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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 de setembro de 2009 1 Jornalismo e narrativa: uma análise discursiva da construção de personagens jornalísticos no seqüestro de Abílio Diniz e suas repercussões políticas 1 Diana Paula de SOUZA 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG Resumo Considerando que relatos jornalísticos são narrativas, analisamos a cobertura do seqüestro do empresário Abílio Diniz realizada por O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo. Partimos do conceito de “submissão”, empreendido por Leão Serva, para identificar as estratégias discursivas utilizadas pelas três publicações no tratamento conferido aos seqüestradores. Verificamos como o episódio contribuiu para o resultado das eleições presidenciais de 1989 e para a identificação de grupos guerrilheiros da América Latina como terroristas. Palavras-chave: jornalismo; narrativa; discurso; personagem jornalístico; Abílio Diniz. Introdução Diversos autores reconhecem que relatos jornalísticos são narrativas 3 . Em uma reportagem, aqueles que têm seu caso mostrado são chamados, no jargão profissional, de personagens. Assim, os personagens jornalísticos são construídos discursivamente a partir de dados do real. São representações discursivas, portanto. A informação jornalística é trabalhada, o que significa que há uma ênfase em certos aspectos do fato ou das pessoas nele envolvidas em detrimento de outros elementos, que permanecem em segundo plano ou são simplesmente ignorados. Para tanto, os profissionais da área usam os chamados critérios de noticiabilidade, de modo a selecionar o que imaginam que leitor gostaria de ter acesso. Isso acontece também em relação aos personagens, que têm destacados certos traços de sua personalidade. Pode ocorrer, então, uma ênfase nos aspectos bons ou nos ruins. É por isso que, em muitos casos, à semelhança dos romances de massa, os best-sellers, é traçada uma linha que os divide em pólos opostos: bons versus maus. Essa polarização é nítida na 1 Trabalho apresentado ao GP Teorias do Jornalismo, IX Encontro dos Grupos/Núcleos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutoranda em Comunicação e Cultura na ECO/UFRJ. Professora substituta na Facom/UFJF. Jornalista. Bacharel em Direito com pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal. E-mail: [email protected]. 3 Ver MOTTA, 2005; RESENDE, 2005-a; RESENDE, 2005-b; SODRÉ, FERRARI, 1986; TRAQUINA, 2005-a; TRAQUINA, 2005-b.

Jornalismo e Narrativa

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sobre as idiossincracias dos jornalismo

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    Jornalismo e narrativa: uma anlise discursiva da construo de personagens

    jornalsticos no seqestro de Ablio Diniz e suas repercusses polticas1

    Diana Paula de SOUZA2

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

    Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

    Resumo

    Considerando que relatos jornalsticos so narrativas, analisamos a cobertura do seqestro do empresrio Ablio Diniz realizada por O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo. Partimos do conceito de submisso, empreendido por Leo Serva, para identificar as estratgias discursivas utilizadas pelas trs publicaes no tratamento conferido aos seqestradores. Verificamos como o episdio contribuiu para o resultado das eleies presidenciais de 1989 e para a identificao de grupos guerrilheiros da Amrica Latina como terroristas. Palavras-chave: jornalismo; narrativa; discurso; personagem jornalstico; Ablio Diniz.

    Introduo

    Diversos autores reconhecem que relatos jornalsticos so narrativas3. Em uma

    reportagem, aqueles que tm seu caso mostrado so chamados, no jargo profissional,

    de personagens. Assim, os personagens jornalsticos so construdos discursivamente a

    partir de dados do real. So representaes discursivas, portanto.

    A informao jornalstica trabalhada, o que significa que h uma nfase em

    certos aspectos do fato ou das pessoas nele envolvidas em detrimento de outros

    elementos, que permanecem em segundo plano ou so simplesmente ignorados. Para

    tanto, os profissionais da rea usam os chamados critrios de noticiabilidade, de modo a

    selecionar o que imaginam que leitor gostaria de ter acesso. Isso acontece tambm em

    relao aos personagens, que tm destacados certos traos de sua personalidade.

    Pode ocorrer, ento, uma nfase nos aspectos bons ou nos ruins. por isso que,

    em muitos casos, semelhana dos romances de massa, os best-sellers, traada uma

    linha que os divide em plos opostos: bons versus maus. Essa polarizao ntida na

    1 Trabalho apresentado ao GP Teorias do Jornalismo, IX Encontro dos Grupos/Ncleos de Pesquisas em Comunicao, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. 2 Doutoranda em Comunicao e Cultura na ECO/UFRJ. Professora substituta na Facom/UFJF. Jornalista. Bacharel em Direito com ps-graduao em Direito Penal e Processual Penal. E-mail: [email protected]. 3 Ver MOTTA, 2005; RESENDE, 2005-a; RESENDE, 2005-b; SODR, FERRARI, 1986; TRAQUINA, 2005-a; TRAQUINA, 2005-b.

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    cobertura realizada pelos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo na

    ocasio do seqestro do empresrio Ablio Diniz, ocorrido em 1989.

