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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO MAURÍCIO DE PAULA KANNO SÃO PAULO 2006 JORNALISMO NAS HISTÓRIAS DE SUPER-HERÓIS: OS QUADRINHOS DE CLARK KENT E PETER PARKER

JORNALISMO NAS HISTÓRIAS DE SUPER HERÓISstoa.usp.br/mauriciokanno/files/1307/7388/tcc-mpk.pdf · Jornalismo ao conceito do “herói” e, mais grave ainda, do “super-herói”

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO

MAURÍCIO DE PAULA KANNO

SÃO PAULO – 2006

JORNALISMO NAS HISTÓRIAS

DE SUPER-HERÓIS:

OS QUADRINHOS DE CLARK

KENT E PETER PARKER

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO

JORNALISMO NAS HISTÓRIAS DE SUPER-HERÓIS: OS QUADRINHOS DE CLARK KENT E PETER PARKER

SÃO PAULO, 2006.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Orientando: Maurício de Paula Kanno

Orientador: Prof. Dr. Waldomiro de Castro Santos Vergueiro.

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Agradecimentos

À minha família, especialmente meus pais Jorge e Sônia, e minhas irmãs Natália e

Tânia, e à minha amada Andrea; por todo o amor e apoio que não seria possível descrever

nem em uma tese de doutorado; destaque também para as tias de Guaratinguetá que me

permitiam “consultar” suas revistas em quadrinhos, até na hora do jantar.

Aos professores de Jornalismo da ECA e de outras áreas do conhecimento na ECA e

USP, pelos ensinamentos acadêmicos e outros nem tanto, principalmente ao meu orientador

Waldomiro, do Departamento de Biblioteconomia e Documentação, por mostrar a

possibilidade de se estudar quadrinhos e me apresentar ao Núcleo de Pesquisas de Histórias

em Quadrinhos, com cujos membros tanto aprendi, e de cujo site acabei assumindo a

responsabilidade. Foi por meio dele também que conheci o consagrado quadrinhista Julio

Shimamoto, além de membros da equipe do site Pop Balões, Zé Bolioni e Leonardo Melo,

que me deram dicas importantes.

Também aos professores desde o pré-primário até o colegial e cursinho Etapa, que

tiveram a paciência de me preparar para a universidade; da Escola Politécnica da USP, que

me deram algum embasamento de Ciências Exatas mais profundo, e até aos do curso de

Filosofia da Universidade São Judas Tadeu, que não tiveram tanto tempo assim de me ensinar

conhecimentos ancestrais.

A todos que conheci na minha primeira grande experiência fotográfica, a chocante

viagem ao Japão e Europa. Muito me ajudaram a sacudir as idéias logo no começo da

maturação desde projeto de monografia; desde os chefes e colegas de fábrica japoneses e

dekasseguis e outros amigos preciosos.

A todos os colegas e chefes de redação e trabalho que já tive, que me proporcionaram

a importante experiência no mundo do jornalismo ou algo parecido; aos colegas de curso, com

quem partilhei as primeiras experiências nesse doido mundo profissional; aos amigos de todo

lado, muitos dos quais estimularam e compartilham de certos hábitos enriquecedores e

agradáveis, como o tratado nesta monografia.

Agradeço antecipadamente a todos os contatos futuros: a quem possa interessar, meu

e-mail é [email protected] e meu telefone, (11) 9564-4568.

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Sumário

Introdução 01

Justificativa 02

Objetivo 06

Processo Metodológico 06

I – REVISÃO TEÓRICA

1 O JORNALISTA 08

1.1 Histórico 08

1.1.1 Censura 10

1.2. A profissão de jornalista 11

1.2.1 Conceituação 11

1.2.2 Regulamentação e condições de trabalho 13

1.2.3 Funções do jornalismo 14

1.3 Ética jornalística 16

1.4 Auto-imagem e reputação 18

1.4.1 Perfil 18

1.4.2 Prestígio 19

1.4.3 Liberdade 20

1.4.4 Poder 21

1.4.5 Complexo de Clark Kent 22

2 O FOTOJORNALISTA 25

2.1 Histórico 25

2.2 Conceituação 28

2.3 Ética 30

2.4 Representação 31

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3 JORNALISTAS NO CINEMA 32

3.1. Análise Geral 32

3.2. Filmes 33

4 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 36

4.1 Conceitos 36

4.2 Histórico 37

4.3 Super-heróis 40

4.3.1 Tradição literária 41

4.3.2 Histórico 41

4.3.3 Conceitos 44

4.4 Jornalistas nos quadrinhos 46

II – FACETAS JORNALÍSTICAS NAS HQS

5 OS PERSONAGENS 50

5.1 Super-Homem (Clark Kent) 50

5.2 Homem-Aranha (Peter Parker) 51

6 ENTRADA NO JORNALISMO 52

6.1 Formação 52

6.2 Motivação profissional 53

7 PERFIL DO JORNALISTA 56

7.1 A mulher 60

7.2 O profissional do conhecimento 64

7.3 Jornalista-celebridade 65

8 PODER E PRIVILÉGIOS 67

8.1 Efeitos da notícia e do status de jornalista 67

8.2 Hierarquia 69

8.3 Segredos 70

8.4 Privilégio de informações 71

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9 TÉCNICAS 73

9.1 Fontes e faro jornalístico 73

9.2 Tecnologias de informação e comunicação 76

10 ÉTICA 80

10.1 Objetividade / imparcialidade 80

10.2 Jornalismo “abutre” 85

10.3 Identidade secreta 88

10.4 Ideologia perversa da fotografia 89

10.5 Auto-representação 90

10.6 Interferência dos super-poderes 91

11 CONDIÇÕES DE TRABALHO 92

11.1 Mercado de trabalho e exploração 92

11.2 Jornalista 24 horas 95

11.3 Relacionamentos 96

11.4 Profissão perigo 97

12 TEMAS JORNALÍSTICOS E EDITORIAS 100

12.1 Crimes e a editoria Cidades 100

12.2 Guerras 102

12.3 Guerras super-heróicas 104

12.4 Show-biz e celebridades 106

12.5 Cultura 109

12.6 Ciência 110

12.7 Esporte 111

12.8 Temáticas sociais 112

12.9 Política e economia 115

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13 FUNÇÕES E MEIOS JORNALÍSTICOS 118

13.1 Direção e hierarquia 118

13.2 Repórter 121

13.3 Fotojornalista 123

13.3.1 Qualidade 126

13.3.2 Super-câmera 128

13.4 Rádio e TV 130

13.5 Jornalismo digital 131

13.6 Assessoria de imprensa 133

Considerações finais 134

Referências 136

Referências de histórias em quadrinhos 142

Anexo 1: Revistas em quadrinhos consultadas 144

Anexo 2: Imagens utilizadas 146

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Introdução Este estudo, buscando unir universos aparentemente muito distintos, buscou relações

entre o jornalismo e as histórias em quadrinhos. Acredita-se na importância desse tipo de

pesquisa, ainda mais se considerando as diversas possibilidades lúdicas e artísticas dos

quadrinhos e nas relações realmente existentes e fortes entre os dois: por exemplo, foi no jornal

que nasceu a história em quadrinhos (HQ); da mesma forma, o mundo da mídia é recorrente

dentro dessas histórias, até como reflexo de sua influência no mundo contemporâneo; e o uso

dos quadrinhos como uma forma de jornalismo tem se revelado cada vez mais adequado, a

julgar por obras como as de Joe Sacco e Art Spigelman.

O trabalho segue o exemplo do colega na Escola de Comunicações e Artes, Washington

Luiz dos Santos (2004), que analisou a personagem bibliotecária Bárbara Gordon (identidade

secreta tanto de Batgirl como de Oráculo), representante de sua profissão. Aqui se fará algo

correspondente, com uma busca, acredita-se, ainda mais delicada, por envolver um personagem

extremamente famoso, parte do imaginário de qualquer um: o Super-Homem / Clark Kent, além

do um pouco menos conhecido Homem-Aranha / Peter Parker.

A construção ficcional da personagem jornalista super-herói nos quadrinhos será o

foco do estudo aqui, questionando-se o duradouro estereótipo ligando o profissional de

Jornalismo ao conceito do “herói” e, mais grave ainda, do “super-herói”. Esse estereótipo tem

uma história, até mesmo antes do aparecimento do referida personagem, uma história que será

escavada aqui, e que passa inclusive pelo domínio estadunidense na indústria cultural global.

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Justificativa Há que se destacar a importância da reflexão sobre aspectos da Era da Comunicação de

Massa em que vivemos, que germina desde o século XV, com a imprensa de Gutenberg. Cada

vez essa espécie geral de comunicação torna-se mais e mais parte essencial do dia-a-dia de todo

cidadão, apoiada em diferentes avanços tecnológicos: o desenvolvimento da tipografia, a

fotografia, o rádio, a televisão, a informática e os diferentes meios digitais. E essa comunicação

pode ir desde o aspecto da informação, representada aqui pelo jornalismo, até o entretenimento,

aqui representado pelas histórias em quadrinhos – salientando-se que esta forma artística não

tem função exclusiva para o entretenimento.

Quando se percebeu a chance de conciliar um estudo conceitual sobre a profissão na

qual este autor está se formando – Jornalismo – com ficção e HQs, notadamente as do gênero de

super-heróis, enfim se definiu o campo de pesquisa a desbravar. Afinal, elas sempre fizeram

parte de sua vivência, principalmente infantil e adolescente, e acabaram influenciando suas

decisões posteriores, como as profissionais. Não é por acaso que o pai deste autor tenha dito,

assim que este lhe informou de sua decisão pelo curso de Jornalismo, cinco anos atrás: “Vai

querer virar Clark Kent, é?” Desse modo, por meio deste trabalho, tem-se um acerto de contas

com o inconsciente.

O processo pelo qual passou este estudante de Jornalismo não é único, posto que

estamos falando de um produto da indústria cultural, que, como tal, atinge uma massa numerosa

de pessoas, público sem o qual não sobrevive. Ou seja, estamos falando de um estereótipo,

ligando a profissão de Jornalismo a um personagem fictício, uma pessoa irreal.

Outra vivência pessoal marcante neste tema ocorreu no primeiro ano de curso, em que

se questionava a cada calouro o porquê de sua escolha acadêmica. Uma resposta recorrente e

impressionante da turma, ao lado de outras como “gostar de escrever” e “profissão sem rotina”

foi algo como “gostaria de ajudar as pessoas, melhorar o mundo”. Quer dizer que o Jornalismo,

uma profissão como outras, envolve uma carga moral? Relaciona-se a atos dignos de heróis?

Mas que conceito de herói – dos muitos existentes – estamos utilizando nessa

correlação? No ensaio “Heróis e Super-Heróis”, Jeph Loeb e Tom Morris (2005: 25) ressaltam

um dos conceitos-chave para um verdadeiro herói: “homem [considerado como ser humano em

geral] admirável por feitos e qualidades nobres”, estando esta nobreza inclusa até em pessoas

comuns sem super-poderes, como “bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros e professores”.

Os autores afirmam ainda que “as pessoas nesses empregos geralmente transcendem o

interesse próprio normal, colocando os interesses dos outros em primeiro lugar na lista de

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prioridades”. E mais: “Eles são os guerreiros da vida diária cujos sacrifícios e atos nobres

beneficiam a todos nós.” Claro, bela visão, mas limitada, como os próprios autores a seguir

reparam: “Qualquer pessoa que defende o bem e o certo, contra todas as forças contrárias que

tentam minar seus esforços, pode ser vista como heróica.” (LOEB; MORRIS, 2005: 26)

O fato é que, se pensarmos nas ocupações dos personagens em suas identidades “super”,

é como se assumissem, como voluntários, o “emprego” extra-oficial de policiais – função

altamente oficial –, usando a força para manter a ordem na sociedade.

No entanto, “os dois mais importantes” personagens do gênero de aventuras de

super-heróis têm como identidade alternativa justamente profissionais de Jornalismo, como

afirma Aristides Dutra (2002: 20): o já referido Super-Homem e o Homem-Aranha,

respectivamente como Clark Kent e Peter Parker. Cada um deles, os mais proeminentes de

cada uma das duas principais editoras do gênero: DC e Marvel Comics, ambas dos Estados

Unidos. Não pode ser mero acaso.

É preciso lembrar que as histórias em quadrinhos nasceram e se desenvolveram como

afilhadas do jornalismo, em cujos suportes iniciais e mais básicos, os jornais impressos, elas se

iniciaram, como páginas dominicais e, posteriormente, como tiras. E os quadrinhistas eram

empregados dos donos dos jornais, como conta Sonia M. Bibe Luyten (1985: 18), tendo sido a

primeira disputa de grande relevo empresarial a que houve entre os jornais New York World, de

Pulitzer e o New York Journal, de Hearst, para ficar com o artista Richard Outcault.

É interessante notar como a dupla de personagens, por um lado, assume o papel de

transmissores da informação e, por outro, assume o de heróis, bem como o de estrelas e material

para as notícias, freqüentemente para eles próprios, e principalmente para Peter Parker.

Os dois super-personagens citados não são personagens profissionais isolados em suas

histórias, as quais contam com diversos outros personagens secundários sem super-poderes,

que oferecem uma forte imagem do mundo jornalístico “normal”, em oposição a seu aspecto

agente-duplo super-poderoso. Destaques para a repórter Lois Lane, esposa de Clark Kent, e o

diretor de redação e dono do jornal Clarim Diário, J. Jonah Jameson, chefe de Peter Parker.

Além disso, cumpre lembrar a existência de outros consagrados personagens jornalistas

nos quadrinhos de ficção: Tintim, do mundo franco-belga; Brenda Starr, dos primórdios dos

quadrinhos estadunidenses; e atuações dos personagens Disney Pato Donald e Peninha, além

de Margarida, como repórteres – e esta, até como editora do suplemento A Patinha, além de

apresentadora em programa de televisão e âncora de telejornal. (BAETA, 2006: 67)

E não deve ser só uma coincidência o fato de estes personagens da Disney com faces

jornalísticas assumirem também faces de super-herói: Donald também é Super-Pato, enquanto

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Peninha também é Super-Pena; Margarida é Super-Pata. Não há como não mencionar, neste

grupo, também o extremamente cômico personagem Super-Pateta, alter-identidade de Pateta,

que não assumiu papel jornalístico, ao menos com freqüência relevante.

Vale também mencionar o surgimento do jornalismo em quadrinhos, a exemplo de Joe

Sacco, com jornalistas reais sendo retratados em histórias verídicas nos quadrinhos, além do

personagem Phil Sheldom, fotógrafo que é testemunha das atividades dos super-seres na obra

Marvels (1995), de Kurt Busiek e Alex Ross.

Para completar, apesar de estes personagens terem nascido nos quadrinhos, eles não se

limitaram a esse meio. É comum que o sucesso de uma idéia em determinada mídia acabe sendo

reaproveitado em outra: o personagem e seu mundo sofrem certas metamorfoses no processo,

mas a estrutura essencial de seu imaginário acaba sendo transmitida, para um público ainda

maior, como é o caso principalmente de Tintim, com seus desenhos animados.

O Super-Homem, por exemplo, foi o primeiro super-herói adaptado para desenho

animado (1941) e a ter uma série de TV, entre 1951 a 1957. É o super-herói com o maior

número de versões (oito em 2006) para o cinema, empatado com Batman. Já o Homem-Aranha,

mesmo tendo sido criado 24 anos depois do Super-Homem, foi o campeão de aparecimentos em

desenhos animados: 222 vezes! E seu primeiro filme, em 2002, bateu o recorde de arrecadação

em estréias tanto nos EUA como no Brasil (GROSSI, 2004: 103-111). Também vale destacar a

série de TV Lois & Clark: The New Adventures of Superman, de 1993, com mais espaço para o

aspecto “jornalista”.

Em relação ao país no qual tem origem o material estudado aqui, os Estados Unidos,

cumpre ressaltar sua importância e influência cultural – além de política, econômica e militar,

seja isso tudo positivo ou negativo – na América e no planeta, desde o início do século XX.

Para terminar, cumpre chamar a atenção para uma análise metafórica do

Homem-Aranha em relação ao profissional jornalista: o herói tem a capacidade de se mover

pelas paredes e pelos tetos, ou seja, ele consegue se locomover mais facilmente por qualquer

caminho, entrar em qualquer lugar. Por outro lado, quando acontece algum desastre, ou algo

muito importante está acontecendo, freqüentemente não se deixa ninguém entrar, ninguém

passar... Exceto o jornalista, que vem logo gritando: "Imprensa, imprensa!"

O Homem-Aranha também pode lançar teias, prender bandidos e salvar cidadãos

indefesos e inocentes em geral, ou ainda utilizar esse ultra-prolongamento dos seus braços para

voar pela cidade, lançando uma teia aqui, outra acolá... O jornalista pode passar as suas idéias e

informações para o papel ou para as ondas de rádio, TV ou espaço virtual da internet,

amplificando o alcance de sua voz e fazendo voar significados pelo mundo.

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A mais célebre frase do nosso fictício personagem "Grandes poderes trazem grandes

responsabilidades" se aplica bem para o jornalista, considerando a importância e legitimidade

dados à instituição midiática, e especialmente, ao Jornalismo, como podemos ler em José

Marques de Melo (2003: 19): “A intensificação e o refinamento das relações de troca, que

ocorrem no bojo das transações capitalistas, as possibilidades de atuar e de influir na vida da

sociedade, que se afiguram na eclosão das revoluções burguesas, tornam a informação um bem

social, um indicador econômico, um instrumento político.”

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Objetivo

Analisar as facetas jornalísticas – Clark Kent e Peter Parker –, dos personagens

super-heróis Super-Homem e Homem-Aranha, em histórias publicadas no Brasil. Verificar

também se é coerente a constituição de um estereótipo heróico do jornalista por meio dessas

histórias. Realizar e correlacionar a conceituação do herói, do super-herói, e da ética

jornalística.

Processo metodológico Foi feita uma revisão bibliográfica dos eixos conceituais desta pesquisa: Jornalismo,

Fotojornalismo e Histórias em Quadrinhos, entre outros temas envolvidos, como Ética e o

Herói. Em seguida, esses conceitos foram confrontados com a representação da profissão nas

histórias dos personagens Super-Homem e Homem-Aranha, a partir de uma amostragem

adequada: histórias contidas em 172 publicações selecionadas, de maneira a abarcar desde as

fases mais antigas até as mais recentes.

Esse número surgiu por acaso; foi o limite do estudo o mais abrangente possível da

representação jornalística nas histórias dos heróis mencionados que conseguimos fazer, no

tempo disponível de menos de um semestre. Para isso, foi utilizada principalmente a coleção

particular deste autor, incrementada por uma busca em sebos e bancas; consultas e empréstimos

na Gibiteca Henfil, do Centro Cultural São Paulo, e na coleção do Núcleo de Pesquisas de

Histórias em Quadrinhos (NPHQ), na ECA-USP.

Foram consultadas 80 revistas em que aparece o Super-Homem, 90 com o

Homem-Aranha e mais 2 edições que, excepcionalmente, reúnem ambos. Ressaltamos que o

enfoque inicial deste trabalho era o Aranha, por haver maior familiaridade pessoal deste autor

com o personagem e suas publicações serem, assim, mais acessíveis; e ser este personagem

mais recente, lançado 24 anos depois do Super-Homem, havendo assim menos estudos sobre o

Homem-Aranha e sendo este mais inovador em vários aspectos; no entanto, concluiu-se que um

estudo sobre o jornalista nos quadrinhos de super-heróis não poderia deixar de lado a análise do

ícone global que é o Super-Homem.

Assim, buscamos equilibrar nossas análises dos personagens, tanto em termos de

número de referências como de valoração por aspectos positivos ou negativos. Além disso,

também tratamos de outros personagens de destaque nas histórias dos dois super-heróis, sempre

pensando nas facetas jornalísticas.

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Esclarecemos que nossa análise concentrou-se em questões qualitativas, não

quantitativas, devido ao tempo disponível para a monografia. Assim, não há estatísticas de

repetições de características, mas, no máximo, estimativas e projeções.

Não houve muita preocupação com legislações e códigos de ética dos EUA, onde

nasceram os personagens e suas revistas, mas principalmente com valores universais e

brasileiros, posto que eles são mesmo parte do imaginário mundial e de nosso país. Assim,

praticamente todas as revistas utilizadas são adaptações brasileiras das publicadas

originalmente nos EUA, assim acessíveis em nosso país.

Há, naturalmente, freqüentes referências a revistas de quadrinhos; consulte o Anexo 1

para informações sobre as publicações consultadas e o Anexo 2 para as figuras. São incluídas

reproduções de diversos quadrinhos, para facilitar as análises e o entendimento. Às vezes,

fizemos uma seleção e remontagem digital de alguns deles, com a intenção de poupar espaço

nesta monografia e evidenciar melhor o que desejamos mostrar. Quando isso for feito, no

entanto, haverá a devida indicação.

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I – REVISÃO TEÓRICA

1 O JORNALISTA Para nossa análise sobre a imagem do jornalista nos quadrinhos, precisamos antes fazer

um estudo sobre a própria problemática do “jornalista real” e seus problemas e mitos comuns.

A obra que nos guiou neste estudo foi principalmente a do estudioso alemão de comunicação

Michael Kunkzik, Conceitos de Jornalismo, por a acharmos bem profunda no conteúdo de que

precisamos. O mundo dos jornalistas, de Isabel Travancas, também foi de particular auxílio.

1.1 Histórico Ao contrário do que se possa imaginar, antes de existir a impressão, já havia indícios da

atividade jornalística, como nos conta Theresa Catarina Campos (2004 apud ALVIM, 2005:

46): “No tempo de César, por exemplo, romanos que residiam nas províncias designavam

alguns de seus escravos para lhes informarem tudo o que ocorria na vida pública.” Estes

escravos davam notícia dos debates judiciários e sessões do Senado, o que poderíamos

comparar à atual editoria de política dos jornais, e também dos combates de gladiadores, o que

corresponde à atual editoria de esportes. “Também existiam os ‘pregoeiros’, que tinham a

função de anunciar festividades do culto, anúncio de enterros, divulgar objetos achados e

perdidos, etc.”, completa o autor.

De maneira geral, na Era Medieval, Kunczik (1997: 22) relata que, na Europa central, os

precursores dos jornalistas atuais eram os bardos viajantes, que “reportavam e comentavam os

acontecimentos do dia nas feiras, mercados e cortes aristocráticas”, assim como os mensageiros

e os escrivãos públicos. Em tempo parcial, também atuavam, em função semelhante à do

jornalista, os editores de livros, administradores de correios, negociantes, diplomatas e outras

pessoas com fácil acesso à informação.

Marco Pólo pode ser considerado um dos primeiros repórteres, já que, no século XV,

ele teve a experiência de sair da Itália e viver muitos anos no Oriente, conhecendo um mundo

totalmente novo, a seguir descrevendo o que viu, em seu livro As viagens de Marco Pólo. De

tão bem divulgadas, suas histórias reais “tornaram-se muito conhecidas em toda a Europa e são

um grande exemplo de intercâmbio de informações e interesse pelo outro”, acredita Campos

(apud ALVIM: 46). Nesse sentido, a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal na

ocasião do “achamento do Brasil” é um belo exemplo entre os precursores da atividade

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jornalística, como lembra Rildo Cosson (2001 apud ALVIM, 2005: 48). Mas ressaltamos o

caráter privativo e estatal da carta, não-público, diferente do conceito de jornalismo atual.

Donsbach (1987 apud KUNCZIK, 1997: 22) situa a primeira coleção e distribuição

profissional e comercial de notícias na Veneza do século XVI, onde os scrittori d’avvisi

reuniam todo tipo de informações, e as vendiam em cópias ao público.

Os primeiros jornais a aparecerem regularmente na Alemanha datam de 1609: Aviso, em

Wolfenbüttel, e Relation, em Estrasburgo (KUNCZIK: 23). “Pouco depois, apareceram jornais

na Holanda (1618), França (1620), Inglaterra (1620) e Itália (1636).” O primeiro jornal diário,

no entanto, foi o Einkommende Zeitung, de Leipzig (1650).

Para Travancas (1993: 17), é na época da Revolução Industrial, mais especificamente no

século XVIII, que a imprensa se desenvolve de fato, “como resultado de um produto industrial

com profissionais especializados”. Desta maneira, aparece o primeiro jornal dos Estados

Unidos, o Boston News Letter, em 1704, na cidade de mesmo nome.

A autora explica que os interesses dos jornais se concentravam na área mercantil e

política, mas “com a Revolução Francesa, em 1789, começa-se a fazer jornais como se entende

hoje, com várias páginas e assuntos diversos: um espaço de opinião e polêmica”. No Brasil, a

novidade chega um século depois dos EUA, em 1808, e mesmo assim publicado e vendido na

Inglaterra, para chegar ao Brasil clandestinamente: o Correio Braziliense.

O Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, é fundado em 1891, por um grupo de

monarquistas, consolidando-se como jornal de prestígio em 1960 (CONTI, 1999: 48-51). A

Editora Abril é criada em São Paulo na década de 1950, no início publicando a revista de

quadrinhos Pato Donald e a feminina Capricho, que logo chegou a uma tiragem de meio

milhão de exemplares (p. 365-367). Em 1968, a Abril lança a revista Veja, que só começa a dar

lucro em 1974, concentrada em cobertura política e grandes reportagens. Hoje, com mais de 1

milhão de exemp lares mensais, é a revista mais vendida no Brasil. (CONTI: 72-74)

O radiojornalismo entra em cena em meados do século XX e as primeiras experiências

com televisão datam de 1939, nos Estados Unidos, logo sendo aproveitadas para o jornalismo

também. (TRAVANCAS, 1993: 18)

Em 1983, A Folha de S. Paulo se torna o primeiro jornal com redação informatizada na

América do Sul, com a instalação de terminais de computador. Na internet, de acordo com

Pollyana Ferrari (2003: 111-112), o jornalismo entra em 1995: o jornal dos EUA The Wall

Street Journal lança o Personal Jornal, veículo entendido pela mídia como o “primeiro jornal

com tiragem de um exemplar”. No mesmo ano, o Jornal do Brasil inaugura o primeiro jornal

eletrônico do país, o JB On-line.

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1.1.1 Censura

Para Kunczik (1997: 24), a história real do jornalismo é “uma história de luta pela sua

liberdade”. Logo que Gutenberg inventou a máquina de imprimir com tipos móveis, já se

institucionalizavam as medidas de censura, a começar pela Igreja, que detinha o maior poder na

época. O Estado também logo criaria suas leis de censura; mas a luta pela liberdade de imprensa

em relação a ele já começa simultaneamente à criação dos jornais, pelo menos na Inglaterra,

onde o primeiro surgiu em 1620. Isso indica que tal liberdade é essencial para a atividade.

Nesse país, a censura deixou de existir quando se decidiu, em 1695, não renovar a chamada

“Lei de Autorização”. Ou seja, na Inglaterra, oficialmente, pelo menos, durou muito pouco a

censura dos jornais.

Entretanto, num plano maior, a censura dos jornais não foi desafiada até o século

seguinte, o XVIII. “As declarações americana (1776) e francesa (1789) dos direitos humanos

afirmaram a liberdade de imprensa, acrescentada, em 1791, como a primeira emenda à

Constituição americana.” (KUNCZIK, 1997: 26)

Nos outros países, a situação nessa época ainda estava extremamente restrita, como na

própria Alemanha, ironicamente o berço técnico da imprensa. “Na grande maioria dos países,

ainda agora não existe liberdade de informação e notícias”, diz o estudioso alemão, baseado em

medições do Centro para a Liberdade de Informação, da Escola de Jornalismo da Universidade

de Missouri. (KUNCZIK: 28) O fato é que, hoje, mais importante que a Igreja ou o Estado, há

outro poderoso censor: o dinheiro.

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1.2 A profissão de jornalista 1.2.1 Conceituação

Vamos começar com uma definição preliminar que adota Isabel Travancas, em seu livro

O mundo dos jornalistas (1993: 17): “Hoje, ser jornalista significa trabalhar em jornal,

televisão, rádio ou assessoria de imprensa”. Se ela quer conceituar pela base de tipos de

veículos de comunicação, na verdade acabaram faltando revista e site noticioso, este último

ainda em formação quando escreveu o livro.

No entanto, não é qualquer pessoa que trabalha nesses meios que é jornalista; assim,

preferimos utilizar um conceito que o estudioso de comunicação alemão Michael Kunczik

seleciona: “o jornalismo é considerado a profissão principal ou suplementar das pessoas que

reúnem, detectam, avaliam e difundem as notícias; ou que comentam os fatos do momento

(KOSZYK; PRUYS, 1976 apud KUNCZIK, 1997: 16).”

E, de acordo com uma análise de Opinião Pública, de Walter Lippmann (1922 apud

KUNCZIK: 19), o valor da notícia é compartilhado e padronizado, “determinado por fatores

como a clareza do evento, a surpresa, a conflito, o impacto pessoal, a proximidade geográfica”.

Para Donsbach (1987 apud KUNCZIK: 16), o jornalista é quem está envolvido na

formulação do conteúdo do produto da comunicação de massa, seja na reunião, na avaliação, na

apuração, no processamento ou na divulgação de notícias, nos comentários ou no

entretenimento.” Lemos assim uma definição bem mais genérica, que inclui até entretenimento.

Sequer se vincula exclusivamente a notícia ao jornalista neste caso, ela é tratada como um dos

itens apenas e ele é considerado um profissional geral da mídia.

A profissão jornalística se regula por dois tipos de normas: as técnicas, que incluem

“obtenção rápida de notícias, habilidade para redação e edição, etc.” e as éticas, ou seja,

“obrigação para com os receptores, valores como a responsabilidade, a imparcialidade, o

cuidado, a justiça, a objetividade, etc.” (BREDD, 1955 apud KUNCZIK: 16).”

O interessante é que Michael Kunczik (1997: 17) faz uma distinção, falando em um

certo “trabalho jornalístico genuíno”, que envolveria o trabalho de investigação, de redação e

de edição. Outra hipótese lançada para definir o jornalismo tido como “genuíno” é a crítica

social a serviço de certo ideal para a humanidade ou objetivos humanitários, o que seria

também a função principal da “classe intelectual”, segundo Julien Benda (1927 apud

KUNCZIK: 17). Esta categoria se diferenciaria do chamado jornalismo subsidiário (por

exemplo, relações públicas) e grande parte do jornalismo da “voz governamental”, de acordo

com Kunczik. (1997: 56-57)

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O autor faz uma distinção entre emprego, ocupação e profissão. O “emprego” se

define normalmente como “um trabalho móvel, casual, variável de caso para caso, ao qual a

pessoa se dedica principalmente por motivos econômicos”; já a “ocupação” se entende como

“um complexo de atividades específicas [...] para as quais se requerem capacitação e educação

prévia”, e ainda “uma atividade que molda a personalidade durante toda a vida” (1997: 32). Já o

termo “profissão” é mais delicado, sendo usado quando “a ocupação requer um conhecimento

altamente especializado, adquirido por uma formação ocupacional prolongada, com base

teórica”. A introdução à ocupação é “controlada, e as pessoas que a exercem se comprometem a

cumprir certos regulamentos profissionais”.

O jornalismo é tido por Kunczik (1997: 37) como uma “ocupação literária”, de maneira

geral, mas particularmente no caso do redator e do repórter. Quanto à profissão,

“freqüentemente a ‘academização’ é suficiente para explicar a profissionalização”; mas

também se costuma pensar no profissional jornalista como o oposto do aficionado (simples

amador, fã da ocupação), como alguém qualificado por meio de uma capacitação especial e

seguindo um código de conduta que dá prioridade aos interesses da clientela receptora

(BURNS, 1969, apud KUNCZIK: 37).

Tendo estes conceitos em mente, vejamos o termo que usa Marcos Sá Corrêa (apud

VIEIRA FILHO, 1991: 40-41) para o jornalismo: “ofício”. É uma idéia que poderíamos

considerar próxima a “emprego” ou talvez “ocupação”. Corrêa diz que esse tipo de trabalhador

não é como um médico, que leva o título para outras áreas.

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1.2.2 Regulamentação e condições de trabalho

Apesar de os jornalistas se considerarem até eruditos no século XIX, segundo Kunczik

(1997: 38), “o desenvolvimento da imprensa de massa baixou o nível acadêmico dos

jornalistas”. Na maioria dos países ocidentais, porém, o Estado nem regula nem autoriza o

ingresso na ocupação. No Brasil, pelo contrário, desde 1979 exige-se o diploma de faculdade

específica para possibilitar o exercício da profissão, como diz Travancas (1993: 32). O último

processo judicial que tratou do assunto, em 2005, mantém essa exigência, com exceção para os

realmente veteranos.

Em relação ao período de trabalho, Mino Carta, entrevistado por Vieira Filho (1991:

59), tem posições bem firmes: “O jornalista tem que ser full-time. Essa coisa de ‘tenho de fazer

um free-lance, um programa de TV’, não funciona. O jornalista trabalha para aquele veículo e

tem que ter dedicação total.” O problema é que, em muitos países, os jornalistas precisam de um

emprego adicional para assegurar a subsistência, como afirma Donsbach (1987 apud

KUNCZIK, 1997: 16)”

Neste aspecto, confirma Marcos Sá Corrêa (apud VIEIRA FILHO, 1991: 39):

“Ganha-se mal no jornalismo, inclusive em termos comparativos com profissões paralelas.”

Isso pode trazer conseqüências delicadas, pois a “independência econômica e da seguridade

social” são importantes para a função crítica, diz Travancas (1993: 58), sem isso, os jornalistas

podem ficar ainda mais frágeis à influência do poder.

