Jose Knust - Por Uma Historiografia Realista e Objetiva

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    Scientiarum Historia UFRJ / HCTE

    1 Congresso de Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia UFRJ / HCTE 22 e 23 de setembro de 2008

    Por uma Historiografia Realista e Objetiva: uma abordagem a partir das

    contribuies de Martin Bunzl e Chris Lorenz.

    Jos Ernesto Moura Knust

    In: Scientiarum Historia. 1 Congresso de Histria das Cincias e das tcnicas e Epistemologia.Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008. p.741-752

    Palavras Chave: Epistemologia da Histria, Realismo, Objetividade Cientfica.

    Introduo

    Nas ltimas dcadas do sculo passado, tornou-sehegemnica na Epistemologia da Histria aperspectiva ps-moderna. Autores como Hayden

    White, Frank Ankersmit e Michel Foucaultpromoveram uma reviravolta nos princpios quenorteavam a produo do conhecimento histrico.

    A concepo de Verdade como constituda a partir

    das relaes de poder, formulada por Focault,tornou-se muito influente. A verdade seria de fato o"conjunto das regras segundo as quais se distingueo verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro

    efeitos especficos de poder"1. Isto significou, para

    os tericos da Histria que reivindicam Foucault, adenncia do carter instrumental da historiografia,isto , o conhecimento histrico no seria construdomeramente no interesse de anlise imparcial dopassado, mas sim com objetivos polticos,econmicos e ideolgicos especficos. Tal afirmaono uma novidade na Teoria da Histria, sendo

    recorrente desde Marx. Porm o argumento

    radicalizado. Antes se afirmava que os historiadorespossuam interesses e que estes eram refletidos naescolha de temas e argumentos; agora se afirmariaque tais interesses so completamentedeterminantes na reconstruo do passado e,principalmente, que so relaes de poder quedeterminam a aceitao de uma interpretao como

    verdadeira ou no, sendo sua relao com arealidade do fato estudado em si peso algum.

    Porm, como apontamos, as idias foucaultianastrazidas para a Epistemologia da Histria no eramestranhas a esta. Por isso, a influncia maisdrstica, que levou as bases da Epistemologia daHistria para mais longe de seus pressupostos

    tradicionais, foi a influncia da teoria literria.Tericos da Literatura como White e Ankersmitpassaram a se interessar em como os historiadoresproduziam seus textos. Obviamente, por se trataremde autores oriundos dos estudos literrios, muitanfase foi dada a questo formal dos textos isto ,estes autores tinham interesse na produo dasexplicaes historiogrficas enquanto produtodiscursivo, argumentativo, e no como pesquisa

    metodologicamente embasada. Desta forma, com ainfluncia destes autores nas discusses acerca da

    Epistemologia da Histria, houve um deslocamentodo debate nesta rea do conjunto da Epistemologiadas cincias em geral para as discusses dentrodos crculos da Teoria Literria.

    Muitos tericos da histria passaram, ento, atentar mostrar como a construo dos textos pelos

    historiadores depende muito mais das estratgiasdiscursivas, dos tropos do discurso, do que dapretensa pesquisa histrica. A argumentao nestesentido se baseia na premissa de que a linguagem

    no um meio satisfatrio de descrio darealidade, existe um abismo intransponvel entrerealidade e linguagem

    2.

    A partir da associao destas duas linhas deargumentao, de um lado Foucault, de outro Whitee Ankersmit, surgiu o que poderamos chamar dehistoriografia ps-moderna. Na defesa deste novoparadigma chegou-se ao limite de afirmar que aHistria simplesmente nada tem a nos dizer sobre opassado e deve ser vista apenas como um artefatoliterrio que pretende substituir tal passado, que

    irrecupervel3.

