    neste campo disciplinar so aplicados ou puros, podendo-se inserir, no primeiro tipo, por

    exemplo, o ensino e a formao de tradutores. As pesquisas puras, por outro lado, podem ser

    tericas ou descritivas.

    As pesquisas descritivas concentram-se em trs tipos de orientao: para a funo do

    texto traduzido na lngua de chegada; para o processo, na qual se estuda o processo mental e

    as estratgias do tradutor quando realiza a tarefa tradutria; e, finalmente, para o produto da

    traduo o texto traduzido. O produto da traduo pode ser abordado de vrias maneiras;

    contudo, segundo Malmkjr (2005), so quatro os grupos de abordagens mais influentes nesta

    esfera do campo disciplinar: abordagens funcionais, culturais, descritivas e lingsticas.

    A presente dissertao se insere em uma das abordagens lingsticas, de base

    sistmico-funcional. A adoo da lingstica sistmico-funcional (HALLIDAY 2002;

    HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004) em uma abordagem da traduo surge, como ser

    possvel ver com mais profundidade na prxima seo, com a necessidade de se lidar tanto

    com questes lingsticas quanto com questes contextuais e culturais que envolvem a

    traduo (PAGANO e VASCONCELLOS, 2005). Devido a este fato, esta dissertao passa a

    examinar em seguida mais detalhadamente as abordagens lingsticas. Mas antes, para o

    maior entendimento dos tipos de pesquisa realizados no mbito destas abordagens, preciso

    ter em mente a relao entre os estudos da traduo e teorias de outros campos do

    conhecimento.

    Malmkjr (2005) afirma que abordar a traduo implica em faz-lo de uma das

    seguintes formas: 1) incluir a traduo como parte dos fenmenos explicados por alguma

    teoria, fazendo com que, deste modo, a traduo seja uma forma de ampliar os fenmenos que

    tal teoria consegue abarcar; 2) conceber a traduo como um objeto especfico e aplicar os

    18

  • conhecimentos de outras teorias na medida em que possam contribuir para elucidar os

    fenmenos tradutrios; 3) desenvolver uma teoria de traduo empregando conceitos de uma

    outra teoria, ou campo de estudo, o que tornaria o estudo da traduo uma subrea desses.

    Em sua maioria, as abordagens lingsticas dos estudos da traduo, principalmente

    as sistmico-funcionais, entendem abordagem na terceira forma. Com isto, empregam

    conceitos da teoria lingstica buscando formular uma teoria de traduo (HATIM, 2001;

    MUNDAY, 2001; MALMKJR, 2005). Assim, (i) descrever lingisticamente os textos fonte

    e alvo (MUNDAY, 1998), (ii) compar-los e contrast-los (CATFORD, 1965; TEICH, 1999;

    STEINER, 2002) e (iii) explicar as motivaes para as escolhas tradutrias por meio das

    opes realizadas em cada um dos sistemas lingsticos em questo (HALLIDAY et al., 1964;

    CATFORD, 1965) constituem passos fundamentais nas pesquisas destas abordagens na

    procura por uma teoria lingstica da traduo.

    Quando se analisa a importncia das descries, comparaes e motivaes para

    escolhas tradutrias, possvel concluir que, para as abordagens lingsticas, a traduo no

    se configura propriamente como um fenmeno, mas como uma relao entre sistemas

    lingsticos fonte e alvo instanciados pelos textos analisados e, conseguintemente, a amplitude

    desta relao se estabelece por meio do carter da teoria lingstica adotada, alm de sua

    abrangncia.

    Neste sentido, Halliday et al. (1964, p. 123) afirmam que a traduo como atividade

    acontece apenas de uma maneira, o tradutor observa um evento em uma lngua, a lngua

    fonte, e realiza um evento relacionado em outra, a lngua alvo. Contudo, o resultado final

    so dois textos em relao mtua. *1 Logo, em termos sistmico-funcionais, possvel

    entender a relao tradutria como uma relao de realizao: o texto B, na qualidade de texto

    * Todas as tradues de citaes apresentadas nesta dissertao so de minha autoria. 1 Translation as activity faces only one way; the translator observes an event in one language, the source language, and performs a related event in another, the target language. But the total result is two texts which stand in mutual relation.

    19

  • alvo, realiza o texto A, na qualidade de texto fonte, ou, em outras palavras, um texto s pode

    ser visto como original se assim for realizado por uma traduo. Halliday et al. (1964, p. 123)

    estabelecem que

    dois textos relacionados pela traduo esto para a descrio contrastiva das lnguas em questo assim como um nico texto est para a descrio de uma lngua. (...) Isto , a ocorrncia de um item, ou de um padro, na lngua A e de outro item, ou padro, na lngua B, em situao de uso real e sob condies que nos permitam referir a estes itens como equivalentes, constituem-se como um tipo de evento que crucial para os estudos contrastivos.2

    No que diz respeito proposta de uma lingstica contrastiva sustentada pela

    lingstica sistmico-funcional, Ellis (1966) concebe subreas de pesquisa que

    compreendem tanto as semelhanas quanto os contrastes entre as lnguas e postula que a

    lingstica contrastiva pode ser geral ou possuir propsitos, que por sua vez podem ser

    propsitos gerais ou especficos. A lingstica contrastiva geral investiga formas de se

    estabelecerem parmetros para a comparao, alm das tcnicas de empreg-la ao estudo das

    lnguas. A lingstica contrastiva com propsitos gerais se ocupa dos tipos de lngua

    comparados, do mbito dos objetos lingsticos comparados (variando de objetos particulares

    a tipolgicos), e dos mtodos de comparao. A lingstica contrastiva com propsitos

    especficos definida conforme o propsito do estudo comparado, como no estudo de

    dialetos, da lingstica institucional, ou do contato entre lnguas.

    Ellis (1966) coloca o estudo da traduo, ao qual define como a busca por uma teoria

    lingstica da traduo, como um dos propsitos especficos da lingstica contrastiva.

    Baseando-se no trabalho de Catford (1965), Ellis (1966) afirma que uma teoria lingstica da

    traduo deve entender as relaes nas escalas de ordens de contedo dos sistemas

    2 A pair of texts related by translation stands to a comparative description of the languages concerned as a single text stands to a description. () That is to say, the occurrence of an item or pattern in language A, and of another item or pattern in language B, in actual use and under conditions that allow us to refer to these items as equivalent, is a piece of evidence of a kind that is crucial to useful comparative studies.

    20

  • lingsticos fonte e alvo, procurando estabelecer a equivalncia entre cada uma das ordens. A

    noo de ordem foi retirada da lingstica sistmico-funcional e entendida como o conjunto

    de configuraes estruturais compostas por elementos distintos que, em ingls, assim como

    em muitas outras lnguas so quatro: morfema, palavra, grupo e frase, e orao (HALLIDAY

    et al., 1964; CATFORD, 1965; HALLIDAY, 2002).

