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José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br São João del-Rei - Minas Gerais - Brasil MODESTÍSSIMO TRIBUTO À MEMÓRIA DO MAESTRO ALUÍZIO JOSÉ VIEGAS José Antônio de Ávila Sacramento Temos que preservar, mas com consciência do que estamos fazendo. Não simplesmente preservar por preservar, só pra falar que temos documentos antigos. A música só no papel é importante, mas se ela não for audível, ela não é música. (Aluízio José Viegas, entrevista para o Museu da Música de Mariana - MG, abril/2015) É necessário que reconheçamos e que perpetuemos a contribuição do copista, historiador, flautista, violoncelista e contrabaixista, maestro, musicólogo, intelectual e amigo Aluízio José Viegas ao patrimônio histórico-musical são-joanense, mineiro e brasileiro! Diante da grandeza do legado dele, o que vai aqui escrito é quase nada e valerá apenas como uma singelíssima homenagem. Ainda abalado com a morte que lhe ceifou, elaboro estas linhas reportando-me aos conhecimentos advindos do terno convívio e amizade que mantive durante anos com aquele que era meu consultor, e, também, buscando auxílio nas informações contidas na página virtual do Museu da Música de Mariana, editada pelo musicólogo dr. Paulo Castagna (um grande amigo e admirador da personalidade homenageada neste texto). Então, será desta forma que passarei a discorrer um pouco sobre a vida e obra de Aluízio José Viegas, nascido nesta mineira São João del-Rei no dia 26 de março de 1941, sendo o caçula de 12 irmãos criados numa família envolvida com as artes, cultura, política e atividades sociais. Ainda muito pequeno, Aluízio era levado pelo pai às igrejas e festas religiosas, onde acabava envolvido com os sons, com as músicas de coro e de orquestras durante missas, novenas e procissões. Como morador da vizinhança das sedes da Orquestra Ribeiro Bastos e Lira Sanjoanense, ele cresceu prestando atenção nas aulas de iniciação musical e nos ensaios de ambas. Em 1953, começou a trabalhar numa farmácia, e, em 1960, atendendo ao convite do maestro Pedro de Souza, ingressou na Orquestra Lira Sanjoanense, onde se dedicou à prática de orquestra em violoncelo. Posteriormente, devotou-se à flauta e ao contrabaixo. Em 1960, começou suas atividades no arquivo musical da Lira Sanjoanense, inicialmente copiando partes das obras em uso. Em 1963, deu início à montagem de partituras de obras de Manoel Dias de Oliveira, Jerônimo de Souza Lobo, Padre João de Deus de Castro Lobo e Emerico Lobo de Mesquita. No final da década de 1950 e início da de 60, ao tomar conhecimento de que descendentes/herdeiros do acervo particular de Japhet Maria da Conceição estavam a queimar músicas, acendendo fogão a lenha com partituras, com grandes dificuldades financeiras conseguiu adquirir algumas peças remanescentes e, desta forma, livrou preciosidades d'um destino catastrófico. Foi nessa época que Aluízio conseguiu salvar uma partitura manuscrita que continha o autógrafo de Gioacchino Rossini, peça que até então era desconhecida e que depois descobriu-se tratar da "Messa Di Gloria", uma relíquia de grande "pezzo" para a história da música ocidental. Desde o ano de 1963 ele colaborou com diversos pesquisadores e musicólogos, dentre eles Cleofe Person de Mattos, Padre Jaime Diniz Cavalcanti, Adhemar Nóbrega, Olivier Toni, Antônio Alexandre Bispo, Adhemar Campos Filho, Ernani Aguiar, Paulo Castagna... Integrou a equipe da pesquisa "O ciclo do ouro: o tempo e a música no barroco católico", da PUC-RJ. Apoiou fundamentalmente a Cleofe Persson de Mattos nas suas pesquisas em Minas Gerais e, posteriormente, foi convocado pessoalmente pelo alemão Francisco Curt Lange para

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MODESTÍSSIMO TRIBUTO À MEMÓRIA DO MAESTRO ALUÍZIO JOSÉ VIEGAS

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Temos que preservar, mas com consciência do que estamos fazendo. Não simplesmente preservar por preservar, só pra falar que temos documentos antigos. A música só no papel é importante, mas se ela não for audível, ela não é música. (Aluízio José Viegas, entrevista para o Museu da Música de Mariana - MG, abril/2015)

É necessário que reconheçamos e que perpetuemos a contribuição do copista, historiador, flautista, violoncelista e contrabaixista, maestro, musicólogo, intelectual e amigo Aluízio José Viegas ao patrimônio histórico-musical são-joanense, mineiro e brasileiro! Diante da grandeza do legado dele, o que vai aqui escrito é quase nada e valerá apenas como uma singelíssima homenagem. Ainda abalado com a morte que lhe ceifou, elaboro estas linhas reportando-me aos conhecimentos advindos do terno convívio e amizade que mantive durante anos com aquele que era meu consultor, e, também, buscando auxílio nas informações contidas na página virtual do Museu da Música de Mariana, editada pelo musicólogo dr. Paulo Castagna (um grande amigo e admirador da personalidade homenageada neste texto).

