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São Borja Edição 4, 29 de Agosto 2013 A arte na rua

Jornal Matiz

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A edição IV do Matiz traz a reportagem sobre as manifestações que preenchem os muros de São Borja. Nesta edição você também confere a matéria que aborda as contratações de médicos através do Programa Mais Médicos, do governo federal, e a polêmica em torno do assunto.

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São BorjaEdição 4, 29 de Agosto 2013

A arte na rua

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Do erudito ao popular: arte no muroPor Vivian Belochio

A arte é fruto de processo criativo institucionalizado e reconhecido pela sociedade, com regras e padrões estabeleci-dos, ou ultrapassa conceitos fechados? Muitas pessoas costu-mam reconhecer como legítimas apenas as iniciativas da cultu-ra erudita. Seguindo essa linha de pensamento, somente quem tem nível de instrução elevado teria condições de colaborar na constituição de obras que podem ser consideradas como ex-pressões artísticas. Mas como classificar, então, as ações popula-res nesse sentido? As criações que são frutos de iniciativas mais simples não merecem ser classificadas como arte? Se engana quem pensa que aquilo que foge dos padrões naturalizados não pode ser considerado como expressão artísti-ca. É o que fica claro na matéria de destaque da quarta edição do Matiz. O texto salienta como o grafite passou a ser reconhecido como uma forma de arte. Em São Borja, ele enfeita muitos mu-ros da cidade. Atualmente, um concurso de arte no muro está envolvendo alunos das escolas do município. Com isso, os estu-dantes estão aprendendo a diferença entre a pichação, que é um ato de vandalismo, e o grafite, interpretado como uma forma de arte. Além disso, estão desenvolvendo o seu potencial criativo e aplicando o mesmo em benefício da paisagem urbana. O Matiz também traz matéria que aborda as contrata-ções de médicos através do Programa Mais Médicos, do go-verno federal. A polêmica em torno do assunto também gera dúvidas e insatisfação em São Borja. Enquanto algumas pesso-as consideram interessante a abertura de vagas para médicos estrangeiros que tenham interesse em atuar em cidades inte-rioranas, outras desaprovam a medida. O principal temor está relacionado com a queda da qualidade do atendimento aos pa-cientes. No entanto, as opiniões se dividem. O público aponta problemas no sistema de atendimento da cidade que poderiam ser resolvidos com a disponibilidade de maior número de pro-fissionais aptos ao atendimento na rede pública de saúde. Já os profissionais salientam que investir em saúde não é apenas contratar mais médicos, mas sim possibilitar condições de vida adequadas à população de maneira mais abrangente. Resta, a partir de agora, avaliar se as ações que partem do Mais Médicos vão apresentar resultados satisfatórios.

Expediente

Direção: Vivian Belochio. Edição: Vivian Belochio, Tamara Finardi.Repórteres: Rafael Junckes, Julianne Lo-pes.Editores: Caroline Rossasi, Phillip Gripp.Diagramação: Rafael Junckes, Renan Ma-chado Guerra, Tamara Finardi, Tiago Ro-sário.Fotos: Nycolas Ribeiro, Rafael Junckes, Tamara Finardi.Identidade Visual: David Kochann.

Edição IV do Jornal Matiz, produzido para disciplina de Agência de Notícias II, do Curso de Comunicação Social - Ha-bilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja, em parceria com a i4, Agência Experimental de Jornalismo.

