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Cadernos de Educação Escolar Indígena

Jasom de Oliveira (2011) - Cadernos de Educação Escolar Indígena P

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Cadernos de

Educação Escolar Indígena

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GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO

Silval da Cunha BarbosaGovernador

Eliene LimaSecretário de Estado de Ciência e Tecnologia

Ságuas Moraes de SousaSecretário de Estado de Educação

Félix Rondon AdugoenauCoordenador da Educação Escolar Indígena

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO

Márcio Augusto Freitas de MeiraPresidente

Deusuleide Sá CâmaraCoordenadora Geral de Educação

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Fernando HaddadMinistro da Educação

Claudia Pereira DutraSec. de Educ. Continuada, Alfabetização

e Diversidade

PREFEITURA MUNICIPAL DE BARRA DO BUGRES

Wilson Francelino de OliveiraPrefeito

Joana Miriam Pereira CarrascoSecretária Municipal de Educação

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

Adriano Aparecido SilvaReitor

Dionei José da SilvaVice-Reitor

Ana Maria Di RenzoPró-Reitora de Ensino de Graduação

Áurea Regina Alves IgnácioPró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação

Leila Cristiane DelmadiPró-Reitora de Extensão e Cultura

Ariel Lopes TorresPró-Reitor de Gestão Financeira

Weily Toro MachadoPró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento

Institucional

Valter Gustavo DanzerPró-Reitor de Administração

Francisco Lledo dos SantosPró-Reitor de Assuntos Estudantis

Alexandre Gonçalves PortoDiretor de Unidade Regional

FACULDADE INDÍGENA INTERCULTURAL

Elias JanuárioDiretor

Francisca Navantino de Ângelo ParesiRepresentante Indígena

Fernando Selleri SilvaCoordenador Administrativo

EDITORA UNEMAT

Agnaldo Rodrigues da Silva

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Faculdade Indígena Intercultural

Série Periódicos

Cadernos de

Educação Escolar Indígena

v. 9, n. 1 - 2011Cáceres - MT

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Editores / Organizadores

- Elias Januário- Fernando Selleri Silva

Assessora de Publicações

- Maria Margarete Noronha Valentim

Comissão Editorial

- Adailton Alves da Silva - UNEMAT- Bruna Franchetto - UFRJ- Darci Secchi - UFMT- Elias Januário - UNEMAT- Fernando Selleri Silva - UNEMAT- Filadelfo de Oliveira Neto - CEI/MT- Flávio Teles C. da Silva - UNEMAT- Francisca Navantino Paresi - OPRIMT- Germano Guarim Neto - UFMT- Marcus Antonio Rezende Maia - UFRJ- Maria Aparecida Rezende - UFGD

Cadernos de Educação Escolar IndígenaVolume 9, Número 1, 2011CáceresMato GrossoBrasil

As informações contidas são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

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Faculdade Indígena Intercultural

Série Periódicos

v. 9, n. 1 - 2011Cáceres - MT

ISSN 1677-0277

Cadernos de

Educação Escolar Indígena

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Revisão: Fernando Selleri SilvaRevisão Final: Elias JanuárioConsultores: Josana S. Abucarma, Odenil Sant’Ana da Silva, Francisca NavantinoAsseessora de Publicações: Maria Margarete Noronha ValentimProjeto Gráfico/Diagramação/Capa: Fernando FernandesFotos da capa: Acervo Joana Saira / F.I.I.

UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso campus Universitário Dep. Estadual Rene Barbour

Faculdade Indígena Intercultural - Caixa Postal nº 9278390-000 - Barra do Bugres/MT - Brasil

Telefone: (65) 3361-1964http://indigena.unemat.br - [email protected]

SEDUC/MT - Secretaria de Estado de Educação de Mato GrossoSuperintendência de Formação Profissional

Travessa B, S/N - Centro Político Administrativo78055-917 - Cuiabá/MT - Brasil

Telefone: (65) 3613-1021

SECITEC/MT - Secretaria de Estado de Ciência eTecnologia de Mato Grosso

Rua 03, S/N, 3º piso - Centro Político e Administrativo78050-970 - Cuiabá/MT - Brasil

Telefone: (65) 3613-0100

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Prefeitura Municipal de Barra do BugresPraça Ângelo Masson, 1000 - Centro

78.390-000 - Barra do Bugres/MT - BrasilTel: (65) 3361-1921

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Glória Maria Soares Lopes CRVB1 - 2088.

CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA - Faculdade Indígena Intercultural. Organizadores: Elias Januário e Fernando Selleri Silva. Cáceres: Editora UNEMAT, v.9, n.1, 2011.

ISSN 1677-0277 (digital e impressa)

1. Educação Escolar Indígena I. Universidade do Estado de Mato Groso II. Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso III. Coordenação-Geral de Documentação / FUNAI

CDU 572.95 (81): 37

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PREFÁCIO

Este volume tem um significado especial para nós da Universidade do Estado de Mato e do Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso, em particular para toda a equipe que atuou nessa caminhada da consolidação da Faculdade Indígena Intercultural, pelo fato de estarmos completando 10 anos de Educação Superior Indígena na UNEMAT.

O processo de discussão iniciou em 1997, mas a primeira seleção e as aulas tiveram início em julho de 2001, portanto completamos uma década de luta, desafios, superações, conquistas, problemas, alegrias, desafetos, tensões, amizades eternas, ternura, derrotas, respeito, incompreensões, intolerância, descobertas, recuos, enfim, poderíamos usar inúmeras palavras para descrever o que foram esses dez anos.

O importante é que continuamos com o mesmo brilho nos olhos de dez anos atrás, com a mesma perseverança, acreditando ainda mais na importância do trabalho que realizamos, na visibilidade, mesmo que para aqueles que ocuparam ou estão em cargos do sistema público educacional que insistem em não ver o que é óbvio.

Os indígenas estão fazendo valer os direitos preconizados na Constituição Federal e na LDB, estão sendo protagonistas, ocupando os espaços legítimos das suas comunidades, sendo habilitados em nível superior e em pós-graduação, participando efetivamente dos projetos societários de suas etnias, do futuro das novas gerações. Essa sim é a verdadeira comemoração.

É por tudo isso que valeu e vale estar nessa cruzada, algumas vezes inglória, mas que nos enche de orgulho e plenitude de ter contribuído com esse processo. Faríamos tudo outra vez, porque trata de uma vitória da cidadania, do início de um processo de conquista de uma educação realmente de qualidade para os povos indígenas.

Agradecemos a todas as pessoas, professores, técnicos, bolsistas, instituições governamentais e não governamentais e, principalmente ao movimento indígena organizado juntamente com os professores indígenas e anciãos, que foram o esteio para chegarmos até aqui.

Que venham novos desafios e mais uma década de trabalho.Um abraço com sabor de vitória a todos.

Prof. Dr. Elias Januário Diretor da Faculdade Indígena Intercultural

Prof.ª Ms. Francisca Navantino ParesiRepresentante do Conselho de Educação Escolar Indígena

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................11

BILINGUISMO, AQUISIÇÃO, LETRAMENTO E O ENSINO DE MÚLTIPLAS LÍNGUAS EM ESCOLAS INDÍGENAS NO BRASIL ..13

Luiz Amaral

DIFERENCIAS ÉTNICAS Y EDUCACIÓN ...........................................33Edmundo Añez Melgar

O ANDAR DA ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA A PARTIR DA CRIAÇÃO DA ESCOLA INDÍGENA E DO PRIMEIRO CENSO ESCOLAR INDÍGENA ..............................................................................47

Jasom de Oliveira

A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE NA PRÁTICA DOCENTE EM UMA ESCOLA INDÍGENA DE RORAIMA ......................................................65

Everaldo Sarmento Ferreira, Maria Eloisa Farias

FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS KAINGANG: A UNIVERSIDADE NA TERRA INDÍGENA XAPECÓ ...........................85

Lucí T. M. dos Santos Bernardi, Ana Cristina Confortin, Leonel Piovezana

PENSANDO EM ARTE NA EDUCAÇÃO ...............................................92Waldir José Gaspar, Elias Januário

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ............................................................................113

Germano Guarim Neto, Márcia Regina Antunes Maciel, Vera Lucia M. S. Guarim

A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS ...........................................................................................122

Gabrielle Balbo Crepaldi, Elias Januário

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MOSAICO INTERCULTURAL E CÓDIGOS DE VALORES NA LICENCIATURA INDÍGENA EM MATO GROSSO, BRASIL ..........136

Sandra Maria Silva de Lima, Elias Januário

O MANEJO DAS ROÇAS INDÍGENAS E SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE LOCAL. ...................................................................149

Leilacir Beltz, Elias Januário

ESTUDANTES INDÍGENAS NO CURSO DE ENFERMAGEM: NOTAS DE UMA EXPERIÊNCIA NA UNEMAT ...............................................159

Larissa Maria Scalon Lemos, Elias Januário

ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO E TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO NAS LICENCIATURAS INDÍGENAS DA UNEMAT ...................................................................................................165

Elias Januário, Fernando Selleri Silva, Sandra Maria Silva de Lima

RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL .................177Fernando Fernandes Neri, Gilberto Arruda Barbosa, Jean de Oliveira ZahnGraziella Selleri Silva, Robson Amorim de Souza, Elias Januário

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APRESENTAÇÃO

Neste volume do Cadernos de Educação Escolar Indígena temos a satisfação de publicar artigos que relatam experiências de projetos e programas de formação de professores indígenas de outros países e estados brasileiros como os Estados Unidos da América, Bolívia, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo e Santa Catarina. Para nós, de Mato Grosso, da Faculdade Indígena Intercultural é uma honra ver nossa publicação ultrapassando fronteiras, dialogando com outras realidades, outros saberes, outras experiências no contexto da Educação Escolar Indígena.

Por meio de artigos elaborados por Luiz Amaral, Edmundo Melgar, Jasom de Oliveira, Everaldo Ferreira, Maria Farias, Lucí Bernadeti, Ana Confortin, Leonel Piovezana e Waldir Gaspar, temos a oportunidade de conhecer e problematizar aspectos relevantes que vêm ocorrendo na formação de professores indígenas em outros países e estados brasileiros.

Essas comunicações nos possibilitam visualizar como a formação de professores indígenas avançou consideravelmente na última década, estando presente em vários estados da federação. Juntamente com essa caminhada surgem as questões que precisam ser aprimoradas, discutidas, refletidas e repensadas, como algumas das comunicações aqui publicadas fazem com grande propriedade.

Como em volumes anteriores, temos as comunicações que relatam as experiências da Faculdade Indígena Intercultural de Mato Grosso – FII da UNEMAT com o propósito de levar ao público as experiências vivenciadas por docentes e discentes nos cursos de graduação, pós-graduação, projetos de pesquisa e extensão, contribuindo assim com um processo de avaliação e de aprimoramento das nossas ações na medida em que damos visibilidade ao que temos feito.

Desejamos a todos uma leitura proveitosa, com a certeza de nos encontramos no próximo volume do Caderno de Educação Escolar Indígena.

Prof. Dr. Elias Januário Prof. Ms. Fernando Selleri Silva

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BILINGUISMO, AQUISIÇÃO, LETRAMENTO E O ENSINO DE MÚLTIPLAS LÍNGUAS EM ESCOLAS

INDÍGENAS NO BRASIL

Luiz Amaral1

Resumo: O ensino de língua em escolas indígenas é um tema de fundamental importância para as comunidades que lutam para manter suas línguas nativas ao mesmo tempo em que têm que lidar com a língua nacional. Nesse quadro de bilinguismo educacional é importante que os professores indígenas estejam atentos aos avanços nas pesquisas com bilíngues e nas práticas escolares que possam forjar o desenvolvimento linguístico de indivíduos expostos a mais de uma língua. Esse artigo visa contribuir com o debate da educação indígena bilíngue explorando alguns conceitos que norteiam as práticas pedagógicas de segunda língua e que nos ajudam a entender as necessidades linguísticas de falantes multilíngues. No centro desse debate estão as diferenças linguístico-cognitivas entre os processos de aquisição de uma segunda língua e de letramento na língua materna. A compreensão da diferença entre aquisição e letramento pode contribuir de forma decisiva para o estabelecimento de objetivos e práticas educacionais que promovam efetivamente a preservação das línguas locais.

Palavras-chave: Bilinguismo, aquisição, letramento, educação bilíngue, ensino de línguas indígenas.

Abstract: Language instruction at indigenous schools is a fundamental issue to native communities that fight to preserve their local languages and, at the same time, deal with the overwhelming presence of the national one. In this bilingual educational context, it is vital that indigenous teachers be informed about the advances in bilingual research and educational practices that could support the linguistic development of multilingual students. This paper contributes to the debate on bilingual indigenous education by exploring some core concepts in second language acquisition theory and practice. The ultimate goal is to help teachers recognize the linguistic and educational needs of multilingual speakers by understanding the cognitive-linguistic differences between second language acquisition and first language literacy. By taking into consideration the differences between 1 Ph.D. - Ohio State University, Department of Languages, Literatures and Cultures, Spanish and Portuguese – University of Massachusetts Amrest - USA.

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literacy and acquisition, educators can better establish pedagogical goals and practices in language instruction that can effectively promote language maintenance in local indigenous communities.

Keywords: Bilingualism, acquisition, literacy, bilingual education, indigenous language teaching.

Introdução

Dentro do contexto educacional indígena no Brasil, a prática de ensino de línguas é um tema recorrente e central. Por um lado existe a demanda do ensino da língua nacional como ferramenta instrumental para suprir várias necessidades: da comunicação cotidiana com populações não indígenas próximas, até o domínio do português como ferramenta de defesa diante da sociedade nacional. Por outro lado, existe a necessidade do ensino da língua indígena como ferramenta de preservação linguística e cultural. Dentre os muitos cenários linguísticos existentes, encontramos também uma diversidade muito grande nas realidades linguísticas locais. Em alguns casos houve a perda total da língua indígena por parte de certas comunidades; em outros, os jovens só começam a ser expostos ao português após a puberdade; em outros casos ainda a comunidade não fala o português parcial ou totalmente.

Do ponto de vista educacional, esses diferentes cenários bilíngues apresentam diversos desafios que demandam do educador indígena um maior conhecimento sobre o processo de aquisição bilíngue e sobre práticas educacionais apropriadas ao ensino de segunda língua. Esse artigo visa contribuir com o debate da educação indígena bilíngue explorando alguns conceitos que norteiam as práticas pedagógicas de segunda língua e que nos ajudam a entender as necessidades linguísticas de falantes multilíngues.

Pesquisas com bilíngues têm demonstrado várias vantagens em se adquirir mais de uma língua. No âmbito da cognição, os experimentos realizados por BIALYSTOK (2001) indicam que crianças que crescem falando duas línguas desenvolvem habilidades superiores em pelo menos três áreas: (i) comunicação, (ii) elaboração de conceitos linguísticos, e (iii) aprendizagem de múltiplas línguas. BEN-ZEEV (1977) mostra que os bilíngues têm mais facilidade com raciocínio divergente e BIALYSTOK et al (2004) afirma que os bilíngues têm maior facilidade em manter a atenção seletiva, ou seja, em atividades com dois estímulos, os bilíngues são melhores em suprimir o estímulo irrelevante. Do ponto de vista pessoal, PEARSON (2008) argumenta que os bilíngues têm maior facilidade de inserção em diferentes contextos sociais, maior capacidade de conectar-se

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BILINGUISMO, AQUISIÇÃO, LETRAMENTO E O ENSINO DE MÚLTIPLAS LÍNGUAS EM ESCOLAS...

com a cultura de seus antepassados e de desfrutar de representações artísticas em mais de uma língua, além de terem maiores oportunidades profissionais e educacionais. Ela também argumenta que o pluralismo linguístico contribui para uma maior diversidade social, tolerância entre indivíduos e respeito por minorias. Até mesmo a saúde mental de um indivíduo poder ser beneficiada pelo fato dele falar mais de uma língua. Segundo BIALYSTOK et al (2007), os bilíngues que usam suas línguas em seu cotidiano têm um atraso de (em média) cinco anos no desenvolvimento de doenças degenerativas do cérebro, como o mal de Alzheimer.

Em sociedades indígenas dentro e fora do Brasil, o bilinguismo traz ainda vantagens fundamentais do ponto de vista socioeconômico e territorial. Populações indígenas que conseguiram manter suas línguas têm tido maior êxito na preservação de direitos históricos e de seu território. Nos Estados Unidos, o povo Navajo, que conseguiu preservar sua língua e diversas tradições culturais, detém a posse de sua terra, além de vários direitos sobre a propriedade intelectual de seus conhecimentos, artefatos e tradições. Em comparação, o povo Abenaki (da Nova Inglaterra) há anos luta na justiça pelos seus direitos, mas encontra sempre o mesmo problema de comprovação da origem de seus atuais representantes, uma vez que sua língua e tradições culturais foram quase totalmente perdidas.

Um língua viva é a prova cabal da existência de uma povo. A educação bilíngue pode contribuir de forma decisiva para a manutenção de línguas minoritárias que sofrem forte pressão das línguas nacionais, tanto no Brasil como em outros países com minorias indígenas.

O bilíngue

Para compreendermos por que os bilíngues têm necessidades diferenciadas em termos educacionais, temos que entender os diversos tipos de falantes bilíngues e o processo de aquisição de cada uma das línguas por eles faladas. Nas últimas três décadas, vimos um avanço significativo nas pesquisas com falantes bilíngues e uma total reconceitualização da noção de bilinguismo. Tradicionalmente o bilíngue era visto como o indivíduo que tinha o “controle nativo de duas línguas” (BLOOMFIELD, 1933), ou seja, um falante idealizado que fosse a soma de dois monolíngues e que preferencialmente tivesse adquirido as duas línguas na infância. GROSJEAN (2010) argumenta que essa idealização baseada na fluência é não somente impossível de se operacionalizar do ponto de vista científico, como também é inútil do ponto de vista prático, pois exclui a quase totalidade dos falantes bilíngues existentes no mundo. GROSJEAN (2008) propõe a redefinição do conceito de bilinguismo tendo como referencial o uso por um mesmo falante de duas línguas em diferentes situações comunicativas; ou seja,

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o bilíngue passa a ser alguém que usa mais de uma língua para atingir objetivos comunicativos em diferentes contextos sociolinguísticos. Essa reconceitualização traz novos desafios para os estudos do bilinguismo ao incluir dentro da categoria de bilíngue qualquer falante com competência comunicativa em mais de uma língua, independente de seu grau de fluência ou correção gramatical. Essa nova perspectiva teórica também torna mais relevante o desenvolvimento de teorias cognitivas que possam explicar os mais variados graus de bilinguismo e que possam descrever o conhecimento linguístico de falantes de múltiplas línguas.

Uma das maiores dificuldades em pesquisas com bilinguismo é a operacionalização do conceito de bilíngue. Apesar de hoje não ser mais possível falarmos em “bilíngue perfeito”, faz-se necessário distinguir entre os diferentes tipos de bilíngue, principalmente no que diz respeito à idade e ao contexto onde as duas (ou mais) línguas são adquiridas. Para tal, usaremos a classificação apresentada por MONTRUL (2008), na qual o bilíngue pode ser classificado em quatro categorias: (i) bilíngue simultâneo (as duas línguas começam a ser adquiridas antes dos 3 anos de idade), (ii) bilíngue sequencial de primeira infância (a L2 começa a ser adquirida entre os 4 e os 6 anos - idade da pré-escola), (iii) bilíngue sequencial de segunda infância (a L2 começa a ser adquirida entre os 7 e os 12 anos - idade escolar antes do período crítico da aquisição); e bilíngue sequencial adulto (a L2 é adquirida após o período crítico - normalmente por volta dos 12 anos). Muitos outros fatores interferem na aquisição de uma segunda língua (e.g. BLEY-VROOMAN, 1989), e nem sempre a primeira língua a ser adquirida pela criança se torna a língua dominante após a puberdade. Contudo, é importante termos uma separação por idades que reflita o papel do período crítico da aquisição para que possamos dar conta de certos fenômenos que ocorrem com falantes de L2.

Segundo a Hipótese do Período Crítico (BIRDSONG, 1999), existe um período no desenvolvimento linguístico das crianças onde é possível se adquirir uma língua com proficiência nativa. Esse período, que coincide com o desenvolvimento de certas partes do cérebro, vai normalmente até por volta dos 12 anos de idade. Depois dessa idade a habilidade de se aprender uma segunda língua seria consideravelmente reduzida. É importante frisar que essa hipótese é bastante controversa e não existe um consenso na comunidade acadêmica a respeito de sua existência, principalmente no que concerne as partes da capacidade de aquisição que seriam mais afetadas depois desse período crítico. Porém, como veremos mais adiante, a idade e as condições sociais nas quais o indivíduo se encontra quando é exposto a uma segunda língua têm consequências diretas nas práticas pedagógicas adotadas por educadores bilíngues.

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BILINGUISMO, AQUISIÇÃO, LETRAMENTO E O ENSINO DE MÚLTIPLAS LÍNGUAS EM ESCOLAS...

Um outro fator importante para entendermos o bilíngue é saber como ele seleciona (ou acessa) as estruturas linguísticas e o vocabulário das línguas que domina. GROSJEAN (2008) propõe a Teoria do Modo Linguístico para explicar como operam os falantes de mais de uma língua ao se comunicarem. Segundo ele, o modo linguístico de um bilíngue pode ser definido por um contínuo entre dois extremos onde estariam o modo monolíngue e o modo bilíngue. Esses modos correspondem ao grau de ativação de cada língua no cérebro de um falante bilíngue em um dado momento. O modo monolíngue ocorre quando um bilíngue está interagindo com um interlocutor que não domina uma das línguas faladas por ele. Já o modo bilíngue ocorre quando os dois interlocutores dominam ambas as línguas em questão. O modo no qual o falante está operando tem uma consequência direta nas estruturas escolhidas. Assim ao avaliarmos a produção de um bilíngue devemos ter em conta o modo linguístico, uma vez que fenômenos como a alternância de código (code switching) acontecem preferencialmente no modo bilíngue.

A alternância de código é o uso de propriedades léxicas, sintáticas e fonológicas de duas ou mais línguas no mesmo ato de fala. Acredita-se que essa alternância não seja aleatória e que obedeça a regras gramaticais específicas. A alternância de código pode ser responsável por uma avaliação errônea da capacidade linguística de falantes bilíngues. Existe uma crença popular de que o falante bilíngue “mistura” as duas línguas por falta de competência linguística ou por comodismo. Já sabemos que a alternância de código, ou o uso de estruturas e palavras de uma língua na outra, não ocorre necessariamente por nenhum dos dois motivos. Ela é o resultado de estratégias comunicativas usadas pelos falantes bilíngues ao interagirem entre si para expressar situações que não podem ser completamente descritas com termos e estruturas de uma única língua. O uso de palavras de outra língua para expressar conceitos inexistentes ou novos em uma cultura é comum até por falantes monolíngues que compartilham uma única realidade cultural. Por exemplo, quando dizemos em português que entramos em uma “sala de chat” fica automaticamente claro para o nosso ouvinte que estamos falando de uma sala virtual na internet. Apesar da expressão “sala de bate-papo” existir em português, sua denotação pode não ser tão clara entre falantes da língua, suscitando dúvidas a respeito da natureza da sala. Falantes bilíngues que compartilham duas culturas se encontram em muitas situações onde as palavras de uma língua não traduzem exatamente os conceitos que eles pretendem expressar, o que faz com que a quantidade de empréstimos e alternâncias se multiplique de forma considerável, o que pode dar aos falantes monolíngues a impressão de que a língua está sendo deturpada pela falta de competência linguística do bilíngue.

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O educador que trabalha com falantes bilíngues tem que saber distinguir entre uma possível deficiência no conhecimento linguístico de seu aluno e o uso de alternância de código para atingir os objetivos comunicativos durante uma interação.

Outro fenômeno importante na aquisição bilíngue é que, independentemente da idade do indivíduo e do grau de exposição às línguas faladas, o bilíngue normalmente não usa as suas duas línguas nas mesmas situações sociais com os mesmos objetivos comunicativos. Esse fenômeno traz diversas consequências para o seu conhecimento linguístico e para o uso das estruturas adquiridas. Segundo o Princípio da Complementariedade (GROSJEAN, 2008), em nossa vida cotidiana existem as mais variadas situações comunicativas onde usamos diferentes estruturas linguísticas, recursos estilísticos e itens do nosso vocabulário para interagirmos com nossos interlocutores. Em um falante monolíngue, todo esse conhecimento linguístico se dá em uma única língua. No caso dos falantes bilíngues, esse conhecimento é dividido entre duas (ou mais) línguas de acordo com as necessidades comunicativas referentes a cada uma delas. Ou seja, um uso complementa o outro para que o falante bilíngue possa se comunicar em todos os contextos em que interage com outros falantes monolíngues ou bilíngues. Por exemplo, é comum vermos imigrantes que falam uma língua em casa e outra no trabalho, ou filhos de imigrantes que falam uma língua nos encontros de família e outra com os amigos. É possível até encontrarmos casos onde o mesmo grupo de pessoas usa uma língua para falar de um esporte e outra para falar de outro, como descendentes de hispânicos nos Estados Unidos que falam de futebol em espanhol e de beisebol em inglês. Durante minha estada na aldeia tapirapé, percebi uma maior facilidade no uso de expressões do português quando o assunto era futebol, um esporte praticado praticamente por todos os jovens (homens e mulheres) na aldeia, mas que tem sua origem fora das tradições culturais do povo tapirapé. Assim como era possível perceber uma maior dificuldade linguística em português quando o assunto se voltava para uma celebração típica dos tapirapés que estava acontecendo naquele momento. Os pesquisadores em bilinguismo perceberam que, como as línguas faladas por um bilíngue estão sujeitas às situações comunicativas nas quais elas são usadas, o nível de fluência e correção gramatical em cada língua também é relativo ao tema e situação conversacional. Ou seja, se uma língua nunca é usada pelo bilíngue em um determinado contexto com um determinado objetivo comunicativo, ele não terá desenvolvido as propriedades linguísticas necessárias para uma performance adequada. Pesquisas com bilíngues mostram que as propriedades linguísticas em questão podem ir desde uma deficiência no vocabulário e na variedade estilística empregados até a falta de algumas regras sintáticas que envolvem construções mais complexas.

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BILINGUISMO, AQUISIÇÃO, LETRAMENTO E O ENSINO DE MÚLTIPLAS LÍNGUAS EM ESCOLAS...

O Princípio da Complementariedade tem uma consequência direta na educação bilíngue. Para garantir um desenvolvimento linguístico mais completo por parte de seus alunos, o professor tem que assegurar a pluralidade de situações comunicativas nas duas línguas, ou pelo menos tentar garantir a possibilidade de uso da língua X em um contexto onde ela será necessária. A transferência da competência linguística para outros contextos comunicativos não é direta e somente indivíduos com um alto grau de letramento conseguem transferir parte de seu conhecimento linguístico, principalmente no que diz respeito a sintaxe. Mesmo indivíduos letrados sentem dificuldades com itens lexicais quando expostos a situações completamente novas.

O educador também não pode esperar que o conteúdo trabalhado em uma língua vá ser automaticamente transferido para outra. Por exemplo, se em um currículo indígena bilíngue todo o conteúdo de ciências da natureza for trabalhado em português, haverá uma natural dificuldade por parte do aluno em acomodar e incorporar conhecimentos de sua cultura à discussão dos conceitos apresentados. Essa dificuldade não será necessariamente de cunho técnico do conteúdo. O conflito entre as representações linguísticas na mente do aluno vai dificultar a absorção dos novos conceitos, uma vez que a conexão com a realidade local será mediada pelas diferenças nos dois sistemas linguísticos existentes. É muito importante perceber que essas constatações não significam que existe uma vantagem ou superioridade na educação monolíngue, muito pelo contrário. O que isso significa é que, na educação bilíngue, os conceitos que precisam ser compartilhados entre as duas culturas têm que ser trabalhados nas duas línguas, para que o aluno possa mais facilmente estabelecer a correlação entre as diferentes realidades. Isso também não significa que na educação bilíngue o professor vá falar as duas línguas ao mesmo tempo em sala de aula. O currículo escolar tem que proporcionar oportunidades onde o aluno possa desenvolver seus conhecimentos sobre o conteúdo ao mesmo tempo em que pratica suas habilidades linguísticas. Ou seja, toda aula (de biologia, matemática, história, etc) é uma aula de língua (seja ela em português ou na língua indígena), ao mesmo tempo em que as aulas de língua são aulas onde conteúdos das outras disciplinas podem ser incorporados para proporcionar oportunidades comunicativas na segunda língua.

Todo educador bilíngue tem que estar ciente de que a complexa representação linguística na mente de seus alunos é uma riqueza que facilita a compreensão de diferentes realidades mas que, ao mesmo tempo, requer uma atenção específica por parte do professor para que esse potencial do aluno bilíngue seja explorado de forma adequada.

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A diferença entre aquisição e letramento.

Na seção anterior vimos que a idade na qual o bilíngue é exposto à sua segunda língua pode ter consequências no seu desenvolvimento linguístico. Nessa seção veremos a importância em diferenciarmos o processo de aquisição de uma língua do processo de letramento. A diferença entre os dois processos vai ter um impacto direto nas práticas em sala, assim como no desenvolvimento de material didático para o trabalho com as línguas indígenas e com o português.

O que é aquisição?

Antes de definirmos o processo de aquisição, é importante compreendermos algumas características do que está sendo adquirido: a linguagem humana. A linguagem humana é uma sistema simbólico que nos permite expressar um número infinito de ideias. Ela permite que façamos referências a situações irreais ou não-presentes, ela nos dá o poder de abstração e permite a expressão temporal, ou seja, ela nos permite falar não somente do presente, mas também do passado e do futuro. As línguas humanas são formadas por expressões linguísticas hierarquicamente organizadas, que podem ser geradas a partir de regras específicas e princípios combinatórios universais. O falante de uma língua possui o conhecimento das mais diferentes propriedade linguísticas. Quando adquirimos uma língua durante nossa infância, adquirimos o conhecimento sobre a sua fonética (os sons existentes na língua que falamos), sua fonologia (a interpretação do repertório de sons existentes), sua morfologia (a formação de palavras, suas regras derivacionais e a função dos mais diferentes morfemas), sua sintaxe (as propriedades combinatórias e regras de formação de constituintes), sua semântica (a interpretação dos enunciados da língua), sua pragmática (a relação dos enunciados com o discurso, suas interpretações contextuais e referências anafóricas), e seu uso sociolinguístico (a relação dos enunciados e os contextos sociais existentes). Toda essa informação é adquirida de forma inconsciente por todos os falantes de todas as línguas do mundo, mesmo nas sociedades onde não existe nem escrita nem escola. Crianças de poucos meses já conseguem diferenciar o repertório fonológico de suas línguas maternas. Aos 3 anos as crianças já constroem enunciados completos respeitando regras sintáticas extremamente complexas, e aos 5 anos as crianças já são capazes de contar histórias e narrar fatos, demonstrando conhecimento sobre a estrutura discursiva da língua (HISH-PASEK e GOLINKOFF, 2003).

Segundo DE HOUWER (2009), tanto a aquisição bilíngue como a monolíngue seguem a mesma sequência de eventos, e a diferença de tempo dos estágios da aquisição de crianças expostas a uma ou mais línguas não é estatisticamente significativa. DE HOUWER descreve as etapas e idades

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aproximadas do processo de aquisição infantil bilíngue como sendo: (i) 6 meses – 1 ano: a criança balbucia sílabas; (ii) 1 ano: a criança compreende várias palavras; (iii) 12 a 18 meses: a criança fala as primeiras palavras; (iv) 2 anos: a criança junta duas palavras em uma frase curta; (v) 2;6 a 3 anos: os adultos fora do círculo familiar conseguem entender o que a criança diz; (vi) 4 anos: a criança produz períodos compostos por duas orações; (vii) 4;6 a 5 anos: a criança consegue contar histórias curtas.

Sabemos que o desenvolvimento linguístico descrito acima é específico da espécie humana. Também sabemos que ele só acontece por causa da interação da criança com o seu meio. O que não sabemos é o quanto desse processo é biologicamente programado e o quanto é socialmente motivado (LUST, 2006). Apesar de toda a discordância na linguística moderna a respeito desse tema, todos concordam que a aquisição da língua é um fenômeno universal e constante. Existe também o consenso de que a exposição à língua falada no meio onde a criança vive é fundamental.

Como educadores é importante compreendermos que, quando uma criança chega na escola falando uma língua, ela já detém um vasto conhecimento sobre as estruturas fonológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas dessa língua. Ou seja, o professor não vai “ensinar a língua” para essa criança.

O letramento e a aquisição da segunda língua.

Se o papel do professor de primeira língua não é ensinar as características fonológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas de sua língua, o que exatamente o professor faz?

O professor de língua materna é responsável pelo processo de letramento, no qual a criança vai aprender a representação gráfica dos sons da língua, além de regras e padrões estilísticos que foram selecionados socialmente para fazer parte do “código de prestígio”, também conhecido como “norma culta”. O desenvolvimento da escrita de uma língua, ao contrario do desenvolvimento da fala, não é um processo natural e universal. A relação entre som e grafia é baseada em padrões determinados socialmente e o processo de letramento tem como objetivo ajudar a criança a compreender e reproduzir estas relações. Além disso, as convenções usadas na escrita são estabelecidas com base em critérios sociais de prestígio, que normalmente refletem certas propriedades linguísticas que pertencem ao dialeto de grupos sociais dominantes. O papel da aula de primeira língua é fazer com que a criança perceba as diferenças dialetais existentes em sua língua e use as propriedades linguísticas mais adequadas para as distintas situações sociais em que ela se encontre durante sua vida.

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Podemos ilustrar o que foi dito acima com um exemplo. Quando uma criança que fala português chega à escola para ser alfabetizada, ela já sabe que a sua língua é uma língua SVO (sujeito + verbo + objeto), enquanto que uma criança que fala a língua urubu já sabe que a sua língua é OSV (objeto + sujeito + verbo). Nenhum professor precisa ensinar a uma criança que fala português ao chegar na escola que a oração “*lenha nós cortar fomos” soa muito mal em português, enquanto que um professor de urubu como primeira língua pode ter certeza de que seu aluno não terá problemas com as mesmas palavras na mesma ordem na oração “jape`a-ke jande jamondok jaho”. Esse e muitos outros conhecimentos são adquiridos durante o processo de aquisição e todos os falantes da língua os têm.

Obviamente, todo esse conhecimento linguístico que a criança traz para a sala de aula na língua materna não vai estar presente na segunda língua. Ou seja, uma criança que fale urubu e que entre em uma sala de aula onde se fala português não somente não vai saber como se escreve em português, como também não vai ter os dados básicos da gramática do português em sua mente. Mesmo uma criança bilíngue que tenha escutado português em sua comunidade, mas que não a tenha como língua dominante, terá dificuldades no processo de letramento que não são específicas do letramento, e sim da falta de exposição e aquisição de sua segunda língua.

Em suma, aprender a ler e a escrever não é a mesma coisa que aprender uma língua. Isso tem que estar muito claro para o educador bilíngue que tem que lidar não somente com dificuldades do processo de letramento, mas também problemas oriundos de um processo de aquisição incompleto (MONTRUL, 2008).

Esse fato também tem consequências diretas nas práticas pedagógicas e nos materiais didáticos usados. Se a aquisição é um pré-requisito (ou pelo menos um facilitador) para o letramento, materiais didáticos que misturem as línguas para promover o letramento podem na verdade dificultá-lo. O uso de uma língua X em exercícios de alfabetização de uma outra língua Y pode introduzir problemas de confusão estrutural que não existiam anteriormente na mente do aluno. A tradução é uma habilidade específica que só pode ser satisfatoriamente desenvolvida quando já existe um domínio prévio das estruturas linguísticas das duas línguas envolvidas. Os programas de treinamento de tradutores em todo o mundo partem do pressuposto de que já houve tanto uma aquisição como um letramento prévio por parte dos alunos inscritos. Além de ser questionável do ponto de vista político-pedagógico (SILVA, 2003), usar a tradução como exercício de letramento em escolas indígenas é inapropriado cognitivamente e não está de acordo com nenhuma prática moderna de educação bilíngue conhecida.

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Diferenças cognitivas entre o “erro” na aquisição e no letramento.

Além dos possíveis problemas nos materiais didáticos oriundos da falta de conhecimento das diferenças entre os processos de aquisição e letramento por parte dos professores, uma outra questão importante é a possível má interpretação da natureza de desvios (ou “erros”) na produção linguística de alunos bilíngues.

O feedback (ou correção) é uma ferramenta importante que os professores podem usar para ajudar seus alunos a desenvolver suas habilidades linguísticas, tanto na fala quanto na escrita. Para que o feedback seja eficaz, o professor tem que diagnosticar a origem do problema que ele quer tratar. O que comumente tratamos como “erro” na produção de alunos de primeira e segunda línguas pode constituir na verdade desvios de produção com motivações completamente opostas. Por um lado o erro pode vir da falta de uma estrutura linguística na gramática de um falante de L2, por outro ele pode ter origem simplesmente na opção dialetal (muitas vezes inconsciente) feita pelo falante de L1.

Como vimos, um aluno monolíngue quando começa seu processo de letramento já possui um conhecimento sofisticado das propriedades linguísticas da língua em questão. O que ele não possui é um conhecimento das regras ortográficas e dos padrões linguísticos que são considerados “cultos”. Esse aluno nunca vai cometer erros que desobedeçam à estrutura subjacente da língua. O que ele pode fazer é escolher regras que não são consideradas regras de prestígio. Por exemplo, todo falante de português sabe que em sintagmas nominais o adjetivo e o artigo concordam com o substantivo. Nenhum falante de português diria a frase (a). Porém, existem vários dialetos do português onde a marcação de número (mas nunca a de gênero) é opcional nos substantivos e adjetivos seguidos de um artigo no plural, como em (b). Repare que essa regra de concordância é constante, e que frases como (c), onde a marca de plural vem no substantivo e não no artigo, também são rejeitadas por todos os falantes da língua portuguesa. Ou seja, em português existem duas regras de concordância nominal: (1) a concordância obrigatória de gênero e número entre o núcleo do sintagma nominal (substantivo) e os artigos e adjetivos, e (2) a concordância obrigatória de gênero e opcional de número quando o artigo está no plural. A regra (1) é aceita pela norma culta, enquanto a regra (2) é estigmatizada. O aluno de primeira língua cujo dialeto use a regra (2) tem que aprender que essa regra é estigmatizada e que ele tem que usar a regra onde a concordância de número seja obrigatória e não opcional.

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*Os menina bonito Os menino bonito*O meninos bonito

Para uma falante de inglês que queira aprender português, todas as frases acima podem a principio ser aceitas. Em inglês não existe concordância de nenhum tipo entre substantivos e adjetivos, uma vez que adjetivos são invariáveis nessa língua. Também não existe marca obrigatória de plural em artigos, já que o único artigo definido do inglês (the) só tem uma forma. Sendo assim, não é difícil imaginar o que acontece com um falante de uma língua indígena que não tenha o sistema de artigos existente nas línguas neolatinas quando tenta aprender o português. Não somente ele não terá ideia dos padrões de concordância, como ele também terá problemas com o emprego de artigos em geral (como o que encontramos com falantes de chinês que tentam aprender línguas como o português e o espanhol). Ou seja, um falante monolíngue quando produz a frase (b) está escolhendo uma das regras existentes na língua, já que ele jamais diria as frases (a) ou (c). Já o falante de segunda língua pode estar dando evidências de que ele desconhece as regras existentes na língua. O professor só poderá ter certeza do grau de aquisição do seu aluno se ele testar a gramaticalidade das frases (a) e (c).

Com vimos anteriormente, a maneira de tratar os desvios da norma culta produzidos por falantes nativos em processo de letramento passa pelo esclarecimento e sensibilização por parte do aprendiz da existência de diferentes dialetos em uma língua. O aluno deve entender a dinâmica social da língua e conhecer as regras que regem a norma culta. Neste caso, a instrução explicita de padrões linguísticos pode ser eficaz, se trabalhada em conjunto com outras práticas pedagógicas, uma vez que a aquisição da língua já foi feita e o aprendiz tem a intuição nativa e o conhecimento linguístico das estruturas pertencentes a língua.

Como veremos na sessão seguinte, no caso do aluno de segunda língua ou do falante bilíngue que passa por um processo concomitante de letramento e aquisição na L2, a metodologia de ensino deve ser significativamente diferente.

Práticas de ensino de segunda língua.

Antes de abordarmos especificamente a questão metodológica é importante esclarecermos alguns pontos sobre natureza da aquisição bilíngue e de segunda língua. SELINKER (1972) foi um dos primeiros autores a definir o tipo de conhecimento que o falante não nativo tem da língua que está sendo adquirida. Segundo ele, o falante de L2 tem uma representação

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das regras da língua (uma gramática interna) que chamamos de interlíngua. A interlíngua é um conjunto de regras que não corresponde nem ao conjunto de regras da L1 (língua nativa), nem ao conjunto de regras da L2 (língua alvo). Ela representa um conhecimento linguístico individual e idiossincrático, e ao contrário do que acontece com o conhecimento de um grupo de falantes nativos, a diferença entre as interlínguas de um grupo de falantes de uma L2 pode ser tão grande que impeça a comunicação entre os membros desse grupo em determinados contextos linguísticos.

Esse conhecimento (não-nativo) das estruturas fonológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas de uma L2 vem de uma série de projeções e especulações (na maioria inconscientes) sobre a natureza das regras daquela língua. No início do processo de aquisição essas “especulações” são fortemente influenciadas pela L1, em um processo que chamamos de transferência (ODLIN, 1989). Mais adiante, outros processos linguístico-cognitivos começam a atuar mais fortemente e as restrições impostas as construções linguísticas na gramática de um não-nativo podem vir de deduções sobre processos de derivação internos da língua, ou propriedades universais que operam sobre construções linguísticas em geral (ROEPER, 2007). Por exemplo, se no primeiro dia de aula de português como L2 para falantes de inglês apresentamos a tradução das palavras “comum”, “casa” e “a” para os alunos e pedimos para que eles traduzam a frase “the ordinary house”, sem termos mostrado nenhum exemplo anterior em português, muito provavelmente teremos a frase “*a comum casa” como resposta. Os alunos transferirão a estrutura de sintagmas nominais do inglês para o português e aplicarão essa regra a sua L22.