    Catford (1965) define equivalncia em termos da probabilidade mxima de um item

    na lngua fonte ser substitudo por um item na lngua alvo. O autor ressalta que substituir

    significa encontrar na lngua alvo um item de uma das ordens capaz de realizar a unidade

    semntica de seu prprio sistema lingstico, assim como ocorreu a realizao de um item no

    sistema lingstico fonte. Catford afirma que, na traduo, a probabilidade de itens estarem

    em relao tradutria condicionada pela realizao semntica e gramatical do contexto da

    situao. Assim a probabilidade mxima ou incondicionada comportaria a soma de todas

    as probabilidades condicionadas para a substituio de um item.

    Sob esta perspectiva, uma teoria lingstica da traduo ento constituda tanto

    como parte de uma teoria geral de traduo (ELLIS, 1966), quanto como uma subrea da

    lingstica contrastiva (HALLIDAY et al., 1964). Da a necessidade de as abordagens

    lingsticas da traduo descreverem e compararem itens e padres lingsticos, buscando

    motivaes para escolhas tradutrias, que, somadas, poderiam apontar para uma teoria

    lingstica da traduo.

    A partir da constituio dos estudos da traduo como campo disciplinar na dcada

    de 1970 e o desenvolvimento de suas pesquisas, possvel observar que se as abordagens

    lingsticas dos estudos da traduo evidenciassem apenas o objetivo de desenvolver uma

    teoria da traduo empregando conceitos de uma outra teoria, poder-se-ia dizer que as

    mesmas se inseririam como uma subrea da lingstica contrastiva, englobando nos estudos

    apenas as analogias e as diferenas entre textos.

    21

  • Contudo, a afiliao explcita ao campo disciplinar dos estudos da traduo,

    sobretudo de pesquisadores que vm participando de seu desenvolvimento a partir da dcada

    de 1980, revela a negociao de um espao, no escopo do campo disciplinar, que possa operar

    de forma conjunta com os estudos de lingstica contrastiva, concentrando as pesquisas em

    como se d a traduo e no em o que a traduo, como afirma Steiner (2001, p. 345):

    O interesse pelo como (e, neste sentido, pelo o que ) pode ser visto de modo produtivo como o terreno dos Estudos da Traduo, compartilhado em parte pelos campos de estudos vizinhos, os estudos literrios e a lingstica, desde que estes ltimos possuam uma orientao textual.3

    Com esta afirmativa, Steiner prope que os estudos da traduo se beneficiem de

    teorias lingsticas que entendam a linguagem como um sistema de produo semitica. Isto

    de forma que, partindo-se tanto do contexto quanto da base gramatical, possa-se chegar,

    complementarmente, a uma teoria lingstica da traduo. Tal teoria, apesar de dialogar com

    uma subrea da lingstica contrastiva a teoria lingstica da traduo contribuiria, em

    primeiro lugar, para uma teoria de traduo afiliada aos estudos da traduo, e a traduo

    figurando como um objeto de estudo prprio, na medida em que o interesse pela relao

    tradutria passa do o que a traduo para o como , ou seja, no tipo de relao

    (contrastiva) estabelecida entre dois textos (duas unidades de produo semitica).

    Assim, possvel afirmar que a traduo um objeto de estudo prprio, como

    tambm o so a lingstica contrastiva e a tipologia textual, o qual se constitui como um

    aspecto particular de um fenmeno amplo que o contato entre sistemas de produo de

    significado.

    Dentre as etapas necessrias para a formulao de uma teoria de traduo

    denominadas aqui como descrio, comparao e motivao para escolhas tradutrias

    3 The interest in the how (and in that sense in the what) can be usefully be seen as a providence of Translation Studies, partly shared with its close sisters linguistics and literary studies to the extent that these latter have a textual orientation.

    22

  • Halliday et al. (1964, p. 113) afirmam que h dois passos importantes e complementares neste

    processo. O primeiro descrever como forma de possibilitar a comparao, pois

    no se pode comparar a maneira como [padres lingsticos] funcionam se no for feita previamente uma descrio de como cada padro funciona. possvel entender como funcionam, sem que se produza uma descrio por escrito. Porm, corre-se o risco de assumir haver uma compreenso maior do que aquela que de fato existe.4

    O segundo passo comparar os padres lingsticos, produzidos nas diversas redes

    dos sistemas que compem as lnguas. Com isto, a comparao, para ser realizada, carece de

    descries detalhadas do funcionamento destas redes. Como afirmam os autores, uma vez

    descritos os padres especficos em duas ou mais lnguas, o que se pode fazer em lingstica

    contrastiva descritiva , afinal, compar-los de maneira produtiva e detalhada (HALLIDAY

    et al., 1964, p. 113).5 Segundo pesquisas mais recentes (STEINER e YALLOP, 2001), o

    mesmo vlido para os estudos da traduo.

    A partir deste entendimento, possvel chegar concluso de que as pesquisas

    realizadas pelas abordagens lingsticas da traduo podem produzir anlises detalhadas,

    contribuindo para a concepo de uma teoria de traduo consistente, quando embasadas em

    descries dos sistemas lingsticos dos textos examinados.

    As pesquisas das abordagens sistmicas da traduo nas quais uma das lnguas

    examinadas o portugus so extensas e contribuem h bastante tempo tanto para o

    esclarecimento das relaes tradutrias que envolvem o portugus, quanto para a explicao

    do funcionamento dos subsistemas que compem este sistema lingstico (PAGANO e

    VASCONCELLOS, 2005). No entanto, ainda no h uma descrio sistmico-funcional do

    4 One cannot compare how () work if one has not first described how each of them works. It might be enough to have understood how each of them works, without having written a description down on paper; but there is a danger in this, of thinking one has understood more that one has. 5 What can be done in comparative descriptive linguistics, then, is to make detailed and useful comparisons of particular patterns in two or more languages once these have been described.

    23

  • portugus sistematizada e integral, de forma que possa dar base s pesquisas em traduo de

    orientao sistmico-funcional.

    Segundo Halliday e Matthiessen (2004), para se descrever um sistema lingstico,

    uma das principais unidades de anlise adotadas a orao, ou a ordem mais alta na escala de

    ordens. Matthiessen (2004, p. 656) afirma: a orao o domnio mais inclusivo ao longo da

    dimenso (hierarquia) da ordem.6 Nesta escala, cada ordem, quando vista pelo ngulo de sua

    composio, forma uma unidade. Na descrio sistmico-funcional da lngua inglesa,

    Halliday (2002)7 identifica quatro unidades. Portanto, nesse sistema lingstico, a escala

    composta por quatro ordens: morfema, palavra, grupo/ frase e orao.

