JESUS - E, - Algumas reflexões teóricoconceituais na climatologia.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .165

    Emanuel Fernando Reis de JesusProfessor Associado do Departamento e Mestrado de Geografia da UFBAProfessor Pleno do Departamento de Cincias Humanas e Filosofia da [email protected]

    Algumas reflexes terico-conceituais na climatologiageogrfica em mesoescala: umaproposta de investigao

    Resumo

    O sistema climtico formado por um conjunto de elementos altamente dinmi-cos que interagem com os fatores geogrficos do clima, existindo assim umapermanente troca de energia e interdependncia. Para efeito de estudo, asanlises climatolgicas so organizadas obedecendo a uma ordem de grandezaescalar em que, no plano da abordagem geogrfica, em particular, prioriza aquesto espacial dos diversos ambientes climticos. O enfoque na mesoescaladeve expressar o nvel de correlao existente entre os aspectos dinmicos econtroladores do clima assim como as tcnicas de investigao mais apropriadaspara esse nvel escalar. Este trabalho tem por objetivo principal tecer algumasconsideraes sobre estas questes, que ainda so relativamente pouco discuti-das quando comparadas com outras linhas de estudo da Climatologia. Ao final, apresentada uma proposta escalar para o estudo dos mesoclimas, aplicada aoEstado da Bahia.

    Palavras-chave: Clima, Climatologia Geogrfica, Escalas, Mesoescala,Mesoclimas.

    Abstract

    SOME THEORETIC CONCEPTUAL CONSIDERATIONS ABOUT GEOGRAPHICALCLIMATOLOGY IN MESOSCALE

    The climatic system is formed by a whole of highly dynamical elements whichInteract with climate geographical factors, there being a permanent exchange ofenergy and interdependence. For study purpose, climatic analyses are organizedaccording to a scale ranking, which on the geographic approach level particularlyprioritizes the spatial point of several climatic environments. The focus on

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49165

    RafaelDestacar

  • 166. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    mesoscale intends to express the correlation level existent between dynamicaland controlling aspects of climate, as well more suited techniques of inquiry forthis scale level. This paper main purpose is setting forth some considerationsabout these points which still are relatively less discussed as compared to otherClimatology study lines. At the end, a scale proposal for mesoclimates study issubmitted and applied to the State of Bahia.

    Key-words: Climate, Geographic Climatology, Scale, Mesoscale, Mesoclimates.

    1. Consideraes preliminares

    A Climatologia surgiu como um campo especfico do conhecimento

    cientfico e com identidade prpria somente aps a sistematizao da

    Meteorologia, no final do sculo XIX, na Alemanha. Na realidade, a

    Climatologia uma extenso da Meteorologia, ou seja, estuda as condi-

    es meteorolgicas a longo prazo. Apesar de utilizar mtodos comuns

    Meteorologia, seus objetivos e propsitos so eminentemente geogrfi-

    cos. Os estudos do clima no campo da Geografia esto direcionados para a

    espacializao dos elementos e fenmenos atmosfricos, buscando expli-

    car sua dinmica processual. A Meteorologia uma cincia exata, que

    trata da dimenso fsica da atmosfera, produtora da gama de conhecimen-

    tos que explicam a extrema dinamicidade do ar atmosfrico, tendo como

    produto de aplicao direta a previso do tempo.

    A Geografia, visando integrar as diferentes esferas terrestres para

    uma compreenso da produo e da organizao do espao, tem, no estu-

    do do clima, um vetor de grande relevncia no espectro de suas anlises

    espaciais. O estudo do clima sob o prisma geogrfico possui uma conotao

    preferencialmente antropocntrica, da a sua singularidade, procurando

    estabelecer a relao sociedade-natureza.

    As narrativas a respeito do clima sempre estiveram presentes ao lon-

    go do discurso geogrfico desde os primrdios e em diferentes momentos

    de sua histria. na antiguidade, que encontramos os primeiros registros

    da influncia do meio natural sobre o homem. O clima, em especial, seria

    o responsvel por vrios aspectos do comportamento e dos hbitos de muitos

    povos, que estariam condicionados, tambm, localizao dos lugares.

