12
O FENÔMENO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL: sua particularidade no rural brasileiro do século XXI Jaqueline da Silva Lima 1 Resumo O trabalho trata sobre o fenômeno do desemprego estrutural e visa refletir sobre elementos que possam aportar teoricamente as discursões sobre a realidade do desemprego no Brasil rural, e como as suas consequências impactam no cotidiano dos trabalhadores rurais. Após apresentada a discussão, buscou-se entender este fenômeno na atualidade, a partir do processo de reestruturação produtiva, como decorrência da crise estrutural do capital, que na busca incessante de acumulação, gerou o desemprego estrutural e global, atingindo todos os níveis de trabalho, inclusive os existentes no rural. Palavras-chave: Capitalismo; Trabalho Rural; Desemprego Estrutural. Abstract The paper deals with the phenomenon of structural unemployment and aims to reflect on elements that can theoretically contribute the discursions about the reality of unemployment in rural Brazil, and how its consequences impact the daily lives of rural workers. After presenting the discussion, we sought to understand this phenomenon at the present time, from the process of productive restructuring, as a result of the structural crisis of capital, which in the incessant search for accumulation, generated structural and global unemployment, reaching all levels of work, including those in the rural areas. Keywords: Capitalism; Rural Work; Structural Unemployment. 1 Pós-Graduação em Saúde Pública. Faculdade de Ensino Regional Alternativa. E-mail: [email protected].

Jaqueline da Silva Lima

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Jaqueline da Silva Lima

O FENÔMENO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL: sua particularidade no rural brasileiro

do século XXI

Jaqueline da Silva Lima1

Resumo O trabalho trata sobre o fenômeno do desemprego estrutural e visa refletir sobre elementos que possam aportar teoricamente as discursões sobre a realidade do desemprego no Brasil rural, e como as suas consequências impactam no cotidiano dos trabalhadores rurais. Após apresentada a discussão, buscou-se entender este fenômeno na atualidade, a partir do processo de reestruturação produtiva, como decorrência da crise estrutural do capital, que na busca incessante de acumulação, gerou o desemprego estrutural e global, atingindo todos os níveis de trabalho, inclusive os existentes no rural. Palavras-chave: Capitalismo; Trabalho Rural; Desemprego Estrutural.

Abstract The paper deals with the phenomenon of structural unemployment and aims to reflect on elements that can theoretically contribute the discursions about the reality of unemployment in rural Brazil, and how its consequences impact the daily lives of rural workers. After presenting the discussion, we sought to understand this phenomenon at the present time, from the process of productive restructuring, as a result of the structural crisis of capital, which in the incessant search for accumulation, generated structural and global unemployment, reaching all levels of work, including those in the rural areas.

Keywords: Capitalism; Rural Work; Structural Unemployment.

1 Pós-Graduação em Saúde Pública. Faculdade de Ensino Regional Alternativa. E-mail: [email protected].

Page 2: Jaqueline da Silva Lima

I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto os fundamentos do desemprego estrutural a

partir da Lei Geral da Acumulação Capitalista de K. Marx, e aprofundadas pelas reflexões de

Mézsáros a respeito do desemprego na atualidade, este chamado pelo autor de desemprego

crônico ou estrutural. Assim, partimos da premissa que o desemprego estrutural no rural se

expressa como causa e/ou consequência das transformações societárias ao longo da

consolidação do sistema capitalista. Sendo no processo de acumulação primitiva do sistema

do capital que se gesta as bases para o surgimento dos desempregados no rural mediante

um processo de desapropriação de terras dos camponeses em prol do desenvolvimento do

capital. Dessa forma, a consolidação do capitalismo no rural brasileiro redefine a estrutura

socioeconômica e política do trabalhador rural, que se vê forçado a criar e recriar alternativas

que lhe garantam o mínimo para a sua reprodução social.

