Jan Gillou - As Cruzadas 2 - O Cavaleiro Templário

  • Upload
    heraldo

  • View
    346

  • Download
    42

Embed Size (px)

Citation preview

http://groups-beta.google.com/group/digitalsource

No ano da graa de 1177, acontece um milagre do qual muito se falaria entre os seguidores do profeta Maom. Saladino, o homem que jurara libertar Jerusalm dos ocupantes francos, est prestes a morrer nas mos de assaltantes, quando a salvao chega de uma direo inesperada: Arn de Gothia, o temido, porm justo e correto, templrio, chamado pelos crentes muulmanos de Al Ghouti, chega no se sabe de onde, mata os assaltantes e salva Saladino, sem perceber a ironia de Deus. Arn est com 37 anos e j um experiente veterano entre os combatentes de Deus na Terra Santa. Muito ele j havia aprendido nos dez anos que se passaram desde que saiu de Arns, na Gtaland Ocidental, para servir durante vinte anos na Palestina. A convico que o jovem de 17 anos tinha do carter divino daquela misso, ao chegar ao reino dos cruzados, sofreu muitas mudanas. E agora, como comandante da guarnio em Gaza, com a misso de manter a lei e a ordem na regio, verifica que, cada vez com maior freqncia, os recm-chegados cruzados lhe do mais trabalho dominados por um exagerado fervor religioso ou por uma irrefrevel vontade de saquear do que os disciplinados habitantes do lugar. Enquanto isso, na Sucia, sua ptria, Ceclia, o grande amor de Arn na juventude, que, por tanto amar, recebeu como castigo ficar enclausurada no convento de Gudhem, deu luz um menino que cresce na casa do tio de Arn, Birger Brosa. Dentro dos muros do convento, domina a rigidez da madre Rikissa, e fora desse mundo fechado se trava uma sangrenta batalha pelo poder entre as famlias sverkeriana e erikiana. Ceclia reza, pedindo o milagre da volta de Arn, e at mesmo Birger Brosa, que age astutamente nessa luta pelo poder, espera ansiosamente o regresso do sobrinho.

Srie AS CRUZADAS Livro 1 - A Caminho de Jerusalm Livro 2 - O Cavaleiro Templrio Livro 3 - O Novo Reino JAN GUILLOU O Cavaleiro templrio

LIVRO 2 BERTRAND BRASIL EM NOME DE DEUS, CLEMENTE, MISERICORDIOSO! "Glorificado seja Aquele que, durante a noite, transportou Seu servo, tirando-o da Sagrada Mesquita (em Meca) e levando-o Mesquita de Alacsa (em Jerusalm), cujo recinto bendizemos, para mostrar-lhe alguns dos milagres. Sabei que Ele o Oniouvinte, o Onividente." Alcoro Sagrado, 17 asurata, verso 1 Neste livro, todas as passagens do Alcoro Sagrado so da verso em portugus, diretamente do rabe, por Samir ei Hayek, publicada por Otto Pierre Editores, com apresentao de S.E. Dr. Abdalla Abdel Chakur Kamel, diretor do Centro Islmico do Brasil e coordenador dos Assuntos Islmicos da Amrica Latina. (N. da T.) Nessa noite, Gabriel, o arcanjo de Deus, chegou at Maom, pegou-o pela mo e conduziu-o Sagrada Mesquita, em Meca. L o esperava Al Buraq, o alado, para lev-los at Deus. E Al Buraq, que com um nico passo podia movimentar-se de horizonte a horizonte, abriu as suas asas brancas e subiu direto para o espao, brilhante de estrelas, e conduziu Maom, que descanse em paz, e seu seguidor, at a cidade sagrada de Jerusalm e ao lugar em que o Templo de Salomo antes existia. Nesse lugar, havia a mesquita mais longnqua, neste lado do muro ocidental. O arcanjo Gabriel conduziu o mensageiro de Deus pela mo at aqueles que o precederam. Moiss, Jesus, Yahia, que os descrentes da f muulmana chamam de Joo Batista, e Abrao, que era um homem alto com cabelos negros encaracolados e com um rosto bem semelhante ao do Profeta, a paz esteja com Ele, enquanto Jesus era um homem baixo, com cabelos castanhos e sardento. Os profetas e o arcanjo Gabriel convidaram ento o mensageiro de Deus a escolher a sua bebida, e ele tinha para escolher leite ou vinho, e ele escolheu o leite. E ento o arcanjo Gabriel disse que essa era uma boa escolha e que dali em diante todos os crentes deviam seguir essa escolha. Depois, o arcanjo Gabriel conduziu o mensageiro de Deus para a beira de um abismo onde certa vez Abrao esteve prestes a sacrificar seu filho, e desse rochedo se elevou uma escada que levava atravs de sete cus at Deus. E ento Maom, a paz esteja com Ele, atravessou os sete cus e alcanou a f em Deus, tendo presenciado no caminho como o anjo Malik abriu a fechadura para o inferno onde os perdidos, com os lbios abertos como os camelos, em dores prolongadas, sem fim, eram obrigados a comer carvo em brasa que ainda continuava fumegante ao sair por suas ndegas. Mas, na sua subida at o cu de Deus, o Seu mensageiro tambm entreviu o paraso, com jardins floridos atravessados por crregos de gua fresca ou por um tipo de vinho que no interferia na mente. Quando Maom voltou para Meca, depois da sua viagem pelos cus, j tinha recebido as instrues de Deus para levar a Palavra aos seres humanos e com isso comeou-se a escrever o Alcoro. Uma gerao mais tarde, a nova f e os seus guerreiros espalharam-se por toda parte como uma tempestade de areia vinda dos desertos da Arbia, e um novo imprio se ergueu. O califa e seguidor do Profeta, Abdul Malik ibn Marwan, entre a.D. 685 e 691, fez construir a primeira mesquita no "lugar de preces mais longnquo", que justamente o que Al Aksa significa, e uma mesquita sobre o rochedo onde Abrao

pensou em sacrificar o seu filho e Maom subiu at o cu. Qubbat ai Sahkra, a Mesquita do Rochedo. Em 1099, a terceira cidade mais sagrada dos crentes e sua terceira mesquita mais importante foram atingidas por uma catstrofe. Os francos cristos conquistaram a cidade e a profanaram da maneira mais cruel. Mataram todos os habitantes com espada e flechas, com exceo dos judeus, que mataram tocando fogo na sinagoga. O sangue corria de tal maneira pelas ruas que, em certas ocasies, subia at os tornozelos dos passantes. Nunca mais nesta parte do mundo em guerra foram realizados massacres semelhantes. Os francos transformaram a Mesquita do Rochedo e Al Aksa em templos prprios. E, em breve, o rei cristo de Jerusalm, Balduno II, decidiu destinar Al Aksa para funcionar como quartel e estbulos dos mais temidos inimigos dos crentes, os templrios. Um homem fez um juramento sagrado de que retomaria Al Quds, a Cidade Santa que os descrentes chamam de Jerusalm. No mundo cristo e na nossa lngua ele conhecido pelo nome de Saladino. O ms sagrado das Lamentaes, o Ramad, que na poca acontecia quando o vero era mais quente, e no ano 575, depois da Hgira, que os infiis chamavam de Anno Domini 1177, Deus mandou a salvao mais estranha para o mais amado entre todos os Seus seguidores. Yussuf e seu irmo Fahkr cavalgavam desesperadamente, e atrs deles, como escudo para as flechas inimigas, seguia o emir Moussa. Os perseguidores, que eram seis em nmero, estavam cada vez mais prximos. Yussuf amaldioava sua presuno, que o levara a acreditar que nunca tal coisa iria acontecer, visto que tanto ele quanto seus companheiros achavam que tinham os cavalos mais rpidos do mundo. Mas a paisagem ali no vale da morte e da seca, um pouco a oeste do mar Morto, era extremamente inspita, to seca quanto pedregosa. Isso fazia com que fosse perigoso cavalgar rpido demais, mas era como se os perseguidores no se importassem com isso. Se algum deles acabasse tendo uma queda, isso no seria to fatal como se algum dos perseguidos casse. Yussuf, de repente, decidiu virar para a esquerda, subir na direo da montanha onde ele esperava encontrar alguma defesa. Os trs cavaleiros caados entraram logo num wadi, um leito de rio seco, subindo, bem inclinado. Mas o wadi se estreitava e aprofundava, de tal maneira que logo eles estavam entrando numa espcie de funil longo, como se Deus os tivesse aprisionado na fuga e quisesse lev-los para um determinado lugar. No momento, havia apenas uma sada e esta era uma subida muito mais inclinada, o que tornava cada vez mais difcil manter a velocidade. E os perseguidores estavam cada vez mais prximos e, em breve, j estariam distncia de tiro. Os perseguidos j haviam amarrado os escudos redondos, forrados de ferro, nas costas. Yussuf no tinha por hbito rezar por sua vida. Mas naquele momento, ao precisar diminuir a velocidade entre todos os pedregulhos traioeiros no fundo do wadi, de repente, lembrou-se de um versculo com as palavras de Deus que repetiu gaguejando e com os lbios secos: Ele que criou a vida e a morte para colocar os homens prova, deixando que, atravs da sua ao, cada um demonstrasse ser o melhor. Ele o Todo-Poderoso. Aquele que sempre perdoa. E Deus, realmente, colocou prova o seu amado Yussuf, mostrando a ele, primeiro, como uma miragem contra a luz do sol poente, depois com uma clareza terrvel, a viso mais horrorosa que um crente caado e em situao difcil poderia conceber. L em cima, do outro lado do wadi, chegava um templrio com a lana baixa e, atrs dele, o seu sargento. Ambos os inimigos cavalgavam com uma velocidade fantstica, de tal maneira que seus mantos esvoaavam na retaguarda e se mantinham retos como se fossem asas. Era como se fossem gnios do deserto. Yussuf parou seu cavalo de repente e ficou pensando se no era melhor mudar a posio do escudo, tirando-o das costas, para enfrentar a lana do infiel que vinha pela frente. No estava com medo, mas, sim, com aquela fria excitao