    O vice-presidente executivo do Grupo Po de Acar foi seqestrado em 11 de

    dezembro daquele ano, em So Paulo. A imprensa s publicou o fato no dia 17, em

    virtude de um pedido da famlia para que o crime no fosse divulgado. Na vspera, a

    polcia paulista havia descoberto o cativeiro de Diniz, libertado aps longa negociao.

    Associado aos seqestros do ento presidente do Bradesco, Antnio Beltrn

    Martinez, do publicitrio Lus Sales e do empresrio Roberto Medina, o crime, atribudo

    a integrantes do Movimento de Isquierda Revolucionria (MIR) do Chile, desencadeou,

    segundo penalistas e criminologistas4, manobras polticas no Congresso Nacional para

    aprovar, sem discusses profundas, a Lei de Crimes Hediondos.

    Diniz descrito pelos jornais como um empresrio bem sucedido, um self-made

    man, dono de um dos maiores grupos empresariais do pas, o Po de Acar. Aos 58

    anos na poca, era um atleta e participava de maratonas. Ao mesmo tempo em que os

    veculos vitimizam Diniz, suas caractersticas so tpicas dos heris mitolgicos ou

    romanescos, que lutam contra as adversidades e saem vencedores. Do outro lado, h os

    seqestradores, os criminosos, ligados a grupos guerrilheiros da Amrica Latina,

    terroristas, portanto. O que se percebe um relato maniquesta, no qual a oposio

    mocinho versus bandido, to cara fico, reforada5.

    Isso significa que os seqestradores e, portanto, o MIR foram situados no plo

    do mal: so os viles da narrativa. Entretanto, os relatos jornalsticos sobre o caso

    afirmam que teria sido encontrado, junto com o grupo, material de propaganda poltica

    do PT. Percebe-se, ento, um esforo dos veculos para estabelecer uma conexo entre o

    seqestro e o ento candidato Presidncia da Repblica, Lus Incio Lula da Silva.

    Neste trabalho vamos nos deter no estudo do discurso empreendido pelos jornais

    sobre a relao do crime com a esquerda poltica brasileira e com os movimentos

    qualificados como guerrilheiros da Amrica Latina. Analisamos as edies de 17 a 20

    de dezembro de 1989 por considerarmos que nelas se deu a construo dos personagens

    jornalsticos, alm do relato do uso poltico do caso e suas repercusses.

    As esquerdas e o terrorismo no caso Ablio Diniz

    Nossa anlise parte da observao de Serva, segundo a qual a importncia

    4 Ver FRANCO, 2007. 5 Ver SOUZA, 2008-a, SOUZA 2008-b e SOUZA, 2007.

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    atribuda ao caso Diniz pela mdia e pela opinio pblica tem a ver com o

    relacionamento estabelecido pela imprensa entre o delito e o segundo turno das eleies

    presidenciais de 1989. Buscamos perceber o modo como os media criaram esta relao.

    Segundo Serva, submisso o fato que, embora noticiado, tem uma edio que

    no permite ao receptor compreender ou deter a sua real importncia ou mesmo o seu

    significado. O prprio autor cita o exemplo da libertao do empresrio Ablio Diniz

    na vspera da eleio presidencial de 1989: um ou at mesmo os dois fatos tiveram

    menos impacto, j que dividiram a ateno do leitor.

    Serva esclarece que a submisso pode colocar dois temas sob um mesmo

    paradigma para a audincia, que passa a associ-los. Isso gera uma confuso de notcias,

    que pode levar desinformao informada, pela qual o consumidor, mesmo tendo

    acesso ao fato, no o compreende plenamente. Assim, a primeira eleio direta ps-

    ditadura teve seu espao reduzido nos noticirios em funo do crime, deslocando a

    ateno dos leitores e confundindo as duas situaes6.

    Nos anos seguintes, os criminosos passaram a receber da Justia, do estabilishment poltico e de grande parte da opinio pblica um tratamento mais severo em relao a outros crimes semelhantes certamente uma conseqncia da importncia que o fato adquiriu por sua associao com o noticirio da eleio7.

    Para que possamos desenvolver esta anlise, faz-se necessrio verificar como os

    veculos estudados neste trabalho trataram no s os envolvidos diretamente no

    seqestro e sua suposta ligao com movimentos guerrilheiros da Amrica Latina,

    como tambm o candidato de esquerda na eleio de 1989, Luiz Incio Lula da Silva.

    Vale lembrar que o candidato do PRN, Fernando Collor de Melo, teve o apoio

    de Roberto Marinho, dono das Organizaes Globo, o que se refletiu no jornalismo

    praticado pelos veculos de comunicao do grupo. O exemplo clssico foi a edio do

    Jornal acional que se seguiu ao ltimo debate entre os dois candidatos, realizado no

    dia 14 de dezembro de 1989.

