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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO HAMILTON CASTRO DA SILVA JESUS DE NAZARÉ E A TRIBUTAÇÃO ROMANA: EMPOBRECIMENTO, ENDIVIDAMENTO E O IMPACTO NO AMBIENTE DOS CAMPONESES A PARTIR DE MARCOS 12,13-17 GOIÂNIA 2017

JESUS DE NAZARÉ E A TRIBUTAÇÃO ROMANA: …tede2.pucgoias.edu.br:8080/bitstream/tede/3910/2/HAMILTON CASTR… · dito de Jesus no v.17, que afirma : “Devolvei a César o que é

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    ESCOLA DE FORMAO DE PROFESSORES E HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM CINCIAS

    DA RELIGIO

    MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO

    HAMILTON CASTRO DA SILVA

    JESUS DE NAZAR E A TRIBUTAO ROMANA:

    EMPOBRECIMENTO, ENDIVIDAMENTO E O IMPACTO NO AMBIENTE DOS

    CAMPONESES A PARTIR DE MARCOS 12,13-17

    GOINIA

    2017

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    HAMILTON CASTRO DA SILVA

    JESUS DE NAZAR E A TRIBUTAO ROMANA:

    EMPOBRECIMENTO, ENDIVIDAMENTO E O IMPACTO NO AMBIENTE DOS

    CAMPONESES A PARTIR DE MARCOS 12,13-17

    Dissertao apresentada Coordenao do Programa de Ps-graduao Stricto Sensu em Cincias da Religio da PUC de Gois para obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Religio.

    Orientadora: Dra. Ivoni Richter Reimer

    GOINIA

    2017

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    DEDICATRIA

    Aos meus filhos lindos, Davi e Dbora, vivo por eles e para eles,

    Aos meus pais pelo incentivo.

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    AGRADECIMENTOS

    PUC Gois, coordenao, a secretaria e ao corpo docente do Programa de Ps-

    Graduao Stricto Sensu em Cincias da Religio pelo conhecimento acadmico;

    Prof. Dra. Ivoni Richter Reimer pela dedicao, pacincia e orientao.

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    RESUMO

    CASTRO, Hamilton. Jesus de Nazar e a Tributao Romana: Empobrecimento,

    Endividamento e o Impacto no Ambiente dos Camponeses a partir de Marcos 12,13-

    17. Dissertao de Mestrado (Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em

    Cincias da Religio) Pontifcia Universidade Catlica de Gois, Goinia, 2017.

    Esta dissertao foi realizada com o objetivo de apresentar o ambiente scio-

    histrico da Palestina no sculo I, no qual viveu Jesus de Nazar, a fim de perceber

    seus impactos nas prxis de Jesus, especificamente em relao tributao

    romana. Observaremos as elites dominantes, representadas pelo Imprio Romano,

    pela famlia de Herodes e pelos sumos sacerdotes do Templo em Jerusalm. Estas

    elites, mediante um sistema de patronagem, exerciam forte dominao econmica

    por meio de uma alta carga tributria sobre os camponeses.

    Com isto, produziam, dentro do ambiente do campesinato, grande

    endividamento, perda das propriedades e desestruturao da famlia. A pesquisa

    procurou demonstrar que Jesus histrico o resultado e uma proposta de soluo

    para uma situao de explorao econmica nas aldeias rurais e vilas da Palestina

    no sculo I. A dissertao procura apresentar a reao de Jesus de Nazar aos

    impostos romanos, analisando a percope de Marcos 12,13-17, especificamente o

    dito de Jesus no v.17, que afirma: Devolvei a Csar o que de Csar e a Deus o

    que de Deus. A pesquisa mostra que este dito indica que Jesus assumiu uma

    postura crtica em relao ao pagamento de impostos aos romanos, em favor da

    remoo das moedas do Imprio Romano das terras de Israel.

    A pesquisa apresenta que a atitude do Jesus histrico contra os impostos

    romanos motivada por um zelo nacionalista e escriturstico, fundamentado na

    afirmao bblica em Levtico 25,23: A terra [Israel] minha: diz o Senhor. Dessa

    maneira, Jesus de Nazar, orientado por este zelo nacionalista, apresenta uma

    proposta tica pautada nas tradies bblicas e na apocalptica, confrontando o

    controle tirano e o abuso de poder por parte do Imprio Romano, ou seja: A tica de

    apresentar uma prxis de opo pelos pequenos, ultrapassando os regimes de

    opresso e tirania.

    Palavras-chave: Jesus histrico; Evangelho de Marcos, camponeses, apocalptica,

    impostos romanos.

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    ABSTRACT

    CASTRO, Hamilton. Jesus of Nazareth and Roman Taxation: Impoverishment,

    Indebtedness and the Impact on Peasants' Environment from Mark 12: 13-17.

    Master's Dissertation (Stricto Sensu Post-Graduation Program in Religion Sciences)

    Pontifical Catholic University of Gois, Goinia, 2017.

    This dissertation was carried out with the objective of presenting the socio-

    historical environment of Palestine in the first century, in which Jesus of Nazareth

    lived, in order to perceive its impacts on the praxis of Jesus, specifically in relation to

    Roman taxation. We will observe the dominant elites, represented by the Roman

    Empire, by the family of Herod and by the high priests of the Temple in Jerusalem.

    These elites, through a system of patronage, exerted a strong economic domination

    by means of a high tax burden on the peasants.

    With this, they produced, within the peasantry environment, great indebtedness,

    loss of property and the destruction of the family. The research sought to

    demonstrate that historical Jesus is the result and a proposed solution to a situation

    of economic exploitation in rural villages and towns of Palestine in the first century.

    The dissertation seeks to present the reaction of Jesus of Nazareth to Roman taxes,

    analyzing the text of Mark 12: 13-17, specifically the saying of Jesus in v. 17, which

    states: "Return to Caesar the things of Caesar and to God the things of God." The

    research shows that this saying indicates that Jesus took a critical stance regarding

    the payment of taxes to the Romans in favor of the removal of the Roman Empire

    coins from the lands of Israel.

    The research shows that the attitude of the historical Jesus against Roman taxes

    is motivated by a nationalistic and scriptural zeal based on the biblical statement in

    Leviticus 25:23: "The land [Israel] is mine, says the Lord." In this way, Jesus of

    Nazareth, guided by this nationalistic zeal, presents an ethical proposal based on

    biblical and apocalyptic traditions, confronting the tyrannical control and abuse of

    power by the Roman Empire, that is: The ethics of presenting a praxis of option for

    the little ones, surpassing the regimes of oppression and tyranny.

    Keywords: Historical Jesus; Gospel of Mark, peasants, apocalyptic, Roman taxes.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    FIGURA 1 Hiptese das Duas Fontes ....................................................................61

    FIGURA 2 Mapa da Palestina no Tempo de Jesus.................................................66

    FIGURA 3 Margem Noroeste da Galileia................................................................75

    FIGURA 4 Moeda com a Efgie do Imperador Tibrio, Filho do Divino

    Augusto...................................................................................................................108

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    SUMRIO

    INTRODUO...........................................................................................12

    1 PALESTINA NA POCA DE JESUS.........................................................18

    1.1 AS ORIGENS DE ISRAEL: OS CAMPONESES LIVRES............................18

    1.2 A DOMINAO ROMANA DA PALESTINA................................................30

    1.2.1 O Imprio Romano.......................................................................................30

    1.2.2 Pax Romana: Opresso e Violncia.............................................................33

    1.3 O GOVERNO DE HERODES: URBANIZAO E CONTROLE..................39

    1.4 O TEMPLO DE JERUSALM E OS IMPOSTOS........................................46

    2 JESUS DE NAZAR: METODOLOGIA E RESULTADOS ATUAIS DA

    BUSCA PELO JESUS HISTRICO.....................................................................52

    2.1 AS TRS FASES DA PESQUISA DO JESUS HISTRICO........................52

    2.2 AS FONTES.................................................................................................58

    2.2.1 Os Sinticos................................................................................................60

    2.2.2 Evangelho de Marcos..................................................................................63

    2.2.3 Fonte Q .......................................................................................................64

    2.3 JESUS DE NAZAR: UM OLHAR HISTRICO..........................................65

    2.3.1 Jesus de Nazar, Nascimento e Famlia......................................................65

    2.3.2 A Educao de Jesus de Nazar.................................................................70

    2.3.3 Jesus de Nazar e seu Mestre Joo Batista................................................72

    2.4 JESUS DE NAZAR E A GALILEIA.............................................................75

    2.5 IMPOSTOS E MOVIMENTOS DE RESISTNCIA.......................................80

    2.5.1 O Banditismo Social na Palestina...............................................................82

    2.5.2 Banditismo e Milenarismo...........................................................................86

    2.5.3 A Perspectiva e a Motivao Apocalptica na Resistncia

    Judaica.......................................................................................................................86

    2.6 JESUS, O PROFETA APOCALPTICO.......................................................88

    2.6.1 A Mensagem Apocalptica de Jesus...........................................................90

    2.6.2 O Reino de Deus..........................................................................................90

    2.6.3 O Filho do Homem.....................................................................................92

  • 11

    2.6.4 O Juzo Futuro............................................................................................93

    3 JESUS DE NAZAR, O TEMPLO DE JERUSALM E O IMPOSTO

    ROMANO..............................................................................................................96

    3.1 O PROFETA NA SOCIOLOGIA WEBERIANA..........................................96

    3.2 JESUS E O TEMPLO DE JERUSALM....................................................97

    3.2.1 A Vida Incmoda de um Campons Galileu..............................................99

    3.3 JESUS E O IMPOSTO ROMANO...........................................................102

    3.3.1 Texto Grego de Marcos 12,13-17............................................................103

    3.3.2 Traduo Prpria de Marcos 12,13-17....................................................103

    3.3.3 Interpretaes favorveis ao pagamento dos Impostos

    Romanos..................................................................................................................104

    3.3.4 Jesus de Nazar foi Contrrio ao Pagamento do Imposto Romano......105

    3.3.4.1 A pergunta dos herodianos como cilada................................................106

    3.3.4.2 A resposta de Jesus como reorientao da pergunta e apresentao de

    novas questes........................................................................................................109

    3.3.4.3 A solicitao do denrio por parte de Jesus como chave de intepretao

    do v.17......................................................................................................................110

    3.4 A MAGIA E A APOCALPTICA CAMPONESA FRENTE A JERUSALM E

    ROMA.......................................................................................................................112

    3.4.1 Destruirei este Templo! ..........................................................................112

    3.4.2 Nenhum Rei seno Csar.......................................................................116

    CONCLUSO..........................................................................................................121

    REFERNCIAS........................................................................................................124

  • 12

    INTRODUO Meu interesse pelo Jesus histrico surgiu em 2005, quando assisti uma

    entrevista com o professor de Filosofia Antiga da Universidade de Braslia, Doutor

    Gabriele Cornelli. Me lembro que na poca fiquei impressionado com as colocaes

    do professor Gabriele acerca de Jesus de Nazar. Por que Jesus falou tanto de

    dvidas? Por que sua mensagem falou tanto sobre pessoas que passavam fome?