    Nas descries feitas para o espanhol e para o francs (CAFFAREL, 2004; TERUYA

    et al., no prelo), a escala de ordens , igualmente, composta por morfema, palavra, grupo/

    frase e orao. A descrio funcional de Neves (2000) para o portugus, embora no seja

    sistmica, identifica tambm essas quatro ordens. Por este motivo, nesta dissertao, a

    perspectiva de o sistema lingstico do portugus possuir quatro unidades e,

    conseqentemente, uma escala de quatro ordens tomada como ponto de partida da

    investigao.

    importante destacar, contudo, que somente a anlise dos dados extrados do crpus (ver

    Captulos 2 e 3 a seguir) pode apontar com mais segurana para as unidades do sistema

    lingstico do portugus e, conseqentemente, colaborar para que sejam atingidos os objetivos

    desta dissertao:

    Objetivos gerais

    6 (...) the clause is the most inclusive domain along the dimension (hierarchy) of rank. 7 Este trabalho de Halliday a compilao publicada em 2002 do primeiro volume de suas obras recolhidas sob o ttulo de On grammar. Nele se encontra uma seleo dos principais trabalhos do autor sobre gramtica, distribudos pelos captulos. Os trabalhos so organizados por ordem cronolgica desde o primeiro, publicado originalmente em 1957 at o ltimo, publicado em 1996.

    24

  • Contribuir para os estudos da traduo, em anlises de comparao e motivao

    tradutria, bem como para uma futura teoria de traduo.

    Contribuir para a descrio sistmico-funcional do portugus.

    Contribuir com os estudos sistmico-funcionais aplicados lngua portuguesa.

    Corroborar os resultados alcanados pelas abordagens traduo de base sistmico-

    funcional.

    Contribuir para a ampliao das pesquisas desenvolvidas pelo projeto CORDIALL.

    Objetivos especficos

    Promover a identificao e propor uma descrio sistmico-funcional da orao abordada

    de baixo, ou, em outras palavras, a identificao e uma descrio da unidade

    imediatamente inferior que a compe na escala de ordens, entendida, pelo ponto de partida

    desta pesquisa, como a ordem do grupo/ frase.

    Com base na teoria geral de descrio sistmico-funcional (HALLIDAY, 2002), propor

    uma descrio dos sistemas que compem as estruturas experiencial e lgica do grupo

    nominal no sistema lingstico do portugus.

    Desta forma, a relevncia deste trabalho est na contribuio que pode oferecer para

    os estudos da traduo em lngua portuguesa, podendo dar suporte s anlises em sua fase

    contrastiva das realizaes entre os sistemas lingsticos fonte e alvo. Tambm, quando se

    procura explicar as motivaes para as escolhas tradutrias, uma descrio como esta aqui

    proposta pode ajudar, identificando quais sistemas lexicogramaticais do portugus podem ter,

    probabilisticamente, motivado determinadas escolhas.

    Alm disto, pode contribuir para que a anlise de textos em relao tradutria possa

    ser conduzida tendo como referncia a totalidade do sistema lingstico, o que permite sua

    maior elaborao, pois no se restringir a apenas comparaes entre dados extrados dos

    25

  • textos fonte e alvo, possibilitando que as concluses da pesquisa ultrapassem a dicotomia to

    freqente nos primeiros estudos desta perspectiva: restrio sistmica (ou genrica) ou

    escolha deliberada do tradutor.

    Futuramente, um conjunto maior de anlises que utilizem por base descries como

    esta aqui proposta podem acumular um volume de dados significativo para elaborar uma

    teoria sistmico-funcional da traduo.

    Este trabalho tambm possui relevncia para os estudos da lingstica sistmico-

    funcional que visam descrio dos sistemas lingsticos, em especfico do portugus. Apesar

    de nesta rea da cincia lingstica haver muitos trabalhos realizados, permitindo que o

    portugus figure entre as lnguas mais amplamente descritas, ainda no foi proposta para o

    sistema lingstico do portugus nenhuma identificao ou descrio das unidades da escala

    de ordens, ou da estrutura do grupo nominal. Desta maneira, este trabalho conserva carter

    pioneiro que poder servir como ponto de partida para futuras descries, tanto de outros

    sistemas lexicogramaticais quanto da prpria escala de ordens.

    A apresentao da pesquisa, objeto desta dissertao, seguir os seguintes passos. O

    Captulo 1, partindo das questes epistemolgicas que envolvem as abordagens lingsticas da

    traduo, procura estabelecer o percurso desde os primeiros trabalhos realizados em traduo

    pautados pela lingstica sistmico-funcional, que utilizavam apenas alguns elementos da

    teoria lingstica para comparar dados de textos em relao tradutria at os trabalhos mais

    recentes, de orientao lingstico-funcional, os quais procuram entender a traduo como

    uma relao entre sistemas lingsticos como um todo. O Captulo 1 mostra igualmente como

    a literatura sobre a produo de conhecimento nesta esfera do campo disciplinar prioriza a

    descrio lingstica como forma de comparao entre os sistemas, alm da concepo

    sistmico-funcional da teoria geral de descrio.

    26

  • O Captulo 2 traz a metodologia utilizada para a descrio dos grupos em portugus,

    especificamente do grupo nominal. Apresenta a forma de compilao do crpus da pesquisa e

    a forma como foi anotado com o objetivo de extrair os dados relevantes para a anlise.

    O Captulo 3 apresenta a anlise dos dados obtidos pela aplicao da metodologia e a

    discusso dos mesmos. Partindo das evidncias encontradas no crpus, somadas aos

    pressupostos da teoria geral de descrio sistmico-funcional, este captulo da dissertao

    procura apresentar uma proposta de identificao da ordem do grupo em portugus,

    juntamente com a forma pela qual a gramtica deste sistema lingstico produz os recursos

    necessrios para a estruturao experiencial e lgica do grupo nominal. Alm disto, o

    Captulo 3 traz a discusso da anlise, buscando articular sua pertinncia junto ao contexto no

    qual esta pesquisa foi produzida: fornecer subsdios para pesquisas dos estudos da traduo de

    orientao lingstico-funcional nos quais um dos sistemas lingsticos envolvidos o

    portugus.

    Por fim, a dissertao tece as consideraes finais sobre o trabalho, apontando como

    pode contribuir para as pesquisas dos estudos da traduo e da descrio sistmico-funcional

    do portugus, alm de suas limitaes e sugestes para pesquisas futuras.

    27

  • CAPTULO 1

    OS ESTUDOS DA TRADUO DE BASE SISTMICO-FUNCIONAL: O

    PERCURSO DAS ABORDAGENS SISTMICAS DA TRADUO ORIENTAO

    LINGSTICO-FUNCIONAL PARA UM MODELO DE TRADUO

    28

  • 1.1 AS ABORDAGENS SISTMICAS DA TRADUO

    Ainda que as abordagens lingsticas concebam as teorias de traduo como um

    ramo da lingstica contrastiva, isto no significa que o estudo da traduo deve se limitar s

    realizaes lexicais e gramaticais. De outra forma, estas devem ser entendidas apenas como o

    ponto de partida para a compreenso das relaes de traduo que se estabelecem nos estratos

    semntico e contextual tanto do contexto imediato realizado pelos textos em questo, quanto

    o contexto das culturas nas quais foram produzidos.