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Quem passou pela Rua Aparício Mariense em 9 de janeiro - na altura de duas mansões que parecem re-cortadas de um subúrbio estadunidense - pôde ver, pela primeira vez, um pirata desdentado e de perna de pau. Haviam, ainda, algumas letras indecifráveis em um roxo-azulado vibrante, além da frase escri-ta quase nas entrelinhas: War Collors Crew. A assi-natura em destaque poderia facilitar a pesquisa da origem daquela intervenção: Dekor and Gabi. Quem observou mais atentamente o discreto número de telefone no canto esquerdo poderia enten-der que o muro grafitado era, ao mesmo tempo,

manifestação artística e mídia gratuita.Geovane Teixeira - ou, profissionalmente, Gi-

gio Dekor Wcc - é o santo-angelense de 23 anos, que deixou registrado no muro de um amplo terreno de São Borja o traço estilizado para DEKOR, sua marca. O amigável pirata não era dele. “Ultimamente tenho feito mais letras e minha namorada fica com a par-te dos desenhos/personagens. Assim, nosso trabalho se completa”, teclou em meados de agosto, pelo Face-book. Os 190 quilômetros entre Santo Ângelo e São Borja foram percorridos em janeiro para divulgar o trabalho que iniciou aos 13 anos. O irmão, prevendo

A ARTE ESTÁ NOS MUROSEntre grafite, tintas e piche o que é e o que não é arte nas ruas de São Borja? As manifestações artísticas e as expressões individuais nos muros da cidade.

Muro na rua General Marques, centro de São Borja.

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futuro nos traços feitos no papel, o intimou: ‘ó, pega aí e vê se acrescenta algo nos teus desenhos’. Era uma edição da extinta Revista Graffiti, única edição espe-cializada no assunto do país.

“Não tinha caído a minha ficha que eram dese-nhos feitos em paredes. Eu só achei da hora o que via ali. Entendi que eram letras estilizadas e comecei a copiar algumas pra montar o meu nome também estilizado. Todo mês, eu destinava um dinheirinho pra comprar aquela revista, que era sagrada para mim”. Com o baixo desempenho na escola, o pai de Geovane reuniu todas as edições colecionadas

da Graffiti e fez uma grande fogueira. “Foi a pior decepção da minha vida”.

No início de fevereiro, uma apresentação em uma sala de aula da Universidade Federal do Pampa tinha como tema a discussão sobre a arte. Entre alguns rostos desinteressados e outros um pouco mais aten-tos, os jovens falantes tratavam das várias manifesta-ções artísticas ao longo das décadas. Do funk picante de Valesca Popozuda à quinta sinfonia de Beethoven. Da tradicionalíssima tela de Da Vinci, Mona Lisa, pas-sando pela ousadia de Banksy, até uma foto amadora aleatória de uma rachadura na parede. Tudo pode ser

Foto: Rafael Junckes

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considerado arte. É o contexto, o interlocutor e o ob-servador que julgam o status do material, discorriam. A pergunta que pairava era “o que não é arte, afinal?”.

Joel Guindani é um jovem professor universitá-rio, quase filósofo, formou-se em Rádio e TV e, atual-mente, é doutorando em Comunicação e Informação. Poderia ser confundido com um aluno, coisa típica da universidade. Entre janeiro e maio, em meio ao calor escaldante na fronteira oeste do Rio Grande do Sul e de um calendário tortuoso no pós-greve, Guindani ministrava a disciplina de Comunicação e Arte para alunos do curso de Relações Públicas (RP). A discipli-na serviria tanto para desmistificar o que, afinal, a arte significava, quanto para delinear suas nuances neces-sárias nos processos comunicativos.

“Arte, no conceito geral, é toda manifestação humana que gera sentido, que tenha significado, que seja compreendida por alguém”, disse, em agosto, sen-tado em uma mesa no corredor em frente à sala onde, pouco depois, lecionaria a disciplina de Comunicação e Cultura para uma turma de RP. Para Joel, enquanto definição teórica, a arte encontra dificuldades para se delimitar, pois ela se liga a um campo abstrato sem consenso. “Mas a arte também se relaciona a um ob-jeto, a uma concretude, a uma manifestação. Algo que a gente pode ver, que pode tocar, escutar, sentir. Ou seja, está ligada aos sentidos humanos, à questão em-pírica”.