    Por que o Reino de Deus em Jesus para os pobres e no para os ricos? Por que

    Jesus foi crucificado ao lado de bandidos sob a acusao: Rei dos Judeus?

    Durante a entrevista, olhei no painel de apresentao do professor e estava escrito:

    Doutor em Cincias da Religio, Gabriele Cornelli; pensei comigo mesmo: um dia

    vou fazer este curso de Cincias da Religio e pesquisar sobre este fascinante

    Jesus da histria.

    Depois de alguns anos, finalmente este momento chegou, e durante as aulas do

    mestrado em Cincias da Religio na Pontifcia Universidade Catlica de Gois em

    2015, cursei uma disciplina como aluno especial, Religio, Gnero e Literatura

    Sagrada, ministrada pela Doutora Ivoni Richter Reimer. Na poca fizemos vrias

    leituras e uma delas me chamou muito a ateno, foi sobre um livro organizado pela

    professora Ivoni Reimer, cujo ttulo era a Economia no Mundo Bblico: enfoques

    sociais, histricos e teolgicos. Um captulo deste livro foi escrito pelo Doutor Uwe

    Wegner que tinha o ttulo: Jesus, a dvida externa e os tributos romanos.

    Conversando com minha orientadora, a Doutora Ivoni Reimer, decidi investigar

    o contexto histrico da Palestina do sculo I, um ambiente caracterizado por

    empobrecimento, expropriao de terras e endividamento. Meu objeto de pesquisa

    seria o impacto das tributaes romanas no tecido social dos camponeses. No

    entanto, para cumprir tal tarefa, seria necessrio suspeitar da traduo e

    interpretao tradicional do texto bblico de Marcos 12, 17: Dai a Csar o que de

    Csar e a Deus o que de Deus. Teria Jesus dito isso mesmo? Teria Jesus

    respondido aos herodianos desta forma? Jesus de Nazar era a favor da tributao

    romana? Acerca desta hermenutica da suspeita neste texto, sou devedor Doutora

    Ivoni Reimer e ao Doutor Uwe Wegner.

    Assim, esta dissertao tem o objetivo de apresentar Jesus de Nazar no

    ambiente scio-histrico da Palestina no sculo I, o recorte histrico desta pesquisa

    concentrado no sistema de patronagem consolidado nas estruturas de taxao

  • 13

    econmica. A partir desta observao do ambiente social, esta dissertao procura

    se concentrar na tributao romana sobre a Palestina no sculo I e o seu impacto no

    ambiente dos camponeses. Esta taxao tributria desenvolveu um ambiente

    condicionante aos movimentos de resistncia, motivados por zelo nacionalista entre

    os judeus que estavam perdendo suas terras e ficando endividados. O documento

    de entrada para este ambiente socioeconmico o texto bblico de Marcos 12,13-

    17, objetivando adentrar no ambiente vivencial de Jesus de Nazar.

    Contudo, torna-se importante, quando falamos de Jesus de Nazar, apresentar

    a perspectiva adotada nesta dissertao. Recorremos ao status quo da pesquisa

    sobre o Jesus histrico que se originou no perodo do Iluminismo. Seu representante

    de maior relevncia foram Hermann S. Reimarus (1679-1768) e David F. Strauss

    (1808-1974), o primeiro situando Jesus no ambiente judaico e o segundo atravs da

    crtica dos evangelhos. Reimarus procurou demonstrar uma descontinuidade entre

    o Jesus da Histria e o Cristo da F. Essa proposta foi bastante trabalhada pela

    teologia liberal no sculo XIX que com sua crtica racionalista, apresentava Jesus

    com uma elevada mensagem humana e moral, mas exclua sua pessoa histrica.

    Entretanto, na primeira metade do sculo XX, Albert Schweitzer (1875-1965) critica a

    histria da busca pelo Jesus histrico, informando que o Jesus de Nazar no foi

    localizado pela teologia do sculo XIX. Schweitzer procurou sustentar sua

    interpretao da vida de Jesus na perspectiva da escatologia consequente.

    Neste horizonte, a primeira metade do sculo XX foi caracterizada pela no

    busca do Jesus histrico, e o grande estudioso do Novo Testamento Rudolf

    Bultmann (1884-1976) concordou com Albert Schweitzer. Bultmann procurou dar

    nfase na pregao da Igreja e no anncio do Cristo da f em descontinuidade com

    o Jesus histrico. Entretanto, Ernst Ksemann (1906-1998), que foi aluno de

    Bultmann, na comunicao de um paper em 1953, questionou essa descontinuidade

    e procurou demonstrar continuidade entre o Jesus histrico e o Cristo da f nos

    Evangelhos. Neste horizonte teve incio a New Quest, ou Nova Busca pelo Jesus

    histrico, sendo que o mtodo utilizado nesta segunda fase da pesquisa, procurou

    dar nfase no critrio da dessemelhana. Nesta perspectiva, tornou-se necessrio

    superar o grande abismo criado por seu mestre Bultmann entre o kerigma e o Jesus

    histrico. Mesmo que os evangelhos no fossem um texto histrico no sentido atual

    e moderno, eles so uma memria narrativa do Jesus terreno e seria semelhante

    aos textos de histria produzidos naquele perodo, sendo possvel acessar o Jesus

  • 14

    histrico, j que existe uma continuidade entre este e a f querigmtica na

    perspectiva de E. Ksemann.

    Algumas metodologias epistemolgicas da New Quest foram suplantadas,

    posteriormente na pesquisa. Adotou-se um interesse pelo judasmo e suas

    respectivas variaes do sculo I, foi eliminada a base da nova pesquisa que

    apresentava um Jesus em oposio ao judasmo, e um dos resultados foi o

    abandono da teologia querigmtica com a insero de uma nova metodologia, a

    plausibilidade histrica. Dessa maneira, o caminho foi aberto para a terceira fase da

    pesquisa do Jesus histrico a partir de novos critrios.

    Assim, a partir da introduo de novos critrios interdisciplinares com um maior

    rigor histrico em dilogo com a Antropologia, Arqueologia e Sociologia, inaugurou-

    se a Third Quest, uma Terceira Busca, ligada aos nomes de Crossan e Meyer.

    Nesta perspectiva, esta dissertao pretende dialogar com as pesquisas do

    banditismo social do historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), recorrendo aos

    mtodos utilizados por Crossan (antropologia cultural), Horsley (sociologia) e a

    exegese histrico-crtica das percopes Mt 6,9-13; 18,21-35; 20.1-16; Mc 12,13-17 e

    Lc 10,25-37. Esta pesquisa, portanto, construda a partir de um espectro

    interdisciplinar das subdisciplinas clssicas das Cincias da Religio, Histria da

    Religio, Antropologia da Religio e Sociologia da Religio.

    A maneira como apresentamos Jesus neste trabalho segue a terceira fase da

    pesquisa pelo Jesus histrico na perspectiva de Crossan e Horsley e suas

    repercusses na Amrica Latina, por meio de Uwe Wegner, Ivoni Richter Reimer,

    Joel Antnio Ferreira e Nstor Mguez, por exemplo. Trata-se de pesquisadores do

    ambiente sociocultural e sociopoltico de Jesus. Assim, quando falamos de Jesus de

    Nazar nesta dissertao, pensamos nele como um judeu da Galileia, cuja religio

    foi o judasmo galilaico, uma pessoa pobre e oriunda do ambiente do campesinato,

    Jesus no era um homem do centro de Jerusalm, era um homem da periferia que

    se movimentava tambm pelas cidades de sua regio. Este homem galileu, contudo,

    no se conformou com as estruturas dominantes de sua poca e procurou

    apresentar uma proposta de soluo, cujo resultado foi a sua morte por meio da

    crucificao por parte do poder romano.

    Do ponto de vista histrico, a Palestina durante o sculo I estava sob a

    dominao imperial romana. Neste contexto, os camponeses foram submetidos a

    um sistema de taxao exploratrio que visava custear e manter um trplice sistema

  • 15

    de poder, representado primeiramente pelo imperador romano, posteriormente pela

    elite sacerdotal do templo de Jerusalm, sendo o Sumo Sacerdote, sua figura

    poltica e religiosa de maior destaque e por ltimo o rei cliente de Roma, o Herodes.

    A Palestina no sculo I torna-se assim, um ambiente explosivo, onde

    podemos observar vrios movimentos populares de resistncia contra a explorao

    provocada pelos altos impostos, gerando empobrecimento e endividamento no

    ambiente do campesinato. Dentre estas resistncias encontramos o banditismo

    social e o zelotismo nacionalista que surgiram como movimentos populares que

    procuravam apresentar um novo paradigma social construdo a partir da terra livre

    de qualquer dominao estrangeira, objetivando o resgate de sua identidade

    construda a partir do contato com a terra. Desta forma entendemos que:

    A identidade do povo est intrinsecamente ligada terra e sua relao com ela, ao seu espao vital livre e soberano. Isto tem a ver tanto com a terra como pedao de cho para viver, resistir, produzir e ser feliz, quanto o territrio nacional, que igualmente deve ser livre e soberano, garantindo a felicidade e a paz do povo. No Novo Testamento, afirmar a pertena e o acesso terra era garantir a identidade cultural do povo tambm por meio do vnculo histrico com seus antepassados (RICHTER REIMER, 2010, p. 50-51).

    Qual seria a relao dos bandidos sociais da Palestina no sculo I e a

    personagem histrica, Jesus de Nazar? O estudo do banditismo social na Palestina

    nos aproxima da mensagem do Jesus histrico? As motivaes dos bandidos

    sociais e dos zelosos nacionalistas podem ser relacionadas s motivaes de

    enfrentamento poltico do Jesus histrico? O fato de Jesus ter sido crucificado ao

    lado de bandidos, poderia indicar algum tipo de relao? Esta dissertao procura

    responder estas perguntas a partir de metodologia cientfica, da teoria histrica da

    plausibilidade, da sociologia compreensiva de Max Weber e da teoria sociolgica

    dos conflitos, procurando situar Jesus de Nazar no ambiente vivencial judaico no

    sculo I, e a relao de conflito econmico com as elites dominantes, representadas

    pelo imprio romano, pela famlia de Herodes e pelos sumos sacerdotes do templo

    judaico.

    Trata-se de elites, que mediante um sistema de patronagem, exerciam forte

    dominao econmica impondo alta carga tributria tambm sobre as famlias

    camponesas. Consequentemente, isto gerava, dentro do ambiente do campesinato,

    grande endividamento, perda das propriedades e desestruturao da famlia.

    neste ambiente que situamos Jesus de Nazar, que se apresentou tambm como o

  • 16

    resultado e uma proposta de soluo para uma situao de explorao econmica

    nas aldeias rurais e vilas da Palestina.

