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Dr.ª EDITH FIORE

JÁ VIVEMOS ANTES

PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA

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Título original: You have been here before Tradução de Maria Luísa Ferreira da Costa Capa: estúdios P. E. A.

© 1978, by Edith Fiore Publicado por acordo com Scott Meredith Literary Agency, Inc., 845 Third Avenue, New York, 10 022

Direitos reservados por Publicações Europa-América, Lda. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer processo, electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor. Exceptua­se naturalmente a transcrição de pequenos textos ou passagens para apresentação ou crítica do livro. Esta excepção não deve de modo nenhum ser interpretada como sendo extensiva à transcrição de textos em recolhas antológicas ou similares donde resulte prejuízo para o interesse pela obra. Os transgressores são passíveis de procedimento judicial

Editor: Francisco Lyon de Castro

Edição n.º 32 022/2829 Execução técnica Tipografia Camões Póvoa de Varzim

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ÍNDICE Pág.

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................6

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................7

CAPÍTULO I - «FECHE OS OLHOS E ...»......................................................................................11

CAPÍTULO II - «ALGUÉM COM UMA MOCA» ..........................................................................14

CAPÍTULO III - «SOU UM HOMEM E USO UMA PELE» ..........................................................28

CAPÍTULO IV - «SEI O QUE ESTA ATRÁS DAQUELA PORTA!» ...........................................33

CAPÍTULO V - «NO BARCO, TODOS ESTÃO ESFOMEADOS» ...............................................46

CAPÍTULO VI - «NÃO HÁ SEXO PARA UMA PESSOA COMO EU» .......................................52

CAPÍTULO VII - «MEDO, MEDO E UM ... TERROR!» ...............................................................77

CAPÍTULO VIII - «APENAS A OUVIR ... A OBSERVAR» .........................................................82

CAPÍTULO IX - «CHAMAM-LHE BEIJAR!»................................................................................91

CAPÍTULO X - «CUSTOU-ME A VIDA!» .....................................................................................97

CAPÍTULO XI - «ESTOU ... A FLUTUAR» .................................................................................109

CAPÍTULO XII - «VIVEMOS MUITAS VIDAS» ........................................................................121

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Para os meus doentes e indi­víduos que se prestaram aexperiências, cuja coragem tornou possível este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Estou muito grata ao meu querido amigo e colega, hipnoterapeuta, Dr. Edgar Barnett, de Kingston, Ontário, que certamente me transmitiu uma forte e velada sugestão hipnótica em Outubro passado, quando me disse: «Edee, devias escrever um livro sobre o teu trabalho — o mundo precisa dele.» Aqui está o livro.

É impossível enumerar todas as pessoas que, de modos diferentes, me ajudaram neste projecto. Tenho uma enorme dívida de gratidão para com os meus doentes e para com aqueles indivíduos que vieram ter comigo, para uma sessão de regressão sobre a vida anterior. Sem eles o livro não teria existido! Eles também me ensinaram. O meu marido, Greg, encorajou-me desde que, pela primeira vez, falei em escrever este livro. Deu-me apoio emocional durante todo o trabalho. Passou muitas horas a ouvir-me ler cada capítulo, à medida que ia avançando, e fez-me sugestões inestimáveis. Agradeço à minha filha Leslie, por ter sido tão compreensiva c paciente durante os últimos sete meses, quando estive tão ocupada a escrever que pouco tempo livre tinha. Caren McNally passou muitos fins-de-semana e mesmo férias, para além das suas horas de trabalho normais, dactilografando o manuscrito. Foi sempre uma ouvinte paciente, quando precisei de um auditório para as ideias. O seu firme encorajamento e entusiasmo inabalável foram um grande apoio. Sperman Grant, o meu professor de redacção, ajudou-me imenso. O seu saber, objectividade e experiência, guiaram-me e eu espero ter conseguido apresentar o meu trabalho diário de uma forma interessante para o leitor.

Apresento este livro esperando que ele seja merecedor da confiança, do auxílio e do esforço de todos aqueles que mencionei.

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INTRODUÇÃO

Não escrevi este livro para defender nem para atacar a reencarnação. Nem tão-pouco desejo resolver a questão da imortalidade da alma. Não advogo um determinado método de terapia como o único ou como o melhor. Quero partilhar convosco alguns dramas humanos que se desenrolaram durante dois anos incríveis da minha actividade clínica — dramas de pessoas, cujas vidas actuais estavam diminuídas de um modo ou de outro, devido a acontecimentos trágicos ocorridos nas suas vidas anteriores. Estas pessoas foram os meus doentes e homens e mulheres que procuraram especificamente experimentar regressões às vidas passadas. O avanço que conseguiram e a liberdade que encontraram foram resultado da sua indomável coragem em enfrentar, uma vez mais, aqueles traumas, de vidas já passadas.

Já Vivemos antes é uma expressão dos meus interesses, da minha personalidade e da minha formação. Para avaliação do material que forma a maior parte deste livro deve ser útil uma panorâmica sobre certas áreas da minha própria vida.

Já que o conceito da reencarnação tem sido um princípio básico, de muitas das religiões mais importantes do mundo, creio que o meu passado religioso é relevante. Fui criada frequentando várias igrejas protestantes, desde a holandesa reformada ate à episcopaliana. A minha família sempre viveu no campo e frequentávamos a igreja que ficasse mais próxima das nossas quintas. Não me lembro de alguma vez me terem ensinado ou de me terem falado na possibilidade de viver mais de uma vida à superfície da Terra. De facto, na minha educação, era posta em destaque esta vida como sendo a única. Os meus pais são serenamente religiosos e acreditam na reencarnação, mas só recentemente me mencionaram essa sua crença. Em criança fui profundamente religiosa e tinha uma fé inquestionável em Deus, mas modifiquei radicalmente as minhas convicções durante o meu primeiro ano no Colégio de Mount Holyoke, onde, pela primeira vez, conheci o agnosticismo.

Coadunava-se com a minha inclinação científica e mantive-me agnóstica, até que comecei a contactar com vidas anteriores, através das regressões dos meus doentes. Desde essa altura que tenho vindo a modificar gradualmente a maior parte dos meus pontos de vista religiosos e filosóficos. Neste momento não sou cegamente crente nem descrente na reencarnação. Contudo, de dia para dia, à medida que vejo maior número de doentes e indivíduos que exploram as vidas anteriores, sinto-me cada vez mais convencida de que estas vidas não são meras fantasias.

A minha formação profissional e a minha educação no campo da psicologia foram convencionais, dando grande realce ao método científico. Nem uma única vez, durante os nove anos que estudei psicologia — tanto em faculdades (Mount Holyoke College e Goucher College) como em universidades (Universidade de Maryland e Universidade de Miami) —, se usou o conceito ou mesmo a palavra reencarnação. Tratávamos exclusivamente daquilo que podia ser observado.

Durante esses nove anos senti uma grande atracção pelos trabalhos de Freud, apesar de eles não serem muito apreciados pelos meus professores. Não conseguia perder a convicção profunda de que a maneira de ajudar as pessoas era trazer à luz motivações profundamente escondidas no labirinto dos seus espíritos.

Durante os últimos oito anos exerci clínica privada — primeiro em Miami e agora em Saratoga, Califórnia. Nestes anos cheguei inúmeras vezes à conclusão de que os problemas actuais das pessoas têm a sua origem em factores subconscientes — muitas vezes em acontecimentos que estão totalmente esquecidos. Ë frequente o factor causal estar profundamente enterrado na mente do doente; por vezes e um sentimento ou uma atitude de natureza contrária ao que a pessoa sente — ou julga sentir — ao nível consciente. A minha experiência pessoal com a psicanálise convencional, durante um período de falta de harmonia conjugal, provou-me em primeira mão que trazer material subconsciente para um nível consciente, onde pode ser tratado utilizando todos os recursos já desenvolvidos, é uma modalidade de tratamento extremamente útil. Mas o processo é lento e caro; assim, vime em busca de um atalho para chegar ao subconsciente. Através de leituras, comecei a ficar interessada na hipnose como uma possível resposta ao problema. Olhando para trás, para aqueles longos anos de formação e treino, parece-me ridículo que nem uma única vez a hipnose tivesse sido tomada a sério, como meio de trabalhar com as pessoas. Não consigo recordar uma palestra ou uma demonstração sobre o assunto. Recuando ainda mais na minha memória e revendo mentalmente os meus livros de estudo, é também espantoso que a única menção séria acerca da técnica fosse de alguns parágrafos, no máximo, onde se dizia resumidamente que Freud utilizara inicialmente a hipnose e que, mais tarde, a pusera de parte. Em nenhum lado, nos textos correntes das faculdades e escolas de graduação, se diz que, no fim da sua longa carreira, Freud declarou que a hipnose, devido à sua eficácia, era a chave para ajudar as pessoas.

Na história da hipnose como instrumento de cura psicológica diz-se que ela foi empregue, nas suas mais diversas formas, desde o início da história do homem. Os sacerdotes dos famosos templos do sono, dos antigos gregos e romanos, usaram técnicas hipnóticas; a hipnose é também referida em muitas

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passagens da Bíblia. Depois de milhares de anos de utilização nas maiores culturas do mundo, a British Medical Association, em 1955, e a American Medical Association, em 1958, sancionaram-na oficialmente e sugeriram que as escolas médicas incluíssem a hipnose nos seus temas.

O meu primeiro contacto com as técnicas hipnóticas ocorreu num seminário de fim-de-semana acerca da autohipnose, que se efectuou no Esalen Institute, em Big Sur, Califórnia. Quase por acaso, decidi num impulso ir até à costa, a Big Sur, com o meu irmão. A princípio era apenas o partilhar de uma experiência excitante, uma boa oportunidade de passarmos algum tempo juntos. Mal sabia eu que aquele simples seminário iria mudar o curso da minha vida. De regresso a casa, com as novas aptidões, perguntei a doentes que estavam comigo há algum tempo se concordavam em aprender a autohipnose, a qual, pensava eu, reduziria enormemente os seus níveis de ansiedade. Concordaram e deu resultado! O seu sucesso levou-me a querer saber mais sobre esta técnica fascinante. Entrei para a American Society of Clinical Hypnosis, para o International Congress of Hypnosis e para a San Francisco Academy of Hypnosis. Assisti a muitos e excelentes seminários para profissionais e, dentro de pouco tempo, já me sentia à vontade nas salas de trabalho para estudantes avançados. Simultaneamente encontrei-me a aplicar cada vez mais, no meu consultório, aquilo que aprendia nas salas de trabalho de hipnose, nos encontros científicos e nas minhas leituras sem fim. E colhia resultados. As técnicas hipnóticas apressavam muito o processo terapêutico. Repensando alguns dos meus casos complexos, vi que aquilo que no passado levara anos a curar era muitas vezes resolvido numa questão de meses ou semanas. Para mim, um avanço ainda mais espectacular que o decréscimo do número de sessões e tempo por caso foi a confiança de poder ajudar alguém e ajudar-se a si próprio, a confiança de que, usando a hipnose, os problemas seriam resolvidos e os sintomas desapareceriam.

Quando comecei a usar a hipnose, tal como muitos outros hipnoterapeutas, pedia aos meus doentes que fizessem uma análise dos anos passados, revelando acontecimentos ocorridos durante o seu crescimento e que eram a causa dos presentes sintomas — isso tinha como resultado a desaparição dos sintomas. Espantosamente, um problema — com a duração de quarenta anos, por exemplo — podia, por vezes, ser localizado nos primeiros anos de vida. Então comecei a retroceder para os primeiros meses e mesmo para a própria altura do nascimento, a qual, em muitos casos, era a chave do problema — pois deixava frequentemente a pessoa com um sentimento de culpa, de que não era desejada e, por vezes, produzia sintomas físicos durante toda a vida, tal como dores de cabeça regulares. Gradualmente fui retrocedendo mais, descobrindo problemas emocionais surgidos naqueles meses de suposto recolhimento no útero.

Agora estou convencida de que muitos problemas têm as suas raízes em épocas anteriores — em vidas passadas. Os meus doentes e eu descobrimos que as vidas anteriores podem ter um impacte profundo na vida actual, no que se relaciona com aptidões individuais, sintomas, relações, traços de carácter e, sem dúvida, de inúmeros outros modos. Há dois anos atrás estava completamente desinteressada da ideia da reencarnação. E uma tarde, quando usava a hipnose com um doente, teste­munhei uma coisa que afectou radicalmente tanto a minha vida profissional como as minhas crenças pessoais. Esse doente viera ter comigo por causa de traumatizantes inibições sexuais. Quando lhe pedi enquanto se encontrava sob hipnose, que fosse até à origem dos seus problemas, ele disse: «Há duas ou três vidas, fui um padre católico.» Percorremos a sua vida no século XVII, observando as suas atitudes sexuais como padre italiano, e encontrámos a fonte das suas dificuldades sexuais. Sabia que o doente acreditava na reencarnação. Portanto, senti que a vibrante descrição da sua vida passada, colorida por uma grande dose de emotividade, era uma fantasia. Contudo, na sua visita seguinte, ele disse-me que não estava apenas liberto dos seus problemas sexuais, como também se sentia melhor em geral. Comecei a dar atenção a este novo «instrumento» terapêutico.

Vários meses mais tarde tratei uma doente que trabalhava como chefe de relações públicas numa companhia de navegação que organizava cruzeiros. Estava desejosa por resolver dois problemas que a afligiam há anos. O primeiro era o forte e perigoso impulso que sentia para se atirar pela borda fora; o outro, paradoxalmente, era um medo irracional de se perder no mar. Sob hipnose viu-se como um garoto norueguês, Sven, no barco de seu pai, sendo intimado a saltar quando o barco se desfazia contra as rochas. Desobedeceu ao pai e morreu afogado. Durante a mesma sessão viu-se em duas outras vidas, uma como pescador e outra como marinheiro - ambos perdidos no mar, possivelmente afogados. Quando se libertou da hipnose exclamou que já compreendia tanto a sua fascinação pelo mar como a origem dos seus sintomas. De novo senti que ela «revivera» existências fantasiosas. Sabia que também ela acreditava na reencarnação. Ainda não estava convencida. Mas, seis semanas mais tarde, de regresso de uma viagem pelo Pacífico, declarou, exuberante, que já não sofria de nenhum dos seus problemas. Tinha-se sentido bem e liberta da ansiedade, durante toda a viagem.

Surgiu outra oportunidade para explorar esta área quando uma doente me pediu que a ajudasse a vencer a sua fobia a cobras. Depois de ter percorrido toda a sua vida, sob hipnose, sem ter encontrado nada que pudesse explicar os seus receios, tentei um palpite. Perguntei-lhe se tivera algum encontro com

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cobras antes de ter nascido. Ela viu-se como uma rapariguinha asteca de quinze anos, em frente de uma pirâmide, observando os sacerdotes que dançavam com cobras venenosas na boca. Tremeu de emoção e relatou os rituais bizarros com vibrantes pormenores. De regresso ao presente, mas ainda profundamente hipnotizada, ficou espantada com o que acabara de experimentar. Perguntou quem tinha sido. Estava bastante perturbada e declarou com veemência: «Não acredito em nada disso!» Aqui estava uma pessoa que decididamente rejeitava a reencarnação, mas que acabara de reviver uma vida ocorrida há quatrocentos anos.

Após aquela sessão comecei a utilizar regularmente a regressão a vidas passadas sempre que, sob hipnose, o subconsciente do doente indicava que a origem do problema poderia estar numa existência anterior. (Claro que, em muitos casos, os problemas são resultantes de acontecimentos da vida actual do doente.)

Na realidade, se as vidas anteriores «revividas» são fantasias ou, pelo contrário, experiências reais vividas em épocas passadas, isso, como terapeuta, não me interessa — o importante é obter resultados. Tenho verificado que a regressão à vida passada é bastante útil, resultando frequentemente numa imediata remissão de sintomas crónicos, que não reaparecem mesmo após meses ou anos.

Sintomas e problemas cujas raízes se encontram em vidas passadas distribuem-se num largo leque. Por exemplo, verifico agora que todos os doentes com excesso de peso crónico, de cinco ou mais quilos, tiveram uma vida durante a qual morreram de fome ou sofreram privações alimentares durante longos períodos. Encontrei «aborígenes», «índios americanos», «nativos» do coração da Africa e pessoas provenientes de muitos países, que se viram sem comida e muitas vezes sem água. Fome em vidas passadas continua a afectar as pessoas na vida actual, resultando numa tendência para comer de mais. Uma doente que tinha um problema renitente de retenção de líquidos — que desafiara o tratamento médico — viu-se há algumas vidas atrás a morrer de desidratação, de fome e com um ataque de varíola.

Desejo de determinados alimentos pode também ser relacionado com vidas passadas. Acerca de uma doente, que me foi enviada pelo seu médico, foi-me dito que sofria de uma grave hipertensão e tinha cerca de quarenta quilos de excesso de peso. Continuamente — contra sua vontade — devorava sacos de batatas fritas e outros aperitivos salgados. Este impulso destruía todas as suas fúteis tentativas para perder peso e para baixar a sua perigosa alta tensão. Durante uma regressão hipnótica retrocedeu até uma vida como rapazinho índio americano, desesperadamente esfomeado porque a sua tribo não dispunha de sal para curar o seu fornecimento de caça. A partir dessa regressão, nunca mais sentiu o menor impulso para comer coisas salgadas e está a perder peso de forma saudável.

Muitos dos meus doentes descobriram que as causas das suas fobias, medos e mesmo aversões, tinham as suas raízes em certos acontecimentos traumatizantes, ocorridos numa vida anterior. Descobriram que os seus receios irracionais de cobras, de fogo, de estar só, de voar, de multidões, de cataclismos naturais, como tremores de terra e tempestades, derivavam de uma determinada tragédia na vida passada.

O medo do escuro, principalmente, parece ser originário de algum acontecimento aterrorizador que ocorreu na escuridão, numa vida passada. Uma mulher descobriu que as origens da sua fobia de estar só durante a noite — e a sua convicção de que seria assassinada, caso isso acontecesse — provinham de uma experiência anterior idêntica! Outra doente ficou espantada por descobrir que o facto de ter evitado toda a vida viajar de comboio era causado por ter visto a sua irmã ser esmagada pelas rodas de um comboio, numa vida anterior. Uma jovem que não suportava olhar para nada que fosse vermelho-vivo (e consequentemente todos os Natais sentia uma crescente ansiedade), revivendo, viu a sua mãe, sangrando até à morte, depois de ter sido brutalmente apunhalada — numa vida anterior.

A insónia e outras desordens do sono também têm as suas origens, em muitos casos, em coisas terríveis acontecidas durante o sono, em vidas passadas. Por exemplo, doentes reviveram ataques sexuais ou assassínios durante o sono. Um adolescente que só conseguia dormir só e num silêncio total localizou o seu problema no facto de ter sido atacado com uma baioneta, por um soldado japonês, enquanto dormia na areia, numa ilha do Pacífico, durante a segunda guerra mundial.

Dores de cabeça, dores em geral, desordens ou fraquezas de certas zonas do corpo estão também frequentemente relacionadas com acontecimentos de vidas anteriores. Concluímos que dores de cabeça crónicas, incluindo enxaquecas, são o resultado de o doente ter sido guilhotinado, sovado, apedrejado, alve­jado, enforcado, escalpado ou, de um modo ou de outro, gravemente magoado na cabeça ou no pescoço. Várias pessoas com dores crónicas e incuráveis no abdómen, reviveram perfurações no ventre, feitas por espadas, baionetas ou navalhas. Até a origem de problemas menstruais pode ser localizada em traumas, normalmente sexuais, de uma vida anterior.

Os meus doentes espantam-se por descobrir que alguns pesadelos frequentes são, na realidade, visões de experiências vividas em existências anteriores. Mas nós descobrimos que acontecimentos agradáveis são também reexperimentados em sonhos.

Há muitas teorias no que se refere à reencarnação e à mecânica do renascimento. Uma delas, particularmente intrigante, e o conceito de reencarnação de grupo, que diz que as pessoas que viveram em

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determinado enquadramento temporal reencarnam juntas. Por exemplo, os grandes pensadores da idade do ouro da Grécia renasceriam ao mesmo tempo, numa nova era, sendo os seus talentos manifestados de modos diferentes, mas mantendo-se constantes os laços entre eles. Fiquei fascinada pela revelação, em regressões à vida passada, de que as pessoas a quem estamos ligados na nossa vida presente já estiveram connosco anteriormente — muitas vezes em papéis diferentes. Por exemplo, através de uma exploração a vidas anteriores, doentes acabaram por compreender e por vezes resolver problemas conjugais. Um doente com um casamento problemático descobriu que a sua mulher (pela qual não sentia qualquer desejo sexual) tinha sido sua mãe numa vida anterior. Dificuldades entre pais e filhos foram também melhoradas através da visão que a terapia da reencarnação permite. Muitas pessoas compreenderam melhor a sua compatibilidade com a sua mulher ou amada depois de examinarem os seus laços em vidas passadas. Atracções instantâneas, antipatias, sentimentos de familiaridade ou desconfiança, foram explicados por acontecimentos em vidas passadas.

No meu trabalho com a teoria da reencarnação descubro que não há um único aspecto de carácter ou de comportamento humano que não possa ser melhor compreendido através de um exame aos acontecimentos da vida passada. Os meus doentes e pessoas que se prestaram a experiências percorreram existências anteriores e descobriram fontes para os seus talentos, habilidades, interesses, fortalezas ou fraquezas, bem como para os seus sintomas específicos e problemas. A tapeçaria das nossas vidas é tecida com fios antigos e o desenho é complexo.

Deixe-me partilhar consigo a dinâmica de Já Vivemos antes: no Cap. i mostro o meu método para fazer retroceder uma pessoa para uma vida passada e descrevo as reacções dos doentes e dos outros indivíduos, na exploração das suas vidas anteriores.

Do Cap. II ao Cap. X há estudos de casos, que incluem descrições, palavra por palavra, das regressões hipnóticas às vidas passadas. Foram usadas transcrições, para evitar repetições. Nomes e dados identificativos dos doentes e dos outros indivíduos foram modificados, a fim de proteger as suas vidas privadas. Mesmo assim muni-me da autorização de cada pessoa para publicar a sua história.

O Cap. XI descreve a experiência da morte e também inclui numerosos excertos e transcrições que ilustram tanto a individualidade como a similaridade das várias experiências de morte.

No capítulo final discuto as questões por nós levantadas sobre o conceito de vidas anteriores. Também partilho brevemente as minhas ideias sobre os conceitos de reencarnação e carma.

Escrever este livro foi para mim um começo — o início da cristalização das minhas ideias e da compreensão dos dramas que se desenrolaram cada dia no meu consultório. Espero que a leitura seja também para si um começo. Para muitos vós será a confirmação de crenças fortes acerca de viver mais que uma vez e espero que vos estimule a porem questões a vós mesmos sobre as ricas e variadas vidas que vivemos. Para outros, que talvez sejam cépticos, espero que seja o início de um novo modo de olharmos para nós próprios, tanto no que respeita às vidas anteriores como ao facto de termos uma imaginação extremamente criativa.

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CAPÍTULO I - «FECHE OS OLHOS E ...»

Como será a experiência de uma regressão a uma vida passada? Convido-vos a seguirem os meus passos.

O meu consultório fica num edifício de escritórios de um só andar, partilhado por psicoterapeutas. Tem uma grande janela que dá para uma zona arborizada. Junto à janela há sicómoros e arbustos floridos; a dois passos corre um pequeno ribeiro. Grandes gaios com cristas negras, colibris verdes, um amoroso esquilo cinzento, uma corça e a sua cria, passeiam-se diariamente em frente da minha janela. Invariavelmente, o primeiro comentário feito pelo recém-chegado, ao entrar no meu consultório e ao olhar lá para fora, é: «Que bonito e calmo!» Todos parecem ficar deliciados com a vista e especialmente com as palhaçadas do esquilo e dos seus dois bebés. Por vezes esta cena pode ser bastante cativante — por isso sentar-me-ei voltada para si, de costas para o exterior?

Depois de se ter instalado na poltrona reclinável, pergunto-lhe o que gostaria de descobrir acerca de si mesmo, já que veio para uma regressão a uma vida passada e não como um doente para terapia. Os seus motivos podem ser bastante vagos. Normalmente a resposta é: «Oh! Gostaria de saber apenas quem fui eu.» Neste momento apresento o menu—vários tópicos, de entre os quais fará a selecção. Temas como a exploração de um relacionamento em vidas anteriores com um sócio ou membro da família, descoberta de uma vida na qual um talento ou uma habilidade estava mais altamente desenvolvida, a primeira encarnação na Terra, a última e/ou uma vida como indivíduo do sexo oposto. Se você tem algum passatempo ou interesse especial, tal como um fascínio por casas vitorianas, pelas invasões francesas, carros de corrida ou vela, então talvez queira investigar as suas origens.

Depois de nos decidirmos por pelo menos duas áreas de interesse procuro saber qual a sua posição sobre o que e ser hipnotizado. Muitas pessoas têm um medo profundo de ceder o seu controlo a alguém. Também as preocupa o facto de perderem a consciência e de não saberem o que está a acontecer. Como alguém disse, antes da sua primeira indução hipnótica: «Outro assume o comando e você fica completamente perdido.» A minha primeira tarefa é dispersar estes receios e ajudá-lo a ver a regressão como uma aventura excitante. Explico-lhe que você não perderá a consciência, como lhe acontece durante o sono. O seu consciente está sempre a par do que se passa, tanto dentro como fora de si. No início, e por vezes durante o transe, você consegue ouvir ruídos no átrio ou fora da sala, mas gradualmente concentrar­se-á cada vez mais no drama interior que se desenrola. A sua consciência pode duvidar, pôr questões ou rejubilar com as cenas que decorrem. Claro que, em certo grau, está sempre consciente da minha presença. Por vezes, depois de sair do transe, as pessoas contam que perguntaram a si mesmos a quem pertenceria aquela voz. Algumas têm consciência de que sou eu e dirigem-se a mim, mesmo durante a regressão. Outras respondem à voz, mas não lhe dão particular atenção. Está ali e é aceite. Uma doente, que tinha retrocedido para uma vida coma índia americana que estudava tratamentos medicinais com ervas, tornou-se muito evasiva e finalmente declarou com determinação: «Não quero falar mais consigo!» Ainda sob hipnose, mas de volta ao presente, explicou que, como índia, sentia que alguém lhe fazia perguntas. Como os tratamentos com ervas eram secretos, ficou verdadeiramente assustada comigo. Também não conseguia compreender quem lhe estava a fazer aquelas perguntas ameaçadoras. Quando tentei explicar perdemo-nos numa confusão interminável. Então recusou-se a dizer uma única palavra mais e cruzou ate os braços para acentuar a sua decisão. Faço-lhe notar que você tem sempre o controlo da situação — por vezes com a consciência, mas sempre com o subconsciente.

Começo a indução hipnótica pedindo-lhe que se recline na cadeira. Depois sugiro que feche os olhos e que concentre a atenção na sua respiração. Quando mostra sinais de que começa a descontrair-se peço­lhe que use a imaginação e que «sinta a descontracção escorrer a partir das pálpebras, para a testa, como um líquido quente e relaxante». Encaminho a sua atenção para esse alastramento, relaxando um por um os músculos da sua face e depois, progressivamente, os de todo o corpo. Isto demora cerca de dez minutos. Digo-lhe que se imagine deitado no meio da natureza, no seu local favorito, que use os vários sentidos — um de cada vez — apercebendo-se do que o cerca e da sua presença ali. Esta é, para si, uma forma fácil de se preparar para viver as cenas que surgirão durante a regressão.

Agora está num transe suficientemente profundo para uma regressão à vida passada, mas há ainda dois passos importantes. Estabeleço sinais de dedos, pedindo-lhe que pense muito na palavra «sim» e que repare que «um dedo se levanta sozinho — comandado apenas pelo subconsciente». A seguir vem o dedo do «não» e o do «não quero responder». Então pergunto ao subconsciente se deseja que você volte a uma vida passada. Se recebo um «sim» como resposta, avançamos imediatamente.

Por vezes há uma grande, quase inultrapassável, resistência do subconsciente ao retrocesso — e frequentemente por razões muito válidas. Por exemplo, depois de muitos meses de resistência a tudo o que

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ia além de um ligeiro transe, uma doente encontrou-se finalmente numa mesa de operações, num hospital psiquiátrico. Os cirurgiões faziam-lhe uma lobotomia pré-frontal. Perdeu sangue até à morte, quando eles se afastaram após terem desistido. Depois de aflorada a origem do seu medo de «passar para o outro lado» permitindo que alguém trabalhasse com o seu cérebro, ela retrocedeu a muitas vidas passadas com facilidade — e está a resolver os seus problemas e a eliminar os seus muitos sintomas.

Se o seu subconsciente indica que há alguma resistência à regressão, então eu discuto com ele. Apresento-lhe um modo de olhar para os factos que o distancie da experiência. Sugiro que a veja projectada, como «num écran de cinema». Caso necessário e se você não conseguir aguentar certos aspectos do que vier a surgir, sugiro uma amnésia pós-hipnótica. Depois de assente esta combinação, faço­o retroceder para um vida passada, contando muito lentamente até dez e sugerindo que ande para trás no tempo e espaço, através de um túnel do tempo — e «quando chegar a dez, você encontrar-se-á noutro tempo, noutro lugar e noutro corpo, mas será você». Sugiro que as imagens e impressões venham a ser muito claras e vivas. Nesta altura, normalmente, você começará a mover os seus olhos fechados, a sua expressão modificar-se-á: terá um ar espantado ou, de alguma forma especial, dar-me-á a conhecer que está a experimentar qualquer coisa. Começo a fazer-lhe perguntas e você estará apto a responder — em inglês. Por vezes será necessária uma certa insistência da minha parte, para que surjam as imagens e para que você se encontre «ali».

As pessoas experimentam as regressões de modos muito diferentes. Concluí que se experimentam uma regressão à vida passada de um modo vivo, com os cinco sentidos, normalmente experimentarão todas as vidas passadas de forma muito semelhante. Algumas dizem que se vêem a si mesmas, como se olhassem para um filme. Outras revivem completamente cada segundo. Algumas mantêm-se calmas e passivas, mesmo enquanto descrevem violações, escalpamentos ou mortes em fogueiras. Outras choram, berram ou gritam. Acho fascinante a observação da reacção de uma pessoa, em personagens e em vidas diferentes. A maior parte dos meus doentes e indivíduos que se prestam a experiências são «actores» consumados quando encarnam os seus diferentes papéis. Durante a regressão, muitas pessoas entram tão bem na personagem que não compreendem certas palavras que eu uso, tal como «ano», «costume» e «país». Nestes casos suspeito que o seu consciente não está a «actuar». Até agora, ainda ninguém me falou numa língua estrangeira. No entanto, ultimamente, por uma questão de segurança, antes de fazer a regressão às pessoas que se prestam à experiência, sugiro que me falem em inglês.

Algumas pessoas são muito concretas acerca de nomes, datas e locais, enquanto outras são confusas ou misturam vidas diferentes. Por exemplo, durante uma regressão perguntei a uma doente quem era ela, ao que me respondeu hesitante: «Tia» — depois, à medida que ia mergulhando mais na vida, corrigiu a sua resposta, mencionando outro nome. Noutra regressão, viu-se claramente como «Tia». Normalmente posso saber quando há confusão, tanto pela maneira como a resposta é dada como, evidentemente, pela correlação que tem com o que acontece no seguimento da regressão.

Depois de vistos os acontecimentos significativos da vida anterior, faço-o atravessar a experiência da morte e levo-o para o estado imediatamente seguinte a essa experiência. Como todas as outras experiências dolorosas ou traumatizantes, as pessoas sentem-nas de modos diferentes — aparentemente, de acordo com a sua capacidade para aguentar o stress. Pode ser necessária a minha ajuda, oferecendo­lhe sugestões calmantes durante a morte ou qualquer outro acontecimento desagradável.

Depois de termos percorrido a vida que desejávamos analisar, ou depois de termos lidado com o material responsável por um problema, e estando ainda profundamente relaxado, sugiro-lhe que volte para o presente, mencionando o seu nome. Faço uma contagem decrescente de dez ate zero. Uma vez de volta, discutimos o que acabamos de experimentar. Você pode acrescentar pormenores interessantes, como a correcção de «mentiras» que a «outra» pessoa disse, ou dar-me a conhecer pormenores ou sentimentos que na altura eram difíceis de descrever. Pergunto-lhe se alguma das pessoas com quem contactou é alguém que conheça nesta vida. Às vezes, você pode sentir-se indeciso. Se assim for, ofereço-lhe sugestões que o ajudem a ver mais claramente. Neste ponto peço ao seu subconsciente que lhe revele todas as implicações que a vida que acabou de explorar teve na vida presente. Frequentemente, interesses, receios e outras facetas da personalidade de cada um são devidas a causas insuspeitadas, que muito facilmente podem ser minimizadas. Mesmo antes de o libertar do transe digo-lhe que se irá sentir «muito bem, que se lembrará de tudo e que, dentro dos próximos dias, receberá mais e mais percepções acerca daquela vida». Conto lentamente até três e peço-lhe para abrir os olhos. Muitas vezes as pessoas abrem os olhos, franzem a testa com cepticismo e dizem: «Mas eu não fui a lado nenhum! Estive sempre aqui!» Então falamos sobre aquilo que experimentou e sobre o que isso significa para si.

Neste capítulo descrevi as minhas técnicas hipnóticas. Agora queria mostrar-vos, muito claramente, que há perigos.

Não e de mais vincar que considero que regressões à vida passada — e mesmo regressões a um período anterior da vida actual — devem ser feitas apenas por uma pessoa muito bem preparada, tanto em

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hipnose como em psicoterapia. Personalidades múltiplas, graves depressões, sentimentos de culpa arrei­gados, grande desconforto físico — tudo isto e outros efeitos menores foi sentido por algumas pessoas, após a experiência da regressão à vida passada. Estes sintomas devem ser tratados com o maior cuidado.

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CAPÍTULO II - «ALGUÉM COM UMA MOCA»

A primeira vez que vi Becky senti-me impressionada pela sua aparência delicada e infantil. Parecia mais uma menina de dezasseis anos que uma mulher de vinte. Leves sardas, bonito cabelo castanho-claro e uma pequena estatura acentuavam a impressão de uma feminilidade a desabrochar. Estava vestida com aprumo, com umas calças de ganga azuis e uma camisa indiana, muito colorida, bordada à mão. Numa voz baixa, dificilmente audível que tremia em sincronia com o seu corpo, tentou explicar porque procurava ajuda. O queixo tremeu-lhe quando olhou para mim com uns olhos suplicantes, incapaz de continuar. Sugeri-lhe que se instalasse confortavelmente, que se encostasse na cadeira, que colocasse os pés na otomana e que respirasse profundamente. Tínhamos muito tempo para tratar dos seus problemas. As primeiras coisas em primeiro lugar. Alguns momentos depois estava suficientemente recomposta para continuar.

Explicou, que sentia há muito tempo — desde os treze anos — «dores de cabeça terríveis». Quando surgia uma, ficava doente durante dias, normalmente vomitava e tinha de ir para a cama. Aspirina e medicamentos para enxaquecas faziam parte da sua bagagem normal. O médico da família falara-me nela porque suspeitava que as suas dores de cabeça eram devidas à tensão e pensava que ela precisava de aprender a relaxar-se. Becky concordou que normalmente se sentia tensa. Riu nervosamente quando enumerou as causas da sua tensão: achava a faculdade muito exigente, por causa dos tempos-limite, dos exames e exercícios; tinha problemas com o seu namorado; o seu trabalho enervava-a — e por aí adiante.

Baixou os olhos, fixando as mãos entrelaçadas durante alguns momentos; depois olhou-me e anunciou sem rodeios: «A minha mãe disse-me para lhe contar que não consigo atingir o clímace.» Becky declarou ter pensado, a principio, que aquilo era devido ao facto de não estar acostumada às relações sexuais e que ela e o seu namorado, John, gradualmente se iriam sentir mais à vontade um com o outro. Nessa altura ela corresponderia melhor. Mas, mês após mês, era sempre o mesmo. «Não há a menor excitação!» Tal como acontece a muitos casais, a sua falta de reacção aumentava a tensão. Inicialmente cada um «culpava» intimamente o outro. A medida que o tempo foi passando, o seu namorado acabou por admitir que se sentia extremamente inadequado como amante. Ela, claro, sentiu-se frustrada.

A cara de Becky iluminou-se quando lhe fiz perguntas acerca da sua vida familiar. A visão que tinha da sua família era estranhamente ideal. O pai era «perfeito». A mãe era terna e carinhosa. As irmãs eram muito amigas. Todos se davam bem. Tive a sensação de que ela escondia de si própria sentimentos bastante incómodos. Senti que a pesquisa desta área tinha de ficar para mais tarde.

Durante os últimos vinte minutos da nossa sessão ensinei a Becky a autohipnose, gravando lhe uma fita para ela usar em casa. Era uma pessoa difícil de hipnotizar, pois mantinha os olhos abertos enquanto podia. Depois, tendo finalmente relaxado as pálpebras o suficiente para as fechar, abriu-as de novo. Obviamente, uma parte dela lutava contra a rendição à irresistível necessidade de relaxamento, de se deixar levar. Por fim, a maior parte da tensão libertou-se da sua cara e corpo, enquanto ouvia as minhas sugestões para relaxar os vários grupos de músculos do corpo, um por um. Finalmente ficou suficientemente descontraída para que eu pudesse estabelecer sinais de dedos — comunicando directamente com o seu subconsciente. Alguns minutos depois o subconsciente indicava que as suas dores de cabeça eram devidas a um acontecimento do passado. «Esse acontecimento ocorreu nesta vida?» O seu dedo do «não» tremeu, enquanto se elevava lentamente. Perguntei ao subconsciente se estava disposto a prepará-la, a esse nível, para contactar com a vida responsável pelas suas dores de cabeça, a partir daquela altura e ate à nossa próxima sessão, duas semanas mais tarde. O seu dedo do «sim» elevou­se, depois de trinta segundos cheios de expectativa.

Liberta do transe, Becky olhou para mim divertida: «Que quer isso dizer?» Expliquei-lhe que descobrira que os sintomas de algumas pessoas tinham origem em vidas passadas. Ela respondeu que não tinha a certeza da existência da reencarnação. Perguntei-lhe se estava disposta a ver aquilo que o seu subconsciente nos revelasse, na sessão seguinte — mantendo apenas o espírito aberto. Assentiu, com um sorriso cheio de esperança e com um aceno. Depois saiu, concordando em praticar a autohipnose pelo menos duas vezes por dia.

Duas semanas mais tarde, quando me dirigi à sala de espera para a saudar, vi uma jovem diferente. Parecia mais feliz e menos tensa. Uma vez instalada no consultório sorriu alegremente, dizendo que gostara de utilizar a fita. Até o seu namorado gostara! Agora também ele se sentia mais relaxado. Mas começou a ficar tensa quando me perguntou se iríamos retroceder, naquela sessão, até à sua vida passada. Sugeri que deixássemos esse assunto ao arbítrio do seu subconsciente.

Logo que iniciei a indução pude avaliar os resultados produzidos pelas semanas de prática, pois em poucos minutos mergulhou num transe profundo. Uma confirmação dos seus sinais de dedos apontou de

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novo o nosso alvo, um acontecimento de uma vida anterior. Conduzi-a através do tempo e do espaço, sugerindo que se localizasse num acontecimento agradável ou neutro da vida passada que precisávamos de explorar.

A voz de Becky tornou-se ainda mais suave, à medida que descrevia o que via:

B. — Há flores silvestres de todas as espécies — erva alta ... um campo. Dr.ª F. — Que fazes no campo? B. — Estou com um amigo.Dr.ª F. — Fala-me do teu amigo. B. —É um rapaz ... acho que estamos apenas a conversar. Dr.ª F. — Como te sentes? B. — Bem. Dr.ª F. — Sentes-te bem com ele? B. — Sim. Estou descontraída. Dr.ª F. — Fala-me do campo. Que vês?B. — Há um terreno cultivado e uma clareira. Arvores.Dr.ª F. — Que tipo de flores vês? B. —De laranjeira e são pequeninas ... e como a Primavera ... laranjeira e lavanda. Dr.ª F. — Fala-me do teu amigo. Como é ele? B. — Humm ... cabelo escuro ... barba, bem parecido. Dr.ª F. — Que tem ele vestido? B. — Tem um aspecto medieval ... parecem umas meias ... uma camisa ... cara. Dr.ª F. — De que cor e a camisa? B. — Malva ... com branco por baixo. Dr.ª F. — De que cor são as meias? B. — Cinzentas. Dr.ª F. — E tu? Que trazes vestido?B. — Verde ... vestido verde grosso. Dr.ª F. — Como usas o cabelo? B. — Está puxado para trás, dos lados e em cima — e atrás cai pelas costas. Dr.ª F. — Tu e este jovem são, na verdade, bons amigos? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Estão apaixonados? B. — Penso que sim. Dr.ª F. — Muito bem. Agora vou contar de um até três e, quando chegar a três, tu serás capaz de

dizer o seu nome. Um ... dois ... três; diz o que te vier à cabeça. B. — Ian. Dr.ª F. — Bom. B. [Rindo.] Dr.ª F. — Porque te ris? B. — Parece tão estranho. Nunca conheci ninguém chamado Ian. Dr.ª F. — Qual e o teu nome? B. — Não sei. Dr.ª F. — Concentra-te na tua respiração; vou perguntar-te outra vez. Um ... dois ... três; que te vem à

cabeça? B. — Elaine. Dr.ª F. — Qual é o teu último nome, Elaine? B. — O'Donnell. Dr.ª F. — Descontrai-te cada vez mais. Elaine, que idade tens? B. — Quinze.Dr.ª F. — Quinze? E que idade tem Ian?B. — Dezasseis. Dr.ª F. — Já se conhecem há muito tempo? B. —Sim. Dr.ª F. — Em que país estão? B. — Inglaterra? ... Irlanda. Acho que é Inglaterra. Dr.ª F — Vou contar até três e, quando acabar, vai surgir-te a data. Um ... dois ... três. Que te vem à

cabeça? B. — Mil seiscentos e cinquenta e quatro. Dr.ª F. — Mil seiscentos e cinquenta e quatro. Agora vamos avançar no tempo cinco ou dez minutos e

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veremos o que acontece quando eu chegar a cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco ... Que te vem à cabeça?

B. — Nada mudou. Dr.ª F. — Ainda estão aí a conversar? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Estão de pé, sentados ou deitados? B. — Bom, estamos deitados de lado, a descansar. Dr.ª F. — Muito bem. Agora vou pedir-te que avances no tempo, mais ou menos uma hora. Um ...

dois ... três ... quatro ... cinco. B. — Bom, já não estou ali.Dr.ª F. — Que percepções tens? B. — Estou numa ... acho que é a minha casa ... penso que a cozinha. Dr.ª F. — Que fazes?B. — Acho que vamos jantar. Dr.ª F. —Fala-me da tua cozinha. Qual é o seu aspecto? B. — Bem ... tem uma grande mesa de madeira, com bancos de ambos os lados. Dr.ª F. — Diz-me mais coisas. A mesa está posta? B. — Estamos a pô-la. Os pratos e ... tudo e mais, são de metal. Não sei que tipo nem que qualidade, mas são limpos. Dr.* F. — Quantos lugares estão a pôr?B. —É difícil dizer ... acho que quatro ou cinco. Dr.ª F. — E para quem são?B. — Para os meus pais e irmãs. Dr.ª F. — Quantas irmãs tens? B. — Duas. Dr.ª F. — São mais novas ou mais velhas que tu? B. — Uma é mais velha e outra é mais nova. Dr.ª F. — Como se chamam? B. — Susan? ... Emily? Dr.ª F. — Dentro de alguns momentos vou pedir-te que avances para o meio da refeição, para que

possas ver o que estão a comer e dizer se gostas. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem à cabeça?

B. — Frango ... foi cozinhado inteiro ... tem pernas e recheio. Dr.ª F. — Além disso, que comem? B. — Uma espécie de papas de farinha de milho, uma coisa branca. Dr.ª F. — Gostas? B. —Sim. Dr.ª F.— Há mais alguma coisa? B. — Há uns legumes quaisquer. Dr.ª F. — De que cor são?B. — Verdes. Acho que são espargos. Dr.ª F. — Como é o ambiente? B. — É alegre. Dr.ª F. — Fala-me do teu pai e da tua mãe. Como são eles? B. — O meu pai é gordo ... e de cara vermelha ... cabelo castanho ... careca em cima. Dr.ª F. — Qual é o trabalho dele? B. — Trabalha na cidade. Acho que tem uma loja, ou coisa parecida. Dr.ª F. — Que faz a tua mãe durante o dia? B. — Está em casa. Dr.ª F. — Que fazes tu, durante o dia? B. — Trabalho. Dr.ª F. — Que tipo de trabalho fazes? B. — Parece-me que trabalho na loja do meu pai. Dr.ª F. — Muito bem. Agora gostaria que avançasses no tempo, até ao primeiro acontecimento

significativo. No teu subconsciente escolherás o acontecimento que precisamos de observar. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que presencias?

B. [Silêncio.] Dr.ª F. — Que sentes? B. — Confusão. Dr.ª F. —Bem. Vou pedir ao teu subconsciente que esclareça a confusão, quando contar até cinco, e

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tu saberás claramente onde estás, no próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem ao espírito?

B. — Alguém vai partir. Dr.ª F. — Quem é? B. — Acho que é ... Ian. Dr.ª F. — Onde estás tu, Elaine? B. — Estou a trabalhar. Dr.ª F. — Estás na loja? B. —Sim. Dr.ª F. —E Ian, também está na loja? B. — Não. Acho que partiu. [Com uma nota de tristeza.] Dr.ª F. — Para onde foi ele?B. — Vejo soldados. Dr.ª F. —Ele está com os soldados?B. — Acho ... sim ... foi com eles. Dr.ª F. — Ian e um soldado? B. —Agora é.Dr.ª F. — Que achas disso? B. — Estou preocupada, mas ficarei bem. [Lágrimas começam a formar-se.] Dr.ª F. —Que idade tens agora?B. — Dezasseis. Dr.ª F. — Agora vou pedir ao teu subconsciente que te leve ao próximo acontecimento significativo,

quando eu contar até cinco. Um... dois ... três ... quatro ... cinco. Que vês agora? B. —Hum ... Dr.ª F. — Como te sentes? B. — Desconfortável. [O queixo treme.]Dr.ª F. — Estás desconfortável? B. — Hum-humm. Dr.ª F. —Porquê? B. — Está a acontecer qualquer coisa assustadora.Dr.ª F. —E que é? B. — Não sei. Há muita gente a correr. Dr.ª F. — Onde estás?B. — Na rua.Dr.ª F. —E as pessoas estão a correr? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que vês, para além disso? B. — Cavalos. Dr.ª F. — Escuta e vê se consegues ouvir o que as pessoas estão a dizer. B. — Estão a dizer para deixarmos a rua livre. [A voz era frenética.] Dr.ª F. —E porquê? Que te parece que aconteceu? B. — Não sei.Dr.ª F. — Como te sentes, intimamente? B. — Aterrorizada ... confusa ... mas não compreendo porquê. Dr.ª F. — Estás ali sozinha? B. —Sim... bom. Sim, estou na loja ... mas não sei onde está a minha família. Dr.ª F. — Bom. Vou contar de um até cinco e gostaria que avançasses alguns minutos no tempo,

para ver o que acontece. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem ao pensamento? B. — Uma pessoa importante acabou de atravessar a cidade. [Voltando a cabeça, como para

observar o movimento.] Dr.ª F. — Quem era? B. — Alguém da família real. Dr.ª F. — Agora vou contar ate cinco e, quando acabar, saberás exactamente quem é. Um ... dois ...

três ... quatro ... cinco .... Que te vem à cabeça? B. — Príncipe. Dr.ª F. — Que príncipe? B. — Não sei.Dr.ª F. — Fala-me mais dele. B. — Ninguém gosta dele. Dr.ª F. — Bom. Agora vou pedir ao teu subconsciente que te leve até ao acontecimento seguinte, e

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talvez seja esse acontecimento que se relaciona com as tuas dores de cabeça. Conto ate cinco, fica calma e relaxada. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que sentes?

B. — Nada. Dr.ª F. —Que percepções tens? B. [Pausa longa] — As minhas mãos estão frias. Esta mão parece que está adormecida, mas não sei

se isso é verdade ou não. Dr.ª F. — Onde estás tu, Elaine? B. — Não sei.Dr.ª F. — Estás dentro de casa, ou estás ao ar livre? B. — Dentro.Dr.ª F. — Que idade tens agora? B. — Dezasseis ... a mesma idade. Dr.ª F. — Que está a acontecer? B. — Alguma coisa mudou.Dr.ª F. — Alguma coisa mudou? B. — Tudo mudou. Dr.? F. — Tudo mudou. Fala-me mais nisso. B. — Não vejo nada ... mas parece-me ... que estou sozinha em algum lugar. Dr.ª F. — Que fazes? Estás sentada, deitada, ou ...? B. — De pé. Dr.ª F. — Fala-me disso. Estás na loja do teu pai? B. — Não. Dr.ª F. — Onde estás tu, de pé? B. — É escuro, ou ... ou então eu não vejo nada. Dr.ª F. — Mas tens a sensação de que tudo mudou? B. —Sim. Dr.ª F. — Diz-me mais coisas. Que te rodeia?B. — Não, não estou ... não me sinto aterrorizada. Dr.ª F. — Há quanto tempo é que tiveste de sair da rua? B. — Há meses. Dr.ª F. —Há meses? Agora vou contar até cinco e tu voltarás para trás no tempo, para um pouco

antes desse acontecimento. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. O que quer que seja que te surja, diz. B. — Estou a ser levada. Dr.ª F. — Estás a ser levada? B. — Não posso ... não posso dizer se ... Sim, fui para algum lado. Dr.ª F. — Para onde foste?B. — Acho que não queria ir. Dr.ª F. — Quem te levou? B. — num cavalo. Dr.ª F. — Estavas num cavalo? B. — Não sei. Dr.ª F. — Fala-me nisso. Que consegues recordar, da altura em que foste levada? Onde estavas,

quando te levaram? B. — Estava na cidade ...na rua ... depois de o príncipe ter passado. Dr.ª F. —No mesmo dia? B. — Sim. Dr.ª F. —E que aconteceu? Que te vem à cabeça? Vou contar de um até três. Um ... dois ... três. B. — Alguém me colocou num cavalo. Dr.ª F. — Quem faria uma coisa dessas? Porque? B. — Um soldado. [Todo o seu corpo treme.] Dr.ª F. —Um soldado apareceu, e sem mais nem menos, levou-te? B. — Ele estava com os outros todos.Dr.ª F. — Como te sentiste, quando isso aconteceu?B. — Surpreendida ... mas não me parece que esteja preocupada. [Tornando-se mais calma.] Dr.ª F. — Que te disse ele, quando pegou em ti? B. — [Silencio.] Dr.ª F. — Vou contar de um a três e, quando chegar a três, saberás o que ele disse. Um ... dois ...

três. B. — Que eu ia com ... disse; «Tu vens com ... as outras mulheres.»Dr.ª F. — Tu vens com as outras mulheres? B. — Eles tinham outras mulheres.

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Dr.ª F. — Eles levaram outras mulheres, do mesmo modo? B. — Elas ... elas queriam ir. Vejo mulheres com capas, sabe, com pequenas trouxas, tudo

empacotado. Dr.ª F. — Que trazes vestido? B. — Vermelho. Vestido vermelho ... mais grosso, acho que é uma estação diferente, mais fria. Dr.ª F. — Bom. Agora, vou pedir-te que avances para o próximo acontecimento significativo, quando

contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco, que te vem à cabeça? B. — Um quarto escuro. Dr.ª F. — Estás num quarto escuro? Diz-me mais coisas. B. — Estou só ... há uma janela pequena ... pelo menos uma ... é tudo o que posso ver agora. Dr.ª F. — Que fazes no quarto escuro? B. — Estou de pé. Dr.ª F. — Estás em tua casa? B. — Estou a ver se consigo descobrir.Dr.ª F. — Vou contar de um a três e, quando chegar a três, já saberás. Um ... dois ... três. B. — Não, não é a minha casa. Dr.ª F. — Onde estás?B. — Num edifício de pedra, muito grande. Dr.ª F. — Há quanto tempo estás neste quarto? B. — Meses.Dr.ª F. — Estás presa? B. — Mais ou menos. Acho ... acho que sim, mas nunca tentei fugir. Dr.ª F. — Porquê? B. — Bom, é melhor que a minha casa. Dr.ª F. — De que modo é melhor que a tua casa? B. —Ë mais excitante. [Sorrindo ligeiramente.] Dr.ª F. — Conta-me o que se passa. Que te aconteceu depois de teres sido trazida para aqui, pelos

homens, pelo soldado a cavalo? B. — Deram-nos quartos. Dr.ª F. — Diz-me mais coisas acerca da maneira como foram tratadas. B. — Fomos bem tratadas, mas penso que estávamos aqui para divertimento dos soldados. Dr.ª F. — Que queres dizer com isso? B. — Bom, parece que eles podiam entrar para nos verem, sempre que queriam. Dr.ª F. — Que achas disso? B. — Fiquei sentida! Dr.ª F. — Agora conta-me o que acontecia quando eles vinham para te ver. B. — Bem ... eram como soldados ... fora de casa há muito tempo ... queriam mulheres. Dr.ª F. — Que achaste disso? B. — Era uma coisa que precisava de fazer. [Dito sem rodeios.] Dr.ª F. — Já tinhas estado com algum homem? Desse modo? B. — Não. Dr.ª F. — E como foi para ti a primeira vez? B. — Indiferente. Dr.ª F. — Não ficaste transtornada? B. — Ah ... fiquei transtornada .., mas não foi o «fim do mundo». Dr.ª F. — Agora vou pedir-te que avances no tempo. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Estiveste afastada muito tempo, Elaine? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Quanto tempo? B. — Seis ou sete anos. Dr.ª F. — Como foram para ti esses anos? B. — Hum ... Foram bons. Não foram, bom ... trataram-me bem ... mas foram ... não foram

verdadeiramente agradáveis. Tinham os seus lados bons e os seus lados maus. Dr.ª F. — Durante esses anos tiveste algum filho? B. — Não. Dr.ª F. — Durante esses anos tiveste algum amante especial, ou foste mais ou menos usada pela

maior parte dos homens? B. — Pela maior parte dos homens. Dr.ª F. — Como te sentes acerca disso? B. — Ressentida. [A sua boca apertou-se.] Dr.ª F. — Conseguiste ter algum prazer? B. — Algum. Dr.ª F. — Tornou-se mais fácil depois de te acostumares? B. — Sim. Dr.ª F. —E o príncipe? Estiveste com ele alguma vez? Alguma vez o chegaste a conhecer? B. —

Não. Dr.ª F. — Estiveste alguma vez na sua presença ou na sua companhia?

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B. — Não. Dr.ª F. — Estavas instalada com outras mulheres, ou tinhas um sítio só para ti? B. — Tínhamos os nossos próprios quartos. Dr.ª F. — Agora avança para o próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três ... quatro ...

cinco. Que vês? B. —Casa. Dr.ª F. — Conta-me o que vês. B. — Cozinha ... grande mesa de madeira, bancos.Dr.ª F. — Porque estás tu em casa? B. — Para encontrar a minha família. Dr.ª F. — Tiveste problemas em deixar o lugar onde estavas? B. — Não. Dr.ª F. —E encontraste a tua família? B. —Não, eles não estão ali. [Parecendo admirada.] Dr.ª F. — Há alguma nota, ou mensagem? B. — Não. Dr.ª F. — O local está em ordem, ou dá a impressão de ter acontecido alguma coisa de repente? B. — Bom, não está devastado, mas parece que aconteceu qualquer coisa, de repente. Dr.ª F. — Bom, que te vem à cabeça? Onde julgas que está a tua família? Que poderá ter

acontecido? B. — Devem ter sido obrigados a partir à pressa ... fugir de qualquer coisa. [Preocupada.] Dr.ª F. — Que poderia ter sido? Que está a acontecer no campo, nesta altura? B. — Bom, inquietação. Há muita incerteza. Eles podem ter sido obrigados a partir. Podem ter sido

soldados. Dr.ª F. — E agora que fazes? Passeias pela casa? B. — Sim, e decido ir até à loja, para ver se ainda lá está. Dr.ª F. — Qual é a distância da loja até à casa? B. —Um quarteirão, mais ou menos. Dr.ª F. — Diz-me o que estás a fazer. B. — Estou a descer a rua ... para chegar à loja. Dr.ª F. — Que tipo de mercadorias há lá? B. — Coisas diversas. Tecidos e farinha ... alguns objectos de metal e coisas assim. Um lote

pequeno. Dr.ª F. —Vês algum velho amigo, ou vizinho? B. — Não vejo ... ninguém. [Agarrando os braços da cadeira.] Dr.ª F. — Isso e estranho? B. —Sim. Dr.ª F. — Que te vem à cabeça? B. [Lentamente] — Que todos eles devem ter sido obrigados a partir. Dr.ª F. — Como te sentes ali sozinha? B. — Assustada. Não compreendo. [A sua voz treme.] Dr.ª F. — Conta-me, passo a passo, o que está a acontecer. Estás a passear agora?B. — Caminho e a porta está aberta, o que é estranho ... Olho à volta e chamo. Ninguém responde.

