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www.mst.org.br ANO XXX– Nº 317 – JAN/FEV 2012 Só há um caminho para a sociedade brasileira: exigir o veto da Dilma. Página 11 CÓDIGO FLORESTAL Via Campesina Brasil contribui na organização dos agricultores haitianos Página 12 INTERNACIONAL A atual conjuntura dos trabalhadores Sem Terra, debatida com Adelar Pizetta Páginas 4 e 5 ENTREVISTA

Jornal Sem Terra 317

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Jornal Sem Terra 317

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www.ms t . o rg . b r ANO XXX– Nº 317 – JAN/FEV 2012

Só há um caminho para

a sociedade brasileira:

exigir o veto da Dilma.

Página 11

CÓDIGO FLORESTAL

Via Campesina Brasil

contribui na organização

dos agricultores haitianos

Página 12

INTERNACIONAL

A atual conjuntura dos

trabalhadores Sem Terra,

debatida com Adelar Pizetta

Páginas 4 e 5

ENTREVISTA

2 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

EDITORIAL Crise do sistema capitalista é estrutural, de longa duração e mais complexa que a de 1929

Palavra do leitor FRASE DO MÊS

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

Edição: Igor Felippe Santos. Revisão: Joana Tavares, Luiz FelipeAlbuquerque, Vanessa Ramos e Vivan Fernandes. Projeto gráfico ediagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva.Impressão: Atlântica Gráfica e Editora Ltda.. Tiragem: 10 milexemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 –São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0840. Correio eletrônico:[email protected]. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos doJornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo decomunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Mande sua mensagempara o Jornal Sem Terra

Sua participação é muito importante. Ascorrespondências podem ser enviadas [email protected] ou para a Alameda Barão de Limeira,1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. Asopiniões expressas na seção “Palavra do leitor” nãorefletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobreos temas abordados. A equipe do JST pode,eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.Crédito da Foto: Raul Spinassé

SE O PRESENTE É DE LUTA, o fu-turo é nosso! Foram com essas palavrasque se encerrou a Declaração daAssembleia dos Movimentos Sociais, quereuniu mais de 1.500 militantes de todomundo em Porto Alegre (RS), no finalde janeiro. A Assembleia foi a principalatividade organizada pelos movimentossociais durante o Fórum Social Temático.

Mais do que uma simples declaração, oque vemos expresso nesse documento é frutode uma construção coletiva, é um chama-mento para a luta, a partir de uma boa refle-xão sobre o momento em que vivemos. Emtodos os espaços de debate de lutadores so-ciais e analistas de toda parte do mundo,havia um consenso no diagnóstico da crisedo sistema capitalista. É uma crise estruturalde longa duração, mais complexa que a de1929, pois se dá em um momento de intensaglobalização e sob hegemonia do capitalfinanceiro internacional. As consequênciasserão incalculáveis, mas se partirmos do quejá estamos presenciando é possível prevero que virá. Nesse mundo onde habitam maisde 7 bilhões de pessoas, o sistema mantém1 bilhão de famintos. E não é por falta decomida, muito menos por falta de conheci-mentos e técnicas sustentáveis de produção.São as grandes corporações transnacionais

que controlam o conhecimento, os estoques,os preços, os insumos e o que comemos.

A crise ambiental também é fruto daganância do sistema por explorarinconsequentemente os recursos naturaisexistente em nosso planeta. Também éintrínseco ao sistema um exército de reservade desempregados que perambulam todosos dias pelas ruas das cidades do mundointeiro em busca de um posto de trabalho.

As receitas apresentadas pelos princi-pais países da Europa e Estados Unidos,juntamente com suas empresas imperialis-tas, são mais do mesmo: guerras, invasõesmilitares, mercado livre, privatizações,emissões de dólares, pacotes econômicosque são lançados para salvar os bancos eque arrocham os salários, reduzem direitos,aumentam a segregação racial e os saquesaos recursos naturais dos países periféricos.

Todas essas ações geram contradições entresi e o que se percebe é que reações começama aparecer onde menos se esperava. NosEUA já são mais de 40 milhões de famintose sem tetos e a juventude sem esperança deestudar e trabalhar. Para ter acesso aoatendimento de saúde, somente mediantepagamento, pois tudo está privatizado.

Na Europa, países como Grécia eItália viram seus presidentes arrancadosde seus postos e substituídos por pessoasindicadas pelo sistema financeiro. A ondade indignados em todo o mundo começaa crescer e pode se transformar em algomaior. Somos 99% contra 1%. Precisa-mos saber disso e acima de tudo nos juntarpara termos mais força.

Os desafios para a classe trabalhadoranão são poucos, mas as contradições porparte do sistema tendem a aumentar a cadadia e permitem pensar grande, ser ousadoe buscar mais do que nunca a unidade denossa classe e a construção do novo. Nãopodemos permitir que o velho se recupere.

Nesse contexto, devemos priorizarnossas energias para construir o nossoprojeto de superação ao sistema capitalista.Um projeto de transição é fundamentalpara construir as estruturas para uma novasociedade. Não seremos eficazes apenas

com denúncias às mazelas do sistema emque vivemos sem ter algo a propor, semuma alternativa viável da qual possamosnos engajar para torná-la realidade.

As lutas de massas devem ser o fermentopara essa transformação e, se as fizermosarticulados com os povos em luta no mundotodo, teremos mais possibilidades de êxitos.A exemplo do que aconteceu em 2003 -quando nos mobilizamos contra a Guerrano Iraque - lançamos na nossa assembleiaem Porto Alegre um Chamado Global deMobilização contra o Sistema Capitalistano dia 5 de junho de 2012.

Essa atividade também será parte dospreparativos para a Cúpula dos Povos, queserá realizada no Rio de Janeiro emresposta à Conferência das Nações UnidasRio+20, que mais uma vez busca lançarao mundo uma solução para os problemasdos capitalistas, ignorando os dilemas queenfrentamos para o futuro da humanidade.

O grande homenageado de nossaassembleia, o companheiro Egídio Brunetto,um dos grandes motivadores de espaçosunitários, nos inspirou e saímos do encontrocom a sua palavra de ordem: Globalizemosa luta, globalizemos a esperança!

Lutas de massas, o fermento dastransformações sociais

Devemos priorizarnossas energias paraconstruir o nossoprojeto de superaçãoao sistema capitalista

O antagonismoapresentado pela mídiaÉ lamentável como a mídia temveiculado informações sobre oMST, que na verdade não passamde falácias maldosas em relação àsfamílias que fazem parte do MST.Quando a mídia divulga informaçõesdistorcidas e descaradamente difamao MST, está de fato difamando pais

“O MST está sempre aqui nocoração. Fizemos um trabalho juntosbem lindo e esperamos o próximo.Para a galera do MST, estamosligados para qualquer coisa”

MANU CHAO

Cantor e compositor lançou, em 2001,o álbum “Manu Chao - Próxima estacion:

esperanza”. Nele, uma das músicas serefere ao assassinato dos 19

trabalhadores rurais Sem Terra, em 1996,em Eldorado dos Carajás (PA)

e mães de famílias,crianças e idososque compõem este movimento sério.Faço parte do MST e me orgulhode saber que pertenço a ummovimento de caráter, e que jamaisdeixaremos nos levar porcomentários que vêm do setorburguês, que são os meios decomunicação alienados.

NELSON NEDIS SANTOS DE JESUS

A conscientizaçãonas escolasLeciono geografia em escolas particularesde Natal (RN). Durante todos estes anosde sala de aula tento conscientizar os alunossobre a importância da reforma agrária.Gostaria apenas de deixar registrado quetodos nós brasileiros devemos nos orgulharda luta do Movimento.

CLÁUDIO CUSTÓDIO

3JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

ESTUDO Papel dos educadores é contribuir para ampliar o limite de compreensão da realidade

CARLA DOZZI

EDUCADORA POPULAR E EX-MONITORA

DO CENTRO DE EDUCAÇÃO POPULAR DO

INSTITUTO SEDES SAPIENTIA (CEPIS)

A MOBILIZAÇÃO para uma luta políticase dá pelo reconhecimento de situações deopressão e da necessidade de superá-las. Acompreensão crítica de uma situação deopressão é algo maior do que seu meroreconhecimento e, mergulhada em umaintensidade afetiva ética (amor, solidarie-dade, indignação), promove um engaja-mento na luta política como um processopermanente. O avanço dos movimentospopulares e da mobilização por mudançasestruturantes depende, mais do que nunca,da intensificação do trabalho de base. Essaprática deve ser uma constante e estarcalcada em princípios claros, que orientema ação e ajudem a construir caminhos detransformação da realidade.

