Click here to load reader
Upload
carolina-matos
View
62
Download
12
Embed Size (px)
DESCRIPTION
hey
Citation preview
UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE ARTES IDA / DEPARTAMENTO DE MSICA
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE ARTES / DEPARTAMENTO DE MSICA
O CHORO DOS CHORES DE BRASLIA
Ivaldo Gadelha de Lara Filho
Orientador: Ricardo Jos Dourado Freire
Dissertao de Mestrado
Braslia-DF: Outubro/ 2009
UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE ARTES IDA / DEPARTAMENTO DE MSICA
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE ARTES / DEPARTAMENTO DE MSICA
O CHORO DOS CHORES DE BRASLIA
Ivaldo Gadelha de Lara Filho
Dissertao de mestrado submetida ao Departamento de Msica da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Mestre em Msica e Contexto, rea de concentrao em processos e produtos na criao e interpretao musical.
Aprovado por:
Ricardo Jos Dourado Freire, Doutor, UnB (Orientador)
Beatriz Duarte P. de Magalhes Castro, Doutor, UnB (Examinador Interno)
Joo Gabriel Lima Cruz Teixeira, Doutor, UNB - Sociologia (Examinador Externo)
Braslia-DF, 27 de outubro de 2009.
UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE ARTES IDA / DEPARTAMENTO DE MSICA
LARA FILHO, IVALDO GADELHA DE
O Choro dos Chores de Braslia, 208 p., (Departamento de Msica-UnB, Mestre, Msica e Contexto, 2009).
Dissertao de Mestrado Universidade de Braslia. Instituto de Artes. Departamento de Msica.
1. Choro 2. Braslia
3. Performance 4. Contexto
I. UnB-Msica II. Ttulo (srie)
concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta dissertao e emprestar ou vender tais cpias somente para propsitos acadmicos e cientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta dissertao de mestrado pode ser reproduzida sem a autorizao por escrito do autor.
________________________
Ivaldo Gadelha de Lara Filho
UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE ARTES IDA / DEPARTAMENTO DE MSICA
Para Maria, Gabi e Titi.
UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE ARTES IDA / DEPARTAMENTO DE MSICA
Agradecimentos
Gabi, minha esposa, pelo seu amor e amparo, pela sua generosidade e extraordinria capacidade de reflexo. Sem a sua presena na minha vida eu no conseguiria realizar este trabalho.
Ao Tiago, Titi do Bandola, bandolinistinha danado, pela inspirao e pureza na relao com a msica.
minha querida me Violeta e meus irmos T, Nen, Flvia e Paulo, pelo amor e lealdade.
Beth Tunes, minha sogra, pelas discusses e incrveis sugestes de leituras.
Ao Bob, meu sogro, pela humildade e leveza com que trata a vida.
Aos entrevistados: Augusto, Marcelo, Dudu Maia, Dudu 7 Cordas, Leo Benon, Paulo, Gordinho, Fabinho, Tonho, Henriquinho, Rafa, Frango, Lal, Csar e Reco, meus amigos das Rodas e da vida, pela boa vontade e por compartilhar os conhecimentos e os ensinamentos que so a essncia desse trabalho.
Ao Pedrinho Vasconcelos, a quem entrevistei, mas, trado pelos aparatos tecnolgicos, perdi o registro. Suas reflexes e palavras, contudo, estiveram comigo e, de algum modo, esto no trabalho.
Aos chores que no pude entrevistar, por simples falta de tempo, pelas amizades, pelo acolhimento.
Aos amigos de todas as horas, Cacai Nunes e George Lacerda.
Ao Clube do Choro e Escola de Choro Raphael Rabello, pelo irrestrito apoio.
Tartaruga Lanches, ao Paulo e Gordinho, pelas sextas-feiras extasiantes, pelas pizzas margueritas, pelas cachaas de bananinha.
Ao Servio Social do Comrcio SESC, pelas horas semanais de dispensa para a realizao do trabalho.
A Wagner Campos, o primeiro a abrir os meus olhos para a musicologia brasileira.
Ao orientador, Ricardo Dourado Freire, pela ajuda e liberdade concedida para a realizao deste trabalho.
UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE ARTES IDA / DEPARTAMENTO DE MSICA
Resumo
O Choro gnero instrumental brasileiro, surgido no Rio de Janeiro no final do
sculo XIX. Desde a criao de Braslia, a cidade abriga chores. Neste trabalho,
msicos chores de Braslia foram entrevistados, com vistas a identificar e analisar
conhecimentos e percepes acerca de sua prtica musical. Tambm foram analisados,
por meio de observao em campo, dois contextos de performance tpicos do gnero: a
Roda de Choro e a apresentao formal. Foram observadas as Rodas de Choro que
ocorrem semanalmente no Tartaruga Lanches, lanchonete localizada no final da Asa
Norte em Braslia, ao longo de um ano; foram tambm observadas apresentaes de
artistas no Clube do Choro, tradicional casa totalmente dedicada ao gnero. A partir das
entrevistas e das observaes, os seguintes aspectos relacionados ao Choro foram
analisados: modos de aprendizagem, contextos de performance, critrios de
performance, relao entre manuteno da tradio e insero de inovaes. Os
discursos dos chores demonstraram que existe vasto conhecimento sobre o gnero
transmitido oralmente, e compartilhado por aqueles que a ele se dedicam.
Abstract
Choro is a Brazilian music instrumental genre, wich was born in Rio de Janeiro
at the second half of the nineteenth century. This work will discuss the Choro
performance and Choro musicians who live in Brasilia and their vision about their art
form. The research was based on interviews with musicians about their musical
knowledge and their perception about their musical practices. There were also a critical
observation of the fields where the Choro is played in Braslia, formal presentations that
occur mainly at the Clube do Choro and a more informal setting of Roda de Choro at
Tartaruga Lanches. The etnografic work took special attention at the modes of learning
by the musicians, the musical and social contexts, the relationship between tradition and
innovation. The musicians discourse showed that there is a deep knowledge about
happen musically and socially in the Choro field in Braslia, which is transmitted
basically by oral tradition, and shared by the ones who choosed to belong to the Choro
genre.
SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................................................... 1
METODOLOGIA .................................................................................................................................. 4
PARTE A HISTRIAS ......................................................................................................................... 7
A1. REVENDO O PASSADO ......................................................................................................................... 7 A2. DA LAPA AO PLANALTO CENTRAL ................................................................................................... 27
PARTE B CONTEXTOS ...................................................................................................................... 44
B1. NA RODA DE CHORO ........................................................................................................................ 44 B2. NO PALCO DO CHORO ....................................................................................................................... 71
PARTE C MSICA ............................................................................................................................. 88
C1. NINGUM APRENDE CHORO NO COLGIO .......................................................................................... 88 C2. MSICA DAS NUVENS E DO CHO .................................................................................................. 104 C3. SALVE-SE QUEM SOUBER ............................................................................................................... 132 C4. I, MANDINGUEIRO, CAMAR! ..................................................................................................... 145 C5. MODERNO TRADIO .................................................................................................................. 154
CONCLUSO .................................................................................................................................... 180
REFERNCIAS .................................................................................................................................. 185
ANEXO I FICHAS DOS MSICOS ENTREVISTADOS .......................................................................... 189
ANEXO II ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ........................................................................................... 191
ANEXO III CONHECIMENTO BSICO DO CHORO ............................................................................. 192
1
INTRODUO
Independentemente da abordagem e do ponto de vista do pesquisador, a melhor
maneira de entender qualquer msica estando dentro dela, e assim que me lano
nessa empreitada. Cabe ressaltar que no nasci no bero do Choro mas, de algum modo,
minhas razes voltaram-se para essa tradio, e hoje nutrem-se dela. Os caminhos que
me levaram ao seu encontro foram conjunturais, felizes e fortuitas coincidncias. Por
acaso, ou destino, tanto faz, estive em Rodas, fui apresentado a determinadas msicas,
fiz determinados amigos, resolvi tocar clarineta. Fui criando profunda identidade com o
universo do Choro, que passou a ser o meu prprio, o lugar onde me sinto
verdadeiramente em casa. Se no nasci na tradio, vim morar nela e fui por ela
acolhido de braos abertos. Impossvel ser imparcial. Portanto, devo buscar ser justo.
Por isso, a referncia fundante das reflexes do meu trabalho ser o discurso dos
chores, independentemente se concordo ou no com suas opinies. Por isso, devo
postar-me com humildade perante as palavras desses que so os verdadeiros
conhecedores dessa msica, entendendo que nenhum estudo ou ttulo acadmico me
tornaro jamais melhor do que eles. Ao dar voz a eles, no lhes fao nenhum favor. Pelo
contrrio: eles, ao me revelarem o sentido que essa msica tem para suas vidas, ajudam-
me a compreender o sentido da minha prpria existncia.
Este trabalho trata do gnero musical Choro e tem como objeto principal de
pesquisa a comunidade dos chores de Braslia. Considerando que essa comunidade
formada por pessoas conscientes do que fazem, e cujo conhecimento deve ser
valorizado pois, de algum modo, reflete as dcadas de tradio que nos antecederam.
Optou-se por realizar um levantamento acerca dos elementos essenciais para o Choro a
partir do discurso dos prprios chores de Braslia. Em outras palavras, busco, nas
pginas que seguem, descrever e analisar como os chores entendem a msica que
fazem, quais elementos valorizam, como a produzem, como interpretam, como
aprendem,etc.
So objetivos do trabalho identificar conceitos, modos de pensar, de tocar, de
criar e de agir prprios dos ambientes do Choro, bem como descrever e analisar
2
elementos musicais caractersticos do gnero. Desse modo, pretende-se contribuir para
ampliao do conhecimento acerca dessa manifestao musical brasileira.
Um sistema musical pode no se basear em uma teoria musical, mas, de acordo com
John Blacking (1973), ele se apia em uma ordem sonora, em uma organizao que
orienta o som. Supomos que possvel identificar uma ordem sonora subjacente ao Choro; supomos, ainda, que os chores tm conscincia dessa ordem.Desse modo, se a
pesquisa investigar a percepo da ordem musical dos msicos que fazem parte do
universo do Choro, poder identificar elementos dessa ordem. Uma forma de ter acesso
a esses conhecimentos permitindo que os prprios msicos verbalizem seus conceitos
e suas percepes. Tais conceitos podem, ento, ser organizados de acordo com temas,
que refletem justamente a ordem sonora do sistema musical a que dizem respeito. Foi
seguindo essa lgica que a estrutura desse trabalho foi elaborada.
