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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
ESCOLA DE FORMAO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM CINCIAS
DA RELIGIO
MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO
HAMILTON CASTRO DA SILVA
JESUS DE NAZAR E A TRIBUTAO ROMANA:
EMPOBRECIMENTO, ENDIVIDAMENTO E O IMPACTO NO AMBIENTE DOS
CAMPONESES A PARTIR DE MARCOS 12,13-17
GOINIA
2017
2
HAMILTON CASTRO DA SILVA
JESUS DE NAZAR E A TRIBUTAO ROMANA:
EMPOBRECIMENTO, ENDIVIDAMENTO E O IMPACTO NO AMBIENTE DOS
CAMPONESES A PARTIR DE MARCOS 12,13-17
Dissertao apresentada Coordenao do Programa de Ps-graduao Stricto Sensu em Cincias da Religio da PUC de Gois para obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Religio.
Orientadora: Dra. Ivoni Richter Reimer
GOINIA
2017
3
4
5
DEDICATRIA
Aos meus filhos lindos, Davi e Dbora, vivo por eles e para eles,
Aos meus pais pelo incentivo.
6
AGRADECIMENTOS
PUC Gois, coordenao, a secretaria e ao corpo docente do Programa de Ps-
Graduao Stricto Sensu em Cincias da Religio pelo conhecimento acadmico;
Prof. Dra. Ivoni Richter Reimer pela dedicao, pacincia e orientao.
7
RESUMO
CASTRO, Hamilton. Jesus de Nazar e a Tributao Romana: Empobrecimento,
Endividamento e o Impacto no Ambiente dos Camponeses a partir de Marcos 12,13-
17. Dissertao de Mestrado (Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em
Cincias da Religio) Pontifcia Universidade Catlica de Gois, Goinia, 2017.
Esta dissertao foi realizada com o objetivo de apresentar o ambiente scio-
histrico da Palestina no sculo I, no qual viveu Jesus de Nazar, a fim de perceber
seus impactos nas prxis de Jesus, especificamente em relao tributao
romana. Observaremos as elites dominantes, representadas pelo Imprio Romano,
pela famlia de Herodes e pelos sumos sacerdotes do Templo em Jerusalm. Estas
elites, mediante um sistema de patronagem, exerciam forte dominao econmica
por meio de uma alta carga tributria sobre os camponeses.
Com isto, produziam, dentro do ambiente do campesinato, grande
endividamento, perda das propriedades e desestruturao da famlia. A pesquisa
procurou demonstrar que Jesus histrico o resultado e uma proposta de soluo
para uma situao de explorao econmica nas aldeias rurais e vilas da Palestina
no sculo I. A dissertao procura apresentar a reao de Jesus de Nazar aos
impostos romanos, analisando a percope de Marcos 12,13-17, especificamente o
dito de Jesus no v.17, que afirma: Devolvei a Csar o que de Csar e a Deus o
que de Deus. A pesquisa mostra que este dito indica que Jesus assumiu uma
postura crtica em relao ao pagamento de impostos aos romanos, em favor da
remoo das moedas do Imprio Romano das terras de Israel.
A pesquisa apresenta que a atitude do Jesus histrico contra os impostos
romanos motivada por um zelo nacionalista e escriturstico, fundamentado na
afirmao bblica em Levtico 25,23: A terra [Israel] minha: diz o Senhor. Dessa
maneira, Jesus de Nazar, orientado por este zelo nacionalista, apresenta uma
proposta tica pautada nas tradies bblicas e na apocalptica, confrontando o
controle tirano e o abuso de poder por parte do Imprio Romano, ou seja: A tica de
apresentar uma prxis de opo pelos pequenos, ultrapassando os regimes de
opresso e tirania.
Palavras-chave: Jesus histrico; Evangelho de Marcos, camponeses, apocalptica,
impostos romanos.
8
ABSTRACT
CASTRO, Hamilton. Jesus of Nazareth and Roman Taxation: Impoverishment,
Indebtedness and the Impact on Peasants' Environment from Mark 12: 13-17.
Master's Dissertation (Stricto Sensu Post-Graduation Program in Religion Sciences)
Pontifical Catholic University of Gois, Goinia, 2017.
This dissertation was carried out with the objective of presenting the socio-
historical environment of Palestine in the first century, in which Jesus of Nazareth
lived, in order to perceive its impacts on the praxis of Jesus, specifically in relation to
Roman taxation. We will observe the dominant elites, represented by the Roman
Empire, by the family of Herod and by the high priests of the Temple in Jerusalem.
These elites, through a system of patronage, exerted a strong economic domination
by means of a high tax burden on the peasants.
With this, they produced, within the peasantry environment, great indebtedness,
loss of property and the destruction of the family. The research sought to
demonstrate that historical Jesus is the result and a proposed solution to a situation
of economic exploitation in rural villages and towns of Palestine in the first century.
The dissertation seeks to present the reaction of Jesus of Nazareth to Roman taxes,
analyzing the text of Mark 12: 13-17, specifically the saying of Jesus in v. 17, which
states: "Return to Caesar the things of Caesar and to God the things of God." The
research shows that this saying indicates that Jesus took a critical stance regarding
the payment of taxes to the Romans in favor of the removal of the Roman Empire
coins from the lands of Israel.
The research shows that the attitude of the historical Jesus against Roman taxes
is motivated by a nationalistic and scriptural zeal based on the biblical statement in
Leviticus 25:23: "The land [Israel] is mine, says the Lord." In this way, Jesus of
Nazareth, guided by this nationalistic zeal, presents an ethical proposal based on
biblical and apocalyptic traditions, confronting the tyrannical control and abuse of
power by the Roman Empire, that is: The ethics of presenting a praxis of option for
the little ones, surpassing the regimes of oppression and tyranny.
Keywords: Historical Jesus; Gospel of Mark, peasants, apocalyptic, Roman taxes.
9
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURA 1 Hiptese das Duas Fontes ....................................................................61
FIGURA 2 Mapa da Palestina no Tempo de Jesus.................................................66
FIGURA 3 Margem Noroeste da Galileia................................................................75
FIGURA 4 Moeda com a Efgie do Imperador Tibrio, Filho do Divino
Augusto...................................................................................................................108
10
SUMRIO
INTRODUO...........................................................................................12
1 PALESTINA NA POCA DE JESUS.........................................................18
1.1 AS ORIGENS DE ISRAEL: OS CAMPONESES LIVRES............................18
1.2 A DOMINAO ROMANA DA PALESTINA................................................30
1.2.1 O Imprio Romano.......................................................................................30
1.2.2 Pax Romana: Opresso e Violncia.............................................................33
1.3 O GOVERNO DE HERODES: URBANIZAO E CONTROLE..................39
1.4 O TEMPLO DE JERUSALM E OS IMPOSTOS........................................46
2 JESUS DE NAZAR: METODOLOGIA E RESULTADOS ATUAIS DA
BUSCA PELO JESUS HISTRICO.....................................................................52
2.1 AS TRS FASES DA PESQUISA DO JESUS HISTRICO........................52
2.2 AS FONTES.................................................................................................58
2.2.1 Os Sinticos................................................................................................60
2.2.2 Evangelho de Marcos..................................................................................63
2.2.3 Fonte Q .......................................................................................................64
2.3 JESUS DE NAZAR: UM OLHAR HISTRICO..........................................65
2.3.1 Jesus de Nazar, Nascimento e Famlia......................................................65
2.3.2 A Educao de Jesus de Nazar.................................................................70
2.3.3 Jesus de Nazar e seu Mestre Joo Batista................................................72
2.4 JESUS DE NAZAR E A GALILEIA.............................................................75
2.5 IMPOSTOS E MOVIMENTOS DE RESISTNCIA.......................................80
2.5.1 O Banditismo Social na Palestina...............................................................82
2.5.2 Banditismo e Milenarismo...........................................................................86
2.5.3 A Perspectiva e a Motivao Apocalptica na Resistncia
Judaica.......................................................................................................................86
2.6 JESUS, O PROFETA APOCALPTICO.......................................................88
2.6.1 A Mensagem Apocalptica de Jesus...........................................................90
2.6.2 O Reino de Deus..........................................................................................90
2.6.3 O Filho do Homem.....................................................................................92
11
2.6.4 O Juzo Futuro............................................................................................93
3 JESUS DE NAZAR, O TEMPLO DE JERUSALM E O IMPOSTO
ROMANO..............................................................................................................96
3.1 O PROFETA NA SOCIOLOGIA WEBERIANA..........................................96
3.2 JESUS E O TEMPLO DE JERUSALM....................................................97
3.2.1 A Vida Incmoda de um Campons Galileu..............................................99
3.3 JESUS E O IMPOSTO ROMANO...........................................................102
3.3.1 Texto Grego de Marcos 12,13-17............................................................103
3.3.2 Traduo Prpria de Marcos 12,13-17....................................................103
3.3.3 Interpretaes favorveis ao pagamento dos Impostos
Romanos..................................................................................................................104
3.3.4 Jesus de Nazar foi Contrrio ao Pagamento do Imposto Romano......105
3.3.4.1 A pergunta dos herodianos como cilada................................................106
3.3.4.2 A resposta de Jesus como reorientao da pergunta e apresentao de
novas questes........................................................................................................109
3.3.4.3 A solicitao do denrio por parte de Jesus como chave de intepretao
do v.17......................................................................................................................110
3.4 A MAGIA E A APOCALPTICA CAMPONESA FRENTE A JERUSALM E
ROMA.......................................................................................................................112
3.4.1 Destruirei este Templo! ..........................................................................112
3.4.2 Nenhum Rei seno Csar.......................................................................116
CONCLUSO..........................................................................................................121
REFERNCIAS........................................................................................................124
12
INTRODUO Meu interesse pelo Jesus histrico surgiu em 2005, quando assisti uma
entrevista com o professor de Filosofia Antiga da Universidade de Braslia, Doutor
Gabriele Cornelli. Me lembro que na poca fiquei impressionado com as colocaes
do professor Gabriele acerca de Jesus de Nazar. Por que Jesus falou tanto de
dvidas? Por que sua mensagem falou tanto sobre pessoas que passavam fome?
Por que o Reino de Deus em Jesus para os pobres e no para os ricos? Por que
Jesus foi crucificado ao lado de bandidos sob a acusao: Rei dos Judeus?
Durante a entrevista, olhei no painel de apresentao do professor e estava escrito:
Doutor em Cincias da Religio, Gabriele Cornelli; pensei comigo mesmo: um dia
vou fazer este curso de Cincias da Religio e pesquisar sobre este fascinante
Jesus da histria.