Princípios são aquilo que não abri-mos mão ao percorrermos a nossa ca-minhada, a partir de uma determinadacompreensão de ser humano, de naturezae de cultura, para a educação popularcrítica. O trabalho de base nem sempreacontece a partir de uma prática de edu-cação popular, mantendo-se, muitasvezes, na esfera da mobilização em tornodesta ou daquela situação, ou mesmo,da agitação e propaganda. Quando

realizado de maneira permanente edialógica, a partir da análise coletiva dascontradições vividas e enraizado emuma práxis libertadora, é capaz deavançar nos caminhos de uma educaçãopopular emancipadora. Para que issoaconteça, é preciso um olhar atentosobre alguns princípios:1-Partir da realidade concreta daqueles

com quem estamos trabalhando. Par-te-se da compreensão de que todos,sem exceção, possuímos diferentes

saberes. A visão de mundo do educan-do - ou seja, como a realidade vividaé interpretada e sentida por ele - éponto de partida da educação popular.Mais do que partir dos fatos em si,interessa-nos, como primeiro passo,a maneira como são compreendidose explicados pelo educando. Dife-rentemente de apenas levar infor-mações à base, é partir do saber aliexistente para reflexão conjunta sobrequalquer informação ou fato. Paramuitos, imersos no pragmatismo,partir da realidade concreta seria algoextremamente ousado.

2-Buscar uma escuta atenta e generosa:aprender a escutar o outro. Não é algoespontâneo, informal. Ao contrário, exi-ge uma postura de desapego e humildadepor parte do educador, para melhor com-preender a visão de mundo do educandoe os limites aí implícitos.

3-Empenhar-se em, de fato, estabelecerum diálogo. Essa prática pressupõeradical horizontalidade na relaçãoentre educador e educando. Quandoas duas partes falam, escutam, em umexercício de humildade e de valoriza-ção do saber do outro e, havendo com-

preensão mútua, podem chegar a umaterceira questão. Muitas vezes falamosmuito. Não somos compreendidos eresponsabilizamos o outro por nãocompreender ou por não agir comoesperávamos (após tanta falação, aação). Para que o diálogo aconteça,precisamos nos comunicar com a visãode mundo do outro. Para Paulo Freire,o diálogo é um ato de amor, é liberta-dor e produtor de conhecimento.

4-Gerar processos de conscientização.Não se trata de transmitir conteúdosa alguém. Parte da compreensão deque somos agentes da mudança darealidade. Exige ação e reflexão so-bre a ação em que nos engajamos.Ou seja, trata-se de um processo depráxis, constante e inacabado.

Contradições

O nosso papel, como educadores, écontribuir para ampliar o limite de com-preensão da realidade apresentado peloeducando e buscar uma intervenção que atransforme, seguido de uma nova refle-xão e aprofundamento da compreensão dovivido. É, portanto, explicitar a contra-

Trabalho de base e educaçãopopular de mãos dadas

dição e atuar sobre ela. Paulo Freire afir-mava que o processo de conscientização ésempre um processo de libertação para oeducador e para o educando. Assim culmi-na, sempre, na produção de conhecimento.

O trabalho de base precisa articularos processos formativos com organiza-tivos, a luta mais ampla com a construçãocotidiana das alternativas, que permitemao povo resistir e seguir em frente. Nessesentido, trabalho de base e educaçãopopular precisam caminhar de mãosdadas. O que nem sempre acontece.

Muitas vezes o trabalho de baseocorre reproduzindo o que Paulo Freiredenominou educação bancária – aquelaem que o anseio de sair “depositandoconteúdos” em “mentes vazias” é maiordo que o reconhecimento de que o outro- aquele em quem queremos despertaro desejo de organização popular econstrução coletiva - traz consigo umsaber repleto de vivências, que o fizerampensar, agir e sentir desta ou daquelamaneira. Na educação popular, somoseducadores e educandos, o tempo todo.Romper com práticas colonizadoras ecomprometer-se com práticas libertáriasé um aprendizado cotidiano.

O processo de conscientização é um processo de libertação para o educador

Trabalho de baseprecisa articular a lutamais ampla com aconstrução cotidiana

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4 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

Processo de debates com acampados e assentados desaguará na realização do 6º Congresso do MSTENTREVISTA

POR IGOR FELIPPE SANTOS E LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE

SETOR DE COMUNICAÇÃO

O EstadoCada sociedade cria o seu próprio Estadode acordo com a sua correlação de forçaspolíticas e econômicas. Logo, a naturezado Estado burguês está subordinada pelaforça que o criou, pela sua classedominante – a burguesia. A principalfunção desse Estado é assegurar epotencializar ainda mais o domínio dessaforça hegemônica. Porém, isso nãosignifica que as classes subalternas sópodem se mobilizar no momento em quemudar a natureza do Estado. É tarefaconstruir uma força política contra-hegemônica que fomente lutas para obterconquistas da classe trabalhadora. Desse

modo, nossa tarefa é compreender que oEstado existe para atender os interessesda classe burguesa e potencializar as lutaspara que as classes subalternas obtenhamconquistas, aproveitando as contradiçõesinternas da classe dominante. Como onosso Movimento luta pela ReformaAgrária, inserido no Estado burguês,nosso desafio é justamente confrontarnossos interesses com a classe dominantepara obter conquistas e transformaçõesque julgamos necessárias.

Mudanças na agriculturaA década de 80 marcou o final de ummodelo de desenvolvimento econômicoque gerou uma sociedade urbano-indus-trial, iniciada em 1930. Nos anos 80, hou-ve um período de estagnação, na chamada

“década perdida”. Nesse modelo, a fun-ção da agricultura era fornecer mãe deobra, matéria-prima e alimentos para umasociedade que estava em processo deindustrialização. Nesse contexto, havia umespaço político para uma Reforma AgráriaClássica nos latifúndios que se mantinhamimprodutivos. Havia até uma legislaçãoprogressista, como a lei sobre a funçãosocial da terra da Constituição Federal de1988, que sustentava a entrada de campo-neses Sem Terra nas terras improdutivas.Com o processo de declínio desse modelode industrialização, o Brasil se incorpo-rou na economia capitalista globalizada,ocupando um espaço na exportação deprodutos primários. Desse modo, as terrasque antes estavam improdutivas - e quepoderiam ser destinadas para a produção

de alimentos e matéria-prima para aindústria e também para a reforma agrária- passam a ser alvo da especulação e doagronegócio, que passa a incluí-las nasua base produtiva de atendimento aomercado internacional. Assim, o Brasilse transformou novamente numa grandeplataforma agroexportadora. Ou seja,além da luta pela democratização da ter-ra, temos que lutar também contra omodelo do agronegócio. Como a Refor-ma Agrária tem como base a produçãode alimentos, esses dois modelos sãoincompatíveis. Desse modo, a nossa lutaperpassa pela mudança do modelo deagricultura do país.

Reforma Agrária PopularAgora, a Reforma Agrária tem outra

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O nosso Movimento está num momento de construção de umprocesso de debates com acampados e assentados, que desaguaráno 6º Congresso do MST, em 2013. Com isso, está colocado odesafio de debater a atual conjuntura da luta dos trabalhadoresSem Terra, o papel do Estado, a luta contra as forçashegemônicas no campo brasileiro, a disputa ideológica e osdesafios da organização na luta pela Reforma Agrária Popular.

“Precisamos avançar em termos de organização da nossa base socialque já conquistou a terra. Temos que trabalhar essa organização emseus três aspectos: econômico, social e político. Porém, não é sóconcentrando forças nas áreas de assentamentos que vamos fazer aluta da Reforma Agrária avançar. Isso implica avançar na consciênciapolítica da nossa base social”, afirma Adelar Pizetta, da CoordenaçãoNacional do MST. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista.

5JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

natureza. Ao propormos outro modelode agricultura, lutamos para que o SemTerra consiga criar condições para umdesenvolvimento mais amplo. Tem queter terra, acesso ao conhecimento científi-co, à pesquisa, uma matriz produtiva queseja compatível com a preservação domeio ambiente, da saúde dos produtorese consumidores. Tem que ter educaçãono meio rural, garantir à população con-dições e acesso às conquistas e benefíciosque a humanidade adquiriu para que nãoprecise sair do campo e ir à cidade parater acesso à informação.Há uma série de condições que fogedaquele modelo capitalista de agricultura,que procura atingir o maior lucro e pro-dutividade possível, sem se preocuparcom as conseqüências geradas aos sereshumanos e o meio ambiente. Queremosmudar a forma de se olhar à agricultura.A prioridade é produzir alimentos, terum desenvolvimento sustentável que nãoagrida o meio ambiente e que tambémpreserve a saúde das pessoas.