    De um modo geral, jornalistas, dirigentes do PT e telespectadores consultados

    pelo Vox Populi consideraram que o desempenho de Collor tinha sido superior ao de

    Lula. Assim, o critrio adotado na edio para transmitir o compacto do debate foi o

    tempo dado a cada candidato: Na condensao do Jornal acional, Lula falou sete

    6 SERVA, 2001, p. 66-70. 7 Id. Ibid., p. 70.

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    vezes. Collor, oito: teve direito a uma fala a mais que o adversrio. No total, Lula falou

    2min22. Collor, 3min34: 1min12 a mais que o candidato do PT. Segundo Mrio Srgio

    Conti, na verso do J, Collor foi o tempo todo sinttico e enftico, enquanto Lula

    apareceu claudicante, inseguro e trocando palavras. O autor relata que o jornalista

    Vianey Pinheiro viu um trecho da nova edio e ficou possesso. Considerou que a

    nova verso mostrava Collor massacrando Lula e achava que isso no acontecera no

    debate 8. A conseqncia, de acordo com o autor, foi que:

    O dia seguinte, sbado, vspera da votao, foi de tenso na Globo. Na madrugada, a polcia cercara uma casa no bairro do Jabaquara, em So Paulo, onde seqestradores mantinham em cativeiro o empresrio Ablio Diniz, dono dos supermercados Po de Acar. As autoridades policiais tinham avisado imprensa e os candidatos do seqestro, e pediram que no o noticiassem para evitar que as investigaes fossem prejudicadas. O embargo da notcia foi mantido at que a polcia localizou e cercou o cativeiro. Policiais disseram a reprteres que haviam achado material de propaganda do PT num outro esconderijo dos seqestradores. A notcia logo se espalhou. Durante todo o dia, algumas emissoras de rdio de So Paulo insinuaram que Diniz fora seqestrado por petistas9.

    Para Motta, a mdia utiliza estratgias discursivas com intenes e objetivos

    determinados. Isso exige a adoo de meios capazes de interferir na organizao do

    texto, estruturando-o em seqncias encadeadas para que o receptor interprete a

    mensagem o mais prximo possvel da inteno do emissor.

    A partir desse entendimento nos damos conta de que as narrativas miditicas no so apenas representaes da realidade, mas uma forma de organizar nossas aes em funo de estratgias culturais em contexto. As narrativas e narraes so dispositivos discursivos que utilizamos socialmente de acordo com nossas pretenses. Narrativas e narraes so formas de exerccio de poder e de hegemonia nos distintos lugares e situaes de comunicao10.

    As notcias e reportagens publicadas sobre um mesmo fato compem, segundo

    ele, um conjunto significativo. E acrescenta que no h narrativa ingnua: o emissor tem

    sempre um propsito. A narrativa no vista como uma composio discursiva

    autnoma, mas como um dispositivo de argumentao na relao entre sujeitos. Motta

    afirma que o jornalismo uma linguagem argumentativa e no h um estilo

    jornalstico, mas sim uma retrica jornalstica. Ele entende que:

    8 CONTI, 1999, p. 269-70. 9 Id. Ibid., p. 270. 10 MOTTA, 2005.

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    A narrativa jornalstica um permanente jogo entre os efeitos de real e outros efeitos de sentido (a comoo, a dor, a compaixo, a ironia, o riso, etc.), mais ou menos exacerbados pela linguagem dramtica das notcias. Procura sempre vincular os fatos ao mundo fsico, mas cria incessantemente efeitos catrticos. um permanente jogo entre as intenes do jornalista e as intenes do receptor. polissmica, interssubjetiva, hbrida, transita contraditoriamente nas fronteiras entre o objetivo e o subjetivo, denotao e conotao, descrio ftica e narrao metafrica, realia e potica11.

    Para o autor, as notcias sobre um fato so fragmentos sem nexo de sentido, com

    significao parcial. Se as partes forem conectadas, identificando seqncia temtica e

    cronolgica, o resultado ser uma histria diferente, mais completa que a anlise isolada

    das notcias12.

    Esse quadro pode ser observado na pgina 18 da edio de 17 de dezembro de O

    Globo, que relata como ocorreu o seqestro. H meno a fontes da polcia, que teriam

    dito serem os seqestradores integrantes do MIR. Comea, aqui, um movimento para

    identificar os seqestradores com o comunismo. Note-se que 1989 o ano da queda do

    Muro de Berlim, fato tido como o smbolo do fim do socialismo e da Guerra Fria entre

    Estados Unidos e Unio Sovitica. Mais adiante, os integrantes do movimento sero

    qualificados como terroristas, num claro deslocamento do perigo comum. Isso

    significa que, num momento em que os comunistas deixam de representar um perigo

    segurana nacional em todo o mundo, comea a construo de um novo inimigo

    pblico nmero um: os terroristas, aqui, especificamente, identificados como membros

    de um movimento poltico de esquerda.

    Segundo o jornal, os policiais teriam revelado, ainda, a estratgia que seria usada

    pelos seqestradores: obter o dinheiro atravs de um seqestro longo, com tortura

    emocional aos parentes. O uso da palavra tortura remete a uma ferida ainda aberta no

    Brasil em 1989: os casos de tortura a presos polticos ocorridos nos pores da ditadura

    militar, encerrada em 1985. Tal termo refora o posicionamento dos seqestradores no

    plo do mal. Diz o jornal:

    A polcia identificou a maioria dos criminosos envolvidos, que pretendiam usar armamentos pesados, contando com apoio material e logstico de grupos estrangeiros. O plano era bem diferente do utilizado nos seqestros de Antnio Beltrn Martinez, Lus Sales e agora Ablio Diniz. Estes obedeceram ao modelo desenvolvido na dcada de 70 pelo grupo terrorista italiano Brigadas Vermelhas, no qual se destaca o alto profissionalismo e a opo pela presso psicolgica violncia fsica.

