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Jornal Vaia edição 20

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Todo gênio de Aldir Blanc é um reflexo do amor. Só o amor desperta a generosidade de não caber-se em si. Amor pelas pessoas, amor por sua terra, amor pela música, pela poesia, pela arte. Não um amor condescendente, tímido ou deslumbrado. Um amor de olhar atento. Crítico. Autocrítico. Consciente. Que abrange a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o Brasil, o mundo (real & mítico). Amor que vasculha no querer, no jeito de gostar da gente e está sempre pronto a nos encantar, comover, redimir. Amor que se compadece, mas que vigia, protege e não se acovarda. Que põe o homenzarrão com olhos úmidos frente à crueza do mundo. Às mazelas sociais, desmandos e injustiças. Que torna cronista da vida um homem afeito à alegria, à graça feminina, ao samba, ao carnaval, ao futebol. Não é difícil elogiar Aldir Blanc até às raias do pedantismo, no qual incorro sem mínima vergonha. Grande compositor, letrista, poeta, músico, cronista e acadêmico dos botequins, Aldir Blanc é acima de tudo um cidadão brasileiro de sobrenome "carioca da gema". A acrescentar quero dizer a ele: - Pelo prazer da descoberta da música “ B i j u t e r i a s ” , p e l o s u b s e q u ë n t e alumbramento que tua obra despertou naquele guri de nove anos, te agradeço. Aldir Blanc, obrigado e saravá!

ALEXANDRE FLOREZ [email protected]

Movido pela curiosidade, busquei outras canções assinadas por Aldir e João e assim topei com o LP "Tiro de Misericórdia". Foi um tiro no ouvido o que escutei, mesmo sem possuir o alcance naquele momento para compreender a importância, abrangência e significado exato do que ouvia. Eram crônicas musicadas, poemas; muita informação. Relatos de um momento histórico do país, ou flagrantes do universo carioca. Tudo me agradava muito. Mais tarde, homem feito, descobri-me compositor popular, influenciado por Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Chico Buarque, Caymmi e outros mestres. Surpreendi-me tentando realizar de modo coerente casamentos sonoros que fizessem jus àqueles. Continuo tentando. A teimosia graça entre os compositores... Contudo, tem sido um mistério pra mim como Aldir Blanc, poeta, cronista, músico (também compõe e interpreta suas próprias melodias) é capaz de letrar desvãos tortuosos e belos de João Bosco, Guinga, Moacyr Luz, Cristóvão Bastos? Como intenta - e consegue - renovar-se, reinventar-se, mesmo quando aborda um mesmo tema numa nova canção? Todo este talento não surgiu do nada. Não se lhe tirou a fórceps. Não foi um desejo súbito, uma veneta que lhe passou um dia: - Serei compositor popular, e dos bons. Nada disso. O dom veio de si. Também provável que o artista o tenha cultivado, exercitado. Que tenha lido, ouvido, assuntado. Enfim, trabalhado com esmero e paciência. Mas isso apenas não explica. Ou se explica não justifica a pujança, o jorro de idéias, a dedicação. Talvez uma única palavra possa nos indicar pista sobre tamanha criatividade.

“Há muito tempo, nas águas da Guanabara”

Eu tinha nove anos e já conseguia pôr reparo em como certas canções formavam uma espécie de "casamento indissolúvel" entre o som das notas vibrando dentro dos acordes - mesmo os dissonantes - e o soar das palavras, formando uma harmonia impecável.

samba-exaltação "Mestre Sala dos Mares", de Aldir Blanc e João Bosco, fala sobre o líder da Revolta da Chibata, em 1910, o marinheiro n e g r o g a ú c h o n a t u r a l d e Encruzilhada do Sul, João Cândido.

Eu não sabia quem era João Cândido. Mesmo tendo ele nascido aqui ao lado da minha cidade natal. Não havia para mim informação sobre esta figura da história brasileira. Foi preciso um nativo das terras fluminenses (embora vascaíno roxo) despertar minha curiosidade. Aldir Blanc, caboclo chefe do terreiro da Guanabara, alertava para fatos que iniciaram em nossa vizinhança. Através dele, João Cândido, o Dragão do Mar, o Almirante Negro, teve voz outra vez. Porém, meu contato inicial com a obra de Aldir deu-se pela televisão. Na década de setenta meus pais adquiriram nosso primeiro televisor. Um aparelho preto & branco, tela de 23 polegadas marca telefunken. Minha mãe, fã das novelas, não perdia um capítulo de "O Astro". A novela, protagonizada pelo ator Francisco Cuoco, tinha como tema um bolero composto pela dupla Aldir Blanc & João Bosco. A música era “Bijuterias”, e me agradava demais. Há nela - tanto como em várias outras parcerias de Aldir com João Bosco e outros compositores - um entrosamento perfeito. Verdadeira simbiose entre a letra (poema) de Aldir Blanc e a melodia de João Bosco.

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Eu tenho dito, repetidas vezes por aí, que é preciso, durante a vida, cuja duração desconhecemos - e justamente por isso o exercício deve começar ontem - , termos atenção constante para reconhecer nossos caras, convocar nossos soldados, formar nosso exército pessoal. Razão pela qual, quando dei de cara com a apresentação do VAIA, sentei-me à mesa, driblando magnificamente o tempo, há pouco mais de cinco anos, com esse grupo de amigos, no Escaler, com a mesma sede de cerveja, a mesma fome de cultura, a mesma busca alucinada por informação, igualmente inquieto e com uma vontade de mudança, que não cessa e que cresce a cada novo escândalo.

É, então, um puta prazer juntar-me ao exército gaúcho, notadamente um povo aguerrido, que jamais - tenho certeza da verdade que digo exultante - se permitiria assistir, passivamente, à destruição, lenta e gradual, de suas mais arraigadas tradições, como é o buteco pra nós cariocas.

Precisamos, aqui, de um Centro de Tradições Cariocas, à moda do CTG, o tradicionalíssimo e aguerrido Centro de Tradições Gaúchas, que é um foco de resistência imorredoura.

Eu fico imaginando que algum idiota, algum forasteiro, queira, por exemplo, acabar com o chimarrão. Um idiota que criasse o, digamos..., mate light na cuia fashion. Gremistas e colorados estariam unidos, ombro a ombro, como dizia meu saudoso e eterno Governador Leonel Brizola - não por acaso gaúcho e não por acaso o menino Itagiba! - gritando em uníssono:- Não passarão!

E como em agosto de 1961, seriam requisitados os transmissores das rádios gaúchas, e, através das ondas médias e curtas, pronunciamentos seriam feitos, conclamando o povo, que não faltaria à luta, a defender a legalidade.Delírio meu? Aqui, ó!Volto ao tema. Até.

E estão sumindo, eis a triste realidade, os pés-sujos do Rio de Janeiro, atropelados por um modismo besta, que deu de inventar o impossível: o pé-sujo limpo, o que a imprensa carioca vem chamando de pé-sujo fashion, ou - horror dos horrores! - de simplesmente pé-limpo. Lugares, devo dizer em tom de confissão, que jamais me verão.

Daí estou falando em bar, troço que eu conheço e curto de maneira intensa, e ponho-me, de cá, a imaginar o lugar. Há de ser - olha o abacaxi para os editores caso eu esteja errado! - simples, simplíssimo, como um autêntico pé-sujo carioca.

Eu, que nunca estive em Porto Alegre, nunca estive no Rio Grande do Sul, ponho meus pés cariocas nos pampas, devagar, através do VAIA, com um tremendo orgulho, pela porta da frente do Escaler.

E sentei-me à mesa com os companheiros porque, depois de pouco mais de 37 anos de vida, muitos deles passados dentro de um bar, ainda não soube de um lugar melhor para conhecer gente. Digo, sem medo do erro, que todos os meus amigos eu conheci num buteco, e os que, eventualmente, conheci fora dele, só fui (re)conhecer com o cotovelo apoiado no balcão.

E sentei-me à mesa à caráter, de lenço vermelho no pescoço, e a meu lado, ai de quem duvidar das verdades provocadas pelos mais bonitos delírios, um menino, de nome Itagiba, que falava pelos cotovelos, se dizendo um homem guerreiro dos pampas, manejando uma arma imaginária, imitando o líder revolucionário maragato, Leonel Rocha.

por inquietude e vontade de mudança, reuniu-se no histórico bar Escaler, no bairro Bom Fim em Porto Alegre, e fundou o jornal VAIA.".

u li, vasculhando a rede eu li que “há cinco anos um grupo de amigos com gosto comum por cerveja, cultura e informação (não necessariamente n e s s a o r d e m ) , m o v i d o sE

EDUARDO GOLDENBERGautor de “Meu lar é o botequim”, Ed. Casa Jorge, 2005

Pra começo de conversa

na vanguarda de um novo acontecimento em um país onde as massas e as elites sempre habitaram universos diferentes. O Senhor Aldir Blanc: psiquiatra, compositor e quem sabe profeta da Música Popular Brasileira. Ou seria Música Impopular Brasileira?” Vinicius Todeschini, psicólogo, compositor e candidato a profeta

“Aldir Blanc está entre aqueles compositores em que a relação entre a qualidade e a quantidade da produção extrapola qualquer medida razoavelmente sensata. É uma “insensatez” este senhor que está cada vez mais com uma aparência de profeta. Bem, como a música popular brasileira está se tornando cada vez mais um culto para poucos,

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Com efeito, a letra de música que, para dizer o mínimo, não é bem poesia, requer a sua "fenomenologia da composição”. A simplicidade da definição do poeta florentino me autoriza a dizer outra coisa óbvia: a letra de música nasce para ser cantada e não lida ou declamada, do contrário seria um poema embalsamado nas páginas de um livro. Isto é, as questões de composição próprias a um texto que é "palavra voando" (na feliz formulação de James Joyce ) , ex igem do le tr is ta um comportamento perante a linguagem diferente daquele experimentado pelo poeta. A canção é uma obra onde se integram de maneira inextrincável informações musicais e verbais. O compósito canção não é, portanto, um subdiretório daquela já consagrada poesia do suporte livro/papel, palavra para ser, mais do que lida, murmurada na solidão. Apesar de a canção conviver muito bem com a arte da poesia, não resta dúvida de que o canto-falado da música goza de uma especificidade em termos de linguagem. Neste sentido, a canção não tem, rigorosamente, nada a ver com um poema; da mesma maneira que, por exemplo, uma obra fílmica guarda muitas diferenças em relação a um espetáculo de teatro, embora se possa observar, quem sabe, uma certa consangüinidade entre ambos.

Na canção verifica-se uma oscilação permanente entre fala e canto. A expressão oral, os sotaques "cantados", o pregão do ambulante, etc. são, por assim dizer, formas brutas da canção prístina. Uma sílaba mais longa, aquela pausa inesperada na elocução, uma seqüência de inflexões quase onomatopaicas, enfim, tudo isso está na raiz dessa fala que se transforma em canto. Não se pode "declamar" ou apenas dizer a letra da canção. Fazendo isso negamos a música que, ao fim e ao cabo, impõe os limites ao ajustamento das palavras, de acordo com aquele sentido requerido pela canzone dantesca. É como se tentássemos descrever um balão sem mencionarmos sua pele de látex.

Mas a hierarquização pretendida pelo ideal elitista ao rasgar o tecido cultural em duas frentes, a saber, uma, culta e, outra, popular, não é levada a sério por Aldir Blanc. O letrista acentua o barroquismo da cultura brasileira representando-a por meio de um epos kitsch: a mulher boazuda comparada à garrafa cheia de areia colorida; o bandeide descolando-se do calcanhar; o PF de rabada com agrião; a fôrma do soneto perturbada por dentro por uma poética de botequim; etc. Cultura livresca e culinária. Saber e sabor orais. Uma mixagem-mestiçagem de estéticas e visões de mundo. Aldir Blanc reifica, num tom entre lírico e corrosivo, o brasil-bem-brasileiro, como que tensionando, por seu turno, a rapsódia macunaímica onde a cor e o caráter do protagonista mudam ao sabor dos acontecimentos. A generosidade maliciosa do olhar politicamente incorreto (ainda bem!) de Aldir Blanc, não condena nem absolve. A dança das suas palavras nos convida para o samba miudinho. Eu vou.