Nossos desafiosO cenário político no país mudou. OMST surge no bojo do ascenso das lutassociais, sindicais e políticas que o paísvivia na década de 80. A ditadura agluti-nou as forças políticas e sociais que pe-diam a democratização do país. A bandei-ra da Reforma Agrária sempre estevepresente nessa discussão. Por isso, nasceo MST, o movimento dos Pequenos Agri-cultores e dos atingidos por barragens.A partir da década de 90, houve grandestransformações no Brasil e no mundo.Houve uma crise do mundo socialista e areestruturação do capitalismo em escalaplanetária. Isso afetou a classe trabalhadoraem vários aspectos, que desde então seencontra num período de descenso social.A questão central é como obter conquis-tas neste período. O primeiro passo étermos a capacidade de elaboração teóricae política com uma proposta da classetrabalhadora. Isso significa uma propostade Reforma Agrária Popular, que superaa Reforma Agrária Clássica burguesa.

Novas bandeirasTemos que ver quais são os outros aspectosque interessam aos Sem Terra, além deter acesso a terra. É um desafio da classetrabalhadora, pois somente assim a socie-dade também poderá avaliar o que quere-mos com a luta pela Reforma Agrária. Éum grande desafio aglutinar as forças docampo que estão dispersas. São forçasque, mesmo neste período de descenso,

continuaram atuando, levantando ban-deiras em seus vários aspectos (como asindical e de direitos populares), mas queprecisam caminhar na perspectiva deuma proposta de unidade, junto com umacapacidade de mobilização social querespalde suas propostas.

Diálogo com a sociedadeTemos o desafio da comunicação parafazer com que a sociedade perceba quaissão as bandeiras que defendemos e quaissão as propostas que estão em confronto:a da Reforma Agrária Popular e a doagronegócio. Esse é um dos maiores de-safios que temos, pois no período anteriora sociedade sempre apoiou a ReformaAgrária, em uma espécie de solidariedadepolítica ao Movimento. Agora é precisoque a sociedade perceba que está em jogoo tipo de sociedade, de agricultura e dealimentos que queremos. Para isso, a co-municação com a sociedade é essencial.Não é uma questão fácil, porque umaclasse é dominante porque consegueimpor suas ideias à sociedade. Precisa-mos nos contrapor e passar uma mensa-gem para que a sociedade perceba essesdois projetos de agricultura em disputa. Éum período voltado para acumular forçapolítica e vitórias para a classe trabalhadora,mesmo que sejam vitórias pontuais.

TáticasVamos continuar todas as mobilizaçõesdas mais variadas formas contra o mono-pólio da terra desse país. A luta pela demo-cratização do acesso à propriedade ruralcontinuará, sejam com ocupações, mar-chas, acampamentos nos centros urbanos,manifestações juntos a outras organiza-ções. O mais essencial da luta pela Refor-ma Agrária é o acesso a terra, que conti-nua sendo a prioridade do MST e temosque qualificar essas formas de luta. Po-rém, a Reforma Agrária Popular exige

“Ao propormos outromodelo de agricultura,lutamos para que osSem Terra consigamcriar condições para umdesenvolvimento amplo”

superar desafios mais amplos. Temos queavançar nessa questão do modelo deprodução da agroecologia. Exige queavancemos para ter acesso ao ensino nomeio rural. Não só o escolar, mas aoconhecimento, em geral. Temos quearrancar esse direito do Estado burguês,que limita nosso acesso à informação.

AgroindústriasA luta coloca o desafio de avançarmos naprodução de formas de energia para asrealidades locais. Já há condições tecnoló-gicas objetivas para que as comunidadestenham uma forma diversificada de fontesde energia, sem agredir o meio ambiente,possibilitando autonomia na produção eno consumo de energia. Basta que tenhapolíticas para essa questão. Temos queavançar na questão da agroindústria, levan-

do-as para nossas áreas. Isso possibilita umacúmulo de produção, de riqueza, daquiloque a agricultura pode gerar. Possibilitauma demanda de mão de obra diversificadapara a população do meio rural, para osjovens, filhos de assentados. Cria condi-ções para a aquisição de um conhecimen-to específico, exigido pela agroindústria.Não é só a questão da produção, de agre-gar valor para aquilo que se produz. Étambém um leque de possibilidades paraque a população tenha melhores condi-ções de vida no campo e uma perspectivade ascenso social no meio rural.

Políticas PúblicasSão importantes conquistas da próprialuta da classe trabalhadora e, por isso,trouxeram benefícios, uma valorizaçãoda produção camponesa que não sepode desconsiderar. Mas são muitopoucas se comparadas com as políticasditadas pelo agronegócio.Temos que entender o seguinte: obtemosessas conquistas e a partir delas quenossa luta deve se projetar, ao propornovas políticas para a agriculturabrasileira. Isso passa pela questão definanciamento, de seguro agrícola,assistência técnica, ou seja, querealmente haja uma política do governoque priorize a agricultura familiar, aprodução de alimentos, a preservaçãoambiental, a fixação da população nomeio rural, que assegure os direitossociais a essa população.Desse modo, nos chocamos com oagronegócio. Por exemplo, a políti-ca destinada à Reforma Agrária, queaté agora é marginal, se confrontacom a política do Ministério da Agri-cultura, que são as políticas priori-tárias desse governo.

Fortalecimento danossa organização

Precisamos avançar em termos de or-ganização, da melhor forma possível,da nossa base social que já conquistoua terra. Há todo um trabalho de orga-nização dos assentamentos, que sãodesafios gigantescos, trabalhando emseus três aspectos: econômico, sociale político. Porém, não é porque jáconquistou a terra que o combate pelaReforma Agrária deixa de existir. Nãoé só concentrando forças nas áreas deassentamentos que vamos fazer a lutada Reforma Agrária avançar. Isso im-plica avançar na consciência políticada nossa base social. Se não traba-lharmos com o conjunto dos campo-neses, seja Sem Terra, de pequenosproprietários, assalariados, não serápossível confrontar o modelo do agro-negócio. Temos que continuar traba-lhando nas duas vertentes da nossaorganização: os que já conquistaram aterra e a outra que está desorganizada edispersa. Temos que organizar essa basepara que se mobilize e entre na luta,pois por meio da luta se ganha conhe-cimento e consciência política. As duasquestões caminham juntas. O desafiomaior é saber como chamar essa popula-ção para a luta, para que se reconheçamenquanto classe trabalhadora do campo.Prioridade é ter desenvolvimento sustentável que preserve o ambiente e a saúde das pessoas

Soco

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6 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

ESTADOS “A única saída para os agricultores pobres é a ocupação de terra”

MST participade capacitaçãojurídica

RAFAEL SORIANO

SETOR DE COMUNICAÇÃO

A UNIVERSIDADE Esta-dual de Alagoas (Uneal),junto com diversos movi-

mentos e organizações sociais,iniciaram no mês de janeiro um cursode extensão com o objetivo de formaruma turma de juristas leigos,seguindo metodologias ligadas àeducação popular de Paulo Freire.

A idéia original do curso surgeda necessidade da populaçãotomar conhecimento de seusdireitos e procurar exercê-los.

Para isso, a formação é divididaem duas etapas: a primeira desti-nada aos monitores, ao debateremtemas como sociologia dos movi-mentos sociais, experiências deassessorias jurídicas populares edireitos e garantias fundamentais.

Na sequência, acontece um cursode capacitação jurídica aos repre-sentantes de cada organização po-pular, em cinco módulos semanais.

A aula inaugural contou com aparticipação de 40 educandos dediversas regiões do estado, amaioria militantes do MST.

Para José Roberto Silva, coorde-nador do MST e participante docurso, “as lutas e conquistas ficammais fáceis se os movimentos seapropriarem dos direitos que garan-tem a nossa Constituição.”

O projeto almeja ainda incidir narealidade dos direitos de outros mo-vimentos sociais populares, as-sociações civis, sindicatos, coopera-tivas, lideranças e militantes comuni-tários, grupos sociais e pessoas emsituação de potencial ou efetiva vio-lação de direitos humanos.

SETOR DE COMUNICAÇÃO E CULTURA MST/PR

O ESTADO DO PARANÁinicia o ano de 2012 com maisuma vitória na luta pela terra.

As cerca de 160 famílias acampadas nafazenda Mestiça – ocupada desde setembrode 2007 -, no município Rio Branco doIvaí, centro norte do estado, conquistaramno final do ano passado a área reivindicada.

Agora, esperam as séries de medi-ções e projeções a serem realizadas peloIncra para darem início ao assentamentoEgídio Brunetto, em homenagem aodirigente do MST morto no ano pas-sado num acidente de carro.

O objetivo do Incra é assentar cercade 200 famílias em toda a área, cujosinvestimentos iniciais serão de R$ 50 milpor família, abertura de estradas,habitação, água encanada, energiaelétrica e mais de 500 empregos diretos.

Para Ireno Prochnow, da coordenaçãoestadual do MST, a conquista da área “nãofoi fácil. Este é um espaço que tem umgrande significado de resistência eenfrentamento. Mas a única saída para osagricultores pobres é a ocupação de terra”,observa, ao lembrar que a região contacom cerca de 2.500 agricultores sem terra.