Então parece-me que saio pelas traseiras. Dr.ª F. — Como são as traseiras? B. —A um beco estreito. Está molhado e cheira mal. [Pondo a mão no nariz.] Dr.ª F. — Porque está molhado? B. — Esgotos ... não está ninguém lá fora. Dr.ª F. — Aqui também não está ninguém? B. —Mão consigo ver ninguém. Dr.ª F. —E agora, que estás a fazer? B. — Estou a pensar. Dr.ª F. —A pensar em quê?B. — Estou a tentar decidir o que vou fazer a seguir ... então fecho a porta e volto para dentro ... não

há dinheiro. Dr.ª F. — Verificaste isso? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Onde procuraste? B. — Na gaveta ... por trás da secretária ... não é ... o local não parece ter sido roubado, portanto,

creio que apenas partiram para outro sítio.

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Dr.ª F. —Mantém-te calma e descontraída; relaxa-te cada vez mais, após cada inspiração. Que fazes agora?

B. — Agora estou a sair da loja. Dr.ª F. —E as ruas ainda estão vazias?B. — Sim ... ouço cães, mas não muitos ... não consigo encontrar pessoas. [Agora nitidamente

preocupada.] Dr.ª F. —E como te sentes? B. — Assustada. Estou a começar a ficar muito assustada. Não sei onde se meteu toda a gente. Dr.ª F. — Mantém-te calma e relaxada. E agora, que estás a fazer? B. — Deixei de andar às voltas na tentativa de encontrar alguém. Dr.ª F. — Procuravas alguém em especial? B. — Qualquer pessoa. Dr.ª F. — Conhecias a maior parte dos comerciantes e das pessoas aqui da cidade? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — E agora, que acontece? B. [Baixando a voz] — Ouço passos. Dr.ª F. — Alguém a caminhar? B. — Mais que um. Parecem homens. [Respirando rapidamente —a sua face fica corada.] Dr.ª F. — Estão atrás de ti? B. — Hum-humm. [Tremendo violentamente.] Dr.ª F. — Como te sentes quando ouves esses passos? B. — Assustada, porque se ... se fossem pessoas conhecidas, não caminhariam tão depressa atrás

de mim, sem dizer nada ... sem me saudar ... então continuo a caminhar. Eles apanham-me. Dr.ª F. — Conta-me o que te está a suceder. Que vês? B. — Vejo três homens. As suas caras estão turvas. Dr.ª F. — Vou contar de um a três e as caras tornar-se-ão claras para ti. Relaxa-te, faz uma

inspiração profunda ... bem profunda, agora. Expira e deixa que a tensão se liberte. Um ... dois ... três. Que te vem à cabeça?

B. — Um é louro ... cabelo louro ... o outro, moreno, com um bigode ... outro moreno, mas sem bigode.

Dr.ª F. — Como são as suas expressões? B. — Bom ... têm um ar zangado. Dr.ª F. — Dizem-te alguma coisa? B. —Não. Dr.ª F. —Estão a tocar-te? B. — Sim. [Lágrimas correm-lhe pela cara abaixo.] Dr.ª F. — Que fazem eles? B. — Um está por trás, a agarrar-me os braços ... arrastaram-me para um vão, entre dois edifícios,

tiraram-me a bolsa ... a minha capa. Dr.ª. F. — Dizem-te alguma coisa? B. — Não, falam entre eles ... uns com os outros. [Grande tensão no seu corpo.] Dr.ª F. — Que dizem eles? B. — Oh, bem sabe: «Depressa, depressa, tragam-na para aqui.» Dizem-me: <(Está calada!» ... uns

para os outros e para mim. Um dos homens tapa-me a boca com a mão. Dr.ª F. — Como te sentes? B. — Hmm ... Estou assustada porque acho que eles podem magoar-me. Mas ... estive com muitos

homens, sem ser por minha vontade, portanto, na verdade, essa parte não ... é mais ou menos o mesmo. Mas desta vez estou assustada, porque eles podem magoar-me mesmo ... e eu não os conheço.

Dr.ª F. —E agora, que acontece? B. — Alguém tem uma moca qualquer ... metal ... Ohhh ... batem-me na cabeça porque estou a

resistir ... Eu caio, eles deixam-me cair. [O seu corpo desfalece.] Dr.ª F. — Doeu-te muito, quando te bateram na cabeça? B. — Sim. Acho que a partiram ... sangue ... bateram-me outra vez. [Soluçando violentamente.] Dr.ª F. — Onde te bateram desta vez? B. — Do outro lado da cabeça. Dr.ª F. — Agora estás no chão? B. [Gemendo] — ... Sim. Dr.ª F. — Eles estão de pé? B. — Sim ... não, estão a baixar-se ... de joelhos, sentados ... estão a decidir qual deles me vai violar

em primeiro lugar ... Estou apenas semiconsciente:

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Dr.ª F. — Que dizem eles? B. — Oh! Estão só a discutir: «Eu primeiro.» Dr.ª F. —Sentes-te semiconsciente? B. — Hum-humm. Não posso resistir. Eles ainda me seguram as mãos. [A sua voz tornava-se mais

fraca.] Dr.ª F. — Ainda estás a lutar? B. — Não. Dr.ª F. — Agora estás no chão e eles estão ajoelhados à tua volta?B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Fisicamente, que sentes? B. —A pedra fria debaixo de mim ... a pressão nos meus pulsos ... o frio. O meu vestido está todo

levantado. Dr.ª F. — Mantém-te muito calma e muito relaxada. Descreve o que acontece. Relaxando-te cada vez

mais. Agora, que se passa? B. — Bom, acho que o louro foi o primeiro ... magoa ... estou a sangrar. Dr.ª F. — Estás a sangrar pela vagina?B. — Sim. [Respirando com dificuldade.] Dr.ª F. — Como sabes? B. — Sinto ... é quente ... e senti ... a rasgar. Dr.ª F. — Ele faz-te mais alguma coisa? B. — Não. Apenas ... é rápido. Satisfaz-se mesmo depressa. Dr.ª F. — Depois que acontece? B. — Depois o .. . o outro indivíduo ... o tipo sem bigode ... a mesma coisa. Dr.ª F. — Sentes muitas dores quando isto acontece?B. — Sim, da segunda vez não são tão fortes ... quer dizer, não são mais fortes.Dr.ª F. — Dizes-lhes alguma coisa? B. — Não. Quase não posso ... eu ... quase não consigo contar o que se está a passar. Dr.ª F. — Que percepções tens? B. — Apenas sons distantes ... estão muito longe, mas posso sentir a pressão ... e sinto a dor ... mas

não consigo ver nada. Tudo é escuro. Dr.ª F. —E agora, que acontece? B. — É o terceiro homem ... e ele tem uma navalha ... e corta-me. [O seu corpo treine.] Dr.ª F. — Onde te corta? B. — A minha vagina ... e as minhas pernas. Dr.ª F. — Corta-te, antes de ter relações contigo? B. — Hum-humm ... dói muito e sinto-me escorregar ... e acho que me violou ... Não consigo lembrar­

me. [A sua voz começa a arrastar-se.] Dr.ª F. —E agora, que percepções tens? B. — Nenhuma. Dr.ª F. — Que sentes agora? B. — Frio. Dr.ª F. — Onde estás?B. [Lentamente] — Ligeiramente por cima ... Estou a observar. Dr.ª F. — Consegues aperceber-te de alguma sensação, sentimento ou emoção? B. — Não, acho que estou morta. Dr.ª F. — Então como podes observar o que se passa? B. — O meu espírito? Dr.ª F. — É isso que te parece?B. — Hum-humm. Parece que ainda sou eu. Dr.ª F. — Sentes alguma preocupação, algum problema, alguma dor? B. — Não. Dr.ª F. — Apercebeste de alguma sensação? B. — Alívio. Dr.ª F. —E que observas? B. — Bom, os três homens a fugirem. Dr.ª F. — Que vês, quando olhas para baixo, para ti mesma? B. — Uma confusão ... de sangue. [Perturbada.] Dr.ª F. — Mantém-te calma e relaxada. Preocupa-te o facto de veres aquele corpo e o sangue? B. — De certo modo sim, mas, por outro lado ... tudo se coordena.Dr.ª F. — Explica-me o que queres dizer.

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B. — Bom, preocupo-me porque significa que fui assassinada ... de um modo pouco simpático ... mas estou aliviada porque agora compreendo porque morri; compreende o que quero dizer?

Pedi a Elaine que avaliasse a sua vida no plano espiritual. Ela disse que sentia que a tinha desperdiçado — que, na realidade, consentira tacitamente em partir com o soldado, para se afastar da monotonia da sua vida, que nunca se chegou a desenvolver.

O seu subconsciente revelou que a pancada fora o acontecimento responsável pelas suas dores de cabeça nesta vida, desde a puberdade. Também revelou a violação múltipla como origem da sua disfunção sexual. Tal como ela disse: «Não consigo relaxar-me, não consigo ter prazer. Não quero que ninguém me toque desse modo ... porque, da última vez, eles mataram-me.» Quando lhe fiz perguntas acerca dos seus anos com os soldados, ela admitiu que não tinha experimentado clímace, que aquilo era mais «como um trabalho.»

Ainda profundamente hipnotizada, mas de volta ao presente, Becky identificou o segundo violador como o seu pai, nesta vida. Dei-lhe sugestões pós-hipnóticas para recordar apenas aquilo que emocionalmente podia suportar.

Mas, liberta do transe, ela lembrava-se de tudo. Abanou a cabeça em sinal de desconfiança, quando se recordou da sua descoberta acerca do pai. «Mas ele é tão perfeito. É um pai perfeito.» Depois de um silêncio meditativo acrescentou que não ficara ressentida com ele — agora, ele era uma pessoa diferente. Perguntava a si mesma se ele teria voltado como seu pai, desta vez, para se redimir do passado.

A sessão seguinte à regressão de Becky como Elaine foi também muito reveladora. Sob hipnose já não conseguia esconder um ódio arreigado a seu pai. Um ódio completamente reprimido — que despoletava dores de cabeça, transferindo a sua dor emocional para uma dor física. Tinha andado a pagar, todos estes anos, o preço da negação dos seus verdadeiros sentimentos. Tinha uma grande resistência, mesmo quando se encontrava em transe profundo, em reconhecer quem odiava e porquê. Esse ódio era devido ao facto de ter sido violada por ele, numa vida passada. 0 seu subconsciente revelou, também, que a sua incapacidade de atingir o orgasmo tinha como causas não apenas a violação, durante a sua vida como Elaine, come também a reminiscência, bem no fundo de si mesma, de ter sido o seu pai a violá-la; isto impedia-a de se descontrair. Depois de termos exposto estes sentimentos, ela acrescentou que faltava ainda qualquer coisa. Inquirido sob este aspecto, o seu subconsciente, lentamente, mostrou-nos uma cena em que uma menina era mutilada — completamente desmembrada até à morte. Ela observava a cena de cima, sob a forma de espírito. Reconstituindo o que acontecera, descobrimos que, noutra vida, ela fora feita prisioneira por ser católica. Da sua sela, troçou de um dos seus carcereiros, chamando-lhe homossexual, em frente de outros prisioneiros e guardas. Mais tarde, ele foi sub-repticiamente à sua cela, matou-a, arrancou-lhe os braços e as pernas, cortando-os aos bocados com toda a sua raiva, e violou o seu tronco. O espírito presenciou esta violência, troçando dele continuamente. Era esta «aquela coisa que faltava»!

Quando conversávamos, depois de liberta da hipnose, Becky acabou por compreender que toda a vida receara as fúrias do seu pai. Era hipersensível a elas e reagia com uma violência anormal. Ele nunca a maltratara, tanto física como verbalmente. Becky era muito apegada a ele, amava-o e queria ser totalmente franca. Decidimos pedir-lhe que viesse com ela, na consulta seguinte, para que Becky pudesse partilhar com ele tudo o que agora sabia acerca de si própria. A sua maior preocupação era poder magoá-lo.

Na manhã seguinte, sábado, consegui que eles viessem juntos. O pai de Becky é um homem afável, aberto, cujos olhos inteligentes imediatamente mostram toda a sua sensibilidade. Becky, muito cuidadosamente e sem rodeios, contou ao pai que numa vida anterior ele fora um dos homens que tinham violado Elaine. Explicou-lhe que, por causa disso, todos estes anos, ele a tinha aterrorizado — e que carregara com um ódio profundo e subconsciente em relação a ele. Os olhos do pai encheram-se de lágrimas enquanto ela descrevia a cena da violação e dizia que preferia não ter visto os homens, ou não saber quem eles eram. Ele sabia da existência da violação, desde que Becky contara à sua família os pormenores da regressão, mas ela nunca lhe dissera que havia mais de um homem — e especialmente que era um deles.

As lágrimas corriam-lhe pela cara, colocou-se junto à filha e abraçou-a; também ela chorava. Continuaram sentados, frente a frente, de mãos dadas. Pareciam não dar pela minha presença, enquanto falavam um com o outro. Disse-lhe que estava cheio de remorsos por a ter magoado, mas que nada podia fazer. Prometeu controlar mais as suas fúrias na frente dela, pois já reparara — na realidade sempre soubera — que ela ficava extremamente afectada com elas, muito mais que as suas irmãs.

Voltou-se para mim, limpando a cara com um lenço de papel e disse: «Becky e eu sempre tivemos uma comunicação especial. Ela falou-lhe nisso?» Quando abanei a cabeça, ele continuou, descrevendo a telepatia existente entre eles. Relatou-me vários episódios passados, em que um forte sentimento, dentro de si mesmo, o obrigara a ir para casa, onde acabava por descobrir que tinha acabado de acontecer qualquer coisa a Becky e que ela precisava dele. Agora já sorriam, mas ainda continuavam de mãos dadas. Quando partiram, todos nos sentimos profundamente comovidos.

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Durante as nossas sessões seguintes, bimensais, Becky anunciou-me, delirante, que estava livre das dores de cabeça. Acrescentou, levemente embaraçada: «Tenho sentido dores de cabeça esporádicas e pouco importantes, de vez em quando, mas sei que são causadas pela tensão.» Estava tão espantada que, como ela própria disse: «Tenho medo de contar há quantas semanas elas desapareceram — podem voltar!» Durante este período notou que era cada vez menos sensível à disposição dos outros e, de modo geral, sentia-se mais descontraída no seu trabalho e na faculdade.

Cada vez que ela e John tinham relações, a sua reacção era maior. Com um sorriso cheio de orgulho, disse: «Uma vez que John e eu fazíamos amor senti-me muito tonta e reparei que ele estava a ser quase violento para comigo — violento em termos de energia e de força dos seus impulsos. Lembrei-me da cena da violação e tentei acalmar-me. Consegui ficar mais calma, mas, naturalmente, não senti mais prazer.» Dera a conhecer a John os seus sentimentos e, desde então, ambos tinham apreciado a sua crescente capacidade de resposta.

Algumas semanas mais tarde telefonou-me e, numa voz chorosa, anunciou-me que o problema das enxaquecas não estava resolvido. Pediu-me uma consulta antecipada, pois nessa altura encontrávamo-nos apenas uma vez por mês.

Quando entrou no meu consultório, um grande sorriso amistoso iluminava-lhe a cara. Então, instalando-se na cadeira, disse: «Cá estou eu de novo! Mas o meu pai lembrou-se de uma coisa que nos pode ajudar.» Fez notar que, desde os treze anos, as suas dores de cabeça começavam sempre de manhã, na cama. E aí estava outro elemento de interesse —e importância— para o nosso trabalho de pesquisa. Se saía para tomar o pequeno-almoço, com John ou qualquer outra pessoa, invariavelmente tinha uma dor de cabeça que normalmente começava antes de terminada a refeição. Isto convenceu-a de que as suas dores de cabeça não eram devidas a problemas físicos mas psicológicos. Nas nossas regressões anteriores tínhamos esquecido qualquer coisa.

Empurrou a cadeira para uma posição reclinada, fechou os olhos e concentrou a atenção na sua respiração.

Em transe profundo, os sinais dos seus dedos confirmaram que a hora do dia era importante, porque durante a sua vida como Elaine tinham ocorrido acontecimentos significativos da parte da manhã. Além disso, a tomada de decisões, como factor causal, era de extrema importância. Localizámos a grande decisão como sendo o seu plano de deixar a família e partir com os soldados.

Fi-la retroceder no tempo para esse acontecimento. Baixou a voz, falando num tom confidencial:

B. — Bem, diz-se que os soldados vão passar e que trazem com eles algumas mulheres das cidades. Dr.ª F. — Que fazem eles? B. — Trazem consigo algumas mulheres e vão levá-las. Dr.ª F. — De onde trazem as mulheres?B. — Das cidades por onde passam. Dr.ª F. — Como sabes isso? B. — Alguém, na cidade, falou nisso. Dr.ª F. — Quem? B. [Baixando a voz, para um murmúrio.] — Aquele homem. Dr.ª F. — Que homem é aquele?B. — O homem que estava em frente da loja. Ele descobriu. Dr.ª F. — Que sentiste quando soubeste? B. —Bom, pensei que podia ser excitante, diferente ... pareceu-me que era o que tinha a fazer. Dr.ª F. — Onde estás tu a ouvir isso, Elaine? B. — Estou na rua a fazer compras. Estava a falar com ele. Dr.ª F. — Que diz ele? Conta-me o que ele te diz. B. — Pergunta-me se eu ouvi falar nos soldados. Depois disse-me que ... que há algumas raparigas

que vão com eles. Dr.ª F. — Disse-te mais alguma coisa sobre o que acontece às raparigas? B. — Bem, elas vivem no ... vão viver para o palácio. [A sua cara ilumina-se.] Dr.ª F. —E dão-lhes dinheiro para elas irem? B. — Ele diz que sim. Dr.ª F. —Disse-te quanto lhes pagavam?B. — Oh, realmente não me falou nisso, apenas disse que ... eram bem pagas. Dr.ª F. — Que pensaste, quando soubeste isso? B. — Achei bom. Parecia que ia ser fácil e ... é um modo de viver, como sabe. Dr.ª F. — Que pensas que estaria implícito na ida com os soldados? B. — Oh, eu ... acho que tive a noção de que ... sempre soube que era uma questão de sexo, mas

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não queria ... não queria pensar nisso. Dr.ª F. — Ouviste tudo isso quando fazias compras, na rua? B. — Sim, ele falou comigo.Dr.ª F. —Estava a reunir mulheres, ou estava apenas ... B. — Sim, acho que tinha interesses nisso. Dr.ª F. — Fizeste algum comentário, na altura? B. — Disse-lhe que queria ir. Dr.ª F. — Tomaste a decisão nesse momento? B. — Sim. Dr.ª F. — Em que altura do dia é tomada essa decisão?B. —É de manhã, muito cedo. Dr.ª. F. — Que horas calculas que são? As lojas já abriram? B. — Já. São oito e meia ou nove horas.Dr.ª F. — Como te sentes quando lhe dizes que vais, que irás? Sentes-te segura? B. [Em voz sumida.] — Não. Dr. F. — Comprometeste firme e definitivamente? B. — Digo-lhe que sim, mas não tenho a certeza de estar a proceder bem. [Franzindo o nariz.] Dr.ª F. —E quais são as tuas objecções? B. — Não falei acerca disso com ninguém e acho que ... que aquele pensamento lá no fundo, acerca do sexo, me está a preocupar um bocadinho, mas depois não lhe dou importância. Dr.ª F. — Já tiveste relações sexuais com alguém, Elaine? B. — Não. Dr.ª F. — Que idade tens agora? B. — Dezasseis. Dr.ª F.—Como te sentes, depois de o homem se afastar? B. — Um bocado trémula. Dr.ª F. — Ele diz-te onde deves estar, a determinada hora?B. —Ele ... diz-me apenas para ficar por perto da minha casa. Dr.ª F. — Disse-te em que dia vêm os soldados? B. — Disse que vinham dentro de dois dias. Dr.ª F. — Depois de falares com ele, que fazes? B. — Acabo de fazer as compras e vou para casa. Dr.ª F. — Como te sentes, à ida para casa? B. — Estou trémula, porque tenho um segredo e não me atrevo a contá-lo a ninguém. Dr.ª F. — Que supões que poderia acontecer, se o contasses a alguém? B. — Ficariam preocupados e ... não me deixariam ir e é tarde de mais, porque eu vou, quer gostem

quer não! Dr.ª F. — Porquê? B. — Porque eu já lhe disse que ia. Se eu não quisesse ir, eles levar-me-iam, de qualquer maneira. Dr.ª F. — Como sabes isso? B. — Ele disse-me. Dr.ª F. — Bastou dizer que ias, para que eles te levem? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Como te sentes, quando vês a tua mãe? B. — Não a quero olhar nos olhos. Eu ... estou nervosa. Dr.ª F. — Ela nota que há qualquer coisa errada contigo? Repara nisso? B. — Pensa que eu estou apenas esquisita. Dr.ª F. —E depois, que acontece? Avança para o próximo acontecimento significativo quando eu

contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. B. — Todos os soldados começaram a atravessar a cidade ... e eles vão ... reuni as minhas coisas e

espero até ao último momento e digo aos meus pais ... que vou partir. Dr.ª F. — Que dizem eles? B. — Bom, ficam muito preocupados. Não compreendem. Dr.ª F. — Que horas são?B. — Cedo. Dr.ª F. — Mais ou menos, que horas são? B. — Perto das nove ... entre as nove e as dez.Dr.ª F. — Tentam impedir que vás? B. — Sim ... tentam ... dizem-me para não ir.

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Dr.ª F. — Que sentes, quando te dizem isso? B. — Fico triste, mas já contava que dissessem isso.Dr.ª F. — Como te sentes, quando te preparas para partir quando te despedes? B. —É triste, mas ... mas decidi ir e portanto vou. Dr.ª F. — Quem estava lá, quando falaste com os teus pais? B. — Ninguém. Dr.ª F. — Só a tua mãe e o teu pai? B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Estava alguém a chorar? B. —A minha mãe. Dr.ª F. — Como reage o teu pai? B. — Está zangado. Dr.ª F. —E tu, como te sentes? B. — Hum ... estou a tentar ser forte, mas é difícil, com a minha mãe a chorar. [Lágrimas formam-se

nos seus olhos.] Dr.ª F. —E agora, que se passa? B. — Trazem-me um cavalo e eu monto.Dr.ª F. — Trazem o cavalo até tua casa? B. — Sim, bom, a casa é mesmo na rua principal e eles estão a atravessá-la.Dr.ª F. — Onde estás tu, nessa altura? B. — Estou a sair de casa, para ir ao encontro deles. Dr.ª F. — Como é que eles sabem que és tu? B. — O homem com quem falei, na rua, está com eles. Mostra-lhes onde estão todas. Dr.ª F. —E as outras pessoas da cidade, que fazem?B. — Olham pelas janelas e discutem o que se está a passar ... Dr.ª F. — Conta-me o que vês. Um cavalo é levado até tua casa?B. — Hum-humm. Dr.ª F. — Alguém o segura? B. — Sim, um dos soldados.Dr.ª F. — E como te sentes, quando te preparas para montar o cavalo? B. — Tenho de partir, antes de ficar nervosa e mudar de ideias ... e é demasiado tarde. Dr.ª F. — Que diz o soldado? B. — Nada. Dr.ª F. —Alguém te deu dinheiro? B. — Não. Dr.ª F. — Que pensas acerca disso? B. — Não pensei nisso, ainda. Dr.ª F. —E agora? Onde estás? B. — Estou a sair da cidade. Dr.ª F. — Avança agora até ao primeiro acontecimento significativo, quando eu contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem à cabeça? B. — Estou de novo em casa. Dr.ª F. — Conta-me o que se está a passar. Que fazes? B. — Olho para a minha casa. Dr.ª F. — Como conseguiste deixar os soldados no palácio? Isso foi difícil? B. — Não, depois de algum tempo ... estive lá muito tempo e, por isso, já não precisavam muito de

mim. Na realidade até ficaram contentes por se verem livres de mim ... porque tinham raparigas mais novas. Dr.ª F. —E portanto foste para casa dos teus pais. E como te sentias, quando ias a caminho? B. —Hum ... não sabiam se ficariam ou não contentes por me verem. Mas agora não está cá

absolutamente ninguém. Dr.ª F. — Como te sentes quando ... ficas surpreendida por não estar aí ninguém? B. —Sim. Dr.ª F. — Em que altura do dia se passa isso? B. — Cedo. Dr.ª F. — Que horas são, aproximadamente? B. — Suponho que são cerca de oito horas. Dr.ª F. — Qual é o aspecto da casa? Onde julgas que estão os teus pais? Onde está a tua família? B. — Bom, procurei na cozinha, mas não estão ali, então subo as escadas e não está lá ninguém. Dr.ª F. — Em que estado está a casa? B. — Não está tão limpa como de costume.

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Dr.ª F. — Ainda te sentes calma e relaxada, ou sentes-te ... B. — Não, não. Estou ... estou muito nervosa. Dr.ª F. — Porquê? B. — Porque tenho a certeza de que há alguma coisa errada. Dr.ª F. — Porque pensas isso? B. — Bom, é cedo e não anda ninguém na rua ... Não consigo encontrar ninguém. Dr.ª F. — Onde estás agora? B. — Em frente da minha casa, cá fora. Dr.ª F. — Bom, avança até ao próximo acontecimento significativo, quando eu contar até cinco;

gostaria que te conseguisses aperceber dos teus pensamentos. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. B. — Bom, estou na loja do meu pai e não consigo encontrar ninguém. E sei que procedi mal. Não

devia ter partido. Dr.ª F. — Achas que, de certo modo, a culpa é tua? B. —Sim. Dr.ª F. — Conta-me o que pensas. B. — Se não tivesse partido, pelo menos saberia onde estão e podia estar com eles. Podia ajudá-los,

se precisassem. Estaria com a minha família. Se eles foram mortos, também quero morrer. Dr.ª F. —Agora avança até ao próximo acontecimento significativo e põe-te em contacto com os teus

pensamentos. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que te vem à cabeça? B. — Caminho pela rua. Dr.ª F. — Em que pensas, enquanto caminhas pela rua? B. — Sempre na mesma coisa. Dr.ª F. —Em quê? B. — Nunca devia ter partido. Então ... os homens vêm atrás de mim ... empurram-me para o beco ... batem-me na cabeça. Dr.ª F. — Em que pensas, enquanto eles lutam contigo? B. — Bom, aquilo tinha de acontecer. Dr.ª F. — Porquê? B. — É a única hipótese. Não há nada a fazer. Dr.ª F. Achas que mereces isso? B. — Sim. Dr.ª F. — Porquê? B. — Porque cometi um erro estúpido, que pode ter custado a vida aos meus pais. Dr.ª F. —E agora, que se passa? B. — Começam a violar-me!

Rapidamente, trouxe Becky de volta ao presente, pois não havia necessidade de a fazer passar de novo pelo trauma da violação. Enquanto estava profundamente hipnotizada, fiz-lhe perguntas acerca das relações entre as suas enxaquecas e os acontecimentos que acabara de relatar. Ficou claramente de­monstrado que, para além das pancadas na cabeça — incidente que havíamos tratado originalmente — o sentimento de culpa estivera também sempre por trás das suas dores de cabeça. Ajudei-a a libertar-se desse sentimento de culpa, permitindo que o seu actual subconsciente analisasse aquele acontecimento à luz dos seus conhecimentos e valores presentes.

Quando Becky saiu do transe olhou-me bem de frente e perguntou: «Acha que foi isso?» Acenando, respondo: «Pelo menos faz sentido, Becky. Achaste que tinhas abandonado a tua família. Sentiste-te responsável pela sua morte. Agora compreendes que não tiveste culpa, mas não foi assim que pensaste naquela altura.» «Será o fim das enxaquecas — para sempre?», perguntou, bastante céptica. Respondi: «Temos de esperar. Só o tempo o dirá. Se ainda tivermos descurado qualquer coisa, podes ter a certeza de que o saberás!» Lembrei-lhe que o seu espírito revelava os seus segredos pouco a pouco. Já acontecera isso, apesar de ela ser facilmente hipnotizável e de ser uma doente altamente motivada.

Depois de ela ter saído pensei de novo em todo o nosso trabalho juntas. Senti-me profundamente impressionada pela sua coragem — uma coragem que ultrapassou obstáculos de resistência e medo. Agora era uma pessoa capaz de fazer enormes modificações em toda a sua vida.

A última vez que vi Becky tinham-se passado dois meses sobre a nossa última regressão. Apareceu radiante. «Boas notícias. As enxaquecas não voltaram! Nem uma só.»

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CAPÍTULO III - «SOU UM HOMEM E USO UMA PELE»

Mary Gottschalk, repórter do San Jose Mercury-News, escreveu no fim de 1976 dois artigos acerca da minha utilização das regressões à vida passada, com os meus doentes. Pouco tempo depois fui invadida por telefonemas de muitas pessoas que queriam explorar as suas vidas passadas. Algumas tinham problemas especiais e estavam convencidas de que eles eram provenientes do passado distante; mas a maior parte apenas queria saber quem tinha sido, numa vida anterior. Caren, a minha secretária, marca as regressões à vida passada, para aqueles que não são doentes, para os sábados. Estas consultas têm, para mim, um interesse especial, porque em duas horas encontro duas pessoas — o indivíduo tal como existe actualmente e um outro, muito diferente, normalmente do sexo oposto, que viveu numa época passada. Num sábado, em meados de Janeiro de 1977, encontrei duas pessoas que me impressionaram profundamente.

Jackie é uma mulher franzina, muito bonita, com perto de trinta anos. Os seus olhos pretos e brilhantes coadunam-se com o seu cabelo preto, curto e encaracolado. Fizera mentalmente uma lista de tudo o que planeava dizer-me. Tive a sensação de que ela queria aproveitar totalmente todos os minutos. Estava particularmente interessada em compreender as suas relações turbulentas com o marido, com quem tinha voltado a casar depois de muitas separações e uniões. Desconfiava da existência de experiências, em vidas passadas, que pudessem lançar luz sobre as suas vidas agitadas, cheias de altos e baixos. No caso de não encontrarmos laços com vidas passadas, ou de nos vermos perante uma resistência insuperável, perguntei-lhe se não haveria qualquer outro assunto de interesse. Ela disse que desde a adolescência tinha sonhos muito vivos, excitantes e reais, nos quais era um índio moicano — que matava muita gente. Ele/ela, tinha um corpo fantástico, pernas compridas e fortes e usava apenas um pano em volta da cinta. Por qualquer razão, as mortes tinham um fim em vista — emendar um erro. Mas, quando sonhava, uma parte de si mesma não suportava o facto de tirar vidas humanas. Acrescentou que se recordava de uma sensação de «já visto», ocorrida aos seus dez anos, período particularmente infeliz da sua infância. Lembrava-se de, sobre um promontório, ter olhado para Bay Area e de «saber» que já tinha estado ali, ou num lugar semelhante, fazendo exactamente a mesma. Encolheu os ombros e disse: «Foi uma sensação estranha.» Voltando ao tema da regressão, decidiu que queria explorar as origens dos seus «variados talen­tos». Jackie e guarda-livros. Nos tempos livres pinta e toca órgão. Dirigiu recentemente uma galeria de arte. Mas sente-se de certo modo «sufocada»; parece-lhe que, na realidade, não consegue encontrar um escape para a sua criatividade.

Comecei a indução hipnótica. Logo que fechou os olhos, as pálpebras começaram a vibrar. O ritmo respiratório e as pulsações no pescoço diminuíram imediatamente. Em poucos segundos verifiquei que era facilmente hipnotizável. Mas em breve nos deparamos com um muro de resistência. O seu subconsciente recusava-se teimosamente a tratar das relações com o marido. Durante uma desesperante meia hora apenas descreveu visões de cores, que apareciam e desapareciam, e só teve consciência das suas sensações físicas. Não viu imagens! Não teve pensamentos! Decidi apontar para outra área. Pedi ao seu subconsciente que a levasse até um acontecimento, de uma outra vida, que a ajudasse a compreender porque se sentia tão abafada e não conseguia exprimir a sua criatividade.

Quando contei até dez, a sua voz tornou-se mais baixa; lentamente, e com grande esforço, contou a sua história:

J. [Murmurando, aparentemente espantada.] — É impossível que eu esteja a ver isto! Dr.ª F. — Que está a ver? J. [Lentamente.] — Paredes de cavernas. É tosco ... não há utensílios ... é ainda tão atrasado. Dr.ª F. — Diga-me o que sente. J Estou só. Dr.ª F. — Que está a fazer? J. — Estou de pé. Dr.ª F. — Onde? J. — Num rochedo ... perto de uma caverna ... Ufa!, sou um homem e uso uma ... pele! Dr.ª F. — Como é a pele?J. — Pesada ... e grossa. Dr.ª F. — Fale-me de si. J. — Não estou direito ... estou curvado ... mas não curvado ... estou ... Ufa! Estarei à procura de

alguma coisa? Estou a olhar para qualquer coisa cá de cima. [Voz cheia de admiração.] Dr.ª F. — Está num sítio muito alto?

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J. — Por cima ... por cima do vale ... Sou teimoso ... e é deserto, não há montanhas nem árvores ... é seco. A caverna é minha ... Estou à procura de qualquer coisa que não vejo ... estou à espera.

Dr.ª F. — Veja se descobre o que sente e quem é ... se há outras pessoas a viver consigo. J. — Há gente algures, mas não aqui ... Tenho pinturas na minha caverna e estou a protegê-las. Dr.ª F.— Quem as fez? J. [Cheio de orgulho.] —São minhas. Dr.ª F. — Como as fez?J. — Rochas, pedaços de rochas ... é difícil e demorado e são minhas. Dr.ª F. — Como é que fez essas pinturas? J. — Com as minhas mãos. Dr.ª F. — Que mais utilizou? J. — Nenhum utensílio ... não havia nada. Dr.ª F. — Que usou como tinta? J. — Não tinha nada ... não tinha nada. Usei só uma pedra. Dr.ª F. — Usou a pedra para fazer os seus desenhos? J. — Arranhei a parede ... tentava dizer qualquer coisa e estou à procura de alguém e estou a

guardá-los, mas quero alguém ... para que veja o que eu tenho a dizer. Não falo. Não posso falar. Dr.ª F. — Os outros que o rodeiam conseguem falar? J. — Não sei. Aqui só estou eu. Dr.ª F. — Tem família? J. — Não me lembro. Dr.ª F. — Que diz nesses desenhos ... nessas pinturas? J. —É uma parede inteira. É a vida ... e animais. Tem de haver sempre animais. [Disse cheio de

certeza.] Dr.ª F. — Porquê? J. — Fazem parte de tudo.Dr.ª F. — Que tipo de animais há aí? J. — São rebanhos ... estão em movimento. Há muitos animais. Dr.ª F. —E agora, que sente? J. — Umas vezes estou consciente ... outras tenho visões. Dr.ª F. — Integre-se na visão ... e fale-me dos animais. Que tipo de animais pintou? J. — Hum ... animais em rebanhos. Grandes e pequenos ... e estão em movimento ... e mexem-se na

minha parede, tal como os vi. Dr.ª F. — Que mais desenhou na sua parede? J. — [Pausa.] — Tenho uma moca com uma pedra. Dr.ª F. — Usou alguma coisa para unir a moca e a pedra? J. — Couro. Está atado e cruzado. Fiz isso ... fui eu que fiz. Dr.ª F. — Com que fim utiliza isso? J. — Não quero pensar. [Abanando a cabeça.] Dr.ª F. — Para que o usa?J. — Protecção. Dr.ª F. — Protege alguém ou protege-se de alguma coisa? J. —Mão os vejo, mas estou à procura. Dr.ª F. — Está à procura de quê? J. — É um vale grande ... a caverna é muito alta. É uma confusão de rochas, rochas secas, rochas

redondas ... e estou de pé, procurando ... estou só aqui. Dr.ª F. — Onde estava, antes de vir para a caverna? J. — [Evasivamente.] — Fui banido. Dr.ª F. — De onde? J. — De tudo. [Com espanto.] Dr.ª F. — Como sucedeu isso? J. — Sou um estranho e sou diferente. Há em mim coisas que não estão certas.Dr.ª F. — De que modo é estranho ou diferente?J. — Sei coisas ... sei coisas. Dr.ª F. — Pode falar-me acerca disso?J. — Estou aqui. Sou tão estranho. [Risos.] Dr.ª F. — De que modo se considera estranho? J. — Estou a voltar para trás ... sou tão ... velho. Dr.ª F. — Descreva-se. J. — Sou peludo ... não por todo o corpo, mas o meu cabelo está eriçado e é feio ... e não é um

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cabelo escuro ... [Suspiros.] ... mas os meus olhos não pertencem ... sei mais que os outros. Dr.ª F. — Parece-se com os outros? J. — Não me consigo lembrar deles. Dr.ª F. — Já se passou muito tempo? J. — Deve ter passado, já que me sinto tão só. Dr.ª F. — Em que sentido é que os seus olhos não pertencem? J. — Os meus olhos não estão no ... hum ... os meus olhossabem mais que o homem que eu encarno ... mas estou dentro deste homem ... e é tudo. Dr.ª F. —E está a tentar comunicar aos outros ... J. — Mas eu não poderia comunicar ... Dr.ª F. — Porquê? J. — Eles não compreenderiam. Dr.ª F. — Falava a mesma língua que eles? J. — Só podia comunicar com as minhas mãos. Dr.ª F. — Porquê? J. — Porque não sei se eles falam ou não. Dr.ª F. — Como comunicava com as mãos? J. — Fazia ... fazia desenhos.Dr.ª F. —E os outros também faziam desenhos?J. — Não. Dr.ª F. — Como comunicavam eles? J. — Eles são diferentes. Sou diferente ... deles. Dr.ª F. —Fale-me mais acerca disso. J. —São diferentes. São ... não compreendem. Estão a lutar ... [Profundo suspiro desalentado.] ... não

vivem na caverna. Vivem no vale. Dr.ª F. — Quando diz que sabe coisas, que pretende dizer? Pode falar-me mais acerca disso? J. — Sei ... hum... devo ensiná-los... e não posso ensiná-los. Eles estão noutra estão noutro sítio e

eu não posso alcançá-los e eles não aprendem e eu uso os meus desenhos ... eles são crianças. Eu sou mais velho ... eles são crianças ... nesta vida ... eu sei mais ... e não os posso ensinar, porque eles não me aceitam.

Dr.ª F. — Quando fala em «crianças» quer dizer que são pessoas crescidas mas não são infantis, em termos de desenvolvimento?

J. —São crianças, sim. Dr.ª F. — Que lhes quer ensinar? J. — Tudo. Tudo ... tudo. Eles têm de saber. [Faz gestos amplos com as mãos.] Dr.ª F. — Fale-me de algumas dessas coisas. J. — Vida ... tem de saber da vida. Dr.ª F. — Que gostaria de lhes ensinar acerca da vida? J. — Educá-los ... tirá-los de onde estão. Estão a viver horrivelmente ... não estou melhor, mas eu sou

diferente ... deles. Tenho olhos azuis ... tenho olhos azuis, aqui está a diferença! Eles são todos escuros. E os meus olhos ... os meus olho são mais ... são brilhantes ... olhos brilhantes. Eles são escuros e pretos ... cabelo preto, oleosos e nus e eu não estou nu ... e de onde vim eu?

Dr.ª F. — Depois de eu contar até três saberá de onde veio. Um ... dois ... três. J. — Godos? ... Godos. Dr.ª F. — Como conseguiu vir do meio dos Godos? [Poderia ele ter estado entre aqueles godos que

se envolveram numa, revolução social, por volta do século IV e que emigraram para a África?] J. — Fiz ... uma longa viagem. Dr.ª F. — Como viajou? J. — Havia um barco, havia um barco ... um barco engraçado. Dr.ª F. — Porque era engraçado? J. — Havia uma praia e era quente ... mas só lá estava eu. Não estava ninguém comigo ... A minha

cabeça! [Gemidos.] Dr.ª F. — Continue. J. —Mão era tão feio como na caverna. Não estava tão gasto ... era mais forte ... lá era diferente. Mas

aqui é estranho, terra seca ... e quente ... não me lembro da viagem... mas devo ter feito uma viagem ... mas não me lembro da rota. Duas montanhas e um vale ... e o povo ... cabelo preto, preto e grosso. Rodearam­me excitados. São mais pequenos que eu. Sou alto e grande ... há um cão ... há um cão. Há crianças, bebés ... Estou cansado. [Com uma voz exausta.]

Dr.ª F. — Há quanto tempo está só? J — Sempre.

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Dr.ª F. — Que quer dizer? J. — Sou único. Dr.ª F. — Pode dizer-me mais coisas?J. — Não há ninguém ... de quem me consiga lembrar, além daquelas pessoas ... e de mim ... eu sei

que sou diferente. Dr.ª F. — Havia outros como você, há muito tempo, noutro lugar, noutra época? J. — Perderam-se. Eles não ... perderam-se. Eles não estavam no barco. Dr.ª F. — Está sozinho no barco? J. — Estou só ... estou só. Eles não estão comigo. Dr.ª F. — E que lhes aconteceu? J. — Agora, há uma batalha ... Como é que eu? ... Há uma batalha algures ... em algum lugar. Dr.ª F. — Vai tornar-se cada vez mais claro para si e lembrar-se-á. J. — Há espadas e machados e guardas a fazerem a ronda ... e há lutas, está toda a gente a lutar, a

lutar, lutar ... a matar. Dr.ª F. — Há aí muitas pessoas? Quantas, mais ou menos? J. — São todos homens ... estão todos a lutar ... poucos. Não são muitos mas são todos homens

meus. Dr.ª F. — Estão a lutar uns contra os outros, é isso? J. — Não. Contra outros como nós ... e eu não sei porquê. Dr.ª F. — Lembrar-se-á quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. J. — Aldeia ... e há ódio ... eu odeio. [Chocado.] Dr.ª F. — Porquê? J. — Sinto isso. Não compreendo. Dr.ª F. — Tornar-se-á claro para si, quando eu contar até três. Um ... dois ... três. J. —Não compreendo. [Pausa longa.] Dr.ª F. — Como lhe chamam? J. — Sou o Olhos-Brilhantes. [ A voz tornava-se entusiástica.] Dr.ª F. — Chamam-lhe Olhos Brilhantes? J. — Olhos Brilhantes. Dr.ª F. — Quem lhe chama assim? Quem lhe chama Olhos Brilhantes? J. — O meu povo, mas não o meu novo povo. Dr.ª F. — Como lhe chama o seu novo povo? J. — Eles não sabem falar. Não falam ... como eu. Dr.ª F. — Como falam eles? J. — Oh, é incompreensível. [Desdenhosamente.] ... Não compreendo e eles não me compreendem. Dr.ª F. — Disse que não falava. Aconteceu-lhe alguma coisa? J. — Penso que a minha garganta foi cortada. Cortaram-me qualquer coisa. Dr.ª F. — Tornar-se-á claro para si, quando eu contar até três. Um ... dois ... três. J. — Duas coisas ... a língua e as cordas vocais, as minhas cordas vocais. Dr.ª F. — Quem lhe fez isso? J. — Foi antes da viagem de barco. Dr.ª F. — Como? J. — Um castigo qualquer. Castigo ... Eu não queria lutar ... não lutava. [Com determinação.] Fui

aceite pelo meu povo, mas continuava a ser um estranho porque não lutava. Vi a luta ... tinha um cinto. Eu fiz o cinto! Era de couro e cruzava-se sobre os meus ombros e a pele ... mas perdi-o. Na caverna apenas tenho a pele.

Dr.ª F. — Que se passa agora? J — Mal sucedido. Dr.ª F. — Mal sucedido? Pode explicar-me o que quer dizer com isso? J. — Perdi o meu povo, ou fui mandado embora ... e eu ... encontrei um novo povo ... e estou só. Dr.ª F. — Porque foi mandado embora? J. — Lutar ... lutar ... não o faria. Dr.ª F. — Quem o mandou embora? J. — Todo o povo. Dr.ª F. — Foi o seu povo que o mandou embora? J. —Sim. Dr.ª F. — Agora gostaria que fosse até ao último dia da sua vida, quando eu contar até cinco. Tenha

em atenção ao que se passa. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. J. — Ahh ... eles voltaram. Esperei só ... para lhes fazer desenhos, para lhes mostrar coisas ... e eu

vivi na caverna ... e eles atiraram-me pedras. Eles não aceitam. Era um estranho para eles .., estou sob as

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pedras. Dr.ª F. — Morreu? J. — Sabia que isto me ia acontecer. Era na verdade ... Dr.ª F. — Veja o que se passa no momento seguinte à sua morte; como se sente e o que acontece. J. [Silêncio.] Dr.ª F. — Bem, gostaria que voltasse para trás, para alguns momentos antes da sua morte, e que

reparasse no que se está a passar. Estão a atirar-lhe pedras e calhaus? J. — Cercaram-me. Dr.ª F. — Gostaria que descrevesse o que se está a passar. J. — Eu tinha uma moca ... mas não podia usá-la. Dr.ª F. — Porque não podia usar a moca? Eles eram muitos? J. — Eram imensos ... [Grande suspiro cansado.] Mas eu não podia ... não podia bater-lhes. Dr.ª F. — Porquê? J. — Eles não sabem o que estão a fazer ... e eu saberia. Dr.ª F. — Que lhe estão a fazer? J. —Estão todos a atirar pedras ... à frente da minha caverna ... a mim. [Numa voz suave e aliviada.] Dr.ª F. — Onde está? J. — Na borda. Dr.ª F. —E onde estão eles? J. — Agora vão-se embora e eu estou debaixo das rochas. Dr.ª F. — Gostaria que fosse até ao momento da sua morte e que soubesse onde lhe acertaram. J Por todo o lado. Dr.ª F. — Acertaram-lhe na cabeça? J. — Por trás, por cima ... Dr.ª F. — Qual foi a sensação? J. — Não tive dor ... senti rigidez.Dr.ª F. —E depois, que aconteceu? J. — Houve mais e mais, mas não, não sinto. E não ... é apenas um corpo. Dr.ª F. — Onde está? J. — Numa ... numa pilha ... numa borda e eles continuam a atirar pedras, até que elas se amontoam

... por cima de mim. Dr.ª F. — Está no seu corpo, quando tudo isto sucede? J. — Sim. Dr.ª F. —E já não sente as pedras? J. — Não sinto dor. Dr.ª F. — Que percepções tem? J. — Que triste! [Pequena gargalhada.] Dr.ª F. — Que quer dizer?J. — Pobres pessoas ... eu falhei ... falhei. Dr. F. — Podia ter feito alguma coisa que o levasse a não ter falhado? J. — Eu estava limitado. Os meus utensílios eram limitados.

Depois de sair do transe, Jackie pestanejou e olhou para mim sem conseguir acreditar. Disse, lentamente, que ainda estava abalada por aquela invasão de piedade, tristeza e pelo sentimento de frustração e falhanço. «Era tão real», murmurou. Acrescentou, abanando a cabeça: «Tinha tantos desenhos no meu espírito — montes de coisas que via e não conseguia descrever.» Disse que a princípio teve de fazer um grande esforço — as recordações eram tão antigas! Mergulhou numa profunda meditação e finalmente disse: «Vou ter muito em que pensar, durante os próximos dias e semanas.»

Recordando o esforço que ela tinha feito para responder às minhas perguntas, perguntei-lhe se, nesta vida, sentira problemas na comunicação verbal. Lágrimas correram-lhe pela cara, acenou com a cabeça. Confessou que achava muito difícil exprimir-se verbalmente — e frequentemente não era «ouvida» por aqueles que lhe eram mais chegados.

Quando ia a sair parou à porta, franziu o nariz e disse que estava desapontada por não ter conseguido retroceder a uma vida com o seu marido. Depois de a porta se ter fechado perguntei a mim mesma se ela teria compreendido o valor da pedra preciosa que descobrira! Que homem sensível, evoluído e compreensivo fora o Olhos Brilhantes! Estou satisfeita por o ter conhecido.

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CAPÍTULO IV - «SEI O QUE ESTA ATRÁS DAQUELA PORTA!»

A pequena luz azul na parede indicou que a minha nova doente tinha chegado para a sua primeira consulta — com trinta e cinco minutos de atraso! «Que estupidez a minha! Julguei que a marcação era para as onze e não para as dez horas. Nunca chego atrasada — de facto chego sempre cedo às consultas.» Tinha a cara encarnada e falava muito alto. No meu espírito surgiu um pensamento — que resistência colossal! Isto não vai ser nada fácil!

Elizabeth era uma mulher com excesso de peso; tinha perto de trinta e cinco anos e uma expressão triste e tímida. Os seus grandes olhos castanhos e tristonhos estavam cercados por profundos círculos escuros. Vestia sem aprumo; tinha enfiado os seus dez quilos a mais dentro de umas calças de ganga azuis, dois números abaixo do seu. Uma T-shirt escura e triste e uns sapatos de ténis Adidas completavam a imagem desleixada. O cabelo escuro, muito curto e pintalgado de cinzento, e a falta de maquilhagem deram-me a impressão de que esta mulher não pensava muito em si própria.

Pensei se ela teria receio de se sentar de costas para a porta, pois recusara a minha sugestão de se sentar na cadeira reclinável, normalmente usada pelos doentes.

Apesar de termos passado pouco tempo juntas naquela primeira sessão, Elizabeth conseguiu comunicar-me a sua imperativa e desesperada necessidade de ajuda. Tal como disse: «Tem de dar resultado!» Especificou dizendo que o controlo do peso era a sua maior preocupação. «Toda a minha vida fui gorda. Já quando andava no terceiro ano parecia uma abóbora com uma bola em cima.» Desenhou a forma com as mãos. Ambas fomos obrigadas a rir. (Boa disposição — um bom sinal.) Com 112 kg a princípio, lutara com a sua gordura durante os últimos dois anos até conseguir perder 38 kg. Mas agora os quilos e os centímetros começavam a reaparecer lentamente.

Chris, o seu marido, preferia que ela fosse magra, o que complicava o problema. Descreveu uma alimentação bastante comum e impulsiva — acordar de manhã decidida e depois ser incapaz de resistir a comer duas fatias de pão com manteiga de amendoim e compota com um enorme copo de leite, como almoço, seguido do remorso de estar «fraca». Nesses raros momentos em que pensava que se deveria sentir bem consigo mesma tinha de fazer qualquer coisa para contrariar os seus sentimentos positivos: «É inútil! Não tenho fome, para que vou comer aquilo? Mas outra parte de mim mesma diz: ‘Cala-te e come!'» Assim, se perdia alguns quilos, era certo que fazia uma «comilança» ou cedia a um irresistível gelado, quente e frio. Fazer dieta tornava-se então para si numa forma de castigo e sentia-se melhor. Um ciclo vicioso e prejudicial! O mesmo padrão surgia em outras áreas da sua vida — gastar dinheiro, envolver-se em projectos, em acções.

Cobrindo a boca com as mãos, como para esconder as palavras — e os pensamentos —, aflorou com hesitação e mágoa os seus verdadeiros problemas. Aqueles com os quais tinha lutado toda a sua vida. Com um olhar desesperado contou que estava rodeada de receios das alturas, das cobras, de sardões, de aranhas, de «tudo!». Para além disto estivera imobilizada durante anos, por causa de profundas depressões. «Vivo à custa de antidepressivos. Sempre fui melancólica», murmurou. «Toda a minha vida tive um sentimento de culpa ... e não sei do que sou culpada. Por isso, procuro razões.» Apertou os punhos com força enquanto atirou cá para fora todas as coisas que costumava usar para se sacrificar. Até o facto de vir pedir ajuda era uma forma de autopunição. Ter de gastar tanto dinheiro consigo! Ao contar o seu passado delineou um esquema de depressões extremamente periódicas. Há vários anos atrás caíra numa depressão muito profunda que se arrastara por três anos. Durante esses anos deixava-se ficar sentada, horas sem fim — e o resto do tempo ocupava-o a ler, na cama. A mais pequena tarefa, era para ela um enorme empreendimento, que a deixava exausta. Agora sentia-se deslizar para o mesmo esquema e isso assustava-a. «É uma batalha constante», suspirou ela. Relatou que durante a depressão se lembrava de chorar muito. Nessa altura, o seu principal receio era suicidar-se durante o sono. O marido escondia periodicamente todas as facas e lâminas de barbear. Nunca fizera uma tentativa aberta para se autodestruir mas, de formas pouco subtis, tentara fazer com que a sua vida terminasse prematuramente. Uma úlcera sangrara durante meses. Quando recuperou, arranjou outra doença grave, um problema de tiróide, e depois outra e outra.

Durante anos consultara psiquiatras que lhe receitaram antidepressivos e tranquilizantes. Havia terapeutas que «não falavam. Foi uma experiência longa e horrorosa! Um parou mesmo com toda a minha medicação, até os antidepressivos. E mesmo assim não falava comigo — só dizia `Hmmmm'». Mais de uma vez os seus médicos lhe recomendaram internamento imediato. Ela recusou. Com um ar desesperado admitiu: «Não sei porque tinha tanto medo de ir para o hospital. Obriguei o meu marido a assinar uma declaração em que dizia que nunca — nem que eu estivesse muito mal — permitiria que me internassem.» Antes de vir ter comigo para tratamento, o marido pediu-lhe para fazer um exame no serviço de psiquiatria do hospital local. Apenas por um dia! «A nossa companhia de seguros pagar-nos-ia oitenta por cento. Eu não conseguia pensar sequer em ficar ali vinte e quatro horas.» Acabada a sua «confissão» calou-se e

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olhou para mim com um ar suplicante. Perguntei-lhe porque se decidira a vir ter comigo. Respondeu imediatamente: «Li um artigo no jornal

acerca do seu trabalho. Desconfio que estas ansiedades provêm de vidas passadas. Não há nada nesta vida que possa ter causado toda esta angústia.»

No nosso encontro seguinte, Elizabeth explicou o que eram «aquelas ansiedades». Começou por confessar que na semana anterior sentira uma grande «onda de culpa» por se ter atrasado para a consulta. «Não permito a mim mesma nenhum erro.» Além da culpa, qualquer erro, mesmo que muito pequeno, provocava-lhe ansiedade. Encolhendo os ombros continuou, dizendo que não aguentava ver nada que fosse violento ou destrutivo. «Terror, abuso ou mau uso das pessoas, assusta-me.» Ficava revoltada com a visão da mais pequena gota de sangue. Se um dos seus três filhos se feria e sangrava, mesmo por causa de um pequeno arranhão, ela «descontrolava-se»; sentia as mesmas dores que ele. Não conseguiu ver o nascimento dos seus filhos, mesmo após ter optado por partos normais. Por causa do sangue, insistiu com a enfermeira para que tapasse o espelho com uma toalha. Escolhia cuidadosamente filmes não violentos. Percorria as revistas e os anúncios, para se certificar de que os podia suportar. Falava com os amigos, antes de se aventurar a ir a um espectáculo. Mesmo assim, nem sempre as coisas lhe corriam bem. Teve de sair muitas vezes à pressa,

quase a vomitar. «Tenho de ler os livros de mistério aos poucos», explicou. «Vi uma operação na televisão e senti as dores do doente. Torno-me tão sentimental. Choro em espectáculos de mímica.»