Em meados do século XX, o desemprego tornou-se estrutural, decorrente de uma

crise estrutural que o sistema adentrara. O desemprego torna-se global, pois afeta toda classe

de trabalhadores independente de ser um trabalho estável ou não, de estar no urbano ou no

rural, pois no desemprego estrutural, o capital expulsa muitos trabalhadores conforme sua

necessidade, sem se preocupar com a condição de existência humana. Como também afeta

extremamente a organização dos processos de trabalho, desde o consumo e gestão da força

de trabalho até as condições e relações de trabalho. Envolvendo uma intensificação do

trabalho e uma ampliação da jornada para aqueles que permanecem em seus serviços. Ou

seja, nesse processo histórico em que o desemprego estrutural se encontra existe uma

redução a demanda de trabalho vivo ante o trabalho morto.

Assim, a temática a ser desenvolvida objetiva pesquisar a relação trabalho-

desemprego e sua relação com o desenvolvimento capitalista, bem como o processo histórico

que forneceram as bases para o desemprego estrutural no rural e sua característica na

particularidade brasileira. Para isso, estudar as formas de trabalho, a partir de clássicos da

teoria machista, são necessários a fim de estabelecer as mediações possíveis face aos

objetivos deste estudo sem perder de vista que em uma pesquisa “[...] toda conclusão é

sempre provisória, sujeita à comprovação, retificação, abandono etc. [...]” (PAULO NETTO,

s.d).

II. BREVE REFLEXÃO A RESPEITO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL

Page 3: Jaqueline da Silva Lima

É importante destacar que o fenômeno do desemprego é demonstrado por Karl Marx

(1984) na Lei Geral da Acumulação Capitalista através do exército industrial de reserva ou

superpopulação relativa, ao pontuar que o enriquecimento capitalista depende diretamente do

empobrecimento da classe trabalhadora, tornando o desemprego um fator integrante e

essencial do modo de produção capitalista.

Marx (1984) ressalta, que a superpopulação relativa existe em diversos matizes e

que o trabalhador pertence a ela durante todo o tempo em que está desempregado parcial ou

inteiramente, numa de suas três formas. A primeira, fluente ou líquida, na qual os

trabalhadores são ora repelidos, ora atraídos, e em que o número de ocupados cresce, ainda

que em proporção sempre decrescente em relação à produção. A segunda, a latente,

caracteriza-se a partir do momento que a produção capitalista se apodera da agricultura,

fazendo decrescer a demanda de população trabalhadora rural de modo absoluto, sem que

sua repulsão, como na indústria não agrícola, seja complementada por maior atração. Disso

decorre que parte da população do rural continuamente se transfere para o proletariado

urbano, à espera de circunstâncias favoráveis. A terceira forma de superpopulação, a

estagnada, abarca uma parte considerável do exército ativo de trabalhadores, mas com

ocupação completamente irregular. Das três formas de superpopulação, a forma latente é a

que concerne ao desemprego no rural.

O desemprego constitui uma arma poderosa do capital contra o trabalhador. Através

dele o capital determina as condições da existência social do trabalhador, fazendo com que

suas condições tendam cada vez mais para o domínio necessário à reprodução de suas

necessidades biológicas e sociais. É o que Mészáros (2002) chama de limite absoluto do

sistema; o desemprego, a partir de 1970, torna-se estrutural e crônico (Mészáros, 2002).

A caracterização do desemprego estrutural está associada a um conjunto de fatores

que emerge a partir de um determinado momento histórico de desenvolvimento do

capitalismo, quando houve a generalização da sociedade salarial.

Nesse contexto, o sistema do capital controlou o trabalho de forma direta,

acarretando assim as crises2 – num primeiro momento, as crises cíclicas, e posteriormente, a

crise estrutural. Neste momento da crise estrutural, o problema do desemprego só se agrava

2É importante esclarecer a diferença entre uma crise cíclica e uma crise estrutural. Conforme Mészáros: “Em termos simples e gerais, uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em todas as relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros complexos aos quais é articulada. Diferentemente, uma crise não estrutural afeta apenas algumas partes do complexo em questão, e assim, não importa o grau de severidade em relação às partes afetadas, não pode pôr em risco a sobrevivência contínua da estrutura global” (2002, p. 797).

Page 4: Jaqueline da Silva Lima

e traz sérias implicações para a vida humana, com expansão em escala mundial, em

proporções cada vez maiores, tanto no setor de produção urbano como no rural.