Já o pré-assentado José André deLima, o Pitanga, acredita que “oimportante da conquista dessa área é amotivação que vai dar para outras famíliasentrarem na luta, e a propaganda dasações do próprio Movimento”.

ProduçãoNo pré-assentamento, cada família

toma conta, individualmente, de quatroalqueires de terra, ao produzirem milho,feijão, arroz, mandioca e hortaliça, alémda criação de suíno, avicultura caipira egado leiteiro – principal linha de

produção. O produto é repassado parauma associação de comercialização debeneficiamento de cooperativas.

Coletivamente, são cerca de 10 alquei-res de plantação de mandioca, três alqueiresde arroz, mais três de milho e um de feijão.A comercialização da mandioca é feitacom uma fábrica de farinha, localizada nomunicípio vizinho, Terra Boa.

Internamente, o pré-assentamentopossui um mercado, que comercializa to-do tipo de miudezas (secos e molhados)e uma lanchonete. A verba é destinada àsfinanças do pré-assentamento.

Paraná conquista mais uma área eassentará 200 famílias

Agricultores comemoram mais uma vitória da luta no campo

GLEISA CAMPIGOTTO

O ACESSO à Universidadepelos Movimentos Sociais éresultado de uma luta histórica

pelo direito à educação no país. E a açãoconjunta de camponeses organizados temcomo resultado recente a conquista docurso de licenciatura em História para osMovimentos Sociais do Campo, realizadona Universidade Federal da Paraíba(UFPB), por meio do Pronera.

O curso, realizado em regime dealternância com durabilidade de quatroanos divididos em oito etapas, jáconseguiu formar duas turmas. Aprimeira foi iniciada em 2004, com aTurma Apolônio de Carvalho. Ao darcontinuidade a este processo, foi possívelconquistar a segunda turma, apelidada

Mais uma turma formada no curso de históriaFidel Castro. A turma Fidel Castroafirmou sua posição por uma educaçãocrítica, de qualidade, gratuita e universal,e que sirva de instrumento para formaçãode quadros, para que ao adquiriremhabilidade formal, tenham capacidade deintervir e mudar a realidade apontandonovas formas de sociabilidade.

Assim, o ano de 2011 foi de grandeconquista para o grupo, a começar pelaformatura dos 48 companheiros.Entretanto, também foi um ano degrandes perdas. Em janeiro de 2011,perdemos a companheira Luana (MST/BA). Em dezembro, poucos dias antesda esperada formatura, perdemos Adiltode Souza (MST/PI), o “Píaui”. Destesficam os momentos convividos cheiosde boas lembranças e a certeza que anossa luta continua.

Diversidade

A diversidade foi uma marca destegrupo composto por sete movimentossociais de 15 estados. A festa de formaturateve como simbolismo a celebração demais uma conquista dos movimentossociais com uma grande atividadecultural cheia de atrações regionais.

As duas turmas que realizaram o cursose destacaram sobretudo pelo desempenhoacadêmico. Ambas superaram a médiaescolar das turmas regulares do curso deHistória e demonstraram que os cam-poneses e as camponesas podem contribuirem muito na formação do conhecimento.

A terceira turma de história já foiaprovada pelo Departamento deHistória da UFPB, que se iniciará emagosto de 2012.

7JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

ESTADOS Mais de 5 mil trabalhadores rurais ocuparam 18 prefeituras ao longo do mês de janeiro

MST contribui para o avanço agrícola no Piauí

Jornada pela educação na Bahiagarante conquistas importantesLUIZ FELIPE ALBUQUERQUE

SETOR DE COMUNICAÇÃO

JANEIRO está se tornadoum mês de luta pela edu-cação no estado da Bahia.

Pelo segundo ano consecutivo, o MSTpromoveu a Jornada Estadual emDefesa da Educação dentro dosAssentamentos de Reforma Agrária.

“Não podemos permitir que as aulascomecem nas mesmas condições do anoanterior, por isso tiramos como medidao mês de janeiro para se fazer asocupações nas prefeituras, pois este éum mês significativo, já que antecede oinício das aulas”, pontua EvanildoCosta, da direção estadual do MST.

Os mais de 5 mil trabalhadoresrurais mobilizados ocuparam 18prefeituras ao longo do mês,possibilitando o agendamento com maisde 50 prefeituras para se discutir a

Assentados combinamcafé, árvores nativas efrutíferas no Pontal

VANESSA RAMOS

SETOR DE COMUNICAÇÃO

CERCA DE 50 famílias assentadas na região doPontal do Paranapanema, no extremo Oeste do Estadode São Paulo, estão desenvolvendo um projeto de

plantio de café, árvores nativas e frutíferas.Além de promover o reflorestamento da região, que tem áreas

devastadas pela ação do latifúndio, o projeto pretende capacitaros assentados nesse tipo de plantio, gerar renda para as famíliase fortalecer a consciência ecológica dos camponeses.

“A ideia de plantar café surgiu de uma pesquisaelaborada por alunos do curso de Agronomia do MST. Apartir desse estudo, eles resolveram fazer um projeto deplantio de café”, explicou Felinto Procópio, o Mineirin,integrante da Coordenação Nacional do MST e um doscoordenadores do projeto.

A primeira colheita de café está prevista para 2015. Daplantação das sementes até a primeira colheita significativa decafé são necessários no mínimo três anos. Durante esse período,o cafezal permanece na fase de desenvolvimento.

Esse projeto foi selecionado entre 1.200 inscritos, noPrograma Desenvolvimento e Cidadania, da Petrobras, queapóia os camponeses.

Trabalhadores ocupam a prefeitura de Prado (BA)

situação precária em que as escolas seencontram. Algumas boas conquistas jáforam adquiridas com a jornada. Nocurto prazo, as prefeituras já garantiramviabilizar o básico, como materiais desala de aula, quadros negros para osprofessores, carteiras para os alunos, etc.

Para as reestruturações mais com-plexas, como as questões relaciona-das à infraestrutura, melhoramentodas estradas, construção de salas deaula, o prazo máximo dado peloMovimento para que as obras come-cem a aparecer foi o mês de março.

Caso contrário, as mobilizações emtorno dessa pauta retornarão com amarcha das mulheres e as ações doabril vermelho.

Fechamento de escolas

Desde 2002, mais de 37 mil escolasno campo já foram fechadas em todoo Brasil, segundo dados do censoescolar do Ministério da Educação.Cerca de 22% das escolas fechadasestão na região nordeste.

Para Evanildo, não tem como desas-sociar a luta pela Reforma Agrária compolíticas para educação. “Com a mesmainsistência que fazemos a luta pela terra,também fazemos a luta pela educação,pela saúde, pela moradia. Para que aspessoas, além de ter terra para trabalhar,também tenham cada vez mais dignida-de dentro do processo da luta pela Re-forma Agrária”, explica.

Plantação de uva no assentamento Marrecas (PI)

VANESSA RAMOS

SETOR DE COMUNICAÇÃO

EM MEIO À SECA, com poucas chuvas e sobo sol escaldante do Nordeste brasileiro,trabalhadores rurais do Assentamento Marrecas,

localizado no município de São João do Piauí, garantemuma produção diversificada de frutas que abastecesupermercados, escolas públicas e creches de todo o Piauí.

Dentre os produtos comercializados, estão mandioca,milho, feijão, uva, mamão, goiaba, melancia, ovelhas,cabras e cabritos. Só neste ano, mais de 60 toneladas deuva foram colhidas durante o Festival da Uva, realizadopelo governo do estado entre os dias 13 e 15 de janeiro,na cidade de São João do Piauí. Marrecas é oassentamento mais antigo do MST no Piauí. Cerca de

300 famílias vivem hoje no assentamento, que completa23 anos no dia 10 de junho. Para Antônio de Miranda,da Coordenação Nacional do Setor de Produção doMST, Marrecas representa um marco histórico: aprimeira resistência de luta pela terra na região.

Segundo ele, no início os assentados tiveram muitadificuldade para produzir alimentos em função, sobretu-do, do difícil acesso à água. “Havia muita água, poçojorrando, mas não tinha um projeto de irrigação. A águaacabava não sendo aproveitada,” relembra.

Hoje, o assentamento tem produção agrícola irrigada, semutilização de energia, só por meio da força da natureza. Dentreos alimentos produzidos há uva, milho, feijão, caprino e ovino,tendo um potencial de produção diversificada muito grande.

Experiência

O assentamento é pioneiro na produção de uva no semiáridopiauiense, um projeto desenvolvido em parceria com o governodo estado e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales doSão Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Atualmente, seisfamílias assentadas participam do projeto piloto.

Todos os produtos produzidos no assentamento Marrecassão vendidos para as grandes redes de supermercados da região,principalmente a goiaba. Os agricultores também participamdo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do ProgramaNacional da Merenda Escolar (PNAE), além de feiras locais.