Mas, de longe, a mais traumatizante de todas as suas ansiedades era o terror de chegar a casa e encontrar os seus filhos magoados. Agora que todos eram adolescentes e já tinham passado a idade de precisarem de uma baby-sitter ainda se sentia mais ansiosa. Cada saída era uma ocasião dolorosa. Ao voltar a casa, das raras saídas que se permitia, insistia em que o marido fosse ver as crianças. Ela conservava-se no carro, «verdadeiramente tensa e assustada». Só depois de ele lhe assegurar que estavam bem é que ela conseguia entrar também. Quando lhe perguntei, directamente, que imaginava que pudesse ter acontecido, ela mordeu a mão e torceu a cara. «Alguém entrará em casa — matará as crianças durante a noite. Sempre com uma faca. Sempre horrível!» A sua preocupação exagerada com os filhos estendia-se a todos os aspectos das suas vidas. Preocupava-se se estavam perto de um corrimão. Preocupava-se se um deles se atrasava mais de dez minutos a chegar a casa. Tinha medo que eles se tivessem magoado, perdido, que não se sentissem bem ou que não tivessem amigos — e por aí adiante. «Tenho medo que os miúdos puxem por facas. Não quero que eles lutem. Mas não lhes consigo meter isso na cabeça.» Torceu as mãos. «E a eterna culpa! Não consigo dizer-lhes `não' a nada!»

Antes de a sessão terminar, tentei ensinar a Elizabeth a autohipnose. Sugeri-lhe que fechasse os olhos e se concentrasse na sua respiração. Em vez disso sentou-se muito direita. Com os olhos bem abertos disse: «Estou mesmo preocupada com o que possa vir a descobrir. Talvez tenha razões para me sentir culpada — qualquer coisa que não possa ser modificada. E se matei alguém, numa vida anterior? Mas não. Não seria capaz. Não faz parte da minha personalidade intrínseca.» Então, com uma voz implorante, disse: «Talvez seja melhor deixar isto em paz.» Discuti com ela outros casos relevantes. Demonstrei-lhe que outras pessoas, através da compreensão — e com esforço mental e coragem — conseguiram vencer os seus sintomas e problemas. Finalmente deixou-se afundar lentamente, contra as costas da cadeira, fechou os olhos e disse com uma voz preocupada: «Está bem, estou pronta.» Comecei de novo, mas, um minuto depois, os seus olhos abriram-se. «Sinto-me assustada.» Disse que poderia descontrair-se melhor no chão.

«E porque não experimentamos?», disse eu. Então acomodou no chão o seu corpo atormentado. «Assim é melhor?», perguntei. «Acho que sim», disse ela. Dei-lhe sugestões calmantes, pedindo-lhe que fechasse os olhos enquanto eu conversava com ela. Os músculos da sua cara relaxaram-se. As mãos descontraíram-se. A sua respiração tornou-se mais profunda e regular. A pulsação, que pouco antes corria veloz e visível no seu pescoço, também se acalmou. Depois de ter relaxado progressivamente todo o corpo, acedeu prontamente às minhas sugestões. Sorriu. «Isso é bom!» Pedi-lhe que ouvisse duas vezes por dia a fita que gravara para ela. Depois marcámos a próxima consulta para a semana seguinte.

Quando voltou, começou a sessão anunciando que a fita não a tinha ajudado. Começava realmente a descontrair-se, até certo ponto — depois descontrolava-se. Não conseguia confiar em si própria. Receava o que viesse a descobrir. Isso podia atingi-la — qualquer coisa que ali estivesse há anos. «Não consigo ser feliz. Não consigo ficar descontraída. Tenho medo do que possa estar ali.» Não conseguia deixar a sua posição defensiva, porque queria evitar a descoberta. De novo tive a nítida sensação de que ajudá-la a enfrentar o seu subconsciente era o meu maior trabalho.

Para saber em que medida se escondia de si própria perguntei-lhe se sonhava. «Não tenho sonhos.» Contudo, havia um pesadelo periódico, que ela descrevia como «progressivo» porque se alterava ligeiramente em cada sonho. Quando era pequena desejava duas coisas: um marido e uma casa vitoriana. Depois de ter casado sonhava de vez em quando que:

Compramos uma bonita casa antiga. Arranjamo-la. Ela torna-se ainda mais bonita. Gradualmente, um

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pouco mais em cada sonho, vou vendo o interior. É encantadora, com muitas madeiras, mas nunca vejo o andar de cima.

Acrescentou que, quando verificou que nunca tinha visto o andar de cima, se afundara na sua primeira «terrível depressão». A sua voz tremeu ao descrever a primeira vez, há muitos anos, que tentara subir a escada.

Foi a noite mais terrível da minha vida — o esforço que foi necessário para subir aquelas escadas! A casa começou a deteriorar-se. Eu fazia um esforço enorme para subir as escadas. Havia verdadeiros horrores em cada

quarto. Encontrei nesses quartos monstros, cobras, aranhas, coisas terríveis, que não podia enfrentar. E estavam nojentos. Limpava um e ele sujava-se de novo. Mas, com muito esforço, finalmente ficava limpo. Então a casa tornava-se feliz.

Nesta altura, três anos mais tarde, a sua depressão desaparecia. (Isto corroborou a minha convicção de que a casa simbolizava o seu espírito.) Então ela lembrou-se de uma experiência muito assustadora que ocorrera mais ou menos nessa altura. Sentindo-se finalmente com forças suficientes para sair de casa, deu uma volta por umas casas antigas e visitou uma casa de quinta. Ia a entrar num quarto quando se viu momentaneamente paralisada pelo medo. «Sabia que se passasse aquela ombreira não chegaria viva a casa. Havia tragédia naquele quarto. Não consegui ficar mais tempo na casa ... Saí a tremer e corri até chegar a casa.» Tremia até ao recordar o incidente. Levei alguns minutos a acalmá-la.

Então, nessa altura, contou que na noite anterior à nossa consulta tivera o pesadelo. «Mas, desta vez, há mais um quarto lá em cima — um sótão. Nem sequer consigo imaginar o que estará ali!»

Vi Elizabeth uma vez por semana, durante vários meses. Neste intervalo de tempo continuou na mesma, começando a sessão na cadeira virada para a porta mas deitando-se no chão quando usávamos a hipnose. Apesar dos seus receios cumpria sempre as suas marcações — chegando normalmente com meia hora de avanço. Praticava com a gravação pelo menos uma vez por dia, apesar da grande resistência anterior. Conseguia descontrair-se cada vez mais com a sua autohipnose, à medida que foi aprendendo a confiar em mim — e, especialmente, nela mesma.

Nos nossos encontros, semana após semana, fui sabendo mais acerca dela. Tinha um relacionamento afectuoso e íntimo com o marido que tanto a apoiava. «Amamo-nos e gostamos um do outro. Há anos que temos um problema sexual, por causa da depressão. Não consigo ficar descontraída. E se acontecesse qualquer coisa aos miúdos, nessa altura! Estou constantemente à espera e à escuta. Mas aprendemos a viver com isto. Ajustamo-nos assim, mas é uma desilusão para ambos. Eu não me permito um momento de descontracção.» Falou de um problema que tinha resolvido há anos. «O meu único grande

receio era que ele se fosse embora. Costumava andar sempre preocupada por causa disso. Por fim, conseguiu meter-me na cabeça que nunca me deixaria — nunca, por nenhum motivo. Convenceu-me que eu não tinha razões para pensar assim. Agora não tenho muito medo. Mas ainda sinto um receio terrível quando ele está fora — talvez alguém entre. Estou sempre a verificar as fechaduras e as janelas. É terrível, à noite.» Apesar do seu problema sexual e da sua ansiedade quando ele está fora, pareciam ter um relacionamento realmente baseado no amor.

Os seus três filhos, Betsy, Mark e Judy, são «bons miúdos», apesar dos normais dramas daadolescência. A sua filha mais velha, Betsy, tem tido problemas esporádicos. «É bastante mandona em relação aos outros uma mãezinha. Eles não gostam.» Elizabeth preocupava-se por causa de Betsy. «Por vezes anda em baixo e sente bastante ansiedade. Espero que não venha a ter os mesmos problemas que eu.»

Continuou a queixar-se do seu peso, dizendo que já não conseguia enfiar as suas calças de ganga, que eram a sua «farda» diária. (Continuava a vir todas as semanas com a mesma vestimenta. Calças de ganga e T-shirt.) Pedi-lhe para ser paciente quanto ao seu peso. Precisávamos de tratar das causas subja­centes. Fiz-lhe notar que já estava demasiado tensa, mesmo sem tentar fazer uma dieta. Concordou rapidamente.

Por fim, uma semana, foi capaz de estabelecer sinais de dedos! Então interroguei o seu subconsciente. Mas vime perante um inesperado muro de resistência. A maior parte das minhas perguntas foram respondidas pelo seu dedo «não quero responder». Três sessões mais tarde, o seu subconsciente anunciou que os seus problemas eram originários de vidas anteriores. Dei-lhe sugestões pós-hipnóticas a fim de se preparar para, da próxima vez, lidar com os acontecimentos que provocavam o seu sofrimento psíquico.

Na semana seguinte, quando apareceu, caiu na cadeira e começou a chorar. Lágrimas corriam-lhe pela cara, disse que nessa semana não queria falar de si. «Aconteceu uma coisa. Foi Betsy.» Relatou incidentes, ocorridos nas duas últimas semanas, que indicavam que Betsy precisava imediatamente de auxílio psicológico. Pareceu-me que a rapariga estava profundamente deprimida. Recomendei-lhe uma excelente terapeuta. Tive a sensação, mas não o disse a Elizabeth, de que Betsy era, de certo modo, um

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eco da perturbação que a sua mãe sentia, como resultado do nosso trabalho. Tive também a sensação de que

isto era de certo modo oportuno, para desviar a atenção. Ainda tínhamos alguns minutos; então pedi a Elizabeth que me deixasse dar-lhe algumas sugestões hipnóticas, que a ajudariam no nosso próximo encontro. Consentiu e deitou-se no chão. Depois de induzido o transe, transmiti ao seu subconsciente fortes e repetidas sugestões para se preparar, a esse nível, «para estar a postos para ver os acontecimentos que são responsáveis pelo seus problemas».

Aparentemente, as minhas sugestões assustaram-na! Cancelou a marcação seguinte, na véspera da consulta, com a justificação de uma «terrível constipação».

Mas na semana seguinte veio, meia hora mais cedo, como sempre. Quando saí para a cumprimentar, pensei: «Seria ela capaz de retroceder a uma vida passada? Seria esse o problema?» Entrou com um ar um pouco tenso. Passámos alguns minutos a falar da sua filha. Parecia que já se sentia melhor e gostava da terapeuta. Finalmente Elizabeth ficou suficientemente aliviada para se conseguir relaxar. Pula em transe e ela tentou retroceder até à vida responsável pelos seus receios. Lentamente recebeu algumas impressões vagas. Depois sentiu uma profunda tristeza, que se agigantava dentro de si. Espontaneamente libertou-se por completo do transe. «Acho que não consigo. Há aqui qualquer coisa aterradora.» Pedi-lhe que se relaxasse e dei-lhe mais sugestões para se preparar, esperando que penetrassem no seu subconsciente.

Nas duas semanas seguintes queixou-se de que os antidepressivos não estavam a ajudar. Sentia «uma tristeza muitíssimo profunda». Acordava todas as manhãs consternada e angustiada. Não conseguia descontrair-se tanto como antigamente, com as gravações. Além disso estava a ficar «cada vez mais gorda». Começava a pôr em questão a validade da continuação das sessões. Expliquei-lhe que tudo isso era um sinal de que nos aproximávamos de coisas importantes.

Felizmente conseguiu por fim ver muito mais; pôde reunir fragmentos de uma infância extremamente infeliz e de uma vida conjugal precoce, como uma mulher do século XIX, na Europa. Como já era seu costume, deitava-se no chão para o trabalho hipnótico. Desta vez, porém, depois da indução, quando se encontrava profundamente relaxada, pediu para se sentar na cadeira reclinável (com as costas para a porta!). Levantou-se, dirigiu-se à cadeira, deixou-se cair pesadamente e alguns segundos depois retomava a vivência das semanas anteriores e continuava aquela vida no século XIX. Devido aos traumatismos estava tão incompleta que levámos uma hora e quinze minutos a percorrê-la. Durante a maior parte chorou e soluçou histericamente — incapacitada de continuar, por vezes. Nessa vida, como o único adulto responsável num orfanato, sem nada poder fazer, teve de assistir à dolorosa morte, pelo fogo, das trinta crianças à sua guarda — todos os seus queridos meninos e meninas. Nessa altura encontrava-se só. O seumarido estava fora da cidade, a tratar de negócios. Não sabia falar a língua do país onde estava — a Índia —, portanto não podia pedir ajuda. Depois da regressão ficou completamente exausta. Estava espantada. Aquilo não se enquadrava com exactidão no quadro dos seus sintomas. Lembrei-me do receio que ela sentia pelos seus próprios filhos. A regressão explicava a culpa com que carregara toda a vida e o medo que sentia quando o marido estava longe de si. Mas ainda guardava no meu espírito o quadro no qual ela, sentada no carro, esperava que o marido se fosse certificar que os seus filhos estavam vivos. Fiquei na incerteza até à semana seguinte.

«Fiquei exausta durante três dias. Mas, francamente, não me sinto melhor. De facto, de modo geral, até andei sempre em baixo e deprimida, toda a semana.» Sabia que tínhamos mais trabalho à nossa frente. E foi o que fizemos. Retrocedeu a uma vida como capitão do mar. Outra, como primeiro-oficial. Ainda outra como a mulher, pouco amada, de um capitão do mar. Todas eram vidas interessantes e cada uma tinha afectado de certo modo a sua vida actual. Mas, mesmo assim, não conseguira encontrar o alívio que procurava. Durante este período da sua terapia, a tensão era demasiada para ela e desistiu da universidade. (Tinha frequentado alguns cursos de antropologia.) «Tinha três problemas: eu, Betsy e as aulas. Um deles tinha de desaparecer.» Sentia-se revoltada consigo mesma. «Ainda para piorar tudo, como cada vez mais e aumento de peso. Acho que é inútil. Sinto-me muito pessimista.» De vez em quando não suportava ouvir a gravação.

Então, uma semana, catorze sessões após o nosso primeiro encontro, apareceu com um sorriso. Anunciou que se sentia bem. Tinha até parado com os antidepressivos. Conseguira ouvir a fita, três vezes por dia, na semana anterior. «Por vezes, quando a ouço, de repente fico tão relaxada que quase adormeço.» Até o marido lhe tinha dito que ela parecia muito mais descontraída e mais autoconfiante. (Então, no fundo, as regressões estavam a dar resultado.) Os seus olhos iluminaram-se quando me come­çou a contar um sonho que tivera na noite anterior. Com um ar apologético disse: «Não tem nada a ver com os meus problemas. Mas como nunca sonho, excepto quando tenho aquele pesadelo, pensei que gostasse de o ouvir.» Pedi-lhe que descrevesse o sonho, que aqui está transcrito, palavra por palavra:

Era acerca de uma casa. Não era aquela de que lhe falei. Começava com a casa da minha avô e depois transformava-se na nossa, aquela onde vivemos. Veio uma pessoa fazer uma visita. Estávamos a

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ver televisão a cores, o que é estranho, porque o nosso aparelho é a preto e branco. Havia uma parte da casa escondida. De facto era quase outra casa inteira. Passando através de um armário fui vê-la. Podia ser arranjada de modo a ficar maravilhosa. Havia belas antiguidades, recordações e coisas de bom gosto. Não era aterradora. Queria tanto mostrá-la ao nosso amigo! Gostei a sério desta parte. Mas nunca consegui arranjá-la. Imaginava com que aspecto ficaria se a arranjássemos. Precisa de pintura, tempo, dinheiro e força. Não o posso fazer sozinha. Podia ser a parte mais bonita de toda a casa. Então, a visita entrou e euqueria tanto mostrar-lhes — a visita era um casal e ao mesmo tempo, uma só pessoa. É estranho. Sempre que eu começava a falar nisso surgiam outras coisas. Queria que eles soubessem da sala. Apesar de ali vivermos já há algum tempo, eu nunca tinha mostrado esta sala a ninguém. Finalmente eles saíram e eu compreendi que não tinha conseguido mostrar-lhes aquilo. Fiquei tão desapontada!

Depois de contar o sonho, acrescentou: «Ficaria tão bonita se eu arranjasse alguém para me ajudar apô-la em ordem. É como aquele quarto aterrador no sótão ... mas não é a mesma coisa. Quem me dera acabar aquele sonho.»

Senti que aquele «alguém» era eu e que ela me pedia ajuda para resolver o enigma final. Seguindo esse pressentimento sugeri que terminasse o sonho, sob hipnose. Pedi-lhe que fechasse os olhos, se concentrasse na sua respiração e se relaxasse. Alguns segundos depois, não estando ainda num transe muito profundo, disse: «A palavra `assassínio' surgiu-me no espírito. Não tenho a certeza se foi consciente ou não.» Torcendo as mãos, acrescentou: «Vermelho, faca, caracóis, camisa de noite de menina, uma quinta.» E depois: «'festa' veio-me ao espírito». Estava a penetrar numa vida passada. Não lhe tinha dado quaisquer sugestões para andar para trás no tempo — não contei para que retrocedesse. Tinha ido sozinha. Isto era excepcional — e importante! Perguntei-lhe onde estava:

E. — Na minha cozinha ... é uma pequena casa de quinta. Dr.ª F. — Que se passa? E. — Acabei ... acabei agora mesmo de jantar e ah ... estamos a dar banho aos miúdos e ... Estamos

a demorar tanto tempo! [Impaciente.] Dr.ª F. — Parece-lhe que estão a demorar muito tempo? E. —Hum-humm. Ela está sempre à procura de coisas: «Lava o cabelo deles outra vez, lava-lhes as

orelhas outra vez, lava o ...» ... sempre ah! Ela está preocupada e nervosa e está sempre à procura de coisas para continuar. [Tornando-se ainda mais aborrecida.]

Dr.ª F. —Que acha disso? E. — Só quero acabar, de uma vez para sempre! Dr.ª F. — Quem está ali? E. — A minha cunhada, os três miúdos ... e o gato. Dr.ª F. — Que idade têm as crianças? E. — O mais velho dez ... e uma rapariga de seis e o bebé. E uma rapariga e o mais velho é um

rapaz. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? E. — Sarah? ... Sim, Sarah. Dr.ª F. — Que está a fazer agora?E. — Estou a arranjar-me para ir a algum sítio ... hmm ... e ah ... ela não quer ir.Dr.ª F. — Ela não quer ir?E. —É isso ... talvez seja por isso que o ambiente está tenso. Ah ... há zanga aqui e nós tivemos uma

discussão, ou coisa parecida, é isso ... estou muito zangada para pensar ... mas ... ela está a ser tola e está a ser parva ... e ah ... estou mesmo cheia dela. Passa a vida sentada a choramingar e a queixar-se de que nunca vai a lado nenhum. Ela nunca faz nada e ... e ah ... ela não quer que eu faça nada também.

Dr.ª F. —Não quer sair, é isso? E. —Hum-humm. Dr.ª F. — Onde está o marido dela?E. — Não trabalha em casa. Trabalha longe de casa. Dr.ª F. — Que faz ele? E. — Trabalha numa ... numa quinta vizinha, mas não é a quinta mais próxima. É longe e ah ... e nós

temos um terreno pequeno e, para ganhar dinheiro, ele emprega-se fora ... é o tempo da colheita e ele empregou-se.

Dr.ª F. — O casamento deles é feliz? E. — Nem sequer há um entendimento. Estão casados e é tudo. Dr.ª F. — Que se celebra hoje? E. —É apenas uma festa ... espere um minuto, não é só uma festa, que é? Dr.ª F. — Quando eu contar até três, você saberá. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? E. [Sorrindo.] — Oh! Amigos nossos casaram, voltam hoje da lua-de-mel e vão mudar-se para a sua

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nova casa e ... e nós fomos convidadas ... e eles disseram para levarmos as crianças, elas podiam dormir lá em cima ... e eles gostariam que fôssemos ambas.

Dr.ª F. — Haverá outras pessoas na festa? E. — Sim. É ... é uma cidade pequena e toda a gente se conhece e ... estarão lá outras crianças e

eles vão pôr colchões no chão, lá em cima, e todas as crianças dormirão ali. E ela não quer ir. [Sarcástica.] Mas continua a dizer que nunca vai a lado nenhum.

Dr.ª F. — Que acha ela a respeito da sua ida? E. —Bom, ela diz que não quer que eu vá, mas ela só, ah ... ela nunca quer que eu vá. [Muito

irritada.] Ela está sempre sozinha ... infeliz, deprimida. Diz que teve um dia difícil e que só não quer ficar sozinha.

Dr.ª F. —Na festa estará alguém que você queira ver? Alguém que você deseje ver? E. [Parecendo procurar mentalmente.] Dr.ª F. — Vou contar até três. Um ... dois ... três. E. — Não. Surge o nome David, mas isso, ah ... Não há ninguém em especial, não. Dr.ª F. — Avance alguns momentos no tempo e veja o que tem vestido e como se prepara para a

festa, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? E. — Oh, meu Deus. [Mordendo o lábio.] Dr.ª F. — Que foi? Alguma coisa errada?E. — [Silêncio.] Dr.ª F. — Quer dizer-me? E. [Abana a cabeça, dizendo que não.] Dr.ª F. — Porquê? Está a abanar a cabeça. Pode dizer-me. Sou médica. Estou habituada a ouvir

coisas. Fale à vontade acerca disso. E. — [Profundo suspiro.] Dr.ª F. — Vou contar de um até cinco e, quando chegar ao fim, você achará isso muitíssimo mais fácil

de me contar. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. E. — Ohhh ... tive um mau pressentimento ... Já passou. Foi só um mau pressentimento. Dr.ª F. — Onde está agora?E. — Estou a subir as escadas e vou para o meu quarto ... e eu ah ... eu só ... é só uma sensação

esquisita, é tudo ... é ... sabe como é, quando se têm sensações esquisitas ... acho que não devo ir ... acho que não devo ir.

Dr.ª F. — Quando fala em «sensação esquisita», que quer dizer? Pretende dizer que tem alguns pensamentos ou ... E. — [Interrompendo.] — Sim.

Dr.ª F. — Fale-me deles. E.—Oh... Dr.ª F. — Que lhe veio à cabeça? E. — Bom, quando subi as escadas para o meu quarto ... ia a abrir a porta ... tive esta horrível

sensação de medo e ... e ... eu não devia ir. [Abanando repetidamente a cabeça.] Eu ... eu não devia ir ... é isso ... e não consigo encontrar nenhum motivo para não ir.

Dr.ª F. — Tem essas sensações muitas vezes? E. — Não. Francamente não. Não. Hmmm ... Dr.ª F. — Não queria falar-me dessa sensação? E. — Bom, é estúpido. É ... é só uma sensação ... ela ... talvez seja por saber que ela não quer que

eu vá ... tem andado atrás de mim toda a semana para eu não ir ... e é um ... tem andado sempre atrás de mim e ... e eu não consigo encontrar um único motivo para não ir.

Dr.ª F. — Agora avance no tempo e, quando eu chegar a cinco, ver-se-á a vestir-se. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça?

E. — Todas as crianças estão no meu quarto e brincam em cima da cama ... estão a observar-me enquanto me visto e todas estão contentes ... eles gostariam de ir ... ah. [A sua voz suavizou-se.] Levá-las­ia. Eu devia levá-las. Ela está a ser pouco razoável. Estou ... estou a acabar de me vestir.

Dr.ª F. — Diga-me o que está a fazer. E. — Bom, estou ... estou a vestir o meu corpete e John, o mais velho, está a apertá-lo, ele diverte-se

muito com isso. [Sorri.] Ah ... vamos ver ... agora vou arranjar o meu cabelo e ... acabar de me vestir. Dr.ª F. — Que decide acerca das crianças? Vou contar até três. Um ... dois ... três. E. — Bom, acho ... acho que gostaria de os levar ... eu ... eu ... eu vou lá baixo falar com ela acerca

disso. [Com determinação.] Eles divertir-se-ão, estarão lá outras crianças, nós vivemos tão longe da cidade ... que eles não os vêem muitas vezes ... e eu gostaria de os levar.

Dr.ª F. — Bom, agora, quando eu contar até três, ver-se-á a falar com a sua cunhada. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?

E. — Ela está na cozinha ... anda muito atarefada porque está zangada. [Inspirando profundamente.]

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Ah ... não, ela não quer que os miúdos vão ... e ela não quer que eu vá e ... não quer que ninguém vá. Não sei porque está tão zangada. É tão negativa ... e não consegue dar-me um motivo. Só não quer que eles vão ... e está a fazer isto apenas por maldade. Acabaram de tomar banho e estão prontos para ir para a cama e isto e aquilo ... [Com aborrecimento.] E ah! ...não é justo!

Dr.ª F. — Gostaria que avançasse até ao momento de sair, quando eu contar até três. Um ... dois ... três. Que vê?

E. — Estou cá fora ... cá fora no átrio da frente ... ah ... ah, é isso, David vai aparecer para me vir buscar ... e ah ... ele vive na quinta mais próxima ... ainda estou a tentar convencê-la a ir ... [suspiro profundo] ... e não me consigo libertar desta sensação de que não devia ir ... é uma despedida normal.

Dr.ª F. — Como é que David a leva? Onde é que a leva? E. — Na carroça ... na carroça dele. Dr.ª F. — Está mais alguém com ele? E. — Não, só nós. Ele está ... ele vive na quinta mais próxima e ah ... há lá só ele e o pai e eles

trabalham na quinta ... e o pai dele já tem bastante idade ... sempre fomos vizinhos. Dr.ª F. — Agora avance até um acontecimento da festa, quando eu contar até três. Um ... dois ... três.

Que lhe vem à cabeça? E. — Estamos na sala e toda a gente está aqui. E toda a gente está a divertir-se tanto ... é só ...

apenas um divertimento. Dança-se e canta-se. Dr.ª F. —E você também se está a divertir? E. — Sim ... sim. Sim. Sou a professora e conheço toda a gente ... e todos os miúdos ... todos os

miúdos se estão a divertir tanto e eu acho que lhes vou dar um trabalho sobre a festa, para fazerem. Dr.ª F. — Bom. Agora gostaria que avançasse para o próximo acontecimento significativo, quando eu

contar até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? E. — Ainda estou na festa ... eu ... já está a ficar muito tarde e estamos a preparar-nos para sair,

agora. Deve ser meia-noite ou uma da manhã e ... estamos a chegar a casa. [Suspiro profundo.] Estou um bocado preocupada por voltar a casa.

Dr.ª F. — Porquê? E. — A sensação nunca desapareceu. Não devia ter vindo. Ela estava tão infeliz. Dr.ª F. — Bom, vamos ver se acontece alguma coisa durante a viagem ... qualquer coisa que seja

importante que você saiba, quando eu contar até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? E. —Hmm ... David pediu-me que casasse com ele. Porque será que ele não é importante?

[Murmurando.] Dr.ª F. — Que disse? E. — Ele não é importante. Eu não o amo. Ele ... é um amigo e ... eu não quero casar com ele. Não

quero casar com ninguém. E, por causa disto, tivemos uma discussão. Também não me parece que ele me ame. Quer apenas uma companhia. O pai é velho e ... só quer uma companhia.

Dr.ª F. — Que lhe diz? E. — Digo-lhe isso mesmo. Não ... acho que não devemos casar só por casar ... e ele compreende.

Ele ... ele ... ele sentia-se apenas só ... e eu disse-lhe: «Seremos só amigos» ... é tudo. Foi um pensamento surpreendente. Ele deve sentir-se muito sozinho.

Dr.ª F. — Agora avance até ao próximo acontecimento significativo, quando eu chegar a cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.

E. — Bom ... está bem. [Respirando rapidamente.] David foi para casa ... ouço pessoas a correr nos bosques ... está escuro ... não há lua ... e eu subo o caminho para casa ... a porta da frente está aberta ... está escuro lá dentro ... há uma boneca no chão. A boneca tem o cabelo encaracolado ... há um ... estou de pé no ... numa espécie de sala de estar. Hum ... Não sei o que se passa a seguir. [Com voz assustada.] Há as escadas. Não há velas. Não há luz. Devia haver uma vela junto ... na mesa junto à porta da frente e não há vela ... está escuro, escuro ... e eu vou lá cima ... [Suspiro profundo.] e eu vou lá cima ... [Tremendo violentamente.]

Dr.ª F. — Quando sobe as escadas, para onde vai? E. — É a porta daquele sótão! Dr.ª F. — Continue. E. [Pausa longa.] — Só que não é o sótão, é o meu quarto. [Profundo suspiro, tremuras.] Bom.

[Corajosamente.] Eu vou ... vou 16, cima ... estou a subir as escadas ... e elas estão molhadas. [Murmurando.] É ... é sangue. [Tremendo de novo.]

Dr.ª F. — Que pensa desse sangue? E. [Cobrindo os olhos.] — Não penso nada ... eu ... Dr.ª F. — Que sente?E. — Enjoo. Dr.ª F. — Bem ... continue.

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E. — Bom. Eu ... subo as escadas e ... a porta está fechada ... a porta está fechada. [Murmúrio.] Não consigo abrir aquela porta. [Chorando.] Não consigo abrir aquela porta. [Trémula

suspirando.] Tenho de abrir aquela porta ... talvez dentro de um minuto. [Longa pausa.] Estou parada em frente à porta ... Estou tão assustada ... não se ouve barulho nenhum! Sei que abri a porta. Porque não a consigo abrir agora? [Agarrando-se aos braços da cadeira.]

Dr.ª F. — Vai ser capaz. Deu a si mesma um minuto e esse minuto ainda não passou. Inspire profundamente, uma inspiração mesmo muito profunda.

E. [Som de inspirações profundas.] —Está bem ... bom ... [Cobrindo de novo os olhos.] Não posso! Dr.ª F. — Pode sim. Já o fez. Pode fazê-lo de novo. E. — Sei o que está atrás daquela porta!Dr.ª F. — Abra-a. Que julga que está atrás daquela porta? E. [Choramingando.] — Toda a gente ... naquela casa ... está esquartejada ... e não consigo olhar

outra vez para essa cena. [Contorcendo todo o corpo.] Dr.ª F. — Consegue sim. Tem de o fazer. E. [Som de soluços patéticos.] Dr.ª F. [Pego-lhe na mão e acaricio-a.] — Você não está só. Estou aqui consigo. Abra a porta e diga­

me o que vê. Fique calma e relaxada, calma e relaxada. Está bem. Diga-me o que vê. Você consegue isso ... esta é a sua grande oportunidade.

E. [Tornando-se corajosa e voltando-se de novo para a frente.] — Está bem ... só não vou olhar para baixo.

Dr.ª F. — Proceda do modo que lhe for mais fácil. Que faz? E. — Abri-a ... corri para a porta. [Suspirando profundamente e tremendo.] E a porta bateu em

qualquer coisa ... eu abro a porta e ... a mãe ... a porta bateu na cabeça da mãe ... e ela ... ela ... ela rolou ... [Quase incapaz de falar] ... e havia ... a mãe ... e ... e [soluçando] ...

e as crianças ... estavam cortadas ... as suas cabeças tinham sido cortadas ... havia sangue por todo o lado ... estava a olhar para mim ... eles estavam a olhar para mim ... e eu desmaiei ... fiquei enjoada e não podia mexer-me, não conseguia encontrar a saída ... e aquela ... aquela cabeça continuava a olhar para mim sempre ... e o quarto cheirava a sangue por todo o lado ... ele abateu-os cruelmente! E cortou-os. Cortou tudo! E arrancou-lhes as entranhas e cortou ... ele mutilou-os. [Arfando.] Não ... não havia nada nesse quarto que não tivesse ficado destruído ... tudo estava destruído, nesse quarto. Quem fez aquilo? Quem poderia fazer uma coisa daquelas? [Com ar horrorizado, histérica, cobrindo a cara.] Não.

Dr.ª F. — Que lhe veio à ideia? E. — O marido dela ... meu irmão ...ele não podia fazer aquilo ... não podia fazer aquilo ... [Soluçando

inconsolável] não podia fazer aquilo ... Não consigo aceitar isso ... mas não! [Abanando a cabeça.] Dr.ª F. — Acalme-se agora. E. [Pausa longa.] — Só podia ter sido ele. [Resignada.] Não havia ninguém ... eu vinha para casa e ...

ouvi-o sair a correr pela porta ... e corri para dentro de casa ... a boneca estava caída ali e havia sangue em todos os degraus. [Cedendo aos soluços incontroláveis.] Quem me dera não ... porque é que eu fui? [Implorante.] Agora posso sair?

Dr.ª F. — Onde está? E. — Não quero ficar aqui. Dr.ª F. — Onde está? E. — Estou cá em baixo. Dr.ª F. — Está só ou está com alguém? E. — Estou só. [ com voz exausta.] Tenho de chegar à cidade, de qualquer maneira. Vivemos a cerca

de oito quilómetros da cidade. Dr.ª F. — Quer sair? Não quer ficar nesse lugar com ... E. — Não quero estar aqui. [Quase como uma criança.] Dr.ª F. — Bom, vamos ver o que acontece. E. — Não acontece nada. Dr.ª F. — Que está a fazer agora?E. — Estou a vomitar ... por todo o lado ... estou apenas a tentar sair ... só queria não ter voltado para

casa e ... estou tão confusa e ah ... [Afundando-se mais na cadeira.] Dr.ª F. — Viu alguém sair? Disse que ouviu alguém correr nos bosques. E. — Ouvi-o sair a correr pela porta das traseiras e atravessar o bosque, quando vinha e ah ... não

havia mais ninguém aqui. Eu ... sei que ele nunca voltou ... e só sei quem era ... [Abanando a cabeça, limpando os olhos.] Era o meu irmão.

Dr.ª F. — Que quer dizer com «ele nunca voltou»? E. — Ele nunca voltou. Eles nunca mais o encontraram. Ele nunca voltou. [Grande suspiro.] E, ah ... é

tudo. Não sei mais nada.

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Dr.ª F. — Porque faria ele uma coisa dessas? E. [Longa pausa.] Dr.ª F. — Que lhe vem à ideia? E. — A única coisa que me vem à ideia é estar embriagado. Dr.ª F. — Ele embriagava-se muitas vezes? E. — Sim ... Agora saio para o átrio. Dr.ª F. — E a seguir? E. — Vou para a cidade. Dr.ª F. — Como é que vai para lá? E. — A pé. Dr.ª F. — A noite? E. — Hum-humm. Dr.ª F. — Há luar? E. — Não ... está escuro. Dr.ª F. — Estás assustada?E. — Estou enjoada! Não estou assustada. Não há nada no mundo que me pudessem ter feito ... que

me magoasse mais que aquilo ... não queria ter de ir lá, dizer-lhes. Dr.ª F. — É uma grande caminhada? E. —Mão faz mal ... não tenho mais nada para fazer. Dr.ª F. — Que faz agora? E. — Estou apenas a caminhar ... e ... estou só a caminho. [Chorando outra vez.] Dr.ª F. — Agora vou contar de um até cinco e, quando chegar a cinco, estará na cidade. Um ... dois ...

três ... quatro ... cinco. Que faz agora? E. — Vou para casa do xerife. Dr.ª F. — Sim? E. — Vou e ... [Abanando a cabeça.] Não consigo contar-lhe o que aconteceu. Dr.ª F. — Conte-me a mim o que está a acontecer. E. — Já, estou cá dentro. Só ... agora estou lá dentro e não consigo contar-lhe o que aconteceu. Dr.ª F. — Que lhe diz ele? E. — Bom, ele quer saber como é que eu fiquei cheia de sangue ... e ... eu digo-lhe: «Não posso

dizer-lhe; mas tem de ir à quinta ... e eu não posso ir consigo ... não posso voltar para lá.» Então chega a mulher dele, leva-me lá para cima, limpa-me e mete-me na cama ... eles chamam um médico. [Suspirando.] E, ah ... bebo um bocado de uísque e ela senta-se ao meu lado ... e ... o médico olha para mim e diz que eu estou bem ... e então eu vou para a cama e morro ... não quero viver mais. [Fazendo uma profunda inspiração.] Mas tem de ser. Tenho ... e ... então há uma investigação ... e perguntas.

Dr.ª F. — Quem faz a investigação? E. — O xerife. Dr.ª F. — Faz investigações a seu respeito, Sarah? Faz-lhe muitas perguntas? E. — Sim. Pergunta ... bom, ele sabe que eu estava na cidade ... e ... naquela festa. De qualquer

modo, eles fazem perguntas e eu respondo às perguntas, digo-lhes tudo o que sei e tudo acaba ... e eu saio.

Dr.ª F. — Fazem-lhe perguntas acerca do seu irmão? E. — Sim. Dr.ª F. — Que dizem eles? Que perguntas lhe fazem? E. — Onde estava ele. Dr.ª F. — Que respondeu você? E. — Disse que, tanto quanto sabia, ele estava naquela outra quinta. [Grande suspiro.] Mas parece

que ele não estava lá. E é por isso que penso que foi ele. Não sabia quem saíra a correr ... honestamente, não sabia quem era ... não podia dizer quem era.

Dr.ª F. — No entanto, quando viu aqueles corpos, passou-lhe pela cabeça que fora o seu irmão. Não é verdade?

E. — Ele enfurece-se com tanta facilidade. Dr.ª F. — Já tinha sido violento? E. —Ë muito duro com os animais. Consegue arrasar um cavalo em cinco anos. É um homem

muitíssimo duro e não é muito compreensivo. Dr.ª F. — Ele tinha alguma navalha? E. — Oh, sim. Todos têm de ter uma navalha. Dr.ª F. — Que aconteceu depois da investigação? Voltou alguma vez àquela quinta? E. — Não!Dr.ª F. — Que fizeram dos corpos? E. [Completamente em baixo.] — Não sei ... acho que os enterraram. Dr.ª F. — Que fez depois disso? E. — Não fui ao funeral ... não podia.

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Dr.ª F. — Que fez? E. — Parti ... fiquei algum tempo na cidade ... até toda a gente estar ... eu não podia ir a esse funeral.

Não podia mesmo. [Respirando profundamente.] E ... acho que fiquei ... um bocado louca. Dr.ª F. — Conte-me mais, se puder. E. — Parece-me ... que me puseram num manicómio ... era horrível ... [Tremendo.] Não quero pensar

nisso ... fiquei lá o resto da minha vida. Dr.ª F. — Vou pedir-lhe que se lembre disto quando acordar. É muito importante que isto faça parte

do seu consciente. Sabe que abriu a porta do sótão. Não foi? Desenterrou todos os horrores que estavam dentro de si e que a tornavam tão ansiosa quando se afastava dos seus filhos e quando regressava, à noite. Compreende, agora, porque é que era difícil divertir-se numa festa ou afastada deles? Receava que quando voltasse eles estivessem esfaqueados ... Lembra-se de termos falado nisso?

E. — Hum-humm. Dr.ª F. — Receia gostar do sexo? E. [Acena com a cabeça afirmativamente.] Dr.ª F. — Por outras palavras, achava que não devia divertir-se ... porque antes, quando se divertiu,

aconteceu tudo aquilo. E. — Nunca devia ter ido.Dr.ª F. — Aquilo teria acontecido, mesmo que tivesse ficado em casa. Seja realista. E. — Bom ... podia assassinar-me do mesmo modo ... mas eu também podia ter-lhe acertado bem. Dr.ª F. — A sua cunhada era uma mulher fraca? E. — Sim. Eu era ... ah ... bastante mais alta do que ela é ... era. Eu não era matulona, mas era uma

rapariga forte, que toda a sua vida trabalhara numa quinta. Ela fora educada na cidade ... e além disso eu sabia lidar com o meu irmão.

Dr.ª F. — Então, acha que, se estivesse lá, podia ter evitado o que aconteceu? E. — Sim. Podia sair alguém ferido ... mas ninguém teria sido morto. Dr.ª F. — Muito bem. Só lhe quero dizer isto: você não estava lá e não tem qualquer

responsabilidade. Agora tem de se sentir livre. Livre da culpa. Não tem motivos para ainda se sentir culpada. Você não cometeu esses crimes.

E. — Sinto que os cometi. Dr.ª F. — Bom, mas não é verdade. Você não cometeu esses crimes, e se estivesse lá. se o seu

irmão estivesse completamente fora de si, como devia estar para fazer essas coisas horríveis, tê-la-ia morto também. Você seria mais uma morte. Era impossível impedir aquilo. Sabe a violência que foi necessária para cortar aquelas cabeças e para destruir tudo. Ele não pararia. Tinha uma navalha e você não estava armada. Não havia maneira ...

E. — Talvez ela ... tenha dito qualquer coisa que o tivesse posto fora de si ... Não sei. [Começa a chorar de novo.]

Dr.ª F. — Nunca ninguém saberá. O que interessa é que você não podia ter evitado aquilo. Tudo o que poderia ter acontecido era você ser morta também. Lá dentro de si sabe bem que são precisas uma força e violência tremendas para cortar uma cabeça e para fazer as coisas que ele fez. E aqueles eram os filhos dele. Se o seu amor pelos filhos não o obrigou a parar, de certeza que uma ordem ou os esforços da irmã não o fariam parar também.

E. — Sei isso ... mas sinto-me tão responsável. Dr.ª F. — Bom, não está agora na disposição de desistir desse sentimento de responsabilidade? E

não gostaria de saber também que, no momento em que ele atacou aquelas pessoas, a consciência delas deixou o corpo e, portanto, a sua essência não ficou danificada?

E. — É assim que pensa? Dr.ª F. —É assim. Acredito nisto. Está demonstrado que por vezes, quando as pessoas se encontram

num perigo extremo, a consciência deixa o corpo e, portanto, elas não são afectadas, nem mesmo sentem. E. — Espero que seja verdade. Dr.ª F. — Agora, Elizabeth, o seu irmão é alguém que conheça, nesta vida? E. [Silêncio.] Dr.ª F. — Quem é o seu irmão? Diga o que lhe vem à cabeça, quando eu contar até três. Um ... dois

... três. E. — O meu pai. Dr.ª F. —E quem é a sua cunhada? Ao contar até três. Um ... dois ... três. E. — A minha mãe. Dr.ª F. — E as crianças? Conhece-las, nesta vida? E. [Murmurando.] —São as minhas. Dr.ª F. — Isto corresponde a alguma coisa que saiba acerca do seu pai? E. — Tem um temperamento violento.

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Dr.ª F. — A sua mãe tem medo do seu pai? E. — Sim! Dr.ª F. —E os seus filhos? Têm medo dele? E. — Eu, ah ... tenho muito cuidado com isso. Quando ele está nervoso afasto os meus filhos. Dr.ª F. — Muito bem. Agora já sabe porquê. Todas as coisas se encaixam, não é? Quando se lembrar

disto, quando estiver em casa, vai sentir-se calma e relaxada. Ficará muito calma e relaxada. A partir de agora, e até à próxima semana, receberá mais e mais visões desta regressão. Agora vou contar de dez até zero, quero que volte a ser Elizabeth, que volte a ser você mesma, completamente. Traga consigo essas recordações; é importante que faça isso. Hoje foi muito corajosa, quero dizer-lhe que a considero admirável, por ter enfrentado aquilo. Teria sido fácil fugir. Dez ... nove ... oito ... sete ... seis ... cinco ... quatro ... três ... dois ... um ... zero.

De volta ao presente, ainda profundamente hipnotizada, Elizabeth pôs a mão na cabeça e gemeu: «Dói-me a cabeça.» (Não admira!) Dei-lhe sugestões hipnóticas que eliminaram a dor. Depois libertei-a do transe.

Surpreendentemente sorriu-me. Devolvi-lhe o sorriso. Tínhamos realmente atravessado juntas uma coisa importante. Senti-me muito próxima dela. Contou-me que sempre sentira receio do seu pai, o qual, como soube mais tarde, bebia muito. Aludiu a um incidente no qual ele lhe batera. «... Mas não tenho forças para falar nisso. Só quero enfiar-me na cama durante o resto da tarde.» Levantou-se e disse: «Bom, se for isto, amanhã terei a prova.» «Que quer dizer?», perguntei. Ela explicou: «O meu marido e eu vamos a uma peça a São Francisco. Por causa disso andei preocupada toda a semana.» Mesmo antes de sair pedi-lhe que partilhasse a regressão com o marido — mas não com os filhos. Queria ter a certeza de que nenhum bocado de tudo aquilo ficava reprimido de novo depois de ela sair, mesmo apesar de ela me ter dado a impressão de ter aguentado bem. Então sugeri que fizesse uma lista de tudo o que na sua vida como Sarah a tinha afectado — nesta vida.

Na sessão seguinte Elizabeth sorria abertamente, com uni alegre vestido indiano decotado. Comentou, enquanto saía da sala de espera: «Sinto-me óptima!»

Elogiei-lhe o vestido. «Fui eu que o fiz — e estou a fazer outro. E sinto-me confortável, mesmo com este decote», disse com um ar deliciado. Chamou a atenção para as pregas no fundo do vestido. Observei que aquilo lhe devia ter dado muito trabalho.

Depois de se ter acomodado na cadeira olhou para mim durante alguns segundos, com uma cara muito séria. Depois lançou-me um grande sorriso e disse com um alívio notório: «Deu resultado! Chris e eu fomos àquele espectáculo a São Francisco. Diverti-me. E não me preocupei nada com as crianças. Quando chegámos entrei directamente em casa, antes de pensar no que tinha feito.»

Ainda não tinha acabado de exprimir todo o meu contentamento por tudo aquilo quando ela me interrompeu, ansiosa por continuar com as boas notícias. «Uma destas noites tive de ir buscar a minha filha. Estava numa biblioteca próxima. Resolvi deixar os meus dois filhos sozinhos.» Fez uma pausa. «E assim foi!» Deixou os filhos sozinhos cerca de meia hora, coisa que nunca tinha feito. Admitiu que eles lhe tinham dito que estavam um bocadinho assustados. Comentei que, provavelmente, eles estavam a reagir por terem sido demasiado protegidos durante tantos anos. Tive também a sensação de que, a um nível subconsciente, eles podiam estar a sentir os efeitos daquele dia, provavelmente há mais de cem anos, em que ela os deixara sós. Naquela altura fora fatal! Discutimos a possibilidade de Elizabeth lhes contar o que soubera da vida que vivera com eles — e, de momento, decidimos contra essa revelação, por várias razões. A terapeuta da sua filha mais velha estava fora, em viagem. E os seus dois filhos provavelmente também iriam precisar de ajuda, quando a repressão sobre eles se atenuasse — essa seria a razão para lhes contar. Podiam vir a mostrar-se ainda mais resistentes que a sua mãe, por causa da violência que tinham sofrido. Não havia dúvida de que para eles seria ainda mais duro. Para eles teria de dispensar mais tempo do que aquele que o meu horário actual permitia. Pensei nas minhas marcações; sabia que não teria tempo para novos doentes, pelo menos nos próximos seis meses. Não, teríamos de esperar.

Elizabeth trouxera duas páginas de papel amarelo, cheias de notas — notas que desenhavam cuidadosos paralelismos entre a vida de Sarah e a sua, e recheadas de conclusões e intuições.

Tinha também comentários acerca dos seus filhos e do modo como eles tinham sido afectados. Começou a ler:

A minha primeira depressão grave começou quando planeámos sair da Califórnia. Gostava de viver no Leste. Ainda me sinto atraída por ele. A depressão tornou-se muito profunda, quando finalmente mudámos para a Pensilvânia. Estava muito longe e sentia que não podia ir a casa se precisassem de mim. Não podia ajudar a minha mãe se ela necessitasse. Em criança eu era a protectora da minha mãe. Ainda sou! Muitas vezes (já mais velha) batalhei com o meu pai, para ajudar a minha mãe. Ele assusta-me. Receio-o e amo-o, ao mesmo tempo. Ele costumava dizer-me que eu era a única pessoa que o compreendia. Isto acontecia nomeadamente depois de termos discussões violentas.

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Parou, pousando as páginas no colo. «O meu pai sempre foi um alcoólico.» Os olhos encheram-se­lhe de lágrimas à medida que falava. «Tivemos algumas discussões violentas. A pior que recordo ocorreu quando eu ainda era pequena. Devia ter onze anos — não, talvez treze — mais ou menos por essa altura. Bom, o meu pai passara a noite fora. Foi de manhã. Eu ainda estava na cama. Começou com a minha mãe. Humilhou-a. Depois fez ameaças. Eu apareci e disse-lhe que, se nos odiava tanto, o melhor era ir-se embora! E nunca mais voltar! Berrei com ele. Isso chocou-o. Olhou para a porta. Depois saiu. Disse à minha mãe que nunca mais o deixasse entrar de novo. Voltou alguns dias depois. Aterrorizou-nos. Destruiu a casa! Partiu tudo! Depois foi-se embora — foi para outro estado.» Os seus punhos estavam cerrados quando acrescentou entre dentes: «Ela recebeu-o outra vez!»

Sugeri que fechasse os olhos e se descontraísse durante alguns minutos. Dei-lhe algumas sugestões calmantes e depois acordei-a de novo.

Pegou nas suas notas: «Vou falar-lhe das crianças», disse ela. Leu: ((Mark, com treze anos, tem uma sensação desagradável quando se encontra sozinho, à noite, no andar de cima. Mesmo que lá esteja alguém a dormir, continua a sentir que está só. As raparigas não suportam que se lhes aponte nada à cabeça, especialmente à testa, entre os olhos.» Disse-lhe que isso é uma coisa normal. Quando uma pessoa é gravemente ferida ou

morta, numa vida passada, com pancadas ou tiros na cabeça, descreve sempre o mesmo tipo de sensação. Pedi-lhe para continuar a ler. «As minhas filhas conseguem 'ler' as disposições do meu pai. Aprenderam a dizer-lhe as coisas. Mark é mais audaz — mas, mesmo assim, percebe perfeitamente as susceptibilidades do meu pai. Não gostam de ficar sós. E eu nnuca os deixo com ele — nem durante um minuto. Só esta semana percebi o porquê.»

Depois de ter pegado nas suas coisas para sair, sorriu, deu-me um grande abraço e disse: «Ainda estou espantada por tudo ter sido tão simples!»

Na semana seguinte Elizabeth apareceu com um vestido muito colorido, reflectindo a sua disposição amigável e alegre. A semana tinha decorrido excepcionalmente bem. Ela e a sua família tinham assistido a um espectáculo aéreo, que apreciaram muito. Os seus pais tinham vindo passar o fim-de-semana com eles para os acompanharem. «Qualquer coisa em mim mudou. Estudei o meu pai e a minha mãe, todo o fim-de­semana. Já não sou filha deles. Pelo menos no mesmo sentido de antigamente», disse, franzindo a testa: «Quem ficou mais chocada foi a minha mãe. Sempre foi a minha confidente. Contei-lhe a regressão. Não acreditou que aquilo fosse verdade. Tentou impedir-me de falar no assunto. Disse-me: `Deixa isso em paz!' Agora vejo como ela anda deprimida. Não posso esperar que ela compreenda. Agora não há aproximação verdadeira. Parte da minha vida está fechada. Observei o meu pai. O seu maior prazer é criticar os outros. Quando eu era pequena nunca fazíamos nada que fosse interessante — nunca íamos a paradas, nunca saíamos. Não fazíamos nada! Passou todo o fim-de-semana a criticar quem fazia qualquer coisa.» Encheu­se de alegria quando anunciou: «É novo para mim! Até agora fazia com que a nossa vida seguisse as passadas da minha. Foi muito traumatizante, para mim, compreender tudo isto. Agora já não tenho de meencaixar em nenhum padrão. Mas, falando outra vez do espectáculo aéreo: diverti-me a valer! É triste. Verifiquei que todos estes anos me reprimi constantemente.»

Perguntei-lhe: «Como se sente, quando pensa ou fala na regressão?» Sorriu de novo e respondeu: «Já não fico tão perturbada com os pormenores assustadores.» Desviou os olhos por alguns momentos, em profunda meditação. Depois disse: «Coisas que nunca tinham sido resolvidas começam agora a sê-lo. Sinto isso. Estou mais satisfeita comigo mesma, como pessoa. As alterações são interiores, mas Chris nota que ando

mais descontraída. Não o consigo descrever, é uma sensação dentro de mim mesma.» Olhou para o relógio que estava em cima da pequena mesa de teca, perto da sua cadeira. Ainda

tínhamos vinte minutos. «Grava-me uma fita, para o peso?» Concordei e pu-la em transe. Pedi-lhe para se ver com perto de 58 kg, o seu peso ideal. Depois fiz com que se visse em frente de um espelho de corpo inteiro, com o seu peso ideal, apreciando, uma por uma, todas as partes do seu corpo elegante. Libertei-a da hipnose, dei-lhe a fita e disse: «Espero que tenha uma boa semana.»

Pela terceira vez seguida, Elizabeth veio para a consulta de vestido; desta vez era um vestido decotado, azul e branco, muito atraente. Usava também sandálias novas, brancas, e meias. Até o cabelo parecia cortado e arranjado.

«Há em mim uma grande modificação. Fiz reservas para passar duas noites fora. E não sinto ansiedade por causa da viagem. Pedi às crianças que arranjassem maneira de ficar com os seus amigos, durante o fim-de-semana. Mas o que mais me surpreende é a minha atitude para com eles. A minha filha mais velha ia fazer o seu papel de mártir e consegui impor-me. Não me zanguei, nem me preocupei.» Sorrindo, obviamente muito satisfeita, disse: «É realmente fantástico! Não consigo esquecer como foi fácil a modificação da minha atitude em relação a eles. Já não sinto culpa. Foi tão simples! Sinto-me com controlo. Antigamente, estes meninos podiam manipular-me, no verdadeiro sentido. Eu estava sempre cansada, por tentar constantemente acalmar a dor de algum.» Disse que não se sentia mal por cometer erros — já não

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ficava embaraçada. Acentuou isso com a seguinte frase: «Agora não faz mal cometer um erro! Não há razões para que eu não possa cometer um erro!»

Mudando de assunto, discutiu a sua vida sexual, que também tinha melhorado muito. Então notou: «Sabe, antes de os miúdos nascerem, apreciávamos o sexo. Não sou sexualmente inibida. Apenas não conseguia ficar descontraída. Estava sempre atenta às crianças.» Com um sorriso acrescentou: «Esta viagem vai ser uma lua-de-mel de dois dias!»

«Oh, imagine! Perdi três quilos numa semana!», anunciou. De pé, pronta para sair, junto à minha secretária, reflectiu: «Sabe, a primeira semana após a regressão fiquei completamente aparvalhada. As minhas emoções eram totalmente diferentes. Pela primeira vez na minha vida tive controlo. A minha personalidade é a mesma, mas a minha atitude é diferente.»

Passaram-se quase seis meses desde a minha primeira sessão com Elizabeth. O trabalho com ela foi exigente, excitante, cheio de expectativa e extremamente compensador para mim. Gostei muito de ver — e de ajudar — o seu drama a desanuviar-se. Fiquei também a gostar muito dela. Um dia senti-me maravilhada por saber que tinha cancelado as suas consultas por um mês. Planeava oferecer a si mesma uma semana no Havai e passar as três semanas restantes com Chris, tirando umas «mini férias». Continuaremos a trabalhar juntas, até que esteja liberta de medos e ansiedades irracionais e se sinta totalmente satisfeita consigo própria. Isto, para mim, é uma operação de «retoque». O pior já passou.

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CAPÍTULO V - «NO BARCO, TODOS ESTÃO ESFOMEADOS»

A cara de William estava tensa e corada quando, cuidadosamente, se instalou na cadeira reclinável, na minha frente. O seu problema era óbvio: obesidade — quarenta e cinco quilos a mais. Os seus 110 kg eram bem visíveis porque, na sua estatura de 1,64 m, não havia muito espaço para os esconder. Apesar do seu peso era um homem atraente, com cerca de trinta anos. Usava uma barba bem cuidada, patilhas, e tinha um ar aprumado.

Falava num tom desprendido; a sua voz tornou-se sibilante quando me disse: «Fui gordo em bebé e continuei a ser um miúdo gordo, até ao quinto ano. Nessa altura comecei a crescer e atingi a minha altura actual — isso ajudou um bocado.» Durante alguns anos tivera um peso apenas ligeiramente superior ao normal. Depois, os quilos começaram a acumular-se. Pesava perto de 90 kg quando entrou para a universidade, aos dezoito anos. O facto de ser o único com excesso de peso, numa família muito consciente dos problemas da gordura, levou-o a suspeitar. «As dietas começaram a fazer parte da minha vida — mas, cumpri-las tem sido absolutamente impossível.» Acrescentou: «Dou comigo a comer coisas que detesto e numa noite olho para o frigorífico pelo menos dez vezes. Travo uma luta terrível para não ceder.»