A “tese da proletarização” neomarxista (BRAVERMAN, 1974; OPPENHEI-MER,

1973 apud KUNCZIK: 34), sugere que, “ao trabalhar nas grandes organizações capitalistas, os

profissionais converteram-se em proletários”. Essa tese também implica que os capitalistas

preferem as formas de organização do trabalho que “degradam as habilidades e fomentam a

alienação, para que a mão-de-obra se torne cada vez mais barata e fácil de substituir”. Rothchild

e Russel (1986 apud KUNCZIK: 34) refutam essa idéia, dizendo que se ignoram “os custos

para os empregadores ao descuidar da consciência dos trabalhadores”.

Assim, atribui-se aos jornalistas uma consciência alienada que se reproduz

perpetuamente sob a pressão dos editores. Segundo esse argumento, as “condições de produção

penetraram na alma dos jornalistas” (KUNCZIK: 81). Isabel Travancas (1993: 28) relata que o

ponto de partida para a entrada na profissão é a “entrega do seu tempo”, estar ligado à redação

o tempo todo. De acordo com sua pesquisa, há uma cobrança de que “ser jornalista significa ser

jornalista 24 horas por dia”.

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1.2.3 Funções do jornalismo

Um paradigma do jornalismo se refletiria, conforme uma conservadora análise de

Wright, no entendimento da contribuição dos meios de comunicação à sociedade como a

estabilização do sistema. Notícias fora disso seriam “disfunções” (apud KUNCZIK, 1997: 73).

O mais comum é a formulação idealista de dois tipos contraditórios. “Um é o jornalismo

objetivo e neutro, distanciado passivamente dos eventos de que trata. O oposto é o jornalismo

ativamente comprometido, participativo e socialmente engajado, que promove causas. Na

realidade, essas duas imagens normativas não se excluem mutuamente. Um jornalista pode

sentir-se igualmente comprometido com a reportagem objetiva e neutra e com uma obrigação

social.” [destaques nossos] (KUNCZIK: 97)

Clóvis Rossi (2006: 9-10), chama o primeiro tipo de “mito da objetividade”, que “a

maior parte da imprensa brasileira importou dos padrões norte-americanos”. A imprensa em

tese só deveria publicar tudo o que ocorresse e deixar o leitor tomar suas conclusões, mas “entre

o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de comunicação de massa há a mediação de

um jornalista”. E este “carrega consigo toda uma formação cultural, todo um background

pessoal, eventualmente opiniões muito firmes” a respeito do fato testemunhado, o que leva o

jornalista a ter uma visão a respeito diferente do colega.

Uma categoria derivada do primeiro tipo é o “jornalista mediador”. Segundo Wolfgang

Langenbucher (1974 apud KUNCZIK, 1997: 100), sua tarefa é “facilitar a mútua comunicação

entre os diferentes grupos da sociedade”. Uma regra para esse jornalista é, em nenhuma

circunstância, dedicar-se à “auto-representação subjetiva nem exercer o poder pessoal”.

Este posicionamento é o que utiliza, por exemplo, o jornalista Lúcio Flávio Pinto (apud

VIEIRA FILHO, 1991: 130): “O jornalista não pode ser personagem, tem que ficar de fora do

fato. Ele tem que ter humildade e se contentar em ser o repórter, em não ser o Super-Homem.

Ele é um prisioneiro da informação, e da informação mais próxima possível da realidade.

Quanto mais humilde ele for no compromisso com a exatidão da informação, mais

possibilidade ele terá de ser um bom jornalista, um bom Clark Kent.”

Outro conceito interessante no caso de nosso trabalho específico é uma categoria

derivada do segundo tipo: o chamado “defensor” é conceituado como “o paladino de certos

grupos socialmente abandonados e que, por si mesmos, não podem representar seus interesses

[...], impedindo o abuso do poder” (KUNCZIK, 1997: 98). Os jornalistas desse tipo seguem a

tradição dos “denunciantes de corrupção”, entre os quais Kunczik destaca Joseph Pulitzer,

Lincoln Steffens, Ida Tarbell e Ray Stannard Baker.

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Há uma outra corrente que defende o papel educativo do jornalista, à parte daqueles dois

tipos de jornalista básicos. Segundo Donsbach (1982 apud KUNCZIK, 1997: 101), “o ponto de

partida implícito para se atribuir um papel educativo ao jornalista é a suposição de que os

jornalistas detêm mais informação e são mais capazes que as outras pessoas de chegar a

percepções politicamente racionais”. Assim, para o autor, o exercício de uma função educativa

pressupõe uma vantagem educacional.

No chamado “jornalismo de precisão”, uma categoria que se vale dos estudos

acadêmicos sociais para serem “vigilantes da sociedade”, é preciso saber que “os problemas

sociais como o preconceito, o conflito racial, o crime, o abuso de drogas, etc., são inseparáveis

do comportamento social normal e dos processos sociais normais.” (KUNCZIK: 104-105)

Há também a marcada tradição do “jornalismo socialista” (KUNCZIK: 121-125), pelo

qual Lênin só podia conceber a imprensa controlada e servindo como “ondas de propagação”

destinadas à luta pela vitória do comunismo na URSS; e do “jornalismo de desenvolvimento”,

destinado especificamente aos países em desenvolvimento, como o Brasil, cuja missão seria,

segundo Nora Quebral (1975 apud KUNCZIK, 1997: 121-125), “a emancipação dos grupos

marginais, como os pobres urbanos, os camponeses, as mulheres, etc. e ajudá-los a participar no

processo político”, o que influenciaria ativamente os seus destinos.

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1.3 Ética jornalística Como explica Marilena Chauí (1999 apud GOMES, 2004: 17), “ethos é o caráter ou

temperamento individual que deve ser educado para os valores da sociedade, e ética é aquela

parte da filosofia que se dedica à análise dos próprios valores e das condutas humanas”. Desta

maneira, a rigor, nem teríamos ética do jornalismo ou de tal e qual profissão, como alerta

Cláudio Abramo (1999 apud GOMES: 19): “Não existe uma ética específica do jornalista: sua

ética é a mesma do cidadão”. No entanto, quando dizemos “ética do jornalismo”, para Mayra

Gomes (2004: 19), nosso referencial é “o conjunto de regras postas que agrupamos sob os

códigos profissionais”.

Kunczik (1997: 109-112) discorre sobre diversas normas e orientações, sendo que

“todos esses princípios profissionais exigem que o jornalista respeite a verdade, informe

cuidadosa e corretamente o público, verificando a fonte das notícias e corrigindo as

informações errôneas” [destaque nosso].

Mas não basta a verdade. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no artigo 9º,

item e, dispõe: “É dever do jornalista opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem

como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, como

cita Mayra Gomes (2004: 19). A pesquisadora explica isso dizendo que um código profissional

“não pode ir na contramão dos valores idealizados e expor-se à exclusão”, assim como “não

pode estar em conflito com um jurídico”, sob o risco das penalidades da lei.

Max Weber (apud KUNCZIK, 1997: 40-41) distingue dois tipos formalmente possíveis

de atitudes e que se denominam éticas de responsabilidade e éticas de valores absolutos. A ação

eticamente responsável significa que ela diz respeito não somente à seleção dos meios para se

alcançar um fim específico mas também à comparação de valores entre si e aos possíveis efeitos

de um determinado curso de ação. “O ator eticamente aceita a responsabilidade pelas

conseqüências, intencionais ou não-intencionais, da ação”.

Kunczik relata um estudo empírico de Kepplinger e Vohl (1979 apud KUNCZIK:

40-43) sobre a consciência de responsabilidade dos jornalistas de televisão. Eles descobriram

que somente 25% dos jornalistas consultados estariam dispostos a assumir a responsabilidade

pelos efeitos negativos não-intencionais de seu trabalho. Por outro lado, os jornalistas estariam

dispostos a assumir a responsabilidade por suas reportagens incorretas.

Assim, “como o dever para com a verdade é usado como o critério de ação para a ética

dos valores absolutos, Keplinger e Vohl dizem ter constatado a expressão da orientação

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predominantemente ética dos valores absolutos e racionais quanto aos valores nas atitudes dos

jornalistas de TV que entrevistaram.”

O pesquisador alemão (KUNCZIK, 1997: 45) também analisa que os diferentes papéis

jornalísticos têm requisitos diferentes para a orientação ética; os cargos de direção se

inclinariam mais para a ética da responsabilidade, assim como os repórteres que dependem

mais do contato com suas fontes. Aqueles que não vêem obrigações com seus informantes ou

encaram seu papel como o Quarto Poder, a controlar o governo, devem se orientar pela ética

dos valores absolutos.

Aparece outro grande dilema nos limites da informação entre o público e o privado. Já

que se opera com “a idéia da continuidade entre aquilo que um indivíduo é no âmbito de sua

vida particular e aquele de sua vida pública” (GOMES, 2004: 50), é necessário sensatez entre

“divulgar todos os fatos que sejam de interesse público” e “respeitar a privacidade do cidadão”,

ambas demandas do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (apud GOMES: 23).

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1.4 Auto-imagem e reputação 1.4.1 Perfil

Kunczik (1997: 17) observa que as tarefas e a auto-imagem profissional dos jornalistas

variam amplamente, com uma diferença considerável entre repórteres locais, jornalistas de

agências de notícias e porta-vozes patronais, redator, mediador, fotógrafo jornalístico, editor,

entre outros.

Mas, na busca de um perfil do jornalista, cabe destacar inicialmente o estudo Ocupações

e Valores, de Rosenberg (1957 apud KUNCZIK: 176-177), que relata uma tipologia de

personalidades. Assinala que “o tipo indiferente [os que se afastam das pessoas] prefere uma

ocupação que lhe permita ser criativo e original, ficando livre de supervisão. [...] escolhem

ocupações como a arte, a arquitetura, o teatro, as ciências naturais e o jornalismo.” Também

haveria o tipo agressivo, a ir contra as pessoas, e o submisso, a se aproximar delas.

Tem-se acusado os jornalistas dos EUA, em particular, de maior agressividade e de

maior irresponsabilidade; “por trás de qualquer história suspeita-se um escândalo, pelo menos

uma espécie de mini-Watergate”, analisa Kunczik (1997: 177). São representados como

agressivos e carreiristas, porque procuram impor-se a todo custo, sem lealdade nem

sensibilidade para com as comunidades onde trabalham. São acusados de haverem perdido o

contato com a população (Time de 12 de dezembro de 1983 apud KUNCZIK: 189).

Uma tendência nova na última metade de século XX foi a “invasão das mulheres” nas

redações. Até 1950, praticamente não havia mulher jornalista, segundo Newton Carlos (apud

TRAVANCAS, 1993: 74). “Depois de 1960 foi uma verdadeira ‘invasão’ e hoje mais de 50%

dos jornalistas são mulheres.”

Kunczik (1997: 162) também diz que “não é raro classificar os jornalistas como

bêbados temerários ou ignorantes preguiçosos” [destaque nosso]. Esse estereótipo encontra

respaldo, em parte, na pesquisa de Travancas (1993: 32), que relata as doenças mais comuns

entre os jornalistas no Brasil: “úlcera, cardiopatias e outras ligadas ao alto consumo de álcool”.

Kunczik também relata falta de contato com o público e a intensa orientação dos colegas.

A família é o ponto mais delicado, pois, “com freqüência tem que ser sacrificada pela

profissão”. Entre os 30 entrevistados para o livro O mundo dos jornalistas, de Isabel Travancas,

é grande o número de separados e de solteiros sem parceiros. As mulheres, por exemplo,

explicam: “não é todo marido que aceita ter uma mulher sem hora certa de chegar em casa, que

trabalhe no fim de semana e que possa ser chamada a qualquer momento pela redação”. Como

resultado, muitos casamentos entre jornalistas acabam ocorrendo.

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1.4.2 Prestígio

Um dos primeiros a comentar sobre o prestígio dos jornalistas foi Max Weber, em A

Política como Profissão (1964 apud KUNCZIK, 1997: 162). O autor entende que os jornalistas

possuem um prestígio ocupacional baixo: “Ainda que um jornalista correto e destacado possa

desfrutar de estima pessoal maior do que, por exemplo, a de um bom médico, em geral o

prestígio dos jornalistas nunca chega perto do prestígio dos médicos. Segundo uma declaração

pessoal de Peter Schenkel, o jornalismo na América Latina também tem relativamente pouco

prestígio como profissão, mas alguns jornalistas mais destacados, que escrevem artigos de

fundo, interpretativos, e certos comentaristas de rádio e televisão, ou chefes de programação de

notícias, gozam de alta estima social como indivíduos.” (KUNCZIK: 59-60)

A busca pela notoriedade e individualização é destacada na análise de Travancas

(1993: 104). Eles seriam aparentemente portadores de uma ideologia individualista, tentando a

todo custo, por meio da profissão, ocupar um lugar destacado na sociedade. Isso explica o

porquê da elevada competição entre os profissionais e a busca ansiosa pelo “furo” de

reportagem.

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1.4.3 Liberdade

Chama atenção a forte afirmação que faz Kunczik: “Uma das grandes ilusões de muitos

principiantes é a idéia de que jornalistas sejam livres e independentes”. Na verdade, ele

argumenta que cada um é “membro de uma organização de estrutura hierárquica que o

controla e influencia em clima de produção intelectual” [destaque nosso]. Apóia sua visão

com Karl Bücher (1922 apud KUNCZIK, 1997: 21), que já suspeitava que “a parte editorial

estivesse subordinada ao objetivo de conseguir lucros” e assinalou a “natureza ilusória da idéia

de que o jornalismo é uma profissão ‘livre’, que ainda hoje continua amplamente difundida”.

Vejamos um estereótipo do jornalista que Michael Kunczik (1997: 151-152) considera

bem difundida: “O jornalista é independente, dinâmico e duro, como o detetive particular. Luta

imperturbavelmente num cenário de suborno, corrupção, crime e outros vícios humanos e atos

fraudulentos. Qual lobo solitário na selva da maldade do comércio e da política, é valente,

incorruptível, responsável, humanamente probo – e descobre a verdade. Eis aí a ilusão de

muitos principiantes na profissão.” Ele trata logo de desmitificá-la, declarando que o dia de

trabalho do jornalista pode exigir um “lobo” que observe as regras e a hierarquia e colabore,

num trabalho diário e rotineiro.

Apesar de tudo, o autor admite que o trabalho jornalístico é muito flexível em

comparação com outras ocupações, de modo que o indivíduo pode introduzir boa dose de sua

personalidade no trabalho. (KUNCZIK: 158) Haveria inclusive, para ele, uma auto-seleção nas

empresas, na medida em que os jornalistas potenciais solicitam emprego nos meios de

comunicação cujos pontos de vista básicos correspondem às suas próprias opiniões.

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1.4.4 Poder

Os jornalistas, interpretando seus trabalhos como “a serviço da ordem democrática

fundamental”, “dignidade humana” e “liberdade política”, reclamam – e conquistam –

imunidades para si mesmos, além de sua participação em campos especializados, mesmo sem a

devida competência. (LEPSIUS, 1964 apud KUNCZIK, 1997: 55-56)

Esse nobre pretexto “democrático” jornalístico para suas atividades encontra expressão

na seguinte análise de Kunczik (1997: 89): “Os processos sociais da moderna e complexa

sociedade industrial tornam-se cada vez mais difíceis de compreender. O resultado foi que se

tornou necessário depender cada vez mais das experiências dos outros e das interpretações dos

acontecimentos.”

O jornalista Sérgio Augusto assume então: “É imenso e incalculável o poder que a

imprensa tem. Não foi exatamente para puxar o saco dela que a apelidaram de ‘O Quarto

Poder’. Nossa responsabilidade, portanto, é imensa é incalculável.” (apud VIEIRA FILHO,

1991: 140)

O jornalismo de desenvolvimento intelectual, de maneira paternalista, reforça a idéia de

poder dos meios de comunicação: “os jornalistas seriam uma classe de ‘sábios ditadores’,

sempre atentos ao bem-estar de todos, que tomariam as decisões corretas”. Ou seja, são os

jornalistas que definem e estabelecem a “felicidade máxima da sociedade”. (KUNCZIK: 149)

Esta tendência foi detectada na pesquisa de Travancas (1993: 106), na idéia do “homem

público”. Para esse indivíduo, “as pessoas e a própria sociedade ainda têm relevância,

ultrapassados os laços familiares ou de amizade”.

Em geral, eles se valorizam como “guardiães da democracia e campeões dos

marginalizados”, sendo que divergências com a opinião popular não representam nenhum

problema, “pois consideram legítima sua influência sobre a formação da opinião pública”

(KUNCZIK: 188). Afinal de contas, carregam uma tradição ideal de jornalista “intelectual e

sábio” desde o século XIX. Em O Trabalhador Literário, Engelsing (1976 apud KUNCZIK:

23) já escrevia: “os jornalistas tendiam, devido à sua educação, às normas e aos propósitos

decorrentes dessa educação, devido à sua autovalorização e à composição e exigências de seus

empregadores e leitores, a se verem, mesmo em sua vocação política, como eruditos”.

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1.4.5 Complexo de Clark Kent

O jornalista Geraldinho Vieira, em seu livro Complexo de Clark Kent (1991),

entrevistou e colheu opiniões de diversos profissionais brasileiros de destaque no mundo do

jornalismo em resposta à sua teoria, com o mesmo nome do livro. Esse complexo pode ser

definido como a fantasia ou desejo do jornalista de se tornar um “super-homem” e transformar

o mundo de maneira revolucionária, influindo direta e ideologicamente na sociedade por

uma determinada maneira de produzir notícias no exercício de sua profissão. Usualmente,

ultrapassando as fronteiras do que é possível a ele “simplesmente” passando informações, além

de ignorar hierarquia, regras e códigos éticos comuns.

Preparados com os conceitos de Kunczik sobre as “funções do jornalismo”, podemos

então entender essa percepção como uma interpretação particular da categoria básica de

“jornalismo ativamente comprometido”, particularmente do “jornalismo defensor”. Ela

também pode ser interpretada, ainda mais estando em um “país em desenvolvimento” como um

“jornalismo de desenvolvimento”, buscando a emancipação das massas. Mas essa emancipação

também poderia se dar no ato de divulgação de informações de qualidade em si, que Vieira

também considera. Assim, tendemos a considerar que o jornalista, agindo em virtude do

referido Complexo de Clark Kent, atuaria ao menos numa atitude consciente de seu propósito.

O paternal “jornalismo de desenvolvimento intelectual”, também parece ser pressuposto

para Vieira, pois em sua teoria o jornalista age como responsável pela “felicidade máxima da

sociedade”. Há ainda embutida aí a “ilusão de liberdade” e a auto-imagem de “guardiães da

democracia e campeões dos marginalizados”, com legitimidade auto-concedida para influir na

formação da opinião pública.

Otávio Frias Filho (apud VIEIRA FILHO, 1991: 21) concorda com a atribuição do

complexo na personalidade do jornalista brasileiro, afirmando que “tem havido muito

messianismo, muito espírito de tarefa e obviamente muita irresponsabilidade e impunidade.” Já

Augusto Nunes classifica como a “concepção correta do jornalismo” simplesmente a “busca da

verdade, qualquer que seja ela”. Essa busca ocorre numa ausência de rotina mesmo, o que dá

um charme à profissão para quem gosta; mas “certamente não é tão charmosa a vida do

jornalista quanto é a do Clark Kent”.

Seja uma vida charmosa ou não, Armando Nogueira (apud VIEIRA FILHO: 86)

acredita que “o sentimento mais palpitante do jornalista [...] é a curiosidade e o prazer de ser o

primeiro a saber”, do que resulta “o temor reverencial ao jornalista: é ele que vai dizer às

pessoas se o mundo vai acabar daqui a 20 dias ou não [...], é ele que vai estabelecer um juízo de

valores para o máximo de pessoas que ele possa atingir”.

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Marcos Sá Corrêa (apud VIEIRA FILHO: 42) tem uma visão mais positiva a respeito do

Complexo de Clark Kent, pois acredita que “qualquer profissional melhora quando movido por

algum tipo de paixão” e que “raramente descobriu um jornalista profissionalmente interessante

que fosse também um cético”. Concorda com ele Mino Carta (p. 54), que afirma: “nenhum

homem pode funcionar dentro da vida se não tiver [...] algumas crenças... e o jornalista não escapa a

este padrão. O jornalista precisa acreditar em algumas coisas.”

Coroa essa discussão Marco Antonio Gomes (p. 99), que assume o complexo em si mesmo

e o considera fundamental, desde “que haja também coerência, princípios, humildade” e “um senso

crítico muito apurado para perceber que efeito tal notícia vai causar se divulgada naquele momento

específico”, ressalta ele.

Por outro lado, Caio Túlio Costa apóia o ceticismo e acredita na “quase nula participação

[do jornalista] no processo de transformação social” (p. 103). Gilberto Dimenstein explica essa questão

mais detalhadamente: “[...] quando você se indigna é natural que você queira transformar a realidade.

Mas isso não significa que você tenha que cair no extremo da partidarização da informação [...] Sou

cético o suficiente para saber que somos pequenas peças numa engrenagem.” (p. 112-113)

Boris Casoy também ataca o complexo: “ainda o estudante sai da faculdade com o

pensamento deformado de que jornalismo é luta” (apud VIEIRA FILHO, 1991: 75). A pesquisa de

Travancas (1993: 99-100) depõe contra esta idéia. Relata que só “os mais velhos têm uma vivência

de participação política mais intensa e que se apresenta diretamente ligada às suas carreiras”.

Uma discussão particularmente interessante aparece na discussão entre Vieira Filho e

Dimenstein. O primeiro pergunta (VIEIRA FILHO, 1991: 113): “O Clark Kent não seria a

personificação do super-homem frustrado? O homem feito à sua própria e real imagem,

consciente da relatividade de seu poder?” Dimenstein responde: “Claro, por isso o jornalista

tende a ser frustrado e muitas vezes procura a carreira política, exatamente porque nem sempre

consegue perceber o papel real que tem na sociedade. Ele quer ser o ator do processo de

transformação social e não apenas o captador deste processo. Se você não pode ser mero

espectador, você também não pode ser um ator. A frustração é o maior grau do fenômeno

Complexo de Clark Kent.”

A discussão chama a atenção para o duplo papel do personagem Clark Kent em suas

narrativas, pois se por um lado ele exerce um poder “político/militar” como Super-Homem, ao

mesmo tempo, cumpre um papel de “observador/captador” em sua personagem jornalista.

No caso do repórter fotográfico, Geraldinho Vieira (p. 144) discute uma particularidade

desse trabalho, apontando momentos extremos como o do repórter que presencia o instante em

que alguém vai dar uma facada em outra pessoa. O repórter de texto, extra-profissionalmente,

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por apelo humanitário, se quiser salvar a vida do indivíduo, pode tentar interferir na briga, pois

pode recuperar o fato depois. Se o fotógrafo fizer isso, vai perder a foto.

Quando questionado especificamente sobre o Complexo de Clark Kent, Walter Firmo

faz uma reinterpretação. Aproveita a metáfora não no sentido original, de “engajado” e

“idealista defensor da humanidade”, mas de fato como um super-humano: “mesmo que ele não

queira, o fotógrafo precisa ser mais Super-Homem que Clark Kent, se não quiser perder a

notícia. A coisa impulsiva que o levou a ser jornalista, além de toda a vaidade alimentada pelos

elogios nos casos de grandes furos, obriga-o a ter que ser Super-Homem, a ser policial. Vale

tudo. Sempre sofri muito com isso e quase sempre abdiquei em favor do outro, por isto sempre

fui um fotógrafo que preferiu os segundos cadernos, as revistas”

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2 O FOTOJORNALISTA Consideramos importante construir um capítulo específico para o fotojornalista porque

um dos personagens que estudaremos – Peter Parker – pertence a essa categoria, normalmente

não associada à imagem comum do jornalista. Cumpre ressaltar que a nossa exposição anterior

também é válida de maneira geral para o fotojornalista, posto que ele também está dentro dessa

profissão, com as ressalvas que faremos a seguir.

Como o outro personagem estudado – Clark Kent – é repórter, seja de jornal impresso

ou de televisão, o estudo geral anterior é suficiente e preciso, posto que a função de repórter é

considerada “paradigmática da carreira jornalística”, principalmente no meio de jornal

impresso, como bem afirmou Travancas (1993: 14).

2.1 Histórico Não há como não falar do início do fotojornalismo sem mencionar o da fotografia em si,

uma das inúmeras tecnologias que surgem durante a Revolução Industrial, era de

transformações a serviço da classe burguesa. Sua invenção, no início do século XIX,

oficialmente na França, mas também simultaneamente na Inglaterra, Alemanha e no Brasil (e

provavelmente também em outros países), vem principalmente para suprir “certas

necessidades” da classe dominante burguesa, principalmente pela “adoração de si, de sua

imagem, de ser imortal”, como afirmou Simonetta Persichetti1.

Essa interpretação encontra respaldo no livro de Boris Kossoy, Fotografia & História

(2001: 26), relatando que o convencional retrato de estúdio foi o “gênero que provocou a mais

expressiva demanda que a fotografia conheceu desde seu aparecimento e ao longo de toda a

segunda metade do século XIX”.

O fato é que, de maneira extremamente versátil, a fotografia “teria papel fundamental

enquanto possibilidade inovadora de informação e conhecimento, instrumento de apoio à

pesquisa nos diferentes campos da ciência e também como forma de expressão artística”

[destaque nosso] (KOSSOY: 25).

Colocadas essas condições, nada mais natural que o jornalismo também se aproveitasse

de seu uso. De acordo com Marie-Loup Sougez (apud SOUSA, 2004: 33-34), Roger Fenton foi

o primeiro repórter fotográfico, convidado pelo editor Thomas Agnew, para cobrir a

participação britânica na Guerra da Criméia (1854-55). Mas, por uma censura prévia, só mostra

1 Informação oral, obtida no curso livre Cultura da imagem da sociedade contemporânea: O papel da fotografia, de março a maio de 2006, realizado na Caixa Cultural São Paulo.

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imagens de “soldados e oficiais, por vezes sorridentes” e outras pintando a guerra “vestida com

sua auréola de heroísmo e de epopéia, como tradicionalmente retratada pela pintura”.

“O mundo, a partir da alvorada do século XX, se viu, aos poucos, substituído por sua

imagem fotográfica. O mundo tornou-se, assim, portátil e ilustrado”, diz Kossoy (2001: 27). O

autor afirma, ainda, que a descoberta da fotografia propiciaria a inusitada possibilidade de

“documentação e denúncia graças à sua função testemunhal (melhor dizendo, sua contradição

técnica de registro preciso do aparente e das aparências)”, o que faria dela uma “arma temível,

passível de toda sorte de manipulações, na medida em que os receptores nela viam, apenas, a

‘expressão da verdade’, posto que resultante da ‘imparcialidade’ da objetiva fotográfica”.

Ken Baynes (apud SOUSA, 2004: 18) já sugere que foi com o aparecimento do primeiro

tablóide fotográfico, em 1904, que as fotografias teriam deixado de ser “secundarizadas como

ilustrações do texto para serem definidas como uma outra categoria de conteúdo tão importante

como a componente escrita”. Apesar disso, no início do século (SOUSA, 2004: 18), os

fotojornalistas ainda operavam com flashes de magnésio e com máquinas enormes, comparadas

às atuais. De acordo com Wilson Hicks (apud SOUSA, 2004: 18), isso impedia que se

realizasse mais de uma fotografia por assunto e também afastava as pessoas do fotógrafo, pois o

flash deixava o fotógrafo com um cheiro “nauseabundo”.

Vem uma primeira revolução no fotojornalismo nos anos de 1920, com a geração de

Erich Solomon (1896-1944), tido como o “pai” do fotojornalismo moderno. É quando os

repórteres fotográficos passam a ser mais reconhecidos profissionalmente. E é com Solomon

que nasce a candid photography, a fotografia não posada, não protocolar, em que o fotografado

não consegue se preparar; além disso, ele assinava as fotos, fazendo com que o fotógrafo perca

o anonimato. (SOUSA, 2004: 70-79).

Além disso, vários avanços técnicos aparecem, como o flash de lâmpada, que é

inventado em 1925 e aperfeiçoado com um metal refletor em 1929; e, em 1930, a Leica, a

mítica marca de máquinas fotográficas aparece: com esta pequena máquina, o fotojornalista

pode posicionar-se melhor face ao evento, passa mais facilmente despercebido e pode usar

diferentes objetivas conforme a necessidade (SOUSA: 73).

Segundo Cliff Edom (apud LESTER, 1991: 4), Frank Mott, decano da Escola de

Jornalismo da Universidade de Missouri, pode ser considerado como o inventor do termo

“fotojornalismo” [“photojournalism”, no original]. Foi só em 1942 que Mott estabeleceu uma

seqüência acadêmica separada para a formação em fotojornalismo, ao passo que cerca de 50

anos antes já havia faculdades de jornalismo. Há que se ressaltar que, no Brasil, segundo Walter

Firmo (VIEIRA, 1991: 145), a formação do fotógrafo hoje ainda é totalmente autodidata. “Eu

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gostaria sim de ver no Brasil algo como uma Escola Nacional de Fotografia. [...] É uma

profissão onde a intuição e a técnica sempre serão importantes, mas uma melhoria no nível

intelectual seria ótimo”.

Em 1946, Joseph Costa, fotógrafo da equipe do New York Daily News, foi eleito

presidente da primeira organização nacional para fotógrafos de jornais, a National Press

Photographers Association (NPPA). O objetivo da organização era combinar os elementos do

trabalho fotográfico na imprensa dos Estados Unidos para promover um alto nível de qualidade

para o avanço do jornalismo pictórico. (LESTER, 1991: 5).

No ano seguinte, pela primeira vez, um grupo de autores-fotógrafos exigiu “não apenas

a propriedade dos negativos, mas também direito à assinatura, o direito ao controle da edição do

seu trabalho em escala internacional e ‘ter tempo’ para trabalhar nos projetos fotográficos que

freqüentemente seriam propostos por eles próprios”. (SOUSA, 2004: 141) No mesmo ano, um

núcleo duro de uma geração de ouro do fotojornalismo seria formado em torno destes

princípios: Robert Capa, David Seymour (Chim), Henri Cartier-Bresson e George Rodger,

fundando a Agência Magnum Photos.

A partir da Guerra do Vietnã, entre as décadas de 1960 até a de 1980, opera-se a

segunda revolução no fotojornalismo, no dizer de Sousa (2004: 152), numa reação européia ao

domínio dos EUA na área. Na época, houve um altíssimo crescimento no número de

fotojornalistas e o maior controle, por outro lado, dos militares; o controle na área política

cresce ainda mais nos anos de 1980. A partir da década de 1970, diminui o free-lancing, e se

estabilizam cada vez mais os fotojornalistas nas empresas; evidencia-se uma produção

fotojornalística de feições industriais: “o mais insignificante dos acontecimentos é coberto por

uma miríade de fotógrafos”. (SOUSA, 2004: 152-156)

A terceira revolução no fotojornalismo, a partir da década de 1980, traz problemáticas

como as possibilidades de manipulação digital de imagens, a transmissão digital de telefotos

por satélite, ainda maior restrição aos fotojornalistas nas guerras, a industrialização crescente da

produção centrada no imediato e as novas tendências gráficas priorizando fotos “legíveis,

bonitas, lisas, aplanadas”, num caráter ilustrativo, revalorizando-se o retrato (SOUSA, 2004:

199-200).

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2.2 Conceituação

Às vezes torna-se difícil precisar a noção de fotojornalismo, devido à multiplicidade de

fotógrafos que se intitulam como tais, mas que nem sempre “apresentam unicidade na

expressão e convergências temáticas, técnicas” e, além disso, “o fotojornalismo tem se

mesclado com a publicidade”, diz Jorge Pedro Sousa (2004: 12-13). Assim, ele define o

fotojornalismo em sentido lato como “a atividade de realização de fotografias informativas,

interpretativas, documentais ou ilustrativas para a imprensa ou outros projetos editoriais ligados

à produção de informação de atualidade”. Também o define em sentido restrito: “a atividade

que pode visar informar, contextualizar, oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar

pontos de vista (“opinar”), através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos

de interesse jornalístico”.

De todo modo, a idéia dessa profissão tem só algumas décadas, como afirma Paul Lester

(1991: X). É um profissional que trabalha na intersecção entre dois mundos: o do jornalismo e o

da fotografia. Porém, talvez principalmente no passado, fosse considerado mais fotógrafo que

jornalista, de acordo com a visão de Albert Henning (apud LESTER, 1991: IX), em 1932:

“Fotógrafos que trabalham em jornais dificilmente poderiam ser considerados jornalistas... Eles

não tomam contato com os problemas que diariamente enfrentam aqueles que de fato avançam

rumo à apuração dos fatos”.

O consagrado fotógrafo brasileiro Walter Firmo comenta sobre essa exclusão (VIEIRA

FILHO, 1991: 142), lembrando que havia uma relação difícil em relação aos fotógrafos nas

redações, sugerindo um histórico estigma intelectual e elitista do repórter de texto em

detrimento do fotógrafo. “Hoje, os laboratórios já não estão localizados na sala ao lado do

banheiro e já estão no mesmo piso da Redação.” Ainda assim, o brasileiro declara (p. 146-147)

que, para editores de Política, por exemplo: “A fotografia é um acessório. Se você procurar

saber o salário do repórter fotográfico vai entender tudo [...] Quando ele abre a boca para falar

surge logo aquele clima de que ele ‘tem mais é que fotografar e não que falar’”.