Devido a existência prévia de regras na sua interlíngua, o aluno de L2 não passa por um processo de aprendizagem da língua per se. Ou seja, ele não tem que adquirir regras para preencher um espaço vazio na sua mente, onde antes não havia nada. O que ele faz é reestruturar a sua interlíngua, examinando a validade das regras existentes e substituindo as que não estão de acordo com as regras da língua alvo. Esse processo de reestruturação da interlíngua pode acontecer de forma consciente ou inconsciente, e vários teóricos já apresentaram teorias sobre o que é necessário para que esse processo aconteça.

2 Pesquisas com aquisição de L2 mostram que as regras da interlíngua que não são compatíveis com a L1 podem vir do que se convencionou chamar de Gramática Universal (CHOMSKY, 1972). PEREZ-LEROUX (1997) e KANO (1997) demonstraram que aprendizes de espanhol e japonês desenvolvem conhecimento sobre a restrição imposta a interpretação de pronomes nulos em orações subordinadas, mesmo que essa regra nunca lhes tenha sido explicada, nem que exista na sua língua nativa (inglês).

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Teoria do Estímulo (Input Theory)

Sabemos que o estímulo linguístico (input) é o ponto de partida para o processo de aquisição. O estímulo é o que possibilita a criação e/ou confirmação das hipóteses sobre as estruturas linguísticas a serem adquiridas. Dentre os pesquisadores que estudam a aquisição de segunda língua, há os que acreditam que o estímulo seja absolutamente tudo que o aprendiz necessita.

A Teoria do Estímulo (VANPATTEN, 2007) propõe que o estímulo é o principal motivador das reestruturações que devem acontecer na interlíngua do aprendiz. Para que um estímulo seja útil ele tem que ser compreensível, ou seja, não adianta assistir televisão em japonês 10 horas por dia se o aprendiz não entende uma palavra do que está sendo dito. Para que o estímulo seja compreensível é necessário que o aluno faça a conexão entre as formas gramaticais usadas e o significado dos enunciados. Segundo VANPATTEN, o aluno processa primeiro o conteúdo da mensagem para depois processar a forma. Um dos pressupostos fundamentais de sua teoria é o de que sem a compreensão do significado não existe reestruturação das regras da interlíngua. Em resumo, para o aluno “aprender” uma forma gramatical ele tem que entender o significado contextualizado do enunciado onde ela é usada e fazer a conexão entre a as estruturas morfossintáticas e o conteúdo semântico-pragmático.

VANPATTEN propõe vários princípios de processamento do estímulo, dentre eles estão: (i) o princípio da primazia do conteúdo léxico – o aprendiz processa palavras com significado antes de palavras funcionais; (ii) o princípio da primazia do significado – o aprendiz processa o significado das palavras antes de suas funções gramaticais; (iii) o princípio da não-redundância – o aprendiz processa formas gramaticais não redundantes antes de formas redundantes.

Além da Teoria do Estímulo nos lembrar que explicações gramaticais descontextualizadas não ajudam necessariamente no processo de reestruturação da interlíngua, os três princípios apresentados por VanPatten podem guiar o professor na hora de escolher exemplos da língua a serem trabalhados pelos alunos. Por exemplo, se o professor quer trabalhar as características da morfologia verbal do português, ele deve elaborar exercícios de compreensão onde as respostas para as perguntas estejam na informação apresentada pelos morfemas verbais. Ele também tem que garantir que essa informação também não estará presente em elementos do texto que tragam conteúdo léxico além do conteúdo morfológico que cunho gramatical. Na prática isso significa que orações com sujeito nulo em um texto serão mais eficazes para ensinar a morfologia verbal do que orações com sujeito explícito, uma vez que o sujeito explícito vai trazer conteúdo

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léxico que tirará a atenção do aprendiz das propriedades morfológicas trabalhadas.

O interacionismo e a Hipótese da Produção (Output Hypothesis).

Apesar de todos concordarem com a importância do estímulo para a reestruturação da interlíngua, diversos pesquisadores não acreditam que o estímulo por si só seja suficiente (e.g., GASS e MACKEY, 2007; SWAIN, 2005). A Hipótese da Produção (Output Hypothesis – SWAIN e LAPKIN, 1995) defende a ideia de que a reestruturação da interlíngua acontece principalmente durante o processo de interação, e que a quebra no fluxo comunicativo devido a problemas estruturais na interlíngua do aprendiz é o grande motivador para esse processo.

Segundo esse autores, o estímulo serve para chamar a atenção do aprendiz para a existência de uma determinada regra na língua, pois sem o estímulo ele jamais saberia da existência da regra. Porém esse fato por si só não é suficiente para a substituição de uma regra não-alvo por uma regra da língua alvo na interlíngua do falante de L2. O aprendiz precisa passar por um processo ativo de produção no qual ele deve usar a regra alvo para expressar o conteúdo de um enunciado. Esse processo ativo tem duas funções, dependendo do grau de ativação da regra. Se o aprendiz usar a regra não-alvo e houver uma quebra na comunicação, ele terá a oportunidade de perceber que usou a regra errada e que precisa reestruturar o seu enunciado. Se ele usar a regra alvo e a comunicação fluir sem problemas, isso facilitará o acesso dessa regra em futuros enunciados em detrimento da regra não-alvo.

A Hipótese da Produção tem um impacto direto na maneira como o professor de segunda língua vai planejar a sequência de atividades em sua aula. Se existe a necessidade do aluno produzir as estruturas trabalhadas para a reestruturação da sua interlíngua, o professor não deve usar a maior parte do tempo de aula com explicações gramaticais que visem “ensinar” as regras da língua ao aluno. Nas metodologias modernas, ensino da gramática é considerado importante para que os alunos saibam da existência de certas regras, mas ele não é visto como o momento onde o aluno “aprende” a regra. O ensino da gramática é secundário nesse sentido, pois a percepção de que uma regra existe na língua não precisa necessariamente vir de sua instrução explícita. Muitas vezes alcançamos melhores resultados quando a percepção da existência da regra vem de um processo de dedução por parte do aluno, seguido obviamente de oportunidades para o uso dessa regra em contextos comunicativos com foco na geração de conteúdo semântico com base em estruturas morfossintáticas.

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O desenvolvimento das quatro habilidades e a Abordagem Comunicativa.

Um das maneiras pelas quais esse conhecimento sobre a aquisição de segunda língua se traduz em práticas pedagógicas é através da Abordagem Comunicativa. Seu nome já deixa explícito o objetivo principal do ensino de segunda língua – a comunicação.

Por ser uma abordagem (e não um método), ela não propõe sequências específicas de atividades para a sala de aula e nem pressupõe que professores e alunos devam seguir um protocolo em particular. A Abordagem Comunicativa propõe princípios gerais que devem ser seguidos pelos professores ao organizarem suas aulas. Alguns desse princípios são: (i) aprender uma língua é aprender a se comunicar; (ii) a comunicação deve ser o objetivo principal desde a primeira aula; (iii) a melhora no domínio da gramática e do vocabulário vem da necessidade de se comunicar; (iv) o professor deve motivar o aluno a se expressar; (v) os alunos devem interagir com outros falantes para desenvolver suas habilidades linguísticas; (vi) a sequência de atividades em uma aula deve ser determinada pelo conteúdo e função comunicativa; (vii) a motivação vem do interesse em se comunicar.

Além desse foco explícito na comunicação como meio e fim no processo de aquisição, a Abordagem Comunicativa visa o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas básicas para que a língua seja adquirida como um conjunto completo de recursos. As atividades em sala devem estimular os alunos a desenvolverem suas habilidade ativas, como fala e escrita, assim como as habilidades (ditas) passivas, como a compreensão oral e a leitura. Como vimos, sem estímulo não existe reestruturação da interlíngua, o que significa que a fala e a compreensão oral, assim como a escrita e a leitura são duas faces da mesma moeda, e todas devem ser trabalhadas em conjunto. Essa é outra diferença importante entre aulas de segunda língua, onde se almeja o letramento junto com a aquisição, e as aulas de língua materna, onde o letramento é o principal objetivo. Isso não quer dizer que a fala e a interpretação oral não possam ter um papel importante no letramento, apenas significa que durante a aquisição elas são fundamentais; logo, as aulas de português ou de língua indígena como segunda língua têm que reforçar o papel da linguagem oral, para que a aquisição possa acontecer.

É importante lembrar que, além de terem que adquirir as estruturas gramaticais da segunda língua, os aprendizes de L2 também têm que desenvolver seu vocabulário. Em todas as teorias linguísticas modernas o léxico tem adquirido um papel de maior destaque e, cada vez mais, acredita-se que boa parte da informação gramatical existente na língua está no léxico. Por isso, as práticas pedagógicas devem incentivar o desenvolvimento do vocabulário ativo dos alunos, pois como diz WILKINS (1972) “sem a

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gramática só podemos dizer pouquíssimas coisas, sem o vocabulário não podemos dizer nada.3”

Traduzindo a teoria para a realidade.

Em todo o mundo, a prática da educação bilíngue e de segunda língua segue princípios baseados na pesquisa sobre o processo de aquisição de L2 e na implementação dessas teorias às realidades locais. Por exemplo, um curso de espanhol oferecido a falantes de descendentes de hispânicos nos EUA pode ter um enfoque muito maior no processo de letramento, enquanto que um curso de português oferecido na Alemanha pode ter um enfoque maior na aquisição. O primeiro passo para se estabelecer uma prática pedagógica coerente em contextos bilíngues é o levantamento da realidade local e do conhecimento linguístico dos alunos.

Devido às enormes diferenças linguísticas das sociedades indígenas brasileiras, faz-se necessária a avaliação de cada escola com relação ao grau de bilinguismo de seus alunos para que possamos estabelecer objetivos claros com relação ao letramento e/ou aquisição das línguas presentes. Por exemplo, se em uma comunidade os jovens que frequentam a escola estão falando português como primeira língua e estão perdendo a língua indígena, as aulas na língua indígena têm que priorizar práticas que favoreçam a aquisição. Se por outro lado, existe uma consistência linguística na preservação da língua indígena e os jovens começam a estudar o português a partir da quinta série como segunda língua, a língua indígena pode ser trabalhada com atividades de letramento, enquanto o português deve receber um tratamento que se assemelhe ao utilizado no ensino de segunda língua.

Após o estabelecimento dos objetivos pedagógicas das aulas de língua, é fundamental o levantamento das estruturas que serão trabalhadas por professores e alunos. Com relação ao ensino do português como segunda língua, esse levantamento geral já existe, pois já contamos com vários materiais didáticos voltados ao ensino de português para falantes de outras línguas. O que é necessário é uma avaliação precisa do grau de bilinguismo dos alunos, pois dependendo do seu conhecimento prévio, podem-se adotar estratégias pedagógicas diferenciadas que usem esse conhecimento e o contato que eles possivelmente tenham com grupos sociais locais onde se fala o português. Com relação às línguas indígenas como segunda língua, a situação pode ser mais complicada, pois não existe ainda um trabalho geral de identificação das estruturas linguísticas que causam dificuldades específicas em alunos dessas línguas como L2. Um levantamento desse tipo seria muito útil no desenvolvimento de materiais didáticos adequados para 3 “Without grammar very little can be conveyed, without vocabulary nothing can be conveyed” (WILKINS, 1972, p. 111).

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as escolas indígenas que trabalham com a revitalização das línguas nativas por parte dos jovens.

Junto com o estabelecimento dos objetivos educacionais e a identificação das estruturas linguísticas, é importante dar início ao trabalho de treinamento do quadro docente, visando a sensibilização dos professores com relação aos processos linguístico-cognitivos envolvidos na aquisição e no letramento. Esse treinamento também deve incluir exercícios práticos que visem a implementação de rotinas de sala de aula que contribuam para os objetivos pedagógicos estabelecidos.

Por último, é fundamental que os educadores indígenas se engajem no processo de confecção de materiais didáticos que possam atingir os objetivos almejados. O treinamento de professores pode contar com oficinas que forneçam os exemplos a serem seguidos para essa preparação de acordo com objetivos educacionais. Porém, é importante ressaltar o papel da experiência do professor com a realidade local e a sua capacidade de incluir temas que sejam relevantes no contexto comunicativo das crianças e jovens de suas comunidades.

Conclusão

O objetivo desse trabalho é o de chamar a atenção do educador indígena para a importância de se estabelecer práticas de educação bilíngue que facilitem o desenvolvimento linguístico de falantes de múltiplas línguas e sirvam de base para o fomento de práticas político-pedagógicas que possam efetivamente promover a manutenção das línguas locais.

Além de todos os conceitos apresentados, é importante destacar o fato de que cada língua tem suas estruturas linguísticas próprias, suas tradições estilísticas individuais (sejam elas orais ou escritas) e seus usos sociais distintos. Essas propriedades não são transferíveis de uma língua à outra. Assim como não podemos julgar os textos de William Shakespeare a partir da métrica ou estética de qualquer outra língua que não o inglês, não devemos avaliar a produção linguística (oral ou escrita) de falantes de línguas tupi-guarani, jê, aruák, karibe, tukano, etc a partir de critérios estabelecidos para uma língua neolatina, como o português. O processo de letramento e/ou aquisição na língua indígena tem que ser estabelecido a partir das estruturas e tradições de cada língua. Os falantes bilíngues podem e devem desenvolver estratégias diferenciadas de comunicação e de uso de estruturas morfossintáticas para que sua interação com seus interlocutores monolíngues e bilíngues se dê de forma adequada. O fato de desconhecermos os padrões estilísticos e gramaticais de uma determinada língua não significa que eles não existam. Por isso é fundamental a participação de professores indígenas no ensino de línguas nativas, assim como é extremamente importante prover

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um treinamento adequado que valorize as línguas locais a partir de seus usos e estruturas, principalmente em casos onde existe uma perda linguística e onde o objetivo da escola seja o de promover a aquisição, indo além do letramento.

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DIFERENCIAS ÉTNICAS Y EDUCACIÓN

Edmundo Añez Melgar1

“Los hombres que elaboran proyectos de Educación deberían tener siempre presente en su ánimo el siguiente principio de la pedagogía:

no se debe Educar a los niños en función del actual estado de la especie humana, pero teniendo presente el futuro de la misma; esto es adaptándose a la idea de humanidad y el destino último de ésta”

. Emanuel Kant

Resumen: Este trabajo tiene el propósito de llevar nuestra manera de pesar a un otro mirar, si comparado con experiencias diferentes. Específicamente a la vivencia de enseñar a personas de etnias disímiles, lo que implica culturas, idiosincrasias y cosmovisión, también desemejantes. La base de este análisis, si es que así se puede decir, se basa en la experiencia de enseñar a profesores indígenas brasileños en la Universidad del Estado de Mato Groso, cuando se ha vivido en un otro medio, enseñando, pero, en otra realidad con una desproporcional cantidad de indígenas e muchas etnias de las más diversas si comparado a esta última experiencia. En días pasados tuve el privilegio como doctor en comunicación y cultura, el ministrar como profesor invitado la disciplina, “Lenguas, Arte y Literaturas” en la única Facultad Indígena e Intercultural del Brasil, referencia en nuestra América. Esta funciona con auspicios de un gobierno de un estado y del gobierno federal brasileño en todas sus instancias relacionadas con el tema indígena. Todas las etnias autóctonas del Brasil tienen derecho a participar, solo tienen que cumplir los postulantes con las normas del ministerio de educación en relación a la educación superior, los aspirantes deben pasar por una selección al igual que cualquier brasileño; el principio de igualdad entre los nacidos en el Brasil es respetado. No estoy haciendo propaganda de esa magnífica organización e iniciativa, lo que me dejo perplejo fue como con tantas diferencias y diversidad de idiosincrasias la convivencia entre las diferentes etnias y los profesores es agradable, donde el proceso de enseñanza/aprendizaje es el objetivo primero, todos sabemos que en este proceso educando y educador interactúan e intercambian conocimientos, enriqueciéndose de ambos lados con la experiencias en ese proceso de construcción y apropiación de conocimientos.

Palabras Llaves: Educación, etnias, cultura, idiosincrasia, cosmovisión.

1 Doctor en Comunicación y Cultura por la Universidad Federal de Rio de Janeiro; Profesor Titular de la Universidad Autónoma “Gabriel Rene Moreno” Bolivia; Profesor de la Universidad Privada de Santa Cruz, Bolivia; Profesor Invitado de la Universidad del Estado de Mato Grosso.

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Abstract: This work aims to bring our way to another look though, if compared to different experiences. Specifically to the experience of teaching people of ethnic dissimilar, implying cultures, idiosyncrasies and worldview, also unlike. The basis of this analysis, if so you can say, is based on the experience of Brazilian indigenous teachers teach at the University of Mato Grosso, where he has lived in other media, teaching, but in another reality with a disproportionate number of indigenous ethnic groups and many of the most diverse when compared to this ultimate experience. In recent days I was privileged as a doctor in communication and culture, the minister as a visiting professor discipline, “Languages, Literature and Art” on Indigenous and Intercultural only Faculty of Brazil, a reference in our America. It works under the aegis of a government of a state and Federal government in all instances related to indigenous issues. All ethnic groups native to Brazil are entitled to participate, only applicants must meet the standards of the ministry of education in relation to higher education, applicants must pass a selection as any Brazilian, the principle of equality born in Brazil is respected. I’m not doing propaganda for the superb organization and initiative, which perplexed me was how so many differences and idiosyncrasies diversity of coexistence among different ethnic groups and teachers are nice, where the process of teaching / learning is the primary objective, all in this process know that teachers and learners interact and exchange knowledge, enriching both sides with experience in the process of construction and appropriation of knowledge.

Keywords: Education, ethnicity, culture, idiosyncrasy, worldview.

Introducción:

¿Para qué educar? ¡Es una pregunta que puede tener muchas respuestas! ¿Para qué educar indígenas? ¡Es algo más específico!

Intentando responder estos cuestionamientos veremos muy superficialmente el pensar de algunos educadores conocidos y tal vez desconocidos por no ser tan contemporáneos, como es el caso del profesor y mentor del libertador de cinco naciones sudamericanas, Simón Bolívar, no en tanto el pensar de ellos tiene cadenas que los unen aunque estén en tiempos y lugares diferentes: Simón Rodríguez, Daniel Prieto Castillo e Paulo Freire.

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Las definiciones:

Educación, (Del lat. educatĭo, -ōnis). f. Acción y efecto de educar.Etnias, Una etnia o un grupo étnico es, en el sentido más amplio,

una comunidad humana definida por afinidades lingüísticas, culturales y un tronco genético.

Cultura, es el conjunto de todas las formas, los modelos o los patrones, explícitos o implícitos, a través de los cuales una sociedad se manifiesta. Como tal incluye lenguaje, costumbres, prácticas, códigos, normas y reglas de la manera de ser, vestimenta, religión, rituales, normas de comportamiento y sistemas de creencias.

La Unesco, en 1982, declaró:...que la cultura da al hombre la capacidad de reflexionar sobre sí

mismo. Es ella la que hace de nosotros seres específicamente humanos, racionales, críticos y éticamente comprometidos. A través de ella discernimos los valores y efectuamos opciones. A través de ella el hombre se expresa, toma conciencia de sí mismo, se reconoce como un proyecto inacabado, pone en cuestión sus propias realizaciones, busca incansablemente nuevas significaciones, y crea obras que lo trascienden.

Idiosincrasia, proviene del griego ìδιοσυγκρασία; ‘temperamento particular’.

Palabra que denota: Rasgos, temperamento, carácter, pensamiento, etc.

Pueden ser distintivos y propios de un individuo o de una colectividad nacional, regional o étnica.

Es la manera de ser que caracteriza a las personas que pertenecen a un determinado grupo social. Puede estar determinada por la nacionalidad, temperamento, estatus, tendencias en sus gustos, etc. También se utiliza para enfatizar las diferencias entre personas de diferente origen y costumbres.

Cosmovisión, es el conjunto de saber evaluar y reconocer que conforman la imagen o figura general del mundo que tiene una persona, época o cultura, a partir del cual interpreta su propia naturaleza y la de todo lo existente en el mundo. Una cosmovisión define nociones comunes que se aplican a todos los campos de la vida, desde la política, la economía o la ciencia hasta la religión, la moral o la filosofía.

El término “cosmovisión” es una adaptación del alemán Weltanschauung (Welt, “mundo”, y anschauen, “observar”), una expresión introducida por Wilhelm Dilthey en su obra Einleitung in die Geisteswissenschaften (“Introducción a las Ciencias Humanas 1914).

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Los Educadores:

Simón Rodríguez.-

Adelantado a su tiempo, fue profesor y consejero de Simón Bolívar, sus ideas ya tomaban en cuenta al indio, antes que haya existido todo el proceso libertario de Sud América iniciado en Chuquisaca el 25 de mayo de 1809. (Brasil 7 de Septiembre de 1822, Emperador D. Pedro I). Simón Rodríguez; trabaja sin término, descubre, innova, intuye, crea, percibe a distancia de cien años hacia el porvenir. Un visionario de la educación ¡La que queremos ahora!

“No quiero -escribió- parecerme a los árboles que echan raíces en un lugar y no se mueven, sino al viento, al agua, al sol, a todo lo que marchaba sin cesar”.

Las ideas de Simón Rodríguez.“Se ha de educar a todo el mundo sin distinción de razas ni colores.

No nos alucinemos: sin educación popular, no habrá verdadera sociedad”.“Instruir no es educar. Enseñen, y tendrán quien sepa; eduquen,

tendrán quien haga”.“Al que no sabe, cualquiera lo engaña. Al que no tiene, cualquiera

lo compra”.“En lugar de pensar en medos, en persas, en egipcios, pensemos en

los indios. Más cuenta nos tiene entender a un indio que a Ovidio. Emprenda su escuela con indios, señor rector”.

“O inventamos o estamos perdidos”.“La América no debe imitar servilmente, sino ser original”.“¿Dónde iremos a buscar modelos? Somos independientes, pero no

libres; dueños del suelo, pero no de nosotros mismos”.

Daniel Prieto Castillo.-

Las Ideas de Daniel Prieto Castillo.

“Se educa para la apropiación ofreciendo caminos para la verdades activas. La escuela privilegia actitudes pasivas: obediencia sumisión, orden, memoria y puntualidad y castiga virtudes activas: creatividad, riesgo ,critica, imaginación e intuición, son estas últimas las que hacen historia.Se trata de elegir entre un hombre sometido a la historia y un hombre que hace la historia”.2

“¿Qué significa significar?

2 Gutierreez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel (1999) LA MEDIACION PEDAGOGICA. RNTC, San José, Costa Rica, pp. 5 a 12, 15 a 51

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1.- Dar sentido a lo que hacemos2.- Incorporar mi sentido al sentido de la cultura y el mundo3.- Compartir y dar sentido4.- Relacionar y contextualizar experiencias5.- Relacionar y contextualizar discursos6.- impregnar de sentido las diversas prácticas y la vida cotidiana3

“La capacidad de dar sentido de significar el mundo y la propia experiencia, pasa por la capacidad de criticar los sentidos sinsentidos…”4

Sin expresión no hay educación: pensemos en estas palabras:Re-presiónSu-presiónIm-presiónCom-prensiónDe-presiónExpresión

La participación como necesidad humana.-La participación es una de las bases fundamentales en la “Educación

Alternativa” ya que es una necesidad que responde el ser humano, tener y estar del hombre en la sociedad.

Privar al ser humano de su derecho a participar, “limitarlo”, es reducir sus posibilidades de transformación a nivel individual y social.

“La participación posibilita el paso de relaciones de dependencia verticalista, a una cultura democrática y reveladora de la solidaridad y del protagonismo real de las personas”5

¿Quién regula este grado de participación? ¿Con que criterios?¿Nos quedaremos con la manera antigua donde el estudiante es pasivo

y dispuesto a cumplir todas las órdenes solicitadas textualmente?¿O haremos propicia la capacidad de confrontar la teoría con la

práctica, la capacidad crítica que transforma?Un aprendizaje participativo requiere de:1.- Un proceso de aprendizaje basado en la comunicación dialógica2.- concatenación de los aspectos lúdicos del aprendizaje con la

asimilación y recreación de los conocimientos3 Gutierreez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel (1999) LA MEDIACION PEDAGOGICA. RNTC, San José, Costa Rica4 Gutierreez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel5 Gutierreez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel

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3.- Reflexión grupal como medio para transformar la propia practica4.- Evaluación formativa y permanente5.- Creatividad expresiva que desemboque en productos que

sobrepasen lo meramente academicista.6 Conviene mencionar la dimensión social (no solo individual) de los

medios como forma de expresión. El educando, al mismo tiempo que se construye a si mismo, en la “autoexpresión creadora”, contribuye a promover la riqueza cultural, convirtiéndose en protagonista de la historia.

¿Puede este proceso estar medido, reglado, limitado, regulado, establecido, prefijado y resuelto, predeterminado?

¿Existen modelos y formulas en estas interrelaciones de construcción social?

¿Son reguladas democráticamente o son impuestas?“Para que funcione satisfactoriamente la educación, ha de contar

con la responsabilidad, capacidad de autonomía y autocontrol, la libertad, la independencia y el deseo de comprometerse por parte del estudiante y del docente.7

“El ser humano es creativo en cuanto está motivado Por un problema que tiene que resolver.Tanto la crítica como la creatividad son consecuencia de la captación

y comprensión de los problemas que más nos afectan.La creatividad quedaría en el vacío si el estudiante no hiciera suyos

los problemas que lo afectan con sus causas y consecuencias.8

Una educación que no estimule una rica y constante expresión de sus interlocutores, sigue empantanada en los viejos moldes de la “respuesta esperada” y los “objetivos sin sentido”

“No se puede convivir si no se educa en la cooperación y la participación colectiva y el “interaprendizaje”

Resumiendo, Prieto Castillo nos lleva a una educación para la incerteza, significación, convivencia, para disfrutar de la vida.

Paulo Freire.-

Teniendo en cuenta que la opresión que caracterizaría a nuestras sociedades, a su juicio, adquiere numerosas formas y manifestaciones, a menudo encubiertas, supone, por tanto, un prolongado y arduo esfuerzo llegar a la “liberación”. Como él mismo afirma:

6 Gutierrez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel7 Gutierrez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel 8 Gutierrez Perez, Fansisco y Prieto Castillo, Daniel

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... la liberación es un parto. Es un parto doloroso. El hombre que nace de él es un hombre nuevo, hombre que solo es viable en la y por la superación de la contradicción opresores-oprimidos que, en última instancia, es la liberación de todos (Freire, 1992, p. 45).9

Ideas de Paulo Freire.-La educación “Bancaria”: Paulo Freire denominó “educación bancaria” a una manera de

entender la educación como relación “vertical”, o sea, en la que uno (el educador) otorga y otros (los educandos) reciben conocimiento. Existe, por tanto, en este modelo pedagógico una separación tajante entre los roles de educador y educando. La educación bancaria se concibe como narración de unos contenidos fijos, o como transmisión de una realidad que no requiere reelaboración y que se presenta como la única posible.10

Según Freire, la educación bancaria supone una violencia en la medida en que se efectúa desde la sordera hacia el otro que está siendo educado. Como afirma el propio Freire:

“Referirse a la realidad como algo detenido, estático, dividido y bien comportado o en su defecto hablar o disertar sobre algo completamente ajeno a la experiencia existencial de los educandos deviene, realmente, la suprema inquietud de esta educación.”11

Lo que la pedagogía de Freire pretende evidenciar en un primer momento, en un proceso socrático por el que la sabiduría de los educandos sale a relucir.

Por supuesto, descubrir la sabiduría del otro requiere humildad por parte del educador. Como el propio Freire afirma:

“No hay... diálogo si no hay humildad. La pronunciación del mundo, con el cual los hombres lo recrean permanentemente, no puede ser un acto arrogante”.12

Freire se opone a toda arrogancia y a la separación tajante entre los participantes en un proceso educativo:

“La educación debe comenzar por la superación de la contradicción educador-educando. Debe fundarse en la conciliación de sus polos, de tal manera que ambos se hagan, simultáneamente, educadores y educandos”13

Para Freire, también, el hombre se realiza y se encuentra a sí mismo como ser en relación con un otro desbordante. La necesaria presencia del otro 9 Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido10 Paulo Freire pp 73 a 7911 Paulo Freire pp. 75 12 Paulo Freire pp. 10713 Paulo Freire pp. 77

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frente a una radical soledad fundamenta el énfasis de la pedagogía de Freire puesto en una suerte de diálogo horizontal cuyo aspecto principal es la escucha activa. Es solo así que la persona puede salir de sí y mejorar su existencia, más allá de las meras necesidades empíricas básicas, perfeccionándose. Y esta transitividad, como apertura a la relación y realización de la misma, es lo normal en el ser humano, lo que se adecua a sus necesidades y naturaleza profunda.

“El diálogo como encuentro de los hombres para la “pronunciación” del mundo es una condición fundamental para su verdadera humanización”.14

Una mirada convergente.

Con base en estas ideas y posiciones es que se dispuso nuestro trabajo en la Facultad Indígena de La universidad del Estado de Mato Grosso, pensando en que la educación es portadora de esperanzas y dinamo en las vidas de las personas enriqueciéndolas con las experiencias de construcción y apropiación de conocimientos.

Nuestra idea por debajo de los términos que normalmente vemos en la educación pero nuestra óptica tiene dos puntos de vista porque es importante revisar el valor semántico de “educar” y de “comunicar”, pues ambos han sido distorsionados por el uso. Aunque las raíces de educar, provienen del latín “educere” y “educare”, el primero significa sacar lo que está adentro del ser humano, para prepararlo como ser social, mientras que el segundo nos remite a una acción de moldear y guiar. Educere implica preguntar, dialogar, pensar y crear, en oposición a memorizar y repetir. La memorización y la repetición del modelo educativo.

En el caso de la “comunicación”, se dan igualmente confusiones de términos.

Communio significa compartir, poner en común, participar, lo que hace de la comunicación algo muy diferente de la información, y muy próxima al verdadero sentido de la educación. Sin embargo, es muy corriente confundir en el lenguaje cotidiano la comunicación con la información.

En otras palabras, información no puede compararse a comunicación.

Lo anterior es importante, porque la palabra escuela o la palabra educación, ya no tienen el mismo significado para todos. Es muy diferente la manera como las entendieron Freinet, Vygotsky, Freire o Kaplún, a como la entienden quienes la conciben como un molde inamovible.

Una postura muy apropiada es la del pensador Regis Debray (Compañero del “Che” Guevara), en sus luchas armadas por Bolivia, hoy 14 Paulo Freire pp. 178

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vemos que su postura es más pacífica y se encaja en esa otra mirada de la educación a la que estamos haciendo mención e hincapié y dice: “Los cambios que afectan el papel de la comunicación en la educación no deberían ser ni cosméticos ni instrumentales, sino de enfoque y de proceso. El añadido de nuevas tecnologías sobre un sistema arcaico de educación no es la solución”.

Una preocupación es que los educadores intenten substituir lo que es principal por lo que es apoyo, principalmente cuando se habla de tecnologías, la que no cambia las ideas, conceptos, contenidos, solo mediatiza la acción del profesor que tiene que estar más preparado que antes, porque, la información está en cualquier parte, pero la educación necesita de un proceso del cual el educador y el educando participan activamente por esto el informe encomendado por la UNESCO a la Comisión Internacional sobre la Educación en el Silo XXI, presidida por el ex ministro de Francia Jacques Delor´s concluyó que los cuatro pilares de la educación son:

Aprender a conocerAprender a hacerAprender a convivirAprender a serComo desarrollo de estas ideas veamos lo que Prieto Castillo dice

textualmente:

Educación para la In-certeza.

“Educar para interrogar permanentemente la realidad de cada día, por tanto, no enseñar, ni inculcar respuestas.

Educar para localizar, reconocer, procesar y utilizar informaciones.Educar para resolver problemas.Educar para saber reconocer las propuestas mágicas de certezas,

para desmitificar y re-significar.Educar para crear, re-crear y utilizar los recursos tecnológicos de

escala humana”.

Educar para Disfrutar de la Vida.

“Educar para trabajar en lo que nos gusta y realizarnos como seres humanos.

Educar para vivir intensamente nuestra afectividad.Educar para generar el entusiasmo.Educar para dar lo mejor de sí mismo y recibir lo mejor de los otros”.

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Educar para la Significación.

“En Educación no hay nada de insignificante.Hay que buscar procesos en los cuales educadores y educandos

interactúen.Significar es dar sentido a lo que hacemos; comprender el sentido

de las propuestas educativas, políticas culturales; relacionar, contextualizar experiencias y discursos; dar mejor sentido a las diversas prácticas de la vida cotidiana”.

Educar para la Expresión.

“Sin expresión no hay educación.Expresión: Acción y acto de expresarse, exteriorizar, poner para

fuera lo que tenemos dentro, comunicar, manifestar, tornar público.La capacidad expresiva representa el dominio del tema (significado) y

de la materia discursiva (significante), manifestada, clara y coherentemente, tiene seguridad, riqueza y belleza en el uso de las formas de los diferentes lenguajes”.

Educar para Convivir

“Educar para vivir con; porque “estamos en el mundo para entreayudarnos y no para destruirnos”(Simón Rodríguez). Por esto, todo aprendizaje es un interaprendizaje.

No se puede educar para convivir si no se educa para la cooperación, para la participación colectiva y para el interaprendizaje”.

Ahora, aparecen nuevas cuestiones ¿es esto suficiente para facilitar conocimientos a personas diferentes? con culturas, idiosincrasias y cosmovisiones diferentes, ¡creemos que sí! Necesitamos adaptar todo esto a esas realidades diferentes, ya decía el Apóstol Pablo en su libro primero a los Corintios 9: 20 dice: “Me he hecho a los judíos como judío, para ganar a los judíos…” Esto es tan antiguo y todo mundo lo sabe, hay que trabajar dentro de la cultura a la que se quiere alcanzar.

Y no es problema de inteligencia, es de saber que todos somos iguales, que tenemos las mismas capacidades, las personas normales, sin disturbios de ningún tipo; solo es cuestión de estrategia, ¿cómo llegaremos a nuestro educando? la única manera es por medio de la comunicación real, sin preconceptos, y de forma clara para que pueda entender y tornar proprio ese conocimiento; porque si el alumno no entiende lo que decimos, no es su culpa, es culpa del facilitador.

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Es sabido también que la inteligencia y la competencia son independientes de cuanto la persona estudió.

Tiene más que ver con su visión de mundo, con su capacidad de crear nuevas soluciones para los viejos problemas, identificar oportunidades, apreciar los desafíos, luchar por lo que uno se propone. Si la persona no sabe lo que quiere o que debe hacer con todo lo que aprendió, eso acaba tornándose o volviéndose un peso para cargar.

Así, mientras más se estudia y aprende, más elementos se tienen para crear y cambiar lo que sin duda, es una ventaja pero vale recordar que puede ser más útil un simple cortaplumas para quien sabe usarlo, que misiles supersónicos para quien no tiene idea cuál es su blanco u objetivo.

A modo de conclusión.

Nunca antes había visto como el educar para la incerteza, significación, convivencia, para disfrutar de la vida, ideas propuestas por el educador y comunicador, Daniel Prieto Castillo se hagan realidad.

Confieso que en estas instancias, el pensar de Prieto Castillo, funciona en el intento de facilitar conocimientos; me asombró realmente, que las diferencias no eran importantes, tanto del educando y educador; alcanzar objetivos era lo importante, facilitar el conocimiento era la premisa, no era en tesis si no en la praxis; fue la convivencia, fue vivida la educación; entre tantas diferencias, era real.

Sobre cantidades, no puedo decir ahora con exactitud cuántas etnias eran las participantes? pero solo en mi sala habían 12 personas, de 8 etnias diferentes, con cosmovisiones diferentes, con lenguas diferentes, con experiencias diferentes y ningún mal entendido, es de admirar que con 24 horas de convivencia diaria, porque son alojados todos bajo el mismo techo, siendo de tantas naciones diferentes, pueda existir tanta armonía, ellos provienen de naciones y tribus y aldeas diferentes, cuanta diversidad y cuanta armonía en ese convivir!

Ahora pienso en los bolivianos; que solo viendo a los grandes grupos étnicos;15 aimaras, quechuas, ”cambas” y chapacos, no pueden hacer casi 15 Los pueblos indígena-originarios de Bolivia se dividen en dos ramas: Las Etnias de los Andes asentadas en mayor parte en las regiones altiplánicas y valles; y las Etnias de los Llanos Orientales que se localizan en las regiones cálidas al nororiente de la cordillera central y las regiones del sudeste (Gran Chaco).

Etnias de los Andes

Aimaras: Ocupan fundamentalmente la alta meseta de los departamentos de La Paz, Oruro y Potosí

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nada en conjunto, aunque se viven en ciudades, no en aldeas, lo que permite que haya interacción entre los diferentes grupos, pero, nunca hubo ni habrá entendimiento, con las excepciones relativas al territorio y aun históricamente hablando, entre quechuas y aimaras que compartiendo territorios antiguamente y en la actualidad no se entienden muy bien, ellos, ambos, siempre, antes de la colonia y en la actualidad no soportan a los “orientales”; aunque en la actual coyuntura con sus migraciones hayan tomado todo el territorio oriental de las etnias “cambas”16, estos no soportan su manera distinta de ser de los “cambas”, lo que me remite a los justos anhelos de los “cambas y chapacos por autonomía verdadera, no ese “engendro” hecho por los antiguos “alto peruanos”; hago esta referencia porque es real, porque, hasta antes de la colonia ya habían dividido el territorio y el gobierno en Kollasuyo, Tiguantisuyo, etc; porque entre ellos mismos no se entendían, pero su ansia de dominación hizo que dividieran para reinar mejor.

Hoy la nación plurinacional, la nación boliviana17, que debiera permitir el derecho de sus pueblos de auto determinación, lo que pensado como autonomía no divide, solo permite mejor gestión, lo que traería más beneficio a los propios emigrantes de occidente que ya son mayoría en el antiguo territorio “oriental”.

Quechuas: Se desarrollan principalmente en los valles de Cochabamba y Chuquisaca. También ocupan zonas cordilleranas de Potosí y Oruro. Existen enclaves quechuas en las provincias de Inquisivi, Camacho y Muñecas del departamento de La Paz. Pertenecen a la nación quechua los Tarabucos (provincia Yamparaes del departamento de Chuquisaca), los Ucumaris (Provincias Chayantas y Bustillos del departamento de Potosí), los Calchas, Chaquies, Yralipes, Tirinas, etc.

Etnias de los Llanos Orientales

Guaraníes: Formado por: Guarayos, Pausernas, Sirionós, Chiquitanos,, Matacos, Chulipis, Taipetes, Tobas y Yuquis

Tacanas: Formado por: Lecos, Chimanes, Araonas y Maropas.

Panos: Formado por: Chacobos, Caripunas, Sinabos, Capuibos y los Guacanaguas.

Aruacos: Formado por: Apolistas, Baures, Moxos, Chanés, Movimas, Cayabayas, Carabecas, Paiconecas o Paucanacas.

Chapacuras: Formado por: Iténez o Moré, Chapacuras, Sansinonianos, Canichanas, Itonamas, Yuracarés, Guatoses y Chiquitos.

Botocudos: Formado por: Bororos y Otuquis.

Zamucos: Formado por: Ayoreos.16 Del guarany Cambá que quiere decir hombre moreno17 Bolivia es un país con mayoría indígena, de la misma manera que otros países de América Latina con una extendida población amerindia, como Guatemala, existe también una población que se identifica a sí misma como mestiza de cerca del 27%, aunque no pocos podrían ser catalogados fenotípicamente como amerindios «puros». Existe también una pequeña proporción de población (de alrededor de 7%) de origen europeo: español, francés, balcánico, alemán, italiano y otros.

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Porque no permitir que esa convivencia sea agradable? porque desde arriba se impulsa ese separatismo mal intencionadamente atribuido a los “orientales”? bajo un falso discurso de “unidad en la diversidad”.

Lo que aprendí en la “Facultad Indígena Intercultural” brasileña es que ese respeto por territorio y diversidad de idiosincrasias, cosmovisiones, cultura e intereses permite que se pueda vivir armoniosamente con todas las diferencias que existe entre ellos.

¿Sera que los indígenas brasileños son más inteligentes? que aunque viven en aldeas separadas puedan encontrarse en paz y armonía y entre paréntesis, sé que no voy a ser punido por haber usado la palabra “indio” ya que para los brasileños no es considerado despectivo, por lo contrario es motivo de orgullo y nadie se ofende al ser llamado indio, además, es motivo de respeto. Es a ellos a quien hago referencia cuando digo “indios”.

Espero que esta experiencia no solo me sirva a mí, sino, que también, a todos los educadores que tienen el compromiso con la transmisión y construcción de conocimientos que transformen y que anhelan ser libres de la opresión de la ignorancia; por esto agradezco ese grupo de alumnos indígenas brasileños (Cristina Leite Tukumã, Edinho Managuire, Juscinei Bokodorekuie, Nhakpokti Menkragnoti re, Patkore Metuktire, Tekreranti Metuktire, Zezanias Zezanokae, Rogerio Morawi Tapirape, Micael Turi Rondon, Nilce Alcântara Gabriel, Basílio Tsere’omowi Paridzane, Cosme Rite, Francisco Embusã Zoró) que me enseñaron que puede existir armonía basada en el respeto de las diferencias.