    Esta dissertao procura demonstrar que a reao de Jesus de Nazar aos

    impostos romanos pode ser observada na percope de Marcos 12,13-17, quando

    analisamos o dito de Jesus no v.17, que afirma: Devolvei a Csar o que de Csar

    e a Deus o que de Deus. Qual seria o significado da reposta de Jesus aos

    herodianos neste cenrio de expropriao de terra, endividamento, empobrecimento

    e desestruturao da famlia? Qual teria sido a atitude de Jesus diante dos

    cobradores de impostos romanos? possvel traduzir este dito de outra forma?

    A hiptese desta pesquisa apresentar que a atitude do Jesus histrico com

    relao aos impostos romanos, motivada por um zelo nacionalista e revolucionrio,

    fundamentado na afirmao bblica do Pentateuco, que reza: a terra [Israel]

    minha: diz o Senhor (Levtico 25,23). Jesus de Nazar, orientado por este zelo

    escriturstico e nacionalista, apresenta uma proposta tica pautada nas tradies

    profticas e do Pentateuco, confrontando o controle tirano e o abuso de poder por

    parte do Imprio Romano e suas estruturas de patronagem e controle sobre povos

    marginalizados e invisibilizados por uma elite aristocrtica e dominadora.

    Dividimos este trabalho em trs captulos. No primeiro, faremos um panorama

    histrico sobre as origens de Israel, focando particularmente na dominao romana

    da Palestina. muito importante conhecer o jeito romano de administrao da casa,

    observando como a chamada Pax Romana funcionava de forma opressiva e violenta

    sobre os povos dominados e ocupados. Mas, por outro lado, vemos uma certa

    reao entre os camponeses que decidiram protestar contra as instituies

    legitimadoras dos status quo: o Imprio Romano e o Templo de Jerusalm. Ambas

    instituies eram controladas pelas elites dominadoras que exploravam tambm o

    povo do campo mediante altos tributos, acarretando empobrecimento e

    endividamento.

    No captulo dois, abordaremos a pesquisa do Jesus histrico, por um lado, e

    as consequncias desta alta carga tributria sob a Palestina do sculo I, por outro.

    Dentro deste quadro, focaremos na probabilidade de nossa hiptese, que o impacto

    da tributao na Palestina criou um tecido social insuportvel, gerando resistncias

    campesinas diversas, profetas apocalpticos, magos e bandidos sociais. Haviam

    muitas pessoas doentes, muitos passavam fome e assim, tornou-se necessrio a

  • 17

    criao de um tecido social novo que dirimisse as desigualdades socais, que os

    evangelhos nomeiam de Reino de Deus, anunciando e vivido por Jesus.

    O captulo trs dever responder a crucial questo: qual a posio de Jesus

    diante dos impostos romanos? Comearemos pela anlise de Marcos 12, 13-17,

    focando na famosa frase, como normalmente usada: Dai a Csar o que de

    Csar a Deus o que de Deus. Todavia, a pesquisa exegtica demonstrou a

    possibilidade de traduo deste dito como: Devolvei a Csar o que pertence a

    Csar e a Deus o que pertence a Deus, que a nossa base de anlise. Em um

    segundo passo, partiremos para a crucificao e morte de Jesus de Nazar,

    procurando demonstrar que sua morte est diretamente relacionada com sua opo

    de resistncia contra a explorao tributria romana, bem como contra as elites

    aristocrticas do Templo de Jerusalm.

    Na pesquisa e na construo da dissertao, uma srie de autores serviram de

    referenciais, a fim de nos auxiliar neste percurso, entre os quais destacamos: Ivoni

    Richter Reimer, Joel Antnio Ferreira, Martin Volkmann, Wolfgang Stegeman e

    Stegemann, Lus Schiavo, Valmor Silva, Carolina Bezerra de Souza, John S.

    Hanson e Richard A. Horsley, John Dominic Crossan, Gabriele Cornelli, Bart

    Ehrman, Reza Aslan, Geza Vermes, Gerd Theissen e Annette Merz, dentre outros.

    Esta pesquisa modesta e realista, ou seja, a pesquisa do Jesus histrico

    uma sombra construda mediante mtodos cientficos, que procura se aproximar do

    Jesus real. Mas, no conseguimos alcanar a realidade total de Jesus, o Jesus

    histrico uma sombra do Jesus real. No mximo, podemos nos aproximar de uma

    imagem incompleta por meio de sua atuao na Galileia do sculo I.

    Por outro lado, isto , do ponto de vista religioso, torna-se relevante demonstrar

    que a Boa Notcia de Jesus foi direcionada para aqueles que se sentem

    invisibilizados ou marginalizados: os doentes que sofrem sem esperana, aqueles

    que esto desfalecendo de fome, as mulheres maltratadas por seus maridos ou

    companheiros, aqueles que esto condenados na priso; as prostitutas maltratadas

    e humilhadas nas caladas das cidades; as crianas que desconhecem o amor dos

    pais; aqueles que so excludos das igrejas; pessoas que morrem abandonadas,

    sendo enterradas sem cruz e sem orao.

    Dessa forma, para as pessoas que possuem f, Jesus continua preferindo os

    ltimos, considerados esquecidos, mas, amados somente por Deus (PAGOLA,

  • 18

    2014, p. 28). Entretanto, este Cristo da f escapa ao historiador, porque Ele est

    dentro do corao das pessoas!

  • 19

    1 A PALESTINA NA POCA DE JESUS

    Na Bblia, especificamente no Novo Testamento, encontramos duas

    narrativas acerca do nascimento de Jesus (Mateus 2 e Lucas 2). As narrativas

    colocam o nascimento de Jesus em Belm, nos dias de Herodes (37 a.C 4 a.C),

    rei da Judeia. Entretanto, existem algumas diferenas importantes entre os dois

    relatos.

    Na narrativa de Mateus, encontramos a famlia de Jesus morando em Belm,

    local onde ocorreu o nascimento de Jesus (Mt 2,1). Em Lucas, encontramos a

    famlia de Jesus morando no em Belm, mas em Nazar (Lc 2,1). No evangelho de

    Mateus, a famlia de Jesus decide morar na aldeia de Nazar por causa de uma

    srie de eventos dramticos que envolveu o massacre de meninos de dois anos de

    idade ou menos, todo este drama seria o cumprimento das Escrituras.

    Lucas de forma diferente, informa que a famlia de Jesus foi obrigada a sair de

    Nazar e deslocar-se a Belm por causa de um recenseamento, posteriormente,

    depois do cumprimento das ordenanas da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia,

    para a sua cidade de Nazar (Lc 2,39).

    Apesar dos manejos teolgicos dos dois evangelhos (PAGOLA, 2014, p. 577),

    os historiadores entendem que a temporalidade histrica da vida de Jesus ocorreu

    na poca do controle do imprio Romano sob a Palestina no sculo I. A partir deste

    recorte histrico, percebe-se que um estudo da vida de Jesus no pode ser

    dissociado de sua relao com a dominao romana na Palestina no sculo I.

    Como foi o controle do Imprio Romano sob a Palestina neste perodo? De

    que forma e por quais motivos a Palestina estava sob a dominao romana? Para

    podermos responder estas perguntas, torna-se necessrio apresentar um pano de

    fundo histrico do contexto em questo. Procuramos elucidar essas questes mais

    especificadas da relao da Palestina com Imprio Romano no captulo seguinte.

    1.1 AS ORIGENS DE ISRAEL: CAMPONESES LIVRES

    As origens de Israel2 rementem a algumas lideranas importantes como

    Moiss, Josu e outros libertadores. Entretanto, nas suas origens Israel se constitua

    2 possvel imaginar que a histria dos israelitas seja fcil de resumir, assim como sua viso de

    mundo, pois ambas esto documentadas na Bblia Hebraica, tambm conhecida como Velho

  • 20

    como um povo livre. A Cincia Histrica no nos apresenta a histria de Israel da

    forma como o texto bblico apresenta. H um certo consenso na pesquisa: Israel

    um fenmeno da Palestina. No vem de fora. No, surge pela conquista ou por

    imigrao (SCHWANTES, 2010, p. 11).

    A hiptese mais aceita pelos estudiosos atualmente , que a origem de Israel

    est relacionada com a diluio da sociedade cananeia no final do perodo do

    bronze tardio (1550 a.C. a 1200 a.C.) e do xodo de uma populao que habitava

    nos vales cananeus em direo as montanhas, o resultado deste xodo foi o

    tribalismo organizado nas montanhas de Israel (GOTTWALD,2004, p. 202-254). A

    partir da utilizao do bronze na confeco de novas ferramentas que foram

    utilizadas para construo de cisternas e derrubada de matas em abundncia nas

    montanhas. Nas palavras de Kaefer (2015, p. 31):

    O surgimento do que mais tarde seria Israel se deu nas montanhas. Encontramo-nos nas montanhas ao norte do Vale de Jezreel, na regio de Issacar e Zabulon, ao redor do monte Tabor, e ao sul do Vale de Jezreel, nas montanhas de Manasss e Efraim, at as montanhas de Benjamin. Entendemos que se pode situar a o nascedouro de Israel Norte. No perodo do Bronze tardio, entre os anos 1550 e 1200 a.C., comearam a surgir novas tcnicas para explorar as montanhas, como a metalurgia, que facilitou a derrubada de matas, e a utilizao da cal para revestimento de cisternas, o que permitia maior reserva de gua para os perodos de seca. Tudo isso proporcionou a explorao mais intensa das terras montanhosas.

    Nas montanhas, as pessoas oriundas do xodo das cidades cananeias se

    organizavam de forma tribal, a partir da famlia. Estas eram representadas pelos

    pastores palestinenses como Abrao, Isaque e Jac. Estes pastores habitavam

    entre o deserto e as matas, saram das cidades-estado cananeias, pois estas

    submetiam os camponeses a explorao por meio do trabalho. Cohn (1996, p. 173)

    especifica alguns detalhes desta origem:

    Essas comunidades aldes eram muito pequenas e dependiam, para sua sobrevivncia da agricultura e da criao de ovelhas, bodes e, s vezes, rebanhos bovinos. Alguns estudiosos acreditam que foram fundadas por camponeses que conseguiram se subtrair ao controle das cidades-Estado, numa poca em que estas entraram em declnio; outros sustentam que originalmente eles eram imigrantes nmades do Oriente, de Edom e Moab.

    Testamento. Infelizmente isto no , de maneira nenhuma, o que acontece, pois, as partes relevantes da Bblia foram coligidas e editadas num perodo bem tardio, entre os anos 600 a.C. e 100 a.C. e ditadas, alm do mais, para que se adequassem s crenas e experincias dos redatores. Com frequncia difcil, e s vezes impossvel, distinguir o que se pode ter sido vivenciado e expresso em pocas anteriores aos acrscimos e interpretaes. E tampouco fcil escolher entre argumentos e as concluses dos estudiosos bblicos, que vm divergindo por mais de um sculo. Porm, com este caveat lector, preciso tentar faz-lo (COHN, 1996, p. 173).