Depois de alguns anos, finalmente este momento chegou, e durante as aulas do
mestrado em Cincias da Religio na Pontifcia Universidade Catlica de Gois em
2015, cursei uma disciplina como aluno especial, Religio, Gnero e Literatura
Sagrada, ministrada pela Doutora Ivoni Richter Reimer. Na poca fizemos vrias
leituras e uma delas me chamou muito a ateno, foi sobre um livro organizado pela
professora Ivoni Reimer, cujo ttulo era a Economia no Mundo Bblico: enfoques
sociais, histricos e teolgicos. Um captulo deste livro foi escrito pelo Doutor Uwe
Wegner que tinha o ttulo: Jesus, a dvida externa e os tributos romanos.
Conversando com minha orientadora, a Doutora Ivoni Reimer, decidi investigar
o contexto histrico da Palestina do sculo I, um ambiente caracterizado por
empobrecimento, expropriao de terras e endividamento. Meu objeto de pesquisa
seria o impacto das tributaes romanas no tecido social dos camponeses. No
entanto, para cumprir tal tarefa, seria necessrio suspeitar da traduo e
interpretao tradicional do texto bblico de Marcos 12, 17: Dai a Csar o que de
Csar e a Deus o que de Deus. Teria Jesus dito isso mesmo? Teria Jesus
respondido aos herodianos desta forma? Jesus de Nazar era a favor da tributao
romana? Acerca desta hermenutica da suspeita neste texto, sou devedor Doutora
Ivoni Reimer e ao Doutor Uwe Wegner.
Assim, esta dissertao tem o objetivo de apresentar Jesus de Nazar no
ambiente scio-histrico da Palestina no sculo I, o recorte histrico desta pesquisa
concentrado no sistema de patronagem consolidado nas estruturas de taxao
13
econmica. A partir desta observao do ambiente social, esta dissertao procura
se concentrar na tributao romana sobre a Palestina no sculo I e o seu impacto no
ambiente dos camponeses. Esta taxao tributria desenvolveu um ambiente
condicionante aos movimentos de resistncia, motivados por zelo nacionalista entre
os judeus que estavam perdendo suas terras e ficando endividados. O documento
de entrada para este ambiente socioeconmico o texto bblico de Marcos 12,13-
17, objetivando adentrar no ambiente vivencial de Jesus de Nazar.
Contudo, torna-se importante, quando falamos de Jesus de Nazar, apresentar
a perspectiva adotada nesta dissertao. Recorremos ao status quo da pesquisa
sobre o Jesus histrico que se originou no perodo do Iluminismo. Seu representante
de maior relevncia foram Hermann S. Reimarus (1679-1768) e David F. Strauss
(1808-1974), o primeiro situando Jesus no ambiente judaico e o segundo atravs da
crtica dos evangelhos. Reimarus procurou demonstrar uma descontinuidade entre
o Jesus da Histria e o Cristo da F. Essa proposta foi bastante trabalhada pela
teologia liberal no sculo XIX que com sua crtica racionalista, apresentava Jesus
com uma elevada mensagem humana e moral, mas exclua sua pessoa histrica.
Entretanto, na primeira metade do sculo XX, Albert Schweitzer (1875-1965) critica a
histria da busca pelo Jesus histrico, informando que o Jesus de Nazar no foi
localizado pela teologia do sculo XIX. Schweitzer procurou sustentar sua
interpretao da vida de Jesus na perspectiva da escatologia consequente.
Neste horizonte, a primeira metade do sculo XX foi caracterizada pela no
busca do Jesus histrico, e o grande estudioso do Novo Testamento Rudolf
Bultmann (1884-1976) concordou com Albert Schweitzer. Bultmann procurou dar
nfase na pregao da Igreja e no anncio do Cristo da f em descontinuidade com
o Jesus histrico. Entretanto, Ernst Ksemann (1906-1998), que foi aluno de
Bultmann, na comunicao de um paper em 1953, questionou essa descontinuidade
e procurou demonstrar continuidade entre o Jesus histrico e o Cristo da f nos
Evangelhos. Neste horizonte teve incio a New Quest, ou Nova Busca pelo Jesus
histrico, sendo que o mtodo utilizado nesta segunda fase da pesquisa, procurou
dar nfase no critrio da dessemelhana. Nesta perspectiva, tornou-se necessrio
superar o grande abismo criado por seu mestre Bultmann entre o kerigma e o Jesus
histrico. Mesmo que os evangelhos no fossem um texto histrico no sentido atual
e moderno, eles so uma memria narrativa do Jesus terreno e seria semelhante
aos textos de histria produzidos naquele perodo, sendo possvel acessar o Jesus
14
histrico, j que existe uma continuidade entre este e a f querigmtica na
perspectiva de E. Ksemann.
Algumas metodologias epistemolgicas da New Quest foram suplantadas,
posteriormente na pesquisa. Adotou-se um interesse pelo judasmo e suas
respectivas variaes do sculo I, foi eliminada a base da nova pesquisa que
apresentava um Jesus em oposio ao judasmo, e um dos resultados foi o
abandono da teologia querigmtica com a insero de uma nova metodologia, a
plausibilidade histrica. Dessa maneira, o caminho foi aberto para a terceira fase da
pesquisa do Jesus histrico a partir de novos critrios.
Assim, a partir da introduo de novos critrios interdisciplinares com um maior
rigor histrico em dilogo com a Antropologia, Arqueologia e Sociologia, inaugurou-
se a Third Quest, uma Terceira Busca, ligada aos nomes de Crossan e Meyer.
Nesta perspectiva, esta dissertao pretende dialogar com as pesquisas do
banditismo social do historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), recorrendo aos
mtodos utilizados por Crossan (antropologia cultural), Horsley (sociologia) e a
exegese histrico-crtica das percopes Mt 6,9-13; 18,21-35; 20.1-16; Mc 12,13-17 e
Lc 10,25-37. Esta pesquisa, portanto, construda a partir de um espectro
interdisciplinar das subdisciplinas clssicas das Cincias da Religio, Histria da
Religio, Antropologia da Religio e Sociologia da Religio.
A maneira como apresentamos Jesus neste trabalho segue a terceira fase da
pesquisa pelo Jesus histrico na perspectiva de Crossan e Horsley e suas
repercusses na Amrica Latina, por meio de Uwe Wegner, Ivoni Richter Reimer,
Joel Antnio Ferreira e Nstor Mguez, por exemplo. Trata-se de pesquisadores do
ambiente sociocultural e sociopoltico de Jesus. Assim, quando falamos de Jesus de
Nazar nesta dissertao, pensamos nele como um judeu da Galileia, cuja religio
foi o judasmo galilaico, uma pessoa pobre e oriunda do ambiente do campesinato,
Jesus no era um homem do centro de Jerusalm, era um homem da periferia que
se movimentava tambm pelas cidades de sua regio. Este homem galileu, contudo,
no se conformou com as estruturas dominantes de sua poca e procurou
apresentar uma proposta de soluo, cujo resultado foi a sua morte por meio da
crucificao por parte do poder romano.
Do ponto de vista histrico, a Palestina durante o sculo I estava sob a
dominao imperial romana. Neste contexto, os camponeses foram submetidos a
um sistema de taxao exploratrio que visava custear e manter um trplice sistema
15
de poder, representado primeiramente pelo imperador romano, posteriormente pela
elite sacerdotal do templo de Jerusalm, sendo o Sumo Sacerdote, sua figura
poltica e religiosa de maior destaque e por ltimo o rei cliente de Roma, o Herodes.
A Palestina no sculo I torna-se assim, um ambiente explosivo, onde
podemos observar vrios movimentos populares de resistncia contra a explorao
provocada pelos altos impostos, gerando empobrecimento e endividamento no
ambiente do campesinato. Dentre estas resistncias encontramos o banditismo
social e o zelotismo nacionalista que surgiram como movimentos populares que
procuravam apresentar um novo paradigma social construdo a partir da terra livre
de qualquer dominao estrangeira, objetivando o resgate de sua identidade
construda a partir do contato com a terra. Desta forma entendemos que:
A identidade do povo est intrinsecamente ligada terra e sua relao com ela, ao seu espao vital livre e soberano. Isto tem a ver tanto com a terra como pedao de cho para viver, resistir, produzir e ser feliz, quanto o territrio nacional, que igualmente deve ser livre e soberano, garantindo a felicidade e a paz do povo. No Novo Testamento, afirmar a pertena e o acesso terra era garantir a identidade cultural do povo tambm por meio do vnculo histrico com seus antepassados (RICHTER REIMER, 2010, p. 50-51).
Qual seria a relao dos bandidos sociais da Palestina no sculo I e a
personagem histrica, Jesus de Nazar? O estudo do banditismo social na Palestina
nos aproxima da mensagem do Jesus histrico? As motivaes dos bandidos
sociais e dos zelosos nacionalistas podem ser relacionadas s motivaes de
enfrentamento poltico do Jesus histrico? O fato de Jesus ter sido crucificado ao
lado de bandidos, poderia indicar algum tipo de relao? Esta dissertao procura
responder estas perguntas a partir de metodologia cientfica, da teoria histrica da
plausibilidade, da sociologia compreensiva de Max Weber e da teoria sociolgica
dos conflitos, procurando situar Jesus de Nazar no ambiente vivencial judaico no
sculo I, e a relao de conflito econmico com as elites dominantes, representadas
pelo imprio romano, pela famlia de Herodes e pelos sumos sacerdotes do templo
judaico.
Trata-se de elites, que mediante um sistema de patronagem, exerciam forte
dominao econmica impondo alta carga tributria tambm sobre as famlias
camponesas. Consequentemente, isto gerava, dentro do ambiente do campesinato,
grande endividamento, perda das propriedades e desestruturao da famlia.
neste ambiente que situamos Jesus de Nazar, que se apresentou tambm como o
16
resultado e uma proposta de soluo para uma situao de explorao econmica
nas aldeias rurais e vilas da Palestina.
Esta dissertao procura demonstrar que a reao de Jesus de Nazar aos
impostos romanos pode ser observada na percope de Marcos 12,13-17, quando
analisamos o dito de Jesus no v.17, que afirma: Devolvei a Csar o que de Csar
e a Deus o que de Deus. Qual seria o significado da reposta de Jesus aos
herodianos neste cenrio de expropriao de terra, endividamento, empobrecimento
e desestruturao da famlia? Qual teria sido a atitude de Jesus diante dos
cobradores de impostos romanos? possvel traduzir este dito de outra forma?