    Afinal, antigo o entendimento dentro dos estudos da traduo de que examinar

    estritamente os objetos lingsticos dos textos fonte e alvo torna-se uma limitao para a

    anlise das relaes tradutrias (PAGANO e VASCONCELLOS, 2005), isto porque a

    produo textual, entendida aqui como produo de significado funcional pelo falante

    inserido em algum contexto social, realiza o contexto lingstico da situao no qual acontece,

    incluindo o contexto cultural (portanto institucional, ideolgico, social) realizado ao longo das

    variaes de situao (HALLIDAY et al., 1964).

    Por este motivo, muitas pesquisas incluindo-se esta dissertao adotam a

    lingstica sistmico-funcional como base, por esta teoria lingstica conceber a linguagem

    como um sistema semitico de ordem superior, capaz de criar significado, alm de entender

    que a linguagem s pode ser considerada em relao a seu uso (HALLIDAY, 1978).

    ampla a lista de estudos conduzidos nas abordagens que adotam a concepo de

    linguagem formulada pela lingstica sistmico-funcional e investigam as relaes de

    traduo a partir da anlise de comparaes entre itens e padres de sistemas lingsticos

    distintos atravs das categorias descritas pela lingstica sistmico-funcional. Dentre eles,

    destacam-se pelo pioneirismo os trabalhos de House (1997 [1977]), Hatim e Mason (1993

    [1990]), Baker (1992) e Munday (1998, 2002).

    29

  • No entanto, apesar de fornecerem grandes ferramentas de compreenso sobre o

    fenmeno tradutrio, especialmente do ponto de vista da lingstica sistmico-funcional,

    juntamente com um direcionamento e categorias para as pesquisas, a preocupao destes

    autores se restringe, na maioria das vezes, ao plo da instncia na dimenso da instanciao

    dos sistemas. Tal fato conduz limitao da anlise e comparao entre textos, e no entre

    sistemas de produo de significado. Uma das conseqncias mais importantes desta viso a

    relativa dificuldade na explicao de fenmenos presentes na relao entre textos, porm mais

    amplos que duas unidades de significado.

    Apesar de estas abordagens terem contribudo com a articulao entre os estudos da

    traduo e a lingstica sistmico-funcional, proporcionando uma base sistmica (isto , de

    produo de significado) para a investigao da traduo, o desenvolvimento metodolgico se

    viu limitado por no ser capaz de explicar a produo de significado relativamente s

    diferentes ordens do sistema, bem como forma pela qual o texto traduzido, o produto

    tradutrio, se constituiu como a expresso de significado lingstico que realiza o contexto,

    principalmente quando a tentativa abord-lo de baixo, do estrato lexicogramatical.

    Tal questo se deveu a dois fatores principais. Em primeiro lugar, por no haver

    descrio das redes dos sistemas das lnguas cujos textos em relao tradutria eram

    comparados, o que levava, em grande medida a estender a descrio do ingls universalmente.

    Segundo, pela relao entre o contexto e a produo gramatical ser sempre abordada de

    cima, quer pela justificativa quantitativa dos dados extrados do crpus (entretanto,

    contestvel em virtude da falta das descries dos sistemas envolvidos), quer pelo emprego de

    outras teorias de suporte, como os estudos descritivos em Munday (1998, 2002), ou por outros

    meios, como estudos histricos, entrevistas com o tradutor, entre outros.

    Isto implica em dizer que, para estas abordagens, podem-se apontar limitaes

    relativas pesquisa da traduo nos nveis mais abstratos do sistema lingstico, como no

    30

  • nvel semntico, e a falta de parmetros particulares de cada sistema envolvido na relao de

    traduo quando abordada de baixo, a partir da lexicogramtica. Alm disto, outra

    dificuldade freqente para as pesquisas das abordagens sistmicas da traduo a baixa

    freqncia de anlises que percorrem o contnuo da instanciao, conservando a anlise no

    plo da instncia e, por conseqncia, reduzindo-a relao entre textos, ao mesmo tempo em

    que impede a explorao do sistema em toda a sua amplitude. Sobre esta questo, Steiner

    (2002, p. 215) afirma:

    Se por um lado temos o progresso significativo na direo da testagem emprica realizada atravs deste tipo de pesquisa, vemos igualmente o potencial, e mesmo a necessidade, de um desenvolvimento metodolgico mais avanado de maneira a propiciar maior entendimento dos fenmenos envolvidos (...). Em primeiro lugar, os fenmenos lingsticos em termos das hipteses sobre eles formuladas esto em um nvel muito baixo e, em determinadas circunstncias, so mesmo questionveis.8

    Assim, para que as pesquisas das abordagens sistmicas da traduo possam ser

    capazes de explicar de modo mais amplo e com maior entendimento a relao entre textos

    fonte e alvo, preciso que a elas sejam aplicados os recursos da lingstica sistmico-

    funcional como um todo articulado. A prxima seo apresenta de forma geral a organizao

    desta teoria lingstica.

    1. 2 A LINGSTICA SISTMICO-FUNCIONAL

    Em seu artigo de 1970, Halliday argumenta que descrever os usos lingsticos sem se

    olhar para a estrutura tenderia a algum estudo sociolgico, e no de linguagem. Por outro

    lado, o exame apenas da estrutura das lnguas, prescindido de seu uso, carece de instrumental

    8 Whereas we see the significant progress towards empirical testing which has been made through this kind of research, we also see the potential, and even the necessity, of further methodological development to gain further insights into the phenomena involved (...). In the first place, the linguistic phenomena in terms of which the hypotheses have been formulated are very low-level and in some cases questionable.

    31

  • necessrio na explicao do motivo pelo qual a organizao se deu de uma forma

    determinada, e no de outra. Com o objetivo de postular uma teoria capaz de entender a

    lngua em uso e, conjuntamente, capaz de examinar sua estrutura, esse autor prope que se

    olhe ao mesmo tempo para as funes e para o sistema da lngua. A partir destas afirmaes,

    trs conceitos fundamentais para a teoria se apresentam: sistema, lngua e funo.