A primeira parte do trabalho Histrias (Parte A, tonalidade menor) - dividida
em dois captulos. No primeiro, Revendo o Passado, apresentamos um pouco sobre a
trajetria histrica do Choro desde sua fase inicial, ainda no sculo XIX no Rio de
Janeiro, passando pela sua profissionalizao no comeo do sculo XX, seu aparente
declnio a partir dos anos 40 do sculo passado, seu renascimento nos anos de 1970,
passando por novo declnio nos anos 80 e seu fortalecimento no incio do sculo XXI.
Essa incurso ao passado permite-nos compreender melhor o contexto histrico-social
em que essa msica foi sendo construda. Em Da Lapa ao Planalto Central,
apresentamos um histrico do desenvolvimento do Choro na cidade de Braslia, que
comea nos anos sessenta com a chegada dos pioneiros do Choro na nova capital,
passando pela fundao do Clube do Choro de Braslia em 1977, pela fundao da
Escola de Choro Raphael Rabello em 1998 e culminando na expanso do Choro em
Braslia nos dias atuais. A partir dessa descrio, compreendemos melhor algumas
particularidades do ambiente do Choro na capital do Brasil.
A segunda parte - Contextos (Parte B, tonalidade maior) - divide-se em dois
captulos: Na Roda de Choro e No Palco do Choro. Trata da anlise, a partir de
observaes de campo, de dois contextos de performance comuns no Choro, quais
sejam, a Roda de Choro e a Apresentao Formal. So analisadas as caractersticas
ambientais, sociais, e musicais de cada um deles. Discutimos, ainda, de que forma o
contexto interfere na msica, bem como apontamos para as diferenas de
3
comportamento dos msicos em cada um dos contextos analisados. Mostramos que a
vitalidade do Choro depende da existncia das Rodas, pois nela ele foi criado e
continuamente recriado. Mas os palcos do Choro so essenciais para sua sobrevivncia,
na medida em que funcionam como vitrines para a sociedade e para o Estado, de cujo
apoio e valorizao o Choro no pode prescindir.
A terceira parte Msica (Parte C, tema aberto a improvisaes na tonalidade da
Subdominante) - dividida em cinco captulos. O primeiro, Ningum Aprende Choro
no Colgio trata sobre os modos de aprendizagem do Choro, ou seja, como os chores
aprendem e transmitem essa msica, e quais os elementos que valorizam para o
aprendizado do Choro. Em Msica das Nuvens e do Cho, tratamos dos critrios para
avaliao de desempenho (performance) dos chores, com nfase em dois aspectos
marcantes, o virtuosismo versus a expressividade, e a construo da identidade musical
do choro. Salve-se Quem Souber trata de um importante critrio de peformance,
considerado por muitos a marca registrada do Choro: a improvisao. Investigamos os
tipos de improvisao mais utilizados, bem como as formas como os chores o realizam
e aprendem. Analisamos ainda, os conceitos estticos adotados pelos chores para a
avaliao dos improvisos. Em I, Mandigueiro Camar!, ousamos discutir um
assunto tambm associado performance, e bastante citado nas entrevistas: a potica da
malandragem. Investigamos de que forma esse esprito malandro se expressa
musicalmente no Choro. Por fim, Moderno Tradio trata das polmicas e
discusses no meio dos chores sobre a tradio e as inseres de inovaes ao gnero.
4
METODOLOGIA
Foram entrevistados 15 msicos que fazem parte da comunidade de chores de
Braslia. Entre eles, esto professores da Escola de Choro Raphael Rabello, integrantes
do grupo Choro Livre e outros msicos atuantes em Braslia. Uma pequena ficha de
cada entrevistado encontra-se no Anexo I. As entrevistas foram aplicadas
individualmente ou aos pares ao grupo amostral. As perguntas feitas tratavam sobre
diversos aspectos relacionados s suas prticas musicais. Por meio dos relatos dos
chores, buscou-se identificar e analisar conhecimentos e percepes acerca de sua
prtica musical.
Tunes e Simo (1998) discorrem sobre as anlises do relato verbal para a
realizao de pesquisa na rea de psicologia. Algumas de suas consideraes so
importantes para esse trabalho. As autoras concebem o relato verbal no como uma
superestrutura da coleta de dados da pesquisa, mas como parte orgnica e integrante da
mesma (Tunes e Simo, 1998, p. 1). Todavia, os relatos utilizados em pesquisas diferem
dos informes cotidianos, na medida em que o pesquisador tem uma meta a ser
alcanada, e para tanto, orienta os relatos por meio de perguntas planejadas. Justamente
para que os relatos dos chores contemplassem os objetivos da pesquisa, de acessar
conhecimentos e percepes de msicos sobre o Choro, foram utilizadas entrevistas
semi-estruturadas.
O roteiro das entrevistas encontra-se no Anexo II. Utilizou-se o mesmo roteiro
para todos os entrevistados, mas optou-se por ampliar a liberdade dos entrevistados para
versarem sobre os assuntos que mais lhes apraziam. O modelo de entrevistas semi-
estruturadas foi escolhido por ser mais adequado a esse tipo de abordagem, em que se
deseja conhecer como o entrevistado conceitua e pensa o seu fazer musical. Este modelo
metodolgico, de acordo com Laville & Dionne (1999), consiste na elaborao de uma
srie de perguntas abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista, mas na qual o
entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimento (p. 188). Para eles, a
flexibilidade dessa metodologia permite obter informaes mais ricas e fecundas. Para
Tunes e Simo (1998, p.1), importante a possibilidade de alterao do roteiro pr-
estabelecido, pois ao pesquisador cabe organizar, inferencialmente, o contedo das
5
falas do sujeito, atribuindo-lhes significado, de modo a estabelecer condies para a
emergncia de novos relatos. Desse modo, as entrevistas semi-estruturadas abrem
espao para o aparecimento de elementos no previstos pelo pesquisador, enfatizando e
fortalecendo, portanto, a voz dos entrevistados.
Os relatos foram registrados em um gravador digital, e posteriormente,
transcritos. Conforme os dados coletados foram sendo analisados, constatou-se que
alguns assuntos e discusses eram citados com freqncia pelos entrevistados. A partir
da, foram definidos eixos temticos que orientaram as anlises posteriores. Tais eixos
deram origem aos captulos da dissertao. De fato, Tunes e Simo (1998) afirmam que
o relato verbal , ele prprio, utilizado pelo pesquisador para dar prosseguimento
pesquisa. Tal foi o procedimento adotado neste trabalho. O relato dos chores conduziu
a definio dos temas que seriam abordados, e, a partir deles, foi sendo definida a
estrutura da dissertao.
A partir dos discursos, para cada eixo de anlise, foram identificados e
analisados as convergncias, divergncias, conceitos, percepes, crticas, conflitos,
contradies, e uma srie de outros aspectos considerados importantes para o
entendimento do Choro e de sua comunidade.
Paralelamente s entrevistas, foram realizadas observaes in loco de uma Roda
de Choro, que acontece s sextas-feiras no Tartaruga Lanches, Asa Norte, Braslia,
durante o perodo de um ano. Foram feitos registros escritos e em vdeos das Rodas de
Choro. Foram observadas tambm 10 apresentaes musicais no Clube do Choro de
Braslia.
Concomitantemente a esses procedimentos, foi realizado um extenso
levantamento bibliogrfico sobre o Choro, com o objetivo de traar um panorama geral
dos conhecimentos acerca deste assunto.
Primeiramente, foram selecionados trabalhos escritos sobre o Choro que
abordam aspectos do seu desenvolvimento histrico. Tais trabalhos consistem
basicamente nas biografias de grandes chores, como Ernesto Nazareth, Pixinguinha,
Jacob do Bandolim, entre outros. Embora tragam elementos acerca da estrutura musical
do Choro, centram-se na histria de vida dos personagens importantes para seu
surgimento e desenvolvimento. Por isso, so ricos em registros sobre os contextos
6
sociais em que o Choro aconteceu. Em segundo lugar, foram analisadas publicaes
sobre o samba e outros gneros da msica brasileira, que, por comparao, podem servir
como modelo analtico para o estudo do Choro. Tais trabalhos tambm contribuem para
anlise dos contextos sociais em que o Choro se inseriu, porque Choro e samba, ao
longo da histria, esto musical e geograficamente prximos. comum, tambm, a
presena de intrpretes e compositores que transitam entre os dois gneros. Por ltimo,
algumas teses, dissertaes e artigos recentes trazem contribuies importantes para a
bibliografia do Choro. Esses trabalhos possuem anlises mais detalhadas e
especializadas sobre aspectos musicais do gnero.
Os registros histricos forneceram informaes e anlises sobre os contextos em
que o Choro ocorre, cujo entendimento de crucial importncia para que se compreenda
com profundidade o universo do gnero; por serem ricos em registros de episdios e
fatos, esses trabalhos serviram como referncias factuais. As anlises sobre o samba,
tema cuja tradio de estudo consideravelmente maior, trazem anlises scio-
antropolgicas e musicais densas, e serviram como referncias terico-musicais para os
estudos sobre o Choro, pois samba e Choro so gneros musicais aparentados. Por fim,
os trabalhos acadmicos recentes, notadamente as dissertaes de mestrado e teses de
doutorado, so contribuies importantes para a consolidao de um conhecimento
acadmico sobre o Choro; todavia, por serem (como no poderiam deixar de ser)
altamente especializadas, foram utilizadas como referncias pontuais.
Semelhantemente aos procedimentos para a definio dos eixos temticos, as
teorias e os tericos que serviram de base para nossas argumentaes foram escolhidos
aps definidos os eixos temticos. Essa escolha foi estabelecida de acordo com as
abordagens dadas para cada eixo de anlise. Foram utilizados tericos no apenas da
musicologia, mas tambm de outras reas do conhecimento como filosofia,
antropologia, sociologia e histria.
Alm das fontes de pesquisa citadas, foram utilizadas tambm fotografias,
partituras e registros de imagens.
7
PARTE A HISTRIAS
A1. Revendo o Passado
A realizao de um trabalho acadmico requer a definio precisa dos termos
utilizados e de seu objeto de estudo. Deste modo, em um texto sobre o Choro, espera-se
que, logo primeira vista, seja encontrada uma definio clara e breve desse gnero
musical. Todavia, impossvel responder em poucas palavras pergunta: o que o
Choro1? Historicamente, tratado como uma manifestao de msica instrumental
brasileira que surgiu no final do sculo XIX no Rio de janeiro (Livingston e Garcia,
2005). A definio do termo refere-se a um estilo de tocar, a um gnero musical, e
tambm a uma formao instrumental especfica. Esses trs elementos fazem parte do
seu universo, mas no so suficientes para explic-lo. Portanto, o entendimento de seu
significado depende de uma srie de outros fatores. Diante disso, com vistas a situar o
leitor dentro do assunto, ser apresentado um breve panorama do estado de
conhecimento atual sobre a histria e tradio desse gnero musical.
possvel encontrar uma quantidade relativamente grande de escritos que
abordam aspectos do desenvolvimento histrico do Choro. Tais trabalhos consistem
basicamente nas biografias de grandes chores, como Ernesto Nazareth, Pixinguinha,
Jacob do Bandolim, entre outros. Embora tragam elementos acerca da estrutura musical,
centram-se na histria de vida dos personagens importantes para o surgimento e
desenvolvimento do gnero; todavia so bases importantes para qualquer trabalho
acadmico sobre o assunto. Dentro desta variedade de fontes que tratam da histria do
gnero, destaca-se a obra Choro: A Social History of a Brazilian Popular Music
(Livingston e Garcia, 2005), por ser a mais completa em termos de traar um panorama
histrico geral para o gnero.