Como afirma Mészáros (2006, p. 27):

Atualmente, nenhum setor de trabalho está imune à miséria desumana do desemprego e do “trabalho temporário” (casualisation). Na verdade, o “trabalho temporário” é chamado, em algumas línguas, de “precarização”, apesar de, na maioria dos casos, seu significado ser tendenciosamente deturpado como “emprego flexível” [...]. A questão não é se o desemprego ou o “trabalho temporário flexível” vai ameaçar os trabalhadores empregados, mas quando estes, forçosamente, vão vivenciar a precarização.

Dessa forma, percebe-se como as transformações no mundo do trabalho darão

resposta à crise estrutural, postulando aos trabalhadores postos de trabalhos precários,

temporários, sem nenhuma garantia de direitos. Esse é o quadro quando se consegue um

trabalho temporário, pois quando não, engrossa-se a fileira dos desempregados. É nesse

contexto que a reestruturação produtiva no mercado de trabalho se consolida como

consequência das mudanças ocorridas no sistema, devido à crise estrutural.

A reestruturação produtiva afeta radicalmente a organização dos processos de trabalho: o consumo e gestão da força de trabalho, as condições e relações de trabalho, assim como o conteúdo do próprio trabalho. Envolve a intensificação do trabalho e a ampliação da jornada, a redução dos postos de trabalho e a precarização das condições e dos direitos do trabalho. Reduz-se a demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado incorporado nos meios de produção, com elevação da composição técnica e de valor do capital, ampliando o desemprego estrutural. (IAMAMOTO 2008, p. 143-144).

O desemprego estrutural caracteriza-se pelo seu caráter universal, atingindo todas

as esferas da produção e dos serviços e expulsando massas de trabalhadores do processo

produtivo. Como assevera Mészáros (2006), nenhum setor está imune ao desemprego,

existindo também milhões de desempregados nos países industrialmente mais

desenvolvidos. Esse autor ainda esclarece que existem muitos outros milhões sem trabalho

apropriado, mas que não se encontram nos registros. É o que se observa ao analisar o

desemprego no rural brasileiro, a partir de alguns documentos do Dieese (2014), onde

algumas pesquisas apontam uma pequena porcentagem de desempregados no rural, porém

existem ainda aqueles trabalhadores que estão desempregados, mas não foram

contabilizados, pois estavam inseridos em algum serviço na data da pesquisa. Esse quadro

que é a causa da degradação humana é efeito da contradição entre capital e trabalho.

Segundo Mészáros,

[...] o que torna a situação grave é que a precarização e a insegurança avançam por toda a parte no mundo do trabalho: o trabalho sem garantias e mal pago está se alastrando como uma mancha de óleo, ao passo que mesmo o trabalho mais estável está sofrendo uma pressão em direção à instabilidade sem precedentes e a uma submissão aos mais diversificados horários de trabalho. (MÉSZÁROS, 2006, p. 37).

Page 5: Jaqueline da Silva Lima

O capital expulsa muitos trabalhadores conforme sua conveniência, transformando

grandes massas de homens/mulheres em supérfluos. Por essa razão, o sistema impõe aos

trabalhadores que aprendam as funções de outros trabalhadores, para que assim um só

possa exercer a função de vários e o capital acumule o máximo utilizando o mínimo possível

de força de trabalho. Esta é a caracterização da exploração através do trabalho polivalente.

Para Mészáros (2006), esse desenvolvimento do capital impossibilita a superação da crise

estrutural e consequentemente também do desemprego estrutural, que mantém suas raízes

na estrutura capitalista, alcançando todos os países, sendo os maiores prejudicados os

trabalhadores, que passam a viver sem condições mínimas de subsistência e nas fileiras do

desemprego.

Adotaram-se várias alternativas3 para o enfrentamento do desemprego, no entanto,

todas estão distantes de até mesmo amenizar as catástrofes decorrentes do desemprego

nessa fase do processo de produção capitalista. De acordo com Paulo Netto (2001), a questão

social não será suprimida nessa forma de sociabilidade, como também o desemprego, por se

configurar como uma expressão da questão social, não será suprimido nesta forma de

sociabilidade.