Os conceitos acadêmicos não passavam pela mente do pai de Geovane quando o ultimado foi dado à coleção de revistas. Depois disso, não houve intimi-dação. As novas edições continuaram a ser compra-das, mas agora ficavam escondidas na mochila. Aos 15 anos, um amigo vindo da capital o apresentou às paredes e aos muros nas ruas e o rapaz começou a dar os primeiros passos na arte.

Na época, o patriarca da família ainda po-deria estar com a razão ao invalidar o interesse do filho. Grafitar era crime previsto no artigo 65 da Lei nº 9.605, de 1998, com pena de três meses a um ano de prisão. O grafite só passou a ser diferencia-do do piche pela Lei nº 12.408, de 25 de maio de 2011 (compreenda melhor as leis no radiojornal i4 Notícias).

Por piche, a lei interpreta como o ato de conspurcar, tornar suja alguma edificação ou mo-numento urbano. O grafite não é considerado cri-me quando a prática é “realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado me-diante manifestação artística, desde que consenti-da pelo proprietário [...]”. Quanto a isso, Geovane garante que sempre está dentro da lei, mesmo com o receio de moradores. “O povo do interior ainda con-

funde com a pichação. Quando eu vou pedir autori-zação de um muro, o pessoal já fica com o pé atrás”.

Ainda assim, são poucas as vezes em que o casal age na “essência” do grafite, como ele diz. Sem identificar o dono de um muro, em geral por aparentar abandono, a arte é feita sem autorização. O grafiteiro busca transmi-tir uma mensagem positiva com o trabalho, intervir na paisagem para motivar um sorriso e um contentamento a quem anda pouco atento ao entorno da cidade. “Às vezes passa alguém e diz: ‘tá ficando bonito!’ Isso já vale o nosso dia, o dinheiro gasto nas tintas, o cansaço e tudo o mais”. A pretenção de Geovane é decorar os espaços onde cria. Pela abreviação Dekor, ele sintetiza uma ação de decoração feita de coração.

Foto: Rafael Junckes

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Grafite na rua Aparício Mariense. Abaixo o casal grafiteiro desenvolvendo o trabalho.Ra

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PICHAÇÃOOU GRAFITE?

Para quem pesquisa, há divergências entre o que se define por pichação e por grafite, mas há quase consenso de que tudo é feito pela comunicação, pelo compartilhamento de uma mensagem. “O que está no muro é um reflexo da sociedade. Quando você tem algo no muro, você tornou isso uma forma de comu-nicação, você o transformou num canal e o que está lá é uma mensagem” garante Fábio Corniani, pes-quisador em folkcomunicação e paulista descolado.

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Durante o expediente e ao som de Elvis, em uma tar-de de agosto, Fábio apontou algumas distinções entre o grafite e a pichação. “O grafite é uma manifestação mais artística, tem técnica, tem ferramentas distintas, tem qualificações. E, dentro da pichação, não se pre-cisa disso, é simplesmente expor uma ideia, que pode ter vários sentidos”.

Corniani evidencia que a percepção que cada indivíduo tem com relação às mensagens é única. “Se você tiver uma sociedade extremamente conservado-ra, vai ser sempre pichação, não adianta”. Mas é um processo de transformação, assim como o grafite em si. Conforme o pesquisador, o grafite, nas configura-ções de hoje, se construiu nos anos 70, em um proces-so de migração da Jamaica para Nova York, nascido no movimento hip-hop. “O problema é que todo esse movimento acabou se diluindo, se perdendo no tem-po. Você não tem mais o mesmo movimento”. Ainda que a essência inicial não seja mais a mesma, Fábio reconhece que todo o trabalho tem a validade artísti-ca, dentro das interpretações individuais de quem faz e de quem observa.

Quem faz geralmente costuma se integrar a um crew. Na linguagem do grafite a palavra em inglês, que soa estranha se linda em nosso idioma, designa a

‘tripulação’, a equipe. O grupo de amigos que, reuni-dos, buscam transmitir uma mensagem baseada em princípios próprios. No caso do War Collors Crew, escrito junto ao pirata da rua Aparício Mariense, os princípios estão baseados na cor, na guerra das cores do crew criado por Gigio.