8 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

ESPECIAL Livro retrata pessoas e suas histórias na luta pela terra no Alagoas

“MST Alagoas – nossa Marcha, nossa casa, nossa vida – se propõe a mostrar um pedaço do que somos e queremospara nossos filhos, nossos jovens, nossos pares e para a nossa sociedade alagoana e brasileira, num convite aoabraço que possibilita continuarmos a caminhada”. Essa é a apresentação do livro lançado pela Editora daUniversidade Federal do Alagoas, com fotos de Raul Spinassé e depoimentos de acampados e assentados daReforma Agrária no estado. Confira aqui algumas das belas imagens que compõem a publicação.

Um abraço em imagens

Ser criança é brincar, estudar. Aprender a ler, a escrever, a cuidardo meio ambiente, desde que fez o sem-terra aqui a gente está

aqui. O movimento vive lutando... lutando por terra, casa e depoiseu quero que seja assim, um lugar com um monte de casa, umaescola bem grandona,um campo de futebol com trave de ferro e

terra. A terra pra plantar feijão de corda, milho, banana...

Marconi, 11 anos – AcampamentoRosa Luxemburgo – Girau do Ponciano

Fotos: Raul Spinassé

9JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

Eu tinha um sonho de voltar a minhaorigem, vivemos uns dois anos nobarraco de lona, depois fizemos estesbarraquinhos de taipa, estamos aquicomo pobre, mas na verdade, somosricos... nos sentimos muito feliz comisso, porque através do MST, nósencontramos nossa verdadeirafelicidades, nós temos nossa roça. Nósplantamos milho,feijão, macaxeira,batata. Nós era como um povo que nãotinha, não tinha nada na vida, né? Ehoje, graças a Deus, nós temos tudo.

Seu Augusto, 65 anos – AssentamentoGenivaldo Moura – Delmiro Gouveia

Quando eu crescer, eu quero serdoutor e plantar feijão de corda...

Cauã, 7 anos – Acampamento RosaLuxemburgo – Girau do Ponciano

10 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

As ações devem ser instrumentos para as mulheres compreenderem a gravidade da ofensiva do capitalREALIDADE BRASILEIRA

LOURDES VICENTE

SETOR DE GÊNERO

O DIA 8 DE MARÇO tem se cons-tituído para as Mulheres Sem Terracomo expressão política de suas lutase como espaço de reconhecimento dasua condição de mulher trabalhadora esujeito social de direitos.

Um longo processo de discussão foideterminante para a atual fase organi-zativa. A Campanha Nacional de Docu-mentação para as Mulheres Trabalha-doras Rurais, durante a década de 1990,e a construção coletiva dos acampamen-tos do dia 8 de março, com caráter na-cional e estadual, iniciados no ano2000, produziram um novo sujeito po-lítico no interior do MST, a militânciafeminina e feminista.

Foi marcante também a ação das 2mil mulheres no Rio Grande do Sulno dia 8 de março de 2006, com adestruição de mais de 10 milhões demudas de eucalipto e pinus. O protestochamou a atenção da sociedade e dosparticipantes da 2ª Conferência Mun-dial sobre Reforma Agrária, da Organi-zação das Nações Unidas para a Ali-mentação e a Agricultura (FAO) paraos riscos do chamado “deserto verde”.

Nessa ação, houve uma ruptura dopadrão estabelecido, por ter sido umaação coletiva, organizada e dirigida pormulheres, no enfrentamento de uma dasmaiores empresas transnacionais de pro-dução de eucalipto, a Aracruz Celulose.

Na última década, a luta pela Refor-ma Agrária ganhou um novo caráter,de enfrentamento ao capital estrangeirona agricultura e às empresas transnacio-nais. As Mulheres Sem Terra passarama organizar durante o mês de março, a

O compromisso de luta das mulheres Sem Terracada ano, uma jornada nacional de lutaspor todo o país com o lema “MulheresSem Terra: na Luta por SoberaniaAlimentar e Contra o Agronegócio”.

As ações reúnem mulheres do MSTe da Via Campesina para denunciar omodelo destrutivo do agronegócio parao meio ambiente e a ameaça à soberaniaalimentar. Em contraposição, apresen-tamos o modelo de desenvolvimentobaseado na agroecologia e na defesada terra, águas e sementes, que jamaispodem ser mercantilizados.

Diálogo coma sociedade

A cada ano temos feito a opção portemas importantes que dialoguem coma sociedade, que levantem questõescentrais e fomentem discussões deinteresse coletivo, relacionados à dis-puta pela terra e pelo território, à saúdee aos impactos para o meio ambiente ena vida das mulheres.

Nos últimos anos, têm ganhadoapoio popular as lutas contra os agro-tóxicos, os monocultivos, os transgê-nicos, a violência e pela preservaçãodo meio ambiente (como a campanha

pela manutenção do Código Florestal),que podem ser eixos para as ações desteano. No entanto, cada estado devebuscar formas para contemplar a suarealidade. O tema da violência, porexemplo, faz parte de um processoeducativo, que precisa ser discutidopelas mulheres para que possam en-frentá-lo e combatê-lo.

Em relação à política de alianças,o 8 de março deve se constituir comoespaço de fortalecimento da Via Cam-pesina e de articulação com as mulheresurbanas organizadas. As ações devemdenunciar a violência do agronegócioe dos agrotóxicos mas, fundamental-mente, devem ser instrumentos paraque as mulheres compreendam a gra-vidade da ofensiva do capital. Essesprotestos são formas de nos contraporao processo de globalização da pobre-za, principalmente entre mulheres ecrianças, que se dá pelo apoderamentodas riquezas naturais e do território porempresas transnacionais, bancos einstituições internacionais.

A nossa luta é para que as grandesextensões de terra utilizadas por essasempresas sejam destinadas à ReformaAgrária, para produção de alimentos

saudáveis e para a geração de renda dostrabalhadores rurais, acabando com olatifúndio e garantindo justiça socialno campo brasileiro, formando umabase para a construção da SoberaniaAlimentar. Dessa forma, será possívelgarantir a recuperação e preservaçãoda biodiversidade, matas, florestas,plantas medicinais, sementes crioulas,água, terra, que são patrimônios0 dospovos a serviço da humanidade.

As lutas devem contribuir para aconquista de políticas públicas e efeti-vação de direitos (não concessões epolíticas compensatórias) e para en-frentar o capital, apontando os rumosque o movimento feminista desejaconstruir para a sociedade. Por isso, ajornada de lutas das mulheres cam-ponesas também se coloca comodesafio da construção de formas de vi-ver e produzir, que contribuam para aSoberania Alimentar e preservação dabiodiversidade. As mulheres, assimcomo todos que sonham em construirum outro mundo, precisam assumir ocompromisso de lutar incansavelmentecontra toda e qualquer forma de opres-são e mercantilização da vida, do corpoe dos bens naturais.

O 8 de março deve seconstituir como espaçode fortalecimentoda Via Campesinae de articulaçãocom as mulheresurbanas organizadas

A luta das mulheres produziu um novo sujeito político no interior do MST: a militância feminista

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11JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

O texto do Código Florestal aprovado no Senado continua sendo favorável aos ruralistasREALIDADE BRASILEIRA

LUIZ ZARREF

VIA CAMPESINA

APÓS A VOTAÇÃO do manifesto ruralis-ta, escrito pelo deputado Aldo Rebelo, naCâmara dos Deputados em junho de 2010,o texto de destruição do Código Florestalfoi para o Senado Federal. Em dezembroúltimo, um novo texto foi aprovado noSenado, preparado pelos relatores LuizHenrique (PMDB, ex-governador de SantaCatarina no período em que foi criada alei estadual anti-constitucional, que acabacom o Código Florestal em SC) e porJorge Vianna (PT, ex-governador do Acre,que foi consultor da Aracruz).

Essa nova proposta do Senado trouxevários pontos novos, que atendem a outrosinteresses do grande capital. Entre eles, aliberação de obras para a Copa do Mundo eas Olimpíadas em Áreas de PreservaçãoPermanente (APPs), a permissão de expan-são da devastadora carcinocultura e a mer-cantilização das florestas e dos bens comuns.