Não concordamos com a visão de Henning, que exclui os fotógrafos do conceito de

jornalistas, apoiados em Lester (1991: 6): “Fotojornalistas são repórteres. Mas, ao invés de

usarem caneta, bloco de anotações ou gravadores, estes repórteres usam uma câmera

fotográfica [...] para captar as imagens dos eventos jornalísticos de cada dia para publicação.

Como repórteres, fotojornalistas precisam de um forte senso dos valores jornalísticos que

guiam todos os repórteres.” Verdade, objetividade e equilíbrio são valores constantes. É preciso

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saber por exemplo mostrar eventos e informações (sejam elas de forma textual ou fotográfica)

proporcionalmente à sua importância.

Mesmo Travancas (1993: 24) diz que “fotógrafo é considerado jornalista pela categoria,

recebendo a denominação repórter fotográfico. É com ele que o repórter vai para a rua no carro

do jornal”. Aí está mostrada a questão da parceria que deve sempre existir entre os dois, como

argumenta Walter Firmo (VIEIRA FILHO, 1991: 143): “Os dois precisam conversar, às vezes

uma frase na pauta da matéria dá uma infinidade de possibilidades ao fotógrafo, e a partir da

visão que o fotógrafo adquire sobre a pauta o repórter também recebe outro leque de

informações e possibilidades.”

É claro que há diferenças, pois os dois tipos de repórteres usam diferentes meios para

conseguir suas informações (LESTER, 1991: 4), e os fotógrafos acabam com uma dificuldade

extra: “Durante um evento noticioso polêmico, quando um pai chora a perda do filho afogado, o

repórter de texto pode simplesmente ficar atrás da cena, com seu papel e lápis escondidos. Os

fatos são obtidos silenciosa e anonimamente. Um fotógrafo está amarrado a uma máquina que

precisa ficar na cara e óbvia para todos os presentes.”

Lester explica (p. 7) que o sucesso na fotografia é uma combinação de uma notícia

forte e um bom senso visual, o que não é fácil. “Como repórteres, os fotógrafos usam seu

senso de julgamento de notícias para determinar se vale a pena cobrir um certo assunto e para

mostrar um novo ângulo visual para um evento comum. Como captadores de imagens, os

fotógrafos precisam usar seu senso de composição visual para eliminar ruídos, elementos

desnecessários na imagem. Como técnicos, eles devem ter um alto nível de habilidade para usar

sua máquina de maneira a realizar a exposição do filme e a focalização no exato momento da

notícia.” É a mesma idéia contida na expressão do francês Henri Cartier-Bresson “o momento

decisivo”, o instante em que o assunto e os elementos da composição formam uma união.

Walter Firmo divide os fotojornalistas em dois tipos: (VIEIRA FILHO, 1991: 144)

“um é o arqueiro e o outro é o que tem dois revólveres na cintura. O primeiro faz a mira e acerta

o que ele quer, o segundo sai atirando. O arqueiro não é o fotógrafo só de flagrantes, ele tem

uma base de conhecimentos técnicos e intelectuais, e vai saber fazer também o flagrante. O

flagrante é apenas uma coisa de legítima defesa, de reflexo. Saber descortinar outra verdade a

partir dos fatos deixa o fotógrafo mais completo.”

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2.3 ÉTICA Tanto os repórteres de texto como os de fotografia “seguem o mesmo princípio ético da

verdade destacado em seu código de ética” (LESTER, 1991: 4). “Jornalistas veriam como não

ético um repórter que fabricasse declarações. Da mesma forma, um fotógrafo que se valesse de

truques de laboratório para criar uma falsa imagem provavelmente seria despedido.”

No entanto, essa fabricação de falsas imagens em laboratório ou computador, o que já

ocorria no tempo de Paul Lester, é apenas uma das manipulações possíveis, na pós-produção da

fotografia. Como Kossoy alerta, o perigo está em sua expressão da verdade aparente. Ele

ressalta (2001: 42-43) que a eleição de um aspecto “selecionado do real”, a “preocupação na

organização visual dos detalhes que compõem o assunto”, assim como “a exploração dos

recursos oferecidos pela tecnologia”, são “fatores que influirão decisivamente no resultado

final e configuram a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural”. Ou seja, o próprio ato de

tomada da fotografia já é uma seleção que influirá na recepção posterior. Tudo depende da

“própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia”.

Paul Lester (1991:

36-40) cita diferentes guias

filosóficos para se tirar

fotografias. Para uma clássica

foto, como a do exemplo da

Figura 1 (ao lado), utiliza o

utilitarismo: “Muitas fotos de

acidentes de estrada são

publicados por editores com a

crença de que tais imagens

podem fazer com que os

leitores dirijam mais

cuidadosamente.”

Outro é o hedonismo grego, que orienta a maximizar o prazer (intelectual) do momento

e não se preocupar com o futuro, priorizando fotos “sensacionais, emocionais”.

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Também é citado o “meio-termo de ouro”, de Aristóteles. Num episódio de funeral,

como da Figura 2 (acima), um extremo seria o fotógrafo bater as fotos na cara dos familiares

desconsolados, outro seria não bater foto nenhuma. Mas uma teleobjetiva pode conseguir uma

imagem do sofrimento a uma boa distância. Também se pode pensar aqui no “véu da

ignorância”, em que o profissional deveria se colocar no lugar do outro e imaginar o que

sentiria se fosse ele o retratado. Esta linha tem raízes até mesmo na Bíblia, em mandamento

atribuído a Jesus Cristo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. (Mt 22:39-40 -

THOMPSON, 1995: 895)

2.4 Representação Lester (1991) conta que, quando se pede que se descreva um fotojornalista, a maioria

das pessoas provavelmente falaria de um fotógrafo jovem, um pouco desarrumado,

“camera-weighted”, sempre correndo a locais problemáticos em qualquer lugar do mundo,

tirando fotos de pessoas em episódios de crise.

O brasileiro Walter Firmo (VIEIRA FILHO, 1991: 143 e 146) já enfatiza o lado de uma

origem periférica do produtor de imagens: “Há mais tempo o sujeito não tinha onde cair

morto e então ia ser fotógrafo: ele era motorista ou ascensorista e então se pudesse ser

fotógrafo já era uma maravilha. [...] Já houve vergonha em ser fotógrafo.

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3 JORNALISTAS NO CINEMA

3.1 Análise geral Foi feita uma análise do trabalho jornalístico representado pelo cinema dos EUA, por

Reinaldo Maximiano Pereira (2003), que diz que os freqüentes filmes de jornalistas muitas

vezes se guiou numa representação maniqueísta do ‘jornalista herói’ e do ‘jornalista vilão’”.

É exemplar, neste último sentido, o que declara Kunczik: “Sem dúvida, a imagem do

jornalismo é moldada pela impressão negativa que se propaga na literatura, no teatro e nos

meios de comunicação”. Stuart H. Schwartz (1977 apud KUNCZIK, 1997: 62-63) reforça:

“Segundo a literatura popular e os filmes, o jornalista profissional é um cínico de baixo nível.

Sua posição social é tão baixa quanto o teor alcoólico de seu sangue alto.”

Pereira (2003: 18) analisou Todos os homens do presidente (1976) e O informante

(1999), sobre os quais conclui: “Falam de jornalistas, falam de fatos reais, representam as

rotinas de produção das notícias, mas não entram no mérito dessas questões. [...] Elas estão a

serviço do roteiro e dele dependem, são usadas para ilustrar as ações dos personagens e para

conferir veracidade e não para serem problematizadas ou debatidas no filme. Isso fica a cargo

de quem assiste, aprecia, de quem emite juízos sobre essas obras de ficção.”

Ele transcreve de Isabel Travancas (2001 apud PEREIRA, 2003: 15) o seguinte: “qual

jornalista o cinema privilegiou em suas produções? Herói e bandido estiveram presentes em

diferentes filmes e períodos. O vilão é representado pelo profissional que não mede esforços

para conseguir seus objetivos e dar um ‘furo’ de reportagem. Sem caráter e trafegando pelo

submundo do crime, ele não hesita em colocar sua carreira na frente de tudo e todos. O herói

identifica-se com os valores do mundo público e defende a verdade, a democracia, o bem

comum. Nesse sentido pode-se dizer que o jornalista surge como o herói urbano do século XX.

Não é à toa que Clark Kent, o Super-Homem é jornalista”.

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3.2 Filmes Há diversos filmes tratando de jornalistas, como os selecionados pelo Instituto

Gutenberg, cujas análises resumiremos a seguir.

Os anos de 1940 conheceram Cidadão Kane (EUA, 1941), que se

tornaria um clássico do cinema (capa do vídeo na Figura 3, ao lado).

Produzido por Orson Welles, aborda o magnata da imprensa americana

Randolph Hearst, de forma alinear inédita, em que a câmara acompanha, ao

estilo de um trabalho de apuração nervoso, um repórter que investiga a

morte do empresário.

A montanha dos sete abutres (EUA, 1951, Figura 4) é outro clássico,

por Billy Wilder, que mostra um repórter inescrupuloso (ator Kirk Douglas)

que “amplia a tragédia de um homem preso numa gruta para ter mais e mais

notícias”. Tem como pano de fundo a “imprensa amarela” dos EUA.

Em 1974, Billy Wilder filma A Primeira página (EUA), adaptada da

peça homônima de Ben Hecht e Charles MacArthur de 1928, uma das mais famosas ficções a

retratar a realidade do jornalismo sensacionalista. Ambientado em Chicago, na época da Lei

Seca, o filme capricha na imagem do jornalista como “gente sem princípios ou compaixão, só

interessada em si e nos furos, alimentada por vaidade e egoísmo” ou ainda “uma mistura de

contrabandistas com prostitutas”, como se diz na peça.

No fim da década de 70, é lançado Todos os homens do presidente

(EUA, 1976, Figura 5), com lições para o jornalismo de investigação:

trabalho duro, paciência, detalhismo, além da dúvida e insistência nas

entrevistas. É a história do livro homônimo de Bob Woodward e Carl

Bernstein, em que os que dois repórteres do Washington Post narraram sua

cobertura do caso Watergate. Este é um filme em que o jornalismo pode

ser visto como um “quarto poder de fato”, em oposição ao filme Quarto Poder, de 1997, em que

se vê o jornalismo como um “quarto poder perverso”, nas palavras de Pedro Butcher (1998

apud PEREIRA, 2003: 2).

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Quase simultaneamente, chega a fantasia do jornalismo com o primeiro

longa-metragem Superman - O filme (EUA, 1978, Figura 6, ao lado), com

Christopher Reeve como Clark Kent. O personagem teve mais filmes, sempre

com o mesmo ator, em 1980, 1983 e 1987, de acordo com a revista Mundo

Estranho (GROSSI, 2004: 94) Em 2006 está sendo lançada outra versão.

A produção brasileira aparece em O beijo no asfalto (1981), por Bruno

Barreto, baseado na peça de Nélson Rodrigues, em que a imprensa destrói um bancário (ator

Ney Latorraca) que atende ao pedido de um moribundo por um beijo na boca. A próxima vítima

(1983), de João Batista de Andrade põe Antonio Fagundes como repórter de TV que investiga

crimes de um maníaco em São Paulo.

A síndrome da China (EUA, 1981), numa reportagem sobre uma usina nuclear, coloca

um problema difícil para os jornalistas: como divulgar com precisão, instantaneamente, no caso

da TV, notícias cuja veracidade não dá tempo de apurar e podem causar pânico no público? No

mesmo ano, é lançado Reds (EUA, 1981) com a história épica do estadunidense John Reed, que

cobriu a revolução soviética de 1917 e escreveu o best-seller Dez Dias que Abalaram o Mundo.

O modelo internacional de repórter escrevia e militava ao mesmo tempo.

Uma repórter é induzida a achar que garimpou uma informação confidencial, e ao invés

de servir ao público, serve ao governo, em Ausência de malícia (EUA, 1981). Já Sob fogo

cerrado (EUA, 1983) é um dos raros filmes a enfrentar um dilema comum no jornalismo: a

militância política em sacrifício da notícia. Questiona se é lícito um profissional omitir

informação para servir a uma causa política2, como no caso do fotógrafo protagonista que

renuncia ao furo para ajudar os sandinistas na Nicarágua durante a revolução contra o ditador

Anastacio Somoza.

Um grito de liberdade (Inglaterra, 1987) contou a “altiva e comovente história” de

Woods, editor do Daily Dispatch, jornal em que defendeu a causa libertária do líder negro Steve

Biko. Biko foi assassinado pela polícia política e Woods teve de deixar a África do Sul

disfarçado de padre. Já um outro “grito” mostra um lado mais negativo da imprensa: Um grito

no escuro (EUA, 1989) fala do perigo do prejulgamento num caso de acusação sem provas,

num caso em que uma mãe perde o filho num acampamento da Austrália e foi acusada pela

imprensa de sumir com ele em rituais macabros. Nele, Meryl Streep ganhou a Palma de Ouro

de melhor atriz.

2 Neste caso, é possível fazer uma associação com nossos super-heróis de dupla identidade, que se dividem entre seu trabalho jornalístico e sua “militância” salvando vidas diretamente.

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No romance A fogueira das vaidades, de Tom Wolfe, um dos criadores do “novo

jornalismo”, um jornalista inglês, cínico e beberrão, destaca-se como personagem forte, mas na

adaptação para o cinema (EUA, 1990) ele é simplesmente narrador da história do executivo que

atropela um garoto negro e conhece o mundo fora de Wall Street.

Num dos melhores filmes já produzidos sobre o jornalismo, em

veracidade e proximidade do ritmo e das contradições de um jornal diário

(mesmo se tratando de um tablóide sensacionalista), segundo o Instituto

Gutenberg, em O jornal (EUA, 1994, Figura 7) aparecem “os tipos

clássicos do jornalismo”: o idealista esforçado (Michael Keaton), o

veterano desencantado (Robert Duval), a redatora-chefe “fálica-

inescrupulosa-mas-nem-tanto” (Glenn Close), o repórter bêbado, a repórter grávida que

trabalha quando deveria estar em casa, o redator chato que põe o nome na cadeira...

Há no fim da década de 90 tivemos o Quarto poder (1997), já citado, e O informante

(1999), de Michael Mann, que, segundo Pereira (2003: 11-14), ilustra “a jornada do ‘herói’”

(ator Al Pacino), que vai lutar para conseguir publicar a informação que tanto deseja sobre uma

indústria de cigarros, primeiro vencendo a relutância do seu informante, ex-diretor da empresa,

e depois recontando “a batalha mítica de Davi e Golias”, lutando contra a empresa jornalística

na qual trabalha, temerosa das conseqüências.

Outros filmes que podem ser citados, fora da lista do Instituto Gutenberg, são Entrevista

com Vampiro, em que um jornalista curioso tem a chance de entrevistar e conhecer toda a vida

de um vampiro, e mais do que isso, quer se tornar um também; e Capote, adaptação do livro do

protagonista, A Sangue Frio, numa visão bem anti-ética do jornalista, que ganha a amizade do

assassino para escrever seu livro e, após escrever o suficiente, abandona o criminoso.

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4 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

4.1 Conceitos Podemos começar pelo título de um dos livros do conceituado quadrinhista Will Eisner:

Arte seqüencial. Ou seja, é uma arte com seqüência; e para que isso ocorra, deve haver mais de

um quadro que a contenha; assim, as “charges” com uma única cena não podem então ser

considerados quadrinhos, seriam na verdade “cartuns”, segundo McCloud (2005: 20). Ele

especifica: quadrinho é arte visual, sendo que a diferença quanto à animação é que esta é

seqüencial em tempo, mas não espacialmente justaposta, como nos quadrinhos. “O espaço é

pros quadrinhos o que o tempo é pro filme”, diz o autor (2005: 7).

Luyten (1985: 11 e 19) já preferiu definir de outra maneira as histórias em quadrinhos:

“são formadas por dois códigos de signos gráficos: a imagem e a linguagem escrita”, sendo

o balão “o elemento que define a história em quadrinhos como tal”. McCloud (2005: 9) prefere

falar, mais genericamente, em “imagens pictóricas e outras”, de modo que não necessariamente

precisa haver texto, apesar de essa linguagem ser característica comum no quadrinho moderno

(McCLOUD: 21).

Em todos esses casos, no entanto, não se define o uso específico de desenhos ou

pinturas; assim, também se poderia admitir quadrinhos produzidos com fotografias, que

McCloud também exemplifica: “em alguns países, as fotonovelas são bem populares” (p. 7).

Cagnin (1975: 33) já especifica que a imagem dos quadrinhos é o desenho manual, que revela

melhor a intencionalidade da mensagem do artista.

O mesmo autor (1975: 179) ainda ressalta que os quadrinhos se fixaram na narrativa:

“ao se mencionar HQ, o próprio nome diz que se trata de história [...] pode haver outras séries

[...] destinadas à comunicação, mas só aquelas destinadas a narrar formaram uma literatura

apreciável como veículo de comunicação de massa”. Por isso mesmo Eisner produziu outro

livro chamado Narrativas gráficas.

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4.2 Histórico Luyten considera a origem das HQs justamente no início da civilização, “onde as

inscrições rupestres nas cavernas pré-históricas já revelavam a preocupação de narrar os

acontecimentos através de desenhos sucessivos”. (1985: 16) Segundo McCloud, há cerca de

15.000 anos, ainda não havia palavras em si; o ser humano produzia dois tipos de figuras: um

enfatizava a representação pictórica, dando atenção aos detalhes; o outro era muito icônico, ou

seja, simplificado, “mais símbolo do que figura”, significando outra coisa, como uma

linguagem primitiva. (2005: 141-142)

Durante o processo civilizatório, como diz a autora (LUYTEN, 1985: 16), várias

manifestações se aproximaram do gênero narrativo com seqüência de imagens, como mosaicos,

afrescos, tapeçarias, etc. McCloud sugere, por exemplo, indícios em antigas pinturas egípcias

(não os hieróglifos, que eram a escrita desse povo), como uma de 1.300 a.C. para a tumba do

escriba Menna, onde uma série de acontecimentos ordenados são identificados, mas sem texto,

sem requadros3 separando uma cena da outra, e lendo-se em zigue-zague (2005: 13-15).

No início do século XIX, com a litografia, a difusão da imagem pela imprensa periódica

ficou bem mais viável, e assim “jornais e revistas passaram a povoar de histórias o imaginário

popular”, como as do herói fixo Dr. Syntax, de Rowlandson, em 1812, diz Antonio Luiz Cagnin

(1997: 25). Para McCloud, o pai dos quadrinhos modernos é Rodolphe Töpffer, que produziu,

como hobby, histórias com imagens satíricas, caricaturas e requadros, na primeira combinação

interdependente de palavras e figuras na Europa (2005: 17). De acordo com Cagnin, este era um

professor suíço que, em 1827, já contava em álbum “as historinhas de Mr. Vieuxboix, que

desenhara para seus alunos”. Diversos outros nessa época podem ser citados, como o

ítalo-brasileiro Ângelo Agostini, com suas Aventuras de Nhô Quim, história em muitos

capítulos de 1869, que Cagnin (1997: 26) chama de primeira novela-folhetim ou graphic novel

de que se tem notícia.

Luyten (1985: 18-19) diz que “os pesquisadores” convencionaram tomar como marco

inicial para uma história das HQs, o aparecimento, em 1894, do Yellow Kid (Moleque Amarelo),

criação do estadunidense Richard Outcault para o New York World, jornal sensacionalista de

Joseph Pulitzer, nos EUA. Este seria um marco importante pela divulgação dos quadrinhos, a

partir de então, por um veículo de comunicação de massa, em seus suplementos dominicais;

além de ter sido onde pela primeira vez apareceu o balão, elemento definidor da HQ, para a

autora (logo, Outcault passaria ao jornal concorrente, New York Journal, de Hearst, criando o

3 Linhas que delimitam cada quadrinho, representando um determinado instante.

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personagem Buster Brown, bastante semelhante a Yellow Kid). Mesmo Cagnin (1997: 24-25),

que contesta o pioneirismo criativo dessas histórias, admite que o personagem foi mesmo um

sucesso empresarial de venda sem precedentes, na imprensa de todo o mundo.

Passamos à era da aventura, na década de 1920: nos EUA, Tarzan, na selva; Flash

Gordon, em ficção científica; e Príncipe Valente, no passado medieval. Para Luyten, este

gênero fez sucesso pelo desejo de evasão e a criação de mitos heróicos positivos. Não há como

não citar o Mickey Mouse e sua turma, de Walt Disney, que, começou nas animações, e passou

a fazer também muito sucesso nos quadrinhos; de acordo com Luyten, seu grande mérito foi ter

dado às HQs “um estilo elástico, equilibrado, que influenciou desenhistas do mundo inteiro”.

Na Europa, a aventura seguiu outros caminhos, com Tintin, de Hergé, com histórias publicadas

não em jornais, mas em álbuns (logo republicados em outros idiomas por todo o mundo); que

depois influenciaria a criação de Asterix. (LUYTEN: 24-29)

Depois da Segunda Guerra Mundial, a situação ficou ruim para os quadrinhos, e esse

clima é apontado por Paulo Rosas (1972: 46), que destaca o livro do dr. Fredric Wertham contra

os quadrinhos em Seduction of the Innocent (1953), que, segundo ele, “insiste com veemência

sobre o clima em que se desenrolam os enredos e os valores encarnados pelos heróis ou pelos

bandidos, facilmente tomados como heróis, pelos leitores.” Waldomiro Vergueiro (1985)

analisou como muito parcial o livro de Wertham, assim como a obra panfletária

anti-colonialista e, em seu juízo, pouco científica, Para ler o Pato Donald. De todo modo, esta

obra em especial marcou o início de um pensamento crítico em relação aos quadrinhos.

A década de 60 foi propícia para o aparecimento das heroínas eróticas, como Barbarella,

em 1962, por Jean-Claude Forest, que seria a primeira HQ para adultos na França; e Valentina,

de Guido Crepax. Além do movimento underground nos quadrinhos, liderado por Robert

Crumb, nos EUA, buscando quebrar tabus impostos pelos syndicates, as empresas

distribuidoras de quadrinhos. Seus principais personagens foram Fritz the Cat e Mr. Natural.

Nos anos de 1970, destaca-se a obra do francês Moebius (Jean Giraud), no contexto da nova

linha de fantasia heróica. (LUYTEN, 1985: 47-57)

No Brasil, entre 60 e 70, há a entrada no mercado editorial do expoente Maurício de

Souza, com a Turma da Mônica, conhecida pela maioria dos brasileiros, já que foi talvez um

dos únicos autores brasileiros a atingir a produção em escala industrial de seus quadrinhos.

Waldomiro Vergueiro (1985), com sua análise dos gibis da Mônica, no entanto, constatou que

elas retratam um lugar que poderia ser qualquer um do mundo inteiro, de maneira a repetir o

conteúdo “médio” da cultura de massa, com estereótipos que não dão conta da realidade

brasileira – e as crianças desse mundo nem vão à escola.

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De acordo com Calazans (1997: 150-152), uma forma híbrida dos quadrinhos no meio

computacional se origina na França, quando a revista Circus, em 1985, adquiriu uma memória

do sistema de informações on-line Minitel (que vigorava no país na época) e veiculou aí uma

adaptação das tiras de Mafalda, do argentino Quino.

No fim do século XX, temos obras como Gen, Maus e Palestina, que, com estilos

artísticos simples, narram acontecimentos verídicos, ao estilo de uma reportagem jornalística

em quadrinhos e com temas árduos, relacionados a guerras. Gen, de Kenji Nakazawa, tratou da

bomba atômica em Hiroshima; Maus do holocausto judeu, tendo se destacado pelo primeiro

prêmio Pulitzer conferido a uma obra em quadrinhos, em 1992; e Palestina, série de gibis que

começou a ser lançada nesse mesmo ano, de Joe Sacco, tratava da dominação israelense sobre

os palestinos. Este último autor tornou-se um expoente pela contínua produção de obras nesse

gênero. (SACCO, 2004) Isto parece ter se tornado uma tendência, já que outros, como o francês

Étienne Davodeau, também publicou uma obra na mesma linha, a Rural!, em 2001, como

informa Dutra (2003: 2).

O caminho das HQs nos últimos 20 anos tem sido a de “deixar de serem vistos como um

gênero menor e se impor definitivamente como uma linguagem completa, autônoma e

sofisticada”; há leitores sendo perdidos para novas mídias, como a internet; mas temos também

uma produção crescendo, como Do Inferno, de Alan Moore e Cambbell, e Jimmy Corrigan, de

Chris Ware. (DUTRA, 2003: 17)

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4.3 Super-heróis 4.3.1 Tradição literária

A primeira forma que o herói atingiu na literatura, segundo Martin Feijó (1984: 52-55),

foi a do herói épico, e seu maior poeta foi o grego Homero. Teria vivido em VIII a.C., e suas

maiores obras são a Ilíada, narrando as aventuras de Aquiles, o semideus emocional e quase

invulnerável; e a Odisséia, com o retorno do astuto herói Ulisses para casa, enfrentando o deus

dos mares Poseidon e outras dificuldades. Na Idade Antiga também há muitos heróis hebreus

no Antigo Testamento, como Davi, que enfrenta o gigante Golias para defender seu povo. O

herói romano Enéias, da Eneida de Virgílio, é bem menos mitológico e mais humano. Nela, o

herói épico já apresenta um caráter diverso: “ele luta contra o destino que o obriga a lutar”.

(FEIJÓ, 1984: 57)

Segundo Nelly Coelho (1985: 28), entre as formas inaugurais que mais foram utilizadas

como fonte de novas criações literárias está a novela de cavalaria, no início pelas canções de

gesta, no século XI, exaltando os feitos guerreiros do tempo de Carlos Magno, chegando ao

grande sucesso do ciclo bretão, com rei Artur, no século XII. Nessas novelas, há ênfase no

“romanesco, maravilhoso, as proezas sobre-humanas”.

O primeiro herói da literatura moderna, segundo nosso autor, é O engenhoso fidalgo

Dom Quixote de La Mancha, do início do século XVII, do espanhol Miguel de Cervantes.

Representa o herói deslocado, em seu seu caráter “problemático” como diz o húngaro Lukács.

(apud FEIJÓ, 1984: 70)

Os folhetins, no século XIX, levavam ao seu público tanto histórias puramente

românticas como aventuras de heróis guerreiros, à moda medieval, como Ivanhoé, de Walter

Scott, numa busca ao passado, mas no caso, ao passado histórico. Trabalha-se com os heróis

míticos históricos do rei Ricardo Coração de Leão, em “uma visão arbitrária e expressiva”

dessa personalidade, personagem transposto com relativa fidelidade de um modelo anterior,

segundo Antonio Candido (1970: 71). Também Robin Hood, e o personagem-título, com os

personagens mais humanos, plausíveis.

Para Nelly Novaes Coelho (1985: 140-143), sem dúvida, o autor francês Julio Verne

(1828-1905), foi o modelo mais importante para as aventuras que os jovens iriam exigir.

Aventuras que “mesclavam as conquistas da civilização da ciência e da técnica com a

imaginação criadora”; narrativas essas bastante adequadas para os leitores de um tempo cuja

vida é cada vez mais restrita e disciplinada por esses progressos, em que é cada vez menos

possível a “aventura” e a “liberdade de ação”.

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4.3.2 Histórico

Já havia alguns heróis poderosos nos quadrinhos no início do século XX, como os

apontados por Moacy Cirne (1972: 17-18), que podemos chamar de grandes precursores:

Tarzan, o rei das selvas, criado por Edgar Rice Burroughs para a literatura em 1914, surgiria no

cinema em 1918 em filme de Scott Sidney, até chegar aos quadrinhos em 1929, por Hal Foster;

Popeye, o marinheiro que fica fortíssimo ao engolir espinafre, e defende sua noiva Olívia

Palito, lançado (também) em 1929 por Elzie Segar; Patoruzú, personagem índio concebido na

Argentina, em 1931, por Dante Quinterno, super-forte e latifundiário.

Mandrake foi uma das criações mais instigantes e populares, com publicação inicial no

New York American Journal, em 1934, em argumento de Lee Falk e desenhos de Phil Davis, de

poderes sobre-humanos passou a hipnotizador. Brucutu era um simpático homem da caverna,

criado em 1934 por Vincent T. Hamlin; já Fantasma, o “espírito que anda”, o misterioso e

lendário justiceiro mascarado da África, é uma das criações mais importantes dos quadrinhos,

lançado em 1936, com texto de Lee Falk e desenhos de Ray Moore.

Então, nos anos de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, “a democracia americana

achava-se ameaçada e, para levantar este moral, só mesmo super-poderes imediatos tiveram um

efeito de impacto”, diz Luyten (1985: 33-34). “E os super-heróis eram exatamente isso: agiam

para o bem das leis vigentes, embora seus métodos não fossem nada legais.” O fato é que ficou

difícil distinguir entre o discurso oficial e o entretenimento popular (incluindo filmes de

Hollywood, desenhos animados, quadrinhos, etc.) durante esse tempo de guerra, em que tudo

buscava sustentar e legitimar o esforço de guerra, analisa Chris Murray (2000: 141).

O primeiro e grande exemplo de super-herói é o Super-Homem, lançado em junho de

1938 na revista Action Comics, que desencadeou uma “série quase interminável de

super-heróis”, como diz Cirne (1972: 9-11): só no período 1940-46, período que praticamente

coincide com o da guerra, o seu número se elevou a 400.

Outro dos mais importantes é Batman, que, quando criança viu seus pais assassinados a

sangue-frio e jurou vingança a todos os criminosos; apareceu primeiro em 1939 na revista

Detective Comics, “claramente influenciado pela silhueta inconfundível de Superman”

(GASCA apud CIRNE: 8). Embora não seja um autêntico super-herói, por não ter seus

super-poderes, tem características que o elevam a esse status, “haja visto suas aventuras com

Super-Homem, nivelando-se com este em proezas as mais diversas”, diz Cirne (1972: 8). Os

desenhos no início foram de Bob Kane, e o escrito, atribuído a Bill Finger (GASCA apud

CIRNE: 8).

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No mesmo ano, tivemos o lançamento de The Spirit, de Will Eisner, uma das melhores

criações dos quadrinhos dos EUA, ao mesmo tempo um ponto alto em termos gráficos, que, por

exemplo sempre trazia o título de um jeito diferente (LUYTEN, 1985: 35) e tinha uma carga

equilibrada de humor.

Capitão América (CIRNE: 8-9) foi lançado em março de 1941: era um fracote soldado

que concordou em ser a cobaia de uma experiência, transformando-se assim em um poderoso

homem. O argumento era de Joe Simon e os desenhos de Jack Kirby.

No entanto, todo esse mundo entra em crise nos anos 50, para ressurgir no princípio dos

60 pelo “talento criador de Stan Lee”, como diz Cirne (1972: 9-14). Nessa década, nos Estados

Unidos, há uma grande efervescência na produção de novos super-heróis, com os personagens

de personalidades mais “normais”, apesar das vestimentas bem semelhantes aos super-heróis

dos anos 40, afirma Luyten (1985: 55-56).

Segundo o diretor da antiga Editora Ebal Fernando Albagli (1972: 39-42), certos heróis,

como Homem-Aranha e Hulk, surgiram “já sob a égide da era supertecnológica”, “com a marca

dos tempos atuais”. O marco da nova era, em 1961, foi a criação do Quarteto Fantástico,

“possivelmente, a obra-prima de Lee e uma das maiores expressões de arte do nosso tempo”,

acredita Cirne (1972: 15).

Ainda nessa época, outros heróis que já existiam modificaram-se, “aos poucos ou

bruscamente”, diz Albagli (1972: 39-42), como Batman, cujas histórias ganharam toques mais

sensuais e autocríticas, e separou-se de Robin, o que levou o primeiro à solidão e o segundo à

natural insegurança dos jovens; em suma, foram “humanizados, como todos”. Outros ainda

foram revividos, após algum tempo de inatividade, sendo o principal desses o Capitão América,

cujo retorno Moacy Cirne (1972: 51) descreve: “É uma “permanente crise existencial [...] de

acordo com a reformulação de Stan Lee, que soube captar as novas exigências do consumidor”.

Albagli (1972: 40) explica que, relançado durante a Guerra Fria, o personagem sente-se

deslocado: “A ação pura, que era o seu forte, dera lugar a intensificação da guerra fria e da

espionagem, ao superdesenvolvimento da guerra de propaganda, e, principalmente, a uma luta

da qual ele estivera sempre afastado – a das idéias.” Para nós, isso já mostra a transição para o

mundo pós-moderno, à Era do Conhecimento; onde podem ter lugar mais facilmente personas

como Clark e Peter, fluentes nesse mundo da informação como jornalistas.

Na década de 1960, o Brasil também produz alguns super-heróis, sendo que um dos que

teve algum destaque foi o Judoka, criado pela Ebal (Editora Brasil-América Ltda.), apesar de

não ser muito original: mais um rapaz fraquinho que, ao salvar um homem de morrer

atropelado, recebeu convite para ter aulas gratuitas de judô e karatê, pois se tratava de um

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mestre mágico. Surgiu no nº 7 da revista Judoka, em outubro de 1969, com uma história de

Pedro Anísio (texto) e Eduardo Baron (desenhos).

Correspondentemente à análise de ente universal que Waldomiro Vergueiro fez em

relação à Mônica, já apontada, Cirne (1872: 12-13) destaca: “Não serão as aventuras no

Maracanã, no interior de Minas Gerais, no Pão-de-Acúcar ou no Recife que o tornarão um herói

de nossa gente, como um Macunaíma. Ou um Saci-Pererê.” Para ele, seu nascimento

“obedeceu às linhas esquemáticas que norteiam a criação de quase todos os grandes heróis dos

quadrinhos”, com direito até a dupla identidade.

