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Portugal vai cumprir Quioto Coordenadora: Marta Ribeiro Telles Suplemento da Aflobei - Associação de Produtores Florestais da Beira Interior. Edição/ Design gráfico:: RVJ - Editores, Lda. Folha Florestal EDITORIAL D esde sempre, a floresta tem sido uma fonte imprescindí- vel de produtos e subprodutos, que são consumidos ou uti- lizados por todos nós no dia a dia. No entanto, nos últimos anos tem-se vindo a compreender melhor a real dimensão dos espaços florestais, cuja importância ultrapassa o seu papel enquanto forne- cedor de vários produtos de consumo. Cada vez mais, a floresta é também en- tendida numa perspectiva de prestadora de serviços essenciais, nomeadamente ambientais. A fixação de carbono pro- movida pela floresta, nos dias de hoje, é já aceite e compreendida pela sociedade como fundamental para o bem-estar de todos. A floresta tem, claramente, um papel decisivo na manutenção e preser- vação dos ecossistemas indispensáveis ao equilíbrio do planeta - um planeta cada vez mais poluidor. O equilíbrio é, portanto, essencial numa sociedade com estas característi- cas. E nesse aspecto, a floresta contribui através de todo um conjunto de funções ambientais, tais como a conservação da natureza, a defesa da biodiversidade, o combate às alterações climáticas, a ma- nutenção da qualidade da água e do ciclo hidrológico, a melhoria da estrutura dos solos, a qualidade da paisagem e do ar que respiramos. E no centro de todos estes benefíci- os públicos estão os proprietários flores- tais, detentores da esmagadora maioria do território florestal português. E são estes que, sendo os responsáveis pela gestão dos espaços agro-florestais, de- vem ser remunerados pelo serviço públi- co que prestam, de modo a serem incen- tivados a explorar de uma forma susten- tável todo o potencial ambiental das suas propriedades. Falta o reconhecimento oficial, pela Comunidade Europeia e Es- tado Português, dos serviços públicos pres- tados pela floresta. Afinal, trata-se de um património inesgotável de benefícios para todos nós e um investimento de gerações. A Direcção SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE GARANTE Carbono com Mercado Garantido Portugal é o País da U.E. mais bem servido de Água ENTREVISTA AO PRESIDENTE DO INAG Projecto Agro- Florestal inovador promove Biodiversidade EXTENSITY ECOPROGRESSO E E.VALUE PÁGS. 2 , 4 E 5 PÁG. 3 PÁG. 9 A 11 Este caderno faz parte integrante da Edição do Expresso nº 1806 de 9 de Junho de 2007, não podendo ser vendido separadamente.

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Portugal

vai cumprirQuioto

Coordenadora: Marta Ribeiro Telles • Suplemento da Aflobei - Associação de Produtores Florestais daBeira Interior. Edição/ Design gráfico:: RVJ - Editores, Lda.

Folha FlorestalEDITORIAL

Desde sempre, a floresta temsido uma fonte imprescindí-vel de produtos e

subprodutos, que são consumidos ou uti-lizados por todos nós no dia a dia. Noentanto, nos últimos anos tem-se vindoa compreender melhor a real dimensãodos espaços florestais, cuja importânciaultrapassa o seu papel enquanto forne-cedor de vários produtos de consumo.Cada vez mais, a floresta é também en-tendida numa perspectiva de prestadorade serviços essenciais, nomeadamenteambientais. A fixação de carbono pro-movida pela floresta, nos dias de hoje, éjá aceite e compreendida pela sociedadecomo fundamental para o bem-estar detodos. A floresta tem, claramente, umpapel decisivo na manutenção e preser-vação dos ecossistemas indispensáveisao equilíbrio do planeta - um planeta cadavez mais poluidor.

O equilíbrio é, portanto, essencialnuma sociedade com estas característi-cas. E nesse aspecto, a floresta contribuiatravés de todo um conjunto de funçõesambientais, tais como a conservação danatureza, a defesa da biodiversidade, ocombate às alterações climáticas, a ma-nutenção da qualidade da água e do ciclohidrológico, a melhoria da estrutura dossolos, a qualidade da paisagem e do arque respiramos.

E no centro de todos estes benefíci-os públicos estão os proprietários flores-tais, detentores da esmagadora maioriado território florestal português. E sãoestes que, sendo os responsáveis pelagestão dos espaços agro-florestais, de-vem ser remunerados pelo serviço públi-co que prestam, de modo a serem incen-tivados a explorar de uma forma susten-tável todo o potencial ambiental das suaspropriedades. Falta o reconhecimentooficial, pela Comunidade Europeia e Es-tado Português, dos serviços públicos pres-tados pela floresta. Afinal, trata-se deum património inesgotável de benefíciospara todos nós e um investimento degerações.

A Direcção

SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE GARANTE

Carbonocom MercadoGarantido

Portugal é oPaís da U.E.mais bemservidode Água

ENTREVISTA AO

PRESIDENTE DO INAG

Projecto Agro-FlorestalinovadorpromoveBiodiversidade

EXTENSITY

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Mercado do Carbono é uma realidadeRICARDO MOITA, PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ECOPROGRESSO

Entrevista

O mercado de carbono já éuma realidade de assinalávelrelevo. Com o Protocolo deQuioto, vários países passarama ter que controlar as suas emis-sões de gases com efeito de es-tufa.

Ricardo Moita é o presiden-te do conselho de administra-ção da Ecoprogresso, uma em-presa criada em 2002 e cujonegócio, pioneiro em Portugal,se centra nas alterações climá-ticas e na gestão de emissõesde dióxido de carbono, tendo emvista a sustentabilidadeambiental. Os clientes destaempresa portuguesa são, mui-tas vezes, empresas que estãoobrigadas, legalmente, a redu-zir as suas emissões, recorren-do, para isso, ao comércio de li-cenças de emissão de carbono.Procurando aproveitar a opor-tunidade gerada por essa situa-ção, ao serviço de consultadoria,a Ecoprogresso juntou o primei-ro serviço de compra e venda delicenças de emissão português:o Ecotrade. Com este serviço, aEcoprogresso tornou-se na pri-meira empresa portuguesa aregistar-se na PowernextCarbon, a maior bolsa mundialde carbono.

Estamos no primeiro semes-tre de 2007. Como vê as hipóte-ses de Portugal cumprir as di-rectrizes do Protocolo deQuioto?

Portugal vai ter que cum-prir. Não existe outra alternati-va. Por muito caro que possa ser,não existe qualquer espaço parao incumprimento de Portugal no

contexto europeu. Seria “catas-trófico” um membro da UniãoEuropeia não cumprir o Proto-colo de Quioto. A questão é quequanto mais tarde actuarmos etomarmos medidas para reagira uma obrigação deste género,mais difícil se torna transformaros obstáculos e barreiras emverdadeiras oportunidades. Istoé, o incumprimento julgo ser im-possível, quanto ao facto de po-dermos tirar todos os benefíciosque existem num mecanismodestes, penso que será difícilporque estamos a reagir umpouco tarde em alguns aspectos– não em todos.

Mercado de carbono e Co-mércio Europeu de Licenças deEmissão (CELE) são dois concei-tos que se começam a tornarhabituais. Mais especificamen-te, como funciona o mercado?Que actores intervêm nele?

Começando um poucoatrás. O Protocolo de Quiotoobrigou os países a um certo tec-to de emissões. De grosso modo,se olharmos para a economiados países podemos considerartrês grandes blocos que dão ori-gem às emissões de gases comefeito de estufa. Temos o sectorresidencial e serviços, ou sejaconsumos inerentes a edifíciose à sua utilização que, com o au-mento do nível de vida, têm vin-do a aumentar. Há outro grandebloco que é o sector dos trans-portes, também extremamen-te difícil de controlar e de gerir.E, finalmente, temos um tercei-ro bloco que é o da indústria. Esteé o panorama do Protocolo deQuioto, que permite que Esta-dos comprem e vendam licen-ças entre si. O que a UniãoEuropeia fez foi transpor a res-ponsabilidade das emissões daindústria para a própria indús-tria. Isto é, em vez de ser o Es-tado a gerir as emissões prove-nientes da indústria são elas asresponsáveis pela sua gestão.Resumidamente, criou um mer-cado europeu entre as indústri-as, o CELE, onde estão mais de11 mil instalações. Os Estadosimpuseram então tectos de

emissão às indústrias, assentesna lógica de que a indústria sabegerir melhor as emissões do queo Estado. Deste modo, o mer-cado funciona entre as diferen-tes instalações que trocam,compram e vendem licençasentre elas, tentando fazer aqui-lo que for mais eficiente em ter-mos de redução de gases comefeito de estufa.