    Atribui-se a Hipcrates, o mrito de ter publicado uma das obras mais

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49166

    RafaelDestacar

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .167

    antigas relacionando as influncias do clima sobre os seres vivos. A obra

    intitulada Ares, guas e lugares (400 a.C.) dedicou os seus primeiros

    captulos s influncias da localizao de uma cidade em relao aos ven-

    tos predominantes em cada estao do ano. Hipcrates tambm relacio-

    nou as influncias climticas numa escala mais geral, comparando as

    caractersticas fsicas e de carter dos habitantes de algumas reas do

    velho mundo, alm das caractersticas da fauna e da flora. O trabalho

    pioneiro de Hipcrates tambm procurava relacionar os efeitos teraputicos

    do clima para o homem.

    A teoria da influncia do meio natural e, por extenso, do clima so-

    bre os povos pode ser considerada como um dos mais antigos paradigmas

    da Geografia, independentemente do fato dela ter sido utilizada para justi-

    ficar a superioridade de um povo sobre outro. O determinismo climtico j

    ficava bem expresso desde a obra de Hipcrates, no momento em que,

    para ele, um clima marcado por grandes variaes entre o ciclo das esta-

    es do ano induzia aos exerccios vigorosos tanto do corpo quanto da

    mente. J os povos que viviam em climas que no apresentavam grandes

    contrastes estacionais, se tornavam, de certa forma, gordos e corpulentos,

    j que no se exercitavam o necessrio. O homem estaria, portanto, sem-

    pre relacionado ao meio natural, ou seja, a natureza era considerada como

    um suporte da vida humana. Assim, todos os elementos produtores do

    ambiente seriam responsveis diretos pelas condies de adaptao ou

    no do homem ao seu meio natural.

    Frederick Ratzel (1844-1904) definiu o objeto da Geografia como o

    estudo das influncias das condies naturais sobre a humanidade. Ratzel

    comparou a sociedade a um organismo que mantm grandes relaes

    com os componentes do meio fsico, para atender as suas necessidades de

    sobrevivncia.

    Posterior fase determinista, que perdurou durante muitos anos desde

    o final do sculo XIX, atravessando o sculo subseqente e se estendendo

    ainda por muitos anos, nota-se que gradativamente houve um significati-

    vo avano nas diversas reas do conhecimento humano com novas ten-

    dncias opostas ao determinismo geogrfico. A chegada da revoluo

    tecnolgica trazia novas maneiras de ver e compreender o mundo; o cha-

    mado determinismo geogrfico cedia lugar, aos poucos, a um determinismo

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49167

  • 168. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    econmico, em que a natureza no mais ocuparia como antes uma posi-

    o de vanguarda, mas sim, passaria condio de submissa s interven-

    es antrpicas a partir do conhecimento tecnolgico disponvel.

    No campo do estudo do clima, os trabalhos que vinham sendo elabo-

    rados desde o final do sculo XIX, baseados apenas em parmetros envol-

    vendo combinaes mdias de atributos trmicos e pluviais analisados

    separadamente, j no eram mais aceitos por muitos estudiosos, receben-

    do, assim, inmeras crticas daqueles que concebiam o clima como algo

    mais dinmico e interativo.

    O surgimento de uma Climatologia Dinmica esteve intimamente

    associado s grandes contribuies produzidas pela Escola Norueguesa de

    Meteorologia, onde grandes trabalhos foram produzidos por Bjerkenes (1921

    e 1934), Bergeron (1930) e Rossby (1938 e 1947) sobre a dinmica da

    circulao atmosfrica e das massas de ar, baseados nos princpios da

    termodinmica. Aqueles estudiosos escandinavos desenvolveram impor-

    tantes trabalhos fornecendo as bases conceituais e metodolgicas para os

    fundamentos da Climatologia Dinmica, tanto no plano macro quanto na

    mesoescala. Max Sorre (1880-1962), apesar de ser, antes de tudo, um

    gegrafo humano, no seu clssico tratado intitulado Les Fondements de la

    Geograhie Humaine, Tome Premier Les Fondements Biologiques, criou,

    na realidade, um verdadeiro paradigma para o estudo geogrfico do clima,

    partindo tambm da critica aos valores mdios e da anlise separativa dos

    elementos do clima. Para Sorre (1951, p.13 e14), o clima representa o

    ambiente atmosfrico constitudo pela srie de estados atmosfricos sobre

    um lugar, em sua sucesso habitual.

    Os elementos dessa concepo, seu carter de conjunto, de sntese e

    de dinamismo (variabilidade e ritmo) passaram a nortear profundamente

    a produo climatolgica, sob o prisma geogrfico, a partir da segunda

    metade do sculo XX, recebendo, assim, um grande nmero de adeptos.