Além disso, os pontos centrais deinteresse do agronegócio foram mantidos:a) Anistia todos os desmatamentos em

beiras de rios e nascentes ocorridos atéjulho de 2008, obrigando a recupera-ção de, no máximo, metade das áreasque hoje deviam estar conservadas;

b) Anistia o plantio de lenhosas comoeucalipto e pinus em áreas com in-clinação maior que 45° e topos de mor-ros. Essa anistia é muito diferente dareivindicada pela agriculturacamponesa, que é a manutenção deespécies como maçã, uva e café, quepossuem ciclo muito mais longo;

c) Anistia o desmatamento de ReservaLegal (RL) que ocorreu até 2008 paratodos os imóveis com até quatromódulos fiscais (que varia de 20 a 400

hectares, dependendo da região). Issodesobriga estas propriedades daexigência de preservar 80% da RL nobioma Amazônico e 40% no cerrado.Tudo que o agronegócio exigia.

d) A RL desmatada pode ser recompostacom até 50% de espécies exóticas,aumentando os desertos verdes deeucalipto e pinus. Ou seja, os imóveisrurais que precisam recompor a RLou APPs em encostas, morros e mar-gens de rios, podem replantar com até50% de eucalipto! Algo maravilhosopara as empresas de celulose, poispoderiam até fazer parcerias compequenos e médios proprietários, semter que comprar a terra.

e) Os imóveis que terão que recomporou preservar a RL e/ou APPs pode-riam compensar o desmatamento deuma propriedade em outra fazenda queesteja no mesmo bioma, deixando umaconservada e a outra toda desmatada.Com isso, o que não faltará são falca-truas, como a grilagem de terras públi-cas intocáveis e a averbação de outrasáreas para compensar tudo o que oproprietário desmatou na sua fazenda.

No entanto, a grande novidade notrâmite do Senado, é que, lamentavel-mente, setores do Governo Federal,

principalmente o Ministério da Agricul-tura e o Ministério do Meio Ambiente,trabalharam intensamente para a aprova-ção desse novo texto.

Buscaram construir um suposto con-senso, criando um falso discurso de queo texto do Senado estaria melhor que otexto da Câmara dos Deputados. Comopercebido, isso é uma mentira escanda-losa, que serve para tentar confundir eneutralizar a crescente mobilização socialcontrária à destruição do atual Código.Apesar do empenho do governo e dagrande articulação feita pelo agrone-gócio, a luta popular conseguiu garantiro voto de diversos senadores, comoLindbergh Farias (PT/RJ), CristovamBuarque (PDT/DF), João Capiberibe(PSB/AP), Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) e Marinor Brito (PSOL/PA).

Próximos passos

Agora o projeto voltará para a Câmarados Deputados, onde a votação está mar-cada para os dias 6 e 7 de março. Na Câmara,o texto não poderá receber novas propostas.Os deputados podem apenas aprovar aproposta do Senado integralmente ou vetaralgumas mudanças, retomando parcialmen-te o texto original do projeto aprovado noprimeiro relatório do Aldo Rebelo.

O veto da Presidenta é a única respostaque a sociedade pode exigir

Diante dessa realidade, só há um ca-minho para a sociedade brasileira: exigirda presidenta Dilma Rousseff o veto detoda e qualquer anistia e fragilização dasAPPs e RLs, concentradas no capítulodas Disposições Transitórias. Esse pri-meiro trimestre é o momento de reali-zarmos mobilizações que demonstremque a sociedade brasileira é contra estetexto produzido no Congresso Nacional.

Os movimentos populares, sindicaise socioambientais concentrarão atos nodia 6 de março em diversos estados,mostrando que em todos os cantos dopaís ecoa a resistência à destruiçãoimplementada pelo agronegócio. Nodia 7 de março, para quando está mar-cada a votação, faremos um importanteato em Brasília, repercutindo as mobi-lizações estaduais e cobrando o com-promisso da presidenta de não aprovarum Código Florestal Ruralista.

Para o bem de nossas florestas enossos territórios, VETA DILMA!

O novo Código permite que 50% do que deveria ser reflorestadoseja recomposto com espécies exótcias.

Foi criado um falsodiscurso dizendo

que o texto do Senadoestaria melhor que o

texto da Câmara

Max

da R

ocha

• A possibilidade de recuperar sómetade das áreas que foramdesmatadas em beiras de rios enascentes até junho de 2008.

• A permissão do plantiode lenhosas em áreas cominclinação maior de 45°e topos de morros.

• A desobrigação de recuperaras RLs desmatadas até 2008para todos os imóveis com atéquatro módulos fiscais.

• A autorização das RLs e APPsserem recompostas com até50% de espécies exóticas, oque aumentaria os desertosverdes de eucalipto e pinus.

• A possibilidade de recuperarou preservar a RL e/ou a APPem outra propriedadede um mesmo bioma.

• Não permitir a regularizaçãoda expansão da carcinoculturanos mangues.

O que a presidenta

Dilma tem que vetar

12 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

Ação com movimentos camponeses contribui no reflorestamento e na produção de sementesINTERNACIONAL

Jornal Sem Terra - Quais as atividadesda brigada no Haiti?

DM/JLP- Nosso trabalho é diretamentecom os movimentos camponeses e estácentrado em quatro frentes. A primeiraé a produção de sementes de grãos ehortaliças. Estão sendo construídos seiscentros de produção de sementes, envol-vendo 150 famílias. O objetivo é garantirque os camponeses tenham suas própriassementes, já que 100% das sementes dehortaliças são importadas dos EstadosUnidos e as sementes de grãos não têmboa qualidade. Também estamos contri-buindo com o movimento camponês TetKole (Cabeças Unidas) na construção doCentro Nacional de Formação e Agroe-cologia, onde ajudamos na estruturaçãode diversas atividades, como a constru-ção das cercas, instalação da produçãode cabritos e frangos, sistema de ir-rigação, além da formação e capacitaçãojunto aos camponeses.

JST- O que mais vocêsestão desenvolvendo?

DM/JLP- Outra ação importante dabrigada é o reflorestamento. O Haiti temum sério problema ambiental. Existeapenas 3% de cobertura vegetal origi

nária, já que a principal fonte energéticaé o carvão. Assim trabalhamos em quatromunicípios na implantação de viveirosde árvores frutíferas e lenhosas. A quartafrente é a Escola Técnica de Agroeco-logia, junto com a articulação Kat JeKontre (Quatro olhos que se encontram),que é a Via Campesina do Haiti, paraformação e capacitação de nível médiopara jovens. Temos também a contribui-ção voluntária dos médicos da Via Cam-pesina que estudaram em Cuba. Alémdisso, há dois grandes programas em pro-cesso de articulação: produção de leitepara a merenda escolar, em parceria dogoverno brasileiro com o Haiti; e a estru-turação dos camponeses com ferramen-tas, moinhos e cisternas de captação deágua, a partir do apoio da Petrobras.

JST - Quais as principais dificuldadesda agricultura no Haiti?

DM/JLP- Assim como no Brasil, noHaiti nunca houve uma verdadeiraReforma Agrária. Nesse sentido, aquestão da terra é um grave problema.A entrada de produtos subsidiados dospaíses desenvolvidos impôs uma série dedificuldades para os camponeses. Naszonas rurais não há energia elétrica, águaencanada, nem rodovias asfaltadas. Aprática agrícola ainda é muito simples,em geral com ferramentas manuais,pouquíssimo uso de adubo químico eveneno. No entanto, apesar das imensas

dificuldades que a agricultura camponesavive, ela contribui em grande medidano abastecimento nacional de alimentos.

JST- Como vocês avaliam a Missão dasNações Unidas para a Estabilização doHaiti (Minustah), sob coordenação doExército Brasileiro, que vai completarsete anos de ocupação?

DM/JLP- A brigada busca entender osentimento do povo haitiano. Um povodeve ser soberano nas grandes decisõesdo seu país. De 2004 a 2006 o país defato viveu momentos de grandes tensõese talvez naquela ocasião justificasse al-gum tipo de ação internacional. Mas hojea população haitiana, no geral, não estásatisfeita com a presença das tropas.Houve casos de violação às mulheres ejovens. Foi comprovado que a cóleraque afetou o país, matando mais de setemil pessoas, veio das bases da Minustah.O país não está em guerra para receberuma “força de paz”. Os gastos chegama US$ 800 milhões anuais, que não seconvertem em quase nada na resoluçãodos problemas estruturais do país.

JST- Passados dois anos doterremoto de 12 de janeiro de 2010,como está a reconstrução do país?

DM/JLP- O Haiti mereceria umareconstrução antes mesmo do terremoto,por causa da precária situação em que se

encontrava. O terremoto agravou umasituação que já era crítica. Logo depoisdo terremoto, muitas promessas foramfeitas e as cifras de recursos eramgigantescas (cerca de US$ 9 bilhões).Mas o que vemos hoje é o Haitinovamente abandonado: não foramcumpridas as promessas. Muitas ONG’sentraram no país pós-terremoto, masfocaram o trabalho em ações imediatas,como a doação de tendas, alimentos eatendimento médico. Ações nesse sentidosão importantes para o atendimento pós-tragédia. Entretanto, é fundamentaldesenvolver ações estruturais que ajudemo povo a sair da condição de miséria.

JST- Por que aumentou a migração dehaitianos para o Brasil?