Assim, a crise estrutural se agrava cada vez mais e expõe os limites absolutos do

capital; este se assemelha, nas palavras de Santos Neto (2015, p. 272), “a um verdadeiro

feiticeiro que suscita a criação de forças que ele mesmo não consegue controlar”. Um exemplo

é o movimento constitutivo do exército industrial de reserva, o qual, segundo Marx (1984),

serve de instrumento à lógica de apropriação de mais trabalho e representa um conjunto de

forças que ultrapassam a capacidade de controle do sistema do capital.

O desemprego, na visão de Mészáros (2002), aparece como um complexo

essencialmente contraditório à existência do sistema do capital, porque ele pode dinamitar o

controle absoluto do capital sobre o trabalho.

É importante observar o caráter de dois gumes da contradição do desemprego crônico. Pois ele tende a produzir dinamite social dentro da estrutura do sistema do capital, independentemente das formas de solução procuradas. Neste sentido, considerado em si mesmo, o desemprego sempre crescente mina a estabilidade social, trazendo consigo o que até os círculos oficiais reconhecem ser “consequências indesejáveis”, depois de muitos anos de negar que as tendências negativas do desenvolvimento denunciadas tivessem algo a ver com o câncer social do desemprego crônico. (MÉSZÁROS, 2002, p. 343).

3 Estas alternativas podem ser mencionados a partir do “Estado de bem-estar social”, o qual segundo Mészáros (2002, p. 330): “está hoje só em situação tão problemática, mas, para todos os efeitos, morto”. Como também outra alternativa é o projeto neoliberal, com a desregulamentação, a flexibilização e a privatização. Porém, todas essas alternativas são medidas que visam o aumento do lucro do capital e não a melhoria para a classe trabalhadora.

Page 6: Jaqueline da Silva Lima

Esse autor explica que o desemprego manifesta-se como uma patologia que afeta

toda a estrutura do sistema, esta de difícil administração. Acrescenta ainda que, “sob essas

circunstancias, ativa-se a ‘explosão populacional’ sob a forma de desemprego crônico, como

um limite absoluto do capital” (MÉSZÁROS, 2002, p. 333). Santos Neto (2015, p. 273) explica:

“o desemprego não é um fenômeno circunscrito às economias dependentes e atrasadas do

planeta, mas uma experiência que unifica as economias centrais às economias periféricas,

constituindo um fenômeno universal e abrangente”.

O desemprego estrutural é um fenômeno que afeta as diferentes economias

capitalistas no mundo. Não é exclusivo dos países de capitalismo, mas uma característica

inerente ao modo de ser do capital. E não está relacionado à falta de condições de um lugar

para gerar emprego ou simplesmente à falta de qualificação, à falta de vontade de trabalhar

do homem/mulher, ou ainda, voltando para o rural, não é um problema da seca ou decorrente

da falta de vontade de cultivar a terra. Mas sua configuração se dá como estratégia para

amenizar a crise, aumentar o lucro do capitalista e a concentração de terra, configurando

assim que o desemprego do rural é mais um problema de “cerca” (Albuquerque, 2013)

(concentração fundiária) que de seca.

Tratamos até aqui a caracterização do desemprego estrutural a partir das

transformações no campo do mercado de trabalho mediadas pela crise estrutural do sistema

de 1970. Na particularidade brasileira, o fenômeno do desemprego estrutural não se dá de

forma diferente, pois, como vimos em Marx e em Mészáros, a essência do controle do capital

sobre o trabalho se expressa em todas as economias sob o domínio do sistema capitalista e

conforme as particularidades de cada país ou região. É o que se observará a seguir ao tratar

do desemprego no rural brasileiro.

III. DESEMPREGO ESTRUTURAL NA PARTICULARIDADE DO RURAL BRASILEIRO:

CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

No processo de mudanças na economia brasileira, o desemprego aparece a partir

da intensificação do desenvolvimento da indústria na primeira metade do século XX e se

consolida no pós-1964, principalmente depois de o capital adentrar sua crise estrutural, que

afeta todos os ramos da produção. Pochmann (2006, p. 33) relata que entre “as décadas de

1930 e 1970, o problema do desemprego foi relativamente pequeno ante as altas taxas de

crescimento econômico que elevaram rapidamente o nível de emprego no Brasil”.