Bem, sobre o letrista Aldir Blanc, o mínimo que se pode tentar dizer a seu respeito, é que ele sabe, como poucos, tirar prove i to dessas tensões formais relacionadas à canção e ao poema. Além disso, o parceiro de João Bosco atravessa, sem a menor cerimônia, altos e baixos repertórios culturais. A fala e o canto do subúrbio ou do arrabalde vão esbarrar, às vezes, num soneto, outras, num samba com cara de embolada.

ma definição de Dante (sim, o remoto poeta italiano) a propósito da canção (canzone), diz assim: "...é uma composição de palavras postas em música" (o grifo é meu). U

Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. Autor de, entre outros, “Homem ao Rubro” (1983), “Puya” (1987), “Kânhamo” (1987), “Vá de Valha” (1992) e “Confissões Aplicadas” (2004). www.poesia-pau.zip.net

RONALD [email protected]

A dança das palavras

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Proust da Vila, Stanislaw da Muda

"Eu gostaria de escrever como o Aldir". Quem gostaria de escrever como o Aldir? Ivan Lessa, simplesmente, cronista que escreve como ninguém. Resumindo: Aldir Blanc é aquele cara que a gente quer ser quando crescer, quando aprender a viver, quando souber escrever. Aldir Blanc Mendes, que já foi chamado de Proust de Vila Isabel, esse Stanislaw da Muda, é uma flor de amigo e de poeta. Tem a Zona Norte de sua cidade cravada no peito esquerdo, ao lado do escudo do Vasco. "Eu sou do Estácio, mermão! Pensa que é fácil? Né não", já berrou numa letra de samba. (Ninguém vem da Maia de Lacerda impunemente.) Aldir Blanc nasceu no mês de setembro de todas as primaveras, no dia 2, no ano de 1946. Citar suas músicas é covardia. Só meia dúzia, para não cansar: O bêbado e a equilibrista, Mestre-sala dos mares, Kid Cava-quinho, Dois pra lá dois pra cá, Saudades da Guanabara, Cata-v e n t o e g i r a s s o l . P a r c e i r o s ? Desnecessário. Só alguns: João Bosco, Maurício Tapajós, Moacyr Luz, Guinga, Ivan Lins, Cristóvão Bastos, Paulinho da Viola...

Aldir é também escritor (contista, cronista e poeta), e seu texto gostoso e rascante (que nem os melhores vinhos) estreou no Pasquim, na década de 1970, onde publicou as crônicas mais tarde reunidas nos livros Rua dos artistas e arredores e Porta de tinturaria (ambos lançados em primeira edição pela Editora Codecri).

Após o fechamento do Pasquim, Blanc levou suas crônicas de humor ferino para revistas como a Playboy e os jornais Tribuna da Imprensa, Última Hora, O Estado de São Paulo, O Dia (onde manteve colaboração semanal por quase dez anos) e, hoje (2006), Jornal do Brasil. Aldir colaborou com a revista Bundas, do primeiro ao último número, e esteve presente na maioria das edições d'Opasquim21, desde a edição de número zero até o fechamento do jornal, em 2004. Reuniu crônicas também nos livros Brasil passado a sujo (Geração Editorial) e Um cara bacana na décima nona (Record). Procurem nesses livros, dá para entender por que o seu texto encanta escritores como Ivan Lessa e Chico Buarque.

ldir Blanc é uma glória das letras cariocas. Bom de se ler e de se ouvir, bom de se esbaldar de rir, bom de se Aldir." Esta é a opinião de outra glória das letras e da música cariocas, Chico Buarque.

Jornalista e escritor. É autor dos livros“Um cometa cravado em tua coxa” (contos, Ed. Record), “Entre sem bater -o humor na imprensa brasileira” (Ed. Ediouro), “O Calcanhar da memória”(poesia, Bertrand Brasil) e “Com esses eu vou - de A a Z, crônicas e perfis da MPB” (Zit Editora), de onde foi extraídoesse texto sobre Aldir.

LUÍS PIMENTEL

“A

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Um ponto turístico. Onipresente nas pessoas, nos bares, nos estádios, nos morros e na beira-mar, em toda geografia. É só você pôr os pés no Rio e você percebe que a cidade tem o espírito de seus artistas geniais. E numa cidade que deu a gente que deu, jamais será possível aceitar que a violência prevaleça. O que sempre prevalecerá é a música, ilustrando e magnificando a natureza, no tempo do não tempo”.

“O Aldir simboliza vários Aldires. Ele é especialmente diferente em cada trabalho. Tanto na literatura, como em cada uma das suas parcerias, Aldir vem à cena com uma singularidade única. Dando uma aula para os letristas emergentes de como é possível ser original e sofisticado dentro da ousadia e do refinamento, do humor e da seriedade. Fazendo a gente ficar orgulhoso de obstinar a fazer um trabalho bem feito, sem concessões, nem comodismos. Aldir é um referencial do Rio de Janeiro. Luís Mauro Castro Vianna, compositor

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04 IV

V VIV

V V

ENTREVISTA

“Esse tipo de canalhice

da nossa Justiça

tem que acabar.”

EG: Aldir, eu fui buscar na coleção do PASQUIM, que eu tenho, um mote pra gente começar a entrevista. E me deparei com a primeira entrevista que você concedeu pro jornal, em julho de 75, e durante o tempo inteiro, na entrevista, você bate pau violento na questão dos direitos autorais. Inclusive tem um borderô seu, de 75, com a legenda: "Borderô do Aldir Blanc, menos de 700 pratas em 2 meses pro autor de "Bala com Bala", "Cabaré", "Dois pra lá dois pra cá". Tem mão de gato aí." E aqui você, respondendo à pergunta diz que tem 60 músicas, à época, e umas 100 gravações. Nós estamos em 2006, você tem idéia de quantas gravações têm de músicas suas?

AB: Lógico. No último levantamento são trezentas e tantas músicas e não mudou nada. Se eu não vivesse de bico, né?, eu sou o personagem do Jô Soares: "Je vive de Béc". É, não mudou nada. A gente continua... No meu caso eu vivo de textos vendidos pra revistas, pra jornais, e tal. Vivo disso, pra ajudar no orçamento. E quando a barra suja, é aonde eu vou.

Quer dizer que a questão do direito autoral continua a mesma?A mesma, a mesma, se não, se não pior, se não pior! Porque, é..., depois que a gente teve aquele momento de euforia onde a gente conseguiu criar o CNDA, que foi extinto, e o ECAD, não é?, que se mantém de uma forma espúria, né?, já que ele é integrado por todas as arrecadadoras que a gente tentou derrubar, eles sempre votam, e a gente sempre tá em minoria, e existem conversas sobre mesas de negociações... Mas a mesa de negociações, do que é que adianta uma mesa de negociação se você perde sempre, né? É o que eu tenho conversado com meus amigos da AMAR, a sociedade da qual eu fielmente faço parte, mas... Do que vale uma mesa de negociação onde você sempre é derrotado?

E na AMAR você tá junto com o Nei Lopes...(interrompendo)Nei Lopes, Paulo César Pinheiro, o nosso querido lá de São Paulo, o Marcos Vinícius, mas... mas é uma mesa fictícia, entendeu? A gente negocia, negocia, negocia, e perde sempre, eles votam e a gente perde sempre!

Agora, me diga uma coisa... Tem uma história que agora está em voga, que é a história do jabá, com um movimento pra acabar com o jabá, que é o JABASTA . E eu trouxe pra você um trecho de uma entrevista que o Gil deu, recentemente, aqui no Rio. Foi feita uma pergunta pra ele, citando o seu nome: "Francis Hime, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Lobão, Beth Carvalho, Nei Lopes, Nelson Sargento, Ivan Lins, estão nesse grupo do JABASTA, lutando contra o jabá". E a resposta do Gil foi a seguinte: "Esses músicos, na hora de criticar são socialistas. Querem fazer a revolução. Mas na hora de abrir mão de seus direitos autorais em benefício, digamos, de uma escolinha na favela de Salvador, são adeptos de farinha pouca, meu pirão primeiro".Hum...

Ele se diz rigorosamente contra o movimento JABASTA, porque entende que o jabá é um troço do jogo, do mercado, e que tem que ser negociado...Eu acho o ministro Gilberto Gil um ministro lamentável. Eu, numa das primeiras declarações dele... "Eu leio o I-Ching..."... Eu já o teria demitido se tivesse alguma autoridade. Acho que ele não mudou coisíssima nenhuma, entendeu? Acho que ele vive à sombra do direito autoral, com negócios que firmas paralelas o mantém, não é? E que talvez sejam ligadas à esposa dele, então eu acho inteiramente lamentável. Acho essa declaração especificamente de uma infelicidade tremenda, que a gente luta muito, e há muitos anos, e temos mais passado do que ele em lutas de direito autoral. Houve uma manobra que o nomeou Ministro da Cultura, muitas pessoas reclamaram, ele não representa absolutamente nada das posições que a gente defende. Ele não é absolutamente nada em relação a tudo que a gente reivindica.

E você acha que a sua luta, contra o jabá, é uma luta inglória?É. A luta do jabá é muito inglória, porque eles sempre vão dominar esse mercado, sempre. Nós vamos ter que lutar muito contra isso e infelizmente o governo Lula, né?, aliás, como outros! Nós já tivemos o "grande" Celso Furtado no Ministério da Cultura, da Educação, sei lá, não me lembro agora! Nós tivemos ministros ilustres e eles não fizeram absolutamente nada. Eles foram omissos, eu botei as obras deles à venda, entendeu?, no sebo de tão decepcionado que eu fiquei. Porque eles não são absolutamente nada em relação à luta do direito autoral. Inclusive o atual Ministro da Cultura que é inteiramente omisso.

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Aldir, você já falou isso em dezenas de entrevistas, que "O Bêbado e a Equilibrista" se tornou o hino da anistia à tua revelia.À minha revelia! É verdade!

Aquele movimento, na verdade, tinha uma esperança muito grande dali pra frente. E nós só temos pouco mais de 20 anos de lá pra cá.Certo...

E é tempo o suficiente pra você se dizer rigorosamente decepcionado?Com certeza!

Mas não cansado de lutar?Não cansado de lutar. Falta tanta coisa. Vi uma única mudança relevante em relação à reforma agrária. Não vi nada relevante em relação à justiça social. Não vi um único vagabundo ser punido no imposto de renda, que é facílimo de enquadrar... O Al Capone entrou em cana assim. Maluf, Pittanic, estão soltos entre outras centenas de ladrões...ACM...

Mas você acha que quando se alcança o poder, você tem que abrir concessão, conciliar, pra poder governar, pra ter, como eles dizem, governabilidade?Não! Não, senhor! Não tô falando isso não! Nós temos que ser rigorosos. Nós temos que punir os culpados sejam eles criminosos, sejam eles fraudadores, sejam eles torturadores, nós temos que punir todos os criminosos. Cada criminoso solto é um cara que contribui contra a democracia que a gente pretende instalar no Brasil!

Você saberia apontar a hora em que, pra você, o governo desandou? A que horas você jogou a toalha?No meu caso particular, no meu caso inteiramente particular, quando o Genoíno não soube responder... Eu sofri intensamente. O meu momento particular é esse. Eu não sou cronista político, né?, não pretendo ser, mas aquele momento me rachou ao meio, eu esperava uma outra atitude... E agora parece que tá trancado em casa, fumando e escrevendo sua biografia, sei lá! Eu vou ler a biografia pela atenção que ele merece pelo passado...