Hasta aquí se pretendió ver de otro modo el proceso de enseñanza aprendizaje basado en las diferencias étnicas, culturales, de idiosincrasias y cosmovisión de los educandos indígenas, que al final acaban entendiendo y participando todo en su segunda lengua el portugués, como catalizador o crisol para depurar las vivencias de educando, para luego transmitirlas posiblemente en su lengua materna a fin de no perder sus orígenes, que sea dicho de paso, son ricos, conocer algo de esto para cualquier persona es de una riqueza incalculable y que al final de cuentas son la base de esta nación verdaderamente brasileña

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12. Gomez, Gustavo: Libertad de antenna en América Latina y el Caribe: Principios de Legislación. MediaForum 4/2004, CAMECO. Aachen, 2004.

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PRIMEIRO CENSO ESCOLAR INDÍGENA

Jasom de Oliveira1

Resumo. Dois fatos importantes marcaram o ano de 1999 no que concerne à educação escolar indígena no Brasil. De um lado, a criação da categoria escola indígena nos sistemas de ensino no País, através do Parecer n. 14 e da Resolução n. 03, da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE). Tem-se, de outro lado, a realização do primeiro Censo Escolar Indígena – 1999. O trabalho tem por objetivo a análise do andar da escolarização indígena em Terras Indígenas a partir do primeiro Censo Escolar Indígena, à luz das novas condições sociais (movimentos sociais), políticas (redemocratização) e legais (Constituição Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases de 1996) que antecederam ou acompanharam o Parecer n. 14/1999 e a Resolução n. 03/1999. O estudo tem como base empírica três documentos: o Censo Escolar Indígena 1999, Estatísticas sobre Educação Escolar Indígena no Brasil, estudo feito a partir do Censo Escolar 2005, e Um Estudo sobre a Educação Indígena com Base no Censo Escolar 2008. O período analisado compreende, portanto, o novênio 1999 a 2008.Palavras-chave: Escolarização indígena, Escola indígena, Censo Escolar, Brasil.

Abstract. Two major events marked the year 1999 with regard to indigenous education in Brazil. On the one hand, the creation of the category in indigenous school education systems in the country, through the No Opinion Resolution No. 14 and 03, the Chamber of Basic Education (CEB) of the National Education Council (CNE). There is, on the other hand, the realization of the first Indigenous School Census - 1999. The paper aims at analyzing the floor of the Indian education in indigenous territories from the first Indigenous School Census in the light of new social conditions (social movements), political (democratization) and legal (the 1988 Federal Constitution and Law of Directives and basis of 1996) that preceded or accompanied the No Opinion Resolution No. 14/1999 and 03/1999. The empirical study is based on three documents: the Indigenous School Census 1999, Statistics on 1 Especialista em Educação, diversidade e cultura indígena. Mestrando em Teologia na área de Religião e Educação, na Faculdades EST, São Leopoldo/RS, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

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Indigenous Education in Brazil, a study from the School Census 2005, and A Study of the Indigenous Education-Based School Census 2008. The period analyzed includes, therefore, novênio 1999 to 2008.Keywords: Schooling indigenous Indian School, School Census, Brazil.

Introdução

O ano de 1999 foi marcado por dois fatos importantes que se traduziram em dupla referência no que concerne à educação escolar indígena no Brasil. Figura, de um lado, a “criação da categoria escola indígena nos sistemas de ensino no País”, através do Parecer n. 14 e da Resolução n. 03, da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), à Luz da Constituição Federal (CF) de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996. Tem-se, de outro lado, a realização do primeiro Censo Escolar Indígena – 1999, iniciativa conjunta da Secretaria de Educação Fundamental (SEF), do Ministério da Educação (MEC), e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais (INEP), censo este que se constituiu no “primeiro levantamento específico para conhecer as características das escolas localizadas em Terra Indígena”. (INEP, 2007, p.17).

Tendo esses dois fatos de 1999 como referência, o objetivo deste trabalho pode ser definido como a análise do andar da escolarização indígena em Terras Indígenas a partir do já referido primeiro Censo Escolar Indígena, de 1999, à luz das novas condições sociais (movimentos sociais), políticas (redemocratização) e legais (Constituição Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases de 1996) que antecederam ou acompanharam os referidos Parecer n. 14/1999 e Resolução n. 03/1999 da Câmara de Educação Básica.

O estudo tem como base empírica três documentos: o Censo Escolar Indígena 1999 (Brasil, MEC/SEF, 2001), Estatísticas sobre Educação Escolar Indígena no Brasil, estudo feito a partir do Censo escolar 2005 (INEP, 2007), e Um Estudo sobre a Educação Indígena com Base no Censo Escolar 2008 (INEP, 2009). O período analisado compreende, portanto, o

novênio 1999 a 2008.

Das condições sociais que antecederam a criação da escola indígena

O pressuposto do objetivo formulado acima é que nem os documentos da CEB, nem o primeiro Censo Escolar Indígena caíram do céu. O contexto imediato desses dois fatos que marcaram o ano de 1999 é a própria década de 1990. Em relação a esta, é esclarecedor o que diz Azevedo:

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A década de 90 foi muito boa para os índicos. Houve a Constituição e a Rio-92, que fizeram com que eles aparecessem na mídia de maneira positiva. Cresceu a questão ambiental, onde eles surgiram como defensores do meio ambiente. Houve também uma pesquisa sobre o DNA dos brasileiros feita pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, em 1997, que mostrou [que] 45 milhões de brasileiros têm ascendência indígena. Coisas assim reforçaram a identidade étnica e fizeram surgir um orgulho de ser descendente de índio. (Apud PEREIRA; AZEVEDO, 2004, p. 4)

Em tentativa de periodização da educação formal indígena no Brasil, Ferreira diz que o que marca o início da terceira fase é precisamente o surgimento de organizações indigenistas não governamentais e a formação do movimento indígena a partir do final da década de 1960 e 70, ainda no período da ditadura militar (FERREIRA, 2001). Como exemplos de organizações indigenistas não governamentais a autora refere a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI/SP), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI, hoje Instituto Socioambiental – ISA), a Associação Nacional de apoio ao Índio (ANAÍ) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Com o apoio de movimentos indigenistas, as próprias lideranças indígenas, até então isoladas do cenário político nacional, começaram, a partir de 1974, a se articular através da realização de assembléias indígenas em todo país. Organizações indígenas foram sendo criadas, como o Conselho Geral da Tribo Tikuna (CGTT), a Comissão Indígena Xerente, a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Xié (ACIRX), o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o Grupo de Mulheres e Educação Indígena (GRUMIN), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), com destaque, entre estas, para a União das Nações Indígenas (UNI), de 1980. (FERREIRA, 2001). Movimentos bastante heterogêneos e ainda em início de articulação.

Silva, por sua vez, destaca três fatores fundamentais para o surgimento destes bem como de outros movimentos. O primeiro, interno, é a situação extrema dos povos indígenas, com seus territórios invadidos, sua cultura ridicularizada e desprezada, e caminhando para o extermínio enquanto povos etnicamente diferenciados. O segundo, externo, é o começo de articulações de um movimento da própria sociedade majoritária não indígena, de resistência e oposição ao regime militar ditatorial no país e de luta pela transformação da realidade sociopolítica e econômica nacional. O terceiro, também externo, mas continental, principalmente sul-americano,

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está nas tensões existentes entre sistemas políticos e econômicos a partir de um paradigma socialista, bem como as reações violentas das classes dominantes, impondo regimes ditatoriais, repressão, perseguição, tortura, em suma, violência institucionalizada. Assim, foram sendo criados intercâmbios de solidariedade visando à luta pela cidadania, liberdade, democracia, direitos e transformação social (SILVA, 2000).

As ações não governamentais pró-índio e a respectiva articulação com o movimento indígena “fizeram com que se delineasse uma política e uma prática indigenista paralela à oficial, visando a defesa dos territórios indígenas, a assistência à saúde e a educação escolar.” (FERREIRA, 2001, p. 87). Monte (2000) chama a atenção para a atuação das organizações não governamentais que não apenas passam a existir, mas também desenvolvem ações locais de apoio a algumas das sociedades indígenas, sobretudo no Norte e Centro-Oeste do país, estas que até então eram desconsideradas em suas particularidades antropológicas e jurídicas.

Nas décadas de 70 e 80, aconteceram os mais diversos encontros, tanto nacionais quanto internacionais, para a defesa das causas indígenas. Entre outros, o I Encontro Nacional de Educação Indígena (1979), realizado pelo CPI/SP; o Encontro Nacional de Educação Indígena (1987), pela Fundação Nacional Pró-Memória do Ministério da Cultura e pelo Museu do Índio do Rio de Janeiro; Encontros sobre a Educação Indígena, realizados a cada dois anos, desde 1982, pela Operação Anchieta (OPAN); a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com sua revisão em 1989, relativa à proteção e integração das populações indígenas em países independentes. Dessas articulações resultou uma série de documentos, tais como: “A questão da educação indígena” (1980), tendo como organizadora Aracy Lopes da Silva; documentos com propostas de educação escolar para indígenas dirigidos à Assembléia Nacional Constituinte e à LDB; “Subsídios para a elaboração política nacional de educação indígena e legislação ordinária correspondente” (1988) e “Da educação indígena” (1989), ambos do Grupo de Trabalho “Mecanismos de Ação Coordenada”; o próprio Estatuto do Índio (1973), entre outros. (FERREIRA, 2001)

Movimentos no meio religioso também se articularam para a defesa das populações indígenas. Setores católicos progressistas, numa linha voltada para a defesa dos direitos humanos e das minorias étnicas, fizeram com que aquela Igreja passasse a rever sua posição em relação à causa indígena. Foram criadas duas organizações: a OPAN, em 1969, hoje Operação Amazônia Nativa, e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com atuação nas seguintes dimensões: territorialidade; alianças na perspectiva de construção de uma nova ordem social, baseada na solidariedade, no respeito à dignidade humana e à diversidade étnica e

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cultural; apoio à articulação dos movimentos indígenas; formação voltada à autonomia dos povos indígenas; educação, saúde e auto-sustentação; diálogo intercultural e inter-religioso; e presença dos indígenas nas cidades (CIMI, 2009).

No meio protestante, por influência especialmente da Teologia da Libertação, linha também voltada para a defesa dos direitos humanos e das minorias étnicas, surgiram grupos que se sensibilizaram com a história dos povos indígenas, tomando consciência de que esta Igreja também fez parte do processo colonizador do país. Exemplo disto foi a presença de obreiros entre o povo Kulina, no Amazonas, que posteriormente se inseriram no Conselho de Missão entre Índios (COMIN). Este é um órgão da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), criado em 1982, com grande representatividade, que tem por objetivo apoiar os direitos indígenas nas áreas da educação, saúde, terra, organização e auto-sustentação (COMIN, 2009).

A partir da década de 19802 houve também uma intensa articulação indígena, ocorrendo em diversas regiões do país assembléias, encontros e congressos que possibilitaram uma comunicação contínua entre os diversos grupos indígenas, cujo principal objetivo era a reestruturação da política indigenista do país. O objetivo era procurar “soluções coletivas para problemas comuns: a defesa dos territórios, o respeito a diversidade linguística e cultural, o direito à assistência médica adequada e a processos educacionais específicos e diferenciados.” (FERREIRA, 2001, p. 95).

No campo educacional, temas como o ensino bilíngue, a alfabetização, a presença somente de professores indígenas nas escolas indígenas, a produção de material didático na língua materna de determinado povo, propostas de alterações de leis governamentais para possibilitar mais autonomia destes grupos, são apenas alguns exemplos dos frutos que surgiram com a organização dos povos indígenas.

Mudança nas condições político legais

A partir de meados da década de 1980 os movimentos tanto de organizações indigenistas como dos próprios povos indígenas acabam desembocando, junto com iniciativas das mais diversas naturezas, no grande movimento de redemocratização do país, de Diretas Já e da Constituinte. Se a questão indígena foi contemplada na nova constituição e legislação posterior, isso se deveu muito à mobilização tanto dos indígenas como dos não indígenas. Foi isto que garantiu que a questão indígena fosse encaminhada em articulação e coerência com outras questões que estavam sendo postas, 2 A partir da década de 1980 estaríamos na quarta fase da periodização de Ferreira (2001).

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como a questão dos direitos humanos em geral, a questão étnico-racial, a questão da escolarização etc.

A partir de 1985, o movimento indígena começou a se articular em torno da Constituinte, convocando assembléias e criando grupos de trabalho em nível nacional para apresentar propostas baseadas nos anseios das comunidades (MARKUS, 2006). Na história brasileira tem-se a célebre foto de Ailton Krenak, indígena representante da União das Nações Unidas, que pintou o seu rosto durante a defesa de uma das emendas populares sobre os direitos indígenas na Assembléia Nacional Constituinte (SANTOS, 1998).

A Constituição de 1988 contém avanços importantes no que se refere aos direitos indígenas. No caput do Artigo 209 lê-se que “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. O parágrafo segundo do mesmo artigo, depois de dizer que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, especifica que será “assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. O artigo 215 estabelece que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. No parágrafo primeiro do mesmo artigo 215, especifica que “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. No artigo 231 tem-se o reconhecimento de direitos no que concerne à cultura e às terras indígenas: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (BRASIL, CF, 1988, passim).

Bonin (2008) ressalta que quando, no artigo 210, § 2, a CF fala sobre os “processos próprios de aprendizagem”, está claro o objetivo de fortalecer o conceito de que a escola terá que ser recriada em cada localidade, já que não existe uma “educação indígena”, única, genérica, aplicável em qualquer contexto, porquanto as maneiras de se educar são distintas, como também o são as culturas indígenas. Na mesma direção, Markus (2006, p. 68) aponta para a garantia “da possibilidade de uma educação diferenciada em que a realidade e identidade de cada povo sejam consideradas.” Esta idéia aponta na direção da necessidade de desmistificação do imaginário de um “índio genérico” ou “índio brasileiro”.

Estudiosos da educação escolar indígena ressaltam, ainda, alguns aspectos que vale lembrar. De um lado, a já citada Bonin (2008, p. 99), salienta que a virada conceitual operada pela Constituição de 1988 “alterou significativamente as relações do Estado com os povos indígenas”, mudança

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esta de perspectiva que exigiu que se reformulassem as leis específicas sobre educação para torná-las compatíveis com os princípios mais gerais, com regulamentação do direito a uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural, bilíngue. De outro, está a observação de Markus (1998, p. 91), de que os movimentos indígenas, especialmente dos professores, saíram do processo constituinte sentindo-se “amparados pela carta magna”, do que se seguiu “intensa reflexão sobre o tipo de educação e a escola que cada povo quer para a sua realidade”. De outro ainda, tem-se o alerta de que a Constituição pode ser modificada a qualquer momento, através de emenda constitucional, desde que tenha a aprovação de 2/3 dos congressistas, donde a necessidade, de parte dos movimentos indígenas, assim como de outros interessados, “um permanente acompanhamento das atividades do Congresso, visando a identificação de possíveis articulações que possam vir ameaçar os direitos das minorias indígenas e retroceder nos importantes avanços históricos”. (SANTOS, 1998, p. 91).

Três anos após a promulgação da CF 1988, sobreveio outro fato importante – a passagem, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Educação, da responsabilidade pela educação escolar indígena, com integração das escolas indígenas nos sistemas estaduais ou municipais de educação (BRASIL, Decreto n. 26, 1991). Este foi mais um passo importante para a superação do conceito e das políticas de integração do índio à cultura e sociedade nacional, conceito e políticas estas radicadas no Estatuto do Índio (BRASIL, Lei n. 5.371, 1967; Lei n. 6.001, 1973).

Em 1996 sobreveio, finalmente, a esperada e disputada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, Lei n. 9.394, 1996), a qual, como observa Bonin (2008, p. 100), “reafirmou os preceitos constitucionais, regulamentou e deu corpo às determinações mais gerais da educação nacional”, definindo como atribuição da União “a tarefa de organizar a educação escolar indígena, assim como a responsabilidade de assegurar proteção e respeito às culturas e modelos próprios de educação indígena”.

Mais que citar os artigos da LDB sobre a educação indígena (Art. 26, § 4º; Art. 32. § 3º; Art. 78 e incisos I e II; Art. 79, § 1º e § 2º, com seus incisos I a IV), opta-se por ressaltar a leitura que alguns estudiosos têm feito a respeito. Markus (2006) chama a atenção para o fato de à LDB ter legitimado o caráter diferenciado da educação indígena. Quanto ao artigo 79 da LDB, a autora aponta para a autonomia assegurada, através da lei, para a construção de projetos pedagógicos próprios, com liberdade de criação, desenvolvimento e avaliação dos conteúdos a serem ministrados nas respectivas escolas. (MARKUS, 2006).

Outra pesquisadora da educação indígena destaca o asseguramento legal do uso das línguas maternas nas escolas indígenas, conforme artigo

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78, e em relação ao artigo 79, salienta o aspecto não homogêneo das comunidades indígenas, havendo por isso necessidade de “currículos, programas, materiais didáticos e formação de educadores diferenciados, adequando-se às necessidades de cada comunidade” (BERGAMASCHI, 2004, p. 1-2).

A criação da escola indígena (Parecer n. 14 e Resolução n. 3 da CEB, 1999).

Como resultado dos vários textos legais desde a CF de 1988 houve uma mudança de paradigma na concepção de educação escolar indígena. No entanto, a pluralidade de situações resultantes da aplicação dessas leis, no que se refere tanto aos vínculos administrativos quanto às orientações pedagógicas, dificultava “a implementação de uma política nacional que assegure a especificidade do modelo de educação intercultural e bilíngue às comunidades indígenas” (BRASIL, 1999a, p. 6). Além disso, a “escola indígena”, ao ser municipalizada ou estadualizada, conforme o Decreto n. 26/1991, não adquiria “o estatuto de escola diferenciada, sendo usualmente enquadrada como ‘escola rural’ ou como extensão de ‘escolas rurais’, com calendários escolares e planos de curso válidos para esse tipo de escola” (BRASIL, 1999a, p. 9), mais uma vez conflitando com o novo conceito de educação escolar indígena.

Assim, através do Parecer n. 14 da CEB, de 14 de setembro de 1999, afirma-se a necessidade da criação da escola indígena, com a pertinente autonomia pedagógica e financeira:

Para que as escolas indígenas sejam respeitadas de fato e possam oferecer uma educação escolar verdadeiramente específica e intercultural, integradas ao cotidiano das comunidades indígenas, torna-se necessário a criação da categoria “Escola Indígena” nos sistemas de ensino do país. Através desta categoria, será possível garantir às escolas indígenas autonomia tanto no que se refere ao projeto pedagógico quanto ao uso de recursos financeiros públicos para a manutenção do cotidiano escolar, de forma a garantir a plena participação de cada comunidade indígena nas decisões relativas ao funcionamento da escola. (BRASIL, 1999a, p. 10)

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Vale ainda ressaltar que, de acordo com o Parecer, do ponto de vista administrativo, identificar-se-á “como ‘Escola Indígena’ o estabelecimento de ensino, localizado no interior das terras indígenas, voltado para o atendimento das necessidades escolares expressas pelas comunidades indígenas.” (BRASIL, 1999a, p. 10). E é essa criação da categoria “Escola Indígena” que assegurará o direito ao pleno acesso aos diversos programas que visam o benefício da educação básica. O Parecer discorre ainda, entre outros pontos, sobre a definição da esfera administrativa, formação do professor indígena, currículo e sua flexibilização, e estrutura e funcionamento da “Escola Indígena”.

O referido Parecer n. 14 da CEB foi seguido, em 10 de novembro 1999, da Resolução n. 03, da mesma CEB, a qual fixa diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas. A Resolução estabelece a estrutura e o funcionamento das Escolas Indígenas no âmbito da educação básica, “reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngue” (BRASIL, 1999b, Art. 1º). A Resolução sustenta também que “Na organização da escola indígena deverá ser considerada a participação da comunidade, na definição do modelo de organização e gestão”, além de, entre outros pontos, “a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das comunidades indígenas” e “o uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo indígena” (BRASIL, 1999b, Art. 3º e incisos V e VI).

Na sequência, a Resolução trata da formulação de projeto pedagógico próprio, por escola ou povo indígena, da formação de professores, com destaque para a formação de professores indígenas, da atividade docente, das competências da União, dos Estados e dos Municípios, além de outros aspectos (BRASIL, 1999b, art. 5º e seguintes).

Escolas indígenas existiam antes do Parecer n. 14/1999 e da Resolução n. 03/1999, mas sem clareza quanto à sua especificidade, isto é, sua natureza de escola diferenciada. A partir de 1999 elas estão oficialmente criadas e regulamentadas.

A Escola Indígena nos Censos Escolares

As análises aqui desenvolvidas limitam-se às escolas indígenas situadas em Terras Indígenas (em sua imensa maioria localizadas no meio rural), onde vivem cerca de 220 povos indígenas, com suas diferentes culturas e suas mais de 180 línguas. Tais análises têm por base dados de três Censos Escolares.

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Na Introdução ao Censo Escolar Indígena 1999, é feita referência aos esforços do Ministério da Educação, nos dez anos anteriores ao referido Censo, para construir uma “nova política nacional de educação escolar indígena”, que estivesse voltada a oferecer programas educacionais que respeitassem as tradições, culturas e línguas dos povos indígenas no Brasil. (BRASIL, MEC/SEF, 2001, p. 9). O referido censo acusava a existência de 1.392 escolas indígenas em 1999, com 93.037 alunos, dos quais 90.459 (97%) estudantes indígenas. Desses, 74.931 (80,5% do total), frequentavam o ensino fundamental, com forte concentração nas primeiras séries deste nível de ensino (43,5% na primeira; 23,0% na segunda; 14,9% na terceira e 9,4% na quarta série), não havendo mais do que 9,2% nas quatro séries finais do ensino fundamental. Os outros 19,5% do total de estudantes em escolas indígenas estavam assim distribuídos: 15,1% na educação infantil e em classes de alfabetização; 1% (943) no ensino médio e 3,5% (2.966) em classes da educação de jovens e adultos. (BRASIL, MEC/SEF, 2001). Não estão ali incluídas crianças, jovens e adultos indígenas residentes em áreas indígenas que estivessem frequentando instituições escolares, principalmente de nível médio e superior, situadas fora das Terras Indígenas e, por isso, não se enquadrando no conceito de escolas indígenas.

Há que dizer ainda que essa forte concentração da população estudantil de escolas indígenas no ensino fundamental, notadamente nas séries iniciais, em especial na primeira série, é uma característica da escola brasileira, com destaque para a escola rural que, hoje, não só os/as pesquisadores/as (RIBEIRO, 2010), mas também os órgãos oficiais (INEP, 2007) preferem denominar escola/educação do campo. Assim, os dados do Censo Escolar Indígena 1999 não só confirmam que a escola indígena brasileira participa dessa característica da escola brasileira de forte concentração nas séries iniciais do ensino fundamental, mas também indica que esta, por sua constituição recente, vê essa característica manifestar-se de forma ainda mais exacerbada.

Tendo como referência os dados acima sobre escolarização indígena em 1999, pode-se levantar uma questão: teria havido alguma mudança nesse quadro da escolarização indígena no novênio que se seguiu? Para responder à pergunta, recorrer-se-á a dados de três censos escolares, dois dos quais específicos sobre escolarização indígena (BRASIL, MEC/SEF, 2001; INEP, 2009). A mudança ocorrida no período pode ser avaliada de vários pontos de vista: do número de estabelecimentos escolares; do número de matrículas e de sua distribuição entre os diferentes níveis da educação básica; do número de docentes, particularmente de docentes indígenas, e de sua qualificação.

a) O número de estabelecimentos escolares indígenas elevou-se, no novênio em questão, de 1.392 em 1999, para 2.323 em 2005 e 2.698 em

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2008, o que representa um aumento de 93,8%, quase uma duplicação no período 1999/2008.

O aumento verificado no número de escolas indígenas resultou não só da criação de novas escolas, “mas também da regularização de um grande número de escolas e salas de aula que antes não eram reconhecidas como indígenas”, muitas das quais eram, antes, consideradas “salas de extensão de outras escolas”. (INEP, 2007, p. 23).

As escolas indígenas recenseadas em 2008 distribuem-se por todos os 26 estados da União, mas com forte concentração na Região Norte (1.677 escolas – 62% do total) e, individualmente, nos estados do Amazonas (904 escolas), Maranhão (302 escolas), Roraima (245 escolas) e Mato Grosso (200 escolas). Apenas o Distrito Federal não tem nenhuma escola indígena. (INEP, 2009).

Do total de escolas indígenas levantadas em 2008, 94% estavam situadas em Terras Indígenas, ou seja, em áreas demarcadas pela União como indígenas. No entanto, os 6% de escolas situadas fora das Terras Indígenas atendiam nada menos do que 32.783 alunos/as, igual a 16% do total. (INEP, 2009).

Do total de 2.698 escolas indígenas (em Terras Indígenas) recenseadas em 2008 no Brasil, 2.612 (96,8%) situavam-se no meio rural e apenas 86 (3,2%) no meio urbano, o que significa que, ao se falar de escolas indígenas, se está falando essencialmente de escolas situadas no meio rural. (INEP, 2009, p. 27, Tabela 1.3). No entanto, o conceito de escola indígena foi introduzido justamente para diferenciá-la da escola tradicional, seja urbana, seja rural.

b) Se o aumento do número de escolas indígenas no período 1999/2008 chegou a 94,8%, o aumento do número de alunos/as foi ainda maior, passando de 93.037 em 1999 para 205.871 em 2008, uma expansão de 121%. (INEP, 2009, p. 11, Tabela 1). Esse total de alunos/as estava assim distribuído em 2008: Educação Infantil – 20.281 (9,9%), Ensino Fundamental – 151.788 (73,7%), Ensino Médio – 11.466 (5,6%), Educação Especial – 203 (0,1%), Educação de Jovens e Adultos – 20.766 (10,1%) e Educação Profissional – 1.367 (0,7%). (INEP, 2009, p. 38, Tabela 2.4).

Além dos aumentos no número de estabelecimentos escolares e de alunos no período, destacam-se também alguns avanços significativos nas etapas superiores da Educação Básica e na Educação de Jovens e Adultos, os quais podem sem assim resumidos (BRASIL, MEC/SEF, 2001, p. 39, Tabela 4.9 e 4.10; INEP, 2009, p. 17, Tabela 4, e p. 38, Tabela 2.4):

* grande aumento das matrículas nos anos finais (5ª a 8ª série) do Ensino Fundamental, as quais passaram de 6.873 alunos/as em 1999 para

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39.430 em 2008, o que representa uma multiplicação por aproximadamente seis no período;

* grande aumento das matrículas no Ensino Médio, as quais passaram de apenas 943 em 1999 para 11.466 em 2008, o que representa uma multiplicação por aproximadamente 12 no período;

* grande aumento das matrículas na Educação de Jovens e Adultos, as quais saltaram de 2.966 em 1999 para 20.766 em 2008.

c) Com certeza, tal expansão da rede de escolas indígenas e de matrículas em escolas indígenas só pode ter sido acompanhada de uma forte expansão do corpo docente. Com efeito, o número inicial de 3.998 docentes atuantes em escolas indígenas em 1999, dos quais 3.059 índios (76,5%) e 939 não índios (23,5%) (BRASIL, MEC/SEF, 2001, p. 14, Tabela 1.2), elevou-se progressivamente para 8.431 em 2005 e 10.923 em 2008, o que representa um aumento de 173% no novênio, mas sem distinção de professores índios e não índios nos dois últimos censos. (INEP, 2009, p. 41, Tabela 3.1). Em Um olhar sobre a educação Indígena, encontram-se observações muito pertinentes quanto à formação do magistério atuante em escolas indígenas: dos 5.371 docentes em atuação nos anos finais do Ensino Fundamental em 2008, apenas 541 (12,5%) tinham cursado alguma licenciatura, tendo os demais apenas Fundamental (967 – 18,0%), Médio (986 – 18,4%), Normal Magistério (1.679 – 31,3%), Magistério Indígena (545 – 10,1%) ou Superior sem licenciatura (53 – 1,0%); dos 1.129 docentes em atuação no Ensino Médio em 2008, pouco mais de metade (576, igual a 51,0%), tinha cursado alguma licenciatura. (INEP, 2009, p. 20, Tabela 5) Justifica-se, portanto, a seguinte observação contida na publicação do Censo Escolar 2008: “Chama a atenção, ainda mais, o reduzido número de professores graduados com licenciatura, escolaridade indispensável para o exercício do magistério nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio.” (INEP, 2009, p. 20).

d) Outro aspecto importante a considerar é que o uso de línguas indígenas já estava presente, em 2008, em 70,8% das escolas, “compondo um universo de 149 idiomas”, fato considerado da maior importância, “haja vista a tendência histórica de perda da diversidade lingüística”. Na realidade, destruição e não perda da diversidade linguística! O percentual de estabelecimentos escolares indígenas com ensino bilíngue (indígena e português) era o seguinte nas diferentes regiões do país: Norte – 72,0%; Nordeste – 35,7%; Sudeste – 47,6%; Sul – 88,6%; Centro-Oeste – 87,9%. É no Nordeste que predomina o uso exclusivo da língua portuguesa (62,6%), figurando o Sudeste como a Região com maior frequência de uso exclusivo de língua indígena (20,6%). (INEP, 2009, p. 11, Gráfico 2).

Num país com mais de 180 idiomas indígenas, o ensino bilíngue é sem dúvida um dos maiores desafios, se não o maior, para a escola indígena.

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e) No que tange a sexo, diferentemente do que acontece nos sistemas estaduais e municipais de educação básica não indígena no Brasil, onde é muito forte a predominância de docentes do sexo feminino, nas escolas indígenas há um número relativamente maior de docentes do sexo masculino (5.687 homens, contra 5.236 mulheres). (INEP, 2009, p. 41, Tabela 3.1).

Note-se, porém, o equilíbrio na distribuição da matrícula por sexo na Educação Básica indígena: uma proporção um pouco maior de alunos do sexo masculino (105.462) em relação ao feminino (99.462) (INEP, 2009, p. 35, Tabela 2.1), o que confere com o número um pouco mais elevado de homens do que de mulheres, seja na população indígena total, seja na população indígena em idade escolar. Em 1999, a participação masculina na matrícula total indígena em escolas indígenas de Educação Básica era mais acentuada (48.560 contra 41.640) (BRASIL, MEC/SEF, 2001, p. 41, Tabela 4.12), o que sugere que estaria havendo uma presença crescente das mulheres na escola indígena. Esta questão mereceria um estudo à parte.

f) Em 2008, 93,0% das escolas de educação indígena contavam com alimentação escolar, situação esta favorecida pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar Indígena (PNAEI/FNDE). (INEP, 2009, p. 41, Tabela 3.1). Fica a questão de saber em que medida estariam superadas situações como a descrita por Santos, referente a anos anteriores (1997/98) ao período aqui estudado, sobre atrasos na entrega e recebimento até de merenda estragada em escola em São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas (SANTOS, 2001).

g) Por fim, há que anotar outra situação que se constitui num enorme desafio – a biblioteca escolar:

Alarmante, porém, é o resultado sobre a existência de bibliotecas e salas de leitura nesses estabelecimentos. No Amazonas, as bibliotecas e salas de leitura estão presentes em apenas 2,8% das 904 escolas e, em Roraima, com 245 instituições de ensino, atingem pouco mais de 11%. A situação no Acre é ainda pior: 1,8% das escolas têm bibliotecas. No Nordeste, preocupa a situação do Maranhão – são duas bibliotecas (0,7% em um total de 302 escolas). Já em Pernambuco, elas estão em 15,7% dos 121 estabelecimentos. No estado do Mato Grosso, apenas 11% das 200 escolas possuem biblioteca. A presença delas só aumenta ligeiramente, em termos percentuais, nas Regiões Sul (22,7%) e Sudeste (22,2%). (INEP, 2009, p. 13 e 14)

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Oito apontamentos

Em primeiro lugar e acima de tudo, há que reconhecer que algo mudou em relação aos povos indígenas e à escola indígena. No plano das comunidades indígenas, mudaram a autoconsciência e a auto imagem, mais positivas, assim como mudaram o nível de organização e a capacidade de presença e de luta em relação à sociedade envolvente. Mudou também a consciência no plano da sociedade civil em geral, com maior valorização dos povos e das culturas indígenas. No plano do Estado, tendo como divisor de água a Constituição de 1988, foram introduzidas mudança profundas tanto na legislação quanto nas políticas públicas em relação aos indígenas, com afirmação e defesa não só do princípio da igualdade, mas também do direito à diferença, ou melhor, às diferenças dos povos indígenas em relação à assim dita comunidade nacional. No campo específico da educação escolar, em oposição à escola para índios viu-se surgir e firmar-se o conceito de escola indígena.

Em segundo lugar, em que pesem todos os problemas e desafios ainda postos, há que reconhecer que essa mudança conceitual e valorização, inerentes aos próprios termos “escola indígena” “terra indígena”, “cultura indígena”. “língua indígena” se fez acompanhar de significativos avanços, medidos seja por indicadores do estado educacional indígena, como a taxa de alfabetização e a média de anos de estudo, seja por indicadores da dinâmica da escolarização indígena, como o número de estabelecimentos escolares indígenas, de matrículas e de docentes, entre outros.

Em terceiro lugar, foi possível identificar pelo menos três desafios importantes a enfrentar em relação ao projeto de escola indígena: suprir a quase total falta de bibliotecas, elevar a qualificação do corpo docente e assegurar a continuidade dos estudos para além das séries iniciais da educação fundamental.

Em quarto lugar, outro grande desafio é a criação de literaturas específicas nas diferentes línguas, que vai ao encontro da carência de bibliotecas em escolas indígenas, onde já se tem obras literárias sendo escritas por indígenas, porém, grande parte da organização destas obras ainda é realizada por não indígenas.3

Em quinto lugar, o bilinguismo na prática escolar indígena, ao mesmo tempo em que representa o reconhecimento e a valorização da diferença

3 Textos Kanhgág é um livro feito por professores e professoras indígenas Kaingang para alunos e alunas Kaingang. Esta obra é um exemplo do trabalho respeitoso entre indígenas e não indígenas, com o assessoramento de dois antropólogos (TORAL; et al, 1997).

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linguística e cultural, constitui-se também num grande desafio para a escola indígena. Ou melhor, quase duas centenas de desafios diferentes – tantos, quantas as línguas indígenas a serem praticadas, no ensino, juntamente com a língua portuguesa. Felizmente, este desafio já está sendo abraçado, através de publicações de gramáticas indígenas, como é o caso das gramáticas para o idioma Deni, Kulina e Guarani.4

Em sexto lugar, aponta-se para a necessidade dos indígenas de dominar a escrita para o seu relacionamento com a sociedade não indígena, mas se esta substitui a educação tradicional indígena “torna-se uma arma contra o índio, um fator de divisão social na sociedade antes igualitária, um meio de afastar o índio de uma identidade que de alguma forma ele já recusa.” (GRIZZI; SILVA, 1981, p. 17)

Em sétimo lugar, alerta-se para o risco de a escola acabar por transformar-se, também para os indígenas residentes em Terras Indígenas, em mera agência carimbadora do passaporte para a cidade, assim como tem sido, historicamente, para as populações rurais não indígenas no Brasil. Estaria (também), à base desse movimento migratório indígena para a cidade, a dupla ação desenvolvida pela escola, ao mesmo tempo de “desadaptação à vida comunitária” e de “adaptação à vida ‘civilizada’”, que levaria muitos membros das comunidades indígenas (Uwa) a questionarem e, inclusive, a rejeitarem a escola? (PÉREZ, 2007, p. 235).

Em oitavo e último lugar, é preciso lembrar que ainda persistem, em maior ou menor medida, os velhos preconceitos, as acentuadas desigualdades sociais, as práticas discriminatórias e, apesar de todos os avanços nas concepções e na legislação, as velhas práticas de extermínio, com violências recorrentes não só nas ou relacionadas com as ditas Terras Indígenas, mas também no meio urbano, onde, há não tantos anos, para jovens de classe média, jogar gasolina e atear fogo num índio na Capital Federal não passava

de uma brincadeira.

4 O povo conhecido como “Kulina”, e que se autodenominam “Madiha”, vivem na região do médio rio Juruá e do médio e alto rio Purus, em áreas reconhecidas como Terras Indígenas. Grupos menores encontram-se nas regiões do Baixo Juruá, dos rios Curuçá, Itaquaí e do alto rio Envira. Este povo tem a Gramática da língua Madiha (TISS, 2004).

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Referências Bibliográficas

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O ANDAR DA ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA A PARTIR DA CRIAÇÃO DA ESCOLA INDÍGENA E ...

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A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE NA PRÁTICA DOCENTE EM UMA ESCOLA INDÍGENA DE

RORAIMA

Everaldo Sarmento Ferreira1

Maria Eloisa Farias2

Resumo: A pesquisa constitui um Estudo de Caso realizado em uma escola indígena do Estado de Roraima, tendo como amostra de pesquisa (10) dez professores (as) do Ensino Fundamental e (2) dois técnicos que prestam assessoria pedagógica à escola. Investigou-se a prática docente envolvendo o tema Meio Ambiente, embasando-se nos princípios da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, na Escola Estadual Indígena de Araçá-RR. Para tanto, foram utilizados dados obtidos com questionário, entrevista e caderno de anotações, através dos quais foram coletadas concepções, recursos e metodologias utilizadas na prática docente. Na análise dos dados se utiliza a abordagem qualiquantitativa, embasada em pressupostos teóricos, onde estão dispostos os conceitos e princípios da Educação Escolar Indígena, de Meio Ambiente, da Educação Ambiental e da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. O resultado evidenciou limitações de conhecimento científico sobre o tema Meio Ambiente bem como sobre a Educação Ambiental demonstrando uma visão ainda estagnada no preservacionismo ecológico e pouco ligada às questões sociais. As atividades educativas ocorrem de forma pontual, centradas no paradigma tradicional positivista, pouco utilizando os saberes tradicionais da comunidade indígena. A investigação evidenciou também a necessidade de cursos de formação inicial e continuada para docentes, que possibilitem a aproximação entre conhecimento científico e saberes tradicionais, buscando incluir na práxis pedagógica o estudo do ambiente visando a Educação para o Desenvolvimento Sustentável na comunidade indígena.Palavras-chave: Escola Indígena - Prática docente – Meio Ambiente - Educação para o Desenvolvimento Sustentável.

Abstract: The research is a case study conducted in an indigenous school in the State of Roraima, with the survey sample (10) ten teachers (as) the primary and two (2) providing technical assistance to school teaching. 1 Biólogo, Mestre em Ensino de Ciências e Matemática, Professor da rede pública estadual e Professor da Faculdade Estácio Atual da Amazônia - Boa Vista - RR.2 Doutora em Educação, Bióloga, Professor Titular da Universidade Luterana do Brasil - Canoas - RS.

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Investigated the practical issue involving the teaching environment, basing on the principles of Education for Sustainable Development, the State School Indigenous Ara-RR. For this, we used data obtained from questionnaire, interview and notebooks, which were collected through the concepts, resources and methodologies used in teaching. In analyzing the data using the qualitative-quantitative approach, based on theoretical assumptions, which are arranged the concepts and principles of Indigenous Education, Environment, Environmental Education and Education for Sustainable Development. The result showed limitations of scientific knowledge on the theme Environment and on Environmental Education demonstrating an even stagnant conservatism in ecological and linked to some social issues. The educational activities occur in a timely manner, centered on the traditional positivist paradigm, using some traditional knowledge of indigenous communities. The research also highlighted the need for initial training courses and continuing education for teachers, which enable a rapprochement between scientific and traditional knowledge, seeking to include in the study of pedagogical praxis environment to Education for Sustainable Development in the indigenous community.Keywords: Indigenous School - Teaching practice - Environment - Education for Sustainable Development.

Introdução

Este estudo insere-se na linha de pesquisa de Educação em Ciências e Matemática para o Desenvolvimento Sustentável do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática-ULBRA, sendo uma investigação sobre a prática docente no Ensino da temática Meio Ambiente em uma escola indígena do Estado de Roraima.

A escolha do tema deve-se ao fato do pesquisador ter suas raízes na comunidade indígena pesquisada, além de ter acumulado certa experiência com a Educação Escolar Indígena, o que levou o mesmo perceber que faltam pesquisas no Ensino do Meio Ambiente que atendam as escolas indígenas no Estado de Roraima.

Com uma visão pluralista, a Educação Escolar Indígena, é pretendida como um instrumento de autodeterminação, uma vez que ela procura reconhecer as culturas indígenas, aceitando-as em sua real dimensão, seja social, histórica ou política, com isso as reconhece como componentes de um país multi étnico e plurilíngue.

Atualmente, na área indígena, a questão ecológica tornou-se eminentemente social. O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista colocou o indígena numa posição negativa com relação à natureza, resultado de um modelo econômico que visa apenas o lucro (GADOTTI, 2000).

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A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE NA PRÁTICA DOCENTE EM UMA ESCOLA INDÍGENA DE ...

A Educação Escolar Indígena com suas especificidades pode contribuir para que isso se modifique, investindo na Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) que é uma visão da educação que busca equilibrar o bem-estar humano e econômico com as tradições culturais e o respeito aos recursos naturais do planeta. Nessa perspectiva é necessário que todos estejam envolvidos para que possamos ter um mundo melhor.

A escola é vista como um espaço que possibilita a troca de saberes e também pode colaborar para o debate sobre as mudanças constantes que o meio Ambiente vem sofrendo. Nesse sentido, a prática pedagógica nas unidades de ensino precisa ser repensada, buscando nos preceitos da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, novos saberes que possam contribuir com a Educação Escolar Indígena.

De acordo com Barbosa (2002) a sabedoria ancestral e o legado humanístico que os povos indígenas nos oferecem e que muitas vezes nos fazemos de conta que não percebemos, deve ser tratada com mais ênfase, principalmente a partir dos temas transversais.

Essa sabedoria precisa ser resgatada e aprofundada pela humanidade em processo de unificação, para colocarmos sobre controle e darmos um sentido ético e construtivo ao imenso poder tecnológico que conquistamos. Sem sabedoria, este poder poderá nos destruir e dizimar o nosso maravilhoso planeta vivo (BOFF, 2001, p.155).