Page 7: Jaqueline da Silva Lima

Na opinião de Santos (2012), o desemprego das áreas rurais tem causalidades

diferenciadas, haja vista esse processo se acentuar no rural antes mesmo que no meio

urbano, agravando-se após 1970 com os ajustes neoliberais, que intensificam ainda mais o

desemprego no rural. É que “o capitalista da indústria, o proprietário de terra e o capitalista

da agricultura têm um só nome, são uma só pessoa. Para produzir utilizam o trabalho do

assalariado, dos boias-frias” (OLIVEIRA, 2013, p. 62). Por isso, o desemprego rural, enquanto

fator constitutivo da acumulação do capital, deve ser visto “[...] como um aspecto do processo

de integração de contingentes populacionais crescentes a um sistema capitalista-industrial e

que só pode ser entendido como parte de um conjunto de transformações que afetam, embora

de modo desigual, tanto o campo quanto a cidade” (DURHAM, 1984, p. 214 apud MEDEIROS,

2014, p. 50).

Assim, com as constantes investidas do capital no meio rural e as migrações da

população do campo para a cidade, em 1970 a população urbana se torna majoritária sobre

a população rural. Em 1980, de acordo com o Dieese (2014), o rural possuía apenas 32,3%

da população total brasileira. A estimativa para 2050 é de apenas 8% da população total

brasileira residente no rural. Essa redução drástica da população rural foi provocada por

diversos fatores advindos das várias transformações ocorridas na sociedade e no seu modo

de produção capitalista. Como também são a causa do acentuado aumento do desemprego

no rural, e do significativo aumento das migrações para centros urbanos.

Vale pontuar que entre 1960 e 1985, o número de ocupados no meio rural brasileiro,

conforme o DIEESE (2014), passou de 15,6 milhões para 23,4 milhões de trabalhadores, ou

seja, houve crescimento de postos de trabalho. Porém, a partir de 1985, devido às

transformações ocorridas no rural, oriundas da crise estrutural e dos ajustes neoliberais,

verifica-se uma contínua redução das ocupações rurais. Em 1995, apenas 17,9 milhões de

trabalhadores existiam no rural. Já em 2013, o Dieese contabilizou uma redução de 2,7

milhões de ocupados – uma queda de 15,1% nas ocupações rurais, estas que em sua maioria

se dão sem nenhuma garantia de direito trabalhista, isto é, não são trabalhos formais.

A pesquisa do Dieese (2014) justifica esse argumento, ao expor que, em 1970, havia

pouco mais de 160 mil tratores em operação no meio rural. Em 2013 eram quase 1,2 milhão,

e em 2050 estima-se que o número de tratores possa chegar a 1,7 milhão. A elevação do

desempenho dessas máquinas (com maior produtividade) implica a demanda de uma mão de

obra mais qualificada e escolarizada, ao tempo que aumenta o desemprego nesse setor.

Assim, as inovações tecnológicas no campo são aliadas do capital para aumentar a

renda fundiária. Estas inovações auxiliam na intensificação da redução dos postos de

trabalho, aumentando a desigualdade fundada na má distribuição das terras brasileiras e a

Page 8: Jaqueline da Silva Lima

condição precarizada da classe trabalhadora desde o período colonial. Não há dúvida de que

as inovações tecnológicas aumentaram a produtividade do trabalho, porém diminuíram a

quantidade de trabalhadores empregados, o que confirma a lei geral da acumulação

capitalista. Um exemplo é o setor canavieiro, que em decorrência da “redução/eliminação da

queima da palha da cana, a taxa de mecanização dos canaviais na região Centro-Sul saltou

de 34,2% em 2006/2007 para 83% em 2013/2014. Isso implicou a redução de mais de 100

mil postos de trabalho, apenas nesse setor” (DIEESE, 2014, p. 15).