Foi, então, esse o marco pra você?Foi. Eu posso ter demorado, mas foi aí.Porque eu me recordo de você, na imprensa, dizer "tô brigando na rua", "eu ainda sou um sujeito que acredita no PT", "ainda acredito no Lula", e a partir desse momento você parou.É. Foi uma espécie de CHEGA!, que eu não sou cínico, não sou burro, não sou cego... Entendeu? E é bom que fique claro: eu não sou filiado. Eu voto nas pessoas em quem eu acredito. E isso foi o golpe de morte pra mim. Podem botar isso na conta do Genoíno.

Não, não tenho. Quer dizer, eu tenho. Eu não tenho, mas agora eu vou dizer que tenho, sim. Nós somos intensamente vaselinas. Nós somente intensamente a favor da conciliação...

Mari: Será que você acha que a gente teria alguma explicação pra isso? Por que é que esse governo, que a maioria elegeu, e tende a eleger de novo, não conseguiu seguir por esse caminho?

Não conheço corruptores. . . queimaram o arquivo do PC... não é? Não vi nenhum corruptor ser preso. Quantos eram? Eram centenas! Enquanto nós não alterarmos isso, e radicalizarmos mais em relação a torturadores, canalhas, vagabundos, gente ligada ao sistema da ditadura militar, nós nunca teremos chance de nos reerguer como a Argentina tá fazendo agora, inclusive levantando PIB, é... não sei o quê... e renda, sei lá. Eu não entendo de economia, mas eles já têm mais do que nós, porque eles tiveram coragem de limpar um pouquinho a casa, e a gente ficou vaselinando, mesmo no governo aparentemente ligado a movimentos populares. Nesse sentido o Lula foi uma tremenda decepção.

Eduardo Goldenberg, tijucano, cronista de primeira categoria, novo amigo e aliado aqui do Vaia, encontrou-se com Aldir Blanc no dia 08 de setembro passado, na casa do poeta da Muda, em meio a festa de aniversário de seus netos gêmeos, Pedro e Joana.Nesse bate-papo, do qual participaram também Mari, amada deAldir, e Dani Sorriso Maracanã, Blanc falou sobre música, política,futebol, amigos, carnaval e Rio de Janeiro. E aqui publicamos aentrevista em homenagem aos 60 anos de Aldir. Vale conferir. E também vale (e muito!) conferir as entrevistas com Wilson Moreira e Moacyr Luz, além de ótimas crônicas do Edu, lá no buteco virtual www.butecodoedu.blogspot.com. Eu conferi, li,bebi e ri muito. (Fernando Ramos)

ALDIR BLANC

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Mari: Mas agora mesmo, esse Marco "collorido", quer questionar se a eleição...... se a eleição, se a reeleição... Pô! Esse cara dá uma linda entrevista sobre o jeitinho, e três dias depois libera geral. Quer dizer, esse tipo de sacanagem do jurídico, a gente tem que combater de uma forma muito dura, e é muito difícil, né?, já que os cargos implicam em nomeações, méritos políticos, indicações, mas é muito difícil. Mas quanto a isso temos a Procuradoria da República, temos a Polícia Federal, e temos pessoas empenhadas em conseguir mudar um pouco esse quadro, lutando de uma forma às vezes quase suicida, que alguns acabam a carreira ali mesmo, ao dar um parecer. Eu sei que carreiras terminam assim. Então eu acho que é muito importante o que essas pessoas têm feito. Eu não perdi, de jeito nenhum, a esperança. Embora eu reconheça que ela vai se afunilando, né? Depois da ditadura nós tínhamos um regato, hoje nós temos um fio d´água, né? E daqui a pouco não temos nada!

Mari: Mas durante a ditadura não se tinha nada.Mas eu prefiro não creditar nada a mudanças pós-ditadura. A ditadura torturava, matava, chutava. Eu prefiro acreditar no seguinte: nós estamos mudando, nós estamos tentando mudar. E eu não vou recordar, eu não vou ter uma espécie de nostalgia de quem matou ou não matou por "princípios"... (debochando). Mas eles chutavam a cara de uma forma mais limpa... Eu não quero saber dessa merda! Eu quero saber do seguinte: a lei, a ordem, esse troço que é tão falado... Quando a gente vai começar a exercer? A Polícia Federal, a Receita Federal, podiam ter um trabalho seriíssimo que nos remetesse a Chicago dos anos 20 e botar todo mundo em cana, que é muito simples, cara! É muito simples. Não é difícil.

Tá. Vamos deixar a política de lado um bocado. Você recentemente deu uma entrevista dizendo que nada te é mais caro do que o anonimato.É verdade.

Você é um cara tímido?Não, eu não sou um cara tímido. Eu sou um cara até bastante agressivo em relação às pessoas que me cercam. Eu quando saio, eu saio pra valer. Mas eu acho que a consagração do compositor popular, que é o que eu sou, que é o que eu quero ser, tudo em volta disso é o que ganhei a mais, é a hora em que o sujeito canta (cantando) "Tá lá o corpo estendido no chão...", e o cara não sabe que é sua música. Uma vez eu tava na gafieira, e o cara disse, na hora em tocou "Dois Pra Lá Dois Pra Cá", "vou dançar que essa é a minha música". Eu tenho certeza que ele não sabia que era eu, ou o cara que vem batucando (assobia "Kid Cavaquinho)... E que se dane. Eu acho que essa é a essência do compositor popular. Compositor popular que não sonha com o anonimato é uma besta.

E você é um compositor popular consagrado, né?É. Em termos... (constrangido)

Pô! Nesses termos! As tuas canções são cantadas a torto e a direito... Tua obra, então, é consagrada!Consagrada por pessoas que não sabem quem eu sou, ignoram quem eu sou, prezam a obra, que cantam até em momentos de sufoco, de tristeza, de dor, de dar a mão um pro outro, e cantar... Essa é a consagração do compositor popular.

Aldir, outro dia eu assisti a uma entrevista do Otto Lara Resende com o Nelson Rodrigues.

Mari: Caraca! Que beleza que deve ser esse vídeo!

Fabuloso! Na verdade o Otto começa dizendo que vai fazer uma entrevista sobre o livro do Nelson e falam de tudo, menos do livro!Eu vi, eu vi! Menos do livro, é!

Eles se sacaneiam, se espetam o tempo inteiro! E ele faz uma pergunta pro Nelson, a certa altura, que eu queria te fazer. O Otto pergunta ao Nelson qual a última frase que diria, a última declaração que faria, e o Nelson diz: "Marx é uma besta!". (todo mundo ri) Se você tivesse que antecipar sua última frase, seria qual?Bom... Eu não quero plagiar o Alfred Jarry, e pedir um palito, que é uma frase que eu prezo muito. Não sei se vocês sabem que o autor de "D´Ubu Roi", o Alfred Jarry, no momento de morrer pediu um palito. Mas eu diria... "Tem algum neto meu aqui?". Com certeza seria isso que eu perguntaria, mesmo desvairado, mesmo olhando em volta. "Tô perto de algum neto pra que possa estender a mão?". Eu sou um cara essencialmente ligado a valores familiares nesse sentido, com certeza.

Quando você compõe, você compõe pra quem?Eu não tenho nada desse troço que rola aí que o sujeito, o artista, cria pra si mesmo e tal. Eu não tenho nada a ver com isso. Eu crio pra uma síntese, assim, tem a ver com o que eu tô trazendo de conclusões íntimas, e com o que eu tento captar "o que é que eles tão pensando agora, hein?", "pra onde eu posso caminhar que traduza um pouco a voz deles, que sofrem tanto, né, cara? Sem demagogia alguma. Que sofrem tanto. Eu acho que eu tenho essa pretensão.

Tem essa pretensão que é bem-sucedida, né? Grande Basile! (chega o Basile, beija o Aldir) Os seus parceiros mais constantes, e eu não vou fazer a pergunta idiota que todo mundo faz, sobre a tua história com o João... são João Bosco, Moacyr, Guinga, Jayminho...Jayminho, grande Vignoli...

Pra mim é bastante visível três facetas, e se eu estiver errado você já me corrige. Com o Guinga você é quase que surrealista, grande delírios nas letras loucas, com o Moacyr você tem um troço carioca violentamente presente, a coisa do dia-a-dia, do corriqueiro, da porradaria do casal, do botequim, etc e com o João, com quem você está retomando a parceria agora, tem uma marca clássica, capaz de dizer: “É Bosco e Blanc”. Na hora de compor você se direciona pra isso ou não?

Vou mudar um bocado o rumo da prosa. Na imprensa, você é uma das vozes que eu particularmente mais respeito, como é o Fausto, como era o Biondi, que pra mim faz uma falta violenta...É verdade...

... um sujeito que... O Biondi, era o único cara que tratava de economia de uma maneira que eu conseguia entender, por exemplo, que tem uma obra brilhante sobre as privatizações onde fica claríssimo o mecanismo...Claro! Claro! Lógico!

... e ele morreu, e vocês ficam aí, você e o Fausto, mas efetivamente com um buraco de fechadura, quase, para botar a boca e gritar. E isso se percebe no Brasil como um todo. A imprensa virou um pastiche, você lê todos os jornais e são idênticos, um copidesque, você poucas vezes vê uma voz dissonante como é a de vocês. Eu tenho inclusive um amigo, o Fernando, lá de São Paulo, que costuma dizer sempre o seguinte... "A gente vai ficar velho e vai virar um Fausto, um Aldir, bebendo, falando merda, todo mundo nos julgando loucos...". Você acha que é possível reverter esse quadro?Não sei. Mas eu acho que é possível lutar por isso, né?, lutar incansavelmente por isso, lutar até morrer por isso.

Por que mesmo essa luta solitária vale a pena, né?É! Claro que sim, claro que vale a pena. Até porque quando a gente fala muito na corrupção do governo Lula a gente deve lembrar do Azeredo, deve lembrar do Fernando Henrique, deve lembrar das privatizações, né?, a gente deve lembrar que esse lixo imenso, que essa lama terrível dura muito tempo. Mas o que me choca particularmente é o seguinte... Exigiram que o Palocci fosse pro cacete. Então foda-se! Mas eu não vejo ninguém do governo Fernando Henrique preso. Eu vejo um Monteiro de Barros que é demitido e um Monteiro de Barros que entra. São barros que saem e barros que voltam! Né? Isso parece um emissário submarino. Cocô pra lá e pra cá. E pra esses caras só há uma solução: a Receita Federal e a Procuradoria da República. Essas pessoas precisam prender, precisam punir, precisam tirar... Eu tenho feito sistematicamente nas matérias uma pergunta... Por que o Marcola se regeneraria, né? Por que, não é? O Maluf, que é tido como o grande colecionador - independente de qualquer outra corrupção - de obras superfaturadas, toda essa lama, é tido como grande colecionar de vinho do país, grande colecionador de jóias, o grande colecionador... Eu não sei o que é que ele coleciona mais! (todo mundo ri) Vá colecionar na puta que o pariu, entendeu? Porra! E ainda entra atrás, o Pitta. O famoso Pittanic, conseguiu encher um túnel em São Paulo...

Mari: Ele já sumiu...Sumiu mas tá na área! Tá punido? Tá em cana? Não.

Você não acha que a Polícia Federal, nesses quatro anos, prendeu como nunca? A Justiça é que vai e solta!Solta...

Você não acha que há uma mudança nesse rumo, da Polícia Federal efetivamente fazendo as operações...Há, há. Mas infelizmente na cúpula da Justiça está Marco, Mello, Collor de Mello, mandando, soltando. Soltou o nosso Cacciola, que foi lá pra fora e hoje vive bem em Roma. Entendeu? Esse tipo de canalhice da nossa Justiça tem que acabar!