DM/JLP- O fenômeno da migração seacentuou com o terremoto, mas existehá bastante tempo. O Haiti tem uma po-pulação de 9,5 milhões de pessoas viven-

do no país e mais dois milhões vivendonos Estados Unidos. Um dado preocu-pante é que 1/3 das riquezas do país vemde recursos dos familiares que vivem forada ilha. A situação econômica é muitograve. O índice de desemprego é elevadís-simo, por isso muitos querem sair. Muitoshaitianos estão escolhendo o Brasilporque há uma forte presença brasileirano Haiti. No imaginário popular, há aideia de que no Brasil a situação está boa.Além disso, o haitiano é fanático porfutebol e a maioria da população torcepelo Brasil. Ou seja, o povo haitiano temum carinho especial pelo Brasil e aimigração tende a aumentar.

Brigada da Via Campesina no Haiticompleta três anosTHALLES GOMES

BRIGADA DE AUDIOVISUAL DA VIA CAMPESINA

A Brigada Internacionalista da ViaCampesina Brasil está presente no Haitidesde janeiro de 2009. Mais de 30 mili-tantes de distintos estados e movimen-tos sociais já fizeram parte da equipe,atualmente formada por 10 pessoas. Abrigada recebeu o nome de Jean-Jac-ques Dessalines, um dos heróis da revo-lução haitiana que conquistou a inde-pendência do país em 1804. Abaixo,leia entrevista concedida por correioeletrônico pelos brigadistas DayanaMezzonato e José Luis Patrola.

Brigadistas estudando a língua local, o Kreyòl, no Centro de Formação Tirivye

“O fenômeno damigração se acentuoucom o terremoto, mas

existe há bastante tempo.O índice de desempregoé elevadíssimo, por isso

muitos querem sair”

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13JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

Salvadorenho foi um revolucionário empenhado em transformar a realidade de Nossa AméricaLUTADORES DO POVO

ROBERTO CANÃS

MEMBRO HISTÓRICO DA FRENTE NACIONAL

FARABUNDO MARTI (FNFM) E RESPONSÁVEL

PELOS ACORDOS DE PAZ EM EL SALVADOR

OITENTA ANOS ATRÁS, no dia1º de fevereiro de 1932, Agustin Fara-bundo Martí, salvadorenho, lutadorincansável, dirigente internacionalista,morreu fuzilado. Foi uma das figurasrevolucionárias empenhadas em trans-formar a realidade de Nossa Américano século 20. Em 1925, fundou o Par-tido Comunista da América Central,ocupando o cargo de secretário do exte-rior. E começou uma incursão no Mé-xico para conhecer de perto a realidadeda revolução agrária pós 1910.

Em 1928, foi a Nova York, ondeentrou em contato com a direção cen-tral da Liga Antiimperialista das Amé-ricas, em uma assembleia onde se dis-cutia a situação e a participação soli-dária da organização com o povo deNicarágua. Enquanto representante daLiga, se ofereceu para ir combater ainvasão estadunidense sobre a Nicará-gua, ao lado de Augusto César Sandino.

Em uma convenção de trabalhado-res, que acontecia em El Salvador, ogeneral Carlos M. Quezada, do EstadoMaior do Exército de Sandino, deu seutestemunho do papel de Farabundo nabrigada que lutou na Nicarágua. Eleparticipou de ações armadas e chegourapidamente a ser secretário do grandepatriota nicaraguense.

O lutador salvadorenho ajudouSandino, o “General dos Homens Li-vres”, no desenvolvimento das relaçõesinternacionalistas do movimento san-dinista. Conseguiu despertar e mantera atenção de vários governos do mundosobre a luta desigual travada por herói-

cos combatentes contra o poder estadu-nidense. Por sua importante participa-ção no movimento, alcançou o grau decoronel do Exército Defensor da Sobe-rania Nacional de Nicarágua.

De volta às origens

Em meados de 1930, Farabundoregressou a El Salvador com a qua-lidade de representante do SocorroVermelho Internacional (SRI) no setorde organização. Com a sua presença,o movimento mundial de solidarie-dade revolucionária e de ajuda às víti-mas da reação nacional e internacionalobteve um grande impulso, adquirin-do entre as massas salvadorenhasmuito prestígio e força.

Como Secretário do Comitê Execu-tivo do SRI seção de El Salvador, che-gou a ser em um curto espaço de tempoa figura central na luta popular e daclasse operária organizada pelo PartidoComunista e pela Federação Regionalde Trabalhadores de El Salvador.

No final de 1930, foi capturado edeportado. Nenhum dos governosreacionários da região o admitia emseus países. Ao escapar do Porto deCorinto da Nicarágua retornou a ElSalvador em fevereiro de 1931. Foidetido no princípio de abril pela

polícia, já sob a acusação de ser umagitador comunista.

Farabundo foi perseguido pela políciae, na noite de 19 de janeiro, capturado.À meia noite do dia 22 de janeiro de1932, explodiu uma insurreição dosindígenas e milhares de camponesesarmados com fuzis e foices ocuparamvários povoados no interior do país. Adominação e repressão dos indígenas nopaís se converteu em um dos genocídiosmais graves da história da AméricaLatina, com mais de 30 mil mortos.

No dia 30 de janeiro, julgaram Fa-rabundo. Instalou-se um conselho deguerra que o condenou a morrer fuzila-dos no Cemitério Geral de San Salva-dor, junto com os líderes estudantisAlfonso Calderán e Mario Zapata.

Em nome de seus companheiros,Farabundo pediu que seus olhos nãofossem vendados e que fosse fuzilado defrente, com disparos no peito. No últimoinstante - e quase ao mesmo tempo davoz da ordem do oficial que dirigia opelotão - gritou com firmeza: “Viva oSocorro Vermelho Internacional”.

Farabundo foi um autêntico interna-cionalista e hoje vive na luta do povosalvadorenho. Revolucionário inques-tionável, herói da Pátria Grande, salva-dorenho, centro-americano, latino-ame-ricano, caribenho. É um dos grandeslutadores junto com Sandino, Che, Bo-lívar, Martí, Morazán, Artigas e muitosoutros. Como bem disse o poeta cubanoSílvio Rodrigues: “Y colosal se eleva yborda mil estrellas Farabundo”

Farabundo Martí, um autênticointernacionalista

Lutador participou deações armadas naNicarágua e chegou a sersecretário de Sandino

Farabundo (sentado à direita) com o Estado Maior do general Sandino (centro)

“Y colosal se eleva yborda mil estrellas

Farabundo”POETA CUBANO SÍLVIO RODRIGUES

Antes de ser fuzilado, Farabundo gritou em defesa da luta

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14 JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

Sua poesia nasceu com a militância e intrinsecamente faz parte da sua vida políticaLITERATURA

ANDREA BATISTA

SETOR DE FORMAÇÃO

A ESCRITORA Gioconda Belli nasceuem 9 de dezembro de 1948 em Maná-gua, na Nicarágua, um país de vulcões eflores, de revolução e contra-revolução.Filha de empresário, foi educada paraassumir o papel de esposa e mãe, masbuscou incansavelmente vivenciar umavida de plenitude, uma vida tambémpública, política e de independência.

Na década de 70, atuou na FrenteSandinista de Libertação Nacional(FSLN) contra a ditadura de AnastácioSomoza. Inicialmente como colabora-dora clandestina e, mais tarde, comoativista da resistência. Após a publica-ção de sua segunda obra, “La Grama”,

a repressão e perseguição provocaram,em 1975, seu exílio no México e CostaRica. Com a derrubada de Somoza e otriunfo sandinista em 19 de julho de1979, Gioconda retornou ao seu país,contribuindo em diversas funçõespolíticas do governo revolucionário. Em1990, o Partido Sandinista sofreu umaderrota eleitoral por Violeta Chamorro,apoiada pelos Estados Unidos.

A sua poesia nasceu com sua mili-tância e intrinsecamente faz parte da suavida política. É considerada hoje umadas escritoras centro-americanas maisconhecidas por sua obra literária, quebusca expressar a luta feminista noâmbito da transformação revolucionária.

O primeiro romance, escrito em1988, foi “A Mulher Habitada”, que

Diga-me

Diga-meDiga-me que não me conformas nunca,nem me darás a felicidade daresignação,mas a felicidade que dói dos eleitos,Os que podem abarcar o mar e o céucom seus olhose levar o Universo dentrode seus corpos:E eu te vestirei com lamae te darei de comer terraPara que conheças o sabordo ventre do mundo.Escreverei sobre teu corpoa letra de meus poemasPara que sinta em ti a dor do parto.Virás comigo: Faremosum rito de amor

Greve

Quero uma greve ondevamos todos (…)Quero uma greve grandeQue até o amor alcance (...)Uma greve de olhos,de mãos e de beijos.Uma greve onde respirarnão seja permitido.Uma greve onde nasça o silêncioPara ouvir os passos do tiranoque vai embora.