A hiptese desta pesquisa apresentar que a atitude do Jesus histrico com
relao aos impostos romanos, motivada por um zelo nacionalista e revolucionrio,
fundamentado na afirmao bblica do Pentateuco, que reza: a terra [Israel]
minha: diz o Senhor (Levtico 25,23). Jesus de Nazar, orientado por este zelo
escriturstico e nacionalista, apresenta uma proposta tica pautada nas tradies
profticas e do Pentateuco, confrontando o controle tirano e o abuso de poder por
parte do Imprio Romano e suas estruturas de patronagem e controle sobre povos
marginalizados e invisibilizados por uma elite aristocrtica e dominadora.
Dividimos este trabalho em trs captulos. No primeiro, faremos um panorama
histrico sobre as origens de Israel, focando particularmente na dominao romana
da Palestina. muito importante conhecer o jeito romano de administrao da casa,
observando como a chamada Pax Romana funcionava de forma opressiva e violenta
sobre os povos dominados e ocupados. Mas, por outro lado, vemos uma certa
reao entre os camponeses que decidiram protestar contra as instituies
legitimadoras dos status quo: o Imprio Romano e o Templo de Jerusalm. Ambas
instituies eram controladas pelas elites dominadoras que exploravam tambm o
povo do campo mediante altos tributos, acarretando empobrecimento e
endividamento.
No captulo dois, abordaremos a pesquisa do Jesus histrico, por um lado, e
as consequncias desta alta carga tributria sob a Palestina do sculo I, por outro.
Dentro deste quadro, focaremos na probabilidade de nossa hiptese, que o impacto
da tributao na Palestina criou um tecido social insuportvel, gerando resistncias
campesinas diversas, profetas apocalpticos, magos e bandidos sociais. Haviam
muitas pessoas doentes, muitos passavam fome e assim, tornou-se necessrio a
17
criao de um tecido social novo que dirimisse as desigualdades socais, que os
evangelhos nomeiam de Reino de Deus, anunciando e vivido por Jesus.
O captulo trs dever responder a crucial questo: qual a posio de Jesus
diante dos impostos romanos? Comearemos pela anlise de Marcos 12, 13-17,
focando na famosa frase, como normalmente usada: Dai a Csar o que de
Csar a Deus o que de Deus. Todavia, a pesquisa exegtica demonstrou a
possibilidade de traduo deste dito como: Devolvei a Csar o que pertence a
Csar e a Deus o que pertence a Deus, que a nossa base de anlise. Em um
segundo passo, partiremos para a crucificao e morte de Jesus de Nazar,
procurando demonstrar que sua morte est diretamente relacionada com sua opo
de resistncia contra a explorao tributria romana, bem como contra as elites
aristocrticas do Templo de Jerusalm.
Na pesquisa e na construo da dissertao, uma srie de autores serviram de
referenciais, a fim de nos auxiliar neste percurso, entre os quais destacamos: Ivoni
Richter Reimer, Joel Antnio Ferreira, Martin Volkmann, Wolfgang Stegeman e
Stegemann, Lus Schiavo, Valmor Silva, Carolina Bezerra de Souza, John S.
Hanson e Richard A. Horsley, John Dominic Crossan, Gabriele Cornelli, Bart
Ehrman, Reza Aslan, Geza Vermes, Gerd Theissen e Annette Merz, dentre outros.
Esta pesquisa modesta e realista, ou seja, a pesquisa do Jesus histrico
uma sombra construda mediante mtodos cientficos, que procura se aproximar do
Jesus real. Mas, no conseguimos alcanar a realidade total de Jesus, o Jesus
histrico uma sombra do Jesus real. No mximo, podemos nos aproximar de uma
imagem incompleta por meio de sua atuao na Galileia do sculo I.
Por outro lado, isto , do ponto de vista religioso, torna-se relevante demonstrar
que a Boa Notcia de Jesus foi direcionada para aqueles que se sentem
invisibilizados ou marginalizados: os doentes que sofrem sem esperana, aqueles
que esto desfalecendo de fome, as mulheres maltratadas por seus maridos ou
companheiros, aqueles que esto condenados na priso; as prostitutas maltratadas
e humilhadas nas caladas das cidades; as crianas que desconhecem o amor dos
pais; aqueles que so excludos das igrejas; pessoas que morrem abandonadas,
sendo enterradas sem cruz e sem orao.
Dessa forma, para as pessoas que possuem f, Jesus continua preferindo os
ltimos, considerados esquecidos, mas, amados somente por Deus (PAGOLA,
18
2014, p. 28). Entretanto, este Cristo da f escapa ao historiador, porque Ele est
dentro do corao das pessoas!
19
1 A PALESTINA NA POCA DE JESUS
Na Bblia, especificamente no Novo Testamento, encontramos duas
narrativas acerca do nascimento de Jesus (Mateus 2 e Lucas 2). As narrativas
colocam o nascimento de Jesus em Belm, nos dias de Herodes (37 a.C 4 a.C),
rei da Judeia. Entretanto, existem algumas diferenas importantes entre os dois
relatos.
Na narrativa de Mateus, encontramos a famlia de Jesus morando em Belm,
local onde ocorreu o nascimento de Jesus (Mt 2,1). Em Lucas, encontramos a
famlia de Jesus morando no em Belm, mas em Nazar (Lc 2,1). No evangelho de
Mateus, a famlia de Jesus decide morar na aldeia de Nazar por causa de uma
srie de eventos dramticos que envolveu o massacre de meninos de dois anos de
idade ou menos, todo este drama seria o cumprimento das Escrituras.
Lucas de forma diferente, informa que a famlia de Jesus foi obrigada a sair de
Nazar e deslocar-se a Belm por causa de um recenseamento, posteriormente,
depois do cumprimento das ordenanas da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia,
para a sua cidade de Nazar (Lc 2,39).
Apesar dos manejos teolgicos dos dois evangelhos (PAGOLA, 2014, p. 577),
os historiadores entendem que a temporalidade histrica da vida de Jesus ocorreu
na poca do controle do imprio Romano sob a Palestina no sculo I. A partir deste
recorte histrico, percebe-se que um estudo da vida de Jesus no pode ser
dissociado de sua relao com a dominao romana na Palestina no sculo I.
Como foi o controle do Imprio Romano sob a Palestina neste perodo? De
que forma e por quais motivos a Palestina estava sob a dominao romana? Para
podermos responder estas perguntas, torna-se necessrio apresentar um pano de
fundo histrico do contexto em questo. Procuramos elucidar essas questes mais
especificadas da relao da Palestina com Imprio Romano no captulo seguinte.
1.1 AS ORIGENS DE ISRAEL: CAMPONESES LIVRES
As origens de Israel2 rementem a algumas lideranas importantes como
Moiss, Josu e outros libertadores. Entretanto, nas suas origens Israel se constitua
2 possvel imaginar que a histria dos israelitas seja fcil de resumir, assim como sua viso de
mundo, pois ambas esto documentadas na Bblia Hebraica, tambm conhecida como Velho
20
como um povo livre. A Cincia Histrica no nos apresenta a histria de Israel da
forma como o texto bblico apresenta. H um certo consenso na pesquisa: Israel
um fenmeno da Palestina. No vem de fora. No, surge pela conquista ou por
imigrao (SCHWANTES, 2010, p. 11).
A hiptese mais aceita pelos estudiosos atualmente , que a origem de Israel
est relacionada com a diluio da sociedade cananeia no final do perodo do
bronze tardio (1550 a.C. a 1200 a.C.) e do xodo de uma populao que habitava
nos vales cananeus em direo as montanhas, o resultado deste xodo foi o
tribalismo organizado nas montanhas de Israel (GOTTWALD,2004, p. 202-254). A
partir da utilizao do bronze na confeco de novas ferramentas que foram
utilizadas para construo de cisternas e derrubada de matas em abundncia nas
montanhas. Nas palavras de Kaefer (2015, p. 31):
O surgimento do que mais tarde seria Israel se deu nas montanhas. Encontramo-nos nas montanhas ao norte do Vale de Jezreel, na regio de Issacar e Zabulon, ao redor do monte Tabor, e ao sul do Vale de Jezreel, nas montanhas de Manasss e Efraim, at as montanhas de Benjamin. Entendemos que se pode situar a o nascedouro de Israel Norte. No perodo do Bronze tardio, entre os anos 1550 e 1200 a.C., comearam a surgir novas tcnicas para explorar as montanhas, como a metalurgia, que facilitou a derrubada de matas, e a utilizao da cal para revestimento de cisternas, o que permitia maior reserva de gua para os perodos de seca. Tudo isso proporcionou a explorao mais intensa das terras montanhosas.
Nas montanhas, as pessoas oriundas do xodo das cidades cananeias se
organizavam de forma tribal, a partir da famlia. Estas eram representadas pelos
pastores palestinenses como Abrao, Isaque e Jac. Estes pastores habitavam
entre o deserto e as matas, saram das cidades-estado cananeias, pois estas
submetiam os camponeses a explorao por meio do trabalho. Cohn (1996, p. 173)
especifica alguns detalhes desta origem:
Essas comunidades aldes eram muito pequenas e dependiam, para sua sobrevivncia da agricultura e da criao de ovelhas, bodes e, s vezes, rebanhos bovinos. Alguns estudiosos acreditam que foram fundadas por camponeses que conseguiram se subtrair ao controle das cidades-Estado, numa poca em que estas entraram em declnio; outros sustentam que originalmente eles eram imigrantes nmades do Oriente, de Edom e Moab.
Testamento. Infelizmente isto no , de maneira nenhuma, o que acontece, pois, as partes relevantes da Bblia foram coligidas e editadas num perodo bem tardio, entre os anos 600 a.C. e 100 a.C. e ditadas, alm do mais, para que se adequassem s crenas e experincias dos redatores. Com frequncia difcil, e s vezes impossvel, distinguir o que se pode ter sido vivenciado e expresso em pocas anteriores aos acrscimos e interpretaes. E tampouco fcil escolher entre argumentos e as concluses dos estudiosos bblicos, que vm divergindo por mais de um sculo. Porm, com este caveat lector, preciso tentar faz-lo (COHN, 1996, p. 173).
21
Agora, nas montanhas, os camponeses em torno da famlia buscavam novas
solues para a sua vida dentro de organizao tribal, socializando a religio na
busca por seu Deus. Desta forma:
Os problemas internos da famlia e o perigo que representam as cidades so os temas principais dos textos que falam deles (Gnesis 12-50). Seu Deus el. Este El atua na famlia, em favor dela e dos mais frgeis (escravos, crianas). Tem forte ligao com o pai da casa, sendo inclusive o seu Deus. Vai com o grupo. O grupo no vai a ele em peregrinao (SCHWANTES, 2010, p. 13).