A Ecoprogresso, através doEcotrade, tem-se movimentadono mercado de licenças de car-bono. Que tipo de serviço é este?

O Ecotrade foi o serviço quea Ecoprogresso criou para actu-ar directamente no mercado decarbono, não só em termos deconsultoria mas também ao ní-vel da compra e venda de licen-ças. Este serviço surgiu porquealguns dos nossos clientes que-riam comprar e vender licençase queriam ter acesso a um mer-cado com preços competitivos eliquidez suficiente. O que aEcoprogresso fez foi tornar-semembro da Powernext Carbonque, no fundo é a área daEuronext para o carbono e, des-se modo, fazer o serviço de com-pra e venda de licenças para asindústrias, quando elas preci-sam. Isto porque não faz senti-do para uma empresa que faztrês ou quatro transações porano estar-se a registar numabolsa, numa plataforma detrade, porque isso tem custos erequer um processo burocráticobastante moroso. Ao mesmotempo não é o core business dasempresas, as quais tipicamentenão têm o know-how internopara actuar directamente nomercado. É sempre muito maisbarato para uma empresa pa-gar a uma comissão do que es-tar a actuar de forma directa nomercado. Foi por isto que aEcoprogresso criou o Ecotrade ese fez membro da PowernextCarbon. Até ao momento, so-mos os únicos portugueses aestarem registados nesta bolsa.

A que preços é negociado ocarbono actualmente?

É um mercado muito volá-

til e que, quando comparado comoutros mercados, tem muitopouca liquidez. É um mercadoainda embrionário e que tem to-dos os riscos inerentes a essasituação. O conselho que sem-pre damos aos nossos clientesque actuam no mercado de car-bono por obrigação legal é queevitem correr riscos e que nãoentrem em especulações. As-sim, se a empresa tem excessoe quer vender, nunca deve ven-der aquilo de que vai precisaramanhã na expectativa de queamanhã o preço vai baixar epoderá comprar; e o inversotambém: se vai ter que com-prar e a tesouria o permite, deveter muito cuidado e não especu-lar, em particular quando a em-presa tem obrigações legais.

Em termos de preço, parater uma ideia, já houve doisgrandes picos de mercado, emque o preço da tonelada de CO

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atingiu os 30 euros mas actual-mente as licenças de emissãoestão a transaccionar perto dos0.25 euros.

Em Abril de 2006 soube-se que havia um excesso de li-cenças no mercado e o preçobaixou bastante. Foi o primeiroano em que se cumpriu um ciclointeiro deste processo. Do pon-to de vista teórico, o preço nes-te momento das licenças de CO

2

que são válidas até ao fim de2007 é zero euros. Isto porqueexiste um excesso e as licençastêm um tempo de vida.

A partir de 2008 vamos ternovas alocações e, provavel-mente, esse excesso não existi-rá e o mercado voltará a funcio-nar normalmente. Os preçosdos contratos de futuros para opróximo ano indicam-nos que aslicenças de carbono estarão atransaccionar acima dos 20euros. Veremos se assim acon-tece.

Mercado de Carbono

O Comércio Europeu

de Licenças de Emissão

(CELE) entrou em funciona-

mento a 1 de Janeiro de

2005 e abrange mais de 11

mil indústrias europeias a

quem foram atribuídas li-

cenças. Em 2006, nesse

mercado foram transac-

cionadas 817 milhões de

toneladas de carbono no

valor de 16 mil milhões de

euros. Durante o mesmo

ano, Portugal transaccionou

900 mil toneladas no valor

de 15 milhões de euros.

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ORLANDO DE CASTRO BORGES, PRESIDENTE DO INAG - INSTITUTO DA ÁGUA

Entrevista

Com o Verão no horizonteganha importância a discussão àvolta de um dos mais valiososbens do nosso mundo: a água.Orlando Castro Borges é o pre-sidente do INAG – Instituto daÁgua, organismo que em Portu-gal tem como missão executaras políticas de recursos hídricos.De acordo com o responsável,Portugal está preparado paraenfrentar situações de falta deágua com relativa segurança. Otrabalho desenvolvido em Por-tugal, principalmente após asfragilidades reveladas durante operíodo de seca de 2005, dãogarantias de que, mesmo em si-tuações excepcionais de seca, épossível assegurar o consumo eo abastecimento público de água.

A agricultura é o sector quemais água consome, com umvalor na ordem dos 87% do to-tal de água utilizada no país. Paradiminuir este número, o Gover-no apresentou o Programa Naci-onal para o Uso Eficiente da Água(PNUEA) que se propõe a au-mentar a eficiência do consumode água na agricultura em 5%,nos próximos 10 anos.

É constantemente referidaa importância dos recursoshídricos para o desenvolvimentosustentável de um país. Portugalestá bem servido desses recur-sos?

Está. Portugal está muitobem servido do ponto de vistados recursos hídricos. Dentro daUnião Europeia, em função doscaudais e da precipitação distri-buída pelo espaço territorial oupela capitação, Portugal é o paísque mais razão tem para se con-

siderar bem servido de água. Aquestão que se coloca é que osvalores associados à precipita-ção tendem a acorrer numa par-te específica do território e ten-dem a acorrer em situações tem-porais muito concentradas. Ouseja, embora se verifique quePortugal possui uma grande dis-ponibilidade em termos de re-cursos hídricos, salienta-se que80% ocorre nos meses de In-verno e, dentro dessas ocorrên-cias, grande parte é no norte dopaís. A situação implica, comcerteza, que para se fazer o apro-veitamento dessa disponibilida-de e desses recursos, seja neces-sário construir infra-estruturashidráulicas.

A questão do abastecimen-to público é uma das questões demaior relevância neste domínio.Existe o risco de se acentuaremos problemas de falta de águaque se verificaram em anterioresverões?

O ano de 2005, um ano deseca, serviu para chegarmos àconclusão de que ainda temosmuitas dificuldades não só emprever situações excepcionaisque possam ocorrer, nomeada-mente de seca, como serviu tam-bém para nos darmos conta deque em algumas situações nãoestamos suficientemente prepa-rados para reagir. Em particularno que se refere à questão determos completamento garanti-dos todos os sistemas de abas-tecimento. A verdade é que es-tes períodos de seca vão aconte-cendo com uma maior frequên-cia. Contudo, eles acabam por sedeparar com todo um trabalhoque está a ser feito, fundamen-talmente pelas autarquias oupelos grandes sistemas das águasde Portugal. Estes, ao serem con-cretizados, cada vez mais, garan-tem que mesmo em situaçõesexcepcionais de seca, o consu-mo e o abastecimento públicopossam ser garantidas.

Em 2005 tivemos situaçõespontuais que abrigaram a medi-

das excepcionais e a algumasrestrições, mas a verdade é quese essa situação de seca tivesseocorrido dez ou vinte anos antes,a situação teria sido perfeita-mente dramática. Isto é, os anosde seca vão continuar a aconte-cer, mas a possibilidade haver si-tuações de risco para o abasteci-mento vão sendo menores.

Com o aumentar da consci-ência ambiental, existem preo-cupações de sustentabilidadeambiental na gestão da água?

Neste momento não temosalternativa. A Directiva-Quadroda Água (Nota: Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu edo Conselho, de 23 de Outubrode 2000, que estabelece umquadro de acção comunitária nodomínio da política da água) temcomo grande diferença relativa-mente a anteriores instrumen-tos de política dos recursoshídricos fazer com que os objec-tivos ambientais sejam centraisem relação a toda a intervençãonum curso de água. O objectivoé fazer a recuperação de massasde água que não têm essa basee, nas que a têm, ter objectivoscada vez mais ambiciosos. É im-portante que os cursos de água,para além da função económicaou hidráulica, tenham tambémasseguradas as componentessocial e ambiental. Asustentabilidade ambiental é aquestão central da directiva e daLei da Água e, por esse motivo,de toda a intervenção das enti-dades responsáveis pela gestãodos recursos hídricos.

A água é sem dúvida um dosbens mais valiosos no XXI. O ne-gócio da água é muito apetecível?

Sem dúvida. O ProgramaNacional para o Uso Eficiente daÁgua (PNUEA) estima que à vol-ta da procura, nas questões rele-vantes e directas, a água envol-ve um custo global de produçãopara a sociedade de cerca de 2mil milhões de euros por ano.Este valor representa aproxima-

damente 1,6 % do Produto In-terno Bruto português. Estamos,portanto, a falar de verbas muitoavultadas. Claro que, depois háque separar as questões relacio-nadas com o ponto de vista eco-nómico, dos valores dos investi-mentos decorrentes da utilizaçãoda água.

