32
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . M ARÇO 2001 Ano I - Nº 2 [email protected] Neste número: 1. Ensinar e Aprender Português em Timor 2. Um Novo Paradigma (para a Escola): precisa-se 3. Proposta de Leitura 4. Tradução 5. A Totalidade de Goethe 6. Solidariedade na Net 7. Conto O desejo de ser… Quando este projecto começou a ganhar forma, estávamos conscientes de que seria difícil, pela escassez de recursos e por outras razões que envolvem a própria estrutura universitária, qualificar este jornal. Passados alguns meses depois do primeiro número, as manifestações de apoio que recebemos, dentro e fora da Universidade, podem resumir-se com as seguintes palavras: parabéns pela iniciativa e não desistam. È claro que não vamos abdicar deste sonho!, exclamaram todos os que mais directamente colaboram neste trabalho. Para aquilo que se exige a um jornal universitário falta-nos quase tudo… menos a vontade de proporcionar um forum de criação e debate. Por isso apelamos a todos (docentes, estudantes, funcionários ou simples leitores) que partilhem connosco os seus trabalhos esquecidos. Neste número conseguimos uma participação mais ampla e diversificada, de acordo com os objectivos traçados. Assim continuaremos, aceitando equacionar todas as sugestões dos nossos leitores. . . . FORUMa JORNAL DO GRUPO DE ESTUDOS CLÁSSICOS DA UNIVERSIDADE DA MADEIRA

JORNAL DO GRUPO DE ESTUDOS CLÁSSICOS DA … · si, facultar. Precisava de crianças pré-adaptadas a um

  • Upload
    doanh

  • View
    225

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

MARÇO 2001

Ano I - Nº 2

[email protected]

Neste número:

1. Ensinar e Aprender Português em Timor

2. Um Novo Paradigma (para a Escola): precisa-se

3. Proposta de Leitura

4. Tradução

5. A Totalidade de Goethe

6. Solidariedade na Net

7. Conto

O desejo de ser…

Quando este projecto começou a ganhar forma, estávamos conscientes de que seria difícil, pela escassez de recursos e por outras razões que envolvem a própria estrutura universitária, qualificar este jornal. Passados alguns meses depois do primeiro número, as manifestações de apoio que recebemos, dentro e fora da Universidade, podem resumir-se com as seguintes palavras: parabéns pela iniciativa e não desistam. È claro que não vamos abdicar deste sonho!, exclamaram todos os que mais directamente colaboram neste trabalho.

Para aquilo que se exige a um jornal universitário falta-nos quase tudo… menos a vontade de proporcionar um forum de criação e debate. Por isso apelamos a todos (docentes, estudantes, funcionários ou simples leitores) que partilhem connosco os seus trabalhos esquecidos.

Neste número conseguimos uma participação mais ampla e diversificada, de acordo com os objectivos traçados. Assim continuaremos, aceitando equacionar todas as sugestões dos nossos leitores.

.

.

.

FORUMa JORNAL DO GRUPO DE ESTUDOS CLÁSSICOS DA UNIVERSIDADE DA MADEIRA

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

ENSINAR E APRENDER

PORTUGUÊS EM TIMOR

Helena Rebelo Departamento de Línguas e

Literaturas Românicas da UMa.

O português é uma língua latina falada por milhões de pessoas em todo o mundo: pelos falantes nativos, os dos países lusófonos, os das comunidades emigrantes e os estrangeiros que se interessam pela língua de Camões, das músicas de Chico Buarque, de Cesária Évora ou dos Madredeus.

Há alguns anos atrás, conheci, em Coimbra, uma jovem italiana que estudava português. Frequentava um curso universitário por causa da Fórmula 1, mais precisamente devido aos corredores brasileiros e, especialmente, devido à admiração que sentia pelo que veio a sofrer um acidente fatal, recebendo as honras de herói nacional, aquando do seu funeral no Brasil. Todos os motivos são válidos para aprender uma língua. Por vezes, as motivações até são as mais estranhas! Depois de ter passado cerca de 3 meses em Timor, pergunto-me: o que levará centenas e centenas de timorenses a querem aprender uma língua como o português?

Nunca vi alunos tão motivados, incansáveis e sedentes de saber, a trabalhar com fracos recursos e infra-estruturas francamente deficitárias. Desejosos de aprender esta língua, dar-lhes um livro é oferecer-lhes um tesouro precioso. Quando falo de livro, não estou a pensar em obra de ficção – conto, novela, romance, poesia ou de outro tipo

– que, à partida, proporciona prazer; estou a referir-me a manual didáctico, dicionário ou gramática que apontam para o carácter prático da aprendizagem que exige dedicação e suor.

Realizar testes de diagnóstico para organizar turmas, mediante os conhecimentos dos candidatos, foi uma aventura para os docentes que tinham de impedir uma multidão de se empurrar porque todos queriam fazer as provas. Houve até alunos que fizeram duas vezes o teste, sem ninguém dar por isso, porque queriam aprender depressa e bem. Logo, frequentar duas turmas, em duas escolas diferentes, permitia-lhes uma aprendizagem consolidada. Foi o caso da Alexandrina que, apenas na despedida, me revelou, inadvertidamente, ter estado a frequentar, além das minhas aulas da tarde, as de uma colega, durante a manhã, noutra escola. Os docentes – vindos de Portugal ou os existentes em Timor, por serem professores antes da ocupação indonésia – não eram em número suficiente para todos os candidatos e teve de se acabar com os testes de diagnóstico por ser impossível arranjar turmas para todos. A pergunta persiste: o que levará centenas e centenas de timorenses a querem aprender uma língua como o português? Certamente que este desejo de aprender se deve a múltiplas razões. Eu julgo que são essencialmente duas: afectivo-culturais e de sobrevivência.

Explico-me: a cultura portuguesa não é estranha aos timorenses. Certos cozinhados e até a forma de pôr a mesa (salada a acompanhar a refeição servida numa mesa onde há uma toalha bordada) relembram-me, por um lado, as tradições que a americanização e a globalização

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

remetem para a província portuguesa. Por outro lado, recordam-me uma passagem por Maliana (zona da fronteira com Timor Ocidental) onde, não havendo restaurantes (impossíveis de encontrar fora de Dili e Baucau – as duas cidades), almoçámos em casa de uma família que nos mostrou, com orgulho, o que aprendera com os portugueses (padrinhos dos filhos e cujos nome e origem ainda recordam). Isto faz-me pensar que, ao olharmos para os nomes de família dos timorenses, constatamos que são, salvo raras excepções, portugueses. As afinidades que se

estabelecem entre um português e um timorense têm uma intensidade que não se nota entre um australiano e um timorense. Esta constatação foi feita por uma docente de inglês que me questionava sobre a afectividade forte que ela não conseguia estabelecer com os alunos. Há que notar também que grande parte do léxico do tetum tem uma base portuguesa. Numa aula, os alunos desconheciam o termo “frigorífico” que aparecia no texto. Quando comecei a explicar o que era, todos riram e exclamaram em coro “geleira”! Ora, aqui está: “gelo” dá “geleira”.

Continuo com a expl icação: porque é que a sobrevivência é uma razão para aprender português? Os políticos decidiram que esta língua latina seria a língua oficial do território timorense, até o tetum estar devidamente estudado. Isto significa que, nas repartições públicas e em todos os actos oficiais, a comunicação oral ou escrita far-se-á em português. Quem quiser ter um emprego na função pública, terá forçosamente de falar e escrever em português. Os líderes usam a língua em grande parte das cerimónias oficiais. Xanana Gusmão fala português (Relembrando o lado afectivo: se

recordarmos os tempos em que esteve preso, facilmente nos lembramos de um boné do Benfica.), Ramos Horta fala português, o bispo D. Ximenes Belo fala português. A população adulta fala, na maioria português, se não o consegue, compreende total ou parcialmente o que se diz. Os jovens são excepção, assim o podemos pensar devido à ocupação indonésia de vinte e cinco anos. Porém, quase todos compreendem a nossa língua. Antes das aulas rezam em português, na igreja cantam da mesma forma que nas igrejas portuguesas. Nas festas, tocam viola e cantam canções

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

românticas portuguesas e, sobretudo, brasileiras.

Conto um pequeno episódio para mostrar que mesmo os jovens que nasceram durante a ocupação do regime indonésio, que proibira a língua portuguesa, conseguem fazer-se compreender em português... O Luciano é um rapaz de 19 anos que mora em Dili, à beira mar, e por um sol tórrido, escaldante, percorre a pé a cidade de lés-a-lés para ir à aula de português de nível 1, às 11h 00 no Liceu nº 2 de Balide. Chega sempre a suar com um velho caderno A5 e o manual de português debaixo do braço. Bate à porta e responde-me sempre o seguinte, quando lhe digo “Então, Luciano, está atrasado.”: “Professora, não problema”. Sem nunca lhe ter ensinado estas palavras, ele tinha resposta, mesmo se não usava o verbo. Quando aprendemos a conjugação de “haver”, completámos a frase do Luciano que ficou uma referência para este verbo. Quando alguém chegava atrasado, repetia-se em coro “Professora, não há problema!”. Este caso serve para mostrar que mesmo os jovens têm conhecimentos da nossa língua. Podem não ser muitos, mas têm noções.

O afecto, a cultura e a sobrevivência são razões plausíveis para aprender português que, porém, e é minha convicção, não voltará a ser língua primeira em Timor, mas que ocupará sempre o seu lugar de língua segunda, numa população perfeitamente multilingue. As aulas serviram, e continuam a servir (O português é agora ensinado nas escolas ao longo do ano lectivo.), sobretudo, para acertar pormenores, consolidar conhecimentos, aprender vocabulário, conjugar verbos,

corrigir pronúncias e reatar os laços ancestrais que nos ligam, actualmente, num profundo respeito pelas nossas diferenças.