Então, será desta forma que passarei a discorrer um pouco sobre a vida e obra de Aluízio José Viegas, nascido nesta mineira São João del-Rei no dia 26 de março de 1941, sendo o caçula de 12 irmãos criados numa família envolvida com as artes, cultura, política e atividades sociais. Ainda muito pequeno, Aluízio era levado pelo pai às igrejas e festas religiosas, onde acabava envolvido com os sons, com as músicas de coro e de orquestras durante missas, novenas e procissões. Como morador da vizinhança das sedes da Orquestra Ribeiro Bastos e Lira Sanjoanense, ele cresceu prestando atenção nas aulas de iniciação musical e nos ensaios de ambas.

Em 1953, começou a trabalhar numa farmácia, e, em 1960, atendendo ao convite do maestro Pedro de Souza, ingressou na Orquestra Lira Sanjoanense, onde se dedicou à prática de orquestra em violoncelo. Posteriormente, devotou-se à flauta e ao contrabaixo. Em 1960, começou suas atividades no arquivo musical da Lira Sanjoanense, inicialmente copiando partes das obras em uso. Em 1963, deu início à montagem de partituras de obras de Manoel Dias de Oliveira, Jerônimo de Souza Lobo, Padre João de Deus de Castro Lobo e Emerico Lobo de Mesquita. No final da década de 1950 e início da de 60, ao tomar conhecimento de que descendentes/herdeiros do acervo particular de Japhet Maria da Conceição estavam a queimar músicas, acendendo fogão a lenha com partituras, com grandes dificuldades financeiras conseguiu adquirir algumas peças remanescentes e, desta forma, livrou preciosidades d'um destino catastrófico. Foi nessa época que Aluízio conseguiu salvar uma partitura manuscrita que continha o autógrafo de Gioacchino Rossini, peça que até então era desconhecida e que depois descobriu-se tratar da "Messa Di Gloria", uma relíquia de grande "pezzo" para a história da música ocidental. Desde o ano de 1963 ele colaborou com diversos pesquisadores e musicólogos, dentre eles Cleofe Person de Mattos, Padre Jaime Diniz Cavalcanti, Adhemar Nóbrega, Olivier Toni, Antônio Alexandre Bispo, Adhemar Campos Filho, Ernani Aguiar, Paulo Castagna... Integrou a equipe da pesquisa "O ciclo do ouro: o tempo e a música no barroco católico", da PUC-RJ. Apoiou fundamentalmente a Cleofe Persson de Mattos nas suas pesquisas em Minas Gerais e, posteriormente, foi convocado pessoalmente pelo alemão Francisco Curt Lange para

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ajudar na elaboração da primeira listagem de obras musicais que deu origem ao "Acervo Curt Lange", no Museu da Inconfidência/Casa do Pilar, em Ouro Preto - MG; integrou a equipe que elaborou partituras de obras de música sacra mineira para a FUNARTE.

Desde 1978 que o mestre Aluízio Viegas vinha proferindo palestras sobre a música mineira e abordando os mais diferentes aspectos da história e da cultura de São João del-Rei, aprofundando-se sempre nos temas da música sacra mineira e brasileira, na história e arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense e de outras entidades musicais da região e do país. Conhecia como ninguém sobre a vida e a obra do padre José Maria Xavier, dominava a história da música são-joanense (principalmente de 1717 a 1900), aprofundou-se no estudo do barroco mineiro, na interpretação da linguagem dos sinos de São João del-Rei e de outras plagas, na história e arquivos da Ordem Terceira do Carmo de São João del-Rei e na epopeia da construção da sua igreja, nas particularidades do Teatro de Ópera no período colonial em São João del-Rei. Aluízio realizou a montagem e fez a revisão de um grande número de partituras, destacando-se entre grandes obras as "Matinas de Natal", "Matinas do Divino Espírito Santo" e "Matinas de S. Vicente de Paulo" de Castro Lobo, as "Matinas de Nossa Senhora do Carmo" e os "Responsórios Fúnebres" de Padre José Maurício Nunes Garcia. Além do conhecimento da música brasileira antiga, ele era estudioso e conhecedor das artes plásticas brasileiras, tendo colaborado para a reedição da obra "Teatro Eclesiástico", do frei Domingos do Rosário (Fundação Biblioteca Nacional, 2012).