Temos ainda outro compo-nente, que tem vindo a ganhargrande importância, e que tem aver com os serviços: assistência,manutenção, formação e tudo oque possa ter a ver com a utili-zação da água. Numa situação ena outra, o mercado está pro-gressivamente mais relevante epor isso está, francamente, su-jeito a um conjunto de pressõese de abordagens que estão cadavez mais na ordem do dia.

Água e Agricultura

A agricultura, nomeadamen-te a de regadio, é a actividadeque mais água consome em Por-tugal, com mais de 80% do con-sumo. Justifica-se o volume deágua gasto por essa actividade?

A agricultura, efectivamen-te, consome cerca de 87% daágua, sendo que outros sectorescomo a indústria e o abasteci-mento público têm valores mui-to menores. O consumo não sejustifica. De acordo com dadosque temos, neste momento, oconsumo útil na agricultura andana ordem dos 3.800 milhões demetros cúbicos de água / ano,mas a procura efectiva anda naordem dos 6.000 ou 6.500 mi-lhões de metros cúbicos. Isso sig-nifica que há um desperdício,sendo a eficiência de cerca de60%. Ou seja, 40% são situa-ções que decorrem de perdas oufugas nos sistemas. Efectiva-mente, isto não é, do ponto devista do volume, uma situaçãoque esteja correcta. Por isso, háque melhorar e o Programa Na-cional para o Uso Eficiente da

Água (PNUEA) propõe metaspara que essa eficiência seja atin-gida nos próximos 10 anos.

E como será possível tornarmais eficiente o consumo de águana agricultura?

Embora não só nessa acti-vidade, o PNUEA determina quenos próximos 10 anos possa ha-ver um aumento de eficiência naordem dos 5% na agricultura.Parece pouco, mas é extrema-mente ambicioso, porque 5% novolume total de água tem algu-ma expressão.

No entanto, nós temos deverificar que apesar de na agri-cultura os volumes de eficiênciaserem muito baixos, a verdade éque caso analisemos apenas acomponente económica – leia-se: os custos associados às per-das de água –, nós percebemosque a esse nível o valor é superi-or nos sistemas de abastecimen-to de água para consumo huma-no. Portanto, se estivermos a fa-lar em volume de total de água ataxa de eficiência na agriculturaé de cerca de 60%; se estiver-mos a falar em termos de custosassociados a essa perda de água,esse valor reduz-se para 40%.

Por tudo isto, há não só umvolume substancial de água quetem que ser utilizado de uma for-ma eficiente, como há tambémcustos económicos que têm queser minimizados nos casos dossectores industrial e de abaste-cimento público. As nossas me-tas no caso da agricultura apon-tam para 65% de eficiência por-que percebemos que, do pontode vista das tecnologias, das prá-ticas e até da sensibilidade dosutilizadores de água há necessi-dade de se percorrer um cami-nho lento. E mais: em alguns sis-temas de regadio, para se obteruma elevada eficiência, é neces-sário fazer investimentos que emtermos de custo/ benefício nãosão comportáveis.

Portugal é o país da U.E.

mais bem servido de água

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Mercado voluntário de carbono

é a nova realidade empresarial

SANDRA MARTINHO, E. VALUE CARBONO ZERO

A E.Value movimenta-senuma área de negócio em cres-cimento em Portugal. Tem comoárea privilegiada de negócio aeconomia do carbono. Movi-menta-se nos mercados regu-lados, como o Comércio Euro-peu de Licenças de Emissão(CELE), mas também nos mer-cados voluntários, através damarca CarbonoZero. SandraMartinho, directora da E.Valuedestaca sobretudo a eficiênciaenergética e a responsabilida-de ambiental como duas reali-dades com as quais as empre-sas e a sociedade em geral te-rão que saber valorizar.

O que significa serCarbonoZero?

Ser CarbonoZero significa,em primeiro lugar, conhecer oquantitativo de emissões decarbono, ou “pegada de carbo-no”, quer seja no caso de umaentidade ou de um cidadão. Emseguida, significa percebercomo reduzir essas emissões.E, em terceiro lugar, compen-sar as emissões inevitáveis. Éesta a tónica que nós tentamossublinhar, que não é uma solu-ção de fim de linha, de com-pensação das emissões, é an-tes um processo que culminana compensação das emissõesinevitáveis, aquelas que não seconseguem reduzir. E, natural-mente, comunicar a acção.

O projecto CarbonoZero aoactuar no mercado voluntáriode emissões de CO

2 não con-

tribui directamente para fazerface às quotas de Portugal noProtocolo de Quioto. Nestecaso, trabalha-se mais com o

conceito de responsabilidadeambiental?

Trabalha-se muito com oconceito de responsabilidadeambiental, mas trabalha-seacima de tudo com o conceitode eficiência. Ou seja, oCarbonoZero, ao pretender as-sumir-se como um processopara reduzir emissões de ga-ses com efeitos de estufa(GEE) - o que significa reduziro consumo e a intensidade deenergia fóssil – vai sempre darprimazia à eficiênciaenergética e à eficiência aonível das emissões. Depois,existe a componente de com-pensação. Para além dos gan-hos da eficiência económica, oque se capitaliza é sobretudouma imagem de responsabili-dade corporativa, ambiental esocial. No entanto, os própriosprojectos de compensação deemissões, pela sua naturezaintrínseca e pelo facto de osmesmos ocorrerem em Portu-gal, com floresta nacional, aca-bam também por contribuirpara o cumprimento do Proto-colo de Quioto - mesmo sen-do este um instrumento volun-tário. Isto porque o cumpri-mento nacional afere-se a par-tir do balanço líquido das emis-sões de gases com efeito deestufa, o que significa ter tam-bém em consideração os su-midouros de carbono.

Ao trabalharmos com pro-jectos de compensação deemissões, que são projectosflorestais localizados em Por-tugal, indirectamente, acaba-mos por estar a contribuir –enfim, é um pequenocontributo – para que Portugalcumpra o Protocolo de Quioto.

Qual é o papel da florestana economia do carbono?

A floresta desempenhaum papel muito relevante emtermos de economia do carbo-no. Não só pelo facto de secontabilizar o seu sequestro decarbono para efeitos de

apuramento do balanço líqui-do de emissões sob Quioto,mas também porque existeuma série de outros serviçosou subprodutos que, indirecta-mente, são integrados na de-signada economia do carbono.Por exemplo, a utilização debiomassa para substituição decombustíveis fosseis na produ-ção de electricidade – mais uminput que ajuda àdescarbonização da economianacional.

Considera que existe es-paço para uma remuneraçãodos proprietários florestais apartir de fundos públicos emvirtude da prestação destesserviços?

No caso da produção deenergia eléctrica a partir debiomassa, esse enquadra-mento já existe e, como tal, jáhá uma remuneração objecti-va desse subproduto da flores-ta. No caso do sequestro decarbono, esse serviço é umaexternalidade ambiental posi-tiva. Não obstante, este servi-ço é uma mais valia directa eclara para a economia, no âm-bito das contas de Quioto. As-sim, não me parece inadequa-da a existência de um

enquadramento que permitaremunerar os proprietários flo-restais: para que optimizem oserviço de sequestro de carbo-no e, eventualmente, para di-namizar a fileira de produtosda madeira. Tal, poderá cons-tituir um veículo para uma ges-tão activa, mais eficiente eprofissional do espaço flores-tal. Agora, enquanto persistiruma série de problemas estru-turais da floresta portuguesae enquanto ela continuar a ar-der como arde, é um investi-mento de risco. Ou seja, é ne-cessária alguma ponderaçãonos incentivos e noenquadramento que se lhes dá.Intrinsecamente, eles são bonse devem existir. Mas, para quenão configure um investimen-to de risco para o próprio país– e no âmbito do Protocolo deQuioto – é necessário acomo-dar um conjunto de aspectos,nomeadamente o perfil de ges-tão dos povoamentos flores-tais.

As propriedades florestaisque participam no projectoCarbonoZero são obrigadas aobedecer a um conjunto de re-gras. O que distingue essas flo-restas das demais?

São florestas que têmuma gestão activa e profissio-nal. Nós mantemos contratoscom os proprietários florestaisa 30 anos - período durante oqual os proprietários se obri-gam a implementar um planode gestão florestal, que vaipara além do cumprimento dosrequisitos legais, optimizandoo serviço de sequestro de car-bono. Trata-se de uma florestaque é constituídamaioritariamente por espéci-es indígenas e, portanto, estáparticularmente adequada àscondições nacionais. Uma flo-resta que é menos vulnerávelaos incêndios - o que é essen-cial para a gestão do nosso ris-co financeiro - e que está su-jeita a uma monitorização pe-riódica, quinquenal, do seques-tro de carbono. Em última aná-lise, o que as distingue é terum serviço que é objectiva-mente remunerado em termosfinanceiros, através do produ-to CarbonoZero.