1 Encontra-se, no Anexo III, pequeno texto explicativo dos conhecimentos bsicos sobre o Choro, que dever ser consultado pelo leitor que no tem familiaridade com o gnero.
8
Segundo seus autores, no final do sculo XIX, no Rio de Janeiro, a modinha e o
lund representavam apenas uma parcela da diversidade de msicas que se expandiam
no contexto urbano carioca. Nele surgiam tambm os chamados ternos, nome usado
para definir os primeiros grupos instrumentais nos quais o Choro se desenvolveu. Um
dos ternos mais importantes desse perodo o de Joaquim Antonio Callado, chamado
Choro Carioca. No mbito desse pequeno grupo instrumental, alguns elementos do
estilo foram sendo definidos e algumas msicas comearam a ser conhecidas como
parte do Choro. Aps Callado, trs instrumentistas foram de crucial importncia para
o surgimento do Choro. Livingston e Garcia (2005) afirmam que os quatro pilares da
tradio so os compositores Joaquim Antonio Callado (1848-1880), Anacleto de
Medeiros (1866-1907), Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazareth (1863-
1934).
Livingston e Garcia (2005) apontam outras duas importantes tradies musicais
cariocas importantes para o surgimento e desenvolvimento do Choro: a msica dos
barbeiros e as bandas de fazenda. Os ternos de barbeiros eram formados basicamente
por negros forros, que animavam festas populares. A formao instrumental consistia
basicamente de violo, cavaquinho, flauta e, dependendo da ocasio, juntavam-se a eles
trompetes, trompas e tambores de balde. Os repertrios variavam tambm conforme a
ocasio e a audincia, e constituam-se basicamente de modinhas, lundus e fados. A
dana costumava estar presente, sendo comuns a quadrilha, a marcha dobrada, e as
verses brasileiras das danas ibricas, como a tirana e o fandango. A msica e a dana
foram sendo transformadas, dentre outras coisas, pelo gosto e costume local e
principalmente pela influncia da rtmica africana. Ao mesmo tempo acontecia um tipo
de msica muito semelhante dos barbeiros no meio rural, denominada banda da
fazenda. Esses grupos eram formados por negros escravos que, influenciados pelas
tendncias urbanas, tentavam reproduzir aquela msica com formao instrumental e
repertrio similar msica dos barbeiros. Segundo Livingston e Garcia (2005), a
histria da formao instrumental e dos grupos de Choro foram diretamente
influenciadas pelos choromeleiros, pelos barbeiros e pelas bandas de fazenda.
No final do sculo XIX, com a mudana da capital de Salvador para o Rio de
Janeiro, desencadeou-se um processo migratrio de negros recm libertos, de
nordestinos e de imigrantes portugueses e italianos. Essas comunidades amontoavam-se
9
em cortios no centro da cidade onde mantinham e misturavam suas prticas culturais.
Nesse perodo, o Rio de Janeiro passa por profundas transformaes urbanas: os
cortios so destrudos e surgem as favelas. Surgem, ento, novas oportunidades de
trabalho no setor industrial e no funcionalismo pblico, e a classe mdia se fortalece.
Livingston e Garcia (2005) afirmam que o Choro foi a primeira expresso musical da
classe mdia carioca. O ambiente da classe mdia acolhia a musica da elite, dos
imigrantes e dos negros. Personagens importantes desse perodo foram as figuras das
Tias (senhoras negras com certa ascenso social), que promoviam em suas casas
verdadeiras festas, onde se reuniam polticos, msicos, malandros, negros, nordestinos,
imigrantes, enfim toda sorte de gente.
Importante contribuio para o estudo da histria do Choro foi dado por Jos
Ramos Tinhoro (1999), na obra Histria Social da Msica Brasileira. O autor, assim
como Livingston e Garcia (2005), aponta a importncia da msica dos barbeiros para o
desenvolvimento do Choro. Afirma ele que, naquele perodo, era comum a existncia de
negros livres nas camadas de baixa renda da populao, que se ocupavam das mais
diversas atividades, dentre as quais, a de barbeiro. Nos momentos de cio, que eram
freqentes neste oficio, se dedicavam tambm a outras atividades que exigiam
habilidades manuais, entre elas, a prtica musical. Os barbeiros animavam festas
populares e religiosas, e como eram muito solicitados comearam a montar seus
prprios ternos (pequenos grupos instrumentais). Com a possibilidade de ganharem
algum dinheiro com a nova atividade, aqueles grupos de instrumentistas negros eram
praticamente os nicos fornecedores de msica de entretenimento para a populao dos
centros urbanos do Rio de Janeiro e de Salvador. Nos registros estudados por Tinhoro
(1999) no faltam aluses ao carter alegre da msica produzida pelos barbeiros. As
festas religiosas eram palco por excelncia desses msicos citadinos. Segundo esse
autor, a segunda metade do sculo XIX assistiu ao virtual desaparecimento da msica de
barbeiros, eminentemente negra, concomitantemente ao surgimento de uma classe
mdia baixa, mestia, operria e assalariada. A herana da msica instrumental negra
dos barbeiros foi passada para essa nova classe urbana que surgia no Rio de Janeiro pr-
industrial. De posse dessa tradio, os novos instrumentistas iriam, a partir dela e com
outras influncias, criar o Choro (Tinhoro, 1999).
10
Livingston e Garcia (2005) afirmam que os principais gneros precursores do
Choro foram a modinha e o lundu. O termo modinha o diminutivo de moda, termo
portugus que significa melodia. As modas eram populares em Portugal, e, trazidas ao
Brasil, faziam sucesso entre as camadas mais baixas da populao. Eram parte do
repertrio popular, tocadas e cantadas luz da lua em serenatas nas pequenas vilas do
interior, ou nos bairros suburbanos das cidades maiores. A instrumentao da modinha
influenciou os conjuntos de Choro que posteriormente surgiram, pois eram comuns os
ternos formados por flauta, violo e cavaquinho. O lundu surgiu no incio do sculo
XVIII a partir da tradio musical dos escravos bantos. Foi o primeiro gnero brasileiro
que combinou ritmos africanos com harmonia, melodia e instrumentao europias.
Tanto a modinha quanto o lundu se apresentavam em duas formas: uma popular e
informal, freqente nas classes baixas, e outra, mais formal e com melodias mais
elaboradas, apresentadas nos sales das classes mais altas. O lundu era um gnero vocal,
mas Livingston e Garcia (2005) apontam para uma forma instrumental do lundu, em
que uma flauta ou clarineta eram responsveis por tocar a melodia, acompanhados pela
viola (espcie de violo de cinco cordas) ou pelo violo de seis cordas. O lundu
instrumental, de acordo com esses autores, foi o precursor do maxixe e do Choro.
O maxixe emergiu no final da dcada de 1870, associado a uma dana sensual
que criou bastante polmica. Apesar disso, o maxixe fez grande sucesso no Rio de
Janeiro, e chegou a ser apresentado em Paris. De acordo com Livingston e Garcia
(2005), o maxixe surgiu quando um grupo de danantes do carnaval comeou a
adicionar passos do lundu polca. Para acomodar a msica aos novos passos, a polca
era tocada em andamentos mais rpidos. Tinhoro (1999) afirma que o maxixe nasceu
conforme os msicos que acompanhavam os danarinos naturalmente foram
aproximando a polca dos ritmos afrobrasileiros, a fim de facilitar os movimentos da
dana. A estrutura musical do maxixe semelhante da polca, com a melodia
construda em frases de oito compassos em uma forma rond (ABACA); a diferena em
relao polca est no andamento mais rpido e no ritmo tipicamente afrobrasileiro. O
maxixe instrumental desde seu nascimento, e as melodias so construdas em escalas,
executadas com rapidez, e arpejos. O maxixe estava associado s classes baixas, e pela
sensualidade da dana, era considerado vulgar. Por isso, compositores de maxixes
(dentre os quais o prprio Ernesto Nazareth) no utilizavam esse termo para caracterizar
suas composies. Assim, era comum a existncia de maxixes compostos sob a
11
designao de tango ou tango brasileiro. Na dcada de 1930, o maxixe foi perdendo
popularidade para o novo ritmo local o samba e para gneros importados, como o
foxtrot. Apesar disso, o maxixe permaneceu no repertrio do Choro, estando presente
em composies contemporneas.
Foi tambm a dcada de 1870 que Jos Ramos Tinhoro (1999) aponta como a
do surgimento do Choro. Ele toma por base o primeiro registro escrito sobre o Choro
(Choro: Reminiscncias dos Chores), datado de 1936, e escrito por Alexandre
Gonalves Pinto, este registro foi reeditado pela FUNARTE em 1978. Alexandre Pinto
era funcionrio dos correios, violonista e freqentador das Rodas de Choro na virada do
sculo XIX para o XX. Seu relato traz biografias dos msicos mais destacados do incio
do sculo XX, e descries do ambiente dos chores. A leitura do livro nos permite
perceber que seu autor no era escritor, tampouco tinha grandes conhecimentos
musicais, pois o texto apresenta erros de grafia e gramtica, e no traz anlises
aprofundadas sobre o Choro naquele perodo. Todavia, seu valor reside em registrar,
pela primeira vez, nomes e caractersticas de instrumentistas que, no fosse esse
esforo, estariam para sempre esquecidos.
Cazes (2005) tambm faz referncia dcada de 1870 como sendo o perodo em
que a nomenclatura chorinho comeou a ser utilizada para designar o Choro. Mas ele
afirma que, se for para determinar uma data para o surgimento do Choro, seria 1845,
quando pela primeira vez a polca foi danada no Brasil. Livingston e Garcia (2005)
referem-se ao perodo de 1870 a 1920 como o de intensa mudana no Rio de Janeiro,
que passou de vila provinciana a cidade industrializada. Como conseqncia da
industrializao, surgiu uma classe mdia urbana, formada por profissionais liberais e
pequenos funcionrios da indstria que no se identificavam nem com a elite, muito rica
e poderosa, nem com os descendentes diretos dos escravos, extremamente pobres e
carentes. O Choro era a expresso musical dessa nova classe mdia. Livingston e Garcia
(2005) afirmam que so muitos os aspectos do Choro que o caracterizam como
manifestao de classe mdia: primeiramente, preciso uma renda razovel para
obteno dos instrumentos tpicos do gnero (flauta, cavaquinho e violo); em segundo
lugar, os locais onde o Choro acontecia quintais e casas eram moradias de classe
mdia, diferentes dos cortios e das favelas onde viviam as classes mais baixas.