Para Guindani, a mensagem da pichação en-quanto expressão humana também tem validade, pode ser considerada arte. “A arte como forma do su-jeito demarcar o seu espaço, de produzir sentido para alguém, também tem seu valor na pichação. Às vezes, é uma manifestação muito pontual, muito local, de um grupo muito específico, que entra a questão da violência, da criminalidade, e tudo o mais, que é um outro campo social”.

É nesse ponto que a situação se torna confli-tuosa, quando se depara com os limites regidos pela sociedade e pelas interpretações individuais. De um lado, a arte legítima e manifestada livremente, com a rua como tela do artista. Porém, dentro de uma pers-pectiva educativa, “que a gente tem a cidade por um princípio de normas, que tem uma certa organização, aí sim, há um outro direcionamento para a arte. A arte dentro de um contexto que é regido por normas, por valores sociais que podem dizer: olha, aquilo não é

Geovane Teixeira em foto de arquio pessoal8

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arte. é uma forma de negligenciar uma ordem social”. A lógica perversa apontada por Joel Guindani fica evidente quando se leva em consideração que quem valoriza a arte geralmente são instituições, “ grupos sociais que são apegados a normas e valores. Então é um conflito”.

JOVENS INCENTIVADOS AO GRAFITE

A professora de Língua Portuguesa da rede es-tadual, Susana Sarturi Aquino, é uma mulher loura, bronzeada e falante. Apesar de ser formada em Letras, ao longo da docência sua carga horária foi comple-tada, algumas vezes, pela disciplina de Arte. “O pro-fessor que não é formado especificamente naquela área em que dá aula, tenta trabalhar com os alunos da melhor forma possível”, garantiu, entusiasmada, na rápida conversa na sala da orientação do Colégio Estadual Getúlio Vargas, durante alguns minutos em que se ausentou da aula que lecionava na segunda-fei-ra,19 de agosto.

Em 2011, a professora foi desafiada com a his-tória da arte. Ela acreditava que o estudo de artistas brasileiros e a releitura de suas obras são atividades importantes para a contextualização da disciplina. Mas o desejo era de que os trabalhos de seus alunos “extrapolassem os muros do colégio” e pudessem ser contemplados pela comunidade. Os muros do Getúlio Vargas estavam, em boa parte, cobertos por manifes-tações e mensagens que desagradavam. “A gurizada toda picha os muros, e o nosso colégio sofria com as pichações. Eu não sei se eram os alunos aqui da esco-la, mas eles pichavam”. Susana não acredita no piche como expressão. “Eu acho que não é uma manifesta-ção de um ponto de vista. Eu acho que a maioria das pessoas que faz pichação é pura e simplesmente por vandalismo mesmo”. Defendendo que esse tipo de in-tervenção deva ser realizado com o consentimento do proprietário, ela acredita no grafite e valoriza a ativi-dade.

No desenvolvimento da disciplina, os alunos viram artistas como Tarsila, Di Cavalcanti, e Romero Brito. As releituras que fizeram no papel foram parar no muro da escola em um passo rápido. A adesão de outros professores e de atividades da rotina escolar permitiu que os alunos reproduzissem os trabalhos em todo o entorno da escola. “Eles trouxeram até guarda-chuva pra ficar, pra se proteger um pouco do

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sol [durante o trabalho]”. Quem visita a escola hoje pode se espantar ao saber que as pinturas datam de dois anos atrás. As paredes intactas aparentam sempre trazer tinta fresca.

Um ano depois, o sucesso social do projeto ser-viu de inspiração para uma empresa, que atua como provedor de internet local, lançar sua própria premia-ção. A partir de parcerias com a iniciativa pública e privada, a proposta busca envolver o maior número de escolas do município. Inicialmente, o prêmio de arte no muro não foi visto com bons olhos pelos idea-lizadores do “Arte no Muro” do colégio. Mas, passados os desentendimentos, tudo se resolveu e os projetos continuam.