Algumas semanas antes do nosso primeiro encontro, William começara uma nova dieta de calorias e estava a dar-se bem com ela. «Baixar dos noventa quilos é o verdadeiro desafio porque, durante anos, fui incapaz de pesar menos de noventa e dois quilos, apesar de tudo o que fiz: injecções, pílulas, Weight Watchers e todas as dietas.» Tal como a maior parte dos meus doentes obesos, era um perito em toda a gama de dietas.

Enquanto William continuava a contar-me porque tinha procurado auxílio, soube que tivera um monte de alergias e que era asmático de nascença. Fizera os testes normais e estava

sob medicação, para controlar as suas reacções. Era sensível às penas de galinha e a pêlos de gato, bem como ao pêlo de outros animais domésticos. Enumerou uma longa lista de alergénios, mas observou: «Nunca tive a mais pequena alergia ao pêlo dos animais selvagens. Não é estranho?» Perguntei a mim mesma se as suas alergias não poderiam estar relacionadas com alguma coisa que em tempos lhe tivesse acontecido. Nesse caso, pela hipnoterapia ele poderia ganhar muito mais do que imaginava. Decidi esperar para ver e não partilhar com ele o meu pressentimento. Não podia arriscar-me a dar-lhe a sugestão e não queria desapontá-lo, no caso de o meu pressentimento não dar certo.

Terminamos a sessão depois de eu lhe ensinar a autohipnose e de lhe gravar uma fita para praticar em casa. Combinámos uma consulta para a semana seguinte. Partiu dizendo: «Prometi a mim mesmo que desta vez vou cumprir, até ficar com 64 kg.»

Na semana seguinte William anunciou que tinha ouvido a fita da autohipnose diligentemente, várias vezes por dia. «Sinto-me realmente muito mais relaxado. Tenho a certeza de que a minha tensão arterial também baixou um bocado. Parece que, à medida que a ouço, me descontraio cada vez mais profundamente. Isto é normal?» Acenei e disse: «É exactamente isso que pretendemos. Em breve, sem a gravação, será capaz de fechar os olhos e dizer a si próprio: 'Relaxa-te, William'; então, ficará profundamente hipnotizado. Nessa altura poderá dar a si próprio qualquer tipo de sugestão importante no momento — tanto em relação ao seu peso, como para se relaxar antes de fazer uma conferência ou em caso de dor. Mas falaremos acerca disso mais tarde. Hoje temos trabalho a fazer.»

William caiu num transe profundo logo que comecei a indução. Inquiri-o acerca da sua obesidade. O seu subconsciente indicou, pelos sinais de dedos, que o problema de peso tinha raízes subconscientes. Uma delas estava ligada ao seu traumatizante nascimento. Dei-lhe sugestões para «retroceder aos minutos anteriores ao nascimento. Quando contar até cinco, reviverá essa experiência. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco». Ele fez uma careta. O seu corpo contorceu-se na cadeira. «A minha cabeça! ... está a ser espremida. Sinto-me a ser esmagado ... Oh ... o meu peito! Oh! ... Ouço gritos ... é a minha mãe ... Oh, não ... a minha mãe está a gritar.» Depois de ter «nascido» relaxou-se. Ajudei-o a compreender que não era culpado das dores da sua mãe e sugeri-lhe que se libertasse da culpa que carregava consigo. Depois trouxe-o de volta ao presente, mantendo-o profundamente relaxado. Fiz-lhe perguntas sobre o outro acontecimento. O seu subconsciente, lentamente, revelou que era uma ocorrência de uma vida passada. Mas esta semana ele não estava preparado para mais experiências. Dei-lhe sugestões para que se preparasse, a nível subconsciente, durante o intervalo entre as consultas. O seu dedo do «sim» levantou-se hesitante, indicando a cooperação do seu subconsciente.

Na semana seguinte fiz William retroceder até «um acontecimento particularmente significativo do passado», que estivesse relacionado com o seu problema de peso. O seu corpo começou a tremer. A voz era tão fraca que tive de fazer um esforço para o ouvir.

W. — Tem estado muito calmo ... não há vento ... não há comida suficiente. No barco, todos estão esfomeados ... talvez até doentes.

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Dr.ª F. — Estão todos esfomeados e doentes? W. — Sim ... é escorbuto. Dr.ª F.—Como se sente? W. [A sua voz era hesitante.] — Esfomeado. Dr.ª F. — Há quanto tempo comeu pela última vez? W. — Temos alguma comida, mas não passa de um bocadinho de papas de cereais ou coisa

parecida. Dr.ª F. —Mas não é suficiente? W. — Não. Dr.ª F. — Perdeu muito peso? W. —Sim... Não sei quantos quilos perdi, mas os meus braços e costelas estão escanzelados ...

estamos esfomeados. Dr.ª F. — Está preocupado consigo? W. — Sim ... Acho que nunca soube quanto pesei. Dr.ª F. —Mas era saudável, antes de isto ter acontecido? W. — Sim. Dr.ª F. — Conte-me o que vê e as percepções que tem. W. — Isto parece o interior das instalações da tripulação, o castelo da proa ... e há pessoas em

liteiras e ... toda a gente está ali. Dr.ª F. — Como se sente? W. — Estou doente ... e os olhos deles estão encovados. Dr.ª F. — Já alguém morreu de fome? W. — Acho que sim. Dr.ª F. — Onde se encontram? W. — Estamos num barco. Dr.ª F. — Qual é o nome do vosso barco? W.— Sally Dr.ª F. — Sally? Tem mais algum nome? W. —Tem. Dr.ª F. — Qual é? W. — May — o Sally May. Dr.ª F. — Onde estão? W. — No Atlântico. Dr.ª F. — Para onde vão?W. — Não sei. Dr.ª F. — De onde veio? Onde é a sua casa? W. — Da América. Dr.ª F. — De que parte da América? W. — Nova Inglaterra. Dr.ª F. — De que zona? W. — Bedford, Massachusetts. Dr.ª F. — Quem é você? W. — Tom. Dr.ª F. — Qual é o seu último nome?W. — Jones.Dr.ª F. — Que idade tem?W. — Não sou velho. Dr.ª F. — Tem mais de vinte anos? W. — Pouco mais. Dr.ª F. — Tem pouco mais de vinte anos? W. — Mais uns dois anos? Talvez. Dr.ª F. —É casado? W. — Acho que sim. Dr.ª F. — Qual é o nome da sua mulher? W. —Jean. Dr.ª F. — Em que ano se passa isso? W. — Mil seiscentos ... mil seiscentos e oitenta e um. Dr.ª F. — Avance até um acontecimento importante. Um ... dois ... três. W. [Baixando a voz.] — Acho que peguei numa coisa que não devia. Dr.ª F. — Que fez com ela? W. — Comi-a. [Ficando preocupado.]

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Dr.ª F. — O que era? W. — Uma galinha. Dr.ª F. — Onde estava a galinha? W. — Estava no armazém ... [Falando baixinho.] Era para os oficiais. Dr.ª F. — Era uma galinha viva, a que lá estava guardada? W. — Sim, havia muitas. Dr.ª F. — Eram para os oficiais? W. — Sim. [Com uma expressão de desagrado.] Dr.ª F. — Conte-me o que fez à galinha. Como a apanhou? W. — [Respirando rapidamente.] Dr.ª F. — Mantenha-se calmo e relaxado. Não é preciso enervar-se. Como se sente agora? W. — Um bocado assustado. Dr.ª F. — Que receia? W. — Não sei ... talvez seja apanhado. [Tremendo.] Dr.ª F. — Como apanhou esta galinha?W. — Esgueirei-me lá para dentro e peguei nela, quando não estava lá ninguém ... e levei-a para a

proa do barco ... tenho a certeza de que a matei, mas não sei como o fiz. Dr.ª F. — Veja-se no momento em que a matava. W. [Pausa longa.] — Torci-lhe o pescoço. Dr.ª F. — E depois, que fez? W. — Depenei-a ... e abri-a com os meus dedos e ... é horrível... o cheiro das entranhas. [Fazendo

uma careta.] Tenho vontade de vomitar ... por fim cozinhei-a. Dr.ª F. — Como conseguiu cozinhá-la? W. — Eu ... não ... sei. Dr.ª F. — Esse conhecimento irá surgir-lhe. W. — Havia uma lanterna ... cozinhei-a com isso. Dr.ª F. — Como lhe soube a galinha? W. —Bem. [Sorrindo.] Dr.ª F. — Agora vamos avançar para o próximo acontecimento importante. Um ... dois ... três.

[Pausa.] Que aconteceu? W. [Evasivamente.] — Fui castigado. Dr.ª F. — Apanharam-no?W. — Sim. Dr.ª F. — Quem o apanhou? W. — Um dos oficiais. Dr.ª F. — Que lhe disse ele? W. — Chamou-me nomes ... e bateu-me, agarrou-me e arrastou-me. [Respirando violentamente.] Dr.ª F. — Para onde o arrastou? W. — Em direcção à cabina do capitão. [Tremendo violentamente.] Dr.ª F. — Como se sente? W. [ com uma respiração ofegante e murmurando.] — Com medo! Dr.ª F. — Que aconteceu depois? W. — Dizem que me vão bater ... vou apanhar chicotadas [A sua voz está imersa num enorme terror.] Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. Quando fizeram eles

isso? W. — Algum tempo depois ... no dia seguinte, muito cedo. Dr.ª F. — Quem assistiu? W. — Toda a gente, toda a tripulação do barco. Dr.ª F. — Para além disso, que lhe vem ao espírito? W. — Apenas a cena em que fui chicoteado. Dr.ª F. — Com que lhe estão a bater? W. [Recuando.] — Com um chicote de nove pontas. Dr.ª F. — Quantas chicotadas lhe deram? W. — Trinta. [Contorcendo-se na cadeira, com a cara banhada em suor.]

Decorreram muitos minutos, durante os quais lhe dei sugestões apaziguadoras, até William se sentir suficientemente relaxado para continuar. Trouxe-o de volta ao presente, para que ele pudesse compreender o que lhe tinha acontecido. Tremeu ao relembrar o trauma da escapadela até à zona dos oficiais, para conseguir a sua refeição. Com uma voz espantada encaixou as peças do quebra-cabeças — a

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reminiscência da fome, que o tinha assombrado todos estes anos. Libertei-o do transe. Abanou a cabeça, espantado. «É verdade que vivi outra vida? Não estou muito

certo da possibilidade de existência de outras vidas.» E explicou: «Mesmo apesar de ter dúvidas sobre tudo isto, gabo-me de ter um espírito aberto. Isto terá de ser mais aprofundado.»

Quando veio para a consulta, na semana seguinte, anunciou: «Descobri uma coisa espantosa, esta semana! A minha mulher e eu estávamos a jantar num restaurante. E, pela primeira vez na minha vida, mandei vir uma coisa de que gostava — e não o prato mais abundante! Todos estes anos andei a comer como se andasse sempre esfomeado!» Falou também do seu fascínio por barcos, especialmente naufrágios e história. (Sob hipnose, noutra ocasião, revelou que fora marinheiro em três vidas diferentes.) Durante a semana teve uma visão. O incidente que recordara durante a sua regressão como Tom ocorrera enquanto o Sally May estava parado no mar, à espera de barcos britânicos, alguns anos depois da Guerra da Independência. Depois de estudar alguns livros de história, descobriu que aquele tipo de táctica não era raro, mesmo após 1776.

Sob hipnose, o seu subconsciente revelou que ele tinha andado no mar durante a maior parte dessa vida e que tinha chegado a velho. Apesar de nunca mais ter passado fome, ficara com uma marca indelével — que se mantivera durante quase duzentos anos.

Noutra das nossas sessões hipnanalíticas, o subconsciente de William revelou-nos que algumas das suas alergias eram devidas a experiências emocionais (bem como a intolerâncias físicas a certos alimentos) da sua vida actual, enquanto outras tinham as suas origens em vidas anteriores.

Ainda em transe profundo, fi-lo retroceder até à vida responsável pela alergia a pêlo de gato. Encontramos Tom Jones, de novo:

W. — Duas coisas ... eu estava a comer a galinha ... e o gato encontrou-me. Também queria e eu não lhe dei. Mandei-lhe um pontapé e ele começou a miar muito alto ... e vieram as pessoas e encontraram-me com a galinha. [Começando a respirar com um ruído ligeiramente sibilante.]

Dr.ª F. — Foi então por causa do gato que o descobriram com a galinha? W. — Sim ... eu não queria que me descobrissem. [Respirando rapidamente.] Dr.ª F. —E o facto de ter sido descoberto provocou-lhe grande ansiedade, não foi? W. — Isso foi o outro gato.Dr.ª F. — Que outro gato?W. — O chicote das nove pontas 1. Dr.ª F. —Fale-me dele. W. —É um tipo de chicote. Foi com ele que me bateram. Dr.ª F. — Quantas vezes?W. [O seu corpo contorce-se violenta e repetidamente] — Trinta vezes e tinha umas esferas

pequenas nas pontas ... elas enfiavam-se na carne ... [arfando] ... e depois tudo acabou, eles põem-me água do mar nas feridas. [Exausto.]

Dr.ª F. — Como se sente agora? W. [Tremendo.] — Amedrontado. Dr.ª F. — De que tem medo? W. — Dor. Dr.ª F. — A dor já passou, já não precisa de ter medo. Mantenha-se calmo e relaxado. Quando eu

chegar a cinco ficará muito calmo e relaxado. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.

Uma verificação dos seus sinais de dedos demonstrou que toda a sua alergia a penas de galinha se originara no medo que sentiu quando caçou a galinha e no nojo que teve quando a depenou e a estripou.

Todos os dias, desde a nossa primeira sessão, William assentava meticulosamente, num gráfico, o seu peso. Costumávamos analisar esse gráfico, logo que nos encontrávamos. A linha do peso descrevia uma curva descendente, cheia de lutas. William perdia peso continuamente, a uma taxa de cerca de 1,5 kg, por semana. O seu gráfico reflectia esta diminuição e, finalmente, atingiu os noventa quilos. Nessa altura aconteceu uma coisa curiosa — apanhou o hábito incrível de comer chocolate! Tornou-se tão forte que todos os dias como que puxado por um íman, se via a entrar em confeitarias, onde se sentia obrigado a comprar várias barras de chocolate. «Consigo resistir a todas as outras coisas, mas isto está a estragar a minha dieta de 800 calorias/dia.» Sentia culpa, ódio por si mesmo, e fazia as promessas normais que, quase invariavelmente, se seguem a estas transgressões. «Mas não consigo parar. Os chocolates são absolutamente irresistíveis — e, claro, um só nunca é suficiente.» Decidimos fazer qualquer coisa acerca disso.

Sob hipnose perguntei ao seu subconsciente se, ao seu nível, havia alguma coisa responsável por esta mania. O seu dedo do «sim» levantou-se lentamente. «O acontecimento que está relacionado com isto passou-se nesta vida?» Desta vez respondeu o seu dedo do «não». Fi-lo retroceder «para um

1 Em inglês, cat-o-nine-tails (gato das nove caudas). (N. da T.)

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acontecimento ocorrido há muito tempo e que esteja relacionado com o seu desejo de chocolate». W. — Bom ... à minha volta está tudo escuro. Parece que não consigo ver nada. Dr.ª F. — Dentro de alguns momentos, o que está a acontecer aparecer-lhe-á claramente. W. [Tristemente.] —Está frio ... está escuro e frio. Dr.ª F. — Que faz?W. — Estou encolhido, porque está muito frio. [Tremendo.] Dr.ª F. — Onde está? W. — Estou ao ar livre. Está a nevar e acho ... acho que há rochas e árvores, principalmente rochas e

uma espécie de gruta na rocha, ou coisa parecida ... e está a nevar e está frio. Dr.ª F. — Veja se descobre quem é. Saberá o seu nome e tudo o mais a seu respeito. W. — Estava a caçar ... e perdi-me e acho que vou ficar congelado! Não sei qual é o meu nome.

[Com voz muito rouca e a tremer.] Dr.ª F. — Quando chegar a três saberá. Um ... dois ... três. W. — Fred. Dr.ª F. — Fred, você perdeu-se ... estava a caçar e perdeu-se, foi isso? W. — Sim. Dr.ª F. — Há quanto tempo está perdido?W. — Um dia inteiro ... Comecei de manhã, planeava acabar à tardinha e perdi-me; e é noite.

[Totalmente espantado.] Dr.ª F. — Onde está? Qual é o país ou o estado? W. — Estou ... Parece-me que são os Estados Unidos ... estou a caçar veados.Dr.ª F. — Vive perto do sítio para onde foi caçar? W. — Parece-me que não vivo muito perto ... talvez a uns trinta quilómetros. Dr.ª F. — Estava a caçar com amigos, ou estava sozinho? W. — Estava ... andava sozinho ... eu ... não sei, de repente, as coisas pareceram-me estranhas e

perdi-me. Não sei como ... Dr.ª F. — Qual é o nome da terra onde vive? W. — Idaho. Dr.ª F. — Já foi muitas vezes à caça de veados? W. — Sim e nunca me perdi. [Disse com um orgulho evidente.] Dr.ª F. — Fred, que idade tem? W. — Cerca de trinta anos. Dr.ª F. — Que ano é? W. — Mil novecentos e cinco. Dr.ª F. — Que tipo de arma tem? W. — Uma Stevens. Dr.ª F. — É uma espingarda? W. — Sim. Dr.ª F. — Tem consigo alguma comida?W. — Não, achei que estaria de volta para o almoço. Dr.ª F. — Quem está em sua casa? W. — Ninguém ... só eu. W. — Sim. Tenho uma cabana. Dr.ª F. — Vive nessa cabana, ou só a utiliza quando caça? W. — Vivo ali. Não consigo compreender porque me perdi. É ... é estúpido! Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse alguns minutos no tempo, ou que fosse até ao próximo

acontecimento importante. W. — Vem aí alguém ... é uma pessoa a cavalo. [A sua voz vibrava com a excitação.] Dr.ª F. — Que faz você? W. — Grito-lhe. Dr.ª F. — Que lhe diz? W. — Digo: «Hei! Pare!» e pergunto-lhe onde estou. Dr.ª F. — Que responde ele? W. — Não sei ... não compreendo. Dr.ª F. — Isso passa-se na mesma noite? W. — É o dia seguinte. Dr.ª F Qual é o aspecto deste homem? W. — Tem cerca de ... um metro e sessenta e sete e uma estatura normal ... e usa roupas grossas,

por causa do Inverno ... tem uma espingarda ... tem um cachecol e ... a sua barba gelou e ficou com uma espécie de suíças, por causa do frio, e ... tem um chapéu atado à volta das orelhas.

Dr.ª F. — E depois, que acontece?

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W. — Então ele ... diz que me vai levar para a cidade e que a partir daí eu consigo descobrir o caminho. Não sei porque estou perdido. Não me devia ter perdido. Devia conhecer bem esta zona!

Dr.ª F. — Monta no cavalo dele? W. —Sim. Dr.ª F. — Como se sente no cavalo dele, de volta à cidade? W. — Tenho dores, porque estou rígido, por causa do frio. Mas, pelo menos, sei que não vou ficar

com gangrena. Dr.ª F. — Sabe que não vai ficar com gangrena? W. — Tenho dores e isso quer dizer que não vou ficar com gangrena. Dr.ª F. — Muito bem. Avance até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três. W. — ... Regresso à minha cabana e sinto-me tão bem por estar de volta ... é tão estranho, porque eu

conheço ... conheço a zona. Não me podia ter perdido. Vivo aqui há anos, o que me aconteceu foi estranho.É bom ... tudo voltou ... aos seus lugares.

Dr.ª F. — Qual é a primeira coisa que faz quando volta à sua cabana? W. — Procuro alguma coisa para comer; e tudo o que tenho é um pouco de farinha e feijões. Ainda

não arranjei carne de veado e tenho de sair para caçar outra vez, porque tenho de conseguir carne. [Voz cheia de tristeza.]

Dr.ª F. — Comeu alguma coisa, na cidade? W. — Sim ... [Sorrindo.] Tomei uma taça de chocolate quente. Dr.ª F. — Como lhe soube? W. — Soube-me muito bem. [Com um prazer evidente.] Dr.ª F. — Gosta de chocolate? W. — Gosto. Quase nunca o arranjo, porque é difícil de conseguir ... deram-mo porque eu estava

meio gelado e fez-me bem. Dr.ª F. — Quem lho deu? W. — Alguém da cidade, uma pessoa simpática. Dr.ª F. — Só tomou uma chávena? W. — Parece que tomei mais, não me consigo lembrar. Foi bom ... mas tenho de sair outra vez, para

caçar.

Quando acabamos de seguir William em outros acontecimentos da sua vida como Fred, a regressão terminou e eu libertei-o da hipnose. Franziu a testa e disse: «Ainda estou espantado por me ter perdido. Estava mesmo preocupado — e com frio!» Depois de alguns segundos, durante os quais esteve mergulhado num silêncio pensativo, disse: «Agora já sei porque é que o chocolate foi tão importante na minha vida.» Eu informei-o: «Estamos agora a atravessar a primeira época de frio, talvez isso tenha mexido, de forma misteriosa e subconsciente, com o enregelamento de Fred.» Recordando o ano anterior, William lembrou-se de que lhe tinha acontecido o mesmo: conseguira chegar aos noventa quilos e, durante o período frio, deixou-se levar por uma atracção por chocolate, que destruiu a sua dieta — e a confiança em si próprio. Era muito tarde para verificar (apenas por uma questão de curiosidade) se havia alguma coisa estranha, tal como o facto de Fred pesar na altura exactamente noventa quilos. Um dia lá chegaremos. Mas neste momento isso não é importante.

O subconsciente de William concordou finalmente estar na disposição de ele ir perdendo quilos em «ziguezague» até atingir o seu objectivo de 64 kg. Decidimos não planear nada e ir trabalhando no que cada dia surgisse, até ser atingido aquele objectivo. Ambos nos sentimos satisfeitos por William pesar agora 83 kg e também, por já conseguir resistir aos chocolates.

Um dia apareceu com um grande sorriso. «Os gatos têm uma língua realmente áspera! Deixei o gato do meu vizinho lamber um bocado de manteiga que tinha na ponta do dedo. E até gostei. E o mais importante é que consegui respirar.» E acrescentou: «Dantes começava a tremer e a respirar com dificuldade sempre que um gato se aproximava de mim. Até agora ainda não encontrei nenhuma galinha. Mas ainda continuo a pensar que são estúpidas!»

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CAPÍTULO VI - «NÃO HÁ SEXO PARA UMA PESSOA COMO EU»

Quando me apresentei a Patricia, na sala de espera, deparei com uma mulher elegante e bonita, de cerca de trinta anos, com um cabelo ondulado castanho-claro e uns olhos assustados, cor de avelã. Vestia­se com simplicidade, com uma blusa colorida e calças largas a condizer. Uma vez dentro do consultório, sentou-se rigidamente na moderna cadeira reclinável — o que não é nada fácil! Agarrou-se aos braços da cadeira e, com um enorme e evidente desconforto, contou-me, hesitante, porque viera à procura de ajuda. «O meu marido, Mark e eu, estamos casados há oito anos. Namorámos durante três anos.» Corando e com lágrimas nos olhos continuou. As palavras saíram-lhe lentamente. «E nunca tivemos relações sexuais.» Acrescentou rapidamente que Mark estivera fora, em serviço, durante alguns desses anos de namoro. Com uma ingenuidade surpreendente, Patricia disse: «Parece que falta qualquer coisa no nosso casamento. Gostamos um do outro — durante algum tempo. Mas tem de haver mais qualquer coisa num relacionamento.» A medida que desvendava a sua vida, confessou que se sentia «loucamente» ciumenta, sem a menor razão. Continuando, revelou haver uma grande tensão no relacionamento e discussões que quase terminavam na violência física.

A medida que falava, conservava-se quase tão tensa como nos primeiros momentos da nossa sessão. A determinado ponto, disse: «Isto é um assassínio!» Imediatamente decidi ensinar-lhe a autohipnose e deixei o resto da história para outra altura. Resolvi mostrar-lhe como podia relaxar progressivamente o seu corpo, começando por fechar os olhos. Normalmente digo: «Deixe a descontracção das suas pálpebras fechadas escorrer para a sua testa, como um liquido quente e relaxante.» Dei uma olhadela às suas pálpebras muito contraídas e tomei rapidamente a decisão de evitar a palavra «relaxamento», pelo menos inicialmente. Depois de se ter concentrado na respiração, durante vários minutos, notei que, apesar de tudo, a tensão se começava a libertar lentamente. As suas mãos mantiveram­se apertadas entre os joelhos, durante os dez minutos daquela técnica de «relaxamento». No fim desses dez minutos compreendi que iria ter um grande trabalho para ajudar Patricia no seu estranho problema.

Durante as duas visitas seguintes, utilizando a hipnose, tentei explorar as origens dos seus receios. Apesar de ela usar duas vezes por dia, cheia de boa vontade, a fita de relaxamento que lhe tinha gravado, não havia modificações nas suas defesas contra um transe mais profundo. Os seus dedos não se moviam às minhas sugestões, portanto não podia usar as minhas técnicas normais. Quando lhe pedi que respondesse verbalmente, não chegámos a lado nenhum. Nada do que ela dizia lançava qualquer luz sobre o problema — pelo menos não era a suficiente para explicar a sua enorme ansiedade a respeito do sexo.

Marquei um encontro com Mark e, alguns dias depois, ele apareceu só. Era um homem bonito e novo, com boa aparência; tinha pouco mais de trinta anos e estava vestido com muito cuidado, com cores que condiziam com o seu belo cabelo castanho. No nosso primeiro encontro ainda aparentou maior ansiedade que a sua mulher. Na realidade, a entrevista não poderia ter continuado sem o perturbar injustamente. Então, antes de mais, ensinei-lhe o autorelaxamento, nos primeiros cinco minutos! Depois, sorriu ligeiramente e todo o seu corpo se acomodou, hesitante, na cadeira. A sua cara continuou corada e a voz tremeu, quando me falou da sua vida em conjunto.

«Nada dá resultado! Seja o que for que eu tente com Patricia, mais cedo ou mais tarde, e normalmente bem depressa, ela recusa!» Sentia-se tremendamente frustrado e furioso. Disse: «Parece-me que ela considera o sexo sujo! Para ela é embaraçoso ficar um tudo nada excitada — depois, desliga.» Culpava-se a si próprio, pois tinha a sensação de que podia estar a proceder mal em algum aspecto. Tinha tentado tudo o que conseguira imaginar, incluindo tentativas infrutíferas de a forçar.

Sentia que o seu casamento era bom, pois gostavam um do outro. Mas estava totalmente exasperado por não conseguirem falar de sexo — «o nosso grande problema». Compreendia que devia ter procurado ajuda mais cedo. Admitiu: «Eu era muito `macho' para expor o problema a alguém e Patricia ficava aterrorizada por falar de sexo com um terapeuta. Na verdade,

o médico dela teve de a empurrar para ela vir ter consigo, quando verificou como ela anda nervosa.» Começaram a aparecer juntos às sessões. Semana após semana fizeram lentos progressos,

praticando várias tarefas que eu lhes indicava para os ajudar a apreciarem-se um ao outro. A princípio apenas davam massagens um ao outro, com óleo, em frente ao fogo (Patricia não conseguia ficar suficientemente descontraída, na cama), e tomavam duches em conjunto. Gradualmente, nos meses que se seguiram, Patricia começou a gostar — só um bocadinho mais, sem sentir embaraço.

Contudo aparecia sempre o mesmo padrão. Cada semana, apesar das minhas instruções, a «aproximação» só podia realizar-se aos sábados e domingos. Há anos que Patricia adormecia — «exausta» — no sofá, depois de jantar, todas as noites que juntos viam televisão. Agora ambos perguntavam se, nesses dias ela não estaria a evitar o sexo — e, nesse caso, porquê?

Um dia apareceram-me com um grande sorriso e, felizes, presentearam-me com um grande ramo de crisântemos dourados. Soube imediatamente que tinham ganho a sua primeira vitória. Tinham tido relações

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sexuais, pela primeira vez em onze anos! Sentámo-nos e eles contaram-me as boas notícias. Alguns minutos depois, Mark imitou as caretas de Patricia durante o acto sexual e todos rimos com vontade. Ela admitiu que tinha tomado uma decisão: «Agora ou nunca», e tentara descontrair-se o suficiente para permitir a penetração. Estava tão tensa que o marido quase desistiu; mas, por fim, aconteceu.

Várias semanas mais tarde, depois de mais conselhos sexuais, pedi a Patricia que começasse a vir para a hipnanálise.

Devido à sua confiança em mim e à calma geral, ela era agora facilmente hipnotizável. Mergulhou prontamente num transe profundo e estabeleceu fortes sinais de dedos. Através desses sinais, o seu subconsciente tornou claro que as causas do seu problema estavam profundamente escondidas do seu consciente. As raízes não provinham desta vida, mas sim de vidas anteriores. Leváramos nove meses a começar a compreender verdadeiramente as origens dos seus receios traumatizantes!

Fi-la retroceder a «um acontecimento muito antigo» relacionado com o seu problema. A sua voz modificou-se consideravelmente, tornando-se muito segura e incisiva.

P. — Sinto o sol ... é muito quente. P. — Vejo areia e água. É o mar. É muito azul e límpido ... está calor. Dr.ª F. — Vê alguém? P. — Não, não vejo. Só as praias. Dr.ª F. —Há muitas ondas? P. — Não, está muito calmo. Dr.ª F. — Agora repare em si; diga-me o que traz vestido e faça-me uma descrição de si própria. P. — Sou muito alta. Sou elegante, estou bronzeada ... não gosto de estar aqui. Sinto ... está a

incomodar-me o facto de estar aqui. Dr.ª F. — Esse não é o seu país? P. — É, porque me sinto bem aqui. É o meu lugar, é aqui que pertenço. Dr.ª F . — Qual é o nome do seu país? P. [Surpreendida.] — Kauai? ... Kauai. Dr.ª F. — Qual é o ano? P. -0 Ano ... da Lua. Dr.ª F. — Mas não quer estar aqui? ... Não quer estar aqui neste momento, é isso? Está a acontecer

ou vai acontecer alguma coisa? P. — Pode ser isso. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? P Acho ... Alena. Dr.ª F. — Que traz vestido, Alena? P. — Um vestido ... acho que é azul e branco. Dr.ª F. — Tem muitos vestidos? P. — Oh ... sim, tenho ... alguns. Dr.ª F. — Que usa, normalmente? P. — Uso um vestido ou ... ou só uma saia. Dr.ª F. — E com essa saia, que usa?P. —Flores. Dr.ª F. — Usa alguma blusa, ou anda despida da cinta para cima?P. — Não uso nada na parte de cima. Dr.ª F. — Onde conseguiu o tecido para este vestido? P. — Uns marinheiros deram-no ao meu pai ... ele é o chefe. Dr.ª F. — E como se chama o seu pai? P. [Silêncio.] Dr.ª F. — Bom. Gostaria que avançasse até ao momento em que ouça alguém a dirigir-se ao seu pai,

ao contar até três. Um ... dois ... três. P. — Vejo homens e mulheres de pé. O meu pai está a falar com eles e eles estão a fazer vénias ... e

eu estou apenas ali de pé, a ouvir. Dr.ª F. — Fala-lhes acerca de quê? P. — Acho que é acerca de comida. Dr.ª F. — Que diz ele, a respeito de comida? P. — Que não temos comida suficiente.Dr.ª F. — Como se sente agora? P. — Aborrecida. Dr.ª F. — Ouça o nome que eles dão ao seu pai. Ouça esse nome a ser pronunciado. P. — Tubo, vem-me à cabeça.

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Dr.ª F. — Bom. Volte para a praia onde esteve. Um ... dois ... três. P. — Parece que estou a olhar em volta. Acho que estou à espera ... à espera de alguém e ele não

vem ... sinto-me muito impaciente. [Arrogantemente.] Dr.ª F. — Por quem espera? P. — Pelo meu amante. Ele devia vir. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? P. — Hmm ... Estin, vem-me ao espírito. É um nome bonito. Gosto do nome dele. Dr.ª F. — De onde vem ele?P. —De outra cidade. Dr.ª F. — Como vem ele? P. — Vem a cavalo. [Lembrei-me de ter lido algures que os cavalos foram levados, pela primeira vez,

para as ilhas do Havai, por volta do princípio do século XIX.] Dr.ª F. — Agora que se passa? P. — Vejo-o chegar. Não sei porque o mandei vir. Não gosto dele a sério, mas preciso dele. Ele é ...

ele é muito bonito, mas tem-se em grande conta ... e não é suficientemente bom para mim. Dr.ª F. — Já são amantes há muito tempo? P. — Parece que sim. Penso que até há tempo de mais. Ele põe-me mesmo fora de mim. [Disse com

petulância.] Dr.ª F. — Que a põe fora de si? P. — É por causa ... interessa-se por outras mulheres, além de mim. [Pausa longa.] Dr.ª F. — Que está a acontecer agora?P.— Estamos deitados na areia ... estamos a ter relações sexuais. Ele agrada-me verdadeiramente,

neste aspecto, mas não ... mas não sob outros aspectos. Dr.ª F. — Gosta dessa sensação. Tome consciência do seu grau de resposta. P. — Sou muito activa. Sempre fui, desde que me lembro. Dr.ª F. — Só com ele, ou também com outros? P. — Acho que também houve outros. Sempre me pareceu que era bom. Dr.ª F. —Sempre foi capaz de se exprimir completamente no campo sexual; é isso que pretende

dizer? É capaz de sentir orgasmos e tudo isso? P. — Acho que sim. Tenho realmente muito prazer e Estin também parece ter um grande prazer, portanto deve estar certo. Dr.ª F. — Sente-se bem, tendo relações com ele e com outros? P. — Com outros, sim ... com ele não. Ele ... ele é tão convencido. Ama-se a si próprio e não me ama

a mim. [Com um tom de voz casual.] Dr.ª F. — Os outros, amaram-na? P. — Sim ... mas eu não os amava. Nessa altura estava bem. Dr.ª F. — Que se passa agora? P. — Estin vai-se embora ... sinto-me envergonhada. Dr.ª F. — Porquê? P. — Porque ele só ... ele serve-se de mim e depois vai-se embora. Ele não fala comigo ... não me

conhece. Não gosta de mim em especial, mas gosta ... gosta do que fazemos, tal como eu. Quero que ele me aprecie e que não seja só ... só sexo.

Dr.ª F. — Quer vê-lo outra vez?P. — Sim e não. É sempre a mesma coisa ... assim não me sinto bem. Ele não me força. Eu é que lhe

peço. Dr.ª F. — Mas não está satisfeita com a situação, pois não? P. — Se eu não gostasse tanto de sexo, seria muito mais fácil, mas é tão bom ... especialmente com

ele. Dr.ª F. — Ele é muito bom como amante? P. —Sim. Muito bom. Nesse aspecto é muito meigo, mas nos outros ... Dr.ª F. — Muito bem. Vou pedir ao seu subconsciente que escolha o próximo acontecimento

importante. Um ... dois ... três. P. — Acho que vou deixar de lhe ligar. Isso vai ser para ele uma lição! Vai ser mesmo uma lição! Ele

não vai gostar, vai desejar-me, mas eu não precisarei mais dele, porque já não tenho necessidade disto. Dar-lhe-ei uma lição!

Dr.ª F. — Acha que pode fazer isso? Pode desinteressar-se? P. — Claro. Posso fazer tudo. [A sua voz estava cheia de confiança e arrogância.] Dr.ª F. — Bom, agora gostaria que avançasse, para vermos se se desinteressou. Um ... dois ... três. P. — Acho que sim. Ele veio outra vez, mais tarde. Bateu-me porque eu não queria estar com ele.

Mostrei-lhe ... pu-lo doido. Dr.ª F. — Que fez?

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P. — Não quis ter relações sexuais com ele. Dr.ª F. — Que aconteceu?P. — Deixei-o avançar e, no último minuto, não o deixei penetrar em mim. Dr.ª F. — Como se sentiu ao fazer isso? P. — Não me senti muito bem, mas ele também não se sentiu lá muito bem; portanto, tudo correu

bem. Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse de novo, para outro acontecimento muito importante. Um ...

dois ... três. Que lhe está a acontecer? P. — Estou sentada debaixo de uma palmeira ... Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa? P. — Hmm ... sinto-me meia ... deprimida. Dr.ª F. — Porquê? P. — Oh! ... eu, hmmm ... já não gosto ... do sexo. Os outros não me dão prazer como o Estin.

Parecem ... eles não ... não há paixão. Ah ... eles são bons, mas, sabe ... não ... não é a mesma coisa. Dr.ª F. — Não tem nenhum prazer; é isso que quer dizer? P. — Não tenho muito. Tenho algum, mas não se compara ao que tinha com Estin. Dr.ª F. — Estin ainda faz parte da sua vida? P. — Não. Dr.ª F. — Que aconteceu?P. — Bem ... ele partiu e ... e não é tão bom. Dr.ª F. — Pode falar-me mais acerca disso? P. — Eu ... eu não ... não tenho a mesma sensação. Dr.ª F. — As coisas modificaram-se assim tanto, para si? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Isso faz com que se sinta deprimida? P. — Oh, sim ... porque já não sabe tão bem como quando era com ele. Dr.ª F. — Quando disse que ele partiu, que pretendeu dizer? P. — Ele deixou-me, não sei se saiu da ilha. Pode estar ainda aqui, não o tenho visto. Dr.ª F. — Já se passou muito tempo, desde a última vez que o viu? P. — Hum-hummm ... parece que sim. Dr.ª F. — E quando está com outros homens não tem prazer sexual? P. — Não é ... não é o mesmo, não é a mesma sensação. É ... não é mesmo que com ele. Dr.ª F. — Antes de o encontrar sentia prazer sexual com outros homens? P. — Eu pensava que sim, mas depois ... quando tivemos relações sexuais ... compreendi o que tinha

perdido ... [Pausa longa.] Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa acerca de si própria, acerca do que sente? P. [As palavras saiam lentamente.] — Oh! ... Ele partiu e isso faz-me sentir zangada ... e ...

aborrecida. Dr.ª F. — Como decorre agora a sua vida? Como preenche os seus dias? P. — Oh ... levanto-me ... como algumas frutas e ... vou nadar ... a água é boa para nadar e ... ando

por aí ... não ... não trabalho. Dr.ª F. — Interessa-se por alguma coisa? Gosta de pintar, cantar ou tocar algum instrumento

musical? P. — Não. Gosto de ... passear pelos ... montes e ... almoçar. Tenho ... tenho um tubo de madeira e

ele emite ... emite sons. Gosto disso. Vou sozinha e sento-me no monte e olho cá para baixo ... para a água. Levei Estin para ali.

Dr.ª F. — Parece ser um belo lugar. P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Viveu sempre nesta ilha? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa a respeito da ilha? P. —Hmm ... os homens pescam todos os dias. Trazem-nos peixe, comida. As mulheres fazem ...

fazem a comida, com o peixe ... e o chefe está, hmmm ... está preocupado. Dr.ª F. — Porque está ele preocupado? P. — Parece que uma das outras ilhas vai ... entrar em guerra. Dr.ª F. — Sabe escrever e ler? P. — Não. Não temos escolas ... não. Dr.ª F. — Por quem é constituída a sua família? P. — Parece-me que tenho ... três irmãs. Elas são lorpas ... são lorpas, são ... Dr.ª F. — São lorpas? P. — São ... palermas.

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Dr.ª F. — São mais novas que você? P. — Sim. Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que a leve até um acontecimento ocorrido em sua casa,

para que possa apreciar tudo isso. Um ... dois ... três. Que faz agora? P. — Hmm ... estou sentada no ... sentada no chão. Dr.ª F. — Onde está? P. — Dentro de uma cabana. Dr.ª F. — De quem é a cabana? P. — Acho que é a minha cabana. Dr.ª F. — A cabana é só sua ou partilha-a com algum membro da sua família? P. — É ... é só minha. Dr.ª F. — Pode dizer-me o que há 1á dentro? Consegue descrevê-la? P. — Humm ... tapetes para nos deitarmos ... pote. Dr.ª F. — Para que serve?P. — Hmm ... acho que é para a comida ... e é ... o sol entra e está quente, é bom. Dr.ª F. — Gosta da sua cabana? P. — Hum-humm. Dr.ª F. —Vê alguém da sua família? P. — Vejo o meu pai, de pé, na praia ... com a sua ... com a sua ... grande barriga. [Ri baixinho.] Dr.ª F. — Que acha da cena? P. — Oh ... hmm. É divertida. Dr.ª F. — Que quer dizer?P. — Ele é ... ele é gordo. Tem uma grande barriga. Dr.ª F. — A sua mãe também é gorda?P. — Hmm...Dr.ª F. — Consegue vê-la? P. — Não. Dr.ª F. — Consegue ver alguma das suas irmãs? P. — Só ... só, ah ... o meu pai, de pé, na praia. Dr.ª F. — Bom, agora vou pedir ao seu subconsciente que a leve até uma ocasião em que se

encontre com toda a sua família. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? P. — Oh! Estamos todos a comer; as minhas três irmãs e o meu pai. Dr.ª F. — Mais alguém? P. — Hmm ... acho que o meu tio também está aqui. Dr.ª F. — Onde está a sua mãe? P. — Hmm ... não sei. [Com voz espantada.] P. — Ela é ... eu não ... não sei nada dela. Dr.ª F. — Mas vive com o seu pai e com as suas três irmãs?P. —Hum-humm. Dr.ª F. —Há um único chefe na ilha? P. —Hum-humm. Dr.ª F. — Que está a comer? P. — Uns ... uns frutos e peixe e ... peixe esmagado com raízes. Dr.ª F. — Quem prepara a comida? P. — Algumas das mulheres da ilha. Dr.ª F. — Bom, avance mais no tempo, até um acontecimento muito significativo. Um ... dois ... três. P. [Pausa longa.] — Acho que estou ... a morrer ... sinto que fui tola, por ter feito o que fiz. [A voz é

pesada e triste.] Dr.ª F. — Que fez? P. — Isolei-me. Fiz ... fiz com que eu mesma deixasse de ter prazer e isso foi loucura da minha parte;

que posso fazer? Não posso ter prazer. Foi mesmo loucura da minha parte ... isso. Dr.ª F. — Sente na realidade que fez uma má escolha, que cometeu um grande erro? P. — Creio que sim. Dr.ª F. —Agora é velha, Alena? P. — Não me parece ... não me parece que seja muito velha, mas ... estou a preparar-me para

morrer. Dr.ª F. — Como sabe isso. P. — Não sei.Dr.ª F. — Tem consciência de mais alguma coisa? P. — Sinto a falta de Estin. Já passaram ... já passaram muitos anos, desde a última vez que o vi ...

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mas ainda lhe quero da mesma maneira. [Lágrimas enchiam os seus olhos.] Quem me dera não ter feito aquilo. Tantos anos perdidos.

Dr.ª F. — Casou, teve filhos? P. — Não, acho que não. Dr.ª F. —E agora está doente? É por causa disso que está a morrer? P. — Não me sinto doente. Dr.ª F. —Vá até ao momento da sua morte. Veja se se apercebe da causa da sua morte e da

sensação da morte. Um ... dois ... três. Que sente? P. — Estou ali deitada. Dr.ª F. — Está alguém consigo?P. — Parece que está muita gente à minha volta. [Calmamente e baixinho.] Não sinto dores, mas sei

que vou morrer. Dr.ª F. — Onde está? Está em sua casa ou ...? P. — Estou ao ar livre. Acho que eles vão matar-me. Dr.ª F. — Eles vão matá-la? P. — Acho que sim. Acho que é ... acho que é um sacrifício. Acho que é isso e ... e não me importo.

Não me faz diferença nenhuma morrer. Dr.ª F. — Como vão matá-la? P. — Acho que me vão atirar para uma montanha. Para um vulcão? Não sei. Dr.ª. F. —Como chegou aí acima? P. — Parece-me ... que me trouxeram numa plataforma, com o meu vestido azul e branco e penso

que me vão atirar. Dr.ª F. —É um costume do sítio onde vive? P. — Acho que é. Dr.ª F. — Ao contar até três saberá exactamente onde está, quais são as razões desse costume e

sob que circunstâncias se escolhe a pessoa. Um ... dois ... três. P. — Sou a filha do chefe e houve ... foi um ano mau para as colheitas, não há água e a única

maneira de apaziguar os deuses é ... é sacrificarem-me e eu sei isso.

Enquanto ainda se encontrava sob hipnose, concordei com Patricia que ela tinha cometido um erro em «desligar» e dei-lhe sugestões para permitir a si mesma a recuperação da actividade sexual que naquela vida tão naturalmente desfrutara. O seu subconsciente indicou concordância.

Saiu da hipnose e conversámos sobre a sua primeira experiência na pele de «outra pessoa».

Dr.ª F. — Sente que voltou? P. —Sim. [Rindo.] Dr.ª F. — Sente que é uma pessoa muito diferente daquela que foi? P. — Sim. Bem, sim e não. Sentia-me muito superior, sabe, mas ... Dr.ª F. — Desempenhava esse papel. Tinha uma maneira de agir arrogante. P. — Vi isso, sim. Sentia, «sou um 'eu' diferente». Eu não sou assim, sabe. Talvez seja, mas não sou.

[Rindo.] Tinha uma atitude desinteressada acerca dos outros amantes, quem se importa? Não interessa o que eles sentiram por mim. Eu, sabe ... é de loucos! Dr.ª F. — Sente que esteve muito envolvida emocionalmente com Estin, apesar de não haver um bom

relacionamento? P. — Sentia-me apegada a ele, mas ele não sentia o mesmo por mim. Dr.ª F. —Mas você não gostava dele?P. —Eu não gostava dele, mas de certo modo gostava. Eu estava ... talvez eu não gostasse dele, por

ele não gostar de mim, mas, a verdade, sabe, eu ... queria-o de verdade. Dr.ª F. — Na verdade, você queria mais qualquer coisa dele. Então decidiu que não gostava dele,

quando na realidade isso não era verdade. P. — Sim, penso que foi isso. Dr.ª F. — Isso explica-lhe o que lhe aconteceu nesta vida? Faz sentido para si?P. — Sim, faz. Na realidade explica porque não me consigo descontrair. É engraçado, por vezes,

nessas ocasiões, eu pensava: «Oh! Isto é só fantasia, sabe, estou a inventar toda esta estúpida coisa!» Mas, nessas alturas, tinha uma espécie de visões, como cenas, que ...

Dr.ª F. —E na altura do sacrifício, estava lá em cima da montanha, quando fazia a descrição? P. — Bom, quando comecei a descrição estava cá em baixo, porque só me conseguia ver deitada

numa laje, mas depois estava no cimo da montanha e acho que me atiraram. Dr.ª Viu-se a ser atirada? P. — Não.

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Dr.ª F. — Não tinha medo? P. — Não, nem um bocadinho. Era muito ... Sabe ... então? Dr.ª F. — Como reagiu às minhas perguntas?P. — Pensei: «Quem me estará a fazer todas estas perguntas?» Senti-me muito superior e

incomodada.

Nos primeiros minutos do nosso encontro seguinte, Patricia deliciou-me com os pormenores das reacções de Mark ao saber que a sua mulher tinha sido uma princesa havaiana. Primeiro sentiu um choque enorme; depois não acreditou; e finalmente, intrigado, fez milhares de perguntas. Estin seria ele? «Não me parece que sejas», respondeu Patricia. Mark ficou ciumento durante alguns momentos. Mas a reacção sexual dela maravilhou-os a ambos. «Disse a Mark que me sentia tão sexy que quase nem acreditava em mim mesma.» Notou no seu corpo

sensações mais fortes do que jamais sentira (nesta vida!). Quis fazer amor logo ali, mas Mark aparecera com uma febre intestinal, por isso estava incapacitado por alguns dias. Depois ela própria teve a mesma febre. Entre as sessões, apenas tinham feito amor uma vez. «Mas que mudança!», exclamou ela. «Consegui sentir todas aquelas sensações maravilhosas que sentira como Alena — não tão fortes, mas cem vezes melhor que dantes.» Era evidente que se sentia encorajada e a sua alegria era resplandecente.

Um momento depois, disse: «Aconteceu uma coisa estranha, compreendi que me sentia culpada.» Fez contrastar esta sensação com os anteriores sentimentos de nojo, raiva e ansiedade, que experimentara durante os primeiros anos do seu casamento. Agora, sentindo menor ansiedade, tinha a sensação de que não estava a proceder bem — e, no entanto, sabia que não fazia nada de errado. Estava baralhada.

Hipnotizei-a e perguntei ao seu subconsciente se acontecera alguma coisa que lhe pudesse provocar aquele sentimento de culpa. Alguns minutos depois viu-se «noutro lugar, noutra época e como outra pessoa».

P. — Estou sentada debaixo de uma árvore ... acho que é uma macieira ... erva verde. Dr.ª F. — Descreva-se a si própria e tudo o que a rodeia. P. — Parece-me que tenho doze anos ... uso tranças e estou aqui sentada, no alto desta montanha ...

olhando ... lá para baixo, para o vale e para o verde ... é realmente luxuriante e bonito ... está frio ...gosto de estar aqui.

Dr.ª F. — Gostava que me dissesse o que tem vestido e o que sabe acerca de si própria. Diga o seu nome.

P. — Kim, vem-me à cabeça ... Kimberly Bjorg. Pele clara. Parece-me que uso um avental azul... avental aos quadrados azuis. Estou sentada debaixo de uma macieira.

Dr.ª F. —Porque está aí, Kim? P. — Porque é sossegado e aproveito um dia de Primavera. [Sorrindo.] É muito bonito cá fora. Dr.ª F. — Onde vive, Kim? P. — Lá em cima ... no cimo do monte. Dr.ª F. — Quem é a sua família? P. — A mãe, o pai e ... George. Dr.ª F. — Quem é George? P. — ... O meu irmão. Dr.ª F. — É mais velho ou mais novo que você? Dr.ª F. — Em que país vive? P. — Suécia? ... Suécia. Dr.ª F. — Como se chama a sua cidade? Vive perto da cidade? P. — Não. Vivemos ... vivemos no campo. Dr.ª F. — Vive perto de alguma cidade?P. — Hmm ... não é muito perto ... Vem-me ao espírito ... Knightstown. Dr.ª F. — Pode descrever-ma? Consegue vê-la daí, onde está sentada? P. — Não, é muito longe. Dr.ª F. — Que ano é, Kimberly? P. — Hmm. Dr.ª F. — Isso surgir-lhe-á quando eu contar até três. Um ... dois ... três. P. — Mil oitocentos e qualquer coisa ... Mil oitocentos e vinte e cinco, veio-me à cabeça. Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que avance até um momento muito significativo. Alguma

coisa que seja importante que você saiba. Um ... dois ... três. P. —Ë George. Está a subir o monte. [Voz muito excitada.] Dr.ª F. — Ainda se encontra sentada debaixo da macieira? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Como se sente quando o vê aproximar-se?

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P. — Mal. Ele vai ... vai querer ... fazer outra vez aquelas brincadeiras e eu ... não gosto nada daquilo, mas ... ele gosta, sabe ... ele gosta delas.

Dr.ª F. — Pode falar-me dessas brincadeiras? P. [Timidamente.] — Oh, não. Dr.ª F. — Prefere não o fazer? P. — Sim. Dr.ª F. — Sabe que sou médica, não conto a ninguém o que me disser, e não a julgo. Talvez ao saber isto seja mais fácil contar-me. P. — Mas ... hmm. Dr.ª F. — Parece envergonhada por causa disso. É verdade? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Há muito tempo que ele quer ter essas brincadeiras consigo? P. — Oh ... parece que sim. Dr.ª F. — Que idade tinha quando começaram? P. — Dez anos. Dr.ª F. — Descreva o que se passa quando George se aproxima. P. — Oh ... ele vem a subir o monte e pergunta-me se eu quero brincar, eu digo «Não» ... mas,

mesmo assim, brincamos. Dr.ª F. — Já pode dizer-me mais qualquer coisa acerca disso? P. — Oh, nós tocamo-nos um ao outro e ele faz barulhos esquisitos e ... eu ... eu ... eu gosto, mas ...

mas ... mas acho que não devia. [Baixa a voz para um murmúrio.] Dr.ª F. — Que a faz pensar que não devia fazer isso? P. — Bom, nós ... somos irmãos. Parece-me que não devíamos fazer coisas dessas, um com o outro. Dr.ª F. — Alguém lhe disse isso? P. — Eu ... ouvi. Sei. Dr.ª F. — Quando ele a toca, que sente? P. — Oh ... sinto ... é muito bom, mas ... depois sinto-me mal. Dr.ª F. — Depois sente-se mesmo muito mal? P. — Eu sei ... ele convence-me a fazer isto, mas sei que não o devíamos fazer.Dr.ª F. — Quando fazem isso estão nus? P. — Não, não! Dr.ª F. — Fazem mais alguma coisa, além de se tocarem? P. — Isso é ... é ... é isso.Dr.ª F. — Ele já lhe sugeriu fazerem mais alguma coisa, além de se tocarem? P. — Não. Dr.ª F. — Bom, deixe essa recordação desaparecer e descreva apenas o que se passa. P. — Oh, ele ... ele vai-se embora, vai a rir-se e eu estou aqui ... e penso que não sou muito esperta

... não me sinto muito bem. Dr.ª F. — Quando diz que não se sente muito bem, pode explicar-me o que quer dizer isso, para si? P. — Cá dentro ... não estou satisfeita comigo mesma. Dr.ª F. — Agora, deixe essa recordação desaparecer e concentre-se de novo na sua respiração. Vou

pedir ao seu subconsciente que a leve para outro acontecimento muito importante. Um ... dois ...três. P. — George está a casar-se. Agora não faremos mais aquelas brincadeiras ... e eu sinto-me mal,

mas vou sentir a falta delas. Quase sinto ciúmes da mulher dele. Dr.ª F. — Acabou por aceitar e por gostar daquelas brincadeiras? P. —Sim. Dr.ª F. — Que idade tem agora?P. — Quinze.Dr.ª F. — Que idade tem George? P. — Vinte. Dr.ª F. — Conte-me o que aconteceu nesses três anos, desde a época em que tinha doze anos e

estava sentada debaixo da macieira até agora, no que respeita aquelas brincadeiras. P. — Bom, fizemos mais ... mais coisas além de nos tocarmos. Dr.ª F. — Está a morder o lábio. Porque faz isso? P. — Porque não quero contar-lhe. Dr.ª F. — Eu não vou dizer a ninguém. Sou médica e não a vou julgar. Estou aqui só para a ajudar;

por isso, diga-me tudo o que puder, sobre o que fez; deite cá para fora os seus sentimentos. Isso ajudá-la-á muito.

P. [Pausa.] Oh ... ele ... gosta de ... experimentar. Dr.ª F. — Experimentar?

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P. — Carícias. Dr.ª F. [Lembrando-me que Patricia evitava o sexo durante os dias de semana.] — Fazem carícias

todos os dias? P. — Não. Dr.ª F. — Há certos dias que não fazem isso? P. — Ele partiu ... ah ... dois dias. Dr.ª F. —Para onde vai ele? P. — Para a aldeia. Dr.ª F. — Que faz, na aldeia? P. — Arranja comida, vê os seus amigos e corta madeira. Dr.ª F. — Corta madeira na aldeia? P. — Acho que ... ele traz madeira. Traz madeira cá para cima. Dr.ª F. — A aldeia é muito longe, ele leva muito tempo a chegar lá? P. — Horas. Dr.ª F. — Então, quando vai para baixo, aos fins-de-semana, passa lá a noite? P. —Sim. Dr.ª F. — Como costuma fazer? Quando costuma partir? P. — Oh ... sábado de manhã, muito cedo. Dr.ª F. —E quando volta?P. — Domingo ao fim da tarde. Dr.ª F. — Como se sente quando ele parte? P. — Oh ... sinto a falta dele ... mas, de certo modo, sinto-me aliviada, acho. Dr.ª F. — Sei que as pessoas se podem sentir atraídas e podem gostar uma da outra, mesmo sendo

irmão e irmã. P. — Mas isso não está certo. Dr.ª F. — Os nossos corpos não sabem isso, só o nosso espírito, porque foi assim que nos

ensinaram, é assim que pensa a nossa sociedade. Compreende o que estou a dizer? P. — Sim. Dr.ª F. — Então vai contar-me mais coisas sobre o que fizeram juntos? P. — Nós ... humm ... nós ... tivemos relações sexuais.Dr.ª F. — Como foi isso para si? Como se sentiu? P. — Humm ... era bom. [Baixando a voz.] Dr.ª F. — Isso acontecia com frequência? P. — Sim ... excepto aos sábados e domingos. Dr.ª F. — Quando tinha relações sentia-se excitada, sentia alguma coisa parecida com o clímace? P. [Pausa.] Dr.ª F. — Sabe o que quero dizer com esta palavra?P. — Sim ... Não, acho que não. Dr.ª F. — Mas gostava daquilo? P. —Sim. Dr.ª F. — Quando foi a última vez que tiveram relações sexuais? P. — Oh, há cerca ... há uma semana, e então, ele disse que não podíamos fazer mais aquilo, porque

se ia casar. Dr.ª F. — Que lhe respondeu? P. — Disse «Está bem». Que podia eu dizer? Dr.ª F. — Alguém descobriu as vossas brincadeiras? P. — Não ... não, que eu saiba. Dr.ª F. — Sabe como são concebidos os bebés? P. — Sim. Dr.ª F. — Preocupa-se com isso? P. — Não. Dr.ª F. — Agora gostaria que deixasse essa recordação desvanecer-se e que se concentrasse na sua

respiração; quero pedir ao seu subconsciente que avance para o próximo acontecimento importante, uma coisa que precise de saber. Um ... dois ... três.