Consegue quantificar onúmero de toneladas de CO

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sequestrado pela floresta sobcontrolo da CarbonoZero?

Neste momento, estamosnuma fase de expansão e, nes-

Entrevista

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se sentido, procuramos novasáreas a nível nacional. Temoscerca de 120 hectares e apro-ximadamente 9 mil toneladasde dióxido de carbono equiva-lente.

É possível caracterizar otipo de empresa que recorreaos serviços da E.Value e pre-tender ser CarbonoZero?

São das mais diversas.Desde a área de serviços, co-municação, entre outras. Nóspróprios, no dia a dia,surpreendemo-nos com o le-que de empresas que nos sur-gem. Pode dizer-se que, nestemomento, não há um padrão-tipo de empresas. Os contex-tos para operar o CarbonoZerotambém são diversos. Há abor-dagens mais corporativas e ou-tras mais atomizadas. Porexemplo, pode tratar-se deuma empresa que está a orga-nizar um determinado eventoe pretende compensar as emis-sões associadas a esse even-to. Em termos de padrão, du-vido que alguém da equipaCarbonoZero tenha pressupos-to um universo de solicitaçõestão heterogéneo.

E depois como é feito oserviço da empresa? Como seprocede à quantificação dasemissões para compensação?

Se o cliente não sabe qualé a sua “pegada carbónica”, aCarbonoZero calcula as emis-sões de gases com efeitos deestufa. É um trabalho deconsultoria, mas é o princípiodo processo. Muitas vezes, atécomeçamos a montante, nacaracterização do perfil de con-sumo energético do cliente.Depois, para o cálculo dasemissões utilizamos ametodologia do GHG Protocol[The Greenhouse Gas Protocol].Portanto, não reinventamos aroda: em qualquer aspecto danossa actividade utilizamos asmelhores metodologias, ostandard recomendado. Esta éa primeira fase do trabalho.

A segunda fase é procu-rar formas de reduzir as emis-sões, quando isso é possível.

De seguida, passamos àcompensação das emissões.Fazemos todos os cálculos as-sociados ao sequestro de car-bono nas nossas áreas flores-tais, utilizando as melhoresmetodologias e ferramentasde simulação.

Todo este processo, os

nossos procedimentos, as tran-sacções financeiras que efec-tuamos, são auditados, desdea primeira hora, por uma enti-dade externa independente.

Em termos económicos émotivador para as empresas?

Eu acredito que se nãoexistir ganho financeiro para asempresas, elas não se movempara fazer coisa alguma. Aquestão é como se quantificamesses ganhos. Muitas vezes ésurpreendente, também paraas empresas, perceber os po-tenciais benefícios em termosde eficiência energética: istoé, a forma como acções tãosimples podem reduzir os seusconsumos de energia. E isso éum ganho financeiro objecti-vo.

Naturalmente, muitas ve-zes, as empresas vão paraalém destes ganhos e compen-sam as suas emissões, as quaissão emissões inevitáveis. Se ofazem é porque capitalizamessa acção em termos de ima-gem e no mercado. Calculo quequalquer empresa que faça assuas contas queira remuneraro investimento que está a fa-zer. Isto no sentido lato do ter-mo, pois muitas vezes o inves-timento não se traduz em cash-ins a muito curto prazo. Aliás,as grandes marcas mundiaisalinham deste perfil de com-portamento voluntário queestamos aqui a descrever. Po-dem ter um ganho financeirono imediato, via redução dafactura energética, mas tam-bém o têm em termos de ima-gem corporativa junto dos seusstakeholders internos e exter-nos, naturalmente a médio pra-zo.

Já existem empresas queaderindo ao CarbonoZero in-corporam os custos da compen-sação das emissões nos produ-tos ou serviços quecomercializam. Isso vai ser ine-vitável?

Pode ser inevitável. Actu-almente, as empresas que ade-rem ao CarbonoZero têm, aci-ma de tudo, integrado os cus-tos da compensação nas suasmargens. Ou seja, não os têmtransferido para o consumidorfinal. Pode acontecer que elasvenham a fazê-lo, num mer-cado um pouco mais sofistica-do. Neste momento, o com-promisso CarbonoZero temsido assumido como uma res-ponsabilidade exclusiva daempresa

Entrevista

É seguro estabelecer umarelação entre alguns fenómenosextremos que se têm verificadoem Portugal e no mundo – comocheias e secas – e os distúrbiosclimáticos provocados pela acçãohumana no planeta?

Sim, é possível. Existe umasérie de estudos científicos queassim o revelam. Uma das fon-tes de informação mais relevan-tes é o 4º Relatório do PainelInter-Governamental sobre Al-terações Climáticas, lançado a 2de Fevereiro deste ano. Este re-latório, refere que o número deciclones tropicais no AtlânticoNorte tem vindo a aumentar des-de 1970 e é, nitidamente, umfenómeno que está relacionadocom o aumento da temperaturada superfície do mar. O que severifica é que, desde essa data –1970 –, áreas cada vez maisextensas têm vindo a sofrer se-cas mais intensas e prolongadas,principalmente nas zonas dos tró-picos e dos sub-trópicos.

Também é de salientar oquão relevante foi o ano de 2005.Nesse ano, atingiu-se um númerorecorde de furacões, cada vezmais destrutivos, o que veio a

confirmar um estudo que já ti-nha sido veiculado pela revistaNature. Nesse estudo dizia-seque seriam expectáveis furacõescom maior frequência, maior in-tensidade e mais desvastadores,provocando maior destruição ecustos económicos cada vez maisavultados. A verdade é que, em2005, todos nos lembramos dealguns furacões, como o Katrina,e foi um ano em que se registouum número recorde de perdaseconómicas. A SwissReinsurance Company reportou186 biliões de euros de perdasseguradas. Definitivamente, háum conjunto de evidências cien-tíficas que associam as grandescatástrofes às alterações climá-ticas.

Têm surgido várias empre-sas associadas ao fenómeno dasalterações climáticas. É o exem-plo da E.Value e do CarbonoZero,que procuram anular os efeitosdas actividades das empresas ecidadãos no clima. Estas empre-sas ainda vêm a tempo de contri-buir decisivamente para um mi-norar dos efeitos do aquecimen-to global?

Estas empresas tentam darum contributo para reduzir asemissões de gases com efeito deestufa e, com isso, desenvolveruma acção positiva pelo clima.

Mas é um contributo modesto.O grande contributo está na mãode todos nós. E temos que perce-ber que este não é um problema

apenas da indústria, mas tam-bém dos cidadãos. A indústria,naturalmente, emite gases comefeito de estufa e já existem ins-

trumentos para controlar as suasemissões. No entanto, não nospodemos esquecer do cresci-mento das emissões associadas

ao sector dos transportes e aosedifícios. E quando falamos deedifícios, referimo-nos ao sectorresidencial e aos serviços. Ou

seja, todos nós enquanto cida-dãos, em casa e no trabalho, te-mos um papel importante, comas nossas opções de mobilidade

e de consumo. O CarbonoZerotenta dar um contributo positivo,mas é uma das peças de umpuzzle muito complexo e em que

a responsabilidade é da activi-dade produtiva, mas também doscidadãos.

Alterações Climáticas

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Portugal vai cumprir

o Protocolo de Quioto

HUMBERTO ROSA, SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE

Humberto Rosa, Secretá-rio de Estado do Ambiente,afirma que Portugal tem umamissão especialmentedesafiante no contexto do Pro-tocolo de Quioto. O facto de opaís ter-se desenvolvido mui-to a partir de 1990, o ano apartir do qual se mede quantose pode emitir, tornou muitodifícil não se ultrapassarem asmetas definidas na altura, con-sideravelmente baixas. No en-tanto, para Humberto Rosa,essa situação representa tam-bém que hoje Portugal estámais próximo do nível de con-forto do resto da Europa.

Contudo, o Secretário deEstado do Ambiente tem umacerteza: Portugal vai cumprirQuioto. Para isso, o país iráservir-se do leque de opçõesque podem ser incluídas noPlano Nacional para as Altera-ções Climáticas, no qual sedestacam os mecanismos deflexibilidade de Quioto, querepresentam as alternativaspara a obtenção de créditos deemissão de gases com efeitosde estufa. O Fundo de Carbo-no Português será o instrumen-to do Estado para financiar pro-jectos, quer em Portugal querno estrangeiro, que contribu-am o cumprimento dos com-promissos assumidos no âm-bito do Protocolo de Quiotopara as alterações climáticas.

Alterações Climáticas

As Alterações Climáticasdeverão ser uma prioridade napróxima presidência portugue-sa na União Europeia. É a loca-lização geográfica de Portugalque torna o país num dos esta-dos mais interessados em com-bater este problema?