    Segundo Sorre, a unidade de anlise dos fenmenos climticos o tem-

    po, que se traduz por uma combinao de propriedades e elementos at-

    mosfricos que, a cada momento e em cada lugar, se apresenta como um

    fato singular e com possibilidades pouco provveis de se reproduzir em

    outro lugar de forma semelhante. O ritmo sazonal constitui estados at-

    mosfricos comparveis periodicamente, os quais podem ser agrupados

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49168

    RafaelDestacar

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .169

    numa mesma estao do ano, em um nmero limitado de tipos cuja su-

    cesso regulada pelas leis da dinmica atmosfrica.

    Pdelaborde (1957) exerceu tambm uma grande influncia no cam-

    po da Climatologia Dinmica em mesoescala, com sua tese de doutorado

    Le Climat du Bassin Parisien, onde exps as bases fundamentais do

    mtodo geogrfico para o estudo do clima. A partir de uma investigao

    minuciosa sobre os diversos tipos de tempo associados aos mecanismos

    da circulao atmosfrica atuantes, onde foram focalizados tambm os

    seus efeitos combinados aos fatores geogrficos regionais, o autor definiu

    o clima da bacia parisiense pela freqncia e variabilidade dos tipos de

    tempo e das massas de ar, suas distribuies anuais e sazonais. Foi a

    partir desse estudo que Pdelaborde props um mosaico de tipos de tempo

    para todas as situaes possveis e, da, uma distribuio das diversidades

    climticas regionais.

    O enfoque dinmico desenvolvido a partir de teorias da circulao

    atmosfrica e da perspectiva Sorreana possibilitava uma explicao da

    gnese dos estados do tempo em sua sucesso habitual.

    Oliver e Fairbridge (1987) propuseram uma classificao gentica do

    clima baseada na freqncia relativa das massas de ar, agrupadas em trs

    grandes categorias (climas dominados por uma nica massa de ar, climas

    dominados por fluxos sazonais e climas dominados por fluxos zonais e

    extrazonais). A freqncia das massas de ar era estimada atravs da

    plotagem dos dados climticos em diagramas termopluviomtricos, com-

    putando o nmero de meses em que incidem na faixa caracterstica de

    cada massa de ar. No Brasil, particularmente, destaca-se a valiosa contri-

    buio realizada por Monteiro (1962, 1964, 1971, 1976, 1991 e 1999). Este

    gegrafo representa um dos precursores mais importantes da Climatologia

    Geogrfica do pas, pois ele teve a preocupao de instrumentalizar o

    paradigma Sorreano, incorporando, na anlise geogrfica do clima, os con-

    ceitos de sucesso e ritmo climtico, propondo, assim, um novo mtodo

    para o estudo do clima denominado de anlise rtmica.

    Para Monteiro, a anlise dinmica extremamente importante para

    a definio em mesoescala dos sistemas morfolgicos, para a interpreta-

    o da dinmica dos processos erosivos do meio ambiente e de outros

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49169

  • 170. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    aspectos, tudo isso direcionado para a explicao da organizao

    dos espaos geogrficos.

    No passado, o clima era visto como algo determinante, posterior-

    mente como elemento passivo de ser controlado pela tecnologia, porm,

    impossvel de ser dominado frente s suas intempries.

    Hoje, mais do que tudo isso, o clima , acima de tudo, algo de extre-

    mo valor, um patrimnio para a humanidade, sendo considerado como

    um importante recurso natural. O clima , na realidade, um insumo natu-

    ral extremamente vinculado aos processos fsicos e econmicos.

    Desta forma, a relao entre o clima e a organizao do espao de-

    pende do grau de desenvolvimento econmico e tecnolgico de cada soci-

    edade, em particular, e de quais atributos climticos so mais relevantes

    em cada regio.

    Na qualidade de recurso natural, o clima, quando sabiamente utili-

    zado, poder contribuir em muito para o bem-estar econmico e social,

    com reflexos significativos na qualidade de vida.