    11 Id. Ibid. 12 Id. Ibid.

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    O Globo, ao fornecer explicaes sobre o MIR, diz no lead de uma das retrancas

    que sua principal bandeira a de usar a luta armada para conquistar o poder e mudar a

    sociedade. Tal passagem pode parecer neutra, mas, vale lembrar que foi publicada no

    dia das primeiras eleies diretas para Presidente, depois de mais de 20 anos de ditadura

    militar. Assim, num momento em que os brasileiros tinham suas esperanas de

    construo de um pas melhor depositadas naquele que seria eleito pela vontade

    popular, nada mais caracterizador do inimigo do que tentar chegar ao poder por outros

    meios que no o sufrgio universal.

    J mencionamos a suposta conexo entre o PT e o seqestro, que se provou

    posteriormente no ser verdadeira. A voz s dada ao candidato Lula numa pequena

    retranca ao p da pgina, espremida por um bloco de anncios publicitrios. O ttulo :

    Lula teme maracutaia. No lead:

    O candidato da Frente Brasil Popular, Lus Incio Lula da Silva, disse ontem, no saguo do Estdio Morumbi, minutos antes do incio do jogo entre So Paulo e Vasco, que vai ficar de orelha em p para impedir que o desfecho do seqestro de Ablio Diniz seja outra maracutaia contra o PT.

    Essa passagem sugere que Lula no deu importncia ao seqestro, j que estava

    em um jogo de futebol. A nfase nos termos populares utilizados por ele parece querer

    desqualificar o candidato para o cargo que pretendia ocupar. Apesar de reproduzir os

    mesmo termos, a Folha, que volta ao caso na pgina 4 do caderno Diretas-89, relata seu

    abatimento: Por mais que tentasse esconder, Luis Incio Lula da Silva aparentava estar

    deprimido ontem tarde. Depois que soube detalhes do seqestro do empresrio Ablio

    Diniz, Lula passou a sorrir cada vez menos.

    A Folha a publicao que trata com maior nfase esta suposta conexo entre o

    caso Diniz e o segundo turno das eleies presidenciais. Escreve num box situado acima

    da manchete:

    A notcia de envolvimento dos seqestradores com o grupo de esquerda chileno MIR e de que dentro do apartamento de um deles havia material de propaganda poltica do candidato do PT Luiz Incio Lula da Silva caiu como uma bomba no ltimo dia da campanha eleitoral. O presidente Jos Sarney disse ao ministro da Justia, Saulo Ramos, que tudo precisava ser apurado e divulgado com muito critrio. Saulo Ramos disse ao presidente que era um caso de vitria contra a criminalidade. Nada mais que isso. O presidente da Cmara Municipal de So Paulo, Eduardo Suplicy, esteve na rea prxima do cativeiro de Diniz e condenou o seqestro. Ele rechaou qualquer insinuao de ligao dos

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    seqestradores com o PT.

    A publicao lana dvida sobre o uso poltico do seqestro em uma matria

    com o ttulo Escolha do alvo favoreceu o uso poltico da ao:

    Se o seqestro de Ablio Diniz teve objetivos polticos, alm dos dlares que seriam exigidos do grupo Po de Acar, os responsveis pela ao escolheram a dedo a figura central. O perfil do empresrio e o momento em que foi realizado (e descoberto) oferecem elementos para diferentes interpretaes sobre a empreitada. [...] O pano-de-fundo [sic] tambm permite associaes inevitveis. As primeiras verses sobre o episdio procuram vincular o seqestro ao processo poltico no Chile, para onde seguiriam os recursos obtidos com a ao. Diniz foi tirado de circulao na semana que antecedeu a eleio no Brasil, para a qual procurou contribuir oferecendo um plano de sugestes de poltica econmica para o futuro governo. [...] O seqestro de Diniz foi visto por assessores do candidato da Frente Brasil Popular [Lula] ainda na fase em que o incidente no podia ser noticiado como uma ao que poderia ser explorada, rendendo dividendos eleitorais ao candidato do PRN [Collor].

    Como se v, a Folha faz um relato mais imparcial. A matria acima uma

    reportagem interpretativa, o que significa que os fatos so contextualizados, colocando

    em dvida a veracidade das afirmaes de Fleury e destacando a convenincia do uso

    poltico da ao. A postura diferente das duas publicaes pode ser explicada por sua

    linha editorial. Na ocasio, como dissemos, o proprietrio das Organizaes Globo,

    Roberto Marinho, apoiou abertamente a candidatura de Collor. J a Folha, por ser

    tradicionalmente um jornal de centro-esquerda, optou por um tom mais neutro no

    tratamento dessa questo.