    Para a elaborao do modelo do sistema lingstico, Halliday (2002), alm de

    entender que deveria lidar com o potencial funcional da produo de significado, teria,

    igualmente, de apresentar uma proposta abrangente de forma que a descrio de cada

    fenmeno pudesse contribuir para a descrio do sistema como um todo. Halliday e

    Matthiessen (2004, p. 19) afirmam: uma caracterstica da abordagem aqui adotada, a da

    teoria sistmica, ser abrangente: ocupa-se da linguagem em sua totalidade de modo que o

    que se diz sobre um aspecto deve sempre ser compreendido relativamente ao quadro geral.9

    A justificativa de um modelo da linguagem como sistema dada pelos autores a partir da sua

    relao natural com o mundo externo:

    So muitas as razes para a adoo de uma perspectiva sistmica. Uma delas que as lnguas evoluem; elas no so projetadas. Alm disto, os sistemas evolutivos no podem ser explicados simplesmente como uma soma de partes. Nosso pensamento tradicional sobre a linguagem, que composicional, deve ser, se no substitudo, pelo menos complementado por um pensamento sistmico, por meio do qual buscamos compreender a natureza e a dinmica do sistema semitico como um todo (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 20).10

    Nestes moldes, a lingstica sistmico-funcional prope que o sistema seja concebido

    a partir das dimenses necessrias para que o mesmo seja explicado, bem como os princpios

    9 (...) a characteristic of the approach we are adopting here, that of systemic theory, is that it is comprehensive: it is concerned with language in its entirety, so that whatever is said about one aspect is to be understood always with reference to the total picture. 10 There are many reasons for adopting this systemic perspective; one is that languages evolve they are not designed, and evolved systems cannot be explained simply as the sum of parts. Our traditional compositional thinking about language needs to be, if not replaced by, at least complemented by a systems thinking whereby we seek to understand the nature and the dynamic of a semiotic system as a whole.

    32

  • pelos quais se organiza, alm das ordens nele constitudas. O QUADRO 1, reproduzido de

    Halliday e Matthiessen (2004, p. 20) e traduzido apresenta as dimenses do sistema

    lingstico.

    QUADRO 1

    As dimenses da linguagem e seus princpios de organizao

    dimenso princpio ordens

    1 estrutura (ordem

    sintagmtica)

    ordem orao ~ grupo ou frase ~ palavra ~ morfema

    2 sistema (ordem

    paradigmtica)

    delicadeza gramtica ~ lxico [lexicogramtica]

    3 estratificao realizao semntica ~ lexicogramtica ~ fonologia ~

    fontica

    4 instanciao instanciao potencial ~ subpotencial ou tipo de instncia ~

    instncia

    5 metafuno metafuno ideacional [lgica ~ experiencial] ~ interpessoal ~

    textual

    Fonte: HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 20.

    A seguir so apresentadas com mais detalhes as dimenses e seus princpios

    organizadores. Busca-se tambm elucidar a forma como estas dimenses se relacionam no

    sistema como um todo.

    Estrutura

    A primeira dimenso apresentada, a estrutura, a dimenso que responde pelo

    aspecto composicional da linguagem. A organizao desta dimenso pressupe, portanto,

    hierarquia entre as ordens que a compem. Segundo Halliday e Matthiessen (2004, p. 20) o

    Todas as tradues de quadros apresentadas nesta dissertao so de minha autoria.

    33

  • princpio ordenador, tal qual se define na teoria sistmica, o da ordem: algumas poucas

    camadas composicionais organizadas pela relao uma parte de .11

    Pelo fato de a composio dos itens de uma ordem constiturem a ordem

    imediatamente superior, a dimenso da estrutura que estabelece a ordem sintagmtica. As

    escalas de ordens pertencem a quatro domnios: ao som, escrita, ao verso e gramtica. Se a

    gramtica for tomada como exemplo, a hierarquia composicional de sua escala de ordens,

    para muitas lnguas, : [orao ~ grupo ou frase ~ palavra ~ morfema]. O limite entre as

    ordens se estabelece por esgotamento. Como exemplo, Halliday e Matthiessen (2004, p. 21)

    apresentam como funciona a exausto no sistema da escrita: no sistema da escrita, uma

    palavra composta de uma quantidade total de letras, uma sub-sentena composta de um

    nmero total de palavras, uma sentena de um nmero total de sub-sentenas.12

    Sistema

    Na dimenso do sistema, a linguagem organizada a partir de uma opo realizada

    em oposio a outras opes que poderiam ter sido realizadas, mas no foram. Neste sentido,

    se comparada com a dimenso da estrutura pode-se dizer que: um sistema um conjunto de

    opes com uma condio de entrada, de forma que exatamente uma opo deve ser

    selecionada caso a condio de entrada seja satisfeita. As opes so realizadas como

    construtos sintagmticos, ou estruturas13 (HALLIDAY, 2002, p. 262). A relao entre os

    itens na dimenso do sistema no hierrquico-composicional (uma parte de), mas, cada

    opo por um termo do sistema realiza uma parte especfica de todo o sistema. Assim, a

    11 (...) the ordering principle, as defined in systemic theory, is that of rank: compositional layers, rather few in number, organized by the relationship of is a part of. 12 (...) in the writing system, a word consists of a whole number of letters, a sub-sentence of a whole number of words, a sentence of a whole number of sub-sentences. 13 A system is a set of options with an entry condition, such that exactly one option must be chosen if the entry condition is satisfied. Options are realized as syntagmatic constructs or structures.

    34

  • relao estabelecida entre um termo pelo qual se opta frente aos outros termos pelos quais no

    se optou um tipo de (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004).

    Um ponto importante a ser destacado que a grande maioria dos sistemas possui

    mais de dois termos e, conseqentemente, mais de duas selees consecutivas so necessrias

    para a instanciao de um item. Isto porque o termo pelo qual se optou abre novas alternativas

    e o procedimento se repete. Em um primeiro momento, uma opo estabelece a relao um

    tipo de, j para a segunda opo, a relao um tipo de um tipo de, e assim por diante.

    Desta forma, verifica-se que h um princpio de delicadeza organizando a dimenso do

    sistema, ou em outras palavras, a cada seleo por um termo, os itens se tornam mais distintos

    entre si.

    No sistema lingstico, os sistemas apresentam entradas bastante indistintas, com

    termos que encerram opes genricas para os itens, podendo ser distinguidos uns dos outros

    por uma oposio de excluso simples. Por exemplo, no sistema de polaridade: [negativo =

    no-positivo e positivo = no-negativo]. J na proximidade do outro plo, os itens so

    bastante mais delicados, assim, a opo no apenas de excluso simples, pois leva em conta

    outros fatores funcionais.