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“Compositor popular que não

sonha com o anonimato

é uma besta”

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Não. Não. Não porque em primeiro lugar são parceiros diferentes, né? E eu jamais penso naquilo que vou letrar. Eu deixo a letra bater, bater, bater, bater até eu sentir condições de fazer, a menos que tenha prazo, né? Ou coisa assim. Então, elas vêm de um momento muito particular meu, às vezes é na rua, às vezes eu tô, sabe?, dormindo e vem a letra e eu prefiro trabalhar assim. E em noventa por cento dos casos eu trabalho sempre, ao contrário do que as pessoas pensam, fazendo letra em cima de música. Nota por nota. Perseguindo nota por nota, botando sílaba por sílaba em cima de cada nota. Então é um troço complicado porque aí você tem também que considerar o que é que o cara gostaria de ouvir, né? Que é uma tarefa que eu considero meio complicada.

E você é bem sucedido nela?Acho que sim, eu acho que sim. Tenho feito coisas e os parceiros sempre me abraçam, e a gente fica muito comovido com o resultado final. Eu acho que em muitos casos eu consegui dar voz ao parceiro que não faz letra.

Então essa coisa que a gente escuta às vezes, "eu sempre componho pra Elis Regina cantar", o Milton Nascimento disse isso certa vez...Nunca! Nunca! A menos que tenha ocorrido uma encomenda muito específica, e isso aconteceu raras vezes e nunca me ocorreu isso. A Elis Regina me procura pra dizer "Oi, tá bom? Gravei "Ela"! Tá contente?", foi ela que me procurou, cara! E depois ela me liga e diz "eu soube que você tá fazendo música com um cara novo aí..."... Eu nunca tive esse tipo de experiência, mesmo, cara!, sem nenhum tipo de banca, de nada, né? Nem pra Simone, nem pra Leila Pinheiro, todas as cantoras que eu prezo, modéstia à parte, as parcerias foram procuradas por elas.

Você fez 50 anos e escreveu "50 anos são bodas de sangue". Você agora tá fazendo 60 e disse recentemente que tá muito mais triste, que tá envelhecendo e tá perdendo amigos...É terrível... Nos últimos meses, acho que foram, entre os que são conhecidos e os que não são, acho que foram seis. É um negócio que eu não sei nem dimensionar... É uma perda, uma sensação, terrível, né? E é claro que tem hora que você se identifica com as pessoas que foram, né? É muito complicado, bastante complicado.

Mas isso não te desanima a continuar caminhando...?(interrompendo)De forma nenhuma, de forma nenhuma. Até por eles! Pô, quando você tem um ... (rindo)... Você tá caminhando, né?, em direção a uma fronteira que não é a sua, e tiro tá disparando de lá pra cá, e caem as pessoas em volta... Ou você se acovarda ou continua, né? Então... e eu sou um cara bom de chinfra nisso, eu vou até o fim e não tenho o menor medo de cair, de nada disso... Eu tenho alguns medos particulares que são meus, que são assim... Como vão ficar minhas filhas e meus netos, e tal, essas são as coisas que me ocorrem. Agora... Caminhar pra combater, pra continuar combatendo, não tenho medo nenhum, não tenho medo nenhum. Não tenho medo de morrer, absolutamente nenhum. Eu só não quero é ficar em tubos e comadres e coisas assim... Morrer eu acho mole. Como médico, o que já vi, sinto que o difícil é você passar por aquele inferno lá, se a agonia se prolonga.

Então eu imagino que você perdendo os amigos, como você disse que vem perdendo, você vá vendo o seu, digamos, exército, que você escolheu ao longo da vida se reduzindo, não é isso?Isso.

Você tem perspectiva de que haja pessoas capazes de segurar essa herança, essa herança da tua geração?Claro que sim! Claro que sim! Eu tenho provas disso quase todo dia. Eu converso muito com pessoas mais novas e dou entrevistas, e sinto uma vontade enorme de... Claro que há uma dose imensa de ingenuidade, mas acho que isso é inevitável, né, cara?, vai aprender na porrada. Mas as pessoas tão aí, com certeza tão aí e a peteca não vai cair. Nessa geração, pelo menos, a peteca não vai cair, não.

Não vai. Mas aí eu vou voltar pra uma pergunta que eu fiz pra você sobre a imprensa. A peteca não vai cair, as pessoas estão aí pra lutar. E os canais pra elas se manifestarem? O que é que você acha que é viável daqui pra frente, a gente vendo a imprensa se fechando num troço que o Biondi, o Verissimo, chamavam de pensamento único? Quer dizer, essas pessoas cada vez menos têm voz...É, eu acho que hoje existe um troço lamentável na imprensa, né?, que é o censor interno, né? Aquele sujeito disfarçado de ombudsman que passa, de uma forma meio sorrateira, censurando textos... Isso tem a ver, sempre tem a ver, com patrocínio, que é uma coisa triste, mas que tem a ver com patrocínio. Eu lembro quando eu saí do O DIA, que eu prezava muito a coluna lá, o Bumbum-Garoto e Rosinha Gigoga pedem a minha cabeça lá por um artigo muito agressivo em relação ao Garotinho, né? Agora tô no JB, passo por uma ou outra circunstância desse tipo mas... A minha política é a seguinte: eu escrevo meus textos. Se tiverem que censurar, censuram lá dentro, que eu vou continuar a escrever os meus textos até a hora em que alguém vai ter que fazer um movimento pra me demitir, né? E aí eu vou, de novo, denunciar o que ocorreu, e vou lutar mais uma vez e vou tentar ir pra outro jornal. E acho que isso é um destino inevitável.

Aldir, hoje a Internet, com essa coisa dos blogs... Você veja esse teu caso recente, com a carta resposta que você mandou pro ACM. Em questão de dias, semanas...Foi, foi, foi inacreditável!... foi uma enxurrada de...Enxurrada, foi...... adesões, né?Ele mesmo mandou uma mensagem dizendo "já esqueci e não vamos continuar com isso".O ACM?Foi.Mandou pra você?Não. Mandou pra alguém que perguntou num desses blogs, o que é que ele pretendia fazer e ele disse "não tenho a menor intenção de continuar com isso, foi um pequeno episódio", e tal, minimizou, né?Você sabe que agora teve uma história parecida com essa tua com o ACM... O Sarney foi alvo de um desenho, uma charge, num outdoor, que dizia "XÔ, SARNEY". E uma moça foi e publicou aquilo no blog. O Sarney entrou na Justiça e conseguiu cassar o blog da cidadã. E aí no dia seguinte, Aldir, o troço tava em mais de cinco mil blogs no Brasil inteiro.É, é importante demais.Então... é um puta veículo hoje...É um outro mundo... É um outro mundo que eu não sei dimensionar. Eu, por exemplo, lido mal com computador, mas é um mundo tão diferente, é de tal forma novo e... porra... Já aconteceu antes... Pessoas tinham medo de ditaduras caírem antes do fax... No tempo do fax, né?, não era Internet... O fax saía e o cara se borrava de medo, né? Então essa comunicação é essencial pra liberdade. Eu acho que nós temos que ter computador na África, na Ásia, na China, não sei onde... Quanto mais melhor.

É, é um meio violento, né? Quase que revolucionário...Eu quero dizer o seguinte: por mais monstruosidades que o computador eventualmente perpetre, os ganhos com ele são infinitamente maiores. Tenho certeza disso.

Existe hoje, na Internet, num troço chamado ORKUT, sabe, né?, uma comunidade tua, que a Mariana comanda, e as pessoas pedem muito um site teu, que reunirá toda tua obra, por exemplo. É um negócio que você tem vontade de fazer?Olha... Eu sou um cara feito esses jornalistas turrões, entendeu? Assim que eu for mandado embora de novo, (rindo), eu faço o meu site...

Aldir, você vai morrer brigando!?Vou morrer brigando. A minha política é morrer atirando!E isso você aprendeu no Estácio?Não...

Tem uma história tua que eu escutei uma vez, de uma cabeçada...(Aldir ri)É... Mas eu acho que isso é muito meu. Meu pai é um cara pacífico, os avôs eram figuras muito engraçadas... Um cara podia dar uma porrada na mesa e dá até um tiro pro alto num almoço... Mas esse troço turrão, maluco, e tal, eu acho que isso é meu mesmo. Um cromossomo Y que existe nisso... Sou eu!

Não tem, então, a ver com o lugar onde você foi criado?Não tem, não. Eu sou assim mesmo... Eu sou encrenqueiro mesmo... Com certeza, e jamais me rendo, jamais me curvo, jamais nêgo vai me humilhar, de forma nenhuma!

Vamos mudar de novo o assunto... Vou pedir mais uísque pra nós, tá? Vamos falar de futebol?Pra caralho!

O futebol também passa por um momento de merda, como passa a imprensa, como passa a política. Você é Vasco pra caralho...... pra caralho...... tá escrevendo um livro que recen-temente você disse, maravilhosamente, aliás, que vai ser um libelo..(ao mesmo tempo): ... contra o Eurico Miranda...

Você consegue ver alguma saída pro futebol? O futebol voltar, não àquele romantismo, o amadorismo que nós já chegamos a ver... Mas é possível o Vasco retomar a história dele, o Flamengo a dele, o futebol brasileiro retomar a história dele?É possível tirar aquele vagabundo lá do Corinthians, que queria entrar no Flamengo. E é possível que o Roberto Dinamite faça uma coisa boa no Vasco, assim como o Zico faça uma coisa decente no Flamengo... Eu acho que é possível, sim.

Acha? Porque eu tenho um medo do caralho que é o seguinte: a decepção que a gente teve com o Lula no governo talvez seja a mesma que a gente vá ter com o Zico no Flamengo ou com o Roberto no Vasco. Porque os times estão na mão dos patrocinadores.É possível...

Né? E hoje você tem jogadores que jogam bem uma, duas partidas, já são vendidos. E o clube, pra compensar, compra um, dois merdas. Diante disso, você acha que o Eurico, saindo do Vasco, vai significar o começo de uma nova história?

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“Caminhar pra combater,

pra continuar combatendo.

Não tenho medo de morrer.”

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Você chegou a ter contato com os compositores da escola?Nenhum. Eu cheguei a disputar um pernil lá, bebendo, quase ganhamos...

E você atribui o seu amor, que é o imenso, pelo Salgueiro, a quê? Memória... é o quê?Olha...pra tu ter idéia, isso não tem muita explicação, não... Porque eu nasci no Estácio. Fui pra Vila Isabel. Voltei pro Estácio, né? Passei um tempinho no Largo da Segunda-Feira... Acho que foi um primo meu, que me levou pra subir a Calça Larga e eu fiquei apaixonado, nesse intervalo, eu fiquei louco pela escola. Eu poderia ser Vila Isabel ou Estácio: não sou! Assim como você é filho de vascaíno e é Flamengo. Isso não tem explicação, cara! É um negócio, é uma paixão, é uma loucura e a gente não sabe explicar direito... E eu choro e entendo a sua mãe... Eu tô disfarçando em casa dizendo... (imitando a si mesmo!)... "Ah, eu hoje não vou nem ver, caralho!"... Mas passa e eu choro pra caralho e é uma merda! Com qualquer desfile. Choro muito, fico intensamente comovido e é uma confusão, cara... E ela tem que vir com o famoso abanador da Brahma e perco o fôlego... É minha escola, porra!, não tem que explicar... Ali tá o meu coração... Sabe? Meu coração tá no Vasco da Gama, pra viver ou morrer... E sou um torcedor, como meu pai era, crítico.