    O JB trata o assunto de forma semelhante a O Globo, referindo-se, nas pginas

    22 e 23 do 1 caderno, aos seqestradores como bando e destacando sua possvel

    ligao com o MIR e com o PT:

    Alm da casa da Rua Hashiro Miazaki, a polcia informou ter invadido um apartamento nas proximidades (Rua Charles Darwin), onde morariam os seqestradores que j estavam presos, e l teria encontrado panfletos do MIR, propaganda eleitoral da campanha de Lus Incio Lula da Silva, agendas com telefones de dois lderes petistas, o vice-prefeito paulistano Luiz Eduardo Greenhalgh e o vereador Eduardo Suplicy, presidente da Cmara Municipal, e de Airton Soares, do PDT. Foi encontrada tambm, segundo a polcia, uma barraca com ventilao no teto, que teria sido usada no seqestro do publicitrio Luiz Sales, libertado no incio de outubro aps pagamento de um resgate de US$ 2,5 milhes. Ainda no final da tarde, o ministro da Justia, Saulo Ramos,

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    que acompanhava o caso atravs de telefonemas a cada 10 minutos, afirmou no ter nenhuma informao sobre a agenda.

    Note-se que o JB, por dedicar menos espao ao tema, faz um relato mais

    objetivo e, portanto, menos parcial.

    No dia 18, O Globo radicaliza a forma de tratamento dos seqestradores, como

    pode ser percebido na matria principal da pgina 5 da sesso O Pas:

    J est confirmado que os terroristas que retiveram em crcere privado o empresrio Ablio Diniz so os mesmos que seqestraram o publicitrio Luis Sales, existindo ainda fortes suspeitas de que tambm seqestraram o banqueiro Antonio Beltran Martinez, disse ontem o delegado Romeu Tuma, ao visitar o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Desembargador Lair da Silva Loureiro. Tuma assegurou que os terroristas integram duas organizaes de extrema esquerda no Chile Movimento de Esquerda Revolucionria (MIR) e Organizao de Resistncia Armada (ORA) e que em poder dos que foram presos foi apreendido material de propaganda poltica do PT. Segundo Romeu Tuma, os seqestradores tinham armas pesadas, inclusive metralhadoras italianas Bereta. Suspeitava-se que eles tivessem tambm explosivos e que algumas paredes da casa cercada pela Polcia tenham sido minadas. [...] Tuma assinalou que se trata de grupo terrorista internacional, psicologicamente preparado e sabe executar um seqestro e manter a polcia sob tenso.

    Observe-se que, em trs pargrafos, o termo terrorista ou seu plural foi

    utilizado trs vezes. O jornal mantm uma aparente objetividade, pois atribui a

    utilizao da palavra fonte principal: Saulo Ramos. Faz-se uma associao entre o

    terrorismo e movimentos de esquerda, sejam eles os grupos guerrilheiros chilenos, seja

    o Partido dos Trabalhadores. A publicao faz uma ligao sutil do PT com o MIR e o

    ORA, j que se refere aos trs organismos na mesma frase, sugerindo que o PT teria

    ligao com as organizaes guerrilheiras. A referncia aos armamentos supostamente

    encontrados com os seqestradores refora sua posio no plo do mal. J a conexo

    com os seqestros de Sales e Martinez, ainda que no houvesse provas quanto a este

    ltimo, j sugere haver nos meios de comunicao uma campanha para se punir mais

    severamente este crime.

    A publicao atribui a crueldade como caracterstica dos seqestradores ao

    afirmar, na matria Empresrio ficou preso em um buraco no quintal da casa, que o

    empresrio Ablio Diniz foi mantido em cativeiro em um buraco de dois metros de

    dimetro, revestido com lonas plsticas, de listas verdes e brancas, cavado no quintal da

    casa 59 da Praa Hashiro Yamazaki [sic], no Parque Jabaquara. As outras duas

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    publicaes tambm se referem ao fato de forma semelhante.

    O JB trata os seqestradores ora como bando, ora como quadrilha. Segundo

    um box publicado na pgina 12 do primeiro caderno, intitulado Lder disparou tiro de

    45 s para assustar:

    O clima de confronto entre a polcia e os seqestradores do empresrio Ablio Diniz comeou logo nas primeiras horas da manh de sbado, quando um policial [...] tentou saltar para a laje dos fundos da casa. [...] O lder do bando abriu o vitr da parte superior, na frente do sobrado, xingou a polcia e, aos gritos, ameaou atirar contra Diniz caso a rea no fosse imediatamente evacuada. [...] Dois bandidos armados de metralhadoras mandaram o policial sair. No mesmo instante, Juan gritou que no havia acordo e avisou que, se houvesse confronto, o empresrio seria assassinado.

    Percebe-se que, quando um dos integrantes do grupo individualizado, o que se

    destaca so caractersticas que o aproximam de um vilo: gritos e ameaa de morte.

