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DIÁRIO REGIONAL SEGUNDA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2012 8 Fernando de Oliveira Repórter [email protected] u ENTREVISTA Ensaios de um “leitor comum” O premiado romancista José Castello reflete, em seu novo livro, sobre literatura e consagrados escritores A utor do celebrado Ribamar, vencedor do prêmio Jabuti 2011, o jornalista e escritor carioca José Castello, um dos mais respeitados críticos em ati- vidade no País, acaba de lançar, pela Bertrand Bra- sil, seu novo livro, As Feri- das de Um Leitor. Trata-se de uma excelen- te coletânea de 42 ensaios (que se complementam) sobre literatura e escritores, como Mário de Andrade, Clarice Lispector, Moacyr Scliar, Joseph Conrad, José Saramago e Julio Cortázar, publicados nas páginas de O Globo, Estadão, Valor Econômico, Bravo, Rascu- nho, entre outros veículos da imprensa brasileira. “Esses artigos compõe um registro - profunda cica- triz - das feridas que a leitu- ra sempre produz em mim. Ler - se lemos para valer - fere. Arranca nacos do es- pírito, agita a sensibilidade e desloca os pensamentos”, escreve Castello, no breve texto de introdução da obra. Colunista do caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo, José Castello, que se considera um “leitor co- mum”, viajou para o exte- rior na semana passada. Antes de pegar o avião, ele conversou com o Diário, nesta entrevista exclusiva, concedida de Curitiba, onde está radicado desde 1994. Diário Regional - Com que critério selecionou os ensaios de As Feridas de Um Leitor? José Castello - O critério de seleção é sempre afetivo. Escolhi artigos sobre auto- res que me interessam mais. E também aqueles que, acredito, consegui expres- sar um pouco melhor o que senti durante a leitura. Em resumo: dei preferência aos artigos que guardam, de al- guma maneira, o meu estilo e a minha maneira de obser- var a literatura e o mundo. DR - Como se tornou crítico literário? Castello - Não sei se sou, de fato, crítico literá- rio. Vejo-me mais como um cronista literário. Críticos literários são Leyla Perrone Moisés, Silviano Santiago, Flora Sussekind, Davi Ar- rigucci, Beatriz Resende, Manoel da Costa Pinto. Pessoas que tiveram um percurso acadêmico longo, organizado e que, sobretu- do, são estudiosos de teoria literária. Minha gradua- ção é em jornalismo. Meu mestrado também. E só. Sempre me considerei um “leitor comum”. Meus ar- tigos são como crônicas de viagem - só que de viagens feitas através de um livro. Abro o livro, leio (“via- jo”) e depois escrevo meu relato, minha crônica (“de viagem”). É o que faço, e gosto muito de fazer! DR - De que maneira a experiência como jor- nalista cultural, que tra- balhou em redações de jornais entre 1971 e 1991, influenciou sua atividade de crítico e escritor? Castello - É evidente que influenciou. E muito. Sobre- tudo porque me deu a chan- ce preciosa de conhecer e ter longas conversas com im- portantes escritores. Um dos resultados dessa convivência é meu livro Inventário das Sombras (Record, 1999). Creio que quando você co- nhece um escritor, você, de alguma forma, acessa os bas- tidores de sua escrita. Você pode ler, amar e conhecer um grande escritor, é claro, sem jamais tê-lo visto. Mas o contato pessoal, acredito, enriquece muito o conheci- mento da literatura. DR - No ensaio A Ficção Envergonhada, o senhor escreve que “os críticos li- terários não suportam a ideia de que a crítica literá- ria é, ela também, um tipo (ainda que envergonhado) de ficção”. Gostaria que comentasse isso. Reprodução Meus artigos são como crônicas de viagem - só que de viagens feitas através de um livro

José Castello - Entrevista no Dário da Região

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Após vencer o Prêmio Jabuti com Ribamar, José Castello apresenta As feridas de um leitor, uma reunião clássica de textos críticos publicados na imprensa. Com esta publicação, os leitores comprovarão a excelente técnica analítica do autor e suas preferências literárias. No fim, uma certeza: a Literatura é muito mais complexa e divertida do que se pode imaginar.