Você freqüentou o Maracanã?Nunca mais. Até porque depois que a perna quebrou eu não tô qualificado a correr, né? Então eu prefiro ficar quietinho. Mas eu sofro muito, cara... Eu recebi um telefonema do Paulinho da Viola, que pode fechar a entrevista, que foi magnífico... "Depois que o Eurico trouxe aquelas três estátuas da Ilha de Páscoa pra ficarem parados na defesa..."(Aldir ri muito, chega a Dani)

Ah, tem, tem... Olha... Eu não conheço bem a história do Flamengo, do Fluminense. Mas se o Vasco encerra o ciclo do Eurico, tudo o que vem a partir dele, se for Roberto Dinamite, se for um outro...... o Fernandão...... é, o Fernandão... tudo que vier de lá, certamente vai implicar numa limpeza imensa, numa confusão tremenda, num aspirador de lama que não tem tamanho, e eu tenho muita esperança nisso em relação ao Vasco. O que eu acho de diferença em relação ao Vasco e o Flamengo é o seguinte: é que a gente se acostumou a pensar no Vasco como um tirano, e é verdade, que domina o clube inteiro. E não pensa no Flamengo dessa forma. Pensa no Flamengo como uma nação democrática, em que as pessoas votam...

O que é mentira!E você sabe que isso é mentira né?. O Flamengo é dominado pelos mesmos caras, pelos mesmos sujeitos que levam jeton, pelas mesmas pessoas que pegam o mesmo dinheiro, e há muitos anos elas pegam esse dinheiro... Cifras faraônicas, cifras de chocar alguém por dirigir o infantil do cu da perua... É um negócio...

Aldir... falamos de política, falamos de música, falamos de futebol... Vamos falar de carnaval, que também passou e passa por esse mesmo movimento, o que faz a gente perceber que tudo converge pra essa merda do patrocínio. Você é salgueirense.Salgueiro.

Compositor... Eu estive na quadra quando você recebeu a carteira de compositor da escola...Mas não sou... Foi uma homenagem. Por questões de princípio eu não sou filiado a escola alguma, não sou compositor de escola alguma, sempre fiz questão de manter minha independência até pra poder criticar.

Mas o carnaval é uma coisa que também não vai voltar ao molde que tinha.Não tem volta, não há como voltar.

As escolas - escolas mesmo - praticamente terminaram. Os compositores das escolas, os compositores de samba de quadra, isso tá terminando, não tá?Não sei... Não sei porque aí é mais complicado, porque os sambistas não são a escola, né? Eles vão, voltam, freqüentam, compõem, e eles têm uma força tão grande de renovar... Eu lembro a você um momento: o samba ficou tão mal, num momento, que ele voltou pro fundo de quintal e gerou até o nome do conjunto, né?, e ele veio com força total, rapaz! A partir dali, trazendo o grande Zeca Pagodinho, né? Então eu acho que não há nada perdido, não existe nada perdido. Quanto ao patrocínio, quanto a quem paga o quê, eu não me meto muito nisso, não, cara. As escolas são o que são. Eu gostaria que a coisa fosse diferente mas também não quero voltar ao adereço de mão e... (ri)... à sandalinha, entendeu? Mudou demais. Não há como...Você tá sempre na avenida, né?Às vezes, eu tenho ido ver, fico muito comovido...

E ver o Salgueiro é uma coisa que mexe contigo?Fico muito comovido, muito comovido, é uma coisa quase insuportável. Mesmo com todas as confusões, quem matou quem... Aquilo é a minha escola. Eu vou chorar toda vez que ela passar.

Isso é uma coisa impressionante... Minha mãe, que você conhece, e eu sou salgueirense por causa dela, minha mãe morava na descida do morro do Salgueiro, e a babá dela era baiana do Salgueiro. Por isso é que ela tem uma relação doente com a escola. E até hoje, e Dani é testemunha disso, até hoje a gente costuma assistir ao desfile juntos, e minha mãe chora violentamente quando o Salgueiro entra na avenida...É?

Porque é uma coisa que mexe com ela de uma maneira que é quase que indescritível.É difícil você definir isso pra caramba! Eu, por exemplo... Você quer ter um exemplo absurdo? Eu desfilei uma vez na comissão de frente da Mocidade, numa homenagem a Elis; eu fui bicampeão da Mangueira numa homenagem a poetas, em que se falava do Carlos Drummond, e eu tava na comissão de frente. Eu queria ir! Eu fui convidado e me senti honrado. Eu nunca tinha passado por isso. Quando eu saí no Salgueiro, agora que o Salgueiro fez cinqüenta anos, nós não fomos sequer classificados. Não mudou nada pra mim, cara! Fiquei intensamente comovido em cima do carro, cantei e saí rouco, de ser abanado no final...

A disputa é uma grande besteira...Uma besteira enorme... uma besteira enorme!

O grande barato é desfilar e ver o escola...O desfile, a escola, o seu coração ali... É mais ou menos como futebol. Eu sou Vasco, não gosto do Eurico, eu sou Salgueiro, posso discordar da diretoria. Mas eu não vou mudar! Eu sou Vasco, sou Salgueiro, como sou Bafo da Onça!!! Que eu nem sei ainda se existe...(Aldir gargalha)

Do Catumbi... Você freqüentava a quadra lá de cima do Salgueiro, né?Calça Larga...

Dani: Sabe tudo! Aldir sabe tudo!Ahhhhhh... Eu tenho uma história legal pra contar pra caramba, sobre o Zeca (Mello Menezes), que eu acho linda. Uma vez a gente tava bebendo e o Zeca disse assim: “As mulheres vão ser sempre superiores...” (Dani ri) E eu, né, cara?, naquele movimento, desvio a cara do copo, que o cara que tá bebendo pressente o momento da asneira, né?, mas da asneira clássica, aquela que vai entrar pra antologia (Dani gargalha)... "Mas por quê?"... E ele fala: "Trompas". E eu: "Hein?". "Trompas, nós não temos trompas..."... (Aldir aponta pros ouvidos)... "Mas nós temos, ó!". E ele: "Essas não! Eu me refiro àquelas que se ligam ao útero, que se ligam à matriz... Trompas. É a coisa mais bonita que tem. É você já de madrugada, quatro e meia, um troço desses, vem uma moça já um pouco prejudicada e já bebeu, e você tenta conversar com ela, e ela... ai, eu tô com problemas..." (Dani não pára de rir)... E continua o Zeca: "E não há nada mais bonito que isso, e eu tenho um sonho...". E eu: "Conta pra nós...". E ele: "Um dia eu vou fazer uma mulher gozar tanto que quando eu encostar a orelha na barriga dela, as trompas dela vão tocar o Hino Nacional"...(todos três gargalham violentamente)

Grande Mello!Mello Menezes! É lindo, né?

Desde quando você conhece o Mello?

Ih! Eu tinha dezessete anos, cara! Tu não conhece esse começo?

Conta! Conta!Eu passei de bicicleta...

Em Paquetá...É... Aí o cara tava na parede encostado assim, com as pernas cruzadas, com uma flauta, fazendo assim... (cantarola a introdução de "Ponteio")... Ele tava fazendo isso... Aí eu parei a bicicleta e disse: "Ué... tu quer ir a uma seresta?" Porque havia uma rivalidade, entendeu? Quem ficava lá pro lado da Imbuca não se dava com quem ficava pro lado de cá, nos Coqueiros...

Dani: Tipo Volta Redonda e Barra Mansa...Aí eu paro a bicicleta e digo: "Porra, um troço do caralho..." E ele fala: "Pô, claro que eu vou...". E eu: "Você quer ir a uma seresta nos Coqueiros hoje?", e ele, "Claro que eu vou!" e eu "leva a flauta!". E aí ele leva a porra da flauta. (Mari, que chega, ri) Bom... o que aconteceu foi o seguinte, cara... Uma, duas, três, quatro músicas... Aí alguém disse: "Nós trouxemos, hoje, um flautista emérito, Mello Menezes, que vai nos acompanhar em ´Ponteio´". E era o Silvinho! (Sílvio da Silva Jr.) (imita o violão e a flauta) Aí entra: "Era um, era dois, era cem..." (imita a flauta) Aí eu notei que havia alguma merda errada ali, né? Mas o melhor, Dani...

Dani: Fala, querido!Próxima música! Alguma moça diz assim: (imita a voz da moça) "Ah, toca ´Minha Namorada´". Aí o sujeito faz um acorde enorme e diz: "Não há amor sozinho... (cantando)"... E o que é que aconteceu, cara? (imita a introdução de "Ponteio" na flauta) Ele só sabia essa merda, cara! (Aldir gargalha) Cara! Na quarta vez pintou: "Vamos cantar blues!" E aí entram (cantando): "They say, ruby you're like a flame…" (volta a imitar a flauta com a introdução de "Ponteio")... Aí nêgo quase linchou ele, quis jogar ele na água e foi assim...D: E foi assim que você conheceu o Mello?Foi. Maravilhoso.D: Essa pessoa estranha e maravilhosa...(Aldir gargalha)

“O politicamente correto

é a morte da criatividade

e do botequim.”

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Dani: Sabe tudo! Tudo!(Dani beija o Aldir)Sabe tudo o quê?

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ENTREVISTA - final

ALDIR BLANC

- "O que é que você quer, hein?" E ele (imitando o Mello): "Quero levar você no Capela...". Bom, ele conseguiu sair com a japonesa. Mas passou antes num bar, bebeu pra caralho, encheu os cornos, mesmo! No bar, bebeu chope e disse que ela era linda e dizia "aqueles olhos... eu sei o que é que vai me aguardar, bilubilubilu no corrimão", fez todas as merdas imaginárias... Aí foi pro Capela. E disse: "Daqui nós vamos subir lá pra minha casa, lá em Santa Teresa... E como eu vou te dar um trato lá em cima, e tu nunca mais vai esquecer... (imitando o Mello)... Cícero! Cícero! (chamando o garçom do Capela)... Filé e molho de espinafre!... Cara... a japonesa levantou ele com a cara dentro do molho de espinafre, no Capela, assim... (imita) Escornado... e ela fez assim: "Ei...". Levantou ele pelo cabelo, espinafre em tudo... E ele: "Oi...", e ela: "Porra, tu caiu...". De repente, cara, ele: "Eu? Caralho! Porra!". Foi lá lavar a cara. Lavou a cara, se preparou todo, sentou em frente a ela, naquelas posições que já não fazem sentido (imita o Mello cruzando as pernas)... E disse: "Vamos lá pra minha casa, lá em Santa Teresa...".Bom, foram, cara. Aí ele foi com a japonesa, a japonesa tirou a roupa toda e ele deitou em cima da japonesa e teve a maior vontade de fazer cocô e disse pra japonesa: "Você esperaria um pouco que eu vou buscar o Proseco?" (gargalhada geral)

Eu nunca mais vou esquecer o que é que é buscar o Proseco! Bom... Foi pro banheiro da empregada, chegou no banheiro da empregada, ficou nu, puto com o mundo e tal... Sentou no vaso e (imitando Mello dormindo)... Quando eram mais ou menos oito e dez, a japonesa, que procurava ele pela casa inteira entrou no banheiro de empregada e disse: "Oi... Será que daria pra você chamar um táxi...".(todos riem muito)

Aldir, pra fechar! Você sempre foi um cara de botequim, né?De pé-sujo! Não freqüento restaurante, não gosto de nada...

O Rio hoje, e eu não sei se você acompanha esses troços, tem um movimento, que a imprensa vem adulando, que é o crescimento dos "pés-sujos fashion", ou os "botecos grifados", que é um troço que vem tentando transformar o buteco pé-sujo numa coisa pré-fabricada, moldada... Na mesma medida em que esses lugares não param de crescer...Proliferam, né?... os botequins vão morrendo!É...

... por que, até mesmo as políticas de postura jogam contra... proíbem os paliteiros, proíbem os saleiros...Acabei de escrever um artigo, cara, tem vinte e quatro horas que eu escrevi um artigo... Não me interessa a cozinha, não me interessa a decoração, a limpeza, não me interessa merda nenhuma, cara, botequim é o papo, botequim é o papo... Se eu tenho os meus caras, e se a gente conversa, esse é o meu botequim. Se não tem conversa, não tem botequim.