    Este paradigma, por seu aspecto relativista,

    acabou criando o que ainda se percebe como umacrise da Epistemologia da Histria. Se o que senecessita para explicar a produo dos textos peloshistoriadores a anlise de suas estratgiasdiscursivas, e no a sua pesquisa histrica, a

    Epistemologia passaria a ser, como apontaAnkersmit, a posteriori e no a priori. Isto , aEpistemologia estaria na anlise dos trabalhos(discursos) produzidos, e no mais como base daproduo de tais trabalhos

    4. Disto resulta o que o

    prprio Ankersmit chama de desepistemologizaoda Histria, pois uma Epistemologia a posteriori tudo, menos uma verdadeira Epistemologia.

    Durante todo o perodo de hegemonia doparadigma ps-moderno surgiam vozes deconfrontao (sendo um dos focos mais importantesde resistncia o marxismo). Porm, oestabelecimento do ps-modernismo na Teoria daHistria parecia irreversvel. Apenas a partir demeados da dcada de 90 uma substancial crtica aops-modernismo passou a fazer eco em toda a

    comunidade acadmica. Atualmente no podemosmais falar em uma hegemonia ps-moderna,mesmo com toda a importante influncia que

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    autores desta linha ainda possuem, devido fora e ressonncia que ganharam as crticas apressupostos fundamentais de tal paradigma.Porm, um novo paradigma ainda no foi construdo

    na Histria. A crtica ao ps-modernismo nopretende que a Epistemologia da Histriasimplesmente volte ao estado anterior ao girocrtico. Muitas das questes colocadas pelo ps-

    modernismo so fundamentais (por mais quecritiquemos as respostas que tal paradigmapretendeu dar a tais questes). Pode-se dizer quese perdeu a ingenuidade perante o texto. A

    ingenuidade sobre a imparcialidade do produtor doconhecimento tambm foi combatida (sendo queeste ponto j era alvo de crticas muito antes dosurgimento do ps-modernismo).

    Nosso objetivo neste artigo apontar algumasdas possveis contribuies de dois importantesestudiosos da Epistemologia da Histria para aconstruo de um futuro novo paradigma para a

    Histria. So eles o filsofo Martin Bunzl e ohistoriador Chris Lorenz.

    Analisaremos como estes dois autores secolocam frente s questes levantadas pelaepistemologia da Histria e como eles reconfiguramconceitos fundamentais para a construo de umparadigma realista e objetivista da Histria reconfigurao essa necessria justamente pelas

    questes pertinentes levantadas pela crtica ps-moderna.

    Ambos os autores tem como ponto comum adefesa de uma abordagem da Epistemologia queleve em considerao a prtica da construo doconhecimento histrico. Nenhum dos dois sepretende pragmatista ao extremo de pensar a teoria

    como mera descrio de como a prtica se d.Ambos sabem que a teoria coloca problemas almdaqueles postos pela prtica. Porm, ambosconcordam que a prtica permite insightsfundamentais para a resoluo de questes chavesda teoria.

    Martin Bunzl: a epistemologia sob aluz da prtica historiogrfica

    Martin Bunzl acredita que na prtica muito difcilno ser um objetivista

    5. Porm, isso no faz da

    prtica historiogrfica necessariamente positivista necessrio separar o joio do trigo dentro dasposturas objetivistas. A partir disto, Bunzl pretendemostrar como a prtica historiogrfica ps-moderna

    reestrutura os princpios tericos da epistemologiaps-moderna.

    A partir da crtica teoria da histria do ps-moderno Arthur Danto, Bunzl pretende reavaliar aquesto da seletividade do conhecimentohistoriogrfico. Danto acredita que a compreensototal do passado impossvel e isto no

    meramente resultado de o nosso conhecimentosobre ele ser indireto e parcial. Na verdade, o queimpede a compreenso do passado o fato de aHistria ser essencialmente narrativa, e uma

    narrativa significa necessariamente incluso eexcluso de elementos. Alm disso, o passado, paraDanto, no fixo. O conhecimento do passadodepende das relaes entre os fatos do passado e

    os fatos posteriores, e como no temosconhecimento do futuro, o passado torna-se fluido,com o acontecimento de novos fatos queestabelecem novos fatos no passado

    6.