    Nos dias atuais, uma srie de acontecimentos catastrficos vm se

    registrando em diversas reas do planeta, em grande parte relacionados

    aos eventos climticos. Dentre esses acontecimentos, destacam-se aque-

    les ligados s crises no fornecimento mundial de alimentos, incidncia

    cada vez maior das secas severas, ocorrncia de episdios pluviais in-

    tensos e ao problema da desertificao, dentre muitos outros. Essas e ou-

    tras questes ambientais vinculadas direta ou indiretamente ao clima de-

    monstram a intensa vulnerabilidade da sociedade contempornea em re-

    lao aos fenmenos da natureza.

    Diante desses novos desafios a serem analisados nos dias de hoje,

    na abordagem geogrfica do clima, a utilizao do mtodo sistmico vem

    sendo amplamente empregado, uma vez que o mesmo expressa uma vi-

    so extremamente interativa, relacionando processos e respostas. O enfoque

    sistmico fornece uma nova via de investigao, abrindo novas relaes

    para as interpretaes mais complexas a respeito do clima. O estudo das

    interaes em macro e mesoescala oceano-atmosfera e demais interaes

    processuais entre a atmosfera, a biosfera e os solos so peas fundamen-

    tais dentro deste enfoque, na rea da Climatologia, em seus trs nveis

    escalares. Dois trabalhos em mesoescala, enfatizando o enfoque sistmico

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49170

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .171

    no estudo do clima, foram elaborados por Terjung (1976) e Carleton (1999).

    Esses dois gegrafos propuseram a anlise de nveis mais sofisticados de

    investigao, recomendando que sejam trabalhados os sistemas

    morfolgicos at chegar aos sofisticadssimos sistemas fsico-humanos de

    processo e resposta.

    A percepo atual da complexa relao entre o meio ambiente e a

    sociedade passa necessariamente pelo diagnstico de como o clima e seus

    elementos interferem, so modificados e ao mesmo tempo so derivados

    pela ao do homem.

    No problema das escalas do clima, constatamos que enquanto naquela zonalestamos muito ligados fundamentao fsico-meteorolgica que nos capacita aentender os fenmenos bsicos do desempenho atmosfrico, na escala regio-nal estamos bem mais envolvidos com fatores geogrficos causais na definiode interaes que produzem padres de organizao natural a servio da adap-tao ou derivao humana (MONTEIRO, 1999, p.25).

    a partir do nvel escalar da mesoescala em direo s escalas infe-

    riores do clima, que se percebe as correlaes mais complexas e mais

    interativas entre o sistema climtico e a sociedade. As intervenes

    antrpicas so capazes de produzir microclimas e alterar substancialmen-

    te o clima local, projetando seus efeitos gradativamente no mbito das

    escalas intermedirias do clima (climas sub-regionais e mesoclimas).

    No mundo cada vez mais globalizado, por outro lado, constata-se a

    existncia de uma verdadeira desordem na natureza, impulsionada pelas

    aes antrpicas, na maioria das vezes imponderadas, o que vem moti-

    vando as grandes tendncias dos estudos climticos associados aos im-

    pactos ambientais.

    Todas essas questes at aqui suscitadas esto relacionadas ao trata-

    mento escalar atribudo ao estudo do clima, do qual depende o xito de

    uma pesquisa.

    2. As escalas do clima

    O ambiente atmosfrico regido por um conjunto integrado de fen-

    menos que se encadeiam e se superpem no tempo e no espao. Os fen-

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49171

  • 172. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    menos existem sob as mais diversas ordens de grandeza, convivem

    concomitantemente em regime de trocas energticas recprocas e

    interdependentes, entre tempo e espao, que se integram a nveis escala-

    res hierarquizados (tamanho, durao, freqncia e intensidade) dos fe-

    nmenos atmosfricos.

    Uma das maiores dificuldades nas anlises climatolgicas situar,

    concretamente, a realidade em estudo, com relao aos tipos de dados e

    fontes necessrias, em funo dos resultados que se pretende alcanar.

    Na realidade, definidos os objetivos ou propsitos gerais de um determi-

    nado estudo, colocam-se os seguintes problemas: Qual a fonte a levantar?

    Por onde comear? Em que escala espacial trabalhar? Qual a srie tempo-

    ral a ser utilizada? Essas indagaes esto intimamente relacionadas

    questo escalar em que se esteja trabalhando, para que haja uma sintonia

    com os mtodos a serem utilizados.

    Os fenmenos meteoroclimticos, na maioria das vezes, so produ-

    zidos por mecanismos semelhantes, porm, com graus de intensidades e

    espacialidades de ocorrncia diferenciados.