12
Observamos que, pela falta de registros precisos, no se pode identificar com
exatido o momento do surgimento do Choro. Porm, principalmente pela contribuio
de Alexandre Gonalves Pinto, podemos afirmar que a segunda metade do sculo XIX
foi de fundamental importncia. Tambm outros indcios histricos, conforme j
explicitado, apontam esse perodo como o de consolidao do Choro como gnero
musical.
Sobre a origem do termo Choro existem inmeras hipteses. Uma atribui o
nome forma melanclica com que os chores executavam as modinhas e as serestas;
outra, a dois gneros populares de msica de salo portuguesa denominadas Doce
Lundu Chorado e Chorar no Pinho. Outra hiptese mencionada por Livingston e Garcia
(2005) faz a conexo do termo com um tipo de dana afro-brasileira chamada Xolo.
Baptista Siqueira (1967) afirma que o termo surgiu a partir de frases que se referiam a
gneros portugueses, principalmente o lundu chorado. Grard Bhague (1966) afirma
tambm existir uma ligao entre os termos Choro e xolo, dana afrobrasileira. Ary
Vasconcelos (1984, apud Livingston e Garcia, 2005) afirma que o termo originou-se de
choromeleiro, o tocador de choromela. A choromela, instrumento similar a clarineta e
obo era um instrumento de sopro popular na Europa, e, trazido ao Brasil, era tocado em
Minas Gerais. Na dcada de 1830, muitos choromeleiros se mudaram para o Rio de
Janeiro, e esse instrumento tornou-se comum na cidade, e passou a fazer parte de sua
vida cultural. Aos conjuntos instrumentais que possuam a choromela, dava-se o nome
de choromelos, e de choromeleiros a todos os que dele faziam parte (sendo ou no
tocadores de choromela). Quando a choromela foi substituda pela flauta, o nome foi
mantido como designao desses conjuntos instrumentais.
A partir do final do sculo XIX e incio do sculo XX, grandes nomes do Choro
comearam a ter maior projeo. Eram compositores e msicos virtuoses. Em geral, a
histria do Choro se conta a partir das proezas musicais desses notveis chores. Por
isso, um grande nmero de biografias de chores esto disponveis. A partir das
histrias pessoais dos chores, possvel se conhecer a histria e o desenvolvimento do
gnero. A seguir, so citadas algumas dessas biografias.
Considerado o pai dos chores, Joaquim Callado viveu entre 1848 e 1880. Em
sua biografia, Andr Diniz (2002), narra a trajetria do flautista de fundamental
13
importncia para a histria do Choro, por ter criado, em 1875, o primeiro conjunto de
Choro que se tem registro, formado por flauta, cavaquinho e violo.
Em 1979, Marlia Trindade Barboza da Silva e Arthur de Oliveira Filho
publicaram a primeira biografia daquele que sem dvida considerado o maior
expoente do Choro. Filho de Ogum Bexiguento (Silva e Oliveira Filho, 1979) traa a
histria de Alfredo da Rocha Vianna, o Pixinguinha, do nascimento at sua morte, em
1973. Pixinguinha, nascido em 1898 no Rio de Janeiro, esteve presente nos momentos e
lugares mais importantes da histria do samba e do Choro. Desde a Casa da Tia Ciata,
que freqentava desde menino, bero do samba, onde foi composta a famosa Pelo
Telefone, passando pelos Oito Batutas, at a inaugurao do rdio, Pixinguinha
esteve presente. Teve igual e impressionante vulto em trs campos da msica brasileira,
principalmente o Choro: interpretao (como exmio flautista), composio e
orquestrao. Na segunda metade do sculo XX, quando Pixinguinha se encontrava em
situao financeira difcil, foi convidado pelo flautista Benedito Lacerda a realizar uma
srie de gravaes de seus choros. Como condio, as composies deveriam ser
registradas como de autoria de Pixinguinha e Benedito Lacerda; alm disso, Benedito
Lacerda tocaria os solos na flauta, e Pixinguinha faria os contrapontos no saxofone.
Devido a esse contexto peculiar, Pixinguinha deixou, nos contrapontos de seu saxofone,
uma de suas contribuies mais geniais para o Choro. Outra biografia de Pixinguinha
foi posteriormente publicada em 1997, por Srgio Cabral (1997). O livro consiste em
monografia vencedora de concurso promovido pela Funarte. Editado por Almir
Chediak, o livro abarca os 62 anos de atividade artstica do msico e compe um dos
melhores retratos de sua personalidade. Um apndice traz a discografia completa de
Pixinguinha.
Em 2005, foi publicada importante biografia de Ernesto Nazareth (Ernesto
Nazareth, Pianeiro do Brasil; Costa, 2005), um dos pilares do Choro, cuja histria
permanece ainda repleta de mistrios. Ernesto Jlio Nazareth nasceu no Morro do
Nheco (hoje Morro do Pinto) em 20 de maro de 1863. Aprendeu a tocar piano com a
me, morta quando ele tinha dez anos. Ainda na infncia, sofreu uma queda que lhe
trouxe complicaes auditivas. A primeira msica, uma polca-lundu chamada Voc
Bem Sabe, foi escrita aos 14 anos. Autor de peas essencialmente instrumentais, fazia
canes para serem escutadas, no danadas, como afirmou certa vez. Se o pblico no
14
prestasse ateno, parava de tocar. Em 1902, no mesmo ano em que foi feito o primeiro
registro fonogrfico no Pas, teve sua composio Est Chumbado gravada pela
Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sob regncia de Anacleto de
Medeiros. Anos mais tarde ganharia fama ao piano da sala de espera do cinema Odeon
para o qual rendeu uma homenagem no tango que leva o nome da sala. Por toda a
vida renegou o maxixe, dizendo que era ritmo menor, embora sua msica contivesse
muitos elementos desse ritmo. Em fevereiro de 1934, Ernesto Nazareth saiu escondido
da colnia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Estava internado para tratar-se de um
distrbio nervoso causado pela sfilis. Foi encontrado trs dias depois, morto, na
Cachoeira dos Ciganos, localizada em uma floresta prxima. Os jornais da poca,
romanticamente, noticiaram que estava sentado com os braos estendidos, como se
tocasse piano.
Outra obra de extrema importncia foi publicada anteriormente, em 1967
(Baptista Siqueira, 1967). Com o ttulo Ernesto Nazareth na Msica Brasileira, trata-
se da primeira biografia desse compositor. Os captulos finais do livro trazem
interessantes anlises musicais de algumas peas de Nazareth, alm de consideraes
acerca de questes polmicas, tais como Opinies falsas sobre a msica de Nazareth e
Crticas s deturpaes de toda a natureza. Antes disso, em 1963, Aloysio de Alencar
Pinto publicou dois ensaios na Revista Brasileira de Msica (Pinto, 1963, a e b), em que
relata passagens importantes da vida de Ernesto Nazareth, relacionados principalmente
sua atuao como pianista e compositor.
Interessante obra sobre Ernesto Nazareth, publicada tambm em 1963, por Jaime
C. Diniz (1963), cujo ttulo Nazareth: estudos analticos, traz a tentativa de analisar
quatro peas de Ernesto Nazareth. Segundo o autor, na anlise da msica de Nazareth
estariam presentes os aspectos esttico, histrico, crtico ou at polmico. As peas
analisadas so: Voc Bem Sabe, Celestial, Favorito e Marcha Fnebre. Nas anlises de
cada pea, o autor faz comparaes com outras peas do prprio Nazareth, e com
composies de outros autores. O autor analisa minuciosamente as peas trecho a
trecho, oferecendo inclusive transcries daqueles mais importantes. No rol de obras
que se limitam a tratar da biografia dos grandes chores, a obra de Jaime Diniz (1963)
se destaca por trazer anlises musicais.
15
A vida de Chiquinha Gonzaga foi relatada tambm em duas biografias (uma
delas deu origem a uma minissrie televisiva): Chiquinha Gonzaga: Uma Histria de
Vida (Edinha Diniz, 1999) e A Memria Social de Chiquinha Gonzaga (Milan, 2000).
Maior personalidade feminina da histria da msica popular brasileira e uma das
expresses maiores da luta pelas liberdades no pas, promotora da nacionalizao
musical, primeira maestrina, autora da primeira cano carnavalesca, primeira pianista
de Choro, introdutora da msica popular nos sales elegantes, fundadora da primeira
sociedade protetora dos direitos autorais, Chiquinha Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro,
em 1847. A estria como compositora se deu em 1877, com a polca Atraente,
composta de improviso durante Roda de Choro em casa do compositor Henrique Alves
de Mesquita. Por desafiar os padres familiares da poca, sofreu fortes preconceitos. J
era uma artista consagrada quando comps, em 1899, a primeira marcha-rancho,
Abre Alas, verdadeiro hino do carnaval brasileiro. Sua obra rene dezenas de partituras
para peas teatrais e centenas de msicas nos mais variados gneros: polca, tango
brasileiro, valsa, habanera, schottisch, mazurca, modinha etc. Chiquinha Gonzaga
faleceu aos 87 anos de idade, no dia 28 de fevereiro de 1935, no Rio de Janeiro.
Andr Diniz (2007) publicou a biografia de Anacleto de Medeiros, maestro,
compositor e arranjador de grande importncia nos primrdios da histria do Choro no
livro O Rio Musical de Anacleto de Medeiros, a vida, a obra e o tempo de um mestre do
choro. Para resgatar a trajetria musical de Anacleto, o autor analisa as transformaes
urbanas, sociais e culturais do Rio de Janeiro na virada do sculo XIX para o XX.
Anacleto de Medeiros um nome fundamental na histria da msica brasileira, e seu
trabalho como maestro e fundador de bandas tornou-se um marco. Anacleto rompeu
com a forma dura com que as bandas marciais tocavam, imprimindo a elas suavidade e
delicadeza na interpretao. Atribui-se a ele a iniciao de muitos chores, em sua
grande maioria msicos amadores, na atividade profissional, incorporando-os s bandas
de sua criao. Suas composies influenciaram grandes nomes como Villa-Lobos,
Pixinguinha, Jacob do bandolim e Radams Gnatalli, e so tocadas nas Rodas de Choro
at os dias de hoje.