Não é só isso. Mas pode-mos também ver nessa ópti-ca. No contexto europeu estádiagnosticado que os países dosul serão mais afectados pelosefeitos – em certa medida já

inevitáveis – das alteraçõesclimáticas. Eu diria que Portu-gal tem nesse sentido um be-nefício próprio em contribuirpara o combate às alteraçõesclimáticas.

Por outro lado, dentro dospaíses desenvolvidos que têmmetas para Quioto – reduziras emissões de gases com efei-to de estufa – somos daquelesque têm um desafio particu-larmente relevante pela fren-te. Já somos desenvolvidos,mas partimos de um ano base(1990, o ano a partir do qualse mede quanto podemos emi-tir) em que emitíamos muitopouco, fruto do nosso desen-volvimento relativamente bai-xo no contexto dos países de-senvolvidos. Digamos que te-mos uma missão de charneiraentre países desenvolvidos eem desenvolvimento, que érelevante.

Mas, actualmente, Portu-gal enfrenta uma situaçãocompletamente diferente da-quela em 1990…

É muito diferente. O nos-so desenvolvimento avançoumuito e é por isso mesmo quequando olhamos para as nos-sas emissões constatamos que

elas já estão bastante acimado aumento que era permitidoà luz do Protocolo de Quioto.Nós podíamos aumentar 27%relativamente ao ano base e,em 2004, estávamos perto dos40%. Isso não nos deve sur-preender porque quer dizer quetemos tido mais conforto nasnossas casas, mais aqueci-mento e outras coisas que nãotínhamos antes. Os valorespodem fazer parecer que Por-tugal está a poluir imenso e acrescer muito, mas não é bemassim. Se convertermos os va-lores em quantidade de carbo-no por habitante, veremos quea nossa meta é das mais bai-xas na União Europeia – pelomenos na Europa a 15. Ou seja,o nosso desafio de Quioto éexigente e isso coloca-nosnuma situação especial e esti-mulante relativamente às al-terações climáticas.

Referiu a inevitabilidadede alguns efeitos das altera-ções climáticas. Em Portugal jásão visíveis esses efeitos?

Para ser honesto, nós nãopodemos dizer, quando verifi-camos certos fenómenos, quesabemos que eles resultamdas alterações climáticas. Nós

não sabemos. O que existe éuma coincidência entre certosfenómenos e aqueles que es-tão diagnosticados como indotornando-se mais frequentes:secas, cheias, fogos florestais,erosão costeira, vagas de ca-lor. Tudo isto, nós conhecemos.E sabemos que as alteraçõesclimáticas se arriscam a tor-nar a situação mais frequentena nossa região geográfica.Portanto, quando combatemosestes efeitos – e todos elesfazem parte, de alguma ma-neira, de política de ambientee de ordenamento – estamosa pré-adaptarmo-nos a ummundo em que haverá algumgrau de alterações climáticas.Estas serão tanto menos quan-to o possível, em função danossa capacidade de reduziremissões.

O sector da indústria é umdos principais responsáveispela emissão de Gases comEfeito de Estufa. Sente resis-tência das indústrias em ade-rir a estratégias desustentabilidade ambiental? Oestímulo à diminuição de emis-sões de GEE não poderá preju-dicar o crescimento económicodas indústrias?

Na verdade, não. Não sin-to essa resistência do sector daindústria. Este sector, junta-mente com o energético, éresponsável por uma boa quo-ta-parte de emissões, mas nãoé o que mais tem crescido. Seolharmos para sectores comoo dos transportes, o crescimen-to de emissões tem sido muitomaior. E por outro lado, há duasrazões pelas quais me pareceque entra facilmente na lógicaempresarial ver o ambientecomo um factor de estímulo àinovação e à competitividade.Ou pelo menos melhora, àmedida que o tempo passa.

O que dizemos hoje às in-dústrias que estão no chama-do Comércio Europeu de Licen-ças de Emissão (CELE)? Os se-nhores têm aqui estas licençaspara emitirem gases com efei-to de estufa. Se emitirem maisvão ter que comprar outras eter que gastar dinheiro, mas seemitirem menos vão podervender. Ora, como é que seobtém ganho? Se me tornarmais eficiente no meu métodoprodutivo, se encontrar umcombustível alternativo, segastar menos energia não sópoupo no custo dessa energia,como ainda tenho licenças paravender. Portanto, há uma lógi-ca económica já envolvida nosector da indústria e da ener-gia que estão CELE. Assim, nãoencontro nos interlocutores dosector industrial umaincompreensão para com a ló-gica de Quioto: induz dificul-dades, é certo, mas pode in-duzir oportunidades económi-cas.

O recurso a “energias ver-des” é uma das medidas maisincentivadas para fazer face àsalterações climáticas. Que ava-liação faz da evolução de Por-tugal no domínio das energiasalternativas?

Em Portugal temos muitoo hábito de só ver as coisas

Entrevista

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menos positivas do país. Aque-las que são positivas devemosver com atenção. E se há algoem que Portugal pode pedirmeças actualmente é no cam-po das energias renováveis.Basta reparar no seguinte: oConselho Europeu tomou me-didas, a meu ver, revolucioná-rias e avançadas em termos deenergias renováveis e debiocombustíveis. Pretende-se20% de energias renováveisaté 2020; 10% debiocombustíveis até 2020;20% de eficiência energéticaaté 2020, etc.

Ora, Portugal já tinha de-finido que para a produção deenergia eléctrica teríamos39% de produção em 2010.O compromisso português eraambicioso. O primeiro-minis-tro anunciou recentementeque ele será maior ainda: te-remos 45% de produção eléc-trica de fonte renovável em2010 e antecipamos em dezanos a meta comunitária nosbiocombustíveis. Ou seja, Por-tugal vai ter 10% de incorpo-ração de biocombustíveis dezanos mais cedo do que a dataque a União Europeia decidiu,que foi 2010.

Estes dois indicadoresjuntam-se a um pacote de me-didas que o primeiro-ministroanunciou em Janeiro e a umdiploma de estímulo àsrenováveis, ao seu licen-ciamento e ao tarifário que épago para as estimular. Estasituação faz-nos estar, segu-ramente, no pelotão da frenteda “energia verde” na Europa.

Para se tentar atingir es-ses números, tem-se procura-do diversificar as fontes deenergia renovável em Portugal,por exemplo através da cria-ção de várias centrais de pro-dução de energia com recursoa biomassa florestal. Tem con-fiança no sucesso desta fontede energia em Portugal?

Há toda uma lógica quedita que faz sentido que, emvez de se perder a energia dabiomassa em incêndios flores-tais – e não falo das árvores,mas sim do mato e sub-bos-que – faz sentido usarmos aenergia capturada na biomassapara a fazer render onde ade-quado, numa central debiomassa. Tanto mais que,quando produzimos gases comefeito de estufa a partir debiomassa, eles não contam

para Quioto. Como vêm deplantas, assume-se queretornaram a elas na próximageração de plantas, no próxi-mo ano.

Dito isto, apesar de tudo,há algumas cautelas que te-mos que ter. Parece-me com-pletamente inadequado, porexemplo, fazer floresta paraqueimar. A floresta em si temum potencial de mais valiaeconómica muito superior àsua simples conversão emenergia.

Em todo o caso, há outravertente importante. Seriauma catástrofe ecológica, porventura, recolhermos todo omato do país, para o queimarem centrais de biomassa. Tudoaquilo que é regeneração na-tural da floresta, a recupera-ção que se vai verificando dealgumas espécies, abiodiversidade, podiam levaruma grande machadada. Por-tanto, na minha opinião, há umlugar para pequenas centrais,

disseminadas em locais estra-tégicos do território, para ge-rar um fluxo económico que dêlógica a quem queira e possamontar um negócio de recolhade biomassa. Não é a pana-ceia universal, mas sim umcontributo. Outra boa soluçãoé usar a biomassa como com-bustível alternativo para cen-trais de combustão pré-exis-tentes.

Acredita que Portugal vaiconseguir cumprir as metas doProtocolo de Quioto? O país iráter que recorrer à compra decréditos de emissão para o con-seguir?