Mas aí é que tá a questão! O grande papo, no final das contas, está nesse pé-sujo! É no pé-sujo que se reúne a corja, né?, a nossa tribo, onde está o papo, o jogador, tem a porrinha, tem o cara do cavalo, esses caras tão nesses lugares que tão morrendo...Tão morrendo...... tão sumindo, porque vão crescendo esses bares, né?... os mauricinhos... Os limpinhos, os pés-limpos...

O que é que você mais ama, ou amava, no Rio, que você vê que tá desaparecendo?Com certeza, botequim e papo. O Ivan Lessa tem uma grande frase, cara, uma frase inesquecível: "Papo é civilização". Toda vez que a gente conversar, ninguém joga bomba... É uma frase que eu amo muito. E no botequim tem isso... Você deve lembrar uma época, aqui, que o Maurinho Judeu, que tinha esse apelido, não sou eu que tô botando, conversava com o Alemão, e eles faziam piadas completamente alopradas sobre campo de concentração que é um negócio absurdo, mas eles faziam isso! Isso não é culpa minha! Depois eles dois sumiram, né? Mas eu acho que o essencial, rapaz, é conversar, entendeu? No botequim não interessa o tira-gosto, o Bar da Maria foi consagrado sem ter um único pedaço de queijo pra vender, até porque são uns idiotas, entendeu? E outros tantos, né?, o que interessava eram as pessoas que você encontrava pra falar, falar, falar, falar... Depois podia vir o queijo, não vir... O que você estiver bebendo é essencial, tem que estar gelado... Tem que ter limão...

Você tem o seu buteco de fé?Eu gosto do Momo. O Momo é pé-sujo, cara, mas o Momo tem o seguinte: o Momo serve feijoada, rabada, mocotó, não sei o quê, tudo direitinho. Você pede a cerveja, ela tá gelada. Você vai ao balcão e toma um limão impecável, cara. Hoje é, sem dúvida, é o meu buteco. Aquilo lá é... E digo-lhe mais! Os garçons te tratam como pessoas da família, né? O Tonhão é meu irmão, ele é filho do meu pai, aquilo não existe, cara... Aquilo acabou faz tempo...

Aldir, pra fechar mesmo! Você falou do Maurinho Judeu e do Alemão e me lembrou um troço que eu conversei com o Fausto no Bar Brasil e ele falou uma frase hilariante sobre isso... O que é que você acha dessa merda de papo politicamente correto, que te impede falar Maurinho Judeu, Alemão, sem ser tolhido...O politicamente correto é a morte da criatividade e do botequim. É o que posso dizer.Tá bom!Se a gente for se guiar por aquilo que é politicamente correto, nós vamos morrer com certeza...Tá bom, querido. Obrigado!

É o maior maluco que você conhece, né?É. Eu posso te contar até a tua fita acabar e vocês vão ficar em estado de choque. Vão ficar em estado de choque. Uma vez, essa vocês não sabem... Uma vez ele foi a uma feira dessas, de arte, e conheceu uma japonesa. E ele ficou completamente apaixonado. E dois dias depois ele voltou pra encontrar a japonesa e ajeitou a banqueta e ficou em frente... Que ele faz gênero, né, cara? Ninguém faz mais isso, mas ele faz. (imita o Mello admirando a japonesa desenhando na banqueta). E a japonesa: "O Que é?" E ele olhando, olhando, e isso ficou rolando, rolando, até que na quinta vez que ele fez essa merda a japonesa, exausta, disse: (todo mundo ri)

D AA POESIA DE CADA ILUTO COM A PEDRA

Luto na margem,lutavas com o rio.

Cortava a vida,os pedaços de ave

caíam em cubosno gelo dos gestos.

Não podia abriruma vala em teu rosto.

Teu choro murmurava água no sumo da rocha,

tua boca de leitecom uma cortina de pedra.

Um dia, eu te perdipara o musgo.

Luto na margem.

ELUCIDÁRIO DA LUZ

Algose devastaem mim,

algaa bordo daespuma:

ser minhabreve epidemia,

luzir aquosa

minha luz própria,fugitiva.

ESCOMBRO DA SOMBRA

Algo se alastraem mim,

Amálgamacom vazio:

ser minhaprópria mancha,

minha fábrica de máculas,

e não cabernuma só nódoa.

GARGANTA DE RIO

Minha sedenão cabe em mim,

a água me sacrifica.

Poemas de “Uma luz no aquário”, primeiro livro de Carlos Besena ser lançado em novembro na 52ª Feira do Livro de Porto Alegre.

PERDA LÍQUIDA

Uma vida,uma pedratão próxima,

mas

o receio dese derramar

ÁGUA DE GAVETA

Persiste em se tornar caixa, Alice, e se enterra no telhado.

Aliceajuda a ser telha e calha, as mãos em concharepresam o desperdício.

Alicepreza metamorfoses, - prece decompondo deus.

Apressa o curso da água,Alice:seus dedos de moluscodeságuam a presa líquidano rio,

a alegria da calda.

Insiste em ser caixa, Alice,e repete o caminhoda calha à telha,

ela, baú de água, telhado térreo com um pássaro na cabeça.

Perto do céu, AliceSe guarda.

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O pouco que sei sobre MPB (a que desconfio ser a denominada) inclui melodia bonita, harmonia requintada e ritmo tupiniquim. Pois de tudo que ouvi até hoje do rapper carioca, Marcelo D2, nunca encontrei nenhum desses elementos - até mesmo porque no hip hop há ausência de melodia e ritmo importado. A punhalada fatal aconteceu quando o "malandro" subiu no palco para receber o prêmio da MTV na noite gloriosa (sic) e disse que não sabia o que estava fazendo ali e que odiava MPB. (#!%!%#bum!!)

Mas recentemente descobri que a televisão e o marketing podem fazer alguma coisa genial ainda nesse mundo de MpopB. Aleluia irmãos! Não é só com pop-rock que se vende produtos! Está aí o Prêmio Visa de MPB para provar isso. A excelência musical que vi pela TV na noite de premiação da edição vocal em outubro deste ano foi estupenda. Claro que faltaram as performances engraçadinhas que tanto me fazem rir (haha), da premiação citada anteriormente.

Fazia tempo desde a última vez que algo novo em MPB havia me impressionado. Aconteceu na ocasião em que ouvi o disco de Otávio Segala, cantor e compositor de Santa Maria. Havia até perdido as esperanças de encontrar algo novo que viesse de outros lugares do Brasil, que não fossem os filhos da gravadora Trama ou os cariocas do selo Biscoito Fino. Até que ouvi as performances dos concorrentes ao Prêmio Visa 2005.

Em primeiro lugar, ficou uma cantora que vou resistir à tentação de comparar à gauchinha que mais canta em nosso imaginário: Elis Regina. Porque Izabel Padovani traz de volta ao presente de nossa história emepebística a audácia e a precisão na interpretação - qualidades que a filha da diva Elis não trouxe (e nem seria justo cobrá-la). Agora já comparei...

Ao lado de seu marido, o passofundense (viva o bairrismo!) Gringo Saggiorato, ela apresentou no palco da premiação televisionada algo que vai além do programa de entretenimento. Em tempos de sensibilidade musical transferida para os olhos, Izabel Padovani deu o gostinho de uma batalha vencida, aos heróis da resistência, que ainda não se renderam à combinação TV, cerveja, bunda e futebol, no sentido mais midiático e abobalhado possível.

Palpito que a Música Popular Brasileira só foi popular (e não tanto assim) quando teve seus programas de TV. Vejo agora um presente promissor. Não! O gênero não será popularizado. Sim! A música brasileira deverá ser interessante novamente para um público específico, que consome televisão a cabo e mp3, usando seu cartão de crédito. Visa! - num primeiro momento. Mas tomara que o concorrente copie logo essa "tendência mercadológica" e invista em um novo prêmio. Assim, poderemos conhecer mais Izabéis Padovanis que existem no país, mas que a essa hora devem estar cantando a canção da Marjorie Estiano que concorreu à melhor música do ano do programa Domingão do Faustão (??#%#plim!plim!) em um bar da esquina.

BrasileiraTelevisionada

Da Música

JOÃO VICENTE RIBAS jornalista

ão sei mais o que é isso. Música Popular Brasileira. Do rótulo MPB, até tenho idéia. Mas desmembrada a sigla, não consigo saber mais não. Quando chego na loja de CDs e DVDs e dou de cara com a sessão "MPB", penso o que será que posso encontrar aí?

Então dou de cara com pilhas de remasterizações de LPs e reproduções daqueles shows tributo a alguém que já não cria mais nada de novo - porque morreu ou porque não cria mesmo. Lástima!

Pior quando bares e boates anunciam em notas de rodapé ou spots de rádio: "música ao vivo - MPB e pop-rock". O acerto desse tipo de propaganda é colocar o segundo gênero ao lado do primeiro. Porque aí dá pra sentir e prever o espírito da coisa. O que pode se esperar de um músico que vá tocar na noite MPB ao lado de pop-rock!!?? MpopB! Leia-se as piores do Djavan e as melhores do Jorge Vercilo. Claro! Pois não existe alguém que toque um João Gilberto seguido de "na madrugada, vitrola rolando um blues...". Mas um reggae bonitinho do Gilberto Gil depois de um Papas da Língua, já é possível.

Aí vem a Music Television Brasil, que abreviamos em uma sigla tão simpática quanto a em questão: MTV. Melhor: emetevê, como o Caetano Veloso gosta de falar e o Supla (!!!#%#) gosta de dizer que inventou antes. A Música Popular Brasileira (se é que um dia existiu) morreu na premiação Video Music Awards Brasil 2005 da MTV. Foram escolhidos os seguintes concorrentes para a categoria MPB: Sidney Magal, Los Hermanos, Bid e Elza Soares, Marcelo D2 e Arnaldo Antunes. Fosse só a produção do evento da emissora de TV, ainda não seria o fim. Quem sentenciou a morte do gênero inapelavelmente foi a audiência, votando no vencedor: Marcelo D2 (??#%#!!).