Eveline Borchhardt é uma simpática artista vi-sual formada pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, cursa uma especialização que trata da imagem, história e memória das Missões na Univer-sidade Federal do Pampa. Eveline palestrou, recen-temente, na Mesa-Redonda “São Borja Missioneira”, que dava encaminhamento à segunda edição do prê-mio Arte no Muro da empresa local. Uma proposta que, para ela, significa transgressão nos rumos da arte em São Borja. “A ideia é revitalizar espaços inertes das ruas, utilizando a arte como ferramenta para incen-tivar a valorização do espaço público. E o tema “São Borja Missioneira” vai de total encontro com o foco do projeto: a conscientização de preservar e valorizar o patrimônio e, principalmente, de conhecer, e talvez se reconhecer dentro da história missioneira de São Borja. Esta história que necessita com urgência mais espaço, reconhecimento e valorização”, destacou, no

retorno do e-mail enviado dois dias antes da realiza-ção da mesa-redonda.

Para Eveline, o grafite é uma das principais ma-nifestações artísticas de hoje, “grandes cidades (capi-tais principalmente) chegam a ser galerias a céu aber-to, porém no interior não se têm muito essa cultura, e muitas vezes é confundido com vandalismo”. Eveline concorda com a fala dos pesquisadores sobre as defini-ções da arte, “é uma questão complexa”. Ela aponta as apropriações de arte de décadas atrás. “O objeto para ser considerado uma Obra de Arte tinha que passar um “Marchand” e ser exposto em uma galeria, aí sim ele ganhava o status de Obra. Hoje o que se percebe é mais uma liberdade nas criações, não se precisa mais de uma galeria para o objeto se tornar Arte. O Grafite representa essa liberdade criativa muito bem, apesar de já terem colocado dentro de galerias (risos)”.

Em Santo Ângelo, o trabalho de Geovane ga-nhou reconhecimento da iniciativa pública. Além do grafite feito por contratos comerciais, o jovem ganha a vida trabalhando na Assistência Social da cidade. Crianças e Adolescentes entre 7 e 18 anos beneficia-dos pelo Bolsa Família podem, duas vezes por sema-na, conhecer a arte do desenho e do grafite nas ofici-nas ministradas pelo artista.

Quanto à bronca entre o pai e o jovem grafitei-ro, “hoje em dia ele aceita totalmente o meu trabalho, ele viu que posso me sustentar com o grafite. Quem sabe ele achou que era só uma brincadeira no começo e graças a Deus ele mudou o pensamento. Hoje em dia quando dá ele me leva até em eventos de grafite em outras cidades do RS”, finaliza.

Foto: Rafael Junckes

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Quanto ao grafite na galeria, na fala de Evenline, um exemplo é o trabalho desenvolvido por Willyams Martins, um artista plástico baiano que quase provocou uma guerra entre os grafiteiros e picha-dores de Salvador. “Coleto frases que as pessoas escrevem em ter-renos baldios, sujeira, refugos, pichações, grafites. Queria remover isso tudo e levar para a galeria, aproximar essas imagens do espec-tador”. Disse, certa vez, em uma entrevista à revista Piauí. Com o trabalho o artista já ganhou até recursos financeiros de uma empre-sa de produtos químicos para fazer a sua arte, enquadrada em mol-duras de madeira, a partir de obras de artistas das ruas. Uma pelí-cula de resina é aplicada sobre o que interessar e duas horas depois é cirurgicamente retirada para ganhar as caras em seus trabalhos.

Veja mais fotos no Flickr da i4

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A vinda do Programa Mais Médicos gera polêmica em diversos âmbitos da sociedade.