De nosso país, Cirne destaca as sátiras aos super-heróis estadunidenses de Ziraldo Os

Zeróis, além de Capitão Cipó, de Daniel Azulay. Segundo ele, essas histórias, “com rara

eficácia gráfica”, “não se afastam da realidade brasileira, levando-se em consideração que

ambos, ao desmistificarem os super-heróis, o fazem conscientes de uma problemática que

envolve uma série de questionamentos”.

Na Europa, destacaram-se o italiano Asso de Picche, e o francês Asterix, que usa uma

poção mágica para lhe dar super-força, em geral empregada contra os legionários romanos. Em

1984, temos as Tartarugas Ninja, de Peter Laird e Kevin Eastman, que fizeram um dos maiores

sucessos na década, gerando desenhos animados, brinquedos, cinema, etc. (LAIRD;

EASTMAN, 1990: 119)

Nas décadas de 1980 e 1990, numa idéia de morte e renascimento conceitual do gênero,

houve uma reinterpretação dos super-heróis tradicionais com as mini-séries Marvels e Kingdom

Come; além de obras usando novos personagens, como Miracleman e Watchmen (KAWA,

2000: 209-224).

Hoje, as maiores editoras de revistas de super-heróis, nos Estados Unidos, são, em

primeiro lugar a Marvel Comics (de Stan Lee e Homem-Aranha), também conhecida como

“Casa das Idéias”, com 45,49% do mercado; e a DC Comics (de Super-Homem), com 39,49%.

Outras menores são a Dark House (do demônio astro de cinema Hellboy), com 6,72% do

mercado, e a Image (do policial Savage Dragon), com 4,37%. (GROSSI, 2004: 79).

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4.3.3 Conceitos

Jeph Loeb e Tom Morris, no artigo Heróis e Super-Heróis (2005: 24), nos dão conceitos

interessantes: um herói é um “homem extraordinário por seus feitos guerreiros” e “um

super-herói é um indivíduo de força extraordinária”. Tais idéias nos remetem a praticamente

todos os poderosos aventureiros comuns das histórias em quadrinhos, sendo assim certeiras no

que se refere à imaginação coletiva.

Outro entendimento é pensar no “super-herói como uma pessoa que arrisca a vida

pelos outros e leva o prefixo ‘super’ para designar a posse de super-poderes”, o que faz

algumas pessoas acreditarem que o conceito de um super-herói é problemático, e até uma

contradição, segundo os autores. Pois “o que há de tão heróico em impedir um assalto à mão

armada, se a sua pele é à prova de balas e sua força é irresistível em comparação com qualquer

malfeitor de rua, comum ou fora do comum?”

Assim, quanto mais super um indivíduo é, menos heróico ele pode ser, pela contradição

do fator de risco de vida com o de super-poderes. Idéia que Dias-Pino (1972: 56) reforça:

“Coragem é a do bandido que, em condição subinferior, enfrenta os super-heróis.” O próprio

personagem super-herói Capitão Marvel admite: “Esses bombeiros... são os verdadeiros

heróis! Eu... sou só um sortudo com super-poderes!” (Shazam! 0: 54)

Porém, Loeb e Morris advertem que essa é uma confusão do conceito original de herói.

Esclarecem-nos que “herói” é um termo derivado do grego antigo, significando “homem com

qualidades magnânimas [grande de alma, conforme o dicionário Aurélio (2000)]; semideus”.

Desta maneira, o conceito de “super-herói” não é um paradoxo, porque ele deve juntar as duas

características. “Nenhum nível de realizações e feitos é suficiente para fazer de alguém um

herói [...] tal pessoa deve personificar qualidades nobres, também”, seu “nobre caráter o leva a

fazer atos dignos.”

Para Martin Cezar Feijó (1987: 12), o nascimento do herói se deu com o mito. Pois

“todos os povos chamados de primitivos têm em seus mitos e em seus ritos e cultos a presença

de vários indivíduos destacados, superdotados, valentes, diferentes da média dos homens, que

nós chamamos de heróis”, sendo que os gregos que deram a eles o nome de heróis, assim como

foram os mitos gregos que mais sobreviveram hoje e que não se transformaram em religião.

Bastaria então a palavra “herói”, ao invés da “super-herói”, já que a definição grega

original também envolvia “qualidades sobre-humanas”? Os autores explicam que o conceito

crucial de um herói se metamorfoseou com o tempo, passando por uma idéia que nem envolvia

super-poderes até a noção mais moderna que enfoca os grandes feitos e a nobreza moral”, e por

isso “é necessário um termo que traga o componente de poder superior de volta ao equilíbrio”.

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Charles Tagliaferro e Craig Lindahl-Urben (2005: 79) explicam-nos eticamente: o herói

é aquele que, no dilema típico entre salvar um indivíduo ou um grupo de pessoas, é incapaz de

fazer a escolha. O passo seguinte o eleva ao status de super-herói: salva tanto o indivíduo

inocente quanto o grupo. Para eles, essa é aplicação máxima da “ética personalista”, uma

filosofia que “atribui a todos os indivíduos um valor fundamental e irredutível”.

Ariel Dorfman (1978: 27) chama a todos os heróis de ficção da cultura de massas de

“super-heróis”, sem se importar com super-poderes; o que importa para ele é a ocorrência

constante de “um homem superdotado que consegue superar qualquer obstáculo que lhe

aparece no caminho”, por meio da “força física, perícia e habilidade, capacidade de persuasão

pela palavra, e sua moral irrepreensível”. Em relação ao personagem específico que analisou, o

Llanero Solitário (traduzido como Zorro no Brasil e conhecido pela sua despedida: “Aiou,

Silver!”), por exemplo, ele diz que “é dotado física e intelectuamente, mesmo que não apresente

características sobrenaturais como as do Super-Homem”. (p. 54-55)

Um detalhe que não faz parte da essência desses heróis, mas que é comum neles é, como

observou Naumin Aizen (1972: 34), e também Loeb e Morris (2005: 26), é o seu uniforme, suas

roupas, usualmente com emblemas, o que é marcante visualmente, já que estamos falando de

histórias em quadrinhos.

Pensando unicamente nos super-poderes, Naumin Aizen (1972: 34-35) fez uma

classificação: super-poderes naturais, como Super-Homem, Namor, Aquaman, Thor e X-Men;

super-poderes artificiais (de laboratório ou místicos): Homem-Aranha, Lanterna Verde,

Demolidor, Capitão Marvel, Surfista Prateado, Homem de Ferro; e super-poderes normais

(engenhos mecânicos): Batman & Robin, Arqueiro Verde.

Ele ainda cita outra classificação, do espanhol Terenci Moix, que faz explicitamente a

distinção de potência do poder, chamando certos heróis de homens superiores, simplesmente

sortudos, valentes e sagazes, como Flash Gordon, Fantasma, Batman, Príncipe Valente e os

semideuses, exemplificados principalmente por um “caráter demiúrgico” (conceito platônico

de deus que teria criado o mundo), como no caso de Super-Homem, Plastic Man, Lanterna

Verde, Tocha Humana, Namor, Homem-Aranha, Homem de Ferro, Thor, e Capitão Marvel.”

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4.4 Jornalistas nos quadrinhos Que dizer do mundo do jornalismo nos quadrinhos? Há que se, primeiro, diferenciar e

estabelecer o foco: há o “jornalismo em quadrinhos”, que é a produção de reportagens ou

notícias utilizando-se do meio ou da linguagem dos quadrinhos, o que não é nosso objeto de

estudo no momento, pois tratamos da ficção que se baseia em personagens jornalistas.

Vamos, no entanto, dar uma olhada rápida no jornalismo em quadrinhos: segundo

Antônio Aristides Dutra (2003: 2-3), no século XIX, Agostini, nosso pioneiro nacional das

HQs, já produzia reportagens em quadrinhos, e o jornal nova-iorquino The Police Gazette “era

repleto de reportagens gráfico-seqüenciais”.

Recentemente, esse fenômeno tem sido notado novamente, com o já mencionado

prêmio Pulitzer conferido a Spiegelman por Maus, em 1992, e a série que Sacco iniciou com

Palestina, em 1992, prosseguindo com as seguintes obras baseadas em suas viagens à Bósnia:

Christmas With Karadzic (1997), Soba (1998) e Área de Segurança: Gorazde, que a Editora

Conrad deve lançar no Brasil em janeiro de 2007, segundo Giannini (2006 1-2).

Nessa linha também está Rural!, de Davodeau, lançado em 2001 (DUTRA, 2003: 2-3) e

Gen, produzido por Nakazawa, normalmente esquecido no Ocidente por ser do Oriente, e por o

autor não ser jornalista, mas cartunista; seu gênero é autobiografia/documentário, o mesmo de

Maus. Também oriental, de acordo com Luke (p. 1) há a iraniana Marjani Satrapi, autora de

Persépolis, recentemente publicado no Brasil pela Cia. das Letras.

O interessante é que, pelo menos em Maus e Palestina, há a auto-representação do

próprio autor jornalista como personagem nas histórias: Art Spiegelman, caricaturizado

com cara de rato, e Joe Sacco, também bastante caricaturizado, mas ainda com rosto humano.

Dutra (2002: 19-20) relata traços comuns dos jornalistas personagens de filmes, que

também seriam “úteis na carreira de herói de quadrinhos”: “irreverência, o dinamismo, o

inconformismo, a curiosidade crônica e a facilidade de ir e vir”. Ele constata particularmente que

“nos quadrinhos, há muitos super-heróis jornalistas, mas são poucos os supervilões jornalistas”,

fato que, para ele, sugere o resquício de uma “visão romântica e otimista da profissão” e também a

influência da ainda “íntima” ligação dos quadrinhos com os jornais.

Os “super-exemplos” que o autor menciona são simplesmente “os dois mais importantes

super-heróis americanos”, como ele mesmo se expressa: Super-Homem, que tem como

alter-ego Clark Kent, um respeitado jornalista do Planeta Diário; e o “seu principal

concorrente” (comercialmente, para a editora DC Comics, que o publica) Homem-Aranha (da

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“arqui-rival” Marvel Comics), que, por sua vez, tem a identidade alternativa de Peter Parker,

um fotógrafo jornalístico que trabalha no Clarim Diário.

Vale a pena estender nosso conceito de jornalista para percebermos personagens com

trabalhos relacionados ao jornalismo e também pesquisarmos os secundários, de alguma

maneira ligados aos super-heróis.

Assim, podemos citar o jornaleiro de semáforo Billy Batson, que se transforma no

famoso Capitão Marvel, ganhando os atributos de Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Aquiles e

Mercúrio quando pronuncia suas iniciais, “Shazam”, o nome do mago que lhe deu os poderes

(Shazam!, 1996: 4). Foi lançado em 1940 pelos irmãos Earl e Otto Binder, com desenhos de C.

C. Beek (CIRNE, 1972: 5-20). Interessante a análise que faz Dias-Pino (1972: 58) a respeito do

mito da palavra que ocorre neste personagem, comparando-o ao antigo Ali-Babá, com seu

“Abre-te, Sésamo!”; isto nos permite uma aproximação com a figura da imprensa, que também

se vale do “poder da palavra”.

Outro jornaleiro é seu parceiro Freddy Freeman, ou Capitão Marvel Jr., como nos

conta Cirne (1972: 9-10). Tornou-se super quando “quase morreu em um desastre” e foi salvo

pelo Capitão Marvel original, que o levou para a morada do mago Shazam.

Entre os menos conhecidos, temos o fotógrafo Johnny Chambers, que se transformava

em Ted Múltiple, “um dos homens mais rápidos do mundo”, ao “pronunciar a fórmula secreta

do espaço-tempo – 3x2 (9YZ) 4a” (CIRNE, 1972: 17); Johnny Flagg, da “TV norte-

americana”, alter-ego de Tim Cometa, o super-anticomunista que veste um uniforme estrelado

imitando o Capitão América (p. 18).

O importante herói da DC Lanterna Verde teve como alter-ego, na década de 1940, Alan

Scott, um locutor de rádio; nos anos de 1960 e 70, mudou para Hal Jordan, piloto de testes.

(O’NEIL, 2005: 38) No Brasil, tivemos o Capitão Cipó, também locutor: Irineu Pedrosa,

trabalhando em um “bestialógico” programa de TV. Este foi criado por Daniel Azulay, e

apareceu no Correio da Manhã entre janeiro de 1968 a março de 1969, em tiras diárias, numa

“crítica ao super-herói, à ipanemia e a alguns valores típicos brasileiros” (CIRNE, 1972: 9).

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O personagem Vigia, que aparece nas histórias da Marvel, é um caso particular que,

apesar de não exercer a profissão de jornalista, em sentido estrito, listamos entre os

relacionados com o trabalho jornalístico, porque esta onipotente entidade cósmica declara

(Desafio Infinito 2, 1995: 23): “eu estou aqui apenas para observar e registrar”; mesmo no caso

de uma ameaça galáctica, como é o caso, na saga Desafio Infinito. Sempre se comporta como

um jornalista, apesar de nunca se declarar como tal.

O seu público é, metalingüisticamente, o leitor. Porque, de fato, o personagem é

mostrado falando diretamente conosco, os leitores das histórias, principalmente para contar

histórias fora da seqüência normal da trama, os imaginary tales, como classifica Umberto Eco

(1968: 265-274), sempre no esquema “O que aconteceria se...”. O semi-deus não apenas

divulga os fatos, mas também as suas projeções analíticas, ou comentários, como é permitido

apenas a um “jornalista com grande experiência e tirocínio”, como diz Marques de Melo (2003:

112). “Trata-se de um observador privilegiado, que tem condições para descobrir certas tramas

que envolvem os acontecimentos e oferecê-las à compreensão do público [...] analista que

aprecia os fatos, estabelece conexões, sugere desdobramentos, mas procura manter, até onde é

possível, um distanciamento das ocorrências.”

Entre os personagens secundários, temos a fotojornalista Vicki Vale, um dos amores de

Bruce Wayne, o Batman (GROSS, 2005: 42-43) e April o’Neil, a repórter amiga das Tartarugas

Ninjas: Leonardo, Rafael, Michelangelo e Donatelo.

Como parentes dos super-heróis, podemos mencionar em especial a repórter Lois Lane,

a esposa de Clark Kent, representando a mulher jornalista com bastante evidência nos

quadrinhos de super-heróis, apesar de sempre à margem do Super-Homem; uma versão policial

químico do Flash também teve esposa jornalista (ECO, 1968: 290); o pai da mutante Ororo

Munroe, mais conhecida como Tempestade, dos X-Men, era um jornalista fotográfico

estadunidense, casado com uma princesa queniana, de acordo com a Enciclopédia Marvel

(BEAZLEY et al., 2005: 203). Na produção japonesa, na qual não pudemos identificar

personagens jornalistas de destaque, encontramos apenas o pai da heroína Serena, a Sailor

Moon, que é simplesmente apresentado como “um bom jornalista” (Sailor Moon nº 1).

Como visto, personagens jornalistas sem super-poderes também ocorrem com alguma

freqüência nos quadrinhos, como sugere Dutra (2002: 19-20), exemplificando com “os

principais personagens Disney”, que também “já viveram seus dias de repórteres”. Temos a

observar que este caso é bem singular; pois os personagens Donald, Peninha e Margarida de

fato já assumiram a profissão de jornalista em suas histórias, sendo esta última um caso notável,

já que é mulher, refletindo assim a luta da “mulher pós-moderna” pela conquista do mercado de

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trabalho, como diz Agda Baeta (2006: 34-35), já que se tem nesta “profissão o símbolo maior

da pós-modernidade, também chamada de sociedade da informação” (p. 67).

Aristides Dutra (2002: 19-20), diz ainda que muitos personagens de HQs são

“repórteres lançados no meio de grandes aventuras em conseqüência do caráter investigativo de

suas profissões”, sendo que, para eles, “transpor limites é indispensável”. Os dois exemplos de

repórteres-detetives mencionados por ele são Tintin (de Hergé) e Brenda Starr, que “não

conhecem barreiras para descobrir a verdade e fazê-la se impor”.

Na década de 1950, criado pelo desenhista italiano Leonard Starr, há também Pete

Fletcher, “fotógrafo e jornalista, muito atuante, sempre em situações de ação”, das histórias de

Mary Perkins on Stage (Glória, no Brasil), marido e protetor da personagem-título, como

informa Julio Shimamoto (2006). E, pelo artista alemão Frank Sommer, tivemos Frank Cappa,

repórter outsider: “conta-nos episódios de que é protagonista, histórias de gente de diversas

raças e nacionalidades, dando-nos uma visão pessoal dos problemas humanos”.

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II – FACETAS JORNALÍSTICAS NAS HQS

5 OS PERSONAGENS

5.1 Super-Homem (Clark Kent) O Super-Homem, criado por Jerome Siegel e Joe Shuster, é o

super-herói pioneiro no modelo que inclui super-poderes, uniforme

(colante colorido) e identidade secreta, no caso assumindo a do

jornalista Clark Kent. O herói tem a capacidade de voar, super-força,

super-velocidade, invulnerabilidade (Figura 8), super-audição e super-visão (visão de raio X,

telescópica e de calor, infra-vermelha e ultra-violeta) e até “super-inteligência”, de acordo com

a enciclopédia livre virtual Wikipédia.

Clark Kent é um alienígena aparentemente igual a um ser humano, deixado na Terra

quando bebê e adotado por fazendeiros de Kansas, nos EUA. Foi onde teve seu primeiro amor,

Lana Lang. Mudou-se para Metrópolis para estudar Jornalismo na universidade e acabou se

tornando repórter do jornal da cidade Planeta Diário, tendo como editor Perry White. Lois

Lane, repórter desse jornal, consagrou-se como sua namorada e esposa, e o empresário Lex

Luthor, como seu maior adversário.

A cronologia do personagem é complexa, porque houve diversas versões dele, desde seu

lançamento em 1938, alterando-se e acrescentando-se elementos em sua origem e presente,

tentando-se atualizá-lo. Les Daniels (1998) divide suas fases em: Explosão (1938-1944), em

que nem voava no início, atuando na II Guerra Mundial; Transformação (1950-1958);

Reencarnação (1958-1986), após uma fase de decadência das HQs, Kent trabalha na TV, após

1970; Ressurreição (a partir de 1986), quando se inicia a cronologia atual do personagem, após

a saga Crise nas Infinitas Terras.

Apesar de, segundo Roberto Guedes, o Super-Homem ter aparecido inicialmente no

Brasil já no final dos anos de 1930, nas páginas de A Gazetinha; a primeira editora que publicou

o herói mensalmente foi a EBAL, com o título Superman, de 1947 a 1983; o super-herói passou

a ser publicado pela Abril, de 1984 até 2001; em 2002 passa para a Editora Panini. Devido à

dificuldade de acesso, nossa análise concentrou-se na cronologia atual de Clark Kent, com

revistas principalmente da Abril e algumas da Panini, apesar de também abordar alguns

aspectos de sua versão original.

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5.2 Homem-Aranha (Peter Parker) Este é um super-herói também pioneiro, mas nos conflitos

existenciais e humanísticos (Figura 9), um dos primeiros da grande

produção de Stan Lee, da Marvel. Seus poderes são: aderência em

superfícies, premonição do perigo (sentido de aranha), força além do

comum, agilidade extraordinária, capacidade de dar grandes saltos e

resistência também incomum. Também lança teias por meio de um

invento seu. Sua identidade secreta é o estudante e fotojornalista Peter Parker.

É um jovem órfão que morava com os tios em Manhatan, Nova York. Ganhou os

poderes com uma picada de aranha radiativa, e acabou cursando Física na faculdade. Quando o

tio morreu, passou a ajudar em casa vendendo fotos para J. Jonah Jameson, editor-chefe do

jornal Clarim Diário. Apesar da dificuldade de relacionamento no início, namorou a secretária

do jornal Betty Brant, a colega de faculdade Gwen Stacy, até se casar com a modelo e atriz Mary

Jane. Dr. Octopus e Duende Verde são dois de seus principais inimigos.

As histórias do personagem foram publicadas de maneira no geral cronológica nos

EUA, desde 1962, com exceção de algumas histórias em flashback. No Brasil, o personagem

passou por diversas editoras: Ebal (1969-1975); Bloch (1976-1977) e RGE (1979-1983); até ser

publicado pela Abril (1983-2001) e Panini (2001 até agora).

A editora que publicou o personagem de maneira mais completa e ininterrupta foi a

Abril, e assim foram suas publicações que mais utilizamos para as análises de Peter Parker

(assim como para Clark Kent). Também foram utilizadas algumas das atuais edições da Panini.

A principal publicação do personagem era o Homem-Aranha (1983-2000), depois

acompanhada por A Teia do Aranha (1989-2002), que no início publicava apenas histórias

antigas, algumas inéditas no Brasil. É devido a esta segunda revista que pudemos cobrir um

período cronológico maior do personagem.

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6 ENTRADA NO JORNALISMO

6.1 Formação Na primeira versão de Clark Kent, em 1938 (Coleção

Invictus 4: 8-9), não há referências à formação acadêmica. Ele

consegue o emprego provando que pode ser um bom repórter,

valendo-se de seus super-poderes para saber de uma pauta do

interesse do editor e

chegando ao local antes

(Figuras 10, à esquerda e 11,

à direita). Salva uns, intimida

outros, e assim obtém todas as

informações sobre um caso de

assassinato e quase execução

de uma inocente.

Isso deve refletir o fato de que, apesar de no fim do século XIX

já existirem faculdades de Jornalismo (KUNCZIK, 1997: 38, 54 e 68),

essa é uma carreira em que, na maioria dos países ocidentais, o acesso

é oficialmente liberado. No entanto, em versões posteriores, o

personagem ganha um histórico de formação em Jornalismo na

Universidade de Metrópolis, acompanhando a tendência de

exigência de formação pelo mercado de trabalho (Figura 12, à

esquerda, de O Retorno de Lois Lane: 10).

Já o fotojornalista Peter Parker não parece carecer de

formação alguma para exercer seu trabalho, tanto que o iniciou ainda no colegial, confirmando

o que diz Walter Firmo (apud VIEIRA, 1991: 145): “a formação do fotógrafo hoje ainda é

totalmente autodidata”.

(Ver Figura 13, à direita, de

Homem-Aranha Anual 8: 8)

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6.2 Motivação profissional A justificativa para Clark Kent escolher o jornalismo

é bem estratégica e utilitarista em sua primeira versão (como

se vê na Figura 14, ao lado), já que não pensa na importância

da informação para o público-leitor. Mas não pensa em seu

salário, seu objetivo é estar num meio privilegiado para a

obtenção rápida de informações, para que possa ajudar as

pessoas logo, como super-herói.

Neste caso, podemos aplicar tanto a pesquisa citada

por Kunczik (1997: 179) sobre a necessidade de

independência e autonomia do jornalista, deixando os

motivos materiais como secundários; como o pensamento

universalista de Cláudio Abramo (1999 apud GOMES: 19), para quem “não existe uma ética

específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão”; afinal, Kent tem um nobre objetivo na

escolha do jornalismo, mas que transcende o jornalismo em si.

Já na versão atual, ele se justifica para Lois Lane como profissional jornalista de

maneira heróica, e vocacionado desde pequeno (Super-Homem 113: 57): “Mesmo antes de

meus poderes se manifestarem, eu sabia que queria contribuir com a sociedade! Por isso, o

jornalismo me atraiu!” Está presente um

conceito de que especialmente essa profissão

permite ajudar as pessoas, provavelmente como

os jornalistas alemães pesquisados por Kunczik

(1997: 181-182): o pesquisador apontou que,

para a maioria deles, a possibilidade de

descobrir e criticar os abusos é uma razão

importante na escolha da profissão.

O patrão de Clark, Perry White, parece

ter uma motivação semelhante a Clark, neste

caso. Veja como o narrador na Figura 15, ao

lado, se refere a White a respeito do símbolo de

seu jornal: como um sinal mostrando o caminho

para o povo, e até para ele mesmo, desde

pequeno (Super-Homem 135: 37).

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Da mesma forma, J. Jonah Jameson, chefe de Peter Parker, declara-se como

vocacionado ao jornalismo, e mais do que isso, a um jornalismo voltado a fazer bem à

população: “Eu amo esta cidade, Joe! E, mais ainda, amo ser jornalista!” (Homem-Aranha 128:

16) As próprias iniciais do seu nome lembram o que ele respira: “jornal, jornal, jornal”.

Esses três últimos exemplos seguem o que Michael Kunczik (1997: 17) classifica como

o “jornalismo genuíno”: o uso da crítica social a serviço de certo ideal para a humanidade, com

objetivos “humanitários”, buscando ajudar as pessoas mais necessitadas. Seria essa a função

principal da “classe intelectual”, segundo Julien Benda (apud KUNCZIK, 1997: 17).

Para Lois Lane, que se torna esposa de Clark, seu vínculo ao jornalismo aparece muito

mais como uma vocação, ligada à sua personalidade irrequieta, ousada e curiosa. Tanto que sua

irmã Lucy comenta (Super-Homem 105: 35): “Desde pequena, a gente chama a Lois de Ratinha

Perigosa!” Há aqui tanto uma alusão a Mickey Mouse, da Disney, que aparece freqüentemente

em histórias investigativas, como também lembra características mencionadas por Marques de

Melo (apud VIEIRA FILHO, 1991: 151-152) sobre os jovens que iam fazer o curso de

Jornalismo tanto na época do início dos anos de 1970, ligados ao sentido da aventura, como aos

marcados pelo padrão da competitividade, do início dos anos de 1990.

Em todos os casos relatados até agora, a entrada no jornalismo aparece como resultado

de uma opção, o que coincide com a maioria dos jornalistas entrevistados pela pesquisadora

Isabel Travancas (1993: 62 e 85), que se basearam em uma questão de “destino previamente

estabelecido”, com “ênfase na vontade individual”.

No caso de Peter Parker, sua entrada no

jornalismo foi somente por acaso. Lendo uma

matéria no Clarim Diário (A Teia do Aranha

126: 7), como se vê na Figura 16, ao lado, viu

que o jornal oferecia dois mil dólares por fotos

nítidas do vilão Abutre, já que ninguém

conseguia boas fotos dele. Assim, percebeu uma

oportunidade para ganhar dinheiro fácil, já que o

rapaz já era o Homem-Aranha também, e assim

achou que seria a pessoa ideal para tirar essas

fotos. Nem câmera fotográfica ele tinha,

arranjou com a tia, só para isso, apesar de mentir

que seria para um hobby.

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A questão do acaso não aparece só em Parker,

mas também na origem de aparentemente “eternos

jornalistas”, como chama Travancas (1993: 57-65) a

alguns de seus entrevistados, como os consagrados

Jânio de Freitas e Zuenir Ventura. Ambos nunca

sonharam em ser jornalistas, um era piloto e o outro

professor; o primeiro só entrou na profissão com pouco

mais de 22 anos, o segundo com 26.

Apesar de, tendo entrado na rotina do trabalho,

Peter Parker ganhar mal, como alerta Walter Firmo

(apud VIEIRA FILHO, 1991: 147), para ele, o

fotojornalismo constitui-se unicamente como uma

forma de ganhar dinheiro, sem paixão pelo trabalho

e pela classe, como assume para o colega fotógrafo do

Clarim Diário, Jeffrey Hodjo, na Figura 17, ao lado

(Homem-Aranha (Panini) 29: 78-79).

Assim, Parker representa o lado mais cru e

realista das representações jornalísticas, já que, como

diz Kunczik (1997: 152), a maioria dos subordinados

“trabalha para viver, que é o que mais lhes dói”.

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7 PERFIL DO JORNALISTA Clark Kent praticamente sempre usou um figurino bem sofisticado,

com um visual de “repórter clássico”: de chapéu, gravata, paletó e óculos,

como no quadrinho à esquerda (Figura 18). Isso coincide com a “visão

romântica que o cinema americano sempre deu ao jornalista”, de acordo

com o jornalista Sérgio Augusto (apud VIEIRA FILHO, 1991: 143).

Especialmente o chapéu, apesar de também ter sido usado por

alguns outros profissionais, como o ex-diretor da TV Galáxia Morgan

Edge e seu advogado (Super-Homem 97: 39), e o editor do Clarim Diário,

J. Jonah Jameson; foi sua marca pessoal, tendo sido até o jornalista novato Ron Troupe

confundido com ele por mais de uma vez quando o imitou, usando chapéu também

(Super-Homem (pós Zero Hora) 0: 21 e O Retorno do Super-Homem 2: 57). Apesar de ter

deixado de ser um costume real já na década de 1950, como informa o Dossiê das exposições do

Museu Paulista (2003/2004: 76), que também explica o histórico de seu uso, tendo simbolizado

desde a “autoridade governamental” até um “aristocrata”.

A roupa social é a regra geral na redação,

apesar de a camisa estar freqüentemente de

colarinho aberto e com as mangas arregaçadas,

indicando o suor pelo trabalho, como se vê na

discussão dos editores do Clarim Diário: J. Jonah

Jameson e Joe Robertson, ao lado (Figura 19, de A

Teia do Aranha 24: 24).

A cena também corresponde com a

pesquisa de Travancas (1993: 27): “A fumaça e o

cheiro de cigarro são

outra marca do jornalista

e das redações”. É

comum que jornalistas,

editores especialmente,

sejam vistos fumando, Jameson sempre de charuto e Robertson de

cachimbo, como boa parte dos jornalistas nas histórias, como Perry

White, editor-chefe do Planeta Diário (Figura 20, à direita, de Os

Melhores do Mundo: 76).

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Ben Urich, do Clarim,

também fuma, como se vê na

Figura 21, à esquerda, de

Homem-Aranha 91: 63), mas

cigarro, indicativo de menor

status social, comparado aos

editores. Como se não

bastasse, ele também segura

um copo de bebida, outro hábito comum dos jornalistas, como se nota no encontro especial

entre Jameson, editor-chefe do Clarim Diário, e Morgan Edge, diretor da TV Galáxia – onde

trabalhou Clark Kent na década de 1970 – na Figura 22, abaixo (Grandes Encontros

Marvel/DC 1: 81).

Isso corresponde com o estereótipo notado

por Kunczik (1997: 162), de que “não é raro

classificar os jornalistas como bêbados

temerários” e com a pesquisa de Travancas (1993:

32 e 43), que menciona o bar como a “instituição

mais tipicamente jornalística” e relata as doenças

mais comuns entre jornalistas no Brasil: “úlcera,

cardiopatias e outras ligadas ao alto consumo de

álcool”. Para a autora, algumas das doenças estão

relacionadas “com o estilo de vida boêmio do

jornalista e com a tensão muito própria do ofício”.

Travancas (1993: 27) também aponta o

freqüente consumo de café, ressaltando a

importância da “salinha do bebedouro e do cafezinho”, ponto de encontro movimentado dos

jornalistas. E não é à toa que um repórter comentou com ela: “Sou jornalista, embora não goste

de café, não fume, nem beba.” Este caso incomum é o mesmo de Clark Kent e Peter Parker, o

que deve representar sua “pureza”, no meio de um ambiente difícil.

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58

Em relação ao fotojornalista, em especial, o imaginário

a seu respeito é de “um jovem, um pouco desarrumado”

(LESTER, 1991) e de um excluído, de origem periférica. “O

sujeito não tinha onde cair morto [...] ele era motorista ou

ascensorista e então se pudesse ser fotógrafo já era uma

maravilha” (FIRMO apud VIEIRA FILHO, 1991: 143 e 146).

Essas características aparecem tanto em Peter Parker

como em Jimmy Olsen, o principal fotógrafo do Planeta

Diário, ambos vivendo entre a adolescência e a casa dos vinte

anos. Além disso, o figurino usual deles sempre foi mais

informal em comparação com o restante da redação, como se

pode ver no visual de

Parker, à esquerda, na

Figura 23, que se veste

assim mesmo ao pedir um

adiantamento com o patrão (A Teia do Aranha 10: 21).

Olsen, mesmo quando veste trajes mais elegantes, como à

direita (Figura 24, de Os Melhores do Mundo: 79),

porta-se de modo irreverente.

São também eles que têm a vida

econômica mais difícil, preocupação constante

para Parker, como acabamos de ver, e à direita,

na Figura 25 (A Teia do Aranha 51: 6); e

histórica para Olsen, que começou sua vida como

office-boy e até passou um tempo desempregado,

vivendo em abrigos (Super-Homem Mix Especial

e Super-Homem 115).

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59

A situação dos dois jovens contrasta bem com repórteres de

texto como Clark Kent, principalmente, que nunca se preocupa com

dinheiro, mesmo quando perde o emprego, e é retratado com eterno ar

sério e amadurecido, com seus 30 ou 35 anos.

Só recentemente, na década de 1990, que o personagem, como

vemos à direita (Figura 26, de Super-Homem (pós Zero Hora) 0: 24),

usou por algum tempo um visual bastante diferente, usando tênis e

deixando até os cabelos compridos, com rabo de cavalo, ainda assim

num visual que se poderia chamar de “elegância casual, calculada, do

homem que traz na roupa a marca do mundo exterior”, como reporta

o pesquisador alemão Michael Kunkzik a respeito do gosto dos

repórteres. (1997: 157)

É notável o papel de destaque que adotam alguns jornalistas negros, tanto em termos de

status e competência como éticos, já que, “nos EUA não há uma presença representativa dos

diferentes grupos étnicos no jornalismo, sendo insuficiente, em especial, a representação dos

negros norte-americanos” (WEAVER; WILHOIT, 1986 apud KUNCZIK, 1997: 180).