UUMM NNOOVVOO PPAARRAADDIIGGMMAA

((PPAARRAA AA EESSCCOOLLAA)):: PPRREECCIISSAA--SSEE

Carlos Nogueira Fino

Departamento de Ciências da Educação da UMa

1. O paradigma fabril

Quando a escola pública foi inventada, no auge da Revolução Industrial, ela tinha por missão dar resposta a necessidades relacionadas com profundas alterações nas relações de produção emergentes nesse tempo.

Os anos heróicos da revolução industrial

tinham provocado a concentração de grandes massas de proletários em condições absolutamente miseráveis. Aos baixos salários, que obrigavam a que famílias

TIMOR: Se outros calam falemos nós…

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

inteiras se empregassem nas fábricas a troco de salários de fome, juntavam-se os ritmos de trabalho desumanos, o número de horas da jornada, a insalubridade e os acidentes no trabalho, uma permanente ameaça de despedimento com base na existência de grande número de desempregados à espera da graça de um posto de trabalho. E, como subproduto do sistema, a emergência de uma consciência de classe capaz de comparar a riqueza e o poder ostensivos com a condição dos que, vendendo a única “mercadoria” que tinham, a sua força de trabalho, apenas retiravam dessa venda o estritamente necessário para não morrerem de fome. Semelhante tomada de consciência, muito estimulada pelos ideários que estiveram na base da Revolução Francesa e conduziram ao ambiente social que desembocou, em 1871, na Comuna de Paris, e a proliferação de uma actividade sindical febril, levaram a que a classe dirigente da época tomasse consciência, não apenas do perigo latente, mas da necessidade, e da vantagem, da adopção de medidas tendentes a arrefecer o verdadeiro barril de pólvora em que se estava a transformar o ambiente social. Uma vez vencidas as vozes dos que desconfiavam que a educação das classes inferiores era um facto perturbador da ordem social estabelecida, capaz, entre outras coisas, de fomentar a subversão, a instituição da escolaridade primária para todos, e a abertura da possibilidade dos adultos poderem vir a frequentar a escola, foi-se generalizando à medida em que se ia tornando evidente que os custos financeiros da medida tinham um retorno imediato em produtividade e em pacificação social, e em que se constatava que a “subversão” não

mergulhava as suas raízes na instrução, mas, pura e simplesmente, na reacção contra um sistema produtivo fundado sobre uma exploração feroz do trabalho assalariado.

Por outro lado, a generalização da

escolaridade apresentava vantagens muito para além das já consideradas. A nova ordem industrial precisava de um novo tipo de homem, equipado com aptidões que nem a família nem a igreja eram capazes, só por si, facultar. Precisava de crianças pré-adaptadas a um “trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina colectiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e pelo relógio” (Toffler, s/d). A sociedade industrial, fundada sobre a sincronização do trabalho, precisava, portanto, de indivíduos que pouco tinham que ver com um passado rural e bucólico, em que os ritmos naturais prevaleciam. Convém recordar que, na segunda década do século dezanove, se exceptuarmos a Inglaterra, três quartos da população europeia vivia nas zonas rurais e mais de metade dos activos trabalhava na agricultura (Mialaret e Vial, 1981).

A única questão a que faltava responder era a que se relacionava com o tipo de escola capaz de dar resposta às necessidades do modelo industrial, de pacificação social e de formação de um novo tipo de homem adaptado às exigências do novo modelo de produção, e que fosse simultaneamente tão barato que desarmasse os argumentos dos que se opunham à simples ideia de educação

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

para todos. Para Toffler (s/d) o ensino em massa foi a máquina genial criada pela civilização industrial para conseguir o tipo de adultos que precisava. “A solução só podia ser um sistema educacional que, na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo. Tal sistema não surgiu logo; ainda hoje conserva elementos retrógrados da sociedade pré-industrial. No entanto, a ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica), foi uma demonstração de génio industrial” (Toffler, s/d, p. 393). Assim, o desenvolvimento da hierarquia administrativa da educação decalcou o modelo da burocracia industrial, e são precisamente os elementos mais criticados nesse sistema, como a arregimentação, a falta de individualismo, as normas rígidas de classes e de lugares e o papel autoritário do professor, os que se revelaram mais eficazes tendo em vista os objectivos que presidiram o lançamento do ensino em massa (Fino, 2000). 2. Em busca de um paradigma pós-industrial

Enquanto se manteve estável o sistema produtivo, e manteve alguma estabilidade o sistema social típico da sociedade industrial, dir-se-ia que a escola pública manteve inalterados, os propósitos, as rotinas e o prestígio, este último baseado num relacionamento reconhecidamente directo com o desenvolvimento social. Essa estabilidade ter-se-á mantido, com relativamente poucos sobressaltos, até meados do século XX, quando um facto relacionado com a guerra fria, e com a

corrida espacial que se iniciara, terá precipitado alguma incomodidade já latente no relacionamento entre a escola e a sociedade.

A humanidade acordou, no final da II Grande Guerra, profundamente dividida entre dois blocos político-militares e dotada de tecnologias de novo tipo, baseadas na informação e na cibernética, que iriam originar mudanças dramáticas na sua maneira de encarar o mundo, e a si própria, ao longo das décadas seguintes. A década de cinquenta, primeira do após-guerra, caracterizou-se por substancial desenvolvimento dessas tecnologias e, também, por um recrudescer da guerra fria e pelo incremento da paranóia da corrida aos armamentos nucleares, passando pela luta pela supremacia na corrida espacial, tendo a União Soviética ganho a liderança simbólica nessa disputa quando, em 1957, lançou o primeiro Sputnik, deixando atónitos os políticos norte-americanos, que não perderam tempo em responsabilizar a desadequação dos seus currículos escolares em matemática e ciência por essa ultrapassagem, exigindo reformas imediatas.

Sensivelmente por essa altura, já a questão do controlo de qualidade dos sistemas escolares apoquentava alguns teóricos da educação, sendo na segunda metade dessa década que surgiram as primeiras obras de referência propondo ferramentas “científicas” de avaliação com o formato de taxonomias dos objectivos pedagógicos (por exemplo, Bloom, 1956), ainda hoje em dia largamente citadas e utilizadas, embora nem sempre com o

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

espírito crítico que essas ferramentas necessariamente requereriam.

O fenómeno Sputnik foi o primeiro sinal verdadeiramente dramático dos primeiros sintomas de obsolescência de uma instituição que, durante quase dois séculos, tinha cumprido capazmente a sua missão. De repente, havia a consciência aguda de que algo estava a começar a mudar, e já muito depressa, no meio que envolvia a escola. Nos anos seguintes multiplicaram-se as hostes dos que acreditavam que tudo se resolveria se melhorasse o sistema de controlo e avaliação escolar, chegando-se ao ponto de, já nos anos oitenta, se ter tornado popular um sistema burocrático de avaliação pomposamente intitulado de “pedagogia por objectivos” (uma pedagogia tem que orientar-se por um sistema de valores, não podendo resumir-se a um mero somatório de técnicas burocráticas), que ainda hoje subsiste, reconhecendo-se a sua influência alienante, nomeadamente, em algumas organizações de estágio pedagógico.

Depois da grande crise curricular que abalou os Estados Unidos, em 1957, têm-se multiplicado por todo o lado os sinais da senilidade do paradigma fabril. Enquanto na sociedade a evolução da tecnologia faz precipitar o futuro com uma aceleração cada vez mais exponencial, a escola tem continuado a ver aumentar a distância que a vem separando da realidade autêntica, que é a que se desenrola no exterior dos seus muros anquilosados. E há muito tempo que perdeu, ou viu atenuar, o vínculo que outrora teve, indiscutível, com o desenvolvimento da sociedade. Enquanto

vai perdendo a guerra contra a iliteracia, batalha após batalha, de instância em instância até nem a Universidade ser já um reduto seguro, também vai perdendo de vista como tudo, no seu exterior, se modifica.

Hoje, a sociedade das tecnologias digitais, dos computadores e da telemática, da globalização e da pulverização das culturas locais, do genoma sequenciado, já não se compadece em esperar por uma instituição que, para prosseguir, tem que mudar de paradigma. Eu não sei se a futura escola dará lugar a uma e-escola, a uma escola.com, ou uma escola com outra designação qualquer, que esteja para além da minha imaginação momentânea. O que sei é que a escola de hoje, depois de lhe terem sido cometidas funções que têm pouco a ver com o desenvolvimento das sociedades (servir de depósito onde as famílias colocam os filhos enquanto os pais trabalham, ou de local onde os jovens vegetam o máximo possível de tempo antes de engrossarem a pressão dos que batem à porta das universidades ou do primeiro emprego), se encontra irremediavelmente ferida, e já nem é capaz de preparar para o presente, quanto mais para um futuro que nenhum visionário consegue antecipar.

Eu nem sei se o futuro precisará de qualquer tipo de educação institucionalizada, à semelhança da que temos hoje, com escolarização compulsiva, destinada a reproduzir uma cultura estandardizada e imposta aos cidadãos, todos por igual, independentemente das suas características e das suas necessidades. A Humanidade foi capaz de

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

sobreviver milénios sem precisar de uma escola de massas, controlada pelo Estado. Talvez, no futuro, reaprenda a prosseguir sem ela. 3. Referências Bloom, B. et al (1956). Taxonomy of Educational Objectives. 1: Cognitive Domain. London: Longmans. Fino, C. N. (2000). Novas tecnologias, cognição e cultura: uma estudo no primeiro ciclo do ensino básico (tese de doutoramento não publicada). Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mialaret, G. e Vial, J. (1981). Histoire Mondiale de l' Éducation. Paris: P. U. F.. Toffler, A. (s/d). Choque do futuro. Lisboa: Livros do Brasil.