N Se você faz parte daquela geração como eu, ou anterior a ela, de quando a canção brasileira tinha os moldes, os contornos daquele formato pós-festivais anos 60 onde o trinômio melodia/harmonia/letra eram cuidadosamente lapidados pelos compositores, provavelmente, ao se deparar com a produção atual de canções experimente uma estranha sensação de... esvaziamento, diluição, ou sabe-se lá o quê. Por quê? Será que não estamos conseguindo acompanhar esta nova leva da produção autoral brasileira? Será que as nossas referências estéticas às quais sempre acreditamos podermos nos gabar (afinal referenciais como Chico Buarque, Caetano, etc. não é pouca coisa) de nada valem para compreender o contexto atual da criação brasileira? Ou será que estamos enxergando um problema onde não tem, ou talvez entendendo ou abordando a questão pelo canal diverso? Faz um tempo, questão de ano e pouco, Chico Buarque expôs em uma entrevista para um Jornal de circulação nacional que o formato de canção o qual ele partilhava, inspirado nos moldes composicionais de Tom Jobim, estava fadado ao total desaparecimento, porém ele, Chico, por fazer parte desta geração e ter convivido e produzido com Tom, se mantinha e ainda produzia dentro deste perfil. Indo além, ao referir-se à temática social do Rap brasileiro, expressou total respeito e admiração por estes compositores dentre várias razões - suas criações serem fruto de um viver 'in loco', e por serem escutadas e consumidas por uma faixa de audiência que ele Chico, jamais atingiu e provavelmente jamais atingirá. No capítulo Simultaneidades do seu excelente O SOM E O SENTIDO, Zé Miguel Wisnik alerta para a reiteração do pulso e do caráter modal presentes nas criações mais recentes, assinalando uma espécie de retorno ao "tribalismo", porém com contornos urbanos e eletrônicos - o pulso e a defasagem do pulso: " a música de concerto contemporânea explorou conscientemente dimensões do tempo que contestam a escuta linear, negam a repetição e questionam o pulso rítmico. A massa das músicas de massa marca o pulso rítmico, a repetição e apela à escuta linear. Uma contesta o tom e o pulso, outra repete o tom e o pulso." Silviano Santiago, em entrevista para o livro A MPB EM DISCUSSÃO organizado por Santuza Cambraia Naves, Frederico Oliveira Coelho e Tatiana Bacal, expôs de forma significativa que... "a arte de hoje em dia sempre apresenta o mundo a partir de um quadro, e esse quadro é o enquanto "... ou seja o momento que vivemos hoje não se referencia, não se apóia no antes, durante ou depois, e sim, vivemos o momento do enquanto. Em síntese, para entendermos o momento que vivemos hoje e as suas respectivas criações devemos repensar nossos parâmetros avaliativos de tempo - o ontem já não vale como referência para compreender o hoje. Pós - modernidade? Quem sabe... Luiz Tatit em artigo para a revista Cult explicou que a Canção nunca andou tão bem obrigado. Explica: "a existência do Rap e outros gêneros atuais só confirma a vitalidade da canção. Ou seja, canção não é gênero, mas sim uma classe de linguagem que coexiste com a música, a literatura, as artes plásticas, a história em quadrinhos, a dança, etc. é tudo aquilo que se canta com inflexão melódica (ou entoativa) e letra. Não importa a configuração que a moda lhe atribua ao longo do tempo." Nesta altura proponho ao leitor que chegou até aqui uma pequena incursão auditiva. Escute e reflita sobre duas canções que falam da figura feminina brasileira como fonte de inspiração - BEATRIZ de Chico Buarque e Edu Lobo e o sucesso recente do Funk Carioca BOLA DE FOGO. Uma é tonal e a outra, modal. Uma é rica em arranjos, outra é simplificadamente apoiada numa base eletrônica. Uma se apóia num fluxo melódico, outra, no fluxo da fala. Ambas refletem realidades sociais e estéticas distintas. Pergunto: estas canções são mesmos enquantos de brasis diferentes ou diferentes enquantos de mesmos brasis? PS:. Esqueça o seu gosto pessoal.

ocê já parou para pensar no que está acontecendo com a canção? Refiro-me à Canção Popular Brasileira? Você por acaso já se questionou sobre as transformações que ela tem passado nos últimos tempos?

OS VÁRIOS 'SONROTNOC' DA CANÇÃO BRASILEIRA

FELIPE AZEVEDOcompositor e violonista

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Nós prestamos homenagem ao seu aniversário de 60 anos (completados em 02/09), mas quem nos dá os presentes é ele. ALDIR BLANC nos brinda, de uma só vez, em 2006, com o livro Rua dos Artistas e transversais (ed.Agir) e o disco Vida Noturna (Lua Music). O livro reúne as crônicas publicadas nos livros Rua dos Artistas e arredores (ed. Codecri, 1978) e Porta de Tinturaria (ed. Codecri, 1981), somadas a outras escritas para a revista Bundas e o Jornal do Brasil. É primoroso! E Vida Noturna é o disco que todos esperávamos. Aldir cantando. E ele canta demais, bem pra caralho! Algumas músicas inéditas, parceiros presentes (Guinga, João Bosco, Moacyr Luz e Hélio Delmiro) e um Maracanã vascaíno lotado, ou uma Salgueiro exuberante, de poesia. No mais, somos gratos ao amigo Eduardo Goldenberg, pela entrevista, ao Paulo Barbosa, pelas fotos, e a nossos estimados colaboradores que escreveram sobre o “Ourives do Palavreado” - todosque, juntos, “vamos sacaneando a morte”.

VALEU, ALDIR!

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Vô cumê essa bonda, ô vagabondo!Bração se abasteceu com uma garrafa de cangibrina e embarcou no fuscão mil e quinhentos envenenado com naftalina a quatro miligramas. No caminho, o querido pinguço olha bem pra nuca do piloto, e esboça seu sorriso débil, para logo em seguida tascar o seu bordão até então novo pro do volante: - Vô cumê essa bonda, ô vagabondo! O coitado do navegador, sem entender porra nenhuma, se resignou a uma pequena risadinha, achando que o passageiro tava fazendo alguma merda de uma piadinha sem graça. O Bração repetiu aquilo mais duas vezes, e o motora seguiu se limitando aos "hi hi hi" de educação. A merda que veio já era de se esperar: nosso persona, lá pelas tantas, se cansou de só ameaçar, e tacou a mão no rabo do condutor. Puta que os pariu! Eu sei que é absurdo, mas foi isso mesmo! O bravo piloto ali, sentado no manche do bólido, e o infame enfiando a mão esquerda por baixo da perna direita do cara. Sabe como é: palmilhando a coxa, tentando uma dedada assassina no esfíncter do pobre, e o infeliz pulando tipo minhoca no asfalto quente e gritando:- Ô! Ô! Ô Rapaiz, tira essa mão daí! Porra dum caralho!!!Ao mesmo tempo em que reclamava, o distinto chofer tentava manter o guidão do fucão no trecho, enquanto o sensível da vila, o mimoso lá do bar do Seu Rolinho, repetia sem parar:- Vô cumê essa bonda, ô vagabondo!!! Num ato de desespero pra lá de justificável, o piloto apavorado puxou sua assessoria diplomática de dentro do porta-luvas e tascou um balaço na barriga do Bração, que tombou ali no asfalto. Não que o tiro tenha ferido o troglodita a ponto de derrubá-lo. Não, depois se soube que o demônio caiu foi de bêbado mesmo. O chumbo ficou preso na manta, no casaquinho de sebo que envolvia o meigo. Do hospital, Bração recebeu alta logo. Melhor dizendo: correram o cara de lá o quanto antes, pois às enfermeiras, aos médicos, e a toda e qualquer pessoa que entrasse no quarto de repouso, o enfermo lascava sem perdão: "Vô cumê essa bonda, ô vagabondo".Dizem que foi o Bração que fez com que seu Paulinho PC - aquele que vivia dizendo paunocú paunocú paunocú pra todos seus confrades - mudasse de discurso: cada vez que o Bração, o homem mais forte do mundo, ou apenas o Bração da Dona Vilma, adentrava a tinturaria do Seu Rolinho, o Paulinho PC trocava o elogio para: dedonocú dedonocú dedonocú. Mas eu ainda acho que era só intriga da oposição.

Seu Rolinho, que era um cidadão democrático, estabeleceu entre os membros da sua igreja que qualquer um que enfiasse qualquer coisa em qualquer parte do corpo alheio, dentro das dependências da livraria, tomaria um gancho de dois meses. Tava proibido enfiar desde faca até o dedo mesmo. E deu autorização expressa pro Zizão, aquele que ficava eternamente parado na porta do bar, para fazer uso do camboim - um porrete feito do mais autêntico cedro-de-acalmá-doido - nas fuças de quem resolvesse quebrar as regras.

Claro que volta e meia o Banga da Baixa Gogô provocava tanto o Bração que o bacana se invocava e tentava tocar o dedo no roscófi do amigo, enquanto rosnava: "vai tomá nessa bonda! Vô cumê essa bonda, ô vagabondo". E o porrete cantava nas mãos hábeis de Zizão, bêbado e amante do canto gregoriano, um mestre na arte de machucar os coleguinhas.Buenas... A mais engraçada de todas as histórias do Bração não ocorreu em solo sagrado, mas bem longe da lavanderia do Seu Rolinho. Mais precisamente, a uns cem quilômetros da caserna. O Bração foi passar uns dias se encharcando na casa de um primo que salgava o saco no balneário de Tramandaí. Neste meio tempo, deu-se a merda da Dona Vilma, mãe de nosso herói, sofrer um acidente doméstico. Coisa boba. Um tombinho de nada. Não importa; bastou isto pra que o diabo do hômi saísse em desabalada fileira (fileira de garrafas!), em sentido da capital pampeana. O primo do Bração conhecia um taxista (ou um chofer de praça, pra agradar os chatos), e conseguiu convencer o motora a levar o querido até Porto Alegre.

CHARLES ABEGGautor de “Mortalha e outros poemas”, edição do autor, 2004.

O fato era que a borracharia do seu Rolinho ficava no exato ponto limítrofe do IAPI com Santa Maria Goretti. Normalmente, isso seria uma bobagem; mas o Betão Banguela, o Banga da Baixa Gogô, não deixava a coisa se esgotar, e reacendia a engronha cada vez que se apresentava, dizendo que era da Santa Maria Goretti sim, mas da baixa, que a parte de cima ficava muito perto da vila do IAPI, lugar de veado, de ladrão, e de veado ladrão. Isso era evidentemente rebatido de pronto, recomeçando o enrosco e fazendo a merda pegar preço.O maior defensor da vila era uma figuraça de quem nunca descobri o verdadeiro nome, e creio que nem ele mesmo, pois adorava o próprio apelido: Bração, o homem mais forte do mundo. Ou simplesmente "Bração da Dona Vilma", como também era chamado em uma clara referência à sua progenitora. Bom, o fato era que o diabo do louco era forte pra cacete, com uma cara de débil mental... Pensando bem, acho que ele era meio retardado mesmo. O cara era forte e gordo, mas não um gordão qualquer, todo gordo, mas daqueles caras que tem as pernas magras e uma puta de uma barrigona. E dois brações dignos de estivador, de mineiro (de profissão, não de nascença), ou qualquer porra dessas.A grande sorte do Banga residia no fato de que o Bração não costumava usar sua força física (a l iás, a única que t inha) , muito provavelmente pelo fato de estar invariável-mente trêbado. Do contrário, meus amigos, é bom que se diga: o Banga estaria fodido. E o Bração, de mais a mais, não dava muita importância às provocações do Banga, limitando-se a proferir um bordão tão estúpido quanto o próprio: "vai tomá na tua bonda". Assim mesmo: com "o" no lugar do "u". E sempre dizia isso com uma cara de burrão que só ele tinha. Qualquer coisa, e lá vinha ele: "vai tomá na tua bonda".Tinha um outro detalhe enriquecedor da personalidade do bonito: o diabo do infeliz fazia uma "brincadeira" meio estranha. Aliás, estranha pra caralho! Quando tava numa fila de padaria, de açougue ou de qualquer merda que o valha, a peste tocava o dedo no cu do primeiro desgraçado que tinha a infelicidade de estar na frente dele, e dizia com a sua voz sempre grave, embargada de cachaça e demência: "vô cumê essa bonda, ô vagabondo". Sempre assim, trocando o "u" pelo "o".O dedo do divino era uma cebola avantajada, o que contribuía ainda mais para que o distinto que levava a referida dedada ficasse puto dos cornos, e se virasse com os punhos armados em riste, rosnando, babando de raiva, pronto para enfrentar o Maguila ou outro merda qualquer. Quando via quem era o mimoso autor do tão delicado carinho anular, o leão virava um gatinho persa, uma porra de um gatinho de madame, daqueles bem putinhos. Bastava olhar a cara do monstrengo que ficava atrás do dedo criminoso pra a bosta escorrer perna abaixo do miserável.