    A matria principal da pgina 13, Polcia suspeita que quadrilha atuou no caso

    Sales, adota um tom mais neutro e descritivo, embora mantenha a utilizao dos

    termos bando e quadrilha. Segundo o lead, a polcia paulista no tinha dvidas de

    que se trata de uma quadrilha internacional. Alm disso, cita que as autoridades

    afirmam ter certeza de que este o mesmo bando que seqestrou o publicitrio Luiz

    Sales. Vale destacar que a suposta neutralidade da publicao se d em virtude da

    atribuio das falas a fontes oficiais. Contudo, em ambas as passagens, as expresses

    no tinha dvidas e afirmam ter certeza sugerem para a audincia que o relato um

    retrato fiel da realidade, portanto, uma verdade absoluta. O tom aparentemente ameno

    abandonado no box intitulado Investigaes sobre conexo em seis pases:

    Uma conexo internacional de terroristas, narcotraficantes e seqestradores, com atuao em seis pases da Amrica do Sul, incluindo o Brasil, est sendo investigada e acompanhada pelas autoridades policiais argentinas h pelo menos dois anos. Fontes diplomticas com base em Buenos Aires asseguraram que nestas investigaes foi possvel estabelecer relaes entre os fatos aparentemente desconexos, como o ataque ao Quartel de La Tablada, na Argentina, e o seqestro do banqueiro Antnio Beltrn Martinez, no Brasil.

    A matria diz que os Estados Unidos foram o primeiro pas a levantar a

    possibilidade de uma estreita relao entre terroristas e traficantes de drogas na Amrica

    Latina. Note-se que o JB, como O Globo, enfatiza a caracterizao dos seqestradores

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    como terroristas. O termo utilizado por mais quatro vezes na matria, frisando uma

    suposta ligao com narcotrfico.

    A Folha, mantendo o tom mais neutro que caracterizou a cobertura no dia

    anterior, publicou um caderno especial com oito pginas, em que retoma elementos

    tpicos de outras narrativas, j utilizados na vspera: vitimizao de Ablio;

    humanizao do relato, inclusive em relao aos seqestradores; relato em flashback (do

    desfecho para o incio); e happy end.

    Merece destaque a meno, na pgina 5, possvel ligao do seqestro com o

    PT: Fleury declarou que, apesar de terem sido encontradas camisetas e faixas do

    Partido dos Trabalhadores com os seqestradores, no h nenhum indcio de

    envolvimento do PT com o seqestro. Todavia, o desmentido s veio aps o pleito,

    quando qualquer posicionamento no mais poderia influir no resultado. A publicao

    trata os seqestradores de forma mais imparcial, mas cita, numa matria, que:

    A polcia tambm subestimou o armamento de seus inimigos. [...] Foram apreendidas duas metralhadores e seis armas pequenas, alm de um lote razovel de munio. Na verdade, depois que foram difundidas informaes de que os seqestradores poderiam ser perigosos terroristas internacionais, a polcia passou a temer que eles dispusessem de algum armamento pesado como porta-granadas, por exemplo , ou mesmo granadas-de-mo.

    Embora evite o uso das expresses quadrilha e bando, a Folha, alm de

    utilizar o termo terrorista com parcimnia, trata os seqestradores pela palavra

    inimigos, o que sugere que devem ser combatidos. Viles, portanto.

    Os desmentidos sobre a ligao do seqestro com o PT se tornam mais enfticos

    a partir do dia 19, quando o resultado das eleies j era sabido. O JB relata o que

    qualifica como uma trama policial. Segundo o jornal, os advogados dos

    seqestradores denunciaram ontem que a polcia vestiu uma camiseta do candidato

    Presidncia da Repblica pela Frente Brasil Popular, Lus Incio Lula da Silva, em um

    deles e o fotografou, [...] a dois dias das eleies presidenciais. Alm disso, diz que

    referidos advogados teriam negado a verso da polcia de que ao prender quatro dos

    dez seqestradores, na ltima sexta-feira, foram encontradas com eles vrias camisetas

    da Frente Brasil Popular e que a camiseta com o nome de Lula que um dos presos

    usava teria sido entregue pela polcia. Essa verso foi desmentida, segundo o JB, pelo

    delegado responsvel pelo caso, Gilberto Cunha, que negou de forma taxativa as

    denncias dos dois advogados, reafirmando que a polcia encontrou as camisetas da

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    Frente Brasil Popular no apartamento em que prendeu os quatro seqestradores.

    A edio do mesmo dia de O Globo traz a verso de Saulo Ramos, que,

    alertando no ter recebido os relatrios sobre o episdio, negou haver envolvimento

    poltico no caso. Ponderou que a inexistncia dessa ligao poltica seria importante

    at para Collor, vencedor nas urnas: Poderia comprometer a legitimidade do pleito,

    disse. O Globo relata que o ministro teria aventado a possibilidade de que os

    seqestradores podem ter usado a camiseta do PT como disfarce, aproveitando a

    eleio, e afirmou no tirar do episdio as conseqncias que muita gente tira. Alm

    disso, rebateu a denncia feita pelos seqestradores [...] que teriam sido forados por

    policiais a vestir as camisetas. A publicao conclui: Segundo Saulo Ramos, no se

    deve fazer a ligao entre o uso das camisetas e o PT. Na mesma edio, o jornal

    publicou que, com a vitria de Collor no segundo turno, h a impresso generalizada

    na direo do PT de que o seqestro exerceu uma certa influncia poltica.

    Em entrevista Folha, ainda no dia 19, Fleury afirmou que o material de

    propaganda poltica encontrado na casa onde estavam escondidos os seqestradores era

    composto por cerca de sete ou oito faixas de plstico do candidato do PT. Dois dos

    seqestradores usavam camisetas do partido. Pela quantidade, pareciam para uso

    pessoal. Havia tambm quatro agendas com telefones de alguns polticos do PT.