sentida na proximidade da morte. Dirigiu o cavalo para a trilha lateral e escarpada do wadi, a fim de diminuir a superfcie de ataque e aumentar o ngulo em relao lana do inimigo. Mas, ento, o templrio, que agora estava apenas a uma distncia reduzidssima, levantou a lana e fez sinal com o escudo para que se afastassem para o lado, para que Yussuf e seus companheiros crentes apenas se escondessem e se afastassem do caminho. E foi isso que fizeram para que, no momento seguinte, os dois templrios passassem por eles, voando, ao mesmo tempo que soltavam os seus mantos que caram por terra atrs deles. Yussuf fez sinal, rpido, dando uma ordem para os seus companheiros, avanando todos, as patas dos cavalos escorregando aqui e ali, pela encosta acima, at que chegaram a um lugar no topo, de onde podiam ver tudo o que estava acontecendo. Ao chegar l, Yussuf virou o seu cavalo e parou, para tentar entender o que Deus queria dizer com tudo aquilo. Os outros dois queriam era aproveitar a oportunidade para fugir, enquanto os templrios e os assaltantes entravam em choque para resolver sua situao da melhor maneira possvel. Mas Yussuf interrompeu esse raciocnio de imediato com um movimento irritado da mo, visto que queria ver, realmente, o que ia acontecer. Ele nunca tinha estado to perto de um templrio, esse demnio do mal, em toda a sua vida e sentia como se a voz de Deus lhe aconselhasse a ver o que iria acontecer e que nenhuma inteno inteligente o iria impedir de ver. A sada mais inteligente, de fato, seria a de continuar cavalgando na direo de Al Arish, o mais que a luz do dia permitisse, at que a escurido os envolvesse com o seu manto protetor. Mas aquilo que ele viu nunca mais iria esquecer. Os seis assaltantes no tinham muito o que escolher, ao descobrir que em vez de estarem perseguindo trs homens ricos se encontravam diante de dois templrios, lana contra lana. O wadi era estreito demais para que eles pudessem parar, voltar e realizar uma retirada em ordem, antes que os francos os alcanassem. Aps uma curta hesitao, acabaram fazendo a nica coisa que podiam fazer. Agruparam-se dois a dois e esporearam os seus cavalos para que no estivessem parados no momento do ataque. O templrio com veste branca que cavalgava frente do seu sargento fez um falso ataque contra o assaltante direita, dos dois da primeira fila, e quando ele levantou o seu escudo para aparar a terrvel pancada da lana contrria Yussuf ainda teve tempo para se perguntar se o assaltante realmente entendeu o que o esperava , o templrio jogou seu cavalo num movimento rpido, aparentemente impossvel de realizar num terreno difcil como aquele, ficou em um ngulo totalmente novo e enfiou a sua lana, direto, atravessando o escudo e o corpo do assaltante da esquerda, soltando de imediato a sua lana para que no fosse arrastado na queda, caindo ele prprio da sua sela. Justo nesse momento, o sargento fez contato com o desnorteado assaltante da direita, que se encolheu atrs do seu escudo e ficou esperando a pancada que no veio e logo resolveu olhar por cima do escudo, s para receber no rosto, vinda da direo inesperada, a lana do segundo inimigo. O templrio de branco com a cruz vermelha no peito enfrentava agora o segundo par de assaltantes numa passagem to estreita que mal dava para trs cavalos, lado a lado. Tinha empunhado a sua espada e deu a entender, de incio, que pretendia atacar de frente, o que seria menos inteligente com a arma apenas em uma das mos. Mas, de repente, deu uma volta com o seu bonito garanho, um animal nos seus anos de maior vitalidade, que ficou atravessado, enquanto ele dava um golpe para trs contra um dos assaltantes que, atingido, caiu da sela. O outro assaltante viu, ento, uma boa oportunidade, visto que o inimigo estava atravessado, quase de costas, com a espada na mo errada e sem distncia. O que ele no teve tempo para entender foi como o templrio pde soltar o seu escudo e empunhar a espada com a mo esquerda. Assim, quando o assaltante se esticou para a frente na sela para golpear com o seu sabre, acabou abrindo a guarda, oferecendo seu pescoo e sua cabea para o golpe que veio do lado inesperado. Se a cabea pode conservar um pensamento no momento da morte, nem que seja

pela durao de um suspiro, ento, foi uma cabea surpreendida que caiu no cho naquele momento disse Fahkr, boquiaberto. At ele estava agora preso pelo espetculo e queria ver mais. Os ltimos dois assaltantes tinham aproveitado aquele momento de perda de velocidade por parte do templrio vestido de branco, enquanto matava os outros assaltantes. J haviam virado seus cavalos e fugiam encosta abaixo pelo wadi. Ao mesmo tempo, chegou o sargento vestido de negro que avanou at o assaltante que havia sido jogado no cho pelo templrio. O sargento desceu do seu cavalo, pegou tranqilamente o cavalo do assaltante pelo arreio com uma das mos e com a outra deu uma estocada certeira no pescoo do assaltante, atordoado, cambaleante e certamente ferido de morte. A espada acertou em cheio, naquele espao onde a malha de ao e couro que cobre o tronco termina. Mas, depois, o sargento no fez meno mais de seguir os passos do seu senhor que, ento, j tinha partido em grande velocidade caa dos dois ltimos assaltantes em fuga. Em vez disso, uniu com rdeas de couro as patas dianteiras do cavalo que tinha acabado de segurar e comeou, cuidadosamente, a procurar pelos outros cavalos abandonados, que tentava atrair, falando baixo para eles. Era como se no se preocupasse nem um pouco pela sorte do seu comandante, que viu desaparecer longe, do lugar onde estava escondido. Era como se ele achasse mais importante reunir os cavalos dos assaltantes. Na verdade, era uma situao muito estranha. Esse a disse o emir Moussa, que apontava para o templrio de branco que cavalgava l longe no fim do wadi, quase desaparecendo da vista dos trs crentes , esse a, que voc v, meu senhor, Al Ghouti. Al Ghouti? perguntou Yussuf. Voc fala esse nome como se eu devesse conhec-lo. Mas eu no o conheo. Quem Al Ghouti? Al Ghouti um daqueles homens que voc deve conhecer, meu senhor respondeu o emir, resolutamente. Ele aquele que, para nossos pecados, nos foi mandado por Deus. Ele um dos diabos com a cruz de Cristo no peito que, s vezes, cavalga com os turcopolos e, s vezes, com seus animais pesados. Mas, agora, como voc v, est montando um garanho rabe, como se fosse um turcopolo, mas ainda com lana e espada. E, no entanto, como se ele estivesse montando um daqueles cavalos dos francos, lentos e pesados. Alm de tudo isso, ele o emir dos templrios em Gaza. Durante as Cruzadas, os Turcopolos (do grego: "filhos dos turcos") eram arqueiros montados que ajudavam os cristos. (N. E.) Al Ghouti, Al Ghouti murmurava Yussuf, pensativo. Quero me encontrar com ele. Vamos esperar aqui! Os outros dois se entreolharam, chocados, mas reconheceram de imediato que ele, realmente, tinha tomado a sua deciso e que no valeria a pena apresentar quaisquer outras sugestes, por mais inteligentes e ditadas pelo bom senso que fossem. Enquanto os trs cavaleiros sarracenos esperavam l em cima na beirada do wadi, viram como o sargento do templrio, aparentemente despreocupado, como se estivesse lidando com qualquer um dos trabalhos cotidianos da sua vida, havia reunido os quatro cavalos dos assaltantes mortos, atrelado uns aos outros, e comeado a puxar e a arrastar os cadveres dos assaltantes. Com toda a pacincia, embora parecesse ser um homem muito forte, ficou revirando e amarrando cada um dos mortos a cada um dos cavalos. Entretanto, o templrio e os dois assaltantes que restavam, perseguidores que se transformaram em perseguidos, j tinham desaparecido no horizonte. Inteligente murmurou Fahkr como se falasse para si mesmo , inteligente. Ele amarra o homem certo no cavalo certo para os manter um pouco tranqilos, apesar de todo o sangue derramado. Acha, aparentemente, que eles vo levar os cavalos consigo. Certo. Realmente, so cavalos muito bons concordou Yussuf. O que eu ainda no entendi como assaltantes como eles tm cavalos dignos de um rei. Os cavalos deles conseguiram correr tanto quanto os nossos.

Pior do que isso. Eles avanaram e ficaram cada vez mais prximos no final contestou o emir Moussa, que jamais havia hesitado em dizer a verdade para o seu senhor. Mas ainda no vimos aquele que queramos ver, no verdade? No seria melhor continuar a nossa marcha antes de Al Ghouti voltar? Voc tem certeza de que ele voltar? perguntou Yussuf, divertido. Sim, meu senhor, ele volta respondeu o emir Moussa, taciturno. Estou to certo disso quanto o sargento l embaixo que nem sequer se incomodou em seguir o seu senhor para lhe dar apoio, tratando-se apenas de dois inimigos. No viu como Al Ghouti enfiou sua espada na bainha e puxou seu arco e o esticou, justo no momento em que virou a esquina l embaixo? Ele puxou uma flecha, um templrio? perguntou Yussuf, surpreso, levantando suas sobrancelhas finas. Isso mesmo, senhor respondeu o emir Moussa, submisso. Ele , como eu disse, um turcopolo. Por vezes, cavalga fcil e atira da sela como um turco, se bem que com um arco maior. J morreram crentes demais por causa de suas flechas. No entanto, eu gostaria de me aventurar a sugerir, senhor... No! interrompeu Yussuf. Vamos esperar aqui. Quero me encontrar com ele. No momento, estamos num perodo de trgua com os templrios e eu quero agradecer-lhe. Devo-lhe esse agradecimento e no quero nem pensar em ficar em dvida com um templrio! Os outros dois chegaram concluso de que no valia a pena argumentar mais. Sentiram-se mal diante da situao, mas deixaram a conversa morrer. Ficaram assim em silncio durante um tempo, inclinados para a frente, uma das mos apoiada na sela, enquanto observavam o sargento que, no momento, tinha terminado o trabalho com os cadveres e os cavalos. Comeou, ento, a reunir as armas e os dois mantos que ele e seu senhor tinham largado antes do ataque. Momentos mais tarde, apareceu com uma cabea cortada na mo e com uma expresso de quem no sabia bem onde enfi-la para transportar. Por fim, retirou o capuz de um dos assaltantes mortos e colocou a cabea l dentro, amarrando em seguida o capuz na mala da sela, junto do cadver pendurado sem a dita cabea. Finalmente, o sargento terminou com todas as suas tarefas, verificou se todas as suas bagagens estavam no devido lugar e, ento, subiu no cavalo e comeou lentamente a avanar frente da caravana de cavalos atrelados uns aos outros, passando pelos trs sarracenos. Yussuf cumprimentou cordialmente o sargento na lngua dos francos e com um largo gesto de brao. O sargento respondeu com um sorriso meio inseguro e com algumas palavras que eles no puderam ouvir direito. Tinha comeado a escurecer, o sol estava se escondendo atrs das altas montanhas a ocidente e o mar salgado ao fundo no horizonte j no brilhava mais com o seu azul vivo. Era como se seus cavalos reconhecessem a impacincia dos donos, jogavam as cabeas para a frente e relinchavam de vez em quando como se quisessem, eles tambm, ir embora antes que fosse tarde. Mas foi ento que viram o templrio de veste branca l embaixo no wadi. Atrs dele, atrelados, vinham dois cavalos com dois cadveres em cima das selas, pendurados. O templrio no demonstrava qualquer pressa, antes, avanava com a cabea pendente como se estivesse em profunda orao, embora tambm pudesse estar apenas observando o cho pedregoso e esburacado para escolher o melhor caminho. Era como se ainda no tivesse visto os trs cavaleiros, embora estivessem bem vista como silhuetas escuras contra a parte mais clara do cu, ao entardecer. Mas, quando chegou frente deles, o templrio levantou a cabea e susteve o seu cavalo, sem dizer nada. Yussuf simplesmente perdeu a fala, desorientado. O homem que via na sua frente no condizia em nada com aquele que tinha visto momentos antes. Aquele demnio dos infernos que, ao que diziam, se chamava Al Ghouti era a expresso viva da paz. Tinha tirado o elmo da cabea e o havia pendurado com uma corrente no ombro. O seu cabelo louro e curto e a sua barba descuidada e tosca da mesma cor mostravam, certamente, fazer parte do rosto de um demnio, de olhos to claros e azuis quanto se possa imaginar. Mas ali estava um homem que havia acabado de matar