    Bunzl critica Danto em diversos nveis. Primeiro,afirma que nem toda histria necessariamentenarrativa (e este um ponto de debate comum entreps-modernistas e seus crticos). Alm disso, aestranha concepo de passado fludo desnecessria, sendo mutvel nosso conhecimento,nossa percepo sobre tal passado, e no opassado em si

    7.

    Porm, ainda resta abordar a problemtica daseletividade, que Bunzl reconhece como

    desafiadora. Porm, ele acredita que oshistoriadores possuem uma estratgia vlida desuperao desta problemtica: o estudo dohorizonte de possibilidades dos atores histricos.Isto , o objeto de estudos dos historiadores passa aser fixo e a seletividade a dos prprios atores

    histricos. Desta forma, a experincia dos atoreshistricos precisa ser entendida como um dos focoscentrais da abordagem historiogrfica. Esta posiovai de encontro a posies basilares ps-modernasque acreditam que a abordagem historiogrfica noconsegue, no pode e nem deve partir de outroenfoque que no seja a experincia do prprio

    produtor do conhecimento historiogrfico

    8

    .No deixa de ser interessante o fato de Bunzl, parapolemizar com o ps-modernismo, buscar oconceito de experincia proposto pelo historiadormarxista Edward Thompson em sua crtica aossetores marxista que pretendiam uma totalsupremacia da teoria frente empiria

    9.

    O problema desta estratgia, como o prprio Bunzlreconhece, o fato de os historiadores lidarem com

    objetos que vo alm de tais horizontes depossibilidades.

    Analisando a obra de Joan Scott, Bunzl mostracomo as preocupaes tericas em mostrar alinguagem como agente histrico em si so

    deturpadas pela prtica historiogrfica da prpriaautora. Isto ocorre pelo fato de a teoria de Scottpreconizar uma abordagem localista da

    referencialidade lingstica. Isto , para Scott, umconceito s possui validade dentro de sua prpriahistoricidade e contextualizao. Qualquer tentativade generalizao deturparia seu uso. Porm, JoanScott das mais importantes historiadorasfeministas. Como conciliar tal posio prtica comaquela posio terica? A categoria Mulher, dentroda lgica ps-estruturalista de Derrida, nada mais

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    que uma categoria social construda sem qualquerreferencialidade natural, sendo seu conceitocompletamente dependente do contexto na qual elesurge. A reivindicao de bandeiras determinadas

    aparece como incompatvel com a prpriaepistemologia ps-moderna

    10.

    Isto nos leva abordagem da teoria ps-modernado conhecimento proposta por Foucault. Bunzl inicia

    sua argumentao mostrando como um historiadorque reivindica os pressupostos tericosfoucaultianos, no caso Jeffrey Weeks, pode naverdade utilizar-se de elementos da teoria de

    Foucault, mas continuar partilhando de umaconcepo tradicional da escrita da Histria, poiscontinua partilhando preocupaes com acausalidade, noo rejeitada por Foucault. Talmodus operandi bastante criticvel, pois aosmanter certas concepes tradicionais da prticahistoriogrfica, ignoram-se elementos fundamentaisda teoria foucaultiana

    11. E so estes que

    pretendemos analisar agora.Bunzl afirma que a noo de regimes de verdade,

    e as concepes foucaultianas de conhecimento elinguagem colocam um srio desafio ao discursointelectual. Foucault identifica duas tradiesfilosficas, uma tradicional, a Filosofia Analtica,que pretende construir bases para o conhecimento;a outra, uma postura filosfica cuja preocupao

    central o que ele identifica como ontologia dopresente ou ontologia de ns mesmos.