OO GGEESSTTOO

E estando eu como sempre no meu local de trabalho onde passo a maior parte do tempo lendo e atendendo as pessoas que chegam a pedir uma informação, um dia, mais precisamente uma terça-feira de Outubro, que mais parecia um dia de verão, aconteceu uma coisa que é cada vez menos comum

acontecer. Estando sentado ou de pé, nem sei, alguém chegou e pediu-me para fazer um telefonema. Hesitei em fazê-lo, mas visto que o assunto era urgente, lá resolvi aceder ao pedido. Alguém estava em casa muito doente. Tal não foi o meu espanto e de um colega meu de serviço, quando me apercebo que a pessoa que estava mesmo à minha frente estava preocupada com uma outra. É a este gesto que me refiro no título. Um gesto simples e que talvez todos nós o devêssemos fazer no nosso dia-a-dia.

Como diz o ditado “Um gesto vale mais

do que mil palavras”. Foi este o mote que me levou a dirigir-vos estas humildes palavras. Deixo aqui um alerta: ponhamos o egoísmo de parte. Sei que não estou a ensinar nada de novo, mas antes a relembrar-vos! A posição estratégica em que me encontro permite-me observar muitas coisas, entre elas o comportamento dos seres humanos. Seria ideal que um pequeno gesto como este fosse inato a cada um de nós. A vida éteria um outro sentido. Tudo teria mais valor.

Vocês decerto que já se interrogaram sobre o porquê deste artigo e o porque não eu próprio a fazê-lo. Mas eis que a resposta surge. Terá mesmo de começar por mim. São estes os gestos que fazem o meu dia-a-dia.

E porque, repito, “Cada gesto vale mais que mil palavras”, tentemos todos praticar bonitos gestos e talvez tudo seja um pouco mais fácil.

Bem haja a todos por estes momentos belos e simples. Votos de felicidades!

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Pior do que não saber é viver voluntariamente na ignorância e promover valores duvidosos!!

Agostinho Pereira

BENE DIXISTIS!*

Corina Gomes

As denominadas línguas clássicas (latim e grego) constituem, actualmente o suporte para muitas das marcas mais conhecidas do nosso mercado. Há muito que as grandes empresas de publicidade se aperceberam da enorme riqueza destes idiomas, e de certa forma, estão a proceder a um “segundo renascimento” destas mesmas línguas. Pouco a pouco, pequenos vocábulos passaram a fazer parte das nossas preferências comerciais. Longe de querer apresentar um qualquer folheto publicitário deixo-vos uma pequena lista dessas mesmas marcas, e espero que no final considerem quão pertinente foi a sua escolha. Ariston- Do grego áriston, áristê, áriston; adjectivo; trad: O melhor; Ceres- Do latim Ceres, Cereris; nome próprio; deusa romana da agricultura; Delta- Do grego délta; a quarta letra do alfabeto grego; letra maiúscula ? ? ? letra minúscula ? ? Eureka- Do grego euriscô; forma verbal; trad: Descobri!; Evax- Do latim, interjeição manifestando alegria, trad: Bravo!; Fiat- Do latim fio; forma verbal; trad: Que seja feito; Labello- Do latim labellum, labelli; substantivo comum; trad: Lábio;

Lego- Do grego légô, forma verbal, trad: Juntar, Unir; Linea- Do latim linea, lineae; substantivo comum; trad: Linha; Lux- Do latim lux, lucis, substantivo comum, trad: Brilho, Luz; Magum- Do latim magnus, magna, magnum; adjectivo; trad: Grande; Mega- Do grego mégas, megálê, méga; adjectivo; trad: Grande; Micra- Do grego micrós, micrá, micrón; adjectivo; trad: Pequeno; Nike- Do grego nikê, substantivo comum, trad: Vitória; Nivea- Do latim niveus, nivea, niveum; adjectivo; trad: Neve, Branco; Novis- Do latim novus, nova, novum; adjectivo ; trad: Novo; Omega- Do grego oméga; a vigésima quarta letra do alfabeto grego; letra maiúscula ? ? ? letra minúscula ? ??Optimus- Do latim optimus, optima, optimum; adjectivo; trad: Óptimo, excelente; Securitas- Do latim securitas, securitatis; substantivo comum; trad: Segurança; Vim- Do latim vis,vis; trad: Força; Vobis- Do latim vos, pronome pessoal; trad: Por vós; Volvo- Do latim volvo; forma verbal; trad: rolar; Vulcano- Do latim Vulcanus, Vulcani; nome próprio; deus romano do fogo; *Tradução do Latim: DISSESTE BEM!

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

MORTO-VIVO

?? Por: L. Crespo Fabião, in Tempo Livre,

Portugal,1996

Num país onde o direito latino ainda é

viçoso e a religião básica é católica- romana

latina, o latim foi, com dedo de mestre,

proscrito dos programas escolares. Digamo-lo,

usando dessa língua absurda e sibilina:

requiescat in pacem!

Que resta agora entre nós deste cadáver

reverendo? Muito mais do que se imagina.

Suponhamos que se candidata a um emprego.

Terá de apresentar o seu curriculum vitae,

onde vem descrito um resumo da sua

autobiografia. Não uma autobiografia comum;

trata-se de uma autobiografia sui generis,

sucinta, mas obrigatória. É condição sine qua

non. Os curricula nem sempre são

rigorosamente iguais; sofrem por vezes

adaptações ad hoc. Antigamente este sistema

do curriculum era pouco usado, mas...o homo

sapiens não pára e hoje em dia é prática

corrente de lana caprina. No dito concurso os

candidatos podem ser centenas. O concorrente

enche-se de coragem – fortuna audeces juvat

– e entrega a documentação. Seja o que deus

quiser, alea jacta est. De resto se errar alguma

coisa, lá reza o anexim. Errare humanum est.

Afinal, a prova correu-lhe bem. Talvez não se

pudesse considerar um opus mas Deo gratias,

deixou-o satisfeito. Que diacho!, pensa o

leitor. Não sou nenhum minus habens,

embora reconheça que o nec plus ultra se

situa para além das minhas capacidades. A

priori, espera ficar entre os primeiros cinco

candidatos. O lugarzinho não renderá um

ordenado chorudo, mas para o leitor

paterfamilias consciencioso, a coisa vinha-lhe

mesmo a pintar. Relembrou o teste, A

posteriori, reconheceu que afinal cometera uns

erritos e as vagas eram só duas – numerus

clausus – nem mais uma. Neste ponto as

normas exaradas no regulamento eram

implácaveis e dura lex, sed lex.

Com esta parábola pretendi demonstrar que

mesmo as pessoas mediantemente cultas

continuam a «falar latim»: Como se diz em

geometria, quod erat demonstrantum. Se não

consegui o desideratum, lamento e batendo no

peito, digo: mea culpa!

??

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Proposta de leitura

A VIAGEM DE THÉO DE

CATHERINE CLÉMENT

Zélia Dantas Catherine Clément, além de escritora,

é também professora, jornalista, produtora de televisão e editora. Já publicou nove romances e vive, actualmente, em Paris.

A autora, com a sua escrita simples e directa, faz-nos dar a volta ao mundo das

religiões, crenças e rituais, do Cristianismo ao Budismo, do Yoga ao Candomblé (voodoo). Devemos, contudo, alertar que não se trata de um ensaio sobre religiões, quanto muito uma simples introdução para aqueles que pretendem saber algo mais sobre esta temática.

Théo Fournay é um adolescente francês de 14 anos, um excelente aluno, que quando não está a jogar A Cólera dos Deuses ( seu jogo predilecto) no computador, devora livros de mitologia antiga, principalmente, a egípcia. Tem, também, uma paixão pelos mitos gregos, visto ser de origem grega.

O jovem possui, no entanto, uma saúde frágil, sendo-lhe diagnosticada uma doença desconhecida, restando-lhe pouco tempo de vida. Entra, então, em cena, uma das personagens mais importantes – a tia Marthe. Em vez de passar o resto dos seus dias na cama de um hospital tomando doses “industriais” de medicamentos, os pais de Théo autorizam-no a viajar com a tia Marthe. Incrédula na medicina ocidental, a tia pretende fazer com que o sobrinho contacte as mais variadas religiões do mundo e as diferentes formas de acreditar em Deus. Note-se que até então Théo havia sido criado como ateísta. O objectivo da tia Marthe é encontrar a cura através da espiritualidade, da superstição, do sobrenatural, um milagre que irá realizar-se. A viagem para Théo é, também, como que um jogo, pois não lhe é dito qual a sua próxima paragem (cidade), a sua tia dá-lhe uma pista e Théo terá de descobrir. Se não conseguir pode pedir ajuda a Fatou, a sua “Pítia” que lhe dará nova pista. Não será uma viagem turística... Jerusalém, Cairo, Luxor, Vaticano, Deli, Jacarta, Quioto, Moscovo, Istambul, Dacar, Baía, Nova Iorque, Praga... são alguns dos locais onde o adolescente vai conhecer as mais variadas religiões, crenças e deuses, como por exemplo: o Cristianismo; o Judaísmo; o Islamismo; o Hinduísmo; o Budismo; o Taoismo; o Confucionismo; a Igreja Ortodoxa; a Igreja Baptista; o deus elefante da Índia ...

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Ao longo da viagem Théo irá satisfazer algumas das suas curiosidades (que são também nossas): qual a simbologia da Estrela de David; a razão pela qual os Sikhs não podem cortar o cabelo... Em cada uma das etapas o jovem tem um guia especial, crente na religião em questão e amigo da tia Marthe.

No decorrer da sua viagem o jovem Théo não só recebe informação, como também a problematiza e tira as suas próprias conclusões... Não só se apercebe da relação que os outros estabelecem, por meio da religião, com o divino, como também da sua, que agora nasce. A sua última paragem é no Oráculo de Delfos, onde reencontra a sua família, os guias e a sua namorada – Fatou, disfarçada de Pítia. Théo finaliza a viagem completamente curado.