O Protocolo de Quiototem várias formas de ser cum-prido e, uma delas chama-semecanismo de flexibilidade deQuioto, que inclui a possibili-dade, por exemplo, de se ob-terem créditos de redução deemissões de formas diversas.Uma dessas formas é negoci-ar com um país que não tem

objectivos de reduzir emissões,fazer lá um projecto e pagar.Assim, eu reduzo as emissõesnesse país e essas reduçõescontam a meu favor. Isto é ummecanismo de flexibilidade deQuioto e é sinónimo de cum-prir Quioto. Portanto, de umacoisa tenho a certeza absolu-ta: Portugal vai cumprirQuioto. E vai cumprir com todoo leque de opções de que dis-põe. O ideal era conseguirmoscumprir inteiramente com aschamadas medidas internas:medidas de política de trans-portes, de edifícios, de ener-gia… Mas o que sabemos hojeé que não conseguimos cum-prir o protocolo só com estasmedidas. Todas as medidas queconseguimos incluir no PlanoNacional para as AlteraçõesClimáticas (PNAC) reforçadoque fizemos, não nos impe-dem de ter um deficit de car-bono. Por isso, com toda a le-gitimidade, vamos colmataresse deficit com o grau de li-

cenças de emissão que damosàs unidades industriais e eléc-trico-produtoras que estão nocomércio de emissões e recor-rendo aos mecanismos de fle-xibilidade do Protocolo deQuioto.

Já é possível fazer um ba-lanço provisório do Plano Na-cional de Atribuição de Licen-ças de Emissão I (PNALE I), quecompreende o período de 2005-2007 e dos primeiros anos doComércio de Licenças de Emis-sões na Europa (CELE)?

É um balanço que não écompleto, pois 2007 aindaestá em curso. Mas para o pri-meiro ano já avaliado, 2005,é claro que na Europa – inclu-indo em Portugal – foram da-das licenças a mais. Os Go-vernos foram generosos naatribuição de licenças às uni-dades industriais, o que fezcom que, na generalidade dosanos, sobrassem licenças. Issoteve um efeito negativo e oMercado de Carbono caiu, pois,como qualquer mercado, émuito sensível à maior ou me-nor abundância do bem emcausa. E assim, a tonelada decarbono neste primeiro perío-do passou a valer muito pou-co.

A primeira lição a tirar doPNALE I, desse período inicial,é que para o período a doer, ode Quioto, as licenças têm queser mais restritas.

O PNALE II (2008-2012) foijá enviado para a ComissãoEuropeia. Estão previstas alte-rações estratégicas significati-vas no PNALE II (2008-2012)?

Estão, porque o primeiro-ministro, em Janeiro, anunciouum pacote de medidas no sec-tor da energia e das alteraçõesclimáticas, sendo que partedelas tem uma influência di-recta no próprio sector indus-trial e electroprodutor. Quan-do falamos de reforço dasrenováveis de 39% para 45%em 2010; ou quando falamosde até 5% do carvão ser subs-tituído por biomassa, nas cen-trais termoeléctricas, isto re-duz as emissões previstas parao sector do comércio de licen-ças de emissão, e implica ne-cessariamente umaactualização do PNAC e doPNALE.

Que montante existe no

Entrevista

O Ministério da Agricul-tura anunciou que serápublicada, ainda em Junho,uma portaria que define osbenefícios fiscais a atribuir àprodução de biocombustíveis.O objectivo é ajudar Portugala atingir a meta imposta pelaComissão Europeia de 10% de

incorporação de biocom-bustíveis nos transportes até2010.

De acordo com fontes doMinistério da Agricultura, tudoindica que, em termos de isen-ção fiscal, o bioetanol será be-neficiado em detrimento dobiodiesel, por se considerar que

Portugal tem maiores poten-cialidades para a produção debioetanol.

A portaria irá ainda criarmecanismos de valorizaçãodas matérias-primas nacio-nais e fixar metas concretaspara cada um dos biocom-bustíveis.

Governo privilegia bioetanol

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Fundo de Carbono português?De momento, estão lá 3

milhões de euros. Já lá estive-ram 6 milhões de euros, cor-respondentes à verba previstapara 2006. Dessa verba foramusados 3 milhões para inves-timento privado no único fun-do português de carbono. Pre-vemos que, com as verbas queeste ano serão geradas para ofundo de carbono, vamos fa-zer um investimento no fundodo Banco Mundial. Para alémdisso, por ventura, iremos abrirtambém propostas para quenos sejam apresentados pro-jectos de mecanismos de fle-xibilidade que nos dêem umbom preço por tonelada decarbono.

Parte dos fundos serãoutilizados em projectos inseri-dos no âmbito dos Mecanismosde Desenvolvimento Limpo,realizados em países estrangei-ros. Haverá neste caso umamaior apetência por países delíngua oficial portuguesa?

É nosso objectivo expres-so e assumido favorecer paí-ses de língua oficial portugue-sa. Nomeadamente, gostaría-mos muito que os países afri-canos também viessem a re-ceber Mecanismos de Desen-volvimento Limpo, porque estáa diagnosticado a nível inter-nacional que têm recebidomuito pouco dos projectos jáconcretizados até hoje. Emtodo o caso, não está só nasnossas mãos. Por um lado, énecessário que esses paísestenham já rectificado o Proto-colo de Quioto, o que já acon-teceu em alguns casos e emoutros ainda está em curso; etambém é preciso desenvolve-rem a capacitação própria deaceitação e avaliação de pro-jectos de desenvolvimentolimpo. Mas estamos a coope-rar numa rede que criámoscom os países lusófonos, aRede Lusófona para as Altera-ções Climáticas, que visa en-contrar boas potencialidadesde investimento. O Brasil játem um esquema montado ebem oleado para receber pro-jectos, por isso é bem naturalque seja um parceiro privilegi-ado para nós também.

Em diversas intervençõespúblicas, tem demonstradovontade de apostar em projec-tos de sequestro de carbono

realizados em Portugal. O paísoptou por três sumidouros decarbono opcionais (gestão agrí-cola, de pastagens e florestal).Projectos nacionais neste âm-bito terão primazia sobre pro-jectos no estrangeiro?

Conceptualmente, prefe-riríamos, evidentemente, usaro Fundo de Carbono – e o seuregulamento assim o permite– em projectos nacionais. Ditoisto, tudo aquilo que são acti-vidades como os sumidourosde gestão agrícola, de pasta-gens e florestal são candida-tos teóricos desde logo. Comooutros possíveis candidatos:imaginemos que havia medi-das inovadoras, de energiasrenováveis, transportes, ououtros, que não estivessemainda no PNAC, que exigisseminvestimento. Estas medidaspoderiam, à priori ser financi-adas pelo Fundo Português deCarbono.

Mas há um alerta rele-vante que deixo: o Fundo Por-tuguês de Carbono existe paraajudar Portugal a cumprirQuioto ao melhor preço. Nãoé só para gastar dinheiro numatonelada de carbono muitocara. Portanto, são precisasduas coisas. Por um lado, que aboa gestão destes sumidouros dêum bom preço por tonelada, queseja competitivo com o preço portonelada dos investimentos láfora. E, por outro lado, é precisodesenvolver uma actividademuito rigorosa e exigente demonitorização do que fazemoscom os nossos solos, pastagens,

gestão agrícola e florestal, a qualé indispensável para podermosaté validar esses projectos. Se es-tivéssemos a financiar projectossem impacto nos nossos inven-tários de gases com efeito deestufa, então não nos servi-am para nada em termos deProtocolo de Quioto. Faço es-tas duas salvaguardas porqueé mais fácil dizer teoricamen-te do que estarmos já peranteuma hipótese concreta de fi-nanciar um projecto nacional.

Com a criação do Fundode Carbono e o aumento deconsciencialização da socieda-de para os problemasambientais, existem perspec-tivas de os agricultores e pro-dutores florestais virem a serremunerados pelos serviços desustentabilidade ambientalprestados?

Considero que está diag-nosticado há muito tempo,até à margem do carbono, queas sociedades, pelo menos nanossa zona europeia, vão es-tando menos disponíveis parasubsidiar a produção agrícolae florestal enquanto produção- não estou a dizer se fazembem ou não. E vão estandomais disponíveis para finan-ciar a produção agrícola e flo-restal por outros serviços queprestam, nomeadamente,serviços ambientais: a manu-tenção da paisagem, a con-servação da natureza ebiodiversidade, etc. Logo, essepotencial já existe e é até alógica que nos diz que deve

ser o financiamento do desen-volvimento rural a financiartambém actividades de con-servação, visto que se enten-de que são uma mais valiapara o agricultor. Pode permi-tir a certos agricultores conti-nuar no mercado – digamosassim – por outro serviço queantes não prestavam. O queagora se divisou é que há ain-da uma terceira via adicional,também ambiental. É a dosserviços de captura de carbo-no que a actividade agrícola,florestal ou pastorícia bemconduzidas podem prestar.Com essa perspectiva toda agente concorda. Falta agoraconcretizar.

Então acredita que pode-rá haver uma evolução signi-ficativa nos objectivos destesprodutores florestais e agríco-las?