Aluízio foi um dos maiores responsáveis pela pesquisa e revitalização da música sacra mineira dos anos setecentos e oitocentos, hoje cantada e tocada semanalmente nas funções litúrgicas na mineira São João del-Rei e que se faz presente em todo o mundo na forma de textos, concertos, gravações e páginas virtuais. É importante dizer que quando ele começou a dedicar-se à música, a maior parte das tradições brasileiras relacionadas à música sacra haviam se perdido, especialmente por conta do "Motu Proprio" (de 1903). Aluízio produziu dezenas de partituras para uso musicológico e centenas de cópias para uso prático nas orquestras da cidade, participando ativamente da organização de livros e catálogos sobre a música sacra mineira, integrando equipes de vários projetos musicológicos, publicando artigos, fazendo conferências e frequentando a muitos eventos em todo o país, tornando-se bastante conhecido no Brasil e no exterior, especialmente em Portugal.

Assim, com todos méritos de sua larga experiência, Aluízio Viegas se tornou o mais antigo representante de uma tradição que remonta aos séculos XVIII e XIX, e mantinha vivo o conhecimento em torno da música sacra dessa época, evidenciando a importância das fontes e dos arquivos musicais, prezando as cópias de partes e a montagem de partituras para execução, centenas das quais felizmente encontram-se em formato manuscrito ou digital no arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense. Ele foi o musicólogo que por mais tempo frequentou e/ou manteve colaboração profissional com o Museu da Música de Mariana (MG), onde trabalhou em diversos projetos desde 1976, com destaque para o projeto Acervo da Música Brasileira (2001-2003).

Servidor aposentado da UFSJ, Aluízio Viegas trabalhou por muitos anos na Paróquia do Pilar, onde foi uma espécie de "braço direito" do monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva (1928-2014). Atuou com muita disposição e competência no âmbito do Museu de Arte Sacra de São João del-Rei. Era sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, dirigiu e foi maestro da Orquestra Lira Sanjoanense e da Sociedade de Concertos Sinfônicos de São João del-Rei, além de atuar como pesquisador da Cúria Diocesana.

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Nos últimos tempos, já com a saúde cardíaca um pouco abalada, a situação física de Aluízio José Viegas foi se agravando; depois de ficar internado desde o dia 20 de abril deste ano na UTI do Instituto Biocor de Nova Lima (Grande BH), acompanhado diariamente pela sua esposa Niva Brighenti Viegas e pela filha Beatriz Brighenti Viegas, Aluízio saiu desta vida aos 74 anos de idade, às 7 horas da manhã de 27 de julho de 2015. O corpo dele chegou a São João del-Rei na tarde daquele dia e foi velado na sede da Orquestra Lira Sanjoanense. Na manhã seguinte, às 10 horas, sob toques fúnebres dos sinos, o féretro seguiu para a Missa de Requiem na Catedral do Pilar, onde ouvimos músicas executadas conjuntamente e comoventemente pelas orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos, sob a regência de Modesto Fonseca. O sepultamento foi realizado em seguida, no Cemitério da Ordem Terceira do Monte Carmelo.

Então, diante do que aqui foi sucintamente relatado, o que teremos a fazer? Ainda que postumamente, temos que agradecer muito ao amigo e mestre Aluízio José Viegas! Apesar de nos sentirmos um tanto quanto órfãos e de a nossa missão estar bem mais pesada com a sua ausência, precisamos nos esforçar para impedir que os seus ensinamentos se apaguem. Já sabemos que doravante os musicólogos não terão facilidades nas tarefas de prosseguirem com as pesquisas sem o auxílio e a liderança intelectual do finado maestro. E nós teremos a obrigação de nunca olvidar o nome dele, registrando sempre a herança que nos foi deixada como formidável resultado de décadas das suas muitas e aprofundadas pesquisas. "Requiescat in pace", Aluízio...

Maestro Aluízio José Viegas regendo a Orquestra Lira Sanjoanense por ocasião da missa do jubileu de diamante da ordenação sacerdotal do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, na Catedral do Pilar, São João del-Rei - MG, em 30/11/2013 (foto: José Antônio de Ávila Sacramento).

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Nota no Jornal de Minas - São João del-Rei - MG, ano XV, edição nº 250, de 25 a 31 de julho de 2014, coluna "Em Voga", página.3

Aluízio Viegas no arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense (ano de 2008)

* Este tex to es tá sendo d ispon ib i l i zado v i r tua lmente em 27/08/2015 (por ocas ião do 30º d ia da mor te do maest ro A lu íz i o José Viegas) e fo i encaminhado para se r publ icado na próx ima ed ição da Revis ta Em Voga (ed i tada em São João de l -Rei - MG por Neudon Bosco Barbosa) que será d is t r ibu ída no próx imo mês de setembro.