Anacleto Augusto de Medeiros, nasceu na ilha de Paquet no estado do Rio de
Janeiro em 1886. Filho de uma escrava liberta, iniciou seus estudos musicais na banda
de Msica do Arsenal de Guerra da Corte aos nove anos, e posteriormente no
16
Conservatrio de Msica do Rio de Janeiro. Anacleto trabalhou como regente e
instrumentista em teatros, grupos de Choro, festas familiares e religiosas, clubes e
sociedades musicais. Mas foi na Banda do Corpo de Bombeiros, organizada por ele, que
sua ao de educador, compositor e regente influenciou profundamente os rumos da
msica popular e fez com que ele, definitivamente, entrasse para a histria. O maestro
Anacleto, ao lado de Joaquim Callado, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, tambm
foi um dos pilares do Choro.
Jacob do Bandolim, um dos mais importante bandolinistas do Choro, teve sua
biografia escrita por Ermelinda A. Paz, em 1997. O livro descreve diversas passagens da
vida profissional e pessoal do bandolinista, e fornece vasta iconografia, partituras,
discografia e depoimentos. Jacob Pick Bittencourt nasceu em 14 de fevereiro de 1918,
no Rio de Janeiro. Despertou para a msica por volta dos 12 anos de idade, poca em
que tocava gaita para os colegas da escola. Seu primeiro instrumento foi um violino,
que pediu me ao ouvir um vizinho francs que executava o instrumento. No se
adaptando ao uso do arco, passou a toc-lo com o auxlio de grampos de cabelo. Foi
ento, que uma amiga de sua me explicou que havia um instrumento prprio para esse
tipo de execuo, e assim o bandolim entrou em sua vida. Durante toda a dcada de
1930, se dividiu entre a msica e diversos trabalhos: foi vendedor, prtico de farmcia,
corretor de seguros, comerciante e escrivo de polcia, cargo que ocupou at morrer. Por
no depender financeiramente da msica, pde tocar e compor com mais liberdade, sem
sofrer presses de gravadoras ou editoras.
Sua primeira grande chance aconteceu quando o flautista Benedito Lacerda o
convidou a participar do "Programa dos Novos - Grande Concurso dos Novos Artistas",
da Rdio Guanabara. Como intrprete, possua no s estilo, fraseado, toque
extremamente personalizado, mas um vasto repertrio que em um caderno de notas sob
o ttulo de "repertrio trivial" contava com 329 ttulos. Msico extremamente exigente e
perfeccionista, era muito rgido na sua vida pessoal e musical. Por meio das
apresentaes no rdio, firmou-se na msica. Tocou nas mais importantes rdios da
poca, desde a Rdio Guanabara, at na Rdio Nacional. A partir de 1951, e pelo
perodo de 10 anos, foi acompanhado pelo Regional do Canhoto. Em 1966, organizou o
conjunto Regional poca de Ouro, integrado inicialmente por Dino Sete Cordas no
violo de 7 cordas, Csar Faria, no violo, Carlos Leite, tambm no violo, Jonas da
17
Silva no cavaquinho, e Jorginho no pandeiro. O poca de Ouro , at os dias atuais,
considerado um dos melhores regionais de Choro j existentes. As composies de
Jacob, como "Noites cariocas", "Receita de Samba", "A Ginga do Man", "Doce de
Cco", "Assanhado", "Treme-treme", "Vibraes" e "O Vo da Mosca" tornaram-se
verdadeiros clssicos do repertrio de Choro. Jacob faleceu em 13/08/1969, de infarto
do corao, quando retornava da casa de Pixinguinha.
Outra contribuio importante para o estudo do Choro foi dada por Silva (2004),
que apresenta um estudo biogrfico sobre o bandolinista Luperce Miranda. Barbosa
(2004) faz um estudo da presena dos instrumentistas de cordas pinadas no Choro e na
msica brasileira. Alm disso, a autora faz uma interessante anlise dos elementos
contextuais que influenciaram os modos de tocar e compor dos trs msicos que se
destacaram como solistas de instrumentos de cordas pinadas no decorrer do sculo
XX: Luperce Miranda, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo (cavaquinho).
O mais importante cavaquinista da histria do Choro, Waldir Azevedo, teve sua
biografia escrita por Marco Antnio Bernardo (2004). Waldir Azevedo nasceu em 27 de
janeiro de 1923, no Rio de Janeiro. Seu primeiro instrumento, uma flauta, adquiriu
quando tinha sete anos de idade. Pouco depois, trocou a flauta por um bandolim e
comeou a se reunir com amigos para tocar msica, aos sbados. Do bandolim foi para
o cavaquinho, instrumento com o qual se tornaria conhecido nacionalmente anos mais
tarde. Sua primeira apresentao foi como flautista, no Carnaval de 1933, quando tocou
"Trem Blindado". At meados da dcada de 1940, a msica era para ele uma atividade
de amador. Iniciou a carreira profissional em 1940 quando montou um Conjunto
Regional e comeou a se apresentar em diversos programas de calouros. Em 1945,
entrou para o Regional de Dilermando Reis, que, posteriormente, passou o grupo para
seu comando. No final da dcada de 1940, comps e gravou o Brasileirinho, sem
dvida um dos Choros mais conhecidos e tocados. Waldir reconhecido por ter trazido
o cavaquinho, instrumento sempre usado para acompanhamentos, para o solo,
explorando novas potencialidades para o instrumento. Gravou mais de cinqenta discos,
e excursionou por diversos pases. Em 1980, faleceu na cidade de Braslia.
Dilermando Reis, violonista, teve biografia escrita por Gensio Nogueira (2002).
Um dos mais importantes violonistas brasileiros, atuou como instrumentista, professor
de violo, compositor, arranjador, tendo deixado uma obra vultuosa e verstil, composta
18
de guarnias, boleros, toadas, maxixes, sambas-cano e, principalmente, valsas e
choros. Iniciou sua vida profissional aos 18 anos de idade. Em 1956, por interferncia
do recm-empossado presidente Juscelino Kubitschek, assinou contrato com a Rdio
Nacional, para estrelar o programa "Sua majestade, o violo", nos primeiros anos
apresentado por Oswaldo Sargentelli e, posteriormente, por Csar Ladeira. Foi professor
de violo do ento Presidente da Repblica Juscelino Kubitschek e de sua filha. De
1941 a 1962, lanou 34 discos de duas faces com 68 msicas em 78 rpm. Dentre essas,
43 de sua autoria. Gravou tambm um total de 35 LPs. Em alguns de seus LPs foi
acompanhado pelos grandes violonistas Horondino Silva, o Dino Sete Cordas, e Jaime
Florence, o Meira. Alm de sua vasta obra, deixou muitos arranjos editados.
Recentemente, grande contribuio para o bibliografia do Choro foi dada por
Cazes (2005) que tenta refazer a trajetria histrica do Choro. Em seu livro Do Quintal
ao Municipal, Cazes (2005) apresenta pequenas biografias de compositores, intrpretes
e arranjadores que foram importantes para a histria do Choro. A importncia do livro
reside em ter sido o nico, at ento, a conseguir reunir os principais fatos e
personagens do Choro em um volume.
Sem reduzir o valor do livro de Henrique Cazes (2005), a publicao Choro: A
Social History of a Brazilian Popular Music (Livingston e Garcia, 2005) a mais
completa que trata de toda a histria do gnero. Os autores realizaram extensa pesquisa
nas publicaes de autores brasileiros que continham aluses ao Choro e sua histria.
As informaes foram, ento, reunidas em um livro que conta, com a maior riqueza de
detalhes e preciso possveis, a histria e o desenvolvimento do gnero at os dias
atuais.
A partir de sua consolidao como gnero instrumental brasileiro, que ocorreu
nas primeiras dcadas do sculo XX, o Choro viveu perodos de esplendor e de declnio.
Livingston e Garcia (2005) identificaram 5 perodos para a histria do Choro a partir de
1920: o da profissionalizao do Choro (1920-1950); o do declnio do gnero (dcadas
de 1950 a 1970); o do seu renascimento (dcada de 1970); o de um novo declnio
(dcada de 1980), e o perodo contemporneo.
O perodo descrito como o da profissionalizao do choro inicia-se na dcada de
1920 a partir de um processo, apontado por Hermano Vianna (1995), como crucial para
19
a consolidao do Choro e do samba como gneros tipicamente brasileiros. Trata-se da
tomada de conscincia, por parte dos msicos e dos intelectuais da poca, de que aquela
msica produzida nos subrbios cariocas poderia ser considerada uma autntica
expresso da cultura brasileira. importante ressaltar que a condio colonial do pas
tornava-o um importador cultural por natureza; a subvalorizao da colnia incentivava
a imitao daquilo que era considerado civilizado e nobre: a cultura e a sociedade
europias. Esse pensamento, contudo, gerava respostas no seio da sociedade brasileira,
notadamente entre os intelectuais, que buscavam encontrar, criar, enaltecer e fortalecer
uma cultura que fosse genuinamente brasileira. Conforme a mistura de raas deu origem
a um povo mestio, esses intelectuais entendiam que uma cultura mestia seria ento a
genuna expresso de um povo mestio. O Choro, assim como o samba, encaixou-se
perfeitamente nessa teoria.
Hermano Vianna (2005) mostra que foi com inteno deliberada de msicos e
intelectuais que o Choro e o samba passaram a ser considerados gneros brasileiros,
expresses culturais genunas de seu povo. Ele inclusive cita uma data como incio
desse processo: precisamente em 18/09/1926. Nessa noite, ocorreu um inusitado
encontro entre intelectuais e msicos, em alguma birosca dos subrbios cariocas. Nele
estavam presentes o socilogo Gilberto Freyre, o jornalista Prudente de Moraes Neto, o
historiador Srgio Buarque de Holanda, Heitor Villa-Lobos, o msico francs Luciano
Gallet, o sambista Patrcio Teixeira e os chores Pixinguinha e Donga. Sobre esse
encontro, o humor cido no relato de Gilberto Freyre torna claro sua forma de pensar o
Brasil e a cultura brasileira, e evidencia o projeto de criao e enaltecimento de uma
msica e uma cultura brasileiras, a ser empreendido pelo povo filho da mestiagem:
Ontem, com alguns amigos Prudente, Srgio passei uma noite que quase ficou de manh a ouvir Pixinguinha, um mulato, tocar em flauta coisas suas de carnaval, com Donga, outro mulato, no violo, e o preto bem preto Patrcio a cantar. Grande noite cariocamente brasileira. Ouvindo os trs sentimos o grande Brasil que cresce meio tapado pelo Brasil oficial e postio e ridculo de mulatos a quererem ser helenos (...) e de caboclos interessados (...) em parecer europeus e norte-americanos; e todos bestamente a ver as coisas do Brasil (...) atravs do pince-nez de bacharis afrancesados (Freyre, 1979, p. 303 apud Vianna, 2005, p. 27).