  • 21

    Agora, nas montanhas, os camponeses em torno da famlia buscavam novas

    solues para a sua vida dentro de organizao tribal, socializando a religio na

    busca por seu Deus. Desta forma:

    Os problemas internos da famlia e o perigo que representam as cidades so os temas principais dos textos que falam deles (Gnesis 12-50). Seu Deus el. Este El atua na famlia, em favor dela e dos mais frgeis (escravos, crianas). Tem forte ligao com o pai da casa, sendo inclusive o seu Deus. Vai com o grupo. O grupo no vai a ele em peregrinao (SCHWANTES, 2010, p. 13).

    Essa primeira organizao tribal recebeu um outro grupo que tambm se

    organizou a partir do xodo. Estes, so os trabalhadores forados pelo fara que

    tiveram que trabalhar na construo de Ramesss, a capital do Egito (LEITE, 2006,

    p. 41-56). Entretanto, sob a orientao de Moiss eles conseguem fugir deste

    imprio opressor. Nas palavras de Cohn (1996, p. 173),

    Enquanto um povo identificvel, os israelitas chegaram tarde terra de Cana. A rea de povoamento mais antiga que plausvel considerar israelita remonta, e acordo com recentes pesquisas arqueolgicas, ao perodo por volta de 1200 a.C., quando surgiu uma centena de aldeias no fortificadas na regio montanhosa distante das cidades cananeias do litoral.

    Numa estela egpcia encontra-se a frase: Israel foi destrudo, sua semente

    no existe mais, sendo ela a nica referncia no bblica a Israel neste perodo

    (ARMSTRONG, 2011, p. 46). Entretanto, isso no significa que a histria do xodo

    seja uma fico. Haviam no Egito muitas pessoas que no tinham propriedade,

    viviam marginalizados naquela sociedade mais urbanizada, e eram conhecidas

    como hapirus, foram foradas a trabalhar na nova construo de Ramss II (1304-

    1237 a.C.). possvel que algumas delas possam ter escapado para as regies de

    Cana (COHN, 1996, p. 174). Dessa maneira, durante o perodo de trabalhos

    forados no Egito, os israelitas passaram a receber o nome de hebreus, todavia no

    eram os nicos hapirus3 da regio (ARMSTRONG, 2011, p. 46).

    Neste xodo, o grupo liderado por Moiss segue pelo caminho dos filisteus em

    direo a Israel. Quando chegaram, se uniram ao projeto das montanhas, levaram

    consigo o seu Deus YHWH, cuja caracterstica no admitir outros deuses

    (SCHWANTES, 2010, p. 14). A respeito do Deus4 cultuado por Israel em suas

    origens:

    3 A similaridade entre os termos hapiru e hebreu torna muito provvel a hiptese, mesmo sabendo-

    se que os hapirus nunca constituram um grupo tnico homogneo (COHN, 1996, p.174). 4 Para conhecer sobre a histria do monotesmo em Israel, veja (REIMER, Haroldo. Inefvel e sem

    forma: Estudos sobre o monotesmo hebraico. Goinia, 2009)

  • 22

    O culto a El era muito forte em Cana, tanto que Israel herdou seu nome. Ou seja, no princpio o Deus de Israel era El e s mais tarde passou a ser Jav. [...] em nossas Bblias aparece a palavra Deus: quase certo que se trata de El; da mesma forma aparece o nome Senhor, seguro que se refira a Jav. [...] o que se pode concluir que Israel, por volta do sculo X a.C., Jav era um Deus entre outros. No entanto, bem provvel que por volta do incio do sculo IX a.C., o culto a Jav era predominante em Israel (KAEFER, 2015, p. 61-62).

    A organizao tribal nas montanhas acontecia em volta da famlia e

    funcionava de forma igualitria, tudo era decidido no ambiente da casa. Desta forma,

    o xodo tornou-se o modelo de identidade nacional e religiosa (HANSON;

    HORSLEY, 2013, p. 24). Estes primitivos israelitas decidiram estabelecer sua

    independncia livre de dominao e formaram uma aliana com YHWH com o

    objetivo de assegurar esta liberdade (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 24).

    Portanto, a religio de Israel se fundamenta na memria de uma experincia

    histrica interpretada e transmitida, ou seja, os israelitas acreditavam que YHWH

    teria libertado eles da corveia (trabalhos forados) do fara e posteriormente,

    mediante uma aliana, constituiu Israel como seu povo (BRIGHT, 2003, p. 186). A

    partir da construo de uma identidade, cujo modelo a libertao, Schwantes

    (2010) nos informa que:

    Na montanha ocorre uma integrao entre estes grupos to diferentes, entre cananeus e seminmades, entre trabalhadores do Egito e do Sinai. Tm coisas em comum: todos vm de um xodo, fugindo da opresso. Criam uma sociedade j sem opressor, rei ou fara. Formam, nas montanhas, um anti-modelo: anti-estado, anti-fara, anti-opresso, sem cidades, sem templos, quase sem sacerdcio. O xodo dos que estiveram no Egito torna-se paradigmtico. Passa a estar em lugar de tantos outros tantos xodos (2010, p. 14).

    Portanto, para os israelitas, YHWH passou a ser o seu Deus e rei, no havia

    instituio humana monrquica, nem estado e nem um templo para monopolizar o

    sagrado:

    O seu senhor dinmico, transcendente tambm no estava vinculado a nenhum espao particular: o Israel tribal no tinha um culto estabelecido num templo. A organizao social geral e a coerncia polticorreligiosa era dada pela aliana, atravs da sua renovao peridica e pela cooperao na guerra para manter a independncia. Embora ameaados por conquistas externas e pela desintegrao interna, os camponeses livres e independentes de Israel conseguiram manter-se por mais de 200 anos na regio montanhosa, onde os carros de guerra dos reis cananeus remanescentes no podiam subjug-los efetivamente (Jz 5) (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 25).

    A sociedade tribal era patriarcal, mesmo os ancios dos cls, que tinham a

    responsabilidade de julgar as disputas internas mediante acordos tradicionais

    construdos a partir de sbios conselhos, no existia espao para um governo

  • 23

    centralizado e organizado entre os anos 1200 e 1000 a.C. (BRIGHT, 2003, p. 207),

    dessa maneira:

    Nos dois sculos seguintes, os israelitas, aparentemente organizados em tribos, ocuparam uma extensa rea de Cana e, no obstante, as frteis regies costeiras, com suas cidades-Estado densamente povoadas, permaneceram intocadas (COHN, 1996, p. 174).

    Contudo, com o passar do tempo foram surgindo guerras em Israel e o perodo

    dos lderes carismticos comeou a ser eclipsado por uma outra forma de

    administrao. Este Israel clssico que teve sua origem dentro de um curto espao

    de tempo por volta de 1000 a.C5., contou com a ajuda de um homem chamado Davi,

    Inicialmente, ele procurou unificar as casas separadas de Israel objetivando uma

    forma de governo centralizada. Todavia, esta ajuda custou caro para Israel:

    At ento, os israelitas haviam se dividido em dois grupos ou casas principais, o setentrional e o meridional. O segundo rei, Davi, fundiu ambas as casas em um reino unificado; ele e depois seu filho, Salomo, governaram ambos os grupos a partir de Jerusalm, a capital, localizada em territrio neutro entre as regies do sul e do norte. Na verdade, o domnio deles ia alm: as cidades-Estado cananeias das plancies central e setentrional foram subjugadas e transtornadas em vassalas. No h consenso sobre a possibilidade de outros reinos vizinhos terem sido derrotados e incorporados ao domnio israelita (COHN, 1996, p. 174).

    O filho de Davi, chamado Salomo fortificou o Estado com um governo

    centralizador em conjunto com administradores selecionados pelo rei, a monarquia

    passou a ser a realidade dos vales (SCHWANTES, 2010, p. 18). A monarquia

    tambm conseguiu chegar nas montanhas, vencendo o tribalismo, implantando uma

    forma de culto nacional centralizado num templo localizado na cidade de Jerusalm

    (OTZEN, 2003, p. 14). Nas palavras de Hanson e Horsley (2013, p.25).

    Davi estabeleceu um estado monrquico em Israel, uma realeza com as caractersticas imperiais das naes que Israel at ento tinha considerado a grande ameaa para o seu modo e vida mais igualitrio. Agora a monarquia ocupava uma posio de intermediria entre os israelitas e o seu Deus. Agora as tribos de Israel, anteriormente livres, eram governadas a partir da capital Jerusalm [...]. A legitimao divina da nova ordem monrquica estava agora centrada no templo construdo por Salomo, o filho de Davi, em Sio, a montanha sagrada.

    A monarquia que foi instituda em Jerusalm tinha como modelo as sociedades

    do Oriente Prximo. A organizao poltica foi incorporada a partir do Novo Imprio

    egpcio, o sistema burocrtico possivelmente foi copiado das cidades-Estado

    5 Por volta do ano 1000 a.C., uma combinao de fatores polticos e econmicos levou formao

    de um Estado israelita centralizado e governado por um rei. Muitos estudiosos consideram este ponto inicial da histria de Israel, como narrativa crvel sobre um ponto claramente identificvel (COHN, 1996, p. 174).

  • 24

    cananeias, ou seja, a ideologia administrativa israelita tinha suas origens em

    modelos mesopotmicos e cananeus (COHN, 1996, p. 174).

    Para consolidar seu controle sobre os camponeses, Salomo constri o

    Templo em Jerusalm que estava em funo da tributao em espcie e alimentos.

    O Templo estava dedicado YHWH6, o Deus dos camponeses. Desta forma, o

    campons para poder ter acesso ao seu Deus, deveria se submeter tributao.

    Assim, encontramos no perodo do rei Salomo o monoplio do sagrado. O Deus

    histrico transferido, pelo templo, em um Deus fora da histria (SCHWANTES,

    2010, p. 26). Entretanto, isso se desfez aps a morte do rei Salomo7, ocorrida por

    volta de 926 ou 922 a.C. As casas continuaram a existir como reinos separados e

    distintos, observamos que:

    O reino do norte teve uma histria complicada. Por um longo perodo esteve sob presso dos Estados arameus vizinhos, na Sria. Tambm viveu incontveis conflitos internos, nos quais compls e regicdios eram ordem do dia; e, embora s vezes o reino tivesse considervel poder poltico, nunca alcanou estabilidade poltica. Em termos culturais e religiosos, o reino do norte foi caracterizado por sua abertura cultura cananeu-fencia, que teve xito nas cidades da costa da Fencia, mais ao Norte. Como consequncia, o culto a Iahweh do antigo Israel foi, s vezes, fracamente representado nos importantes crculos do norte (OTZEN, 2003, p. 15).