    A Figura 1, a seguir, evidencia as caractersticas de alguns eventos

    meteorolgicos, correlacionando o ciclo de durao de cada um deles com

    as suas respectivas dimenses de observao (micro, meso e macro) e

    temporalidades de ocorrncia na atmosfera, desde fraes de segundo at

    meses e anos de durao.

    Os estudos dos fenmenos relacionados com o comportamento da

    atmosfera so orientados no sentido da compreenso de sua extenso (es-

    pao) e de sua durao (tempo).

    Para efeito de melhor compreenso dos estudos do clima, foi preciso

    se estabelecer um referencial escalar, com possibilidades metodolgicas,

    isto , uma escala taxonmica como parte da prpria pesquisa climatolgica.

    A dinmica do tempo e do clima resulta de um conjunto de interaes

    ocorridas no plano da interface e da multi-espectral, que intercambia e

    altera substancialmente a radiao solar atravs das diferentes esferas

    terrestres.

    Para a estruturao de um sistema taxonmico, com o propsito de

    anlise climatolgica, Ribeiro (1993, p. 288) props alguns critrios

    balizadores:

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:49172

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .173

    - So consideradas escalas superiores aquelas mais prximas do

    nvel planetrio;

    - O grau de dependncia da radiao solar na definio climtica

    maior nas escalas superiores, enquanto que a influncia da superfcie,

    inclusive ao antrpica, vai se tornando maior na medida em que se

    atinge as escalas inferiores;

    - As combinaes de processos fsicos interativos numa escala su-

    perior resultam em modificaes sucessivas no comportamento da atmos-

    fera nas escalas inferiores;

    - As combinaes particulares de processos fsicos nas escalas infe-

    riores possuem limitada repercusso nas escalas superiores;

    Figura 1ESCALA TMPORO-ESPACIAL DOS FENMENOS METEOROCLIMTICOS

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50173

  • 174. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    Figura 2ESCALA DE ANLISE GEOGRFICA DO CLIMA

    Fonte: Faissol, (1978), adaptado por Jesus (1995).

    A questo escalar no contexto da Geografia Fsica sempre foi muito

    mais discutida no campo da Geomorfologia e de se estranhar o fato de

    - As escalas inferiores so aquelas mais prximas dos indivduos,

    da superfcie em geral;

    - Quanto mais extenso o resultado de determinada combinao,

    maior ser o tempo de sua permanncia, sendo o inverso igualmente

    verdadeiro;

    - A extenso de uma determinada combinao na atmosfera resul-

    ta num atributo tridimensional, sendo, portanto, volumtrica a noo de

    extenso, em climatologia, e tendo como limite superior o prprio limite

    da atmosfera.

    A Figura 2 representa as diferentes escalas geogrficas do clima com

    as suas respectivas dimenses espaciais.

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50174

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .175

    que numa cincia extremamente preocupada com as reparties espaci-

    ais, a Geografia, como um todo, tenha se preocupado to pouco com a

    discusso taxonmica.

    No campo da Climatologia, deve-se aos franceses o pioneirismo na

    discusso das escalas do clima.

    A denominao de mesoclimas surgiu, pela primeira vez, na litera-

    tura climatolgica, no trabalho de Scaetta (1935), ao examinar os diferen-

    tes nveis climticos, bioclimticos e microclimticos regionais. Monteiro

    (1976) props uma organizao taxonmica para os espaos zonais, regio-

    nais e locais. Oliver e Fairbrigde (1987), Atkinson (1987), Ribeiro (1993),

    Jesus (1995), Mendona e Oliveira (2007) desenvolveram discusses no

    mbito escalar da abordagem climatolgica.

    O Quadro 1 assinala dimenses espaciais e temporais de maior acei-

    tao, por parte dos climatlogos e meteorologistas, embasados em uma

    flexibilidade entre as diferentes ordens de grandezas.

    Quadro 1ORGANIZAO DAS ESCALAS ESPACIAL E TEMPORAL DO CLIMA

    Subdivises

    Macroclima

    Mesoclima

    Microclima

    Fonte: Mendona e Oliveira (2007, p. 23).

    Entre os gegrafos climatolgos e os meteorologistas, existe uma

    pequena divergncia no tocante terminologia referente questo das

    escalas do clima. As grandezas escalares atribudas ao estudo do clima

    para os gegrafos priorizam a questo espacial, enquanto que as escalas

    do clima para o meteorologista priorizam a questo temporal.