    Assim, dada a apresentao de dois itens, possvel observar como funciona o

    princpio de delicadeza em uma rede do sistema. Se for escolhida como exemplo a rede do

    Ente simples, no qual se encontra a oposio de tipos de Ente simples, em um nvel alto de

    delicadeza, Entes bastante semelhantes semntica e lexicogramaticalmente podem ser

    distinguidos. Por exemplo, os itens mulher e menina. Em casos como este, no qual o

    princpio de delicadeza opera em um nvel bastante alto, no possvel afirmar que [mulher =

    no-menina e menina = no-mulher], porque a opo por um destes itens requer uma

    delicadeza maior, podendo se fazer pela forma apresentada na FIG. 1:

    35

  • Ente Simples

    consciente humano

    adulto

    no-humano antropomorfizado

    masculino

    criana

    feminino

    no-consciente

    FIGURA 1 Opes em alto nvel de distino no sistema para os itens mulher e menina

    mulher

    menina

    masculino

    feminino

    Ao plo mais delicado do sistema d-se o nome de lexical. Este o motivo pelo qual

    sistemicamente o lxico e a gramtica formam um contnuo e no so dimenses separadas do

    sistema. Operaes desta natureza ocorrem para todos os itens instanciados pelo sistema

    lingstico, cujo conjunto, dado o contexto, determina os textos. Como conseqncia,

    Halliday e Matthiessen (2004, p. 23) afirmam que

    o texto o produto de uma seleo contnua em uma rede enorme de sistemas (...). A teoria sistmica tem este nome devido ao fato de a gramtica das lnguas ser representada na forma de redes do sistema, e no como uma lista de estruturas (...). As lnguas so recursos para a produo de significado, e o significado est nos padres sistmicos de escolhas.14

    Estratificao

    A prxima dimenso apresentada, a estratificao, se relaciona com os estratos

    componentes do sistema lingstico. Halliday (2005) identifica os fenmenos conhecidos

    14 A text is the product of ongoing selection in a very large network of systems (...). Systemic theory gets its name form the fact that the grammar of a language is represented in the form of system networks, not as an inventory of structure (...). A language is a resource for making meaning, and meaning resides in systemic patterns of choice.

    36

  • pelas pessoas (seres humanos socializados no contexto de um sistema semitico de ordem

    superior) desde uma perspectiva cientfica em uma tipologia que organiza a totalidade dos

    fenmenos de maneira hierrquica. So quatro as ordens de sistemas. Matthiessen (2001, p.

    49) os apresenta assim:

    (i) Sistemas de primeira ordem so sistemas fsicos, variando em tamanho desde as partculas ou cadeias subatmicas at o universo inteiro, contudo, esto todos sujeitos s leis da fsica. (ii) Sistemas de segunda ordem so biolgicos. So sistemas fsicos com o acrscimo da propriedade vida: so capazes de se reproduzir. (iii) Os sistemas de terceira ordem so sociais. So sistemas biolgicos e, portanto, tambm sistemas fsicos, mas com o acrscimo da propriedade de valor: isto significa, entre outras coisas, que so organizados como grupos sociais conforme algum modo de diviso do trabalho. (iv) Os sistemas de quarta ordem so semiticos. So sistemas sociais (...) com o acrscimo da propriedade de significado.15

    A linguagem, na qualidade de sistema semitico, tambm um sistema fsico

    (acstico), biolgico (neurolingstico) e social (sociolingstico). Contudo, no so estes os

    elementos capazes de separar a linguagem de outros sistemas semiticos, como a msica ou

    os rituais religiosos. A diferena entre a linguagem e todos os outros sistemas semiticos se

    d, em primeiro lugar, na dimenso da estratificao.

    Uma caracterstica dos sistemas semiticos que so biestratais, nos quais h um

    estrato responsvel pelo significado, o estrato do contedo, e outro por express-lo, o estrato

    da expresso. O que aconteceu com a linguagem, porm, foi que o estrato do contedo, ao

    longo da evoluo do sistema, se dividiu em dois: o contedo se expandiu em duas partes,

    lexicogramtica e semntica. Esta a razo de o potencial da linguagem poder se expandir

    virtualmente de forma indefinida. O motivo de isto acontecer pode ser melhor explicado em

    15 (i) Systems of the first order are physical systems, ranging in size from subatomic particles or strings to the entire universe, but subject throughout to the laws of physics. (ii) Systems of the second order are biological systems. They are physical systems with the added property of life: they are self-replicating. (iii) Systems of the third order are social systems. They are biological systems (and hence also physical systems) with the added property of value: this means, among other things, that they are organized as social groups according to some form of division of labor. (iv) systems of the fourth order are semiotic systems. They are social systems (...) with the added property of meaning.

    37

  • termos das funes da linguagem na vida humana.16 Assim, o estrato lexicogramatical

    permite que o contedo no mantenha uma correspondncia fixa com o significado que

    encerra, contrariamente a outros sistemas semiticos.

    Nos sistemas de quarta ordem, de um modo geral, um contedo sempre expresso da

    mesma forma. Por exemplo, no sistema semitico da msica, um d sempre um d.

    Independentemente das circunstncias, em qualquer composio musical, um d nunca pode

    ser expresso, por exemplo, pelo som de um f, ou por uma pausa.17 J no sistema lingstico,

    o estrato gramatical capaz de possibilitar a criao do contedo. Por esta razo, Halliday

    (2005, p. 200) afirma:

    A gramtica um construto semitico puramente abstrato (...) que evoluiu como um estrato separado entre o contedo e a expresso (...). Um sistema deste tipo, isto , um sistema semitico de ordem superior organizado em torno de uma gramtica, possui a propriedade exclusiva que fundamental neste contexto: tem o potencial para produzir significado (...). O sistema de ordem superior produz significado em contextos funcionais e, devido ao fato de os significados no serem aleatoriamente relacionados ao contexto, o sistema tem, igualmente, a capacidade de, inclusive, produzir os prprios contextos.18

    A principal conseqncia da forma como a estratificao evoluiu na linguagem ter

    a capacidade de produzir significado apenas em contexto, pois no h significao em

    isolamento puro de itens. Desta maneira, a grande diferena deste sistema para os outros

    sistemas semiticos ser capaz de criar o prprio contexto. Retomando o exemplo do sistema

    da msica, no qual um d sempre d, e comparando-o com o tipo de produo existente

    16 The content expands into two, a lexicogrammar and a semantics. This is what allows the meaning potential of a language to expand, more or less indefinitely. The reason for this can be best explained in terms of the functions that language serves in human lives. 17 Para que isto acontea, o novo significado de d, (ex. d como f), deve ser determinado, em primeira instncia, no sistema semitico da linguagem. 18 A grammar is a purely abstract semiotic construct (...) that evolves as a distinct stratum in between the content and the expression (...). A system of this kind that is, a higher-order semiotic organized around a grammar has a unique property that is critical from our point of view in this present context: it has the potential for creating meaning (...). It creates meaning in contexts of function; and because the meanings are non-randomly related to features of the context, it can also create the contexts themselves.

    38

  • na linguagem, observa-se que, lingisticamente, a expresso do item d pode assumir vrios

    significados.

    A partir dos diferentes contextos criados pela linguagem, um d pode significar

    nota correspondente ao primeiro grau da escala natural do modo maior, mas tambm, pode

    significar a palavra empregada em substituio ao termo latino ut , no contexto de

    musicologia histrica, ou mesmo um substantivo simples, comum e concreto no contexto

    do ensino de gramtica.