    Os camponeses israelitas, contudo, no aceitaram com facilidade esta nova

    forma de administrao, no reino do norte, parece que os camponeses, ou uma boa

    parte deles, nunca se sujeitaram monarquia. Os profetas Ams e Oseias

    condenaram os reis por causa da opresso ao povo (Am 5,10-11 e Os 8,1.4.8). Mas,

    os camponeses da casa do sul, isto , Jud, se sujeitaram mais facilmente

    monarquia. Todavia, os profetas oraculares do sul, tambm reagiram contra a

    opresso causada pela monarquia (Mq 3,9-12 e Is 3,13-15) (HANSON; HORSLEY,

    2013, p. 25-6). No jogo de foras existentes nessas mundanas, Schwantes (2010,

    p. 18) nos esclarece que:

    6 Torna-se cada vez mais difcil afirmar com alguma segurana quando, onde e como os israelitas conheceram o deus Yahweh. possvel, como diz o xodo, que ele tenha sido originalmente um deus midianita, introduzido na terra de Cana por imigrantes oriundos do Egito; ou ento pode ter surgido como um deus menor do panteo cananeu. O certo que os israelitas, ao se tornarem conscientes de si mesmos como povo, j haviam adotado Yahweh como deus tutelar. Com o estabelecimento da monarquia, Yahweh tornou-se um deus padroreiro do reino, e quando este foi dividido em duas partes, continuou a ser o deus de ambas assim como Chemosh era o deus tutelar dos moabitas; Mikom, dos amonitas; Hadad, dos arameus; Mekart, dos trios. Isto no significa que Yahweh tenha sido considerado desde o incio como o maior de todos os deuses. Originalmente El era o deus supremo dos israelitas, tal como sempre havia sido para os cananeus (COHN, 1996, p. 176). 7 A opresso de Salomo para a construo do Templo, dos palcios e o luxo da corte, gerou insatisfao devido a explorao econmica, gerando revoltas e consequentemente a separao das dez tribos do Norte e o trmino da monarquia davdica (VEIGA, 2006, p. 326).

  • 25

    A monarquia se imps. Mas o tribalismo jamais deixou de existir, ali nas montanhas. Foi vencido, mas no destrudo. O que ocorreu, que o estado se imps sobre as aldeias e as tribos. Em parte afetou-as e danificou-as, mas no as destruiu. Nos profetas temos a voz das tribos e das famlias do campo. Nos macabeus so as tribos que tomam as armas. Em Jesus temos muitos traos do projeto tribal. O tribalismo continuou, provavelmente como a realidade da maioria do povo campons. O tribalismo jamais tornou-se passado em Israel. Era o presente do povo, fonte de sua resistncia contra reis e imprios.

    No reino do sul, tambm conhecido como Jud, percebemos algumas

    caractersticas quando comparado com o reino do norte8. Apesar do sul ser dinstico

    e o norte monrquico, observemos:

    [...] foi muito mais estvel em termos polticos, tanto que nele as origens dinsticas continuaram com sucesso; por quatrocentos anos, os herdeiros de Davi ocuparam o trono de Jerusalm. O governo foi incondicionalmente centralizador, tanto que o pas foi controlado em vrios aspectos, inclusive religioso e cultural, da cidade capital de Jerusalm. Ali foi desenvolvida a verso do javismo que se tornou determinante para o entendimento, no judasmo posterior, daquilo que a crena em Iahweh, o Deus de Israel, acarretava (OTZEN, 2003, p. 15).

    Entretanto, o imprio neo-assrio estava realizando por mais de um sculo uma

    grande expanso territorial. Aps a ascenso de Tiglath-Pileser ao trono, as

    dcadas de 730 e 720 a.C., foram marcadas por dominao. O reino do norte foi

    inicialmente colocado na condio de vassalo, sendo posteriormente abolido. De

    acordo com a prtica neo-assria, a classe subjugada israelita foi deportada para

    vrias regies distantes como o intuito de causar o desaparecimento da populao:

    No sabemos exatamente o que aconteceu com as tribos do Norte depois que os assrios conquistaram o territrio e transformaram a Galileia numa provncia da Assria. At recentemente pensava-se que os assrios haviam deportado apenas as classes dirigentes, deixando de lado os camponeses cultivando a terra. Mas, as escavaes mais recentes constatam um grande vazio de populao durante este perodo. Provavelmente restaram somente alguns camponeses (PAGOLA, 2014, p. 51).

    O reino do sul, tambm chamado de Jud, tornou-se Estado vassalo dos

    assrios e nesta condio permaneceu at o sculo VII a.C.. Logo depois, a coaliso

    Sria-Palestina foi dominada pelo imprio de grande poderio na poca, Babilnia

    8 A diversidade do judasmo no fim do perodo do Segundo Templo explica-se em grande parte pela prpria evoluo da noo de judeu e de judasmo. Precisemos preliminarmente que a palavra judeu significava em sua origem um membro da tribo de Jud, depois um habitante da Judeia. S no sculo II antes de nossa era comeou a designar todos aqueles que veneram YHWH e vivem segundo os princpios da Lei mosaica. A palavra judeu, preciso esclarecer, era empregada sobretudo pelos gentios, os prprios judeus qualificando-se antes como povo de Israel. O termo judasmo encontrado pela primeira vez no Segundo Livro dos macabeus (2,21; 8,1; 14,38), composto na segunda metade do sculo II anterior nossa era, para definir, em oposio ao helenismo, os costumes e crenas dos judeus. As palavras judeus e judasmo so portanto frequentemente utilizadas de maneira anacrnica ou incorreta (BERNHEIM, 2003, p. 63).

  • 26

    (COHN, 1996, p. 175). Em 597 a.C., Nabucodonosor, o monarca babilnico no

    satisfeito com a postura de Jud, decidiu ocupar a regio de Jerusalm. Assim,

    quase todos os habitantes que possuam alguma habilidade foram deportados para

    a Babilnia, pessoas letradas, da realeza e aqueles que trabalhavam com

    artesanato em geral, foram removidos para impedir qualquer possibilidade de

    rebelio (OTZEN, 2003, p; 16).

    Zedequias, escolhido por Babilnia para reinar de 597 a 586 a.C., decidiu se

    rebelar, o resultado foi que em 586 a.C., os babilnios resolveram fazer uma nova

    interveno em Jerusalm, destruindo a cidade e o Templo do rei Salomo.

    Consequentemente, grande parte da classe dominante judaica e da famlia real

    foram conduzidas ao exlio em Babilnia. O Estado veio abaixo, perdendo a ltima

    possibilidade uma independncia poltica (COHN, 1996, p. 175).

    Obviamente, os dois pequenos reinos israelitas foram incapazes de declarar sua independncia em face dessas potncias gigantescas. Na verdade, o reino do norte j estava arruinado desde 722 a.C., quando os assrios tomaram a cidade capital de Samaria, dividindo o reino em vrias provncias e incorporando-as a seu imprio. O reino do sul teve um destino semelhante em 586 a.C.; foi o rei babilnico Nabucodonosor quem tomou Jerusalm, destruiu o templo de Salomo e anexou esta provncia ao seu imprio gigante (OTZEN, 2003, p. 16).

    Aps a perda da independncia de Jud e a deportao da classe dominante

    pelos babilnios. A Babilnia foi derrotada e conquistada pelos Persas, sob o

    comando de Ciro, em 539 a.C., posteriormente, com Dario I, a Prsia ampliou seu

    controle sobre o Oriente Mdio por um perodo de quase 200 anos (HANSON;

    HORSLEY, 2013, 27). O rei dos Persas autorizou o retorno dos judeus para a sua

    terra, permitindo que voltassem a viver conforme os costumes dos seus ancestrais

    (BERNHEIM, 2003, p. 63). Nas palavras de Koester (2012, p. 209):

    A reconstruo da comunidade religiosa de Jerusalm nas dcadas seguintes processou-se sob a influncia dos que permaneceram na Babilnia. O Templo de Jerusalm (o Segundo Templo) foi construdo durante os anos de 520-525 a.C., perodo em que tambm foi o incio da reconstruo das muralhas da cidade; logo interrompida. Ao que parece, os que retornaram, e que agora viviam sob a autoridade do strapa da Samaria, estavam envolvidos em diversos conflitos e negociaes com outras populaes judias e no-judias da regio.

    Assim, comeou a surgir um novo tipo de religio em Jud, graas aos esforos

    de dois homens. Neemias e Esdras, os dois pertenciam comunidade de Babilnia,

    Neemias era um judeu que possua um cargo elevado na corte da Prsia,

    posteriormente foi nomeado como governador de Jud. Esdras, o escriba, estava

  • 27

    autorizado pela Prsia para ensinar a Tor9 as pessoas que estavam habitando na

    Sria-Palestina e se consideravam judeus, e estabelecer um sistema administrativo

    que garantisse obedincia a Tor (COHN, 19996, p. 193).

    Esdras e Neemias possuam essa autoridade sobre Jud, uma rea pequena,

    mas que se localizava num local que do ponto de vista militar era estratgico, sendo

    importante ter uma estabilidade militar. Ambos recorreram a essa autoridade para

    legitimar o sentimento de identidade dos judeus (COHN, 19996, p. 193).

    Os judeus que que permaneceram na Babilnia e eram provavelmente a maioria dos deportados e seus descendentes formaram o ncleo da dispora judaica do leste, de grande importncia mais tarde. De muitas maneiras, a Babilnia foi o lugar espiritual do poder do judasmo nos sculos seguintes. Foi da Babilnia que partiram as correntes de renovao e reforma para Jerusalm, personificadas em figuras tais como Esdras e Neemias no sculo V a.C. (OTZEN, 2003, p.18).

    A famlia sumo sacerdotal de maior influncia assumiu a responsabilidade de

    supervisionar a justia e regulamentar os rituais e o culto. Jerusalm foi organizada

    como um Estado-Templo10, de forma similar a vrios outros reinos da Prsia

    (KOESTER, 2012, p. 211). O templo estava sob a proteo especial do rei persa,

    que contribuiu economicamente para sua reconstruo; e ao sumo sacerdote foi

    atribudo um grau de autoridade suficiente para conferir uma posio incomum

    Judia (OTZEN, 2003, p. 19).

    O funcionamento do Templo na vida judaica era de grande importncia. O

    Templo de Jerusalm era utilizado para marcar o calendrio dos judeus, os rituais, o

    ciclo do ano, ou seja, todas as atividades da vida cotidiana. Ele era o centro do

    funcionamento do comrcio em toda a Judeia, sendo a principal instituio financeira

    em Israel. Dessa maneira, o Templo era visto como local da morada de Deus, mas

    tambm como modelo de zelos nacionalistas, no Templo ficavam guardados os

    escritos sagrados da religio judaica, documentos legais e registros genealgicos

    (ASLAN, 2013, p. 33).