    ExemplificaoEspacial

    Algumas semanas avrios decnios.

    O globo,um hemisf-rio, oceano, continen-te, mares etc.

    Vrias horas aalguns dias.

    Regio natural, mon-tanha, regio metro-politana, cidade etc.

    De minutos ao dia.

    Temporalidade dasVariaes maisRepresentativas

    Bosque,uma rua, umaedificao, casa etc.

    EscalaVertical

    EscalaHorizontal

    Ordem deGrandeza

    Clima zonalClima regional

    Clima regionalClima localTopoclima

    10km aa l g u n smetros

    Abaixo de100 metros

    3 a 12 km> 2.000km

    De 12 km a100 metros

    2000 kma 10 km

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50175

  • 176. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    Jesus (1995) discutiu aspectos conceituais e metodolgicos relativos

    s questes de escala, tempo e espao em Climatologia, nos nveis hierr-

    quicos macro, meso e microescalar, propondo um roteiro de investigao

    para cada um deles, com os respectivos nveis de interveno dos fatores

    climticos.

    Outro aspecto significativo em relao escala consiste em o pesqui-

    sador saber colocar o problema da pertinncia de ligao entre uma uni-

    dade de observao e o atributo que se deve associar mesma. Em qual

    escala, por exemplo, as unidades possuem propriedades globais? Muitos

    estudos empricos tm demonstrado que pode haver propriedades globais

    em nveis diferentes. Na realidade, cada estudo deve ser colocado dentro

    de sua perspectiva correta, isto , no seu campo de pertinncia, no nvel

    de sua dimenso de anlise. Essa pertinncia no ocorre apenas em rela-

    o rea escolhida, mas tambm em relao ao tipo de dados utilizados

    na anlise.

    Assim, para a compreenso do mecanismo da circulao atmosfrica

    em relao ao fluxo das brisas litorneas (clima local), necessria a

    disponibilidade de dados dirios para efeito de seu estudo. Enquanto que,

    para o mesmo tipo de anlise vinculada a uma circulao secundria (cir-

    culao monnica), fundamental a disponibilidade de dados que ex-

    pressem a sazonalidade dos atributos climticos. Para o mesmo tipo de

    abordagem, com o propsito de se investigar a variabilidade e as tendn-

    cias climticas da circulao normal, essencial a disponibilidade de da-

    dos anuais e interanuais de vrios anos. Fica, assim, bem evidente que as

    duas noes de escalas (cartogrfica e geogrfica) permeiam a anlise do

    clima. A primeira est ligada ao tamanho da unidade de observao con-

    siderada, enquanto que a segunda est ligada questo conceitual

    conduzida no tema em pauta.

    Enfim, o real significado da escala inclui, necessariamente, uma re-

    lao indissocivel entre a dimenso espacial e o fenmeno climtico

    analisado.

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50176

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .177

    3. A hierarquizao do fato climtico

    A realidade climtica pode, objetivamente, ser caracterizada por uni-

    dades espaciais com grandezas escalares completamente diferenciadas,

    que variam desde o nvel planetrio (zonal) at o nvel microclimtico. A

    depender dos objetivos a que se prope um estudo e a escala em que se

    esteja trabalhando, necessariamente no ser preciso o rigor de 30 anos

    de dados climatolgicos conforme recomendado pela OMM (Organiza-

    o Meteorolgica Mundial), para se trabalhar em Climatologia.

    Um estudo de Climatologia Sintica sobre a ocorrncia de um epis-

    dio pluvial concentrado de grande intensidade, em regies tropicais, na

    maioria das vezes, perdura 2 a 3 dias, ou pouco mais, sendo necessrio

    to somente uma avaliao diria (horria) do evento meteoroclimtico.

    Outro fato que bem exemplifica a necessidade da hierarquizao das

    ordens de grandezas climticas, que, a partir do momento em que des-

    dobramos as unidades, o nmero de variveis que intervm no processo

    torna-se maior. Na realidade, existe uma superposio ou uma interao

    entre fatores e elementos estruturais de uma determinada ordem de gran-

    deza imediatamente inferior, e assim, sucessivamente, at as menores

    unidades (microclimas). Da mesma forma, medida que reduzimos as

    dimenses no espao, a velocidade das mudanas temporais, em nvel de

    processo, tambm se altera.