A personagem de Théo foi, na nossa opinião, caracterizada de uma forma pouco cuidada, visto que, em determinadas situações ele age como um adolescente, mas noutras parece que estamos a lidar com um criança de 5/6 anos. Neste aspecto, verificamos que a autora foi infeliz, porque mais interessada em “despejar” o saber enciclopédico, não trabalhou bem as personagens, ou seja, não lhes deu uma caracterização consistente.

Há, contudo, a referir que uma das armas deste livro é o estilo da autora, possuidora de uma escrita fluente, clara e concisa, não maça o leitor, o que poderia acontecer tratando-se de um romance de 600 páginas. Realce-se a excelente ideia que foi a colocação de um índice remissivo, muito útil, que possibilita buscas posteriores que queiramos executar.

Uma leitura fácil, nada complexa, ideal para descontrair e ao mesmo tempo adquirir algum conhecimento... um dois em um! Enfim, uma boa introdução, para os curiosos, às crenças das mais variadas culturas. Um livro que segue as pisadas de O mundo de Sofia de Jostein Gaarder, mas no que diz respeito à religião.

CLÉMENT, Catherine, A Viagem de Théo, (trad. Mª do Rosário Mendes), Lisboa, Círculo de Leitores, 1999.

O MITO DE ORFEU

Elena Rodriguez

Orfeu é um nome que, certamente, não passará despercebido a muitos dos ouvidos mais atentos, às almas mais sensíveis ou aos espíritos mais curiosos. Actualmente, bastará fazer uma pesquisa na “net” e, surpreendentemente, nos depararemos com um infindável número de “sites” sobre esta personagem pertencente ao imaginário de uma civilização. E que julgamos nós sobrevive ainda no nosso imaginário actual, graças a um precioso legado cultural de que somos herdeiros e, em simultâneo, responsáveis pela sua perpetuação.

O mito de Orfeu cativou, desde cedo, o interesse de poetas, compositores, pintores e escultores que encontraram nele uma inesgotável fonte de inspiração e pressentiram nele uma beleza e um encanto invulgares e, ao mesmo tempo, uma fragilidade dolorosamente partilhada por todos os seres humanos. A sua história foi, de facto, divulgada, recriada e actualizada ao longo de séculos através de várias criações artísticas, quer no domínio das artes plásticas, da música ou da literatura. O encanto e a magia emanados de Orfeu a todos fascinou e arrebatou até

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

aos dias de hoje, em que ainda é recordado com ternura e simpatia.

Na Antiguidade Clássica, no século I a.C., dois poetas da época aúrea da literatura latina – Virgílio e Ovídio - renderam-se à magia do canto de Orfeu e imortalizaram o mito da Descida aos Infernos nas Geórgicas, livro IV e nas Metamorfoses, livros X e XI, respectivamente, com grande mestria, perfeição e requinte literários. Na literatura grega, chegam-nos notícias de Orfeu através da Argonaútica , uma épica da autoria de um poeta alexandrino chamado Apolónio de Rodes.

No âmbito específico da literatura portuguesa, o mito de Orfeu foi também aproveitado como tema literário de grande interesse por vários poetas que o reescreveram e reinterpretaram, o que veio, sem dúvida, enriquecê-lo e reavivá-lo. Aconselhamos, por exemplo, a leitura de alguns poemas de Sophia de Mello Breyner ou de Miguel Torga, a fim de compreender até que ponto o mito serviu para exprimir novos significados extremamente interessantes.

Apesar de tudo, será justo para os nossos leitores que, eventualmente, ainda não conheçam Orfeu e agradável relembrá-lo para aqueles que, de alguma forma, já contactaram com o mito, fazer uma longa viagem até à Trácia (uma região no norte da Grécia) , onde tudo começou. Como objectivo último, e que gostaríamos de ver atingido, esta viagem ao fabuloso imaginário da cultura greco-romana tem a pretensão de ser

entusiasmante e, acima de tudo, despertar o vosso interesse pela mitologia clássica e constituir um ponto de partida para futuras investigações de iniciativa pessoal.

Conhecido por muitos como o vate trácio, Orfeu, segundo a versão mais comum, era filho de Calíope ( a musa da poesia épica ) e Eagro, rei da Trácia , terra do seu nascimento. Habitava perto do monte Olimpo e tocava lira e cítara, um instrumento musical cuja invenção lhe é atribuída. Segundo outros, não terá sido o seu inventor, mas o responsável pelo seu aperfeiçoamento, já que às sete cordas iniciais do instrumento, acrescentou mais duas, perfazendo o total de nove, exactamente quantas eram as musas.

Considerado o poeta, o músico e o cantor por excelência, Orfeu era, porém, especial, visto que possuía um poder extraordinário e sobrenatural: conseguia fascinar, com o seu canto e as suas doces melodias, toda a natureza, que o ouvia extasiada. Na verdade, quando tocava e cantava, juntava um grande número de animais selvagens que, esquecidos da luta e da ferocidade, o escutavam calmos e dóceis. O inimaginável chegava a acontecer quando as próprias pedras se comoviam com o tom plangente do seu canto. Orfeu era, de facto, um sedutor que, simplesmente com as suas melodias, subjugava toda a natureza, gerando, simultaneamente, uma harmonia e uma calma ímpares.

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

O poeta e a sua música deram, por isso, um contributo fundamental ao êxito das aventuras de Jasão e dos Argonautas, que navegavam em direcção à Cólquida, em busca do Velo de Ouro. Foi, efectivamente, durante uma tempestade, que os poderes surpreendentes do músico se revelaram quando conseguiu, com o som da sua lira, acalmar os tripulantes e as ondas rebeldes. Orfeu conseguiu, do mesmo modo, salvar os Argonautas da sedução e do fascínio do canto das Sereias.

Apesar de todos estes sucessos, é

muito mais célebre o mito da Descida aos Infernos, no qual Orfeu mostrou ser um autêntico herói, ou melhor, um corajoso guerreiro que tudo enfrentou por amor à sua esposa Eurídice. Eurídice era uma ninfa que, certo dia, caminhando tranquilamente pelas margens de um rio, se viu subitamente perseguida por um agricultor chamado Aristeu que a queria violar. Preocupada em escapar ao seu perseguidor, a pobre ninfa não reparou numa serpente escondida nas ervas que a picou e lhe trouxe, instantaneamente, a nefasta morte. Orfeu ficou destroçado com a morte cruel e prematura da sua jovem esposa e é, sem êxito, que procura suavizar a sua dor e tristeza com o canto. Revoltado com aquele cruel destino e impelido apenas por um amor imenso e genuíno, o poeta resolve empreender uma perigosa descida aos Infernos, a fim de recuperar Eurídice.

A maioria dos mortais não se atrevia a descer ao mundo subterrâneo das sombras, local povoado por horríveis criaturas e onde predominavam os mais penosos castigos e os mais terríveis sofrimentos. Além disso, era totalmente inacessível devido ao seu temível cão de guarda, Cérbero, e à costumada intransigência e desconfiança do velho barqueiro Caronte. Contudo, Orfeu entrou facilmente nas moradas infernais, comovendo, à sua passagem, todos aqueles que o ouviam, sucumbidos ao encanto e à magia do seu canto. São simplesmente indescritíveis os efeitos mágicos da música de Orfeu sobre todo o mundo subterrâneo: os monstros tornaram-se dóceis, os castigados viram-se, por momentos, aliviados das suas eternas penas e todo o sofrimento desapareceu. Apenas um génio criador como Ovídio foi capaz de nos dar uma imagem tão bela e perfeita de uma tal proeza e, por isso, valerá a pena ler as Metamorfoses, livro X. Os próprios deuses infernais, Hades e Perséfone, se deixaram comover pelo canto de Orfeu e cederam, sem hesitação, ao seu pedido de libertar Eurídice. Todavia, uma condição lhe foi imposta: o músico nunca deveria olhar para trás, na direcção da sua esposa, enquanto não abandonasse o mundo das trevas. O sucesso de Orfeu foi, porém, passageiro: chegava já são e salvo com Eurídice à superfície da terra, quando não resistiu ao desejo de olhar para trás, a fim de certificar-se se realmente a esposa o seguia. O pacto foi quebrado e todos os

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

esforços do poeta foram em vão. Tal como prometera Perséfone, Eurídice regressa, definitivamente, ao mundo das sombras, morrendo, assim, pela segunda vez.

Orfeu tenta ainda de novo atravessar o rio que os separa , mas não consegue, desta vez, demover o inflexível barqueiro. O poeta regressa irremediavelmente para junto dos humanos.

Existem várias versões para a morte de Orfeu, mas a mais conhecida é aquela em que o trácio foi morto, com paus e pedras, pelas desprezíveis mulheres da Trácia ou bacantes. Diz-se que estas mulheres o odiavam devido à fidelidade que Orfeu continuava a devotar a Eurídice, ou talvez pelo seu crescente menosprezo pelo sexo feminino. De qualquer forma, após a sua morte, o seu corpo foi mutilado: as bacantes despedaçaram atrozmente o seu cadáver e lançaram os fragmentos ao rio. Conta-se que, como por milagre, ainda se ouvia um eco distante chamando por Eurídice e uma doce melodia à medida que a cabeça e a lira de Orfeu rolavam na corrente do rio. Após um longo percurso, chegaram, finalmente, às praias da ilha de Lesbos, considerada, por esta razão, a terra por excelência da poesia lírica que, de facto, atingiu o seu expoente máximo com a poetisa Safo, no século VII a.C. Os habitantes da ilha prestaram-lhe as honras fúnebres e ergueram-lhe um túmulo. A lira do músico foi, mais tarde, transformada em constelação.