O principal deles é Joe Robertson (Figura

19, já mostrada), que, de editor de Cidades, passou

para editor-chefe do Clarim Diário, e sempre

protesta contra a falta de ética do chefe J. Jonah

Jameson. Em atuação bem similar, Franklin Stern

(Figura 27, ao lado, de Super-Homem (pós Zero

Hora) 23: 29), diretor do Planeta Diário no fim da

década de 1990, foi crítico dos excessos dos

editores Simone DeNeige e Dirk Armstrong.

Podemos também mencionar Washington, editor de Fotografia da revista Newstime (do

mundo de Super-Homem), aparecendo como parâmetro de competência e qualidade (Funeral

para um Amigo 4: 37), apesar de ter aparecido só uma vez nas histórias analisadas; além de Ron

Troupe, jornalista novato que se fixou no Planeta Diário, inclusive assumindo o lugar de Clark

Kent em sua ausência, e Tana Moon, repórter que entrou na TV Galáxia.

Assim, apesar de os negros não serem os protagonistas, estão bem valorizados nas

histórias analisadas. Mas essa importância aos negros se dá somente a partir dos anos de 1970,

dentro da visão de diversidade social inserida nas diversas mídias. No início das histórias do

Super-Homem, todos eram brancos, os negros aparecendo apenas em papéis bem subalternos.

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7.1 A mulher

Lois Lane – Miriam Lane no

Brasil até 1986 – foi considerada “a

melhor repórter de Metrópolis”

(Super-Homem Mix Especial), além de

ter sucesso como escritora de

romances de mistério. Sempre está

investigando casos perigosos e de

destaque, como um assassinato pelo

empresário Lex Luthor, tido como o

maior benfeitor da cidade

(Super-Homem 129: 16). Com

entrevistas, infiltrações disfarçada e

recolhimento de provas no local e na

polícia, Lane prova que a história que

Luthor contava era falsa e que ele é o

assassino (Figura 28, ao lado).

Seu destaque é bem

representativo da “invasão das

mulheres” nas redações, tendência

importante na última metade do século

XX. Conta Newton Carlos (apud

TRAVANCAS, 1993: 74): “Depois de

1960 [movimento feminista] foi uma

verdadeira ‘invasão’ e hoje mais de 50% dos jornalistas são

mulheres.” Ele acredita que elas têm capacidade para exercer a

profissão em qualquer área do jornalismo.

O fenômeno se conjuga com a “pós-modernidade”, na

mesma época, quando, conforme Baeta (2006: 33), “a mulher, com

certeza, foi quem mais mudou”, deixando a submissão ao marido e

buscando seu espaço fora de casa. Lois Lane também não assume o

tradicional papel de mulher frágil, desde a primeira história do

Super-Homem, em 1938 (Figura 29, de Action Comics 1: 9).

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Lois Lane não deixa de ser salva em diversas situações pelo Super-Homem, o

protagonista, como é a regra das histórias de super-heróis. Mas ocorrem inversões, como na

época em que o herói está morto e ela usa de seu poder como colunista do Planeta Diário e sua

iniciativa aventureira para resgatar o corpo dele (Figura 30, abaixo, Funeral para um Amigo 4:

25, quadros remontados).

No entanto, apesar da valorização da mulher jornalista que representa Lois Lane, esta

personagem nunca muda, é a eterna “repórter competente”.

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Uma mulher de destaque no mundo do jornalismo de Super-Homem que representa

melhor uma era de mudanças, exatamente por suas próprias constantes transformações, apesar

de tardias, é Cat Grant (Catherine Grant), que passou de repórter e colunista social do jornal

Planeta Diário para repórter, apresentadora e por fim diretora da TV Galáxia. Sua relação com

o diretor anterior da emissora, Vincent Edge, era permeada por uma exploração machista, como

se vê na Figura 31, ao lado,

de uma história de 1993

(Super-Homem Além da

Morte: 57).

De explorada, Cat

Grant passa a ocupar o lugar

do superior, promovendo até

mesmo a demissão dele,

quando denuncia sua

administração incompetente e

parcial, que favorecia o

próprio filho no noticiário.

Veja a Figura 32, abaixo, de

uma história de 1996

(Super-Homem (pós Zero

Hora) 16: 52-54).

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No mundo do Homem-Aranha, uma jornalista com permanente alto grau hierárquico foi

Kate Cushing, editora de Cidades e chefe direta de Peter Parker entre os anos de 1980 e 1990.

No entanto, a mais representativa da era de mudanças neste caso é Betty Brant, a

primeira namorada de Parker. Ela de fato sofreu uma grande transformação na trama, já que,

apesar de ficar marcada

desde as primeiras

histórias do Aranha como

uma insegura secretária

do Clarim Diário; no

início dos anos de 1990,

acabou se tornando uma

ousada e competitiva

repórter (Figura 33, de

Homem-Aranha 132: 4).

Assim, Brant é

uma personagem que

personificou e então

reverteu exatamente a

situação descrita por

Travancas sobre Sérgio

Augusto (1993: 61): “Em

sua época, só havia mulher

trabalhando em redação de

jornal como secretária.”

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7.2 O profissional do conhecimento É notável que Super-Homem e Homem-Aranha sejam, de acordo com Aristides Dutra

(2002: 20), “os dois mais importantes” personagens entre os super-heróis. Seus alter-egos,

Clark Kent e Peter Parker, lidam diretamente com as possibilidades da terceira onda de

mudanças na sociedade, conceito de Alvin Toffler (BAETA, 2006: 22-23) para a

pós-modernidade, particularmente no que toca à Revolução da Informação.

Isso pode ser verificado de maneira abrangente

em Peter Parker: além de ser fotojornalista, foi

professor de Biologia de segundo grau, assistente em

laboratório de Física, já foi contratado como

pesquisador, e sonhou em ser cientista bioquímico (ver

Figura 34 ao lado, de A Teia do Aranha 56: 8). Grande

parte de suas histórias tratam da sua vida estudantil, seja

no colegial, na faculdade de Física, de Bioquímica, ou

até na pós-graduação, em eterna formação teórica.

Jimmy Olsen, amigo de Clark Kent, também tem

um pendor para lidar com máquinas e ciências exatas,

tendo construído um computador com 12 anos de idade (Super-Homem Mix Especial, 1994).

Clark Kent também é um

profissional abrangente, mas focado no

jornalismo: foi quase sempre repórter,

mas também colunista e redator-chefe

da revista Newstime; em versões

anteriores, assumiu a chefia do Planeta

Diário, e foi âncora e repórter de

telejornal. Além disso, Kent também é

um romancista de renome, com três

livros publicados (O Retorno do

Super-Homem 1: 141). Veja a Figura

35, ao lado. Lois Lane, a outra repórter

de maior destaque das histórias do

Super-Homem, também fez sucesso como escritora. Isso deixa marcado nesse mundo o

conceito de jornalismo como uma “ocupação literária”, como descreve Kunczik (1997: 37).

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7.3 Jornalista-celebridade Para o jornalista Sérgio Augusto (apud TRAVANCAS, 1993: 61), o jornalismo exerce

uma verdadeira sedução aos que trabalham nesta profissão, o que ele explica por um caráter de

vaidade que “não tem idade”. Neste ponto, podemos rever as Figuras 18 e 26, em que Clark

Kent parece estar se arrumando. Freqüentemente, o profissional da área “tem matéria

assinada”, “escreve e é conhecido,

que é o que lhe interessa”, declara

Augusto. Mas ele faz uma

diferenciação: a “mágica” sedução do

jornalismo é mais forte nos jovens;

nos mais velhos, aparece um ar blasé,

ou seja, entediado, indiferente.

Desta forma, na Figura 36, ao

lado, podemos verificar como o

maduro Kent ganha notoriedade por

ser do jornal Planeta Diário. Apesar

disso, reage com humildade,

tranqüilo. Enquanto isso, uma jovem

repórter de TV, no plano de fundo da

cena, fica fazendo pose, tentando ser

celebridade.

A busca pela notoriedade e individualização é destacada na análise de Travancas

(1993: 104): os jornalistas tentariam, a todo custo, ocupar um lugar destacado na sociedade por

meio da profissão. Frustrando essa expectativa, Max Weber (1964 apud KUNCZIK, 1997: 59)

afirma que os jornalistas possuem um prestígio ocupacional baixo, inferior a dos médicos, por

exemplo. Apesar disso, há a ressalva de Peter Schenkel (apud KUNCZIK: 60), de que, na

América Latina, pelo menos, alguns jornalistas mais destacados “gozam de alta estima social

como indivíduos”.

Podemos verificar que é este o caso excepcional dos jornalistas Clark Kent e Peter

Parker. Todos são modelos como profissionais, Kent para o repórter iniciante Ronald Troupe,

do Planeta Diário (O Retorno do Super-Homem 1: 141), e para Jimmy Olsen, fotógrafo do

mesmo jornal, que sonha em fazer matérias como o ídolo, um dia (Os Melhores do Mundo: 79);

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Parker é modelo para os fotógrafos do Clarim Diário Lance Bannon (Homem-Aranha 91: 9) e

Jeffrey Hodjo (Homem-Aranha (Panini) 29: 78), para citar só alguns de seus fãs.

Assim, fica claro que as histórias não têm como protagonistas jornalistas típicos e

comuns, mas jornalistas-celebridades, como os “eternos jornalistas” que Travancas (1993:

57) também entrevistou em sua pesquisa, relatando que “nenhum deles estranhou o fato de eu

desejar entrevistá-los sem conhecê-los; afinal, todos se consideram jornalistas notórios.” O fato

é que tanto Clark Kent como Lois Lane têm um prêmio Pulitzer cada, o mais desejado no

Jornalismo (ver Super-Homem Mix Especial, 1994), Kent costuma ganhar outros prêmios,

como o “Prêmio Zênite de Jornalismo” (Super-Homem (pós Zero Hora) 0: 38), e “o Peter

Parker” é aquele “cujas fotos quase ganharam o último prêmio jornalístico” (Grandes

Encontros Marvel/DC 1: 49).

O sucesso intrínseco de Clark Kent e

Lois Lane também é representado pela veia de

escritores, como vimos no item anterior e na

Figura 35. Parker já não tem como escrever

livros, pois mal escreve textos, mas ele pode

publicar um livro de suas fotos do

Homem-Aranha, como aconteceu logo depois

que se casou (Homem-Aranha Anual 1: 3, ver

Figura 37, ao lado).

Como ele não tem assim tanta assim

tanta fama como Kent, fica animado com a

perspectiva da publicação e de fazer uma turnê

para promover o livro: “Já pensou o povo me

pedindo autógrafos? Uau! Entrar numa loja e ver

um livro com o meu nome... Vai ser demais!”

Coincidentemente, o fotógrafo Phil Sheldom,

protagonista da mini-série Marvels (1995),

também publicou um livro com as suas fotos dos

super-seres.

Até no começo da carreira de Peter Parker, no colégio, ele já alterou sua reputação com

a turma para bem positiva de repente, ao revelar que trabalha como fotojornalista, tirando fotos

do Homem-Aranha (Homem-Aranha Anual: 8: 9).

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8 PODER E PRIVILÉGIOS

8.1 Efeitos da notícia e do status de jornalista A imprensa tem o apelido de Quarto Poder, e como diz Sérgio Augusto (apud VIEIRA

FILHO, 1991: 140), isso não é à toa: “É imenso e incalculável o poder que a imprensa tem”.

Para esse jornalista, isso se aplica principalmente nas conseqüências da decisão de

publicação de certas notícias: “o mesmo jornal que denuncia uma fraude pode, no dia

seguinte, cometer um dano irreparável, com a melhor das boas intenções.”

Clark Kent declara: “O jornalismo me deu a chance de denunciar diversas injustiças”

(Super-Homem 107: 80-81). O jornalista novato Ron Troupe também escreve que Kent

escreveu “alguns dos artigos mais contundentes que Metrópolis já leu” (O Retorno do

Super-Homem 1: 144). No entanto, essas são apenas declarações genéricas. Apesar de todo o

poder físico que tem Clark Kent como Super-Homem, e de toda a sua boa reputação como

jornalista, não conseguimos encontrar caso algum concreto em que ele causou impacto com

suas matérias; há no máximo expectativas, como a promessa de que iria ajudar um hospital

(Superamigos 36: 13).

Assim, na prática parece nulo seu poder para mudar a sociedade pelo jornalismo, como

ele reflete, desconsolado, na Figura 38, abaixo (Super-Homem 114: 8).

Tal é sua falta de reconhecimento nesse ponto que, quando Kent tenta entrar no prédio

do empresário Lex Luthor, tentando se valer de seu status privilegiado como jornalista, até o

poder da instituição jornalística como um todo é satirizada pelos guardas: “Claro! Ou, senão, o

cara vai falar mal da gente no jornal! Dá o fora, seu repórter babaca! Ninguém mais lê jornal!”

(Super-Homem 106: 28). Apesar disso, quando Clark Kent atua como super-herói, seu acesso

ao prédio é livre, sem “necessidade de marcar hora”.

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Ressaltamos que isso não ocorre sempre, como quando entra num casarão cheio de

policiais, utilizando sua credencial de repórter, para entrar, investigar e entrevistar os oficiais

sobre um caso de seqüestro (Super-Homem 103: 5).

Observar que o caso é outro para a repórter Lois Lane, que normalmente consegue entrar

no prédio de Luthor, seja para investigar secretamente, ou para ter uma audiência com ele

(Super-Homem 129: 47 e 65). E Cat Grant, em seu tempo

de repórter do Planeta Diário, atuando com o fotógrafo

Jimmy Olsen, consegue intimidar o apresentador de um

circo, e fazê-lo despedir um cruel domador de elefantes.

Na história, parece natural o medo do apresentador de que

ela “fale mal do circo” (Super-Homem 67: 34).

O fotojornalista Peter Parker, por outro lado, nem

pensa genericamente nas conseqüências de seu jornalismo.

Apesar disso, encontramos ao menos dois casos em que há

uma real contribuição à sociedade por seu trabalho.

Uma delas é quando fotografou empresários

corruptos, numa reportagem em parceria com o jornalista

Ben Urich, do Clarim Diário (Homem-Aranha 135); e outra, novamente com Urich, sobre o

assassinato de um refugiado político (Homem-Aranha 103: 52, Figura 39, acima), concluindo

que a cobertura do caso deve manter uma família a salvo, apesar das ações injustas da

Imigração dos EUA, apoiadas na lei oficial. É o jornalista se contrapondo ao governo, como

Quarto Poder, como escreve Kunczik (1997: 45). Ainda assim, em ambos os casos, as

conseqüências não saíram exatamente como Peter Parker queria.

A falta de potência jornalística prática a Clark Kent nas histórias pode ser explicada da

seguinte maneira: o Super-Homem, de tão poderoso que é, envolvido até em guerras

intergalácticas, acaba ofuscando o jornalista Clark Kent. Ele “é de fato um extraterrestre”, “não

nasceu como Clark Kent, mas como Kal-El no distante planeta Kripton”, ressalta Tom Morris

(2005: 243 e 248). A persona Clark Kent, é, portanto, o disfarce, de maneira inversa a “todos os

outros super-heróis com dupla identidade”, como o Homem-Aranha.

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Vejamos como essa

fraqueza jornalística perante

o super-herói é retratada na

história da Figura 40, ao

lado (Superman/Wonder

Woman: Whom Gods

Destroy 1: 50): “Ele é o

Super-Homem. Mas dê a ele

uma folha de papel em

branco para preencher, e ele não será melhor que nenhuma outra pessoa. É quando o último

filho de Kripton sente-se completa e transparentemente humano.”

8.2 Hierarquia Nem a imagem de seu próprio alter-ego Kent consegue salvar, quando a visão do editor

é diferente da dele. Na década de 1970, seu patrão Morgan Edge fazia Clark Kent ler até um

editorial contra o Super-Homem, ou seja, contra ele mesmo. Esse caso é exceção para Kent

porque, normalmente, seu editor, Perry White, procura passar uma idéia positiva do

super-herói. É como afirma Kunczik (1997: 158): haveria uma auto-seleção nas empresas, na

medida em que os jornalistas potenciais solicitam emprego nos meios de comunicação cujos

pontos de vista básicos correspondem às suas próprias opiniões. (KUNCZIK, 1997: 158)

No caso de Peter Parker, no entanto, a sua impotência jornalística para defender sua

imagem de Homem-Aranha é a regra. Pois sempre ocorre contradição entre seus princípios e os

do editor, como podemos ler em uma negociação de Parker com o editor Jameson para vender

fotos do Homem-Aranha, em que o fotógrafo diz (Homem-Aranha Anual 8: 30): “Mas pensa...

O Aranha estava salvando o entregador... ou também queria as jóias? E se foi desentendimento,

não uma briga?” Ele serve de “advogado do diabo”, porque precisa convencer o chefe de que o

que lhe oferece é notícia, conforme a linha editorial dele, por mais perversa que seja.

É como diz Norbert Wiener (1984 apud KUNCZIK, 1997: 84): “esses meios se

encontram nas mãos da classe limitadíssima dos ricos, expressando assim as opiniões dessa

classe”. Ou seja, tanto no caso de Parker, como no de Kent, quem decide o teor da notícia

sempre é o chefe.

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8.3 Segredos No entanto, o privilégio de se manter segredos sobre a metodologia do trabalho

jornalístico é encarado como algo normal, desde os primeiros tempos de Parker como

fotojornalista (Origens dos Super-Heróis Marvel 2: 57). Vejamos o diálogo entre o editor

Jameson e o fotógrafo Parker: “Você consegue todas as fotos que eu peço, Parker! Só não

entendo como!” Ao que o subordinado responde: “Nosso acordo é você nunca me fazer essa

pergunta, JJ!”

Virando o jogo, Jameson aproveita a mesma prerrogativa jornalística para não contar ao

Homem-Aranha quem era a pessoa que teria dado uma descrição de sua identidade secreta:

“Um bom repórter nunca revela as suas fontes!”, diz ele (Homem-Aranha 140: 32). De fato, é

um direito resguardado pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, Art. 8º (apud GOMES,

2004: 78): “Sempre que considerar correto e necessário, o jornalista resguardará a origem e

identidade das suas fontes de informação.”

Esse costume de se calar também aparece para Clark Kent (Figura 41, acima, de

Super-Homem 105: 23). O segurança do prédio do jornal parece acostumado com eventos

misteriosos envolvendo os jornalistas, por isso fala naturalmente em uma “reportagem secreta”

com conseqüências estranhas. Isso poupa Kent de dar explicações incômodas ao funcionário. É

uma boa prática que recomenda o jornalista Gilberto Nascimento (apud ROVAI, 2003: 96):

“Em reportagens investigativas todo o cuidado é pouco e toda a discrição é necessária”,

“quando se tem uma informação exclusiva, não se deve falar com ninguém”.

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8.4 Privilégio de informações Outra vantagem que aparece é o acesso privilegiado a informações, vital para o trabalho

jornalístico. Via de regra os jornalistas Clark Kent e Peter Parker utilizam seus contatos no

jornal em benefício de suas atividades como super-heróis. Um exemplo é Parker pedindo à

secretária o horário de um trem do exército, em situação na qual nem poderia atuar como

fotógrafo, pois estava sem a câmera (Teia do Aranha 92: 85). Até mesmo o editor Robertson,

exemplo de jornalista ético nas histórias do Homem-Aranha, fala abertamente para a colega

editora Kate que estava fazendo uma pesquisa “pessoal” no arquivo do Clarim Diário

(Homem-Aranha 103: 68).

Em outra ocasião, após

abandonar oficialmente uma série de

reportagens, Peter Parker, secretamente,

tenta se aprofundar no assunto, para agir

como super-herói. Para isso, usa um

computador do Clarim Diário, no

arquivo do jornal. Parker não quer

contar a ninguém sobre sua pesquisa,

como se vê na figura ao lado (Figura

42). E não é problema utilizar o arquivo

do jornal para pesquisas para a

faculdade, por exemplo, como se verifica pela despreocupação de sua colega quanto a isso, a

seguir. (Homem-Aranha 147: 34).

No entanto, Travancas (1993: 93) fala de um parâmetro que seria comum: “Um repórter

que se utiliza de sua função para obter informações sigilosas em troca de privilégios será tanto

punido pela empresa quanto criticado pelos colegas”.

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A Figura 43, abaixo, (Super-Homem 97: 7), mostra como é usual para Clark Kent

utilizar os recursos do local de trabalho para suas missões de super-herói, seja no Planeta

Diário, onde sempre trabalhou, ou na revista Newstime, onde ficou por algum tempo, no fim

dos anos 1980.

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9 TÉCNICAS

9.1 Fontes e faro jornalístico As pautas são os assuntos que podem aparecer

no noticiário, “um fio condutor que delimita o que será

publicado ou levado ao ar”, como diz Clóvis Rossi

(2006: 17). Diz ele ainda (p. 50-51): “Para compor uma

reportagem, o jornalista vale-se, fundamentalmente, de

fontes de informação, conhecedoras do tema, mas

também nele interessadas.” Na primeira história do

Super-Homem (Action Comics 1: 5, Figura 44, ao

lado), Clark Kent consegue sua primeira pauta como

repórter por um colega de redação, que recebeu a

informação de uma fonte externa.

Para se obter boas notícias são importantes os

contatos, mas também é necessário saber identificar as notícias. Essa habilidade é chamada

“faro jornalístico”, talento que Clark Kent demonstra de maneira recorrente. Foi exatamente

essa nomenclatura que utilizou Lois Lane para chamar a habilidade dele, em uma ocasião em

que ele chama a atenção para um laboratório orbital (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 48).

Como diz Lourenço Diaféria (apud CHRISTOFOLETTI, 2003: 72), “o jornalista é aquele que

tem a capacidade de ver as coisas como os outros não vêem”.

Clark Kent

demonstra outra vez

seu talento particular

a passeio, com a

repórter Cat Grant e

o fotógrafo Jimmy

Olsen, quando ele se

separa dos amigos

com o argumento de

que deve investigar,

como se vê ao lado,

na Figura 45 (Super-Homem 67: 35). Nos dois casos, as repórteres se aproveitaram da dica de

Kent para elas mesmas investigarem, secretamente.

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74

Nas histórias, o talento jornalístico aparece em pessoas comuns, principalmente Lois

Lane, do Planeta Diário, como quando, em um hospital, estranha a expressão do Super-Homem

e lhe questiona sobre “alguma coisa errada” (Super-Homem 87: 28). A editora Kate Cushing,

do Clarim Diário, também mostra essa percepção especial, ao investigar os papéis do colega

editor Joe Robertson (O Homem-Aranha 103: 68), devido ao seu instinto de que há alguma

coisa errada.

Já nos casos de Clark Kent e Peter Parker, ambos são auxiliados por seus

super-sentidos. No caso do circo (Figura 45), foi assim que Kent pôde verificar que um elefante

estava com cicatrizes. Um exemplo para Peter Parker é o caso em que o colega repórter Ben

Urich, do Clarim Diário, lhe dá a dica, sem muita confiança, a dar uma olhada num

“carregamento estranho passando pelo terminal ferroviário”, e Parker, como Homem-Aranha,

consegue perceber algo mais com seu “sentido de aranha” (O Homem-Aranha 140: 23).

A ultra-valorização desse talento intuitivo, que

para as pessoas comuns se constitui apenas de uma

educação geral, é o que levou o jornalismo a, por tanto

tempo, ser uma carreira considerada “liberada” para

qualquer pessoa, sem necessidade de uma formação

específica para jornalistas em geral, diz Kunckzik

(1997: 54-68).

Há casos, no entanto, como em temas

científicos, em que é patente a necessidade de uma

formação e conhecimento especializado para se

perceber e registrar uma notícia, como no quadro ao

lado (Figura 46, de O Homem-Aranha 139: 6-7).

Apesar disso, são poucos os cientistas que se aventuram

no jornalismo, como relata Kunczik (1997: 180).

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75

Toda pessoa, em tese, pode

ser uma fonte de informação,

escreve Clóvis Rossi (2006:

52-53), desde um ministro de

Estado até um roupeiro.

Mas o que fazer quando as

fontes divergem, como no caso ao

lado (Figura 47, de

Homem-Aranha 91: 13)? “No

geral, o ministro, o secretário-geral

e o presidente do clube são pessoas

mais autorizadas do que o

contínuo, o militante, o roupeiro”,

explica o autor. “Resta saber se são, também, mais confiáveis”. Como diz Rossi, só o próprio

repórter, com sua experiência pessoal ou por meio de informações de colegas conhecedores do

assunto, pode decidir, mas é preciso checar as informações, “conferir sempre, exaustivamente”

e não desprezar uma única fonte, por menos informações que ela tenha, aparentemente.

No caso destes

quadrinhos, como é tão

freqüente na vida real,

desrespeitando-se os

critérios mencionados por

Clóvis Rossi, a fonte tida

como mais “autorizada”,

por ser elite, foi a

escolhida, como se vê na

figura à direita (Figura

48). O correto seria

pesquisar o histórico do vigilante mascarado, aprofundando a entrevista e notando

incoerências, como o raciocínio preconceituoso do entrevistado, que falava até do “uniforme

tenebroso” do Homem-Aranha.

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76

9.2 Tecnologias de informação e comunicação É interessante verificar como são

introduzidas as inovações tecnológicas de

informação e comunicação (TICs), importantíssimas

para o dia-a-dia do jornalista. Uma das mais antigas é

o telégrafo, usado pelo jornal de Clark Kent em sua

primeira versão, para obter uma notícia de longe

(Figura 49, ao lado, de Coleção Invictus 4: 69).

Mas foi o telefone o mais utilizado no decorrer das

histórias dos super-heróis, principalmente para a comunicação

entre jornalistas ou entre repórteres e fontes. Tipicamente ele

aparece na redação, na casa do repórter, sendo chamado ao

trabalho, ou ligado no carro do jornal, utilizado

em situações de emergência pela repórter Lois

Lane, do Planeta Diário, (Figura 50, à

esquerda, de Super-Homem 87: 12).

O telefone celular também acaba

aparecendo, em história de 2006 (Superman

42: 89-90, Figura 51, à direita), nas mãos de

Lane e do fotógrafo Jimmy Olsen, também do

Planeta Diário.

O gravador também teve um

uso recorrente, desde a normal e

recomendada gravação da fala do entrevistado pela repórter Joy

Mercado, do Clarim Diário (Homem-Aranha 139: 6-7), até Lois Lane

o utilizando de maneira original para registrar a própria voz. Falava

como se estivesse escrevendo seu texto, para adiantar a matéria, com

as mãos livres para segurar o binóculo (Super-Homem (pós Zero

Hora) 0: 10-11). Em outra situação, de helicóptero, narrando a

destruição dos EUA pelo monstro Apocalypse (Figura 52, à direita, de

A Morte do Super-Homem: 94), ela transmite seu texto diretamente

para um funcionário digitador na redação do Planeta Diário, por meio

de uma transmissão de rádio.

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Marcante mesmo é a máquina fotográfica analógica: o

Homem-Aranha precisa de filme para tirar fotos, e assim, no caminho

da missão, gasta-se pouco mais de duas páginas de quadrinhos para

narrar como foi essa busca (A Teia do Aranha 10: 37-39, Figura 53,

quadros remontados à direita).

É recorrente até demais o uso do filme nas histórias, até

mesmo atualmente, quando ele já é considerado ultrapassado para as

redações de grandes jornais brasileiros, como O Estado de S. Paulo.

Este jornal começou a

utilizar câmeras digitais

desde o início da década de

1990 e, desde abril de 2003,

usa exclusivamente esse

novo sistema4.

Daí o estranhamento

em face de uma história

recente, publicada entre 2003 e 2004, em que Peter Parker

precisa incomodar um colega no laboratório do jornal para revelar

seu filme, como se vê na Figura 54, à direita (Homem-Aranha

(Panini) 29: 77). Por ironia, as ilustrações são bem realistas,

evidentemente produzidas por meio de ferramentas digitais.

Neste ponto, as histórias recentes do Super-Homem são mais atualizadas

tecnologicamente que as do Homem-Aranha, já que só encontramos o fotógrafo Jimmy Olsen,

do Planeta Diário, utilizando uma

câmera fotográfica digital, como na

Figura 55, à direita (Superman 43: 61).

Apesar de que, mesmo assim, só a

encontramos numa edição bem recente,

publicada nos EUA em 2005.

4 Informação obtida por telefone com Wilson Pedrosa, editor de Fotografia de O Estado de S. Paulo.

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A máquina de escrever tem uma grande importância no

imaginário do jornalista, aparecendo bastante em seu dia-a-dia de

trabalho, como na mesa do editor Joe Robertson, do Clarim Diário

(Figura 56, à esquerda, de A Teia do Aranha 10: 54), no início dos

anos de 1970.

Muitos jornalistas reais experientes tiveram dificuldade de

largar esse tradicional instrumento de trabalho, e passar a usar o

computador. Em 1983, o jornal Folha de S. Paulo já havia

informatizado sua redação, como se informa em seu site. Um exemplo

bibliográfico dessa cultura é que Geraldinho Vieira (1991: 1 e 74)

utiliza a máquina de escrever como símbolo para falar de sua teoria

“Complexo de Clark Kent”, tanto na capa de seu livro, como em discussões internas, mesmo a

publicação sendo de 1991.

Esse apego ligado à forte tradição da máquina de escrever se reflete numa história do

Super-Homem sobre uma inundação, em que o editor-chefe Perry White, do Planeta Diário,

encontra a oportunidade

que esperava para voltar

a usá-la, em história

originalmente de 1989.

Veja a Figura 57, à

direita (Super-Homem

95: 6).

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Aos poucos, o computador é inserido

nas histórias, e se torna essencial para a trama,

como quando o repórter Ben Urich, do Clarim

Diário, liga seu computador com o da polícia,

produzindo, com isso, uma reportagem

inocentando o Homem-Aranha (Figura 58, ao

lado, de Homem-Aranha 91: 14).

Isso reflete a importância crucial que

esse tipo de tecnologia, principalmente de

maneira conjugada à internet, acaba tendo para

o trabalho jornalístico, por aproximar e

agilizar os contatos e informações, e,

“principalmente, agregar esforços de lugares,

trabalhos de pessoas, localizar trabalhos”, como acredita Raimundo Pereira (apud SIQUEIRA;

SANTOS, 2003: 31).

Mas algumas histórias são produzidas em flash-back, de maneira retroativa, e por isso,

às vezes, os desenhistas produzem casos anacrônicos (como em A Teia do Aranha 92: 85 e

Homem-Aranha Anual 8: 30), em que a secretária do Clarim, Betty Brant, usa um computador

pessoal de mesa. Inviável, porque nessa época cronológica das histórias (década de 1960), esse

tipo de equipamento ainda não existia. Segundo a Wikipédia, o formato dos PCs como

conhecemos hoje, com monitor e teclado, só foi inaugurado em 1977, com o modelo Apple II.

De fato, os quadrinhos demoram um tempo significativo para incorporar as tecnologias

do mundo real. “Parecem não ver o tempo passar”, como diz Bibe-Luyten (1985: 31). Isso

ajuda a manter o herói como mito eterno, como diz Umberto Eco (1968: 265-274), para quem

personagens como o Super-Homem são mitos com uma estrutura fixa, que não pode mudar e

“ser consumida”. A única chance de mudanças rápidas é a utilização dos untold e imaginary

tales (histórias não contadas e imaginárias), que quebram o ritmo da narrativa linear.

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10 ÉTICA

10.1 Objetividade / imparcialidade A objetividade continua sendo um dos principais parâmetros na linha editorial dos

principais veículos de comunicação do país, segundo Clóvis Rossi (2006: 10). Mas, para o

autor, ela é um mito, reconhecido até pelo Manual de Redação da Folha de S. Paulo: “Não

existe objetividade em jornalismo. Ao redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma uma série de

decisões que são em larga medida

subjetivas, influenciadas por suas

posições pessoais, hábitos e emoções”

(apud ROSSI, 2006: 13).

Isso não desobriga o repórter, no

entanto, de procurar ser o mais objetivo

possível em relação aos fatos: “O

jornalista deve procurar vê-los com

distanciamento e frieza, o que não

significa apatia nem desinteresse”,

completa o Manual da Folha. O Manual

do Estado de S. Paulo é mais incisivo:

“Faça textos imparciais e objetivos. Não

exponha opiniões, mas fatos, para que o

leitor tire deles as suas próprias

conclusões” (MARTINS, 1997: 17).

Se, por um lado, a proximidade

das fontes pode ajudar a obter

informações, por outro ela acaba

dificultando a visada neutra do

jornalista. Consciente disso, a

ex-namorada do Homem-Aranha, Betty

Brant, então repórter do Clarim Diário, evita o contato com ele. Perde assim a oportunidade de

obter a “mais quente entrevista do ano”, como ela esperava (A Teia do Aranha 92: 20-21,

Figura 59, ao lado, quadrinhos remontados). Na verdade, essa sua forte atitude em favor da

imparcialidade é a exceção nas histórias analisadas.

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A objetividade é possível, por exemplo, na narrativa de um acidente de trânsito, quando

se envolve um pequeno número de pessoas, e, mesmo assim, se não estiver envolvido o

repórter ou algum amigo ou parente dele, analisa Rossi (2006: 10). Caso exemplar dessa

ressalva é mostrado nos quadrinhos ao lado (Figura 60, O Retorno do Super-Homem 3: 50), em

que Tana Moon, repórter da TV Galáxia, não consegue mais sustentar a sua difícil máscara de

objetividade, enquanto narra o

suposto sacrifício de seu amado

amigo Superboy. No entanto, o

cinegrafista não vê isso como

prejudicial à empresa

jornalística, já que prevê que a

“audiência vai furar o céu”.