    Frente a tais posturas de Foucault, Bunzl identificaduas possibilidades de interpretao. A primeira,mais comum, a interpretao forte, queinterpretaria as afirmaes de Foucault no sentidodeste acreditar que a Filosofia Analtica tradicional

    uma quimera. A outra interpretao, fraca, seria ade que Foucault, apesar de uma desconfianaacentuada, v a Filosofia Analtica tradicional comouma possibilidade sria. O grande problema dainterpretao forte, amplamente apontado peloscrticos de Foucault, seria o risco de auto-refutao.Se todo o conhecimento produzido relativo sestruturas lingsticas, prticas discursivas epolticas de verdade, a prpria afirmao disto por

    Foucault estaria submetida aos mesmoscondicionantes, tornando-a to relativa e circunscritacomo qualquer outra. Bunzl acredita que todas astentativas de interpretes favorveis Foucault queoptam pela interpretao forte de contornar esta

    auto-refutao so falhas. E isto ocorre, para Bunzl,justamente por que o prprio Foucault trabalha comconceitos tradicionais da Filosofia Analtica de

    verdade e referencialidade em suas obras. Ou seja,Foucault estava consciente das limitaes de seuprojeto epistemolgico. Desta forma, a interpretaofraca deve ser a privilegiada na abordagem eutilizao da teoria de Foucault. De maneira geral,os historiadores trabalham com esta interpretaofraca quando esto em suas pesquisas. Porm,quando passam reflexo sobre teoria, adotam

    uma interpretao forte, que, como se apontou, problemtica

    12.

    O problema maior surge quando passamos para aquesto da causalidade histrica. A metodologia

    proposta por Foucault, a arqueologia, contrria concepo de causalidade. Porm, ao fazertrabalhos histricos, Foucault no consegue fugirdesta concepo. A prtica historiogrfica

    incompatvel com a negao da causalidadehistrica. Bunzl acredita que no hincompatibilidade necessria no estudo(preconizado por Foucault) dos discursos histricos

    com o estudo (tradicional na historiografia) dascausalidades histricas. A conjuno destas duaspreocupaes no era exatamente a inteno deFoucault, porm a prtica historiogrfica possvel apartir dos insightsde Foucault. Por fim, isto significaque uma historiografia influenciada pelas teorias deFoucault no precisa ser necessariamente anti-realista

    13.

    O mesmo no acontece, segundo Bunzl, com ainfluncia de Derrida. De maneira geral, os

    historiadores que trabalham com tal refernciaterica selecionam elementos de tal filosofiacompatveis com a prtica historiogrfica e ignoramo sistema filosfico desconstrucionista em suaplenitude pois este totalmente incompatvel com aprtica historiogrfica. Por exemplo, o uso da leitura

    das margens, metodologia desenvolvida peloDesconstrucionismo, para o estudo de grupossubalternos a partir de textos produzidos pelas elitespossui uma potencialidade enorme, mas utilizadaa partir de princpios historiogrficos tradicionais,como a concepo de causalidade histrica

    14.

    Por fim, Bunzl aborda a contribuio terica do

    antroplogo cultural Clifford Geertz. A interpretaodas culturas segundo Geertz deve ser feita partir danoo de rede de significados e a partir de umadescrio densa. Os comportamentos humanosseriam completamente dependentes dossignificados que possuem cada uma de suasatitudes. Tudo na sociedade, cada pequena ao,teria significado cultural. Desta forma, a anlisesocial deixa o nvel dos indivduos e se coloca na

    instncia dos significados socioculturais. Comodemonstra Bunzl, esta percepo completamentedependente da noo de regras sociais. Porm,para situaes sociais nas quais no h regrasexplcitas, apenas implcitas e estas so a maioria

    dos casos a abordagem geertziana perde poderexplicativo. E isto ocorre justamente por talabordagem no dar a ateno necessria aos

    processos de construo e reconstruo designificados, que s podem ser entendidos no nvelde ao dos indivduos

    15.