trs ou quatro homens. Na excitao do momento, Yussuf no sabia dizer quantos, ao certo, embora, normalmente, se lembrasse sempre de tudo o que acontecia nas batalhas. E Yussuf tinha visto muitos homens na hora da vitria, na hora de eles terem matado e vencido, mas nunca tinha visto algum como o templrio que se apresentasse como quem chega de mais um dia de trabalho, como se tivesse acabado de ceifar as sementes no campo ou as canas-de-acar no brejo, to cheio da boa conscincia que s um bom trabalho executado pode dar. Os olhos azuis no eram os olhos de um demnio. Ns esperamos voc... Ns dizemos obrigado para voc... disse Yussuf numa espcie de linguagem franca, na esperana de que o outro pudesse entender. O homem que na linguagem dos verdadeiros crentes se chamava de Al Ghouti lanou um olhar inquiridor na direo de Yussuf, e seu rosto, lentamente, comeou a abrir-se e a sorrir, como se tivesse procurado na memria e, finalmente, tivesse encontrado o que procurava, o que levou o emir Moussa e Fahkr, mas no o prprio Yussuf, a abaixar as mos, tmida e quase inconscientemente, na direo das suas armas, ao lado, na sela. O templrio viu nitidamente o movimento dessas mos que, no momento, pareciam dirigir-se automaticamente para os sabres. E, ento, levantou o olhar na direo dos trs homens, fixou esse olhar em Yussuf e respondeu na prpria linguagem de Deus: Em nome de Deus Todo-Misericordioso, ns no somos inimigos neste momento nem quero entrar em combate com vocs. Pensem nessas palavras da vossa prpria Escritura, as palavras que o Profeta, a paz esteja com Ele, disse: "No tires a vida de ningum explicou Deus piamente a no ser para restabelecer a justia." Vocs e eu no temos nenhuma justia a restabelecer no momento, visto que agora vigora a trgua entre ns. O templrio sorriu ainda mais como se quisesse que eles tambm rissem: estava perfeitamente consciente da impresso deixada nos trs inimigos ao falar com eles na linguagem sagrada do Alcoro. Mas Yussuf, que, no momento, sentia que tinha de ser rpido no pensar e no comando da situao, respondeu ao templrio, depois de uma curta hesitao: Os caminhos de Deus Todo-Poderoso so, na verdade, inescrutveis e diante dessas palavras o templrio acenou afirmativamente com a cabea, concordando e dando a entender que j as conhecia , e apenas Ele pode saber por que razo mandou um inimigo para nos salvar. Entretanto, eu lhe devo, cavaleiro da cruz de Cristo, um agradecimento especial e quero dar a voc aquilo que aqueles condenados queriam de ns e nada conseguiram. Nesta hora e aqui neste lugar vou deixar cem dinares em ouro que a voc pertencem por direito em razo do que executou diante de nossos olhos! Yussuf achou que agora tinha falado como um rei e um rei muito generoso, por sinal. Como todos os reis deviam ser. Mas, para sua indignao e maior ainda do seu irmo e do emir Moussa, o templrio respondeu primeiro, apenas, com uma gargalhada, totalmente sincera e nem um pouco de troa: Em nome de Deus Misericordioso, voc fala para mim com bondade e com desconhecimento de causa respondeu o templrio. De voc eu nada posso receber. Aquilo que fiz foi o que devia fazer, quer voc estivesse aqui ou no. E no possuo propriedades e nada posso ter de meu, isso um dos motivos. Outro motivo passar por cima deste meu juramento atravs de uma doao de cem dinares da sua parte para os templrios. E se voc me permite, meu desconhecido inimigo ou amigo, essa doao, eu acho que voc teria dificuldades em explicar para o seu Profeta! Com essas palavras, o templrio juntou as rdeas, olhou de esguelha para os dois cavalos com os dois cadveres atrelados, e esporeou seu cavalo rabe, ao mesmo tempo que levantava a mo direita com o punho fechado, a saudao mpia dos templrios. Parecia achar a situao muito divertida. Espere! disse Yussuf, to rpido que a sua palavra saiu primeiro, antes do pensamento. Ento, em vez disso, eu convido voc e o seu sargento para compartilhar da nossa ceia. O templrio susteve o seu cavalo e olhou para Yussuf com uma expresso de quem precisava pensar.

Aceito o seu convite, meu desconhecido inimigo ou amigo replicou o templrio lentamente , com a condio de voc me dar sua palavra de que nenhum de vocs trs tem por inteno pegar sua arma contra mim ou o meu sargento, enquanto estivermos juntos. Voc tem a minha palavra diante do verdadeiro Deus e Seu Profeta disse Yussuf, rpido. E eu tenho a sua? Sim, voc tem a minha palavra, diante do verdadeiro Deus, Seu Filho e a Virgem Maria respondeu o templrio, to rpido quanto Yussuf. Se cavalgarem dois dedos ao sul daquele ponto em que o sol se ps, atrs da montanha, vocs chegam a um riacho. Sigam por ele para noroeste e chegam a umas rvores baixas onde existe gua. Fiquem l durante a noite. Ns estaremos mais para ocidente, na encosta da montanha, junto do mesmo riacho que desce para vocs. Mas ns no vamos sujar a gua. Logo vai anoitecer, hora de vocs fazerem suas oraes. E ns, as nossas. Mas depois disso, quando ns, na escurido, chegarmos at vocs, vamos faz-lo abertamente. Os rudos que fizermos vocs escutaro. No vamos chegar em silncio como se tivssemos ms intenes. O templrio esporeou seu cavalo, despediu-se novamente e iniciou a marcha de volta da sua pequena caravana, desaparecendo no crepsculo, sem se voltar para trs. Os trs crentes ficaram olhando para ele durante muito tempo, sem se mover nem dizer nada. Seus cavalos resfolegavam, impacientes, mas Yussuf estava concentrado em seus pensamentos. Voc meu irmo e nada do que faz ou diz me surpreende mais, depois de todos esses anos disse Fahkr. Mas isso que voc acaba de fazer me surpreendeu mais do que qualquer outra coisa antes. Um templrio! E, entre todos, esse, a que chamam de Al Ghouti! Fahkr, meu amado irmo respondeu Yussuf, enquanto com um pequeno movimento virava o seu cavalo para encaminh-lo na direo indicada pelo inimigo , a gente precisa conhecer o inimigo, sobre esse assunto j falamos muito antes, no verdade? E entre os inimigos, qual aquele que a gente mais deve conhecer que no o mais atroz deles? Deus nos deu uma oportunidade de ouro. No deixemos de aproveitar esse presente. Mas ser que podemos acreditar na palavra de um homem desses? insistiu Fahkr, depois que j tinham cavalgado por algum tempo em silncio. Sim, podemos murmurou o emir Moussa. O inimigo tem muitas caras, conhecidas e desconhecidas. Mas na palavra desse homem podemos confiar, assim como ele confia na palavra do seu irmo. Cavalgaram segundo as indicaes do inimigo e, em breve, tinham encontrado um pequeno riacho com gua fria e fresca onde pararam e deixaram que seus cavalos bebessem. Depois, continuaram ao longo do riacho e chegaram precisamente como o templrio havia dito a uma rea com plantas, onde o riacho se abria numa pequena represa onde cresciam pequenas rvores e arbustos e um pouco de pasto magro para os cavalos. Retiraram as selas, acomodaram seus pertences e ataram as pernas dianteiras dos cavalos para que eles ficassem junto da gua e no fossem procurar mais pasto noutro lugar onde, alis, no havia pasto nenhum. Depois disso, lavaram-se bem, tal como mandam as regras, antes das oraes. Quando os primeiros raios de luar surgiram no azul do cu estival, eles fizeram as suas oraes, lamentando seus mortos e agradecendo a Deus que, na sua infinita misericrdia, havia mandado o pior dos seus inimigos para salv-los. Depois das oraes, falaram um pouco sobre o assunto, achando Yussuf que, com isso, Deus havia feito uma demonstrao, de uma forma quase irnica, de todo o Seu poder, mostrando tambm que nada era impossvel para Ele, nem mesmo o ato de enviar um templrio para salvar justamente aqueles que, no final, iriam vencer todos os templrios. Isso era uma questo que Yussuf impunha tanto para si quanto para todos. Os francos entravam e saam da Cidade Santa, por vezes to numerosos que pareciam gafanhotos, outras vezes nem tanto. Ano aps ano, vinham novos guerreiros das terras dos francos, saqueavam e venciam ou perdiam e morriam. E, se venciam, logo

voltavam para casa novamente com as suas pesadas cargas. Mas alguns poucos francos nunca mais voltavam para casa. Eram os melhores e, portanto, ao mesmo tempo os piores. Eram os melhores porque no saqueavam por prazer, porque se podia falar com eles ou fechar contratos de comrcio com eles, alm de acordos de trgua. Mas eram tambm os piores porque alguns deles se tornavam adversrios terrveis em batalha. E os piores entre eles todos eram os das duas malditas ordens de monges guerreiros, dominados pela f, a Ordem dos Templrios e a Ordem dos Hospitalrios de So Joo. Aquele que quisesse limpar a terra de inimigos, que quisesse reconquistar Al Aksa e a Mesquita do Rochedo, na Cidade Santa de Deus, no final, teria de vencer os templrios e os hospitalrios. Qualquer outra soluo no seria possvel. Justo esses malditos infiis pareciam impossveis de vencer. Lutavam sem medo, convencidos de que iriam para o Paraso se morressem durante a luta. Nunca se entregavam, visto que suas regras proibiam que se tentasse libertar irmos em cativeiro. Um prisioneiro templrio ou hospitalrio era um prisioneiro sem valor, a quem melhor seria dar a liberdade da morte. Por isso, eram mortos-vivos. Se quinze dos crentes, aproximadamente, se defrontassem com cinco templrios num campo de batalha, isso significaria que todos teriam que ser mortos ou, ento, nenhum deles. Se os quinze crentes enfrentassem os cinco infiis, nenhum dos crentes iria escapar com vida. Para ter a certeza de que um tal ataque teria sucesso, era preciso quatro vezes mais crentes e mesmo assim estar preparado para pagar um preo muito alto em perdas prprias. Contra os francos comuns no era assim. Contra estes, os crentes podiam vencer, mesmo que fossem em menor nmero. Enquanto Fahkr e o emir Moussa reuniam lenha para uma fogueira, Yussuf permanecia deitado de costas, os braos por trs da nuca, olhando para o cu onde as estrelas comeavam a surgir. Estava ponderando sobre seus piores inimigos. Pensava naquele que tinha visto pouco antes de o sol se pr. Aquele que se chamava Al Ghouti tinha um cavalo digno de um rei, um cavalo que parecia ter os mesmos pensamentos que o seu senhor, que obedecia antes mesmo de receber o sinal para fazer o que devia. No era mgica, Yussuf era um homem que, acima de tudo, recusava esse tipo de explicaes. Pura e simplesmente, o homem e o cavalo haviam combatido e treinado juntos durante muitos anos e fizeram isso com a maior seriedade, no apenas como trabalho, mas como passatempo. Entre os mamelucos egpcios existiam homens e cavalos assim. E os mamelucos, evidentemente, no faziam outra coisa seno treinar, at alcanar sucessos suficientes para receber comandos e terras, a sua liberdade e ouro como agradecimento por muitos e bons anos de servios prestados em guerras. Isso no se tratava de milagres ou de mgica. Era o homem e no apenas Deus que criava tais homens. A questo era apenas a de saber o que era mais importante para conseguir atingir esse objetivo. A resposta de Yussuf para essa questo era sempre a de que se tratava de pura f. Aquele que seguisse por completo as palavras do Profeta, louvado seja, quanto ao Jihad, a Guerra Santa, tambm se tornaria um guerreiro inelutvel. Mas o problema estava no fato de que, entre os mamelucos no Egito, quase no se encontravam verdadeiros crentes muulmanos. Normalmente, esses turcos eram mais ou menos supersticiosos, acreditando em espritos e em pedras sagradas e se confessavam apenas com os lbios perante a f pura e verdadeira. E o pior ainda nessa questo que at mesmo os infiis podiam criar homens como Al Ghouti. O que Deus quer mostrar com isso, certamente, que deve ser o homem aquele que, por sua livre vontade, decide suas metas na vida, na vida terrena. E que s quando o fogo sagrado separa o trigo do joio se sabe quem so os crentes verdadeiros. Foi um pensamento arrasante. Por que se a inteno de Deus era a de levar os crentes vitria, se eles conseguissem se unir no Jihad contra os infiis, qual a razo de ter criado inimigos impossveis de vencer, homem a homem? Possivelmente, para mostrar que os crentes, realmente, precisam se unir contra o inimigo, que os crentes precisam parar com todas as lutas internas, visto que, unidos, seriam dez ou cem vezes mais numerosos do que os francos que, assim, estariam condenados a