    Indagado se a divulgao desta informao antes do pleito poderia ter prejudicado o PT,

    Fleury disse que a prpria Folha diz que no, em artigo publicado hoje [o artigo

    publicado ontem na pg. B-2 diz que no h elementos cientficos para afirmar que sim

    ou que no] 13. No houve qualquer tentativa de manipulao poltica do episdio.

    No dia 20, O Globo traz na pgina 13 a manchete: Tuma: Seqestro de Ablio

    no foi poltico. O chapu diz: Diretor da Polcia Federal repudia ligao entre os

    criminosos e o PT. Segundo o lead:

    O Diretor Geral do Departamento de Polcia Federal (DPF), Delegado Romeu Tuma, interferiu pessoalmente para que o seqestro do empresrio Ablio Diniz no fosse manipulado politicamente. Ele recomendou polcia paulista que no permitisse fotografias dos seqestradores com as camisas do PT, que, segundo verso de policiais, os criminosos estariam usando quando foram presos. Tambm no permitiu que a imprensa tivesse acesso casa onde, tambm segundo alguns policiais, haveria material de propaganda da Frente Brasil Popular.

    A publicao relata, no terceiro pargrafo, que Tuma teria admitido que a

    13 Os colchetes fazem parte do texto original.

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    ligao do seqestro com o PT poderia ter prejudicado o resultado das eleies.

    Ele admite que a associao entre o seqestro e o PT possa ter prejudicado Lula. O prprio Delegado no viu as supostas camisetas e repudia qualquer ligao do caso com o PT. A informao partiu do Secretrio de Segurana de So Paulo, Antnio Fleury Filho, e acabou sendo contestada pelos prprios seqestradores [...]. Eles afirmaram terem sido obrigados por policiais a vestirem as camisetas, aps serem presos.

    No mesmo dia, a Folha publicou que Diniz afirmou que o assunto deve ser

    tratado com cuidado, j que, para ele, no pareceu que se possa deduzir uma ligao

    com qualquer faco poltica nacional ou internacional. No dia 21, o jornal publicou na

    pgina 6 da sesso Diretas-89, uma matria com o ttulo: Lado poltico do cativeiro de

    Diniz ainda obscuro. O lead relata que:

    O seqestro do empresrio Ablio Diniz, ocorrido na semana passada em So Paulo, apresenta contradies que impedem de concluir se os criminosos eram meros delinqentes ou se mantinham ligaes com a extrema-esquerda. As verses dadas pela polcia e pelos negociadores divergem em vrios pontos. No foi esclarecido, por exemplo, por que a polcia anunciou sbado, vspera da eleio, sem provas conclusivas, o envolvimento do Movimento de Isquierda Revolucionria (MIR) do Chile no seqestro e fez ligao com o PT, tendo como base a presena de chilenos no grupo e material de campanha que teria sido encontrado pelos seqestradores. Essas informaes foram veiculadas por rdio, TV e jornais em todo o pas. Os adversrios polticos do PT fizeram uso eleitoral do caso.

    No terceiro pargrafo, relembra as afirmaes de Fleury, no sbado, dia 16,

    sobre a ligao dos seqestradores com o MIR, alm de sua suposta associao com o

    PT. J no domingo noite, portanto aps fim das eleies, disse que eram criminosos

    comuns. Adiante informou que Bresser afirmou que houve por parte de algumas

    pessoas a tentativa de m-f de demonstrar uma relao com o PT.

    A Folha afirma, ainda, na retranca intitulada Seqestro pode ter prejudicado

    Lula, que So Paulo foi o nico Estado onde Collor cresceu significativamente entre o

    sbado e o domingo, segundo pesquisa de boca-de-urna realizada pelo DataFolha. Na

    retranca PT condena em nota uso poltico de seqestro, o jornal diz:

    O Partido dos Trabalhadores divulgou uma nota oficial ontem afirmando que houve odiosa explorao poltico-eleitoral do seqestro do vice-presidente do Grupo Po de Acar, Ablio Diniz. Isso, segundo o partido, prejudicou, de modo irreparvel, o processo democrtico e repercutiu sobremaneira em seu resultado, colaborando para a derrota de Luis Incio Lula da Silva.

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    Do exposto, podemos perceber que a Folha realizou a cobertura mais completa

    do seqestro, alm de ter adotado uma maior neutralidade.

    Quanto ao fato de o seqestro ter sido usado politicamente ou no, Conti

    esclarece que Fleury teria telefonado para os jornalistas Armando Nogueira e Alberico

    de Souza Cruz, da Rede Globo, afirmando que eram fortes os indcios de que os

    seqestradores de Diniz teriam ligaes com o PT e perguntou se a Globo iria divulgar

    essa informao. De acordo com a orientao de Joo Roberto Marinho, a notcia

    deveria ser colocada no ar somente se alguma autoridade a assumisse publicamente.