Essa primeira organizao tribal recebeu um outro grupo que tambm se
organizou a partir do xodo. Estes, so os trabalhadores forados pelo fara que
tiveram que trabalhar na construo de Ramesss, a capital do Egito (LEITE, 2006,
p. 41-56). Entretanto, sob a orientao de Moiss eles conseguem fugir deste
imprio opressor. Nas palavras de Cohn (1996, p. 173),
Enquanto um povo identificvel, os israelitas chegaram tarde terra de Cana. A rea de povoamento mais antiga que plausvel considerar israelita remonta, e acordo com recentes pesquisas arqueolgicas, ao perodo por volta de 1200 a.C., quando surgiu uma centena de aldeias no fortificadas na regio montanhosa distante das cidades cananeias do litoral.
Numa estela egpcia encontra-se a frase: Israel foi destrudo, sua semente
no existe mais, sendo ela a nica referncia no bblica a Israel neste perodo
(ARMSTRONG, 2011, p. 46). Entretanto, isso no significa que a histria do xodo
seja uma fico. Haviam no Egito muitas pessoas que no tinham propriedade,
viviam marginalizados naquela sociedade mais urbanizada, e eram conhecidas
como hapirus, foram foradas a trabalhar na nova construo de Ramss II (1304-
1237 a.C.). possvel que algumas delas possam ter escapado para as regies de
Cana (COHN, 1996, p. 174). Dessa maneira, durante o perodo de trabalhos
forados no Egito, os israelitas passaram a receber o nome de hebreus, todavia no
eram os nicos hapirus3 da regio (ARMSTRONG, 2011, p. 46).
Neste xodo, o grupo liderado por Moiss segue pelo caminho dos filisteus em
direo a Israel. Quando chegaram, se uniram ao projeto das montanhas, levaram
consigo o seu Deus YHWH, cuja caracterstica no admitir outros deuses
(SCHWANTES, 2010, p. 14). A respeito do Deus4 cultuado por Israel em suas
origens:
3 A similaridade entre os termos hapiru e hebreu torna muito provvel a hiptese, mesmo sabendo-
se que os hapirus nunca constituram um grupo tnico homogneo (COHN, 1996, p.174). 4 Para conhecer sobre a histria do monotesmo em Israel, veja (REIMER, Haroldo. Inefvel e sem
forma: Estudos sobre o monotesmo hebraico. Goinia, 2009)
22
O culto a El era muito forte em Cana, tanto que Israel herdou seu nome. Ou seja, no princpio o Deus de Israel era El e s mais tarde passou a ser Jav. [...] em nossas Bblias aparece a palavra Deus: quase certo que se trata de El; da mesma forma aparece o nome Senhor, seguro que se refira a Jav. [...] o que se pode concluir que Israel, por volta do sculo X a.C., Jav era um Deus entre outros. No entanto, bem provvel que por volta do incio do sculo IX a.C., o culto a Jav era predominante em Israel (KAEFER, 2015, p. 61-62).
A organizao tribal nas montanhas acontecia em volta da famlia e
funcionava de forma igualitria, tudo era decidido no ambiente da casa. Desta forma,
o xodo tornou-se o modelo de identidade nacional e religiosa (HANSON;
HORSLEY, 2013, p. 24). Estes primitivos israelitas decidiram estabelecer sua
independncia livre de dominao e formaram uma aliana com YHWH com o
objetivo de assegurar esta liberdade (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 24).
Portanto, a religio de Israel se fundamenta na memria de uma experincia
histrica interpretada e transmitida, ou seja, os israelitas acreditavam que YHWH
teria libertado eles da corveia (trabalhos forados) do fara e posteriormente,
mediante uma aliana, constituiu Israel como seu povo (BRIGHT, 2003, p. 186). A
partir da construo de uma identidade, cujo modelo a libertao, Schwantes
(2010) nos informa que:
Na montanha ocorre uma integrao entre estes grupos to diferentes, entre cananeus e seminmades, entre trabalhadores do Egito e do Sinai. Tm coisas em comum: todos vm de um xodo, fugindo da opresso. Criam uma sociedade j sem opressor, rei ou fara. Formam, nas montanhas, um anti-modelo: anti-estado, anti-fara, anti-opresso, sem cidades, sem templos, quase sem sacerdcio. O xodo dos que estiveram no Egito torna-se paradigmtico. Passa a estar em lugar de tantos outros tantos xodos (2010, p. 14).
Portanto, para os israelitas, YHWH passou a ser o seu Deus e rei, no havia
instituio humana monrquica, nem estado e nem um templo para monopolizar o
sagrado:
O seu senhor dinmico, transcendente tambm no estava vinculado a nenhum espao particular: o Israel tribal no tinha um culto estabelecido num templo. A organizao social geral e a coerncia polticorreligiosa era dada pela aliana, atravs da sua renovao peridica e pela cooperao na guerra para manter a independncia. Embora ameaados por conquistas externas e pela desintegrao interna, os camponeses livres e independentes de Israel conseguiram manter-se por mais de 200 anos na regio montanhosa, onde os carros de guerra dos reis cananeus remanescentes no podiam subjug-los efetivamente (Jz 5) (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 25).
A sociedade tribal era patriarcal, mesmo os ancios dos cls, que tinham a
responsabilidade de julgar as disputas internas mediante acordos tradicionais
construdos a partir de sbios conselhos, no existia espao para um governo
23
centralizado e organizado entre os anos 1200 e 1000 a.C. (BRIGHT, 2003, p. 207),
dessa maneira:
Nos dois sculos seguintes, os israelitas, aparentemente organizados em tribos, ocuparam uma extensa rea de Cana e, no obstante, as frteis regies costeiras, com suas cidades-Estado densamente povoadas, permaneceram intocadas (COHN, 1996, p. 174).
Contudo, com o passar do tempo foram surgindo guerras em Israel e o perodo
dos lderes carismticos comeou a ser eclipsado por uma outra forma de
administrao. Este Israel clssico que teve sua origem dentro de um curto espao
de tempo por volta de 1000 a.C5., contou com a ajuda de um homem chamado Davi,
Inicialmente, ele procurou unificar as casas separadas de Israel objetivando uma
forma de governo centralizada. Todavia, esta ajuda custou caro para Israel:
At ento, os israelitas haviam se dividido em dois grupos ou casas principais, o setentrional e o meridional. O segundo rei, Davi, fundiu ambas as casas em um reino unificado; ele e depois seu filho, Salomo, governaram ambos os grupos a partir de Jerusalm, a capital, localizada em territrio neutro entre as regies do sul e do norte. Na verdade, o domnio deles ia alm: as cidades-Estado cananeias das plancies central e setentrional foram subjugadas e transtornadas em vassalas. No h consenso sobre a possibilidade de outros reinos vizinhos terem sido derrotados e incorporados ao domnio israelita (COHN, 1996, p. 174).
O filho de Davi, chamado Salomo fortificou o Estado com um governo
centralizador em conjunto com administradores selecionados pelo rei, a monarquia
passou a ser a realidade dos vales (SCHWANTES, 2010, p. 18). A monarquia
tambm conseguiu chegar nas montanhas, vencendo o tribalismo, implantando uma
forma de culto nacional centralizado num templo localizado na cidade de Jerusalm
(OTZEN, 2003, p. 14). Nas palavras de Hanson e Horsley (2013, p.25).
Davi estabeleceu um estado monrquico em Israel, uma realeza com as caractersticas imperiais das naes que Israel at ento tinha considerado a grande ameaa para o seu modo e vida mais igualitrio. Agora a monarquia ocupava uma posio de intermediria entre os israelitas e o seu Deus. Agora as tribos de Israel, anteriormente livres, eram governadas a partir da capital Jerusalm [...]. A legitimao divina da nova ordem monrquica estava agora centrada no templo construdo por Salomo, o filho de Davi, em Sio, a montanha sagrada.
A monarquia que foi instituda em Jerusalm tinha como modelo as sociedades
do Oriente Prximo. A organizao poltica foi incorporada a partir do Novo Imprio
egpcio, o sistema burocrtico possivelmente foi copiado das cidades-Estado
5 Por volta do ano 1000 a.C., uma combinao de fatores polticos e econmicos levou formao
de um Estado israelita centralizado e governado por um rei. Muitos estudiosos consideram este ponto inicial da histria de Israel, como narrativa crvel sobre um ponto claramente identificvel (COHN, 1996, p. 174).
24
cananeias, ou seja, a ideologia administrativa israelita tinha suas origens em
modelos mesopotmicos e cananeus (COHN, 1996, p. 174).
Para consolidar seu controle sobre os camponeses, Salomo constri o
Templo em Jerusalm que estava em funo da tributao em espcie e alimentos.
O Templo estava dedicado YHWH6, o Deus dos camponeses. Desta forma, o
campons para poder ter acesso ao seu Deus, deveria se submeter tributao.
Assim, encontramos no perodo do rei Salomo o monoplio do sagrado. O Deus
histrico transferido, pelo templo, em um Deus fora da histria (SCHWANTES,
2010, p. 26). Entretanto, isso se desfez aps a morte do rei Salomo7, ocorrida por
volta de 926 ou 922 a.C. As casas continuaram a existir como reinos separados e
distintos, observamos que:
O reino do norte teve uma histria complicada. Por um longo perodo esteve sob presso dos Estados arameus vizinhos, na Sria. Tambm viveu incontveis conflitos internos, nos quais compls e regicdios eram ordem do dia; e, embora s vezes o reino tivesse considervel poder poltico, nunca alcanou estabilidade poltica. Em termos culturais e religiosos, o reino do norte foi caracterizado por sua abertura cultura cananeu-fencia, que teve xito nas cidades da costa da Fencia, mais ao Norte. Como consequncia, o culto a Iahweh do antigo Israel foi, s vezes, fracamente representado nos importantes crculos do norte (OTZEN, 2003, p. 15).