perecer, mesmo que fossem todos templrios. Yussuf fez reviver de novo a memria das imagens de Al Ghouti, seu cavalo, seus arreios negros, bem tratados, e bem inteiros, seu equipamento onde nada era enfeite para o prazer dos olhos, antes tudo colocado ao jeito da mo. Com isso, podia-se aprender alguma coisa. Com certeza, muitos foram os homens mortos e cados nos campos de batalha pelo fato de no terem conseguido renunciar a se vestir com a sua nova veste dourada, cheia de brocados, por cima do equipamento blico propriamente dito, de tal maneira que os seus movimentos ficavam limitados nos momentos decisivos e, por isso, morriam, mais por vaidade do que por qualquer outro motivo. Tudo devia ser lembrado sempre para se aprender com a experincia, caso contrrio, como pensar em poder vencer o inimigo feito diabo que agora ocupa a Cidade Santa de Deus? O fogo j crepitava. E Fahkr e o emir Moussa j tinham aberto um tecido de musselina e comeado a espalhar os suprimentos trazidos e a jarra de gua para beber. O emir Moussa, agachado, j estava moendo os seus gros de moca para, no devido momento, poder fazer a sua bebida preta, habitual entre os bedunos. Agora, que a escurido tinha cado, estava chegando o frio, primeiro como uma brisa fresca que descia pelas encostas, de Al Khalil, cidade de Abrao. Mas logo a frescura da brisa, depois do dia quente, se transformaria em frio. O vento vindo da direo oeste fez com que Yussuf sentisse a aproximao dos dois francos, ao mesmo tempo que comeava a ouvir seus passos na escurido. Vinha tambm um cheiro de escravos e de lutas em campo. Sem dvida, chegavam para a ceia sem se lavar como brbaros que eram. Quando o templrio apareceu luz do fogo, os crentes viram que ele trazia seu escudo branco com a cruz vermelha diante de si, tal como um convidado no devia aparecer, e o emir Moussa logo fez um gesto hesitante na direo da sua sela onde estavam as suas armas junto com os arreios. Mas Yussuf percebeu o movimento e, tranqilamente, fez sinal com a cabea que era para ficar quieto. O templrio fez uma vnia para os seus trs anfitries, cada um por sua vez e pela ordem, no que foi imitado pelo seu sargento. Depois, surpreendeu todos os trs crentes ao suspender o escudo branco com a cruz horrenda em cima de um arbusto, o mais alto que pde, e enquanto retirava o cinto com a espada para se sentar, tal como Yussuf o tinha convidado com um gesto de mo, foi explicando que, pelo que sabia, ainda restavam alguns malucos espalhados pela regio e que, em segurana, totalmente, ningum nunca podia estar. E, por isso, o escudo de um templrio sempre tinha um saudvel efeito desencorajador contra qualquer vontade de lutar. Alm disso, generosamente, ele ofereceu deixar o escudo bem alto em cima do arbusto durante a noite "e vir busc-lo ao amanhecer, quando chegasse a hora, certamente, de todos continuarem os seus caminhos. Quando o templrio e o seu sargento se sentaram junto da musselina e comeavam a retirar da sua prpria trouxa outras provises tmaras, carne de cordeiro, po e alguns objetos sem lavar , Yussuf soltou uma gargalhada que h muito tempo vinha tentando reprimir. Os outros, surpresos, levantaram o olhar para ele, j que ningum tinha visto nada de cmico. Os dois templrios enrugaram a testa, entendendo que talvez fossem o motivo do riso de Yussuf. Enfim, ele teve que se explicar. E disse, ento, que se havia no mundo uma coisa que ele jamais iria esperar acontecer era ser defendido durante a noite por um escudo com a marca horrenda do seu pior inimigo. Se bem que, por outro lado, estava confirmado aquilo que ele sempre tinha acreditado existir, que Deus TodoPoderoso, certamente, no desgostava de brincar com os Seus filhos. E a este pensamento todos puderam sorrir. Justo nesse momento, o templrio descobriu um pedao de carne defumada entre as provises que o sargento havia posto para fora e, ento, disse qualquer coisa rude em francs e apontou com o seu punhal bem afiado. Corando, o sargento retirou logo a carne, enquanto o templrio se desculpava, dizendo com um encolher de ombros que aquilo que era carne impura para uns neste mundo era carne saborosa para outros. Os trs crentes entenderam, ento, que tinha sido colocado na musselina

entre a comida um pedao de porco e com isso toda a refeio seria considerada impura. Yussuf, porm, relembrou rapidamente, num murmrio, as palavras de Deus, ao dizer que, quando o homem se encontra em situao difcil, as regras no funcionam do mesmo modo, como quando se est na sua prpria casa. E com isso todos se deram por satisfeitos. Yussuf abenoou a comida em nome de Deus, Clemente, Misericordioso, e o templrio abenoou a comida em nome de Jesus Cristo, Nosso Senhor, e da Me de Deus, e nenhum dos cinco homens presentes fez qualquer sinal de averso perante a crena diferente de cada um. Comearam, ento, a satisfazer o estmago e, ao final, estimulado por Yussuf, o templrio pegou umpedao de carne do cordeiro metido dentro do po, cortou-o em dois pedaos, com o seu punhal, rstico, sem enfeites e, como se podia ver, terrivelmente bem afiado, e ofereceu um deles, na ponta do punhal, para o seu sargento que o meteu na boca depois de alguma contida hesitao. Comeram durante algum tempo em silncio. Os crentes serviram a tal carne de cordeiro embutida no po e pistache verde cortado embutido em acar caramelado e mel, do seu lado da musselina. Os infiis trouxeram cordeiro seco, agora, que a carne impura defumada desapareceu, tmaras e po branco seco, do seu lado. H uma coisa que eu gostaria de perguntar a voc, templrio, disse Yussuf, momentos depois. Falava em tom baixo e profundo, para aqueles que lhe estavam prximos, sinal de que tinha refletido bem e queria chegar a uma concluso importante. Voc nosso anfitrio, ns aceitamos o seu convite e queremos muito responder s suas perguntas, mas lembre-se de que a nossa f que a verdadeira e boa e no a sua respondeu o templrio com uma expresso de quem at podia estar fazendo brincadeira com a sua prpria f. Voc entende, certamente, o que penso sobre o assunto, templrio, mas vamos voltar, ento, minha pergunta. Voc nos salvou, a ns, seus inimigos. J reconheci isso e at agradeci. Mas, agora, gostaria de saber o porqu. Ns no salvamos nossos inimigos afirmou o templrio, pensativo. Ns estvamos procurando por esses seis havia muito tempo. Durante uma semana, ns os seguimos a distncia, esperando pelo momento certo. A nossa misso era mat-los, no salvar vocs. Mas, ao mesmo tempo, Deus quis estender a Sua mo protetora sobre vocs e a nem eu nem voc vamos saber por qu. Mas voc o prprio Al Ghouti, no verdade? insistiu Yussuf. Sim, verdade reagiu o templrio. Eu sou aquele que os infiis na lngua que ns falamos agora chamam de Al Ghouti, mas o meu nome Arn de Gothia e a minha misso era libertar a terra desses seis desgraados, e eu cumpri essa minha misso. Essa a histria. Mas por que razo uma pessoa como voc... Alis, voc no o emir dos templrios na sua fortaleza em Gaza, portanto, um homem de alta categoria? Bem, por que razo um homem como voc, de alta categoria, recebe para execuo uma tarefa to baixa e, alm disso, perigosa? Como que voc pode vir para um lugar desses, to inspito, dormir ao relento, s para matar assaltantes? Porque foi assim que a nossa ordem nasceu, muito antes at de eu ter nascido respondeu o templrio. De incio, quando os nossos j tinham libertado a Sepultura de Deus, os peregrinos da nossa f viajavam indefesos at o rio Jordo e ao lugar onde Yahia, como vocs o chamam, batizou o Nosso Senhor, Jesus Cristo. E naquele tempo todos os peregrinos traziam consigo os seus pertences, em vez de os deixar conosco em segurana como acontece agora. Eram vtimas fceis para os assaltantes. Foi ento que a nossa ordem foi criada para os defender. Ainda hoje essa uma misso de honra, a de defender os peregrinos e matar os assaltantes. Portanto, no nada como voc pensa, que essa seja uma tarefa menosprezvel para confiar a qualquer um. Ao contrrio, a razo de ser e a origem da nossa ordem, uma misso de honra, como eu disse. E Deus atendeu s nossas preces. Voc tem razo constatou Yussuf, com um suspiro. Ns devamos sempre defender os peregrinos. Como a vida seria muito mais fcil aqui na Palestina, se todos ns fizssemos isso! Alis, em qual dos pases francos vive esse tal de

Gothia? Para falar a verdade, em nenhum pas franco respondeu o templrio, com um brilho divertido nos olhos, como se toda a etiqueta, de repente, tivesse desaparecido com o vento. Gothia est situada muito mais ao norte das terras dos francos, muito longe no mundo. Gothia um pas onde eu posso andar na gua durante quase meio ano, todos os anos, a gua fica dura por causa do frio. Mas qual o pas de onde voc vem, j que voc no fala o rabe como se viesse, precisamente, de Meca? Eu nasci em Baalbek, mas ns somos curdos, todos os trs explicou Yussuf, surpreso. Este o meu irmo Fahkr e este aqui o meu... amigo Moussa. Como e porque voc aprendeu a lngua dos crentes, esses que voc no costuma deixar ir para a priso? No deixo, verdade reagiu o templrio. Esses que eu no deixo ir para a priso de jeito nenhum e voc sabe, certamente, por qu. Mas eu j vivo h dez anos na Palestina. No estou aqui para roubar mercadorias e viajar para casa dentro de meio ano. E a maioria daqueles que trabalham para ns, templrios, fala o rabe. O meu sargento, alis, o nome dele Axmand de Gascogne, bastante novo por aqui e no entende muito daquilo que ns dizemos. por isso que fica em silncio. No o caso dos seus companheiros que no podem se manifestar antes de voc lhes dar autorizao. Voc v longe murmurou Yussuf, corando. Eu sou o mais velho. Minha barba j comea a ficar branca. Sou eu que administro o dinheiro da famlia. Somos mercadores a caminho de realizar um grande negcio no Cairo e... No sei o que o meu irmo e meu amigo gostariam de perguntar a um dos inimigos cavaleiros. Somos todos homens de paz. O templrio olhou para Yussuf, tentando entender, mas no respondeu de imediato. Levou um tempo comendo os pistaches embebidos em mel. Depois, fez uma pausa, olhou com admirao para um pedao dessa delcia luz do fogo e constatou que aquele produto devia vir de Aleppo. A seguir, puxou para si o odre de vinho e bebeu um gole, sem perguntar ou pedir desculpa, entregando-o ento ao seu sargento. Com isso, acomodou-se para trs e puxou para cima do corpo o grande e espesso manto branco com a afugentadora cruz vermelha, olhando para Yussuf, como se avaliasse um adversrio de gamo. No como inimigo, mas como algum a ser avaliado. Meu amigo desconhecido ou inimigo, que proveito tiraremos ns da mentira, se estamos aqui juntos comendo em paz e ambos demos a nossa palavra de no atacar um ao outro? disse ele, finalmente, falando com muita calma, sem qualquer tipo de interferncia estranha na voz. Voc um guerreiro como eu. Se Deus quiser, nos encontraremos da prxima vez no campo de batalha. Suas vestes os revelam, seus cavalos os revelam, assim como suas selas e suas espadas que esto ali encostadas nas selas. Aquela espada ali foi feita em Damasco, nenhuma delas custa menos de quinhentos dinares em ouro. A sua paz e a minha, em breve, tero terminado, a trgua est para acabar. E se voc ainda no sabia disso, passa a saber agora. Vamos, portanto, aproveitar este momento especial, j que no acontece muitas vezes de conhecermos nosso inimigo. Mas vamos deixar de mentir um para o outro. Yussuf sofreu um impulso quase inelutvel de, sinceramente, dizer ao templrio quem ele era. Mas era verdade que a trgua estava para terminar, ainda que nada se notasse em nenhum campo de batalha. E as palavras dos dois, prometendo no atacar um ao outro, razo pela qual podiam estar ali sentados, comendo juntos, valia apenas por aquela noite. Eram ambos cordeiros que tinham comido com os lees. Voc est certo, templrio disse ele, afinal. Insh'Allah, se Deus quiser, vamos nos encontrar novamente no campo de batalha. Mas acho tambm, como voc, que devemos conhecer nossos inimigos. E voc parece conhecer, realmente, vrios crentes, mais do que ns conhecemos os infiis. Agora, dou autorizao aos meus acompanhantes para falar com voc. Yussuf encostou-se ento para trs e puxou pelo seu manto que acomodou volta do corpo e fez sinal para seu irmo e seu emir, autorizando que falassem.