Isso é simbólico da

regra nos quadrinhos

analisados: os jornalistas estão

freqüentemente mostrando seu

lado emocional e pessoal, talvez até como recurso usado pelos roteiristas. O raciocínio que o

leitor deve fazer é o seguinte: se até o jornalista, que tem uma tradição de ser tão neutro e

objetivo, ficou abalado desse jeito, está sendo influenciado dessa maneira, é porque realmente o

assunto é forte.

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Mas e para os editores dos grandes jornais,

qual é a regra? J. Jonah Jameson sempre mostra

claramente seu senso jornalístico deturpado, como na

manchete ao lado, em que o Aranha salvou o pedestre

(Figura 61, ao lado, de Homem-Aranha 91: 10).

Jameson segue sua própria tese pessoal e

pré-fabricada – a de que o Homem-Aranha é um

criminoso e assassino – para então buscar provas

selecionadas para sua conclusão antecipada.

Suas discussões acirradas com o editor

subordinado Joe Robertson, que tenta lhe servir de

escora ética, são características das histórias, como

abaixo, em que o patrão descaradamente demonstra

que tem “lado” (Figura 62, abaixo, de A Teia do

Aranha 52: 7).

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Dennis de Oliveira e Marta Maia (2005: 1 e 6) criticam a revista Veja, afirmando que ela

difama a esquerda no Brasil “mobilizando os principais temores e sentimentos preconceituosos

da classe média urbana”, aproveitando-se da “instabilidade e medo” desse “segmento social

permeável ao conservadorismo”.

Essa análise pode ser tranqüilamente transposta para o Clarim Diário, com relação aos

seus ataques ao Homem-Aranha. Ressaltamos que tomadas de posição não assumidas como

essa não ocorrem só na Veja, como também em outros jornais consagrados, como a Folha de S.

Paulo e o Estado de S. Paulo, como

analisa Chaparro (1994: 68-69) sobre a

cobertura da reforma no Autódromo de

Interlagos, em 1991, projeto da gestão da

então prefeita Luiza Erundina.

O editor do Planeta Diário, Perry

White, adota a mesma abordagem

pessoalista em seu jornal, com a

diferença de que glorifica o seu

super-herói, como se vê na Figura 63, à

direita (Os Melhores do Mundo: 133).

Demonstrando a sua tendenciosa aproximação

com a pessoa-assunto retratada, White também não tem o

menor receio em servir de psicólogo para o

Super-Homem, em seu “consultório” no alto do prédio do

jornal. Ver no quadrinho à esquerda. (Figura 64, de Os

Melhores do Mundo: 42).

De fato, a equipe do Planeta Diário trata-o sempre

como um amigo bem próximo (Super-Homem 100: 89).

Mas Agostinho Teixeira (apud RÉGIS; OROSCO, 2003:

189-190) não recomenda amizade com as fontes informativas, para que, depois, elas não

possam dizer que foram “traídas” por eventuais reportagens negativas veiculadas.

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De todo modo, os jornais em geral, como os brasileiros, tiveram sua origem na defesa de

causas, como a independência do Brasil ou o abolicionismo; só depois houve prevalência da

questão informativa. Marques de Melo (2003: 29) esclarece, assim, que o jornalismo tem duas

funções principais: o gênero informativo e o opinativo.

Perseu Abramo, no entanto, lembra que “é fundamental separar e distinguir informação

de opinião” (apud OLIVEIRA; MAIA, 2005: 28). Nessa linha, numa edição especial em que

Clark Kent está fazendo várias “exclusivas” sobre o Super-Homem para o Clarim Diário

(Grandes Encontros Marvel/DC 4: 34), o editor Robertson diz ao editor-chefe Jameson que,

mais cedo ou mais tarde, o jornal vai ter que tomar uma posição sobre o “novo herói”, que já

estava bem popular na cidade.

Assim, Jameson faz um editorial – o espaço reservado para a opinião – para o dia

seguinte, lembrando Robertson que “a posição do Clarim sempre foi contra heróis fantasiados”.

Nesse espaço, o editor fica com a liberdade de expor o que pensa. No entanto, para tudo há

conseqüências, como as reclamações dos co-acionistas de Jonah, aborrecidos pelos editoriais

anti-Homem-Aranha que os têm feito perder leitores (A Teia do Aranha 51: 21). Essa é a melhor

maneira de a população reprovar o jornal: parando de comprá-lo.

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10.2 Jornalismo “abutre” Um sentimento ambíguo é recorrente no jornalista: por mais que oficialmente defenda a

ordem pública, intimamente acaba torcendo por tragédias e caos, já que elas são grandes

notícias, e assim, garantia de trabalho a fazer. Isso pode ser verificado nesta exclamação

entusiástica do Homem-Aranha (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 20-21): “Marginais

roubando o Museu Metropolitano? Que maravilha! Senhor Parker, este deve ser seu dia de

sorte! Durante a semana toda, o Jameson implorou pra eu tirar algumas fotos sensacionais!”

Da mesma forma, o fotógrafo Jimmy Olsen, no meio de um tumulto e combates, acabou

conseguindo fotografar o Super-Homem em ação, salvando gente e levantando uns carros

caídos. Fica na torcida, não pelo bem que o Super-Homem faz às pessoas, mas à oportunidade

estético-jornalística que ele proporciona a Olsen para tirar fotos. Olsen até pensa no outro lado,

que “não gostaria de precisar viver da desgraça alheia”, como é tão comum no jornalismo,

fotografando acidentes, por exemplo; mas ele se auto-justifica, pensando na sua situação “preta

demais” (Super-Homem 115: 64).

Mesmo quando Olsen tenta agir

ajudando as pessoas, acaba se

prejudicando profissionalmente, e leva

uma bronca da então chefe Cat Grant:

“Semana passada, foi ajudar uma

velhinha”; “pegue um helicóptero... e

não tente ser herói! Seja repórter!”

(Super-Homem (pós Zero Hora) 23:

33). Como resultado, para se manter no

emprego e tentar até conseguir uma

promoção, adota uma postura mais

dura, como se vê na Figura 65, ao lado.

O editor Foswell, que substitui

temporariamente Perry White no

Planeta Diário, mostra que “dar espaço

ao canalha do Cérbero”, um monstro que está atacando a cidade, fez com que as vendas do

jornal subissem, algo importantíssimo em tempos de recessão (Super-Homem 114: 19). Simone

DeNeige, uma nova funcionária do Planeta Diário, contratada para “aumentar a circulação”,

utiliza essa idéia ao extremo, “transformando um herói [o Super-Homem] em ameaça”, nas

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palavras de Lois Lane. A justificativa da nova contratada é que “sentimentos nobres não

vendem jornais” (Super-Homem (pós Zero Hora) 23: 29).

É como analisa o pesquisador Kunczik (1997: 45), a respeito do “não raro”

comportamento jornalístico “malicioso ou moralmente censurável”, contando sobre como o

influente editor Hearst, nos Estados Unidos, insuflou a guerra hispano-americana de 1898,

“com uma campanha sem paralelo”. Apesar de seu ilustrador correspondente dizer que estava

“tudo tranqüilo” e que não havia sinais de guerra, o editor escreveu a ele: “Fique, por favor.

Você providencia as imagens e eu providenciarei a guerra.”

Há também momentos em que a própria ação jornalística mesmo não intencionalmente,

acaba atrapalhando o trabalho da polícia. Em um caso expressivo, a ação jornalística do

fotógrafo Jimmy Olsen, do Planeta Diário, dificulta a captura de bandidos pelo vigilante

mascarado Batman (Os Melhores do Mundo: 124). Veja a Figura 66, abaixo.

Caso correspondente na relação, apesar de bem mais grave, se observa em um caso

reportado por Schimid e de Graaf (1982: 99 apud KUNCZIK, 1997: 47-48): em 1977, durante o

seqüestro de avião da Lufthansa na Somália por terroristas alemães, “os terroristas escutaram

pelo rádio que o comandante do vôo estava passando às autoridades informação sobre os

seqüestradores e mataram o piloto.” Para Kunczik, “pressionados no sentido de produzir

notícias atuais, os jornalistas ultrapassam os limites da responsabilidade”.

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Uma polêmica relacionada à

publicação de certas notícias

aparece no caso de uma

transferência milionária de ações

que o Clarim Diário divulgou na

primeira página, por influência do

Homem-Aranha. Ele pretendia

apanhar um vilão, atraindo-o ao

local (A Teia do Aranha 10: 54-55,

Figura 67, ao lado).

Nesse caso, o protagonista

seguiu a ética utilitarista, de pensar

no provável efeito maior que seria

conseqüente. Para o herói, não

importaria tanto o risco que passam

os cidadãos inocentes envolvidos

no roubo previsto; porque, como super-herói, ele sempre consegue salvar a todos e pegar o

bandido, como sugerem Tagliaferro e Lindahl-Urben (2005: 79).

O editor Joe Robertson, por sua vez, nem pensou nos problemas colaterais desse alarde,

apenas se preocupou se o evento seria relevante ou não como notícia. Estaria agindo assim

como um jornalista de ética de valores absolutos, sem pensar nas conseqüências, conforme a

definição de Max Weber (apud KUNCZIK, 1997: 40-41). Esta ação é oposta ao que costuma

ocorrer em jornalistas em cargos de direção, como de fato atua Joe Robertson, como editor do

Clarim Diário.

No entanto, considerando o histórico ético de Robertson, pode-se considerar que ele

simplesmente não sabia exatamente o que planejava o Homem-Aranha. Percebemos, também,

que ele confia no herói, já que “investiguei bem sua carreira”, como diz o editor. E como o

Aranha lhe promete um furo, uma boa notícia se lhe ajudar, o editor acaba aceitando, também

levado ao fato de que parece pressionado por publicar uma boa notícia, caso contrário, seu

superior Jameson, editor-chefe do jornal, iria “comê-lo vivo”. Cabe-nos, neste caso específico,

destacar um pouco de falta de saudável desconfiança e responsabilidade jornalística ao editor

Joe Robertson.

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10.3 Identidade secreta A dupla identidade do

Homem-Aranha também é

alvo de investigação

jornalística e foi ameaçado ao

menos por dois repórteres: o

mais insistente foi sem dúvida

o fotógrafo Nick Katzenberg,

que, ao perseguir Parker para

saber como ele conseguia

tantas fotos do Aranha, acaba

conseguindo fotografá-lo em

meio traje. (ver a Figura 68, à

direita, de Homem-Aranha

127: 55).

De acordo com

Leonardo Melo, do site Pop

Balões, Ben Urich também descobriu, com sua investigação, que Parker é o Aranha, mas não

divulga essa informação. Isso iria trazer mesmo algum benefício para a população ou seria

apenas uma satisfação de curiosidade? É esse o importante critério que Mayra Gomes (2004:

53) nos recomenda seguir para distinguir os limites da informação entre o âmbito privado e o

público. Urich concluiu que seria o segundo caso e, portanto, não publicou o assunto.

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10.4 Ideologia perversa da fotografia Em Marvels 4, o consagrado fotojornalista e protagonista da série, Phil Sheldom, critica

a parcialidade jornalística do fotógrafo Peter Parker, que colabora com as matérias

super-tendenciosas de J. Jonah Jameson, atacando o Homem-Aranha. O fato é que ele não sabe

que, na verdade, fotógrafo e retratado são a mesma pessoa. Essa visada por uma terceira pessoa

coloca em cheque o absurdo da situação.

Isso se verifica bem em uma negociação de Parker com Jameson para vender fotos do

Aranha (Homem-Aranha Anual 8: 30): o fotógrafo tenta convencer o editor, problematizando o

caráter documental da fotografia, sujeita a múltiplas interpretações: “O Aranha estava salvando

o entregador... ou também queria as jóias?” O fato é que ele precisa convencer o chefe de que o

que lhe oferece é notícia, conforme a linha editorial dele, por mais que lhe prejudique como

Homem-Aranha.

Peter Parker não se preocupa muito com a imagem de sua super-identidade; esta serve

para salvar pessoas e fazer o bem ao mundo de forma direta e megalomaníaca. De todo

modo, Parker não tem como sentir a consciência pesada por colaborar, mesmo que

indiretamente, para ataques difamatórios contra o Homem-Aranha; pois é ele mesmo. Ao

menos, sua identidade cotidiana se vale das fotos que Jameson utiliza para funções de pequena

escala: ganhar dinheiro para família, aluguel, comida, etc.

Parker até tenta ser um fotógrafo responsável, mas, para que o colega Flash Thompson

se afaste e não descubra sua técnica secreta, de ser ao mesmo tempo o fotógrafo e o retratado,

acaba assumindo diante dele uma imagem de profissional imoral, um “paparazzi caça-imagens”

que tira fotos sem o consentimento do retratado, e pior, aproveitando-se delas para ganhar

dinheiro sobre a imagem de bandido construída por Jameson sobre o Aranha (Homem-Aranha

Anual 8: 22). Essa seria a quebra do direito de imagem do cidadão, assegurada pela

Constituição do Brasil, Art. 5º, item X (VALVERDE, 2002). Mas como o herói é uma figura

pública, tal como um político, isso acaba não se aplicando. O que se pode aplicar é a calúnia,

falsa acusação de crime.

O resultado dessa postura é o desprezo de Flash Thompson, como Parker esperava;

fazendo com que o fotógrafo perca seu prestígio. Percebe-se como, para que o fotojornalista

seja admirado, é necessário que siga, ao menos aparentemente, certos padrões éticos. Seria o

oposto do “jornalista socialmente bem-relacionado”, que consegue o que consegue por vias

diplomáticas e respeitosas, que tem assim um maior crédito social e glamouroso.

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10.5 Auto-representação Na primeira história do Super-Homem (Action Comics 1: 7), o editor pede a Clark Kent

que faça uma apuração sobre o “boato” Super-Homem. Ele gaba-se que se ele “não puder

descobrir qualquer coisa sobre o Super-Homem, ninguém poderá fazê-lo!” É o repórter que

garante a informação exclusiva (por seus meios secretos); mas depois, ele não aparece

produzindo qualquer reportagem sobre ele mesmo, apenas age como super-herói. A busca pela

notícia exclusiva é mesmo uma constante idealizada pelo jornalismo, o que se reflete tanto nas

histórias de Super-Homem como de Homem-Aranha (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 98).

Clark Kent não se preocupa muito com suas coberturas jornalísticas, priorizando a

defesa da cidade como Super-Homem, como quando lutou contra um robô gigante para tentar

defender Metrópolis e se esqueceu de fazer a reportagem para Morgan Edge, da emissora de

TV em que trabalhava (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 11). Com isso, tem seu emprego

ameaçado e se penitencia internamente.

Isso é explicado por Christopher Robichaud (2005: 174), que argumenta que Kent,

devido a seus super-poderes, tem a obrigação, pela ética utilitarista, de executar a ação que

produz “o maior bem geral”. Assim, se esse super-repórter tiver que decidir, por exemplo, entre

representar o seu jornal numa entrevista coletiva ou salvar um avião de uma queda fatal, terá de

salvar o avião, mesmo que isso eventualmente custe seu emprego.

Um repórter comum não teria que enfrentar esse dilema ético, simplesmente porque

salvar o avião não seria uma opção válida para ele.

O mesmo caso se aplica para Peter Parker, que Jameson considera “bom, mas sem

dedicação” (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 81). A preocupação real de Peter Parker é agir

como super-polícia extra-oficial. Afinal, a polícia oficial não consegue resolver os problemas,

por se tratarem de “super-problemas”; e assim o super-herói acaba representando o Estado,

como dizia Ariel Dorfman (1978: 62).

A solução, tanto para Parker como para Kent, é conseguir atuar de maneira que possam

trabalhar como jornalistas e também como super-heróis, seguindo-se o equilíbrio descrito por

Mayra Gomes (2004: 37): “a eqüidistância entre extremos (o erro por excesso e o erro por falta)

é apontado por Aristóteles como o meio seguro para a realização do homem em suas

potencialidades”.

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10.6 Interferência dos super-poderes Muito nos estranhou a afirmação de Clark Kent a Lois Lane, de que o jornalismo “é

uma das poucas profissões na qual pode competir em iguais condições com as outras

pessoas” (Super-Homem 113: 57). Isto não procede, tanto para ele, como para Parker. No

entanto, ao menos este último personagem não faz referências à suposta igualdade de

condições.

O fato é que seus poderes incluem super-velocidade, o que é vital para o dia-a-dia

corrido do jornalismo; super-sentidos, importantíssimo para a captação de pautas e apuração

de informações; e bastante força bruta, o que lhes dá segurança em reportagens perigosas,

permitindo-lhes avançar mais onde outros não conseguem ou têm o devido medo. Suas

habilidades de vôo, ou super-saltos na versão inicial, para o Super-Homem, bem como a de

aderência às paredes, além do engenho de lançamento de teias, para o Aranha, também lhes

possibilita avançar mais que os outros, a locais que jornalistas comuns não conseguem alcançar,

por altura ou outros obstáculos.

Clark Kent freqüentemente tira proveito de seus poderes em situações “civis”, como

no caso da obtenção de seu trabalho no jornal. Isso ocorreu, por exemplo, em sua primeira

história (Action Comics 1), em que passava rapidamente na frente de todos os repórteres e usava

seus poderes para obter as notícias; e se repete também na versão atual, em que obteve o posto

com uma cobertura sobre si mesmo (O Retorno de Lois Lane: 11). Desde então, sua rotina é agir

como super-herói e depois utilizar sua vivência super-privilegiada do fato para escrever

matérias sobre ele.

Um exemplo para Peter Parker é quando atua com Ken Ellis numa reportagem sobre a

Máfia russa e reflete, sem preocupação: “Há certas vantagens em ter sido picado por uma

aranha radiativa” (A Teia do Aranha 102: 37).

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11 CONDIÇÕES DE TRABALHO

11.1 Mercado de trabalho e exploração É freqüente a ameaça do editor J. Jonah Jameson de não comprar mais fotos de Peter

Parker. Uma das primeiras vezes é quando este lhe apresenta fotos “entediantes”, o que faz com

que o primeiro o ameace com a possibilidade de passar o trabalho para outros fotógrafos.

Mesmo sendo um nicho profissional que Parker domina, ele se sente de fato ameaçado e

temeroso com a concorrência. (Homem-Aranha Anual 8: 14)

Só é estranho como o personagem nunca procura vender suas fotos para outro jornal;

parece que o interesse pela publicação de fotos do Homem-Aranha é restrito ao Clarim Diário.

A falta de caráter editorial de Jameson, no que se refere a atacar o alter-ego de Parker, deveria

demovê-lo de continuar trabalhando para ele.

Mesmo quando ocorrem ofertas de excelentes condições de trabalho, Parker sempre

acaba voltando ao Clarim, onde parece trabalhar como um “frila fixo”, ou seja, trabalhando

permanentemente para a empresa, mas ganhando pouco e sem custar um centavo de assistência

médica ou hora-extra ao patrão, como diz um concorrente (Homem-Aranha (Panini) 29: 77).

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Considerando-se as dificuldades econômicas de Peter Parker, podemos inicialmente

seguir uma linha neomarxista e considerar que se produziu nele uma “consciência alienada”

que se reproduziria perpetuamente sob a pressão do editor Jameson (KUNCZIK, 1997: 34 e

81). Segundo esse argumento, as “condições de produção penetraram na alma dos jornalistas”.

Ver a Figura 69, abaixo, em que Parker acaba voltando ao Clarim (Grandes Encontros

Marvel/DC 4: 64), em edição especial que juntou o Super-Homem e o Homem-Aranha.

Pode-se considerar ainda que Parker acabou desenvolvendo um vínculo especial com a

equipe do jornal, considerando sua relação amigável com boa parte da equipe, e suas passadas

no prédio só para vê-los, às vezes. Como Kunczik (1997: 162) relata, existem indicadores de

“intensa orientação dos colegas”, assim como Travancas (1993: 95) fala do vínculo do

jornalista para a empresa para a qual trabalha, sendo a palavra “fidelidade” usada para demarcar

esta relação, apesar da falta de consenso.

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Clark Kent também nutre uma relação especial com seus colegas, tratando-os como

amigos e “como uma família”. Refere-se ao Planeta Diário até como o seu “segundo lar”

(Super-Homem 95: 7 e 33). Em seu caso não há problemas quanto às suas condições de trabalho

no jornal; só atuou como freelance por pouco tempo, no início da década de 1990; no geral

trabalha com contrato regularizado. Ainda assim, ele também passa pela típica rotina

estressante jornalística,

correndo contra “vários

prazos fatais nesta redação”.

É o momento de fechamento

do jornal, com muita tensão e

gritaria, como diz Travancas

(1993: 31). Na verdade, no

Brasil, isto é conhecido pela

sua versão não traduzida:

“deadline”. Veja a Figura

70, à direita (Super-Homem

(pós Zero Hora) 27: 11).

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11.2 Jornalista 24 horas Em um caso exemplar de como o editor pode interferir na vida pessoal do jornalista

(Homem-Aranha Anual 8: 31), Jameson manda a secretária Betty Brant chamar Parker em

casa, quando o editor ouve pelo rádio que “o Aranha está enfrentando um monstro”. Ela não o

encontra em casa, deduzindo assim que ele já deve estar tirando as fotos da ação.

É o profissional 24 horas, que sempre deve estar pronto para trabalhar, e com extrema

rapidez. Isabel Travancas (1993: 28) conta que, de fato, a dedicação jornalística ocorre

freqüentemente com chamados de urgência em casa, e muitas vezes a produção de matérias

prossegue a domicílio, para o “desalento e irritação de seus familiares”. Há uma cobrança

implícita, se não explícita, de que “ser jornalista significa ser jornalista 24 horas por dia e não só

quando se está no jornal ou fazendo matéria de rua”.

Esse imaginário é tão forte que Peter Parker, ao tentar convencer a namorada Betty a se

abrir e desabafar com ele, diz: “prometo não publicar seus problemas” (Homem-Aranha Anual

8: 42). E ao sair de casa a altas horas da noite para agir como Homem-Aranha, dá a seguinte

desculpa a sua tia May (Homem-Aranha Anual 8/7): “Vida de repórter, tia!” Uma justificativa

facilmente aceita para sua rotina desumana e sem horários; a rotina de super-herói se

confunde com a de repórter.

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11.3 Relacionamentos Nas primeiras aventuras do Aranha (Homem-Aranha Anual 8/7), mostra-se os conflitos

de Peter Parker com sua namorada Betty Brant, devido aos ciúmes que esta tem em relação a

outras personagens femininas da história e às fugidas supostamente jornalísticas do namorado.

Em uma dessas saídas, ele explica: “Cê pode não gostar, Betty, mas esse é meu trabalho! A

gente se conheceu assim.”

Isto corrobora pesquisa de Isabel Travancas, segundo a qual há momentos, como as

grandes coberturas, em que “a redação e os colegas se tornam a casa e a família dos jornalistas”

(1993: 39). Essa autora afirma que a família (complementamos: também amigos e namorada)

com freqüência tem ser sacrificada pela profissão de jornalista, já que “não é todo marido que

aceita ter uma mulher sem hora certa de chegar em casa, que trabalhe no fim de semana e que

possa ser chamada a qualquer momento pela redação”; o que acaba ocorrendo são muitos

casamentos entre jornalistas.

Esse é o caso especialmente de Clark

Kent e Lois Lane, que lembram que seu

relacionamento foi construído sobre o

trabalho deles. (Super-Homem 113: 44) Lois

Lane costuma reclamar bastante da falta de

tempo juntos, já que Kent é super-herói,

como se não bastasse ser jornalista: “A gente

não consegue ficar juntos por mais de cinco

minutos!” (Super-Homem 113: 56). Mas, no

caso que inserimos ao lado (Figura 71, de

Super-Homem 102: 66), o caso se inverte, e

comprova-se a importância de ambos serem

jornalistas para se compreenderem mais

facilmente.

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11.4 Profissão perigo A repórter do Planeta Diário

Lois Lane admite que se arrisca com

bastante freqüência para fazer suas

investigações (Grandes Encontros

Marvel/DC 1: 48). Um dos casos foi o

da investigação de assassinato

executado pelo empresário Lex

Luthor, ocasião em que ele invadiu o

computador de Lois, sabotou sua

reportagem pelo computador,

adulterou suas matérias, influenciou

sua demissão e seu apartamento voou

pelos ares (Super-Homem 135: 4).

Ameaças físicas diretas por

valentões de rua também são

freqüentes (Figura 72, remontagem

de Super-Homem 115: 48-49), e a repórter acaba precisando se defender com as artes marciais

que aprendeu com o pai, militar do exército. Representa-se assim o jornalismo como uma

profissão arriscada. Desta maneira, mantidas as devidas proporções, Lois Lane acaba

representando um amálgama entre os jornalistas Clark Kent e Peter Parker, que procuram atuar

exclusivamente com essa função nestas identidades; e suas identidades secretas, Super-Homem

e Homem-Aranha, que resolvem seus problemas com força bruta.

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O risco de vida especialmente para o fotojornalista é muito grande. Veja-se o caso de

Jimmy Olsen, do Planeta Diário, que coloca como condição para obter suas fotos não sua boa

habilidade ou não, mas

sua sobrevivência, em

mais uma das situações

perigosas que tem que

enfrentar para cumprir

o seu trabalho (Figura

73, à esquerda, de

Super-Homem 141: 33)

Esse risco fica

bem marcado no

acidente de Phil

Sheldom, protagonista da minissérie Marvels, que perdeu um olho quando foi atingido por

destroços de um muro, durante sua cobertura fotográfica de um combate entre os super-seres

Tocha Humana e Namor, o Príncipe Submarino (Marvels 1).

Especialmente trágica é a morte de Sally Avril,

colega de colegial de Peter Parker. Ela deu fim ao seu

sonho de “aparecer” e “estar feita”, tentando obter

sucesso e fama como fotógrafa (de crimes e

super-batalhas, como Peter Parker), e só conseguiu

mesmo aparecer nos obituários de jornal, quando

atravessou um cruzamento no sinal vermelho e foi

apanhada por um caminhão (Figura 74, à esquerda, de

Homem-Aranha Anual 8/3).

Poderíamos considerar essa pressa excessiva

como uma interpretação ao pé da letra da teoria do

“momento decisivo” do francês Henri Cartier-Bresson:

a busca pelo instante único em que o assunto e os elementos da composição formam uma união

perfeita (LESTER, 1991: 7).

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Um desafio ético que se propõe nessa

rotina de se enfrentar perigos é na questão de

se ajudar diretamente as pessoas. É como

afirma Vieira Filho (1991: 144) a respeito da

limitação do fotojornalista, que não pode ao

mesmo tempo interferir no acontecimento,

para, por exemplo, salvar a vida de alguém

em perigo, e tirar a foto. Em sua primeira

experiência fotográfica (Figura 75, de A Teia

do Aranha 126: 12, à direita, quadros remontados), Peter Parker fotografou o vilão Abutre de

maneira manual, com a câmera à frente do rosto, como seria normal. Mas isso lhe deixou

desprevenido para o ataque do vilão! No caso, o Homem-Aranha mal conseguiu salvar a si

próprio. Ele resolveu isso passando a utilizar uma câmera automática desde então.

O jornalista Bob Fernandes (apud CHRISTOFOLETTI, 2003: 79-80) também passou

por muitos riscos, como avançar numa zona de guerra na Somália: “poderia ter sofrido com

alguma diarréia e morrido, como é comum por lá”. Apesar disso, não acredita que vale tudo por

uma boa matéria: “É bom ter medo, pois é um mecanismo interno de segurança, ter

responsabilidade e saber o seu limite ético.”

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12 TEMAS JORNALÍSTICOS E EDITORIAS No jornalismo de grandes jornais, como a Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e New

York Times, encontramos uma grande valorização da editoria de Política, ao lado da de

Economia. Em jornais populares, como o Agora São Paulo e o Jornal da Tarde, e em tablóides

ingleses, há uma intensa valorização do noticiário policial, esportivo e de celebridades.

Especialmente no fotojornalismo, Jorge Sousa (2004: 227) encontra a valorização maior

dos seguintes temas: crime, conflitos, guerra, acidentes, violência em geral (freqüentemente

como fato-choque), temáticas sociais, fait-divers (eventos “estranhos” e incomuns), esportes,

atos das figuras públicas, glamour, show-biz, cerimônias e atos protocolares (institucional).

Podemos encontrar tudo isso nas histórias em quadrinhos do Homem-Aranha e

Super-Homem, com valorização muito maior de certos temas, como vamos verificar.

12.1 Crimes e a editoria Cidades No prólogo

narrado pelo Aranha

(Homem-Aranha Anual

8/8), ele diz: “tava

procurando uns crimes

pra tirar fotos... e

vender pro Clarim”.

Veja como isso se

aplica ao lado, na

Figura 76.

Percebe-se que

é mesmo isso o que

deseja o presidente do

jornal, Jameson, que

questiona Parker (A Teia do Aranha 10/1: 21): “Quando foi a última vez que você me trouxe

uma boa foto de crime, heim?” Ou seja, o que lhe interessa é o noticiário policial, que costuma

ter mais destaque em jornais populares, para classes baixas. É assim que se caracteriza também

o Clarim Diário, tido em seu mundo como “o maior jornal de Nova York”. O Planeta Diário,

“o maior jornal de Metropólis”, tem o mesmo perfil. É exatamente o contrário do que ocorre em

nossa realidade, em que os grandes jornais dão menos destaque para esses assuntos, como

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vimos. Tanto que o fotógrafo Jeffrey Hodjo, apesar de considerar que o Clarim, onde trabalha,

atinge “867.212 nova-iorquinos, quase um milhão de domingo”, chama-o de “pasquim”

(Homem-Aranha (Panini) 29: 74).

Outras evidências que os leitores têm para saber da importância do noticiário

policial/local no jornal é perceber como são valorizados os editores de Cidades na trama. No

Clarim Diário, o primeiro deles é Joe Robertson, que substitui J. Jonah Jameson à frente do

jornal quando ele está fora, e posteriormente até assume o cargo do patrão, de editor-chefe. A

sucessora de Robertson na editoria de Cidades, Kate Cushing, também tem um bom destaque.

Mal aparecem editores de outras editorias nas histórias.

No Planeta Diário, a editoria de Cidades parece ser o único mundo do jornal, já que é só

ela que aparece em termos de noticiário e é só a ela que os personagens, como Clark Kent, se

referem (Super-Homem 101: 48). Assim, apesar do jornalista novato Ron Troupe dizer que

Kent escreve sobre “economia, poluição, justiça, crime, educação, política ou condição

humana” (O Retorno do Super-Homem 1: 143), fica bem difícil notar isso nas histórias.

Acidentes são extremamente recorrentes, já que são proveitosos para os

super-heróis/repórteres, que desejam aproveitar a sua cobertura local para salvar pessoas. Um

exemplo já aparecia numa história da primeira versão do Super-Homem, em que ele vai cobrir

um caso de desmoronamento de uma mina de carvão, que deixa os mineiros presos (Coleção

Invictus 4: 68-69).

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12.2 Guerras A cobertura de guerras é um dos maiores sonhos de consumo para o jornalista; como

coloca Jorge Sousa (2004: 33), a guerra sempre foi um “tema sedutor e de sucesso junto às

pessoas”, e acabou consagrado na herança cultural ocidental. Tanto é assim que, na primeira

história do Super-Homem (Action Comics 1: 12), Clark Kent já é enviado para cobrir uma

revolução numa certa república sul-americana, San Monté.

A guerra sempre foi um tema privilegiado, especialmente para a fotografia, conforme

diz Sousa, desde a Guerra da Criméia (1854-1855), quando a técnica ainda era rudimentar.

Assim, podemos ver até mesmo o Super-Homem se aventurando com a câmera fotográfica na

tal San Monté, como podemos ver abaixo (Figura 77, de Coleção Invictus 4: 55, quadros

remontados).

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Mas foi na Segunda Guerra Mundial que o Super-Homem se destacou em sua primeira

versão, lutando contra nazistas e até, em edições mais recentes, voltando no tempo para lutar

contra eles. Nas Figuras 78 e 79 (Super-Homem: O Homem de Aço: 7: 18 e 14), à esquerda e à

direita, fica claro como se delimitam os dois papéis do Super-Homem, enquanto a repórter Lois

Lane tenta avançar por seus próprios meios. Além disso, o discurso da “necessidade de

informar” como justificativa para as ações dos dois repórteres.

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12.3 Guerras super-heróicas

Podemos encarar que as ações do Homem-Aranha e do Super-Homem encarnam

perfeitas guerras particulares locais; portanto legitimam-se, sim, como objeto de interesse

jornalístico, no mundo em que se ambientam. Suas

ações coibidoras de crimes e acidentes locais têm

um teor tão titânico que corresponde a verdadeiras

guerras, incluindo toda a devastação colateral de

propriedades públicas e particulares, com ameaças a

vidas civis. Não envolvem multidões de soldados

nem nações em conflito, mas uma guerra civil e local.

Deste modo, até a noção do que é uma notícia

fica alterada, considerando-se as rotineiras guerras

super-heróicas na vizinhança dos personagens

estudados. Ao lado, a Figura 80 (A Teia do Aranha

56: 89) reflete bem essa situação.

Apesar do glamour do jornalismo de guerra,

há o grande risco que os repórteres enfrentam: no fim

da Guerra do Vietnã, por exemplo, haviam morrido

39 repórteres em missão, o dobro da Segunda Guerra

Mundial (SOUSA, 2004: 172). O próprio Robert

Capa, consagrado repórter de guerra húngaro, morreu

cedo, com 41 anos, durante o trabalho, numa mina na

Indochina, atual Vietnã. Isso justifica as

preocupações da tia May, mãe adotiva de Peter Parker, e da primeira namorada de Peter

Parker, Betty Brant, que freqüentemente tentavam convencê-lo a abandonar esse trabalho

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Vale lembrar que é comum haver civis inocentes atingidos (física, psicológica ou

materialmente) pelos confrontos do super-herói contra super-vilões; são efeitos colaterais de

toda guerra. No entanto, nas fotos de Peter Parker, essas perdas não aparecem; apenas o

“herói” em si.