Diante desse cenário, o estudo do Meio Ambiente em Terras Indígenas se apresenta como alternativa viável, uma vez que grande parte das comunidades indígenas devido ao aumento populacional ocorrido nos últimos tempos e o contato mais acentuado com a população envolvente tem sofrido uma agressão maior no seu ambiente e como consequência a destruição dos recursos naturais dessas aldeias.

O olhar crítico às ações educativas desenvolvidas nas escolas dessas comunidades tem pleiteado uma parceria entre a Educação Escolar Indígena e a Educação Ambiental, visando uma maior efetividade no estudo do ambiente.

A busca desse intercâmbio nos leva ao Estado de Roraima, que apresenta uma rica diversidade sócio-cultural dos povos indígenas com suas danças, seus artesanatos, suas comidas, suas línguas às quais são aproximadamente treze distintas, dentre elas destacam-se as línguas wapichana pertencente ao Tronco Aruak; Macuxi, Y’Ekuana, Waiwai, Patamona, Sapará, Waimiri Atroari que pertencem ao Tronco karib. Temos também a Yanomami, formado por vários grupos linguísticos, (CIDR “a”, 1989).

Para atender a educação escolar, o município de Amajarí possui cerca de 25 escolas entre estaduais e municipais sendo a maioria localizadas em

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Terras Indígenas dentre as quais encontra-se a Terra Indígena Araçá-TIA, a qual foi homologada pelo Decreto nº 86.934 de 17/02/1982, e compreende uma área de 50.018 Hectares. Segundo a FUNAI, a TIA possui uma população estimada de 1480 habitantes distribuídos em cinco aldeias, dentre elas está a Comunidade Indígena Araçá.

Localizada numa região típica de savanas com uma biodiversidade riquíssima, comum ao ecossistema amazônico, a comunidade indígena em questão, possui uma população de aproximadamente 400 habitantes, pertencentes a diferentes etnias como a Wapichana, a Macuxi, a Taurepang, a Sapará, entre outras.

Temos como justificativa para a pesquisa os diversos acontecimentos e mudanças pelos quais os povos indígenas vêm passando no decorrer de sua história de luta por uma Educação Escolar Indígena voltada ao Desenvolvimento Sustentável de suas aldeias, respeitando seus direitos, permitindo a sua sobrevivência diante da destruição dos recursos naturais do planeta somado ao advento da globalização da economia, aumento do consumo e da crise ambiental que vem afetando todos os povos.

Visando atender os preceitos da legislação, o MEC publicou em 1998 o Referencial Curricular Nacional para a Escola Indígena (RCNEI). Nesse documento são indicados seis temas transversais e seis áreas de estudos, subscrito: auto-sustentação; ética indígena; pluralidade cultural; direitos; lutas e movimentos; terra e preservação da biodiversidade e educação preventiva para a saúde. As áreas de estudos são: Línguas; Matemática; Geografia; História; Ciências; Arte e Educação Física.

A respeito dessa possibilidade, a escola indígena tem a liberdade de organizar-se de acordo com as conveniências culturais. A Lei de Diretrizes e Bases, em seu artigo 23, trata da diversidade na organização escolar com tal flexibilidade que permite inovações originárias de concepções e práticas pedagógicas próprias dos universos socioculturais onde estão situadas.

O Meio Ambiente e a Educação Ambiental

Para caracterizar o estudo e facilitar a compreensão, é importante destacar alguns conceitos sobre Meio Ambiente.

Segundo Marcondes (1991) apud Ferreira (2006), todos os seres vivos têm um modo próprio de viver que depende dos seus organismos e dos tipos de ambientes onde vivem, mantendo uma relação íntima com o Meio Ambiente.

Dá-se o nome de meio ambiente ao conjunto de condições que cercam esses seres vivos. Nesses ambientes há a influência de vários fatores, como luz, água, temperatura, cultura, entre outros. Esses fatores influenciadores

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A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE NA PRÁTICA DOCENTE EM UMA ESCOLA INDÍGENA DE ...

caracterizam o que se denomina de condições ambientais (FERREIRA, 2006).

Meio ambiente é um local determinado, onde as relações são dinâmicas e estão em constantes interações. Para ele, meio ambiente envolve pessoas, natureza, tecnologia, política e sociedade que se interagem perspectivando mudanças; sem que estas venham a lesar qualquer um dos componentes deste conjunto (REIGOTA, 2009, p 36).

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 225, determina que todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, impondo ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações(BRASIL, 2002).

Leff (2008) acredita que o conceito de Meio Ambiente deve transcender todos esses aspectos, segundo o autor, deve ir além de um equilíbrio do crescimento econômico e a conservação da natureza, deve possibilitar o potencial ecotecnológico, a criatividade cultural e a participação social para construir formas diversas de um desenvolvimento sustentável, capaz de satisfazer as necessidades das populações.

Observa-se que os conceitos sobre meio ambiente citados envolvem diversos aspectos, relacionando homem, sociedade, cultura e natureza, o que nos leva a refletir sobre a relação de interdependência existente entre eles, refletindo nas constantes catástrofes de caráter social e ambiental pelas quais o homem tem passado devido ao mau uso dos recursos naturais e bens coletivos do planeta.

Segundo Pedrini (2008), o marco inicial de interesse da Educação Ambiental organizada pela ONU, foi a Conferncia de Estocolmo em 1972, que por sua vez, inicia um primeiro debate internacional sobre políticas ambientais em diversos países, inclusive no Brasil. Por meio da Declaração sobre o Ambiente Humano e seu plano de ação mundial.

A partir das recomendações aprovadas nessa conferência, a UNESCO organizou outros três eventos em Educação Ambiental. O Seminário de Belgrado em 1975 foi o primeiro, o qual gerou um documento intitulado como Carta de Belgrado que segundo Pelicioni (2005), esse documento se diferencia de outros publicados pela UNESCO relativos à Educação Ambiental ao chamar atenção para “a influencia da economia internacional sobre a problemática ambiental e ressalta a necessidade de mudanças radicais no sentido de novos estilos de desenvolvimento”.

O segundo evento foi a conferencia intergovernamental sobre a Educação Ambiental de Tbilisi, cujo objetivo principal era suscitar o compromisso dos governos no sentido da instituição da Educação Ambiental como área prioritária nas políticas nacionais (PELICIONI, 2005).

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Segundo Pedrini (2008), essa conferência foi a mais marcante de todas, pois revolucionou a Educação Ambiental. Nela, além do objetivo principal citado anteriormente. Em sua declaração constam também funções, estratégias, características, princípios e recomendações para a Educação Ambiental.

Tais princípios orientadores da Educação Ambiental, aprovados na conferência de Tbilisi devem ser considerados como alicerces para a educação ambiental em todos os níveis, dentro e fora do sistema escolar.

Segundo Dias (2004, p. 100) a Educação Ambiental deve ser um processo por meio do qual as pessoas aprendam como funciona o ambiente, como dependemos, como o afetamos e como promovemos a sua sustentabilidade.

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, oficialmente denominada de “Conferência de Cúpula da Terra”, também conhecida como Eco-92, foi um marco para a Educação Ambiental, nela reuniram-se 103 chefes de estado de cerca de 180 países.

Durante essa conferência, foram aprovados vários acordos oficiais dentre eles a Agenda 21, reconhecendo o papel central da educação para a “construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado”. Além disso, estabelece a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas sócio-ambientais.

Partindo desses pressupostos, o reconhecimento da necessidade da escola indígena adquirir o conhecimento socioambiental, que avance não somente na direção de sustentabilidade ambiental da Terra, mas também de suas tradições culturais é eminente (ALMEIDA, 2007).

Para Pedrini (2008), a Agenda 21 pode se constituir em um poderoso instrumento de reconversão da sociedade industrial rumo a um novo paradigma, que exige uma nova interpretação do conceito de progresso. O documento trata também da promoção e proteção das condições de saúde humana incluindo como pré-requisito para o Desenvolvimento Sustentável. Com isso sugere que se promovam programas de proteção a determinados grupos de pessoa considerados vulneráveis e devem ser protegidos e nesses grupos se incluem os povos indígenas.

Outra importante recomendação da Agenda 21 trata do desflorestamento e sugere que as populações indígenas participem das atividades ligadas à floresta (PELICIONI e MORAES, 2005).

Segundo Reigota (2009) os objetivos trabalhados como conscientização, significam que a Educação Ambiental deve procurar chamar a atenção para os problemas planetários que afetam a todos, como a

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destruição da camada de ozônio, os desmatamentos, o desaparecimento de culturas milenares, entre eles.

Embora a conscientização seja um problema, uma vez que não se conscientiza ninguém, já que uma pessoa não passa automaticamente a sua consciência sobre qualquer tema a outra pessoa, apenas pela transmissão de conhecimentos (REIGOTA, 2009).

Outro objetivo da EA é o conhecimento, que por sua vez deve ser proporcionado pela ciência e pelas culturas de forma democrática garantindo que todos tenham acesso a eles, garantindo o seu caráter interdisciplinar e holístico.

O outro objetivo que seria o comportamento, esse por sua vez se caracteriza por levar as pessoas saírem do discurso e efetivarem suas práticas individuais cotidianas, como não fumar, não jogar lixo nas ruas e economizar energia.

Além desses objetivos a EA destaca também a competência que busca levar indivíduos e grupos a adquiri-la para que possam resolver problemas ambientais, a capacidade de avaliação e a participação que busca levar os indivíduos e os grupos a perceber suas responsabilidades de ação imediata para a solução dos problemas ambientais (REIGOTA, 2009).

Segundo Dias (2004) “esses objetivos estão interligados e pode-se começar por qualquer um, pois todos podem levar a todos”.

Nesse sentido, busca-se na educação um novo caminho para promoção do tão sonhado Desenvolvimento Sustentável.

O estudo do Meio Ambiente na Prática Docente

A escola Estadual Indígena Tuxaua está localizada na comunidade indígena Araçá no município de Amajarí – RR. Criada oficialmente em 1964 com o nome de Padre Leonel Franca, surgiu a partir da reivindicação dos próprios moradores, na época de sua inauguração além dos indígenas, era frequentada também por filhos de pequenos fazendeiros da região.

Como abordagem de pesquisa utilizou-se a pesquisa qualiquantitativa, uma vez que Martinelli, (1999) postula que estes dois tipos de pesquisa se complementam, permitindo uma melhor análise do estudo fazendo com que a pesquisa seja mais completa.

Yin (2005) afirma que a essência de um Estudo de Caso, ou a tendência central de todos os tipos de Estudo de Caso é que eles tentam esclarecer “uma decisão ou um conjunto de decisões. Além disso, visa à investigação de um caso específico, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar para que se possa realizar uma busca circunstanciada de informações (VENTURA, 2007).

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Atualmente a escola conta com 17 professores entre efetivos e temporários e 02 funcionários de apoio. Atualmente encontram-se matriculados na escola cerca de 180 alunos na educação básica, distribuídos nos três turnos. A escola possui uma edificação simples com 04 salas de aula, uma copa, uma sala para a gestão, uma biblioteca, onde também funcionam precariamente o laboratório de informática e a sala de vídeo, e um malocão3 que também funciona como sala de aula.

A escolha dessa escola como população-alvo da presente pesquisa deve-se ao fato da mesma apresentar características pertinentes aos objetivos deste estudo, uma vez que a maioria das escolas indígenas subtende estarem intimamente ligadas ao tema Meio Ambiente, outro fato que levou a escolha dessa escola foi a ligação pessoal do pesquisador com a comunidade na qual a escola está inserida, além disso, a mesma se disponibilizou a fazer parte da pesquisa.

A amostra investigada constituiu-se de dez (10) professores, todos atuantes nas séries do ensino Fundamental.

A maioria desses professores era do sexo feminino (60%), com idade entre 26 e 56 anos, e 40% eram homens, com idade entre 24 e 37 anos. Com um tempo de prática docente que variava entre (1) um e (12) doze anos a amostra apresenta uma carga horária de 25 horas semanais.

No conjunto, 100% possuem apenas nível médio, sendo que entre estes professores participantes da amostra, 80% possuem formação em magistério e 20% não possui formação para o magistério. Além disso, 70% dos professores pesquisados nunca participaram de algum tipo de curso de formação continuada.

Entre os técnicos, a amostra é composta por (1) um coordenador pedagógico, um lotado na própria escola e (1) uma assessora da Divisão de Educação Escolar Indígena - DIEI da secretaria de educação do estado.

Quanto aos procedimentos da pesquisa, para iniciar a coleta de dados foi necessário autorização das lideranças da comunidade, o que ocorreu após entrega da carta de apresentação ao Tuxaua da aldeia e à Diretora da escola. Com o aval das lideranças iniciam-se os trabalhos de campo com visita à escola, onde foram feitas observações e anotações das atividades do cotidiano escolar, das características físicas da escola e do corpo docente e discente da mesma no diário de bordo, em seguida foi feita uma breve reunião com os professores e gestores da escola onde foram expostos os objetivos da pesquisa, bem como sua relevância para a comunidade.

Os questionários com perguntas abertas e fechadas destinados aos professores que compõem a amostra foram aplicados de forma dirigida

3 Edificação típica dos povos da região.

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durante a primeira visita feita a escola após a autorização da comunidade, onde cada professor teve sua identidade preservada podendo responder as questões propostas de forma segura e imparcial. A fim de garantir que os dados coletados possuíssem uma maior confiabilidade, foi feita também a gravação em áudio de uma entrevista que posteriormente foi transcrita e analisada.

As entrevistas foram feitas pessoalmente, de forma individual, onde as questões foram entregues e discutidas antecipadamente, permitindo que cada um dos (as) entrevistados (as) se familiarizasse com as questões propostas.

Mesmo com a entrega antecipada das questões, a maioria dos entrevistados teve dificuldade para expor suas opiniões sobre o assunto abordado, nesse sentido três professores não concederam entrevista. Entretanto, as entrevistas concedidas foram importantíssimas para essa pesquisa.

Após a coleta de dados seguiu-se com a tabulação dos dados, os quais foram dispostos em tabelas, servindo de estatísticas para melhor interpretação dos mesmos.

A primeira questão propõe aos professores dizer qual sua concepção sobre Meio Ambiente?

Nota-se que as respostas em destaque na tabela 1 indicam que a amostra possui concepções limitadas sobre Meio Ambiente, o que pode ser reflexo da pouca instrução desses professores, o que já foi indicado na amostra. Além disso, esses respondentes afirmam que nunca obtiveram qualquer tipo de curso sobre o tema da pesquisa.

No entanto, 80% das respostas são pertinentes com o conceito de Ferreira (2006) e que tais concepções também foram observadas durante sua prática em sala de aula. Porém, não se pode taxar como corretas ou incorretas as concepções apontadas por esses professores, elas podem ser reflexo de suas culturas e tradições, como também de sua formação acadêmica.

Entretanto Leff (2008) acredita que o conceito de Meio Ambiente deve transcender todos esses aspectos citados e que deve ir além de um equilíbrio do crescimento econômico e a conservação da natureza, “deve possibilitar o potencial ecotecnológico, a criatividade cultural e a participação social”. A tabela 1 mostra ainda duas respostas que foram denominadas como outras respostas, isso ocorreu devido às mesmas não apresentarem coerência com o que se perguntava aos respondentes. Nesses termos optou-se por não analisá-las.

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Tabela 1 - Respostas da questão – O que é meio ambiente?

Amostra Respostas Nº de respondentes

Freqüência %

10(dez) professores

Local onde vivemos 5 (cinco) 50%Tudo que nos rodeia 3 (três) 30%Outras respostas 2 (duas) 20%

Durante as observação de algumas aulas foi possível concluir que

ao abordar o assunto ensino do Meio Ambiente, os professores o fazem por meio de aulas expositivas onde não há uma participação mais efetiva por parte dos alunos. Ou seja, o professor fala e os alunos escutam.

Esse tipo de ensino que Paulo Freire denominou de educação bancária ainda é muito frequente na escola indígena, o que contraria o Documento da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável UNESCO (2005), que diz recomenda que a EDS deva recorrer a múltiplos métodos como palavra, arte, teatro, debate, experiência, pedagogias diferentes que dêem forma aos processos.

É preciso passar do ensino destinado unicamente a transmitir conhecimento para um enfoque em que professores e alunos trabalhem juntos para adquirir conhecimentos e transformar o espírito das instituições educacionais do entorno; que os alunos participem das decisões relativas ao modo como devem aprender (UNESCO, 2005).

Por outro lado, a cultura indígena se caracteriza pela oralidade onde a maioria dos ensinamentos tradicionais é repassada de forma oral e que requer uma maior passividade por parte de quem aprende.

O documento de Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável faz um reforço a esse aspecto, quando diz que a EDS é tida como uma Educação que deve se valer de qualquer experiência educacional de qualidade que promova o aprendizado do ser humano ao convívio em harmonia com o Meio Ambiente sentindo-se parte deste, agregando valores para o Desenvolvimento Sustentável (UNESCO, 2005). O que não se observa nas concepções apresentadas pelos professores pesquisados.

Durante as visitas observou-se que os (as) professores (as) têm consciência da importância do estudo do ambiente para melhoria do mesmo, bem como de seu papel diante da sociedade. No entanto, em nenhum momento vimos alguma manifestação por parte dos respondentes aos saberes tradicionais de seu povo, embora os (as) professores (as) sejam professores indígenas que vivem em uma comunidade indígena e trabalham em uma escola indígena. O que contraria um dos objetivos da EDS no que tange os

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aspectos culturais que recomenda usar o conhecimento dos povos indígenas sobre o Meio Ambiente.

Nesse sentido, Leff (2008) destaca que para a construção de uma racionalidade ambiental é necessário que ocorra o resgate destas práticas tradicionais, caracterizando-se como um princípio ético para a conservação de suas identidades culturais.

Quando analisamos o discurso dos respondentes entendemos que a EA pode ser uma saída para o Desenvolvimento Sustentável de sua comunidade.

[...]“porque tendo uma Educação Ambiental as pessoas sabem como podem desenvolver o seu meio, seus projetos; podem ter seu espaço mais preservado e a comunidade ter seu meio mais equilibrado”[...].

Dias (2004), diz que a EA pretende no seu íntimo desenvolver conhecimento, compreensão, habilidades e motivação para adquirir valores, mentalidades e atitudes necessários para lidar com problemas e questões ambientais e encontrar soluções sustentáveis.

Embora nas entrevistas essa concepção se expresse de forma mais holística, sugerindo que para que ocorra de fato a Educação Ambiental dentro da escola.

[...] “ela seja feita por todos, que envolva a escola e a comunidade, porque só na sala de aula não se desenvolve um trabalho. Tem que ter a participação de todos”[...].

Portanto, os dados analisados acima demonstram uma predisposição da amostra em romper suas relações com o paradigma da Educação tradicional, fato que estabelece um momento e um ambiente propício para envolver esses professores e comprometê-los definitivamente com a EDS.

Tabela 2 - Respostas referente à questão de horas destinadas à Educação Ambiental

Amostra Opções Numero de professores

Freqüência %

(10) professores1 hora (5) cinco 50%2 horas (3) três 30%3 horas (1) um 10%4 horas (1) um 10%Outros _

Os dados obtidos na tabela 2 foram obtidos a partir da seguinte

indagação: na sua prática docente semanal, quantas horas em média você destina à Educação Ambiental?

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A maioria dos professores pesquisados pouco trabalha a questão ambiental em suas aulas, embora os mesmos possuam uma carga horária semanal de 25 horas.

Mais uma vez os respondentes demonstram a necessidade de desenvolver melhor as competências para trabalhar a EA bem como o Ensino do Meio Ambiente. Nesse sentido, Reigota (2009) descreve que o objetivo definido em Tibilisi é que a competência se adquire de forma coletiva, pois ninguém poderá enfrentar os desafios que se apresentam sozinho.

É provável que os professores respondentes ainda não tenham atingido o nível de conhecimento para buscar no coletivo o preenchimento dessa lacuna, fazendo-se necessário uma intervenção mais objetiva por parte dos poderes constituídos no que se refere à prática docente, uma vez que essa é uma reivindicação dos próprios professores.

A ausência desse conhecimento é reforçada com as respostas obtida pela seguinte pergunta feita a amostra: você tem dificuldade para trabalhar Educação Ambiental na sua escola?

A maioria dos respondentes (70%) afirma que ”sim”, e apontam em suas justificativas que tal dificuldade ocorre por diferentes motivos, tais como falta de recursos pedagógicos, falta de um projeto que lhes dê apoio didático e principalmente a falta de capacitação na área e conseqüentemente a falta de conhecimento na área de Educação Ambiental.

As carências apontadas no parágrafo anterior são confirmadas nas respostas obtidas com a entrevista, quando o professor “Z” diz que:

[...] “para acontecer de fato a Educação Ambiental na escola tem que ter uma capacitação aos professores para que eles possam repassar o seu conhecimento adquirido à sua comunidade ou aos alunos... pois só com a força de vontade não dá pra fazer um trabalho bem feito sobre o Meio Ambiente”[...].

É provável que essa deficiência apresentada pelos respondentes venha refletir na sua prática pedagógica, já que nas observações feitas durante o estudo detectou-se que as aulas são ministradas quase sempre sem questionamentos e os assuntos são apenas reproduzidos do livro didático.

Os demais 30% afirmam que não tem dificuldade em abordar na sua prática docente essas questões ligadas ao ambiente e justificam suas respostas dizendo que essas questões estão inseridas nas disciplinas trabalhadas em sala. Outra justificativa é dada dizendo que não tem dificuldade para trabalhar a EA uma vez que na escola se faz aula de campo.

As observações feitas in locu constataram que essa prática ocorre de forma pontual, e não caracteriza uma efetivação da prática pedagógica em EA.

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Mais uma vez observamos que a ausência de capacitação nos remete a falta de competência para incluir o estudo do ambiente na prática pedagógica desses professores e por seguinte a Educação Ambiental.

A competência que se espera desses agentes não é apenas meramente técnica, adquirida com estudos e formação escolar.

A competência é também a capacidade de avaliação e de intervenção, de diálogo e de intercambio que cada um de nós tem com pessoas e profissionais que possuem conhecimentos diferenciados e complementares ao nosso (REIGOTA, 2009 p 56).

Nesse sentido, os professores devem apoiar sua prática pedagógica no Referencial Curricular Nacional para a Escola Indígena (RCNEI) publicado pelo MEC em 2002, possibilitando uma maior liberdade na elaboração e planejamento de suas atividades escolares.

A LDB, em seu artigo 23, também trata da diversidade na organização escolar com tal flexibilidade, o que permite inovações originárias de concepções e práticas pedagógicas próprias dos universos socioculturais onde estão situadas.

Para trabalhar a EA, as metodologias mais utilizadas pelos professores de acordo com a pesquisa estão dispostas na tabela 3. A partir das observações das aulas, detectou-se que na maioria das vezes as aulas eram ministradas de forma tradicional. As respostas dispostas na tabela 3 confirmam essa tendência metodológica uma vez que a maioria dos professores aponta como metodologia mais utilizada em suas aulas sobre o Meio Ambiente, as aulas expositivas.

As aulas expositivas não são muito recomendadas na Educação Ambiental, mas elas podem ser muito importantes quando bem preparadas e quando deixam espaço para os questionamentos e a participação dos alunos. Mesmo considerada tradicional, uma aula expositiva bem dada é muito melhor do que muita aula construtivista (REIGOTA, 2009).

O que deve prevalecer na escolha e definição da metodologia de trabalho são a criatividade e a autonomia de cada professor e cada professora diante dos desafios e das possibilidades que encontram no seu cotidiano, o mais adequado é que cada professor e professora estabeleçam o seu método, e vá ao encontro das características de seus alunos e de suas alunas (REIGOTA, 2009).

Entretanto, na maioria das aulas observadas não se constata essa criatividade. O assunto novo é introduzido de forma direta, sem contextualização ou questionamento prévio por parte dos professores.

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Consequentemente a cooperação dos alunos na busca das soluções de problemas da comunidade é pouco observado no estudo.

É provável que isso ocorra por falta de um maior acompanhamento por parte do órgão competente uma vez que no depoimento do (a) representante desse órgão, foi possível detectar essa falha, já que a divisão não tem nenhum projeto direcionado aos professores das escolas indígenas sobre o estudo do Meio Ambiente ou Educação Ambiental, deixando a critério dos coordenadores pedagógicos de cada unidade de ensino.

O depoimento do coordenador pedagógico que atende a escola pesquisada expõe que a mesma não tem um Projeto Político Pedagógico (PPP) que possa atender as questões ambientais, embora ele afirme que as questões estão muito presente na comunidade, mas que precisam ser sistematizadas para que possam ser trabalhadas na escola.

De acordo com o entrevistado isso deverá ocorrer este ano, pois já estão trabalhando em cima de uma proposta pedagógica para as escolas indígenas do Estado, cuja mesma atendera as questões ambientais.

Conforme os dados a seguir apresentados na tabela 3, a maioria dos respondentes tem como principal recurso para suas aulas o livro didático, demonstrando uma provável limitação dessas aulas.

Nota-se que o livro didático passou a ser o principal controlador do currículo, os (as) professores (as) o utilizam como o instrumento principal que orienta o conteúdo a ser administrado, a seqüência desses conteúdos, as atividades de aprendizagem e avaliação.

Tabela 3 Demonstra as respostas da amostra relacionadas à metodologia utilizada.

Amostra MetodologiasUtilizadas

Número de professoresque às utilizam

Freqüência %

(10) professoresAula expositiva (8) oito 80%Saída a campo (3) três 30%

Aula prática (1) um 10%

Problematização (2) dois 20%

Outras _ -

Fonte: dados do autor.

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Conforme os dados a seguir apresentados na tabela 4, a maioria dos respondentes tem como principal recurso para suas aulas o livro didático, demonstrando uma provável limitação dessas aulas.

Nota-se que o livro didático passou a ser o principal controlador do currículo, os (as) professores (as) o utilizam como o instrumento principal que orienta o conteúdo a ser administrado, a seqüência desses conteúdos, as atividades de aprendizagem e avaliação.

Quase sempre os livros didáticos diluem fontes de conhecimento, simplificam-nas para torná-las acessíveis à compreensão do aluno. E raro são aqueles que o fazem com competência.

A respeito dos livros didáticos de EA, Reigota (2009 p. 80) diz que “uma análise mais rigorosa desses livros impediria de considerá-lo de EA, pois estão mais para livro didático de biologia, ciência e/ou geografia”.

Assim, o livro didático não deve ser considerado como único recurso a ser utilizado pelo professor, cabendo a este, buscar para sua prática pedagógica, outros tipos de recursos didáticos, que na EA são vários e podem ser muito simples ou sofisticado, “porém qualquer que seja sua característica, a sua boa aplicação depende muito da criatividade e competência do (a) professor (a)” (REIGOTA, 2009).

Aulas dialogadas e debates relacionados com os problemas da comunidade se caracterizam como um bom recurso didático, desde que possibilitem de fato a participação dos alunos nesse processo. Embora Reigota (2009) afirme que, essa participação não pode ser forçada nem tão pouco intimidadora.

Tabela 4 - Apresenta os dados obtidos a partir dos recursos utilizados

Amostra RecursosDidático

Professores queos utilizam

Freqüência%

(10) professoresTextos e revistas

(4) quatro 40%

Recursos audiovisuais

_ _

Livros didáticos

(10) dez 100%

Internet _ _Outros _ _

Fonte: dados do autor.

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Após a análise dos dados expostos na tabela 4, assim como das observações feitas na escola pontuadas no diário de bordo, as experiências dos moradores mais velhos, do pajé, do tuxaua, e seus saberes tradicionais, quase não foram observados, embora possam ser utilizados como recursos didáticos devido a sua importância histórica para o povo indígena.

Com relação a questão : Quando você planeja suas aulas, o que mais valoriza? Nessa questão o ponto que merece destaque é que apenas 30% dos professores salientam em suas respostas a importância da valorização cultural e lingüística dos povos indígenas, além de valorizar o conhecimento prévio dos alunos bem como o aprendizado dos mesmos em relação aos conteúdos.

Embora essas questões destacadas no parágrafo anterior estejam presentes no cotidiano escolar dos professores pesquisados, a verdade é que a grande maioria das respostas a essa pergunta se fixam basicamente nas questões conteudistas. Desse modo, pouco revela das complexas relações da Ciência Tecnologia Sociedade e Ambiente - CTSA, que poderiam impulsionar e problematizar o ensino e a aprendizagem.

Verifica-se também quase nenhuma ênfase às questões tradicionais dos povos indígenas, contrariando assim a Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que garantiu a estes povos a oferta de educação escolar de qualidade, garantindo assim uma educação voltada às características culturais e lingüísticas de cada povo indígena, visando uma educação intercultural, bilíngüe e diferenciada.

“Eu vejo que é necessário que seja feito por todos que envolvem a escola e a comunidade, porque só na sala de aula não se desenvolve um trabalho, tem que ter a participação de todos, professores, pais, alunos e só assim vai ser desenvolvido um trabalho melhor e buscar uma educação melhor em relação ao Meio Ambiente”.

[...] “eu acredito que a Educação Ambiental ela pode ser uma saída para o Desenvolvimento Sustentável da nossa comunidade. Porque tendo uma Educação Ambiental as pessoas sabem como podem se desenvolver assim o seu meio, seus projetos podem ter seus espaços mais preservados e a comunidade ter seu meio mais equilibrado” [...].

“Para que ocorra de fato uma prática da Educação Ambiental dentro da escola tem que ter uma capacitação né? Aos professores, para que eles possam repassar o seu conhecimento adquirido à sua comunidade ou aos alunos, para que tenham um bom conhecimento sobre a causa”.

Nesse sentido, Dias (2004) considera que a EA se dê por um processo permanente de formação do indivíduo e da comunidade, no qual eles adquirem conhecimento, valores e habilidades para agir e resolver problemas ambientais presentes e futuros.

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O discurso transcrito acima é reforçado na fala do coordenador pedagógico da escola pesquisada, onde o mesmo afirma que, embora as questões ambientais estejam presentes no cotidiano escolar, elas precisam ser sistematizadas, já que as mesmas são trabalhadas de forma pontual e superficial pelos professores. O que demonstra a falta de capacitação destes docentes.

Outro ponto a ser destacado na entrevista é o interesse no desenvolvimento da comunidade, por meio de projetos sustentáveis, através da criação de pequeno porte para fins de alimentação, no sentido de preservar a caça e a pesca. No entanto, mais uma vez os professores apontam a falta de conhecimento técnico científico para tocar esses projetos.

[...] “nós trabalhamos com pequenos projetos de criação de gado, de frango, criação de porcos. Só que agente nunca cresce devido à falta de conhecimento em cima dessas áreas, mas assim... se agente tivesse conhecimento de como trabalhar projetos, qual a realidade de projetos? Como funcionam os projetos? Eu acredito que a comunidade indígena ela teria uma potencialidade muito grande” [...].

A partir da análise dos cadernos de plano foi possível observar que a maioria das atividades desenvolvidas pontualmente na escola, pouco se fundamentavam nos pressupostos e características da EDS apontadas na fundamentação teórica desse estudo.

Durante a exposição de suas aulas foi possível observar que o link com as questões ambientais locais surgiam pontualmente, mas sem sistematização prévia.

Considerações Finais

Com relação às atividades educacionais desenvolvidas sobre o estudo do Meio Ambiente observa-se que as mesmas ocorrem de forma pontual, sem uma sistematização ou planejamento que possa viabilizar uma prática pedagógica que atenda aos preceitos da EDS.

O estudo evidencia que, em sua maioria, as aulas observadas são ministradas dentro do paradigma tradicional, utilizando como principal metodologia a aula expositiva, havendo pouca participação dos alunos nas discussões, consequentemente, a cooperação entre os alunos na busca de soluções para os problemas ambientais da comunidade é quase nula.

No que diz respeito aos recursos didáticos utilizados pelos docentes, verifica-se que eles apresentam dificuldades em sua prática pedagógica no uso e produção dos recursos didáticos, utilizando como principal incentivo para suas aulas o livro didático.

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A pesquisa mostra que os professores pouco utilizam os saberes tradicionais da comunidade indígena em aulas relacionadas ao tema Meio Ambiente, embora se verifique que boa parte dos docentes pesquisados destacam que a Educação Escolar Indígena busca valorizar as tradições e valores culturais de cada povo, sem deixar de lado as evoluções tecnológicas do mundo atual.

É importante salientar que, embora o objetivo do estudo fosse investigar a prática docente envolvendo o tema Meio Ambiente em uma escola indígena, a atuação desses docentes é fortemente marcada pela formação que tiveram, com professores tradicionais e quase sempre sem formação adequada, fato que ainda hoje reflete na Educação Escolar Indígena de Roraima.

Constatou-se que um dos principais fatores que dificulta a prática pedagógica visando educar para o Desenvolvimento Sustentável é a falta de formação, tanto inicial quanto continuada que atendam os anseios do povo indígena.

É extremamente necessário um reconhecimento público e explícito da importância de ter professores capacitados para que se possa promover uma educação a serviço da construção de uma sociedade mais justa, verdadeiramente democrática e com acesso pleno à cidadania.

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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS KAINGANG: A UNIVERSIDADE NA TERRA

INDÍGENA XAPECÓ

Lucí T. M. dos Santos Bernardi1

Ana Cristina Confortin2

Leonel Piovezana3

Resumo: O Curso de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas Kaingang é desenvolvido pela Unochapecó, desde o segundo semestre de 2009, na Terra Indígena Xapecó - Ipuaçu (SC), em parceria com a Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina. O Curso totaliza cinco anos e obedece a um regime seriado especial, sendo os dois primeiros anos de formação geral e os três anos finais por terminalidade, a saber: a) Licenciatura em Pedagogia; b)Licenciatura em Ciências Sociais; c) Licenciatura em Matemática e Ciências da Natureza e d) Licenciatura em Línguas, Artes e Literaturas. Este Curso de Graduação atende a demanda existente nas comunidades Kaingang, das terras indígenas Xapecó, Chimbangue, Pinhal, Imbu, Palmas e Condá, localizadas nos municípios de Ipuaçu, Entre Rios, Abelardo Luz, Chapecó e Seara (SC). O projeto é concebido na perspectiva de ultrapassar as demandas e comprometimentos da universidade com grupos sociais tradicionais, e com a pretensão de inovar na área de formação docente, tendo como objetivo geral a formação de professores indígenas para atuarem especificamente com comunidades Kaingang. O curso está em andamento e é inédito no Brasil por estar acontecendo integralmente na Terra Indígena e possibilitando a participação efetiva de alunos e da comunidade. Como resultado do projeto, os 60 alunos se matricularam para o terceiro semestre e vêm frequentando regularmente as aulas, com bom aproveitamento e com projeções de desenvolvimento sociocultural específico. Palavras-chave: Licenciatura Indígena, Específica, Kaingang. 1 Mestre em Educação (UFSC), doutoranda em Educação Científica e Tecnológica (UFSC), professora pesquisadora no campo da Educação Matemática, vinculada à Área de Ciências Exatas e Ambientais da Unochapecó. [email protected] Mestre em Engenharia da Produção (UFSC), professora pesquisadora no campo das Ciências Biológicas, vinculada à Área de Ciências Exatas e Ambientais da Unochapecó. [email protected] Mestre em Desenvolvimento Regional (UNISC), doutorando em Desenvolvimento Regional (UNISC), professor pesquisador vinculado à Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Unochapecó e Coordenador do Curso de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas Kaingang. [email protected]

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Abstract: The Graduate Course Specific Training of Indigenous Teachers Kaingang is developed by Unochapecó, since the second half of 2009, the Indigenous Land Xapecó - Ipuaçu (SC), in partnership with the state Department of Education of Santa Catarina. The course totals five years and follows a special graded system, and the first two years of general education and three years for terminal end, namely: a) Degree in Pedagogy; b) Degree in Social Sciences; c) Degree in Mathematics Natural Sciences and d) Degree in Languages, Arts and Literature. This undergraduate course meets the existing demand in the communities Kaingang Xapecó of indigenous lands, Chimbangue, Pine, walnut, and Palmas Condo, located in the municipalities of Ipuaçu, Entre Rios, Abelardo Luz, Chapecó and Seara (SC). The project is designed with a view to overcome the demands and commitments of the university with traditional social groups, and the desire to innovate in the area of teacher training, with the overall objective of the training of teachers to work specifically with indigenous communities Kaingang. The course is in progress and is unprecedented in Brazil to be going full on Indigenous Land and enabling the effective participation of students and the community. As a result of the project, 60 students enrolled for the third quarter and have been attending classes regularly, with good use of projections and specific socio-cultural development. Keywords: Degree Indigenous Specific, Kaingang.

Apresentação

O Curso de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas Kaingang - Licenciatura Plena é um projeto da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó em parceria com a Secretaria Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina (com bolsa do artigo 171 - sem ônus para os acadêmicos), contando com a participação logística para acomodações e de infraestrutura da Secretaria Municipal de Educação de Ipuaçu (SC).

Tem como missão formar professores para atuarem na educação escolar Indígena, produzindo e garantindo a apropriação do conhecimento universal e específico da etnia, de forma que possa responder aos anseios de sua comunidade e de suas escolas, num processo educacional que reconheça, aceite e valorize a pluralidade cultural. É oferecido em regime especial e presencial na Terra Indígena Xapecó, localizada no Município de Ipuaçu (SC), nas dependências da Escola Indígena Estadual Cacique Vãinkrê.

Em sua primeira etapa foram ofertadas 60 (sessenta) vagas para professores Indígenas Kaingang não graduados e egressos do ensino médio. Uma vez concluído, conferirá aos acadêmicos o título de Licenciado numa

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS KAINGANG: A UNIVERSIDADE NA TERRA ...

das áreas de terminalidade: Licenciatura em Pedagogia; Licenciatura em Ciências Sociais; Licenciatura em Matemática e Ciências da Natureza; e Licenciatura em Línguas, Artes e Literaturas.

O Curso tem duração de cinco anos, sendo os dois primeiros um núcleo comum e os últimos três específicos em uma das terminalidades propostas. Possui carga horária total de 4005 horas: 3285 para Ensino e Pesquisa e 720 destinadas a Estágios Curriculares. Como objetivo busca a formação e a habilitação de professores indígenas para o exercício docente na educação infantil, ensino fundamental e em disciplinas específicas do ensino médio, conforme a área de terminalidade em que se fizer opção.

Os objetivos específicos do curso expressam uma dinâmica de formação de qualidade crescente, ancorada na permanente relação teoria-prática, presente em três níveis de competências: i) compreensão do processo de educação escolar como uma nova prática social e cultural que se expressa em novas relações econômicas, políticas, administrativas, psicossociais, linguísticas e pedagógicas; ii) domínio de conhecimentos autóctones e das ciências que integram o currículo dos Cursos de Licenciatura e de sua adequada utilização na realidade sociocultural específica em que atua como professor; iii) capacidade de organização e dinamização do currículo escolar e de implementação de estratégias didático-pedagógicas consonantes com as demais práticas culturais utilizadas por uma sociedade ou por uma determinada comunidade.

O Curso tem, enquanto fio condutor, um Conjunto de Temáticas que se desenvolvem a partir dos termos Gênese, Tempo, Espaço, Sociedade, Território e Autonomia, Educação Escolar, Territorialidade e Autonomia dos povos Indígenas, Práticas pedagógicas indígenas e Políticas, Gestão e Financiamento da Educação Escolar Indígena. Estes termos demarcam, de certo modo, a realização de enfoques temáticos articulados, uma vez que transitam por campos universais.

As temáticas escolhidas expressam a compreensão do processo de educação escolar em consonância com uma perspectiva de conhecimentos integradores, fomentando, deste modo, uma nova prática social e cultural que se constitui na qualificação teórica universalizante e no endereçamento específico.

Para o desenvolvimento de currículos mais significativos e flexíveis são propostos os Temas Transversais, um recurso de trabalho que permite fazer dos conteúdos acadêmicos estudados na escola um instrumento para pensar questões socialmente relevantes para a comunidade indígena. Os temas propostos seguem o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI: terra e biodiversidade, auto-sustentação; lutas, movimentos e direitos; ética indígena; pluralidade cultural e educação e saúde. (BRASIL, 1998).

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As temáticas e os temas transversais são explicados em sua importância e atualidade e colocados como pano de fundo do trabalho dos docentes no curso, de forma a relacioná-los com a cultura kaingang e com os conteúdos de estudo nas áreas específicas do currículo. Esta proposta torna a aula mais adequada aos interesses dos alunos.

A Criação do Curso

O Curso de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas Kaingang é de extrema relevância para a universidade, uma vez que interage de modo propositivo e participativo na formação desse novo agente de produção e reprodução cultural denominado professor indígena. É na universidade que se constitui um espaço privilegiado de interlocução com a diversidade cultural, então, naturalmente, este curso se justifica, pois as comunidades indígenas identificam-se enquanto protagonistas da diversidade cultural da civilização contemporânea.

Esse Curso de graduação atende a demanda existente das comunidades Kaingang, das terras indígenas Xapecó, Chimbangue, Pinhal e Condá, localizadas nos municípios de Ipuaçu e Entre Rios, Chapecó e Seara - (SC). A população é de aproximadamente 9.000 pessoas, das quais 2.400 são estudantes do Ensino Básico, na Escola de Formação Específica de Ensino Médio: EIE Cacique Vãinkrê, na T.I. Xapecó, a qual possui uma média de 25 estudantes egressos/ano, desde 1990. A proposta foi elaborada a partir do diálogo com essas comunidades que participaram ativamente de todo o processo, explicitando seus desejos e colaborando na construção das possibilidades.

Se por um lado esse projeto atende uma demanda específica, é bom salientar que, por outro, as relações atuais entre o Estado brasileiro e os povos indígenas no Brasil têm sido favoráveis ao estabelecimento do pluralismo cultural. Esta tendência se constrói no final dos anos 80, em especial, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que pela primeira vez na história reconhece aos índios o direito à prática de suas formas culturais próprias, rompendo com uma tradição de quase cinco séculos de política de integração e homogeneização cultural.