    Devido a extino da monarquia davdica, e mediante o fato que agora o poder

    civil e religioso estavam centralizados no Templo judaico, os sumos sacerdotes

    passaram a ser os aristocratas do governo. Este sumo sacerdcio passou a

    funcionar no interior da sociedade judaica no perodo ps-exlico como cabea dos

    9 Com autorizao imperial, o escriba real Esdras reorganizou a comunidade judaica de acordo com a

    lei que ele havia trazido de Babilnia (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 27). 10

    Uma parte dos fundos tesouro imperial foi destinado para a reconstruo do Templo de Jerusalm (COHN, 1996, p. 208).

  • 28

    judeus. A partir destes fatos, os poderes econmicos e polticos ficaram nas mos

    das principais famlias sacerdotais (STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 145-151).

    O Templo de Jerusalm funcionava como banco de depsitos, a custdia do

    tesouro no templo, isso possibilitou que a elite sacerdotal constitusse uma base

    financeira slida para legitimar e manter o seu controle sobre os demais judeus,

    principalmente, os camponeses11. (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 27). Entretanto,

    esse Estado-Templo era constitudo pela cidade de Jerusalm e algumas cidades

    pequenas da Judeia. Sua constituio era bem diferente de uma cidade-Estado

    grega, estas, tinham como base de autoridade governamental, magistrados e

    cidados livres da cidade. Mas, em Jerusalm, a constituio vinha do Templo,

    legitimada pela crena da presena divina de YHWH (VOLKMANN, 1992, p. 7-17).

    Durante este perodo seguiu-se a transmisso de ordem aos strapas e

    governadores que garantiram seu apoio permanente a esse Templo. Nisso

    vislumbramos outra vez a meta de unir todo Israel como um povo a servio de um

    Templo embelezado (MILLER, 2004, p. 107). A lei desse Estado-templo no era

    uma lei civil, mas uma lei sagrada entregue por Deus, tendo na pessoa do sumo

    sacerdote sua autoridade maior (KOESTER, 2012, p. 211). Acerca destas leis e

    como elas foram apresentadas, observamos que:

    Como apresentado pelo Deuteronomista, o pacto inclua uma srie de leis que se esperava que o povo observasse. Eram as 41 leis do Cdigo da Aliana (xodo 20, 23-23,33) e as 68 leis do Cdigo da Deuteronmico (Deuteronmio 12-26), alm dos inmeros ordenamentos da Lei de Santidade (Levtico 17-26) o nmero de mandamentos e proibies continuou a aumentar, at chegar a um total de 613 mandamentos. Todas essas leis foram atribudas a Moiss, ou antes a Deus falando por intermdio de Moiss. Na realidade, elas tinham origens das mais diversas. Aquelas formuladas como casos judiciais so provavelmente muito antigas muitas tm paralelo nas colees de leis da Mesopotmia. Isto vale para as leis que tratam de questes como penalidades para assassinato, estupro, roubo e outros crimes; os prejuzos causados pessoa propriedade; regras para a agricultura e o comrcio; e arranjos financeiros envolvidos no casamento. Mas tambm existem muitas leis que refletem a ideologia do movimento deuteronomista (COHN, 1996, p. 192).

    Portanto, a consolidao final dessas leis e sua aglutinao com tradies

    legais antigas nos Cinco Livros de Moiss, realizada no sculo IV a.C., passaram a

    valer para todos os israelitas (KOESTER, 2012, p. 212). Desta forma, a nao de

    11

    No perodo da monarquia davdica, antes da comunidade judaica ser inserida num contexto imperial, o profetismo tinha denunciado contra a explorao dos camponeses por parte da elite governante (HORSLEY, 2010, p. 10).

  • 29

    Israel tornou-se um reino de sacerdotes com obrigaes a serem cumpridas como

    a circunciso e a guarda do sbado. Depois do Exlio, este novo tipo de religio se

    consolidou em Jud, por meio do esforo de dois funcionrios da Prsia, Esdras e

    Neemias. Jud, apesar de ser pequena, era uma regio muito importante para a

    Prsia, pois a manuteno da estabilidade em Jud era conveniente para

    estratgias militares (COHN, 1996, p. 193).

    Entretanto, o Imprio Persa, e Jerusalm, caiu diante do poderio militar de

    Alexandre, o Grande. Este, com seu exrcito macednico, conquistou as regies da

    Grcia at o Egito e tambm a ndia em 330 a.C.. (HORSLEY, 2010, p. 63). O

    objetivo de Alexandre e seus sucessores era a consolidao da cultura e as ideias

    gregas nos povos conquistados (ASLAN, 2013, p. 38).

    Neste perodo, o territrio de Jud teve contato com a helenizao12, gerando

    reaes diversas entre os judeus13, posteriormente, aps a morte prematura de

    Alexandre, em 323 a.C., Jerusalm foi dividida como despojo para a famlia dos

    Ptolomeu e governada a partir do Egito, embora apenas por pouco tempo

    (STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 127-135). Em 198 a.C., a cidade foi retirada

    do controle ptolemaico pelo rei selucida Antoco, o Grande, cujo Filho Antoco

    Epfanes imaginava que seria Deus encarnado na terra, esforou-se para pr fim de

    uma vez por todas ao Deus de Israel, YHWH (KOESTER, 2012, p. 209-222).

    Antoco Epfanes chegou a invadir o Santo dos Santos do Templo em

    Jerusalm, roubando de l toda prata e todo ouro que encontrasse. Esta a

    abominao: um estrangeiro no Santo dos Santos para roubar! A situao piora

    quando Antoco probe a observao do sbado e a prtica da circunciso, estes

    smbolos principais do judasmo ps-exlico, enfim, probe o culto a Jav em

    Jerusalm. Estamos em 167 a.C.! (SCHWANTES, 2010, p. 88).

    Mas os judeus responderam tal blasfmia como uma implacvel guerrilha

    liderada pelos valentes filhos de Matatias, o Hasmoneu os macabeus -, que

    recuperaram Jerusalm, do controle selucida em 164 a.C., dessa maneira, pela

    12 No se deve compreender a helenizao como um processo imperialista de mo nica. A civilizao helenstica, fruto do encontro dos gregos com o Oriente, incorporava elementos originas das duas culturas helenizao conduzia a uma certa homogeneizao do leste e do sul da bacia mediterrnea e a cultura helenstica ia se tornar cada vez mais um fator identidade que ultrapassava fronteiras e etnias tradicionais. Na poca clssica, os gregos estavam ligados por um sangue comum, uma mesma lngua, um modo de vida e de pensamento similar. No sculo IV, com a expanso macednia, o sangue perdeu sua importncia em comparao com a lngua e o modo de viver e de pensar. Era possvel ento tornar-se um grego por assimilao cultural (BERNHEIM, 2010, p.64). 13 BERNHEIM, 2003, p. 64

  • 30

    primeira vez, depois de quatro sculos, conseguiram restaurar a independncia dos

    judeus na regio da Judeia (ASLAN, 2013, p. 38 e GARCIA, 2006, p. 273). Quando

    ao Antoco Epfanes e a literatura danilica, Schwantes (2010, p. 88-89) nos

    esclarece que:

    Antoco inclusive morreu no prprio ano 162 a.C., num de seus assaltos a templos na Sria. A abominao estava castigada! O templo reconstrudo e devidamente purificado, em dezembro de 164! Surge o livro de Daniel, cuja segunda parte, caps. 7-12, encontra explicaes apocalpticas para interpretar o que sucedia com as abominaes do imprio.

    Com a criao de um reino hasmoneu, os macabeus procuraram consolidar os

    costumes tradicionais em oposio ao helenismo. Governantes hasmoneus como

    Joo Hircano (134 104 a.C) e Alexandre Janeu (103-76 a.C) fizeram crescer

    consideravelmente os territrios sob sua dominao (ROST, 2004, p. 34-5). Desta

    forma, de uma revolta popular, pouco a pouco vai emergindo uma poltica de

    estado (SCHWANTES, 2010, p. 89)

    Populaes inteiras foram convertidas mesmo que involuntariamente ao

    Judasmo do Estado-Templo de Jerusalm (GARCIA, 2006, p. 273). Portanto, o

    movimento de libertao e liberdade vai enveredando pelo seu contrrio

    (SCHWANTES, 2010, p. 89). Os hasmoneus da Judeia submeteram a Galileia ao

    Estado-Templo de Jerusalm e obrigaram seus habitantes a viver segundo as leis

    judaicas (PAGOLA, 2014, p. 52). Desta maneira, a partir no ano 100, diante da

    tentativa de construo e criao da identidade religiosa e poltica judaica, vrios

    movimentos emergiram do Judasmo, fariseus, essnios e saduceus, cada um com

    sua interpretao da Tor (BERNHEIM, 2003, p. 65).

    Pelos cem anos seguintes, os macabeus governaram a terra de Deus com punho de ferro. Eles eram reis-sacerdotes, cada um servindo tanto como rei dos judeus como sumo sacerdote do Templo. Mas quando a guerra civil eclodiu entrei os irmos Hircano e Aristbulo pelo controle do trono, cada irmo tolamente pediu apoio a Roma. Pompeu tomou as splicas dos irmos como um convite para tomar Jerusalm para si mesmo, assim colocando fim ao breve perodo de domnio judaico direto sobre a cidade de Deus (ASLAN, 2013, p. 38).

    Neste perodo comea a formao do Imprio Romano: em 63 a.C, assumindo

    o controle de Jerusalm pelas legies romanas de Pompeu, acentuando as

    tendncias de separao dos diversos grupos religiosos no interior da religio

    judaica, (BERNHEIM, 2003, p. 65). Os selucidas no conseguiram resolver o

    problema da guerra civil provocada pelos filhos de Alexandre Janeu (103 a.C 76

    a.C) na dcada de 60 a.C., os romanos, no entanto, que j haviam entrado na Sria,

  • 31

    conseguiram tal restaurao. Em 63 a.C., Pompeu conseguiu tomar a Palestina sem

    muitos problemas, tanto que a Palestina permaneceu subjugada guia romana por

    muitos sculos (OTZEN, 2003, p. 45).

    Com a chegada do domnio romano na Palestina. A dinastia dos macabeus foi

    abolida, mas Pompeu autorizou Hircano manter-se na funo de sumo sacerdote.

    Isso desagradou os judeus que eram partidrios de Aristbulo, gerando inmeras

    revoltas, os romanos reagiram de forma enrgica, escravizando populaes,

    massacrando pessoas e queimando as cidades (KOESTER, 2012, p. 391-394).

    Estes fatos contriburam para aumentar ainda mais a situao de misria na

    Palestina, camponeses famintos e endividados lutavam contra as classes

    dominantes que governavam Jerusalm, e cada dia que se passava, os

    dominadores aumentavam ainda mais o seu poder (ASLAN, 2013, p. 39).

    Portanto, debaixo do poderio dos romanos, a partir de 64 a.C., as condies de

    vida do povo assumiram um contorno cada vez mais insuportvel e dramtico.

    Convm matizar os detalhes destas perseguies no prximo captulo. A seguir,

    focaremos na dominao romana na Palestina, substancial para uma aproximao

    s realidades de vida no contexto do tema e objeto em questo.