Essa atitude pode ser relacionada com a maneira com que foi produzida a considerada

“primeira cobertura fotográfica de guerra” da História Ocidental (SOUSA, 2004: 34), a de

Roger Fenton, na Guerra da Criméia (1854-55), ainda condicionada ao modelo

epopéia-heróica, sem mostrar as agruras da batalha, mas sim soldados sorrindo, longe do front.

Isso acontecia devido à censura do contratante, que não queria imagens fortes da guerra. Apesar

de, no caso do Aranha, as fotos mostrarem o “soldado em batalha”, não há menção às vítimas.

Ainda atualmente isso ocorre, de acordo com José Arbex Jr. (apud PADILHA, 2003: 69), que

escreveu Showrnalismo para criticar a cobertura internacional feita da Guerra do Golfo

(1990-1991). Ele diz que “quem assistiu à guerra não viu sangue, não viu morte”, sendo que

“hoje se sabe que pelo menos 130 mil pessoas morreram“.

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12.4 Show-biz e celebridades O combate ao crime, principal tema literal para as notícias fotográficas de Peter Parker,

tranforma-se em espetáculo. O herói até canta enquanto prende criminosos, parafraseando o

apresentador de programas de auditório Sílvio Santos. Uma adaptação do tradutor da história,

de um jingle de algum programa

da TV dos EUA (Grandes

Encontros Marvel/DC 4: 5,

Figura 81, ao lado).

Esse processo é mesmo

uma tendência atual, como diz o

teórico Gilberto Dupas (2001:

52): “De fato, a vida nas

sociedades contemporâneas se

apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente

torna-se uma representação. Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda,

publicidade ou consumo de divertimentos – o espetáculo constitui o modelo atual da vida

dominante na sociedade.”

Sendo Parker fotojornalista

de si mesmo, simultaneamente sua

explícita atuação heróica

performática será transformada

em informação para toda Nova

York, por meio do jornal Clarim

Diário,

para onde

vão suas fotos. E ele não é o único fotojornalista, há concorrentes, como

Lance Bannon, que fazem de tudo para se aproveitar de seus shows de

combate ao crime, aumentando sua preocupação, já que ele quer ganhar

com o próprio show (ver a Figura 82 acima, Homem-Aranha 115: 57).

Chega um ponto em que o Homem-Aranha até brinca com o

espanto dos cidadãos testemunhas de sua exibição de força contra

super-vilões, fazendo uma postura de agradecimento clássica de artistas

de teatro (Figura 83, ao lado, de Homem-Aranha 124: 7).

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Em outra situação, uma colega de colegial de Peter Parker tenta convencê-lo a

fotografá-la com a uma roupa de super-heroína que ela mesma fabricara, argumentando que

desta forma ele ganharia mais dinheiro e teria mais assuntos para fotografar (Homem-Aranha

Anual 8/1). O conceito embutido aqui é o do poder do fotojornalista em projetar a imagem

das pessoas.

O uso de Peter da fotografia como meio de ganhar dinheiro não é indiscriminado, tenta

ser responsável, em oposição aos paparazzi caça-celebridades, que ficaram tão desprestigiados

após a morte de Lady Dai, no Reino Unido, como lembra Jorge Sousa (2004). No caso

mencionado, Peter se nega a fotografar a colega, por achar que ela poderia se machucar.

Dupas (2001: 52) ainda analisa que, “na atual situação das grandes massas excluídas da

sociedade global, só resta o ‘identificar-se-com-quem-parece-ser-ou-ter’ por meio do

espetáculo, sequer ao vivo, mas ‘visto-a-distância’ através das mídias globais que lhes

oferecem exibições instantâneas de todos os tipos e partes do mundo.”

Se o Homem-Aranha mostra total consciência desse papel espetacular, ao sempre

satirizar a situação, por outro lado o Super-Homem tenta fingir normalmente que seu papel é

unicamente o de defensor, com seu jeito sempre sério de lidar com os conflitos titânicos de que

toma parte. No entanto, na prática, seu papel e tratamento noticioso como celebridade é ainda

maior, haja vista a intensa cobertura jornalística que se faz sobre ele, ainda mais espalhafatosa e

evidente do que nas histórias do Aranha.

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108

Nesse sentido, a entrevista que dá o Super-Homem no talk-show (Figura 84, A Morte do

Super-Homem: 16-17, remontagem) da repórter de TV e colunista do Planeta Diário, Cat

Grant, assumidamente especialista em “figurões” (Super-Homem 120: 25), é um marco, em

que ele é apresentado como “a celebridade mais comentada de nosso tempo”.

As celebridades são indicadas por um traço bem recorrente nos quadrinhos: o pedido de

autógrafo, como indicador de sua ótima reputação.

O Homem-Aranha, principal celebridade-notícia de suas próprias histórias, teve como

gente querendo seu autógrafo desde o colega de Parker, Flash Thompson (Homem-Aranha

Anual 8: 19), até desconhecidos na rua (A Teia do Aranha 10: 7), com algumas pessoas até lhe

pedindo para autografar o próprio jornal em que sempre havia sido difamado.

O Super-Homem até autografa para órfãos as revistas de histórias em quadrinhos que

contam suas aventuras (Os Melhores do Mundo: 83-84) e em uma ocasião aparece idolatrado

pela multidão, que lhe faz pedidos absurdos, como: “Derrete meu relógio com sua visão de

calor!” (Super-Homem 105: 22)

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109

12.5 Cultura

Os super-heróis-celebridades discutidos também poderiam ser situados como “cultura”,

mas se pensarmos esta editoria em um sentido mais rigoroso, como aparece este tipo de

noticiário nas histórias? Só se noticia a cultura que pode ser convertida em dinheiro. Por

exemplo, em exposições de diamantes, de quadros caros, coleção egípcia, e até mesmo em um

desfile de moda, lá está Peter Parker, cobrindo o evento, onde acaba ocorrendo um assalto em

massa. É tão deslocado o noticiário cultural para a imagem deste fotógrafo que, quando ele

demonstra interesse pelo referido desfile, Sandy Jones, redatora de colunas sociais do Globo

Diário (onde o fotógrafo trabalhou por

algum tempo), estranha bastante (A Teia do

Aranha 57: 61).

No caso das histórias de

Super-Homem, não são freqüentes histórias

com aspectos culturais. A única que

encontramos foi um caso em que o repórter

Ron Troupe, do Planeta Diário, vai cobrir

um show da banda Pearl Jam, conseguindo

com isso emplacar uma matéria até com

mais destaque do que uma de crime. Mas

isso foi bem por acaso, porque o objetivo

original do jornalista era simplesmente sair

com Lucy Lane, irmã de Lois e ex-namorada

de Jimmy Olsen.

Para piorar a participação do

jornalista cultural na história, há, como se vê

na Figura 85, ao lado, um uso do jornalismo

cultural para favorecimento pessoal

(Super-Homem (pós Zero Hora) 16: 9), ao

contrário do que manda o Código de Ética

dos Jornalistas Brasileiros, Artigo 13 (apud

GOMES, 2004: 79).

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12.6 Ciência A cobertura científica não ocorre com muita freqüência, e

quando aparece, acaba tendo uma valorização do jornalista

protagonista que deixa a desejar.

Peter Parker, especialmente, tem uma relação importante

com ela, diz até “amar a ciência”, tanto que foi numa

demonstração científica que ganhou seus poderes. Assim, aprecia

quando pode cobrir um evento como uma demonstração de raios

gama de um laboratório (A Teia do Aranha 84: 11). Aparece até

vestido como “fotojornalista fino”, como se vê na Figura 86, ao

lado. No entanto, sua câmera só fica pendurada no ombro e não é

usada sequer uma vez! Não tira fotos durante o experimento, nem

quando ocorre um fracasso! O que Parker faz é se trocar para agir

como Homem-Aranha. Fotógrafo só na aparência.

Em uma ocasião semelhante, Clark Kent e Lois Lane vão

cobrir a apresentação oficial de uma certa “Cidade do Futuro”

(Super-Homem 103: 25-43). Algo que estranha é estarem

presentes os dois repórteres de texto, do mesmo jornal, o Planeta

Diário! Assim como no exemplo de Peter Parker, ocorre um acidente, uma explosão, e assim o

super-herói, no caso, o Super-Homem precisa agir! A vantagem dele é que não precisa

necessariamente anotar; pode se lembrar das informações depois, ou recuperar o ocorrido com

alguém, desta vez, até mesmo com a colega Lois Lane, que também estava presente. E, de fato,

logo após eles vão entrevistar os “ricos e famosos descabelados”, como Kent se refere aos

envolvidos na confusão.

Apesar da falta de iniciativa de Parker desde o início do evento tratado aqui, pode-se

considerar que ainda opera o argumento de Geraldinho Vieira Filho (1991: 144) que o

fotojornalista não pode, ao mesmo tempo, tirar a foto e interferir no acontecimento, por

exemplo, para salvar a vida de alguém em perigo.

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12.7 Esporte Oficialmente, o esporte nas histórias do Super-Homem, no período de 1970 a 1986, é

representado pela figura do comentarista esportivo Steve Lombard, sempre às voltas com

brincadeiras e truques, para humilhar Clark Kent e outros (como em Grandes Encontros

Marvel/DC 1: 10). Desta forma, é essa a imagem oficial da cobertura esportiva num sentido

literal: frívola e idiota.

Mas, afinal, o que é o noticiário esportivo de nossa realidade? Informações de serviço

sobre “como praticar adequadamente diferentes modalidades esportivas” são uma minoria

insignificante quando comparadas à cobertura de espetáculos. O sucesso do tema esporte

constitui-se por este feitio, como parte do gênero do jornalismo de entretenimento ou

diversional, como diz Marques de Melo (2003: 29). É uma função do jornalismo que

usualmente não é legitimada como os gêneros de jornalismo informativo e opinativo.

Sua importância estaria em, como diz Raymond Nixon (apud MELO, 2003: 29),

“preencher os momentos de ócio das pessoas ou comunidades, oferecendo informações não

necessariamente utilitárias, mantendo seções que buscam entreter, ou abrindo espaço para

prender o interesse do público, divertindo-o.”

Apesar de os repetidos

combates ao crime e a destruidores

do mundo não serem, em stricto

sensu, “esporte”, são abordados

como tal nas HQs analisadas.

São marcantes, nesse

sentido, os quadrinhos ao lado

(Figura 87, de Super-Homem 87:

23, quadros remontados), em que

o fotógrafo do Planeta Diário

Jimmy Olsen usa um termo

próprio do boxe e torce como um

fã do Super-Homem, como é tão

usual em suas histórias.

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12.8 Temáticas sociais O “jornalismo social”, ou

seja, como diz Michael Kunczik

(1997: 17), o uso da crítica social a

serviço de certo ideal para a

humanidade, com objetivos

“humanitários”, buscando ajudar

as pessoas mais necessitadas, seria

o jornalismo genuíno. Seria essa

a função principal da “classe

intelectual”, segundo Julien Benda

(apud KUNCZIK, 1997: 17).

Esse tipo de ação aparece

nas histórias às vezes, como na

Figura 88 (Superamigos 36: 13,

três quadrinhos remontados, ao

lado), em que o repórter Clark Kent é apresentado como

“um santo emissário de Deus”, a julgar pelos “milagres”

que o médico espera do Planeta Diário, expectativa que

o repórter estimula.

Nesse caso, no entanto, é notável a falta de tato e

sensibilidade de Kent, ao conversar com uma das

pacientes: “Você gosta de morar aqui?” é uma pergunta

inconveniente, já que o hospital definitivamente não é

local para se gostar de morar. O repórter, como usual,

também não anota nada, apesar de fazer algumas perguntas simples ao entrevistado e, no final,

dá falsas esperanças a ele, com a certeza da publicação de uma “bela matéria”, no dia seguinte –

a rotina de jornais não permite essa certeza, ainda mais para uma matéria “fria” como essa, sem

mudanças bruscas.

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Em outra história, em que Clark Kent quer “escrever uma matéria sobre os pobres de

Gotham City”, seu objetivo era na verdade uma troca de favores com o colega Batman, para

perseguir seu tradicional

inimigo Lex Luthor. A

história analisada não nos

permite concluir que o

repórter Kent pensa nos

benefícios que sua matéria

poderá trazer, mas sim,

que ignora isso. (Os

Melhores do Mundo: 46)

Veja, na Figura 89, acima, como o repórter aparece deslocado diante dos

desfavorecidos entrevistados. Com sua pose de intelectual e roupas finas, ele, acompanhado de

Alfred, o mordomo de Batman, não combinam com o ambiente. Novamente, não anota as

informações ouvidas. Clark Kent não faz um devido mergulho no mundo da “periferia”, dos

“grotões”, como recomenda Gilberto Nascimento para uma boa reportagem investigativa, que

realmente ajude a mudar alguma coisa: “Não faria nenhuma dessas reportagens se não bebesse

cerveja.” (ROVAI, 2003: 94)

Apesar disso, Kent continua sustentando sua imagem de benfeitor, quando se despede

dos moradores, novamente alimentando expectativas: “Espero que minha reportagem ajude!”

(Os Melhores do Mundo: 65) Essa construção simbólica prossegue com a sua exibição, em três

quadrinhos discretamente posicionados pelo álbum, em que (1) joga uma migalha a um

cachorro, (2) joga uma moeda num cesto de caridade e (3) dá o resto de seu biscoito a uma

pomba branca. (p. 65, 75 e 80)

Por sua vez, Peter Parker fala a respeito de um atribulado dia de trabalho

(Homem-Aranha 100: 14): “Eu gosto de ajudar as pessoas”, referindo-se às capturas de

criminosos, “principalmente quando isso me permite vender fotos!” Não se fala na utilidade de

seu trabalho fotográfico para o leitor; sua relação com o fotojornalismo é totalmente capitalista.

O valor de seu trabalho super-heróico “ajudando as pessoas” desvaloriza totalmente o trabalho

como fotojornalista.

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114

O mau desempenho do jornalista nestes casos indica que, como verificamos no total de

histórias analisadas, apesar de brigar com malfeitores e salvar gente inocente, atuando como

policiais e bombeiros (como super-heróis), o jornalismo de Kent e Parker não segue com

eficácia um ideal humanitário, e nem é esse o seu objetivo como tal. Além disso, já vimos

como faz parte das motivações de Clark Kent a possibilidade de denunciar injustiças; esse

paradoxo de suas histórias pode ser explicado pela declaração de Kunczik (1997: 183):

“freqüentemente não há nenhuma relação entre a atitude e as ações”.

Já vimos também, como o poder do jornalista se exerce mais fortemente pelas mãos do

editor; por sorte da sociedade de Metrópolis, Perry White, o editor-chefe de seu jornal mais

importante, o Planeta Diário, é benevolente e faz editoriais promovendo idéias de

solidariedade, como a “A época da boa vontade”. Na história, fica claro o poder das palavras do

editor na primeira página do jornal, influenciando um jornaleiro a compartilhar seu café com

um maltrapilho (Figura 90, abaixo, de Super-Homem 96: 42), entre muitas outras ações de

outros cidadãos.

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12.9 Política e Economia

A cobertura política, que tanta importância tem para os grandes jornais reais, aparece

nas histórias dos super-heróis de maneira a desvalorizar atos dos políticos-celebridades e suas

eleições, como de fato ocorre na vida real. Da mesma forma correspondente ao mundo real, este

é um tema que acaba tendo diversas apropriações por outras áreas, como o mundo das

celebridades e a economia, também de grande importância para os grandes jornais reais.

Veja-se o caso ao

lado (Figura 91, de

Super-Homem 120: 25),

em que a repórter Cat

Grant apropria-se de um

assunto, que Clark Kent

considera genuinamente

“política”, como da área

de especialidade dela, a

coluna social.

Há outras referências da época em que Metrópolis passou por uma grave recessão

econômica: na primeira ocorrência, a repórter Lois Lane cobre um comício político do prefeito

Berkowitz, que se candidata à reeleição, garantindo que é “um navegador experiente” para

conduzir a cidade “através desse oceano turbulento” (Super-Homem 115: 22); algumas

histórias depois, a apresentadora de TV Cat Grant fala na televisão como “desde sua chegada a

Metrópolis, Luthor tem ajudado o governo e o empresariado!” (Super-Homem 122: 20)

Nas histórias do Homem-Aranha, assuntos financeiros só aparecem quando é possível

um roubo, como na “transferência milionária de ações” que Robertson coloca na primeira

página do Clarim, influenciado pelo Aranha (A Teia do Aranha 10: 54-55).

É importante observar como os políticos sempre são tratados de maneira negativa,

como parece ser a tendência também no jornalismo real, como relata Kunczik (1997: 100):

“Essa atitude basicamente hostil para com o Estado, da parte de muitos jornalistas,

possivelmente está fundamentada em certos conceitos de um Estado baseado na coerção”,

mesmo, como diz o autor, não havendo mais esse tipo de governo de “poder absoluto”, nem nos

Estados Unidos, nem na Europa Ocidental.

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Desta maneira, completa Kunczik (1997: 177-178): “tem-se acusado o jornalismo

norte-americano, em particular, de maior agressividade e ao mesmo tempo de maior

irresponsabilidade”, já que “por trás de qualquer história suspeita-se um escândalo, pelo menos

uma espécie de mini-Watergate. Não se percebe inicialmente o positivo, sempre se conta com o

pior.” Assim, “desenvolveu-se no jornalismo a premissa de que ele parece ser bem-sucedido

quando mina sistematicamente a confiança do público em suas instituições e líderes”.

Essa visão negativa dos políticos já aparece desde a primeira versão do Super-Homem,

em que Clark Kent segue para Washington, capital dos Estados Unidos, sem motivo aparente

de início; até encontrar um senador corrupto, ligado a um fabricante de armas (Coleção Invictus

4: 36). No caso de Lois Lane, ela aparece visivelmente entediada diante dos discursos políticos

que presencia, desvalorizando-os, desde durante o caso mencionado do prefeito de Metrópolis

em campanha; até, numa história mais recente, durante a cobertura de um discurso do então

presidente Lex Luthor (Superman 1: 55). Ver, na Figura 92, abaixo, como o fotógrafo Jimmy

Olsen, colega de Lane, interpreta a situação como geradora de boas notícias apenas quando um

monstro invade os arredores da Casa Branca.

É digno de

nota que Lex

Luthor, o mais

consagrado vilão

das histórias do

Super-Homem, e

mesmo assim

conseguiu o mais

importante cargo

político dos

Estados Unidos.

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Peter Parker, assistindo à TV, angustiado, ironiza o anúncio de um boletim especial:

“Extra! Vai ver, algum político espirrou! Saúde!” (A Teia do Aranha 10: 37) Na única menção

feita ao noticiário político na história, ele é desprezado. Ressalta-se seu lado de cobertura de

banalidades individuais dos políticos-celebridades. Ainda assim, o fato é que, como de costume

nas histórias, o noticiário era policial, a respeito de uma onda de assaltos.

O governo é representado como injusto, e a guerra contra ele é fundamental em algumas

histórias. Como escreve Kunczik (1997: 45), é o jornalista tentando se contrapor ao

governo, como Quarto Poder. Há, por exemplo, uma reportagem que fazem Peter Parker e o

repórter Ben Urich, ambos do Clarim Diário, sobre o assassinato de Armando Ruiz, um

imigrante refugiado político (Homem-Aranha 103: 52), concluindo que a cobertura do caso

deve manter uma família a salvo, apesar das ações injustas da Imigração dos EUA, que se apóia

na lei oficial.

A única vez em que se percebe um posicionamento mais crítico

do jornalista protagonista em relação ao usual ataque desenfreado aos

políticos é num caso em que Peter Parker, num momento inspirado,

desconfia de uma manchete de um jornal desconhecido, que provaria

que um dos candidatos é financiado pela Máfia (O Homem-Aranha

151: 6-7): “Sujeira de um candidato à presidência! Documentos serão

liberados hoje!” Veja a Figura 93, ao lado.

Já em outra ocasião, o editor J. Jonah Jameson, do Clarim

Diário, ataca as ações de um grupo terrorista contra o capitalismo: uma

certa Frente de Libertação Popular, a FLP (A Teia do Aranha 39: 28).

Mas sofre conseqüências graves: o grupo seqüestra e tenta matar o

editor, que, desesperado, desabafa diante deles: “Cada palavra que eu

escrevi sobre a FLP era a absoluta verdade... e, se meus editoriais

abriram os olhos de uma só pessoa pro seu tipo sórdido de terrorismo,

estou satisfeito!”

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13 FUNÇÕES E MEIOS JORNALÍSTICOS

13.1 Direção e hierarquia A relação entre o repórter Clark Kent e o diretor de TV Morgan Edge, seu chefe entre as

décadas de 1970 e 1980, foi bem difícil, com abuso recorrente da autoridade, colocando o

repórter em situações angustiadas e humilhantes. Dois exemplos de destaque são quando Edge

lhe joga uma baforada de fumaça de charuto na cara (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 47) e na

ocasião em que o editor manda Kent ler ao vivo um editorial atacando o Super-Homem, como se

pode ver na Figura 94, abaixo (Super-Homem 6: 10).

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119

Para o fotógrafo

Peter Parker, no

Clarim Diário, esse

tipo de situação é

normal e praticamente

eterna. A relação entre

ele e o seu editor J.

Jonah Jameson é

extremamente azeda,

um gritando para o

outro, o editor Jameson

zombando de Parker e este batendo a porta na saída (A Teia do Aranha 10: 21). Um interessante

elemento que simboliza o distanciamento do superior hierárquico é o fato de seu primeiro nome

permanecer para todos um mistério, inclusive para o leitor. Destacam-se, ao invés disso, os seus

sobrenomes, denotando, assim, sua “importância”. Veja a Figura 95, abaixo (Grandes

Encontros Marvel/DC 1: 44). Já quanto ao problema de Parker sempre colaborar para

massacrar a sua própria identidade de super-herói, ele parece conformado.

J. Jonah Jameson gaba-se arrogantemente de ser chefe e dono do Clarim Diário,

inclusive em discussão com o editor a ele subordinado Joe Robertson, sempre respondendo

argumentos com ameaças econômicas: “Cuidado com o que fala, Robertson... Eu é quem pago

o seu salário! E, se estou dizendo que o Aranha matou Osborn, não duvide!” Por sua vez, o

próprio Robertson, na ausência do chefe, justifica esse procedimento como uma “parte do

negócio”, um “jeito de ser do editor”, generalizando a maneira de Jameson tocar o jornal.

Defende o chefe aparentemente por amizade e corporativismo, apesar de tentar manter sua

integridade jornalística (A Teia do Aranha 24: 4). Nesse contexto, é curioso como um simples

freelance como Peter Parker sempre se reporte quase sempre a Jameson, presidente do jornal.

Também chama atenção a presença de Jameson tanto num evento de exposição de obras

valiosas como em outro de transferência de ações (A Teia do Aranha 10/3). O lugar dele é na

redação, coordenando os repórteres, pautas, etc., não no local da ação, vigiando os repórteres.

Esse deslocamento do coordenador, no entanto, também aparece no mundo do Super-Homem

quando, apesar de Morgan Edge colocar Clark Kent como âncora e coordenador da cobertura

sobre um monstro na cidade, este não pode cumprir a função porque age como super-herói, na

rua (Grandes Encontros Marvel/DC 2: 12).

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120

Já a relação entre os repórteres Clark Kent e Lois Lane, o fotógrafo Jimmy Olsen e o

editor Perry White, no Planeta Diário, é amistosa, sendo a equipe considerada uma verdadeira

família, passando até o Natal juntos (Os Melhores do Mundo: 100) e todos torcendo, também

juntos, pelo Super-Homem. Haveria, para Kunczik (1997: 158), “uma auto-seleção nas

empresas, na medida em que os jornalistas potenciais solicitam emprego nos meios de

comunicação cujos pontos de vista básicos correspondem às suas próprias opiniões”.

Especialmente no caso de Clark Kent e Perry White, há alguns problemas casuais,

devidos às constantes escapadas e sumidas do repórter para agir como Super-Homem, o que

leva o editor White a soltar até um trocadilho com o nome do jornal: “Onde se meteu, Kent? O

Planeta é diário... mas você pensa que é semanal!” (Super-Homem (pós Zero Hora) 27: 7) Mas

a relação amistosa predomina, mesmo quando o repórter resolve sair do jornal, já que o editor

lhe trata de maneira paternal, como se vê na Figura 96, abaixo (Super-Homem 96: 34).

Na mesma conversa, Perry White mostra um certo arrependimento por ser editor e não

mais repórter: “Sabe, eu desisti de fazer reportagens pra ficar sentado atrás de uma mesa! E

garanto que não há emoção igual a cavar uma história!” White faz uma referência ao “trabalho

jornalístico ‘genuíno’, de investigação, de redação e de edição”, que, lamenta Kunczik (1997:

17), “praticamente já não existe mais”, porque “não raro os jornalistas, graças ao seu bom

desempenho, são promovidos a postos onde já não podem utilizar suas habilidades

jornalísticas”. Na versão atual do Super-Homem, essa foi a única vez em que ele assumiu um

cargo de chefia, na revista Newstime, de maneira autoritária, afetado por uma entidade

alienígena. Na primeira versão, na década de 1940, Kent já havia chegado a chefe do Planeta

Diário, substituindo Perry White, de acordo com a Wikipédia.

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13.2 Repórter Podemos ver no repórter Clark Kent original um procedimento de reportagem a se

criticar: usa, de maneira crédula e como fonte única, um preso que acabou de conhecer

(Coleção Invictus 4: 12), que coloca a culpa em outra pessoa. Também se fala em

“informação”, que é logo passada ao editor. Tudo isso denota falta de desconfiança jornalística,

ainda mais considerando que a fonte é interessada e não tem provas.

Em outra ocasião, na mesma revista, investigando um acidente (Figura 97, abaixo, de

Coleção Invictus 4: 75), a postura jornalística de Clark Kent é bem melhor. Aparece como um

legítimo jornalista entrevistador com seu bloquinho de anotações, buscando os dois lados da

história, como manda o Artigo 14 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros: “Ouvir

sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não comprovadas,

feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas” (GOMES, 2004: 38).

Primeiro, entrevista uma vítima com

relativismo, perguntando sobre a opinião dela. O

homem, de cama, conta das condições precárias em

que trabalhava. Clark traduz em outras palavras o que

ele diz, deduzindo as causas do problema: “Quer dizer

que o proprietário da mina não se importou com a

condição de perigo?”

Já o dono da mina põe a culpa do acidente na

vítima. Mas a dúvida é esclarecida pelo caráter

irresponsável do proprietário, evidenciado na resposta:

“A mina está em boas condições! Mas e se não

estivesse? Que importa? Sou um homem de negócios!”

Este foi um caso raríssimo de utilização do

bloco de anotações. Normalmente, Clark Kent só usa

ouvidos e memória para se lembrar das informações

apuradas. Percival de Souza (ALMEIDA, 2003: 48) admite esse recurso: “Conversar sem

gravar ou anotar, memorizando o máximo possível”, é um artifício “perfeitamente aceito”. De

fato, há entrevistados que se incomodam com gravador ou anotações, e a ausência dos

instrumentos pode deixá-los mais à vontade. Mas isso dificulta a precisão do texto a se

escrever depois. Assim, por outro lado, a repórter Lois Lane usa com um pouco mais de

freqüência o bloco de anotações, apesar de ainda ser pouco.

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122

Clark Kent parece, assim, ter uma memória

fotográfica, já que a maior parte de suas apurações é feita

enquanto ele está atuando como Super-Homem. De

qualquer maneira, deveria escrever seu texto depois, mas a

cena como à direita (Figura 98) não aparece com a

freqüência que se esperaria, dada a importância do ato da

escrita para o repórter de texto. Podemos considerar que

esteja em vigor o que diz Anatol Rosenfeld (1970: 46), que

as narrativas de ficção enfatizam possibilidades que a vida do leitor dificilmente permitiria.

Assim, como qualquer um pode escrever um texto, isso não costuma ser narrado.

Lois Lane mostra uma postura

importante para o jornalista, que é a

insistência, por exemplo, ao pressionar e

cobrar respostas do Super-Homem, que

alega não ter tempo para entrevistas,

como se vê na Figura 99, ao lado

(Super-Homem 102: 33).

Essa característica também

aparece em Clark Kent, como quando

está atrás de informações sobre a ligação

de um gerente de orfanato com o

empresário Lex Luthor. O repórter,

impassível, espera por várias horas e

representa uma grande dor de cabeça para um funcionário de Luthor: “Quantas vezes vou ter

que repetir, Kent? Sai daqui!” (Os Melhores do Mundo: 68) Clark Kent segue o ricaço Luthor

por onde quer que ele vá. É grude, típico do jornalista. Pega de surpresa o seu acompanhante,

perguntando ao conhecido por que voltou à cidade, ao que este responde vagamente sobre

“negócios particulares” e o empresário manda expulsar o repórter. Luthor apela pelo direito à

privacidade, considerado no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, artigo 9º, item g (apud

GOMES, 2004: 77-78); mas Kent deve pensar em algo como a “obrigação social” de “prestação

de informações pelas instituições públicas, privadas e particulares, cujas atividades produzam

efeito na vida em sociedade”, constante do artigo 4º do mesmo código.

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123

13.3 Fotojornalista

Na Figura 100, à direita, (A Teia do Aranha 10: 40),

Peter Parker vale-se mesmo de suas habilidades

extraordinárias para produzir uma legítima cobertura

fotojornalística de um acontecimento criminoso, buscando

um malfeitor e sorrateiramente tirando uma foto dele no

flagrante, cometendo um furto de diamantes. Depois disso, o

Homem-Aranha age como super-herói, capturando o

criminoso. Ele é de fato dois personagens ao mesmo tempo,

com duas funções, e precisa conciliar as duas.

Peter Parker age rotineiramente como Aranha para

evitar tragédias; mas, como fotojornalista, ele é remunerado

e sobrevive com as notícias que ele mesmo produz como

herói. Se ele não agisse como super-herói e se contentasse

em ser só fotógrafo, ainda haveria notícias, mas notícias

negativas, de mortes e tragédias. Assim, Peter Parker pensa

em sua responsabilidade como possuidor de super-poderes:

de acordo com a ética utilitarista, ele é obrigado a continuar

como super-herói, para que possa promover o “maior bem

comum” (ROBICHAUD, 2005: 175). Desta forma, pode

alterar o rumo dos acontecimentos e noticiar no final apenas

notícias positivas.

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124

É muito difícil encontrar o

Homem-Aranha utilizando os seus

super-poderes exclusivamente para o

trabalho fotojornalístico investigativo

e de denúncia, deixando a justiça para

ser feita pela polícia. Mas, no quadro à

esquerda (Figura 101, Homem-Aranha

147: 3) ele faz isso, buscando fotografar

um criminoso e fugindo não por não ter

condições de enfrentá-lo, mas por

acreditar que, neste caso, como o

bandido atua nos limites da lei, ele não

deve interferir diretamente.

Nesta matéria, o repórter fotográfico faz

dupla com Ben Urich, que o parabeniza e discute os

impactos de seu trabalho (ver Figura 102, à direita).

É a questão da parceria, que deveria sempre existir

entre os profissionais, como diz Firmo (apud

VIEIRA FILHO, 1991: 143): “Os dois precisam

conversar, às vezes uma frase na pauta da matéria dá

uma infinidade de possibilidades ao fotógrafo, e a

partir da visão que o fotógrafo adquire sobre a pauta

o repórter também recebe outro leque de

informações e possibilidades.”

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Mesmo assim, nesse caso cada um desenvolveu seu trabalho separadamente; Isabel

Travancas (1993: 24) diz que é com o fotógrafo que o repórter vai para a rua no carro do

jornal. Sobre esta situação, apresentamos dois casos.

No primeiro, Peter

Parker é enviado a uma

investigação com Betty Brant,

sua primeira namorada, nesse

momento começando a carreira

de repórter. Mas Parker, como

profissional individualista que

é, para que possa usar seus

super-poderes quando quiser,

sai do carro de reportagem e se

separa dela. Ver Figura 103,

acima, à esquerda

(Homem-Aranha 132: 29).

É uma aplicação do que explica Mayra Gomes (2004:

49), baseada em Foucault, “a individuação permite um olhar

mais incidente, um exame do detalhe, um levantamento das

circunstâncias de contrapoder e, portanto, de seu controle”.

O segundo caso é o da dupla de Parker com o novo

repórter do Clarim Diário Ken Ellis (A Teia do Aranha 102:

36-37, Figuras 104, à esquerda e 105, na página seguinte).

Este exemplo foi ainda mais difícil de encontrar, já que Peter e

o repórter vão com o carro da reportagem e trabalham juntos,

na medida do possível, apesar da “arrogância” que Parker vê

no repórter, voltando juntos posteriormente, discutindo o que

cada um conseguiu.

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É importante reparar que, na maioria das histórias do Aranha, o repórter de texto mal

aparece: é como se bastassem as fotos para se despachar uma reportagem de primeira página,

sem a necessidade do trabalho de apuração do repórter de texto.