P. [Pausa.] Dr.ª F. — Que se passa? P. — Acho que estou grávida. [O queixo tremia.] Dr.ª F. — Que a faz pensar isso, Kim? P. — Não sei.Dr.ª F. — Vai tornar-se mais claro, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. Onde se encontra e

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que se passa? P. — Estou sentada à mesa da cozinha ... e a minha mãe e o meu pai estão a discutir. Dr.ª F. — Qual é o assunto da discussão? P. — Sou eu. Dr.ª F. — Fale mais acerca disso. P. — Estou ... estou grávida, vou ter um bebé. Não sou casada. Dr.ª F. —Eles sabem que está grávida? P. — Sim. Dr.ª F. — Que pensam acerca disso?P. — Estão zangados, porque eu não sou casada ... mas eles não ... eles não sabem ... quem ... é o

pai. Dr.ª F. — Não lhes disse? P. — Não. Não posso. [Quase a chorar.] Dr.ª F. — Estão a convencê-la a dizer? P. —Sim. Dr.ª F. —E porque é que eles estão a discutir? P. — Estão a discutir um com o outro, mas estão muito zangados comigo. Dr.ª F. — Como se sente? P. — Muito mal ... muito envergonhada ... confusa. Dr.ª F. — Como sabe que está grávida?P. — O meu estômago está muito grande. Dr.ª F. — Já foi a algum médico? P. — Não. Dr.ª F. —E você sabe quem é o pai? Ele já sabe? P. —Não. Não consigo dizer-lhe. Dr.ª F. — Porquê? P. — Porque ... é ... é George. Dr.ª F. — George visita-vos? P. — Sim. Dr.ª F. —E ele não é capaz de ver que você está grávida? P. — Ele não sabe ... que é dele. Goza-me. [Voz cheia de raiva.] Dr.ª F. - Que lhe diz ele? P. — Oh, ri-se por eu estar grávida. Dr.ª F. — E você anda a protegê-lo? P. — Bom ... não o faço por essa razão ... por ele, faço-o por mim, estou tão envergonhada. Não seria

capaz de dizer a ninguém. Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que a leve até ao próximo acontecimento importante,

quando eu contar até três. Um ... dois ... três. P. [Pausa.] Dr.ª F. — Que sente, Kim? P. — Bom, não posso continuar aqui. [A sua voz era arrastada e resignada.] Dr.ª F. — Onde está? P. —No cimo da montanha.Dr.ª F. — Porque não pode ficar aí? P. — Porque não posso ficar aqui e ter este bebé. Acho ... acho que vou saltar, porque não posso ...

não posso ter este bebé! [Voz apavorada.] Dr.ª F. — De onde vai saltar? P. — Da montanha; depois ... depois tudo ficará resolvido. Dr.ª F. — Pensou muito acerca disso?P. — Não, mas tem de ser ... detesto-me pelo que fiz ... e não quero o bebé. Não me parece verdade.

Não ... não consigo enfrentar George. Não consigo enfrentar a mãe e o pai ... tenho de fazer qualquer coisa. Sinto-me tão ... tão mal e vou ... será melhor. Pelo menos não terei ... de lhes explicar.

Dr.ª F. — Descreva o que faz a seguir. P. [Pausa.] Dr.ª F. — Conte-me o que se passa. P. [Pausa.] Dr.ª F. — Conte-me o que vê ou o que sente. P. — Saltei ... mas ainda estou ... ainda estou viva. Sinto-me a cair. Não ... hmmm. Dr.ª F. — Onde está agora?P. [Pausa.]

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Dr.ª F. — Que sente agora? P. — Nada. Sinto-me a flutuar. Estou contente por tudo ter acabado.

Trouxe Patricia de volta ao presente e, sob hipnose, expliquei-lhe que havia a possibilidade de a sua atracção sexual pelo irmão ter atingido o seu consciente, por causa de ter sido uma princesa havaiana na encarnação anterior (encarnação que, provavelmente, terminara pouco antes da sua vida como Kim). Aos membros da família real era permitida a manutenção de relações sexuais, uns com os outros; possivelmente, ela transportara determinado grau dessa permissão para a vida seguinte, o que lhe permitira ultrapassar o tabu contra o incesto.

Concordou rapidamente e a sua face e corpo relaxaram-se — a sua expressão denotava um alívio imenso. Resolvi perguntar-lhe se George era alguém que conhecia nesta vida. Respondeu, lentamente, que era Mark.

Na nossa sessão seguinte, Patricia sorria triunfante ao entrar no meu consultório. Logo que tirou o casaco e se instalou na cadeira, disse: «Mark e eu estamos a apreciar verdadeiramente a companhia um do outro.» Com uma torrente de palavras, exclamou: «Pela primeira vez tivemos relações sexuais durante a semana — e eu gostei!» Num tom espantado, disse: «Sinto-me cada vez mais excitada, quando fazemos amor.» Perguntei-lhe: «Ainda tem a sensação de culpa, da qual me falou da última vez?» «Desapareceu. Não me sinto culpada. Sinto prazer puro e simples», respondeu, com um grande sorriso.

Como ainda não sentia o clímace, pu-la em transe e perguntei ao seu subconsciente se havia alguma coisa que a impedia de gozar completamente o sexo. O seu dedo do «sim» levantou-se. O seu subconsciente indicou novamente que precisávamos de investigar uma vida anterior. Sugeri que a levasse para «um acontecimento, que é muito importante que você entenda — que está ligado à sua sexualidade». Depois de eu contar até dez, ela encontrou-se, «de olhar perdido, com uma sensação de desânimo», parada, numa estrada poeirenta, em Larzo, uma cidade perto de Barcelona. Decorria o ano de 1901.

P. — Não há ... não há sexo, para uma pessoa como eu ... ninguém me quer. [A sua voz tremia com emoção.]

Dr.ª F. — Porque diz isso? P. — Veja. [Gesticulando.] Sou gorda. Quem quer tudo isto? Tenho regueifas a mais. Dr.ª F. — Há quanto tempo é gorda? P. — Não me lembro de ser magra. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? P. — Tia. Dr.ª F. — Porque lhe chamam Tia? [Recordando das minhas aulas de espanhol que «tia» era a

palavra espanhola para «aunt» (tia).] P. — É o que ... é como me chama o meu sobrinho. Oh, era engraçado e ... pegou. Dr.ª F. — Qual é o seu verdadeiro nome? P. — Margarita. Dr.ª F. — Que idade tem?P. — Tenho trinta anos. Dr.ª F. — É casada? P. — Não. Dr.ª F. — Sabe porque come tanto? P. — Assim é mais seguro.Dr.ª F. — Que quer dizer com «seguro»? P. — Sendo gorda, não me podem magoar. Dr.ª F. — Que pretende dizer com isso? P. — Bom, ninguém pensaria em ... nenhum homem pensaria e amar-me, assim não sou ... sendo

como sou, não estou disponível, isto é, sou gorda, ninguém pode ... ninguém tenta ... aproximar-se de mim ... e assim, dado que todos pensam do mesmo modo, assim não sofro.

Dr.ª F. — Já alguém a fez sofrer? P. — Não.Dr.ª F. — Que a faz ter tanto receio de sofrer? P. — Oh ... vi outras pessoas. Dr.ª F. — Quem? P. — Bem ... a minha mãe. Dr.ª F. — Que aconteceu à sua mãe? P. — O meu pai deixou-a por causa de... de outra que era mais nova e bonita e riu-se dela, disse-lhe

que ela era gorda e feia e que já não a queria. Dr.ª F. — Assistiu a isso?

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P. —Sim. Dr.ª F. — Que idade tinha, quando isso aconteceu? P. —Sete. Dr.ª F. — Como se sentiu? P. — Senti-me envergonhada, por causa dela. Dr.ª F. — Que sentiu a respeito de si própria? P. — Senti que nunca deixaria que isso me acontecesse.

Liberta do transe, Patricia abanou a cabeça, espantada. «Ah! Era eu também?», perguntou. «Ela sentia que ninguém a queria — tinha tanto medo de sofrer.» Admitiu, que no fundo, tinha muitos daqueles receios, mas, felizmente não eram tão vincados.

Na semana seguinte, Patricia declarou: «Quando Mark e eu temos relações, sinto cada vez maior prazer. Estou mais descontraída e, por vezes, dou comigo com vontade de fazer amor. Antigamente nunca sentia vontade.» Quando lhe fiz um inquérito mais cerrado revelou, num tom espantado e frustrado: «Agora tenho consciência de que fico tensa. Sinto uma grande ansiedade, no momento em que Mark inicia a penetração.» Acrescentou rapidamente: «Mas estou verdadeiramente feliz, porque o sexo está a tornar-se agradável. Que mudança!»

Surgiu no meu espírito a imagem de uma cebola — mal tiramos uma casca, logo deparamos com outra!

Tal como tínhamos previsto, sob hipnose, o subconsciente de Patricia indicou que havia uma outra experiência, numa vida passada, que obstruía a livre expressão da sua sexualidade. Fi-la retroceder; lenta e tristemente, disse:

P. — Estou sentada num banco ... a olhar para a rua. Dr.ª F. — Qual é o aspecto da rua? P. —É branca ... os edifícios são brancos ... tudo é branco. Dr.ª F. — Que faz no banco? Porque está aí sentada? P. — Espero o autocarro. Dr.ª F. — Onde está? P. —No Egipto. Dr.ª F. — Vá descrevendo o que se passa, à medida que o tempo decorre. P. [Queixo treme.] — Hmm ... Estou nervosa por qualquer razão. Dr.ª F. — Vou contar até três e, quando chegar a três, saberá porque está nervosa. Um ... dois ...

três. P. — Vou ... vou para um lugar novo ... Não posso ficar cá mais tempo. [Com desgosto.] Dr.ª F. — Porquê? P. — ... Estou ... estou na idade e tenho de partir. Dr.ª F. —Para onde vai? P. — Para outra cidade. Dr.ª F. — Está só? P. — Estou sentada no banco, sozinha ... Dr.ª F. — Muito bem, agora gostaria que avançasse no tempo, para uma época em que aconteça

qualquer coisa significativa, depois de eu contar até três. Um ... dois ... três. Que sente, agora? P. — Não quero ir. Dr.ª F. — Porquê? P. — Tenho medo. [A sua voz tremia.] Dr.ª F. — De que tem medo? P. — Não sei ... que vou encontrar na nova cidade. Dr.ª F. — Vai ficar com pessoas conhecidas? P. — Não. Dr.ª F. — Onde vai ficar? P. — Não sei. Dr.ª F. — Quer dizer que vai para essa cidade e quando lá chegar vai ter de se desenvencilhar

sozinha? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que idade tem?P. — Oh ... hmm ... dezasseis. Dr.ª F. — Como se chama? P. — Hmm ...Dr.ª F. — Diga o que lhe vier à cabeça. P. [Pausa.]

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Dr.ª F. — Ocorreu-lhe alguma coisa? P. — Não. Dr.ª F. —Vou pedir-lhe para avançar no tempo, para a altura da chegada a essa cidade. Um ... dois ...

três. P. — Estou ... estou na nova cidade. Sinto-me ... completamente só. Não sei para onde hei-de ir ...

estou ... perdida. [Tristemente.] Dr.ª F. — Então, sente-se completamente só? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que vai fazer? P. — Não sei.Dr.ª F. — Tem dinheiro? P. — Hmm ... tenho algum dinheiro. Dr.ª F. — Que vai fazer? P. — Tenho sido ... tenho sido criada ... ah ... mas agora não sei ... o que irei fazer. Dr.ª F. — Porque a mandaram embora? Disse que não podia ficar por causa da idade. É costume as

pessoas serem mandadas embora? P. — Mas foi o que me disseram. Dr.ª F. — Quem lhe disse isso? P. —A minha mãe? ... Foi a minha mãe que me disse. Dr.ª F. — Porque é que os seus pais a mandaram embora? P. — Acho que o meu pai gostava de mais de mim e a minha mãe ... a minha mãe mandou-me

embora por causa disso. Dr.ª F. — Diz que o seu pai gostava de mais de si. Pode falar-me mais acerca disso? P. — Tinha uma amizade exagerada. A minha mãe ficou com muitos ciúmes. Dr.ª F. — Apercebeu-se disso? P. — Bom, eu gostava do meu pai ... não pensei em nada de especial, mas a minha mãe pensou. Dr.ª F. — Que lhe disse a sua mãe? P. — Disse que eu era ... era demasiado bonita ... que o meu pai gostava mais de mim do que dela e

que eu tinha de partir. Dr.ª F. — Que acha da atitude da sua mãe? P. — Acho que ela não tinha razão, mas eu devia obedecer-lhe. Dr.ª F. — Qual é o nome da cidade onde está? P. — Zat. Dr.ª F. — Que ano é? P. — Que é um «ano»? Dr.ª F. — Não. Que ano é? Qual é a data? P. [Pausa.] Dr.ª F. — Se não sabe não faz mal. Diga-me o que traz vestido. P. — É um ... tecido ... azul ... está enrolado à minha volta. Dr.ª F. — É um tecido pesado ou leve?P. — É muito leve. Dr.ª F. — Que tom de azul? P. — Oh ... como o céu. É um vestido bonito. É o melhor que tenho. Dr.ª F. — Que usa nos pés? P. — Nada. Dr.ª F. — Tem alguma coisa na cabeça? P. — Tenho um ponto azul. Dr.ª F. — O quê? P. — Um ponto azul. Dr.ª F. — Que é isso? P. —É ... uma tinta bonita, que pus na minha testa. Dr.ª F. —Em que sítio da testa? P. — No meio. Dr.ª F. — Que ... P. — Está aqui em cima, na minha testa.Dr.ª F. — É um costume? P. — Sim. Dr.ª F. — Usa mais alguma maquilhagem? P. — Não, não é permitido. Dr.ª F. — Esse ponto azul é considerado maquilhagem?

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P. — É mais um adorno. É mais ... não, não é maquilhagem. Dr.ª F. — Quando o põe? Todos os dias? P. — Todos os dias. Dr.ª F. — Diga-me qual é o seu aspecto.P. — Sou ... baixa, magra ... e o meu cabelo é preto e comprido. Dr.ª F. — Como o usa? P. — Amarrado num puxo atrás da cabeça. Dr.ª F. — Como lhe chamam? Qual é o seu nome? P. — Meteus. Dr.ª F. — Tem outro nome? P. — Seat ... é o nome do meu pai. Dr.ª F. — Bom, agora, quando eu contar até três, avance no tempo, para um acontecimento

importante. Um ... dois... três. P. — Encontrei um lugar para ficar. Dr.ª F. — Como é? P. —É ... parece um hotel. É branco ... o chão é branco. O quarto é austero. Dr.ª F. — Que há no quarto? P. —Um divã ... e ... acho que há uma cadeira. Dr.ª F. — Há quadros na parede? P. — Não, está vazia, sem quadros. Dr.ª F. — Já dormiu aí? P. —Não, o primeiro dia. Dr.ª F. — Que tenciona fazer agora? P. — Procurar alguma coisa para fazer. Não tenho dinheiro suficiente para ficar aqui muito tempo.

Tenho de arranjar mais dinheiro. Dr.ª F. —É a primeira vez que sai da casa? P. — Sim, é. [Começando a ficar assustada.] Dr.ª F. — Como correu a viagem de autocarro? P. — Eu ... não sei. Eu ... o meu espírito estava preocupado, com ... medo de ... «Que vou eu fazer.» Dr.ª F. — Foi uma viagem longa? P. — Não.Dr.ª F. — A que distância está da sua casa? P. — Oh ... apenas a algumas horas. Dr.ª F. — Bom, quando eu contar até três, deixe o tempo avançar para outro acontecimento

importante. Um ... dois ... três. P. — Hum ... está um ... homem à minha porta. [Todo o seu corpo tremia.] Dr.ª F. — Onde está? P. — Estou no meu quarto.Dr.ª F. — Que está ele a fazer à sua porta? P. — Não sei.Dr.ª F. — Ele está a bater à porta, ou a porta está aberta? P. — Hmm ... está ali. Dr.ª F. — Como é ele? P. — Acho que é grande, não sei. Não o posso ver. Dr.ª F. — Porquê? P. — Porque a porta está fechada. Dr.ª F. — Como sabe que ele está ali?P. — Ouço-o. Dr.ª F. — Que está ele a fazer? P. — Acho que está à espera que eu abra a porta. Dr.; F. — Chamou por si? Bateu à porta? P. — Hmm ... disse qualquer coisa. Dr.ª F. — Lembra-se do que foi? P. — Quer que eu abra a porta. Dr.ª F. — Que sente?P. — Não quero abrir a porta. [Dito com firme determinação.] Dr.ª F. — Porquê? P. — Porque não o conheço. Dr.ª F. — Que se passa depois? P. — Ele vai-se embora.

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Dr.ª F. — A porta tem fechadura? P. — Sim. Senão ele teria entrado. Dr.ª F. — Ele tentou abrir a porta? P. — Sim. Dr.ª F. — Como se sente? P. — Sinto que não quero estar aqui. Dr.ª F. — Onde quer estar? P. — Em casa. Dr.ª F. — Avance no tempo até ao próximo acontecimento significativo, quando eu chegar a três. Um ... dois ... três. P. — Estou a ter dificuldade em ... arranjar alguma coisa para fazer. Dr.ª F. — Ainda não tem trabalho? P. — Não.Dr.ª F. — Que tentou, até agora? P. — Apenas o que sei fazer. Humm ... ser ... hmm ... criada, em algum restaurante ... pequeno. Dr.ª F. — E eles não precisam de ajuda? P. — Não. Dr.ª F. — Que vai fazer? P. — Não sei. Dr.ª F. — Avance até ao próximo acontecimento importante, após a contagem até três. Um ... dois ...

três. P. — Estou outra vez no meu quarto e ... a sensação de solidão ... e ele está de novo à minha porta. Dr.ª F. — Sabe quem é ele? Viu-o? P. — Acho que é o dono da pensão. Dr.ª F. — Que está ele a fazer à sua porta? F. — Quer entrar. Dr.ª F. — Que pretende ele? P. — Oh ... sexo. Dr.ª F. — Como sabe isso? P. — Sei. Dr.ª F. — Que acha disso?P. — Acho que não quero.Dr.ª F. — Já teve relações sexuais com alguém? P. — Não. Dr.ª F. — Como é ele, o dono da pensão? P. — É grande ... e feio. Dr.ª F. — Vive na pensão?P. — Sim. Dr.ª F. — Que se passa agora? P. — Hmm ... entrou no meu quarto. [Começando a ficar aterrorizada.] Dr.ª F. — Está no seu quarto, agora? P. —Sim. Dr.ª F. — Como aconteceu isso? P. — Ele entrou. Não sei. [Neste momento, em pânico.] Dr.ª F. — Onde está você? P. — Hmm ... estamos na cama, no divã. Dr.ª F. — Que se passa? P. — Ele está ... a obrigar-me ... a ter relações com ele. [Respirando com força.]Dr.ª F. — Como se sente? P. — Desesperada ... assustada. Dr.ª F. — Que faz ele neste momento? P. — Oh, está ... a beijar-me e a puxar-me e ... é feio. [Dito com nojo.] Dr.ª F. —Bom, avance até ao próximo acontecimento importante. Um ... dois ... três. P. —Ufa! Dr.ª F. — Que foi? P. — Oh, ele ... depois de ter terminado, riu-se de mim. [Pequena gargalhada]. Dr.ª F. — Riu-se de si? P. — Sim. Dr.ª F. — Disse alguma coisa?

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P. — Disse que ... eu era virgem. Dr.ª F. — Como se sentiu? P. — Desesperada. Dr.ª F. — Qual foi a sensação que teve durante o acto sexual? P. — [Gargalhada curta.] —Horrível. Dr.ª F. — Em que sentido?P. — Ele era ... ele era ... muito grande ... e eu sou muito pequena ... e magoou-me. [Treme.] Dr.ª F. — Magoou-a? P. — Hum-humm. Eu ... senti ... que gostaria de o matar! Dr.ª F. — Conserve-se calma e relaxada e deixe que o seu subconsciente a leve agora para o

próximo acontecimento significativo, após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que se passa agora? P. — Oh, ele voltou de novo. [Deprimida.] Dr.ª F. — Quando voltou ele? P. — De manhã. Dr.ª F. — Está aí agora?P. —Sim. [Tremendo.] Dr.ª F. — Que se passa? P. — A mesma coisa. Dr.ª F. — Que fez você? P. — Que posso fazer? [Dito com resignação e raiva.] Dr.ª F. — Como foi, desta vez?P. — Igual. Dr.ª F. — Luta com ele?P. — Tento, mas ele ... ele é tão grande ... é um cavalo! [Contorcendo-se.] Dr.ª F. — Está a chorar? P. — Sim e a lutar e ... mas isso não tem a mais pequena influência.

Nesse mesmo dia Meteus deixou o hotel e, por sorte encontrou trabalho, como criada na casa de um velho casal. Descreveu os seus deveres no trabalho doméstico, um dos quais era ir buscar água, em ocasiões especiais, a uma fonte no deserto, montada em «animais» que eram «desajeitados mas amorosos» (camelos?). Casou e morreu aos vinte e seis anos, durante o nascimento do seu primeiro filho, Foi um parto difícil, apenas com a assistência do marido para a ajudar. Depois de o seu filho ter

nascido, viu-se «afastando-se cada vez mais, cada vez para mais longe, sentindo paz, pela primeira vez em muitos anos».

Liberta do transe, abanou tristemente a cabeça, enquanto balbuciava: «Oh, meu Deus, foi terrível ser violada!» Lágrimas correram-lhe pela cara. Soluçou baixinho, durante alguns minutos. Quando já se encontrava recomposta, fiz-lhe perguntas sobre as outras pessoas da regressão. «Senti que o meu pai naquela vida era Mark; e o homem que me violou era o meu sogro. Nunca me senti bem junto dele.» Mesmo apesar de todas estas sensações serem muito fortes, disse: «Não estou totalmente convencida de que isto tenha acontecido; porque inventaria eu tal história?»

Na semana seguinte, Patricia irradiava felicidade quando anunciou: «No aspecto sexual, as coisas estão melhor que nunca. Sinto-me tão apaixonada. Nunca julguei que pudesse existir tanta paixão.» Com um ar sério acrescentou: «Tenho a certeza de que estive perto de um orgasmo, mas ainda não consegui atingi-lo.»

Alguns minutos depois, após ter mergulhado num transe profundo, o seu subconsciente revelou que ainda havia outra vida que precisávamos de analisar. Era a quinta, em cinco sessões! Seria este o obstáculo final?

Alguns minutos depois, a voz de Patricia modificou-se totalmente e uma «menina» iniciou, timidamente, o relato da sua história:

P. — Vejo uma ... velha cabana de madeira. Está a cair de podre.Dr.ª F. — Além disso, que consegue ver? P. — Vejo um velho, com uma barba comprida ... esquelético. Dr.ª F. — Que está ele a fazer? P. — Está ... hmm ... está parado à porta. Dr.ª F. — Quem é ele? P. —É o meu pai. Dr.ª F. — Onde está você? P. — Estou cá fora.

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Dr.ª F. — Fale-me de si. P. — Tenho cinco anos. Dr.ª F. — Tem cinco anos? É uma menina ou um menino? P. — Rapariga. Dr.ª F. — Como se chama? P. — Becky. [Timidamente.] P. — Arizona. Dr.ª F. — Que está a fazer? P. — Estou de pé ... não estou a fazer nada. Dr.ª F. —Agora vou pedir ao seu subconsciente que a faça avançar no tempo até à ocorrência de um

acontecimento significativo, uma coisa que seja importante que você conheça. Um ... dois ... três. Que se passa?

P. — Vem aí alguém a cavalo ... ele é alto e tem o cabelo escuro. Dr.ª F. —P. um homem mais novo que o seu pai? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — É alguém conhecido?P. — Não ... não sei. Dr.ª F. — Que idade tem agora?P. — Ainda ... ainda tenho cinco anos. Dr.ª F. —E agora, que se passa? P. — Ele ... caminha na minha direcção. Sinto-me ... sinto-me ... fraca. Dr.ª F. — Está fraca? P. — Estou cheia de fome.Dr.ª F. — Porquê? P. — Não comi. Dr.ª F. — Há quanto tempo não come? P. — Dois dias. Dr.ª F. —Porque? P. — Nós ... não temos comida. Dr.ª F. — Com quem vive? P. — Pai. Dr.ª F. — Só com o seu pai? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que sente, quando este homem se dirige para si? P. — Eu só ... só olho para ele. Não sinto nada. Dr.ª F. — Conhece-o? P. — Já o vi. Dr.ª F. — E agora, que se passa? P. — Ele pega em mim ... e ... segura-me. Não sei porque faz isto. [Com voz espantada.] Eu não ...

não gosto nada dele, sabe? Dr.ª F. — E agora, que está a acontecer? P. — Está a despir-me. [Receosa.] Dr.ª F. — Onde se passa tudo isso? P. — Fora de casa. Dr.ª F. — Está ali mais alguém? P. — O meu pai está lá dentro. Dr.ª F. — Que sente, quando ele a despe? P. — Confusão. Porque ... porque fará ele aquilo? ... Não gosto. [Cobre os olhos com as duas mãos.] Dr.ª F. —E agora, que faz ele? P. — [Murmurando.] — Está ... está a tocar-me. Dr.ª F. — Que sente?P. — Estou a lutar ... eu ... não gosto do que ele me está a fazer. [Num tom perturbado.] Dr.ª F. — E agora?P. — Põe-me no chão e ... fica apenas a olhar para mim e depois ... vai falar com o meu pai. Dr.ª F. —Neste momento tem alguma peça de roupa no corpo? P. — Não. Dr.ª F. — Como se sente? P. — Muito mal. [Com voz baixa e sumida.] Dr.ª F. — Está a chorar? P. —Não.

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Dr.ª F. —Diz-lhe alguma coisa? P. —Não. Dr.ª F. — Avance um pouco mais no tempo. Que está a acontecer agora?P. — Ele vai a sair. Dr.ª F. — Vem a sair só? P. — Sim. Dr.ª F. —E você, onde se encontra? P. — Estou de pé, ao lado da casa. Não quero que ele me veja. [Murmurando.] Dr.ª F. — Vestiu-se? P. — Sim ... ele vai partir.Dr.ª F. — E agora, que está a fazer? P. — Vou para casa procurar o meu pai. Dr.ª F. — Que acontece? P. — Ele olha para mim e não diz nada. Acho que ele sabe, mas não faz nada, nem diz nada.Dr.ª F. — Que acha disso?P. [Pausa] — Acho ... que ... não há nada a fazer. Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse no tempo, para o próximo acontecimento importante, uma

coisa que você precise de saber. Um ... dois ... três. P.—0 homem volta. Está a dar dinheiro ao meu pai [pequena risada] por mim. Dr.ª F. — Como sabe isso? P. — Porque eu ... ele está a pegar em mim, a pôr-me no seu cavalo e vamos partir. Dr.ª F. — Como se sente? P. — Com medo. [Uma lágrima corre-lhe pela cara.] Dr.ª F. — Que supõe que está a acontecer? P. — Ele vai levar-me. Dr.ª F. — Quando acha que voltará? P. — Acho que não volto.Dr.ª F. — Ele diz-lhe alguma coisa? P. —Não. Dr.ª F. — Avance no tempo, até chegar a casa dele. Que acontece? P. — Ele tem ... uma casa bonita, muito melhor que a nossa. É limpa. Ele tem comida e, hmmm,

estou com tanta fome. Dr.ª F. — Que faz ele, quando chega a casa? P. — Ele ... deixa-me comer. Dr.ª F. — Que está a comer? P. — Feijões, pão. Dr.ª F. — Está mais alguém em casa? P. — Acho que sim ... acho que está uma menina. É mais velha que eu. Dr.ª F. —E depois, que acontece? P. — Ele ... diz-me que estou aqui para trabalhar ... que eu ... devo dar de comer às galinhas e limpar

a casa com ... com a outra menina. Dr.ª F. — Quais são os seus sentimentos a respeito da outra menina? P. — Não a conheço. Parece simpática. Dr.ª F. — Bom, avance até ao próximo acontecimento significativo, quando eu contar até três. Um ...

dois ... três. P. — Ela está a contar-me o que se passa ali, naquele lugar. Dr.ª F. — Que conta ela? P. — Diz que ele se aproveita das suas raparigas mas que também as alimenta, para que não fiquem

com fome ... diz que não passará fome. Dr.ª F. — De que modo se aproveita delas? P. — Ele ... faz com elas o que me fez a mim. Dr.ª F. — Há aí outras raparigas, além dessa? P. — Hmm ... acho que somos só nós as duas. Dr.ª F. — Agora, Becky, avance até ao próximo acontecimento significativo, quando eu chegar a três.

Um ... dois ... três. P. — Ouço-a berrar. Ela ... está com ele, agora. Não sei porque berra ela. [Tornando-se cada vez

mais assustada.] Dr.ª F. — Onde estão eles? P. — Estão no quarto dele.Dr.ª F. — Que lhe parece que está a suceder?

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P. — Acho que está a acontecer ... eu ... acho que ele ... lhe está a fazer o que me fez a mim. Dr.ª F. — Está a olhar para ela e a tocar-lhe? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que sente, quando a ouve berrar? P. — Estou ... estou também com muito medo de ir embora. Dr.ª F. — Porquê? P. — Não quero passar fome. Dr.ª F. — Bom, avance no tempo até ao próximo acontecimento significativo, depois da contagem até

três. Um ... dois ... três. P. —Estou a fugir. Estou a fugir através do deserto ... não tenho sapatos, sinto os cactos nos pés. [Num tom aterrorizado.] Dr.ª F. — Quando foge? No mesmo dia em que chegou? P. — Não, mais tarde. Dr.ª F. — Quanto tempo esteve com aquele homem?P. — Não muito. Dois dias ou ... roubei comida. Estou a fugir ... eu ... Dr.ª F. — Que altura do dia é? P. — Quente ... calor, hora quente. Dr.ª F. — Porque está a fugir, Becky? P. — Não quero ... não quero sentir o que senti com ... Não quero que ele me faça aquilo. Dr.ª F. — Ele fez-lhe alguma coisa enquanto estava na sua casa? Pode contar-me. P. — Ele ... olhou para mim ... ele tocou-me e usou o seu ... o seu dedo. Dr.ª F. — Como se sentiu, quando ele fez isso? P. — Oh ... senti medo ... só queria fugir. Dr.ª F. — Bom, agora gostaria que avançasse no tempo, até ao próximo acontecimento significativo,

após a contagem até três. Um ... dois ... três. P. — Sinto-me muito cansada, calor. Dr.ª F. — Onde está? P. — Não sei.Dr.ª F. — Ainda está no deserto? Dr.ª F. — É o mesmo dia em que iniciou a fuga? P. —Sim. Dr.ª F. — Que está a acontecer? P. —Sinto-me ... toda inchada ... só me sinto inchada. Dr.ª F. — Olhe para si mesma. Tem um aspecto diferente? P. — Eu estou ... gorda. Eu ... não me posso mexer. [Dito com espanto total.] Dr.ª F. — Não se pode mexer? P. —Mão, estou ... muito gorda para me mexer. [Ficando preocupada.] Dr.ª F. — Que está a fazer? P. — Estou deitada. Dr.ª F. — Qual supõe que foi a causa disso? P. — Alguma coisa me mordeu. Dr.ª F. — Quando? P. — Oh ... há um pedaço, quando eu estava a correr. Dr.ª F. — Viu o que foi? P. — Acho que era ... uma cobra, mordeu-me. Tentei desviar-me, mas ... Dr.ª F. — Tem consciência de mais alguma coisa, Becky? P. — O sol, muito quente ... sinto-me ainda mais fraca do que quando estava com fome ... estou tão

inchada! Sinto-me como se fosse explodir. [A voz é mais fraca.] Dr.ª F. — Sente alguma dor? P. — Só sinto a minha pele esticada. Dr.ª F. —Vá até ao próximo acontecimento significativo, depois da contagem até três. Um ... dois ...

três. P. — Ouço alguém aproximar-se, mas sinto-me tão fraca ... Dr.ª F. — Que está a fazer, Becky? P. — Estou só ... só ali deitada. Não posso fazer nada, não posso mexer-me. Dr.ª F. — Como se sente? P. — Sinto ... não sinto nada. Dr.ª F. — Ainda se sente inchada? P. — Muito. Dr.ª F. — Veja apenas o que se passa. Quem vem aí?

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P. — Acho que é ... é a rapariga. Dr.ª F. — Vem a pé? P. — Não, vem montada. Dr.ª F. — Num cavalo? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Ela vê-a? P. —Sim. Dr.ª F. — Que faz ela? P. — Pega em mim. Dr.ª F. — E agora?P. — Voltamos para aquele lugar. Eu ... não quero ir, mas não tenho forças. Dr.ª F. — Vai montada? P. — Ela ... ela segura-me. Dr.ª F. — Depois de contar até três, avance até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ...

três. P. — Já não me sinto inchada. Dr.ª F. — Que aconteceu? Está alguém a tomar conta de si? P. —A rapariga. Dr.ª F. — Que fez ela? P. — Ela ... deu-me qualquer coisa para beber que fez com que o inchaço desaparecesse. Dr.ª F. — Era algum remédio? P. — Foi qualquer coisa que ela arranjou no deserto. Dr.ª F. — Algum tipo de ervas ou vegetação? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Quanto tempo se passou, desde que voltou para casa?P. — Não sei.Dr.ª F. — Tem visto o homem? P. — Está para fora. Dr.ª F. — Agora avance até ao próximo acontecimento significativo, quando eu chegar a três. Um ...

dois ... três. P. [Longo silêncio.] Dr.ª F. — Apercebe-se de alguma coisa?P. — Hum ... qualquer coisa que cheira bem ... hum ... estou deitada, com ... com os braços ... os

meus braços estão cruzados. Dr.ª F. — Onde estão? P. — Estão cruzados sobre o meu ... meu peito. Estou ... deitada numa caixa. A rapariga trouxe

flores. Dr.ª F. — Que está a fazer na caixa? P. — Eu ... já não estou ... no meu corpo. Dr.ª F. — Onde está? P. — Estou ... algures, mas posso ver-me deitada ali. Sou eu. Dr.ª F. — Está a olhar para si própria? P. — Sim. Dr.ª F. — E sente o cheiro de um perfume? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Quem se encontra ali, além da rapariga? P. — A rapariga está ali. Dr.ª F. — Há mais alguém? P. — Não. Dr.ª F. — Onde está a caixa? P. — Está ... está no deserto. Dr.ª F. — Está coberta? P. — Não, ela está a olhar para mim. Dr.ª F. — Ela está sozinha? P. —Sim. Dr.ª F. — E agora, que faz ela? P. — Vai-se embora. Dr.ª F. —E você, que faz?P. — Estou ... apenas ... deitada na caixa. Dr.ª F. — Sente que voltou ao seu corpo de novo?

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P. — Não.Dr.ª F. — Onde está? P. — Estou a flutuar. Dr.ª F. — Está só? P. — Não me sinto só. [A voz é agora mais forte.] Não sinto nada. Não sinto o calor. Dr.ª F. — Não se sente inchada? P. — Não.Dr.ª F. — Que emoções sente, neste momento? P. — Humm. Estou satisfeita. Eu ... não ... eu ... sinto ... [Longo silencio.] Eu não sinto ... alegria ... é

paz, eu não ... não tenho medo ... hum ... estou suspensa. Dr.ª F. — E ao olhar para trás, para a vida de Becky, pode dizer-me em que época viveu ela? P. —Era o tempo da seca ... Mil oitocentos e quarenta e nove? Dr.ª F. —Revendo a vida de Becky, pode dizer-me se sexualmente lhe aconteceu mais alguma coisa,

além de o homem lhe ter tocado? P. — Sim. Ela não diria nada. Dr.ª F. —E você diz? Pode dizer-me, estou aqui a ajudar. P. — Oh, ele tentou meter o seu ... seu pénis, dentro dela, mas não conseguiu.Dr.ª F. — Porquê? P. — Ela era muito pequena. Dr.ª F. — Foi depois disso que ela decidiu fugir? P. —Sim.

Depois de sair do transe, Patricia tinha um ar muito triste. Disse: «Becky experimentou todos os sentimentos: raiva, humilhação, medo e certas sensações sexuais que eu também sentia e que eram confusas.» Olhou-me bem nos olhos e apercebi-me da sua profunda piedade por tudo aquilo que tinha suportado enquanto Becky. Os seus olhos estavam cheios de lágrimas. Mergulhou num silêncio meditativo. Desta vez Mark não estava envolvido na sua vivência anterior. Enquanto meditava, aparentava um ar cansado e, ao mesmo tempo, espantado: «Acha que é isto? Precisaremos de percorrer mais vidas?» Encolhi os ombros. Apenas o seu subconsciente poderia dar a resposta.

O facto é que o seu subconsciente respondeu rapidamente às minhas perguntas, na sessão seguinte. Ainda tínhamos uma vida para explorar.

Sob hipnose recuou facilmente através dos anos, para um acontecimento que estava ligado ao seu problema de não conseguir um completo prazer sexual.

Dr.ª F. — Que sente? P. — Há muita folhagem ... é ... é muito densa e verde. Dr.ª F. —Está ao ar livre?P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Além disso, de que se consegue aperceber? P. — Estou de pé, numa planície, olhando para ... olhando para um rio. Dr.ª F. — Que traz vestido? P. — Humm ... é ... é pêlo ... de animal. Chama-se ... chama-se, humm ... tupa. Dr.ª F. —Tupa? P. — Humm. É o que ... o que as mulheres usam. Dr.ª F. — Fale-me mais de si. Qual é a sua aparência? P. — Não ... não me consigo ver a mim mesma. Dr.ª F. —Está a fazer mais alguma coisa, além de olhar para o rio? P. — Pesco. Dr.ª F. — Conte-me mais coisas. P. — Estou a pescar ... para ... a nossa refeição da noite. Dr.ª F. — Que utiliza para apanhar o peixe? P. — Pau aguçado. Tenho de ... tenho de ser rápida, excepto para com os peixes grandes, que são

lentos. São fáceis de apanhar, mas não sabem tão bem. Dr.ª F. — Com que frequência pesca? P. — Todos os dias. Tenho ... tenho de estar atenta. Estou do outro lado do rio a alguns ... alguma

coisa pode apanhar-me. Tenho de ... tenho de ter atenção. Dr.ª F. — Receia ser apanhada por quem? P. — Os gatos grandes ou ... outra tribo. Dr.ª F. — Qual é o nome do seu povo? P. — Shulu.

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Dr.ª F. — Shulu? Em que país se encontra? P. [Silêncio.] Dr.ª F. — Sabe? P. — Não. Dr.ª F. — Fale-me de si. Tem filhos? É casada? P. — Tenho ... tenho um homem. Não tenho bebés ... ainda. Dr.ª F. — Que sente em relação ao seu homem? P. — Ele obriga-me ... a fazer o trabalho. [Enrugando a cara.] Dr.ª F. — É esse o costume do seu povo, ou ele fá-la trabalhar mais que as outras mulheres?P. — Mais. Ele está quase sempre sentado a fazer lanças. Não quer sair para caçar, com os outros.

As outras pessoas da tribo ... riem-se de nós, porque ele ... ele não vai. Ele ... acho que tem medo. [A sua voz estava cheia de desprezo.]

Dr.ª F. — Nessas caçadas as pessoas magoam-se? P. —Sim. Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa acerca disso? P. — Nós ... somos fortes. Mas, por vezes, as outras tribos desafiam-nos, por causa da nossa

situação. Nós temos ganho, mas nem sempre assim será. Dr.ª F. — Quando vos desafiam, entram na vossa aldeia? P. — Sim. Geralmente à noite. Dr.ª F. — Que fazem eles? P. — Tentam ... matar os nossos homens e ... mas não o têm conseguido. Não sei que fazem além

disso. Não ... não gosto disso. Dr.ª F. — Além da pesca, que faz? Tem outros deveres, ou outras coisas que goste de fazer? P. — Apanho fruta. Dr.ª F. — Que tipo de fruta?P. — Nos ... nos arbustos. São ... são amoras. Dr.ª F. — Bom. Disse que estava do outro lado do rio e que tem de se manter atenta. Está só?P. —Sim. Dr.ª F. — Porque foi para o outro lado do rio? P. — Porque é aí ... é aí que eu posso pescar. Dr.ª F. — Como atravessa o rio? P. — Fizemos ... pusemos tábuas ... árvores ... podemos ... atravessar sem cair à água. Dr.ª F. — Ainda se encontra nessa planície, olhando para o rio? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Bem. Agora gostaria que avançasse no tempo, até ao próximo acontecimento significativo,

quando eu contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. P. — Voltei para a minha cabana. Ele ainda está ali. Nós não falamos. Ele sabe ... que me sinto

envergonhada por causa dele. Ele não se importa. [Mordendo o lábia.] Dr.ª F. — Há quanto tempo estão juntos? P. — Hmmm. Dr.ª F. — Se não sabe, não interessa. Talvez mais tarde lhe surja. Continue e veja o que se passa

enquanto está em casa. P. — Tenho de ... limpar o peixe. Tenho de ... eu ... tenho de os limpar ... de trincar as cabeças dos

peixes. Dr.ª F. — Arranca as cabeças com os dentes? P. — Sim. Dr.ª F. — Que acha disso?P. — É uma coisa que tem de se fazer, depois posso enfiar lá dentro um pau aguçado e rasgar as

entranhas. Depois já posso limpá-los e cozê-los. Dr.ª F. — Agora avance no tempo até ao próximo acontecimento significativo, depois da contagem

até cinco. Um ... dois ... concentre-se apenas na sua respiração e deixe essa recordação desaparecer enquanto começa a surgir a nova ... três ... quatro ... cinco.

P. — Humm ... é noite. É a altura que mais detesto. É agora que ele se levanta ... [Voz cheia de raiva e resignação.]

Dr.ª F. — Que pretende dizer com «levanta»? P. — Ele ... vem para a cama ... e quer ... tentar ... ah ... bebés. Eu quero bebés, mas ... não ... gosto

de estar com ele. Dr.ª F. — Não gosta de estar com ele? P. — Não. Ele não é um guerreiro. Dr.ª F. — Sente-se envergonhada por estar com ele?

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P. — Hum-humm. Se tivermos filhos, espero que eles ... não sejam fracos, como ele. Dr.ª F. — Então não quer estar com ele, desse modo? P. — Não. Não gosto dele ... mas é o meu homem. Se eu quero bebés ... temos de fazer isto ... por

isso, fazemos. Dr.ª F. — Como é esse acto para si? P. — Não é nada. Dr.ª F. — Com que frequência isso acontece? P. — Todas as noites ... até ... até eu ficar com um bebé e depois ... só após ... ele ter nascido. Posso

... posso fazer aquilo. Dr.ª F. — Pode fazer aquilo? P. — Hum-humm. Dr.ª F. — Porque quer ter bebés? P. —Sim. Dr.ª F. — Sente algum prazer? P. — Não! [Resmungando.] Dr.ª F. — E as outras mulheres da sua tribo? Falam a respeito do que sentem ao fazer isso? P. — Algumas gostam. Algumas têm ... têm homens bons e contam-me coisas nas quais eu consigo

acreditar. Dr.ª F. — O quê, por exemplo? P. — Que isso ... lhes dá prazer, sensações de ... como ... como o sol, só prazer. Eu ... eu não sei. Dr.ª F. — Agora gostaria que o seu subconsciente a levasse até ao próximo acontecimento

significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. P. [A sua cara ilumina-se com um sorriso.] — Estou ... estou com uma criança. Vou ... ter um bebé. Dr.ª F. — Como se sente, a respeito disso? P. — Ohh ... bem. Dr.ª F. —E o seu homem ainda vem ter consigo, todas as noites? P. —Não. Dr.ª F. —É esse o costume do seu povo? P. — É, a não ser que a mulher ainda queira ... e eu não quero. Dr.ª F. — Como reage ele ao seu não? P. — Não se importa. [Franzindo a cara de novo.] Ele ... é como uma pedra. Ele não ... não se

importa ... não tem ... ele não tem sol ... não tem sol interior ... ele é ... é ... é como ... como uma pedra. Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse, mais ou menos, cinco anos. Vá até um acontecimento

significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. P. — Ali está o meu rapaz. [Com uma voz cheia de orgulho.] Ele trouxe-me muita felicidade. Não

estou ... já não me sinto totalmente envergonhada. [Agora a voz era mais doce.] Será ... ele será um bom guerreiro. Os homens ... os outros homens já

o treinam. Ele é ... ele já matou um ... macaco, um macaco grande e ele ainda é novo. [O seu orgulho materno era muito evidente.]

Dr.ª F. — Então, sente-se orgulhosa? P. — Oh, sim. Ele ... vai ser muito bom. Dr.ª F. — Qual é o nome do seu filho?P. — Shittu. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? P. — Zawn. Dr.ª F. — Sabe qual é o país onde vive? Qual é o nome do lugar onde vive? P. — Eu ... ouvi uns barcos ... barqueiros a falar. Disseram que era ... o Lugar Escuro ... grande ...

não sei. Dr.ª F. —Bom. Gostaria que avançasse até ao último dia da sua vida, após a contagem até cinco,

mantendo-se calma e relaxada. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. P. —Hum ... o meu filho está aqui a olhar para mim. Está de pé, por cima de mim. [A voz é mais

fraca.] Sinto um grande orgulho nele. Não me importo de partir. Dr.ª F. — Qual é a expressão dele? P. — Hum ... mágoa. Dr.ª F. — O seu homem também está aqui? P. — Hmm ... não. Ele ... ele não está aqui. Dr.ª F. — Onde está ele? P. — Ele ... está morto. Dr.ª F. — Tem mais filhos? P. — Não.

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Dr.ª F. — É velha? P. — Sim. Dr.ª F. — Como sabe que vai partir? P. — Oh ... sinto o ... disseram-me que estou muito doente e que em breve partirei e eu sinto-me

muito fraca. Dr.ª F. — Qual é a sua doença? P. — Estou apenas ... velha. Dr.ª F. — Que supõe que lhe acontecerá depois de morrer, depois de partir? Quais são as suas

crenças? P. — O meu sol interior ... sai do meu corpo e eu misturo-me com o outro ... os outros que já partiram.

É ... se a sua vida estava em paz, assim estará o seu sol. Dr.ª F. — Sente que a sua vida estava em paz? P. — Sim, tive o meu rapaz. [Sorrindo.] É o meu orgulho. Dr.ª F. — Acha que o seu sol volta, noutro corpo, noutra época? P. — Eu ... não ... sei. Dr.ª F. — Agora gostaria que fosse até ao preciso momento da sua morte e que me contasse o que

se passa, o que faz e o que faz o seu filho. P. — Ele põe cinzas no meu corpo e entoa cânticos. Dr.ª F. — Está mais alguém consigo?P. — Estão algumas pessoas. Dr.ª F. — Já partiu? O seu sol interior já partiu? P. — Hum ... não. Dr.ª F. — Que sente?P. — Parece que não estou no meu corpo. Não estou ... onde deveria estar. Dr.ª F. —Fale-me mais disso. P. — Sinto-me no meio ... Já não faço parte da vida. Não faço parte de outra existência, sou ... e, ao

mesmo tempo, não sou. Dr.ª F. — Está só? P. — Sinto-me só. [A sua cara apresenta uma expressão calma.] Dr.ª F. — Quando olha para trás, para a sua vida, sabe onde e em que época ela decorreu? P. — Foi em África ... não posso dizer quando. Dr.ª F. — Parece-lhe que essa vida foi recente ou longínqua? P. — Parece-me recente. Sinto-me perto. Dr.ª F. — Pode descrever-me qual era a sua aparência, quando era jovem? Qual era a cor da sua

pele, como era o seu cabelo, a sua estatura e tudo mais? P. —Era muito negra ... mais escura que quase todos os outros. O meu cabelo era liso; era ... um cabelo liso e áspero. Dr.ª F. — Qual era o comprimento dele? Como o usava? P. — Usava-o pelos ombros. Pegava num pau e fazia uma risca ... fazia esta linha de pele e penteava

o cabelo a direito, para baixo. Dr.ª F. — No corpo usava algum adorno? P. — Usava ... cascas, nozes, dentes e garras. Dr.ª F. —Usava-as à volta do pescoço?P. — Sim. Dr.ª F. —Tinha outros ornamentos ou fazia alguma coisa ao seu corpo, para o ornamentar?P. — Tinha ... um buraco na orelha e usava um ... um osso de macaco na orelha, para mostrar o meu

orgulho no meu filho, quando ele era pequeno. Dr.ª F. — Era o osso do seu primeiro macaco? P. — Sim.

Pedi a Patricia que regressasse ao presente e voltasse a ser ela mesma — depois libertei-a do transe. Ela disse: «Esta regressão foi a mais viva de todas e pareceu-me muito recente.» Perguntei. «O seu homem era alguém que conheça nesta vida?» «Sim», disse ela. «Tive sempre a sensação de que era Mark.»

Depois de se levantar para sair, voltou-se e comentou: «Espero que acabemos em breve com o nosso trabalho», e acrescentou sorrindo: «O que acabei de sentir explica-me muitas coisas. Esta semana ainda adormeci muitas vezes — mais do que gostaria. Pergunto a mim mesma se esta regressão não virá a melhorar as minhas relações com Mark.»

Logo que a porta atrás de si se fechou sentei-me e, mentalmente, contactei de novo com todas as facetas que Patricia encontrara, no espaço de alguns meses: a altiva Alena, a princesa de Kauai; a pobre

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Kim, que se odiava tanto que se lançou para a morte; a Tia, gorda e com medo de sofrer; a solitária Meteus, que tão brutalmente fora violada; a pequena Becky, de quem tinham abusado igualmente; e agora Zawn, cuja única alegria era o seu filho. Que gama fascinante de personagens — todas tão diferentes umas das outras, e cada uma com uma contribuição tão substancial para o notável problema inicial de Patricia. Dados os enormes progressos feitos até agora, possivelmente não haveria mais — pelo menos muitos mais. Ou haveria?

Durante a sessão seguinte, sob hipnose, chegámos à conclusão de que não havia mais vidas com interferência nos problemas sexuais de Patricia! Na verdade, quase já não havia problemas, neste aspecto. O relato das suas relações amorosas era brilhante. Todas as semanas esperava vê-la chegar com a boa notícia, dizendo que tinha atingido o clímace. Mas como ainda não o atingira, e baseada na sua descrição do modo como faziam amor, senti que eles precisavam apenas de desenvolver um método ligeiramente diferente de técnica sexual. Pedi-lhes que viessem juntos.

Na semana seguinte discutimos os progressos que tinham feito. Mark observou que já tinham um relacionamento caloroso, harmonioso e íntimo. Gostavam realmente de fazer muitas coisas juntos. As discussões pertenciam praticamente ao passado. Agora ele sentia dificuldade em descobrir quando esta­vam para começar os períodos menstruais de Patricia — o que, segundo ele, era um verdadeiro milagre. Patricia acrescentou que, nas últimas festas em que tinham participado, não sentirão menor ciúme e até estivera à vontade com as outras mulheres.

Durante estes meses ambos tinham adquirido passatempos absorventes. Patricia até tomou a decisão de deixar de trabalhar e de voltar à universidade. Senti alegria ouvindo-os apoiando-se tanto um ao outro — e descrevendo as habilidades e talentos naturais um do outro. O amor que sentiam um pelo outro iluminava as suas caras.

Dei-lhes algumas indicações acerca de técnicas sexuais e tive a certeza de que seria apenas uma questão de semanas para me poder despedir de Patricia e Mark, como doentes.

Três semanas mais tarde vieram juntos — inesperadamente para a consulta de Patricia. Com grandes sorrisos, presentearam-me com outro maravilhoso ramo de flores. Senti uma enorme felicidade por estas duas pessoas amorosas e carinhosas, que acabaram por se tornar minhas amigas. Senti, dentro de mim, uma sensação profunda e boa — senti que tínhamos partilhado muitas e ricas experiências e que nos tínhamos aproximado muito. Quando eles partiram, de lágrimas nos olhos, fiquei triste e feliz, ao mesmo tempo.

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CAPÍTULO VII - «MEDO, MEDO E UM ... TERROR!»

«Nem a minha mulher sabe. Uso todo o tipo de desculpas, excepto a verdade», revelou Mike, com o sentimento de culpa estampado no rosto. O seu problema? Um inexplicável medo das alturas. Descreveu a ansiedade que sentia em lugares altos e que até, às vezes, se transformava em terror. Sentado na minha frente estava um advogado com cerca de quarenta e cinco anos, alto, alegante, bronzeado e com uma barba bem cuidada. Batia com os dedos no braço da cadeira, com nervosismo, e evitava olhar-me de frente, enquanto continuava a explicar porque procurara ajuda. Descreveu-se como um mestre em evasão, uma pessoa que evitava encontros sociais e de negócios que o obrigassem a uma viagem de carro sobre uma ponte ou em zonas montanhosas. Os prejuízos que sofrera na sua vida profissional, por causa destas restrições, eram incalculáveis. No entanto conseguira ser bem sucedido no aspecto financeiro. Abanou a cabeça desgostoso, quando mencionou o que poderia fazer se tivesse a liberdade de pegar no seu carro e ir para qualquer lado, ou de entrar num avião, o que para ele estava totalmente fora de questão. Lamentava ter de negar à sua mulher e a si próprio o prazer de visitas familiares ou de uma volta pela Europa. Mike era orgulhoso. O seu medo não se coadunava com a imagem que tinha de si próprio; portanto, escondia-o de toda a gente — família, amigos e conhecimentos de negócios. Durante anos tinha desabafado com uma legião de terapeutas — um analista freudiano de Nova Iorque, um outro que organizava encontros de grupos-maratona durante fins-de-semana, um terceiro especializado em fobias, um médico bem conhecido pelo seu método de «confronto-e-conquista». Apesar dos esforços de todas estas pessoas envolvidas no seu tratamento, a sua fobia persistia, inabalável.

Mike era psicologicamente sofisticado. Andava há tantos anos em tratamento que «conhecia» as razões do seu medo.

Concluíra que tinha um medo tremendo de morrer, paradoxalmente aliado a uma forte propensão para se autodestruir. Estava convencido de que o seu problema era, na realidade, um verdadeiro terror de perder o controlo e de fazer mal a si mesmo ou aos outros. No entanto, isto não se coadunava com o resto da sua vida. Tinha um casamento bem sucedido, dava-se bem com os seus filhos e a sua carreira profissional era excepcionalmente boa. Era estimado e tinha muitos amigos íntimos. Apreciava também desportos e interessava-se muito por música. Admitiu ter uma grande paixão por ópera. Tal como ele próprio disse: «Sinto um grande prazer em viver!»

Mike estava sentado no meu consultório porque escutara a parte final de um programa radiofónico; ouvira o suficiente para se inteirar do meu trabalho com as vidas anteriores. A sua curiosidade foi despertada — e sentia-se desesperado. Receava não poder ser hipnotizado. Sim, também tinha tentado isso! Mas reduzira-se apenas a uma consulta, numa clínica de hipnose.

Nesta nossa primeira sessão dispúnhamos de duas horas, pois viera para uma regressão a vidas passadas. Depois de o entrevistar, ensinei-lhe a autohipnose e, depois, conduzi-o para o passado distante. Caiu num profundo transe e conseguiu ver com facilidade cenas bem pormenorizadas. Mas tudo o que conseguimos foram imagens calidoscópicas — cenas que pareciam ter sido originadas em muitas vivências diferentes. Uma «série» destacava-se das outras. Descreveu um telhado, de um edifício gótico, muito grande. Na cena seguinte aparecia um caixão. Seguiam-se relances de cenas de morte. O nosso tempo atingira o seu limite e ainda tínhamos muito trabalho para fazer. Decidimos marcar consultas semanais.