Na versão das Metamorfoses de Ovídio, Orfeu e Eurídice reencontraram-se no Hades e viveram sempre felizes sem medo de se voltarem a separar. As mulheres da Trácia tiveram, porém, um fim bem diferente: Baco, irado com o assassínio do seu colaborador nos seus Mistérios, castigou as bacantes transformando-as em árvores.

O amor de Orfeu era absoluto. Não conhecia fronteiras entre a vida e a morte. Mesmo após a morte, o amor e a poesia conseguiram triunfar. O amor foi a sua única força. Deu-lhe a coragem necessária para fazer o impossível: descer ao Hades e restituir Eurídice à vida. Afinal, o que não se fará por amor? Para o amor não existem obstáculos. Se realmente for grande e verdadeiro, poderá tornar-se tão poderoso ao ponto de conseguir mover montanhas. Em contrapartida, é também um sentimento irracional e, por isso, poderá, muitas vezes, levar à loucura de cometer actos impensados e impulsivos, dos quais nos possamos vir a arrepender. Então, as consequências serão desastrosas e o sofrimento inevitável.

Esta é, cremos nós, uma das mensagens mais importantes que este mito nos transmite e o seu sentido é de tal modo profundo e caracteristicamente humano que, irresistivelmente nos identificaremos, de alguma forma, com Orfeu.

Este mito, ainda que aparentemente simples e demasiado sentimentalista para alguns, continua a possuir uma relação com a nossa realidade. Ainda que a

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

sociedade e as mentalidades estejam em constante transformação e evolução, o que é genuinamente humano e o que realmente importa nunca muda: o amor continua a ser algo ainda não totalmente compreendido e uma força antitética que tanto constrói como destrói.

Bem hajam todos aqueles que, apesar de tudo, nele acreditam!

EERRAASSMMUUSS AADDVVEENNTTUURREE IINN

PPOORRTTUUGGAALL

Martina Hauser

One day 5 austrian girls, who are

becoming teachers for children with special needs, attending the university of Salzburg, decided to make some studying experience in a different country before starting proper work. After plenty of good-bye-parties and some tears at the airport we are here now in Portugal. Three of us in Coimbra and Eva and me in Faro since the beginning of September. In fact some people in Austria thought how we could survive here because none of us was

speaking one word in Portuguese, but no risk no fun!

After spending some days in Lisboa and enjoying the beach of Faro we were looking forward to start our Portuguese language course at the university.

We were expecting it to start at the 11th

of September, but in fact this was our first time that we realised that date and time at our university is not taken as serious as in our university in Austria. But of course we didn´t mind making more holidays and as I am always late in Austria it was no problem for me to adopt easily. Our welcoming at the university of Algarve was very nice and we got a comfortable room in one of the residences. Anyway we were very surprised that the sexes are still seperated and I thought “my god, 100 girls in one residence, that is too much for my nerves”. But in fact it is very nice here and we soon noticed that the residence changes into a mixed one as soon as the cleaning ladies disappear.

Getting used to wash our clothes with the hands, because the social service did not see any point in repairing the washing machine

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

for 4 months now, we decided to make some washing parties at the boys residence.

Like nearly every student nourishes mainly from pasta or rice with sauce we tried out the university cantine. But we soon noticed that even if they want us to believe that the soup is every day different by changing the name on the menu, it was to obvious that it consisted of the vegetables of the last day. After some hours language course, which was more or less a european-melting pot-meeting (french, finish, spanish etc.) we were soon able to order our drinks in portuguese even if we couldn´t understand how much we had to pay for them. Because of the language barrier we did not have to choose a lot of subjects of the primary school course here, just music, painting and teaching practise. Compared to Austria where we are trapped to university 40 hours per week this 11 hours sounded like holidays for us. So we soon turned more or less the night into day and were trying to improve our knowledge about the portuguese language with going out, meeting friends and travelling around.

I was very lucky to have been invited to

Madeira for two and a half week and it was like you say “boé da fixe”. Walking in the mountains and taking a bath in the river afterwards in december while my friends are freezing when they are snowboarding in meters of snow was really a undescribable feeling.

Back in Faro now I am enjoying our last month here and I already know that I will miss it a lot and I am sure that I will come back some day. All my new friends, this different kind of living and making experiences in another culture.

So if you ever have the chance to make Erasmus it is worth doing it, maybe we will meet some day in Austria.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

TRADUÇÕES

OOss GGrreeggooss,, ooss RRoommaannooss…… eett ll’’ aammoouurr……

Safo

Parece-me igual aos deuses o homem que está sentado frente a ti, iludindo-se, escuta a tua doce voz. Sorrindo de forma amável, feriste-me cruelmente o coração dentro do peito, pois apenas te vejo como um caminho para a morte, isto porque a fala me abandona. Gela-se-me a língua e, de imediato, um fogo percorre a minha pele, os meus olhos nada vêem, murmuram ruídos nos meus ouvidos. Sinto em mim um gélido suor e um calafrio apoderou-se de mim por completo; fico mais pálida do que a erva, pressinto que depressa morrerei como uma desgraçada. Porém todo o acto de coragem acompanha os indigentes!

Fr. 31 (L-P), trad. do Grego de Andreia Brites, Cláudia Vieira e Marco Livramento

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

CATULO

Ele parece-me igual a um deus, ele, se tal é lícito, parece-me que supera os deuses, ele que, sempre sentado à tua frente, te contempla e te ouve a ti que ris docemente, o que – pobre de mim! – me deixa completamente sem sentidos: é que assim que te vejo, Lésbia, fico sem voz, mas a língua entorpece, um fogo subtil corre dentro do meu corpo e os meus ouvidos ressoam com um zumbido interior, os meus olhos cobre-os a noite. O ócio, Catulo, é nocivo para ti. Por causa do ócio agitas-te e crias demasiadas fantasias. O ócio, já no passado, causou a perda não só de monarcas Mas também de cidades opulentas.

Trad. do Latim feita pela Turma 2 de Língua Latina III

EENNTTRREEVVIISSTTAA--RREEFFLLEEXXÃÃOO Um curso de Letras continua a fascinar todos os que vivem com entusiasmo a Literatura, a História, a Linguística, enfim a Cultura. Isto numa época cada vez mais voltada para as tecnologias e que, portanto, proporciona a esse todo menores saídas profissionais. A presente situação “decadente” ou, pelo menos, preocupante, dos cursos de Letras diz, essencialmente, respeito à área do ensino, até porque, durante muitos anos, o objectivo de qualquer pessoa formada em Letras era leccionar. Hoje em dia, o ensino já não é mais uma possibilidade de escolha, embora tenha sido

apontada “ilusoriamente” como uma das variantes do Tronco Comum. Aliciadas por essa escolha, foram várias as pessoas que optaram pelos cursos de Letras, como é o caso das entrevistadas Laura Gouveia e Inês Ornelas. Quando as questionei acerca da razão que as levou a enveredar pelo curso de Línguas e Literaturas Românicas, respondeu a Laura : «(...) as minhas disciplinas preferidas eram o português e o francês. Como queria ser professora do ensino especial, decidi tirar uma licenciatura em ensino do português e do francês e depois fazer uma especialização. Mas estava convencida que havia ensino.» A Inês, por sua vez, não conseguiu deixar de transparecer uma certa mágoa :

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

« Era o curso que eu sempre quis tirar. Na altura em que eu entrei, disseram que neste curso havia muitas perspectivas de emprego. Fiquei desiludida, porque não era bem assim.» Ambas salientaram que o curso correspondia às suas expectativas, mencionando, também, a dificuldade que apresenta um curso de Letras e o interesse por disciplinas, como Sintaxe e Semântica do Português. A Inês frizou apenas um aspecto em tom disfórico : «(...) não via o meu trabalho reconhecido.» Embora quase totalmente satisfeitas com o curso pelo qual tinham optado e que já tinham frequentado durante dois anos, a sua insatisfação perante uma realidade pouco risonha levou--as a mudar de curso. Viram-se obrigadas a tomar uma decisão que tanto uma como outra caracterizaram como “bastante difícil”, sempre com a preocupação de assegurar o seu futuro no mundo de trabalho : «(...) as perspectivas de mercado estavam “negras” para aquilo que eu queria realmente fazer, dar aulas.(...) O curso de Professores do Ensino Básico (...) era o único que me daria, em parte, a possibilidade de fazer o que gosto. Em parte, porque eu queria era leccionar francês e português. Mudei de curso única e exclusivamente pelas saídas profissionais.»(Inês)

«(...) quero ser professora do ensino especial e fui informada de que a via ensino estava fechada. Então, decidi mudar para Professores do Ensino Básico.»(Laura) A relutância em tomar uma decisão tão difícil foi inevitável, daí que a Laura tenha afirmado : « Quando recebi a notícia que tinha conseguido mudar de curso, fiquei em dúvida se realmente tinha tomado a decisão certa.(...) Dediquei dois anos da minha vida a este curso, sem nunca ter perdido nenhuma cadeira e de repente vi que tinha de começar tudo de novo.» A Inês revelou, também, a preocupação que sentiu em deixar para trás o esforço de dois anos. Contudo, salientou que : «(...) não foi perda de tempo pois aprendi imenso durante estes dois anos, mesmo coisas que me irão ajudar no futuro.» Assim se depararam com um curso totalmente novo e com cadeiras completamente diferentes, como é o caso da matemática. Quanto ao grau de exigência e às diferenças existentes entre os dois cursos, a Inês considera que :

A relutância em tomar uma decisão tão difícil foi inevitável

NO PRÓXIMO NÚMERO QUEREMOS

PUBLICAR A TUA OPINIÃO SOBRE

O ENSINO UNIVERSITÁRIO. ENVIA PARA

[email protected]

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

«(...) não podemos falar do grau de exigência, porque todas as cadeiras o têm. Também é verdade que existem cadeiras mais fáceis e outras mais difíceis, tudo depende das aptidões de cada pessoa. Penso que somos mais reconhecidos pelo nosso esforço neste curso.» Note-se que, neste aspecto, as opiniões são um pouco díspares, pois a Laura afirma que : «(...) as cadeiras são mais acessíveis, porque o curso de Línguas tem um grau de exigência superior, se bem que, no curso de Professores do Ensino Básico, as cadeiras sejam mais práticas.(...) O que notei neste curso foi um grande nível de competitividade, mesmo com as boas perspectivas de emprego que têm, comparado ao meu curso anterior.» Foi, sem dúvida, uma decisão muito difícil de tomar, mas, por enquanto, olham para trás e não manifestam qualquer arrependimento. Referem, apenas, que sentem saudades dos colegas e de cadeiras, como a Sintaxe e o Francês. Tal como as entrevistadas, desiludidas perante a impossibilidade de concretizarem um dos seus maiores sonhos, ensinar, são muitos os que adoptam a mesma medida e mudam de curso. Outros, porém, embora também preocupados com um futuro que se avizinha “tempestuoso”, permanecem firmes na sua escolha, na esperança de poder concretizar os seus objectivos.