13.3.1 Qualidade

Também se note que, na Figura 105, à direita (A Teia

do Aranha 102: 37), Aranha/Parker ajusta o foco manual de

sua máquina. É uma das únicas vezes em que podemos ver

essa postura e atitude típica de fotógrafo profissional nas

histórias analisadas. Quase sempre, Peter Parker tira as fotos

com tudo no automático, o que comprometeria a qualidade

de suas imagens.

Essa idéia encontra respaldo na crítica que outro

fotógrafo faz das fotos de Peter: nota a falta de segurança nas

composições, além de as fotos nunca seguirem a clássica regra

dos terços (Homem-Aranha (Panini) 29: 78-79). Peter

responde que

“não é artista”,

só fotografa

pra pagar as contas... “Sou mais do tipo

mira-e-dispara”, completa.

Ou seja, Walter Firmo (VIEIRA

FILHO, 1991: 144) o classificaria como

fotojornalista “com dois revólveres na cintura”,

que sai atirando, ao invés de fazer a mira e

acertar o que quer. Esse tipo de fotografia

impulsiva parece funcionar em seu mundo, já que as fotos de Peter Parker têm uma “qualidade

intrínseca” e “representam a confluência perfeita de arte, ciência e história”, como admite o

fotógrafo concorrente. Para cada uma delas, “homem e máquina se uniram para capturar uma

única imagem que definisse todo o dia”.

De qualquer maneira, fotos de Peter Parker como a da Figura 106 (Homem-Aranha

(Panini) 29: 95, acima, à esquerda), seguem, sim, a regra dos terços referida pelo personagem

Jeffrey Hodjo, uma técnica que consiste em dividir imaginariamente o espaço da imagem com

duas retas verticais e duas horizontais e posicionar os elementos onde as retas se cruzam.

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Numa das raras ocasiões em que Peter Parker fotografa manualmente, à distância, sem

usar seus poderes e sem uniforme (porque seus colegas não desgrudavam dele), as fotos que

consegue não agradam nem um pouco J. Jonah Jameson (Homem-Aranha Anual 8: 14). O

chefe as chama de “entediantes”, e que “não têm os ângulos incríveis” que ele costuma usar.

Uma explicação que podemos encontrar para isso é, principalmente, porque Parker tirou as

fotos como um fotógrafo comum, do

chão, no meio da multidão, não há nas

imagens o Homem-Aranha, seu

assunto exclusivo, e ele e tirou as

fotos desmotivado, atrapalhado pela

presença do colega Flash Thompson.

Quanto ao fotojornalista

Jimmy Olsen, do Planeta Diário, o

caso é outro. Podemos dizer que sua

foto selecionada para a capa da revista

Newstime (Figura 107), mereceria,

provavelmente um elogio de Roland

Barthes, que criticava “fotos-choque”,

que seriam elaborações exageradas do

horror que nos propõem. Analisa-as

Roland Barthes (1993: 67-69):

“Falta-lhes simultaneamente o

escândalo da literalidade e a verdade

da arte; o erro foi querer

transformá-las em signos puros, sem

consentir em proporcionar pelo menos

a esses signos a ambigüidade, a

distanciação de uma espessura.”

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13.3.2 Super-câmera

É regra geral, na rotina de trabalho do Homem-Aranha, ele utilizar sua câmera

automática, para que possa lutar como super-herói ao mesmo tempo em que registra suas

ações-notícias. E não é porque ele usa esse modo automático que não precisa de um bom senso

de fotografia: já no início de sua carreira (em Homem-Aranha Anual 8: 16), percebe-se como

ele fixa a câmera em local estratégico (no alto, protegida e para fotos com ângulo diferenciado),

mira para o local provável da ação, ajusta o foco, prevendo a distância provável em que a ação

transcorrerá e ativa o modo automático.

Em anos posteriores, o herói utilizará um disparador automático para bater fotos a cada

dez segundos (Grandes Encontros Marvel/DC 1: 22) e um “microtransmissor” na fivela de seu

cinto (Figura 108, abaixo, Homem-Aranha 100: 14-15, remontagem).

Situações tecnicamente absurdas aparecem no dia-a-dia

do Homem-Aranha fotógrafo. A principal é a distância muito

grande da qual as fotos são tiradas; no exemplo à esquerda

(Figura 109, de Homem-Aranha Anual 8/5), o herói conseguiu

fotos de uma ação ocorrida na rua, com uma câmera simples

fixada no alto de um prédio,

sendo que seria necessária

uma teleobjetiva para isso,

como o modelo 300 mm,

acima, à direita (Figura 110).

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Em outro caso (Figura

111, de Homem-Aranha 115:

53), o desenhista, de maneira

rara, enfim consegue acertar no

tamanho adequado da objetiva.

No entanto, peca-se pelo

ângulo da imagem que o

Homem-Aranha vê pelo visor

da câmera, pois, embora o

super-herói-fotógrafo esteja no

alto, o seu ângulo de visão (e de

produção de imagens) é

representado como se ele

estivesse no mesmo plano

horizontal do alvo!

Notar também nos

quadrinhos acima como o

Homem-Aranha analisa criticamente sua desvantagem em relação ao fotógrafo concorrente,

que está colado ao astro da festa –, da mesma maneira que faria Robert Capa: “Se sua fotografia

não é boa, é porque não estava suficientemente perto!” (SOUSA, 2004: 38).

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130

13.4 Rádio e TV Notar que o rádio e a TV sempre são utilizados pelos próprios profissionais da imprensa,

como Jameson, Parker, White e Kent, para saber dos acontecimentos a cobrir. Esses veículos

sempre estão na frente. Apesar disso, os alter-egos de super-heróis não atuam nesse meio de

maneira definitiva: nem Parker nem Kent, ou outro de destaque.

Na TV, Clark Kent atua somente durante os anos de 1970 e 1980, na TV Galáxia. O

curioso é que ele atuava sozinho, sem a equipe que Travancas (1993: 40) descreve normal para

esse meio jornalístico: “para a televisão tudo será bem mais difícil, pois, além do repórter,

haverá três pessoas envolvidas na transmissão, a lidar com fios e aparelhagem pesada”.

Até Jimmy Olsen, apresentando-se com seu nome real, James Olsen, já participou

algumas vezes como repórter de TV, no fim da década de 1990. No rádio, contudo, não há

nenhum personagem abordado pelas histórias analisadas.

O principal representante do jornalismo de televisão nas histórias analisadas não é

super-herói, mas a repórter, apresentadora e colunista Cat Grant, especializada em coluna

social. Como vimos, é um tema bastante abrangente nas histórias de nossos super-heróis, o que

a deixa livre para cobrir boa parte dos acontecimentos nelas.

De particular expressão é

o encontro entre Tana Moon,

futura repórter da TV Galáxia; e o

novo super-herói Superboy, clone

do Super-Homem (Figura 112,

de O Retorno do Super-Homem

1: 59).

O último comentário do

super-herói de estilo adolescente

se encaixa bem na conclusão de

Travancas (1993: 39): “Um

repórter de TV se diferencia de

um de jornal ou rádio

basicamente pela aparência”.

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13.5 Jornalismo digital A ocorrência desta

categoria jornalística nas

histórias indicaria sua fina

atualidade, em coerência

técnico-dinâmica com o século

XXI, já que foi só em 1995 que

o jornal estadunidense The

Wall Street Journal e o

brasileiro Jornal do Brasil

lançaram suas versões na

internet, de acordo com

Pollyana Ferrari (2003:

111-112).

O jornalismo na internet

de fato aparece por algum

tempo no mundo do

Super-Homem, em histórias

publicadas por volta de 2000, por meio do site noticioso Lexcom. Apesar de, em uma página,

como recurso de abertura da história, aparecerem hiperlinks, recursos característicos da

internet, como se vê à direita (Figura 113, de Super-Homem (pós Zero Hora) 43: 3), as

peculiaridades do trabalho jornalístico digital não são tratadas na trama. Trabalha-se com

problemáticas comuns à da mídia impressa, como a censura aos textos de Lois Lane, por ela

produzir matérias que não agradam ao chefe, Lex Luthor (Super-Homem: O Homem de Aço 14:

39). A novidade é que a consagrada repórter das histórias do Super-Homem trabalha para o

consagrado vilão.

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Já as histórias do Homem-Aranha

só apresentam essa categoria virtual na

versão “Millennium”, de cronologia

independente. Nelas, o Clarim Diário

ganha sua versão online, o

ClarimDiário.com, como se vê à

esquerda, em história de 2003 (Figura

114, de Marvel Millennium 48: 10). Nesta

nova versão, Parker é webdesigner da

publicação, mas nunca aparece

produzindo ou editando o site, nas

histórias analisadas.

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13.6 Assessoria de imprensa

A assessoria de imprensa aparece raríssimas vezes

nas histórias; só temos notícia de que a repórter Cat Grant

acabou recentemente alcançando o “alto cargo de secretária

de imprensa do presidente Lex Luthor”, segundo Scott

Beatty (2002: 33). Ou seja, aqui a função parece ter um

destaque como status.

É mesmo diferente o trabalho dos assessores,

“porta-vozes patronais que se responsabilizam pelo

trabalho de relações públicas de uma organização”, como

diz Kunczik (1997: 17). Para o autor, apesar de esse não ser

considerado um “jornalismo genuíno”, é “jornalismo

subsidiário” (1997: 56-57).

No entanto, na única ocorrência desse trabalho que

encontramos nas histórias analisadas, a assessoria acaba

sendo tratada da maneira tradicional, como um

não-jornalismo, como pensa Marcos Sá Corrêa (apud

VIEIRA FILHO, 1991: 40-41). Para ele, quando o

indivíduo vai ser assessor de um candidato na política, por

exemplo, não vai como jornalista; “por um momento ele

está exilado daquele meio para outra função”. Veja-se, por

exemplo, o caso ao lado (Figura 115), em que Clark Kent

critica o trabalho da assessoria de imprensa da empresa de Lex Luthor, ainda não presidente (Os

Melhores do Mundo: 79). Mas Chaparro (1994: 67-68) já chamava a atenção para assessorias

competentes, como a da empresa Rhodia, que, desde 1985, profissionalizou sua assessoria,

contando inclusive com a adoção de critérios éticos.

E se analisarmos profundamente os super-heróis jornalistas, poderemos verificar que

eles são, na verdade, os perfeitos assessores de imprensa deles mesmos. Isso fica evidente em

um desabafo do Super-Homem para a colega super-heroína Mulher-Maravilha, a respeito do

primeiro furo de Clark Kent para o Planeta Diário (pela versão atual): ele conseguiu “a

cobertura completa sobre o Super-Homem”, que Lois Lane “tão obstinadamente tentava obter”

(O Retorno de Lois Lane: 11). Kent se justifica dizendo que “não foi para me vangloriar que fiz

aquilo... eu queria controlar o que o público ia saber sobre o Super-Homem.”

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Considerações finais Esperávamos, inicialmente, que os jornalistas-super-heróis Super-Homem e

Homem-Aranha, por estarem vinculados à tradição heróica que remonta desde a Idade Antiga,

com seus heróis gregos, passando pelos cavaleiros medievais; refletissem também uma faceta

heróica em seu lado jornalista. Não é o que ocorre, no entanto, já que, devido aos seus

super-poderes e suas conseqüentes responsabilidades auto-determinadas eticamente, tais

personagens acabam por negligenciar as atividades “normais jornalísticas”.

Entendemos, no entanto, que esses as narrativas de ficção enfatizam mesmo

possibilidades incomuns, e é por isso que não se encontra a ação jornalística privilegiada, mas

sim a super-heróica. Os personagens se valem do tradicional discurso jornalístico para

cumpri-lo como super-heróis. No entanto, eles não só fazem essa conversão, como, também,

quase sempre realizam a devida cobertura jornalística de seus próprios feitos heróicos, atuando

como assessorias de imprensa infiltradas nos jornais. Esse fenômeno acaba por, secretamente,

cumprir o corporativismo observado por Travancas (1993: 71), de que “é freqüente que fatos

atingindo jornalistas cheguem facilmente ao conhecimento do público”, ao contrário do que

ocorre com outras profissões.

Apesar de Clark Kent, identidade secreta do Super-Homem, por exemplo, até ser

envolto por todo um discurso “heróico jornalístico”, tido como bem-sucedido, nobre e famoso,

sendo reconhecido e sustentando expectativas de que os ideais jornalísticos seriam cumpridos

por um bem à humanidade, na prática profissional esse papel não é cumprido. Isso nos leva a

responder afirmativamente à questão de Vieira Filho (1991: 113): “O Clark Kent não seria a

personificação do super-homem frustrado?” Sim, Kent representa um profissional em eterna

contradição consigo mesmo. Nem mesmo aparece com freqüência atuando como jornalista,

função cumprida verdadeiramente pela sua parceira repórter Lois Lane. Isto se deve à sua

onipotência como Super-Homem, que acaba subjugando a identidade normal.

No caso de Peter Parker, identidade secreta do Homem-Aranha, ele nem se

compromete, em discurso, com o cumprimento de qualquer tipo de ética profissional dos

jornalistas, interessando-se assumidamente apenas pelo dinheiro decorrente do seu trabalho, o

que chegaria até a horrorizar muita gente que pensa no jornalismo como o meio de colocar em

prática nobres ideais. Ao menos, ele não entra em contradição nesse sentido ético/heróico

jornalístico. O jornalismo para Parker é mesmo encarado somente como um “emprego”, como

algo transitório, que se cumpre principalmente por motivos econômicos. Por isso, o jornalismo

não chegaria a ser uma “profissão” para ele.

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No entanto, surpreendendo o senso comum de que Peter Parker “nem é jornalista”, o

personagem até acaba produzindo, por mínimos que sejam, alguns resultados sociais positivos

por meio de suas reportagens fotojornalísticas e tem uma atuação evidente, no mundo do

jornalismo, ao menos mais freqüente que a de Kent. Apesar disso, Parker promove uma visão

deturpada e “celebrizante” do mundo com as suas fotografias.

Nossa análise se efetiva melhor, no entanto, se levarmos em consideração uma ética

universalista e uma teoria utilitarista do “bem maior” aplicada aos super-heróis. Eles,

freqüentemente, utilizam seus super-poderes para a realização de reportagens, o que lhes dá

uma grande vantagem no competitivo mundo jornalístico. Simultaneamente, aproveitam-se da

estrutura e recursos dos jornais e da condição de serem jornalistas para os auxiliarem como

super-heróis. O papel humanitário deles não fica limitado ao jornalismo, mas o transcende.

É interessante também perceber como, apesar de Clark Kent ser identificado como um

verdadeiro e universal símbolo do jornalismo, ele, assim como Peter Parker, não representam

integralmente a profissão. Eles mesmos são tidos como jornalistas modelos e celebridades, mas

são poucos os jornalistas reais nesta categoria; ficam concentrados na editoria de Cidades, e não

há só esta editoria, mas pelo menos seis, pelo que considera Travancas (1993: 25); e na

cobertura de suas próprias celebridades-super-heróicas, como repórteres de jornal impresso

(Parker como repórter fotográfico).

Apesar das variações e diferentes versões dos personagens produzidas, é esta a idéia

essencial de jornalismo passada, que converte os assuntos mais importantes dos grandes jornais

de seu mundo, de Política e Economia, para assuntos mais populares. Mesmo nessa realidade

alterada, devemos discordar do observado por Pereira (2003: 18) em relação aos filmes de

jornalistas, de que “não se entra no mérito das questões de produção de notícias”; nas histórias

em quadrinhos, pudemos identificar diversas situações delicadas, que envolvem profundas

análises éticas. Além disso, categorias usualmente tidas como desfavorecidas pela sociedade,

como as mulheres e os negros, acabam sendo, com freqüência, bem valorizadas nas histórias,

servindo como modelos de competência e ética.

O caso da repórter negra Tana Moon, que teve algum destaque nas histórias do

Super-Homem na década de 1990, representa um amálgama desta discussão, com a personagem

demonstrando esperteza e escalada meteórica de cargo. Mas suas atitudes éticas foram

ambíguas, como identificamos a regra geral no caso da “objetividade jornalística”. Nas

histórias, esta norma aparece mais como discurso, sem ser levada muito em consideração na

prática. É privilegiado mesmo o fator emocional e parcial do jornalista, inclusive em altos

postos de comando, como um importante recurso narrativo e expressivo para as histórias.

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142

Referências de histórias em quadrinhos

Ao longo desta monografia, foi utilizado este procedimento para nos referir às páginas

de revistas em quadrinhos: “Super-Homem 107: 128” significa “revista Super-Homem nº 107,

página 128”. Em alguns casos, quando não está disponível a página, citamos a história, já que

costuma haver mais de uma por edição, nas publicações no Brasil: “A Teia do Aranha 51/3”

significa “revista Teia do Aranha nº 51, terceira história”. Foram utilizadas publicações

principalmente da Editora Abril, algumas da Editora Panini e duas da Nova Sampa Diretriz,

praticamente todas adaptações brasileiras de lançamentos da DC e Marvel Comics, nos Estados

Unidos. Apenas uma mini-série foi utilizada de uma publicação direta da DC.

Nestas referências de quadrinhos, os anos entre colchetes são os de lançamento das

publicações: o primeiro ano, do lançamento original nos EUA, o segundo, de lançamento da

revista consultada no Brasil. O total de revistas referenciadas sobre Super-Homem e

Homem-Aranha foi de 74; somente com o Super-Homem, 42; somente com o Homem-Aranha,

30; especiais juntando ambos os personagens, 2; e revistas com outros personagens, 8.

Títulos do Super-Homem:

Coleção Invictus (Nova Sampa Diretriz) – 1 edição: 4 [fim da década de 1930/1993].

Superamigos (Abril) – 1 edição: 36 [1987/1988].

Super-Homem (Abril) – 20 edições: 6 [1971/1984], 67, 87, 95, 96, 97, 100-103,

105-107, 113-115, 120, 122, 129, 135, 141 [1994/1996].

Super-Homem (após a saga Zero Hora, recomeçando a numeração na Abril) – 5

edições: 0 [1994/1996], 16, 23, 27, 43 [?/2000].

Super-Homem: o Homem de Aço (Abril) – 2 edições: 7 [?/1999] e 14 [1999/2000]

Superman (Panini) – 2 edições: 1 [2001-2002] e 43 [2005/2006]

Action Comics (Abril) – 1 edição: 1 [1938/1994].

Os Melhores do Mundo (Abril) [?/1991]

A Morte do Super-Homem (Abril) [1992/1993]

Newstime (Abril) [-/1993]

Funeral para um Amigo (Abril): 4 [1993/1994]

O Retorno do Super-Homem (Abril): 1-3 [1993/1994]

Super-Homem Além da Morte (Abril) [1993/1994]

O Retorno de Lois Lane (Abril) [fim da década de 1990/1998]

Superman/Wonder Woman: Whom Gods destroy (DC): 1 [1997/-]

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143

Títulos do Homem-Aranha:

O Homem-Aranha (Abril) – 13 edições: 91 [1986/1991], 100, 103, 115, 124, 127, 128,

132, 135, 139, 140, 147, 151 [?/1996].

A Teia do Aranha (Abril) – 11 edições: 10 [1975/1990], 24, 39, 51, 52, 56, 57, 84, 92,

102, 126 (1999/2000).

Homem-Aranha Anual (Abril) – 2 edições: 1 [1988/1991] e 8 [1996/1998].

Homem-Aranha (Panini) – 1 edição: 29 [2003/2004].

Marvel Millennium (Panini) –1 edição: 48 [2005/2005]

Origens dos Super-Heróis Marvel (Abril): 2

Marvels (Abril): 4 [?/1995]

Edições com ambos os personagens:

Grandes Encontros Marvel/DC (Abril): 1 [1976/1993] e 4 [1979/1993]

Revistas com outros personagens:

Desafio infinito 2. Abril, 1995

EASTMAN, Kevin; LAIRD, Peter. As Tartarugas Ninjas – Sampa Graphic Album

Special. São Paulo: Nova Sampa Diretriz Editorial, 1990.

Marvels. Abril, 1995. v. 1-4

SACCO, Joe. Palestina – Uma nação ocupada. São Paulo: Conrad, 2004.

Sailor Moon nº 1.

Shazam! n. 0. Abril, 1996

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144

Anexo 1: Revistas em quadrinhos consultadas Total de revistas consultadas sobre Super-Homem e Homem-Aranha: 172

Revistas do Super-Homem: 80

Revistas do Homem-Aranha: 90

Revistas especiais juntando ambos os personagens: 2

Títulos periódicos (Super-Homem): 63 revistas

Coleção Invictus (Nova Sampa Diretriz) – 2 edições: 4 [fim da década de 1930/1993] e

10 [década de 1960/1994].

Superamigos (Abril) – 1 edição: 36 [1987/1988]

Super-Homem (Abril) – 39 edições: 1 [1983/1984] a 8, 65-70, 87, 94-107, 113-115, 120,

122, 129, 135, 138, 141, 145 [1994/1996].

Super-Homem (após a saga Zero Hora, recomeçando a numeração na Abril) – 10

edições: 0 [1994/1996], 4, 16, 23, 27-29, 42-44 [1999/2000].

Super-Homem: o Homem de Aço (Abril) – 4 edições: 2 [1998/1999], 7, 8 e 14

[1999/2000]

Superman (Panini) – 7 edições: 1 [2001-2002], 2, 23, 42, 43 [2005/2006], mais dois

números.

Edições especiais (Super-Homem): 17 revistas

Action Comics (Abril) – 1 edição: 1 [1938/1994].

Os Melhores do Mundo (Abril) [?/1991]

A Morte do Super-Homem (Abril) [1992/1993]

Newstime (Abril) [-/1993]

Funeral para um Amigo (Abril): 1-4 [1993/1994]

O Retorno do Super-Homem (Abril): 1-3 [1993/1994]

Super-Homem Além da Morte (Abril) [1993/1994]

O Retorno de Lois Lane (Abril) [fim da década de 1990/1998]

Superman/Wonder Woman: Whom Gods destroy (DC): 1-4 [1997/-]

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Títulos periódicos (Homem-Aranha): 85 revistas

O Homem-Aranha (Abril) – 34 edições: 91 [1986/1991], 100, 103, 115, 124-128,

132,135-147, 151-153, 157, 169, 173, 174-175, 183, 186 e 188 [1997/1999].

A Teia do Aranha (Abril) – 19 edições: 10 (1975/1990), 24, 29, 39, 51-52, 56-57, 75, 82,

84, 91-92, 99-100, 102, 105, 108, 126 (1999/2000).

Homem-Aranha Anual (Abril) – 4 edições: 1 [1988/1991], 2, 7 e 8 [1996/1998].

Homem-Aranha (Panini) – 7 edições: 29 [2003/2004] a 34 e 53 [2005/2006].

Marvel Millennium (Panini) – 21 edições: 33 [2003/2004] a 53 [2005-2006]

Edições especiais (Homem-Aranha): 5 revistas

Homem-Aranha – Ano Um (Abril)

Origens dos Super-Heróis Marvel (Abril) 2

Homem-Aranha Millennium (Panini) [2000/2004]

Marvels (Abril): 4 [?/1995]

Aranha Escarlate (Abril) [1995/1998]

Edições especiais (ambos os personagens): 2 revistas

Grandes Encontros Marvel/DC (Abril): 1 [1976/1993] e 4 [1979/1993]

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146

Anexo 2: Imagens utilizadas

Capa: Clark Kent e Homem-Aranha, respectivamente em Super-Homem (pós Zero Hora) 27:

11 e Homem-Aranha 115: 53

Figura 1: Foto de Larry Behnke/ Silver Image, reproduzida de LESTER, 1991: 36

Figura 2: Foto de Don Hornstein/ Cedar Rapids Gazette, reproduzida de LESTER, 1991: 39

Figura 3: Capa do vídeo Cidadão Kane, copiada do site do Instituto Gutenberg:

http://www.igutenberg.org/cinema.html

Figura 4: Capa do vídeo A montanha dos sete abutres, copiada do Instituto Gutenberg

Figura 5: Capa do vídeo Todos os homens do presidente, copiada do Instituto Gutenberg

Figura 6: Capa do vídeo Superman – o filme, copiada do Instituto Gutenberg

Figura 7: Capa do vídeo O jornal, copiada do Instituto Gutenberg

Figura 8: Super-Homem, arte por Alex Ross, imagem extraída do site Superman DC Wiki

Database: http://www.dcdatabaseproject.com/wiki/index.php/Superman

Figura 9: Capa de Marvel Millennium 37 [2004/2005]

Figura 10: Clark Kent e Perry White, em Coleção Invictus 4: 8

Figura 11: Super-Homem, em Coleção Invictus 4: 9

Figura 12: Clark Kent na universidade, em O Retorno de Lois Lane: 10

Figura 13: Classe de Peter Parker, em Homem-Aranha Anual 8: 8

Figura 14: Super-Homem, em Coleção Invictus 4: 8

Figura 15: Perry White, em Super-Homem 135: 37

Figura 16: Peter Parker, em A Teia do Aranha 126: 7

Figura 17: Peter Parker e Jeffrey Hodjo, em Homem-Aranha (Panini) 29: 78

Figura 18: Clark Kent, em Os Melhores do Mundo: 51

Figura 19: J. Jonah Jameson e Joe Robertson, em A Teia do Aranha 24: 24

Figura 20: Perry White, em Os Melhores do Mundo: 76

Figura 21: Repórter Ben Urich, em Homem-Aranha 91: 63

Figura 22: Jameson e diretor de TV Morgan Edge, em Grandes Encontros Marvel/DC 1: 81

Figura 23: Peter Parker, em A Teia do Aranha 10: 21

Figura 24: Jimmy Olsen, em Os Melhores do Mundo: 79

Figura 25: Peter Parker, em A Teia do Aranha 51: 6

Figura 26: Clark Kent, em Super-Homem (pós Zero Hora) 0: 24

Figura 27: Editor Franklin Stern, em Super-Homem (pós Zero Hora) 23: 29

Figura 28: Repórter Lois Lane, em Super-Homem 129: 16

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147

Figura 29: Lois Lane, em Action Comics 1: 9

Figura 30: Lois Lane, em Funeral para um Amigo 4: 25, quadros remontados

Figura 31: Repórter Cat Grant, em Super-Homem Além da Morte: 57

Figura 32: Cat Grant, em Super-Homem (pós Zero Hora) 16: 52-54 – 1996

Figura 33: Repórter Betty Brant, em Homem-Aranha 132: 4

Figura 34: Peter Parker, em A Teia do Aranha 56: 8

Figura 35: Clark Kent e Lois Lane, em Super-Homem 105: 7

Figura 36: Clark Kent, em Superman 2: 8

Figura 37: Livro de Peter Parker, em Homem-Aranha Anual 1: 3

Figura 38: Super-Homem, em Super-Homem 114: 8

Figura 39: Peter Parker e sua esposa Mary Jane, em Homem-Aranha 103: 52

Figura 40: Clark Kent, em Superman/Wonder Woman: Whom Gods Destroy 1: 50

Figura 41: Clark Kent, em Super-Homem 105: 23

Figura 42: Peter Parker e Joy Mercado, em Homem-Aranha 103: 68

Figura 43: Clark Kent, em Super-Homem 97: 7

Figura 44: Clark Kent, em Action Comics 1: 5

Figura 45: Clark Kent, Cat Grant e Jimmy Olsen, em Super-Homem 67: 35

Figura 46: Peter Parker e Joy Mercado, em Homem-Aranha 139: 6-7

Figura 47: Executivo e mendiga entrevistados, em Homem-Aranha 91: 13

Figura 48: Produtores de telejornal, em Homem-Aranha 91: 13

Figura 49: Telégrafo e Clark Kent, em Coleção Invictus 4: 69

Figura 50: Telefone e Lois Lane, em Super-Homem 87: 12

Figura 51: Celular, Lois Lane e Ron Troupe, em Superman 42: 89-90

Figura 52: Rádio e Lois Lane, em A Morte do Super-Homem: 94

Figura 53: Filme fotográfico e Homem-Aranha, em A Teia do Aranha 10: 37-39

Figura 54: Filme fotográfico e Peter Parker, em Homem-Aranha (Panini) 29: 77

Figura 55: Câmera digital, Jimmy Olsen e Super-Homem, em Superman 43: 61

Figura 56: Máquina de escrever de Joe Robertson, em A Teia do Aranha 10: 54

Figura 57: Clark Kent, Alice e máquinas de escrever, em Super-Homem 95: 6

Figura 58: Computador de Ben Urich, em Homem-Aranha 91: 14

Figura 59: Betty Brant, em A Teia do Aranha 92: 20-21 - quadrinhos remontados

Figura 60: Repórter Tana Moon, em O Retorno do Super-Homem 3: 50

Figura 61: Jornal Clarim Diário, em Homem-Aranha 91: 10

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148

Figura 62: J. Jonah Jameson e Joe Robertson, em A Teia do Aranha 52: 7

Figura 63: Perry White, em Os Melhores do Mundo: 133

Figura 64: Super-Homem e Perry White, em Os Melhores do Mundo: 42

Figura 65: Jimmy Olsen, em Super-Homem (pós Zero Hora) 23: 33

Figura 66: Jimmy Olsen e Batman, em Os Melhores do Mundo: 124

Figura 67: Homem-Aranha e Joe Robertson, em A Teia do Aranha 10: 54-55

Figura 68: Nick Katzenberg e Mary Jane, em Homem-Aranha 29: 29

Figura 69: Peter Parker e J. Jonah Jameson, em Grandes Encontros Marvel/DC 4: 64

Figura 70: Clark Kent e Dirk Armstrong, em Super-Homem (pós Zero Hora) 27: 11

Figura 71: Clark Kent e Lois Lane, em Super-Homem 102: 66

Figura 72: Lois Lane, em Super-Homem 115: 48-49 – quadros remontados

Figura 73: Jimmy Olsen, em Super-Homem 141: 33

Figura 74: Sally Avril, em Homem-Aranha Anual 8/3

Figura 75: Homem-Aranha e Abutre, em A Teia do Aranha 126: 12

Figura 76: Homem-Aranha, em Homem-Aranha Anual 8/8

Figura 77: Super-Homem, em Coleção Invictus 4: 55 – quadros remontados

Figura 78: Super-Homem e Lois Lane, em Super-Homem: O Homem de Aço: 7: 18

Figura 79: Lois Lane, em Super-Homem: O Homem de Aço: 7: 14

Figura 80: Vizinhas, em A Teia do Aranha 56: 89

Figura 81: Homem-Aranha, em Grandes Encontros Marvel/DC 4: 5

Figura 82: Homem-Aranha, em Homem-Aranha 115: 57

Figura 83: Homem-Aranha, em Homem-Aranha 124: 7

Figura 84: Super-Homem e Cat Grant, em A Morte do Super-Homem: 16-17 – quadrinhos

remontados

Figura 85: Ron Troupe e Lucy Lane, em Super-Homem (pós Zero Hora) 16: 9

Figura 86: Peter Parker, em A Teia do Aranha 84: 11

Figura 87: Jimmy Olsen, Cat Grant e Super-Homem, em Super-Homem 87: 23 – quadrinhos

remontados

Figura 88: Clark Kent, em Superamigos 36: 13 – quadrinhos remontados

Figura 89: Clark Kent, em Os Melhores do Mundo: 46

Figura 90: Editorial de Perry White, jornaleiro e mendigo, em Super-Homem 96: 42

Figura 91: Clark Kent e Cat Grant, em Super-Homem 120: 25

Figura 92: Lois Lane, Jimmy Olsen, Lex Luthor e Apocalypse, em Superman 1: 55

Page 156: JORNALISMO NAS HISTÓRIAS DE SUPER HERÓISstoa.usp.br/mauriciokanno/files/1307/7388/tcc-mpk.pdf · Jornalismo ao conceito do “herói” e, mais grave ainda, do “super-herói”

149

Figura 93: Peter Parker, em O Homem-Aranha 151: 7

Figura 94: Clark Kent e Morgan Edge, em Super-Homem 6: 10

Figura 95: Peter Parker e J. Jonah Jameson, em Grandes Encontros Marvel/DC 1: 44

Figura 96: Clark Kent e Perry White, em Super-Homem 96: 34

Figura 97: Clark Kent, em Coleção Invictus 4: 75

Figura 98: Clark Kent digita, em Super-Homem 106: 34

Figura 99: Lois Lane e Super-Homem, em Super-Homem 102: 33

Figura 100: Homem-Aranha, em A Teia do Aranha 10: 40

Figura 101: Homem-Aranha, em Homem-Aranha 147: 3

Figura 102: Peter Parker e Ben Urich, em Homem-Aranha 147: 15

Figura 103: Peter Parker, Betty Brant e J. Jonah Jameson, em Homem-Aranha 132: 29

Figura 104: Peter Parker e Ken Ellis, em A Teia do Aranha 102: 36

Figura 105: Peter Parker, Homem-Aranha e Ken Ellis, em A Teia do Aranha 102: 37

Figura 106: Foto de Peter Parker no Clarim Diário, em Homem-Aranha (Panini) 29: 95

Figura 107: Foto de Jimmy Olsen, capa de Newstime

Figura 108: Peter Parker e Mary Jane, em Homem-Aranha 100: 14-15 – quadrinhos

remontados

Figura 109: Homem-Aranha, em Homem-Aranha Anual 8/5

Figura 110: Teleobjetiva, copiada do site Super-Tráfego: http://www.supertrafego.com/

Figura 111: Homem-Aranha, em Homem-Aranha 115: 53

Figura 112: Tana Moon e Superboy, em O Retorno do Super-Homem 1: 59

Figura 113: Hiperlinks, em Super-Homem (pós Zero Hora) 43: 3

Figura 114: Peter Parker, em Marvel Millennium 48: 10

Figura 115: Release de Lex Luthor e comentário de Kent, em Os Melhores do Mundo: 79