Acredito que pode haverporque há ganhos múltiplos.Dou um exemplo com quecontactei: há certas pastagensque têm maiorbiodiversidade, mais alimen-to para o gado e capturammais carbono do que uma pas-tagem simples. Portanto, ain-da não está inteiramente ga-rantido que a remuneraçãopelo carbono venha acontecer.Mas se há vários tipos de hi-póteses e se há outros gan-hos, faz todo o sentido que oprodutor vá investindo emvias alternativas já com a mirana possibilidade de surgiremestas fontes adicionais para

remunerar a biodiversidade eo carbono.

Falando agora do sectordos transportes. Com o incenti-vo à utilização debiocombustíveis e sabendo-se dacriação de grandes projectosneste sector, é de esperar umaaposta mais forte na produçãonacional de matéria-prima parabiocombustíveis? Teremos deimportar essa matéria-prima?

Eu estou convencido de quehá uma dimensão de importa-ção incontornável, tanto maisque fomos ambiciosos na metade incorporação de 10% debiocombustíveis até 2010. Éuma meta exigente e difícil. Por-tanto, a importação parece-meincontornável. Agora, obvia-mente, temos toda a vantagemem fazer biocombustíveis a par-tir de produção nacional. Há,então, um nicho, uma oportuni-dade para a nossa agriculturaque é de agarrar e que pode,sem dúvida, desenvolver-se.

Em jeito de conclusão, onovo Quadro Comunitário deApoio traz algumas novidadesno sector do ambiente?

Sim. O ambiente é uma

vertente muito consideradaem vários campos. Talvez asque mereçam algum destaquesejam as águas e resíduos.

Águas porque já fizemos mui-to em termos de águas, comoverificámos pela forma relati-vamente airosa como supor-támos a pior seca do século.

Mas, no campo, por exemplo,do tratamento de águas já hámuito a fazer no chamado“sector em baixa”: a ligação

das casas às ETARs [Estaçõesde Tratamento de Águas Resi-duais]. Aí há uma grande par-cela de financiamento virada

para esse efeito. Nos resíduosestamos a apostar numa novafase de política de resíduos quejá não é só propriamente fazer

aterro, encher aterro e fecharaterro. É, isso sim, valorizar oresíduo, reciclá-lo mais, usá-lo como combustível alterna-

tivo. É acarinhar o aterro, le-vando para lá o mínimo possí-vel, desviando matéria orgâ-nica de aterro. Estes são exem-

plos de matéria ambiental queestá no QREN (Quadro de Re-ferência Estratégico Nacional).Há, contudo, muitas mais ma-

térias ambientais que estão noQREN, como a protecção cos-teira ou a política de cidade.

Entrevista

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TIAGO DOMINGOS, GESTOR DO PROJECTO EXTENSITY – SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL E DE SUSTENTABILIDADENA AGRICULTURA EXTENSIVA

O Extensity – Sistemas deGestão Ambiental e deSustentabilidade na Agricultu-ra Extensiva consiste num pro-jecto para promover asustentabilidade na agricultu-ra em Portugal e intervém queractuando sobre os agricultorese as suas práticas nas explo-rações agrícolas, quer actuan-do sobre os consumidores dosprodutos desses agricultores.No entanto, um dos aspectosmais importantes do Extensityé a sua contribuição para a fi-xação de carbono, através depráticas agrícolas sustentáveisambientalmente. Esta iniciati-va é financiada pelo programaLIFE da Comissão Europeia e écoordenada pelo Instituto Su-perior Técnico. Tiago Domin-gos, coordenador do Extensityrevela ao Folha Florestal asprincipais linhas do projecto eo seu enquadramento no actu-al contexto ambiental.

Qual é o grande objectivodo Extensity?

O objectivo passa por pro-mover uma agricultura susten-tável em Portugal. E asustentabilidade dos agriculto-res é entendida em dois senti-dos. Por um lado, está o factode as próprias exploraçõesagrícolas terem um melhordesempenho económico, soci-al e ambiental. Por outro lado,tomamos em consideraçãotambém aquilo que acontecea montante dessas exploraçõesagrícolas: no fabrico de adu-

bos, no fabrico de rações, etc;e a jusante: o transporte dosprodutos, os matadouros, oembalamento e até a própriamaneira como as pessoas emcasa confeccionam os produ-tos que compraram a estesagricultores.

É um projecto inovador?Em que medida?

O projecto é inovador emdiversos aspectos. O principal,talvez seja a integração de umaintervenção sobre os agricul-tores e sobre os consumidores.Também é de salientar o factode nos preocuparmos simulta-neamente em melhorar asustentabilidade destes agri-cultores e em garantir que elestêm benefícios económicoscom o Extensity. No aspectoeconómico, olhamos não sópara a valorização dos produ-tos comerciais dos agriculto-res, mas também para os ser-viços ambientais que prestam.Dentro dos serviçosambientais, eu destaco asquestões da fixação de carbo-no e da biodiversidade.

O Extensity compreendeaspectos ambientais, sociais eeconómicos. O objectivo seráconseguir que todos estes as-pectos estejam sincronizados.Mas é correcto afirmar que oExtensity nasce sobretudo de-vido aos aspectos ambientais?

É correcto afirmar que oambiente foi o ponto de parti-da. De facto, a primeira preo-cupação foi optimizar o de-sempenho ambiental das ex-plorações agrícolas. Mas nãoé correcto afirmar que, actu-almente, as questõesambientais são mais importan-tes do que as questões econó-micas e sociais do projecto. Oobjectivo do Extensity é garan-tir um equilíbrio correcto. Vol-tando às questões ambientais,é uma premissa essencial doprojecto que nós nunca propo-mos aos agricultores práticas

mais amigas do ambiente, casonão proporcionemos simulta-neamente os meios para queessas práticas sejam economi-camente viáveis.

Pode fazer uma pequenaexposição de algumas das prá-ticas recomendadas?

As duas principais práti-cas recomendadas são a se-menteira directa e as pasta-gens biodiversas. Estas duaspráticas têm em comum o fac-to de contribuírem para resol-ver aquilo que nós considera-mos o principal problemaambiental da agricultura por-tuguesa, que é a protecção dosolo. A variável mais impor-tante para garantir a protec-ção do solo é aumentar o teorde matéria orgânica. Portanto,acima de tudo, o que fazemosé aumentar a matéria orgâni-ca do solo.

No caso da sementeira di-recta, a maneira como produzo aumento da matéria orgâni-ca do solo é fazendo semen-teiras sem nenhum tipo demobilização do solo. A únicacoisa que acontece é um se-meador fazer um risco na ter-

ra, onde insere a semente e oadubo. Dessa forma evita-seexpor a matéria orgânica dosolo à degradação.

As pastagens biodiversassão um sistema ainda maissofisticado do que isso. Sãopastagens que são semeadascom misturas que podem teraté vinte espécies ou varieda-des diferentes; são pastagensque por serem permanentesgarantem, mais uma vez, quenão se mexe no solo; e alémdisso, como são pastagensmuito produtivas, vão garantiruma grande produção debiomassa todos os anos. Umaparte dessa biomassa éconsumida pelos animais, masoutra parte fica no solo e, comotal, vai contribuir para o au-mento de matéria orgânica.

O projecto Extensity diri-ge-se primordialmente a ex-plorações orientadas para aprodução animal baseada empastagens, complementadacom culturas arvenses desequeiro e regadio, olival, mon-tado e floresta. Os produtoressão apoiados para aderirem àbiodiversidade nas suas explo-

rações?Neste momento ainda não

são directamente apoiados.Nós, obviamente, encorajamosos agricultores a terem práti-cas que são amigas dabiodiversidade e temos esta-do activamente a procurar for-mas para que os agricultoresobtenham benefícios por isso.

Como é natural, a partirde agora – 2007 – logo queestejam postos em prática osfundos comunitários, os agri-cultores poderão ter apoio parapráticas amigas dabiodiversidade, se estivereminseridos na área de uma dasIntervenções Territoriais Inte-gradas. Porém, algo em que oprojecto Extensity irá apostarmuito em 2007 é num progra-ma que vai ser promovido pelapresidência portuguesa daUnião Europeia, um programadesignado Biodiversity andBusiness. O que este progra-ma pretende fazer é promoveruma ligação entre empresas dequalquer sector – bancos,papeleiras, produtores de elec-tricidade, entre várias outras– e fazer com que essas em-presas paguem por serviços de

Projecto agrícola português

promove retenção de carbono

Entrevista

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Entrevista

protecção da biodiversidade. Onosso objectivo é que os agri-cultores aderentes aoExtensity fiquem ao abrigo decontratos com empresas devários sectores, que os remu-nerem pelas práticas amigasda biodiversidade.

Que vantagens oferece asilvopastorícia àsustentabilidade das explora-ções? Está presente na maio-ria das explorações inseridasno projecto Extensity?