    Os climas zonais so desdobrados em unidades menores, e novos

    fatores geogrficos assumem efeitos significativos sobre as condies cli-

    mticas. Nesse nvel de abordagem, inserem-se os climas regionais e, no

    interior destes, aparecem os mesoclimas (do grego meso), que significa

    intermedirio em dimenso, no contexto das hierarquias do clima.

    O clima regional aparece inserido em cada faixa zonal, sendo defini-

    do a partir das influncias produzidas pelos fatores geogrficos controladores

    do clima. Dentre aqueles de maior relevncia podemos mencionar: a ori-

    entao e a disposio dos grandes conjuntos orogrficos; as interfernci-

    as das correntes ocenicas; as condies topogrficas predominantes; o

    maior ou menor grau de influncia da maritimidade e da continentalidade;

    a posio latitudinal e a exposio da regio, dentre muitos outros fatores

    estticos. Em consonncia a esses fatores de natureza geogrfica, os de

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50177

  • 178. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    natureza dinmica tambm se estruturam num sistema de circulao at-

    mosfrica secundria, representada por um conjunto de perturbaes

    sinticas que passam a atuar em diferentes pocas do ano. Essas corren-

    tes secundrias so resultantes da instalao de pequenos centros de ao

    (ncleos ciclnicos e anticiclnicos), que atuam na dinmica do tempo e

    do clima regional ao longo do ano.

    A identidade do clima regional em geral confunde-se com suas prprias reper-cusses sobre a cobertura vegetal, onde se estabelece uma forte relao nosdomnios climatobotnicos (clima do cerrado, clima das caatingas, clima dasflorestas latifoliadas, dentre outros) (RIBEIRO 1993, p. 289).

    Os climas regionais apresentam extenso horizontal aproximada entre

    150 a 2.000 km e, verticalmente, esto limitados pelos fenmenos que

    ocorrem na baixa troposfera. Os estados do tempo derivados da intensida-

    de de participao dos centros de ao e frentes duram, em mdia, de 1 a

    30 dias, como, por exemplo, o que ocorre nas atuaes dos sistemas

    extratropicais que invadem o centro-oeste e o sudeste brasileiro, por oca-

    sio dos messes de inverno. Esses sistemas de natureza frontal proporcio-

    nam grandes perturbaes meteoroclimticas regionais.

    A abordagem sugerida para efeito de anlise em mesoescala (climas

    regionais) apoia-se na identificao do ritmo anual, sazonal e mensal dos

    elementos do clima que representem os mecanismos da atuao dos sis-

    temas de circulao atmosfrica secundria. necessria a anlise criteriosa

    dos fatores geogrficos regionais que concorrem para a definio de cada

    domnio climtico regional. A anlise das cartas sinticas complementadas

    pelas imagens de satlites meteorolgicos, e apoiadas pelas informaes

    das estaes meteorolgicas de superfcie, poder conduzir a bom termo

    as anlises dos climas regionais.

    Em cada posio da regio, as configuraes espaciais determinadas

    pela compartimentao topogrfica, cobertura natural, rede de drenagem,

    altitude, dentre outros aspectos geogrficos, interagem de forma significa-

    tiva com os padres climticos regionais.

    Nesta escala, torna-se importante considerar as variaes anuais,

    sazonais e mensais dos elementos climticos, assim como a anlise dos

    sistemas de circulao atmosfrica atuantes e os tipos de tempo que assu-

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50178

  • GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187 .179

    mem grande significao. necessrio tambm, nesse nvel (clima regi-

    onal), conhecer a situao sintica da atmosfera regional a fim de se defi-

    nir a posio dos centros de ao atuantes (clulas ciclnicas e

    anticiclnicas). Ainda neste nvel de abordagem climatolgica, como es-

    tratgia de investigao, preciso conhecer as normais ou mdias de um

    longo perodo e tambm acompanhar essas mdias com estudo de varia-

    es em intervalos menores, selecionados por critrios de

    representatividade. nesse nvel das escalas do clima que se determinam

    os chamados anos padro.

    O clima regional geralmente possui inmeras variaes no seu inte-

    rior em funo, sobretudo, da compartimentao topoclimatolgica.

    Os grandes conjuntos morfolgicos produzem interferncias no fluxo

    energtico ou mesmo na circulao secundria, criando reas de barla-

    vento e sombras de chuvas (sotavento).