As Terminalidades propostas

a) Licenciatura em Pedagogia

O Curso tem como proposta a formação de educadores com conhecimento das dinâmicas das sociedades e da educação indígena, a partir da compreensão histórica, cultural e social dos sujeitos. Busca desenvolver

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a produção de conhecimentos sobre a educação indígena e suas finalidades, através da análise dos melhores meios para estimular a formação humana, considerando os desafios enfrentados na prática educativa em relação aos modos próprios de ser das crianças kaingang - suas visões de mundo, perspectivas e experiências, bem como, as formas de deslocamento no momento de entrada para a educação formal - aspectos de espaço/tempo, social e simbólico.

b) Licenciatura em Ciências Sociais

A Licenciatura em Ciências Sociais tem como foco habilitar nos campos da História e da Geografia, compondo com a Antropologia, a Política, a Sociologia e a Filosofia uma abordagem reflexiva acerca das diferentes noções de tempo e espaço concebidos pelas diversas sociedades humanas. A área tem como ponto de partida a realidade do educando-pesquisador em suas múltiplas relações intersocietárias. A partir desse referencial são discutidas as diversas formas de conceber o espaço/tempo, possibilitando aos acadêmicos compreenderem essas relações de forma crítica, destacando especialmente as relações das sociedades indígenas com o Estado.

c) Licenciatura em Matemática e Ciências da Natureza

A área de Matemática e Ciências da Natureza visa a formação de professores de Matemática e Ciências para o ensino fundamental, e de Biologia, Física, Matemática e Química para o ensino médio. O programa proposto fundamenta-se na compreensão de que a matemática e as ciências naturais fazem parte do diálogo vital que o homem teve historicamente com o meio, assim, as práticas e a produção de conhecimentos ocorrem em todas as culturas humanas. Dessa forma, os desafios que se colocam frente às sociedades indígenas precisam ser tratados adequadamente tendo por base os conhecimentos autóctones e os das outras culturas, considerando as diferentes etnomatemáticas e etnociências.

d) Licenciatura em Línguas, Artes e Literaturas

Na estrutura dos Cursos, a área de Línguas tem como objeto de estudo a experiência da linguagem, a prática do dizer e do calar, a temática da “língua nacional” versus línguas indígenas e as relações entre línguas, artes e literaturas. As Artes e a Literatura, componentes igualmente essenciais dos Cursos, são apresentadas como formas de trabalhar a sensibilidade e de alargar a visão de mundo. A área de Línguas, Artes e Literaturas habilitará o acadêmico ao trabalho com as diferentes linguagens: escrita, oral, artística e literária. Aos estudantes que optarem por essa terminalidade será conferida

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a titulação em: língua indígena Kaingang, língua portuguesa, educação artística, literaturas indígena e portuguesa.

Considerações Finais

A relevância deste projeto ocorre pela sua pretensão em inovar propostas na área de formação de docentes. Por um lado, imprime o ultrapassamento das demandas e comprometimentos com grupos sociais tradicionais, e da própria organização de espaço e tempo – considerando a criação e o desenvolvimento de um curso fora da sede e com calendário específico. Por outro, o curso propõe formar um novo agente educativo para atuar especificamente com comunidades Kaingang, sendo notório o amadurecimento que ocorre no âmbito institucional da Unochapecó, como coloca Marques “a instituição amadurece sua consciência quando, adquirida a capacidade de relativizar a si mesma e seus posicionamentos, identifica os grupos humanos concretos, cujos interesses, valores e conflitos a movem e explicita suas próprias opções daí decorrentes”. (1984, p. 294).

O curso de Licenciatura Indígena Kaingang teve início em agosto de 2009. Inscreveram-se para o vestibular especial 96 (noventa e seis) indígenas Kaingang dos quais 60 (sessenta) foram matriculados. No desenvolvimento das atividades, percebe-se a satisfação dos acadêmicos a qual é computada pela freqüência, pelo aproveitamento nos estudos e pelo fato das aulas serem administradas no interior da Terra Indígena - fator de permanência e motivação para a formação superior.

É um esforço contínuo e coletivo diante dos desafios que o cotidiano do curso oferece. Contamos com incentivos da Secretaria Estadual de Educação, da Secretaria Municipal de Educação do Município de Ipuaçu, FUNAI e de Lideranças das TIs: Xapecó, Chimbangue, Condá e Pinhal, mas acima de tudo, contamos com um grupo de acadêmicos e professores que constroem essa realidade aula por aula, encontro por encontro.

Projetos como a Licenciatura Indígena, desenvolvido pela Unochapecó, reforçam o compromisso de uma universidade voltada para as questões sociais e de interesses dos diversos grupos humanos da região, intensificando cada vez mais sua atuação, com respeito às diferenças e às novas formas culturais de manifestações e de construções do conhecimento. São ações que vêm ao encontro com as demandas regionais, imbricadas nas manifestações e realizações interétnicas que desenham e dão o colorido da diversidade cultural.

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PENSANDO EM ARTE NA EDUCAÇÃO

Waldir José Gaspar1

Elias Januário2

Resumo:A arte é a expressão de deslumbramento que sublima paixões. Em comunidades indígenas esse sentimento pode ser de ordem cultural, utilitário ou educativo. Nessa ótica, a disciplina Arte e Educação, desenvolvida conjuntamente com cinquenta professores indígenas de catorze etnias do curso de Pós-graduação Escolar Indígena da UNEMAT, foi organizada em três eixos: Contextualização histórica das artes; leitura da obra de arte e sua interação com o meio e o desenvolvimento artístico do grupo participante. Ao longo de uma semana foram produzidos catorze exercícios devidamente contextualizados, resultando num caderno bibliográfico abordando as diferentes formas de arte para futuro reaproveitamento nas aldeias.Palavras-Chave: Ensino da Arte. Aprendizagem da Arte, Especialização em Arte e Educação, Processo Criativo, Ensino da Arte em Aldeias Indígenas.

Abstract: Art is the expression of dazzlement which sublimates passions. In indigenous communities this feeling can be cultural, utilitarian or educational order. In this sense the discipline Art and Education, developed with fifty indigenous teachers of fourteen different ethnic groups from the Indigenous Scholastic Post- graduation course of UNEMAT, was organized in three areas: historical contextualization of arts; interpretation of the work of art and its interaction with the medium and the artistic development of the participant group. Fourteen contextualized exercises were developed within a week, resulting in a bibliographic notebook approaching the different forms of art to be used again in the future.

Key words: The teaching of Art, The learning of Art, Especiaization in Art and Education, Criative Process, Teaching Art in Indigenous Villages.1 Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar, professor do Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo e do Departamento de Engenharia Civil (Engenharia Urbana) da UFSCar - Centro Universitário Belas Artes/UFSCar - [email protected] Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT, Diretor da Faculdade Indígena Intercultural e Bolsista da CAPES - [email protected].

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PENSANDO EM ARTE NA EDUCAÇÃO

Na semana de 11 a 16 de julho de 2011, a convite da Faculdade Indígena Intercultural da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), pudemos compartilhar de mais uma agradável experiência, dessa vez com a Terceira Turma do curso de Pós-graduação Lato Sensu “Especialização em Educação Escolar Indígena”, conforme Figura 1.

Figura 1: Vista geral da Terceira Turma de Especialização em Educação Escolar Indígena.

Desenvolvemos a disciplina Arte e Educação com uma carga horária de 45 horas, juntamente com o grupo de 50 estudantes/professores indígenas, pertencentes a 14 etnias, conforme Quadro 1:

O objetivo principal da disciplina não era o de formar artistas, mas sim desenvolver a expressão de sentimentos e emoções, trabalhando com

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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

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a sensibilidade e a possibilidade da relação criativa com o cotidiano, de tal forma que os educandos pudessem retornar a suas aldeias com um elenco de exemplos e metodologias para suscitar o interesse pelo registro da imagem e das expressões.

Com base nos ensinamentos de Paulo Freire onde diz que “...é preciso que o educando vá assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não apenas o de recebedor da que lhe seja transferida pelo professor...” (Freire, 1996, p.140), procurou-se adaptar a metodologia utilizada nos Parâmetros Curriculares Nacionais/Arte (PCN-2000) de tal sorte que, o ensino das artes pudesse a ser visto não só como autoexpressão, mas também como conhecimento.

Optou-se por aproveitar a proposta de se conhecer o passado para poder entender o presente e viver o futuro, já introduzida pela arte educadora Ana Mae Barbosa (1991), denominada como metodologia triangular, organizando a disciplina Arte e Educação em três eixos:

• A contextualização histórica das artes, nas suas diferentes formas de apresentação;

• A leitura da obra de arte situando a obra em seu tempo e espaço e sua interação com o meio; e,

• O fazer artístico do grupo participante. Em consonância com as experiências obtidas no Centro Universitário

Belas Artes de São Paulo, propôs-se enfatizar a necessidade de se trabalhar: o desenho; a pintura; a escultura; a xilogravura; a música; a expressão corporal; a fotografia; o artesanato, a arquitetura; entre outros, usando como fio condutor a relação entre a história da arte (contextualização), a produção artística e os acontecimentos cotidianos, tendo como objetivo principal a correlação com conhecimentos étnico-culturais, vivenciando assim, também, a interdisciplinaridade.

Outros aspectos trabalhados foram: o processo criativo e imaginário; arte e natureza; arte infantil; desenvolvimento gráfico; multiculturalidade; e a arte como fator fundamental para a sociedade.

Ao término da disciplina todo o material apresentado foi disponibilizado aos alunos, bem como os diversos (catorze) exercícios desenvolvidos, que juntos compõem o material didático e a bibliografia da disciplina.

Após as apresentações e ainda na fase introdutória, optou-se por desenvolver um debate baseando-se em cinco questões genéricas:

• O que é arte?• Como se apresenta a arte?• Quem faz arte?• Por que o mundo necessita da arte?• Como entendemos a arte?

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PENSANDO EM ARTE NA EDUCAÇÃO

A fluidez dos debates foi embasada em documentários, que apresentaram desde explicações do quadro Guernica (1937) de Pablo Picasso, um compacto da peça Café Müller (1978) dirigido e coreografado por Pina Bausch, até depoimentos de Rubens Matuck sobre seus registros de viagens.

As discussões e críticas quanto aos diversos assuntos possibilitou o desenvolvimento do primeiro exercício prático: Elaboração de um Caderno Individual de Viagem onde, numa folha de papel Canson A3, dobrada em seis ou oito partes, resultando em doze ou dezoito espaços (frente e verso), cada aluno deveria assinalar suas impressões referentes a cada período do dia – manhã, tarde e noite. Essas observações não precisariam ser em ordem cronológica e poderiam ser assinaladas de forma livre, isto é: em forma de desenho, pintura, frases ou palavras escritas, códigos, traços coloridos, etc. Uma das intenções desse exercício foi tentar amenizar a saudades que todos os alunos estavam sentido da família deixada nas aldeias, bem como a produção de um diário que posteriormente poderia ser apresentado para seus filhos na aldeia. A Figura 2 (A e B) exemplifica dois resultados do primeiro exercício.

Figura 2 A: Detalhe do Caderno de Viagem do aluno Maiua Meg Poanpo Txicão (Ikpeng). B: Detalhe do Caderno de Viagem do aluno Valdevino Harison Amajunepá (Umutina).

Em seguida, para que houvesse familiarização com o material, foram distribuídos lápis de durezas diferentes (2B; 4B e 6B), comentando que os

A B

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lápis macios poderiam ser usados para sombrear, por ter um traço mais escuro. Observou-se que nas respectivas aldeias poderia ser utilizado o carvão de diferentes tipos de madeira para trabalhos de esfuminho e sombreamento.

Nesta fase optou-se por desenvolver o segundo exercício prático onde se dividiu a folha de papel Canson A3 em faixas horizontais trabalhando-se com as diferentes durezas dos grafites pretos. Optou-se por reproduzir as pinturas corporais na base do desenho, representando a importância da etnia, intermediando por traços verticais que traduziam o crescimento desde a infância até a fase adulta e velhice juntamente com o ganho de experiência e sabedoria e por fim traços inclinados tal qual a brisa incidindo em plantações representando as dificuldades e contratempos cotidianos. Para desenvolvimento desse exercício, conforme Figura 3 (A e B), foram apresentados aspectos da exploração do indígena mexicano retratados pelo pintor Diego Rivera.

Figura 3: Segundo exercício desenvolvido em sala de aula. A: Alexandre Azomare (Paresi). B: Luís Apacano Kapeguara (Bakairi).

Seguindo a cronologia da história da arte, iniciamos pela escultura da Vênus de Willendorf com aproximadamente 25000 anos, mostrando o fetiche da fertilidade e a simbologia da abundância pelas formas esféricas, realçando assim as técnicas utilizadas por algumas etnias do uso do barro. Buscamos a correlação arquitetônica entre a forma e disposição do Cromeleque de Almendres de Portugal e o Stonehenge na Inglaterra com a forma e distribuição concêntrica das casas tradicionais nas diversas aldeias indígenas do Brasil.

Apresentamos os primeiros registros monocromáticos de pinturas rupestres em Altamira na Espanha, e policromáticos nas cavernas de Lascaux na França, mostrando principalmente a importância de tais registros na época para informações de técnicas de caçadas e informações de animais que poderiam ser encontrados na região. Com base nas pinturas das mãos

A B

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feitas há 9000 anos por índios Tehuelches nas cavernas da Patagônia, executamos o terceiro exercício em três fases, com o objetivo de desenvolver a percepção dos detalhes. Foram solicitados três desenhos a lápis preto, em papel Canson no formato A3. No primeiro deles foi desenhada uma das mãos segurando um objeto e escondida por uma folha de papel. No segundo a mão que segurava o objeto era descoberta e a mão que desenhava agora era coberta. Por fim, no terceiro desenho, as duas mãos estavam descobertas. A Figura 4 apresenta um exemplo dos resultados obtidos.

Na apresentação da arte egípcia foi comentado sobre o espírito ka observando aspectos da imortalidade. Procurou-se comentar, respeitando as etnias que se dispuseram falar sobre o luto, a despedida dos mortos e o enterro de seus entes queridos. Lembrou-se que entre os egípcios havia um grande realismo nas estátuas e que todos os bens eram depositados na tumba do faraó para garantir uma vida confortável após a morte. Uma das características principais do desenho egípcio era o desenho chapado de perfil e sem perspectiva artística. Esta forma de representação nos deu chance de comentar sobre a arte da caricatura, no sentido de exagerar, aumentando de proporção.

Figura 4: Terceiro exercício. Esquerda – mão segurando objeto coberta. Direita – duas mãos descobertas. Desenhos do aluno Maiua Meg Poanpo Txicão (Ikpeng).

Os aspectos da caricatura, no sentido de exagerar comicamente de proporção e seus desdobramentos, possibilitou a execução do quarto exercício conforme apresentado nas Figuras 5a e 5b.

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Figura 5a: Quarto exercício: Detalhes da execução de caricaturas na porta de vidro.

Em duplas, cada aluno se posicionou de cada lado da porta de vidro de entrada da Faculdade Intercultural Indígena, de tal forma que um desenhasse a caricatura do outro com pincel atômico, assim procurou-se desenvolver aspectos da representação, bem a observação de detalhes peculiares.

Quanto aos monumentos arquitetônicos egípcios comentamos não só sobre a forma das pirâmides com seus poderes mágicos, mas também sobre os templos religiosos – zigurates – reproduzidos por diferentes povos em épocas e lugares diferentes, como a pirâmide Maia Chichen Itza no México, a de Gizé no Egito e a Pirâmide de Vidro do arquiteto I. M. Pei na porta de entrada do museu do Louvre em Paris. Este assunto foi resgatado numa fase posterior da disciplina, juntamente com as características de cada povo sobre a forma de enterrar seus mortos, possibilitando desenvolver o quinto exercício sobre representação de sentimentos.

Figura 5b: Quarto exercício: Detalhes da execução de caricaturas na porta de vidro.

Dividiu-se uma folha Canson A3 ao meio, utilizando-se lápis preto, desenhou-se do lado esquerdo um local que mais o agradasse na aldeia, e do lado direito um local de despedida da pessoa querida ou um local que menos o agradasse. A Figura 6 (A e B) apresenta detalhes desse exercício,

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PENSANDO EM ARTE NA EDUCAÇÃO

salientando-se que para a grande maioria dos alunos, a saudade de casa e da família é um sentimento sempre intenso e presente.

Observa-se na Figura 6A o desenho de uma porta fechada que, segundo o aluno Miguel Angelo Tseredzatsu Maratedewa (Xavante), simbolicamente representava que atrás dela ficou toda a família na aldeia. O lado direito da Figura 6B, segundo o aluno Mario Ilhamão (Rikbatsa), representa os mitos, medos e respeito por divindades que sua etnia demonstra ter. Observa-se que esse fato foi comum dentre a maioria dos presentes na disciplina.

Posteriormente foram apresentados aspectos da arte grega onde, assim como algumas festas e brincadeiras indígenas, a excelência da técnica, a dignidade e o valor do homem eram explorados até as extremas consequências. Os primeiros retratos gregos apresentam expressões do rosto, apesar de serem idealizadas, se tornam passionais e atormentadas.

Figura 6 (a e B): Quinto exercício sobre representação de sentimentos.

Dentre os aspectos da era romana, um dos assuntos comentados foi a intensão de transmitir a todos os recantos do império a mesma ideia de política, cultura e de arte praticada em Roma. Procurou-se correlacionar o “modus vivendi” nas aldeias com as características do império romano, onde a arte, a política e o direito serviram como instrumento de unificação e integração das províncias.

No campo da arquitetura, os romanos foram mestres no uso do arco e da abóboda, estruturas essas usuais nas casas tradicionais indígenas e em seus instrumentos de caça. A forma em arco foi correlacionada com a estrutura do corpo humano e seus limites de tensões – tração e compressão – analisados.

Sobre as pinturas romanas compararam-se alguns afrescos com aqueles existentes nas casas construídas pelo Marechal Rondon na aldeia Umutina, apresentado na Figura 7.

A B

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Figura 7: Pintura em parede representando o primeiro contato da etnia Umutina com o Marechal Rondon em 02 de Outubro de 1912. (Foto: Gaspar, 2011)

Quanto aos afrescos ou pinturas em paredes, foi possível discutir sobre a obra denominada Samo (Same Old Shit) de Jean-Michel Basquiat, dos Gêmeos em Lisboa e da real discrepância entre o grafite e a pichação. Como exemplo foi apresentado o curta-metragem “A intervenção com grafite nos pilares que sustentam a cidade” de Gabriel Kieling e Raphael Amaral, orientado por Gaspar (2008).

Em sequência optou-se por comentar a arte pré-colombiana nas Américas. Exemplos sobre os índios Navajos americanos com seus tapetes geométricos e seus desenhos com areia, mas principalmente as mudanças que esse provo sofreu após 1881 quando pactuaram sua rendição. Os índios Kwakiutl com sua destreza na arte da decoração da madeira. Os esquimós com suas máscaras móveis entalhadas, combinando diversos materiais, cuja principal característica era possibilitar que seus xamãs enxergassem no escuro. O enorme templo dos povos Maias para mais de 70.000 habitantes. Os trabalhos em ouro e pedras preciosas dos povos astecas que exigiam sacrifícios humanos. Os Incas, suas construções em alvenarias e seu declínio exatamente no auge de sua civilização.

As esculturas alongadas de madeira, as cores, a religião e a arte das máscaras de alguns povos africanos também foi o assunto da disciplina.

A influência da arte Islâmica na península Ibérica e sua riqueza de detalhes nos deram chance de conversar sobre as festas tradicionais de casamento das diversas etnias, e apresentar, através de documentários, as

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características das cerimônias de casamento de povos da região do deserto do Sahara Marroquino, seu modo de vida, sua alimentação e arquitetura.

Consequência dos mulçumanos no continente europeu de então, foram mostradas imagens da cidade de Santiago de Compostela, o simbolismo da cruz em forma de espada; o estilo gótico da arquitetura; a produção artística na era do renascimento e principalmente as consequências da Santa Inquisição nessa produção. Interessante os comentários sobre esse assunto, não só com alunos que já visitaram museus e igrejas europeias, mas principalmente com aqueles de aldeias onde a Igreja Católica se mostra mais presente.

Há pouco mais de 500 anos artistas passaram a utilizar das repetições obtidas nas artes gráficas, com a xilogravura e a litogravura. Esse assunto pode ser exemplificado através do sexto exercício, executado em folha sulfite com giz de cera e lápis coloridos, procurando exercitar a textura tátil. Foi solicitado que todos trouxessem folhas duras de árvores de diversos tamanhos, colocadas embaixo das folhas sulfites e fossem passados lápis e giz coloridos realçando sua textura superficial. Esse exercício pode, com facilidade, ser reproduzido nas aldeias usando-se pigmentos disponíveis. A Figura 8 exemplifica um dos resultados.

Figura 8: Sexto exercício – Texturas com folhas diversas.

Os aspectos entre luz e sombra foram abordados a partir da equiparação entre os vitrais góticos e as pinturas corporais, onde o paradigma está em não acrescentar o preto, mas sim encobrir a luz. Essa teoria possibilitou a

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execução do sétimo exercício de representação e síntese da luz e sombra, numa folha de Canson preta A3 desenhada com giz de cera e lápis de cor branco. Na sala escura, reproduzindo a contemplação a partir das casas tradicionais por entre a palha no horário do lusco-fusco, foram desenhadas cadeiras empilhadas iluminadas pelo projetor. Partimos da premissa que as sombras projetadas na parede já estavam desenhadas no papel preto, restando desenhar a luz branca... As Figuras 9A e 9B exemplificam o processo para execução desse exercício.

Ainda sobre o renascimento, além das características de luz e sombra, foi comentado sobre a técnica da perspectiva, o uso da têmpera, e as composições piramidais na pintura.

Figura 9A: Sétimo exercício – objetos projetados para serem desenhados.

Figura 9B: Sétimo exercício – desenho dos objetos projetados em sala escura.

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Como oitavo exercício – de observação – foram distribuídas diversas folhas de papel Canson A3 pretos e uma vela, para que cada aluno desenhasse com giz de cera e lápis branco o reflexo da luz incidindo em superfícies claras a serem escolhidas pelos próprios alunos. Ficou acordado que esse exercício poderia ser feito na própria aldeia ou na semana seguinte à disciplina. Aspectos que exemplificavam esse assunto foram apresentados através de imagens das obras de Rembrandt, Leonardo da Vinci, Coubert, Rubens e o Barroco de Velázquez, dentre outros.

Ao apresentarmos um dos expoentes do estilo Rococó, comentamos sobre as obra arquitetônicas orgânicas de Antoni Gaudi, como a Casa Milá (La Pedrera) em Barcelona, onde pudemos comparar com as formas curvilíneas das casas tradicionais indígenas e outras retangulares e triangulares.

Além da apresentação da fase Neoclássica com a Morte de Marat (David, 1793) que seria relembrado posteriormente, onde as formas gregas e romanas já estudadas são revividas, buscamos mostrar outros estilos que se inseriam com diferentes características:

Romantismo com a arte expressando emoção como a obra de Géricault (A Jangada de Medusa, 1819) que possibilitou comentar sobre composição (análise do conjunto), peso (zonas que atraem mais) e ritmo (efeito que se repete como a pele da onça).

Aproximadamente nesta fase houve uma mudança radical no processo de pintura, devido a invenção do tubo de tinta. Até então o pigmento era moído a mão e misturado com óleo de linhaça para fazer a tinta a óleo. Esse assunto possibilitou a discussão e execução do nono exercício: dezesseis receitas, criteriosamente detalhadas por etnia, sobre o preparo da tinta vermelha a partir do urucum e da tinta preta do jenipapo e carvão. Alunos da etnia Xavante da aldeia Sangradouro trouxeram amostra do pigmento vermelho (urucum) e do óleo de peroba prontos para utilização no corpo. Fato interessante foi que as diversas etnias desconheciam os diferentes processos de manipulação dos ingredientes para execução das tintas. A Figura 10 apresenta a referência da escala de cores Pantone para o urucum obtido na Aldeia Xavante Sangradouro.

Retornando aos “ismos” comentamos sobre o realismo apresentado nas obras de Goya, Harnett e Daumier apresentando a realidade do cotidiano sem retoques. O modernismo na era da Revolução Industrial com o decorativo e linhas fluidas do “art noveau”. Aspectos interessantes de cor e luz do impressionismo e pós-impressionismo foram ilustrados com imagens das telas de Renoir; com o capítulo Corvos do filme Sonhos de Akira Kurosawa mostrando a beleza das cores vivas dos quadros do artista Van Gogh; com Matisse que teve grande influência entre a etnia Umutina na confecção de cartões postais a ser comentado posteriormente.

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O uso das cores e formas distorcidas para transmitir sentimentos foi apresentado através das telas de Portinari, Gauguin, Diego de Rivera com seu realismo social através da opressão sofrida pelo povo mexicano. As obras desse artista chamaram a atenção do grupo de alunos.

Figura 10: Sementes de urucum e amostra (bola) moída e cozida da Aldeia Sangradouro Xavante, comparada com a escala de cores na tabela Pantone (7623 CP).

A arte moderna pôde ser comentada através de imagens simbolicamente subjetivas e fantasiosas e o surrealismo expondo os sonhos com a “liberdade dos esquisitos” exemplificada pelos quadros de Salvador Dalí. A semana de 22 com o tema Antropofagia e o quadro Abaporu de Tarsila do Amaral foram assuntos que mereceram um tratamento especial. Também foi apresentados exemplos da arte pop com a cultura do consumo de Andy Warhol e obras arquitetônicas fenomenais. Convém salientar que grande parte das obras apresentadas era de conhecimento dos alunos, suscitando interesse na história de cada quadro, confirmando a necessidade de ampliar o conhecimento sobre as obras de arte.

Outro aspecto no campo das artes foi apresentado através da comunicação visual, que utiliza de símbolos, cores e textura (programação visual) como forma de orientação. Lembrando que a cidade de Cuiabá é uma das doze eleitas para abrigar os jogos da copa do mundo de 2014, bem como a possibilidade de algumas aldeias serem incluídas no circuito visitado pelos turistas de diversos países, idealizou-se a execução do décimo exercício em papel sulfite: “Baseado nas informações apresentadas em aula, e sabendo-se que os turistas estrangeiros não falam português – muito menos sua língua, desenhe e pinte

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10 sinais (figuras) indicativos de sua aldeia (ícones da aldeia) identificando alguns pontos.” A Figura 11 apresenta um dos resultados muito interessante.

Observa-se que a programação visual da aldeia, apresentada pelo aluno Marcelino, foi identificado, além dos banheiros, a indicação da aldeia na Rodovia BR; o local de confecção da comida tradicional (beiju); a casa do adolescente; o Warã (centro de reunião); rio para banho; lugar para pescaria e caça; e venda de artesanato.

Figura 11: Décimo exercício – Programação visual da Aldeia Sangradouro, idealizada pelo aluno Marcelino Tsere’ru Wété (Xavante) distribuídos pela aldeia. Atentar as duas orelhas

superiores à esquerda definindo banheiro feminino e masculino (furada).

Antes de discorrer sobre a teoria das cores, relembramos os aspectos da visão e o processo de formação da imagem no cérebro. Iniciamos com o ensinamento da cor luz e seus diferentes comprimentos de onda, a sensibilidade dos cones e bastonetes para diferenciar as diferentes frequências e os tons de cinza. Comentamos os diferentes defeitos da visão (daltonismo, astigmatismo, miopia, hipermetropia, presbiopia), uma vez que a classe era constituída por vários alunos com idades superiores a 30 anos e alguns mais velhos.

O estudo da cor como pigmento foi inserida numa lista de informações mais ampla, conforme mostrado na Figura 12.

Cada aspecto da Figura 12 foi analisado e comparado no cotidiano da aldeia. O processo inicial do estudo das cores se deu com a confecção do triângulo de Goethe numa folha Canson A3 e tintas guache nas cores primárias, gerando as cores secundárias e terciárias. Assim elaborou-se o exercício número onze. Ainda no mundo das cores, conseguimos trabalhar aspectos da percepção e conhecimento, analisando as sensações associadas a alguns grupos de imagens em diversos matizes apresentados em sala.

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Após o relato da representação da textura na pintura, desenho e escultura, foram solicitados desenhos em papel sulfite a partir de visita a campo reproduzindo diferentes texturas, tais como: cascas de árvores, pisos, solos, rochas, paredes, e objetos cotidianos. A entrega desse exercício deu-se na manhã seguinte.

Figura 12: Aspectos indispensáveis no processo de transmissão da mensagem visual.

Uma vez fornecida a teoria sobre os aspectos da forma e estrutura foi possível executar o exercício número doze: Do figurativo para o abstrato (uso de elementos da natureza para padronagem). Com tinta guache, cada aluno ampliou e pintou um inseto real – joaninha, borboleta, besouro (solicitado previamente) ocupando toda a folha Canson A3. Posteriormente, definei-se uma área de aproximadamente 10x10 centímetros neste desenho inicial, copiada e reproduzida várias vezes em outra folha, gerando um padrão de formas e cores. As Figuras 13 e 14 ilustram o desenvolvimento desse exercício.

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Figura 13: Exercício doze – Ampliação de inseto - aluno Maiua Meg Poanpo Txicão (Ikpeng).

Figura 14: Exercício doze – Recorte e criação de padronagem - aluno Maiua Meg Poanpo Txicão (Ikpeng).

O artesanato e a arte decorativa foram abordados através de imagens de cestaria, tapeçaria, redes, adornos, cerâmica, arte plumária, instrumentos de caça, rodilhas, esteiras, peneiras, etc. Para sintetizar o assunto foi solicitado o exercício número treze, desenvolvido em grupo (por etnia) sobre a representação de imagens das respectivas etnias sintetizadas em um cartão postal. Foram elaborados desenhos em cartões de aproximadamente (12 x 20) centímetros de papel Canson. A Figura 15 apresenta algumas propostas de cartões postais desenvolvidas pelos alunos.

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Figura 15: Exercício treze – Exemplo de cartões postais. A partir do alto no sentido horário:

Etnias, Umutina, Bakairi, Ikpeng (2), Alto Xinguano, Chiquitano, Xavante, e Zoró.

A música foi abordada a partir dos conceitos da física com a propagação do som na atmosfera até os impulsos elétricos que são transmitidos ao cérebro pelo nervo auditivo. Durante o desenvolvimento dos exercícios foram apresentados estilos musicais de diversas regiões brasileiras, incluindo algumas etnias indígenas presentes e de outros países.

Sobre as técnicas fotográficas – quando perguntado todos disseram que dispunham e utilizavam câmeras fotográficas - foram apresentadas desde o histórico da fotografia, ilustradas pelo documentário Câmara Obscura de Pinhole Eduardo Morell. Alertou-se sobre os conceitos de fotografia, que evocam o espírito fundamental de alguma situação, procurando reunir todos os elementos externos num lugar ideal. Foram comentados aspectos sobre as linhas na composição fotográfica como sendo um importantíssimo componente de atração ao olhar do expectador, dando mais impacto à imagem e conduzindo o olhar ao assunto principal. Destacaram-se os quatro tipos de linhas: horizontal, vertical, curvas e diagonais. Comentou-se ainda o efeito do enquadramento dentro do enquadramento, visando concentrar a atenção do observador.

Para exemplificar foram utilizados e comentados os documentários de Francesca Woodman e de Pedro Martinelli sobre o encontro com os índios Kranhacãrore, bem como as imagens dos fotógrafos Henri Cartier-Bresson; Robert Capa; Sebastião Salgado; Haroldo Palo; Steve Macurry; Huynh Cong Ut; Kevin Carter; Oliviero Toscani; David LaChapelle; Ansel Adams e Héctor Guiñez.

Após apresentação do Filme Lixo Extraordinário, num contexto sobre sustentabilidade, reciclagem e reaproveitamento de materiais observados

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em diversas aldeias, foi desenvolvido conjuntamente a construção de um trator de brinquedo a partir de garrafas PET. Este assunto, que abordava o desenvolvimento de trabalhos manuais, despertou grande interesse entre os alunos e pode ser adicionado como exercício de número catorze, conforme Figura 16.

Figura 16: Exercício catorze – A arte do trabalho manual – Construção de trator em garrafa PET.

Ao término da disciplina Arte e Educação para a Turma de Especialização da Faculdade Intercultural Indígena foi possível reservar alguns minutos para discussão, análise e críticas da metodologia e conteúdo da disciplina, bem como o material bibliográfico fornecido – trabalhos desenvolvidos em sala. Verificou-se que o programa da disciplina, apesar de extenso, conseguiu alcançar com êxito seu objetivo proposto: A contextualização histórica das artes; a leitura da obra de arte situando a obra em seu tempo e espaço e sua interação com o meio; e o fazer artístico do grupo participante. Salienta-se que a intenção principal foi oferecer ao professor/aluno a oportunidade de investigar e reproduzir os ensinamentos desenvolvidos em conjunto.

Podemos ressaltar a importância das artes no cotidiano do ser humano, com um viés todo especial entre os indígenas participantes da disciplina. Lembramos que ela é um fenômeno que traz prazer e plenitude às pessoas, daí nosso interesse em destacar seu relevante papel como forma de construção do conhecimento. Entende-se que através da informação seletiva, pode-se comparativamente contribuir para a formação da consciência da importância do seu lugar no mundo.

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Uma vez que o grupo participante faz parte do programa de especialização, procuramos também caracterizar a arte tecnológica e sua utilização como metodologia na educação, a fim de oferecer ao aluno oportunidade de investigar as produções de artes visuais e artes informatizadas, no sentido de aprofundar a compreensão e conhecimento de suas estéticas no processo criativo, na fusão dos aspectos culturais, artísticos e tecnológicos.

Referências Bibliograficas

LivrosARGAN, Giulio Carlo – Arte moderna. Do iluminismo aos movimentos contemporâneos – São Paulo: Companhia das Letras, 1992, 710p.

BARGALLÓ, Eva – Atlas básico de história da arte: Tradução Ciro Mioranza – São Paulo: Escala Educacional, 2008, 96p.

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.

BARROS, Lilian Ried Miller. A cor no processo criativo. Um estudo sobre Bauhaus e a Teoria de Goethe. São Paulo: SENAC São Paulo, 2009, 180p.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte/Secretaria de Educação Fundamental.-2. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

CANTON, Katia – Espelho de artista – São Paulo: Cosac & Naif Edições, 2001, 48p.

CANTON, Katia – Retrato da arte moderna. Uma história no brasil e no mundo ocidental (1860-1960) – São Paulo: Martins Fontes, 2002, 119p.

COLI, Jorge – O que é arte – São Paulo: Brasiliense, 2007 (Coleção Primeiros Passos; 46), 131p.

COLL, César e TEBEROSKY, Ana – Aprendendo Arte. Conteúdos essenciais para o ensino fundamental – São Paulo: Editora Ática, 2000, 256p.

DWORECKI, Silvio – Em busca do traço perdido – São Paulo: Scipione: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, 222p.

FATORELLI, Antonio; BRUNO, Fernanda – Limiares da imagem:

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PENSANDO EM ARTE NA EDUCAÇÃO

tecnologia e estética na cultura contemporânea – Rio de Janeiro: Mauad X, 2006, 215p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FRASER, Tom e BANKS, Adam – O guia completo da cor. Tradução de Renata Bottini – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, 224p.

GOMBRICH, Ernst Hans Josef – Arte e ilusão. Um estudo da psicologia da representação pictórica – São Paulo: Martins Fontes, 1986, 383p.

GOMBRICH, Ernst Hans Josef – A história da arte – Rio de Janeiro: LTC, 2002, 688p.

GUIMARÃES, Luciano – A cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultura da simbologia das cores – São Paulo: Annablume, 2000, 160p.

GUIMARÃES, Luciano – As cores na mídia: a organização da cor-informação no jornalismo – São Paulo: Annablume, 2003, 210p.

HAUSER, Arnold – História Social da Literatura e da Arte – (Tomo II) – São Paulo: Editora Mestre Jou, 1972, 1193p.

HERNÁNDEZ, Fernando – Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, 261p.

KANDINSKY, Wassily – Do espiritual na arte e na pintura em particular – São Paulo: Editora Max Lomonad, 2002 (2ª. Ed.), 485p.

LOPES, José Reinaldo de Lima – O direito na história. Lições Introdutórias – São Paulo: Max Limonad, 2002, 460p.

LOTMAN, Iuri – A estrutura do texto artístico – Lisboa: Estampa Editorial, 1978, 479p.

MATUCK, Rubens – Cadernos de Viagem – São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003, 89p.

READ, Herbert – Uma história da pintura moderna – São Paulo: Martins Fontes, 2001, 409p.

STRICKLAND, Carol – Arte comentada: da pré-história ao pós-

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moderno. Tradução Angela Lobo de Andrade – Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, 198p.

YORRES, Rubens Francisco – O uso da cor nos audiovisuais: análise semiótica na recuperação da informação – trabalho de conclusão de curso de Bacharelado em Biblioteconomia e Ciência da Informação (UFSCar) – São Carlos, 2010, 75p.

Sites

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-arte

http://deedellaterra.blogspot.com/2010/06/o-mundo-helenico-arte-grega-escultura.html

http://dc192.4shared.com/img/rSK9l4_a/preview.html#2.AULA 2 – GRÉCIA E ROMA|outline

Documentários

Palavra (En)Cantada – Helena Solberg e Marco Debellian

Lixo Extraordinário – Vick Muniz

Café Müller (1978) – Pina Bausch

A intervenção com grafite nos pilares que sustentam a cidade” de Gabriel Kieling e Raphael Amaral, orientado por Gaspar - 2008 (http://vimeo.com/9424658).

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REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NAEDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA1

Germano Guarim Neto2

Márcia Regina Antunes Maciel3

Vera Lucia M. S. Guarim2

Resumo: Os autores apresentam a trajetória da Disciplina Ensino de Ciências na Educação Escolar Indígena, em nível de Pós-Graduação (lato sensu) - Especialização em Educação Escolar Indígena, Faculdade Indígena Intercultural, UNEMAT- Barra do Bugres, MT, onde dialogou-se com 54 estudantes de diferentes etnias, representantes de povos indígenas de terras mato-grossenses. As interlocuções sobre o tema buscaram especialmente o despertar para a presença das Ciências em ambientes urbanos e nos locais onde atuam nas suas aldeias de origem. O período de realização da Disciplina foi de 17 a 22 de janeiro de 2011, com carga horária de 45 horas-aula.Palavras-chave: Ciências. Ensino de Ciências. Educação Escolar Indígena.

Abstract: The authors present the history of the Department of Science Teaching in Indigenous Education at the Graduate level (broadly) - Specialization in Indigenous Education, Indigenous Intercultural University, Bar-UNEMAT Bugres, MT, where he held talks to with 54 students from different ethnic groups, representatives of indigenous lands in Mato Grosso. The dialogues on the subject especially sought to awaken to the presence of Sciences in urban environments and places where they work in their villages of origin. The timing of the Discipline was 17 to 22 January 2011, with a schedule of 45 hours of lessons.Keywords: Science. Science Teaching. Indigenous Education.

1 Projeto “Etnociência e Educação em Ciências: conexões para o Ensino de Ciências utilizando indicativos do saber ambiental” (364/CAP/UFMT/2010), do Programa de Doutorado da REAMEC.2 Instituto de Biociências, Departamento de Botânica e Ecologia, Universidade Federal de Mato Grosso. 78060-900 – Cuiabá – MT. [email protected] Pesquisadora participante do Grupo Pesquisas da Flora, Vegetação e Etnobotânica – FLOVET. Rua 13, n 830 E, Centro, Cep: 78300-000, Tangará da Serra – MT. [email protected]

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Introdução

A Educação Escolar Indígena é uma área bastante instigante e que propicia momentos de reflexão profunda para todos que nela se inserem. A atuação entre discentes de origem indígena é um exercício enriquecedor para nós que desempenhamos cotidianamente nossas atividades de docência entre estudantes não-indígenas.

Nesses momentos há oportunidade de propiciar e simultaneamente vivenciar a troca de saberes entre os estudantes indígenas e professores e ainda entre os próprios estudantes que representam suas etnias, ambos convivendo neste espaço educacional, que é a sala de aula.

A respeito do contato dos indígenas, com outros saberes, vale considerar as observações de Souza (2003) quando afirma e contextualiza que os múltiplos elementos caracterizam a relação dos povos indígenas com a educação escolar no Brasil, e que os depoimentos e as falas indígenas continuam a revelar uma clara dicotomia entre eles e os “outros”. Entretanto, pode-se ainda refletir que este outro conhecimento advindo desse novo mundo junta-se com aqueles já estabelecidos por meio da cultura.

Sobre a educação não-formal indígena Paes (2002), exemplifica outra forma de transmissão do conhecimento onde não são necessários compêndios e manuais que normatizem a conduta das pessoas, e os mestres são os próprios pais e as demais pessoas adultas da comunidade, num educar contínuo por meio das atividades rotineiras.

Da mesma forma, Carrara (2002) salienta que entre o povo Xavante, é comum no final da tarde encontrar os anciões rodeados de crianças que estão a escutar as expressões e a observar os gestos que compõem a narrativa mítica sobre os diversos animais existentes em seus territórios.

E ainda, nos estudos de Maciel (2010), a respeito da agricultura tradicional realizada pelos índios Halíti em Mato Grosso, evidencia-se que as técnicas de manejo do ambiente para o preparo do roçado são praticadas com a participação de toda a família, incluindo as crianças. Os Halíti detêm conhecimento dos ciclos da natureza, sendo fundamental para o preparo do seu roçado. Nesses momentos a presença dos jovens e das crianças propicia um verdadeiro laboratório para o aprendizado e transmissão desses saberes milenares.