Ana Maria Alves Vieira

ENVIA O TEU TRABALHO, POEMA, ARTIGO OU DESENHO

PARA [email protected]

CONTO*

ANIMALIAS - Podemos então concluir que o Homem, ao contrário dos outros habitantes da Terra, é o mais inteligente e o único que consegue pensar e aquele...Pronto é tudo! Conclusão satisfatória e até prestigiosa para um pequenito de oito anos que, depois de ter ouvido este louvor à raça humana, sai da sala de aula com um sorriso próprio da sua ingenuidade e contente por ser humano. Chega a casa, encontra a mãe que já lhe tinha preparado a refeição. Depois de fazer o trabalho que lhe estava destinado, vai brincar com a malta do bairro. - A que vamos brincar hoje? perguntou um dos que lá estavam presentes. - Que tal brincarmos aos humanos? questionou, em tom de solução, o nosso pequenito influenciado pela conclusão da aula desse dia. - Boa, brinquemos então aos humanos! corroborou um outro. - Mas, como é que se brinca aos humanos? Esta é uma pergunta que, inevitavelmente, se poria, porque ela aparece sempre que se faz algo de inédito ou quando se trata de fazer de humano! Surgiu, então, do meio da aglomeração pequena, que ali se tinha juntado, uma voz que sugeriu: - Fazemos da seguinte maneira: alguns de nós fazem de humanos e os outros fazem de animais selvagens! E depois os humanos fogem dos animais selvagens! - Sim, porque senão os animais matam os humanos! aferiu Joka. (Ah! Desculpem, o Joka é o nosso pequenino). - Mas, matam porquê? interrogou uma criancinha que, sentada num banco, apreciava o jeito daquele grupinho. Joka, dirigindo o olhar para o banco, viu a

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

criancinha e caminhou para ela. - Porque os animais são selvagens e não gostam do homem e por isso vão matá-lo. Mas, o homem, como é o mais inteligente, vai conseguir escapar! explicou Joka. - Ah! Já percebi! disse Tibu. - Mas, quando fores para a escola, tu vais aprender isso! retomou Joka. Afastou-se do banco, com a sensação de ser já um "brainzito", e regressou ao grupo com o qual ia brincar e que tinha ficado a ouvir, compenetradamente, a explicação de Joka. - Eu quero fazer de humano! Impôs Joka. Depois de terem definido quem iria ser humano, tentaram distribuir, pelas crianças restantes, os diversos papéis de animais selvagens. Entre eles contava-se o leão, a cobra, a pantera, o tigre, o crocodilo, entre outros.

- Eu sou um crocodilo que não gosta de água! - disse a criança a quem tinha calhado esse papel porque tinha medo de chegar a casa com a roupa molhada. - Pronto, não precisas molhar-te! – disse o rapazito que iria fazer de pantera. - Devias molhar-te, porque é assim que os crocodilos fazem, mas como os outros aceitam, eu também não me importo! - disse Joka. Começaram a brincar! Os animais selvagens espalharam-se pelo jardim. Um atrás das heras que cresciam apoiadas em estacas formando muralhas, outros atrás de arbustos, outros ainda atrás dos múltiplos bancos. Os humanos tinham de, simplesmente, passear e esperar que os animais selvagens aparecessem e, depois, tentar a defesa. Joka, estava contente por ser humano! Não tinha de andar com as mãos no chão como os outros, e depois, era o mais inteligente! A brincadeira desenrolou-se sob o atento e penetrável olhar de Tibu. Passeando no jardim, um grupo de humanos foi atacado, inesperadamente, por um grupo de animais selvagens. Estes saltam em cima dos

humanos que tentam ripostar. Tibu olhou mais atentamente. O leão deixa sair as garras afiadas, abre a boca para mostrar os seus dentes afiados e para amedrontar e tenta concentrar toda a sua energia nas suas mãos dianteiras para imobilizar a sua presa. A cobra, muito subtilmente, colocou-se frente a frente com a sua presa e olhou-a nos olhos. Começou a abrir e a fechar a boca mostrando a sua língua e emitindo aqueles sons ameaçadores que só as cobras sabem emitir. Muito vaidosamente, tentou que a presa visse o seu dente e, para chamar a atenção, verteu um pouco do seu veneno (improvisado com um pouco de saliva) e, paulatinamente, aproximava-se do objecto querido. A pantera, que se encontrava atrás do banco do jardim, dá um salto por cima deste e colocou-se, à primeira, mesmo atrás do humano que iria atacar. Este, ao aperceber-se, não se moveu mais. A fera abriu bem os olhos, espumava pela boca, mostrava os seus letais dentes e, com a pata dianteira do lado direito levantada, era de tal forma ameaçadora que o humano, pisando um pouco o risco, apenas moveu a cabeça dirigindo-a para trás e pensou que não deveria mexer-se para não assustar a fera, evitando, desta forma, o ataque.

Tibu pensou para consigo próprio, um pouco amedrontado: - Coitados, eles vão morrer todos! O medo era tanto que nem quis olhar para saber da situação dos outros humanos face aos outros animais selvagens. Ele pensou que os humanos pareciam tão fracos e tão imóveis que as possibilidades de saírem vivos dalí eram quase nulas. Chegou a sentir pena dos coitados! - Eu não quero que eles morram! – disse Tibu em voz baixa levando a sério a brincadeira. - Porque será que eles estão a fazer figuras que metem tanto medo? Devido à sua ingenuidade, Tibu não se apercebera de que eles estavam somente a agir

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

como estes animais selvagens realmente agem. Os humanos têm de precaver-se, pois ao encontrarem um animal destes à sua frente, já sabem, à priori, que ele vai atacar porque faz parte da sua natureza, é assim que eles são e é assim que eles agem sempre. O "assalto" poderia ter sido feito de forma estratégica, ou seja, combinando qual seria a melhor altura de cada animal atacar, mas os animais atacam quando acham que devem e não quando lhes é oportuno. É uma questão de obedecer aos instintos. «Tout d'un coup», Tibu assistiu a um revés dos acontecimentos. Os humanos rasgaram a sua capa de inocentes, fracos e imóveis e mostraram-se arrogantes, altivos, fortes e intrépidos. Ao leão, o humano finge dar-lhe uma dentada, libertando-se das garras mortais do rei da selva. Com um salto, pega numa espingarda (a água) e dispara sobre o leão, matando-o instantaneamente. À cobra foi-lhe cortada a cabeça com um golpe de machado de um humano vindo de trás e que apanhou de surpresa o réptil. À pantera, Joka, que supostamente era sua presa, disparou sobre ela com a arma que a mãe lhe tinha dado como presente de aniversário. O animal, depois de muito se contorcer, acabou por morrer. O mesmo sucedeu aos outros animais.

Depois desta luta acesa, em que os humanos tiraram a sua máscara de ingénuos, o cenário era de derrota para as feras e de vitória para os humanos. Uma vitória sangrenta, uma vitória conseguida à custa da máscara e da hipocrisia, mas era uma vitória. A noite caía sobre o jardim e Joka, feliz da vida, propôs: - Vamos para casa, mas amanhã brincamos outra vez, está bem? O acordo foi mútuo e ficou combinado que se reuniriam, à mesma hora, no dia a seguir. Tibu, estupefacto, boquiaberto e

escandalizado também foi para casa. No dia seguinte, a professora continuou a estabelecer diferenças entre os humanos e os animais selvagens e cada vez mais Joka estava convencido de que ser humano é que era bom. Desejoso de voltar à brincadeira, Joka foi para casa, almoçou, fez os T.P.C. e foi para o jardim brincar. Estavam a definir quem seria humano e quem seria animal selvagem e no fim ouviram uma pequena voz: - Também posso brincar com vocês? - Claro Tibu, claro que podes! - disse Joka - E como és o mais novo de todos, podes escolher o que queres ser neste jogo. - Está bem! - disse Tibu contente por ter sido acolhido.

- Queres ser humano ou animal selvagem? – inquiriu Joka. Tibu, no dia anterior, tinha ido para casa a pensar no sucedido e ao que tinha chegado o jogo. Sem hesitar, e para espanto de Joka, respondeu: - Eu quero ser um urso! Z.E. * O FORUMa recebeu de uma leitora este conto. Transcrevemos as palavras que o antecedem: Primeiro , gostaria de vos saudar pelo facto de terem tido a ideia de editar um jornal de letras na Universidade da Madeira, que vem provar que as letras só estão mortas para quem não se interessa por elas.Quando li o jornal da vossa autoria, gostei de ver a preocupação que tiveram em fazer com que todos os departamentos participassem, pois isso é de salutar.