Mas ambos hesitaram, condicionados como estavam, durante toda a noite, a apenas ouvir. E j que ningum dos crentes tinha nada a dizer, o templrio virou-se para o seu sargento e teve uma pequena conversa em francs com ele. O meu sargento gostaria de saber uma coisa explicou ele, depois. As armas de vocs, os cavalos e as vestes so, s elas, mais valiosas do que aquilo que esses infelizes assaltantes jamais poderiam sonhar. Por isso, como foi possvel vocs terem tomado este caminho perigoso, a oeste do mar Morto, sem uma escolta suficientemente forte? Porque este o caminho mais rpido. Porque uma escolta maior chama muito a ateno... respondeu Yussuf, demorada-mente. Ele no queria mais ser incomodado, com a obrigao de dizer coisas que no correspondiam verdade. Tinha que sopesar as suas palavras. Evidentemente uma escolta para ele teria chamado muito a ateno. Teria que ser composta de, pelo menos, trs mil cavaleiros para ser considerada segura. E porque confivamos nos nossos cavalos. No acreditvamos que esses infelizes assaltantes, nem quaisquer francos nos pudessem alcanar acrescentou ele, rapidamente. Inteligente, ainda que nem tanto concordou o templrio. que esses assaltantes estavam nesta regio h quase meio ano. Conheciam este terreno como as palmas das suas mos e podiam cavalgar mais rpido por certos caminhos do que qualquer um de ns. Foi isso que os fez ricos. At que Deus os castigou. Eu gostaria de saber uma coisa disse Fahkr, que, pela primeira vez, se manifestava, precisando clarear a voz, j que tropeou nas suas prprias palavras. Diz-se que vocs, os templrios, que... se encontram em Al Aksa mantm um minbar, uma mesquita para os crentes. E algum me disse, tambm, que voc mesmo, templrio, uma vez abateu um franco que impediu um crente de fazer as suas preces. Isso verdade? Todos os trs crentes olharam atentamente para seu inimigo. Todos interessados, igualmente, na resposta. Mas o templrio sorriu e traduziu primeiro a pergunta em francs para seu sargento que, imediatamente, soltou uma gargalhada, ao mesmo tempo que acenava afirmativamente com a cabea. Sim, sim, uma grande verdade disse o templrio, depois de pensar um pouco. Ou fingir que pensava, para atrair ainda mais a ateno e o interesse dos seus interlocutores. Temos um minbar no Templum Salomonis, a que vocs chamam de Al Aksa, "a mesquita mais longnqua". De qualquer maneira, isso no to notvel assim. Na nossa fortaleza, em Gaza, temos um majlis todas as quintas-feiras, o nico dia em que isso possvel, e, ento, a testemunha convidada a jurar perante as Sagradas Escrituras de Deus, perante o Tora ou perante o Alcoro e, em certos casos, perante qualquer outro credo considerado sagrado. Se vocs trs fossem homens de negcios egpcios como disseram que eram, deveriam saber tambm que a nossa ordem tem muitos negcios em andamento com os egpcios e nenhum deles parece seguir a nossa f. Em Al Aksa, se quisermos continuar usando essa palavra, ns, os templrios, temos o nosso quartel-general e, por isso, recebemos muitos visitantes que queremos tratar como convidados. O problema que em todos os meses de setembro chegam novos navios de Pisa ou de Gnova ou dos pases francos do sul com novos homens de esprito forte e ansiosos, se no para embarcar direto para o Paraso, para matar infiis ou, pelo menos, se atracar com eles. Esses novatos so para ns uma preocupao muito grande e todos os anos, logo depois de setembro, somos obrigados a atuar nos nossos prprios territrios porque os novatos se atracam com gente da sua f. E, ento, naturalmente, temos que lhes dar uma lio. Vocs matam seus prprios irmos por nossa causa? estremeceu Fahkr. Claro que no! respondeu o templrio, com repentina excitao. Para ns, isso um pecado muito grande, tal como o para vocs, tambm, o de matar algum da mesma crena. Isso jamais entra em questo. Mas continuou ele, depois de um curto momento, retornando ao seu temperamento normal nada nos impede de dar a esses arruaceiros uma boa lio, caso eles no se convenam com uma gentil persuaso. Eu prprio j tive este prazer em algumas ocasies... Dito isto, ele virou-se para o seu sargento e traduziu para o francs sua

conversa. O sargento acenou com a cabea, confirmando tudo e, depois, desatou a rir, o que levou todos a rir tambm, aliviados, e soltar verdadeiras gargalhadas, talvez um pouco exageradas. Uma curta rajada, como se fosse o ltimo suspiro da brisa da noite, vinda da montanha, de Al Khalil, levou o mau cheiro dos templrios na direo dos trs crentes, que viraram as costas e ficaram se abanando, sem poder esconder seus desagrados. O templrio viu o constrangimento deles e se levantou imediatamente, sugerindo que trocassem de lugares para que ficassem contra o vento, mas ainda junto da musselina onde o emir Moussa, agora, preparava pequenas xcaras de moca. Os trs anfitries obedeceram rapidamente sugesto, sem fazer qualquer comentrio indelicado. Ns temos as nossas regras explicou o templrio, desculpando-se, ao sentar-se no seu novo lugar. Vocs tm regras para tomar banho a toda hora. E ns temos regras em contrrio, que probem isso. a mesma coisa, nem melhor, nem pior, do que as regras a respeito da caa que vocs favorecem e que as nossas probem, a no ser que se trate de lees, ou regras a respeito de vinho, que ns bebemos e vocs no. Vinho outra coisa objetou Yussuf. A proibio do vinho muito forte e veio da palavra de Deus para o Profeta, a paz esteja com Ele. Mas, no geral, no somos como os nossos inimigos. Basta observar as palavras de Deus na stima surata: " Quem pode proibir as galas de Deus e o desfrutar dos bons alimentos que Ele preparou a Seus servos? Bom, bom disse o templrio. Suas Escrituras esto cheias de coisas, umas contra as outras. E se voc quer que eu, por vaidade prpria, acabe expondo as minhas partes ntimas e me apresente bem cheiroso como os homens do mundo, ento posso tambm lhe pedir para parar de me chamar de inimigo. Basta ouvir as palavras nas Escrituras de vocs, na sexagsima primeira surata, palavras do vosso prprio Profeta, que a paz esteja com Ele: " crentes, sede auxiliadores de Deus, como o foi Jesus, filho de Maria, ao dizer aos discpulos de vestes brancas: Quem sero meus auxiliadores na causa de Deus? Responderam: S-lo-emos ns! Creu, ento, uma parte dos israelitas e outra descreu; ento, fortalecemos os crentes sobre seus inimigos, saindo aqueles vitoriosos." Eu aprecio, em especial, claro, isso de vestes brancas... Diante dessas palavras, o emir Moussa como que fez meno de buscar sua espada, mas reconsiderou a meio do caminho e parou. Estava vermelho de dio quando se virou e esticou o brao, apontando com o dedo em riste contra o templrio. Caluniador! gritou ele. Voc fala a linguagem do Alcoro, isso uma coisa. Mas torcer as palavras de Deus e transform-las em calnia e em piada outra coisa, qual voc no devia sobreviver se Sua Majes... se meu amigo Yussuf no tivesse dado a sua palavra! Sente e comporte-se, Moussa! gritou Yussuf, mas se acalmou logo, a partir do momento que Moussa obedeceu sua ordem. Isso que voc escutou foi realmente aquilo que Deus disse e foi realmente a sexagsima primeira surata e so palavras que voc deve observar. E no creia, alis, que isso de citar em especial as vestes brancas significa algum tipo de gracejo da parte do nosso convidado. No, claro que no apressou-se o templrio a confirmar. Quis apenas lembrar que j existiam as vestes brancas antes de surgir a minha ordem. A minha roupa no tem nada a ver com a coisa. Como se explica que voc conhea to bem o Alcoro? perguntou Yussuf, no seu tom de voz normal, totalmente tranqilo, como se nenhum insulto tivesse acontecido, como se seu alto nvel de comando no tivesse acabado de ser quase contestado. uma atitude inteligente estudar o inimigo. Se voc quiser posso ajud-lo a entender a Bblia respondeu o templrio, como se quisesse cair fora do assunto atravs de uma brincadeira. E como se estivesse arrependido da sua entrada desajeitada no terreno dos crentes.

Yussuf estava a ponto de responder rudemente, diante da leviana sugesto de ser colocado a estudar o profano, mas susteve a idia ao ecoar na rea um longo e horrvel grito. O grito se transformou, a seguir, em algo que parecia ser uma gargalhada de escrnio, rolou l de cima na direo do grupo e ficou ecoando nas encostas da montanha. Os cinco homens ficaram petrificados nos seus lugares e escuta, com toda a ateno. O emir Moussa comeou de imediato a murmurar as palavras que os crentes utilizavam para invocar os djins do deserto. A novo grito se ouviu, mas agora era como se viessem de vrios abismos, como se vrios espritos conversassem uns com os outros, como se tivessem descoberto o pequeno fogo l embaixo e, junto, os nicos seres humanos existentes na rea. O templrio inclinou-se para a frente e segredou algumas palavras em francs para o seu sargento, que acenou de imediato, afirmativamente, com a cabea, levantou-se, pegou o cinto com a espada que colocou na cintura, fez uma vnia na direo dos seus anfitries crentes, virou as costas e desapareceu na escurido. Os senhores vo ter que nos desculpar por esta indelicadeza atalhou o templrio. Mas, segundo parece, temos um bocado de cheiro de sangue e de carne fresca l em cima no nosso acampamento e os cavalos que precisam ser tratados. Parecia que ele achava que precisava explicar um pouco melhor a situao, estendendo a sua xcara, com uma vnia, na direo do emir Moussa para servir nova dose de moca. A mo do emir estava um pouco insegura quando comeou a ench-la de novo. Voc manda o seu sargento entrar na escurido da noite e ele obedece sem pestanejar? indagou Fahkr, com uma voz que parecia um pouco rouca. Sim reagiu o templrio. A gente obedece, mesmo que esteja com medo. Mas no creio que Armand estivesse com medo. A escurido mais amiga de quem est com um manto negro do que aquele que veste um manto branco. E a espada de Armand afiada e a mo dele, segura. Esses ces selvagens, essas bestas malhadas com seus gritos horrveis so tambm conhecidas por sua covardia, no verdade? Mas voc tem certeza de que so apenas ces selvagens que ouvimos? perguntou Fahkr, hesitante. No disse o templrio. Existe muita coisa que ns no conhecemos, entre o cu e o inferno. Totalmente certo, ningum est. Mas o Senhor nosso pastor e a ns nada faltar, ao andar pelo vale das sombras. Deve ser assim que Armand est agora rezando, ao andar na escurido. De qualquer maneira, isso o que eu faria. Se Deus j calculou o nosso tempo e quiser chamar-nos para casa, nada poderemos fazer. Mas at esse momento vamos continuar abrindo ao meio o crnio dos ces selvagens, assim como dos nossos inimigos. E sobre o assunto sei que vocs que acreditam no Profeta, que esteja em paz, e renegam o Filho de Deus, pensam exatamente da mesma maneira. Ser que no tenho razo, Yussuf? Voc tem razo, templrio constatou Yussuf. Mas onde fica a fronteira entre a razo e a f, entre o medo e a confiana em Deus? Se o homem precisa obedecer, como o seu sargento precisou, isso faz com que os seus receios fiquem menores? Quando eu era jovem... muito bem, ainda no sou to velho, assim disse o templrio, enquanto parecia pensar seriamente , eu me preocupava muito com essas questes. Faz bem nossa cabea. D agilidade aos pensamentos trabalhar com a cabea. Mas agora receio que esteja meio indolente. A gente obedece. A gente vence os maus. A gente, depois, agradece a Deus. E tudo. E se a gente no vencer os inimigos? indagou Yussuf, com uma voz macia que seus prximos no reconheciam como sua voz normal. A, a gente morre, pelo menos no meu caso e no de Armand respondeu o templrio. E no derradeiro dia, quer seja voc ou eu, ns dois seremos medidos e pesados. Para onde voc ir eu no direi, ainda que saiba em que voc acredita. Mas se eu morrer aqui na Palestina, o meu lugar ser no Paraso. Voc acredita mesmo nisso? continuou Yussuf, com a sua inusitada voz macia. Sim, eu acredito respondeu o templrio. Ento, me diga uma coisa, essa promessa est, realmente, na sua Bblia?