Gatti (2005) salienta que “a educação está imersa na cultura e não apenas vinculada às ciências... A educação coloca-se, no seu modo de existir no social, em ambientes escolares e similares, organizada em torno de processos de construção e utilização dos significados que conectam o homem com a cultura em que se insere e suas imagens, com significados gerais, locais e particulares... cujo sentido se cria nas relações que medeiam seu modo de estar nos ambientes e com as pessoas que estão”.

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Por outro lado, é possível discutir que atendendo aos pressupostos dessa necessidade da Educação Indígena no Brasil, algumas instituições de ensino já adequaram seus conteúdos e metodologias, e, além disso, buscam corpo docente especializado.

A inserção do estudante indígena como um agente construtor deste grande desafio é outro fator marcante neste processo. Como exemplo, é possível observar nas afirmações de Taffarel & Januário (2010) que a forma da transmissão do conhecimento indígena se dava e ainda se dá de forma oral, sendo passado de geração para geração, e que agora para registrar esse saber e para que ele seja reconhecido pela academia, os indígenas estão devolvendo sob a forma de pesquisas. Esta devolução tem se concretizado em publicações de artigos e livros tendo indígenas como autores ou co-autores, onde eles pesquisam suas próprias comunidades.

Nesse sentido, o trabalho realizado com os estudantes indígenas mostrou-se por um lado, repleto de significados, de símbolos e por outro, de interpretações conjuntas, especialmente quando buscadas nos ambientes de vivência de cada qual.

Assim durante as aulas foi estimulada a discussão para que os estudantes indígenas pudessem relatar possibilidades onde os acontecimentos da vida cotidiana na aldeia fossem trabalhados como conteúdo de sala-de-aula, como o exemplo, encontrado em Maciel (2010) onde em uma atividade escolar em uma aldeia do povo Halíti, as crianças indígenas elaboraram a pedido da professora indígena um etnocalendário, marcando os meses do ano baseados no período de disponibilidade de algumas frutas do cerrado, como por exemplo: o mês de janeiro era marcado como época de colher o abacaxizinho-do-mato denominado na língua Halíti de wenore e o mês de dezembro de colher buriti ou isoe na língua indígena.

Dessa forma, o conteúdo previsto para a nossa Disciplina, para estimular as discussões contemplavam tópicos como: O que é Ciência; Conhecimento científico, Conhecimento tradicional e Ensino de Ciências; Elementos das Ciências; Ciências da Natureza e Ensino de Ciências; Características do Professor de Ciências; A função da pesquisa no Ensino de Ciências; Instrumentalização sobre o meio ambiente e a sua importância; Povos indígenas e etnoconhecimento; A prática cotidiana do Professor de Ciências.

Com a intencionalidade da experimentação os trabalhos foram conduzidos e as análises e demais interpretações foram consubstanciando a relação ensino-aprendizagem. Lima et al. (1999) já salientam a experimentação, especialmente quando se considera esta relação e demais componentes que permeiam a teoria e a prática.

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Carvalho et al. (2008) mostram que “o cerne da educação brasileira tem passado por várias tentativas de mudança e uma delas vem ocorrendo no campo da Educação Indígena que há muito tempo necessita de uma atenção especial para que possa desenvolver-se e transforma-se no campo das suas especificidades. Afirmam ainda que essa educação necessita de procedimentos teórico-metodológicos que possam contribuir para a transformação da comunidade escolar na qual está inserida”.

Sobre a Educação Escolar Indígena, vale ainda salientar a contribuição de Collet (2006) quando discute e apresenta pressupostos que apontam para a preparação de “sujeitos plenos e produtivos de seu grupo étnico”. Por outro lado, Cohn (2004) mostra aspectos importantes dos processos de ensino-aprendizagem e a escola indígena

Vale ainda destacar as importantes contribuições de Paula (1999), Ferreira (2001), Cavalcante (2003), Pompêo (2003), Grupioni (2006), Pérez (2007), Brostolin & Cruz (2009), Romero-Medina (2010) tratando desta temática e aspectos correlatos, fornecendo dados substanciais para a realidade da Educação Indígena.

Dessa forma, os objetivos propostos na Disciplina foram: verificar a importância das Ciências, especialmente das Ciências da Natureza; desenvolver atividades teóricas e práticas sobre elementos das Ciências e o cotidiano, e intensificar a abordagem sobre as práticas do Ensino de Ciências, especialmente entre povos indígenas.

Procedimento Metodológico

A experiência com os estudantes indígenas foi realizada no período de 17 a 22 de janeiro de 2011, com carga horária de 45 horas-aula. Estavam representadas as seguintes etnias: Aweti, Bakairi, Bororo, Chiquitano, Ikpeng, Kalapalo, Kuikuro, Nafukuá, Paresi, Rikbaktsa, Tapirapé, Terêna, Umutina, Xavante, Zoró, totalizando 54 estudantes. As interlocuções diárias foram feitas por meio das seguintes técnicas: aulas expositivas, aulas práticas, seminários e respectivas apresentações, estudos em grupo, produção de textos e desenhos, caminhada pela cidade de Barra do Bugres, obtenção de fotografias, exposição em varal dos trabalhos realizados, projeção de filmes.

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As Atividades

Além das aulas expositivas, foram realizadas as seguintes atividades:

A) As práticas:

1. Projeção de uma figura que representava a evolução do ser humano. Foi solicitado aos estudantes que observassem a mesma e por meio de um pequeno texto individual, interpretassem o significado da mesma.

2. Produção de um texto individual: O que é Ciência no meu entendimento?

3. Em grupos: Recortar em jornais e revistas notícias sobre Ciências. Após, preparação dos painéis, colocação nas paredes da sala, apresentação, discussão, relatório em grupo da atividade.

4. Caminhada educativo-ambiental na cidade de Barra do Bugres (em grupos): com a finalidade de observar e anotar a presença das Ciências (duração: 2 horas). Após, preparação de um texto, apresentação e discussão dos resultados.

5. A alimentação na minha aldeia. A alimentação na cidade: listagem e preparação de painéis (em grupos), apresentação e discussão.

6. As nossas roças: produção de textos individuais e respectivos desenhos. Apresentação e discussão.

7. Exposição em varal dos trabalhos realizados, na área externa do

prédio, apresentação dos trabalhos para os convidados.Por meio destas atividades foram sendo evidenciadas a partir do

conhecimento dos estudantes, inseridos na realidade das suas aldeias, as formas de como aspectos relacionados ao cotidiano dos mesmos, poderiam ser tratados na difusão da Ciência e do Ensino de Ciências nas Escolas Indígenas.

A) Os filmes/vídeos:

1. Crianças indígenas.2. Roças Paresi: intercâmbio de raízes e sementes.3. Um pé de que? 3.1. A sapucaia no Rio de Janeiro. 3.2. O quebracho do pantanal de Corumbá. 3.3. A Jurema dos Cariri-Chocó (de Alagoas).4. Mulheres Xavante.

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As Expressões dos Estudantes: revelações educativas

A seguir apresentamos algumas expressões reveladoras, manifestadas pelos estudantes indígenas, sobre aspectos relacionados ao conteúdo socializado na Disciplina:

“A região de cada povo indígena tem o tempo determinado para cada planta” (Bruno, Bororo).

“Os temas principais que os Professores de Ciências podem trabalhar com as crianças indígenas são: processo de construção das casas tradicionais, fabricação de alimentos (preparo), confecção dos artesanatos, a relação da Ciência com a natureza, plantas medicinais, fabricação do arco e flecha par certas utilidades, utensílios e outros” (Xawapare’ymi Genivaldo, Tapirapé).

“Poluição é um ato provocado pela ação humana... nos rios, nos solos, na atmosfera...” (Daniel, Tapirapé).

“A Ciência é organizada de conhecimentos, especialmente obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e em método próprio. Também para construir uma teoria explicativa do fenômeno” (Fernando, Zoró).

“Saber empírico é o conhecimento passado de geração para geração através do ver-fazer-experimentar a prática e aprender” (Lucas, Xavante).

“O conhecimento científico resulta da investigação reflexiva, metódica e sistemática da realidade. Ela transcende ...” (Rozinete, Umutina).

“Para a Ciência nada é imutável e sim uma busca constante” (Valdevino, Umutina).

“Muito estudo, investigação, experiência e experimento, assim cada vez mais a Ciência está crescendo” (Maiua, Ikpeng).

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REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

“O Professor de Ciências é um mediador do conhecimento científico, incentivador das ações científicas, mas que também tem método específico no seu plano” (Mateus, Terêna).

“Os indígenas têm a prática da observação que é importante para se fazer Ciência” (Kleber, Bororo).

“Muitos dos conhecimentos indígenas serviram para contribuir com a Ciência atual, como os saberes dos medicamentos através das ervas medicinais” (Loike, Kalapalo).

“Assim os povos indígenas vêm acompanhando a evolução da humanidade, mas sem deixar de praticar a sua cultura” (Beatriz, Rikbaktsa).

“... Ciência é um modo de pensar” (Waranaku, Aweti).

“O Professor de Ciências na Educação Indígena tem como base fundamental trabalhar os temas que são mais comuns, para ensinar as crianças” (Roberto, Chiquitano).

“Fenômeno é tudo aquilo que acontece espontaneamente” (Rosa, Bakairi).

“O crescimento da Ciência é feito através do conhecimento científico” (Apalakatu, Kuikuro).

“A máquina fotográfica veio modificando por meio de estudos do ser humano, sobre Ciência” (Aigi, Nafukuá).

“O se humano sempre estuda e pesquisa para o crescimento da Ciência” (Alinor, Paresi).

“A evolução está presente em nossa vida em todos os mementos, quer dizer, são mudanças de um estágio para outro ...” (Paulo Henrique, Rikbaktsa).

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Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário e sua equipe, pelo convite e oportunidade de participar desta prazerosa experiência.

Aos Estudantes Indígenas que com seus depoimentos contribuíram para a ampliação do conhecimento recíproco a respeito do rico universo indígena.

Referências Bibliográficas

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS

Gabrielle Balbo Crepaldi1

Elias Januário2

Resumo: Os povos indígenas são de grande importância histórica no Brasil e no Mundo e isso não poderia ser diferente no Estado de Mato Grosso, um estado de grande extensão demográfica e que detêm grande riqueza e a presença de 42 etnias. Essas etnias há muito tempo lutam pela implementação de programas educacionais específicos, diferenciados e voltados para o seu cotidiano dentro das suas escolas, dentre eles, a qualificação e habilitação em nível superior dos professores para trabalharem nas escolas das aldeias, pois só através dela vários problemas poderão ser estudados e propostas elaboradas que viabilizem melhores condições de vida para a comunidade de uma forma geral. No entanto, a implementação da Educação Escolar Indígena foi um processo longo e cheio de conflitos até os dias atuais. A Faculdade Indígena Intercultural do Estado de Mato Grosso tem atuado junto a outros órgãos no processo de qualificação e habilitação de professores indígenas, bem como tendo em suas diretrizes a manutenção de sua cultura, apoiando assim a publicação de material didático nas línguas faladas pelas etnias para que os mesmos sejam utilizados nas escolas e se tornem um registro de sua cultura e tradição.

Palavras – Chave: Povos Indígenas, Educação Escolar Indígena, Faculdade Indígena Intercultural.

Abstract: Indigenous peoples are of great historical importance in Brazil and around the world and it could not be different in the State of Mato Grosso, a state of great extent and population who hold great wealth and the presence of 42 ethnic groups. These ethnic groups have long struggle for the implementation of specific educational programs, differentiated and focused on their daily lives within their schools, among them the skills and qualifications in higher education teachers to work in schools in the villages, because only through it several problems can be studied and proposals made which enable a better life for the community in general. However, 1 Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado de Mato Grosso - Cáceres – MT. Email: [email protected]. Bolsista da CAPES2 Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT, Diretor da Faculdade Indígena Intercultural e Bolsista da CAPES - [email protected].

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS

the implementation of the Indigenous Education was a long process full of conflicts to the present day. The Indigenous Intercultural University of the State of Mato Grosso has worked with other agencies in the qualification process and enabling indigenous teachers, as well as having in its guidelines to maintain their culture, thus supporting the publication of educational materials in languages spoken by ethnic groups that they are used in schools and to become a record of their culture and tradition. Keywords: Indigenous Peoples, Indigenous Education, Indigenous Intercultural University.

Introdução

Quando falamos de comunidades indígenas estamos falando da memória viva do nosso país e do mundo todo, pois esses povos aqui habitam há milhares de anos e possuem tradições únicas e ricas em crenças.

O Estado de Mato Grosso, bem como grande parte do Brasil é composto de várias comunidades indígenas com suas culturas. Esses povos estão distribuídos nos três biomas que formam o Estado de Mato Grosso: pantanal, cerrado e floresta amazônica.

Os impactos que as aldeias vêm sofrendo, em grande parte, têm origem nas grandes fazendas de monoculturas que as circulam.

Esta situação está evidenciando novos problemas de ordem cultural, econômico e ambiental, com destaque para a alimentação indígena, que juntamente com o processo de mudança ocasionado em todo o Brasil após a revolução verde, a cada dia que passa, sofre novas modificações, como destaca Barbosa (2010), quando se refere ao processo de mudança da passagem do consumo familiar para o consumo individual.

Nas sociedades tradicionais a unidade de produção como a de consumo era a família ou o grupo doméstico. As famílias produziam em grande parte para o consumo de suas próprias necessidades de reprodução física e social (BARBOSA, 2010, p.19).

Sabemos que para que esses problemas possam ser solucionados o principal caminho será através da educação, por meio da elaboração e implementação de políticas públicas adequadas para essas comunidades. Isso deve acontecer com a participação de lideranças das comunidades, pois essas têm o conhecimento dos problemas reais enfrentados que, em cada bioma ocorre de maneira diferenciada.

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Os Povos Indígenas no Estado de Mato Grosso.

Segundo dados da FUNAI, o Estado do Mato Grosso, possui uma população indígena de 25.123 pessoas, estando elas distribuídas em 42 etnias, sendo elas: Apiaká, Arara, Aweti, Bakairi, Bororo, Cinta Larga, Enawené-Nawê, Hahaintsú, Ikpeng, Irantxe, Juruna, Kalapalo, Kamayurá, Karajá, Kayabí, Kayapó, Katilaulú, Kreen-Akarôre, Kuikuro, Matipu, Mehináko, Metuktire, Munduruku, Mynky, Nafukuá, Nambikwara, Naravute, Panará, Paresi, Parintintin, Rikbaktsa, Suyá, Tapayuna, Tapirapé, Terena, Trumai, Umutina, Waurá, Xavante, Chiquitano, Yawalapiti, Zoró (FUNAI, 2010).

O Estado está localizado na região Centro Oeste do país e está distribuído dentro de três biomas brasileiros: Pantanal, Cerrado e Floresta Amazônica, é um dos maiores Estado do Brasil em extensão Territorial, com uma área total de 903.357,908 km², e uma população total estimada para 2010 de 3.033.991 hab, segundo dados do IBGE/2002. (Figura 1)

Figura 1 – Estado de Mato Grosso e descrição conforme a densidade demográfica dos Municípios.

Fonte: adaptada de SNVS, 2009.

A tabela (1), a seguir, demonstra os povos indígenas existentes em Mato Grosso, a população de cada um desses povos, bem como seu grupo linguístico e a localização de cada povo, através da tabela podemos observar

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que a etnia indígena onde a população é mais expressiva é a dos Xavante seguida pelos Nambikwara e Paresi.

As etnias com menor população são Tapayuna com 45 habitantes e Myky com 69 habitantes.

Muitas dessas comunidades com o passar do tempo perderam suas terras de origem e foram levadas para outras localidades, por vários motivos, sejam eles de colonização do Estado, bem como programas de desenvolvimento do Estado.

Tabela 1 - Localização, população e grupo linguístico por etnia no Estado de Mato Grosso

Povo Indígena População Grupo Linguístico

Localização

Apiaká 167 Tupi Guarani JuaraArara 160 Tupi-Rama-Rama Aripuanã e ColnizaAweti 114 Tupi-Rama-Rama Gaúcha do NorteBakairi

900 Karib Nobres, Paranatinga e

Planalto da SerraBororo 1.030 Macro-Jê General Carneiro,

Rondonópolis, Santo Antonio do Leverger e Barão do Melgaço

Chiquitano 270 Aruak CáceresCinta-Larga 982 Tupi-Mondé Aripuanã e JuínaEawenê-Nawê 315 Aruak Sapezal, Comodoro e

JuínaGuató 38 Barão de MelgaçoIkpeng 281 Karib Feliz Natal Irantxe 280 Língua isolada BrasnorteKayapó (Mebengôkre)

800 Jê Peixoto de Azevedo, São José do Xingu.

Kalapalo 362 Karib QuerênciaKamayurá 317 Tupi Guarani Gaúcha do NorteKarajá 1.624 Macro-Jê Vale do Araguaia, entre

os Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso e Pará

Kayabi 892 Tupi Guarani Juara.Kuikuro 404 Karib Gaúcha do NorteMatipu 98 Karib Gaúcha do NorteMehinaku 183 Aruak Gaúcha do Norte

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Myky 69 Língua isolada BrasnorteMunduruku 89 Tupi Juara.Nahukwá 92 Karib Gaúcha do NorteNambikwara 1.511 Língua não

classificada.Comodoro, Pontes Lacerda, Nova Lacerda e Sapezal.

Panará 285 Macro-Jê São Félix do Xingu e Guarantã do Norte.

Paresi 1.189 Aruak Tangará da Serra, Diamantino, Campo Novo do Parecis, Pontes e Lacerda, Comodoro e Sapezal.

Rikbaktsa 910 Macro-Jê Brasnorte, Juara e Cotriguaçu.

Suyá 245 Macro-Jê QuerênciaSurui 218 Tupi Mondé ArupuanãTapayuna 45 Macro-Jê São José do XinguTapirapé 475 Tupi Guarani Santa Terezinha Terena 285 Aruak RondonópolisTrumai 102 Isolada Feliz NatalUmutina 280 Macro-Jê Barra do BugresWaurá 280 Aruak Gaúcha do NorteXavante 12.480 Macro-Jê Água Boa, Paranatinga,

Nova Xavantina, Barra do Graças, Campinápolis, Novo São Joaquim, Canarana, Ribeirão Cascalheira e General Carneiro.

Yawalapiti 212 Aruak Gaúcha do Norte Yudjá (Juruna)

225 Tupi Marcelândia

Zoró 340 Tupi-Mondé Rondolândia.

P o p u l a ç ã o Total

28.510

Fontes: adaptada de CIMI, ISA e Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso

Terras Indígenas e os Biomas de Mato Grosso

A cultura indígena é rica em tradições e costumes, que estão sendo transmitidos de geração para geração, dentre esses costumes se destaca a questão alimentar, seus hábitos alimentares, cercados de mitos, rituais e tradição, isso não é diferente nas etnias do estado do Mato Grosso, muitas

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS

delas segundo o livro “Culinária Indígena”, publicado em 2009 pela Faculdade Indígena Intercultural, ricas em mitos a respeito da origem dos alimentos, as restrições alimentares, bem como os rituais para o preparo de algumas receitas (JANUÁRIO, 2009).

O Estado de Mato Grosso abriga em seu território vários povos indígenas que lhe conferem características de um Estado pluricultural e multilinguístico. Além disso estão distribuídas dentro do Estado em três Biomas, sendo eles, Cerrado, Amazônia e Pantanal, como mostra a figura (2).

É importante ressaltar que a relação da alimentação desses povos com o Bioma onde estão inseridos é eminente, tendo em vista que isso está diretamente relacionado com a disponibilidade e presença de alguns alimentos característicos da região.

Figura 2 – Terras Indígenas de Mato Grosso e sua distribuição em Biomas.Fonte: adaptada de SNVS, 2009.

O Estado de Mato Grosso possui uma biodiversidade muito alta tanto em nível macro de biomas quanto micro de espécies. Esta diversidade de biomas propicia então uma grande quantidade de habitats diferenciados que abrigam uma abrangência de espécies com características próprias e específicas ao seu ambiente. Esta diversidade de condições bióticas e abióticas faz com que o elemento humano presente na região também possa caracterizar-se e expressar-se de forma distinta dependendo das condições de cada município e sub-região. Por isso, pode-se constatar que Mato Grosso possui uma gama de manifestações culturais bastante diversificada, cada qual

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com um ambiente bastante peculiar de ocupação. Mesmo sendo um estado que abrange biomas tão importantes, os avanços desenfreados e desmedidos do processo de mecanização da agricultura, do crescimento de áreas de monocultura, das queimadas não controladas, da extração madeireira sem manejo estão levando à destruição e erosão dos recursos genéticos. Esses acontecimentos põem em risco o próprio processo natural de reconstituição da vegetação e de manutenção das populações que nela vivem (MORAIS, et. al., 2002).

Impactos das Monoculturas Agrícolas nas Terras Indígenas do Estado de Mato Grosso

As comunidades indígenas atualmente ocupam áreas que anteriormente não eram de seus povos, as mesmas foram transferidas para esses locais pelo Estado. Na maioria dos casos essas áreas encontram-se inférteis, muitas não possuem rios próximos e, além disso, fazem divisas com grandes fazendas de monoculturas, isso tem feito com que as comunidades indígenas mudem seus hábitos alimentares, pela falta de alimento em suas terras, ou pelas mesmas se encontrarem impróprias. Esse cenário fica ainda mais problemático levando-se em conta que essa mudança já vem ocorrendo de forma natural dentro dessas comunidades após o contato do índio com o não índio.

Podemos analisar essa realidade na figura (3) que vem trazendo as Terras Indígenas do Estado de Mato Grosso e as terras onde ocorre o cultivo de agricultura, no entanto o cenário atual está um pouco modificando, pois áreas que antes não tinham a prática dessa atividade atualmente já fazem uso.

Dos 141 municípios do Mato Grosso, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2008, apenas 44 (ou 31,2%) não cultivam soja ou não tinham registro dessa atividade. No mesmo ano, 54 cidades (ou 38,3%) tinham entre 10 mil e 575 mil hectares de soja. O avanço rápido do grão no Mato Grosso não deixou de afetar as populações indígenas. Das 78 Terras Indígenas (TIs) listadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ao menos 30 ficam em municípios com mais de 10 mil hectares de soja (SAKAMOTO, et. al, 2010).

A expansão da soja nas cercanias das Terras Indígenas não necessariamente resulta em relações entre as partes ou impactos sobre os índios, mas reforça uma preocupação já manifestada pelo Movimento Indígena do Cerrado. Em documento resultante de reunião realizada no final de 2008, a organização Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC) afirmou que “o estado do Mato Grosso e o maior produtor de soja do Brasil, sendo esta atividade uma das principais causas do desmatamento

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no Cerrado e da degradação ambiental nas cabeceiras dos rios que drenam as Terras Indígenas, colocando em risco a segurança alimentar, a cultura e a vida física e espiritual das comunidades indígenas” (SAKAMOTO, et. al, 2010).

Como é um dos maiores vetores de desmatamento do Cerrado, a soja é grande consumidora de agrotóxicos, consolidando o modelo monocultor e introduzindo a transgenia no Centro-Oeste. A soja vem acompanhada de uma grande carga de impactos sobre o ambiente onde está inserida. Degradação, erosão, empobrecimento e desertificação do solo, destruição das matas ciliares, contaminação de cursos d’água, disseminação das queimadas (que anualmente vitimam milhares de animais silvestres e causam graves doenças respiratórias principalmente em crianças), pulverização de venenos sobre pequenos agricultores, indígenas e suas plantações, introdução de um novo paradigma de consumo capitalista entre as populações tradicionais e aprofundamento do preconceito e do racismo contra os indígenas são alguns “efeitos colaterais” da sojicultura e de sua proposta de desenvolvimento (SAKAMOTO, et. al, 2010).

Figura 3 – Terras Indígenas e o cultivo de soja no Estado de Mato Grosso.Fonte: Sakamoto, 2010.

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A Educação Escolar Indígena no Brasil.

Tendo em vista que a educação é um dos caminhos para o fortalecimento cultural e a base de ensinamentos relacionados a leis e direitos indígenas é que se justifica essa contextualização da educação escolar indígena no Brasil e em Mato Grosso.

A escola como lugar de ensinar a ler e escrever tem uma história muito longa e complexa. Em se tratando das escolas indígenas há muitas críticas, mas deve-se reconhecer também que há esforço, por parte do Estado, de ONGs, missionários, intelectuais, pessoas comuns, para tornar efetivas as soluções dos problemas que abrangem essa questão (LEAL, 2006).

Segundo Luciano (2006), educação se define como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema cultural de um povo, englobando mecanismos que visam a sua reprodução, perpertuação e/ou mudança.

O direito a uma Educação Escolar Indígena - caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas e pela revitalizada associação entre três esferas: escola, comunidade e identidade cultural. Com o apoio das comunidades são elaborados projetos que possam beneficiar o seu povo, ela foi uma conquista das lutas relacionadas a povos indígenas, bem como com seus aliados e um importante passo em direção da democratização das relações sociais no país para que novas políticas públicas fossem assim implementadas.

A educação escolar indígena refere-se aos processos próprios a escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder as novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global (LUCIANO, 2006).

Desde 1957, que o Continente Americano, vem dando ênfase gradativa à Educação Escolar Indígena. O primeiro instrumento internacional especificamente destinado a reconhecer os direitos mínimos dos povos indígenas foi a Convenção adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre “a proteção e a integridade das populações aborígenes e outras populações tribais e semi-tribais nos países independentes” (RCNEIs, 1998).

Em 1973 é promulgada a lei 6001, conhecida como “O Estatuto do Índio”, no artigo 49 afirma: “A alfabetização dos índios far-se-á na língua do grupo a que pertence, em Português, salvaguardando o uso da primeira”. Mas a educação indígena teve realmente seu espaço marcado na legislação

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS

brasileira só em meados de 1986, quando são criados, em vários estados do Brasil, nas Secretarias de Educação dos Estados, os Núcleos de Educação Indígena (NEIs). Passos maiores só aconteceram com a Constituição Brasileira de 1988 (LEAL, 2006).

Em 1988, o Ministério da Educação e Desporto, Secretaria de Educação, publicam o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEIs), que configura o perfil tipológico das escolas indígenas (LEAL, 2006).

A demanda acentuada do interesse pelo processo educativo escolar, que poderá ocorrer no futuro, pode transformar a escola em um ponto central nas comunidades indígenas. Além disso, os professores de hoje farão parte, em breve das lideranças da aldeia. Resta saber se a seleção e reelaboração das culturas feitas por esses indivíduos contemplarão os pontos necessários na construção de um futuro razoável para as novas gerações (PEGGION, 1997).

Educação Escolar Indígena em Mato Grosso

No Estado de Mato Grosso em meados dos anos de 1980 iniciou-se uma política educacional voltada para os povos indígena. Já em 1987 cria-se na Secretaria de Estado de Educação, dentro da Coordenadoria de Educação Básica, a Divisão de Educação Escolar Indígena e Ambiental com o objetivo de dar assessoramento às escolas indígenas ligadas aos Municípios e a FUNAI. No mesmo ano a Secretaria decide incorporar a idéia de desenvolver um Núcleo de Educação Indígena (NEI). Participaram desse Núcleo diversas instituições do Poder Público, organizações não governamentais e representantes dos povos indígenas do Estado. Na primeira fase de existência, o NEI caracterizou-se como um fórum de discussão, com a preocupação de discutir as demandas das escolas das aldeias e definir políticas de educação escolar indígena para o Estado (MENDONÇA, 2007), (LEAL, 2006).

Em 1989 a Constituição do Estado de Mato Grosso mostra-se preocupada com a política indigenista e a educação escolar indígena. Em 1991, os Governos Estaduais e Municipais assumiram a educação indígena em lugar da FUNAI criando uma política de educação indígena. Em 1992 na SEDUC constituiu-se a equipe de educação escolar indígena solidificada e estruturada nos anos seguintes com o decreto governamental n. 265/95 de 20/07/1995. Foi criado também o Conselho de Educação Escolar Indígena (CEI), como órgão consultivo deliberativo e de assessoramento vinculado à equipe de Educação Escolar Indígena, no mesmo ano forma-se a Superintendência de Ensino e Currículo, com o objetivo de acompanhar as ações e projetos da Educação Escolar Indígena desenvolvidas junto aos

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povos indígenas do Estado de Mato Grosso e começa a ser elaborado o Projeto Tucum, implantado em 1996 e concluindo em 2000.

O Projeto Tucum teve como objetivo habilitar professores índios, para o exercício da docência, possibilitando o acesso e desenvolvimento escolar por meio do diálogo intercultural, das condições de desenvolvimento para o processo educativo fundado na valorização da cultura, na produção do conhecimento por meio de processos incentivando a elaboração de proposta curricular diferenciada, bilíngue e intercultural para as escolas indígenas em que atuam.

Essa proposta pretendeu convergir com o projeto de futuro de cada sociedade, levando em consideração a própria realidade cultural, social e linguística (MENDONÇA, 2003).

Em 2001, cria-se no Estado o 30 Grau Indígena para a formação de professores em nível Superior, que tem início em 2001, no município de Barra do Bugres.

Faculdade Indígena Intercultural

A história da Educação Indígena em Mato Grosso foi marcada por alguns eventos importantes e decisivos no sucesso desta causa, no ano de 1995 foi criado o Conselho de Educação Escolar Indígena - CEI/MT, que se constituiu num espaço de discussão, reflexão e luta pela Educação Escolar Indígena. Este fato fortaleceu em Mato Grosso o movimento dos professores indígenas que passaram a reivindicar a formação continuada por meio de cursos específicos e diferenciados.

Em 1997, após a conferência Ameríndia, foi criado pelo Governo do Estado a Comissão Interinstitucional e Paritária que iniciou as discussões sobre a formação de professores indígenas em nível superior. A Comissão era constituída por representantes da SEDUC/MT, FUNAI, CEE/MT, CEI/MT, UFMT, UNEMAT, CAIEMT e representantes indígenas (F. I. I, 2011).

A Faculdade Indígena Intercultural da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) é resultado de discussões iniciadas no ano de 1997 envolvendo vários segmentos da sociedade civil, representantes indígenas, órgãos governamentais e não-governamentais, com o objetivo de implementar Cursos de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas. Em 2001, teve início a 1ª turma dos cursos de licenciatura, com a implantação do Projeto de Formação de Professores Indígenas, conhecido como 3º Grau Indígena, com a realização do vestibular nos meses de março/abril e o início das aulas no mês de julho. Em janeiro de 2005, tiveram início as aulas para a 2ª turma dos cursos e, em junho do

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ano seguinte, a 1ª turma concluía as atividades do curso, sendo realizada a Colação de Grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 estudantes indígenas (JANUÁRIO, 2010).

Ainda segundo o autor, na perspectiva de fortalecer as ações desenvolvidas em prol da formação superior de povos indígenas ao longo desses últimos 10 anos e estendê-las para outras áreas de conhecimento, em agosto de 2007, o projeto foi transformado no Programa de Educação Superior Indígena Intercultural (PROESI). Em janeiro de 2008 iniciaram as aulas para a 3ª turma dos cursos de licenciatura. Com a realização do II Congresso Universitário da UNEMAT, em dezembro de 2008, foi aprovada a criação da Faculdade Indígena Intercultural, incorporando as ações relacionadas a Educação Superior Indígena (JANUÁRIO, 2010).

A Faculdade tem por objetivo executar os cursos de licenciatura existentes, proporcionar a abertura de novos cursos de licenciatura e de bacharelado, a abertura de vagas e o acompanhamento de estudantes indígenas em cursos regulares e em cursos de Pós-Graduação, a elaboração de cursos de extensão e formação continuada de indígenas, a publicação da produção acadêmica gerada pelos estudantes indígenas e pelos docentes, e a implantação de um espaço permanente de valorização da cultura e preservação da memória indígena. Em janeiro de 2009, tiveram início as aulas da primeira turma, específica para indígenas, do Curso de Especialização em Educação Escolar Indígena, que concluiu as atividades em janeiro de 2010 com 55 especialistas. Em julho de 2009, a 2ª turma concluiu as atividades com 90 licenciados (FACULDADE INDÍGENA INTERCULTURAL, 2011).

No total a Faculdade Indígena Intercultural já formou 276 professores capacitados para desenvolver suas atividades em sala de aula das suas aldeias, levando um ensino de qualidade junto as suas comunidades.

Por meio dos cursos ofertados a Faculdade representa uma proposta de ensino fundamentada numa educação específica e intercultural, voltada para a realidade das comunidades indígenas, buscando um diálogo intercultural entre os diversos saberes.

Além disso, esses professores estão ocupando papéis importantes dentro de suas aldeias, como lideranças ou até mesmo fonte de inspiração para os mais novos que pretendem seguir seus passos, e assim trazer cada dia mais benefícios para a sua aldeia e para os povos indígenas de uma forma geral.

Considerações Finais

O Estado de Mato Grosso é rico em cultura, tradições e biodiversidade, esta ramificada em sua amplitude, modificando apenas dentro

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de seus biomas, pois os mesmos são dotados de características próprias, como: solo, clima, fauna, flora, dentre outros. No entanto, os impactos ambientais aos quais o Estado tem sofrido não variam em grande escala, estes em sua maioria ocorrem devido ao desmatamento, ações antrópicas, agricultura, pecuária, dentre outros.

Infelizmente as comunidades indígenas do Estado em grande parte não ficam livres desses impactos e também estão sendo afetadas, afetando assim sua cultura e uma série de tradições, as mesmas estão inseridas dentro de áreas não cultiváveis ou rodeadas por grandes fazendas de agricultura e pecuária, e nesse sentido estão se vendo “obrigadas” a modificar seus hábitos diários, como na alimentação, no plantio e colheita das roças, na pesca, bem como em festas tradicionais que precisariam de utensílios que não é possível mais conseguirem no ambiente em que estão inseridas.

Nesse sentido pensamos que a educação é um dos caminhos para que novas políticas públicas sejam criadas, propiciando o fortalecimento da cultura dos povos indígenas.

A Faculdade Indígena Intercultural vem desenvolvendo um papel de destaque nesse processo, através da formação em nível superior de professores indígenas para que os mesmos possam atuar dentro de suas aldeias.

Referências Bibliográficas

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS

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MOSAICO INTERCULTURAL E CÓDIGOS DE VALORES NA LICENCIATURA INDÍGENA EM MATO

GROSSO, BRASIL1

Sandra Maria Silva de Lima2

Elias Januário3

Resumo: Apresentamos um Mosaico Intercultural rejuntado com os princípios da Interdisciplinaridade e Interculturalidade no Ensino Superior Indígena em Mato Grosso, Brasil. Com abordagem qualitativa e apoiada na metodologia da pesquisa ação colaborativa com 12 etnias teve como objetivo estudar o Direito Ocidental, Indigenista e Indígena, além dos códigos de leis e valores das comunidades que enfatizaram a prática da tolerância, do respeito à diversidade resulta na interação entre índios e não índios. Nas narrativas das experiências, dos desafios na docência e na aprendizagem revelaram o compromisso de formar e multiplicar o conhecimento nas escolas indígenas com diretrizes específicas, bilíngues, diferenciadas e de participação comunitária. Palavras-chave: Ensino Superior. Educação Intercultural. Direito Indígena. Mosaico.

Abstract: We present a Mosaic Intercultural rejuntado with the principles of Interdisciplinarity in Higher Education and Intercultural Indigenous Mato Grosso, Brazil. Using a qualitative approach and supported in collaborative action research methodology with 12 ethnic groups aimed at studying the Law of West Indian and Indian, and codes of laws and values of communities that emphasized the practice of tolerance, respect for diversity results in the interaction between Indians and non Indians. In the narratives of the experiences, challenges in teaching and learning revealed a commitment to train and multiply knowledge in indigenous schools with specific guidelines, bilingual, differentiated and community participation.Keywords: Higher education. Intercultural Education. Indigenous Law. Mosaic.1 Texto elaborado a partir da dissertação de mestrado intitulada Mosaico de Interculturalidade: aspectos sobre o Direito Indígena apresentada na Universidade do Estado de Mato Grosso na pós-graduação em Mestrado em Ciências Ambientais sob orientação do Professor doutor Elias Renato da Silva Januário defendida em 2009. 2 Mestre em Ciências Ambientais, Bacharel em Direito pela UNEMAT e Docente da Faculdade Indígena Intercultural.3 Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT, Diretor da Faculdade Indígena Intercultural e Bolsista da CAPES.

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Introdução

Ao resgatar a história da institucionalização do ensino superior indígena em Mato Grosso, no contexto das políticas públicas educacionais encontramos na Faculdade Indígena Intercultural em Barra do Bugres (Mato Grosso) um cenário que busca efetivar direitos consagrados constitucionalmente aos povos indígenas no Brasil.

Neste ambiente delineamos um mosaico intercultural rejuntando fundamentos da pesquisa qualitativa e documental para ressignificar a trajetória e os prognósticos de sustentabilidade da Educação Superior Indígena e relatar uma atividade docente com o estudo do Direito Ocidental, Indigenista e Indígena durante o último ciclo de duração do Programa de Ensino Superior Indígena Intercultural (PROESI) em 2008.

Estudantes das 12 etnias revelaram para a comunidade acadêmica os códigos de leis, valores, costumes e formas de convivência nas aldeias e reconheceram que são possíveis de serem reconhecidos se houver a prática da tolerância; respeito à identidade, aos conhecimentos e às riquezas naturais nas Terras Indígenas preceitos estabelecidos pelo Socioambientalismo e orientados pela Constituição Cidadã.

Educação intercultural indígena

O Brasil há mais de duas décadas da promulgação da Constituição Federal reconheceu aos povos indígenas o direito de manter suas formas próprias de organização social, valores simbólicos, tradições, conhecimentos, processos de constituição de saberes e a transmissão cultural para as gerações futuras para promover uma escola diferenciada.

A educação escolar indígena é a conquista de um espaço, de uma escola que não mais apregoe a imposição de valores e assimilação de uma cultura dominante, mas que seja caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas e pela valorização das línguas e seus conhecimentos.

Tomando como base as características da escola indígena pautada na interculturalidade, no bilinguismo ou multilinguismo, na especificidade, na diferenciação e na participação comunitária se faz necessário ressignificar esses conceitos para compreender os caminhos e desafios.

Fleuri (2002) discorre que as relações interculturais apontam para um “confrontar-se com estranhos não são relações fáceis e tranquilas. São relações profundamente conflitivas e dramáticas”. Mas servem para descobrir as possibilidades criativas e evolutivas das relações entre grupos e contextos culturais diferentes enfrentando os problemas da homogeneização

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cultural, da hierarquização e exclusão social no currículo escolar. Nos cursos de formação de professores indígenas, comparados aos de professores da rede pública ou privada, este contexto fica mais evidente, pois são povos com outras línguas e culturas bem como outros processos de aprendizagem.

A inspiração para a política governamental de formação de professores, veio de programas não-governamentais na década de 1980 e 1990, com anseios dos povos indígenas por autonomia, conhecimento da sociedade brasileira e defesa de suas terras e seus direitos.

Os marcos iniciais foram a Conferência Ameríndia de Educação e o Congresso de Professores Indígenas do Brasil realizados em novembro de 1997, com aproximadamente 2 mil pessoas de 12 estados brasileiros e de nove países da América Latina que debateram as políticas públicas para oferta de educação específica diferenciada, de qualidade e em todos os níveis aos indígenas (MEDEIROS e GITAHY, 2008).

Mindlin (2003) questiona: “quantos de nós, no trabalho cotidiano, refletimos sobre a pluralidade cultural, sobre valores preconceituosos impostos no dia-a-dia, sobre a exclusão e a desigualdade escamoteadas ou ignoradas no sistema educacional?” e essa imposição preconceituosa cristaliza a marginalização de múltiplas culturas e saberes.

Isto nos impulsiona a refletir a questão da tolerância, da não-exclusão, que para Brito (2008) não advém de um sentimento caridoso, nem da resignação diante de um acontecimento inevitável, mas de um olhar de respeito à singularidade do “Outro”.

A interculturalidade aprecia a diversidade cultural no processo de ensino e aprendizagem, mas para isso a escola deve trabalhar os valores, os saberes tradicionais e as práticas de cada comunidade, garantindo o acesso aos conhecimentos e tecnologias da sociedade envolvente, pois só assim haverá interação e participação cidadã.

Collet (2006) ao tratar da preocupação com a diferença cultural que esconde a desigualdade político-econômica aborda uma dupla reação por parte dos índios aos projetos de educação específica e diferenciada. A primeira vê a educação intercultural como forma de inserção na sociedade e a segunda reação traz um sentimento discriminatório e excludente, pois querem a escola da aldeia nos mesmos moldes da escola do branco, com o mesmo material e os mesmos conteúdos curriculares.

Os professores indígenas têm a incumbência de analisar dois mundos, o étnico e o “ocidental”. Há um nível de exigência, pois se espera que esses professores compreendam toda sociedade, o ensino e a pedagogia, sendo necessária a flexibilização dos currículos.

Segundo Maher (2006) nesse processo de formação têm que, “o tempo todo, refletir criticamente sobre as possíveis contradições embutidas

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neste duplo objetivo, de modo a encontrar soluções para os conflitos e tensões daí resultantes”.

Outra característica do professor indígena é ser “guardião da herança cultural” de seu povo, é responsável em registrar os conhecimentos tradicionais, conduzir os diálogos na comunidade, liderar as discussões e negociações de seu povo, entre outras incumbências.

Desse modo, a proposta de educação é formulada junto com os professores indígenas, considerando o seu saber e do seu povo como um patrimônio, permitindo que a ação educativa esteja em consonância com a concepção educativa do grupo, contribuindo para a revitalização e manutenção das práticas culturais de cada povo.

Representação do Mosaico Intercultural

Para reunir vivências multiculturais utilizou-se como pano de fundo a representação de um mosaico para colar percepções, conceitos e códigos de valores dos estudantes e da comunidade porque não fazia sentido excluir pessoas, lugares, emoções e perspectivas.