Os camponeses israelitas, contudo, no aceitaram com facilidade esta nova
forma de administrao, no reino do norte, parece que os camponeses, ou uma boa
parte deles, nunca se sujeitaram monarquia. Os profetas Ams e Oseias
condenaram os reis por causa da opresso ao povo (Am 5,10-11 e Os 8,1.4.8). Mas,
os camponeses da casa do sul, isto , Jud, se sujeitaram mais facilmente
monarquia. Todavia, os profetas oraculares do sul, tambm reagiram contra a
opresso causada pela monarquia (Mq 3,9-12 e Is 3,13-15) (HANSON; HORSLEY,
2013, p. 25-6). No jogo de foras existentes nessas mundanas, Schwantes (2010,
p. 18) nos esclarece que:
6 Torna-se cada vez mais difcil afirmar com alguma segurana quando, onde e como os israelitas conheceram o deus Yahweh. possvel, como diz o xodo, que ele tenha sido originalmente um deus midianita, introduzido na terra de Cana por imigrantes oriundos do Egito; ou ento pode ter surgido como um deus menor do panteo cananeu. O certo que os israelitas, ao se tornarem conscientes de si mesmos como povo, j haviam adotado Yahweh como deus tutelar. Com o estabelecimento da monarquia, Yahweh tornou-se um deus padroreiro do reino, e quando este foi dividido em duas partes, continuou a ser o deus de ambas assim como Chemosh era o deus tutelar dos moabitas; Mikom, dos amonitas; Hadad, dos arameus; Mekart, dos trios. Isto no significa que Yahweh tenha sido considerado desde o incio como o maior de todos os deuses. Originalmente El era o deus supremo dos israelitas, tal como sempre havia sido para os cananeus (COHN, 1996, p. 176). 7 A opresso de Salomo para a construo do Templo, dos palcios e o luxo da corte, gerou insatisfao devido a explorao econmica, gerando revoltas e consequentemente a separao das dez tribos do Norte e o trmino da monarquia davdica (VEIGA, 2006, p. 326).
25
A monarquia se imps. Mas o tribalismo jamais deixou de existir, ali nas montanhas. Foi vencido, mas no destrudo. O que ocorreu, que o estado se imps sobre as aldeias e as tribos. Em parte afetou-as e danificou-as, mas no as destruiu. Nos profetas temos a voz das tribos e das famlias do campo. Nos macabeus so as tribos que tomam as armas. Em Jesus temos muitos traos do projeto tribal. O tribalismo continuou, provavelmente como a realidade da maioria do povo campons. O tribalismo jamais tornou-se passado em Israel. Era o presente do povo, fonte de sua resistncia contra reis e imprios.
No reino do sul, tambm conhecido como Jud, percebemos algumas
caractersticas quando comparado com o reino do norte8. Apesar do sul ser dinstico
e o norte monrquico, observemos:
[...] foi muito mais estvel em termos polticos, tanto que nele as origens dinsticas continuaram com sucesso; por quatrocentos anos, os herdeiros de Davi ocuparam o trono de Jerusalm. O governo foi incondicionalmente centralizador, tanto que o pas foi controlado em vrios aspectos, inclusive religioso e cultural, da cidade capital de Jerusalm. Ali foi desenvolvida a verso do javismo que se tornou determinante para o entendimento, no judasmo posterior, daquilo que a crena em Iahweh, o Deus de Israel, acarretava (OTZEN, 2003, p. 15).
Entretanto, o imprio neo-assrio estava realizando por mais de um sculo uma
grande expanso territorial. Aps a ascenso de Tiglath-Pileser ao trono, as
dcadas de 730 e 720 a.C., foram marcadas por dominao. O reino do norte foi
inicialmente colocado na condio de vassalo, sendo posteriormente abolido. De
acordo com a prtica neo-assria, a classe subjugada israelita foi deportada para
vrias regies distantes como o intuito de causar o desaparecimento da populao:
No sabemos exatamente o que aconteceu com as tribos do Norte depois que os assrios conquistaram o territrio e transformaram a Galileia numa provncia da Assria. At recentemente pensava-se que os assrios haviam deportado apenas as classes dirigentes, deixando de lado os camponeses cultivando a terra. Mas, as escavaes mais recentes constatam um grande vazio de populao durante este perodo. Provavelmente restaram somente alguns camponeses (PAGOLA, 2014, p. 51).
O reino do sul, tambm chamado de Jud, tornou-se Estado vassalo dos
assrios e nesta condio permaneceu at o sculo VII a.C.. Logo depois, a coaliso
Sria-Palestina foi dominada pelo imprio de grande poderio na poca, Babilnia
8 A diversidade do judasmo no fim do perodo do Segundo Templo explica-se em grande parte pela prpria evoluo da noo de judeu e de judasmo. Precisemos preliminarmente que a palavra judeu significava em sua origem um membro da tribo de Jud, depois um habitante da Judeia. S no sculo II antes de nossa era comeou a designar todos aqueles que veneram YHWH e vivem segundo os princpios da Lei mosaica. A palavra judeu, preciso esclarecer, era empregada sobretudo pelos gentios, os prprios judeus qualificando-se antes como povo de Israel. O termo judasmo encontrado pela primeira vez no Segundo Livro dos macabeus (2,21; 8,1; 14,38), composto na segunda metade do sculo II anterior nossa era, para definir, em oposio ao helenismo, os costumes e crenas dos judeus. As palavras judeus e judasmo so portanto frequentemente utilizadas de maneira anacrnica ou incorreta (BERNHEIM, 2003, p. 63).
26
(COHN, 1996, p. 175). Em 597 a.C., Nabucodonosor, o monarca babilnico no
satisfeito com a postura de Jud, decidiu ocupar a regio de Jerusalm. Assim,
quase todos os habitantes que possuam alguma habilidade foram deportados para
a Babilnia, pessoas letradas, da realeza e aqueles que trabalhavam com
artesanato em geral, foram removidos para impedir qualquer possibilidade de
rebelio (OTZEN, 2003, p; 16).
Zedequias, escolhido por Babilnia para reinar de 597 a 586 a.C., decidiu se
rebelar, o resultado foi que em 586 a.C., os babilnios resolveram fazer uma nova
interveno em Jerusalm, destruindo a cidade e o Templo do rei Salomo.
Consequentemente, grande parte da classe dominante judaica e da famlia real
foram conduzidas ao exlio em Babilnia. O Estado veio abaixo, perdendo a ltima
possibilidade uma independncia poltica (COHN, 1996, p. 175).
Obviamente, os dois pequenos reinos israelitas foram incapazes de declarar sua independncia em face dessas potncias gigantescas. Na verdade, o reino do norte j estava arruinado desde 722 a.C., quando os assrios tomaram a cidade capital de Samaria, dividindo o reino em vrias provncias e incorporando-as a seu imprio. O reino do sul teve um destino semelhante em 586 a.C.; foi o rei babilnico Nabucodonosor quem tomou Jerusalm, destruiu o templo de Salomo e anexou esta provncia ao seu imprio gigante (OTZEN, 2003, p. 16).
Aps a perda da independncia de Jud e a deportao da classe dominante
pelos babilnios. A Babilnia foi derrotada e conquistada pelos Persas, sob o
comando de Ciro, em 539 a.C., posteriormente, com Dario I, a Prsia ampliou seu
controle sobre o Oriente Mdio por um perodo de quase 200 anos (HANSON;
HORSLEY, 2013, 27). O rei dos Persas autorizou o retorno dos judeus para a sua
terra, permitindo que voltassem a viver conforme os costumes dos seus ancestrais
(BERNHEIM, 2003, p. 63). Nas palavras de Koester (2012, p. 209):
A reconstruo da comunidade religiosa de Jerusalm nas dcadas seguintes processou-se sob a influncia dos que permaneceram na Babilnia. O Templo de Jerusalm (o Segundo Templo) foi construdo durante os anos de 520-525 a.C., perodo em que tambm foi o incio da reconstruo das muralhas da cidade; logo interrompida. Ao que parece, os que retornaram, e que agora viviam sob a autoridade do strapa da Samaria, estavam envolvidos em diversos conflitos e negociaes com outras populaes judias e no-judias da regio.
Assim, comeou a surgir um novo tipo de religio em Jud, graas aos esforos
de dois homens. Neemias e Esdras, os dois pertenciam comunidade de Babilnia,
Neemias era um judeu que possua um cargo elevado na corte da Prsia,
posteriormente foi nomeado como governador de Jud. Esdras, o escriba, estava
27
autorizado pela Prsia para ensinar a Tor9 as pessoas que estavam habitando na
Sria-Palestina e se consideravam judeus, e estabelecer um sistema administrativo
que garantisse obedincia a Tor (COHN, 19996, p. 193).
Esdras e Neemias possuam essa autoridade sobre Jud, uma rea pequena,
mas que se localizava num local que do ponto de vista militar era estratgico, sendo
importante ter uma estabilidade militar. Ambos recorreram a essa autoridade para
legitimar o sentimento de identidade dos judeus (COHN, 19996, p. 193).
Os judeus que que permaneceram na Babilnia e eram provavelmente a maioria dos deportados e seus descendentes formaram o ncleo da dispora judaica do leste, de grande importncia mais tarde. De muitas maneiras, a Babilnia foi o lugar espiritual do poder do judasmo nos sculos seguintes. Foi da Babilnia que partiram as correntes de renovao e reforma para Jerusalm, personificadas em figuras tais como Esdras e Neemias no sculo V a.C. (OTZEN, 2003, p.18).
A famlia sumo sacerdotal de maior influncia assumiu a responsabilidade de
supervisionar a justia e regulamentar os rituais e o culto. Jerusalm foi organizada
como um Estado-Templo10, de forma similar a vrios outros reinos da Prsia
(KOESTER, 2012, p. 211). O templo estava sob a proteo especial do rei persa,
que contribuiu economicamente para sua reconstruo; e ao sumo sacerdote foi
atribudo um grau de autoridade suficiente para conferir uma posio incomum
Judia (OTZEN, 2003, p. 19).
O funcionamento do Templo na vida judaica era de grande importncia. O
Templo de Jerusalm era utilizado para marcar o calendrio dos judeus, os rituais, o
ciclo do ano, ou seja, todas as atividades da vida cotidiana. Ele era o centro do
funcionamento do comrcio em toda a Judeia, sendo a principal instituio financeira
em Israel. Dessa maneira, o Templo era visto como local da morada de Deus, mas
tambm como modelo de zelos nacionalistas, no Templo ficavam guardados os
escritos sagrados da religio judaica, documentos legais e registros genealgicos
(ASLAN, 2013, p. 33).
Devido a extino da monarquia davdica, e mediante o fato que agora o poder
civil e religioso estavam centralizados no Templo judaico, os sumos sacerdotes
passaram a ser os aristocratas do governo. Este sumo sacerdcio passou a
funcionar no interior da sociedade judaica no perodo ps-exlico como cabea dos
9 Com autorizao imperial, o escriba real Esdras reorganizou a comunidade judaica de acordo com a
lei que ele havia trazido de Babilnia (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 27). 10
Uma parte dos fundos tesouro imperial foi destinado para a reconstruo do Templo de Jerusalm (COHN, 1996, p. 208).