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Diário regionalSEGUNDA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 20128

Fernando de OliveiraRepó[email protected]

u EntrEvista

Ensaios de um “leitor comum”O premiado romancista José Castello reflete, em seu novo livro, sobre literatura e consagrados escritores

Autor do celebrado Ribamar, vencedor

do prêmio Jabuti 2011, o jornalista e escritor carioca José Castello, um dos mais respeitados críticos em ati-vidade no País, acaba de lançar, pela Bertrand Bra-sil, seu novo livro, As Feri-das de Um Leitor.

Trata-se de uma excelen-te coletânea de 42 ensaios (que se complementam) sobre literatura e escritores, como Mário de Andrade, Clarice Lispector, Moacyr Scliar, Joseph Conrad, José Saramago e Julio Cortázar, publicados nas páginas de O Globo, Estadão, Valor Econômico, Bravo, Rascu-nho, entre outros veículos da imprensa brasileira.

“Esses artigos compõe

um registro - profunda cica-triz - das feridas que a leitu-ra sempre produz em mim. Ler - se lemos para valer - fere. Arranca nacos do es-pírito, agita a sensibilidade e desloca os pensamentos”, escreve Castello, no breve texto de introdução da obra.

Colunista do caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo, José Castello, que se considera um “leitor co-mum”, viajou para o exte-rior na semana passada.

Antes de pegar o avião, ele conversou com o Diário, nesta entrevista exclusiva, concedida de Curitiba, onde está radicado desde 1994.

Diário Regional - Com que critério selecionou os ensaios de As Feridas de Um Leitor?

José Castello - O critério de seleção é sempre afetivo. Escolhi artigos sobre auto-

res que me interessam mais. E também aqueles que, acredito, consegui expres-sar um pouco melhor o que senti durante a leitura. Em resumo: dei preferência aos artigos que guardam, de al-guma maneira, o meu estilo e a minha maneira de obser-var a literatura e o mundo.

DR - Como se tornou crítico literário?

Castello - Não sei se sou, de fato, crítico literá-rio. Vejo-me mais como um cronista literário. Críticos literários são Leyla Perrone Moisés, Silviano Santiago, Flora Sussekind, Davi Ar-

rigucci, Beatriz Resende, Manoel da Costa Pinto. Pessoas que tiveram um percurso acadêmico longo, organizado e que, sobretu-do, são estudiosos de teoria literária. Minha gradua-ção é em jornalismo. Meu mestrado também. E só. Sempre me considerei um “leitor comum”. Meus ar-tigos são como crônicas de viagem - só que de viagens feitas através de um livro. Abro o livro, leio (“via-jo”) e depois escrevo meu relato, minha crônica (“de viagem”). É o que faço, e gosto muito de fazer!

DR - De que maneira a experiência como jor-nalista cultural, que tra-balhou em redações de jornais entre 1971 e 1991, influenciou sua atividade de crítico e escritor?

Castello - É evidente que

influenciou. E muito. Sobre-tudo porque me deu a chan-ce preciosa de conhecer e ter longas conversas com im-portantes escritores. Um dos resultados dessa convivência é meu livro Inventário das Sombras (Record, 1999). Creio que quando você co-nhece um escritor, você, de alguma forma, acessa os bas-tidores de sua escrita. Você pode ler, amar e conhecer um grande escritor, é claro, sem jamais tê-lo visto. Mas o contato pessoal, acredito, enriquece muito o conheci-mento da literatura.

DR - No ensaio A Ficção Envergonhada, o senhor escreve que “os críticos li-terários não suportam a ideia de que a crítica literá-ria é, ela também, um tipo (ainda que envergonhado) de ficção”. Gostaria que comentasse isso.