A análise feita pela pesquisa do Dieese (2014) mostra que o número de empregados

ou assalariados no rural (com e sem carteira de trabalho assinada), “no período de 2004 a

2013, passou de 4,9 milhões a 4 milhões (-18,2%) O número de empregadores caiu de 559

mil para 267 mil (-52,2%)” (Pnad/IBGE, 2010 apud DIEESE, 2014, p. 9). Essa diminuição

reflete o quantitativo de desempregados no rural brasileiro, resultado da concentração e

centralização da propriedade de terras, decorrente da elevada capitalização do meio rural nos

últimos tempos, inclusive através da participação de grandes volumes de capital

internacional4.

Nesse contexto, a taxa de assalariamento por produção e informalidade prevalece

no rural brasileiro, onde mais da metade dos trabalhadores do campo são informais:

Em 2013, entre os 4 milhões de ocupados empregados (ou assalariados), a maioria (59,4% ou 2,4 milhões) encontrava-se como empregado sem carteira de trabalho assinada, e 40,6% (1,6 milhão) como empregados com carteira de trabalho assinada [...]. Em outras palavras, a maior parte dos trabalhadores assalariados rurais no Brasil está em situação de trabalho ilegal (ou informal), ou seja, sem nenhuma das proteções garantidas pelo vínculo formal. Esta taxa de ilegalidade ou informalidade está bem acima da taxa geral do país, em torno dos 50,0%. (PME/IBGE, agosto 2014, apud

DIEESE, 2014, p. 11).

Isso gera uma instabilidade para esses trabalhadores ilegais, pois quando não

servem mais ao empregador/capitalista são descartados no “pântano do pauperismo”5 e se

tornam desempregados. O rural do Norte e do Nordeste brasileiro são os que apresentam as

maiores taxas de ilegalidade (77,1% nas duas regiões). Em algumas unidades da federação,

como Acre, Ceará e Sergipe, essas taxas de informalidade/ilegalidade ultrapassam os 90%.

Pode-se inferir que nesses estados há uma maior taxa de desemprego, visto que, como afirma

Santos (2012), com uma maior taxa de ilegalidade há também uma maior probabilidade de

4O desenvolvimento rural brasileiro no período recente está profundamente marcado pelo modelo agrícola conduzido pelo agronegócio empresarial, produto histórico da articulação entre o capital financeiro, o capital industrial e a grande propriedade territorial, e fortemente apoiado por intervenções governamentais. (DIEESE, 2012 apud DIEESE, 2014, p. 9). 5Termo utilizado por Marx (1984), ao se referir à superpopulação latente.

Page 9: Jaqueline da Silva Lima

demissões para renovar o quadro de trabalhadores ou reduzi-lo, devido à crise estrutural pela

qual o capital vem passando.

Algumas pesquisas apontam que está diminuindo a informalidade no rural brasileiro,

no entanto, esta diminuição está mais associada à extinção dos postos de trabalho ou à

migração para outros setores do que ao avanço da formalização dos postos existentes. Há,

na verdade, uma elevação do desemprego estrutural no rural, e não uma diminuição da

ilegalidade ou um aumento de ocupação.

Como descrito por Pochmann (2009, p. 49):

[...] a inflexão no ritmo de expansão da economia brasileira implica desemprego maior, acompanhado da degradação de parte dos postos de trabalho existentes, sobretudo no setor privado. A informalidade no interior das ocupações tende a aumentar em razão da ausência de um sistema universal de garantia de renda a todos desempregados.

O autor explica o porquê da elevada taxa de informalidade, e posteriormente, a queda

dela, que não significa aumento de postos de trabalho formal, mas sim elevação do índice de

desemprego. Pois “800 mil postos de trabalho foram extintos no mesmo período no rural [...]

principalmente a partir de 2007” (DIEESE, 2014, p. 15), sendo uma das razões a mudança na

composição orgânica do capital, com maior intensificação na mecanização nos processos

produtivos.

Assim, baixa escolaridade aliada à informalidade se traduz em baixa remuneração,

e consequentemente, em pobreza. “Entre os trabalhadores assalariados informais, 30,5%

tinham rendimento de zero a meio salário mínimo (SM), enquanto 72,3% auferiam rendimento

médio mensal de até 1 SM” (DIEESE, 2014, p. 18).