A arte musiva tem um significado de conexão, de sintonia, é a reunião de duas peças que se transformam em uma terceira, assim como a educação intercultural que faz o interagir, a reunião de duas ou mais culturas - neste caso a indígena e a não indígena – que no agrupar, colar e rejuntar saberes e experiências resulta no Mosaico Intercultural.

Segundo o mosaicólogo Henrique Gougon4, a técnica traduz um “modelo de comunhão e entendimento”, pois é ensinado em programas sociais para adolescentes favorecendo “troca de informações e de emoções”. Outro exemplo, como “os grupos de discussão que animam e sustentam o entusiasmo de quem faz mosaico, assim como abrem espaço para os que querem começar”. As confrarias e cafés ateliê configuram esses espaços.

Revelando o lócus da pesquisa

A Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) foi pioneira na América Latina em oferecer para os indígenas o ensino superior. Em 06 de junho de 2006, a primeira turma concluiu as atividades com a colação de grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 acadêmicos indígenas de 44 etnias, dentre os quais 19 eram de outros estados brasileiros. A segunda e terceira turmas iniciaram em 2005 e 2008, respectivamente.

4 Jornalista, artista plástico. Mais detalhes ver em: http://gougon2.tripod.com/

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Os cursos funcionam em regime seriado especial, de formação em serviço, totalizando dez semestres. A etapa presencial é realizada de forma intensiva e presencial nos meses de janeiro/fevereiro e julho/agosto no campus de Barra do Bugres-MT, onde são ministradas 210 horas-aula em cada semestre, distribuídas em 8 horas diárias de estudo, além de atividades complementares no período noturno para as Licenciaturas em Ciências Matemáticas e da Natureza, Ciências Sociais em Línguas, Artes e Literaturas.

A etapa de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa (intermediária) acontece nos períodos em que os estudantes indígenas estão ministrando aulas nas escolas das aldeias, entre o intervalo de uma etapa presencial e outra, tanto no campus como nas aldeias com atividades de ensino, pesquisa e leituras complementares.

Mindlin (2003) enfatiza que essa modalidade de formação de professores em serviço, “sem interrupção de sua carreira de magistério, feita em períodos concentrados de tempo para não prejudicar as tarefas didáticas, é uma das grandes invenções do sistema de ensino”, é uma ação afirmativa que compensa uma parcela da população que teve negado acesso à escola e ao ensino universal.

Dentre os intercâmbios estabelecidos, a Faculdade Indígena firmou a carta de entendimento entre os Centros Associados da Universidad Indígena Intercultural da América Latina e Caribe (U.I.I.) para articular as ações na execução de programas, projetos e ações de formação, capacitação e educação superior indígena. A rede é constituída pelo Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe (Fondo Indígena) e mais de 20 instituições ligadas ao Ensino Superior, em países como Bolívia, Peru, Equador, Chile, Colômbia, México, Brasil e outros da América Latina e Caribe.

O Museu Indígena tem recursos aprovados para compra de equipamentos bem como terreno a ser construído para expor mais de 50 mil documentos escritos, seis mil fotos, 150 fitas de vídeo e mais de 500 peças de artesanato de diversas etnias. Possui um acervo bibliográfico com 3521 livros, revistas, trabalhos de conclusão de curso, apostilas encadernadas que se encontram na biblioteca central para consulta de todos os universitários e comunidade.

No que se refere à produção acadêmica, intelectual e literária indígena tem um Projeto Editorial que divulga a produção dos universitários e docentes em publicações não comercializadas, distribuídas para instituições e solicitações. Quatro séries de publicações nomeadas como Institucional, Periódicos, Experiências Didáticas e Práticas Interculturais.

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Caminhos do mosaico intercultural

A narrativa foi a forma de escrita escolhida, pois tem na experiência seu principal ingrediente, mais que sabores, ela traz as cores e os acordes do tempo e do espaço. Benjamim (1994) destaca na narrativa o compartilhar experiências, a valorização dos anônimos, a importância das falas como fontes que constituem um legado para a posteridade, assim as narrativas têm sido utilizadas nas diversas áreas do saber.

Como metodologia utilizou-se a pesquisa ação colaborativa baseada nos ensinamentos de IBIAPINA (2008), pois neste tipo de investigação aproximamos duas dimensões da pesquisa em educação, quer sejam a produção de saberes e formação contínua de professores nos processos de estudo de problemas em situação prática que atendam às necessidades do agir profissional para intervenção e transformação da comunidade.

Fleuri (2000) destaca que a educação intercultural se configura como uma “pedagogia do encontro” e neste encontro/confronto de narrações diferentes configura uma ocasião de crescimento para o sujeito, uma experiência não superficial e incomum sendo imprevisível seu resultado final. Algumas narrativas de professores que desenvolveram atividades apontam indicadores de construção e condução desta modalidade de ensino.

A professora Jurandina Sales destacou as dificuldades encontradas nos momentos de preparação fundamentais para interação e integração de alunos, professores e auxiliares pedagógicos. A preocupação com o aprendizado percorre caminhos que vão além das práticas didáticas os quais ela demonstrou satisfação em contribuir.

A professora Hébia Thiago de Paula, bióloga descreveu a importância de vivenciar valores dentro do contexto da Universidade e reforçou a questão do compromisso do docente com as dificuldades dos estudantes com ações de respeito e credibilidade.

O Professor José Simoni da Universidade Estadual de Campinas fez um comparativo entre o desejável e o possível, entre os dois modelos de escola. Relatou sobre a importância da atuação de dois docentes ao mesmo tempo e com visões diferentes, pois muitas vezes, o professor não consegue perceber ao mesmo tempo de sua fala, qual é o problema do aluno e qual deve ser a estratégia a ser usada. Um segundo docente percebe isso mais claramente e pode intervir com a ferramenta apropriada.

A professora Marinez Nazzari da área de linguagem enfatizou as diretrizes da educação intercultural. Preponderou a preocupação com a linguística, tanto com o português e a língua materna e observou a dificuldade do planejamento e do caminhar entre os dois mundos, entre as diversidades culturais, mas que possibilita a reflexão sobre o processo formativo e o engajamento sensibilizado de professores da sociedade envolvente.

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Mosaicos com Antropologia, Direito e Legislação

Para vivenciar uma atividade intercultural foi ministrada a disciplina Direito e Legislação que possibilitou construir conceitos de Direito Indígena a partir da abordagem do Direito Ocidental e do Indigenista com ênfase no estudo da Antropologia Jurídica.

Os estudantes colaboradores pertencem a 12 etnias: Apiaká, Aweti, Bororo, Kayabi, Mebêngôkre, Mehinako, Paresi, Tapirapé, Terena, Umutina, Xavante, Zoró e residem em 22 aldeias representando 14 cidades de Mato Grosso.

Colaço (2008) caracteriza a Antropologia Jurídica como o estudo do Direito das sociedades simples; das instituições do Direito da sociedade contemporânea; do Direito comparado entre diferentes sistemas jurídicos, sejam de sociedades primitivas ou modernas e do pluralismo jurídico com múltiplos sistemas normativos, que ignoram o monismo estatal defendido e aplicado pelo Estado que aceita apenas uma forma de dizer o Direito.

Para Geertz (1989) olhar dimensões simbólicas da ação social - arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum - não é afastar dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas sem emoção, mas mergulhar nelas.

Os alunos responderam um questionário sobre o Decreto nº 6040/2007 que trata dos povos e comunidade tradicionais e relataram como multiplicaram as informações na aldeia. Para essas percepções não foram estabelecidos critérios e nem metodologias de abordagem, funcionando de maneira livre o que possibilitou a produção de novos conceitos.

O professor Jair Tunã da etnia Zoró relatou que fez a oficina numa segunda-feira à noite, na aldeia Anguj Tapua, junto com a Comunidade sobre Desenvolvimento Sustentável. Estavam presentes quase todos da comunidade. Explicou os detalhes do decreto e a comunidade gostou porque apóia o trabalho das comunidades indígenas e se preocupa com meio ambiente e com o futuro das comunidades. O projeto da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) apóia o nosso trabalho de coleta da castanha e está apoiado neste decreto com muitas possibilidades de trabalho.

Direito Ocidental, Indigenista e Indígena

O currículo específico e intercultural difere de outras Universidades, pois observa as necessidades da comunidade tornando-a um espaço privilegiado, multicultural, promotor do diálogo entre as etnias e os professores valorizando o conhecimento prévio.

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Os temas escolhidos versaram sobre Direito Constitucional, Ambiental, das Mulheres, dos Idosos, da Criança e do Adolescente, Consumidor e Direitos Indígenas. O conteúdo foi construído e enriquecido com legislações, reportagens e textos complementares, com ênfase no que estava acontecendo na mídia e no Congresso Nacional.

Vários questionamentos previamente formulados ressaltaram a auto afirmação como requisito essencial para o movimento e as políticas públicas indígenas. Destacamos um texto sobre a percepção do significado do Direito.

O mundo atual nos mostra que temos direitos, não porque o “homem branco” impôs esse direito, mas sim porque isso já vem desde o principio de nossas vidas como povos indígenas. O fato é que ocorre por muitas vezes, não conhecer esses direitos e deixando o não índio decidir algo por nós. O direito existe, mas o que acontece é que são contrariados por muitos que tem o entendimento disso, por exemplo, os juízes, que por inúmeras vezes por interesse financeiro violam esses direitos. Mas uma coisa é certo, nosso direito não existe quando nós não há provocamos e fazer ou conhecer esses direitos e correr atrás deles, isso é essencial para nossa defesa como cidadão.(Eziel Rondon -etnia Terena)

A busca pelo reconhecimento dos direitos indígenas é primordial para que a visibilidade aconteça. Só é possível quando observado à luz do Pluralismo Jurídico que reconhece a sociedade plural. Diante disso, é imprescindível que outros sistemas jurídicos, escritos ou não, devam ser observados, posição esta defendida por SANTILLI (2005) que enfatiza que a compreensão desses direitos “depende da libertação de concepções positivistas e formalistas do Direito e do monismo jurídico que não admite a diversidade de sistemas jurídicos desenvolvidos pelos povos tradicionais”.

Os Códigos de Valores das aldeias possibilitaram a socialização entre os estudantes que conheceram costumes e leis de outras comunidades indígenas, além de divulgar e materializar no âmbito da Universidade a existência dessas leis.

Destacamos relatos de cada etnia e aspectos da multietnicidade dos indígenas.

ETNIA MEBÊNGÔKRE: A relação do Direito do meu povo existe entre os homens e as mulheradas, como música, festa, pintura e alimento comestível. A regra do

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costume do povo, completamente desigual do passado como atual. A casa dos homens nenhuma mulher não pode entrar e nem menino, que não é rapaz. Quando tiver a festa da mulher nenhum homem comparecer no meio. Tem a regra também para o homem e mulher (casal) quando ter primeiro filho, o homem nem aparece na casa do homem e nem andar em qualquer rumo, no pátio da aldeia e nem a mulher também. Só pode quando ele vai se pintar e a mulher também. Tem muita coisa que existe ainda na nossa tradição. E o Direito Penal mesmo muito complexo na nossa sociedade. (Txuakre)

ETNIA KAYABI: Eu como moro dentro da minha aldeia e vejo que o direito do meu povo Kayabi é não casar com próprio parente. O costume é casar com a mulher que não faz parte da família ou casar com a filha do tio ou tia. Quando a mulher tem filho novo, não pode trabalhar, não pode comer carne de bichos somente pode comer peixinho como sardinha, e nem acender fogo, senão pode fazer mal para crianças, só pode fazer depois de 3 meses. E respeitar os mais velhos, tudo isso existe na minha comunidade. (Arlindo)

ETNIA UMUTINA: Antigamente no costume do povo Umutina era considerado pecado maior: não bater nos filhos, nunca perder sua flecha e não casar com primos(as). Hoje isso não acontece mais, agora com o chefe do posto que é índio e com o jovem cacique juntos com outras lideranças estão trabalhando muito nestas questões tradicionais. Nós Umutina consideramos como costumes: ex; quando bate o timbó a moça que está menstruada não pode ir pegar peixe, porque não morre; quando os jovens for fazer uma apresentação cultural não pode esquecer de usar os trajes tradicionais da dança e também não pode faltar a bebida e comida tradicional da cultura do povo Umutina. Esses são uns dos costumes que existe na Aldeia dos Umutinas. (Rosiney)

ETNIA XAVANTE: Existem a legislação na etnia Xavante, que considera como a lei os nossos ancestrais

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e divide-se de dois clãs. Essa divisão é muito importante para os povos Xavante, mais vivem unidos, se aconteceu o brigar no mesmo clã e outro clãs separa para ser em paz. Esses dois clãs têm direito respeitar de outros clãs. O casamento também é mesmo, os Xavante não se casado em qualquer pessoas, tem nome de dois clãs Po’redz’ono e Owawe, se for homem Po’redz’ono ele faz casamento com a mulher Owawe. Assim é o casamento, mais os homens e as mulheres não podem brincar o mesmo clã, sabemos eu nós todos Xavante próprio da nossa legislação tem que cumprir e respeitar, o que temos próprio direitos. Adolescente que considera o padrinho como se fosse o pai, o padrinho que dar conselho para que não pode fazer alguma coisa errada. Porque tem os anciões que acompanhando a nossa legislação, e eles têm mais poderes. (Cosme) ETNIA ZORÓ: O Direito do povo Zoró, os costumes nossos assim, por exemplo, quando o jovem quer casar com a menina, ele tem que trabalhar e ajudar o pai dela. O pai da menina observa a ele, como ele trabalha, se ele está com preguiça, ele não vai casar com a menina. Esse o nosso Direito do povo Zoró. (Edmilson)

ETNIA TERENA: Na comunidade terena existe costumes, leis, regras. E leis e regras são ditas pelo cacique que a comunidade respeita muito. Existe o trabalho coletivo, em que é marcado um dia específico para um mutirão na aldeia. Todos os homens e crianças de 12 anos de idade acima devem participar. Se acaso alguns dos membros da aldeia obrigados a comparecer não fizer presente, ele é punido com tarefas a fazer dentro da comunidade. A mesma punição acontece quando alguns dos membros da aldeia cometem algo errado fora ou dentro da aldeia, e não importa se homem ou mulher. O cacique reúne com as lideranças decide em que tarefa os infratores irão ou deverão fazer por um dia, dois dias, uma semana ou até um mês dependendo do ato cometido. E não esquecendo, é claro, que isso vale para todos aqueles(as) que são de acima de 12 anos de idade. (Eziel)

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ETNIA BORORO: Na minha aldeia tem dois clãs. O casamento é feito nos clãs diferentes, não pode ser do mesmo, porque na cultura não é permitido. Desde pequeno a família orienta e aconselha para se tornar um homem de bem, honesto e justo, seja dentro da aldeia ou lugar onde estiver. Quando namora e decide casar, não pose com a mulher do mesmo clã. Quando o individuo da aldeia comete um delito, que seja grave, por exemplo, um homicídio, ele responde essa pena no Código Penal da Justiça. E com certeza ele cumpria essa punição na cadeia. (Juscinei)

ETNIA PARESI: Na infância da mulher, ela pode ver a flauta sagrada. A partir de receber a primeira menstruação é impedida (porque pode fazer mal pra ela). Somente o homem pode dançar com as flautas e ser tocadas, sem ser vista pelas mulheres adultas. A xixa(bebida) é preparada somente pelas mulheres. O casamento é feito, somente com aceitação dos pais e dos próprios casais. (Cecílio)

ETNIA MEHINAKO: Na nossa aldeia existe outra lei que somente a etnia Mebêngôkre utiliza tradicionalmente durante a vida do povo como, por exemplo, casamento tradicional tem que optar e conversar com pai se ele pode casar com a menina que gostou. O pai e a mãe do rapaz aceita concordam com o casamento dele durante a festa ela está comprometida de casar no inicio da festa. Ele casando e dentro da casa da sogra e do sogro é proibido ele não pode conversar com a cunhada, com o sogro e a sogra é o direito de ele respeitar a família dos outros, motivo ele está recém casado. (Kokopieti)

Considerações finais

O estudo do Direito para os indígenas alcança a dimensão de existir enquanto povo e do respeito como sujeito de direitos. “Temos que conhecê-lo, entendê-lo e saber manuseá-lo também” frisaram os estudantes ao discutir os

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códigos positivados, as leis indigenistas e revelar o Direito Consuetudinário de suas comunidades.

Identificaram como problemáticas sociais a criminalidade, o alcoolismo, a prostituição e as drogas, tornando-se necessárias políticas públicas voltadas para combater esses problemas, como educação de qualidade e efetivo respeito às diferenças culturais.

Aspectos legais, econômicos e socioambientais foram debatidos considerando a auto-identificação dos povos e seu reconhecimento, a propriedade comunitária e privada, assim como interesses na gestão dos recursos ambientais das Terras Indígenas e a reivindicação de inclusões e exclusões de temas inseridos no cenário legislativo. Os indígenas e a sociedade envolvente deverão conduzir o processo de interação e convivência, desmistificando as práticas de integração, assimilação e aculturação promovidas antes da Constituição Federal de 1988 no Brasil.

O mosaico intercultural possibilitou o exercício proposto nos princípios de interdisciplinaridade e da interculturalidade, a construção de novos conceitos, valorizando o cotidiano das aldeias e o compartilhar com outras culturas a união na luta por direitos.

Referências bibliográficas

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O MANEJO DAS ROÇAS INDÍGENAS E SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE LOCAL.

Leilacir Beltz1

Elias Januário2

Resumo: O manejo das roças indígenas são um exemplo da relação estabelecida com o meio ambiente, nessa cultura de cultivar as roças que as comunidades indígenas colocam em prática seus conhecimentos tradicionais e estabelecem uma estreita relação com o meio ambiente. Este trabalho teve como objetivo identificar de que forma se estabelece o manejo das roças indígenas com o meio ambiente, a metodologia teve abordagem qualitativa através de entrevistas semi-estruturada com alunos da Faculdade Indígena Intercultural - UNEMAT. Apesar da ressignificação cultural que tem modificado algumas práticas indígenas, ao estudar as roças de toco das sociedades indígenas do Estado do Mato Grosso, foi evidenciado várias práticas culturais que revelam a estreita relação existente entre o manejo das roças e o meio ambiente, sendo evidente o imenso respeito que os povos indígenas têm com natureza.Palavras- chaves: Roças indígenas, manejo, meio ambiente.

Abstract: The management of indigenous gardens are an example of the relationship established with the environment in this culture to cultivate the gardens that indigenous communities put into practice their traditional knowledge and establish a close relationship with the environment. This study aimed to identify how they establishes the management of indigenous gardens with the environment, the methodology was a qualitative approach using semi-structured interviews with students from Indigenous Intercultural University - UNEMAT. Despite the cultural redefinition that has changed some indigenous practices, by studying the fields of play of the indigenous societies of the State of Mato Grosso, it was evident that many cultural practices reveal the close relationship between the management of the gardens and the environment, it is evident the immense respect that indigenous peoples have with nature.

Keywords: indigenous gardens, management, environment.1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado de Mato Grosso – Cáceres – MT. Email: [email protected]. Bolsista da CAPES.

2 Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT, Diretor da Faculdade Indígena Intercultural e Bolsista da CAPES

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Introdução

Para o Tratado de Educação Ambiental para Comunidades Sustentáveis e de Responsabilidade Global, a educação ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade.

Para as comunidades indígenas, o referido Tratado, destaca que:

A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a diversidade cultural, lingüística e ecológica. Isto implica uma revisão da história dos povos nativos para modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular a educação bilíngüe. E ainda, que a EA deve, valoriza as diferentes formas de conhecimento. E que este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser patenteado ou monopolizado.

Seguindo este pensamento, os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas no que se refere às suas relações homem/natureza, adquirem cada vez mais um importante significado no cenário da crise ambiental em que se encontram todas as demais sociedades.

Um exemplo da relação estabelecida com o meio ambiente nas comunidades indígenas é a prática da roça de toco, também conhecidas como: pousio, roças itinerantes ou coivara.

Muñoz (2003) apoiada nas idéias de Bellón (1993), sustenta que os manejos tradicionais dos recursos e a agricultura das comunidades indígenas podem ter papel importante na geração de novas tecnologias que resultem eficientes, sustentáveis e apropriadas para os camponeses.

Para Leff (2002), as condições culturais refletem e influenciam diretamente no equilíbrio do ambiente natural. A cultura está integrada dentro das condições gerais de uma produção sustentável; as identidades étnicas e os valores culturais, assim como as práticas comunais para o manejo coletivo da natureza foram e são a base para o desenvolvimento do potencial ambiental para o desenvolvimento sustentável de cada região e cada comunidade.

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O MANEJO DAS ROÇAS INDÍGENAS E SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE LOCAL.

Metodologia

Para o trabalho proposto a metodologia aplicada teve caráter qualitativo, através de análise documental, pesquisas em trabalhos produzidos sobre o tema pelos alunos da Faculdade Indígena Intercultural na Área de Ciências da Natureza e da Matemática, que se encontram arquivados no Acervo Joana Saira, na sede da Faculdade, no Campus Universitário da UNEMAT, no município de Barra do Bugres - MT. Também através de entrevistas semi-estruturadas com alunos de diferentes etnias presentes na Faculdade Indígena Intercultural e também em algumas aldeias indígenas do estado de Mato Grosso, buscando analisar o maior número de etnias indígenas possível.

Embasando-se na descrição densa proposta por Geertz (1989), utilizei da etnografia para descrever com a maior riqueza de detalhes possíveis o processo de fazer uma roça e as suas implicações com o meio ambiente local.

Segundo Muñoz (2003) etnografia como método é uma valiosa ferramenta da antropologia para o estudo do meio ambiente sob a perspectiva da cultura.

Para Ludke e André (1986)

A entrevista representa um dos instrumentos básicos para a coleta de dados, sendo uma das principais técnicas de trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais (Ludke e André, 1986, p. 33)

Ainda segundo as autoras a grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos (Fig. 1 e 2).

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Figura 1: Entrevista na aldeia Umutina – Barra do Bugres – MT. Foto: Lenin Abadie Otero (2010).

Figura 2: Entrevista na aldeia Rio Verde- etnia Paresi – Tangará da Serra – MT. Foto: Fernando Fernandes Neri (2010).

A análise documental pode constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema (Ludke e André 1986).

Segundo Geertz (1989), a descrição densa não se caracteriza pela quantidade de dados, mas sim pelo quanto se aprofunda em algo que esclarece, que possa transmitir mais informações. Para o autor, para fazer etnografia, primeiro o etnógrafo terá que “aprender” para depois “apresentar”, e isso se dá através de suas atividades: selecionar e entrevistar informantes, transcrever textos, manter um diário, observar rituais entre outras atividades.

Sobre o trabalho etnográfico o autor afirma ainda que:Fazer etnografia é como tentar ler um manuscrito estranho,

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desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (Geertz, 1989, p. 20).

O autor defende ainda que a etnografia apresenta quatro características: ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social; a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o “dito” num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis, e ela é também microscópica, mas, essa última característica não significa que não haja interpretação antropológicas em grande escala, de sociedades inteiras, civilizações ou mesmo de acontecimentos mundiais.

Os resultados deste trabalho foram obtidos através de pesquisa bibliográfica em trabalhos realizados pelos alunos da Educação Superior da Faculdade Indígena Intercultural, e também através das entrevistas realizadas no mês de julho do ano de 2010, e no mês de janeiro de 2011 com alunos da Faculdade acima mencionada. Também foram realizadas entrevistas em visitas realizadas nas aldeias. Assim, foram realizadas um total de 32 entrevistas com membros de 18 etnias presentes na Faculdade Indígena Intercultural, como mostra a figura 3.

Figura 3: Entrevista na aldeia Rio Verde- etnia Paresi – Tangará da Serra – MT.Fonte: o Autor.

Resultados e discussões

Quando nos referimos à relação ser humano/natureza, é inevitável reconhecermos, que os povos indígenas são exemplos de superioridade neste assunto, detentores de muitos conhecimentos, desenvolveram ao longo dos tempos modos de vida adaptadas ao meio ambiente local, sobrevivendo de acordo com a sua realidade, aos mais diversos tipos de sistemas ecológicos.

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No manejo das roças de toco, percebe-se claramente a dependência que os povos indígenas mantêm do ambiente e dos recursos naturais presente em suas terras. Uma vez que o cultivo de alimentos na roça depende da disponibilidade de um bom solo para o cultivo, fato este que não é a realidade de todas as etnias, comunidades ou mais particularmente das aldeias indígenas. Esses fatores interferem no cultivo das roças, pois, as espécies cultivadas terão que ser as mais adaptadas ao tipo de solo presente nas mesmas.

Assim, enquanto algumas etnias apresentam uma grande variedade de espécies cultivadas, outras cultivam somente o que é possível, devido ao solo que não é propicio para o cultivo, a exemplo, temos a aldeia Rio verde, etnia Paresi, situada no município de Tangará da Serra – MT, onde o solo é muito arenoso, limitando a variedade de espécies cultivadas.

“As espécies cultivadas são mandioca-brava, mandioca mansa, mandioca d’ água. A terra da aldeia é muito arenosa e não da para plantar outras plantas como o feijão, milho, arroz e batata” (Luziki – Paresi).

Desta forma as comunidades indígenas precisam adaptar o cultivo

das suas roças, de acordo com a sua realidade local, e consequentemente acabam por modificar a sua própria cultura, onde essas acabam perdendo espécies tradicionalmente cultivadas pelo seu povo.

Mas, independente das dificuldades que os povos indígenas enfrentam em seus territórios, é fato que os mesmos procuram viver sempre em harmonia com o meio que os cercam, utilizado e retirando da natureza somente o que é necessário para a sua sobrevivência, procurando garantir que no futuro esses recursos ainda estejam disponíveis para as futuras gerações.

Para as comunidades indígenas a natureza faz parte da vida de cada um, e eles compreendem que são dependentes de tudo que a natureza os fornece, daí provém o cuidado com a mesma, isso fica evidente nos depoimentos dados por alguns indígenas entrevistados.

“A gente tem cuidado com a natureza, por que ela que nos dá alimentos” (Aldeia – Umutina).

Segundo Brandão, (1994), ao estudar o pensamento aborígene sobre o mundo e o seu destino, deixa explicito que o respeito desse povo pela mãe-terra esta profundamente ligado a questões espirituais, assim um descendente aborígene define este respeito ao comparar o deus dos brancos com o deus de seu povo:

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O deus deles está muito longe nos céus, que é o oposto da terra. [...]. Nosso deus não, eles estão aí pelos montes e convivem conosco por toda a parte. Os nossos deuses não estão em, eles são. A própria terra é nossa mãe e ela é viva e, por isso, é fecunda e nos alimenta (Brandão, 1994. p. 17).

Ainda segundo o autor, os índios movem-se em um imaginário regido de parte a parte por uma ou por inúmeras formas de trocas, reciprocidades. Para o autor, os índios estão “naturalmente” imersos no mundo natural, vendo-se a si mesmos como as plantas e os animais com os quais convivem prática e simbolicamente.

“Ela é sagrada por que é o lugar da dádiva, do que é gratuito e dado a todos, sob condição de não ser possuído individualmente e utilitariamente por ninguém”, este é o pensamento do povo aborígene, a respeito da terra onde habitam, segundo Brandão (1994).

Assim, Brandão (1994 p. 26), define três princípios que orientam o sentimento e o saber dos índios a respeito do mundo em que vivem e os seres naturais com que se envolvem: “a terra e seus elementos não são uma coisa, mas um dom; tudo o que existe e é dado ao homem estabelece a obrigação de reciprocidade que dissolve a dualidade entre a natureza e a sociedade e que se atualiza continuamente por meio de trocas de parte a parte; a terra não é somente um lugar, mas um tempo realizado de símbolos e de memórias. Ainda para o autor, assim, como as nossas lembranças existem em livros, filmes e fotografias, imagens e templos, as dos índios existem na terra e como a terra.

“... e a gente nasceu e vive em harmonia com a natureza “parece que isto já está no sangue” e a gente se preocupa em passar para as crianças” (Aldeia - Umutina).

Segundo Muñoz (2003) os mais velhos especialmente os pais, orientam seus filhos dando conselhos, como exemplo do trabalho e atitudes exemplares [...]. Através da vida o pai ou a mãe vai transmitindo o sentido e o valor de ensinar a ser pessoa de trabalho, de cultivo e de convivência comunitária.

O menino e a menina são iniciados em contato íntimo com a natureza de forma prolongada através da

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convivência com a mãe, são ensinados a perceber o seu entorno desde o seio materno ou unidos nas costas da mãe, pelo xale. As primeiras imagens que o infante aprende são as que rodeiam seu habitat, a paisagem e o cultivo (Muñoz, 2003, p. 315).

O respeito à natureza e o valor do trabalho são ensinamentos que desde cedo fazem parte da formação do ser, da pessoa, que para os indígenas está intimamente ligado ao meio que os cercam e o respeito a natureza provém do respeito a mãe terra. Segundo Muñoz o respeito a terra é de origem ancestral e está na memória de todos. Para enfatizar a autora analisa a visão de Eliade 1972, onde o mesmo afirma que esse respeito pela mãe terra aparece em todas as religiões: “A terra é nossa mãe, o céu é nosso pai, o céu fertiliza a terra com a chuva, produz cereais e erva (Eliade, 1972. p. 222).

Para Muñoz 2003, os laços entre os povos e a terra não são só materiais, mas também sagradas, e esse pensamento mantém a cosmovisão:

Imaginar deus [refere-se ao deus católico] não se sabe como, porém a sagrada mãe-terra está aí e é adorada. Se não tivéssemos a mãe-terra ninguém poderia viver neste mundo, ninguém poderia comer, nem pensar. Tudo o que faz a pessoa o faz sobre a terra, até o mal. E ela agüenta tudo, por isso merece respeito. Ela te empresta a vida. A mãe-terra é mãe de Tudo, é mãe das mães: (Juan Hernandez, da Tzajal, Chen, Tenejapa).

Para os povos indígenas é preciso respeitar a mãe-terra, por que seus deuses se fazem presente, e estão ou são a própria natureza. Assim, esse respeito tem origem nos mitos e crenças próprias de cada etnia, isso fica bem evidente em dialogo estabelecido com os índios:

Cada qualidade, árvores e palmeiras, nas palmeiras têm espírito que toma conta das árvores e matas. “Tudo na natureza tem dono e tem um limite para usar” (Aldeia - Umutina).

Assim, é possível compreender como se dá a relação dos povos indígenas com o seu meio ambiente local, qual seu significado e origem, pois se trata de uma convivência harmoniosa estabelecida ao longo das gerações, a natureza, a mãe-terra fornece recursos para a sobrevivência

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dessas comunidades, assim a mesma compreende que é preciso cuidar dela para o bem-estar de seu povo e à retribui respeitando-a.

Conclusões

No manejo das roças de toco indígenas observam-se uma imensa riqueza cultural, representada através dos mitos, crenças, rituais, espécies cultivadas e formas de transmissão de conhecimentos, até mesmo da divisão do trabalho estabelecido entre os homens e as mulheres. Cabe ressaltar que a ressignificação cultural que vem ocorrendo com as comunidades indígenas pode levar ao desaparecimento de alguns hábitos culturais, trazendo prejuízos não somente para os povos indígenas, mas também para as demais sociedades, pois através desta ressignificação pode haver muitas perdas de conhecimentos tradicionais, os quais poderiam trazer muitos benefícios para toda a humanidade.

Apesar da ressignificação cultural que tem modificado algumas práticas indígenas, ao estudar as roças de toco das sociedades indígenas do Estado do Mato Grosso, identificamos várias práticas culturais que denunciam a estreita relação existente entre o manejo das roças e o meio ambiente, nesta relação fica evidente o imenso respeito que os povos indígenas têm com natureza.

Ao estudarmos os métodos utilizados na roças de toco indígena identificamos vários indicativos de sustentabilidade dessas roças, assim, este estudo vem a reconhecer e valorizar estas práticas culturais, as quais podem beneficiar e servir como guia para as demais sociedades humanas que queiram desenvolver atividades agrícolas mais coerentes e compatíveis com a conservação do meio ambiente.

Os métodos usados pelos indígenas para a construção das suas roças propiciam uma interação harmônica com o meio ambiente, visto que ao longo dos tempos os indígenas, vem adquirindo e desenvolvendo técnicas, pelas quais os mesmos buscam retirar da natureza somente o necessário para a sobrevivência de seu povo, sem agredir ou causar grandes danos ambientais.

As técnicas utilizadas no manejo das roças indígenas identificadas neste estudo, são compatíveis com a conservação ambiental, pois ao mesmo tempo em que fornece subsídios para a sobrevivência dessas comunidades, elas evitam grandes problemas ambientais, como poluição por agrotóxicos, erosão do solo, assoreamento de rios e lagos, empobrecimento do solo, além de proporcionar a regeneração do solo e da vegetação através do sistema de rotação de cultura.

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Cabe ressaltar aqui que as comunidades indígenas a muito tempo estão sendo indicadas, como sociedades exemplares, pela relação harmônica e recíproca estabelecida com a natureza e pelos conhecimentos tradicionais que as mesmas detém, assim, salienta-se que, para que toda a humanidade possa usufruir dos benefícios oferecidos pelos saberes indígenas, torna-se necessário que estes conhecimentos tradicionais sejam estudados, revitalizados, reconhecidos e valorizados, antes que os mesmos se percam no tempo.

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ESTUDANTES INDÍGENAS NO CURSO DE ENFERMAGEM: NOTAS DE UMA EXPERIÊNCIA NA

UNEMAT

Larissa Maria Scalon Lemos 1

Elias Januário2

Resumo: Esta comunicação revela a trajetória dos alunos indígenas no Curso Regular de Enfermagem da Universidade do Estado de Mato Grosso, em Cáceres, resultado de uma parceria estabelecida com a FUNASA por meio do Projeto Vigisus II. Apresentamos as estratégias dos alunos para conseguir permanecer nos curso, a metodologia utilizada pela UNEMAT para apoiar os alunos e as expectativas dos enfermeiros indígenas com a conclusão do curso.Palavras Chave: Indígenas. Enfermagem. Formação Superior.

Abstract: This report shows the trajectory of indigenous students in Regular Course of Nursing, University of Mato Grosso, Cáceres, the result of a partnership with FUNASA through Project Vigisus II. We present strategies to get students to stay on course, the methodology used by UNEMAT to support students and expectations of indigenous nurses with the completion of the course.Keywords: Indigenous. Nursing. Higher Education.

Apresentação

A Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT é uma instituição pública estadual de ensino superior do Estado de Mato Grosso, criada em 1978, com a finalidade de manter cursos de formação superior para professores de 1º e 2º graus. No decorrer dos seus trinta anos de funcionamento, passou por mudanças de denominação, estrutura organizacional e de expansão, com a criação de vários Campi Universitários e abertura de novos cursos, entre eles os de Bacharelado.1 Mestre em Ciências da Saúde. Docente de Farmacologia no Departamento de Enfermagem na UNEMAT, responsável pelo acompanhamento pedagógico dos alunos do Projeto Vigisus II.2 Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT, Diretor da Faculdade Indígena Intercultural, Bolsista da CAPES.

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Até 1989, a Universidade se manteve apenas com o campus de Cáceres. A partir dessa data teve início a política expansionista, que levou a UNEMAT aos seus 11 campi e vários Núcleos de Apoio Pedagógico espalhados por todo o Estado de Mato Grosso. Desde a sua transformação em Universidade, em 1993, a possibilidade de atuar em outras áreas do conhecimento fez surgir os cursos de bacharelado, consolidando cada vez mais, a importância desta Instituição pública e gratuita para Mato Grosso.

Atualmente a UNEMAT desenvolve suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, abrangendo as áreas: Ciências Biológicas, Ciências Exatas e da Terra, Ciências da Saúde, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Agrárias, Lingüística, Letras, Engenharias, Pedagogia do Campo e Educação Escolar Indígena.

Dos cursos de graduação oferecidos, a grande maioria ainda é de licenciatura, resultado da sua função inicial de formação de professores. Entretanto, os cursos de bacharelado passam a constituir essa lista em proporções cada vez mais crescentes. Em 2001, foi implantado o primeiro curso de graduação na área da Saúde: o curso de bacharelado em Enfermagem, no Campus Universitário de Cáceres. Os outros surgiram anos depois, como curso de bacharelado em Enfermagem, desta vez no Campus Universitário de Tangará da Serra, em 2005, e o curso de licenciatura em Educação Física, também no Campus Universitário de Cáceres, em 2006.

O curso de bacharelado em Enfermagem do Campus de Cáceres surgiu atendendo a uma demanda decorrente do fato do município ser um pólo regional de saúde. Através de um consórcio, atende a 26 municípios nas áreas de neurologia, ortopedia, oftalmologia, cirurgias gerais, otorrinolaringologia, entre outras. Além disso, a inauguração do Hospital Regional de Cáceres, em 2002, centro de referência em traumatologia, aumentou a demanda de profissionais de saúde, que já era grande até então.

O curso tem por fundamentação o modelo assistencial holístico, com enfoque maior na prevenção e promoção da saúde. Nesta perspectiva, procura formar alunos preparados para o enfrentamento de condições diversas em que poderá utilizar-se de práticas individuais e coletivas de promoção, prevenção, proteção, manutenção, tratamento e reabilitação, fundadas na cidadania e na ética. A atenção primária é o foco principal.

A formação de professores indígenas na UNEMAT

Em 2001 a UNEMAT iniciou as aulas do Projeto de Formação de Professores Indígenas - 3º Grau Indígena, resultado da luta do Conselho de Educação Escolar Indígena - CEI/MT pela formação continuada - por meio de cursos específicos e diferenciados - e do trabalho da Comissão

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ESTUDANTES INDÍGENAS NO CURSO DE ENFERMAGEM: NOTAS DE UMA EXPERIÊNCIA ...

Interinstitucional e Paritária, constituída por representantes da SEDUC/MT, FUNAI, CEE/MT, CEI/MT, UFMT, UNEMAT, CAIEMT e representantes indígenas, que iniciou suas atividades em 1997.

Dez anos depois, em 2007, o Projeto foi transformado em Programa de Educação Superior Indígena Intercultural – PROESI, e em 2008, na Faculdade Indígena Intercultural.

O Programa forma professores indígenas em serviço nas áreas de Línguas, Artes e Literatura, Ciências Matemática e da Natureza e Ciências Sociais. Com duração de 5 anos e uma carga horária total de 4.025 horas, os cursos estão estruturado em 10 Etapas de Estudos Presenciais, 10 Etapas de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa (Etapas Intermediárias), Estágio Curricular Supervisionado e Trabalho de Conclusão de Curso. Obedecem a um regime especial e são desenvolvidos de forma intensa e presencial nos períodos de férias e recessos escolares, com atividades cooperadas entre docentes e cursistas nos períodos em que estes estão ministrando aulas nas escolas indígenas.

Em julho de 2006 foram graduados 186 alunos da primeira turma, sendo que atualmente duas novas turmas estão em curso, totalizando 140 alunos. A Faculdade passa agora a investir também na formação de pós-graduação, com a abertura de curso de Especialização em Educação Escolar Indígena e a oferta de vagas no Programa de Mestrado em Ciências Ambientais.

A Faculdade Indígena Intercultural atende mais de 32 etnias em dezenas de aldeias distribuídas nos municípios do Estado de Mato Grosso. Essa experiência resultou em várias publicações da produção gerada tanto por acadêmicos quanto pelos docentes dos cursos, abrangendo desde trabalhos apresentados pelos acadêmicos para uso em suas escolas e aldeias, materiais de divulgação, até periódicos produzidos e editados pela Faculdade.

Fundamentado na interculturalidade e na interdisciplinariedade, a Faculdade tem sua práxis pedagógica ancorada no respeito às tradições culturais e sociais dos povos indígenas. A estruturação curricular é diferenciada, integrando conhecimentos de caráter geral e específico, e conhecimentos étnicos, garantindo o respeito e a manutenção da diversidade cultural de cada etnia.

A construção do currículo prevê também a adoção de temas transversais. São temas abrangentes, desenvolvidos de forma integrada ao longo de todo o curso, que proporcionem reflexões e ações sobre assuntos presentes no cotidiano de cada sociedade. Dentre os temas elencados, através de indicações apresentadas pelos representantes indígenas na Comissão de elaboração e as proposições expressas no RCNEI e nos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC, está a Educação para a Saúde.

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Trabalhado na forma de oficinas, seminários ou mesmo como parte da estrutura curricular, o tema Educação para a Saúde sempre atrai a atenção e desperta grande curiosidade dos estudantes indígenas. A proximidade com a sociedade não índia e a interferência desta nos costumes das comunidades indígenas, tem acarretado problemas de saúde diversos, antes inexistentes entre esses povos.

O diabetes, o alcoolismo e as doenças sexualmente transmissíveis são temas recorrentes durante o curso, muitas vezes por solicitação dos próprios alunos, em razão da crescente incidência dessas doenças em comunidades indígenas. A ânsia dos alunos por conhecimento nessas e em outras áreas da saúde, como a reprodução, gestação, alimentação, etc, mostrou a necessidade de que eles próprios tenham uma formação nessa área, para que possam, eles mesmos, gerirem a saúde das suas comunidades, respeitando as suas tradições culturais. Isso trouxe uma reflexão no sentido de se criar um curso superior de Enfermagem específico para alunos indígenas.

Enfermeiro indígena: desafios e conquistas

Em meio a esse contexto, chega até a UNEMAT a proposta do Projeto Vigisus II da FUNASA, para oferta de vagas específicas para alunos indígenas nos cursos regulares de Enfermagem.

Em razão do seu histórico em ações de políticas afirmativas e da experiência acumulada na Educação Escolar Indígena, a UNEMAT, por meio de suas instâncias, encampou prontamente a proposta e, por meio de um aditamento feito ao edital do Concurso Vestibular 2006/2, foram disponibilizadas as 5 vagas no curso de bacharelado em Enfermagem de Cáceres-MT, especificamente para candidatos indígenas.