    Em mesoclimatologia, a configurao do terreno, o tipo de solo e sua coberturanatural, so considerados como feies da localidade, sujeitos apenas a peque-nas mudanas no tempo, determinando o clima que predomina em determinadolugar, da ordem de centenas de quilmetros quadrados, e pode ser chamadoclima local (OLIVER; FAIRBRIDGE, 1987, p. 38)

    A altitude em particular, na categoria da mesoescala, possui uma

    importncia significativa, ou seja, um papel destacado na distribuio da

    radiao lquida, na reteno do vapor dgua e no armazenamento de

    calor sensvel. Essas e outras caractersticas passam a proporcionar a for-

    mao de verdadeiros enclaves climticos, com grandes reflexos na estru-

    tura trmica, surgindo, assim, os chamados mesoclimas, no interior dos

    climas regionais.

    Remp (1937) considerou como mesoclima aquele circunscrito de

    maneira natural ou artificial, produzido em funo da posio de um vale

    ou declive, assinalando, assim, sua concepo sobre mesoclimas. A defi-

    nio de Remp abre para uma ampla pauta de discusses e, ao mesmo

    tempo, coloca a questo do aspecto relativo que deve ser considerado na

    anlise do mesoclima no contexto da terminologia escalar do clima.

    Bruchmann (1999) definiu, como mesoclima, a extenso da superf-

    cie terrestre que produz uma modificao no ambiente climtico, propor-

    cionando mesoclimas de montanha e vales, dentre outros. O autor enfatizou

    Geotextos 4.pmd 2/2/2009, 10:50179

  • 180. GeoTextos, vol. 4, n. 1 e 2, 2008. E. Jesus 165-187

    Qua

    dro

    2PR

    OPO

    STA

    DE

    ORG

    ANIZ

    AO

    ESP

    ACIA

    L EM

    MES

    OES

    CALA

    DA

    ABO

    RDAG

    EM G

    EOGR

    FIC

    A D

    O C

    LIM

    A

    Ord

    em d

    eG

    rand

    eza

    Taxo

    n-

    mic

    a

    Esca

    la d

    oCl

    ima

    (uni

    dade

    clim

    tic

    a)(k

    m)

    Fato

    res

    Geo

    gr-

    ficos

    Reg

    iona

    isde

    Int

    erve

    no

    Subu

    nida

    des

    Intr

    a-re

    gio-

    nais

    Uni

    dade

    sM

    esoc

    li-m

    tic

    as

    Nv

    eis

    deA

    bord

    agen

    sCl

    imat

    o-l

    gica

    s

    Esca

    las

    Cart

    ogr

    -fic

    as d

    eRe

    pres

    en-

    ta

    o

    Refe

    rnc

    ias

    Espa

    ciai

    sEx

    tens

    oVe

    rtic

    al(k

    m)

    Mei

    os d

    eIn

    vest

    i-ga

    o

    Fato

    res

    dein

    terv

    en

    oan

    trp

    ica

    MESOESCALA

    CLIM

    ASRE

    GIO

    NA

    IS

    Exte

    nso

    Hor

    i-zo

    ntal

    - 1

    50 a

    2.00

    0 km

    (dom

    nio

    scl

    imt

    icos

    )Si

    stem

    as d

    eCi

    rcul

    ao

    Atm

    osf

    rica

    Zona

    l e

    Extr

    a-zo

    nal

    Esca

    la1:

    2.00

    0.00

    0

    MES

    OCLIM

    AS

    Enqu

    adra

    -m

    ento

    Regi

    onal

    Gra

    ndes

    mos

    aico

    ses

    paci

    ais

    Subs

    iste

    mas

    de C

    orre

    n-te

    s A

    rea

    sPe

    rtur

    ba-

    das

    Mes

    oclim

    asde

    bos

    ques

    Mes

    oclim

    asde

    piem

    onte

    s

    Mes

    oclim

    asde

    val

    es

    Mes

    oclim

    asde

    mon

    ta-

    nha

    (Set

    or d

    eum

    a ba

    cia

    hidr

    ogr

    fica,

    efei

    tos

    dabr

    isa d

    em

    onta

    nha

    e do

    val

    e)ENFOQUE CLIMTICO

    SEMI-DETALHADO

    (escala intermediria)

    Clim

    aRe

    gion

    al>

    1:1.

    000.

    000

    Clim

    a Su

    b-Re

    gion

    al1:

    500.

    000

    Mes

    oclim

    as