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Meus artigos são como crônicas de viagem - só que de viagens feitas

através de um livro

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Diário regional SEGUNDA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2012 9

u EntrEvista

Castello - A crítica (mui-tos esquecem) é um gêne-ro literário. Mais que isso: é um gênero no qual, por mais que lute contra isso, o critico trabalha também com sua subjetividade. Ele expressa preferências, faz escolhas, enfatiza aspectos, descarta outros. Entram em cena, ainda, as fantasias que ele tem não só a respeito do livro que lê, mas do escritor que o escreveu. Toda crítica - mesmo a mais “científica” delas - tem, portanto, um forte componente ficcio-nal. Os críticos não gostam de admitir isso. Isso até os horroriza. Mas é exatamen-te o que penso.

DR - Mestres da crítica literária brasileira do sé-culo 20 como Álvaro Lins, Sérgio Milliet e Otto Maria Carpeaux deixaram discí-pulos? Qual sua visão sobre a crítica literária de hoje?

Castello - A crítica de hoje é assunto da universi-dade. Temos grandes críti-cos no Brasil, como alguns que já citei. Desde a cria-ção, por Afrânio Coutinho, nos anos 60, da primeira faculdade de Letras (a da UFRJ), a crítica se tornou um assunto universitário. Na imprensa predomina a resenha, que é igualmen-te digna, mas que tem um caráter mais informativo e jornalístico. São duas perspectivas diversas, qua-se opostas, que se comple-mentam. As duas, creio, são

Livro: As Feridas de Um Leitor, de José Castello; Ed. Bertrand Brasil; 279 páginas.

Preço: R$ 39,90.

Onde comprar: Cafeteria e Livraria Iluminura, Rua Borges de Medeiros, 471, Centro, em Santa Cruz do Sul. Fone: 51-3056.2871.

igualmente importantes. Embora, como já disse, eu esteja em um terceiro lugar.

DR - Como avalia o atual momento da literatu-ra brasileira?

Castello - Com muito otimismo. Pense nos nar-radores. Pense em João Gilberto Noll, Milton Hatoum, Tatiana Salem Levy, Cristovão Tezza, João Paulo Cuenca, João Almino, Carola Saavedra, Raimundo Carrero... o que eles têm em comum? Nada. E é justamente nes-se “nada”, a meu ver, que está a riqueza. Hoje os es-critores realmente impor-tantes não se preocupam mais com escolas, modas, vanguardas, grupos esté-

ticos. Cada um segue seu caminho. E acho que es-tão certos, porque a lite-ratura - a arte em geral - é o lugar do Um, do parti-cular, do singular.

DR - O senhor é colabo-rador do mensário Rascu-nho, exemplar suplemento literário curitibano. Por que são raras no Brasil pu-blicações corajosas e insti-gantes como essa?

Castello - Não é fácil manter uma publicação li-terária. Hoje só mesmo os grandes jornais - como O Globo, onde sou colunista do suplemento Prosa e Ver-so - e as grandes instituições - como o Instituto Moreira Salles - conseguem sustentá-las. O Rascunho é uma fan-tástica exceção. Ele é resul-tado da obstinação, da luta, da coragem de seu editor, Rogério Pereira, que, contra tudo e contra todos, criou um jornal que já tem mais de dez anos de existência, sem falhar uma só edição! Eu me orgulho muito de ser colabo-rador do Rascunho. Nunca me cansarei de dizer isso.

DR - Está trabalhando em algum novo livro?

Castello - Estou termi-nando um ensaio sobre Ro-binson Crusoe, o romance de Daniel Defoe, primeiro romance que li na vida. Ele sairá pela Companhia das Letras. Nele, traço um paralelo entre a leitura que faço hoje de Crusoe, aos 60 anos de idade, e aquele que fiz quando o li pela pri-meira vez, aos nove anos. Já tenho muitos rascunhos, também, para um terceiro romance, mas ainda estão caóticos demais e não con-sigo falar nada a respeito. E, por fim, no início de 2013 a editora Leya lança-rá uma seleção de 100 das mais de 250 colunas que já publiquei no Prosa & Ver-so. O livro se chamará Sá-bados Inquietos.

“A literatura - a arte em geral - é o lugar do Um, do particular, do singular”, diz José Castello

Toda crítica - mesmo a mais “científica”

delas - tem, portanto, um forte componente ficcional. Os críticos

não gostam de admitir isso

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