Está extremamente pre-sente. Os 50 agricultores ac-tualmente aderentes aoExtensity ocupam 60 mil hec-tares e, desses, cerca de 40 milhectares são montados, que éo sistema silvopastoril por ex-celência. De facto, num mon-tado, o tipo de práticas que oExtensity preconiza são asmais importantes. O montadoé um sistema onde é muito in-teressante conjugar a produ-ção florestal, como a cortiça,com uma produção animal fei-ta em sobcoberto. Ora, se essaprodução animal for feita comrecurso ao sistema de pasta-gens biodiversas, nós garanti-mos que não há invasão dematos no montado, e que as-sim o montado fica protegidocontra o fogo. Garantimos si-multaneamente o aumento dafertilidade do solo, que estáidentificado com sendo a com-ponente mais importante paraa saúde dos sobreiros e dasazinheiras.

A fixação de carbono éum dos aspectos mais impor-tantes no Extensity. Está com-provado que é possível con-tribuir significativamente parao cumprimento do Protocolode Quioto através da adopçãode determinadas práticas agrí-colas?

Sim, está comprovado nosentido em que existem re-sultados de investigação cien-tífica que nos mostram que,quer a técnica da sementeiradirecta, quer a técnica daspastagens biodiversas, levama aumentos significativos dematéria orgânica. Como maisde 50% dessa matéria é cons-tituída por carbono, se eu te-nho mais matéria orgânica nosolo, tenho mais carbono nosolo e, desse modo, tenhomenos dióxido de carbono na

atmosfera.

Alguns números avança-dos pelo Extensity referemque é possível, só com pasta-gens, sequestrar 1,3megatoneladas de dióxido decarbono por ano, ou seja, 35por cento do défice portugu-ês. Confirma estes números?

Confirmo os números en-quanto cenário que conside-ramos plausível. Não é a situ-ação actual. Neste momento,a contribuição ainda é peque-na. Mas pensamos ser possí-vel que até 2012 sejam se-meados 300 mil hectares depastagens biodiversas. Paradar uma referência, em Por-tugal, só de área de montadode sobreiro e de azinheiraexistem 1,1 milhões de hec-tares; portanto, 300 mil hec-tares é, nitidamente, umameta atingível em termos deárea.

Nós temos resultadosque nos dizem que estas pas-tagens podem, por cada hec-tare, fixar 5 toneladas dedióxido de carbono. Fazendoas contas: 5 toneladas dedióxido de carbono vezes 300

mil hectares faz 1,5 milhõesde toneladas por ano, que é,de facto, mais do que um ter-ço do défice previsto para Por-tugal no âmbito do Protocolode Quioto.

Portugal e a Dinamarcaforam os únicos países euro-peus a escolherem a gestãodos três sumidouros de carbo-no opcionais (gestão agrícola,pastagens e florestal). Dessemodo, estão reunidas as con-dições para produtores agríco-las e florestais serem remu-nerados pelo Fundo de Carbo-no em virtude do seucontributo para se atingiremas metas do Protocolo deQuioto?

Estão reunidas as primei-ras condições. Se Portugal nãotivesse escolhido os sumidou-ros opcionais de gestão agrí-cola e de pastagens, fosse qualfosse a fixação de carbono queos agricultores portuguesesfizessem até 2012, essa fi-xação de carbono não trariabenefício nenhum para Portu-gal e, como tal, não havia ra-zão nenhuma para que o go-verno português, através do

Fundo de Carbono, pagassepara essa fixação. Esse foi oprimeiro passo: garantir a es-colha por Portugal desses doissumidouros. O passo seguin-te, que vai ser dado durante2007, é estabelecer uma pro-posta ao Fundo de Carbono,para que os agricultores ade-rentes ao Extensity estabele-çam um contrato com o Fun-do de Carbono, para que se-jam remunerados pela fixa-ção de carbono. É, no entanto,importante salientar já umaquestão que é: a escolha dossumidouros agrícolas e depastagens teve jáconsequências noutra área,em termos de apoios aos agri-cultores, que é ao nível dosfundos comunitários na agri-cultura. Isto é, devido à opçãopor estes sumidouros, os agri-cultores que façam pastagensbiodiversas e sementeira di-recta vão ter acesso a apoiosmais elevados no âmbito daschamadas medidas agro-ambientais, que são fundoscomunitários para a agricul-tura. Portanto, esse benefícioexiste já, o que nós queremosé que os agricultores tenham

o benefício adicional de seremremunerados pelo Fundo deCarbono.

Com a possibilidade de,através do Fundo de Carbono,ser possível desenvolverem-se projectos também no es-trangeiro, existe o perigo dehaver menos fundos para osprojectos que são feitos emPortugal?

O que se passa é que Por-tugal ainda tem uma necessi-dade significativa de compen-sação de excesso de emissõesde CO2 e, em virtude disso,haverá sempre gastos do Fun-do de Carbono no estrangeiroe, nomeadamente, em paísesde língua oficial portuguesa,com projectos de sequestrode carbono. Porém, esses pro-jectos ainda não estão inicia-dos e Portugal já vai atrasadopara iniciar esse tipo de pro-jectos. Por isso, penso que ha-verá um espaço significativopara apoios a projectos de fi-xação de carbono em Portu-gal, como as pastagensbiodiversas e a sementeiradirecta.

O Secretário de Estado doAmbiente, em diversas oca-

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Entrevista

siões, afirmou publicamenteque acha extremamente im-portante que o dinheiro sejagasto em Portugal e em detri-mento do estrangeiro, atéporque se investe em siste-mas que, não só têm benefí-cios ao nível da questão docarbono, mas também têmmuitos outros em termosambientais.

Existem empresas priva-das, como a EDP, a apostaremem explorações agro-flores-tais devido à sua importânciacomo sumidouros de carbono.Acredita que essa situação seirá generalizar no futuro?

Sim. É de esperar que,cada vez mais, as empresaspaguem a outras entidadespara fazerem a compensaçãodos seus impactosambientais. Em primeiro lu-gar, está o carbono, claramen-te. Em vários países existe jáuma expansão neste domínio.Aliás, em países da AméricaLatina, actualmente, fazem-se grandes investimentos emplantações de floresta parafazer fixação de carbono.Contudo, penso que essa si-tuação se irá generalizar nãosó no caso do carbono, mastambém em outros serviços,dos quais o maisemblemático é abiodiversidade. É uma grandeaposta para o futuro.

Os agricultores vão con-tinuar, obviamente, a produ-zir alimentos, que devem sercada vez de melhor qualidadee ter maior segurança alimen-tar. Mas os agricultores vão-se tornar entidades produto-ras de serviços ambientais.Em particular, se considerar-mos as condições de Portugal,que comparado com países donorte da Europa tem uma van-tagem competitiva na produ-ção de serviços ambientais.Os agricultores portuguesessão pouco produtivos a pro-duzirem alimento – por exem-plo, produzem poucos quilo-gramas de carne de vitela porhectare –, mas podem produ-zir muitos serviços ambientaispor hectare. É possível, emPortugal, num hectare, ter umnúmero de espécies e umcontributo para abiodiversidade muito superi-ores aos do norte da Europa.

Em jeito de comentário fi-nal, já é possível fazer-se uma

análise global ao que têm sidoos resultados do Extensity nonosso país? Quais são as gran-des metas do projecto?

É possível fazer algumaanálise. Mas, os projectos,principalmente na área agrí-cola, demoram aimplementar-se. Ainda faltaalgum tempo para o fim e éno período final que os desen-volvimentos acontecem maisrapidamente. De qualquermodo, penso que o projecto

deu já contributos muito im-portantes, que fui referindonesta entrevista. Como exem-plos temos a questão do car-bono e a definição de umanorma alternativa à agricul-tura biológica, portanto asustentabilidade garantida –claro que, nessa área faltaainda todo o trabalho de colo-car os produtos no mercado ede ver se têm aceitação pelosconsumidores.

O Extensity deu um

contributo importantíssimo,que ainda não referimos aqui,que é a montagem de um sis-tema de informação centrali-zado. O sistema é utilizado si-multaneamente pelos agricul-tores, pela equipa técnica doprojecto e pelas entidadescertificadoras. Esse é um ins-trumento único em Portugal –e arrisco dizer – na Europa. Eé a existência deste sistema,juntamente com as outrascomponentes que eu referi,

que nos permitemperspectivar uma forte ex-pansão do Extensity nos pró-ximos anos, perdurando paraalém do fim do funcionamen-to do Programa Life. Estamosnuma situação em que temosa ambição de, nos próximosanos, passarmos dos 50 agri-cultores que temos hoje parauma escala dos milhares deagricultores; e dos 60 mil hec-tares aderentes actuais parauma escala de várias cente-nas de milhares de hectares.

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