    Um aspecto fundamental apontado por Halliday (2005) a relao funcional entre a

    linguagem e o contexto, o que provoca o trabalho gramatical se desenvolver em duas etapas.

    Na primeira, o contexto transformado em significado no estrato semntico e, na segunda,

    transformado nos itens que o realizam gramaticalmente. O princpio que organiza os estratos

    relacionando-os a realizao. Isto implica em dizer que o sistema semntico [realizado na

    lexicogramtica [realizada na fonologia]] realiza o contexto; o sistema lexicogramatical

    [realizado na fonologia] realiza a semntica; o sistema fonolgico realiza a lexicogramtica.

    Instanciao

    A penltima dimenso apresentada a da instanciao. esta dimenso que permite

    a compreenso da linguagem tanto como o potencial de produo de significado comum a

    todas as pessoas, quanto como os exemplares que exprimem este potencial, os textos.

    importante ressaltar que a dimenso da instanciao no implica em uma viso dicotmica da

    linguagem, pois, entre o potencial da linguagem e as instncias podem ser observados outros

    itens, o que permite localizar potencial e instncia como dois plos de um contnuo,

    organizado a partir do princpio de instanciao.

    Percorrendo o contnuo desde o plo do potencial de produo de significado

    humano, em seguida o que se observa a distribuio dos recursos ao longo das milhares de

    39

  • lnguas humanas. Dentro de um sistema lingstico em particular, que por sua vez constitui

    um potencial, observam-se padres intermedirios entre os plos. Vistos a partir do plo do

    sistema, os padres intermedirios constituem subsistemas, nos quais uma parte restrita da

    produo de significado pode ser empregada. Vistos a partir do plo da instncia, so tipos de

    situao e tipos de texto, que se agrupam segundo determinados critrios (de qualquer um dos

    estratos lingsticos, semnticos, lexicogramaticais ou fonolgicos).

    Sobre os padres no contnuo da instanciao, Halliday e Matthiessen (2004, p. 27)

    afirmam: vistos do plo do sistema no contnuo da instanciao, podem ser interpretados

    como registros. O registro uma variao funcional da linguagem (...), ou seja, os padres de

    instanciao do sistema total associados a um determinado tipo de contexto (um tipo de

    situao).19 Sob estas condies, o registro se constitui como uma interseo entre as

    dimenses da instanciao e da estratificao.

    Dentro da teoria sistmica, a perspectiva dos padres intermedirios vistos como

    subsistemas abordada pela teoria de registro (MATTHIESSEN, 1993), compreendida como

    um conjunto de subsistemas do sistema total da lngua. A segunda perspectiva, dos tipos de

    texto, a da tipologia textual, e se liga estratificao quando compreendida como a relao

    entre as atividades humanas nas quais a linguagem est envolvida e os processos scio-

    semiticos pelos quais realizada no sistema.

    Na dimenso da estratificao, o registro pode ser entendido tanto de baixo, a

    partir da lexicogramtica, em uma perspectiva do sistema, quanto entendido de cima, sob a

    perspectiva da relao entre o contexto da situao e o sistema lingstico. Sobre esta

    interpretao, Matthiessen (1993, p. 232) afirma:

    19 Looked at from the system pole of the cline of instantiation, they can be interpreted as registers. A register is a functional variety of language () the patterns of instantiation of the overall system associated with a given type of context (a situation type).

    40

  • O registro interpretado em termos da dimenso da estratificao em sua manifestao de plano (devido aos trabalhos de MARTIN, 1985, no prelo, etc.). Mais especificamente, interpretado como um plano acima da linguagem que o sistema de contedo cujo sistema de expresso o contexto da situao, que por sua vez tomado como o sistema de contedo cuja expresso a linguagem.20

    Isto possvel porque, segundo Matthiessen (1993), a teoria do registro para a

    lingstica sistmico-funcional a sntese da noo de lngua como polissistema, que segue

    a tradio firthiana da lngua como um sistema abstrato de outros sistemas de lnguas restritas

    (interpretado a partir da dimenso da instanciao), e da noo de lngua como

    monossistema, no qual a descrio do sistema lingstico se aplicaria a toda a lngua

    (interpretado a partir da dimenso da estratificao).

    Independentemente da forma de o sistema ser abordado no que diz respeito ao

    registro (monossistema ou polissistema), retomando a idia de situao como o conjunto de

    elementos relevantes para a produo textual, a lingstica sistmico-funcional entende que o

    ponto de partida para a investigao dos registros sempre de baixo, pois somente atravs

    da anlise lexicogramatical seguida pela anlise semntica e dos processos scio-semiticos

    por um lado, e da anlise de textos, tipos de texto e de subsistemas por outro, que se torna

    possvel depreender do cenrio nossa volta o contexto da situao (COUCHMAN, 2006).

    Quando o registro entendido a partir da forma como a linguagem produz variaes

    funcionais de forma a criar significados que representem os diferentes contextos, portanto na

    dimenso da instanciao, observa-se que a lngua no pode ser reconhecida como tal em uma

    situao extrema de isolamento. Ao contrrio, ela deve ser reconhecida sempre cumprindo

    uma funo em um cenrio (de pessoas, aes e eventos), do qual se depreende o significado,

    ou o contexto da situao. Nas palavras de Halliday (1978, p. 28), o contexto da situao (...)

    20 Register is interpreted in terms of the dimension of stratification in its manifestation of planing (due to Martin, 1985, in press, etc.). More specifically, it is interpreted as a plane above language that is the content system whose expression system is context of situation, which itself is taken as the content system whose expression is language.

    41

  • implica (...) que a lngua s ganha vida quando funciona em um ambiente.21 Cabe ressaltar

    que para o autor a noo de situao

    () nunca deve ser interpretada em termos concretos, como se se tratasse de impresses audiovisuais do cenrio, mas, de outra forma, como uma representao abstrata do ambiente em termos de determinadas categorias gerais que so relevantes para o texto. O contexto da situao pode estar completamente distante dos eventos que circundam os momentos da fala e da escrita [grifo nosso] (...). Essencialmente, esta uma estrutura semitica; uma constelao de significados derivados do sistema semitico, que constituem a cultura. Se assumirmos como verdade que o ouvinte, quando lhe so dadas as informaes corretas, consegue prever com xito o que o falante ir significar e esta parece ser uma considerao necessria, visto que a comunicao, de fato, acontece ento, esta informao correta o que concebemos como (...) contexto. Ela consiste nas propriedades gerais da situao que, coletivamente, funcionam como determinantes do texto, na medida em que especificam as configuraes semnticas que o falante ir utilizar caracteristicamente nos contextos de um tipo determinado.22

    O motivo pelo qual isto possvel apresentado por Matthiessen (1993, p. 231):