No, no exatamente assim, no est exatamente assim. E, no entanto, voc est absolutamente certo disso, no verdade? Sim, o Santo Padre em Roma prometeu... Mas ele apenas um ser humano! Qual o ser humano que pode prometer a voc um lugar no Paraso, templrio? Mas Maom tambm era apenas um ser humano! E voc acredita nas promessas Dele. Perdo, que a paz esteja com Ele. Maom, que esteja em paz, era um enviado de Deus, e Deus disse: " Porm, o Apstolo e os crentes que com ele sacrificaram seus bens e vidas, obtero os melhores dons nesta vida e na prxima e sero bem-aventurados" No h dvida que so palavras claras. E a continuao diz... ! No versculo seguinte, na nona surata interrompeu o templrio, bruscamente , "Deus lhes tem destinado jardins abaixo dos quais correm os rios, onde moraro eternamente. Essa ser a grande, a brilhante vitria! Portanto, ser que no devamos nos entender uns aos outros? Nada disto estranho para voc, Yussuf. Alis, a diferena entre mim e voc a de que eu nada tenho de pertences. Eu me entreguei a Deus e, quando Ele determinar, morrerei por Sua causa. A f que voc segue em nada contradiz aquilo que eu digo. O seu conhecimento das palavras de Deus verdadeiramente grande, templrio constatou Yussuf, mas sentia-se, ao mesmo tempo, satisfeito por ter aprisionado o seu inimigo numa armadilha, e seus prximos podiam ver isso nele. , como eu disse antes, a gente precisa conhecer o inimigo reafirmou o templrio, pela primeira vez um pouco inseguro como se reconhecesse, tambm ele, que Yussuf o tinha acuado. Mas se fala assim, ento, voc no meu inimigo respondeu Yussuf. Voc cita o Sagrado Alcoro, que a palavra de Deus. Aquilo que voc diz vale, portanto, para mim, mas, por enquanto, no para voc, no verdade? Certamente, eu no conheo tanto sobre Jesus quanto voc conhece do Profeta, que esteja em paz. Mas que disse Jesus a respeito da Guerra Santa? Jesus no disse nada, nem uma palavra, a respeito da sua ida para o Paraso caso voc me matasse, no verdade? No discutamos a esse respeito disse o templrio, com um gesto da mo demonstrando sua segurana, como se tudo, de repente, virasse coisa pequena, de somenos importncia, embora todos pudessem notar a sua insegurana. A nossa f no a mesma, embora entre as duas fs existam semelhanas. Entretanto, precisamos viver juntos no mesmo pas. Combatendo uns aos outros, na pior das hipteses. Fazendo acordos e negcios na melhor das hipteses. Vamos agora falar de qualquer outra coisa. Esse o meu desejo como convidado. Todos tinham entendido como Yussuf havia colocado o seu adversrio contra a parede onde ele no tinha mais qualquer defesa. Na verdade, Jesus nunca falara nada em relao satisfao divina com a morte dos sarracenos. Mas, como o mais encurralado, o templrio havia escapado da situao incmoda atravs do recurso de apelar para as regras no escritas de hospitalidade dos prprios crentes. E, portanto, ia ser como ele desejava. Ele era o convidado. Na verdade, voc sabe muito a respeito do inimigo, templrio, disse Yussuf, num tom e com uma expresso de quem estava se sentindo fortemente estimulado por ter vencido a discusso. Como concordamos os dois, a gente precisa conhecer o inimigo respondeu o templrio, em voz baixa e de olhar sucumbido. Ficaram sentados em silncio durante algum tempo, olhando em suas xcaras de moca, j que parecia difcil continuar uma conversa de uma maneira espontnea depois da vitria de Yussuf. Mas, ento, o silncio foi quebrado mais uma vez ao se escutarem os monstros. Desta vez, todos sabiam que se tratava de animais e no manifestaes do diabo. E soou como se eles atacassem algum ou alguma coisa e que, depois, estivessem fugindo, com uivos de dor e de morte. Como eu disse, a espada de Armand bem afiada murmurou o templrio. Por que razo em nome de Deus vocs voltaram, trazendo os cadveres? perguntou Fahkr que pensava o mesmo que seus irmos de f. Teria sido, evidentemente, muito melhor traz-los vivos. No estariam

cheirando to mal na volta como esto e teriam voltado cavalgando sem incmodo. Mas amanh vai ser um dia quente. Precisamos comear a nossa viagem bem cedo para chegar com eles a Jerusalm antes de comearem a cheirar mal demais respondeu o templrio. Mas se vocs os tivessem aprisionado, se chegassem com eles ainda vivos a Al Quds, o que que aconteceria com eles, ento? insistiu Fahkr. Teramos entregue todos ao nosso emir em Jerusalm, que uma das pessoas de mais alto posto na nossa ordem. Ele os teria entregue, depois, s autoridades laicas que lhes tirariam todas as roupas, exceto aquelas que escondem as partes ntimas, e seriam enforcados junto do muro perto do rochedo explicou o templrio, como se tudo fosse implcito e claro. Mas vocs j os mataram. Por que no tirar as roupas j aqui e deix-los ao destino que merecem? Por que razo, inclusive, defender os seus cadveres contra os ataques de animais selvagens? continuou perguntando Fahkr, como se no quisesse desistir ou no pudesse entender. amos ter que enforc-los de qualquer maneira acrescentou o templrio. Todos precisam saber que aqueles que assaltam os peregrinos acabam enforcados. Isso a promessa sagrada da nossa ordem e tem que ser cumprida, enquanto Deus nos ajudar. O que que vocs fazem com as armas e as roupas deles? indagou o emir Moussa, num tom como se quisesse baixar a conversa para um plano mais compreensvel. Deve se tratar de um bom bocado de coisas caras, no? Sim, mas todos so objetos de pilhagens respondeu o templrio, j recuperando sua antiga segurana. Quero dizer, no as suas armas e equipamentos, que, esses, no tm para ns nenhuma utilidade. Mas l em cima, onde Armand e eu temos o nosso acampamento, existe uma gruta onde esto escondidos os produtos dos roubos. Amanh, vamos ter que carregar bem os cavalos e levar essa carga pesada para casa. Vale lembrar que esses bandidos estavam assaltando por aqui h quase meio ano. Mas vocs nada podem ter questionou Yussuf, suavemente, com um divertido movimento da sobrancelha, como se acreditasse que, de novo, iria vencer uma luta de inteligncias contra um homem que teria condies de jog-lo no cho e mat-lo como uma criana, caso se defrontassem com armas. No, na realidade, no tenho nada de minha propriedade reagiu o templrio, surpreso. Se voc pensou que iramos ficar com o produto dos roubos, ento, sem dvida, se enganou. Vamos colocar tudo em frente da igreja do Santo Sepulcro no prximo domingo, e se aqueles que foram roubados encontrarem seus pertences podero lev-los de volta. Mas a maioria dos que foram roubados, seguramente, no est morta? questionou Yussuf, tranqilamente. Podem ter herdeiros, mas aquilo que for deixado e ningum requisitar acabar pertencendo nossa ordem respondeu o templrio. uma explicao muito interessante para aquilo que ouvi dizer, que vocs jamais fazem pilhagem no campo de batalha disse ainda Yussuf, com um sorriso nos lbios, achando que tinha ganho mais uma, na troca de palavras. No, a gente no faz pilhagem no campo de batalha respondeu o templrio, friamente. No h nenhum problema quanto a isso. Existem muitos outros que o fazem. Ns, quando vencemos uma batalha, nos voltamos de imediato para Deus. Se voc quiser ouvir o que o seu Alcoro diz a respeito de pilhagens no campo de batalha... No, obrigado! interrompeu Yussuf, levantando a sua mo em sinal de que no era preciso. No vamos entrar novamente, de preferncia, naquela mesma conversa, na qual parece que voc, infiel, sabe mais do que ns a respeito das palavras do Profeta, que esteja em paz. No entanto, me deixa fazer mais uma pergunta muito sincera? Claro, pode fazer a pergunta sincera que ela ter a resposta que merece respondeu o templrio, levantando as palmas das suas mos como sinal, maneira dos crentes, de que estava de acordo com a mudana da conversa.

Voc disse que a trgua entre vocs e ns estaria em breve terminada. Isso diz respeito a Brins Arnat? Voc sabe muito, Yussuf. Brins Arnat, a quem ns chamamos de Reynald de Chtillon, no , alis, nenhum "prncipe", mas um homem mau, infelizmente aliado dos templrios. Mas ele est realizando novas pilhagens. Sei disso e lamento que isso acontea. No quero ser aliado dele, mas tenho de cumprir ordens. Mas, no, o grande problema no ele. Ento, tem a ver com esse novo prncipe que veio de algum pas dos francos com um grande exrcito. Como que ele se chama, afinal. Filus qualquer coisa, no? No sorriu o templrio. Filus ele , com certeza, filho de algum. Ele se chama Philip av Flandgrn e duque. Confirmo que chegou com um grande exrcito. Mas agora preciso avis-lo a respeito da continuao da nossa conversa. E por qu? indagou Yussuf, jogando despreocupado. Eu tenho sua palavra. Aconteceu alguma coisa que o levou a descumprir com a palavra dada? Uma coisa eu jurei cumprir e ainda no consegui, mas daqui a dez anos irei faz-lo, se Deus quiser. Mas, de resto, jamais deixei de cumprir com a minha palavra, e isso, se Deus me ajudar, jamais ir acontecer. Muito bem. E por que razo a nossa trgua ser interrompida s porque est chegando um tal de Filus de qualquer Flamsen? Isso acontece muito? O templrio olhou por um longo momento, pesquisando, nos olhos de Yussuf, mas este no desviou o olhar. A questo se prolongou. Ningum queria ceder. Voc quer continuar guardando segredo de quem voc , de verdade disse o templrio, finalmente, sem deixar de olhar, fixamente, nos olhos de Yussuf. Mas poucos seriam os homens que sabem tanto a respeito do que est acontecendo na rea militar da guerra. Pelo menos, ningum que se diga mercador a caminho do Cairo. Se voc no disser mais do que j disse, eu, pelo meu lado, no poderei continuar a fingir que no sei quem voc , um homem que tem espies, um homem que sabe das coisas. Homens como esse no existem muitos. Voc tambm tem a minha palavra, lembra-se disso, templrio? Entre todos os infiis, a sua palavra, para a maioria de ns, ainda aquela em que mais confiamos. Essas suas palavras, para mim, so uma honra. Tudo bem, mas por que razo a nossa trgua ser interrompida? Mande seus homens nos deixarem, se voc quiser continuar a nossa conversa, Yussuf. Yussuf pensou por momentos, enquanto afagava a sua barba. Se o templrio, realmente, soubesse com quem estava falando, iria querer simplificar tudo e matlo, ainda que quebrasse a sua palavra dada? No, no seria razovel. Da maneira como esse homem atuou ao matar antes da noite cair, ele no precisaria praticar uma tal traio contra a sua palavra e a sua honra. H muito tempo, teria puxado pela sua espada. No entanto, continuava a ser difcil de entender o pedido dele que parecia injustificvel, ao mesmo tempo que de nada iria se beneficiar, caso fosse atendido. Finalmente, a questo ficou muito simples e a curiosidade de Yussuf acabou vencendo o seu cuidado. Deixem-nos agora ordenou ele, secamente. Vo dormir um pouco mais longe. Podem arrumar isso aqui amanh. Lembrem-se de que estamos em campanha e seguindo as regras da decorrentes. Fahkr e o emir Moussa hesitaram, levantaram-se um pouco, olharam para Yussuf mais uma vez e foi o olhar duro deste que os levou a obedecer. Fizeram uma vnia para o templrio e desapareceram. Yussuf esperou em silncio, antes que o seu irmo e o seu melhor segurana alcanassem uma distncia razovel. E se ouvia quando eles comearam a labutar para colocar em ordem os lugares onde iriam dormir. No acredito que meu irmo e Moussa caiam facilmente no sono disse Yussuf. No concordou o templrio. Mas tambm no vo ouvir o que ns vamos