Nesse contexto, um dos fatos que colaboram para que o trabalhador rural aceite

trabalhar em vínculos informais é que ele mantenha residência na propriedade onde trabalha,

situação conhecida como “morador de fazenda”, o antigo colono, na verdade. Isto propicia

que este trabalhador não vá procurar vínculos trabalhistas em outras propriedades. No

entanto, normalmente os filhos desses trabalhadores migram para outros locais em busca de

trabalho de curta duração, vendem sua força de trabalho em determinado período do ano, e

no outro período se tornam trabalhadores para o próprio consumo ou desempregados, pois

com as novas leis trabalhistas, nem sempre esses trabalhadores têm direito ao seguro

desemprego, e os que vão trabalhar na informalidade, ao retornarem para suas realidades,

voltam como desempregados.

Esse aspecto é conhecido como sazonalidade da produção rural; o problema da

entressafra aumenta a precariedade do trabalho.

Page 10: Jaqueline da Silva Lima

No caso inglês, Marx afirma que houve a necessidade da intervenção do Estado para conter o extermínio dos trabalhadores pelo capital. No caso brasileiro, não há nenhuma medida neste sentido. Os trabalhadores mortos e os incapacitados são substituídos constantemente pelos integrantes do enorme exército de reserva, geralmente provenientes das regiões mais pobres do país. (SILVA, M., 2010, p. 42).

O fato de as culturas (cana-de-açúcar, milho, soja, café, laranja) terem seus períodos

de plantio, tratos e colheita diferenciados faz com que grande parte dos trabalhadores seja

contratada para etapas diferentes desse processo, o que torna as contratações temporárias

ou de curta duração algo comum ao mercado de trabalho rural. A pesquisa do Dieese (2014,

p. 23) pontua que “31,9% dos assalariados estão em empregos temporários, sendo que,

nessa situação, estão 47,2% dos empregados sem carteira assinada, contra 9,5% dos com

carteira”. Confirma assim que nessa sazonalidade o que prevalece são os empregos

informais, e que ao acabar a safra daquela cultura o trabalhador rural migra em busca de outro

plantio (sem garantia de ser absorvido) ou engrossa a fileira dos desempregados.

Com isso, os trabalhadores excedentes (desempregados) têm se transformado em

verdadeiros itinerantes precarizados em busca de trabalho em várias regiões do país. “Ao

contrário da realidade de muitos países ricos, onde os direitos e a cidadania ainda preservam

o status dos desempregados, a situação brasileira, especificamente desse contingente do

rural, é marcada pela despossessão e desenraizamento constantes” (SILVA, 2010, p. 31). É

na luta pela sobrevivência, que estes trabalhadores resistem à condição de “párias, de

mendigos” (SILVA, 2010, p. 32).

Essa precarização é caracterizada no meio rural pela terceirização da mão de obra

e pelo salário por produção6, causas principais do desemprego estrutural no campo, as quais

geralmente são associados à informalidade, à subcontratação, ao trabalho análogo à

escravidão e a outros problemas relativos ao mundo do trabalho rural. Essa forma de

exploração do trabalho resulta sempre na violação direta ao sistema de proteção social do

trabalhador.

IV. CONCLUSÃO

O que fica posto diante dessa reflexão é que estes trabalhadores desempregados

tornam-se clandestinos no próprio país e são despachados como mercadoria barata, segundo

6Segundo Guanais (2013, p. 305), salário por produção ou salário por peça é uma forma específica de remuneração que atrela o pagamento do trabalhador à quantidade de trabalho realizada por ele na produção. É uma modalidade salarial bastante antiga (utilizada não só no meio rural, mas também no meio urbano) e definiu-se ainda mais após o processo de reestruturação produtiva.

Page 11: Jaqueline da Silva Lima

Silva (2010). Pois “quando partem, nutrem a esperança de melhores dias, possuem algum

fulgor na alma. O regresso forçado imprime-lhes a miséria da alma, amplia o estado de

alienação em que vivem, estampado em suas faces uma única certeza, a de sobrantes”

(SILVA, 2010, p. 53).