Durante as semanas que se seguiram, o subconsciente de Mike levou-nos através de um labirinto. Vimos muitos acontecimentos do passado — alguns desta vida e outros de vidas anteriores. Tudo levava a crer que ele tinha outros problemas e que contornava os acontecimentos que conduziam à sua traumatizante fobia.

Um dia apareceu feliz. Na semana anterior dera-lhe uma sugestão pós-hipnótica, para que o seu subconsciente o preparasse para ver o material que precisávamos de compreender e para que recebesse percepções, através de sonhos ou de visões, durante o dia. Contou-me um fragmento de um sonho, muito vivo — e assustador — que tivera sobre ele um efeito imensamente libertador. Viu o corpo de um homem, com a cabeça espetada numa estrutura de madeira. A cara estava distorcida pela agonia. O corpo e tudo o que o rodeava estava coberto de sangue. Vira tudo isso, de uma forma muito real, em technicolor. Olhara rapidamente, duas vezes, para a cena, só para se certificar de que o homem estava morto. Foi tudo o que pôde suportar. Repetiu muitas vezes que «nunca vira nada como aquilo». Apesar de o sonho ter sido muito rápido, «fora inacreditavelmente medonho». Mas nos momentos seguintes sentiu uma grande onda de autoconfiança e uma sensação de segurança, que se manteve durante dias. Estava excitado com esta mudança, pois via-a como o primeiro passo em frente, em direcção ao seu objectivo de liberdade.

Encostou-se na cadeira, ansioso por ser hipnotizado. Quando ficou em transe profundo, pedi ao seu subconsciente que o levasse para a vida, com que tinha sonhado apenas alguns dias antes. Os seus olhos moveram-se sob as pálpebras fechadas. Abanou a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse a olhar em volta para alguma coisa. Hesitantemente, numa voz suave e pouco segura, começou a descrever

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o que via:

M. — Ahh ... pessoas ... eu ... vejo aquele que julgo ser eu. Dr.ª F. — Descreva essa pessoa, por favor. M. — Destemido. Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa acerca dele? M. — Cabelo escuro ... e ah ... barba ... sorridente. Dr.ª F. — Que está ele a fazer? M. — Parece que está a falar com um grupo de pessoas num ... num passeio ou calçada. Não tenho

a certeza se é um passeio ou uma rua. Dr.ª F. — Como se encontra vestido? M. — Tem um saco no braço ... no ombro ... pendurado ... com uns utensílios. Dr.ª F. — Carrega com uns utensílios? M. — Sim, parece que sim ... roupas de trabalho, um sobretudo ou coisa parecida. Parece estar a

dirigir-se a alguém, na rua. Dr.ª F. — Descreva o cenário. M. — Oh, é agradável. O céu está azul ... e há muitos telhados, cobertos de telhas. [Murmurando.] Dr.ª F. — Que tipo de telhados? M. —São de telha ... vermelhos e alguns cor-de-rosa ... telha alaranjada. Dr.ª F. — De que cor são os edifícios? M. — Parecem de ... cal. Estuque ou cal. Dr.ª F. — Aperceber-se-á do assunto da conversa, após a contagem até três. Um ... dois ... três. M. — Bom, a primeira coisa que ouço são as palavras «telha partida». Dr. F. — «Telha partida»? M. — Bom, essas palavras surgiram-me. Calculo que a discussão fosse sobre isso ... e os utensílios

no saco, para e um ... não sei, eu estava cá fora, em frente daqueles ... edifícios ... e um deles parecia bastante alto, com dois andares, sabe.

Dr.ª F. — Que tipo de edifício era? M. — Não consigo ver o ... não consigo descobrir. Dr.ª F. — Tornar-se-á cada vez mais claro. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. M. — Parece uma igreja grande ... enorme igreja antiga. Dr.ª F. — Que tipo de igreja mencionou? [Lembrando-me do sonho, pensei se poderíamos finalmente

resolver o enigma.] M. — Enorme ... igreja gótica ... pelo menos, assim parece. Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa sobre aquilo que o rodeia e sobre aquilo de que se

consegue aperceber? M. — Estão ali algumas pessoas, senhoras de idade. Estou a dirigir-me para o altar ... parece que

ando à procura de qualquer coisa. Dr.ª F. — Aperceber-se-á do que procura, após a contagem até três. Um ... dois ... três. M. [Grande suspiro.] — Estou à procura de um padre, ou de alguém dali ... um frade ou alguém que ... Dr.ª F. — Porque anda à procura de um padre? M. — Não sei qual é a relação entre tudo isto. Dr.ª F. — Ainda traz consigo o saco com os utensílios? M. — Sim. Dr.ª F. —Após a contagem até três saberá porque anda à procura de um padre. Mantenha-se calmo e

relaxado. Um ... dois ... três. Diga o que lhe vier A. cabeça. M. [Respirando pesadamente.] — Bom, vejo-o levantar a mão ou ... para o telhado. Dr.ª F. — Para o telhado? M. — Não tenha a certeza quem é; se é um padre ou ... Dr.ª F. — Vê alguém levantar a mão para o telhado? M. — Sim, parece que está a dar uma ideia geral ... apontando para trás, em direcção ... aquele lado,

o lado direito. Dr.ª F. — E que diz ele? Após a contagem até três terá uma ideia geral do que ele está a dizer. Um ...

dois ... três. M. — Não tenho ... acho que a única coisa ... vejo-me noutra cena, saindo de gatas de um buraco no

lado do telhado ... é uma janela, redonda ou em forma de octógono ... e há uma escada até lá cima ... e eu estou cá fora, no telhado. Parece ser bastante alto ... telhas, outra vez. Acho que está mais alguém lá em cima. Esta é uma ... uma ... uma daquelas alas ... as igrejas antigas eram desenhadas em forma de cruz ... tinham uma longa entrada até ao meio e depois dois muros laterais ... duas coisas laterais ... e parece-me que eu fui de gatas através de um dos lados da esquerda, para chegar ao lado direito. Porquê, não sei.

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Dr.ª F. — Disse que havia mais alguém lá em cima? M. [Limpando as mãos às calças.] —Hum-humm. Não sei porque é que tenho as mãos a transpirar. Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado. Que se passa agora? Que faz agora? M. — Estou apenas a trabalhar nas telhas ... com aquilo que tirei do meu saco. Dr.ª F. — Explique-se como está a trabalhar. Que tipo de utensílios usa? Que faz com eles? M. — São utensílios de ferro. Ah ... utensílios de metal, com uma espécie de alavanca para levantar

as telhas e substituir a madeira apodrecida e subsuperfícies danificadas, onde a água penetrou e para colar; tenho um pequeno martelo e um pequeno ... uma espécie de ... martelo de um lado e um utensílio para cortar ou lascar do outro.

Dr.ª F. —É esta a sua especialidade: arranjar telhados, telhas partidas? M. — Não sei. Parece que está alguém a dirigir ... e parece que há outra pessoa a falar comigo, mas

não sei ... acho que está relacionado com o trabalho, mas não sei o que estão a dizer. Dr.ª F. — Vou contar de um a três e, então, saberá. Um ... dois ... três. Diga o que lhe vier à cabeça. M. — Quando eu acabar daquele lado, para ir para o lado direito. Dr.ª F. —Porquê? Há alguma coisa do outro lado? M. — Sim. Porque eu não estou a trabalhar naquele lado, estou a trabalhar no ... lado esquerdo, para

quem está virado para a frente. Dr.ª F. — E como se sente, enquanto está lá em cima a trabalhar? M. — Bom, parece que é alto e aos degraus e mais ou menos ... eu não ... tive uma sensação, logo

que soube que isto era alto ... devia ver bem onde punha os pés. [A sua cara fica repentinamente coberta de gotas de suor.]

Dr.ª F. — Que usa nos pés? M. —Parece-me que estão atados. Há qualquer coisa que faz com que não escorreguem, mas eu não

consigo perceber o que é. Dr.ª F. — Tem atada à sua perna algum tipo de sandália? M. — Sim, couro macio, para ... você vai precisar de ir até ali ... e um ... sem cair ... parece que está a

ficar um bocado húmido. Dr.ª F. — Está a ficar húmido, porquê? M. — Deve estar a chover. Dr.ª F. — Veja se se apercebe daquilo que se está a passar. Que sente?M. [Respirando agora rapidamente.] — Bom, a primeira vez que fui lá cima ... são cores que aqui não

vejo com frequência ... é uma ... diferente, parece o Sul da Europa ... com aquele tipo de elevações ... e esta igreja parece ficar numa elevação. Há outros montes e sítios com casas e, sei lá que mais, em estuque ... nevoeiro, nevoeiro azul e neblina e ...

Dr.ª F. — M. quanto tempo estava a trabalhar no telhado, até começar a chover? M. — Não sei. Não posso ... só ... não sei quanto tempo passou. Estava apenas a trabalhar neste

lado e nas caleiras, vejo caleiras verdes de cobre ... Dr.ª F. — Conte-me mais coisas. De que se consegue aperceber? M. — Oh, estava só a olhar para as caleiras e à volta, para as cornijas da igreja, e sentia uma certa

ansiedade. Dr.ª F. — Porquê? M. — Ao olhar para baixo. Ao olhar para baixo, pois é bastante alto. Dr.ª F. — Está a chover muito? M. — Não ... não. Só tenho consciência ... que é por causa da chuva ou neblina, ou qualquer coisa;

mas elas estão molhadas. As telhas estão molhadas. E estou a ser particularmente cuidadoso. Mas é o meu trabalho ... e parece que sei ... andar por aqui.

Dr.ª F. — Que está a fazer agora? M. — Estou a levantar-me e a atravessar para o outro lado, estou a fazer uma inspecção por alto do

... do, ah ... parece que este padre usa um solidéu e um manto. Dr.ª F. — O padre também está no telhado? M. — Sim ... é ele que me está a dirigir.Dr.ª F. — De que se apercebe agora? M. — Estou apenas a olhar para baixo, para o ... parece que tento encontrar a zona. Ele está de pé,

na borda do telhado, ou ligeiramente para a esquerda, olhando para baixo, para mim. E eu tenho consciência da altura. [Tornando-se visivelmente preocupado.]

Dr.ª F. — Como se sente? Reparo que está a cerrar os punhos e a esfregar as mãos. M. — Ah, só um pouco ... de humidade ... se é de estar a segurar ... Dr.ª F. — De que tem consciência agora? M. — Tenho consciência de ter perdido alguns utensílios, de ter rolado para o lado e ... de estar

deitado, esticado ... não sei se estou a tentar recuperá-los ou não.

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Dr.ª F. — Tome nota do que se passa. Conte-me apenas o que se segue. De que se consegue aperceber?

M. — Bom, de qualquer modo, há algumas telhas soltas, e aquilo entra nisto. Para onde diabo vai eu ... eu não sei, parece ser apenas aquela parte ... a perda dos utensílios é qualquer coisa, cair e chegar até eles ... desistir e ... ficar suspenso, balouçando na caleira e as telhas e ... é uma ... e parece ter três andares de altura ... é mesmo alto!

Dr.ª F. — Onde está agora? M. —Eu ... estou pendurado naquela maldita, ah ... Dr.ª F. — Onde? M. — Estou pendurado naquela ... caleira e estou agarrado a algumas daquelas telhas, que estão

soltas e partidas, mas elas não ajudam muito e estão a cair. Dr.ª F. — Onde está o seu corpo? M. — Estou na lado de fora, suspenso ... apenas ... parece-me que o braço na caleira ou ... uma mão

na caleira e o outro braço no cimo do ... mas fico mesmo ali. Não me parece que vá ... cair. [Cara banhada em suor.]

Dr.ª F. — Onde está o padre? Está aí? M. — Não ... Foi embora. Dr.ª F. — Que sente? Tome contacto com os seus sentimentos. M. [Pausa longa.] Dr.ª F. — De que tem consciência? Que pensamentos lhe atravessam o espírito? M. — Bom, eu ... eu não ... eu ... eu ... sinto ansiedade, mas não o terror de cair. Não tenho o ... não

vejo isto ... parece que parei ali. Eu não ... eu tenho consciência dos edifícios. Dr.ª F. —De quais edifícios se apercebe? M. — O edifício onde estou ... a igreja e ... onde estou, em que posição e em que sítio, e que ... eu

não ... passo dali. Dr.ª F. — Ainda está a balouçar? Está pendurado na caleira, seu corpo balança e um dos seus

braços agarra as telhas, em cima? M. [Acena com a cabeça, em sinal afirmativo.] Dr.ª F. — Vou pedir-lhe que se concentre na sua respiração. Vou contar de um a três, ficará muito

mais relaxado e calmo e o seu subconsciente deixá-lo-á continuar, passo a passo, para que possa ver o que lhe acontece. Um ... ficando mais relaxado à medida que se vai apercebendo do que está a acontecer ... dois ... três. De que se apercebe?

M. — Há algumas pessoas a tentar ajudar ... estão de pé do outro lado e deixam cair qualquer coisa, uma corda ou coisa parecida.

Dr.ª F. —E agora? Dizem-lhe alguma coisa? M. — Estou ... em parte seguro essa corda ... e estou agarrado à caleira, as telhas ... e balanço de

um lado para outro. Dr.ª F. — Que sente? M. — Sinto o balanço e a ... posição precária em que me encontro. [Contorcendo-se.] Dr.ª F. — Que emoções sente? M. — Medo, medo e um ... terror! Isto é, estou a tentar agarrar-me o melhor que posso ... [Cobrindo a

cara com as mãos.] Um deles escorrega e eu perdi ... Dr.ª F. — Uma das pessoas escorrega? M. — Sim. Dr.ª F. —E depois, que se passa? M. — Todo o meu peso foi para a caleira e ela partiu-se. Dr.ª F. — Continue. Que se está a passar? A caleira partiu? M. —Sim. Dr.ª F. — Conte-me o que está a sentir.M. — Tudo aquilo está ... toda a caleira está a cair, com telhas e fragmentos. Dr.ª F. — De que se apercebe? M. — Bom, apenas me vejo a cair. A princípio era eu, depois ... afastei-me e vi alguém cair. Dr.ª F. — Consegue ver a cara dessa pessoa, consegue ver o seu corpo, durante a queda? M. — Voltado ... ao contrário. Dr.ª F. — Caindo com as costas para o solo? M. — Certo. Dr.ª F. —A cabeça à frente? M. — Não, o corpo ... costas e frente, primeiro ... as suas costas e a frente em primeiro lugar e as

mãos no ar, tal como quando estavam agarradas ao ... e abertas, afastadas. [Fazendo a demonstração, com os braços esticados.]

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Dr.ª F. — Que fez ele durante a queda? M. — Apenas ... Dr.ª F. — Ouve alguma coisa? M. — Só ao longe. Só ao longe. Dr.ª F. — Ouvirá. M. — Bom, uma espécie de grito ... ouço um grito, não sei se é ele ou não. Ah ... Dr.ª F. — Que sente agora?M. — Bom, eu estou ... «Oh, meu Deus!» ... É ... Dr.ª F. — Ele está a dizer «Oh, meu Deus!»? M. — Sim. Dr.ª F. — E agora, que se passa? M. — Parece que é tudo o que eu posso ... é bastante escuro, lá em baixo, onde ele está a cair ... a

cair. Julguei que fosse entre dois edifícios, mas ... talvez seja ... talvez seja uma parede ... parede ... o que escurece aquilo, lá em baixo. Mas não consigo ver o corpo ... lá em baixo.

Dr.ª F. — Relaxe-se. Agora vou contar de um a três e verá o corpo. Um ... dois ... três. Que vê? M. — Vejo a cara espetada. Bom, vejo uma expressão de agonia, eu só ... de morte na sua ... forma

completa. Ele está nestes ... andaimes ... de madeira ... atravessou-o, quase completamente, isto é, eu ... foi ... a parte horrível de tudo aquilo ... parece que tinha sido ... tinha sido ... obrigado, sabe ... cair sobre isto ou ... não sei, não sei. O que eu quero dizer é que isto é ... [Respirando rapidamente.] Posso olhar lá para cima.

Dr.ª F. — Que lhe vem à cabeça? Que lhe está a suceder agora? M. — Estou apenas a observar o edifício. Quero ver todo o edifício ... vejo a caleira partida, vejo tudo

o ... que está acima de mim e o céu. Parece que agora se tornou branco. Dr.ª F. — Onde se encontra agora? M. — Em baixo, olhando para cima. Dr.ª F. — Está no chão? M. — No chão, estendido.Dr.ª F. —E agora, de que se apercebe? Quais são os seus pensamentos, enquanto está aí, no chão? M. — Acho que não apanho nada disso. Só vejo ... pessoas à volta e ... alguém tentando ajudar-me

... alguém a levantar-me a cabeça. Dr.ª F. — E agora, que acontece? M. — Bom, parece que fica cada vez mais escuro ... parece que o sol fica encoberto ... acho que ...

não sou capaz de ver ... mas tenho uma sensação do que se está a passar à minha volta ... as pessoas olham assustadas e ... vejo essencialmente o mesmo grupo que vi antes.

Dr.ª F. — Fale-me nele outra vez. Quem era? M. — Nesse sonho ... não na mesma posição, mas deitado, estendido ... Dr.ª F. — A cara era a mesma? M. — Bastante parecida ... não tão real ... apenas uma ... aquilo foi apenas uma ... visão que cega.

Essa coisa ... aparecia e desaparecia ... não foi isto. Isto é ... isto é o grupo que eu vi em frente daquilo, parece-me que aquilo era a igreja, os edifícios. Uns olhos azuis, amigáveis.

Quando saiu do transe, Mike lançou-me um ligeiro sorriso. Era óbvio que se encontrava emocionalmente exausto, devido ao trauma que tinha acabado de reviver. Limpou o suor da cara e das mãos, passou os dedos pelo cabelo e levantou-se abruptamente. Queria fugir da cena, que tanta dor psíquica lhe tinha causado. Tínhamos ultrapassado o nosso tempo; portanto, saiu, confirmando a sua marcação para a semana seguinte.

Depois de ele sair, deixei-me afundar na minha cadeira. A sua regressão também fora esgotante para mim. Revia mentalmente, recordando as suas reacções, especialmente a ansiedade que experimentara com tanta evidência. Lembrei-me que ele trocara a sua posição de participante por uma posição de observador-narrador. Tentou furtar-se ao pânico e à dor, evitando constantemente enfrentar a situação. Isso tornara extremamente difícil a aproximação ao resultado da queda. Senti que

tinha apontado para o acontecimento responsável pelo seu medo das alturas, mas ele precisava de experimentar a sensação real, a fim de conseguir o alivio que procurava e de que precisava. Meti-me dentro da sua pele e tive pena dele. Iria ser muito duro voltar a passar por tudo aquilo!

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CAPÍTULO VIII - «APENAS A OUVIR ... A OBSERVAR»

Quando Joe veio à procura de auxílio estava desesperado. Tinha de resolver o seu problema: insónia grave. A maior parte das noites não conseguia adormecer senão de madrugada, a não ser que tomasse quatro soporíferos — todos ao mesmo tempo. Pagava sempre o preço dessa atitude, dormindo durante doze horas e sentindo lhe o efeito muitas mais horas. Noite após noite mantinha-se acordado, resistindo aos comprimidos. Sem excepção, a sua mente mergulhava numa torrente de pensamentos incongruentes. Tal como frequentemente acontece com todos os sintomas, a sua insónia provocava-lhe outros problemas. Era­lhe impossível concentrar-se. E bem precisava da concentração, pois andava a preparar-se para um exame sobre direito de propriedade. Era imperativo que decorasse páginas e páginas de factos e leis. Sem sono, preocupava-se com a passagem no exame — o que fazia com que fosse mais difícil conciliar o sono, durante a noite. Era um ciclo vicioso.

Joe era um homem aprumado, com cerca de trinta e cinco anos. Dentro da estatura mediana, não tinha nem um quilo a mais. Vestia-se impecavelmente, com camisas vistosas, calças bem feitas e botas de cowboy bem engraxadas. Tinha um aspecto que parecia dizer-nos automaticamente: «Sou um individua­lista.»

O motivo da sua primeira visita fora o seu vício de fumar três maços de cigarros por dia. Mas, desta vez, veio por causa de uma palestra que fiz numa faculdade dos arredores. Quando relacionei com vidas passadas as causas de vários casos de desordens do sono, o seu interesse foi despertado. Marcou uma consulta logo no dia seguinte.

Sob hipnose, e através de sinais de dedos, o subconsciente de Joe indicou que o seu problema estava relacionado com dois acontecimentos de uma vida passada. Dei sugestões ao seu subconsciente para o preparar, a esse nível, para que, na

consulta seguinte, pudesse olhar para essa vida. Quando ia a sair, parou à porta. «A ideia de uma existência anterior intriga-me.» Riu. «Não faço a menor ideia de quem teria sido.»

Voltou na semana seguinte. Cinco minutos depois comecei a indução hipnótica — queria dispor de todo o tempo possível para a sua regressão à vida passada. Confirmei os sinais do seu dedo e vi que o seu subconsciente o tinha preparado. Continuei com a regressão, fazendo a contagem decrescente para «outro lugar, outra época» e esperei ... esperei. Nada surgiu. Ele não estava a sentir nada. Fiquei espantada. Tive o pressentimento de que ele estava a resistir e que provavelmente precisava de maior preparação. Dei-lhe, de novo, sugestões hipnóticas, para o prepararem para uma regressão à vida passada, durante essa semana, e libertei-o do transe. Quando discutíamos o que acontecera, ele revelou que vira «uma loja e uma cena de rua, com grande nitidez» — vira inclusivamente sulcos na rua suja e gastos passeios de madeira. Mas não falara em nada, porque pensara que «era tudo invenção». Quando se preparava para sair, disse: «Agora compreendo. Da próxima vez confiarei no meu subconsciente e relatarei tudo o que me surgir, quer faça sentido, quer não!»

Ao entrar no meu consultório, confessou que na semana anterior, ao vir para a consulta, se tinha sentido muito receoso — de facto, ficara até quase com suores frios. Assegurou-me que desta vez estava preparado. Repeti-lhe as instruções para relatar tudo. Caiu muito rapidamente num transe profundo. Depois de ter retrocedido até um acontecimento agradável ou neutro, ocorrido na infância da vida responsável pelo seu problema de sono, disse:

J. — Estou no pátio ... a brincar. Dr.ª F. — Diga-me mais coisas. J. —É em frente de casa. Estou apenas a jogar à bola. Dr.ª F. — Que idade tem? J. — Dez anos.Dr.ª F. —E como se chama?J. [Hesita] — Não consigo ... Dr.ª F. — Vou contar até três e, quando lá chegar, o seu nome surgir-lhe-á. Um ... dois ...três. J. — Dale. Dr.ª F. — Dale? Qual é o último nome? J. — Short. Dr.ª F. — Fale-me de si, Dale. Com quem vive?Dr.ª F. — Onde? J. — Kentucky. Dr.ª F. — Que faz o seu pai?

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J. — É o chefe da polícia. Dr.ª F. — Que acha de ele ser o chefe da polícia? J. — Tenho orgulho nele. [Sorrindo.] Dr.ª F. — Agora concentre-se na sua respiração e o seu subconsciente transportá-lo-á ao próximo

acontecimento significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. J. — O meu pai morreu. Dr.ª F. — Morreu? J. — Foi morto. Dr.ª F. — Como foi ele morto, Dale? J. — A tiro. Dr.ª F. — Só descobriu isso agora? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Quem atirou sobre ele? J. — Pistoleiro.Dr.ª F. — Fale-me mais disso. J. — Sinto-me mal, por causa da minha mãe e da minha irmãzinha ... nunca pensei que, ah ... alguém

o pudesse bater. Dr.ª F. — Está mesmo surpreendido. J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Era um bom atirador? J. — Hum-humm. Era muito rápido. [O seu queixo treme; formam-se lágrimas.]Dr.ª F. — Lamento muito ... Que vai fazer a família? J. — A minha mãe faz vestidos ... eu não vou ficar. Dr.ª F. — Para onde vai? J. — Vou para oeste. Dr.ª F. — Que idade tem agora, Dale? J. — Dezassete anos. Dr.ª F. — Ponha de parte, de momento, esses sentimentos e recordações. Concentre-se na sua

respiração enquanto eu conto até cinco. Fique calmo e relaxado. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que sente agora, Dale?

J. — Junto de uma fogueira. Muita gente. Dr.ª F. — Que se está a passar? J. -É uma caravana. Dr.ª F. — É noite? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que idade tem agora?J. — Vinte anos. Dr.ª F. — Anda a viajar há muito tempo?J. — Há cerca de cinco meses.Dr.ª F. —E onde se encontra agora? J. — Perto das Rockies.Dr.ª F. — Qual é a época do ano? J. — É Primavera, ou Verão. Dr.ª F. — Parece-me que é uma boa época para passar as Rockies. J. — E quente. Dr.ª F. — Fale-me mais dessa noite. J. — Estou encostado a uma carroça. Dr.ª F. — Como se sente? J. — Decidido a juntar-me a estas pessoas ... Dr.ª F. — Não se juntou aos outros? J. — Não. Dr.ª F. — Porquê? J. — Eles só sabem tratar da terra e ... vão para o Oeste para arranjar terras e ... não estão

preparados. [Com altivez.] Dr.ª F. — Que pretende dizer com isso? J. — Não se podem defender. Dr.ª F. —E você, sente que está preparado? J. — Hum-humm. Não sob todos os aspectos ... mas em grande parte deles. Dr.ª F. — Como se defenderia? J. — Apenas com uma arma.

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Dr.ª F. —É um bom atirador? Como aprendeu? J. — O meu pai ensinou-me. Dr.ª F. — Ele era um bom atirador, não era? J. —Sim. Dr.ª F. — Então está sentado e encostado ... está encostado à sua carroça?J. —Só tenho um cavalo. Dr.ª F. — Então está encostado a uma das carroças ... anda a viajar há cinco meses. Quando pensa

chegar ao seu destino? J. — Talvez dentro de alguns meses. Dr.ª F. — Qual é o seu destino? J. — Califórnia. Nenhum lugar em especial. Dr.ª F. — Que quer fazer, quando lá chegar? J. — Talvez seja guarda de uma diligência ou ... banco, ou qualquer coisa. Dr.ª F. — Agora deixe passar algum tempo e veja o que se passa; veja se acontece algo de

significativo durante este episódio. Vou contar de um a cinco e, quando chegar a cinco, vai dizer-me o que se passa. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que se passa agora, Dale?

J. — Os índios fizeram-nos uma emboscada. [Respirando com força.] Dr.ª F. — Fale-me mais acerca disso. J. — Nós íamos ... a aproximarmo-nos de um desfiladeiro e os índios estavam ... estavam escondidos

nos lados do desfiladeiro e começaram a atirar sobre nós. Dr.ª F. — Que armas tinham eles? J. — Algumas espingardas ... arcos e flechas.Dr.ª F. — Como resultado disso, que aconteceu? J. — Tivemos de deixar ... deixar as carroças porque ... não podíamos juntar as carroças ... não é

uma boa posição defensiva. Dr.ª F. — Todos deixaram as carroças; e que fizeram depois? J. — Corremos para as árvores. Dr.ª F. — Onde se encontra agora? J. — No meio de algumas árvores. Dr.ª F. — Conte-me o que vê. J. — Há índios, lá em cima, também. A cavalo. [Olhando para cima, corpo tenso.] Dr.ª F. — Lá em cima, onde? J. — Entre as árvores. Dr.ª F. — Que sente?J. — Tenho pena dessas pessoas ... metade são mulheres ... puxam-nas para os seus cavalos e

partem com elas ... estas pessoas não conseguem acertar em nada, com as armas. [Exasperado.] Dr.ª F. —São alvos fáceis, não são? Já foi morto algum? J. — Alguns índios ... atirei sobre alguns. Dr.ª F. — Atirou sobre alguns? J. — Hum-humm ... Atirei sobre uma mulher ... não consegui acertar só no índio. Dr.ª F. — Acertou na mulher acidentalmente? J. — De propósito. Dr.ª F. — Isso seria mais misericordioso que deixá-la ir? J. — Ficará melhor. [Aparecem lágrimas nos seus olhos.] Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado. Tinha o pressentimento de que ia acontecer qualquer coisa desse género, não era? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Deixe que essas recordações desapareçam e avance até ao próximo acontecimento

significativo. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que se passa agora, Dale? J. — Estou na cidade ... nos montes ... montanhas ... é uma cidade mineira, minas de ouro. Dr.ª F. — Que está a fazer neste momento? J. — Estou a descer a rua, pelo passeio ... mineiros, muitas pessoas, homens.Dr.ª F. — Onde está? Em que estado está? J. — Califórnia. Dr.ª F. — Está aqui há muito tempo? J. — Não. Estou cá só há uma semana, aproximadamente. Dr.ª F. — Revendo aquele ataque índio, pode dizer-me qual foi o resultado? J. [Pausa longa.] — Aguentámo-nos até àquela noite ... não ficaram muitos ... disse-lhes que

passassem a palavra e que cada um tentasse escapar por si ... que não se juntassem, porque os índios podiam perceber e ... seria melhor sozinhos. Parti só.

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Dr.ª F. — Partiu durante a noite? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Nessa altura estava cansado? J. — Não. Dr.ª F. — Como conseguiu ver o caminho? J. — Apenas ... apenas com o luar e ... talvez os índios nos seguissem o rasto, na manhã seguinte ...

não me parece ... [suspiro profundo] ... que os outros tenham tido sorte. Dr.ª F. — Acha que os outros não têm hipóteses, mas você sabe muito bem o que está a fazer, não

é? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Conseguiu dormir, naquela noite? J. —Não. Os índios andavam ... à nossa volta ... apanhei alguns com a minha faca, nessa noite. Dr.ª F. — Com a sua faca? Foi uma luta corpo a corpo, não foi? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Nessa altura, todos estavam a tentar dormir? J. — Não! Dr.ª F. — Não se atreveria a correr esse risco, pois não? Aproximadamente, a que horas de noite se

passou isso? J. — Foi durante toda a noite. Dr.ª F. — A que horas partiu, sozinho? J. — Cerca de três horas antes do amanhecer. Dr.ª F. — Então, durante toda a noite, esteve nessa espécie de acampamento, com os outros? Ou

esteve apenas numa área, com os outros? J. — Na floresta. Dr.ª F. —E tinha de estar muito atento, pois os índios podiam aparecer a qualquer momento. Eles

estavam a cercar-vos. J. — Estávamos ... os outros e eu estávamos muito perto uns dos outros.Dr.ª F. — Mas você tinha de estar atento, não? J. — Hum-humm. Ouvia gente gritar, de quando em quando, porque ... [suspirando profundamente] ...

os índios os tinham apanhado com um machado ou com uma faca. Dr.ª F. — Deve ter sido uma noite terrível para si. J. — Eu não estava com medo. [Dizendo a verdade.] Dr.ª F. — Como passou o tempo, durante essa noite, antes de partir? J. — Apenas a ouvir ... a observar. Apesar de não se conseguir ver quase nada. Só as árvores, ali

não entrava luar ... bons lutadores. Dr.ª F. — Quem eram eles? J. — Crows.Dr.ª F. — Como sabe isso? J. — Sabia que naquela zona havia Crows ... os Crows são os únicos hostis. As outras tribos são

pacíficas. Dr.ª F. — Disse que estava ali na floresta. Ouvia gritos de quando em quando, mas não tinha medo.

Só estava muito atento. J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Sabia que, se não prestasse atenção, podiam morrer todos, é isso? J. — Bom, só pensava em proteger-me a mim mesmo. Não tinha nenhuma hipótese de proteger o

grupo. [A sua voz era deprimida.] Dr.ª F. —E agora, aqui está, nesta cidade mineira. Onde se encontra? J. — Estou na rua. Dr.ª F. — Que está a fazer, Dale? J. — Vou aos bares e aos saloons.Dr.ª F. — Que faz?J. — Ainda não faço nada. Não ... não me parece que vá ficar aqui. Estou só a ver como é isto. Dr.ª F. — Vou pedir-lhe que avance até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até

cinco. Deixe que essas recordações se apaguem. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que se passa à sua volta? J. — Estou no México. Dr.ª F. — Fale-me mais acerca disso. J. — Estou a beber e a dançar com raparigas. Dr.ª F. — Porque está no México, Dale? J. [Baixando a voz.] — É apenas uma espécie de ... esconderijo. Dr.ª F. — Esconderijo? J. — Hum-humm.

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Dr.ª F. — Porque se esconde? J. [Murmurando.] — Assaltei uma diligência ... para arranjar dinheiro. Dr.ª F. — Conseguiu arranjar algum dinheiro, desse modo? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Pode falar-me mais acerca disso? J. — Sabe, tinha ficado sem dinheiro e ... trabalhava a maior parte do tempo em ranchos e ... não

gosto desse tipo de trabalho. Vi esta diligência, então assaltei-a ... só fiz uma emboscada. Não matei ninguém.

Dr.ª F. — Tomou essa decisão momentaneamente, ou já tinha isso planeado? J. — Sentia curiosidade em saber como seria. Dr.ª F. — E como foi? J. — Não gostei porque pensei ... que alguma das pessoas podia tentar ... atirar sobre mim e eu teria de os matar. Dr.ª F. — Mas conseguiu evitar isso de algum modo?J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que quantia conseguiu? J. — Cerca de mil e quinhentos dólares ... em ouro! Dr.ª F. — Quando se passou isso? J. — Talvez há um mês. Dr.ª F. — E agora está no México, escondido, durante algum tempo. J. —Eu ... vou ficar aqui durante algum tempo e depois volto pelo Texas. Devo ser procurado na

Califórnia. Dr.ª F. — Bom. Agora vou contar de um a cinco e, quando chegar a cinco, gostaria que avançasse

até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Onde está agora, Dale? J. — Estou num bar. Têm, ah ... mesas de jogo, raparigas que dançam ... eu mantenho isto calmo ...

sou o guarda. Dr.ª F. — Que faz? J. — Estou aqui para não haver roubos.Dr.ª F. — Para que o bar não seja roubado, é isso? J. — Hum-humm. Há aqui muito dinheiro. Dr.ª F. — Gosta do seu trabalho? J. — Francamente, não. Dr.ª F. — Há quanto tempo faz isso? J. — Três meses.Dr.ª F. — Onde está agora?J. — No Texas.Dr.ª F. — Que idade tem, Dale? J. — Tenho vinte e sete anos. Dr.ª F. — Já teve vontade de casar? J. — Não. Dr.ª F. — É um solitário? J. — Sim. Dr.ª F. — Agora deixe que estas recordações se desvaneçam e avance até ao próximo

acontecimento significativo, apôs a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. J. — Estou numa diligência ... como guarda ... é um trabalho fácil.Dr.ª F. — Para onde vai a diligência? J. — Para Wichita. Dr.ª F. — É uma grande distância, não?J. — Não. Dr.ª F. — Gosta do seu trabalho? J. — Nem por isso. Melhor que o trabalho no rancho ... tratando do gado. Dr.ª F. — E agora vou pedir-lhe que deixe desaparecer essa recordação e que avance para o próximo

acontecimento significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Diga o que lhe vier à cabeça.

J. — Sou o xerife. Dr.ª F. — Em que estado está agora, Dale? J. — Ainda estou no Cansas. Dr.ª F. — Gosta desse trabalho? J. — Gosto, gosto dele. [Sorrindo.] Dr.ª F. — Gosta mais disto do que de ser guarda?

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J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Há quanto tempo é xerife? J. — Dois anos. Dr.ª F. — Então assentou nesta cidade, não? J. —Hum-humm. [Orgulhosamente.] As pessoas, aqui, respeitam-me. Dr.ª F. — Qual é o nome da cidade? J. — Pittsburgo. Dr.ª F. — Pittsburgo? E que está a fazer neste momento? J. — Estou a caminhar pela rua ... no passeio ... digo «Olá» às pessoas. Não há muito que fazer

durante o dia. Dr.ª F. — Tem mais trabalho à noite? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Que tipo de cidade é? J. —Lojas ... e o ... bar, estão constantemente a embriagar-se e a dar tiros uns aos outros.

[Impacientemente.] Dr.ª F. — Já casou, Dale? J. — Não. Dr.ª F. — Que idade tem agora?J. — Vinte e nove anos. Dr.ª F. — Tem namorada? J. — Não. Ainda não estou pronto para assentar. Dr.ª F. — Onde vive? J. — Tenho uma casa pequena que a cidade me dá, faz parte do trabalho. Dr.ª F. —E você anda a passear pela rua; anda só a dar uma vista de olhos, não? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Como é a cidade? É uma cidade próspera? Uma cidade pequena? J. —É uma cidade pequena ... ah ... muitas pessoas dos ranchos vêm cá ... tratadores de gado e

donos de ranchos, agricultores ... não há muitas pessoas a viver na cidade ... donos de lojas. Dr.ª F. — A cidade tem prosperado? J. — Tem crescido ... aqui não há muitos delitos. Dr.ª F. — Tenciona ficar nessa cidade?J. — Não me parece. Não ... não há movimento suficiente ... os tratadores de gado embriagam-se,

começam a atirar uns sobre os outros ... e normalmente atingem uma pessoa que não era aquele que visavam. Depois pensam que são bons e ... se não foi uma luta leal, então querem tiroteio comigo. São uns miúdos.

Dr.ª F. — Que faz, quando eles querem tiroteio consigo? J. — Normalmente não são nada rápidos e, se estou perto, acerto-lhes no joelho ... isso deita-os ao

chão. Normalmente nem mesmo tiram a pistola do coldre. Se falho à primeira ... então mato-os. Não lhes vale a pena matarem-me para tentarem salvar as suas vidas. [A sua voz arrasta-se com desgosto.]

Dr.ª F. — Agora deixe essas recordações desaparecerem e avance até ao próximo acontecimento significativo. Vou contar de um a cinco e, depois da contagem, vá até ao acontecimento ou acontecimentos responsáveis pelo seu problema de sono. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.

J. [Pausa longa. Franze a testa enquanto pesquisa a sua memória.] - É uma cidade maior ... sou o chefe da polícia e não o xerife. É o Colorado. Há muitos saloons na cidade ... mais pistoleiros ... e vadios ... aqui, as pessoas já sabem lidar melhor com as suas armas. Não são como os lojistas ou os tratadores de gado. Mas gosto.

Dr.ª F. — Gosta disso? J. — Hum-humm. [A sua cara torna-se animada.] É excitante. Dr.ª F. — Que idade tem agora?J. — Trinta e dois anos. Dr.ª F. — Diga-me qual é o seu aspecto.J. — Estou bronzeado ... o meu cabelo é escuro ... e sou musculoso ... ancas estreitas, cinta ... botas

pretas. Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que o leve até ao próximo acontecimento significativo.

Após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. J. — O banco foi roubado. Dr.ª F. — Fale-me mais disso. J. — Foi roubado por três homens ... e eles fugiram. Dr.ª F. — Assistiu ao assalto? J. — Não.

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Dr.ª F. — Quando aconteceu isso? A que hora do dia? J. — Foi por volta do meio-dia. Veio alguém ao meu escritório dizer-me. Dr.ª F. — E que está a fazer agora? J. — Estou a reunir um grupo de polícias e ajudantes. Dr.ª F. — Quantos homens conseguiu?J. — Seis ou sete. Dr.ª F. — Julga ter hipóteses de apanhar esses três ladrões? J. — Não têm grande avanço. Não têm muitos sítios para onde fugir. Dr.ª F. — Sabe que caminho tomaram, quando saíram da cidade?J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Como se sente, ao reunir esses homens? J. — Confiante ... eles são ... não são nada de especial. Dr.ª F. — Acha que vai apanhar os ladrões do banco? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Avance e veja. J. — Enforcamo-los. [Com indiferença.] Dr.ª F. — Vou pedir ao seu subconsciente que o faça avançar para um acontecimento muito

importante, após a contagem até cinco; deixe que essas recordações se desvaneçam. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.

J. — Estou a jogar bilhar ... é de noite. A cidade está bastante calma ... há dois ajudantes ... verificam as lojas ... tomam conta dos saloons ... então eu estou a jogar com algumas pessoas, a jogar bilhar.

Dr.ª F. —Está a divertir-se? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — É bom no bilhar?J. — Hum-humm ... e estas pessoas são simpáticas, banqueiro ... presidente da câmara. Todos eles

têm mesas de bilhar em casa. Dr.ª F. — Está em casa de alguém? J. — Não ... este ... é o salão de bilhar da cidade. Dr.ª F. — E está a jogar com o banqueiro e com o presidente da câmara. Só os três? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — E agora, se acontecer qualquer coisa durante essa noite, o seu subconsciente levá-lo-á

para esse momento, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. J. [Recua com violência.] Alguém me alvejou. Dr.ª F. — Alguém o alvejou? J. — Sim. Através da janela aberta. No salão de bilhar. Dr.ª F. — Onde lhe acertaram? J. — Foi uma caçadeira ... atravessou o meu peito e o meu estômago. [Arfando.] Dr.ª F. — Onde se encontra, neste momento? J. [A sua cara está contorcida pela dor.] — Estou no chão. Dr.ª F. — Diga-me o que está a sentir. J. — Estou acima de tudo surpreendido. Dói mas não, não muito. Estou apenas surpreendido por ter

deixado que isso acontecesse. Dr.ª F. — Que quer dizer? J. — Que eu não era ... é que eu não seria apanhado apenas ... por alguém me ter armado uma

emboscada. [Raiva na sua voz e na sua cara.] Dr.ª F. — Está surpreendido por não ter sido suficientemente cauteloso? J. —Sim. Dr.ª F. — É assim que costuma ser? J. — Caminho pelo lado escuro da rua ... olhando para as esquinas, antes de avançar ... isto foi mesmo na rua principal. Dr.ª F. — Então já não está no salão de bilhar? Saiu dali? J. — Não, o salão de bilhar está virado para a rua principal. Dr.ª F. — Estava a jogar bilhar, quando isto aconteceu? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — E, neste momento, de que tem consciência? J. — Eles levaram-me para a cama ... lá para cima ... médico ... o meu estômago dói-me. [Gotas de

suor aparecem na sua cara.] Dr.ª F. — Está a perder muito sangue? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Está consciente e vê o que se passa?

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J. —Hum. Dr.ª F. — Diga-me mais coisas. Que está a passar-se? J. — Este é o médico ... e uma mulher que o ajuda ... o banqueiro e o presidente da câmara ... um

dos ajudantes ... Dr.ª F. — Então, acha que vai sobreviver? J. — Não é possível! Dr.ª F. — Porque diz isso, Dale? J. — Com uma caçadeira ... [risada curta] ... muito sobre o estômago. Dr.ª F. — Quais são os seus pensamentos acerca disso? Que pensa acerca da morte? J. — Isso não ... não me incomoda muito. Só estou ... louco ... deixei que me apanhassem assim! Dr.ª F. — Como os deixou apanharem-no? Estava desatento ou que aconteceu? J. — Só não contava com isto. Dr.ª F. — E, como não esperava, distraiu-se; foi assim? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Se estivesse à espera disto, que teria feito? Que atitude teria tomado?J. — Não estaria numa sala iluminada, com as persianas abertas ... teria ficado alerta. Mantinha-me

fora dos edifícios. Eles alvejam, quando saímos pela porta. A luz está nas nossas costas. Dr.ª F. — Foi desse modo que isso se passou? No momento em que ia a sair pela porta? J. — Eu estava no salão de bilhar. Ele atirou através da janela. Não podia falhar. Dr.ª F. — Bom, agora avance alguns minutos e veja o que está a acontecer. Um ... dois ... três ...

quatro ... cinco. Em que situação se encontra? J. — O médico está a pôr o lençol ... sobre a minha cara. Dr.ª F. — Onde está você, quando isso acontece? J. — Ainda estou na cama. Dr.ª F. —E que sente? J. — Sabia que isto ia acontecer ... não sinto nada. Dr.ª F. — Que consegue ver, do sítio onde está? J. — Vejo o médico ... a sua enfermeira, limpando os seus ... objectos, instrumentos. O banqueiro e o

presidente da câmara ... dizendo que lamentam muito tudo aquilo. Dr.ª F. — Além disso que vê? Que vê na cama? J. — Apenas um lençol ensanguentado ... e eu. [Com indiferença.]Dr.ª F. — Encontra-se coberto pelo lençol? J. — Sim. Dr.ª F. — Onde sente que está, quando observa isto?J. —Não sei. [Parecendo muito admirado.] Dr.ª F. — Isso vai tornar-se cada vez mais claro. Vou contar de um a três e, ao chegar a três, será

muito claro para si o sítio onde está. Um ... dois ... três. J. [Pausa longa.] —É como se estivesse a ver através do telhado.Dr.ª F. — De onde? J. —Do céu. Dr.ª F.— Do céu? Está a olhar para dentro da casa, através dos telhados? J. [Acena com a cabeça, em sinal afirmativo.] Dr.ª F. — Sente que pode ver as expressões e ouvir o que dizem as pessoas?J. [Acena de novo.] Dr.ª F. — Está ali sozinho? J. — Não, há duas pessoas. Dr.ª F. — E quem são? Parecem-lhe conhecidas? J. — Não. Uma delas é uma mulher. Dr.ª F. — É alguém que conheça? J. — Não. Dr.ª F. — Que traz ela vestido? Qual é o seu aspecto? J. — Tem uma espécie de ... de camisa de dormir. Dr.ª F. — Está a dizer-lhe alguma coisa? J. [Parecendo espantado.] — Não. Dr.ª F. — Como é a outra pessoa? J. — Está vestida com uma espécie de fato, com um aspecto muito distinto. Não o conheço. Dr.ª F. — Estão aí consigo? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Veja se recebe alguma mensagem ou pensamento deles. J. — Ele pegou-me no braço ... mas não fala comigo.

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Dr.ª F. — Está a olhar para si? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — E para onde vão?J. — Eles estão ... estão a conduzir-me e como que a consolar-me, mas ... não com palavras. Mas eu

sei o que eles querem dizer. Dr.ª F. — Como se sente interiormente, agora? J. — Sinto-me bem. Sinto ... a falta de raiva. Dr.ª F. — Tem consciência que dantes sentia raiva; é isso que quer dizer? J. — Sim. Toda a vida andei irritado com as pessoas. Dr.ª F. —Nesse estado espiritual, diga-me porque andou sempre irritado com as pessoas. Vou pedir­

lhe que me responda, após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem ao espírito? J. — Elas atravessam a vida tão mal preparadas. São tão vulneráveis. [Risada curta.] E eu fui morto! Dr.ª F. — Quais foram os acontecimentos que provocaram o seu problema de sono, durante essa sua

vida como Joe? Quais foram os acontecimentos significativos que contribuíram ou que causaram isso? Diga o que lhe vier ao pensamento.

J. [Pausa longa.] — A maior parte da minha actividade tinha de ser exercida durante a noite, alerta ... havia sempre alguém pronto a fazer nome.

Dr.ª F. — De que modo? J. — Eles ... se pudessem dizer que me tinham assassinado. Dr.ª F. — Tinha de estar alerta durante a noite? J. — Hum-humm. Dr.ª F. — Acha que o ataque índio teve alguma coisa a ver com o seu problema de sono? J. — Sim, teve ... perseguiram-me durante vários dias ... Não podia dormir à noite. Dr.ª F. — Dormia durante o dia? J. — Não. Dr.ª F. — Simplesmente não dormia, é isso? J. — Dormitava, mas ... mas só quando estavam muito afastados de mim. Quando eu tinha atingido

um lugar alto.

Liberto da hipnose, Joe ficou estonteado, por momentos. Depois, lentamente, sorriu: «Há na verdade muitos paralelismos!» Inclinando-se da sua cadeira na minha direcção, explicou ansiosamente: «Não lhe tinha falado nisto, mas o tiro, é ... tem sido, desde os meus tempos de criança ... o meu desporto favorito.» Sorriu ao acrescentar: «E sou muito bom nisso!» Retomando um ar sério, juntou as mãos, dedo com dedo, e ficou a olhar para elas, em profunda meditação. «Sou basicamente um solitário. Não deixo as pessoas aproximarem-se. Dale e eu temos isso em comum. Isto é, quando eu era Dale, era o mesmo que sou agora.» Parecia um pouco envergonhado quando admitiu: «Tenho jeito para descobrir as fraquezas dos outros — consigo até localizá-las.»

Sorri, quando me lembrei que ele me tinha chamado a atenção para um erro — um lapsus linguae — que eu cometera durante a palestra a que ele assistira. Acenei, concordando, que ele parecia apanhar os erros e «fraquezas». Disse-lhe: «Como `trabalho de casa', Joe, anote as fraquezas que vê nas outras pessoas. Descobri que, desse modo, podemos aprender muito sobre aquilo que consideramos fraquezas em nós mesmos.» Um sorriso, meio culpado, espalhou-se pelo seu rosto. «Hmm, talvez tenha razão.» Quando se levantou para sair lançou-me um grande sorriso — e, ao mesmo tempo, abanou lentamente a cabeça, semi-incrédulo. «Se tudo isto for verdade, explica realmente porque estou tão alerta todas as noites. Espero que isso se modifique.» «Também o espero», repliquei. Parecia estimulado.

Algumas semanas mais tarde, por telefone, Joe comunicou-me os resultados da sua regressão à vida passada. Na noite seguinte à nossa sessão, adormeceu de imediato e dormiu profundamente até de manhã. Na noite seguinte contou à sua família «a história toda», com todos os pormenores assustadores da sua vida como Dale Short. Quando foi para a cama, reviu tudo no seu espírito e sentiu-se tão intrigado com os pormenores que lhe foi impossível descontrair-se o suficiente para dormir bem. Mas, desde essa altura, tem dormido profundamente todas as noites — sem pastilhas.

Também estava radiante por me poder dizer que tinha passado no seu exame de direito de propriedade!

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CAPÍTULO IX - «CHAMAM-LHE BEIJAR!»

A voz de criança não se coadunava com a sua cara de mexicana, bonita mas triste. Os enormes olhos negros dominavam o seu rosto. Não usava maquilhagem. O cabelo preto, muito ondulado, estava dividido ao meio e apanhado junto ao pescoço, com um elástico. Tinha uns bons treze quilos a mais e usava roupa escura, para esconder a sua figura.

Maria, de quarenta e seis anos, desabafou: «Olhe para mim! Sou tão gorda que já nem eu própria me suporto. Cada vez fico mais furiosa comigo mesma. A minha vida é uma confusão. Sabe, não há unta única coisa em mim, ou na minha vida, da qual eu goste.» Com os olhos cheios de lágrimas, disse: «Não tenho ninguém. Nunca tive ninguém. Estive casada anos — mas isso não era suficiente. Os meus filhos são lindos. Mas não é a isso que me refiro. Porque será que não consigo amar um homem? Acabei por desistir.» Neste momento já cobrira os olhos com as mãos. Alguns momentos depois recompôs-se um pouco. Tentando limpar as lágrimas, que continuavam a cair, avançou: «Desde a minha infância que é sempre a mesma coisa. Costumava ter paixões terríveis. Depois ficava desapontada, por qualquer razão. As vezes penso que invento motivos. Nunca resultou.»

Vi Maria durante seis sessões. Para mim tornou-se muito claro que ela sofria — sofria até mais do que ela própria admitia. Achava que os seus problemas eram devidos ao facto de «não ter ninguém — e de ser tão 'monstra'». O nosso trabalho trouxe à tona a verdadeira razão, uma completa negação da sua sexualidade.

Os dois relacionamentos principais da sua vida, com o seu marido, Robert, e mais tarde com um amante, Alfonso, tinham terminado ambos pelo desinteresse. Tivera encontros sexuais muito breves e frenéticos, que a deixaram mais deprimida que antes. «Nunca me senti realizada sexualmente. Consigo ficar ligeiramente excitada no princípio de uma experiência sexual, mas, pouco tempo depois, nada sinto. Tenho uma enorme sensação de frustração e depressão.» Acabou por ver o seu conflito como uma aproximação-rejeição. Evitava o sexo porque era fisicamente doloroso e degradante. «Sempre senti que se serviam de mim. Mesmo com Alfonso, sentia que ele se servia de mim. Sei que não faz sentido, mas era assim que me sentia.» Corou e baixou a voz. «A parte doentia de tudo isto é que, se não sinto que se estão a servir de mim, e, pior, se não me magoo fisicamente, sinto-me ludibriada. É assim que tem sido até agora.»

A sua incapacidade para gostar do sexo embotava e, eventualmente, destruía não só os seus relacionamentos como também a sua autoestima. Estava admirada com a sua falta de calor e de entrega, durante o acto sexual, pois, em todos os outros aspectos da sua vida, estas eram qualidades bem vincadas. Durante a adolescência, apercebera-se perfeitamente da sexualidade. «Tinha aos homens um medo de morte. Pensava que estavam todos prontos para saltar para cima de mim.» Descobrimos que as raízes de algumas das suas atitudes em relação ao sexo e a si mesma, como mulher, estavam na sua infância, altura em que fora educada pela avó, que falava contra tudo o que se relacionava com o sexo e desaprovava activamente a feminilidade. Mas isto apenas aflorou a superfície de uma completa compreensão do seu problema principal.

Durante uma das nossas sessões, Maria falou sobre as suas frustrações. Um tema comum na sua oratória era a sensação de que não era ninguém — nada, de que não tinha importância. «Nunca senti que alguém me levasse a sério. As pessoas não me ouvem, porque tenho a voz de uma menina.» Sorrindo ligeiramente, relatou vários incidentes que ilustravam esta afirmação. Uma vez, quando mandava um telegrama, a telefonista deu-lhe os parabéns «por uma menina tão pequenina se ter desembaraçado tão bem». Várias vezes a telefonista tinha pedido para falar com alguém mais velho, que pudesse autorizar uma chamada a pagar. Apesar de rir, ao recordar estes acontecimentos, o seu riso tinha uma nota de pesar — uma sensação de mediocridade e frustração.

Outro problema que surgiu durante o nosso trabalho em conjunto foi a revolta de Maria. Tornou-se cada vez mais visível, à medida que ela lutava para se manter no programa de dieta e meditação que estabelecêramos durante a nossa primeira sessão. A revolta parecia também incompatível com o seu carácter. Não se coadunava com a responsabilidade com que desempenhava o seu trabalho com as pessoas — com a sua inteligência e maturidade superiores. Tal como ela disse: «Tudo anda em conflito; o peso que quero atingir, o problema que quero resolver; o relaxamento que quero aprender, pela medi­tação.» Pensei nestas duas discrepâncias: a voz infantil e a sua revolta. Tomei-as como coisas que poderíamos entender através do nosso trabalho hipnótico.

Durante uma das nossas sessões, sob hipnose, o subconsciente de Maria indicou que os seus problemas em relação ao sexo se tinham originado num acontecimento de uma vida passada. O local parecia a Arábia. Fi-la recuar até esse acontecimento.

Dr.ª F. — Que lhe está a suceder?

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M. — [Silêncio. Abana a cabeça em sinal de negação.] Dr.ª F. — Está a dizer «não» com a cabeça? M. — Não gosto do que vejo. [A sua voz torna-se ainda mais infantil.] Dr.ª F. — Diga o que lhe vier à cabeça. M. — Pertenço a alguém. Dr.ª F. — Sim? M. — Trouxeram-me para um sala. Havia lá muitos homens. Oh! Não quero fazer isto! [Lágrimas

começavam a formar-se.] Dr.ª F. — Sabe quem é?M. [Chorando.] —É quase como se não fosse ninguém. Dr.ª F. — Aproximadamente, que idade tem? M. — Nove anos. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? M. — Phillepa. Dr.ª F. — Qual é o seu país, Phillepa? M. — Não percebo o que quer dizer «país». Dr.ª F. —Não faz mal. Diga-me o que se está a passar, Phillepa. Quem a levou para a sala? M. — Mandaram-me para ali. Dr.ª F. — Foi sozinha? M. [Acena em sinal afirmativo.] Dr.ª F. — Que a mandou? M. — Aquele que é meu dono. Dr.ª F. — Quem é? M. — Um homem feio. Dr.ª F — F os outros homens. são amigos dele? M. — Não ... não! Não são amigos. São apenas homens. Acho que são comerciantes ... ele é um

comerciante qualquer. Não sei o que faz. Dr.ª F. — Quantos são? M. [Olhando em volta.] — Onze. Dr.ª F. — Sabe o que vai acontecer? M. — Já não é a primeira vez. [Ficando preocupada.] Dr.ª F. — Que se passa? M. [Silêncio.] Dr.ª F. — Conte-me o que se passa. M. [Murmurando.] —Não quero saber. Dr.ª F. — Fique calma e relaxada. Vou contar até cinco. Depois de cada número, sentir-se-á mais

relaxada. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. M. [Pausa longa.] — Tenho pressentimentos ... e penso coisas ... mas toda a gente age como se eu

não o fizesse, como se eu não ... apenas pertenço a alguém ... e eles podem mandar-me aqui, podem mandar-me ali, «Faça isto, faça aquilo» ... Eles não acreditam que eu tenho direitos. Mas eu acredito.