28
judeus. A partir destes fatos, os poderes econmicos e polticos ficaram nas mos
das principais famlias sacerdotais (STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 145-151).
O Templo de Jerusalm funcionava como banco de depsitos, a custdia do
tesouro no templo, isso possibilitou que a elite sacerdotal constitusse uma base
financeira slida para legitimar e manter o seu controle sobre os demais judeus,
principalmente, os camponeses11. (HANSON; HORSLEY, 2013, p. 27). Entretanto,
esse Estado-Templo era constitudo pela cidade de Jerusalm e algumas cidades
pequenas da Judeia. Sua constituio era bem diferente de uma cidade-Estado
grega, estas, tinham como base de autoridade governamental, magistrados e
cidados livres da cidade. Mas, em Jerusalm, a constituio vinha do Templo,
legitimada pela crena da presena divina de YHWH (VOLKMANN, 1992, p. 7-17).
Durante este perodo seguiu-se a transmisso de ordem aos strapas e
governadores que garantiram seu apoio permanente a esse Templo. Nisso
vislumbramos outra vez a meta de unir todo Israel como um povo a servio de um
Templo embelezado (MILLER, 2004, p. 107). A lei desse Estado-templo no era
uma lei civil, mas uma lei sagrada entregue por Deus, tendo na pessoa do sumo
sacerdote sua autoridade maior (KOESTER, 2012, p. 211). Acerca destas leis e
como elas foram apresentadas, observamos que:
Como apresentado pelo Deuteronomista, o pacto inclua uma srie de leis que se esperava que o povo observasse. Eram as 41 leis do Cdigo da Aliana (xodo 20, 23-23,33) e as 68 leis do Cdigo da Deuteronmico (Deuteronmio 12-26), alm dos inmeros ordenamentos da Lei de Santidade (Levtico 17-26) o nmero de mandamentos e proibies continuou a aumentar, at chegar a um total de 613 mandamentos. Todas essas leis foram atribudas a Moiss, ou antes a Deus falando por intermdio de Moiss. Na realidade, elas tinham origens das mais diversas. Aquelas formuladas como casos judiciais so provavelmente muito antigas muitas tm paralelo nas colees de leis da Mesopotmia. Isto vale para as leis que tratam de questes como penalidades para assassinato, estupro, roubo e outros crimes; os prejuzos causados pessoa propriedade; regras para a agricultura e o comrcio; e arranjos financeiros envolvidos no casamento. Mas tambm existem muitas leis que refletem a ideologia do movimento deuteronomista (COHN, 1996, p. 192).
Portanto, a consolidao final dessas leis e sua aglutinao com tradies
legais antigas nos Cinco Livros de Moiss, realizada no sculo IV a.C., passaram a
valer para todos os israelitas (KOESTER, 2012, p. 212). Desta forma, a nao de
11
No perodo da monarquia davdica, antes da comunidade judaica ser inserida num contexto imperial, o profetismo tinha denunciado contra a explorao dos camponeses por parte da elite governante (HORSLEY, 2010, p. 10).
29
Israel tornou-se um reino de sacerdotes com obrigaes a serem cumpridas como
a circunciso e a guarda do sbado. Depois do Exlio, este novo tipo de religio se
consolidou em Jud, por meio do esforo de dois funcionrios da Prsia, Esdras e
Neemias. Jud, apesar de ser pequena, era uma regio muito importante para a
Prsia, pois a manuteno da estabilidade em Jud era conveniente para
estratgias militares (COHN, 1996, p. 193).
Entretanto, o Imprio Persa, e Jerusalm, caiu diante do poderio militar de
Alexandre, o Grande. Este, com seu exrcito macednico, conquistou as regies da
Grcia at o Egito e tambm a ndia em 330 a.C.. (HORSLEY, 2010, p. 63). O
objetivo de Alexandre e seus sucessores era a consolidao da cultura e as ideias
gregas nos povos conquistados (ASLAN, 2013, p. 38).
Neste perodo, o territrio de Jud teve contato com a helenizao12, gerando
reaes diversas entre os judeus13, posteriormente, aps a morte prematura de
Alexandre, em 323 a.C., Jerusalm foi dividida como despojo para a famlia dos
Ptolomeu e governada a partir do Egito, embora apenas por pouco tempo
(STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 127-135). Em 198 a.C., a cidade foi retirada
do controle ptolemaico pelo rei selucida Antoco, o Grande, cujo Filho Antoco
Epfanes imaginava que seria Deus encarnado na terra, esforou-se para pr fim de
uma vez por todas ao Deus de Israel, YHWH (KOESTER, 2012, p. 209-222).
Antoco Epfanes chegou a invadir o Santo dos Santos do Templo em
Jerusalm, roubando de l toda prata e todo ouro que encontrasse. Esta a
abominao: um estrangeiro no Santo dos Santos para roubar! A situao piora
quando Antoco probe a observao do sbado e a prtica da circunciso, estes
smbolos principais do judasmo ps-exlico, enfim, probe o culto a Jav em
Jerusalm. Estamos em 167 a.C.! (SCHWANTES, 2010, p. 88).
Mas os judeus responderam tal blasfmia como uma implacvel guerrilha
liderada pelos valentes filhos de Matatias, o Hasmoneu os macabeus -, que
recuperaram Jerusalm, do controle selucida em 164 a.C., dessa maneira, pela
12 No se deve compreender a helenizao como um processo imperialista de mo nica. A civilizao helenstica, fruto do encontro dos gregos com o Oriente, incorporava elementos originas das duas culturas helenizao conduzia a uma certa homogeneizao do leste e do sul da bacia mediterrnea e a cultura helenstica ia se tornar cada vez mais um fator identidade que ultrapassava fronteiras e etnias tradicionais. Na poca clssica, os gregos estavam ligados por um sangue comum, uma mesma lngua, um modo de vida e de pensamento similar. No sculo IV, com a expanso macednia, o sangue perdeu sua importncia em comparao com a lngua e o modo de viver e de pensar. Era possvel ento tornar-se um grego por assimilao cultural (BERNHEIM, 2010, p.64). 13 BERNHEIM, 2003, p. 64
30
primeira vez, depois de quatro sculos, conseguiram restaurar a independncia dos
judeus na regio da Judeia (ASLAN, 2013, p. 38 e GARCIA, 2006, p. 273). Quando
ao Antoco Epfanes e a literatura danilica, Schwantes (2010, p. 88-89) nos
esclarece que:
Antoco inclusive morreu no prprio ano 162 a.C., num de seus assaltos a templos na Sria. A abominao estava castigada! O templo reconstrudo e devidamente purificado, em dezembro de 164! Surge o livro de Daniel, cuja segunda parte, caps. 7-12, encontra explicaes apocalpticas para interpretar o que sucedia com as abominaes do imprio.
Com a criao de um reino hasmoneu, os macabeus procuraram consolidar os
costumes tradicionais em oposio ao helenismo. Governantes hasmoneus como
Joo Hircano (134 104 a.C) e Alexandre Janeu (103-76 a.C) fizeram crescer
consideravelmente os territrios sob sua dominao (ROST, 2004, p. 34-5). Desta
forma, de uma revolta popular, pouco a pouco vai emergindo uma poltica de
estado (SCHWANTES, 2010, p. 89)
Populaes inteiras foram convertidas mesmo que involuntariamente ao
Judasmo do Estado-Templo de Jerusalm (GARCIA, 2006, p. 273). Portanto, o
movimento de libertao e liberdade vai enveredando pelo seu contrrio
(SCHWANTES, 2010, p. 89). Os hasmoneus da Judeia submeteram a Galileia ao
Estado-Templo de Jerusalm e obrigaram seus habitantes a viver segundo as leis
judaicas (PAGOLA, 2014, p. 52). Desta maneira, a partir no ano 100, diante da
tentativa de construo e criao da identidade religiosa e poltica judaica, vrios
movimentos emergiram do Judasmo, fariseus, essnios e saduceus, cada um com
sua interpretao da Tor (BERNHEIM, 2003, p. 65).
Pelos cem anos seguintes, os macabeus governaram a terra de Deus com punho de ferro. Eles eram reis-sacerdotes, cada um servindo tanto como rei dos judeus como sumo sacerdote do Templo. Mas quando a guerra civil eclodiu entrei os irmos Hircano e Aristbulo pelo controle do trono, cada irmo tolamente pediu apoio a Roma. Pompeu tomou as splicas dos irmos como um convite para tomar Jerusalm para si mesmo, assim colocando fim ao breve perodo de domnio judaico direto sobre a cidade de Deus (ASLAN, 2013, p. 38).
Neste perodo comea a formao do Imprio Romano: em 63 a.C, assumindo
o controle de Jerusalm pelas legies romanas de Pompeu, acentuando as
tendncias de separao dos diversos grupos religiosos no interior da religio
judaica, (BERNHEIM, 2003, p. 65). Os selucidas no conseguiram resolver o
problema da guerra civil provocada pelos filhos de Alexandre Janeu (103 a.C 76
a.C) na dcada de 60 a.C., os romanos, no entanto, que j haviam entrado na Sria,
31
conseguiram tal restaurao. Em 63 a.C., Pompeu conseguiu tomar a Palestina sem
muitos problemas, tanto que a Palestina permaneceu subjugada guia romana por
muitos sculos (OTZEN, 2003, p. 45).
Com a chegada do domnio romano na Palestina. A dinastia dos macabeus foi
abolida, mas Pompeu autorizou Hircano manter-se na funo de sumo sacerdote.
Isso desagradou os judeus que eram partidrios de Aristbulo, gerando inmeras
revoltas, os romanos reagiram de forma enrgica, escravizando populaes,
massacrando pessoas e queimando as cidades (KOESTER, 2012, p. 391-394).
Estes fatos contriburam para aumentar ainda mais a situao de misria na
Palestina, camponeses famintos e endividados lutavam contra as classes
dominantes que governavam Jerusalm, e cada dia que se passava, os
dominadores aumentavam ainda mais o seu poder (ASLAN, 2013, p. 39).
Portanto, debaixo do poderio dos romanos, a partir de 64 a.C., as condies de
vida do povo assumiram um contorno cada vez mais insuportvel e dramtico.
Convm matizar os detalhes destas perseguies no prximo captulo. A seguir,
focaremos na dominao romana na Palestina, substancial para uma aproximao
s realidades de vida no contexto do tema e objeto em questo.
1.2 A DOMINAO ROMANA DA PALESTINA
Jesus no conheceu pessoalmente os imperadores romanos de perto, Csar e
Tibrio no chegaram a colocar os ps na pequena regio controlada pelo imprio
romano desde que Pompeu chegou em Jerusalm na primavera de 63 a.C..