    Conquanto o registro seja construdo teoricamente, parece bastante claro que um aspecto de um modo de organizao que expande o espao semitico como um todo. Tal modo de organizao se constitui como uma nova maneira de produzir significados ao imprimir valor contextual variao no sistema lingstico. Em outras palavras, alm de o prprio sistema ser utilizado para a produo de significado, as variaes no sistema tambm criam significado.23

    Assim, segundo a interpretao pautada pela dimenso da instanciao, o que o

    sistema faz quando produz registros (subsistemas) no realizar qualquer contexto externo

    21 () implies that language comes to life only when functioning in some environment. 22 () was not to be interpreted in concrete terms as a sort of audiovisual records of the surrounding props but was, rather, an abstract representation of the environment in terms of certain general categories having relevance to the text. The context of situation may be totally remote from what is going on round about during the act of speaking or of writing (...). This is, essentially, a semiotic structure. It is a constellation of meanings deriving from the semiotic system that constitute the culture. If it is true that the hearer, given the right information, can make sensible guesses about what the speaker is going to mean and this seems a necessary assumption, seeing that communication does take place then this right information is what we mean by (...) context. It consists of those general properties of the situation which collectively function as the determinants of text, in that they specify the semantic configurations that the speaker will typically fashion in contexts of the given type. 23 However register is construed theoretically, it seems quite clear that it is an aspect of a mode of organization that expands the overall semiotic space: that mode of organization is a new way of making meaning by giving contextual value to variation in the linguistic system. That is, in addition to the system itself being used to make meaning, variations in the system also create meaning.

    42

  • linguagem, mas criar contextos dentro da prpria linguagem como forma de produzir novos

    significados. Afinal, nem todas as situaes com as quais os falantes lidam na vida cotidiana

    tm relao imediata com o mundo externo. O registro pode ento ser definido como uma

    variante de uma lngua que se distingue conforme o uso (HALLIDAY et al. 1964, p. 87).24

    Esses autores explicam que no registro que se relacionam o tipo de situao e o tipo de

    linguagem:

    quando observamos a atividade lingstica em vrios contextos nos quais acontece, descobrimos diferenas no tipo de lngua escolhida, tida como apropriada para os diferentes tipos de situao (...). No o assunto que determina estas escolhas, mas a conveno de que um determinado tipo de linguagem apropriado para determinado uso. Em primeiro lugar, os registros se diferenciam na forma (...). Os critrios fundamentais para se determinar qualquer registro podem ser encontrados em sua gramtica e em seu lxico (HALLIDAY et al. 1964, p. 87-88).25

    Halliday afirma que um trao importante na caracterizao dos registros suas

    variaes funcionarem como maneiras diferentes de se expressar contedos diferentes, e

    completa: os elementos que se combinam em um registro o fazem por razes semnticas; so

    significados que, caracteristicamente, co-ocorrem (HALLIDAY, 1994, p. 137).26

    Metafuno

    A ltima dimenso do sistema lingstico apresentada a dimenso metafuncional.

    Os estudos da lingstica sistmico-funcional apontam para a linguagem ser concebida como

    sistema de construo de significados (semitico), figurando entre seus componentes mais

    importantes a representao e a interao, organizadas em forma de mensagem, de modo que

    os significados sejam produzidos por um falante e transmitidos a um receptor.

    24 a variety of a language distinguished according to use. 25 When we observe language activity in the various contexts in which it takes place, we find differences in the type of language selected as appropriate to different types of situation (...). It is not the state of affairs being talked about that determines the choice, but the convention that a certain kind of language is appropriate to a certain use. Registers differ primarily in form (...). The crucial criteria of any given register are to be found in its grammar and its lexis. 26 () the features that go together in a register, go together for semantic reasons; they are meanings that typically co-occur.

    43

  • Diante deste quadro, a linguagem como realizao de significados no estrato

    lexicogramatical tambm se d por meio de trs funes distintas, internas ao sistema

    lingstico, responsveis pela veiculao de contedos da experincia, da negociao destes

    contedos com o receptor como forma de aceitao ou de emisso de comportamentos e uma

    terceira funo, responsvel pela organizao destes significados. Isto pode ser observado

    segundo as funes que a linguagem deve desempenhar dentro do sistema a fim de cumprir

    sua funo de ser uma teoria do mundo, bem como uma forma de relacionamento com os

    interlocutores.

    A relao entre o contexto e sua transformao em significado, no estrato semntico,

    e, em seguida, sua realizao gramatical, procede da seguinte forma: a metafuno ideacional

    ativa opes do campo que so representadas na lexicogramtica. As relaes sociais,

    ativadas pela metafuno interpessoal e o modo, ou canal pelo qual se d a comunicao,

    ativado pela metafuno textual.

    A linguagem utilizada pelo falante tem na metafuno ideacional a forma de

    representar os eventos no mundo e as experincias do falante. Atravs desta metafuno, o

    falante utiliza a linguagem para construir suas percepes dos fenmenos do mundo e de sua

    prpria conscincia; ela compreende os eventos que ocorrem ao redor do falante bem como de

    seu mundo interno e o entendimento tanto do mundo quanto da prpria linguagem, em sua

    capacidade de falar e compreender.

    A metafuno ideacional a parte do sistema lingstico que se ocupa da expresso

    de contedo, na qual a linguagem representa a experincia que o falante tem dos eventos

    sua volta. Ainda h um outro componente ideacional que relaciona as experincias umas com

    as outras e acontece na linguagem atravs das relaes de coordenao, expanso, aposio,

    projeo entre outras. Apesar de os eventos serem da ordem do mundo real, quando a relao

    entre eles realizada na linguagem, deixam de ser eventos do mundo e passam a ser o fluxo

    44

  • de experincias do componente lgico da linguagem. Com isto, a metafuno ideacional, alm

    de construir representaes da experincia humana componente experiencial tambm

    estrutura seu fluxo de forma lgica componente lgico.

    Somada necessidade de construir uma experincia dos eventos do mundo e coloc-

    los em relaes lgicas uns com os outros, o falante precisa ainda estabelecer de forma

    ininterrupta relaes com seus interlocutores. Para tanto a linguagem apresenta uma segunda

    metafuno, a interpessoal. Por meio desta, o falante se coloca na fala, dando sua opinio,

    expressando seus valores, comentando a experincia do mundo. Igualmente, as relaes (em

    distintos nveis de poder) estabelecidas pelo falante com outros falantes so realizadas por

    esta metafuno, variando, por exemplo, em informar, perguntar, persuadir, exigir, ordenar,

    comandar e assim por diante. importante ressaltar que o uso desta metafuno forma a base

    da comunicao nos grupos sociais humanos e a qualidade das relaes entre eles, bem como

    a forma de cada falante se identificar com seu grupo.

    As metafunes ideacional e interpessoal tratam dos eventos do mundo e da relao

    entre interlocutores, mas para estes usos serem possveis, ou a maneira como a representao

    e a interao devem ser interpretadas, ligando-se a outras representaes e a outros tipos de

    interao (ligando signifi