Dr.ª F. — Você sabe que tem direitos, mas eles não. M. — Eles dizem que não.Dr.ª F. — Quem são eles?M. — Todas estas pessoas. Aquele a quem eu pertenço e as pessoas que vieram ... até agem como

se eu não existisse — sou uma coisa. Dr.ª F. — Que tipo de tarefas tem de fazer? Faz trabalhos de casa e coisas desse género? M. — Não é isso. Não é isso que é mau. É a parte sexual, que é má ... eu podia morrer que eles não

se importavam. Dr.ª F. — Não representa nada para eles? M. — Nasci ... eles não se importam. Dr.ª F. — Como é que este homem conseguiu ser seu dono? Onde estão os seus pais? M. — Não me lembro. Estou ali. Dr.ª F. — É na realidade a parte sexual que a preocupa e não o trabalho da casa, não é?M. — Não faço muito trabalho de casa. Dr.ª F. — Que faz, normalmente? M. — Levanto-me de manhã e desço para ir buscar qualquer coisa para comer ... não há

aquecimento, a casa está sempre fria, chão de pedra ... não esperam que eu faça nada, só me dizem para sair da sua frente.

Dr.ª F. — Quem lhe diz isso? M. — As mulheres que estão a cozinhar.

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Dr.ª F. — Elas sabem que se servem de si no aspecto sexual? M. — Hum-humm. É para isso que ali estou. Dr.ª F. — É costume, na sua aldeia? M. — Não sei o que quer dizer «costume». Dr.ª F. — Há quanto tempo se servem de si, deste modo? M. — Há muito tempo. Dr.ª F. — Há muitos anos?M. — Não sei o que são «anos», mas há muito tempo. Dr.ª F. — Já ali estava quando era pequena? M. — Não me lembro de outro lugar. Dr.ª F. — Agora está pronta para ir para aquela sala e para me contar o que se passa? M. [Longo silêncio.] Dr.ª F. —É muitíssimo importante que torne a viver este acontecimento, apesar de não ser agradável.

Saber libertá-la-á. E agora quero que entre na sala e que me conte o que se passa. M. [Longo silêncio.] Dr.ª F. — Que se passa? M. — Sei o que hei-de fazer. Dr.ª F. — E o que é? M. — Há muitos sentimentos. Dr.ª F. — Que sentimentos são? M. — É ... é excitante ... [o seu rosto anima-se] ... e é doloroso ... [franzindo a testa] ... mas sinto

qualquer coisa, mas que ao mesmo tempo faz com que me sinta mal ... é que eu não sou real, para eles. Dr.ª F. — Conte-me mais. M. — Não compreendo bem ... devo dizer-lhe? [Chorando.] Dr.ª F. — Acho que a ajudaria muito. M. — É terrível! Dr.ª F. — Tenho a certeza que sim. M. [Soluçando.] — Acho que você não quer saber. Dr.ª F. — Quero ajudá-la. Acho que o facto de saber isso a ajudará muitíssimo. M. — Então vou contar. [Tentando limpar as lágrimas.] Vou junto a cada um dos homens, foi o que

eles me ensinaram a fazer. [Começava a soluçar de novo.] Dr.ª F. — Ensinaram-na a ir junto a cada um dos homens ... M. — É como se fosse uma saudação; e eu saúdo-os. Dr.ª F. — De que modo? M. — Eles acham tão divertido. [Com desprezo estampado na cara.]Dr.ª F. — Eles estão vestidos? M. —Sim. Dr.ª F. — Você também está vestida?M. — Tenho uma túnica branca, que visto especialmente para isto. Não uso nada por baixo. Vou junto

a cada um dos homens e dispo-os, não totalmente e ... então ... [baixando a voz] ... eles chamam a isso beijar! Acham que é tão divertido!

Dr.ª F. — Quais são os seus sentimentos, a respeito do que tem de fazer? M. — Tenho nisso um certo prazer, mas não do modo a que me obrigam a fazê-lo. Dr.ª F. — Que pretende dizer com isso? M. — Não me importo de fazer aquilo, mas eles não vêem que eu sou uma pessoa ... não se

importam com o que eu sinto. Por isso, enquanto estou ... estou assustada ... estou furiosa com eles, mas sinto-me mal. O que sinto é também raiva ... [alegrando-se] ... sabe, acho que sei que não sou obrigada a fazer isto. Eles dizem-me para o fazer, mas não sou obrigada a fazer isto e, por isso, faço-o porque quero. [Voz cheia de espanto.]

Dr.ª F. — Foi educada assim e foi treinada para fazer isto, não é verdade? Esta é também uma maneira de lhe prestarem atenção. Já alguma vez tinha pensado nisto?

M. — Não. Dr.ª F. — Prestam-lhe atenção, noutras circunstâncias? M. — Só me dizem para não atrapalhar ... até me mandarem chamar. Dr.ª F. — O seu dono também aqui está, com os outros homens? M. — Hum-humm. E, durante todo o tempo que faço isto, penso neles ... e penso que gosto disto,

eles não sabem que eu gosto, e por isso ... é quase como se eu os andasse a enganar ... pois eu não deveria sentir nada. Eu devo ser um objecto. E por isso, eu penso, eles acham que eu não sou nada, mas estou a enganá-los! ... É assim que me sinto às vezes, como se me pudesse rir deles. Mas, mesmo assim, estes sentimentos esquisitos ... como agora, tudo o que sinto é que eles são estúpidos!

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Dr.ª F. — Conte-me o que se passa, além disso. M. — Sabe, sinto-me melhor quando penso que eles são estúpidos. Porque se não sinto que eles são

estúpidos ... então, sinto que não sou nada ... que estão a servir-se de mim. Dr.ª F. — Que se passa a seguir, depois da saudação? M. — Desta vez não faço o que eles normalmente querem. [Desafiando.] Dr.ª F. — Que é? M. — Desta vez rio-me deles. [Atira com as palavras.] Desta vez digo-lhes que são estúpidos. Dr.ª F. — Continue. M. —É a altura em que me sinto melhor, porque sei que não tenho de fazer mais isto. Não sou

obrigada ... e agora não quero ... e não vou fazer. [Murmurando.] Dr.ª F. — Como reagem eles? M. [Sorrindo.] — O meu dono está zangado. Dr.ª F. — Está a sorrir. M. — Sim. Ele está zangado, porque está a fazer figura de parvo em frente dos seus ... destes

homens ... e eu vou mostrar-lhe. E acho que, para mim, chega! Dr.ª F. — Normalmente, que a obrigam a fazer? M. — Fazem os seus joguinhos, quando me mandam chamar e ... e eu saúdo-os, o que os estúpidos

chamam «beijo». Os velhos porcos! ... [A sua voz treme, com a emoção.] E depois põem-me na mesa, no meio da sala e fazem tudo o que querem ... um por um ... e os outros ficam à volta ... a ver.

Dr.ª F. — Então, desta vez, não vai fazer isso? M. — Não, porque não me podem obrigar. Dr.ª F. — Que faz ou diz o seu dono? M. — Está mesmo furioso ... eu não me importo ... acho que ele me vai matar ... mas não me importo

... prefiro isso. Tenho de fazer isso. Dr. F. — Que a leva a pensar que ele a vai matar, ou que tenciona matá-la? M. — Eu não faço o que ele quer e isto é a única coisa que eu faço. Não faço mais nada. Dr.ª F. — Tem um ar muito feliz e satisfeito? M. —É assim que me sinto ... não sou obrigada a fazer isto. Não quero, e o máximo que ele pode

fazer é matar-me. Não me pode magoar mais ... ele Disse-me que não sou uma pessoa, que não existo. Eles não ... eles não disseram isso, sabe, mas é isso que eles ... está nas suas atitudes. E, então, estou apenas a dizer que não é verdade.

Dr.ª F. — Conte-me o que lhe diz. Diga-me as suas palavras exactas. M. — Ponho-me de pé em cima da mesa e digo: «Vocês são todos estúpidos! Pensam que eu não

tenho sentimentos. Pensam que eu sou apenas uma coisa, como a mesa, e que as únicas pessoas importantes são vocês, o que pensam e o que sentem ... Estão mais preocupados

com o que as outras pessoas, os outros homens, pensam a vosso respeito do que com aquilo que eu penso. E, durante todo o tempo, eu estou a pensar; e estou a pensar em como vocês são lorpas, como vocês são estúpidos, como vocês são feios; porque sou eu quem vos está a usar, acho que vocês nem sequer pensam.» [Baixando a voz.] Eles julgam que eu estou louca.

Dr.ª F. — Como sabe isso? Que dizem eles? M. — Falam acerca de mim. Dr.ª F. — Que dizem eles a seu respeito? M. — Olham uns para os outros e dizem: «Ficou maluca!» Dr.ª F. — Que diz o seu dono? M. — Só disse: «Não faz mal. Há outra.» Agora já não me sinto tão bem, porque há outra ... isso quer

dizer que outra menina terá de fazer isto.Dr.ª F. —É isso que a preocupa, ou preocupa-a o facto de não ser a única? M. [Voz arrastada, por causa da tristeza.] — Talvez. Só me mandaram embora. Então acabei por

perder. Não me importo. Dr.ª F. — Perdeu realmente? Defendeu os seus direitos e não fez o que não queria fazer, não foi?

Isso não me parece ter sido uma derrota. M. — Sim, mas, como sabe, conseguirem isso de mim ou de outra pessoa é-lhes indiferente. Não

ouviram o que eu lhes disse ... sabe, julgo que sou uma velha, porque às vezes pergunto a mim mesma como pude pensar assim.

Dr.ª F. — Sente-se uma velha com toda a sua sabedoria; é isso que quer dizer? M. — Como consegui eu pensar assim? Eles são mais velhos que eu. Dr.ª F. — Mas, por dentro, sente-se mais velha que eles? M. [Acena afirmativamente com a cabeça.] Dr.ª F. — Que aconteceu depois de subir para cima da mesa? Foi para o chão?M. — O velho diz: «Sai!» E eu penso: «Poderá ser assim tão simples?» Julgo que eles têm medo de

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mim. E agora tenho medo, porque ... Que vou fazer agora? Dr.ª F. — Que se passa depois? M. — Elas não me deixam ficar mais tempo na casa. [Todo o seu corpo começa a tremer.] Dr.ª F. — Quem são «elas»? M. — As mulheres. M. — Acho que têm medo. Pensam que eu sou louca. Talvez seja. Dr.ª F. — Você não me parece louca. Apenas me parece uma menina que defendeu os seus direitos

e que não queria ser considerada um zero, um objecto. M. — Não pareço uma velha? Dr.ª F. — Parece. Talvez tenha uma sabedoria interior, mas isso não a torna louca Agora gostaria que

continuasse, até ao próximo acontecimento significativo. Vou contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.

M. [Longo silêncio.] Dr.ª F. — Que se está a passar? M. [Sorrindo.] — Não estou morta e estou admirada. Dr.ª F. — Onde se encontra? M. — Não sei. Nunca tinha saído de casa. Dr.ª F. — Olhe à sua volta e descreva o que vê. M. — Acho que saí e me sentei num muro branco. Estou aí sentada, com a cabeça apoiada nas

mãos; estou apenas ali sentada. Pensei que iam matar-me e não o fizeram ... apenas sentada ou e ... e o que penso agora ... [recuando] ... alguém veio por trás de mim e ... e cortou-me a cabeça!

Dr.ª F. — Então acabou por ser morta, mas não percebeu; é isso? M. — Consigo sentir ... [Colocando a mão por trás do pescoço.] Dr.ª F. — Conte-me o que viu. M. — Estou ali sentada e ... no entanto estou fora dali e ... consigo ver. A menina nunca soube, mas

alguém surgiu por trás dela e, com uma faca enorme, cortou-lhe a cabeça. Ela nunca soube ... ela ainda julga que está a pensar.

Dr.ª F. — Gostaria que voltasse ao presente, Maria ... continuando profundamente relaxada. Quando eu chegar a zero voltará a Setembro de 1976. Dez ... nove ... oito ... sete ... seis ... cinco ... quatro ... três ... dois ... um. Fale-me da menina. Como foi a vida dela?

M. — Bom, foi uma vida muito vazia. Não havia muito que fazer. Na realidade, ela não tinha nada que fazer, não tinha tarefas, sabe. Não precisavam dela para coser ou para qualquer outra coisa. Apenas estava ali ... quase como ...como uma boneca, ou um gatinho, que não tem nada que fazer. Todo o seu trabalho é estarem presentes, no caso de alguém querer

brincar com eles. E era assim. Todas as mulheres a alimentavam, mas diziam-lhe: «Sai da minha frente!»

Dr.ª F. — E que lhe aconteceu, no final? M. — Bom, ela estava a pensar em como tinha conseguido sair daquela sala, pois tinha a certeza de

que iria ser morta ... e então saiu, sentou-se e estava a pensar, eu ia morrer e ... então, quase que a posso ver, sentada ali, ainda a pensar; e depois alguém apareceu atrás dela e cortou-lhe a cabeça.

Quando saiu da hipnose começou a chorar baixinho. Levou alguns minutos a recompor-se. Depois de limpar as lágrimas, com um lenço de papel, olhou para mim e, com uma voz ainda emocionada, disse: «Que coisinha triste eu fui.» Tremendo, continuou: «Eram uns homens tão feios. Não admira que eu não seja muito aberta.» Levantou-se para sair. Depois voltou-se para mim: «Obrigada por tudo aquilo. Nunca teria chegado a saber. E eu preciso de saber.»

Quando Maria voltou, para a sessão seguinte, parecia mais leve e mais feliz. No entanto, a sua disposição alterou-se rapidamente, quando se perdeu em meditação. Relembrava a sua regressão como Phillepa. Disse: «Ainda me sinto como aquela menina. Agora, interiormente, já sei porque abafei toda a minha sexualidade. Não me admira que não me consiga entregar. Compreendo porque via os homens como uns seres cheios de luxúria.» Agora sabia também porque tinha necessidade e ao mesmo tempo aversão à dor, ao facto de se servirem dela e à degradação. Sentia a revolta de Phillepa, e era exactamente o mesmo sentimento que a acompanhava quando era preciso que fizesse alguma coisa. Ambas sentimos que a sua voz de criança era um vestígio de Phillepa, simbolizando a poderosa influência que essa parte dela tinha sobre todo o seu ser.

Sob hipnose, o subconsciente de Maria indicou, através dos seus sinais de dedos, que tivera muitas encarnações como mulher. Revelou que nunca se realizara sexualmente, depois da sua vida de degradação sexual como Phillepa. Enquanto ainda se encontrava profundamente hipnotizada, retrocedeu para uma vida como freira e para outra como médica no Arizona. Em ambas se devotou à vida espiritual e à cura de doentes. Contudo, mesmo na sua vida como freira, a tragédia andou aliada ao amor e à experiência

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sexual. Fi-la recuar para essa vida. Tornou-se tensa e disse:

M. — Estou no Iucatão ... Não o devia amar. Dr.ª F. — Porquê? M. — Porque eu era freira e não podia acreditar no amor. Tinha de fazer outra coisa mais importante

e ... e ele desinquietava-me constantemente com a sua presença. Dr.ª F. — Quem era ele? M. [Muito perturbada, com dificuldade em respirar.] —Um soldado. [Voltando a cabeça para o lado,

como se estivesse a ver alguém.] Mente, quando diz que me ama! ... [Voltando de novo para mim.] Amei-o e ele continuava a vir ... e acho que alguém descobriu ... acho que ele nos deve ter assassinado. [Cobre os olhos com as mãos.]

Dr.ª F. — Foi morta por causa do seu amor por ele? M. — Não. [Muito agitada.] Dr.ª F. — Teve relações sexuais com ele? M. — Oh! Não me sinto bem! ... Tive relações sexuais com ele ... porque ele me convenceu! Dr.ª F. — Foi morta por causa dessas relações? M. [Lágrimas corriam pela sua cara.] — Sim ... atiraram-nos para aquele lago. [Apontando.]

Maria e eu trabalhámos juntas mais duas sessões. A voz infantil ainda nos acompanha. Os quilos começam a desaparecer, com a dieta. Para ela não é fácil, porque a comida mexicana faz parte da sua vida. Contudo está a aprender a dar atenção às calorias e à boa nutrição, pela primeira vez na sua vida. Já não come devido à ansiedade, ao aborrecimento ou à depressão — mas sim porque gosta de comida.

Maria é agora uma pessoa feliz. Está cheia de energia e faz muitos projectos novos. O mais excitante é uma viagem ao Arizona. «Sinto-me impelida a lá ir. Acha que me sentirei em casa?», perguntou. Outro projecto é a modificação da sua aparência. Anda à procura de um bom cabeleireiro, porque quer usar o cabelo muito curto — para pôr em destaque os seus caracóis. E ultimamente tem usado uma ligeira maquilhagem.

Sonha agora com o aparecimento do «príncipe encantado». Tem esperanças — sonhos. Maria libertou-se das recordações subconscientes, velhas de séculos, que lhe tinham roubado o seu

direito natural — o direito à expressão sexual.

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CAPÍTULO X - «CUSTOU-ME A VIDA!»

«Desde que me lembro que tenho dificuldade em tomar decisões.» Roger estava embaraçado. A sua voz era suave e hesitante. «Não interessa; tanto faz serem decisões triviais ou importantes, sempre que penso nelas é uma agonia.

Roger era um homem atraente e alto, de cabelo escuro, com cerca de trinta e cinco anos. As roupas que usava eram obviamente importadas e de excelente qualidade: calças castanhas, francesas, de corte impecável, uma elegante camisa estampada e botas bem engraxadas. Até a sua água-de-colónia sugeria uma etiqueta francesa. Os seus olhos castanhos mudavam de expressão a todo o momento, à medida que se descrevia como um homem constantemente vacilante — e muitas vezes completamente imobilizado. «Sou impulsivo; deste modo, obrigo-me a mim próprio a agir e, por vezes — não, muitas vezes —, com pouca sensatez.» Deu inúmeros exemplos de todo o tipo e gama de decisões que se tinham tornado obstáculos inultrapassáveis. O seu corpo, bem como as suas palavras, exprimiam frustração, desespero, irritação, confusão e raiva — tudo dirigido contra si mesmo. Suspirou profundamente quando explicou que o seu problema fora a razão principal porque mantivera um casamento falhado, durante mais de uma década. Acabou por se ver livre dele. Mas alguém tomou a decisão por si. Agora, a sua maior preocupação era se devia ou não cortar uma carreira de treze amos, como professor universitário, para iniciar outra, como realizador de filmes.

Num tom terra-a-terra continuou a fazer uma descrição de si próprio. A sua indecisão não se coadunava com todas as suas restantes características. Quando fazia qualquer coisa, fazia-a bem. As suas aulas eram das mais populares; a opinião dos estudantes a seu respeito era extremamente favorável. Os poucos filmes que produzira tinham sido muito louvados pelos seus colegas cineastas. Era excelente em qualquer projecto ou assunto a que se dedicasse.

Viera ter comigo porque a hipnose era o seu último recurso. Tinha corrido muitos tipos de terapias, desde a terapia reichiana até à análise transaccional — e até grupos-maratona. «A hipnose pode revelar qualquer coisa a nível subconsciente.» Eu concordei: «E, nesse caso, pode ajudá-lo a pegar num assunto, a tomar uma decisão positiva e a agir em conformidade.» Roger sorriu e disse: «Pode ser que me livre das minhas dores de cabeça e dos meus problemas de costas. Já não seria nada mau!»

Roger provou ser um excelente sujeito hipnótico. Todo o seu corpo se relaxou quando fechou os olhos. A sua respiração tornou-se lenta e regular. Estabeleceu sinais de dedos, claros e rápidos, sem dificuldade. O seu subconsciente mostrou-nos que havia seis acontecimentos, em seis vidas passadas, responsáveis pelo seu problema.

Pedi ao seu subconsciente que, a esse nível, o preparasse para ver esses acontecimentos no nosso próximo encontro. Pouco antes de terminar a primeira sessão, sentiu-se muito satisfeito e entusiasticamente exclamou: «Se resolvo este problema, nada mais me fará parar!»

Cerca de dez dias depois, Roger veio para a sua consulta. Chegou uns bons dez minutos mais cedo. Depois de esperar, entrou na sala e, rapidamente, instalou-se na cadeira reclinável. Sorriu e disse: «Estou pronto. Espero que resulte.»

Fechou as pálpebras e começou a concentrar-se na sua respiração. Os seus olhos rodaram. As suas pálpebras vibraram. Já se encontrava em transe. Tornei-o mais profundo e avancei para a regressão. Sugeri ao seu subconsciente que o levasse para um dos seis acontecimentos do passado responsáveis pelo seu problema. Fiz com que retrocedesse no tempo e perguntei-lhe o que se estava a passar.

R. [Hesitante.] — Estava num ... carnaval. Dr.ª F. — Ainda lá está? R. — Não. Dr.ª F. — De que se consegue aperceber? R. — Não tenho a certeza se é um carnaval. É uma coisa grandiosa. Dr.ª F. — Fale-me acerca disso. Faça uma descrição. R. — Talvez um torneio. Dr.ª F. — Gostaria que voltasse ali. Vou contar de um a três, e você voltará. Um ... dois ... três. Que

sente? R. — Confusão. Dr.ª F. — Receberá impressões muito reais, após a contagem até três. Um ... dois ... três. E agora,

que se passa? R. — Bom, era ... muitas tendas coloridas... algumas tendas coloridas, um ... relvado com pessoas ...

passeando. Dr.ª F. — Como estão vestidas as pessoas?

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R. — Algumas estão elegantemente vestidas, outras não. Dr.ª F. — Qual é o estilo das suas roupas? R. — Bom, alguns parecem monges, estão embrulhados numa ... numa espécie de capa castanha

com capuz, e outros estão vestidos com um ... uma espécie de calças, clara, têm coroas e condecorações muito coloridas; outros ainda vestem roupas muito comuns, feitas com tecidos ásperos, lã feita à mão e por aí fora.

Dr.ª F. — Qual é o acontecimento? R. — Creio ... sim, é um torneio. Dr.ª F. — Consegue ver as pessoas que o disputam? R. — Hmm ... não, agora não posso.Dr.ª F. — Já acabou? É por isso que não consegue ver? R. — Bom, ah ... Tenho a sensação de que eu vou entrar ... e tenho de escolher um ... entre ... entre

um pau com uma ... uma bola, uma cadeia e um machado. Dr.ª F. — Qual vai escolher? Qual desses objectos usa normalmente? R. — Normalmente uso o pau com a bola e a corrente com a bola de pontas ... mas acho que escolhi

o machado. Dr.ª F. - Que o fez decidir-se pelo machado? R. — Pensei que seria o melhor. Dr.ª F. — A escolha já está feita? R. — Hum-humm. Dr.ª F. — Onde se encontra, neste momento? R. — Estou na tenda, à espera da minha, ah ... vez. [A sua voz treme. ] Dr.ª F. — Que está a fazer? R. — Estou só à espera. Dr.ª F. — Está de pé ou sentado? R. — Estou sentado e estou no meu, ah ... estou sentado num cavalo e com a minha armadura. Dr.ª F. —Fale-me de si. Que idade tem? R. — Tenho dezanove anos. Dr.ª F. —Qual é o seu nome? R. — William.Dr.ª F. — Qual é o seu último nome, William? R. — Acho que é William de Orr. Dr.ª F. — Orr é a cidade onde vive, William? R. — Acho que é o distrito ... ou coisa assim. Dr.ª F. — Gosta de torneios? R. — Gosto, sim.Dr.ª F. — Que se celebra? R. —É... é para ... é uma espécie de concurso para ser cavaleiro. Dr.ª F. — Compreendo. Que significado terá, para si, conseguir ser cavaleiro? R. [Orgulhosamente.] — Serei concedido para o serviço do meu rei.Dr.ª F. — Quem é o seu rei? R. — Henrique; é o rei Henrique de Inglaterra. Dr.ª F. — Que ano é, William? R. — Mil quatrocentos ... acho que é 1486. [Recordando a história de Inglaterra, seria Henrique VII.] Dr.ª— Como se sente enquanto está aí à espera, William? R. [Formam-se na sua cara gotas de suor.] —Estou ... estou um bocadinho nervoso. Dr.ª F. —Pode descrever-me o seu nervosismo? Que se passa consigo? R. — O meu estômago está ... sinto o meu estômago, é ... é ... parece um ... um ... um ... está aos

saltos e está ... muito quente ... e sinto-me como ... como se fosse vomitar. Dr.ª F. — Já tinha sentido essas sensações? R. — Está quente por dentro. Dr.ª F. — Está calor dentro do seu corpo? R. — No meu estômago. Dr.ª F. — Como se sente com a armadura no corpo? R. — Dá uma sensação boa, de segurança.Dr.ª F. — Que usa na cabeça? R. [Tocando na cabeça.] — Tenho um capacete. Dr.ª F. — Há alguma parte do seu corpo que esteja exposta, que possa ser atingida pelo seu

opositor? R. — Bom, ele pode furar em qualquer sítio.

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Dr.ª F. — Pode furar a armadura? R. — Com uma lança. Dr.ª F. — Sabe qual é a arma que o seu opositor vai usar? R. — Acho que ele vai ter um ... [Suspiro profundo.] Temos ambos a mesma. Uma lança e outra

arma. Dr.ª F. — Quais são as regras dos torneios? Se você escolher a outra arma, o machado, o seu

opositor terá também de usar o machado? R. — Não tenho a certeza ... acho que sim. Dr.ª F. — Vou contar de um a três; quando terminar, você saberá tudo acerca das regras dos

torneios. Um ... dois ... três. Que lhe vem ao espírito? R. [Com segurança.] — Se eu tiver um machado, ele fica com o pau e vice-versa.Dr.ª F. — Quem faz a primeira escolha? Como se decide isso? R. — Pegamos em pauzinhos. Dr.ª F. — Continue. R. — O que tirar o maior, escolhe. Dr.ª F. — Neste caso, quem ficou com o maior? R. — Fui eu.Dr.ª F. — Está satisfeito com isso? É importante ter a possibilidade de fazer a escolha? R. — Eu ... pode ser. Dr.ª F. — Agora, enquanto espera, Fale-me de si, William. Vive com a sua família? R. — Eles vivem numa quinta e eu vivo na cidade. Dr.ª F. — Vive sozinho ou com mais alguém? R. — Fui concedido para o serviço do meu ... senhor. Dr.ª F. —E que acha disso? R. — Estou orgulhoso por ter sido escolhido. Dr.ª F. — Havia muitos jovens candidatos? R. — Não tão fortes nem tão grandes como eu. [Dito com um orgulho evidente e um sorriso.] Dr.ª F. — Quanto mede? R. [Silêncio.] Dr.ª F. —Sabe quanto mede? R. — Três paus, ou coisa parecida. Dr.ª F. — Vou contar de um até três e então, você saberá. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? R. — Medem-nos com paus ... um pau. Não sei o que é isso. Mas é um pau e eu tenho três paus de

altura. Dr.ª F. —É bastante mais alto que a maioria das pessoas? R. — Humm. Sim. Sou cerca de uma cabeça mais alto que a maioria. Dr.ª F. — Como é o seu corpo? R. —É ... sou alto e ... e ... e musculoso, mas não sou gordo. Dr.ª F. — Bom. Agora vou pedir-lhe que avance até ao próximo acontecimento significativo, após a

contagem até cinco. Deixe que essas recordações desapareçam. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem A. cabeça?

R. — Estou na rampa. Dr.ª F. — Diga-me como se sente. R. — Sinto um calor ... um nervosismo, em todo o meu corpo. Dr.ª F. — Que está a pensar? R. [Esfregando as mãos, nervosamente.] — Só quero acabar com isto! Só quero ganhar! Dr.ª F. — Agora vou contar de um a três e, quando chegar a três, você encontrar-se-á no próximo

acontecimento significativo. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? R. [O seu corpo sacode-se com violência.] — Fui deitado abaixo do meu cavalo, pela lança do meu

opositor. Dr.ª F. — Onde está agora? R. — Estou no ... na ... na relva. Dr.ª F. — Está de pé ou deitado no chão? R. — Não, eu ... levantei-me. Dr.ª F. — E agora, que se passa? R. — Ele ainda está montado. Dr.ª F. — Como se sente? R. — Ah ... sinto-me mais envergonhado que assustado, mas ... [pausa longa, a sua voz torna-se

arrastada] ... estou meio desorientado. Dr.ª F. — Por causa da maneira como caiu?

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R. — Acho que o meu estômago está ferido. Dr.ª F. — E agora, que se passa? R. — Ele está ... a tentar colocar-se atrás de mim ... faz círculos atrás de mim e ... ataca-me com o

seu pau. Dr.ª F. — Ele continua montado? R. — Sim, pode mexer-se mais rapidamente que eu ... e estou a tentar afastá-lo de mim. Dr.ª F. — Agora, que faz ele? Faça só uma descrição. R. — Continua a andar à roda, tentando colocar-se atrás de mim. Dr.ª F. — Você está de pé? R. — Parcialmente. Dr.ª F. — Que se passa agora? R. — Continua a rodear-me, depois ataca por trás e ... [inclinando-se rapidamente para um dos lados]

... bate-me com o seu pau. Tento acertar-lhe com o meu machado, mas ele está no seu cavalo e é difícil acertar-lhe com o machado.

Dr.ª F. — Se tivesse escolhido outra arma, qual teria sido o resultado? R. — Podia ter conseguido deitá-lo abaixo ... podia ter conseguido arrancá-lo do seu cavalo com ...

enrolando-a à volta do seu pescoço. Dr.ª F. —Que pensa agora acerca da escolha das armas? R. — Terme-la saído melhor com o pau.Dr.ª F. — Sente que fez uma má escolha? R. [Acenando.] — Fiz, na realidade, uma má escolha.Dr.ª F. — Que está a fazer agora?R. — Acho que ele me derrubou com o cavalo e ... e que me bateu com ... bateu-me na cabeça com o

seu ... com o seu ... com o seu pau. [A sua cara exprime agonia.] Dr.ª F. — Onde está? R. [A sua voz vai-se sumindo.] —Estou caído no relvado. Dr.ª F. — Como se sente? R. [Silêncio.] Dr.ª F. — Do que se consegue aperceber? R. — Não sinto nada ... só uma espécie de calor e um ... parece sangue ... sangue vermelho, um

sangue quente, corre pelo meu corpo ... e estou ... numa espécie ... vi uma luz branca e ... parece que parti, a flutuar.

Já que não parecia cansado pelo nosso trabalho, pedi ao seu subconsciente que o levasse até outro dos acontecimentos que precisávamos de analisar. Após uma certa resistência inicial, comentou: «A palavra `Alemanha' surgiu-me.» Mencionou um certo «desconforto» ao longo da sua coluna vertebral. Esbarrámos com mais resistência e, finalmente, avançámos. Depois de uma longa pausa, disse:

R. — Vejo, ah ... fardas alemãs, ah ... fardas de oficiais ... e tenho a impressão de que eu era um coronel das SS.

Dr.ª F. — Qual é o seu nome? R. [Silêncio.] Dr.ª F. — Diga o que lhe vier à cabeça, quando eu contar até três. Um ... dois ... três. R. — Tenho a sensação de que é «Karl». Dr.ª F. — Karl, qual é o seu último nome? Dr.ª F. — Que está a fazer neste momento, Karl? R. [Pausa longa.] — Acho que ... estou a ser enforcado! Dr.ª F. — Está a ser enforcado? R. — Fui enforcado num fio. Dr.ª F. — Fale-me mais disso. R. — Posso senti-lo ... faz força no meu pescoço. [Pondo as mãos no pescoço.] Dr.ª F. — Foi acidental? R. —Não. Dr.ª F. — Continue. O que está a sentir?R. [Suspiro profundo.] — Ah ... eu ... eu ... eu era suspeito de ter sido desleal para com Hitler ... e

bateram-me ... e depois torturaram-me ... despiram-me e enforcaram-me ... penduraram-me pelo pescoço, num fio ... e tiraram-me fotografias.

Dr.ª F. — Porque lhe tiraram fotografias? R. — Para servir de exemplo para os outros ... ah ... os meus homens foram obrigados a assistir ao

meu enforcamento ... [Tornando-se agitado.]

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Dr.ª F. — Mantenha-se calmo e relaxado ... calmo e muito relaxado. Conte-me o que está a sentir. R. [Relaxando um pouco.] — Bom, estava a sentir todo o meu ódio ao elevado grau da burocracia e

aos ... aos políticos no exército alemão ... e, ah ... sentia que não se podia ser um alemão se não se fosse um bom ... soldado, dentro daquela estrutura.

Dr.ª F. — Agora, deixe que essas recordações desapareçam. Concentre-se apenas na sua respiração. O seu subconsciente levá-lo-á até ao acontecimento responsável pelo seu problema na sua vida actual. Vou contar de um até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça?

R. — Estou numa reunião, com oficiais de alta patente ... em Berlim. Dr.ª F. — Qual é o objectivo da reunião?R. — Estavam a discutir a estupidez de ... a estupidez de Hitler e ... como ele vai ... perder a guerra

para a Alemanha. Dr.ª F. — Que diz você? R. — Só sinto a tensão nas minhas cordas vocais. Parece que não estou a dizer nada. Dr.ª F. — Além disso, de que se consegue aperceber? R. — Sinto muito orgulho no meu uniforme e no meu país ... e na minha filiação às SS, a minha

posição. Dr.ª F. — Que sente? R. — Sinto no meu corpo muita emoção ... mas não consigo ver nada. Dr.ª F. — Após a contagem até cinco, isso tornar-se-á muito claro para si. Ficará mais calmo após

cada número. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe surge? R. — Estou num conselho.Dr.ª F. — Fale-me mais disso. R. — Há ... três oficiais que eu admiro. Acho que são generais ou coronéis. Um deles é general. Tem

uma divisa vermelha no uniforme cinzento. Dr.ª F. — Que está ali a fazer? R. — Dou só a minha aprovação. Dr.ª F. — Sobre o quê? R. —Um plano para matar Hitler. Dr.ª F. — Só estão ali vocês os quatro? R. — Somos cinco, na reunião. Acho que estão envolvidos sete ... ou mais que cinco. Dr.ª F. — São sete? R. — Dois não estão na reunião. Dr.ª F. — Conte-me mais coisas. Que estão a planear? Como planeiam matá-lo? R.— Hitler. Com uma bomba. Dr.ª F.—Como? R. — Colocar uma bomba num... num... avião ou num abrigo ... perto de Hitler. Dr.ª F. — Quem teve a ideia? R. — Um coronel com um ... um ... um ... um olho ... uma venda num olho. Dr.ª F. —E você acha que é uma boa ideia? R. — Tem de ser feito. Dr.ª F. — Porquê? R. — Para salvar a Alemanha ... e tomar o controlo da guerra pelos ... soldados que morreram.Dr.ª F. —É esta a decisão que o seu subconsciente considera uma má decisão, no que respeita aos

resultados que daí advirão para si? Se é verdade, levantar-se-á o seu dedo do «sim»; se não, levantar-se-á o seu dedo do «não».

R. [Levanta-se o dedo do «não».] Dr.ª F. — Tomou outra decisão e é essa que considera a má? R. — Acho que a má decisão foi entrar numa conspiração com tantas pessoas ... acho que esse foi o verdadeiro erro. Dr.ª F. — Foi esse o verdadeiro erro? R. — Foi esse erro que me levou à ... morte. R. — Não se pode confiar em tanta gente ... sob tensão, a lealdade deles modifica-se de um dia para

o outro. Dr.ª F. — Conte-me como foram descobertos. Após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que lhe

vem à cabeça? R. — Alguém falou ... alguém foi torturado. Dr.ª F. — Alguém foi torturado e falou?R. —Hmm. O plano falhou. Dr.ª F. — E depois, que aconteceu? R. — Fomos todos apanhados.

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Dr.ª F. — Onde se encontrava, quando o apanharam? R. — Estava no meu escritório. Dr.ª F. — Que ano é? R.—1940. Dr.ª F. — Conte-me o que aconteceu. R. —Eles entraram e ... sovaram-me, por cima da minha mesa ... sobre a minha secretária, com as

coronhas das suas espingardas ... partiram-me a espinha ... paralisado. Dr.ª F. — Foi disso que se lembrou, no princípio? R. — Foi assim que me bateram. E então penduraram-me ... mais tarde ... nu, com um ... um ...

estrangularam-me com um fio, à volta do pescoço ... mas eu já devia estar morto ... com ... numa sala, com outras pessoas ... toda a gente foi obrigada a ver.

Dr.ª F. — Bom, vou pedir ao seu subconsciente que deixe desaparecer essas recordações. E agora que o leve para outra vida, na qual há um acontecimento que de algum modo esteja relacionado com o seu problema da indecisão. Vou pedir ao seu subconsciente que o leve até esse acontecimento, após a con­tagem até dez. Um ... dois ... três. [Continua a contar.] Onde está agora?

R. — Ah ... montanha. Dr.ª F. — Está numa montanha? R. — No sopé de uma montanha. Está coberta de neve. Dr.ª F. — Quem é você? R. [Pausa longa.] Dr.ª F. — Após a contagem até três saberá. Um ... dois ... três. R. — Acho que sou um hindu ou um ... membro de uma tribo tibetana, ou qualquer coisa ... pequena. Dr.ª F. — Fale-me mais de si. R. — O meu nome é Tanakee ... Sou um homem pequeno, entroncado, forte. Dr.ª F. — Que idade tem?R. — Dezanove anos. Dr.ª F. — Que tipo de profissão exerce?R. — Acho que sou agricultor. Trabalho nos campos.Dr.ª F. — Que faz neste preciso momento, Tanakee? R. — Estou de pó, a olhar para a montanha. Dr.ª F. — Em que pensa, enquanto olha para aquela montanha? R. — Bom, alguém está a falar comigo acerca de escalar aquela montanha ... ou de os ajudar a

escalar a montanha ... levar-lhes as coisas. Dr.ª F. — Quem lhe fala nisso? R. —Um estrangeiro. Acho que é um suíço. Dr.ª F. — Já subiu algum vez à montanha? R. — Não! Dr.ª F. — Que sente quando ele lhe fala nisso? R. [Franzindo a testa.] —É perigoso e contra os meus princípios! Dr.ª F. — Pode dizer-me mais qualquer coisa acerca disso? R. — Não subo para além da ... nossa aldeia. Dr.ª F. — Porquê? R. —É demasiado perigoso. [Com temor na voz.] Dr.ª F. — Quando disse que era contra os seus princípios, que pretendia dizer? R. — É uma norma da nossa aldeia. Dr.ª F. — Porque tem a vossa aldeia essa norma?R. [Baixando a voz.] — Já morreram muitos na montanha. Dr.ª F. — A montanha tem nome? R. — Nós damos-lhe um nome ... mas eles chamam-lhe outra coisa. Dr.ª F. — Como lhe chamam vocês? R. — A Terrível. Dr.ª F. — Porque lhe chamam a Terrível? R. — Por causa dos ventos, ventos terríveis que vêm de lá ... os ventos frios que vêm da montanha ...

vasta e ameaçadora. Dr.ª F. — Conte-me mais coisas. R. —É demasiado grande ... e demasiado perigosa para ser escalada. Dr.ª F. — Este homem está a falar-lhe acerca de uma escalada à montanha? R. — Carregar com as coisas deles, para um acampamento de base. Dr.ª F. — Está a falar só consigo ou também se encontram aí outras pessoas?R. — Vinte e nove pessoas da aldeia.

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Dr.ª F. — Que acha disso? R. — Quero ir. Dr.ª F. —Porquê? R. — Acho que é um desafio e é ... muito dinheiro. Dr.ª F. — Quanto Ihe vão pagar? R. — Um tanto por dia. Cinquenta cêntimos por dia. É muito dinheiro; mais do que aquilo que

conseguimos ganhar. Dr.ª F. — Que acham os outros, acerca da ida? R. — Estão excitados. Estamos todos excitados por causa do desafio e por irmos ganhar ... o

dinheiro. Dr.ª F. — Que faz ou que diz? R. — Hmm. Acho que vou com eles. Dr.ª F. — Fale-me mais acerca daquilo que está a observar. R. — Bom, vejo a aldeia. Muitas pessoas a juntarem-se e ... e a falar nisto. Dr.ª F. — Os estrangeiros ainda se encontram aí consigo? R. — Eles estão afastados, para o lado, para a nossa esquerda ... à espera de uma resposta. Há uma

enorme excitação e um grande movimento. As pessoas perguntam-se se nós vamos e ... falar do que poderá acontecer se formos.

Dr.ª F. — Você diz alguma coisa? R. — Não sou o chefe. Dr.ª F. — Mas quer ir? R. — Eu quero ir. Dr.ª F. — Que decisão tomam? R. [Com excitação na sua voz e no seu corpo.] — Nós vamos! Dr.ª F. — Agora vou pedir-lhe que vá até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem

até cinco. Deixe que essas recordações desapareçam. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça?

R. —A subida com grandes ... embrulhos às costas ... enorme peso nas costas ... e através do gelo. Dr.ª F. — Que tem vestido? R. — Uso roupas quentes ... [franzindo a testa] ... mas os meus pés estão frios. Dr.ª F. — O resto do seu corpo está quente? R. — Tenho um barrete, casaco e umas compridas calças quentes ... e os meus pés estão ... muito

frios. Gelados! Dr.ª F. — Apenas os seus pés estão frios? R. —E as minhas mãos. [Esfregando-as.] Dr.ª F. — Como estão as suas pernas e braços? Estão quentes? R. — Estão quentes. A minha cabeça está quente ... a minha cara está queimada do ... sol. Dr.ª F. — Dói-lhe? R. — Está ressequida e dói-me. Dr.ª F. — Iniciaram a subida há muito tempo? R. —Há três dias. Dr.ª F. — Descreva-me como se sente. Ainda se sente satisfeito por estar a fazer isso? R. — Acho que estou excitado, mas ... cansado. Dr.ª F. — Bom. Agora vou pedir-lhe que avance para o próximo acontecimento importante, um

acontecimento muito importante, depois da contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça? Mantenha-se calmo e relaxado; muito calmo e muito relaxado.

R. — Nós temos de atravessar uma ponte ... uma ponte de gelo ... ah ... numa ... ah, ahhhh! [Tremendo violentamente.] Quando o fizemos, partiu-se e ... e três dos nossos caíram.

Dr.ª F. — Onde? R. — Numa fenda profunda e eu ... eu morri. Dr.ª F. — Pôde observar essa ocorrência? R. — Vejo a cena. Nós os três íamos ... caindo, porque estávamos presos uns aos outros com

cordas. Eu fui puxado para trás. Um estava atravessado ... mas puxado para trás. [Respirando muito rapidamente.]

Dr.ª F. — Fique calmo e relaxado ... muito calmo ... muito relaxado. R. [O seu corpo descontrai-se consideravelmente; a respiração é mais lenta.] Dr.ª F. — Foi tomada alguma decisão acerca da travessia daquela ponte de gelo, ou era apenas uma

coisa que tinha de ser feita? R. — Acho que eu queria voltar para trás, mas não queria ... fomos mais ou menos forçados a ir. Dr.ª F. — Agora vou pedir ao seu subconsciente que, após a contagem até três, o faça perceber este

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acontecimento; que o faça perceber qual foi o incidente relacionado com o seu problema de tomar decisões, nesta vida. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?

R. — Acho que não agi segundo o que achava correcto. Dr.ª F. — Qual julga que seria a atitude correcta? R. — Voltar para trás ... mas eu não iria ... não confiei em mim mesmo. Dr.ª F. — Queria voltar para a sua aldeia; é isso? R. — Quis voltar, quando os meus pés ficaram gelados ... mas não confiei em mim próprio. Dr.ª F. — O seu subconsciente indicará se este é o incidente relacionado com o seu problema, aqui,

em 1977. R. [O dedo do «sim» levanta-se instantaneamente.] Dr.ª F. —É o facto de não ter regressado e de ter os pés frios, o facto de querer voltar e de não o

fazer? R. [O dedo do «sim» levanta-se de novo.] Dr.ª F. — Fale-me mais da decisão. R. — Acho que tomei a decisão de continuar, em vez de mostrar confiança em mim mesmo ... em vez

de falar. Dr.ª F. — Bom. Há outras decisões ...? R. —A outra decisão era eu não querer atravessar o gelo e estou ali de pé. Discutimos isso ... e eu

sou o primeiro a ir. Dr.ª F. — Não queria ir? R. —Não. Dr.ª F. — Porque foi? R.— Bom, porque fui empurrado pelos outros ... por dois dos outros. Dr.ª F. — Essa é também uma das decisões responsáveis pelo seu problema nesta vida? R. [Dedo do «sim».] Dr.ª F. — Há mais algum problema nessa vida que tenha afectado a sua vida actual? Outro aspecto

qualquer dessa vida? Diga o que lhe vier à cabeça. R. — Acho ... que o facto de me deixar influenciar pelos outros. Dr.ª F. — Bom, há outras influências além daquela, quaisquer características físicas, mentais ou

emocionais? Que lhe vem à cabeça? [O seu dedo do «sim» está a mover-se.] R. — Bom, os únicos acontecimentos foram: o facto de eu ter sido puxado para trás, para a fenda e ...

ter partido a espinha, de novo ... a parte de trás de minha cabeça foi esmagada. Dr.ª F. — Isso afectou-o na sua vida actual? R. — Sim. Dores de cabeça que começavam na nuca ... e problemas de costas. Dr.ª F. — Mais alguma coisa o afectou?R. — Ah ... arrepios que sobem e descem pelas minhas costas. Sinto frequentemente uma falta de

sensibilidade nas costas, quando me encontro naquela situação. Dr.ª F. — Que situação? R. — Uma decisão de grupo. Dr.ª F. — Mais alguma coisa? R. [Suspiro profundo.] — O amor pelos espaços abertos ... um medo de montanhas, talvez, ou ...

antes, da fúria de uma montanha ... de certo modo, receio os grandes desafios. Dr.ª F. — Há mais alguma coisa, nesta vida, que para si seja importante saber? R. [Levanta-se o dedo do «não».] Dr.ª F. — Agora vou pedir-lhe que deixe desaparecer aquelas recordações. Avance para o próximo

acontecimento relacionado com o seu problema de decisão. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Onde se encontra agora?

R. — Acho que estou no Oeste, talvez em Nova Orleães ... de facto, é o Oeste. Dr.ª F. — Que está a fazer? R. [Endireitando-se.] — Estou a conduzir uma carruagem ... Estou elegantemente vestido ... desço

uma rua. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? R. — Edgar. Dr.ª F. — Bom, Edgar, qual é o seu último nome?R. [Pausa longa.] Dr.ª F. — Quando chegar a três, saberá. Um ... dois ... três. Que lhe veio à cabeça? R. — Tyrone, ou qualquer coisa parecida. Dr.ª F. — Qual é o seu aspecto? R. — Acho que sou alto e elegante e ... sou branco. Dr.ª F. — Qual é a cor do seu cabelo?

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R. — Cabelo preto. Dr.ª F. — Tem bigode ou barba? R. — Não. Dr.ª F. — Que idade tem, Edgar? R. — Vinte e sete anos. Dr.ª F. — É casado? R. — Não. Dr.ª F. — Que traz vestido? R. — Um chapéu castanho ... não, um chapéu preto e um fato ... um casaco elegante com uma bela

... bela camisa de pregas ... muito elegante ... vistoso. [Parecendo muito satisfeito consigo mesmo.] Dr.ª F. — Onde vai? R. — Vou ver alguém. Dr.ª F. —Fale-me mais disso. R. — A princípio pensei que ia para um ... uma espécie de jogo ... gosto de jogar ... e depois tive a

impressão de que, ah ... ia ver uma rapariga bonita. Dr.ª F. — Avance no tempo, até chegar ao seu destino. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça? R. — Barco a vapor. Dr.ª F. — Onde está agora?R. — Bom, há um barco a vapor, conduzi a minha carruagem até este barco a vapor. Dr.ª F. —Foi até ali de carruagem, sozinho? R. — Não, acho que está alguém comigo. Dr.ª F. — Quem está consigo? Dê uma olhadela. R. — Rapariga bonita. Dr.ª F. — Qual é o nome dela? R. — Eileen. Dr.ª F. — Conhece-a bem? R. — Não ... acho que ando apenas a fazer-lhe a corte ... e que nos dirigimos para o barco a vapor. Dr.ª F. — Agora avance no tempo até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até

cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem à cabeça? R. — No barco estão a jogar. Dr.ª F. —E você, que está a fazer? R. — Estou a ver o jogo com muita atenção. Toda a gente está a ver o jogo. [Suspiro profundo.] Estão

a convencer-me a jogar e eu não quero ... ela está a convencer-me Dr.ª F. — Preste atenção ao que ela lhe diz. Após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que lhe diz

ela? R. — «Todos os homens jogam e você pode conseguir tanto dinheiro.» Dr.ª F. — Que sente, quando ela lhe diz isso? R. — Sinto que não quero. Mas quero ser igual a todos os outros homens. Acho que a quero

impressionar ... mas não quero jogar. [Parecendo descontente.] Dr.ª F. — Porquê? R. — Não gosto de jogar. Dr.ª F. — Já experimentou? R. — Não ... agora peguei no dado, faço rolar o dado. Então, estou a jogar! Dr.ª F. — Após a contagem até cinco, vá até ao próximo acontecimento significativo. Um ... dois ...

três ... quatro ... cinco. Que lhe vem ao espírito? R. — Há uma discussão acerca do ... jogo ... estou a discutir ... perdi e estou a discutir, dizendo que

eles fizeram batota. Dr.ª F. — Quem fez batota? R. — Os jogadores. Dr.ª F. — Que está a acontecer? Conte-me tudo, passo a passo. R. [Pausa longa.] —Eu estava a discutir e ... e ... [Faz um movimento para trás.] ... fui apunhalado

pelas costas! Outro homem veio por trás de mim, agarrou-me e ... e apunhalou-me nas costas. [Respirando muito depressa, agora.]

Dr.ª F. — Em que zona das costas? R. —No fundo das costas. [Agora a sua voz é fraca, cansada.] Dr.ª F. — Que aconteceu quando ele o apunhalou? R. [Admirado.] — Acho que ... morri. Dr.ª F. —Vamos perguntar ao seu subconsciente se você morreu. Em caso afirmativo levantar-se-á o

dedo do «sim»; em caso negativo levantar-se-á o dedo do «não». R. [O dedo do «sim» levanta-se, tremendo.]

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Ainda em transe, Roger disse que a má decisão que tomara naquela vida fora jogar mal. Tal como ele próprio disse: «... a minha incapacidade — o não fazer o que queria. Custou-me a vida!» Foi «obrigado» a ceder, por causa da sua necessidade de agradar aos outros, de manter a sua imagem. O seu subcons­ciente indicou que aquele era outro dos seus problemas. Perguntei-lhe se havia ainda alguma coisa, naquela vida, que o afectasse na actualidade. Fez uma pausa e depois explodiu: «A minha ... falta de confiança nas mulheres!» Pedi-lhe que se concentrasse na sua respiração, a fim de o acalmar, bem como para lhe proporcionar uma transição, pois começava a mostrar sinais de fadiga. Alguns minutos depois sugeri ao seu subconsciente que o levasse para outro acontecimento, dentro daqueles seis responsáveis pela sua indecisão. Contei até cinco e perguntei-lhe o que o rodeava.

R. [Parecendo preocupado.] —Há nevoeiro. Dr.ª F. — Onde está? R. — Num barco. Dr.ª F. — Que tipo de barco? R. — Um barco de pesca.Dr.ª F. — Fale-me de si. R. — Penso que sou grego. R. — Cabelo comprido ... sem bigode ... boa forma física ... forte. Dr.ª F. — Que idade tem?R. — Dezassete anos. Dr.ª F. — O barco está a navegar? R. — O barco está a avançar para o nevoeiro. [Começa a contorcer-se.] Dr.ª F. — Diga-me o que faz neste momento. R. — Penso que não quero entrar no nevoeiro. Dr.ª F. — Porquê? R. [Suspiro profundo.] — Porque é demasiado perigoso. Dr.ª F. — Porque é ... R. [Interrompendo.] — Ficar cá fora, na luz.Dr.ª F. — Então, porque está a avançar?R. — Alguém me pressiona para eu ir para o nevoeiro. Dr.ª F. — Quem? R. — Não sei.Dr.ª F. — Vou contar de um a três. Quando chegar a três, saberá. Um ... dois ... três. Que lhe vem à

cabeça? R.—0 meu capitão. Dr.ª F. —Esse barco onde se encontra é grande? R. — Acho que estamos três cá dentro. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? Que lhe vem à cabeça? R. — Não tenho ... uma espécie ... qualquer coisa começada por «M». Dr.ª F. — Vou contar até três e, quando acabar, saberá o seu nome. Um ... dois ... três. Que lhe vem

à cabeça? P. — Moustache. [Já naquele tempo os Gregos gostavam de alcunhas! — pensei cá para mim.] Dr.ª F. — Não quer entrar no nevoeiro. Mas o seu capitão diz que tem de ir. É isso? R. [Acena em sinal afirmativo.] Dr.ª F. — Diz alguma coisa ao capitão a respeito do nevoeiro, Moustache? R. — Não me parece. Dr.ª F. — Faz-lhe muita impressão entrar no nevoeiro? R. — Acho que é uma atitude errada e perigosa. [A pulsação no seu pescoço tornava-se mais rápida.] Dr.ª F. — Porque não diz nada? R. — Acho que é melhor ser corajoso ... é melhor cumprir as ordens. Dr.ª F. — Bom. Avance até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até cinco. Um ...

dois ... três ... quatro ... cinco. Que se passa? R. — Batemos em alguns rochedos e ... e eu fui cuspido de cabeça ... para cima das rochas.

[Contorcendo a cara, como se estivesse a sentir dores.] Dr.ª F. — Fale-me mais acerca disso. R. — Fui cuspido de cabeça e de costas ... para umas rochas ... e elas esmagaram-me. Dr.ª F. — Que foi que o esmagou? R. — As rochas ... e o barco. Dr.ª F. — O barco também? Que se passa?

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R. — e eu morri. [A sua voz vai-se sumindo.]

Sob hipnose explicou que, uma vez mais, a sua necessidade de agradar se tinha sobreposto ao que considerava correcto. Encontrara-se de novo incapacitado de expor as suas necessidades e desejos. Percebeu também que o seu velho terror ao nevoeiro se tinha originado nessa vida; acrescentou que confirmava sempre as condições atmosféricas, antes de fazer uma viagem de carro para áreas onde regularmente aparecia nevoeiro. Nada mais dessa vida parecia estar a afectá-lo actualmente.

Pelos seus sinais de dedos descobri que Roger tinha tomado outra decisão errada (quem sabe se também fatal?). Pedi ao seu subconsciente que fosse até esse acontecimento. A sua cara contorceu-se e agarrou-se ao pescoço. Sentia tal ansiedade que fui obrigada a dar-lhe sugestões calmantes e a levá-lo para um acontecimento anterior e neutro. Alguns momentos depois perguntei-lhe onde se encontrava.

R. [Pausa longa.] — Estou numa corte ... em França. Dr.ª F. — Conte-me o que se está a passar. R. — Há muita zombaria ... pessoas ... pessoas que discutem. Dr.ª F. — Discutem e riem acerca de quê? R. — Querem livrar-se do rei. Dr.ª F. — Porque se encontra na corte? Que se passa? R. — Bom, estou numa corte, que é uma espécie de ... acho que eu era ... [suspiro profundo] ... talvez

eu ... uso veste e tenho uma posição elevada na corte ... em França. Dr.ª F. — Qual é o seu nome? R. — Pierre. Dr.ª F. — Qual é o seu último nome, Pierre? Dr.ª F. — O seu subconsciente irá levá-lo para um acontecimento responsável pelo seu problema,

nesta vida. Avance até esse acontecimento, após a contagem até três. Um ... dois ... três. Que lhe vem à cabeça?