Apesar dos 15 candidatos inscritos, apenas 3 vagas foram efetivamente preenchidas, 2 com estudantes da etnia Umutina, provenientes do município de Barra do Bugres-MT, e a terceira com um estudante da etnia Karajá, proveniente da região do Araguaia. Houve uma desistência, antes mesmo da efetivação da matrícula, de um outro candidato aprovado, da etnia Nambikwara.

Por meio de um acordo com a coordenação do Projeto Vigisus II, as 2 vagas não preenchidas foram novamente disponibilizadas, nas mesmas condições, no Concurso Vestibular seguinte, em 2007/1. Destas, apenas uma foi preenchida, novamente com uma estudante da etnia Umutina, também proveniente do município de Barra do Bugres.

A entrada dos estudantes na Universidade se deu de forma tranquila, tanto pelos alunos quanto pelos docentes. Como o curso é oferecido em período integral, os alunos dedicaram-se exclusivamente às atividades

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ESTUDANTES INDÍGENAS NO CURSO DE ENFERMAGEM: NOTAS DE UMA EXPERIÊNCIA ...

acadêmicas. Foram muito esforçados, assíduos e atentos em sala de aula. Mesmo tendo apresentado dificuldade de compreensão, em especial nas disciplinas que requerem capacidade de abstração, demonstraram um bom aproveitamento no processo de aprendizagem. O apoio de colegas nos estudos e atividades acadêmicas foi de grande relevância para esse resultado satisfatório.

O acompanhamento pedagógico foi realizado por um professor e um bolsista do curso de Enfermagem. Consistia em duas ou três reuniões semanais, onde eram discutidos assuntos comuns a todos, no que se referia ao andamento das atividades, dificuldades, notas, entre outros, além das monitorias individuais em horários pré-agendados.

A partir de 2008/1, quando os primeiros alunos entraram no núcleo já específico da Enfermagem, tiveram acompanhamento pedagógico realizado por 2 professores, sendo um deles, obrigatoriamente enfermeiro e mais 1 bolsista do curso de enfermagem.

Os quatro estudantes concluíram o curso de Enfermagem no semestre letivo 2010/2, com aproveitamento razoável, retornando para suas comunidades.

Considerações Finais

A presença dos estudantes indígenas no curso regular de enfermagem foi uma experiência rica, tanto para os docentes quanto para os estudantes universitários, pela troca e pelo respeito às diferenças culturais. Um dos aspectos interessantes nos alunos é que, mesmo estando inseridos num curso onde a formação é relativamente tradicional de um curso de Enfermagem, não diferenciado ou específico à comunidade indígena, foi perceptível neles a continuidade no respeito à sua cultura e seus preceitos de origem, a vontade explícita de usar esse conhecimento adquirido em prol da saúde em sua comunidade, percebeu-se, até mesmo, um forte desejo de futuramente estarem inseridos em órgãos que os possibilitem atuar na melhoria da saúde indígena como um todo.

A experiência com a abertura dessas vagas no curso de Enfermagem a alunos indígenas, veio reforçar e reacender a discussão sobre a criação de um curso de Enfermagem específico para indígenas, a ser executado pela Faculdade Indígena Intercultural, dentro dos seus moldes específicos.

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Referências Bibliográficas

GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. 3º Grau Indígena: Projeto de Formação de Professores Indígenas. Barra do Bugres: UNEMAT; Brasília: FUNAI, 2001

GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Programa de Educação Superior Indígena Intercultural – PROESI. Barra do Bugres: UNEMAT, 2007.

PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA INTERCULTURAL – PROESI. Histórico. Site oficial Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat. Disponível em http://indigena.unemat.br/modules/xt_conteudo/index.php?id=1. Acessado em: 01 fev. 2008.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO. Projeto do Curso de Bacharelado em Enfermagem – Campus Universitário de Cáceres. (mimeo) Cáceres: UNEMAT, 2001.

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LICENCIATURAS INDÍGENAS DA UNEMAT

Elias Januário1

Fernando Selleri Silva2

Sandra Maria Silva de Lima3

Resumo: Esta comunicação oral é resultado de uma pesquisa que possibilitou conhecer a forma como tem procedido a realização do Estágio Curricular Supervisionado e a realização dos Trabalhos de Conclusão de Curso dos estudantes indígenas dos cursos de Licenciatura da Faculdade Indígena Intercultural da UNEMAT, num total de 276 estudantes indígenas, de 32 etnias, graduados nos anos de 2006 e 2008. Usamos como metodologia os dados contidos nos relatórios e regimentos, bem como o acompanhamento das atividades no decorrer da sua realização, fazendo da observação participante um dos principais instrumentos na pesquisa. O resultado foi um diagnóstico reflexivo dos procedimentos utilizados, salientando os pontos inovadores e também os de tensão que acontecem na formação de um professor indígena em nível superior, quando se trata do exercício da prática docente e da iniciação a pesquisa.Palavras-chave: Professores Indígenas; Estágio Supervisionado; Pesquisa, Ensino.

Summary: This oral communication is the result of a survey that allowed the knowledge of how it has proceeded to completion of Stage Curriculum and the achievement of Work Supervised End of Course of Indian students of degree courses of the School of Intercultural Indigenous UNEMAT, a total of 276 Indian students, 32 ethnic groups, graduated in 2006 and 2008. We use the methodology and data contained in reports and regulations, as well as monitoring activities in the course of implementation, and doing a participant observation of the main instruments in research. The result was reflective of a diagnostic procedure used, highlighting the innovative and also the voltage that occur in the formation of an Indian teacher at the college level, when it comes to the practice of teaching practice and research initiation.Keywords: Indigenous Teachers, Supervised Internship, Research, Education.1 Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT, Diretor da Faculdade Indígena Intercultural e Bolsista da CAPES.2 Mestre em Ciência da Computação pela PUCRS, Doutorando em Ciência da Computação Docente do Depto. de Ciência da Computação da UNEMAT – Barra do Bugres e Coordenador Administrativo da Faculdade Indígena Intercultural. Bolsista da CAPES.3 Mestre em Ciências Ambientais, Docente da Faculdade Indígena Intercultural.

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Apresentação

Nesta comunicação vamos discorrer acerca de dois pontos estruturantes de um Curso de Licenciatura, independente de qual público seja direcionado, trata-se da realização do Estágio Curricular Supervisionado, que possibilita ao futuro professor em nível superior, o aprimoramento do exercício da sua prática docente. Do mesmo modo o Trabalho de Conclusão de Curso, na forma de uma monografia de graduação habilitará o profissional da área no exercício da pesquisa e da produção de conhecimento.

Conforme orientação da ANPED (Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação) e a ANFOBE (Associação Nacional dos Profissionais da Educação), os curso de formação de professores devem respeitar os seguintes eixos: a) solida formação teórica; b) unidade teórica e prática; c) compromisso social e democratização da escola; d) trabalho coletivo e articulação entre formação inicial e continuada (CARVALHO, 2001).

Para a realização desta pesquisa, caracterizada como qualitativa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), nos apoiamos na metodologia da pesquisa-ação (BRANDÃO, 1981) na medida em que estávamos pesquisando e ao mesmo tempo atuando como parte do corpo docente das duas áreas de conhecimento.

Alguns dados também foram subtraídos dos relatórios e dos trabalhos dos estudantes, bem como de entrevistas e conversas informais com docentes e discentes.

No entanto foi na observação participante (GEERTZ, 1989), que nos apoiamos com maior tranquilidade e domínio para obtermos os dados necessários para estabelecer essa discussão e apontar aspectos que consideramos relevantes para o aprimoramento das ações voltadas principalmente para a formação de professores indígenas em nível superior.

Os participantes deste estudo foram 276 estudantes indígenas, de 32 etnias, todos os professores nas escolas das aldeias, que estavam fazendo o curso superior em nível de Licenciatura, na Faculdade Indígena Intercultural da Universidade do Estado de Mato Grosso.

Desse modo, foi conhecendo as normas e regras que norteiam e fundamentam essas duas atividades nos cursos de Licenciatura Indígena da UNEMAT, aliado a vivência da prática cotidiana com os estudantes indígenas, que consideramos pertinente tecer algumas considerações sobre o referido tema.

O Estágio Curricular Supervisionado

O Estágio Curricular Supervisionado nas Licenciaturas Indígenas da UNEMAT como tivemos oportuniza discussões, vivências e tem como

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objetivo principal o exercício efetivo da prática docente em escolas indígenas. A prática pedagógica tem contribuído sensivelmente para a consolidação da escola intercultural, construída pelos professores e professoras nas escolas das aldeias a partir da apropriação e reelaboração das práticas pedagógicas existentes.

As equipes de assessores pedagógicos que realizam o acompanhamento da atividade de estágio curricular conferem unidade e sistematização aos trabalhos teórico-práticos desenvolvidos nas escolas de tal forma que a atividade docente e o estágio curricular supervisionado concluem por expressar-se em práxis pedagógica.

A Lei federal N. 11.788/2008 que dispõe sobre a definição de estágio afirma no artigo 1º que “estágio é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos” (GOVERNO FEDERAL, 2008, p. 7).

O Estágio Curricular Supervisionado no contexto da matriz curricular das Licenciaturas Indígenas é parte integrante das atividades das etapas de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa - Etapa Intermediária (JANUÁRIO, 2002), contando com o acompanhamento sistemático da prática pedagógica dos professores estudantes, buscando a articulação entre a problematização e a aprendizagem durante as etapas de estudos intensivos e a prática de organização e execução do trabalho pedagógico nas escolas indígenas onde lecionam.

A materialização do estágio se faz no registro-memória das aulas realizadas no Livro Memória da Aula4, com a intenção de que com esse instrumento o/a professor/a em formação adquira a prática da auto avaliação e da auto formação, analisando e revendo sua prática rotineiramente, tendo subsídios para refletir sobre o currículo que desenvolve, suas práticas de avaliação da aprendizagem junto aos alunos, seu planejamento, a distribuição do tempo e o uso de diferentes espaços de aprendizagem (Fig. 01).

4 Tem sido entregue a cada estudante indígena, a partir da II etapa (segundo semestre), um livro ata que a Faculdade Indígena Intercultural denomina de Livro Memória da Aula, uma vez que neste livro são registradas apenas as atividades da prática pedagógica do estudante da graduação, exercida na escola da aldeia.

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Figura 1: Livro Memória da Aula.Foto: Acervo Joana Saira – FII, 2011.

Com o registro da prática pedagógica no contexto do Estágio Curricular Supervisionado nos foi possível perceber, que esta ação tem possibilitado uma análise reflexiva permanente sobre a prática da sala de aula, feita por meio do registro cotidiano das aulas do professor, fazendo do processo de ensino e aprendizagem um conjunto de informações importantes do trabalho do docente, que servirão para que o próprio professor avalie e redimensione as suas ações.

O exercício da escrita, por meio da anotação cotidiana no Livro Memória da Aula, acabou se transformando em parte integrante da prática pedagógica para o professor e sua comunidade educativa, além de servir como importante elemento para análise, acompanhamento e orientação dos estudantes em seu exercício docente pela equipe de assessores pedagógicos dos cursos de Licenciatura.

Outro ponto que merece destaque quando se fala da escrita, ou seja, do relato cotidiano, em forma de diário da prática pedagógica do professor, consiste na contribuição para o aprimoramento da língua portuguesa, em sua maioria segunda língua ou língua estrangeira, pois os estudantes indígenas destes cursos têm a língua indígena (língua materna) como primeira língua e uma dificuldade enorme de escrita em português. A necessidade de ter que anotar todos os dias contribui sensivelmente para o manuseio com a língua portuguesa constantemente.

Em termos de formação educacional e profissional, as anotações nos Livro Memória da Aula são analisadas a partir de uma seleção de registros

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de práticas significativas e relevantes, focalizando-se neste caso os aspectos pedagógicos, os níveis de conhecimento teórico-prático presentes nesses registros, os pontos de força das ações e decisões tomadas pelo professor no desempenho do seu trabalho, levando os estudantes a um exercício de reflexão sobre a ação pedagógica, o que fortalece a luta por uma pedagogia indígena, calcada no ensino contextualizado, na interculturalidade e na intensa relação escola/comunidade.

Ao conjugar a prática pedagógica com a produção escrita, por meio do registro no Livro Memória da Aula, compreendemos que a Faculdade Indígena Intercultural não se ateve apenas à intenção de cumprir regras da burocracia estatal de documentos escritos, mas sim de trazer à tona as particularidades do cotidiano das escolas indígenas, apontando caminhos para a formação de políticas públicas educacionais em consonância com os anseios e possibilidades dos professores índios.

Entendemos que uma educação intercultural deve valorizar o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que promovam o reconhecimento das diferenças, de modo a afastar-se do caráter monocultural presente no universo escolar. Nessa perspectiva, é fundamental o incentivo da relação entre ensino e pesquisa, rompendo assim com a prática reprodutivista, abrindo caminho para a criação de espaços de comunicação e troca de experiências.

As atividades do Estágio Curricular Supervisionado dos cursos de Licenciatura, já afirmado anteriormente, são materializadas no Livro Memória da Aula, onde o professor estudante registra cotidianamente os conteúdos trabalhados, a maneira como foram desenvolvidos, quais os materiais utilizados nas aulas, observações dos alunos, estratégias do professor, situações que aconteceram na aula, depoimentos, desenhos e entrevistas. Cada professor tem um estilo particular de registro, que é respeitado e valorizado (Fig. 02).

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Figura 2: Registro das Atividades no Livro.

Foto: Acervo Joana Saira – FII, 2011.

O Estágio Curricular Supervisionado se torna, com isso, mais uma possibilidade de aprimoramento da prática pedagógica, com perspectiva de encontrar novas propostas pedagógicas a serem incorporadas na educação escolar indígena específica e intercultural. Assim, além do registro pelo professor estudante das aulas ministradas, em que o estudante indígena estará exercitando a escrita e a reflexão, outra estratégia tem sido realizar durante as viagens de acompanhamento, uma etnografia das aulas assistidas, possibilitando que a equipe de docentes, além do Livro Memória da Aula, conheça também o perfil da prática dos professores indígenas, ensejando novas abordagens e suporte teórico e analítico para seu desenvolvimento, tanto nos períodos presenciais quanto nos intermediários.

Os profissionais que realizam o acompanhamento pedagógico fazem uma etnografia da aula do estudante indígena, contemplando questões como o interesse e a participação dos alunos, entendimento dos alunos sobre os conteúdos curriculares, postura do professor na sala de aula, as estratégias e as metodologias utilizadas, entre outros aspectos, discutindo com o professor estudante o exercício da prática docente e da escrita do Livro Memória da Aula.

Esta parte do acompanhamento nas aldeias tem sido um dos gargalos da prática pedagógica nos cursos de Licenciatura indígena, decorrente das dificuldades dos professores da universidade se deslocar até as aldeias, que

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são distantes, fator que demanda tempo e recurso para essa ação.Para amenizar esse deslocamento que estava impossibilitado de ser

realizado como previsto na proposta pedagógica, optou-se pela realização de acompanhamento de aulas ministradas pelos estudantes indígenas durante a etapa intermediária, que passou a acontecer inicialmente em polos e posteriormente na própria universidade, ou seja, durante a permanência do estudante na universidade, na qual ele ministra uma ou mais aulas e os assessores pedagógicos fazem considerações acerca do que observaram.

As atividades do Estágio Curricular Supervisionado, conforme conta no Regimento de Estágio Curricular Supervisionado, aprovado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa - CONEPE da UNEMAT iniciam na II etapa (correspondente ao segundo semestre) e devem estar concluídas na VIII etapa (oitavo semestre), atendendo a carga horária prevista na Resolução do CNE/CP2 de 19 de Fevereiro de 2002.

Além da atuação em sala de aula e do registro no Livro Memória da Aula, os estudantes indígenas têm disciplinas específicas sobre prática pedagógica com temas como avaliação, planejamento, comportamento ético do profissional da educação, metodologia de alfabetização, estrutura e funcionamento do sistema de ensino, educação escolar indígena, relação entre ensino e aprendizagem, legislação escolar indígena, novas tendências da educação escolar indígena, entre outras. Esses componentes curriculares são de grande importância para o professor estudante, na medida em que possibilita ampliar os seus conhecimentos, tirar dúvidas e aprimorar o seu entendimento acerca das atividades que envolvem o fazer pedagógico.

Os estudantes indígenas realizam as atividades de prática como componente curricular por meio de seminários temáticos e oficinas sobre práticas pedagógicas, com temas que são considerados relevantes para o professor indígena, muitos deles sugeridos pelas comunidades indígenas, que servem para refletir as situações reais da sala de aula, bem como as teorias desenvolvidas na universidade, buscando caminhos alternativos de ação para o fortalecimento de sua práxis e da educação escolar indígena específica e diferenciada e intercultural.

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC

O Trabalho de Conclusão de Curso consiste em outro aspecto das Licenciaturas Indígenas da UNEMAT que merece uma reflexão, seja pela ousadia em determinados aspectos, seja pelas dificuldades enfrentadas e os caminhos encontrados para superar e fazer com que a educação escolar indígena intercultural fosse colocada em prática revelada nas produções dos professores estudantes.

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O Trabalho de Conclusão de Curso deve ser entendido como um momento em que os estudantes sistematizam as habilidades e conhecimentos adquiridos ao longo da graduação na forma de uma pesquisa de caráter acadêmico.

Quando os estudantes finalizam a última etapa de estudos presenciais, os futuros licenciados devem estar aptos a demonstrarem que desenvolveram competências importantes no campo da pesquisa, para o pleno desempenho de suas funções docentes na Licenciatura escolhida, em parte demonstrada pela produção de conhecimento de um determinado tema.

O Trabalho de Conclusão de Curso, entendido na Faculdade Indígena Intercultural enquanto mais um instrumento pedagógico de sua formação, tem como objetivo principal aferir as competências e os conhecimentos significativos nas áreas de formação básica e profissional, conforme consta nos artigos do Regimento do Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa – CONEPE da UNEMAT.

Institucionalmente, o TCC deve resultar num produto finalizado, que possa ser apreciado e discutido com os docentes do curso, e se materialize num documento comprobatório que é juntado ao memorial acadêmico de cada estudante.

Do ponto de vista pedagógico, o Trabalho de Conclusão de Curso tem sido utilizado como uma estratégia para aprofundar a formação específica de cada estudante indígena, propiciando-lhe a oportunidade de um diálogo individualizado com um professor-orientador e com uma temática de conhecimento específico por ele definido como relevante para a sua formação ou sua comunidade.

O processo de elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso propicia ao estudante a oportunidade de exercitar procedimentos básicos da investigação científica, por meio da escolha de um tema de pesquisa, seu planejamento, sua execução e o registro para sua divulgação.

Para tanto, a Faculdade Indígena Intercultural oferece com antecedência aulas de Metodologia de Pesquisa, onde os estudantes começam a adentrar no universo da pesquisa e da produção do conhecimento.

Pensado como processo, a elaboração do TCC propicia o exercício de diferentes competências trabalhadas ao longo das etapas presenciais e intermediárias das Licenciaturas Indígenas, estimulando no estudante a ação investigativa, base da prática docente e da atividade científica.

Mais que um requisito burocrático para atestar o cumprimento das etapas de formação dos estudantes, o que se espera do processo de elaboração do TCC é que ele colabore para essa formação, servindo de catalisador, nas etapas finais do curso, dos interesses e das aptidões dos estudantes indígenas com vistas à escrita de um material, social e pedagogicamente relevante,

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que possa ser apresentado e discutido com os docentes dos cursos e que de alguma forma contribua para o fortalecimento da Educação Escolar Indígena nas escolas das aldeias.

A diversidade cultural dos estudantes indígenas presente nos Cursos da Faculdade Indígena Intercultural, oriundos de diferentes etnias, aliado a quantidade de estudantes nos cursos, exige que sejam adotadas estratégias precisas que permitam viabilizar uma orientação específica, capaz de atender as variadas demandas e necessidades particulares.

Embora seja inevitável a existência de momentos coletivos de formação dos estudantes para a preparação de seus Trabalhos de Conclusão de Curso, não há como prescindir de momentos individualizados de atenção, onde o estudante possa expor suas ideias, discuti-las e receber orientação para a continuidade de seu trabalho investigativo.

Tendo em vista o caráter recente da proposta de formação de professores indígenas em nível superior, torna fundamental haver não só experimentações, como evitar a aplicação direta de fórmulas burocratizadas. Projetos inovadores como as Licenciaturas Indígenas acabam exigindo esforços criativos a serem exercitados em todos os momentos de sua execução.

O Trabalho de Conclusão de Curso é mais um espaço para o exercício criativo na busca de novas propostas pedagógicas e políticas, a serem construídas em parceria com os estudantes. Assim, além da forma tradicional de uma monografia, em que o estudante exercita a prática da pesquisa e do registro, demonstrando competência investigativa e discursiva, torna imprescindível incentivar os estudantes a apresentarem outras possibilidades de demonstrarem suas competências e conhecimentos adquiridos.

Como trata de cursos de Licenciatura Plena com três possibilidades de habilitação para professores índios que continuarão seu trabalho de docência em escolas indígenas, assumindo, com a nova titulação, outras séries da educação básica, tornou-se necessário estimular o processo de pesquisa desses professores para aspectos da cultura de seu povo, visando o desenvolvimento de materiais a serem utilizados no processo de ensino e aprendizagem. Desse modo, processos investigativos que resultaram em materiais didáticos a serem empregados nas escolas das aldeias, foram amplamente incentivados.

Em decorrência do processo de consolidação de uma educação indígena diferenciada, voltada a atender as necessidades e expectativas das comunidades indígenas, incentivou também as propostas que visavam ampliar a reflexão sobre as práticas de ensino e aprendizagem, bem como aquelas relativas aos processos próprios de transmissão de conhecimentos. Deste modo, a construção de propostas de projetos político-pedagógicos

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para as escolas indígenas também se configurou numa possibilidade muito recorrente de Trabalho de Conclusão de Curso.

Na mesma linha, memoriais descritos sobre os processos de formação individual e étnica foram objeto de investigação, a partir de questões e problemáticas postas pelo desafio de construir uma nova escola indígena. Essa foi mais uma possibilidade de Trabalho de Conclusão de Curso.

O fundamental nessa definição de possibilidades foi criar condições para que os próprios estudantes indígenas exercitassem sua criatividade e perspicácia na escolha e na proposição de formatos para o seu Trabalho de Conclusão de Curso. Este, em hipótese alguma, se restringiu ao mero cumprimento de uma formalidade burocrática, como tantas vezes assistimos nos cursos regulares de licenciatura de todo o país. O desafio proposto foi o de tomar essa atividade em toda a sua potencialidade, buscando caminhos inovadores, que resultasse em novos processos e práticas. Seguindo essa orientação, o Trabalho de Conclusão de Curso deixou de ser um produto terminativo, para ser o primeiro exercício de novas experimentações.

O TCC consistiu, dessa forma, em uma produção individual ou em grupo, com orientação, materializada sob a forma de uma monografia, de um livro didático, de um livro literário, de um memorial descritivo ou de uma proposta político-pedagógica para a escola indígena, redigida em português ou bilíngue (Língua Portuguesa e Língua Indígena).

O processo de realização do TCC inicia na VI Etapa de Estudos Presenciais (corresponde ao sexto semestre), com uma oficina sobre como elaborar o projeto do Trabalho de Conclusão de Curso, estimulando os acadêmicos a pensarem em propostas que deverão ser elaboradas e apresentadas na VIII Etapa Presencial. Nesta etapa e nas subsequentes, funciona um sistema de orientação e acompanhamento do TCC, que possibilite uma atenção individualizada a cada um dos estudantes.

Considerando que a proposta de elaboração do TCC é parte integrante do processo mais geral de formação dos professores indígenas, tornou fundamental a criação de uma metodologia de orientação que possibilitou não só o atendimento individual de cada estudante, mas também o registro dessa orientação, de modo que ela ocorresse, de fato, de forma processual e cumulativa. Para tanto, um caderno na forma de diário de orientação foi estabelecido, de modo a registrar cada momento desse processo, sendo ele mesmo, ao seu término, uma referência a mais do processo formativo do estudante.

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Considerações Finais

Relatar e refletir um pouco sobre esses dois pilares da formação de professores indígenas em nível superior vivenciado nas Licenciaturas Indígenas da UNEMAT abre um instigante espaço de debate e estudo de como, a partir dessa experiência, aprimorar os instrumentos a serem utilizados na educação escolar indígena.

Ao longo dos anos vários ajustes foram feitos para tornar essas duas atividades mais próximas da realidade das comunidades indígenas, bem como de uma ação que realmente tivesse sentido para o professor e sua prática pedagógica.

Os professores que formaram nas duas primeiras turmas realizaram, com as dificuldades previsíveis, os estágios em escolas indígenas, cumprindo com os prazos estabelecidos. A cada etapa o Livro Memória da Aula era analisado pelas assessoras pedagógicas que orientavam quando necessário. O livro em cada etapa vinha assinado e carimbado pelo responsável pela escola onde foi ministrada a aula, dando assim maior legitimidade ao documento.

Esse modelo de estágio, com registro das aulas pelo professor estudante, foi iniciado no magistério do Acre (CPI), por intermédio da educadora Nietta Monte (2000), posteriormente foi também introduzido no magistério oferecido no Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso pelo ISA.

Nos cursos de Licenciatura foram feitas algumas adaptações levando em consideração as especificidades e regulamentações do Sistema de Educação Superior, cumprindo assim com a legislação existente.

Ao final o registro da prática pedagógica tem cumprido com a sua função e proporcionado um rico material que permite refletir sobre aspectos peculiares da educação escolar indígena, possibilitando com esses registros, que na verdade são documentos que revelam a realidade do trabalho do professor indígena nas escolas das aldeias, estabeleçam políticas públicas na área da educação mais condizentes com a realidade e necessidade da educação escolar indígena.

De modo semelhante os resultados dos Trabalhos de Conclusão de Curso foram, em sua maioria, surpreendentes com a elaboração de pesquisas voltadas para a afirmação das práticas culturais das diferentes etnias.

Encontramos materiais didáticos específicos que foram posteriormente publicados pela Faculdade Indígena Intercultural, bem como a elaboração de projetos políticos pedagógicos de escolas indígenas fundamentais para a comunidade.

O desafio continua na medida em que a educação escolar específica e intercultural fortalece e torna uma realidade na maioria das comunidades

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indígenas, fazendo com que as instituições formadoras estejam em constante processo de avaliação e em consonância com os projetos de futuro dos povos indígenas.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Carlos R. Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 1981.

CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. A Influência das Mudanças de Legislação na Formação dos Professores: às 800 horas de Estágio Supervisionado. In: Ciência e Educação, V. 7, N. 1. São Paulo: USP, 2001.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

GOVERNO FEDERAL. Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio N. 11.788. Brasília: MTE, 2008.

JANUÁRIO, Elias. Formação de Professores Indígenas em Serviço: A Etapa de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa – Intermediária. In: Cadernos de Educação Escolar Indígena. Barra do Bugres: Editora da UNEMAT, 2002.

LÜDKE, Menga. & ANDRÉ, Marli. E. D. A; Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MONTE, Nietta L. “Os Outros, Quem Somos? Formação de Professores Indígenas e Identidades Interculturais”. In: Cadernos de Pesquisa, n. 111. São Paulo: Editora Autores Associados, 2000.

Regimento do Trabalho de Conclusão de Curso, (mimeo), UNEMAT, 2003.

Regimento do Estágio Curricular Supervisionado, (mimeo), UNEMAT, 2003.

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RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL

Fernando Fernandes Neri1

Gilberto Arruda Barbosa1

Jean de Oliveira Zahn1

Graziella Selleri Silva2

Robson Amorim de Souza3

Elias Januário4

Resumo: Esta comunicação fala das experiências dos bolsistas com a Faculdade Indígena Intercultural com o convívio e o trabalho com os estudantes indígenas. Trata-se de relatos sobre as atividades exercidas, as participações nos projetos, as etapas de estudos, bem como os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo em que estivemos na Faculdade. O Objetivo deste artigo é discorrer esta vivência, principalmente do respeito aos saberes e a cidadania dos povos indígenas, bem como os benefícios que ela traz para o nosso modo de pensar e viver.Palavras chave: experiências, convivência, interculturalidade.

Abstract: This work speaks of the experiences of the fellows with the Indigenous Intercultural University and therefore indigenous students. It reports on the activities exercised, the shares in the projects, the stages of study, as well as the knowledge acquired during the time we’re in college. The purpose of this article is to discuss this experience we have in this intercultural, and the benefits it brings to our way of thinking and living.Keywords: experience, interaction, intercultural.

1 Graduandos em Ciência da Computação pela UNEMAT, Membros do Projeto Observatório, Bolsistas da CAPES.2 Graduanda em Engenharia de Alimentos pela UNEMAT, Membro do Projeto Observatório, Bolsista da CAPES.3 Graduando em Ciência da Computação pela UNEMAT, Membro do Projeto ASA, Bolsista do CNPq.4 Antropólogo, Educador, Docente do PPGCA da UNEMAT e Diretor da Faculdade Indígena Intercultural, Bolsista da CAPES.

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O Projeto Observatório

A Universidade do estado de Mato Grosso – UNEMAT, por meio da Faculdade Indígena intercultural, oferece à comunidade Indígena três cursos de Licenciatura Específica para Formação de Professores (Línguas, Artes e Literaturas; Ciências Matemáticas e da Natureza; e Ciências Sociais). Esses cursos são oferecidos em etapas presenciais respeitando uma metodologia de regime especial (em período de férias e recessos escolares).

Através da Faculdade Indígena Intercultural, acontece também, o Estudo sobre a Atuação de Professores Indígenas Egressos de Cursos Superiores no Estado de Mato Grosso. Trata-se de um projeto de pesquisa que visa realizar um acompanhamento na atuação de professores indígenas nas escolas e aldeias, bem como sua representatividade nas respectivas comunidades de origem como educadores.

O projeto, que teve início em 2009, busca através da observação, dados que advertem sobre os avanços e limitações de professores indígenas graduados em cursos de ensino superior, bem como a suas respectivas áreas de atuação e práticas pedagógicas. De maneira implícita, a pesquisa consiste em um estudo de caso, ou seja, de um estudo que caminha do particular para o geral.

Uma das importantes etapas do projeto é o levantamento de dados através de observação participante, utilizando-se de entrevistas formais e informais, história de vida, anotações em diários de campo, gravações em áudio e registros fotográficos para que se possa chegar a uma avaliação concreta de como e onde atuam os professores Indígenas. Todos esses dados são armazenado em um banco de informações para que futuramente os mesmos possam ser avaliados.

Com este levantamento pretende-se alcançar resultados que possam auxiliar na tomada de decisões relacionadas a Educação Superior Indígena, contribuindo para que o mesmo possa estar habilitado a definir, organizar e implementar propostas curriculares adequadas aos níveis de ensino e aos interesses da sua comunidade.

Outros projetos da Faculdade

Além do Projeto Observatório a Faculdade Indígena desenvolve outros importantes projetos de pesquisa e extensão, entre eles esta o Projeto Rede de Estudos Sociais, Ambientais e de Tecnologia para o Sistema Produtivo da Região Sudoeste de Mato Grosso - ASA, que tem como objetivo geral realizar um estudo da problemática da identidade da população que habita a região Sudoeste do Estado de Mato Grosso e a identificação das práticas culturais por eles mantidas.

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RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL

PIBID é outro projeto que visa trabalhar com a elaboração de materiais didáticos em língua indígena para o Ensino Fundamental nas escolas das comunidades onde atuam os estudantes indígenas dos Cursos de Licenciatura Específica para Formação de Professores Indígenas. Espera-se, com a implementação do projeto os seguintes resultados: despertar do interesse pela produção de material didático sobre as atividades pedagógicas e de preservação da cultura, incentivo a socialização do conhecimento pedagógico, social e cultural por meio das publicações que venham a ser produzidas entre outros objetivos.

Outro projeto de grande importância é denominado “Memória da Educação Superior Indígena: Informatização e Gestão do Acervo Documental”, financiado com recursos da FAPEMAT e executado pela Faculdade Indígena Intercultural. O projeto tem como propósito a organização e informatização do acervo denominado “Joana Saira” composto por mais de 60 mil documentos, além de fotos e artesanatos indígenas. O referido projeto envolve professores, técnicos e bolsistas da Faculdade Indígena.

Trabalho de Campo

Em alguns projetos desenvolvidos na Faculdade Indígena utiliza-se da pesquisa qualitativa, que se caracteriza pelo trabalho de campo, o objetivo principal dessa metodologia de estudo é realizar uma abordagem com mais qualidade das informações. Os dados pesquisados são obtidos através da observação participante, utilizando se de entrevistas formais e informais, história de vida, anotações em diários de campo, gravações em áudio e registro fotográfico.

Usando essa metodologia é necessário que o pesquisador entenda os fenômenos do lugar a ser estudado, formulando a partir daí um relatório com dados mais precisos.

Reuniões do Grupo de Estudos e Administrativas

O grupo de estudo da Faculdade Indígena Intercultural, da Universidade do Estado do Mato Grosso - UNEMAT foi criado pelo prof. Dr. Elias Januário, Diretor da Faculdade Indígena, composto por professores, técnicos e bolsista da faculdade, o grupo de estudo tem como principal objetivo gerar e difundir nossos conhecimentos sobre a temática indígena, através de estudos de textos, artigos, documentários, filmes ou livros com temas relacionados à questão da diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira.

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Realizado mensalmente, o grupo de estudo se dá pela escolha de um tema pelos professores da faculdade, onde temos um determinado período para estudarmos e em seguida é realizado uma reunião com toda a equipe, discutindo o assunto abordado.

Os assuntos que são discutidos tratam das questões indígenas, com ênfase na cultura, diversidade, educação e identidade. Também tem discutido métodos e técnicas de pesquisa na área da Antropologia, como foi o estudo do texto do antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, que discorre sobre as fases do trabalho de campo na pesquisa participante.

Juntamente com o grupo de estudo é realizada reunião geral, onde a equipe administrativa e pedagógica da faculdade se reúne para discutir e planejar assuntos da faculdade. Nessa ocasião são abordadas questões como projetos em andamento, organização de novas publicações, planejamento das próximas etapas, entre outros. Nessas reuniões são avaliados os trabalhos desenvolvidos e também são traçadas as novas metas a serem cumpridas.

Atividades do dia a dia

A Faculdade Indígena Intercultural engloba uma dinâmica de trabalho em equipe no seu dia a dia, mas não esquecendo que cada um ocupa uma determinada posição como; diretoria, assistentes administrativos e bolsistas. A participação dos bolsistas consiste na assistência administrativa, acervo documental, cadastramento dos egressos no banco de dados, diagramação de livros, manutenção do site, entre outras.

• Assistência administrativa; inclusão dos bolsistas da faculdade na participação do projeto, no auxílio das etapas, envio de correspondência e publicações, digitação de cadernos de memória e outras atividades que o projeto envolve.

• Acervo documental; onde são arquivados os documentos referentes aos projetos indígenas, juntamente com a documentação que envolve; matrículas, ofícios, publicações e alguns artesanatos indígenas.

• Cadastramento dos egressos no banco de dados; o cadastramento dos egressos visa saber como estão, onde estão, e em que área está atuando como professor formado pela faculdade.

• Diagramação de livros: são textos escritos a mão pelos acadêmicos indígenas e que depois são editados pelos bolsistas, uma vez que passam por correções, formatações tornando-se materiais didáticos.

• Manutenção do site; a primeira versão do site foi ao ar em 2002, na segunda quinzena do mês de outubro, visando a comunicação rápida para favorecer a todos uma vez que as notícias são postadas e atualizadas com frequência no site gerando assim uma maior facilidade em comunicar-se

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RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL

através das tecnologias de informação. As atividades também são realizadas nos períodos de janeiro/

fevereiro e julho/agosto, data onde ocorrem as etapas presenciais dando ênfase a produção de material didático na realização de oficinas pedagógicas, oferecimento de cursos de informática e monitoria desenvolvimento do TCC de cada um dos acadêmicos em aulas teóricas e práticas oferecidas nestas etapas.

A Experiência com os estudantes indígenas

A Faculdade Indígena Intercultural, está há mais de 10 anos na busca da formação de professores indígenas, em cursos de Graduação e Pós-Graduação. Antes denominado “3º Grau Indígena” (2001) e posteriormente de Programa de Educação Superior Indígena Intercultural (2007) – PROESI, a Faculdade Indígena já formou 276 professores indígenas de 44 etnias, no Estado de Mato Grosso e em 10 estados do Brasil (JANUÁRIO).

Nas etapas de estudos, ocorre o contato com os estudantes indígenas. Na última etapa presencial, realizada no mês de Julho de 2011, contou com a participação de cerca de 140 estudantes de diversas etnias de todo o estado. Este período os estudantes dos Cursos regulares do campus de Barra do Bugres – UNEMAT se encontram de férias e o campus muda seu cenário por completo, pois a diversidade cultural encontrada durante as etapas é muito intensa. A princípio, este choque cultural de dezenas de etnias chega a ser estranho. A visão pouco sólida que tínhamos de uma sociedade única, que chamávamos de “índios”, mudou por completo através das experiências com os estudantes e também por meio das discussões no grupo de estudos. Muitas vezes nos deixamos passar despercebidos com a diversidade cultural existente na sociedade “não índia”, que denominamos como única como descreve Tassinari (1995).

Essa diversidade cultural existente em sala de aula, que por nós percebida nos corredores, durante a alimentação, nas atividades de lazer durante os intervalos de aula, nos faz refletir sobre a nossa antiga visão superficial e muitas vezes ilusória que nossa sociedade nos ensina sobre o “índio”. É claro que não tínhamos a expectativa de encontrar os estudantes despidos como nos filmes e livros que encontramos em nossa sociedade, mas sim uma expectativa um tanto distorcida destas sociedades que chegam a ser diferentes até dentro de suas próprias etnias, em regiões distintas.

A Educação diferenciada ofertada pela Faculdade Indígena une essa multiculturalidade, ao mesmo tempo em que os conhecimentos passados atingem de um modo diferente para cada representante de sua comunidade. E nós, expectadores desse ensino multicultural, aprendemos a respeitar essas diferenças.

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A Importância de ser bolsista

Nós bolsistas, participamos de projetos dentro da Faculdade Indígena Intercultural, prática comum dentro das universidades que engajam acadêmicos em projetos com o intuito de que se tire algum proveito, independente do projeto ao qual o acadêmico está ligado. A Faculdade Indígena Intercultural recentemente conta com 6 bolsistas que desempenham diversas atividades.

O que conta também, é a convivência com pessoas que possuem grandes experiências, o que nos proporcionam com certeza valiosas lições de vida e o mais importante, nos agregam mais aprendizagem e junto experiências, são verdadeiras fontes de exploração e inspiração. O que cria uma mudança de hábito, aguçando nosso entusiasmo, em saber que temos uma oportunidade em nossas mãos, basta querermos ter a vontade de crescer e nos empenharmos ao máximo para que isso aconteça.

Acreditamos que as oportunidades aparecem de acordo como se encaram as coisas, depende muito do tipo de visão, uma visão pobre e limitada ou uma visão ampla e panorâmica.

Não se deve apenas objetivar a remuneração, e alias, deve-se ter em mente que, apenas é uma questão de auxílio, para arcarmos com despesas referentes ao estudo durante o período de graduação. É de suma importância este auxílio, esta agregação que ocorre entre o aprender e ainda receber uma gratificação, seria esta uma definição cabível.

Vale lembrar que quando citamos a “oportunidade” que se buscam quando se é bolsista, várias outras coisas surgem além de oportunidades, citemos algumas: trabalho em equipe, importância da responsabilidade, estabelecer metas e atingi-las, comunicar-se com pessoas em questão de trocar conhecimentos, entre outras coisas mais que se encaixam como subtema destas listadas acima.

Grandes expectativas são criadas quando se está em um ambiente onde você percebe que é propicio para o seu desenvolvimento como pessoa e como um bom profissional, independente de qual seja sua área de atuação, assim como ocorre no ambiente de trabalho da Faculdade Indígena Intercultural, para reforçar mais ainda esta afirmação temos como exemplo alguns bolsistas da Faculdade Indígena Intercultural que através de seus esforços conseguiram belos resultados, estando hoje fazendo mestrado ou doutorado.

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Considerações finais

Sendo assim podemos dizer que a Faculdade Indígena Intercultural é uma grande instituição que busca ofertar conhecimentos, com a realização de oficinas pedagógicas e etapas intermediárias e presenciais, ampliando conhecimentos sobre as questões indígenas, elaborando vários projetos, realizando grupos de estudos, elaborando as publicações sobre rituais, crenças e mitos, dando continuação a formação de professores. Isso tudo tem contribuído também para a formação e qualificação de estudantes não indígenas, como nós, que ao longo desses mais de dez anos, foram muitos que passaram por essa experiência e hoje são multiplicadores desse conhecimento e principalmente do respeito aos saberes e a cidadania dos povos indígenas.

Referências Bibliográficas

TASSINARI, A.M.I. “Sociedades indígenas: introdução ao tema da diversidade cultural” In: LOPES DA SILVA, A. e GRUPIONI, L.D.B. (orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.

JANUÁRIO, E. R. S. Oficina de Integração entre a Graduação da Faculdade Indígena e a Pós-graduação em Ciências Ambientais da UNEMAT In: Cadernos de Educação Escolar Indígena. Barra do Bugres: UNEMAT, v.8, n.1, 2010.

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Expediente Interno

Elias JanuárioDiretor

Fernando Selleri SilvaCoordenador Administrativo

Rivelino Fúlvio LinharesResponsável pelo Setor Financeiro

Sandra Regina GutierresSecretaria Acadêmica

Maria Margarete Noronha ValentimAssessora de Publicações

Hébia Tiago de Paula MonteiroAssessora Pedagógica

Rosa Maria Modesto CagnoniAssessora Pedagógica

Fernando Fernandes NeriBolsista

Graziella Selleri SilvaBolsista

Gilberto de Arruda BarbosaBolsista

Jean de Oliveira ZahnBolsista

Robson Amorim de SouzaBolsista