20
Hermano Vianna (2005) defende a idia de que, ao mesmo tempo em que
polticas e aes eram empreendidas no sentido de coibir e impedir que manifestaes
culturais e religiosas afrobrasileiras e mestias tomavam lugar no pas, grupos de
intelectuais e artistas militavam pela aceitao delas, sob o argumento de que eram
autenticamente brasileiras. Esses grupos visavam implementar um projeto nacionalista,
que rechaava as meras imitaes da vida e da cultura europias e norte-americanas. A
msica principalmente o samba e o Choro por serem mestios, populares e, por que
no dizer, altamente sofisticados, eram importantes exemplos de confirmao desse
projeto, e de afirmao da capacidade do povo brasileiro de produzir sua prpria
cultura. Cabe aqui citar que, em 1922, a Semana de Arte Moderna, realizada cem anos
depois da independncia formal do Brasil, amplificou as vozes nacionalistas, pois tinha
como objetivo declarado a valorizao e o desenvolvimento de uma cultura brasileira
autntica. Foi, ento, de acordo com Vianna (1995), no mbito desse projeto
nacionalista que se inventou a tradio nacional-popular brasileira, em que a msica
desempenhou papel fundamental.
A partir desse encontro, e por tudo o que ele representou, o Choro passou a ser
apoiado e incentivado por importantes grupos da elite brasileira. O caldeiro fervilhante
de ideais nacionalistas induziu mudanas no prprio Choro, sendo importante a
emergncia dos chamados conjuntos regionais. At a dcada de 1920, o Choro era
msica de amadores, pois, embora muitos chores fossem exmios instrumentistas, a
maioria deles necessitava desempenhar outras ocupaes para garantir o sustento. A
partir dessa data, apresentaes de Choro comearam a ser realizadas principalmente no
cinema mudo. Juntamente com isso, surgia a incipiente indstria da gravao. Esses
novos contextos alteraram os conjuntos de Choro, que incorporaram o pandeiro como
instrumento de percusso e o violo de sete cordas em praticamente todas as
apresentaes; com essas novas exigncias, surge a possibilidade de chores se
dedicarem msica como profisso. Fator de vital importncia para a profissionalizao
do Choro foi o surgimento da gravao e do rdio. Em 1902, a Casa Edison iniciou a
realizao de gravaes mecnicas no Brasil. Todavia, essas gravaes eram feitas
somente com instrumentos de sopro, que atingiam volume suficiente para serem
gravados com essa tecnologia. Mas, a partir de 1920, o advento do microfone eltrico
mudou isso, e os conjuntos regionais podiam ser gravados. A primeira transmisso de
rdio brasileira se deu em 7 de setembro de 1922, na comemorao do centenrio da
21
independncia. Influenciada pela atmosfera nacionalista da Semana de Arte Moderna, a
transmisso incluiu O Guarani, de Antnio Carlos Gomes, e alguns choros tocados por
Pixinguinha e os Oito Batutas. Os conjuntos regionais surgiram pela alterao desses
primeiros grupos de chores que se apresentavam ao vivo nos rdios. Nas dcadas de
1930 e 1940 os regionais eram os carros-chefe da indstria do Rdio, sendo esse o
perodo mais glorioso do Choro. Pelo rdio, os regionais alcanavam as partes mais
remotas do pas. Assim, o Choro ficou conhecido no somente como msica carioca,
mas como msica nacional.
Nas rdios, os regionais desempenhavam inmeras funes, sendo exigido de
seus msicos grande versatilidade e amplo conhecimento musical. Aos regionais cabia
acompanhar os cantores, fazer a msica de fundo e preencher as lacunas dos programas
de rdio, momentos em que executavam o Choro. Esses conjuntos acompanhavam todo
o tipo de msica, incluindo sambas, modinhas e msicas norte-americanas.
Normalmente, faziam uma introduo improvisada, para que o cantor comeasse sua
performance. Nos sambas, a introduo era feita pelo bandolim, flauta ou outro
instrumento meldico. Esses instrumentos tambm improvisavam contrapontos
melodia ao longo da msica. As baixarias do violo de sete cordas tambm eram
improvisadas. Em geral, horas antes do Regional entrar no ar, os msicos se
encontravam e decidiam o qu iriam tocar, os tons, e outros detalhes musicais; apesar
disso, a performance era repleta de improvisos, no s dos violes e dos instrumentos
meldicos, pois o pandeiro e o cavaquinho criavam tambm variaes no ritmo e no
centro.
As principais rdios atuantes nas dcadas de 1930 e 1940 possuam seus
prprios regionais. Eram elas: Rdio Guanabara (Gente do Morro e Jacob e sua gente);
Rdio Transmissora (O Regional de Claudionor Cruz); Rdio Clube (Waldir Azevedo e
Seu Regional); Rdio Tupi (Regional de Benedito Lacerda e Regional de Rogrio
Guimares); Rdio Mayrink Veiga (Regional do Canhoto); Rdio Nacional (Regional
de Csar Moreno e Regional de Dante Santoro); Rdio Mau (Jacob e Seu Regional,
Regional de Darly do Pandeiro e Regional de Pernambuco do Pandeiro).
A partir do final da dcada de 1940, um conjunto de fatores contribuiu para o
declnio dos regionais das rdios. Primeiramente, a sada de Getlio Vargas do poder,
em 1945, fez diminuir o teor altamente nacionalista do Estado brasileiro, que protegia
22
deliberadamente a cultura do pas da entrada de culturas estrangeiras, notadamente a
norte-americana, que, com fora total, j se fazia presente em outros pases do planeta.
Com a sada de Getlio do poder, as rdios, antes controladas pelo governo, tornaram-se
majoritariamente privadas, podendo incluir na programao elementos que antes no
eram permitidos. Sendo privadas e livres, as rdios estavam, ento, merc das foras
do mercado. Na prtica, isso significou a ampliao da influncia da msica norte-
americana, e a reduo do espao para os gneros brasileiros. Os regionais foram sendo
substitudos por conjuntos semelhantes s bandas e orquestras de jazz. Mas isso durou
pouco, pois, na medida em que as rdios reduziam a programao ao vivo e utilizavam
gravaes, a presena cara e desgastante de conjuntos de msicos foi se tornando
desnecessria. Os chores ficaram desempregados. Alguns deles foram tocar em bandas
de jazz e outros simulacros da msica norte-americana; outros, simplesmente
desapareceram da cena da msica profissional. Nessa poca, o Choro era executado em
orquestras. Apesar disso, o Choro continuava recrutando jovens msicos que, embora
no fossem muitos, eram suficientemente bons para serem notveis. o caso de Garoto,
violonista e compositor que marcou a histria do Choro. Ele participou de regionais de
rdio mas, em 1939, foi aos Estados Unidos como parte do Bando da Lua, grupo que
acompanhava Carmem Miranda. Garoto se aproximou do jazz, o que evidente em suas
composies, que traziam inovaes em relao ao Choro convencional. Tais
inovaes foram o primeiro passo para um novo caminho que se abria na msica
brasileira: o da bossa-nova.
A emergncia da bossa-nova, gnero brasileiro, em vez de reafirmar cultura e a
msica brasileiras em geral, o que poderia fortalecer o Choro, acabou por marginaliz-lo
de vez. Isso porque a bossa-nova, juntamente com o rocknroll da Jovem Guarda, eram
considerados brasileiros e modernos. Juntamente com isso, a msica norte-americana
era ouvida nos quatro cantos do pas. O Choro, nos anos 60, sofreu forte retrao, no
sendo mais visto como a msica nacional, mas como uma msica antiga, velha, que
nada tinha a ver com o Brasil moderno que parecia surgir. Apesar disso, alguns exmios
msicos mantiveram a tradio, ainda que recolhida aos quintais, e ainda trouxeram
importantssimas contribuies para o desenvolvimento e histria do gnero. Nesse
perodo, o esforo e o empenho individuais foram de enorme serventia. Dentre esses,
destacam-se: Garoto, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Dilermando Reis e Altamiro
Carrilho.
23
A segunda metade da dcada de 1970 assistiu ao que Livingston e Garcia (2005)
denominaram renascimento do Choro. Eles citam um evento, produzido por Srgio
Cabral em 1973, denominado Sarau, em que se apresentaram Paulinho da Viola
acompanhado do conjunto poca de Ouro, como o incio desse ressurgimento. Para
eles, esse evento foi o pice de um processo, iniciado ainda na dcada de 60, de
aproximao do Choro e do samba das classes mdias cariocas. Tal processo foi
empreendido por um pequeno grupo de pessoas, do qual Srgio Cabral, eminente
jornalista e crtico musical, fazia parte. O movimento de ressurgimento do Choro
concedia aos jovens chores grande importncia, porque aos jovens caberia manter a
tradio e a continuidade do gnero. De fato, eram poucos, pois a juventude nesses
tempos ocupava-se do rock. Apesar disso, entre eles havia grandes instrumentistas, com
destaque para Raphael Rabello, um dos maiores violonistas que o Choro j viu. Em sua
juventude, na dcada de 70, Raphael conhecia o Choro por meio de Rodas e pequenos
eventos freqentados por amigos e parentes, a maioria mais velhos do que ele.
Livingston e Garcia (2005, p.136) transcrevem interessante relato desse notvel
violonista acerca de seus incios no Choro:
O que eu sei que as pessoas realmente gostam quando ouvem Choro. As pessoas da minha idade acham estranho eu tocar essa msica, mas ficam loucas com ela. simplesmente porque nunca ouviram no rdio ou na televiso, e no tm nenhum preconceito contra ela. (Relato de Rapahel Rabello, apud Livingston e Garcia, 2005, p. 136)
Esses jovens chores da dcada de 70 eram, em geral, da classe mdia e homens,
embora houvesse mulheres envolvidas, como Luciana Rabello, Dolores Tom, Beth
Ernest Dias (Livingston e Garcia, 2005). interessante notar que todas as mulheres
citadas por Livingston e Garcia (2005) so parentes de instrumentistas (Luciana irm
de Raphael, Dolores filha do flautista Jos Tom e Beth filha de Odette Ernest Dias,
renomada flautista envolvida com o Choro, e matriarca de uma enorme famlia de
msicos). Na dcada de 70, Rodas de Choro ressurgiram e tornaram-se badaladas, sendo
freqentadas pela alta classe mdia carioca. o caso do Sovaco de Cobra, boteco em
que acontecia uma Roda freqentada pelos mestres Altamiro Carrilho, Abel Ferreira,
Paulo Moura, Dino 7 Cordas, e por jovens instrumentistas que com eles queriam
aprender mais sobre o gnero.