R. — Acho que tentei agradar ao povo. Dr.ª F. — Que pretende dizer com isso? R. — Há uma parte de mim que queria agradar ... aos outros ... mas cá dentro de mim havia uma voz

que me dizia para ... para não fazer isso. Dr.ª F. — Fale-me das circunstâncias que rodearam isso. R. — Acho que estava com pena do povo. Dr.ª F. — Que povo? R. — O povo ... a classe mais baixa e desprivilegiada. Dr.ª F. — Que aconteceu?R. — Toda a gente falava em se livrar do rei ... em se livrar da corte. Um ... um tremendo idealismo,

acerca de um sistema melhor. Dr.ª F. — Como se sentiu? R. — Senti-me em conflito.Dr.ª F. — Porquê? R. — Era leal ao meu rei e ao mesmo tempo sentia a lealdade para com o povo.Dr.ª F. — Que disse? R. [Com hesitação.] — Parece-me que não disse nada. Dr.ª F. — Avance até ao próximo acontecimento significativo, após a contagem até cinco. Um ... dois

... três ... quatro ... cinco. Que lhe vem ao espírito? R. — Ele revelou ... segredos aos Ragoons ... ah ... alguém ... esse nome surgiu-me. Dr.ª F. — Alguém revelou segredos aos Ragoons? R. — Acho que sim. Dr.ª F. — Que quer isso dizer? Pode explicar? R. — Bom, não tenho a certeza. Acho que eles se opõem ao rei. Dr.ª F. — Diga mais qualquer coisa. R. — Acho que não, ah ... não o devia apoiar ... Dr.ª F. — Quem é ele? R. — Phillipe. Trabalha para mim. Dr.ª F. — Decidiu não o apoiar. Que está ele a fazer? R. — Não ... ah ... não quero apoiá-lo ... mas não quero . , . ah ... ah ... denunciá-lo. Dr.ª F. — Então que faz? R. [Baixando a voz.] — Nada. Dr.ª F. — Nesta altura, que decide? R. — Não fazer nada.

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Dr.ª F. — Que está ele a fazer? R. — Acho que está a dar informações acerca da corte. Dr.ª F. — A quem? R. — Um grupo de assassinos. Dr.ª F. — Conte-me mais.R. — As suas ideias políticas não eram as minhas ... e eu não me pronunciei. Não fui corajoso. Devia

tê-lo enfrentado. Dr.ª F. — Que aconteceu? R. — Fizeram chantagem comigo, para que eu fornecesse informações. [Murmurando.] Dr.ª F. — Você mesmo teve de dar informações? Rou seria denunciado. Dr.ª F. — E depois, que aconteceu? Avance no tempo e veja o que acontece como consequência de

... R. — Ele fala ... e denunciou-me ... disse que eu tinha feito aquilo!Dr.ª F. — Que aconteceu a seguir? R. — Então eu ... [agitado] ... fui decapitado. Dr.ª F. — Calmo e relaxado ... Por quem? R. — Pelos homens do rei e ... Phillipe. Ele ficou ali.

Quando Roger se libertou da hipnose, esticou os braços por cima da cabeça. Depois deixou-se cair para trás, na cadeira. Tinha um ar exausto. A voz era cansada. «Não sabia o que me esperava!» Tínhamos ultrapassado o nosso tempo em trinta minutos. Só conseguimos ver por alto de que modo a sua decisão tinha sido «fatal» em cada caso. Pedi-lhe que fizesse um «trabalho de casa», no intervalo entre esta e a consulta seguinte: pedi-lhe que repensasse cada vivência e que analisasse o papel que cada uma tivera na sua vida actual — queria todos esses pensamentos por escrito. Examina-los-íamos na nossa sessão seguinte.

Duas semanas mais tarde, Roger saltou da sua cadeira, na sala de espera, e avançou, rápida e confiantemente, para o meu consultório. Com um grande sorriso, acenou-me com a sua lista de duas páginas. Fizera o seu trabalho de casa! Com uma voz cheia de energia, disse: «A lista terá de esperar — quero falar-lhe de todas as grandes decisões que tomei nestas duas semanas.» Decidido, deitou-as cá para fora. Variavam entre a resignação ao seu cargo de professor na faculdade, e a compra de uma carrinha Dodge e de uma lancha exótica — para o seu novo projecto: um filme sobre esqui aquático. Sorri e repeti as suas próprias palavras: «Se resolvo este problema, nada me fará parar!» Continuou, dizendo que sentira a «cabeça fresca» e estivera relaxado, pela primeira vez na sua vida. Como era bom analisar uma situação, saber o que devia fazer — e fazê-lo!

A energia que se encontrava dentro daquela sala quase fazia faísca! A excitação e a vitalidade iluminavam a sua expressão — e espalhavam-se pelos seus gestos, pela força da sua voz.

Pegou na lista que estava sobre a pequena mesa de teca, junto à sua cadeira, e começou a ler. Analisara os efeitos das suas seis vidas. Começou com a última, a do oficial das SS. Fez notar que morrera no mesmo ano em que nascera como Roger. «Não tive muito tempo para recuperar!» Agora compreendia porque o intrigara sempre o III Reich. Passou a mão pelo queixo, murmurando: «Tive uma experiência estranha, perto de Munique. Quando lá fui, pela primeira vez, em 1968, tive uma sensação esquisita do «já visto» — senti que tinha lá passado no passado.» Sentiu-se também dominado pela ansiedade — e não conseguiu compreender a razão dessa sensação.

Como já tínhamos visto muitos dos aspectos da sua vida como Tanakee, passou rapidamente por cima deles. Foi com nostalgia que falou do seu amor pela natureza e pelas montanhas. Disse-me que adorava fazer esqui. Relacionou a sua aversão pelo jogo — relutância até em jogar com amigos íntimos o «21» a um cêntimo a ficha — com a sua existência como Edgar. Sorriu. Com um ar de culpa, confessou: «Gosto de me vestir bem e tenho gasto rios de dinheiro para arranjar um belo guarda-roupa.» O fascínio pela política e pelas manobras clandestinas de estruturas rivais do poder tinham sido para ele quase um passatempo. Atribuía isto à sua vida na corte de França e na Alemanha. A sua voz tornou-se arrastada quando me falou dos seus problemas de costas e dores de cabeça frequentes. Não admira!

«O traço comum entre todas estas vidas foi a minha incapacidade para me impor e a necessidade de agradar aos outros, em meu prejuízo — passando muitas vezes por cima das minhas próprias opiniões», disse ele.

Por fim, olhou para o último assunto da lista. Riu-se e disse: «Bom, será interessante verificar se me modifico nestes aspectos — acabarei por ser tão vulgar que não me suportarei a mim mesmo!»

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CAPÍTULO XI - «ESTOU ... A FLUTUAR»

Ajudei mais de um milhar de pessoas a morrer. Todas estas mortes tiveram lugar no meu consultório. Por vezes, durante uma sessão de cinquenta minutos, um doente chega a morrer três e mesmo quatro vezes — sempre como uma pessoa diferente: cada um dos indivíduos que o paciente encarnou nas suas vidas passadas.

Na maior parte dos casos, a experiência da morte é o acontecimento responsável pelos sintomas e problemas da pessoa. As mortes anteriores afectam-nos de muitos modos — uns óbvios, outros subtis. A queda de um penhasco resulta numa fobia das alturas. Um afogamento, no medo da água. A queda de um avião durante uma guerra provoca o medo de voar. A morte provocada pela «tísica» resulta em problemas pulmonares crónicos. Ser morto com uma baioneta durante o sono provoca insónia.

Observei muitas semelhanças e também muitas especificidades nestas mortes. Nos capítulos anteriores viu como as pessoas descrevem as suas experiências de morte. Neste capítulo partilho consigo as minhas observações acerca deste acontecimento. Uma descrição do interlúdio intervidas, extraído dos relatos fascinantes dos meus doentes, terá de esperar por uma futura publicação. Ocupa um livro inteiro!

A morte e o momento da agonia são, para muita gente, assuntos muito comovedores. Graças ao trabalho de investigadores, de entre os quais o mais proeminente é Elisabeth Kübler-Ross, que escreveu On Death and Dying (Nova Iorque: MacMillan Publishing Company, Inc., 1969) as pessoas começam a aprender e a aceitar este aspecto da vida e a olhar a morte de um modo mais positivo.

Alguns dos meus doentes mostraram um grande temor perante a perspectiva da experiência da morte, sob hipnose. Uma pessoa perguntou até, com verdadeira preocupação: «Acha que

eu posso morrer, realmente, outra vez?» Temos de eliminar os receios da pessoa acerca da morte — bem como os receios acerca de qualquer acontecimento traumatizante — antes de podermos avançar. A fé e confiança que os meus doentes e sujeitos hipnóticos depositam em mim é o aspecto mais essencial e valioso do nosso trabalho em conjunto. Para mim é artigo de fé nunca os empurrar para uma coisa que emocionalmente não possam suportar. Uso várias técnicas para minimizar o desconforto resultante da repetição das dores físicas ou emocionais. Além destas técnicas devo, por vezes, estabelecer o contacto das pessoas com a sua primeira morte, pouco a pouco. Nunca foi necessário fazer isto mais de uma vez. Ocasionalmente faço-os observar a sua morte, no écran dos seus espíritos, como se assistissem à experiência de outrem. Então, gradualmente, vão-se permitindo a si próprios uma maior participação, quando voltamos ao acontecimento. Finalmente, experimentam tudo, completa e integralmente.

Tudo o que lhes irei mostrar corrobora as descobertas de Raymond A. Moody Jr., M. D. O seu livro Life after Life (Covington, Jórgia, Mockinbird Books, 1975) é baseado em entrevistas com mais de cem pessoas que «morreram» durante operações, doenças ou acidentes. As descrições das suas experiências antes da ressurreição são virtualmente idênticas às dos meus pacientes sob hipnose — excepto no facto de muitos dos meus doentes lembrarem acontecimentos no intervalo intervidas, enquanto os de Moody não. E por razões óbvias. Os seus doentes nunca fizeram a transição completa. Os seus doentes escolheram nãomorrer ou foram forçados a voltar. É interessante saber que o antigo Livro dos Mortos Tibetano também relata muitos dos mesmos acontecimentos que os meus doentes e sujeitos hipnóticos descreveram.

Um dos aspectos notáveis dos relatos das experiências de morte é que a consciência se mantém, sem interrupção. Além disso, todos os pacientes e sujeitos hipnóticos descreveram uma libertação da dor física e/ou emocional, no momento da morte — por vezes até antes. Se uma pessoa está a morrer de fome, por exemplo, deixa de sentir fome. Se o problema é congestão pulmonar, muitas vezes, a primeira exclamação é: «Consigo respirar!»

Um homem, já na casa dos trinta, retrocedeu a uma vida em que assassinava a sua mulher adúltera. Foi morto, pelo seu crime, na câmara de gás.

L. [A sua cara cobriu-se de gotas de suor.] —Não posso dar-lhe a entender que estou perturbado. Dr.ª F. — Diga-me como se sente. Eu não lhes conto nada. L. — Estão a amarrar-me. [O seu corpo treme, assim como a sua voz.] Dr.ª F. — Vá até ao momento da sua morte após a contagem até três. Um ... dois ... três. L. — Tudo terminou com ... paz.

O mesmo doente, em outra vida, encontrou-se numa trincheira, durante a segunda guerra mundial.

L. [O seu corpo salta. Agarra-se ao pescoço.] — ... Morri outra vez ... atingido no pescoço. Dr.ª F. — Como sentiu a morte? L. — Dei apenas um salto.Dr.ª F. — Sente alguma coisa?L. — Não tenho dores.

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Dr.ª F. — Tomou a forma de espírito? L. — Hum-humm. Dr.ª F. — Como se sente? L. — Oh, melhor!

Numa vida passada, uma jovem viu a sua caravana atacada por índios, que eventualmente a escalparam e violaram, deixando-a à morte. Depois de um longo silêncio, disse:

C. — Vejo-me ali deitada. Dr.ª F. — Como se sente? C. — Acabou. [A sua voz e expressão, denotavam alívio.] Dr.ª F. — Ainda sente dores? C. — Não. Dr.ª F. — Como se sente? C. [Sorrindo.] — Óptima ... e é tudo.

Uma mulher descreve o momento da sua morte. Acabou de ser esmagada por uma parelha de cavalos e uma carruagem.

Dr.ª F. — Agora vou pedir-lhe para ir até ao exacto momento da sua morte, após a contagem até três. Um ... dois ... três. Conte-me o que está a sentir.

B. — Deixo-me ir. Dr.ª F. — E qual é a sensação? Dr.ª F. — Diga-me mais coisas. B. — Sinto-me mais leve ... já não me sinto pesada. Dr.ª F. — Que sensações tem, além dessa? B. — Sinto-me livre. Dr.ª F. — Onde está o seu corpo? B. — No chão. Dr.ª F. — Onde está você? B. — A olhar para ele. Dr.ª F. — Onde? B. — Mesmo por cima dele.Dr.ª F. — Como vê o seu corpo? B. — Parece enrugado. Dr.ª F. — De que emoções tem consciência?B. — Sentimento de alívio.

Uma mulher de vinte anos, com um problema de excesso de peso, morreu de fome numa vida anterior, com a idade de cinquenta e sete anos. Durante essa vida foi doente e muito pobre.

Dr.ª F. — Há quanto tempo tem esse problema de alimentação, por falta de dinheiro? S. — Oh ... há alguns anos. Não sei há quanto tempo ... [Lágrimas caíam-lhe pela cara.] Não me sinto

bem. Dr.ª F. — Gostaria que avançasse um dia. Vou contar até cinco. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco.

Conte-me o que se passa consigo. S. [Murmurando.] — Estou a morrer. Dr.ª F. — Vá até ao momento da sua morte. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. S. [Silencio.] Dr.ª F. — Margaret, que lhe está a acontecer agora? S. [Voz mais forte.] — Estou morta ... e já não tenho fome. Dr.ª F. — Como se sente, agora que está morta? S. — Sinto-me bem.

Uma das mais comoventes experiências de morte a que assisti foi provocada por uma série de acontecimentos perturbantes. Uma mulher, com pouco mais de trinta anos, sob hipnose, explorava a origem do pânico que a assaltava nas numerosas ocasiões em que sentia determinado cheiro, especialmente se se encontrava numa sala ou recinto pequeno.

Começou a nossa sessão descrevendo um grau de pânico tão intenso que quase desmaiou e que a fez sentir-se nauseada e doente, durante vários dias. Entrara inocentemente num elevador que acabara de

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ser limpo. O cheiro do desinfectante era ainda muito intenso. A busca da causa para a sua reacção, levou-nos à Alemanha nazi, no princípio dos anos 40. Depois

de descrever uma vida cheia de acontecimentos aterradores, viu-se enfiada num vagão para gado, onde, no meio da escuridão que a rodeava, quase foi esmagada por muitos outros judeus aterrorizados. O cheiro a excrementos era sufocante. Não havia janelas por onde entrasse ar ou luz. Depois do que lhe pareceu uma eternidade, mas que na realidade tinham sido apenas três dias, o comboio parou. Saiu para a ofuscante luz do dia e os guardas conduziram-na para um lugar onde lhes foi dito, a ela e aos outros, que se despissem, a fim de se prepararem para um banho. Havia rumores! Havia medo! Enquanto se despia encontrava-se extremamente assustada. Colocou os seus sapatos num grande monte de sapatos de todos os tipos, a sua aliança em outro monte, o seu vestido noutro monte ainda. Tremendo, seguiu os outros para uma grande sala.

Dr.ª F. — Que está a acontecer? A. — Eles fecham a porta. Dr.ª F. — Estão todos na mesma sala?A. [Baixinho.] — Sim. Dr.ª F. — Quem fechou a porta? A. — Julgo que foram os guardas. Dr.ª F. —Diz que estão muito apertados para tomarem banho. Que quer dizer com isso? A. — Muito juntos. Dr.ª F. — Está a tocar em alguém? Está mesmo muito apertada ou pode abrir os braços? A. — Posso andar de um lado para o outro. Mas isto está cheio de gente! Dr.ª F. — Descreva-me o que vê nessa sala. A. —Não há janelas ... o chão é de cimento. Sinto-o nos meus pés ... é frio ... Dr.ª F. — Há alguma luz? A. — Não, está muito escuro. Havia uma luz, mas não está acesa.Dr.ª — F. — Estão, então, na escuridão total? A. —Sim. Dr.ª F. —E agora, em que pensa, ou que sente? Continue muito relaxada, cada vez mais relaxada a

cada inspiração ... A. [Respirando com força. A pulsação no seu pescoço galopa.] Dr.ª F. — Que fazem as pessoas? A. — Não sei. Já não vejo com muita clareza. Dr.ª F. — Vou pedir-lhe apenas que se relaxe; respire sob a luz do sol, durante um minuto,

aproximadamente; concentre-se na respiração sob a luz dourada. Vou contar novamente até dez. Enquanto o faço, o seu subconsciente duplicará a descontracção. Concentre-se apenas na respiração sob a luz dourada, bonita e relaxante; quando chegar a dez, encontrar-se-á profundamente relaxada. Entretanto, descontraia-se apenas, cada vez mais profundamente. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco ... seis ... sete, relaxe-se cada vez mais após cada número ... oito ... nove ... dez. E agora, Leah, Fale-me mais dessa sala onde se encontra. Que fazem as pessoas?

A. — Sinto outra vez um cheiro. Dr.ª F. — Que tipo de cheiro? A. — Desinfectante. Há respiradouros e é daí que ele vem. Dr.ª F. — Que disse? A. — Respiradouros. [O seu corpo treme.] As pessoas começam a afastar-se deles ... acumulam-se e

... e afastam-se. Dr.ª F. — A que distância se encontra dos respiradouros? A. — Afastada, mas estão a juntar-se contra mim. Dr.ª F. — Que fazem as pessoas, além de se deslocarem? Dizem alguma coisa? A. — As pessoas gritam e berram. Dr.ª F. — Que dizem, quando gritam e berram? A. — Não sei.Dr.ª F. — Preste atenção e ouça. Vou contar até três; ouça o que eles dizem. Um ... dois ... três. A. [Silêncio.] Dr.ª F. — Que dizem eles? A. [Silêncio.] Dr.ª F. — Que lhe vem à cabeça? A. —«0h, não! », dizem as pessoas. E ... e «Meu Deus! », dizem outras. Dr.ª F. — Que faz? Que está você a fazer? A. — Eu não ... não sei. Isso não consigo sentir.

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Dr.ª F. — De que se apercebe? Que se está a passar agora? A. — Eu escorreguei e caí. Dr.ª F. — Como aconteceu isso? A. — Sinto-me esquisita. Dr.ª F. — Fale-me disso. Diga-me como se sentia, um pouco antes de escorregar e cair. Que está a

sentir? No que está a pensar? A. — Estou aterrorizada. Dr.ª F. — Que se está a passar? A. — Uma amálgama de corpos ... e excrementos. Dr.ª F. — Onde se encontra? A. — Não sei. Dr.ª F. — Tente aperceber-se do que se está a passar consigo. Onde sente que se encontra, nessa

amálgama de corpos? A. — Sinto que estou a ver isto de cima para baixo. Agora apenas me sinto confusa. Dr.ª F. — Consegue ver? A. — Sim.

Por vezes, os doentes choram após a sua morte, quando ao olhar para baixo vêem os seus parentes a sofrer. A tristeza é sempre pelos outros e nunca pela pessoa que foram — por mais traumatizante que tenha sido a sua morte. Por vezes ficam momentaneamente preocupados, quando olham para baixo e vêemo seu corpo; no entanto, alguns segundos depois, exprimem alívio. É como se a libertação da agonia e a alegria e êxtase que experimentam se sobrepusessem ao sofrimento passado. Para muitos, a morte é mais um suave deslizar para um estado diferente — e melhor.

Quase todas as pessoas que experimentam a morte, sob hipnose, usam a palavra «flutuar», para descrever a sensação corporal que segue imediatamente a morte. Sentem-se subir no ar e observam a cena, lá em baixo. Dizem ouvir grandes ruídos — campainhas, zumbidos, música celestial. Alguns têm a sensação de entrar num túnel, com uma luz na outra extremidade.

Quase todos os doentes dizem encontrar-se sós, no estado espiritual imediatamente após a morte. Depois da sensação de flutuação, na maior parte dos casos, alguns segundos depois, é sentida a presença de guias espirituais ou de um «anjo da guarda». Muitos apercebem-se deles como uma luz brilhante — uma luz com uma essência benigna e carinhosa — que está ali para os ajudar. Por vezes a transição é auxiliada por entidades mais definidas. A pessoa é frequentemente saudada por parentes ou amigos mortos e, num caso a que assisti, por um cão fiel que anos atrás a pessoa possuíra. Muitas vezes isto provoca uma reacção emocional, expressa em lágrimas de alegria.

Roger, que você encontrou no capítulo décimo, morreu durante o torneio.

R. — Bom, um ... um calor espalhou-se pelo meu sistema circulatório ... por todo o meu corpo ... vi uma luz branca e parti a flutuar.

Dr.ª F. — Que significa isso para si? R. [Risada curta.] — Bom, significa que morri. Dr.ª F. — Que se passa agora? R. — Alívio ... uma sensação de calor por todo o corpo e a libertação do meu corpo. Dr.ª F. — Que vê? R. [Sorrindo.] — Bom, vejo toda aquela zona. Consigo ver tudo. Roger descreveu outra morte, por esfaqueamento, durante uma discussão à mesa de jogo. R. — Já estou morto. Mas ... foquei um feixe de luz ... e logo me senti muito feliz, é estranho ...

expansão e libertação ... voei para cima ... para a luz. Dr.ª F. — Fale-me mais acerca disso. Nessa altura tinha consciência do seu corpo? R. — Flutuei para fora. do meu corpo, quase instantaneamente. Dr.ª F. — Sentiu alguma coisa quando foi esfaqueado? R. — Senti uma dor aguda nas costas ... rasgando. Dr.ª F. — E a seguir? R. — A luz. Dr.ª F. — Fale-me mais da luz. Como era? R. — Era uma explosão de luz que ... caiu sobre mim ... e não me deixava ver ... não me deixava ver

mais nada, excepto a própria luz. A princípio era pequena, depois expandiu-se muito rapidamente. Senti-me subir a flutuar e expandi-me na luz.

Dr.ª F. — Teve mais alguma sensação além da luz? R. — Calor. Dr.ª F. — Calor em que sentido?

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R. — É quente ... fisicamente quente. Dr.ª F. — Tem qualquer outra sensação a esse respeito? R. — É amiga ... é boa. Dr.ª F. — Está alguém ou alguma coisa, aí, consigo?R. — Amigos de família ... à minha espera.

Uma jovem fazia tratamento, devido a graves dores de cabeça. Durante uma regressão a uma vida passada viveu os acontecimentos principais de uma vida como aristocrata, durante a Revolução Francesa. Com dezasseis anos de idade, foi capturada pelos soldados quando fugia, à noite, com a sua ama. Os seus pais já tinham sido presos no dia anterior. Descreveu a cena na guilhotina:

C. — Estou a ajoelhar-me. Dr.ª F. — Está alguém consigo?C. — Os soldados. Dr.ª F. — Conte-me o que se passa agora. C. [Respirando com dificuldade.] Dr.ª F. — Quais são os seus últimos pensamentos? C. — Penso em como eu era feliz ... como desejo viver ... casar e ter filhos. [De repente, faz um gesto

violento com a cabeça.] Dr.ª F. — Onde está a sua cabeça? E o seu corpo? C. — Estão separados. [Parecendo surpreendida.] Dr.ª F. — Que aconteceu quando a lâmina bateu no seu pescoço? C. — Terrivelmente doloroso. Dr.ª F. —E agora, que se passa? C. [Longo silêncio.] — Já não me sinto triste ... sinto-me feliz. Dr.ª F. — Ainda está no seu corpo? C. — Não. Dr.ª F. — Encontra-se sozinha, na forma de espírito?C. — Não, apareceram os meus guias. [A sua expressão suaviza-se.] Dr.ª F. — Que lhe dizem eles? Que lhe comunicam? C. — Vieram para me levarem para casa. Dr.ª F. — Quantos são? C. — Cinco. Dr.ª F. — São-lhe familiares? C. — Sim, claro. Dr.ª F. — Porquê? C. — Porque são os meus guias. Estão sempre ali, quando eu venho para casa.Dr.ª F. — São sempre os mesmos? Dr.ª F. —Está aí mais alguém? Outros espíritos, além dos seus guias, que você reconheça?C. — Sim, os meus pais. Dr.ª F. — Comunicam consigo? C. — Sim. Fazem-me saber que já não sentem dores.

Margaret, uma mulher com cerca de cinquenta e cinco anos, sofria há muito tempo de uma fobia das alturas. Mesmo em criança, tivera pesadelos frequentes, nos quais caía, mas acordava sempre antes de atingir o solo. O marido sugerira-lhe recentemente uma viagem à Europa. A sua reacção foi o pânico e o desespero. Como gostaria de ir. Mas voar estava fora de questão! Esperávamos resolver o problema a tempo, antes do início das férias do seu marido, dali a alguns meses.

Este problema era particularmente intrigante, porque, enquanto trabalhávamos noutro sintoma, descobrimos por acaso que numa vida anterior ela também sofrera da fobia das alturas. (Não é raro encontrar sintoma transportado por várias vidas anteriores.)

Após uma bastante forte resistência à regressão, ela viu-se num dirigível, no princípio do século. Era um jovem holandês, Hans, que trabalhava como navegador, numa nave aérea militar experimental. Uma grande turbulência forçou o dirigível a sair do seu curso e levou-o para o oceano. Um relâmpago atingiu-o. As chamas irromperam e ele partiu-se em dois. Aterrorizado, Hans viu o capitão e os outros membros da equipagem serem cuspidos, quando o aparelho começou a perder altura. Agarrado a um anel de metal, disse:

M. — Estou agarrado à estrutura ... Dr.ª F. — Como se sente?

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M. — Aterrorizado. [O seu rosto está contorcido.] Dr.ª F. — Conte-me o que se passa neste momento. M. — A minha mão soltou-se ... e deixo-me ir. Dr.ª F. — Como se sente nessa altura?M. —A cair ... Dr.ª F. — Como é isso? M. — Parece que vou a cair, muito, muito rapidamente ... a água está cada vez, mais perto e eu grito. Dr.ª F. —Pensa em alguma coisa quando grita? M. — Sei que vou morrer ... e estou assustado. Não gosto ... não gosto disso e a água está a aproximar-se com muita rapidez ... bato na água e parto o pescoço. Dr.ª F. — Sente isso? Como cai? Qual é a sua posição?M. — Mais ou menos às cambalhotas. Dr.ª F. — Qual é a parte do corpo que embate em primeiro lugar? M. —A minha cabeça. Dr.ª F. — De que se apercebe? M. — Acho que eu estava ... acho que tudo acabou muito depressa. Dr.ª F. — E agora, de que tem consciência? M. [Suspiro profundo.] Dr.ª F. — De que tem consciência, Hans? M. — Oh! O meu corpo afunda-se na água ... Dr.ª F. — Onde está? De que tem consciência e onde está? M. — Estou só a ver. Dr.ª F. — Onde? M. — Debaixo de água, por baixo da água. Dr.ª F. — Que vê? M. — Estou a vê-lo afundar-se, fundo, fundo ... como uma ... como uma boneca de trapos. Dr.ª F. — E agora, de que se consegue aperceber? M. — Não quero ficar aqui mais tempo. Dr.ª F. — Que faz?M. — Vou-me embora ... Saio disparado através da superfície. Dr.ª F. —E depois? M. —E continuo a avançar.Dr.ª F. — Qual é a sensação? M. — Óptima. Vejo ... [Aclara a voz.] ... Consigo ver os destroços, flutuando na água. Dr.ª F. — Quais são os seus sentimentos acerca disso? M. — Bom, estou ... aborrecido. É um desperdício. Dr.ª F. — Diga-me mais coisas. M. — Oh, não sei ... Dr.ª F. — Está só? M. — Sim, eu ... eu ... há outros, mas ... hum ... não falamos. Dr.ª F. — Quem são os outros? M. —São ... são a equipagem. Dr.ª F. — Eles estão no mesmo sítio que você? M. — Estão ... não estão ali fisicamente, mas estão ... sei que estão ali. Dr.ª F. — Pode vê-los? M. — Não, mas podemos comunicar. Dr.ª F. — Está aí mais alguém ou mais alguma coisa?M. — Não, só nós ... vamos agora para outro lugar. Dr.ª F. — Para onde? M. — Não sei ... mas nós ... nós, vamos todos.

Outra mulher, uma doente, morreu como superior de um mosteiro contemplativo, em Itália, no século XVI. No momento da sua morte, disse:

H. — É ... paz. Dr.ª F. — Que lhe sucede? H. — Flutuo.Dr.ª F. — Vê alguma coisa?H. —É como estar no ... universo. [A sua voz está cheia de temor.] Dr.ª F. — Pode ver o seu corpo?

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H. —É como se flutuasse ... não há dor, só a flutuação. Dr.ª F. — Está só? H. — Parece que vou ao encontro de alguém. Estou só, mas não ... me sinto só.

Alguns minutos depois de ter sido morta à paulada, Becky, a jovem cujo relato foi descrito no Cap. II, disse:

B. —É a minha família. Dr.ª F. —Conte-me o que vê. B. [Chorando.] — Estão à minha espera. Dr.ª F. — Porque chora? B. — Estou feliz. Dr.ª F. — Conte-me o que vê, quem vê. B. — As minhas irmãs e os meus pais. [Murmurando.] Eles devem ter sido mortos. Dr.ª F. — Qual é o aspecto deles? B. [Não responde.] Dr.ª F. — Têm o mesmo aspecto que tinham quando eram vivos?B. —Sim. Dr.ª F. — Têm exactamente o mesmo aspecto? B. —Mais vaporosos. Dr.ª F. — Qual é a expressão deles? B. [Sorrindo.] — Estão a dar-me as boas-vindas. Dr.ª F. — Está aí mais alguém ou mais alguma coisa? Olhe à volta e veja. B. —Há uma luz muito brilhante. Dr.ª F. — Onde está? B. — Afastada, distante. Dr.ª F. — Fale-se dela. Tem alguma sensação a seu respeito? B. —É quente. Está a receber-me. [Como uma expressão de grande alegria no rosto.] Dr.ª F. — Bom. Vejamos se vai ter com ela. B. — Ainda estou com a minha família. Dr.ª F. — Que faz a sua família? B. — Abraça-me. Dr.ª F. — Está aí mais alguém? B. — Não. Dr.ª F. —E agora? Que sente? B. — Felicidade.

Uma mulher que sofria de depressão morreu de fome na sua última encarnação.

Dr.ª F. — Está só? S. [Murmurando.] — Não, parece que vêm aí umas pessoas. Dr.ª F. — Quem são? S. — Amigos ... e a mamã.Dr.ª F. — Como se sente, quando os vê? S. — Feliz. Dr.ª F. — Fale-me deles.S. — Estão a abraçar-me. Dr.ª F. — Qual é a aparência deles? S. — Bom, a minha mãe parece muito velha. Já não a via há muito tempo. Mas não usa óculos. Dr.ª F. — Ela usava óculos? S. — Sim e ela ... ela diz que não tem o aspecto que eu estou a ver, mas que tenho de me habituar a

ela. Dr.ª. F. —Está aí alguém que não conheça? S. — Há na verdade aqui alguns que eu não conheço. Mas está tudo bem. Dr.ª F. — Como estão eles vestidos? S. — Têm capas. A minha mãe é a única que tem um vestido e um avental. Dr.ª F. — E o seu corpo? Como é o seu corpo? S. — Não é seco, como era. Dr.ª F. —É como um corpo humano sólido? S. — Não, vejo luzes no meu corpo. Não vejo realmente mais nada para além da forma, mas sinto-me

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bem.

Os meus doentes e sujeitos hipnóticos descreveram muitas vezes e com grandes pormenores, o que acontece ao corpo, depois de o espírito se libertar e flutuar sobre ele. Durante algum tempo pode haver uma certa consciência de sensações físicas, no corpo sem vida — alternando com as sensações expe­rimentadas bem fora do corpo. Doentes conseguiram determinar a origem da claustrofobia no facto de terem sido «enterrados vivos», mas, na realidade — pelas suas descrições —, provavelmente já se encontravam mortos quando foram enterrados. Tudo leva a crer que a sensibilidade e a consciência regressaram aos seus corpos. Isto acontece mesmo depois de terem assistido à remoção e enterro do corpo. Doentes comentaram os seus próprios funerais, exprimindo por vezes descontentamento por um ou outro pormenor, tal como a ausência de um parente. Sob hipnose, uma mulher localizou a sua repugnância — náusea, até — ao cheiro das rosas. A cena passava-se na Alemanha nazi; o seu corpo era lançado a uma trincheira, juntamente com outros. Percebeu que o cheiro das rosas lhe fazia lembrar o cheio dos corpos em decomposição. Outra doente descobriu que a sensação de calor que sentia quando estava nervosa era devida ao facto de ter sido cremada.

Esta alternância da consciência, que tantas vezes é experimentada, é bem visível neste excerto de uma transcrição de um doente. A história da sua queda de um telhado de uma catedral foi relatada no Cap. VII.

M. — Bom, parece que estão a pôr qualquer coisa na ... carroça. Dr.ª F. — Que é? M. — Parece-me que estavam vestidos como os soldados. Dr.ª F. — Que estavam eles a pôr na carroça? M. — Não sei, era uma coisa rígida, não sei o que ... porque faziam eles isso. Dr.ª F. — Que tipo de coisa era? M. — Não consegui perceber, porque estava ... no chão, acho que foi daí que vi isso. Dr.ª F. — Viu-os colocarem na carroça uma coisa rígida? M. — Sim. Dr.ª F. — Qual era a sua forma?M. — Comprida, como um homem, com um ... Não sei porque é que eles estavam a fazer aquilo ... Dr.ª F. — Não sabe porque é que eles estavam a fazer aquilo? M. — Não, mas qualquer que seja o motivo ... bom, é apenas ... fecham-no por cima e empurram-no.

Tinha rodas. Dr.ª F. — Que disse? M. — Fecham-no por cima ... tinha uma espécie de ... de tampa e dois deles empurram-no.Dr.ª F. — Empurram o quêM. — Um carrinho. Dr.ª F. — Que levam dentro do carrinho? Que puseram lá dentro? Que lhe vem à cabeça? M. [Profundo e prolongado suspiro.] — Oh, vejo o interior do carrinho, é todo ... parece um túnel

comprido, com uma pequena luz no fundo. Dr.ª F. — Sente que se encontra lá dentro? M. — Sim, mas estou ... não estou preocupado com isso. Dr.ª F. — Sente que está lá dentro, mas não se preocupa? M. — Hum-humm. É ... agora vejo uma luz azul ... agora vejo qualquer coisa a ser descarregada ...

vejo homens ... levando um ... qualquer coisa para ... é nesta altura que vejo o azul. Dr.ª F. —E agora, que se passa? M. —Vi apenas um homem, como se me encontrasse de novo em baixo, dentro deste carrinho ...

seguravam o corpo, em direcção ... em direcção à cova, em direcção a mim. Dr.ª F. — Você encontra-se dentro da cova e vê-os trazendo esse corpo? M. — Estou dentro da cova. Dr.ª F. — Está numa cova? M. — Por baixo do carrinho. Dr.ª F. — Onde está a cova? No solo? M. —Sim. Dr.ª F. —E agora? M. — Vejo duas pedras ... coisas ao meu lado e terra solta ... pedras pousadas na terra solta. Dr.ª F. — Sobre a terra solta? M. — Hum-humm. Dr.ª F. — Como uma pedra tumular. É isso? M. — Não, como uma ... como o ... uma de cada lado.

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Dr.ª F. — Agora, de que se apercebe? Vê alguma cor? M. — Cores misturadas. Vejo azul-forte. Vejo ... aquele forte azul do céu, por cima de mim ... os

homens de farda que se inclinam e atiram ... terra para dentro ... fardas cinzentas. Dr.ª F. — Parece-lhe que está de fora a vê-los encherem o túmulo? M. — Não, estou dentro. Dr.ª F. — Mas de algum modo consegue vê-los. M. — Torna-se pouco nítido.

Um adolescente ficou afectado por uma morte, num campo de concentração nazi. Depois de ter sido gaseado, o seu corpo foi atirado para uma vala aberta. Escavadoras empurraram montes de terra para cima de todos os corpos. Ele sentiu a terra cobrindo a sua cara. Apanhara há três anos um grave tique facial, o qual foi a razão por que procurou ajuda. A terra secou na sua cara, quando ajudava os amigos a colocar uma vedação. Foi incapaz de a tirar, durante várias horas. Sob hipnose, retrocedeu até esse acontecimento e, depois, foi ainda mais longe, até ao acontecimento original — no campo de concentração. O seu tique fora provocado pelo cheiro a gás e pelo facto de ter contorcido a cara no momento em que caiu, nos chuveiros. A um nível profundamente subconsciente, a terra seca recordava-lhe a época em que fora gaseado até à morte.

Vários doentes relataram que os seus espíritos faziam troça dos assaltantes ou assassinos. O breve excerto que se segue mostra-nos um exemplo deste tipo de conduta. Uma doente descobriu a origem de uma alergia que lhe afectava os pulmões e os seios nasais, numa morte ocorrida na selva.

H. — Estou na selva e está muito calor.Dr.ª F. — Que faz na selva? H. — Sou perseguido por alguns canibais ... querem comer-me. Dr.ª F. —Fale-me de si. H. — Sou um guerreiro alto, muito forte, muito negro. Dr.ª F. — Disse que era um guerreiro?H. — Um guerreiro. Dr.ª F. —E é muito negro. H. — Muito negro e sou muito forte. [Com orgulho.] Dr.ª F. — Qual é o seu nome? H. — Wanna.Dr.ª F. — Wanna, disse que estava a ser perseguido. Fale-me nisso. H. — Há outros guerreiros que me perseguem pela ... pela selva e está muito calor, húmido ... a água

escorre pelo meu corpo. [Respiração acelerada.] Dr.ª F. — Sabe quem são as pessoas que o perseguem? Viu-as? H. —São outros guerreiros ... negros ... de outra tribo. Quero dizer, Utsa. Dr.ª F. — Utsa? H. — Eu ... [arfando] ... estou apenas a correr e não consigo respirar. Dr.ª F. — Porquê? H. — O ar parece-me muito pesado, como se houvesse gás ou ... muita humidade ... e eu tropeço e

caio em areias movediças e ... e estou a ser engolido. [Em pânico.] Dr.ª F. — Onde se encontram os outros, que o perseguiam? H. — Ouço-os berrar e gritar e luto, nestas areias movediças ... e não consigo sair e continuo a lutar,

sempre. Dr.ª F. — De que se consegue aperceber agora?

H. —É a minha garganta. [Voz estrangulada.] Está a subir-me pelo nariz, não posso ... vou morrer. [Aparecem gotas de suor no seu rosto.]

Dr.ª F. — Quais são os seus pensamentos? H. — Que modo ... modo de morrer. Sem ... honra. [Respirando com dificuldade.] Dr.ª F. — Onde estão as areias movediças? H. — Entram-me pelo nariz. É um cheiro horrível ... e putrefacto ... continuo a lutar e o peso, sobre

mim, é tão grande! [Lutando.] Não me posso mexer. [Contorcendo o rosto.] Dr.ª F. — Neste momento pode respirar? H. — Não, eu ... desisto por fim ... e afundo-me. Dr.ª F. — Que sente quando se afunda? H. — Paz. [Todo o seu corpo se relaxa.] Ouço o meu coração palpitar, nos ouvidos, e só sinto que as

minhas narinas e a boca ... e é esta areia muitíssimo áspera ... parece que queima e ... está a desaparecer e eu fico cheio de paz e finalmente desisto e é tudo. [A sua cara está calma.]

Dr.ª F. — Que acontece depois?

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H. — Depois morro. Dr.ª F. — De que tem consciência agora? H. — Descontracção. Parece que me observo por momentos, a mim mesmo, a afundar, depois vejo

os guerreiros chegarem e eu ... parece que o meu espírito se está a rir, como se, por fim, eu os tivesse vencido. [Como um grande sorriso.]

Dr.ª F. — Apercebe-se do seu espírito? H. — Não, o meu espírito não fica ali muito tempo. Mantém-se ali apenas um momento, observa os

guerreiros e sente-se divertido por eles não o terem conseguido apanhar; depois leva-me ... e eu parto a flutuar.

Incluo o excerto seguinte de uma transcrição porque ele representa uma das experiências mais fora do vulgar, jamais descritas por um doente (pelo menos até agora!). Proporciona-nos uma visão da morte, do outro lado, do ponto de vista de um espírito que descreve a morte de outrem.

Margaret, com quem já se encontraram mais atrás, neste mesmo capítulo, descobriu que várias vidas contribuíram para as suas fobias de voar e das alturas.

Sob hipnose, retrocedeu a uma vida como um jovem oriental, Wong-Tu. Descreveu uma existência extremamente primitiva. Wong vivia numa cabana de palha com a avó, muito velha, cheia de rugas e que muito amava. Um dia, esgotaram-se todos os seus alimentos. Os outros habitantes da aldeia não podiam partilhar com eles as suas parcas reservas. Wong atravessou então uma ponte para peões, suspensa entre duas montanhas, e desceu uma vertente, até chegar a outra aldeia. Rapidamente arrebatou uma presa — uma galinha — e subiu de novo pela montanha, correndo, com os aldeões furiosos em sua perseguição. Iniciou a travessia da ponte pouco firme, segurando a galinha com uma das mãos e fazendo deslizar a outra ao longo da corda. Os pequenos pedaços de bambu, que constituíam o pavimento da ponte, estavam perigosamente escorregadios, por causa do denso nevoeiro. Para horror de Wong, os homens desistiram da perseguição e começaram a abanar a ponte, com todas as suas forças. Olhou para baixo e viu um precipício de milhares de metros. Nunca sentira medo, nas numerosas ocasiões em que atravessara a ponte. Perguntei-lhe como se sentia naquele momento.

M. — Estou aterrado ... eu ... deixo cair a galinha para me poder agarrar com ambas as mãos ... mas ... estou ... o meu pé escorrega ... e fico pendurado na corda de um lado, do lado esquerdo da ponte, e eu ...

Dr.ª F. — Quais são as suas sensações neste momento, Wong? M. — Começo a gritar por ajuda e eles continuam a abanar as cordas da ponte ... e olho para baixo. É

tudo rochas e, lá no fundo, rochas e água. Dr.ª F. — Em que pensas agora, Wong? M. [Tremendo violentamente.] — Estou a cair ... Dr.ª F. — Como se sente, quando vai a cair? M. — Estou a cair ... [suspiro profundo] ... parece que vou a cair para sempre. Dr.ª F. — Que pensamentos lhe atravessam o espírito, quando vai a cair? M. — Estou ... não sei. Dr.ª F. — Que se está a passar agora, Wong? M. — Vejo o meu corpo a cair, mas eu ... eu já não tenho medo. É como se estivesse a flutuar. Dr.ª F. — Olhe para o seu corpo e Conte-me o que lhe acontece. M. — Cai em cima das rochas. Dr.ª F. — Como se sente quando assiste a isso? De que tem consciência? M. —Eu ... a minha cara está nas rochas, mas eu não ... não sinto nada. Estava muito ... estava com

muito medo, mas não ... estou ... estou apenas surpreendido. Dr.ª F. — Onde sente que está? M. — Não sei onde estou. [Admirado.] Estou apenas ... estou apenas a flutuar. O corpo estava a cair,

mas eu parei de cair. Sinto ... [Longa pausa.] Dr.ª F. — Agora gostaria que avançasse no tempo, até ao próximo acontecimento significativo.

Mantendo-se no estado de espírito. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. De que tem consciência? M. — Estou a olhar para a minha avó e ela está ali, à minha espera ... e não há comida ... e ... ela

senta-se, aninha-se e põe as mãos à volta dos joelhos. É muito velha e está cheia de fome e agora não ... não viverá muito tempo, porque não tem comida. Não me tem a mim para a ajudar ... e isso entristece-me ... mas não me parece que ... não me parece que ela se importe ... porque de qualquer modo, estará ... [suspiro profundo] ... está pronta para deixar aquele mundo.

Dr.ª F. — Está com alguém no estado espiritual? M. — Não. Dr.ª F. — Alguns amigos? M. — Não.

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Dr.ª F. — Gostaria que avançasse para o próximo acontecimento significativo, mantendo-se no seu estado espiritual. Um ... dois ... três ... quatro ... cinco. Onde está agora e que sente?

M. —Nada. Dr.ª F.— Vem-lhe alguma coisa ao pensamento? M. — Não. Dr.ª F. — Conte-me os seus pensamentos. Que está a sentir? M. — Não sei ... pena. Dr.ª F. — Explique-me o significado disso. M. — Não sei. Dr.ª F. — Gostaria que avançasse até ao momento do reencontro com a sua avó. Um ... dois ... três

... quatro ... cinco. Que se está a passar? M. — Bom, ela está ... estou à espera dela e ela ... está a morrer de fome, mas está ... posso

comunicar com ela. Dr.ª F. — Que lhe comunicou, até agora? M. — Digo-lhe que não tenho medo, que não se preocupe, porque em breve estaremos juntos e ela

diz que será uma grande alegria para si, estar comigo ... é tudo. Dr.ª F. —Vá até ao momento da morte dela, após a contagem até cinco. Um ... dois ... três ... quatro

... cinco. Conte-me o que está a ver agora. M. — Ela ... vejo-a ao lado do seu próprio corpo, olhando para ele ... chamo-a e ela volta-lhe as

costas e avança na minha direcção, muito depressa, como se estivesse num ... oh ... algum ... apenas se move muito rapidamente, a direito, através, através do espaço.

Dr.ª F. — Qual é a aparência dela? M. — Tem muito melhor aspecto ... tem a mesma aparência que tinha antes ... tem a mesma

aparência que tinha ... antes de eu roubar a galinha ...antes de morrer de fome. Ainda é velha, mas ... parece feliz, está a sorrir e estende-me as mãos ... e ... não posso tocá-la, mas consigo vê-la.

Dr.ª F. — Comunica com ela? M. —Sim. Dr.ª F. — Fale-me disso. Como comunica e que lhe comunica? M. — Oh! Comunicamos os nossos pensamentos. Dr.ª F. — Que lhe está a dizer, ou melhor, que lhe está a comunicar? M. — Digo-lhe apenas que estou contente por ela estar comigo. Depois conto-lhe o que se passou

com a galinha, porque ela nunca chegou a saber o que me aconteceu ... a razão por que não voltei. Dr.ª F. — Que lhe comunica ela? M. — Ela diz que agora ficaremos sempre juntos. Está a sorrir. Dr.ª F. —Estão sós, os dois? M. — Sim. Dr.ª F. —E agora, que se passa? M. — Estamos em movimento, os dois juntos. Dr.ª F. — Como se movem? M. — Movemo-nos, apenas. Dr.ª F. — Devagar ou depressa? M. — Agora que ela está aqui, devagar.

Muitos dos meus doentes disseram-me que a experiência da morte teve sobre eles um efeito muito profundo e que os alertou. Foi uma experiência-piloto, uma descoberta nesta vida. Para aqueles que acreditavam na vida após a morte foi tranquilizante e quase constituiu uma prova. Na maior parte dos casos inspirou temor. Para aqueles que não acreditavam desencadeou uma reacção em cadeia, abalando as velhas convicções e provocando modificações dramáticas nas crenças filosóficas. básicas. As pessoas sentiram um incentivo para lerem tudo o que conseguiram encontrar, a fim de tentar consubstanciar a sua experiência pessoal. Para alguns criou conflitos com as suas convicções religiosas. Estas pessoas resolveram estes conflitos crescendo — isto é, pensando pela sua própria cabeça. Sentiram-se bem e descontraídos quando compreenderam que não seriam condenados como pecadores, pelo facto de come­çarem a pôr questões.

Para a maior parte afastou o medo da morte, um medo que parece ser na verdade um medo das dores da morte, o medo de deixar ficar entes queridos e, em última análise, o medo do desconhecido. Depois de experimentarem as suas próprias mortes, os seus receios dissiparam-se. De facto, muitos declararam preferir a após-vida às suas vidas actuais!

A característica que mais se evidenciava era o sentimento profundo e pessoal da sobrevivência apósa morte. Tal como disse um doente: «É maravilhoso saber que, quando morremos, isso não passa de um

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recomeço.

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CAPÍTULO XII - «VIVEMOS MUITAS VIDAS»

O trabalho apresentado neste livro levanta muitas questões. Esperemos que igualmente responda a muitas.

A primeira questão a considerar é a seguinte: estarão a mentir deliberadamente os doentes e sujeitos hipnóticos? Estarão a representar? Se isso é verdade, muitos devem ser apontados para os «Oscares» da Academia! Ouvi e vi pessoas sob hipnose, em regressões a vidas passadas, durante milhares de horas. Estou convencida de que não há uma tentativa, nem deliberada nem consciente, para enganar. As lágrimas, tremuras, sorrisos, recuos, faltas de ar, gemidos, suores e outras manifestações físicas são demasiado reais.

A pergunta seguinte que nos surge, é: poderá a vida anterior ser uma fantasia, na qual o doenteacredita verdadeiramente? É possível que a mente humana, sendo o notável «computador» que é, seja capaz de apanhar sintomas desta vida para fazer surgir uma «vida anterior» muito realista, que explique os problemas. Até agora, a questão ainda não está definitivamente esclarecida no meu espírito. Neste momento, investigo vidas em que há datas de nascimento ou datas de morte e outras «provas» concretas. Esta investigação será divulgada numa futura publicação. Ian Stevenson tem desenvolvido uma excelente pesquisa sobre esta questão (Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, Nova Iorque, American Society for Psychical Research, 1966). Apresenta vinte casos bem documentados, provenientes de várias zonas do globo.

Neste ponto, acho que o resultado final, em termos de desaparição de sintomas, é quase uma prova concludente. Vejo a terapia da vida passada como virtualmente idêntica à hipnanálise, que faz retroceder a pessoa a acontecimentos significativos da sua vida actual. Parentes e o próprio doente estabelecem, com muita frequência, a validade dos acontecimentos revividos, uma vez trazidos à luz. Os doentes ficam frequentemente surpreendidos — e felizes — quando a experiência do seu nascimento, por exemplo, é reforçada pelos relatos das suas mães. Vejo a vida anterior essencialmente como outro ponto dessa mesma sequência.

Ao repensar as regressões em que participei, é notável que as vidas revividas sejam normalmente pouco aliciantes e pouco fantasiosas. Doentes e sujeitos hipnóticos experimentam frequentemente vidas muito prosaicas, monótonas e tristonhas, sem o menor encanto. No entanto, não podemos afastar totalmente a possibilidade destas regressões serem pura fantasia, apenas porque as vidas não se integram no estereótipo daquilo que deveria ser uma fantasia.

Outra questão se levanta: se vivemos muitas vidas, qual é o fim da reencarnação? Uma mulher que veio ter comigo para uma regressão à vida passada é a fonte da resposta. Contou-me uma experiência esclarecedora:

No momento do nascimento do meu filho, um parto normal, ouvi uma voz. Essa voz explicou-me porque estamos aqui — qual a razão da nossa existência, qual o fim da nossa vida, a verdade. E a verdade é que estamos todos a caminhar para Deus e que vivemos muitas vidas. Vivemos pela lei de Carma, que na realidade diz que temos de regularizar todas as dívidas das nossas vidas passadas. Uma vez mortos, olhamos para trás, para vermos como vivemos aquela vida. Nós olhamos, para descobrir onde falhámos. Talvez sejamos como uma agulha que grava constantemente. A nossa alma mantém a agulha permanentemente a rodar, gravando os nossos feitos, os nossos pensamentos, as nossas acções, se estamos ou não a magoar alguém — e é para isso que ela serve. Amor é o modo como tratamos os outros, pelas nossas palavras e pelas nossas acções. Depois de termos feito a travessia, analisamos o modo como vivemos as nossas últimas vidas, vemos onde falhamos e onde vencemos. Depois escolhemos a vida seguinte. Nós escolhemos a nossa vida seguinte, de modo a sermos capazes de conseguir fazer aquilo que não fomos capazes de realizar nas nossas vidas anteriores. E esta voz, Disse-me isto numa fracção de segundo!

Esta explicação não é original. Na realidade é a visão normal da reencarnação — o aperfeiçoamento da alma de cada

um de nós. As descrições dos meus doentes, acerca do conhecimento e treino que adquirem no intervalo intervidas, confirmam a explicação que foi dada à mulher acima, no momento do nascimento doseu filho. É interessante saber que ela nunca tinha lido ou ouvido nada acerca do Carma. Isto foi totalmente novo para ela. Esta experiência afectou-a profundamente e desde essa altura tem feito estudos nessa área. O tema do Carma e da origem de sintomas e problemas na vida passada tem sido tratada com desenvolvimento nos livros de Gina Germinara, sobre as leituras da vida de Edgar Cayce (The World Within, Nova Iorque, Wm. Morrow and Company, Inc., 1957; Many Lives, Many Loves, Nova Iorque, Wm. Morrow and Company, Inc., 1963; Many Mansions, Nova Iorque, Wm. Morrow and Company, Inc., 1950, New

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American Library), As suas conclusões são muito concordantes com as minhas descobertas. A pergunta seguinte será: porque regressamos com as mesmas pessoas? Os filósofos e metafísicos

orientais sugeriram — e, tendo em vista o meu trabalho, eu também concordo — que, por vezes, temos problemas de vidas passadas para resolver com essas pessoas. Este é também o tema principal do exce­lente livro de Dick Stephen You Were Born Again to Be Together (Nova Iorque, Pocket Books, 1976). No meu trabalho, um dos meus doentes descobriu que, na sua vida passada, tinha morto a mulher, depois de ela lhe ter confessado que mantinha relações extraconjugais. Vive agora com ela, apesar de tremendas dificuldades conjugais. Tem uma dívida para com ela. Parece que as pessoas que resolveram os seus problemas ficam muitas vezes juntas, por causa de um laço de amor ou amizade. Uma mulher queria explorar uma vida anterior com a sua filha, com quem tinha um óptimo e íntimo relacionamento. Numa vida anterior tinham sido irmãs muito unidas. Revendo as regressões a que assisti, a regra geral parece ser a seguinte: quando há um bom relacionamento na actualidade, houve normalmente uma relação positiva em vidas anteriores. Isto é particularmente verdadeiro para vidas relativamente recentes, pois os problemas de vidas anteriores em conjunto já foram resolvidos. Há o reverso da medalha. Se agora há desarmonia, é geralmente descoberto no passado um mau relacionamento.

A última questão é o seguinte: quem somos nós? Durante os últimos anos, como resultado do meu trabalho com regressões à vida passada, modifiquei — e continuo a modificar — as

minhas crenças religiosas e filosóficas. Já não me sinto bem no agnosticismo. Vejo as coisas de um modo muito diferente e acredito que esta vida não é tudo, ou não pode ter sido tudo. Concordo agora com a doutrina de muitas das principais religiões do mundo. Somos a soma total de tudo o que fomos até agora.

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JÁ VIVEM0S ANTES

A nossa vida actual foi precedida de outras vidas — esta a desconcertante conclusão a que, através dos seus estudos e da sua experiência clínica, chegou uma distinta psicóloga estado-unidense, a Dr.ª Edith Fiore. Utilizando o método da regressão hipnótica, aquela psicóloga chegou à conclusão de que muitas das fobias e dos problemas com que hoje nos debatemos encontraram a sua origem em experiências traumatizantes vividas anteriormente. Era o caso da encarregada de relações públicas duma companhia de navegação que sentia um terrível impulso de se lançar ao mar, até ao dia em que descobriu que, numa vida anterior, morrera afogada num naufrágio por não ter obedecido ao pai, que a intimava a abandonar o barco. Era o caso da mulher que evitava os comboios porque, na sua vida anterior, vira a sua irmã esmagada pelas rodas duma máquina a vapor...

Os casos fascinantes relatados neste volume constituem não apenas uma abordagem totalmente nova da psicoterapia, como uma visão da vida e do mundo capaz de transformar radicalmente os conceitos correntes.

A Dr.ª Edith Fiore doutorou-se em Psicologia pela Universidade de Maryland e Miami e é membro de várias sociedades científicas, como a American Psychological Association, a International Society of Hypnosis, a American Society of Clinical Hypnosis, entre outras.