    1.2 A DOMINAO ROMANA DA PALESTINA

    Jesus no conheceu pessoalmente os imperadores romanos de perto, Csar e

    Tibrio no chegaram a colocar os ps na pequena regio controlada pelo imprio

    romano desde que Pompeu chegou em Jerusalm na primavera de 63 a.C..

    Entretanto, Jesus conhecia as histrias de dominao deles e pde ver as suas

    imagens em algumas moedas que circulavam na Palestina de seu tempo. Assim,

    Jesus sabia muito bem quem eram os romanos e o que eles queriam com a terra de

    Israel, dominao!

    1.2.1 O Imprio Romano

    O perodo do Imprio Romano abrange o governo de Otvio Augusto, em 27

    a.C., at a deposio de Rmulo Augusto em 476 a.C., este o perodo que

    convencionalmente, chamado na Histria do Imprio Romano. Todavia, devemos

    destacar que tal perodo no foi totalmente homogneo, antes, foi caracterizado por

  • 32

    algumas variaes de conflitos internos e externos. Este perodo dividido em Alto

    Imprio e Baixo Imprio (MEN, 2014, p. 132).

    Durante um longo perodo de guerras civis, Roma decidiu adotar o regime de

    governo imperial. O incio do imprio ficou conhecido como o perodo da Pax

    Romana14, foi uma poca de relativa paz dentro do ambiente interno do imprio,

    durou cerca de 250 anos (27 a.C 235 d.C.).

    Os imperadores tinham muito poder, mas no eram reis, a dominao

    sucessiva no era transferida de forma hereditria, mas burocrtica. Buscava-se

    uma maior centralizao do poder no imperador, apesar da Repblica ainda

    continuar na forma de administrao imperial. O imperador passou a ser

    reverenciado como uma divindade:

    No caso do Imprio Romano, constatava-se que na maioria das vezes o culto no era imposto de cima, mas que vinha de baixo. Augusto, em particular, enquanto vivo, foi objeto de uma multido de cultos e homenagens religiosas, que ele habilmente sempre encorajou, porque consolidavam o Imprio e o novo regime. Participar do culto de Roma e de Augusto era gesto de lealdade poltica (LEMONON e COMBY, 1988, p. 17).

    Neste perodo de paz, muitas conquistas foram concretizadas, as atividades

    culturais e econmicas ganharam maior impulso, surgiram novas construes com

    monumentos, teatros, pontes e aquedutos. Com isto, criou-se o ambiente poltico

    propcio para uma forma de governo mais centralizado numa nica pessoa, o

    imperador romano.

    O jeito romano de organizao da casa era a partir do patriarcado. Este mundo

    de subjugao e controle patriarcal ocorria em todas as esferas, seja poltica, social

    e familiar. Este controle romano era instrumentalizado na macroestrutura e na

    microestrutura (RICHTER REIMER, 2006, p. 73). Tcito (55-113), historiador romano

    que viveu durante este perodo de controle patriarcal, escrevendo na perspectiva

    das elites, diz:

    [...] mais perigoso do que so todos os romanos [...] Esses ladres do mundo, depois de no mais existir nenhum pas para ser devastado por eles, revolvem at o prprio mar [...] Saquear, matar, roubar isto o que os romanos falsamente chamam de domnio, e ali onde, atravs de guerra, criam um deserto, isto eles chamam de paz [...] As casas so transformadas em runas, os jovens so recrutados para a construo de estradas. Mulheres, quando conseguem escapar das mos dos inimigos, so violentadas por aqueles que se dizem amigos e hspedes. Bens e

    14

    A Pax Romana no era espao de liberdade, como viram-no romanos como Tcito e Plnio, o Jovem. Para os no-romanos ela significava, muito mais, escravido, ainda que com espaos de liberdade concedidos (WENGST, 1991, p. 41).

  • 33

    propriedades transformam-se em impostos; a colheita anual dos campos tona-se tributo em forma de cereais; sob espancamentos e insultos, nossos corpos e mos so massacrados na construo de estradas atravs de florestas e pntanos [...] (TCITO apud RICHTER REIMER, 2006, p. 74).

    Desta forma, os romanos quando dominavam os territrios, estes eram

    colocados como ager publicus, ou seja, propriedade pblica=estatal. Este seria o

    fundamento para a cobrana dos impostos. O seu substrato ideolgico era motivado

    pela alegao da necessidade da paz. Essa era, a perspectiva do dominador e

    vencedor (RICHTER REIMER, 2006, p. 128). O perodo imperial foi caracterizado

    por uma preocupao com a expanso das terras objetivando lucros durante a

    conquista e posteriormente com a cobrana de impostos (FUNARI, 2002, p.89).

    A grande arrogncia do poder imperial romano em relao periferia, pode ser

    observada num episdio que chegou at ns mediante Tcito,

    Um chefe germano, submisso fielmente aos romanos por mais de cinquenta anos, guiou a sua tribo para uma terra sem dono, na fronteira, que, no entanto, estava reservada aos soldados romanos como pastagem ocasional para o seu gado. O germano pensava: Que eles conservassem as pastagens para os seus rebanhos, enquanto pessoas humanas passavam fome! S que no preferissem deserto e ermo a povos amigos! A resposta do governador romano, no entanto, dizia: necessrio submeter-se s ordens dos mais fortes; assim que os deuses... tinham decidido; que a deciso sobre o que eles querem dar e sobre o que eles querem tomar, permanecia na mo dos romanos e que eles no aceitam outro juiz que no eles prprios. Assim ele ordena a retirada. (TCITO apud WENGST, 1991, p. 33).

    Dentro dessa perspectiva imperial de dominao, podemos elencar algumas

    formas de enriquecimento. Primeiro: os povos dominados tinham que pagar

    indenizao ao Imprio Romano pelas despesas da guerra, com a ocupao da

    terra, a mo de obra utilizada era pela escravizao15, principalmente os mais jovens

    eram forados a trabalhar na construo de estradas, aquedutos e outros projetos

    imperiais que tinham como objetivo a romanizao dos povos conquistados.

    Segundo: os funcionrios do imprio eram colocados nas regies conquistadas,

    cobrando impostos por atividades profissionais como o artesanato e a prostituio

    nos templos, existia tambm cobrana de impostos nas estradas que ligavam as

    cidades, taxas alfandegrias e pedgios (RICHTER REIMER, 2010, p. 44-45).

    15

    O sistema da escravatura e a escravatura como sistema, escravatura elevada potncia como acontecimento natural este cinismo dos moradores torna claro que a liberdade da paz romana , em primeira linha, liberdade romana (WENGST, 1991, p. 40).

  • 34

    Para garantir a efetivao de sua dominao16, o Imprio Romano acionava a

    violncia, utilizando o exrcito romano como fora de coao e coeso, visando

    manter controle social na estrutura econmica, social e poltica do imprio. Assim,

    para manter seu status quo, a tortura praticada pelas autoridades romanas

    funcionava como um mecanismo de controle social. Entre estes controles, a forma

    mais cruel era a crucificao de mulheres e homens e a violentao das mulheres.

    Tcito, testemunha do sculo I d.C., descreve esse sistema romano cheio de

    violncia, o qual falsamente chama de pax romana. (RICHTER REIMER, 2006,

    p.139)

    Tambm na Palestina, uma regio que foi alvo das conquistas romanas,

    podemos observar como os romanos conseguiram realizar essa ocupao por meio

    de reis-clientes atravs da famlia de Herodes (73 a.C - 4 a.C), que tornou-se rei e

    tinha muitos planos econmicos e polticos para a Palestina. Neste contexto h de

    se perguntar como era a situao poltica durante o ministrio de Jesus de Nazar?

    Para entender melhor este contexto, vamos iniciar apresentando um panorama

    histrico sobre a Palestina e seus conflitos, gerando divisionismo poltico, fato que

    funcionou como facilitador para a interveno romana e instaurao da chamada

    Pax Romana.

    1.2 .2 A Pax Romana: Opresso e Violncia

    Csar Augusto entra no cenrio da Palestina como um mediador da paz,

    objetivando uma reconciliao entre as vrias lideranas no interior do judasmo. Ele

    remove dos judeus algumas conquistas que foram alcanadas, devolvendo as

    cidades ao comando da provncia da Sria (WENGST, 1991, p. 35).

    Roma administrava seu Imprio e as fronteiras, por meio da Pax Romana17,

    que de acordo com Wengst (1991, p. 22) a paz querida politicamente pelo

    imperador e seus funcionrios mais altos, estabelecida e garantida militarmente pela

    interveno das legies. Ou seja, a Pax Romana, seria uma paz armada, 16 [...] com o intuito de prevenir revoltas, os romanos construram estradas por toda a Itlia, o que lhes permitia o deslocamento rpido de tropas, e fundaram numerosas colnias sobre o territrio dos povos aliados. Estas colnias eram habitadas por cidados romanos vindos da cidade de Roma, soldados camponeses, que tomavam conta da regio, garantiam sua fidelidade aos romanos e recebiam lotes de terras confiscados dos antigos habitantes (FUNARI, 2002, p.86). 17

    Augusto inaugurou este perodo de relativa paz interna que durou 250 anos (31 a.C. 235 d.C). Este perodo de relativa paz ficou conhecido como a Paz Romana (FUNARI, 2002, p. 89).

  • 35

    representada por um Estado hierrquico, militar e coercitivo. Tcito (55-120 d.C.)

    coloca na boca do chefe do exrcito romano, Cerialis, as seguintes orientaes:

    [...] Embora tenhamos sido provocados tantas vezes, fizemos tal uso do direito dos vencedores, que no vos impusemos nada mais do que servia para proteo da paz. Pois no pode haver tranquilidade entre os povos sem o poder das armas, no pode haver poder das armas sem o pagamento do soldo e no pode haver pagamento do soldo sem tributos. Todo o resto tem em comum ... Se os romanos forem expulsos do pas, que os deuses nos livrem disso, que poder haver a no ser a guerra de todos os povos entre si? ... Assim, doai o vosso corao e a vossa venerao... paz e capital do Imprio. Que as experincias... vos previnam de dar preferncia teimosia ruinosa em lugar de a dar obedincia e segurana (TCITO apud WENGST, 1991, p. 36).

    Os romanos no seu perodo de expanso, procuravam dominar ou fazer

    alianas como os povos das naes vizinhas, os conquistados poderiam receber

    tratamentos diversos, de acordo com o seu posicionamento social em relao ao

    Imprio Romano, sendo que este tratamento era dado de acordo com a posio de

    classe da pessoa definida por questes econmicas.

    Aps a ocupao romana, os funcionrios do Imprio Romano colonizavam a

    maioria das cidades que passavam a funcionar como colnias mediante distribuio

    de terras para pessoas, que em sua maioria eram os militares que se encontravam

    na reserva. Esses militares recebiam por parte do Imprio, pequenas propriedades

    rurais, antes, habitadas por pessoas que foram escravizadas (RICHTER REIMER,

    2006, p. 87).