    Fleury recusou espao no noticirio, alegando que no ficaria bem dar uma entrevista

    sobre isso. O autor conta, ainda, que Leopoldo Collor, irmo do candidato do PRN,

    pressionou a direo da Globo para que o episdio fosse divulgado: A Globo deve dar

    a notcia porque a eleio do Collor depende disso, disse o irmo do candidato do PRN

    ao jornalista [Alberico de Souza Cruz] 14. Segundo Conti, a edio daquela noite,

    sbado, 16 de dezembro, do Jornal acional, no estabeleceu qualquer associao do

    PT com o seqestro. Entretanto, o Estado publicou:

    Na manh de domingo, o dia da eleio, O Estado de S. Paulo noticiou na primeira pgina que um padre da zona sul, simpatizante do PT, foi avalista da casa alugada pelos seqestradores. Fleury deu uma entrevista ao jornal dizendo ter sido encontrado material de propaganda petista numa casa alugada pelos seqestradores. O Estado transcreveu declaraes de Saulo Ramos e Romeu Tuma negando que houvesse qualquer evidncia de que os criminosos fossem ligados ao PT. Saulo Ramos levantou a hiptese de que os bandidos espalharam material de propaganda petista na casa para que, se fossem presos, se beneficiassem das penas mais brandas que a lei estabelecia para os crimes com motivao poltica. Uma das reportagens de O Estado relatou que Alcides Diniz, irmo do seqestrado, sustentava que o PT participara do seqestro. Mas a reportagem no esclarecia que Alcides Diniz era amigo de Leopoldo Collor e se engajara na campanha do candidato do PRN. A principal manchete do jornal O Rio Branco, do Acre, foi PT seqestra Ablio Diniz 15.

    O autor afirma que a eleio foi decidida na ltima semana, uma semana em

    que a imprensa esteve envolvida nos fatos principais, e enumera os fatores que podem

    ter contribudo para a eleio de Collor, entre eles o seqestro de Diniz16. Conti conclui:

    Investigaes posteriores provaram que nenhum militante do PT estivera envolvido no seqestro de Ablio Diniz, realizado por aventureiros ligados a grupos esquerdistas da Amrica Central. Os seqestradores disseram em juzo que policiais civis os torturaram e, antes de os apresentarem imprensa, os

    14 CONTI, op. cit., p. 272. 15 Id. Ibid., p. 272. 16 Id. Ibid., p. 275.

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    foraram a vestir camisetas do PT. A Polcia Civil estava sob o comando do secretrio da Segurana, Luiz Antnio Fleury Filho. A vtima, Ablio Diniz, protestou contra a tortura de seus algozes. Quase um ano depois, em outubro de 1990, o governador de So Paulo, Orestes Qurcia, superior imediato de Fleury, disse numa entrevista ao Estado de S. Paulo que durante o seqestro houve presses no sentido de que se conduzissem as investigaes para envolver o PT 17.

    Consideraes finais

    O conjunto da cobertura mostrou que houve um esforo por parte das

    publicaes em situar os seqestradores no plo do mal, tratando-os pelos termos

    bando, quadrilha, inimigos e, com maior nfase, terroristas. Note-se que a

    humanizao do relato foi pouco detectada e, quando ocorreu, a inteno pareceu ser

    impedir que a audincia estabelecesse qualquer identificao com os seqestradores.

    Isso se deu atravs da nfase em caractersticas tpicas dos viles.

    Observamos tambm que a cobertura realizada pela imprensa contribuiu para

    que o episdio fosse usado politicamente, podendo ter prejudicado o candidato Lula no

    segundo turno das eleies presidenciais de 1989. Como vimos, a estratgia utilizada foi

    um tratamento indistinto dos movimentos de esquerda, guerrilheiros ou no, e sua

    qualificao como terroristas.

    A cobertura das trs publicaes no conclusiva, j que reproduzem verses de

    diferentes fontes oficiais. De um lado, Fleury, que teria confirmado a existncia de

    material de propaganda do PT no local onde os seqestradores foram presos. De outro,

    Saulo Ramos e Romeu Tuma, tentando negar que o episdio tenha sido usado

    politicamente. De toda forma, de acordo com o que a Folha publicou, fato que a

    associao do seqestro com o PT prejudicou a votao de Lula em So Paulo.

    O que se v que a verso mais convincente, inclusive em virtude do que relata

    Conti, que houve uso poltico do seqestro de Ablio Diniz, prejudicando o candidato

    de esquerda, Lus Incio Lula da Silva, nas eleies presidenciais de 1989. Alm de

    mencionadas presses, a imprensa, voluntariamente ou no, acabou associando o

    seqestro eleio na medida em que deu a mesma importncia aos dois episdios: o

    que Serva qualifica como submisso, o que explicaria a repercusso que o caso

    alcanou. Alm disso, mesmo que as afirmaes acerca dessas supostas ligaes no

    fossem conclusivas, a prpria sugesto de haver envolvimento do PT no caso j

    suficiente para interferir no resultado do pleito. Entretanto, no se pode afirmar que, se

    17 Id. Ibid., p. 277-78.

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    esta associao no tivesse sido sugerida audincia, o resultado teria sido outro. Por

    outro lado, tambm no se pode negar que a imprensa militou, ainda que

    involuntariamente em alguns casos, para que Collor fosse eleito. A principal estratgia

    discursiva foi, mais uma vez, a polarizao de personagens.

    Referncias bibliogrficas

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