Afinal, o que é “saúde”?Foto: Nycolas Ribeiro

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“O Programa Mais Médicos faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuá-rios do Sistema Único de Saúde, que prevê mais inves-timentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência de profissionais”. Este é o primeiro parágrafo de apresentação do Programa Mais Médicos, no seu site oficial. A proposta vem pro-vocando reações diversas em todas as esferas da so-ciedade, que defendem ou condenam essa abordagem proposta pelo governo Dilma para ampliar o atendi-mento da saúde pública do país. Para a representação da categoria de médicos, a Associação Médica Brasi-leira (AMB), o Programa Mais Médicos “não atende as necessidades da população, nem resolve os proble-mas da falta de atendimento”. Essa informação foi di-fundida através de uma cartilha pertencente ao que a AMB chamou de Campanha de Conscientização da Sociedade, que elencava ao menos nove motivos pelos quais a sociedade precisava se manifestar contrária à proposta do governo. A cartilha foi divulgada durante o Encontro Nacional das Entidades Médicas (Enem) Extraordinário, que aconteceu entre os dias 8 e 10 de agosto deste ano, em Brasília. Três dias depois do exame, foi dado por en-cerrado o primeiro mês de seleção do Mais Médicos, confirmando a participação de 1.618 profissionais. De acordo com o portal do Ministério da Saúde, esses profissionais atuarão em 579 municípios brasileiros, além de 18 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). O número é a soma dos seguintes dados: 1.096 médicos com diplomas do Brasil, 358 médicos estrangeiros e 164 médicos brasileiros com graduação no exterior. Esses profissionais, de acordo com o mi-nistério, irão atender cerca de 6,5 milhões de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Mais médicos?

Pela natureza política do programa, que foi instituído pela Medida Provisória 621/13, as manifes-tações por parte da sociedade, seja contra ou a favor, foram grandes. Diversos grupos ou pessoas alegam que o Mais Médicos não oferece melhorias na quali-dade do ambiente de trabalho, o que deveria ser pri-mordial para um atendimento satisfatório. De acordo com o coordenador do Pronto-Atendimento do Hos-pital Ivan Goulart (São Borja-RS), o médico Ademar Paiva, “quando a população pede saúde, o que ela diz? “Eu quero médico”? Isso significa saúde? Não. Saúde significa um conjunto de fatores que vêm da parte de educação, saneamento, medicação, psicólogo, toda uma estrutura funcionando. Não é um médico”. Para

A vinda do Programa Mais Médicos gera polêmica em diversos âmbitos da sociedade.

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ja, foi procurado o secretário Moacir Auzani, respon-sável pela Secretaria de Saúde, que não compareceu em três tentativas de entrevista. Caracterizada como uma cidade de interior, pelo nível populacional e pela distância de grandes centros urbanos, a cidade de São Borja (RS) é um exemplo de município que pode ser privilegiado pelo programa, sobretudo por não possuir um hospital pú-blico. Atualmente, os médicos que atendem na cidade pelo sistema público trabalham nos postos de saúde, que não oferecem, por suas condições pequenas, uma variedade de especialidades e tratamentos, atuando em avaliações gerais e mais comuns. Por ser filantró-pico, o Hospital Ivan Goulart, privado, oferece alguns serviços gratuitos, como a urgência e o pronto-atendi-mento. Usuária dos sistemas gratuitos de saúde, Ro-sana dos Anjos, 20, acredita que é possível melhorar o setor, ressaltando a capacitação dos profissionais no que diz respeito ao atendimento. “Acho sim que o sis-tema de saúde pública pode melhorar. Uma das for-mas, seria ministrar cursos de orientação para o cor-po médico, afim de que estes saibam como proceder no caso de algum paciente necessitar de informações ou orientações. Outra forma que pode ser eficiente é fazer um ciclo de terapia ocupacional periódico com os enfermeiros, para que o estresse do trabalho não