Com o passar de alguns poucos anos - e muito ânus! - de dedadas, a galerinha lá do IAPI já tinha ficado esperta para tal brincadeira (ou brincadura se preferirem, como diziam alguns rabos em frangalhos): quando se via o Bração entrar no raio duma fila, ninguém se importava de deixar ele passar na frente.

preciso esclarecer que a divisão que havia no bar do seu Rolinho não se limitava ao futebol, que rachava a turma no meio, mas também à importante questão geográfica que servia de estopim pra detonar uma boa briga ou um rico bate-boca entre aqueles odisseus etílicos. É

[email protected]

TÚLI

O P

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legítima defesa

meu esforço é saber se existo.queimo no fogo de boas idéias mal conduzidasenquanto todos em volta endireitam suas vidase se adaptam a rumos coletivos.

desdizem o que diriam se não fosse ontem,cancelam a chance de enlouquecer sem asas,desmentem aquilo que os faz noite em carne.

sorrio com esforço para o que dizem sobre mim:que sou abstrato, rancoroso, pesado, indisposto,antipático, irônico, cínico, romântico, falso, laico,tudo aquilo que julgam porque são e não podem ser.

aceito tudo com a indiscrição de olhos chinesese o sorriso legítimo de um surdo abençoado.

outra coisa - uma palavra - seria exigir muitode quem não pretende saber a que veio ao mundoe tem tanta curiosidade de ser como outrosque falam tanto sobre o que são capazes de ser,do que podem subverter em mágoas repartidas,do que seriam não fossem feridas cobertas de pó,todos tão amáveis, tão seguros, tão corretos...

mas não podemos bocejar agora!

todos discutem sobre o que deve ser feito.tento esquecer o que é discutido - se consigoe discuto o que deve ser feito só comigo.

Leonardo Marona (http://omarona.blogspot.com)

Porém o sul é profícuo em sua história e em sua cultura. Agora, é momento de aplicar essa mitologia aos novos fatos e seres históricos - aqueles que viveram o século XX urbano e a atualidade e que possuem, em sua cultura, orgulho ou ref lexo desse mito do gaudério heróico. É preciso reinventar, nova-mente, um gaúcho que tenha, sob os pés, pedra, paralelepípedo ou asfalto, reconstruindo, cotidiana-mente, um regional ser uni-versal". O lançamento será na 52ª Feira do Livro de Porto Alegre, dia 29/10, às 15:30horas. Contato com o autor: http://leandrodoro.zip.net [email protected] (51)99789346.

Em fevereiro de 1979 um jovem foi morto ao fugir de uma batida policial. Esse fato, corriqueiro, ocorrido em um período peculiar da história brasileira, gerou um levante popular em Passo Fundo (RS), conhecido na cidade como revolta dos motoqueiros. Foram mais de 10 mil pessoas rebeladas contra as autoridades após o assassinato de Clodoaldo Teixeira (17 anos). Nota curiosa: um dos agitadores e incitadores da revolta, na ocasião de férias em sua cidade natal, foi Tarso de Castro, fundador e editor do Pasquim. Leandro Dóro (30 anos, passofundense, jornalista e cartunista e editor do blog http://leandrodoro.zip.net) reinventou essa história de modo ficcional e publica agora a novela “Revolta dos Motoqueiros” (Ed. Boleadeira Voadora, 2006, R$ 12,00). A narrativa é destinada ao leitor juvenil, mas pretende ir além do mero registro ficcional do episódio que marcou a infância do autor e mexeu com o imaginário de uma geração de habitantes da cidade de PF, pois, na opinião do autor, a figura do gaúcho e da pampa mitológica devem estar em permanente discussão. E fatos como esse da revolta dos motoqueiros prestam-se para criticar a imagem mitológica do gaúcho. Então deixemos a palavra com o Leandro e seu manifesto errante: "O mito do gaúcho ainda é essência artística na representação de nosso povo, apesar da cidade ter absorvido, devido à industrialização e à política getulista, a maioria dos pampeanos e o modificado com influências culturais difundidas pela mídia, pelas diversas culturas que conheceu e as mudanças tecnológicas. Com a pós-modernidade, buscou etnia. Reorganizou-se. A literatura e a música refletiram essas mudanças, mas a pampa mitológica é tema recorrente”.

REVOLTA DOS MOTOQUEIROS

O projeto Música Autoral, idealizadoe produzido pelo VAIA para divulgara produção de música popular brasi-leira feita na cidade e estado, já teve a participação de compositores como Nelson Coelho de Castro, Henry Len-tino, Felipe Azevedo, Karine Cunha,Otávio Segala e Jeronimo Jardim (foto), entre tantos. E para a edição de outubro os shows serão de LuanaCoelho, Banda Piratas do Porto e Adrianè Muller. O espetáculo será no Centro Cultural CEEE Erico Veris-simo (Andradas, 1223) no dia 19, às19 horas. Ingressos a R$ 8,00 .

MÚSICA AUTORAL

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A poesia viaja (e muito bem!) nas ondas internéticas. As escolhas afectivas (http://asescolhasafectivas.blogspot.com) é uma espécie de corrente, ou como autodefine o subtítulo do blog, "curadoria autogestionada de poesia brasileira". Funciona assim: o poeta que é mencionado por outro publica poemas seus e menciona outros que vêm e publicam também os seus. E toda semana há novos poemas sendo publicados. A idéia é do argentino Aníbal Cristobo (autor de "Miniaturas kinêticas" , ed. CosacNaify, 2005). Até agora (outubro) já são quase cem poetas participantes, entre eles, Paulo Henriques Britto, Wilson Bueno, Francisco Bosco, Ademir Assunção, Rosália Milsztjan, Italo Moriconi, Rodrigo de Souza Leão, Donizete Galvão, Antonio Cícero, Renato Rezende, Michel Melamed, Glauco Matoso e Cadão Volpato. Abaixo, poemas de Rosália e de Donizete.

A prova

Não fale tantoCom o tempoO eco reverberaE fica insuportável

Cale-se enquantoÉ tempo e por dentroTeça um instrumentoPara a composição da melodia

A melodia quando prontaAlcança os justos e inocentesE saberás quem anda ao teu lado

Rosália Milsztajn

Aquém do homem

Para Maria Rita Kehl

Os corpos já nascemem débito.A dívida consolida-secomo uma cracaque adere à pele,contamina o sangue,sem que haja lugarpara o desejo.Quando este surge,irrompecomo uma facadana jugularem um beco escuro.

Donizete Galvão

CURADORIA DE POESIA BRASILEIRA

Já circula pela cidade a 3ª edição do jornal Varanda Cultural. Destaques pra ótima en-trevista com o humorista gráfico Santiago, quadrinhos de Guto Poá, artigo de Hermes Bernardi Jr e a impagável fotonovela, comSandra Alencar, Betto Russo, Rosane Frei-tas e Luciano Zoch. O jornal está ótimo, e nós do VAIA estendemos nossas mãos aos varandeiros. Valeu César e Cristiane!

ano o escultor XICO STOCKINGER. O prestigiado artista austríaco/gaúcho mostrará na exposição “Um laboratório de imprensa: a arte gráfica de Stockinger” (1944-1974) originais e fac similes que produziu como desenhista de charges, cartuns e história em quadrinhos desde a déca-da de 1940, quando morou no Rio e publicou em pulps egrandes jornais como “Diário Carioca” e “Última Hora”. Em 1954, Xico veio para o RS para ser o diagramador ecaricaturista de “A hora”. No ano de 1957, na presidência da Associação de Artistas Chico Lisboa, organizou a 1a. Mostra de Caricaturas, embrião do Salão de Desenho para a Imprensa. Foi apenas em 1974, quando trabalhava na“Folha da Tarde”, que largou as redações para dedicar-se às artes plásticas por inteiro. Hoje, aos 86 anos, toda sua produção é dirigida para a maior paixão: a escultura.

O 14. Salão Internacional de Desenho para a Imprensa, a ser realizado de 24/10 a 26/11 no andar térreo da Usina doGasômetro em Porto Alegre, terá como homenageado este

Um dia cantareias esmeraldas que colocaramem mim.Cantarei o brilho intensorefletido no espelho:Esperança.Por enquantoé preciso esperar que o pássaro de fogoretornee devolva a felicidade.

Contato: [email protected]

“Concedi a mim/ o indulto dos inocentes./Notempo certo da alma encontrada/ Parirei a mim mesma”, dispara Inês Hoffmann em seu livro de estréia. Os poemas de “Parto” (Ediuri/Cultuarte, 2006) atestam que versosvindos do fundo da alma revelam nossa ver-dadeira condição. A poesia de Inês mergulha fundo, abre os escaninhos mais recônditos, solta os monstros do incontrolável, descerra a própria insanidade.

Canção

Brizola e JK: verbas para o RS

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Esperava Magali. Nos conhecemos na quinta e hoje, domingo, depois de jantarmos, selávamos nosso namoro num motel. Ela era bem mais velha e gorda, extremamente gorda. Se despiu e deitou ao meu lado. No espelho do teto o desenho surrealista do Dali dialogava com a Magali do Maurício de Sousa. Ligo o rádio e a voz inconfundível de João Bosco penetra nos descaminhos: Meu coração tropical está coberto de neve Me trancafiei em um kitinete, me debrucei sobre o umbigo. Minha mão direita dava conta do recado. Parecia impossível ter um novo relacionamento depois que eu flagrei Laura, no mar, fazendo amor com meu irmão mais velho.Mas ferve em seu cofre gelado, a voz vibra e a mão escreve: Mar De personagem da Turma da Mônica, Magali se transforma na principal personagem branca de Herman Melville. Será que meu arpão seria capaz de atingir o ponto?Bendita a lâmina grave que fere a parede e traz Assisti a tudo do cais. Ela estava lá. Lânguida. Olhos nos olhos. Seus seios deslizavam sobre o peitoral de meu irmão.As febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais Moby Dick fala: - As letras de Aldir Blanc são tão surrealistas!Roseirais, Nova Granada de Espanha Olhei espantado para a baleia branca, e tudo que consegui falar foi: - É!Por você, eu, teu corsário preso Ela queria que eu me soltasse, que eu relaxasse. Subi naquela enorme barriga branca e tentei entrar.Vou partir a geleira azul da solidão Bati, bati, bati até cansar e ela, ela, não saía do cais das minhas retinas cansadas.E buscar a mão do mar, me arrastar até o mar, procurar o mar No primeiro encontro amoroso, depois de anos de reclusão, o rádio resolve tocar nossa canção.Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar A culpa não é sua, querida. Você é linda! Eu dizia para o mamífero, que chorava do outro lado da cama.Meu coração tropical partirá esse gelo e irá Eu era um náufrago, sem porto seguro. Sem Laura, na impossibilidade de ter Magali.Com as garrafas de náufragos e as rosas partindo o ar Tudo havia implodido em mim. E os escombros, a montanha de entulho, permanecia intocável. As ruínas não assinalavam a menor sombra de civilização.Nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar Sinais de fumaça, batuques de tambor, garrafas lançadas ao mar, código morse de um navio fantasma. Nada, nada, nadinha de nada, me fazia emergir, sair do longínquo cais e voltar à vida.Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar

Bailavámos ao som de “Corsário”. Aldir Blanc & João Bosco estampados num enorme cartaz ao fundo. A vida corria em suaves melodias. Eu me via em seus olhos, estava tão nítido: dois monstros se devoravam em pleno mar, um desenho surrealista copulava com uma personagem do Maurício de Sousa, e um idiota de binóculos no cais do tempo.Meu coração tropical partirá esse gelo e irá

agali tomava uma ducha e eu olhava o espelho do teto. Meu corpo na vertical: pernas finas, sexo escuro, tendendo para roxo-presidente, tórax seco e cabeça grande. Me via no espelho do teto e custava a crer que eu realmente estivesse ali. Aquilo no espelho bem que podia ser uma pintura do Dali.

Escritor, romancista, poeta e compositor. Autor de “Bingo!”, publicado em Portugal. Selecionador do livro “Melhores Poemas Patativa do Assaré” (editora Global, 2006). Traduzido em vários idiomas, tem textos publicados em incontáveis revistas e suplementos literários, jornais, blogs e revistas eletrônicas de arte e cultura.

CLÁUDIO PORTELLA [email protected]

MCORSÁRIO