Entretanto, Jesus conhecia as histrias de dominao deles e pde ver as suas
imagens em algumas moedas que circulavam na Palestina de seu tempo. Assim,
Jesus sabia muito bem quem eram os romanos e o que eles queriam com a terra de
Israel, dominao!
1.2.1 O Imprio Romano
O perodo do Imprio Romano abrange o governo de Otvio Augusto, em 27
a.C., at a deposio de Rmulo Augusto em 476 a.C., este o perodo que
convencionalmente, chamado na Histria do Imprio Romano. Todavia, devemos
destacar que tal perodo no foi totalmente homogneo, antes, foi caracterizado por
32
algumas variaes de conflitos internos e externos. Este perodo dividido em Alto
Imprio e Baixo Imprio (MEN, 2014, p. 132).
Durante um longo perodo de guerras civis, Roma decidiu adotar o regime de
governo imperial. O incio do imprio ficou conhecido como o perodo da Pax
Romana14, foi uma poca de relativa paz dentro do ambiente interno do imprio,
durou cerca de 250 anos (27 a.C 235 d.C.).
Os imperadores tinham muito poder, mas no eram reis, a dominao
sucessiva no era transferida de forma hereditria, mas burocrtica. Buscava-se
uma maior centralizao do poder no imperador, apesar da Repblica ainda
continuar na forma de administrao imperial. O imperador passou a ser
reverenciado como uma divindade:
No caso do Imprio Romano, constatava-se que na maioria das vezes o culto no era imposto de cima, mas que vinha de baixo. Augusto, em particular, enquanto vivo, foi objeto de uma multido de cultos e homenagens religiosas, que ele habilmente sempre encorajou, porque consolidavam o Imprio e o novo regime. Participar do culto de Roma e de Augusto era gesto de lealdade poltica (LEMONON e COMBY, 1988, p. 17).
Neste perodo de paz, muitas conquistas foram concretizadas, as atividades
culturais e econmicas ganharam maior impulso, surgiram novas construes com
monumentos, teatros, pontes e aquedutos. Com isto, criou-se o ambiente poltico
propcio para uma forma de governo mais centralizado numa nica pessoa, o
imperador romano.
O jeito romano de organizao da casa era a partir do patriarcado. Este mundo
de subjugao e controle patriarcal ocorria em todas as esferas, seja poltica, social
e familiar. Este controle romano era instrumentalizado na macroestrutura e na
microestrutura (RICHTER REIMER, 2006, p. 73). Tcito (55-113), historiador romano
que viveu durante este perodo de controle patriarcal, escrevendo na perspectiva
das elites, diz:
[...] mais perigoso do que so todos os romanos [...] Esses ladres do mundo, depois de no mais existir nenhum pas para ser devastado por eles, revolvem at o prprio mar [...] Saquear, matar, roubar isto o que os romanos falsamente chamam de domnio, e ali onde, atravs de guerra, criam um deserto, isto eles chamam de paz [...] As casas so transformadas em runas, os jovens so recrutados para a construo de estradas. Mulheres, quando conseguem escapar das mos dos inimigos, so violentadas por aqueles que se dizem amigos e hspedes. Bens e
14
A Pax Romana no era espao de liberdade, como viram-no romanos como Tcito e Plnio, o Jovem. Para os no-romanos ela significava, muito mais, escravido, ainda que com espaos de liberdade concedidos (WENGST, 1991, p. 41).
33
propriedades transformam-se em impostos; a colheita anual dos campos tona-se tributo em forma de cereais; sob espancamentos e insultos, nossos corpos e mos so massacrados na construo de estradas atravs de florestas e pntanos [...] (TCITO apud RICHTER REIMER, 2006, p. 74).
Desta forma, os romanos quando dominavam os territrios, estes eram
colocados como ager publicus, ou seja, propriedade pblica=estatal. Este seria o
fundamento para a cobrana dos impostos. O seu substrato ideolgico era motivado
pela alegao da necessidade da paz. Essa era, a perspectiva do dominador e
vencedor (RICHTER REIMER, 2006, p. 128). O perodo imperial foi caracterizado
por uma preocupao com a expanso das terras objetivando lucros durante a
conquista e posteriormente com a cobrana de impostos (FUNARI, 2002, p.89).
A grande arrogncia do poder imperial romano em relao periferia, pode ser
observada num episdio que chegou at ns mediante Tcito,
Um chefe germano, submisso fielmente aos romanos por mais de cinquenta anos, guiou a sua tribo para uma terra sem dono, na fronteira, que, no entanto, estava reservada aos soldados romanos como pastagem ocasional para o seu gado. O germano pensava: Que eles conservassem as pastagens para os seus rebanhos, enquanto pessoas humanas passavam fome! S que no preferissem deserto e ermo a povos amigos! A resposta do governador romano, no entanto, dizia: necessrio submeter-se s ordens dos mais fortes; assim que os deuses... tinham decidido; que a deciso sobre o que eles querem dar e sobre o que eles querem tomar, permanecia na mo dos romanos e que eles no aceitam outro juiz que no eles prprios. Assim ele ordena a retirada. (TCITO apud WENGST, 1991, p. 33).
Dentro dessa perspectiva imperial de dominao, podemos elencar algumas
formas de enriquecimento. Primeiro: os povos dominados tinham que pagar
indenizao ao Imprio Romano pelas despesas da guerra, com a ocupao da
terra, a mo de obra utilizada era pela escravizao15, principalmente os mais jovens
eram forados a trabalhar na construo de estradas, aquedutos e outros projetos
imperiais que tinham como objetivo a romanizao dos povos conquistados.
Segundo: os funcionrios do imprio eram colocados nas regies conquistadas,
cobrando impostos por atividades profissionais como o artesanato e a prostituio
nos templos, existia tambm cobrana de impostos nas estradas que ligavam as
cidades, taxas alfandegrias e pedgios (RICHTER REIMER, 2010, p. 44-45).
15
O sistema da escravatura e a escravatura como sistema, escravatura elevada potncia como acontecimento natural este cinismo dos moradores torna claro que a liberdade da paz romana , em primeira linha, liberdade romana (WENGST, 1991, p. 40).
34
Para garantir a efetivao de sua dominao16, o Imprio Romano acionava a
violncia, utilizando o exrcito romano como fora de coao e coeso, visando
manter controle social na estrutura econmica, social e poltica do imprio. Assim,
para manter seu status quo, a tortura praticada pelas autoridades romanas
funcionava como um mecanismo de controle social. Entre estes controles, a forma
mais cruel era a crucificao de mulheres e homens e a violentao das mulheres.
Tcito, testemunha do sculo I d.C., descreve esse sistema romano cheio de
violncia, o qual falsamente chama de pax romana. (RICHTER REIMER, 2006,
p.139)
Tambm na Palestina, uma regio que foi alvo das conquistas romanas,
podemos observar como os romanos conseguiram realizar essa ocupao por meio
de reis-clientes atravs da famlia de Herodes (73 a.C - 4 a.C), que tornou-se rei e
tinha muitos planos econmicos e polticos para a Palestina. Neste contexto h de
se perguntar como era a situao poltica durante o ministrio de Jesus de Nazar?
Para entender melhor este contexto, vamos iniciar apresentando um panorama
histrico sobre a Palestina e seus conflitos, gerando divisionismo poltico, fato que
funcionou como facilitador para a interveno romana e instaurao da chamada
Pax Romana.
1.2 .2 A Pax Romana: Opresso e Violncia
Csar Augusto entra no cenrio da Palestina como um mediador da paz,
objetivando uma reconciliao entre as vrias lideranas no interior do judasmo. Ele
remove dos judeus algumas conquistas que foram alcanadas, devolvendo as
cidades ao comando da provncia da Sria (WENGST, 1991, p. 35).
Roma administrava seu Imprio e as fronteiras, por meio da Pax Romana17,
que de acordo com Wengst (1991, p. 22) a paz querida politicamente pelo
imperador e seus funcionrios mais altos, estabelecida e garantida militarmente pela
interveno das legies. Ou seja, a Pax Romana, seria uma paz armada, 16 [...] com o intuito de prevenir revoltas, os romanos construram estradas por toda a Itlia, o que lhes permitia o deslocamento rpido de tropas, e fundaram numerosas colnias sobre o territrio dos povos aliados. Estas colnias eram habitadas por cidados romanos vindos da cidade de Roma, soldados camponeses, que tomavam conta da regio, garantiam sua fidelidade aos romanos e recebiam lotes de terras confiscados dos antigos habitantes (FUNARI, 2002, p.86). 17
Augusto inaugurou este perodo de relativa paz interna que durou 250 anos (31 a.C. 235 d.C). Este perodo de relativa paz ficou conhecido como a Paz Romana (FUNARI, 2002, p. 89).
35
representada por um Estado hierrquico, militar e coercitivo. Tcito (55-120 d.C.)
coloca na boca do chefe do exrcito romano, Cerialis, as seguintes orientaes:
[...] Embora tenhamos sido provocados tantas vezes, fizemos tal uso do direito dos vencedores, que no vos impusemos nada mais do que servia para proteo da paz. Pois no pode haver tranquilidade entre os povos sem o poder das armas, no pode haver poder das armas sem o pagamento do soldo e no pode haver pagamento do soldo sem tributos. Todo o resto tem em comum ... Se os romanos forem expulsos do pas, que os deuses nos livrem disso, que poder haver a no ser a guerra de todos os povos entre si? ... Assim, doai o vosso corao e a vossa venerao... paz e capital do Imprio. Que as experincias... vos previnam de dar preferncia teimosia ruinosa em lugar de a dar obedincia e segurana (TCITO apud WENGST, 1991, p. 36).
Os romanos no seu perodo de expanso, procuravam dominar ou fazer
alianas como os povos das naes vizinhas, os conquistados poderiam receber
tratamentos diversos, de acordo com o seu posicionamento social em relao ao
Imprio Romano, sendo que este tratamento era dado de acordo com a posio de
classe da pessoa definida por questes econmicas.
Aps a ocupao romana, os funcionrios do Imprio Romano colonizavam a
maioria das cidades que passavam a funcionar como colnias mediante distribuio
de terras para pessoas, que em sua maioria eram os militares que se encontravam
na reserva. Esses militares recebiam por parte do Imprio, pequenas propriedades
rurais, antes, habitadas por pessoas que foram escravizadas (RICHTER REIMER,
2006, p. 87).