afete seu desempenho profissional nem seu modo de agir com os pacientes e colegas”. Por outro lado, a formação médica do indiví-duo também é motivo de atenção. Para Ademar Paiva, que realizou sua graduação fora do país, existe precon-ceito em relação a isso. “Não é uma coisa hostil. É algo mais maquiado. E existe. Em várias profissões, não só na parte médica”. Isabela Vinhas, 19, terá a mesma experiência de Paiva, pois se preparar para ingressar numa universidade do exterior. “Quando me formar, pretendo, sim, trabalhar na área pública, pois é a área mais necessitada. E como em qualquer profissão, te-mos de dar nosso melhor. Além da falta de médicos há falta de remédios, aparelhos de exames, limpeza, iluminação e infinitas outras coisas!”, comenta a estu-dante. Paiva, por fim, relembra que “não é a faculdade que é melhor, pois é o aluno que faz a faculdade”.

Casos

Em 2011, o paulista Heitor Willian de Lima, hoje com 20 anos, recém-chegado à cidade de São Borja, passou por uma experiência ruim. Heitor saía de um local público à noite, quando ocorreu o aci-dente. “Eu corri numa rua escura, e acabei atingindo a estrutura do teto de um antigo estacionamento de ônibus de um antigo posto abandonado, que caiu após

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fortes chuvas na região”, conta. “Primeiramente, fui socorrido pelos colegas de faculdade. Os mesmo li-garam para o pronto-socorro, solicitando uma ambu-lância do SAMU. Pra nossa surpresa, a atendente do SAMU nos disse que como eu não corria efetivo risco de vida, deveria ‘levantar e ir ao hospital por conta própria’. Alguns minutos após isso, uma ambulância apareceu e me levou até o hospital”. Heitor conta que apesar do “excesso de faixas na cabeça”, o atendimento no hospital Ivan Goulart foi “rápido e direto”. Os resultados da experiência do jovem foram “duas cicatrizes relativamente grandes, uma na cabeça e outra no pescoço. Elas seriam menores e mais dis-cretas, não fossem a grossura das linhas de ponto uti-lizadas”. Heitor conta também que, “atualmente, uma ação tramita na justiça contra os proprietários do es-paço onde eu me acidentei”. Ele finaliza argumentan-do que “não somente em São Borja, mas em todo o país, é hora de questionar a fragilidade e real eficácia desse tipo do atendimento da saúde pública”. Tatiane Bispo conta que há dois meses ela e seu namorado, Victor Borges, que estava com uma infec-ção na garganta, tiveram de esperar mais de três horas no atendimento público do hospital Ivan Goulart sob alegação de que ele era jovem e estava com uma enfer-midade de baixo grau de risco, e outras pessoas teriam mais prioridade. Descontente, o casal seguiu para o

posto de saúde localizado em frente à Praça da Lagoa, onde tiveram de esperar mais uma hora e meia para ocorrer o atendimento. Tatiane relata o ocorrido no hospital: “Chegamos e não tinha quase ninguém. Ele deu o nome, e aí cada vez ia chegando mais gente, e mais gente, e passando a vez dele. Ficamos lá mais de 3h. Ele foi falar com a secretária, porque quando che-gamos não tinha ninguém. Ela disse que só tinha um médico, e ele seria um dos últimos atendidos porque era jovem com apenas dor de garganta”. A jovem tam-bém critica a falta de medicamentos no posto de saú-de, “eles davam o remédio no posto, mas não tinham o remédio pra colocar na injeção. Aí, nós tivemos que ir comprar na farmácia, para eles aplicarem no posto”. A opinião a respeito do Programa Mais Mé-dicos ainda diverge entre a população, sobretudo nas classes envolvidas diretamente com as mudanças que estão por vir. No entanto, todos concordam em apon-tar que a situação da saúde pública no Brasil merece mais atenção e investimento pelo governo. As condi-ções de infraestrutura e os estoques de medicamentos necessitam de um forte investimento para dar vazão à demanda do público que precisa de atendimento de qualidade. Nos próximos meses, com a vinda desses novos médicos para o setor de saúde do interior do Brasil, será possível avaliar o novo panorama da situ-ação.

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