24
Foi tambm na dcada de 70 que surgiram os Clubes do Choro, primeiramente
no Rio, em 1975, e, depois, em Braslia, em 1977. Os Clubes do Choro foram,
posteriormente, instituies importantes para a manuteno do gnero. Nesse perodo, o
Choro recebeu apoio governamental por meio da Fundao Nacional de Arte
(FUNARTE) e do Museu Nacional da Imagem e do Som (MIS). Gravadoras nacionais
(Marcus Pereira, CID, Eldorado, Copacabana e Continental) e transnacionais (RCA,
CBS, Warner, EMI e Polygram) lanavam gravaes de Choro. Algumas dessas
gravaes eram novas produes, mas a maioria eram relanamentos das gravaes dos
regionais das rdios das dcadas de 40 e 50. Por isso, Livingston e Garcia (2005)
caracterizam esse perodo como sendo o do renascimento do Choro tradicional. Com
isso, querem dizer que poucas inovaes foram introduzidas no gnero. Os autores
destacam a gravadora Marcus Pereira pelo importante trabalho de gravar discos com
msica popular brasileira, projeto em que o Choro foi agraciado com o lanamento de
18 discos (entre os 144 lanados pela gravadora em 10 anos).
No ano de 1977, dois festivais de Choro aconteceram em So Paulo. No
primeiro deles, apresentou-se o Regional do Canhoto. Um ms depois, o segundo
festival (Encontro Nacional dos Chores), produzido pela Marcus Pereira e pela Rede
Bandeirantes de televiso, incluiu Waldir Azevedo e Pernambuco do Pandeiro, Paulinho
da Viola e Chico Buarque. Nesse mesmo ano, foram realizadas as primeiras
competies de Choro. Essas competies consistiam em eventos em que um grande
nmero de instrumentistas se inscrevia, e os melhores eram escolhidos por um conjunto
de jurados. Nesses eventos, interpretaes e instrumentaes inovadoras eram trazidas
ao Choro. Foi em um desses que o conjunto A Cor do Som, liderado pelo bandolinista
Armandinho, chocou pblico e audincia com o uso de guitarra eltrica e arranjos no-
convencionais. Alm de chocar, Armandinho levantou a discusso, que dormia em
funo do frenesi gerado pela redescoberta do Choro, sobre a modernizao do
gnero, sobre tradio e modernidade, sobre inovao e autenticidade.
O renascimento do Choro da dcada de 1970 durou to pouco que praticamente
no passou de um suspiro. Os anos 80 trouxeram outro golpe duro para nosso gnero
instrumental. Os anos 80 foram de uma grave crise poltico-econmico-social no Brasil.
A transio para o regime democrtico se deu em meio a uma inflao galopante,
somada a uma enorme dvida externa cujos juros eram pesados para o Estado brasileiro.
25
Nesse cenrio, foram diminudos os apoios produo cultural. O Ministrio da Cultura
foi reduzido a uma secretaria, e a FUNARTE foi extinta, sendo substituda pelo Instituto
Brasileiro de Arte e Cultura IBAC. Com isso, o oramento para a cultura caiu
drasticamente. Tambm foram eliminados os incentivos fiscais para investimentos do
setor privado nas artes e na msica. O Choro sentiu o baque: no havia mais festivais de
Choro, e muitos grupos desapareceram. At as Rodas nos quintais, redutos ltimos da
resistncia do gnero, ficaram comprometidas pelo enorme avano da violncia urbana.
Os Clubes do Choro desapareceram. Concomitantemente, as gravadoras transnacionais
atingiam seu apogeu. Foi a era dos grandes nomes da msica pop, como Michael
Jackson e Madonna, que representaram o maior monoplio musical desde os Beatles.
No Brasil, bandas de rock como Paralamas do Sucesso, Tits e Legio Urbana faziam
sucesso nas rdios e na televiso. Da dcada de 80 at final da dcada de 90, ningum
ouvia falar de Choro (com exceo do Clube do Choro de Braslia, que retomou as
atividades em 1993).
No final da dcada de 90, contudo, acontece uma forte retomada do Choro
(juntamente com a de outros gneros da tradio popular). Essa retomada coincide com
a crise da indstria fonogrfica, que, durante a dcada de 80, funcionava a partir do
monoplio das grandes gravadoras. Estas, trabalhando de forma verticalizada e
centralizada, dominavam todas as etapas da produo fonogrfica: desde a gravao em
estdios prprios, passando pela prensagem e pela distribuio, e apoiando-se na
divulgao nas grandes emissoras de rdios e televises por meio do pagamento do
jab. Assim, as gravadoras conseguiam vender poucos produtos culturais em grande
quantidade. Com o advento das novas tecnologias de comunicao e de reproduo
digital de udio, foi forada uma reconfigurao na indstria fonogrfica, que gerou
uma forte crise nas gravadoras transnacionais. Pierre Lvy (1999) afirma que a Internet
balanou os pilares do modo de comunicao um-todos, tpica do modelo implantado
pela cultura de massa, dando lugar ao modelo todos-todos, que resulta da conexo
generalizada em rede, onde emissores e receptores, ou, no caso da produo artstica,
artista e pblico se confundem ou alternam papis. Desse modo, a partir do
enfraquecimento do monoplio musical empreendido pelas transnacionais fonogrficas,
no somente o Choro, mas muitas outras manifestaes tradicionais/populares foram
sendo retomadas a partir do final da dcada de 1990.
26
No caso do Choro, a primeira dcada do terceiro milnio foi de grande
crescimento e enriquecimento do gnero. Novas tendncias surgem a todo o momento,
juntamente com jovens instrumentistas que criam novas abordagens para o gnero.
Pelas caractersticas da comunicao contempornea, possvel ter acesso a vasto
material sobre o Choro de qualquer lugar do mundo; por isso, em locais inusitados,
podem ser encontrados entusiasmados amantes do gnero. , tambm, cada vez maior o
nmero de instrumentistas estrangeiros mergulhados no Choro. No Brasil, sua audincia
voltou a ter muitos e muitos jovens. Devido complexidade e grande variedade e
riqueza de formas de tocar o Choro presentes atualmente, no possvel, em poucas
linhas, desenhar o cenrio geral do Choro contemporneo. Mas possvel discorrer
sobre recortes desse cenrio que so, sem dvida, de extrema importncia. A seguir,
neste trabalho, abordaremos aspectos musicais e extra-musicais relacionados ao Choro
na cidade de Braslia, Distrito Federal.
27
A2. Da Lapa ao Planalto Central
Braslia no surgiu, foi surgida, no meio de um lugar que se acreditava ser o
nada. A capital do pas foi erguida em poucos anos, a partir do esprito faranico de
Juscelino Kubitschek. Nas palavras de Lcio Costa (1962, apud Nunes, 1999, p.1),
idealizador do plano urbanstico da cidade, Braslia nasceu de um gesto primrio de
quem assinala um lugar e dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ngulo reto, ou
seja, o prprio sinal da cruz.
Nunes (2003) afirma que Braslia, construda para ser a capital do pas, recebeu,
pouco a pouco, a partir da dcada de 1960, a burocracia do Estado oriunda,
principalmente, do Rio de Janeiro. Note que essa simples afirmao, para quem conhece
a histria social do Choro, j indica a possibilidade desse gnero musical desenvolver-se
na nova capital, uma vez que, nascido no Rio de Janeiro, era praticado pelas classes
mdias associadas ao funcionalismo pblico. O funcionalismo pblico, de acordo com
Nunes (2003) o grupo scio-profissional que at os dias atuais d sustentao
cidade, tanto em termos econmicos, quanto culturais e comportamentais. o aparelho
do Estado (federal e distrital) que injeta o dinheiro que circula no Distrito Federal. Os
setores da economia do DF construo civil, comrcio, servios, entre outros giram
em torno da massa monetria provida pelo Estado. At os dias de hoje, mesmo com o
desenvolvimento do DF como plo comercial, mdico-hospitalar e turstico, o setor
pblico mantm a hegemonia de grande empregador local.
Com a vinda de funcionrios pblicos do Rio de Janeiro para a nova capital,
vieram tambm msicos ligados ao Choro. So eles os pioneiros do Choro no planalto
central. Alguns deles eram militares e funcionrios pblicos, e outros vieram pelos mais
diversos motivos. Dentre eles, podemos destacar: Pernambuco do Pandeiro, Avena de
Castro, Raimundo Brito, Hamilton Costa, Ely do Cavaco, Bide da Flauta, Waldir
Azevedo, Neusa Frana, Francisco de Assis Carvalho, Celso Cruz, Joo Tom e,
Cicinato Simes dos Santos. Fornecendo uma contribuio que ultrapassa os requisitos
de uma monografia de final de curso, a antroploga Luciana Portela (2003) apresenta
breves histricos acerca de algumas dessas pessoas.
28
Incio Pinheiro Sobrinho, o Pernambuco do Pandeiro, veio para Braslia em
1959, a convite de Juscelino Kubitscheck para tocar na Rdio Nacional, juntamente com
seu Regional. Este era formado por Manuel Gomes na flauta, Hermeto Paschoal no
acordeom, Jorge Charuto no sete cordas e Ubiratan no cavaquinho. Luciana Portela
(2003) conta que problemas entre o Regional de Pernambuco do Pandeiro e o presidente
da Rdio Nacional foraram a dissoluo do grupo. Somente Pernambuco ficou em
Braslia, e os demais msicos voltaram para o Rio de Janeiro. JK ofereceu, ento, um
emprego na Novacap para Pernambuco, que o manteve na nova capital por longos anos.
Hamilton Costa era inspetor de segurana da Cmara Federal no Rio de Janeiro,
e, em Braslia, foi oficial de gabinete do Presidente da Cmara. Alm disso, Hamilton
abriu a primeira barbearia da cidade, na Novacap, e sua vinda para a nova capital se deu
precisamente por ocasio da inaugurao da Boate do Braslia Palace Hotel.
Avena de Castro nasceu em 1919 no Rio de Janeiro. Teve formao musical
erudita, e tocou ctara at o fim de sua vida, em 1981. Na dcada de 50, teve seu
primeiro contato com o Choro, ao transcrever peas de Ernesto Nazareth. Da em diante,
envolveu-se intensamente com a msica popular. Veio para Braslia no final da dcada
de 1960, e foi fundador do Clube do Choro. Foi tambm presidente da Ordem dos
Msicos do Brasil. Comandou um Regional que recebeu seu nome, e que participou da
ltima gravao de Jacob do Bandolim, feita em Braslia.
Bide da Flauta era funcionrio da Justia Militar, e veio para Braslia em 1970.
Como flautista, j havia tocado com grandes nomes, como Carmem Miranda, Benedito
Lacerda, Jacob do Bandolim e Donga. Neusa Frana, pianista erudita, chegou em
Braslia em 1959; trabalhava na Orquestra do Teatro Nacional Claudio Santoro.