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

O MITO GREGO NA VIDA QUOTIDIANA

António Pimenta. [email protected]

Os antigos gregos adoptaram o mito

como a forma de solucionar e explicar os fenómenos naturais, inexplicáveis para a altura. Assim, o mito surge da multiplicidade dos efeitos, de que o homem antigo deduziu a pluralidade das causas, variando segundo tendências étnicas e caracteres do meio.

Hoje em dia o mito reflecte-se no Ocidente, altamente influenciado pela mitologia greco-latina, através de superstições de sociedades ou regiões em particular , e na vida quotidiana das pessoas em geral. O mito rodeia-nos, absorve a nossa cultura numa tentativa de simplificação do real, ainda que muitas vezes oculto aos olhos do cidadão comum.

É verdade!!! Quem diria que o nome de várias realidades é o demonstrar desta teoria?

A Protea é uma variedade de flores que faz parte de uma antiga família, já presente na época dos dinossauros. Aquando da separação dos continentes, ela espalhou-se pela zona de

clima mediterrâneo do hemisfério sul, como África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, principalmente. Florescem, na natureza em variadas altitudes e micro-climas.

O seu nome deriva do deus grego

Proteu porque estes tesouros da natureza, que variam na sua diversidade em forma, tamanho, cor e textura criando uma família que engloba cerca de 1400 variedades conhecidas, souberam-se metamorfosear consoante as condições climatéricas espaciais o exigiram. O seu nome surgiu como inspiração das várias metamorfoses a que Proteu, deus que apascentava os animais de Posídon, na ilha de Faros – Egipto, tinha recorrido para se ocultar daqueles que o procuravam, pois possuía, também o dom da profecia. Assim, quando não queria revelar o futuro aos mortais, metamorfoseava-se em água, fogo ou em animais variados, com o fim de se furtar às questões terrenas.

Com as Protea, isso não acontece. As suas metamorfoses são o resultado da adaptação ao meio. As várias espécies e subespécies existentes resultam das diferentes condições naturais, onde cada uma cresce. Possuindo eflorescências, na sua maioria, bastante grandes, elas encantam as paisagens bucólicas, numa ressurgência e porte quase divinos. É caso para dizer, a natureza ajusta-se ao mito.

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Gunter Picture, in Encarta.

A TOTALIDADE DE GOETHE

Raquel Pestana

Ainda nas celebrações dos 250 anos do nascimento de Goethe é importante dar a conhecer o seu contributo na literatura alemã e mundial. Nascido em 28 de Agosto de 1749, em Frankfurt am Main, Goethe era filho de um homem de estado. De 1765 a 1768 estudou advocacia em Leipzig, e foi durante este período que Goethe tomou conhecimento dos dramaturgos, escritores e artistas seus contemporâneos. As características que mais marcam o autor são a sua polaridade e acima de tudo a busca pela totalidade. A própria vida de Goethe, para além de ser muito rica, é considerada também uma totalidade: Goethe foi escritor, matemático, cientista, biólogo, estudante de direito, administrador e político em Weimar, entre outras actividades. Esta sua faceta atinge o seu

auge na sua maior e mais importante obra Fausto I e II.

A vida de Goethe é normalmente dividida em quatro fases de trabalho desde a sua juventude até aos últimos dias da sua vida. Goethe teve o seu primeiro contacto com a figura de Fausto aos 4 anos (1753) com um teatro de marionetas. Só mais tarde, aos 21 anos (1770), Goethe teve um contacto mais directo com a figura mítica de Fausto, com a leitura das várias adaptações existentes no seu tempo. Em Janeiro de 1772, Goethe escreveu três cenas do Fausto em prosa, que foram publicadas numa versão chamada Urfaust, ou seja, o “Fausto” original. Estas três cenas foram mais tarde modificadas para verso. Todo este percurso de juventude pertence à primeira fase de trabalho de Goethe.

A segunda fase, é datada de entre 1788 a 1790. Esta fase está marcada pela libertadora viagem a Itália (1786-1788). Para se libertar do carácter autoritário do pai, e de 10 anos de trabalho político-administrativo em Weimar, Goethe fugiu para Itália. Para além de ser uma experiência libertadora, as novas cores, a descoberta de novos lugares, provocaram em Goethe uma explosão de produtividade (alguns anos mais tarde, Goethe escreveu o diário desta viagem). Em 1788-89, o escritor continuou a trabalhar em planos e esboços para a elaboração da sua maior obra, transformando ao longo do tempo muito do que já tinha produzido, até que em 1798 publicou Faust, ein Fragment.

Na sua terceira fase (1797-1803), Goethe privilegiou os contactos com pessoas (enquanto que na segunda fase, foi privilegiado o contacto com a natureza). Conservou uma relação de amizade com Friedrich Schiller durante dez anos, apesar da rígida formalidade entre ambos (nunca se trataram por “tu”). A figura de Schiller foi essencial, na medida que incentivou Goethe a terminar os seus trabalhos. Faust- eine Tragödie (Fausto I) foi publicado em 1808. Goethe continuou a trabalhar no Fausto II, nos actos III e V, e por estas alturas já tinha um projecto para o todo (Fausto I e II).

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

A quarta fase de trabalho de Goethe começou em 1825 e acabou com a sua morte. Em 1828 foi publicado um “fragmento” chamado: Helena, Zwischen Spiel zu Faust. Em 1830 foi acabado o II acto e em 1831 Goethe acabou os actos IV e V. Com a sua maior obra terminada, Goethe não pretendeu a sua publicação imediata. Este selou o seu trabalho como quem deixa um testamento para as gerações vindouras. Além do mais, Goethe através da correspondência com os seus amigos, referia-se a Fausto como uma “querida brincadeira”. O autor sabia que a sua obra iria ser censurada no acto da sua publicação devido à sua grande carga crítica, tanto aos membros da igreja como à sociedade e à política. Goethe morre em 1832. Faust die Tragödie- zweite Teil (1832) e Faust I und II (1834- pela primeira vez as duas partes juntas), foram ambas publicadas postumamente.

Muitos críticos consideram Fausto como uma obra autobiográfica. Não podemos negar as semelhanças evidentes entre a vida do autor e a do herói, mas também não devemos analisar a obra somente como tal. Houve muitos “Faustos” antes e após Goethe (o da Idade Média; o de Lessing; o de Marlow), com certeza o autor foi influenciado pelas várias versões anteriores a si e contemporâneas. Fernando Pessoa, ao escrever o seu Primeiro Fausto, foi também inspirado por Goethe e por autores anteriores a este.

Houve quem dissesse que após a morte de Goethe, a literatura alemã acabou. Comparando com a literatura inglesa, a pouca produtividade dos escritores alemães é evidente. No entanto, figuras que foram destinguidas com prémios Nobel como Thomas Mann e Günter Grass revelam que a realidade não é assim. A literatura alemã tomou outro rumo que não o da inglesa, talvez devido às causas de duas guerras mundiais onde a primeira preocupação era a luta pela sobrevivência. Até hoje a sociedade encontra-se marcada por estes dois conflitos.

Goethe foi acima de tudo um escritor notável, que com um estilo muito peculiar tornou-se o símbolo de uma nação. Membro mais importante do classicismo

(junto com Friedrich von Schiller), Goethe testemunhou e foi importante para outros movimentos literários como o Sturm und Drang e o Romantismo.

SOLIDARIEDADE VIRTUAL

DOAR SEM DOER

Solidariedade, palavra tão dispendiosa:

mais do que uma mão cheia de sílabas, mais do que duas mãos cheias de sons (solidários). Mas quem dela precisa não tem mais do que uma mão aberta, cheia de um nada que poderia ser tudo. Então, não custa nada tecer, em prol destas, algumas frases (palavras, sílabas, sons em solidariedade).

O subtítulo “doar sem doer” provavelmente chocará muitos dos que lerem este artigo. “Desde quando doar dói, se dar é também receber ?”- interrogar-se-ão algumas pessoas. Outras, porém, pensarão que estas não são mais do que meras palavras bonitas. Enganam-se. Como argumento vou confidenciar-vos um episódio a que tive o privilégio de assistir. Há uns dias atrás, ia eu num autocarro a abarrotar de gente, de entre este aglomerado distinguia-se um grupo de jovens “menos mentais”. Na paragem seguinte, entraram muitos idosos e as educadoras apressaram-se

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

a ordenar que dois desses jovens se levantassem. Muito depressa, outra rapariguinha desse mesmo grupo ofereceu-se, com um sorriso do tamanho do mundo, para dar o seu lugar à senhora que estava de pé ao seu lado. A senhora, agradecendo, dispensava tamanho sacrifício. Mas a nossa jovem insistia : “é para dar...é para receber!!”. A senhora, finalmente, aceitou. Logo se esboçou, na cara da jovem, um sorriso que ofuscava as restantes “mentes” cinzentas. “Menos mental”? Talvez. Mais coração, certamente!

Se tivermos em conta que muitos de nós têm a vontade, mas não a possibilidade de dar, mais facilmente se entenderá este “doar sem doer”. A realidade é que, quando se trata de doar dinheiro (eis a parte mais dolorosa), temos que ponderar sempre sobre a quantia, que sendo pouca parece muita, que parecendo muita é pouca. E entre fazê-lo e passar ao gesto trémulo de levar a mão à carteira, já passámos por vários tremores suados e várias dúvidas existenciais. Daí que muitos optem pelo económico “não posso” ou “não tenho troco”. A verdade é que tantos são os que precisam da nossa contribuição que nos parece impossível corresponder aos imensos pedidos de ajuda.