    Aqueles que colaborassem, recebiam direitos parciais ou totais de cidadania,

    por outro lado, os derrotados que resistissem eram capturados e muitos eram

    vendidos como escravos, outros eram submetidos vrias formas de tributaes

    instrumentalizadas pelo imprio romano na forma de impostos e tributos como

    evidncia de lealdade (FUNARI, 2002, p. 85).

    A situao econmica do povo judaico estava condicionada a determinadas

    relaes de produo como agricultura, artesanato, comrcio e atividade

    manufatureira e a administrao que se impunha por meio de impostos que

    deveriam ser recolhidos e pagos ao Estado central, as potncias estrangeiras e a

    elite sumo sacerdotal do Templo em Jerusalm (STEGEMANN; STEGEMANN,

    2004, p. 117).

  • 36

    O controle romano da Palestina judaica foi efetivado por meio da violncia18,

    seguida posteriormente por um prolongado perodo de disputas pelo poder.

    Contudo, as disputas tambm existiam internamente, caracterizadas pelo poder

    religioso. O domnio da regio era disputado por partidos asmoneus rivais, pelos

    partos e por grupos rivais oriundos da guerra civil romana, que devastava o

    Mediterrneo Oriental e a Itlia (HORSLEY; HANSON, 2013, p. 43).

    Assim, logo depois de assumir o controle da Judeia, Roma passou a nomear e

    destituir o sumo sacerdote, fazendo com que este, se transformasse essencialmente

    em um funcionrio romano. De acordo com Aslan (2013, p. 39), Roma procurava

    manter sob sua responsabilidade as vestes sagradas, entregando-as ao sumo

    sacerdote somente por ocasio das festas religiosas, sendo recolhidas no trmino

    do evento.

    Ao mesmo tempo, a interveno de Roma objetivava implantar o

    apaziguamento por meio do controle poltico administrativo. A ligao da paz com o

    poder de administrao militar foi expressa em duas frases do Augusto (apud

    WENGST, 1991, p. 33): Em todas as provncias [...] que no obedeciam ao nosso

    comando (imprio nostro), expandi as fronteiras. Pacifiquei as provncias da Glia e

    da Espanha, bem como a Germnia. nesta paz que est em vigor, o comando

    romano.

    Aps um governo bastante opressivo por parte dos reis clientes de Roma

    (Herodes e seus filhos), seguiu o domnio direto atravs de governantes

    estrangeiros, experincia que os judeus no tinham experimentado desde a

    conquista babilnica e persa (HORSLEY; HANSON, 2013, p. 43). Trata-se, aqui de

    procuradores romanos.

    Em termos de aristocracia sacerdotal judaica no sculo I d.C., sua atitude

    estava direcionada para os privilgios que poderiam receber dos romanos. Em

    Jerusalm, a aristocracia fundiria funcionava como classe sacerdotal. Esta era

    composta por vrias famlias ricas que mantinham o Templo. Essas famlias ficaram

    encarregadas por Roma pela coleta de impostos e tributos e manter a ordem entre

    as pessoas que estavam cada vez mais inquietas com o status quo. Entretanto, vale

    18 Os poderosos exercem violncia contra os povos. A finalidade desta violncia a manuteno da ordem constituda, na qual est claro quem dela tira proveito (SCHOTTROFF apud WENGST, 1991, p. 82).

  • 37

    ressaltar que essas famlias da elite sumo sacerdotal eram ricamente

    recompensadas por Roma por este servio (ASLAN, 2013, p. 39).

    A situao econmica na Palestina do sculo I era complicada por vrias

    questes. Uma delas era o fato de que nem todas as pessoas tinham condies de

    pagar esta alta quantidade de impostos e tributos, na verdade, a grande maioria no

    tinha nenhuma condio de arcar com esta tributao, principalmente, os

    camponeses. A consequncia deste controle mediante impostos, gerava

    consequentemente um alto endividamento, perda de terras e aumento da

    escravizao de camponeses (HORSLEY; HANSON, 2013, p. 43 e RICHTER

    REIMER, 2006, p. 138). No satisfeitos, os romanos ainda exigiam dos seus

    inimigos vencidos, o reconhecimento das dvidas da terra,

    O lucro que Roma auferia das provncias fazia-se de acordo com o Direito, a saber, de acordo com o direito dos vencedores. Os romanos exigiam sempre dos seus inimigos derrotados o reconhecimento das dvidas da guerra e, assim, o primeiro direito do vencedor o direito ao esplio da guerra. Na sua descrio da Bretanha, Tcito constata que ela tambm tem ouro, prata e outros metais e acrescenta imediatamente: como prmio da vitria. Os tesouros do solo no pertencem quele que o habita e cultiva os brbaros sequer sabem exatamente o que fazer com eles mas quele que superior, ao vencedor. Sobretudo o ouro exercia atrao muito grande (WENGST, 1991, p. 46).

    Os povos dominados perdiam tudo o que possuam e precisavam arcar com as

    consequncias indenizatrias dos gastos da guerra. A dvida contrada com

    emprstimos acrescentava juros; o mesmo serve para dvidas contradas por causa

    de impostos. Isso quer dizer que com o aumento da dvida e dificuldade ou

    impossibilidade de quitao da dvida no prazo estabelecido, tinha como

    consequncia vrias ameaas como tortura ou at mesmo a priso.

    Esta priso poderia ser estendia aos membros da famlia, como filhas e filhos.

    O controle mediante mecanismos sociais de opresso tinha consequncias em

    vrias relaes sociais praticadas pelos agentes naquele momento. Mulheres,

    crianas e homens foram empobrecidos e sofreram tambm violncia psicolgica,

    comprometendo suas demais relaes na socializao em outras esferas sociais

    (RICHTER REIMER, 2006, p. 140).

    Assim, os subjugados eram massacrados ou escravizados e suas terras eram

    tomadas e divididas entre os romanos e seus aliados (FUNARI, 2002, p. 85). Dessa

    forma, Roma mantinha seu controle mediante endividamentos que geravam cada

    vez mais novas formas de dominao. Para que isso funcionasse, o Imprio

    Romano procurava fazer aliana com as elites, aqueles que detinham posse de

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    terras, inclusive as elites religiosas (RICHTER REIMER, 2006, p. 138). Estes, eram

    os sumos sacerdotes que controlavam o Templo de Jerusalm por meio do

    monoplio do sagrado.

    Na prtica, povos que faziam aliana com Roma, estavam interessados nos

    privilgios que poderiam obter por meio dessa relao, afinal, uma aliana com

    Roma inclua apoio de fora militar, alguns aliados tornavam-se cidados romanos,

    isso inclua o direito de votar, mas, isso no era to importante, j que as

    assembleias eram majoritariamente controladas pela nobreza e o voto deveria ser

    realizado pessoalmente na cidade de Roma. Assim, a ttica de tratar de forma

    desigual os povos, principalmente os derrotados era bastante til para Roma, porque

    dificultava a organizao dos povos para se rebelarem contra o Imprio Romano

    (FUNARI, 2002, p.85).

    Ainda sobre a desigualdade acerca do tratamento por parte dos romanos,

    vemos Tcito colocando um discurso na boca do breto de Calgaco, informando

    acerca da periculosidade dos romanos, antes de uma batalha contra as tropas de

    Agrcola, observe:

    A cuja arrogncia se acredita escapar pela submisso e comportamento leal. Estes salteadores do mundo revolvem o prprio mar, depois que mais nenhum pas se oferece a suas descries; quando o inimigo rico, so cobiosos; quando pobre, procuram a fama; nem o Oriente, nem o Ocidente os saciou; so os nicos que cobiam riqueza e pobreza com igual avidez. Saquear, assassinar, assaltar, tudo isso eles designam com o nome falso de soberania (imperium), e onde criam um deserto, do-lhe o nome de paz. Filhos e parentes so para todos os homens, segundo a vontade da natureza, o que h de mais precioso; eles so-nos tirados por recrutamentos para fazerem trabalhos de escravos noutros lugares; mulheres e irms, mesmo que tenham escapado cobia do inimigo, so violentadas por aqueles que se acham amigos e hspedes. Os bens transformam-se em impostos, o resultado anual dos campos torna-se contribuies de cereais; os nossos corpos e as nossas mos, so massacrados com golpes e vituprios na construo de estradas atravs de florestas e pntanos. Escravos, nascidos para a servido, so vendidos uma vez e ento so alimentados pelos seus senhores; a Bretanha compra de novo cada dia a escravido e ela prpria alimenta diariamente (TCITO apud WENGST, 1992, p. 78).

    A partir destas informaes, podemos perceber que o controle imperial era

    exercido por meio de um forte controle sobre a terra, mediante uma poltica

    fundiria. Dessa maneira, sabemos que todos povos subjugados sofriam essa

    prtica violenta expressa em vrias formas: dvidas, escravido, violentao,

    espancamentos, trabalhos forados, processos de empobrecimento (RICHTER

    REIMER, 2006, p. 139).

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    Quando Roma conquistava uma regio, a distribuio das terras estava

    vinculada aos interesses romanos. Isto , os imperadores confiscavam as terras da

    populao do campo, geralmente devido s dvidas contradas por causa da

    impossibilidade econmica de pagamento dos impostos. O sistema escravagista era

    alimentado por diversas fontes, uma delas era o endividamento. Aliado a esta

    prtica, o sistema de dominao poltica era sustentado por arrecadao de

    impostos diversos (RICHTER REIMER, 2006, p. 138). At mesmo nas estradas, os

    cobradores de impostos faziam a coleta de viajantes e comerciantes. O pedgio era

    cobrado somente pela simples locomoo nas estradas,

    Mulheres e homens artesos bem como pequenos comerciantes viajavam muito para fazer seu trabalho e seus negcios. Iam do Pontus at Roma, da sia Menor at Grcia e Macednia, do Egito at Roma. Necessariamente passavam pelos postos de pedgio e de coleta de impostos. Todas as pessoas, independentemente se eram cidads ou estrangeiras, tinham que pagar impostos, os quais eram taxados sobre as mercadorias e sobre as atividades profissionais. O pedgio tinha que ser pago pelo simples fato de algum passar ali. Quem no pudesse pagar penhorava algo. Existiam taxas fixas e outras que eram estipuladas em at 5% do valor da mercadoria. Os cobradores de impostos tiravam mais dinheiro de viajantes e produtores do que o previsto nas taxas, avaliando o preo da mercadoria bem acima do que o valor real (RICHTER REIMER, 2006, p. 150).

    Os maiores latifundirios eram os militares aposentados, amigos, senadores e

    cavaleiros. As pessoas que ocupavam estas categorias sociais eram os maiores

    possuidores de terras em Roma. Consequentemente, uma classe poltica controlava

    Roma, juntamente com as colnias romanas localizadas por todo o imprio

    (RICHTER REIMER, 2010, p.45). As pessoas mais pobres dos povos conquistados,

    ou seja, os pertencentes ao extrato