dizer. Por que razo to importante que eles no escutem o que vamos dizer? Nem tudo importante disse o templrio, sorrindo. O importante voc saber que eles no escutaro o que voc vai dizer. Da que voc no precisar mais me vencer na troca de palavras e a nossa conversa poder ser mais sincera. Essa toda a questo. Para um homem que vive num mosteiro, voc sabe muito a respeito da natureza humana. No mosteiro, a gente aprende muito a respeito da natureza humana, muito mais do que voc pensa. E, agora, vamos ao que mais interessa. No direi nada de que no tiver a certeza de que voc j sabe, visto que, de outra maneira, seria traio. Mas vamos avaliar a situao. Est para chegar, como voc sabe, mais um prncipe franco. Ele vai ficar por aqui durante algum tempo e abenoado por todos e por cada um na sua terra por sua sagrada misso ao servio de Deus. E assim vai por a. Traz um grande exrcito consigo. E o que que ele quer fazer? Enriquecer rpido, visto que tem de cobrir suas despesas. Isso mesmo, Yussuf, isso mesmo. Mas ser que ele vai contra o prprio Saladino e contra Damasco? No, ele se arriscaria a perder tudo. Isso mesmo, Yussuf. Ns nos entendemos perfeitamente e podemos falar sem exagerada cortesia e sem floreados, agora que seus subordinados no podem ouvir. Portanto, para onde iro o novo saqueador e o seu exrcito? Contra uma cidade que seja razoavelmente forte e razoavelmente rica, mas eu no sei qual ser. Isso mesmo. Eu tambm no sei qual ser a cidade. Talvez Homs ou Hams? Aleppo, no, est muito longe e muito forte. Digamos Homs ou Hams, evidente. E que vo fazer o nosso laico rei cristo em Jerusalm e o exrcito real? Eles no tm uma grande escolha. Vo seguir com os saqueadores, embora gostassem de utilizar a nova fora para ir contra Saladino. Isso mesmo, Yussuf. Voc sabe tudo, entende tudo. Portanto, agora, ns dois sabemos qual a situao. E o que vamos fazer? Antes de mais nada, teremos de manter a nossa palavra. claro, isso nem precisava ser dito. Mas e o que fazemos mais? Vamos usar este momento de paz entre ns para nos compreendermos melhor. Talvez eu nunca mais tenha uma nova oportunidade de falar com um templrio. E voc talvez nunca mais tenha a oportunidade de falar com... um inimigo como eu. No, voc e eu nos encontramos apenas esta nica vez na vida. Um raro capricho de Deus... Mas ento deixe que eu lhe pergunte, templrio, o que preciso mais, alm de Deus, para que ns, os crentes, possamos vencer vocs? Duas coisas. Isso que Saladino est fazendo agora, unir todos os sarracenos contra ns. Mas a segunda coisa que haja traio entre ns, os que esto do lado de Jesus Cristo, que haja perfdia ou grandes pecados, de tal maneira que Deus nos d uma punio. E se no houver essa perfdia, esses grandes pecados? Ento, nenhum de ns jamais chegar vitria, Yussuf. A diferena entre ns est no fato de que vocs, sarracenos, podem perder uma batalha atrs da outra. Lamentam os mortos e em breve tm um novo exrcito em marcha. Ns, os cristos, s podemos perder uma grande batalha e to estpidos ns no somos. Se estamos por cima, ns atacamos. Se estamos por baixo, recuamos para as nossas fortalezas. E, assim, a situao pode prolongar-se por uma eternidade. Ento, a nossa guerra vai durar uma eternidade. Talvez sim, talvez no. Uma faco entre ns... Voc sabe quem o conde Raymond de Trpoli? Sim, eu o conheo... Sei quem . E? Se esses cristos como ele conseguirem o poder no reino de Jerusalm e se vocs, por seu lado, tiverem um lder como Saladino, ento poder haver paz, uma

paz justa. De qualquer maneira, algo melhor do que uma guerra eterna. Muitos de ns, templrios, pensamos como o conde Raymond. Mas voltemos onde estvamos, o que vai acontecer agora? Os hospitalrios seguiram o exrcito real e esto agora reunidos na Sria. J sei disso. Claro, sem dvida, voc sabe disso porque seu nome Yussuf ibn Ayyub Salah al-Din, aquele que na nossa lngua chamamos de Saladino. Que Deus tenha piedade de ns, agora que voc sabe disso. Deus piedoso. Ele nos deu a oportunidade de ter esta conversa nas derradeiras horas de paz entre ns. E ns vamos manter a nossa palavra. Voc me surpreende com a sua preocupao nesse ponto. Voc o nico, entre os nossos inimigos, conhecido por manter a sua palavra. Eu sou um templrio. Ns mantemos sempre a nossa palavra. E basta de falar nesse assunto. Sim, basta. Mas agora, meu caro inimigo, nesta noite j tardia e diante de um amanhecer em que ns teremos misses urgentes a cumprir, voc, com seus cadveres malcheirosos e eu, com algo sobre o que no quero falar, mas que, certamente, voc suspeita do que seja. O que faremos agora? Vamos aproveitar o melhor possvel esta nica oportunidade que Deus nos deu de falar com bom senso com o pior de todos os nossos inimigos. Em uma coisa ns estamos de acordo, eu e voc... Desculpe, se eu o trato, simplesmente, por voc, quando sei que o sulto no s no Cairo como em Damasco. Ningum, alm de Deus, nos escuta neste momento, tal como voc inteligentemente ordenou. Quero que, nesta nica noite, continue a me tratar por voc. Muito bem. Acho que estamos de acordo num ponto: corremos o risco de uma guerra eterna, em que nenhuma das partes poder vencer. Verdade. Mas eu quero vencer, jurei vencer. Eu tambm. Portanto, guerra eterna, no? No me parece que seja um bom futuro. Ento continuemos, embora eu seja apenas um simples emir entre os templrios e voc, o nico entre os nossos inimigos que ns, realmente, temos razes para recear. Por onde recomear, ento? Eles recomearam pela questo da segurana dos peregrinos. Era o ponto mais evidente. Foi por essa razo que os dois acabaram se encontrando, se quisermos escolher uma explicao humana e no apenas que em tudo existe a vontade de Deus. Mas ainda que ambos fossem, na realidade, dos que mais acreditavam, pelo menos quando falavam alto, que Deus tudo guiava, tanto um quanto outro, sabiam que os seres humanos, por seu livre-arbtrio, tambm podiam provocar grandes acidentes e a maior felicidade. Esse era o ncleo central de ambas as fs. Falaram muito durante aquela noite. Ao amanhecer, Fahkr foi encontrar o seu irmo mais velho o brilhante prncipe, o iluminado religioso, lder dos crentes na guerra santa, a gua no deserto, o sulto do Egito e da Sria, a esperana dos crentes, o homem que os infiis para sempre chamariam, simplesmente, de Saladino sentado no cho, encolhido, os joelhos tocando no queixo, com seu manto enrolado vrias voltas no corpo e olhando fixamente para o fogo quase extinto. O escudo branco com a maldita cruz vermelha j no estava mais l, nem o templrio. Saladino pareceu cansado ao olhar para seu irmo, como se tivesse acordado de um sonho. Se todos os nossos inimigos fossem como Al Ghouti, ns jamais conseguiramos vencer disse ele, pensativo. Mas, por outro lado, se todos os nossos inimigos fossem como ele, tambm nenhuma vitria seria mais necessria. Fahkr no entendeu nada daquilo que o seu irmo e prncipe disse, mas imaginou que devia ser, certamente, mais uma dose de monlogo sem sentido, como tantas vezes antes, quando Yussuf ficava acordado de noite, remoendo seus pensamentos. Precisamos ir embora. Temos uma longa marcha at Al Arish, disse Saladino, levantando-se, os msculos meio endurecidos. A guerra est nos

esperando. Em breve, vamos chegar vitria. Na verdade, a guerra esperava, estava escrito. Mas tambm estava escrito que Saladino e Arn Magnusson de Gothia, em breve, se encontrariam de novo no campo de batalha e que apenas um deles sairia vitorioso.