São, de fato, estrangeiros no seu próprio país. Os desempregados do rural têm a

vida “suspensa por um fio”, vagando de um canto a outro neste imenso país, suportando as

tarefas mais pesadas, discriminados, muitas vezes, suportando até mesmo a escravidão,

desprovidos dos mínimos direitos, inclusive do direito de ir e vir. A única esperança que

possuem é não se tornarem mendigos, condenados a uma verdadeira morte social.

O que fica posto diante dessa reflexão é que “analisar o mercado de trabalho rural é

revelar um mosaico de relações sociais que permeiam o campo brasileiro desde o final do

século XIX e que são desafios para a construção de uma agenda de políticas públicas dirigida

para superá-los” (DIEESE, 2014, p. 2), pois ainda faltam políticas específicas que sirvam de

suporte e incentivo aos trabalhadores rurais em situação de informalidade e desemprego. As

políticas de emprego, moradia, saúde, educação e qualificação são de difícil acesso para os

trabalhadores rurais, e muitas vezes inexistentes; em sua maioria, são apenas focos

assistencialistas para manter o trabalhador vivo e contribuinte da lógica do capital,

preservando a concentração de renda e a busca incessante de lucro, a qual é legitimada pela

Lei Geral de Acumulação Capitalista.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, C. F. de. Mulher de migrante: labor e empoderamento na vida da mulher do sertão de Alagoas. In: Terra em Alagoas: temas e problemas. Maceió: EDUFAL, 2013. DIEESE. A situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000. / DIEESE - São Paulo, 2012. DIEESE. O mercado de trabalho assalariado rural brasileiro. / DIEESE – São Paulo, 2014. GUANAIS, J. B. “QUANTO MAIS SE CORTA, MAIS SE GANHA”: uma análise sobre a funcionalidade do salário por produção para a agroindústria canavieira. In: Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2013. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo, Cortez, 2008. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010. Rio de Janeiro. Disponível em: <www.biblioteca.ibge.gov.br>. Acesso em: 06 jan 2017.

Page 12: Jaqueline da Silva Lima

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário – 2006. Rio de Janeiro. Disponível em: <www.biblioteca.ibge.gov.br>. Acesso em: 06 jan 2017. MARX, K. O capital. Vol. I, tomo 2, São Paulo: Abril cultura, 1984. MEDEIROS, L. C. Pauperização e migração no campo: efeitos do capitalismo em Alagoas. UFAL. Campus Arapiraca. Unidade E. de Palmeira dos Índios. Maceió, 2014. MÉSZÁROS, I. Desemprego e precarização: um grande desafio para a esquerda. In: Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. Tr. Claudete Pagotto, São Paulo, Boitempo, 2006. MÉSZÁROS, I. O desemprego crônico: o significado real da “explosão populacional”. In: Para além do capital: Rumo a uma teoria da transição. Tr. Paulo César Catanheira e Sergio Lessa. 1ª ed. São Paulo, Editora da UNICAMP/Boitempo, 2002. OLIVEIRA, A. U. de. O Campo brasileiro no final dos anos 1980. In: A questão agrária no Brasil: o debate na década de 1990. São Paulo: Expressão Popular, 2013. PAULO NETTO, J. Cinco notas a propósito da questão social. Temporalis, Brasília, n. 3, 2001. _____________. Introdução ao método da teoria social. [s.d]. Disponível em: <http://pcb.org.br/portal/docs/int-metodo-teoria-social.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2017. POCHMANN, M. Desempregados do Brasil. In: ANTUNES, R. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. POCHMANN, M. O trabalho na crise econômica no Brasil: primeiros sinais. Estudos Avançados, São Paulo, v.23, n. 66, p. 41-52, 2009. SANTOS, J. S. “Questão Social”: particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012. – (Coleção biblioteca básica de serviço social; v.6) SANTOS NETO, A. B. dos. Capital e trabalho na formação econômica do Brasil. São Paulo: Instituto Lukács, 2015. SILVA, M. A. M. Se eu pudesse, eu quebraria todas as máquinas. In: O avesso do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.