Organizava saraus em sua casa, onde era comum a presena de grandes chores (como
Jacob do Bandolim e o poca de Ouro). Waldir Azevedo veio para Braslia acompanhar
a filha que, por sua vez, veio acompanhar o marido, funcionrio do Banco Central, em
1971. Nilo Costa, o Tio Nilo, era saxofonista, e veio para Braslia em 1972 como
ferrovirio aposentado. Odette Ernest Dias chegou em 1974, para assumir o cargo de
professor de Flauta da Universidade de Braslia; durante muito tempo, os chores se
reuniram em seu apartamento, na 311 sul, aos sbados tarde.
29
O violonista Joo Tom chegou em Braslia na dcada de 1960, vindo de
Uberaba. Atuou na Rdio Nacional, lecionou na Fundao Educacional do Distrito
Federal.
De acordo com Clmaco (2008), o bandolinista Cicinato Simes dos Santos era
funcionrio do Itamaraty, e chegou em Braslia em 1970. No Rio de Janeiro, chegou a
ter aulas com Villa-Lobos, e era amigo pessoal de Jacob do Bandolim. Segundo
Henrique Cazes (2005), suas composies influenciaram Jacob do Bandolim, pois ele
identificou, em Prolas e O Vo da Mosca, trechos de msicas de Cicinato.
Uma das personalidades mais interessantes do Choro de Braslia Francisco de
Assis Carvalho da Silva, o Six, que recebeu esse apelido por possuir seis dedos nas
mos. Era maranhense, mas morou no Rio de Janeiro na dcada de 50, onde conheceu
os grandes nomes do Choro. Na dcada de 1960, veio para Braslia, trabalhando como
funcionrio de alto escalo do Banco do Brasil. Juntou seu cavaquinho aos chores de
Braslia, e era conhecido por promover festas, encontros e toda a sorte de festejos
envolvendo a gente do Choro em Braslia.
Clmaco (2008) alude, tambm, vinda de msicos das bandas militares para
Braslia. Mantinham relaes com o Choro, pois seus nomes constam da ata de
fundao do Clube do Choro. So eles: Joo Batista de Moraes (chegou em Braslia em
1973, e assumiu a Banda do Comando Naval de Braslia), Francisco de Almeida
Gomes, da aeronutica, e Manoel Vasconcelos, do Corpo de Bombeiros. Clmaco
(2008) destaca o nome do militar da marinha Jos Amrico de Oliveira Mendes, que
veio para Braslia em 1977, e chegou a assumir a presidncia do Clube em 1985, aps a
sada do Six. Jos Amrico pai de dois grandes nomes do Choro contemporneo: o
bandolinista Hamilton de Holanda e o violonista Fernando Csar Mendes.
A tirar pelos primeiros chores do planalto central, o Choro aporta aqui muito
bem representado. Embora no tenha havido nenhum esforo oficial (apesar de JK ser
apreciador de serestas, e fizesse questo da presena de bons msicos nas festas que
promovia) para implantar uma tradio musical, a vinda de funcionrios pblicos trouxe
importantes pedaos do Choro carioca para Braslia. Como ms que se atraem, esses
msicos, com distintas origens, formaes e histrias de vida, comearam a realizar
encontros musicais. O Choro em Braslia surge, ento, como uma colcha de retalhos;
30
no com um Regional consolidado, como os que j existiam no Rio de Janeiro, mas a
partir da reunio dos msicos disponveis. S que eram retalhos dos mais finos tecidos,
que deram origem a uma colcha bela e resistente.
Nos primeiros anos da dcada de 1970, de acordo com Clmaco (2008), os
chores se encontravam para tocar em locais como o Braslia Palace, Hotel Aracoara, a
prpria Rdio Nacional. Alguns bares eram tambm palco do Choro: o caso do
Amarelinho, no Gilberto Salomo, do Xadrezinho, na 407 norte, do Bar Choro, na 302
norte, do Bar do Dizinho, na 314 sul, do Bar Macambira, na 408 sul, e do Bar Fina Flor
do Samba.
Os encontros dos nossos pioneiros aconteciam, tambm, na casa do jornalista
Raimundo Brito, na 105 Sul. Eram freqentados por Waldir Azevedo, Avena de Castro,
Pernambuco do Pandeiro, Ely do Cavaco, Celso Cruz, Odette Ernest Dias, Bide da
Flauta e Cicinato (Portela, 2003). Em 1974, com a morte de Raimundo Brito, as
reunies passaram a ser realizadas no apartamento de Odette, na 311 Sul. Nesse mesmo
ano, chegaram a Braslia rumores de que um Clube do Choro seria fundado no Rio de
Janeiro; o valente grupo iniciou, ento, a movimentar-se no sentido de fazer o mesmo
no cerrado. Em 1975, de fato, foi inaugurado o Clube do Choro do Rio de Janeiro.
Nesse ano, as reunies de chores permaneciam na casa de Odette. A partir de ento,
mesmo sem sede, sem estatuto e sem existncia oficial, o grupo de chores de Braslia
j recebia o nome de Clube do Choro. Nesse perodo, apresentaes eram realizadas em
alguns espaos de Braslia, dos quais podemos citar o Teatro da Escola Parque, a Sala
de Concertos da Escola de Msica de Braslia, diversos pontos no campus da
Universidade de Braslia, entre outros. Zlio Zapata, em matria publicada em 1976 no
jornal Correio Braziliense, utiliza o termo Clube do Choro para designar o grupo de
msicos:
E quem quiser terminar o domingo s voltas com algumas msicas gostosas e bem brasileiras, s ir ao Teatro da Escola Parque, partir das 21 horas e assistir a mais uma apresentao do conhecido Clube do Choro, onde esto Pernambuco do Pandeiro, Celso Cruz e Avena de Castro, entre outros msicos da velha e da nova guarda. (...) O grupo recebeu apoio da Fundao Cultural do Distrito Federal, que cedeu o auditrio da Escola Parque e ainda auxiliou na divulgao (Zapata, 1976).
31
Clmaco (2008) menciona que a prpria ata de fundao do Clube do Choro
aludia existncia prvia de um Clube do Choro, em funo da reunio constante de
seus elementos e da realizao de apresentaes pblicas.
No perodo que antecedeu a criao oficial do Clube do Choro, alguns novos
chores haviam se juntado ao grupo. Dentre eles podemos destacar o violonista Alencar
7 Cordas. Magda Clmaco (2008) conta que Jos Alencar Soares natural de Ipu, no
Cear; ainda jovem, teve interesse pela msica, tocando banjo, violo e guitarra em
bailes em Fortaleza. Chegou a Braslia em 1971, e, alguns anos depois, juntou-se aos
chores de Braslia tocando violo de 7 cordas. Aprofundou-se nos estudos de harmonia
e desenvolveu impressionante habilidade no violo. Alencar o grande professor de
violo e de harmonia dos chores brasilienses contemporneos. Desenvolveu uma
metodologia para o ensino do acompanhamento do violo no Choro e em outros
gneros, ao qual denomina rvores harmnicas. Conhecendo as famosas rvores
harmnicas do Alencar, violonistas e cavaquinistas adquirem desenvoltura para
acompanhar msicas que no conhecem. Posteriormente, na dcada de 1990, integrou o
Choro Livre, grupo instrumental responsvel por acompanhar os solistas convidados a
tocar no Clube do Choro. Atualmente, Alencar d aulas particulares, tendo uma
quantidade enorme de alunos, integra alguns grupos de Choro com instrumentistas
jovens e aparece nas Rodas por a, de vez em quando, sempre para nossa alegria.
Outros ento jovens, que se uniram ao grupo de chores de Braslia em meados
da dcada de 1970, foram Antnio Lcio, flautista aluno de Odette Ernest Dias, Jaime
Ernest Dias, violonista filho de Odette, o prprio Reco do Bandolim, o violonista
Augusto Contreiras, o cavaquinista Evandro Barcellos, entre outros.
Mas a sala de visitas do apartamento de Odette foi se tornando por demais
apertada para abrigar a quantidade de pessoas reunidas. Em 1976, nesse mesmo
apartamento, o grupo decidiu solicitar ao governador do DF, Elmo Serejo (de quem o
clarinetista Valci Tavares era assessor de gabinete), um espao para a instalao de um
Clube do Choro em Braslia.
Em 1977, Elmo Serejo destinou ao Clube o local de sua sede at os dias de hoje:
entre a Torre de TV e o Centro de Convenes Ulysses Guimares. O espao fsico foi
inaugurado juntamente com a edio de seu Estatuto, em 1977. A edificao havia sido
32
construda para servir de vestirio do Centro de Convenes, mas nunca teve essa
utilizao. As instalaes eram precrias, mas, a partir de esforos e doaes de seus
membros, os encontros dos chores passaram a ser realizados ali. Conta Portela (2003)
que Pernambuco do Pandeiro vendeu uma coleo de passarinhos para comprar
geladeira e fogo para o Clube.
Reco do Bandolim, em entrevista, fala sobre os problemas que o espao do
Clube do Choro, ainda em 1977, oferecia para seus freqentadores, e sobre o carter
domstico das primeiras Rodas de Choro do Clube:
Reco do Bandolim: Aquele espao era cheio de pia, de banheiro, era cheio de ... Era um lugar quente para burro, tinha uma lage, e ferro ali dentro. Porque hoje tem ar condicionado. Aquilo era uma sauna, porque o sol batia de dia, os ferros seguravam aquele calor, e de noite transmitiam aquilo para baixo. Era um negcio insuportvel, mas era ali que a gente se encontrava. Ento, como mandava a tradio, cada semana uma famlia preparava uma feijoada, um cozido. S amos ns, era s famlia, e a gente ia pra l para tocar, tomar cerveja. Todo mundo meio que descobrindo aquele negcio, encantado com aquilo, sobretudo o pessoal de Braslia. Algumas pessoas mais jovens comearam a se aproximar, o Carlinhos Gifoni, Paulinho do Cavaquinho, Flavinho do Bandolim, como eu tambm. Ns fomos nos aproximando dali, aquilo era uma novidade, era uma beleza. Aquilo nos deixava em xtase. Era msica brasileira que a gente no conhecia. Aquilo falava de perto com a gente, era uma loucura, rapaz! Bom, ento, esses encontros se davam sempre de uma maneira informal.
Na primeira fase do Clube do Choro, eram realizadas Rodas de Choro. No
havia nenhuma programao, nem ensaios, nem compromisso formal de nenhum
msico estar l para tocar. Reco afirma que:
Reco do Bandolim: Tocava quem queria tocar, subia quem queria subir. No tinha problema nenhum, qualquer pessoa que chegasse com seu instrumento podia subir. Tinha gente que dava show e tinha gente que dava vexame. Tinha gente que no sabia tocar... Era Roda, todo mundo tocava. E a era gente para caramba, er