“(...) Fui parte, artífice etestemunha da realização de grandesfaçanhas.

Vivi a gestação e o parto dacriatura iluminada pela carne e pelosangue

de todo um povo. Vi multidõescelebrar o final de quarenta e cinco

anos de ditadura. Experimentei asenergias enormes que se desatam

quando alguém se atreve atranscender o medo, o instinto desobrevivência,

por um objetivo que transcende oindividual. Chorei muito, mas sorri muito

também. Soube das alegrias deabandonar o Eu e abraçar o Nós.

Nestes dias em que é tão fácil cairno cinismo, descrer em tudo, descartar

os sonhos antes de que tenham aoportunidade de crescer asas, escrevo

estas memórias em defesa dessafelicidade pela qual a vida e até amorte valem a pena”

O País debaixo de minha Pele

Gioconda Belli: A mulher habitada

Sobre a Grama (1972)Linha de Fogo (1978)Trovões e Arco Íris (1982)Amor Insurgente (1985)Da Costela de Eva (1987)A Mulher Habitada (1988)Sofia dos Presságios (1990)O Olho da Mulher. Poesia Reunida (1990)A oficina das Mariposas (1992)Waslala (1996)Apogeu (1997)O país debaixo de minha pele (2001)Minha íntima multidão (2003)O pergaminho da sedução (2005)O infinito na palma da mão (2008/2009)Gioconda Belli. Antologia Pessoal (2010)O país das Mulheres (2010)Escandalo de mel (2011)

Conheça mais obras da autora

“(...) O homem que me ameDeverá amar o povoNão como uma abstrata palavraTirada da manga,Mas como algo real, concreto (...)”.

Regras do jogo para os Homens que

querem amar as mulheres

retrata as inquietações de duas mulheresque questionam profundamente o papelque lhes foi designado historicamente.Escreveu, entre outras obras, “Sofía dosPresságios” e “Waslala”. A obra “O PaísDebaixo de Minha Pele, Memórias deAmor e Guerra” é uma autobiografiaescrita em 2001. A autora revela as maisíntimas inquietudes da luta feminista nocontexto da Revolução Nicaraguense.Seus mais recentes livros são “O Paísdas Mulheres” (2010), que trata de ummundo governado por mulheres, e“Escândalo de Mel” (2011).

Gioconda Belli é hoje mãe de quatrofilhos (Adriana, Camilo, Melissa, Ma-ryam) e casada com um produtor de ci-nema, Charles Castaldi, dividindo seutempo entre Manágua e Los Angeles.

E uma explosão de cadaum de nossos atos.Não haverá paredesque nos encurralem,Nem teto sobre nossas cabeças.Esqueceremos a palavraE teremos nossa própriaforma de entender-nos;nem os dias, nem as horaspoderão pegar-nosPorque estaremos escondidosdo tempo na névoa.Crescerão as cidades,se estenderá a humanidade,invadindo-o todo;Nós dois seremos eternos,porque sempre haverá um lugarno mundo que nos cubraE um pedaço de terraque nos alimente.

Repr

oduç

Quadro da argentina Edith, pintado sob a inspiração de Gioconda

15JORNAL SEM TERRA • JAN/FEV 2012

Para não esquecerFevereiro

03 Nascimento de Camilo Torres.

O padre colombiano se envolveu

ativamente na luta do seu povo,

sendo expulso da Igreja após

fundar o movimento político

Frente Unida. Atuou na guerrilha e

tombou no enfrentamento com

forças reacionárias, 1929

05 Nascimento de Henfil.

Cartunista e militante contra a

ditadura, deixou um legado de

obras críticas para pensar o Brasil

e lutar contra a opressão, 1944

“Nosotros iremos hacia elsol de la libertad o hacia lamuerte; y si morimos, nuestracausa seguirá viviendo.Otros nos seguirán”(Nós iremos até o sol da liberdade ou até amorte; e se morrermos, nossa causaserguirá vivendo. Outros nos seguirão”)

09 Nascimento de Apolonio deCarvalho. (confira contra-capadesta edição), 1912

10 Nascimento de Bertold Brecht, 1898

11 Nascimento de Caio Prado Jr, 1907

12 Nascimento de Olga Benário, 1908

16 Nascimento de Francisco Julião,advogado e líder das LigasCamponesas, 1915

21 Assassinato do revolucionárionicaraguense Augusto CesarSandino, 1934

21 Assassinato de Malcom X, lídernegro estadunidense, 1965

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A Unidos da Lona Preta é a escolade samba do MST, que realiza seusensaios e desfiles em São Paulo. Todosos anos reúne crianças, adultos, idosos,homens e mulheres, acampados,assentados, militantes e amigos parafazer um carnaval diferente, onde oestudo da nossa realidade, a diversão ea cultura de nosso povo se encontram.

O samba-enredo deste ano é umahomenagem a todos aqueles e aquelasque cotidianamente batalham pelo

Arte engajada nos muraisMorreu no dia 28 de dezembro do ano passado, aos

84 anos, o artista plástico Mário Gruber. Ele sofria deum câncer e estava internado numa clínica geriátricaem Cotia, na Grande São Paulo.

Nascido em Santos (SP), em 1927, Gruber foi pintor,gravador, escultor e muralista. Estudou na Escola de BelasArtes de São Paulo, e passou a pintar em praça pública. Elefoi premiado na célebre exposição “19 Pintores” em 1947,época em que começou a trabalhar com Di Cavalcanti e foimorar em Paris, onde ingressou como bolsista na EscolaSuperior de Belas Artes e conheceu Candido Portinari.

Depois de conhecer o artista mexicano Diego Riveradurante uma passagem pelo Chile, Gruber também sededicou a fazer murais e obras públicas, chegando ater trabalhos instalados na praça da Sé, no Memorialda América Latina e no aeroporto de Guarulhos.

Em 1982, foi homenageado com o curta-metragem A ArteFantástica de Mário Gruber, de Nelson Pereira dos Santos.Em 2010, recebeu a Ordem de Mérito Cultural do GovernoFederal, a mais alta honra do setor artístico no País.

Mario Gruber sempre propôs uma arte para o povo, e suaobra mais famosa “Assim como sempre, o amanhã está emnossas mãos” (um mural gigante, de 50 metros quadradosque fica na estação Sé do Metrô, em São Paulo), teve comoobjetivo levar o público a refletir sobre a sua origem e a suahistória. O mural traz imagens de homens brancos, negros eíndios, além de correntes, engrenagens e armaduras,representando a construção da identidade paulistana e brasileira.Um revólver que aparece em destaque foi incluído como protestocontra a violência da época do regime militar.

“Infelizmente, o brasileiro ainda vivencia a violência,mesmo com democracia. Colocaria de novo a arma nomural, se o fizesse hoje.”

nosso Movimento. Aos companheirose companheiras que plantam, colhem,suam no campo e na cidade, nasmarchas e panfletagens.

Estes e estas são o tema deste ano,ou seja, TODOS NÓS, que nãodesistimos diante das dificuldades eseguimos firmes e fortes. Cabeçaerguida, dignidade inabalável. Se opresente é de luta, o futuro é nosso.

Confira o samba-enredo da Unidosna página do MST!

Música e poesia daReforma Agrária Popular“Ocupar, resistir, produzirna nossa mãe terraEspalhar uma sementede luta, não de guerra”

Em São Paulo, mais uma conquista no campoda cultura. Ficou pronto o primeiro Cd do grupoVeneno H2, intitulado Militante da Terra.Formado por John Muller Souza, Carlos CesarZuin e Paulo Eduardo Pinheiro - assentados naregião de Ribeirão Preto -, há seis anos o grupovem se aprimorando em suas composições,manifestando por meio de suas letras uma visãosobre a realidade social e o compromisso coma luta na busca pela liberdade.

Durante sua trajetória, o Veneno H2 temparticipado ativamente da luta pela ReformaAgrária Popular, contribuindo sobretudo comações de Agitação e Propaganda, atravésda música e intervenções de artes visuais,no diálogo com a sociedade – principalmentecom a juventude.

O Cd pode ser encomendado por correioeletrônico, no endereço [email protected](assunto: Militante da Terra).

“... E fez-se a luta: uma homenagema toda companheirada”

IMPRESSO

Alameda Barão de Limeira, 1232 -Campos Elíseos

CEP 01202-002 - São Paulo/SP

ASSINATURA ANUAL: R$ 30,00

“Queremos um mundonão apenas melhor, masum mundo mais jovem,mais cheio de criatividade,de abnegação, paz, justiça,relações humanas amplase puras. O ideal de umasociedade nova, na qual secorrigiriam paulatinamenteas injustiças e crueldades,projetando o ideal emum horizonte de maisigualdade, fraternidadee solidariedade”

Apolônio de Carvalho