Aqueles que colaborassem, recebiam direitos parciais ou totais de cidadania,
por outro lado, os derrotados que resistissem eram capturados e muitos eram
vendidos como escravos, outros eram submetidos vrias formas de tributaes
instrumentalizadas pelo imprio romano na forma de impostos e tributos como
evidncia de lealdade (FUNARI, 2002, p. 85).
A situao econmica do povo judaico estava condicionada a determinadas
relaes de produo como agricultura, artesanato, comrcio e atividade
manufatureira e a administrao que se impunha por meio de impostos que
deveriam ser recolhidos e pagos ao Estado central, as potncias estrangeiras e a
elite sumo sacerdotal do Templo em Jerusalm (STEGEMANN; STEGEMANN,
2004, p. 117).
36
O controle romano da Palestina judaica foi efetivado por meio da violncia18,
seguida posteriormente por um prolongado perodo de disputas pelo poder.
Contudo, as disputas tambm existiam internamente, caracterizadas pelo poder
religioso. O domnio da regio era disputado por partidos asmoneus rivais, pelos
partos e por grupos rivais oriundos da guerra civil romana, que devastava o
Mediterrneo Oriental e a Itlia (HORSLEY; HANSON, 2013, p. 43).
Assim, logo depois de assumir o controle da Judeia, Roma passou a nomear e
destituir o sumo sacerdote, fazendo com que este, se transformasse essencialmente
em um funcionrio romano. De acordo com Aslan (2013, p. 39), Roma procurava
manter sob sua responsabilidade as vestes sagradas, entregando-as ao sumo
sacerdote somente por ocasio das festas religiosas, sendo recolhidas no trmino
do evento.
Ao mesmo tempo, a interveno de Roma objetivava implantar o
apaziguamento por meio do controle poltico administrativo. A ligao da paz com o
poder de administrao militar foi expressa em duas frases do Augusto (apud
WENGST, 1991, p. 33): Em todas as provncias [...] que no obedeciam ao nosso
comando (imprio nostro), expandi as fronteiras. Pacifiquei as provncias da Glia e
da Espanha, bem como a Germnia. nesta paz que est em vigor, o comando
romano.
Aps um governo bastante opressivo por parte dos reis clientes de Roma
(Herodes e seus filhos), seguiu o domnio direto atravs de governantes
estrangeiros, experincia que os judeus no tinham experimentado desde a
conquista babilnica e persa (HORSLEY; HANSON, 2013, p. 43). Trata-se, aqui de
procuradores romanos.
Em termos de aristocracia sacerdotal judaica no sculo I d.C., sua atitude
estava direcionada para os privilgios que poderiam receber dos romanos. Em
Jerusalm, a aristocracia fundiria funcionava como classe sacerdotal. Esta era
composta por vrias famlias ricas que mantinham o Templo. Essas famlias ficaram
encarregadas por Roma pela coleta de impostos e tributos e manter a ordem entre
as pessoas que estavam cada vez mais inquietas com o status quo. Entretanto, vale
18 Os poderosos exercem violncia contra os povos. A finalidade desta violncia a manuteno da ordem constituda, na qual est claro quem dela tira proveito (SCHOTTROFF apud WENGST, 1991, p. 82).
37
ressaltar que essas famlias da elite sumo sacerdotal eram ricamente
recompensadas por Roma por este servio (ASLAN, 2013, p. 39).
A situao econmica na Palestina do sculo I era complicada por vrias
questes. Uma delas era o fato de que nem todas as pessoas tinham condies de
pagar esta alta quantidade de impostos e tributos, na verdade, a grande maioria no
tinha nenhuma condio de arcar com esta tributao, principalmente, os
camponeses. A consequncia deste controle mediante impostos, gerava
consequentemente um alto endividamento, perda de terras e aumento da
escravizao de camponeses (HORSLEY; HANSON, 2013, p. 43 e RICHTER
REIMER, 2006, p. 138). No satisfeitos, os romanos ainda exigiam dos seus
inimigos vencidos, o reconhecimento das dvidas da terra,
O lucro que Roma auferia das provncias fazia-se de acordo com o Direito, a saber, de acordo com o direito dos vencedores. Os romanos exigiam sempre dos seus inimigos derrotados o reconhecimento das dvidas da guerra e, assim, o primeiro direito do vencedor o direito ao esplio da guerra. Na sua descrio da Bretanha, Tcito constata que ela tambm tem ouro, prata e outros metais e acrescenta imediatamente: como prmio da vitria. Os tesouros do solo no pertencem quele que o habita e cultiva os brbaros sequer sabem exatamente o que fazer com eles mas quele que superior, ao vencedor. Sobretudo o ouro exercia atrao muito grande (WENGST, 1991, p. 46).
Os povos dominados perdiam tudo o que possuam e precisavam arcar com as
consequncias indenizatrias dos gastos da guerra. A dvida contrada com
emprstimos acrescentava juros; o mesmo serve para dvidas contradas por causa
de impostos. Isso quer dizer que com o aumento da dvida e dificuldade ou
impossibilidade de quitao da dvida no prazo estabelecido, tinha como
consequncia vrias ameaas como tortura ou at mesmo a priso.
Esta priso poderia ser estendia aos membros da famlia, como filhas e filhos.
O controle mediante mecanismos sociais de opresso tinha consequncias em
vrias relaes sociais praticadas pelos agentes naquele momento. Mulheres,
crianas e homens foram empobrecidos e sofreram tambm violncia psicolgica,
comprometendo suas demais relaes na socializao em outras esferas sociais
(RICHTER REIMER, 2006, p. 140).
Assim, os subjugados eram massacrados ou escravizados e suas terras eram
tomadas e divididas entre os romanos e seus aliados (FUNARI, 2002, p. 85). Dessa
forma, Roma mantinha seu controle mediante endividamentos que geravam cada
vez mais novas formas de dominao. Para que isso funcionasse, o Imprio
Romano procurava fazer aliana com as elites, aqueles que detinham posse de
38
terras, inclusive as elites religiosas (RICHTER REIMER, 2006, p. 138). Estes, eram
os sumos sacerdotes que controlavam o Templo de Jerusalm por meio do
monoplio do sagrado.
Na prtica, povos que faziam aliana com Roma, estavam interessados nos
privilgios que poderiam obter por meio dessa relao, afinal, uma aliana com
Roma inclua apoio de fora militar, alguns aliados tornavam-se cidados romanos,
isso inclua o direito de votar, mas, isso no era to importante, j que as
assembleias eram majoritariamente controladas pela nobreza e o voto deveria ser
realizado pessoalmente na cidade de Roma. Assim, a ttica de tratar de forma
desigual os povos, principalmente os derrotados era bastante til para Roma, porque
dificultava a organizao dos povos para se rebelarem contra o Imprio Romano
(FUNARI, 2002, p.85).
Ainda sobre a desigualdade acerca do tratamento por parte dos romanos,
vemos Tcito colocando um discurso na boca do breto de Calgaco, informando
acerca da periculosidade dos romanos, antes de uma batalha contra as tropas de
Agrcola, observe:
A cuja arrogncia se acredita escapar pela submisso e comportamento leal. Estes salteadores do mundo revolvem o prprio mar, depois que mais nenhum pas se oferece a suas descries; quando o inimigo rico, so cobiosos; quando pobre, procuram a fama; nem o Oriente, nem o Ocidente os saciou; so os nicos que cobiam riqueza e pobreza com igual avidez. Saquear, assassinar, assaltar, tudo isso eles designam com o nome falso de soberania (imperium), e onde criam um deserto, do-lhe o nome de paz. Filhos e parentes so para todos os homens, segundo a vontade da natureza, o que h de mais precioso; eles so-nos tirados por recrutamentos para fazerem trabalhos de escravos noutros lugares; mulheres e irms, mesmo que tenham escapado cobia do inimigo, so violentadas por aqueles que se acham amigos e hspedes. Os bens transformam-se em impostos, o resultado anual dos campos torna-se contribuies de cereais; os nossos corpos e as nossas mos, so massacrados com golpes e vituprios na construo de estradas atravs de florestas e pntanos. Escravos, nascidos para a servido, so vendidos uma vez e ento so alimentados pelos seus senhores; a Bretanha compra de novo cada dia a escravido e ela prpria alimenta diariamente (TCITO apud WENGST, 1992, p. 78).
A partir destas informaes, podemos perceber que o controle imperial era
exercido por meio de um forte controle sobre a terra, mediante uma poltica
fundiria. Dessa maneira, sabemos que todos povos subjugados sofriam essa
prtica violenta expressa em vrias formas: dvidas, escravido, violentao,
espancamentos, trabalhos forados, processos de empobrecimento (RICHTER
REIMER, 2006, p. 139).
39
Quando Roma conquistava uma regio, a distribuio das terras estava
vinculada aos interesses romanos. Isto , os imperadores confiscavam as terras da
populao do campo, geralmente devido s dvidas contradas por causa da
impossibilidade econmica de pagamento dos impostos. O sistema escravagista era
alimentado por diversas fontes, uma delas era o endividamento. Aliado a esta
prtica, o sistema de dominao poltica era sustentado por arrecadao de
impostos diversos (RICHTER REIMER, 2006, p. 138). At mesmo nas estradas, os
cobradores de impostos faziam a coleta de viajantes e comerciantes. O pedgio era
cobrado somente pela simples locomoo nas estradas,
Mulheres e homens artesos bem como pequenos comerciantes viajavam muito para fazer seu trabalho e seus negcios. Iam do Pontus at Roma, da sia Menor at Grcia e Macednia, do Egito at Roma. Necessariamente passavam pelos postos de pedgio e de coleta de impostos. Todas as pessoas, independentemente se eram cidads ou estrangeiras, tinham que pagar impostos, os quais eram taxados sobre as mercadorias e sobre as atividades profissionais. O pedgio tinha que ser pago pelo simples fato de algum passar ali. Quem no pudesse pagar penhorava algo. Existiam taxas fixas e outras que eram estipuladas em at 5% do valor da mercadoria. Os cobradores de impostos tiravam mais dinheiro de viajantes e produtores do que o previsto nas taxas, avaliando o preo da mercadoria bem acima do que o valor real (RICHTER REIMER, 2006, p. 150).
Os maiores latifundirios eram os militares aposentados, amigos, senadores e
cavaleiros. As pessoas que ocupavam estas categorias sociais eram os maiores
possuidores de terras em Roma. Consequentemente, uma classe poltica controlava
Roma, juntamente com as colnias romanas localizadas por todo o imprio
(RICHTER REIMER, 2010, p.45). As pessoas mais pobres dos povos conquistados,
ou seja, os pertencentes ao extrato