Sabia que, mundialmente, em cada 3.6 segundos morre alguém de fome (www.thehungersite.com), que 1270 crianças morrem, a cada hora, de doenças de

fácil prevenção tal como a malária e o sarampo (www.thechildsurvivalsite.com), que a cada dia que passa 1800 crianças são infectadas com o vírus da SIDA (www.thekidsaidssite.com)? Sabia que está ao seu alcance ajudar a combater este tipo de problemas, bem como muitos outros? Como fazê-lo? Simples. Basta uma mão cheia de vontade e alguns cliques [sem magia (?)]

Afirmar que o futuro passa pela Internet

está, a meu ver, completamente ultrapassado, a Internet é já o presente. A verdade é que nunca estivemos tão próximos e que nunca foi tão fácil apoiarmos causas humanitárias. Esta grande rede, além de um veículo de informação monumental, tem-se revelado um excelente meio para a solidariedade. São inúmeros os sites que se dedicam a campanhas de angariação de donativos e de divulgação de causas humanitárias.

Em Junho de 1999, com o lançamento do The Hunger Site, iniciou-se uma nova era no que concerne à solidariedade “online”. Este foi o primeiro site a usar o sistema de “donativos-clique”, que permite aos cibernautas, com pouco dinheiro e pouco tempo, fazer uma doação sem quaisquer custos pessoais, clicando simplesmente no ícone que os convida a tal, neste caso no “donate free food”. Depois de clicar, surge a página de agradecimento, na qual figuram os ícones publicitários dos patrocinadores do

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

site, que custeiam os donativos, tendo estes se comprometido a pagar uma determinada quantia por cada clique.

Foi um sucesso estrondoso! A notícia da existência deste site espalhou-se como pólvora, graças a milhares de cibernautas que o divulgaram por correio electrónico. Estima-se que desde o seu lançamento cerca de 88 milhões de visitantes deste site já doaram mais de 10 mil toneladas de comida, tal é o poder do activismo “online”.

Depressa floresceram vários projectos

semelhantes. Através do site www.quickdonations.com, qualquer navegador da Internet tem acesso a um leque de aproximadamente 50 sites, que usam o sistema de “donativos-clique”, cobrindo as mais variadas causas. Através deste site pode apoiar instituições empenhadas na luta contra doenças como a SIDA, a leucemia, o cancro e muitas outras causas, como a educação e a defesa dos direitos humanos. A opção é sua.

O mais fascinante é que, através deste tipo de iniciativa, a nossa mão solidária pode chegar a qualquer parte do mundo. Do seu local de trabalho, ou da sua casa, nesta pequena ilha, pode enviar alimentos ou outros tipos de ajuda para países da África subsaariana , para o sudoeste asiático e para a América Latina. Até já é possível, no www.mercycorps.org, dar a sua contribuição

para ajudar a Mercy Corps a prestar auxílio, in loco, às vítimas do terramoto, que abalou recentemente a Índia, nomeadamente através da distribuição de água, cobertores e medicamentos.

Saliente-se, igualmente, o papel do site

português da OIKOS (www.solidariedade.oikos.pt) que, neste

momento, permite aos cibernautas doarem um kit de medicamentos e material médico destinado a assistir, durante um mês, uma das vítimas do sismo que atingiu El Salvador; isto através de um só clique. Se clicar uma vez por dia, durante uma semana (note-se que só é contabilizada uma doação por dia de cada visitante), estará a prestar apoio médico a sete pessoas, uma família.

Além do sistema de “donativos-clique”, através de sites como o www.greatergood.com e

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

www.egenerosity.com, na compra de quaisquer produtos, estará a ajudar causas humanitárias, pois 15% dos seus lucros revertem a favor destas.

Atenção! Este tipo de solidariedade, de virtual só tem o veículo, a Internet. Por detrás das páginas virtuais existem, realmente, pessoas e organizações que realizam, efectivamente, trabalhos louváveis, em prol das suas causas, em prol do Homem, trabalhos que implicam, não raramente, muito esforço e sacrifício. Estes são, no fundo, os intermediários deste processo “virtual”.

A pergunta céptica manifesta-se, quase que involuntariamente: “Como se pode ter certeza de que o dinheiro vai mesmo para o destino anunciado?” A minha resposta é: Eu acredito! E digo mais, se não se dá, ninguém recebe.

Marlene Ribeiro

TRÊS ALUNAS DA UMA. AO ENCONTRO DO “SONHO

AMERICANO”

IDALINA COSTA SYLVIE PESTANA

FLORENCE GOMES

Mascote da Universidade de Brown

Existem oportunidades que só

surgem uma vez na vida… Uma estada na Universidade de Brown, nos Estados Unidos, era certamente uma delas.

Tinhamos grandes expectativas. Imaginávamos que seria uma experiência sem igual, já que nos permitiria verificar, in loco, se a visão idealizada dos europeus por este país correspondia, de facto, à realidade. Permitir-nos-ia, ainda, um aprofundamento dos conhecimentos linguísticos, literários e culturais. Seria, finalmente, uma possibilidade de comparação, ao vivo, entre os nossos

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

métodos de ensino e de estudo com aqueles utilizados nos Estados Unidos. Voávamos rumo a um mundo que nos era desconhecido, um mundo famoso não só pelo seu poder político-económico como pelas múltiplas séries televisivas que nos transmitem todo o seu glamour e carisma.

À medida que nos aproximávamos da terra do Uncle Sam, o nosso coração batia com mais veemência. Novos horizontes nos aguardavam…lá, no outro lado do Atlântico. Parecia que voávamos para outro planeta, ao encontro do ditoso American dream.

Embora ionvadidas pelo calor canicular uma vez for a do aeroporto, vislumbrávamos com olhos curiosos e maravilhados as primeiras paisagens da cidade que nos acolhia: Boston. Com efeito, uma miscelânea de sonho e ansiedade, pisar pela primeira vez esta terra que acolhe povos oriundos de todo o mundo, sentir a chama que outros experimentaram ao chegar ao país da liberdade, era como entrar numa outra dimensão. Era realizar o carpe diem…

Enquanto chegávamos à frente do Main Green, edifício principal da Universidade de Brown, olhávamos com espanto ao nosso redor, contemplando a sua inesperada arquitectura. As Visiting Sholars’ Houses (residências para alunos visitantes), nas quais fomos instaladas, causaram em nós um enorme impacto. Por ser uma das universidades mais conceituada e prestigiada do país, esperávamos certamente um pouco mais de

conforto. Com o passar dos dias, felizmente, habituámo-nos à tremenda mudança e passámos a ver aquele ambiente com olhos mais serenos…rendemo-nos ao encanto do tão célebre mito americano.

Em grupos pares, assitíamos aos diversos seminários que seleccionámos. Suspeitávamos de antemão que o método educativo fosse diferente do europeu, mas a realidade ultrapassou as nossas expectativas. Não apenas fomos surpreendidas pela grande afluência a mega-anfiteatros como também por uma aparente passividade dos alunos que, embora escutassem atentamente a voz do professor, não se coibiam de refrescar, de vez em quando, a garganta ou, para os mais esgotados, após uma noite académica à americana, em tirar uma soneca nos bancos posteriores. No entanto, é de salientar e louvar o facto de o sistema educativo da Brown University se concentrar na pesquisa bibliotecária. Por consequência, este processo permite que os alunos não possuam uma carga horária sobrecarregada, mas, pelo contrário, incentiva-os a se dedicarem à investigação com o intuito de aprofundarem os conhecimentos adquiridos ao longo do ano e a adquirirem uma bagagem cultural mais diversificada. É caso para refrir que a “passividade” acima mencionada é apenas superficial e efémera, uma vez que passam horas a fio com os olhos postos num computador ou mergulados nas linhas e entrelhinhas das obras disponíveis nas diversas bibliotecas do campus. Outra característica particularmente notável que diferencia o ensino

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

americano do nosso é a norma que proporciona seleccionar, sem obrigação, as cadeiras que se pretendem frequentar.

A nossa estada revelou-se efectivamente uma experiência muito enriquecedora. Nem apetecia acordar! Estar nos Estados Unidos, conviver com pessoas do mundo inteiro, conhecer o funcionamento da Brown University, ter acesso a uma vasta gama de informação e de serviços, admirara a beleza que o país oferece…não há palavras para descrever tudo o que sentimos! Numa nação onde “Here was nothing but land…not a country at all but the material out of which countries are made …” (Willa Cather, My Antonia), as fronteiras pareciam não existir, o que se reflecte não só na política e na economia, como ainda na sociedade e na cultura em geral.

Ainda assim, ao chegar aos EUA, qualquer pessoa se apercebe rapidamente que existem muitas diferenças entre o real e o esperado. Embora não seja um paraíso como muitos pensam, é para muitos visitantes um país onde se respira, de facto, o tão prezado American Dream.

Chegara ao fim a nossa estada. Se tinhamos chegado a Providence debaixo de um calor insuportável, era no aconchego das nossas malhas e casacos que partíamos, sentindo já alguma saudade desta cidade que nos acolhera em seu seio.

Voávamos desta vez rumo a um mundo que nos era totalmente familiar. No entanto, embora regressássemos às nossas origens, continuávamos a ser perseguidas por

este American Dream. que deixara ad aeternum marcas inesquecíveis nas profundezas da nossa memória.

Para todos nós, ter feito esta visita de estudo à Brown University e ter conhecido o embriagante encanto dos EUA foi uma experiência única que quisemos partilhar com todos. Ainda assim, tudo isto não teria sido possível sem a participação da própria Universidade de Brown e do Departamento de Estudos Anglo-Germanísticos da UMa, aos quais dirigimos um profundo reconhecimento, assim como a todos os membros envolvidos e, sobretudo, à Universidade da Madeira.

ESPE

RA

MO

S PE

LA

TU

A

ME

NSA

GE

M E

M

FO

RU

MA

@U

MA

.PT

FORUMa

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32