O MUNDO EM QUE Jerusalm se situava bem no meio, at mesmo Roma ficava longe. Ainda mais longe ficava o reino dos franco, e l mais ao norte, onde o mundo parecia a caminho de terminar, estava a fria e escura Escandinvia, onde se situava a Gtaland Ocidental que poucos conheciam. Diziam ento os homens ilustres, os sbios, que depois da s existiam florestas negras no fim do mundo habitado apenas por monstros de duas cabeas. Mas at l em cima, no frio e no escuro, a verdadeira f estava se expandindo, graas sobretudo a So Bernardo, que por piedade e amor ao prximo achava que at mesmo os brbaros, l na escurido, tinham direito salvao da alma. Foi ele quem decidiu mandar os primeiros monges para as selvagens e desconhecidas paragens gotas. Em breve, a luz e a verdade se espalhariam, a partir de mais de dez mosteiros, no pas dos nrdicos, no mais perdidos. O mais bonito de todos os nomes de mosteiros era o de um convento, situado na parte sul da Gtaland Ocidental. Gudhem o Lar de Deus era o nome do convento, alm disso dedicado Virgem Maria. O convento foi construdo no alto de um monte, de onde se podia ver a montanha azulada de Billingen e, se a pessoa se esforasse apenas um pouco, tambm as duas torres da catedral de Skara. Ao norte de Gudhem brilhava o espelho-d'gua do lago, o Hornborgasjn, onde as garas-azuis vinham na primavera, antes de os lcios comearem a desovar. volta do convento havia jardins e plantaes e pequenos bosques de carvalhos. Era uma paisagem muito bonita e tranqila que, de forma alguma, podia levar a pensar em escurido e barbrie. Para qualquer senhora de idade que pagasse uma boa soma para entrar, fazendo a longa viagem para terminar a sua vida em paz, o nome Gudhem devia soar como um carinho, e a regio, a mais bonita que um olho envelhecido poderia ver. Mas, para Ceclia Algotsdotter, que aos 17 anos fora enclausurada em Gudhem por causa dos seus pecados, o convento seria por muito tempo um lar sem Deus, um lugar que mais parecia um inferno na terra. Ceclia conhecia bem a vida no convento e no era isso que lhe metia medo. At conhecia Gudhem, j que em vrias ocasies tinha passado mais de dois anos da sua vida l dentro entre familiares, as jovens que os grandes senhores mandavam para o convento para que ganhassem disciplina e aprendessem a ficar mais bonitas, antes de as casarem. Ler tambm j sabia, e os salmos j os conhecia de cor como se fossem gua corrente, visto que j tinha cantado todos eles mais de cem vezes. Portanto, ela no esperava nada de novo e nada de meter medo. Mas desta vez fora condenada vida no convento e a sentena fora forte, vinte anos. Foi condenada junto com o seu noivo, Arn Mag-nusson, da famlia folkeana, por terem cometido um pecado grave, ao se unirem carnalmente por amor, antes de serem casados diante de Deus. Foi a irm de Ceclia, Katarina, que os denunciou, e a prova do seu pecado era daquelas que no dava para esconder. No dia em que o porto do convento se fechou atrs de Ceclia, ela estava grvida de trs meses. O seu noivo foi condenado, tambm a vinte anos, mas ele teve de cumprir a sua penitncia como monge no sagrado exrcito de Deus, muito longe, na Terra Santa. No portal do convento de Gudhem existiam duas esculturas em arenito que representavam Ado e Eva, expulsos do Paraso depois de terem pecado, cobrindo-se com folhas de figueira. Era uma imagem de aviso que falava diretamente a Ceclia, como se a pedra tivesse sido cortada, esculpida e polida, expressamente, por causa dela. Ceclia foi separada fora do seu amado Arn apenas distncia de uma pedrada daquele porto. Ele havia se ajoelhado e jurado, com a intensidade que s um jovem de 17 anos pode jurar, perante a sua espada abenoada por Deus, que

viveria, passando por todos os fogos e todas as guerras e que, decerto, voltaria para busc-la, logo que as suas penitncias fossem pagas. Isso fora h muito tempo. E de Arn, da Terra Santa, no chegou nem uma palavra. No entanto, aquilo que metia medo a Ceclia desde o incio, quando a abadessa Rikissa a puxou pelo porto do convento, pegando o seu pulso, que segurou com fora e de maneira desrespeitosa, como se puxasse por uma escrava para ser punida, era o fato de Gudhem ter se transformado num lugar diferente daquele onde tinha ficado vrias vezes antes e passado algum tempo entre os familiares. Quer dizer, por fora Gudhem continuava a ser aquilo que ela conhecia, algumas novas construes externas e era tudo. Por dentro, as mudanas eram muitas e ela tinha razes de sobra para sentir medo. As terras para a construo de Gudhem eram de propriedade real e tinham sido dadas pelo rei Karl Sverkersson. Por conseguinte, a abadessa Rikissa pertencia famlia sverkeriana, assim como a maioria das irms e quase todas as jovens entre as familiares. Mas quando o aspirante ao trono, Knut Eriksson filho de Erik Jedvardsson, o Santo , voltou do seu exlio na Noruega para exigir a coroa paterna e vingar-se do assassinato de seu pai, acabou matando ele prprio o rei Karl Sverkersson numa ilha, a Visingso. E entre os homens que o assistiram nesse crime estava o seu amigo e amante de Ceclia, Arn Magnusson. Por isso, no mundo l fora, do outro lado dos muros do convento, havia guerra novamente. Os folkeanos e os erikianos e seus aliados, de um lado. E os sverkerianos e seus aliados dinamarqueses do outro. Ceclia se sentia, portanto, como uma larva de borboleta introduzida num ninho de vespas e tinha boas razes para sofrer com a situao. Como quase todas as irms pertenciam ao lado sverkeriano, elas a odiavam e mostravam seu dio constantemente. Alm disso, todas as jovens entre as familiares a odiavam e o demonstravam a toda hora, para no falar das novias, conversas, muito exploradas com trabalho e que, evidentemente, nem ousavam fazer outra coisa seno odi-la. Ningum falava com Ceclia, nem mesmo quando era permitido conversar. Todas lhe viravam as costas. Era como se ela fosse um fantasma. possvel que a madre Rikissa tenha tentado at jog-la para a morte, nos primeiros tempos. Ceclia havia chegado a Gudhem nos meses em que os campos de nabos tinham de ser limpos. Era um trabalho duro e suado no campo que nenhuma das distintas irms, nem, claro, nenhuma das jovens familiares fazia. A madre Rikissa colocou Ceclia a po e gua j desde o primeiro dia: s refeies, no refectorium, Ceclia tinha um lugar especial, junto de uma mesa vazia no fim da sala, onde ficava envolta no mais profundo e frio silncio. Mas, como se isso ainda no fosse suficiente como punio, a madre Rikissa decidiu que Ceclia devia trabalhar com as conversas l fora, nos ditos campos de nabos, rastejando pedao por pedao, com a criana esperneando na barriga. E como se isso ainda no fosse o bastante ou a madre Rikissa ficasse de mau humor por Ceclia no perder a sua criana atravs do trabalho duro, ela era mandada para ser sangrada uma vez por semana nos primeiros tempos, os mais difceis. Dizia-se que sangrar fazia bem sade e que, alm do mais, tinha um efeito moderador sobre os desejos da carne. E como Ceclia, comprovadamente, era possuda por desejos carnais, ela teria que ser sangrada mais vezes. Ceclia se arrastava nos campos de nabos cada vez mais plida, mas rezando sempre e pedindo Virgem Maria para proteg-la, para perdo-la pelos seus pecados e ainda estender a Sua mo protetora sobre a criana que trazia dentro de si. No outono, na poca em que os nabos tinham de ser retirados da terra, o trabalho mais duro e mais sujo entre todos os trabalhos a realizar pelas mulheres de Gudhem, Ceclia estava no final da sua gravidez. Mas a madre Rikissa foi implacvel. Quase que teve a criana na lama gelada dos campos de nabos, em novembro. Quase no final da colheita, de repente, ela caiu no cho, com um grito curto, antes de cerrar os dentes. As conversae e duas irms que estavam por perto, para

vigiar a virtude e o silncio durante o trabalho, compreenderam logo o que estava para acontecer. Mas as duas irms, de incio, achavam que nada devia ser feito no caso. No entanto, as novias desobedeceram de imediato e sem perguntar sequer ou dizer qualquer coisa, pegaram Ceclia e a levaram para o hospitium, a casa dos visitantes, fora dos muros do convento. Deitaram-na numa cama e mandaram chamar a senhora Helena, uma mulher inteligente e uma das pensionistas de Gudhem, que pagava uma boa soma para viver intra muros. Para espanto das novias, a senhora Helena chegou rpido e logo se preparou para ajudar no parto, embora Ja prpria pertencesse ao lado sverkeriano. Decidiu, sem que ningum ousasse dizer qualquer coisa contra, que as duas novias ficariam no hospitium para ajud-la e que a Rikissa era assim que ela tratava a madre Rikissa depois, pensasse e dissesse o que lhe desse na veneta. As mulheres deste mundo j tinham as suas horas difceis, sem que fosse preciso botar pedras no caminho umas das outras, disse ela para as duas novias espantadas que ficaram com ela e a seu pedido aqueceram a gua, trouxeram os linhos e lavaram a sofrida Ceclia, que no momento quase perdera os sentidos, de toda a lama e sujeira. A senhora Helena foi a salvao que devia ter sido mandada pela Santa Virgem Maria. Ela j tinha posto no mundo nove crianas, das quais sete haviam sobrevivido, e tinha ajudado muitas outras vezes nesse momento difcil em que as mulheres esto ss e onde apenas as mulheres podem ajudar. Resmungar, ela resmungou apenas ao pensar que aquela jovem era sua inimiga e diante das duas novias disse que isso de amiga e inimiga era uma coisa que, certamente, podia mudar durante um dia ou uma noite ou ainda durante uma nica, pequena e insignificante guerra entre os homens. A mulher que escolhesse entre amiga e inimiga num determinado momento podia muito bem aprender com a vida o quanto essa deciso pode ser insustentvel. Ceclia no se lembrava muito daquelas horas, durante a noite, em que ela deu luz seu filho, Magnus, que era como tinha sido decidido que ele se chamaria. Lembrava-se, sim, da dor que cortava como uma faca a sua carne pecaminosa. Quando tudo terminou e ela, molhada de suor e ainda quente como se estivesse com febre, recebeu da senhora Helena o filhinho junto ao seu peito dolorido, soube que se lembraria disso para sempre. As palavras da senhora Helena lhe dizendo que se tratava de um belo menino, saudvel e com todos os membros nos seus devidos lugares como devia ser. Mas depois disso uma nvoa toldou a sua memria. Mais tarde, soube que a senhora Helena mandou um recado para Arns e que uma grande escolta veio buscar o garoto e o levou em segurana. Birger Brosa, o mais poderoso dos folkeanos e tio do seu amado Arn, tinha jurado que o garoto ele jamais tinha falado da criana esperada, de outra maneira que no o garoto seria aceito pela famlia e tratado como um verdadeiro folkeano, quer tivesse nascido fora ou dentro do casamento. Entre todas as provaes na vida que a Nossa Senhora colocou no caminho da jovem Ceclia, a mais difcil foi a de no poder ver o seu filho antes de ele j ser homem. Em tudo o que dizia respeito a Ceclia, a madre Rikissa agia com corao de pedra. Pouco depois de Ceclia dar luz, j ela foi colocada de novo a trabalhar duro entre as conversae, embora ainda continuasse com febre, suasse muito, estivesse muito plida e tivesse problemas com seu peito. Ao se aproximar o Natal naquele que seria o seu primeiro ano no convento, chegou o bispo Bengt, de Skara, de visita e, quando ele viu Ceclia se esgueirando no claustro, inconscientemente empalideceu. Depois disso, teve uma conversa reservada com a madre Rikissa, conversa que ningum pde escutar. Logo no mesmo dia, Ceclia foi levada para o infirmatorium e, da em diante, recebeu diariamente as pitenser, quantidades extras de comida que os devotos ofereciam para os habitantes do convento: ovos, peixe, po branco, manteiga e at um pouco de carne de cordeiro. Falava-se em segredo em Gudhem a respeito dessas pitenser que chegavam para Ceclia. Algumas acreditavam que vinham do bispo Bengt, outras que vinham da senhora Helena ou do prprio Birger Brosa. Deixou tambm de padecer o sofrimento de sangrar e, em breve, as cores

tinham voltado s suas faces, ganhando ainda um pouco mais de peso. Mas a esperana parece que a tinha abandonado. Passava a maior parte do tempo resmungando baixo, para si mesma. Quando o inverno envolveu a Gtaland Ocidental com o frio e o gelo, os trabalhos ao ar livre foram todos suspensos, tanto para as novias como para Ceclia. Foi um alvio, mas, ao mesmo tempo, as noites se tornaram cada vez mais sofridas. Nesses primeiros anos em Gudhem, as conversae ainda no tinham dormitriurn prprio, dormiam no andar por cima da sala do captulo, junto com as familiares. Como era contra os regulamentos ter aquecimento no dormitorium, era muito importante saber em que lugar da sala a cama de cada uma se encontrava. Quanto mais longe das duas janelas, melhor seria. Ceclia, claro, recebeu a indicao de dormir bem junto da parede de pedra e por baixo de uma das janelas, de modo que o frio descesse sobre ela como uma corrente de gua gelada. As outras familiares dormiam no outro lado da sala, bem junto da parede interna. Entre Ceclia e as suas seculares irms inimigas, dormiam as oito conversae que jamais ousavam falar com