    Com tudo isto percebemos quais so as trspreocupaes fundamentais de Martin Bunzl. Eleacredita que uma historiografia realista (que ,grosso modo, a nica possvel, sendo, pelo menos,o sentido que todas as tentativas de construo do

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    conhecimento histrico tm tomado) precisa deter-se fundamentalmente na anlise das experinciasou dos horizontes de possibilidades dos atoreshistricos, a partir da concepo de causalidade

    histrica, em um nvel de anlise que contemple osindivduos enquanto agentes histricos.

    Chris Lorenz: Realismo eIntersubjetividade

    Chris Lorenz identifica como fundamentais trs

    posies crticas Histria do ps-modernismo16

    :

    1. Ceticismo quanto possibilidade de osHistoriadores dizerem verdades sobre opassado;

    2. Ceticismo quanto possibilidade de osHistoriadores serem objetivos nas suasanlises do passado;

    3. Viso de que a Histria um instrumentosubserviente a interesses especficos.

    A primeira postura crtica se baseia na tal premissado abismo cognitivo entre linguagem e realidade, japontada acima. Os autores que defendem talpremissa do nfase ao fato de o conhecimento dopassado ser realizvel apenas pela construo

    lingstica, por que os conceitos com queanalisamos o passado no existem na realidade emsi, precisam ser primeiramente construdos. Porm,a partir desta afirmao importante e vlida, jdesenvolvida na moderna epistemologia, os ps-modernos derivam uma afirmao radical: ao usar

    construes lingsticas externas realidade, oanalista ficcionaliza a realidade, ou seja: uma

    representao realista do passado impossvel.Esta uma postura extremamente criticvel,

    segundo Lorenz. Primeiro, por se tratar de umamera inverso da postura epistemolgica dicotmicado positivismo, o que significa que a pretensamenteinovadora e iconoclasta postura ps-modernapartilha premissas epistemolgicas com o antiquadoe criticado positivismo. Ambas as posturas

    acreditam que apenas existe conhecimento quandoeste totalmente fundamentado nos dadosempricos qualquer argumentao que partaexternamente empiria mera imaginao,inveno. A diferena est no fato de o positivismoapostar na possibilidade de tal conhecimentoenquanto o ps-modernismo se rende impossibilidade do conhecimento positivo real do

    passado e acredita que a produo doconhecimento histrico totalmente baseada naimaginao, na fico

    17.

    Lorenz ainda argumenta que toda linguagem metafrica, o que no nos impede de ter acesso arealidade atravs dela. Para assumirem posioepistemolgica to radical, estes autores teriam que

    afirmar ser impossvel a distino entre todas asrepresentaes corretas ou incorretas da realidade,e teriam que explicar a existncia da distino entretentativas de representao da realidade bem-

    sucedidas e mal-sucedidas sem usar comoreferncia a noo de realidade (j que o acesso aesta pela linguagem deturpadora eficcionalizante)

    18.

    Chris Lorenz no leva em considerao, porm,que alguns estudiosos poderiam utilizar comoreferencial para tal distino entre empreendimentosde representao da realidade bem-sucedidos ou

    no o conceito foucaultiano de regimes deverdade. Seriam as relaes de poder na qual aproduo e consumo de tais representaes estoinseridas que definiria sua avaliao. Porm, seresta uma possibilidade realmente razovel? Apenasas relaes de poder definiriam o sucesso ou no deuma representao da realidade? A realidade em sino serve como parmetro em nenhum grau? Como

    vimos acima, Martin Bunzl acredita que nem mesmoo prprio Foucault pretendia ir to longe.

    Como se daria, ento, a avaliao social devalidade das tentativas de representao darealidade? Lorenz aponta que uma representaoda realidade se d atravs de argumentos que sepretendem realistas. Como so argumentativas, taisrepresentaes precisam ser defendidas, o que

    significa que em um debate entre representaesdistintas da realidade, um contra-argumento podertransformar aspectos ou mesmo toda aargumentao na qual se baseia a representao.Isto , para Lorenz, o que garante o realismo dasrepresentaes a intersubjetividade

    19.

    Porm, este ponto abre o flanco de outra

    discusso, por que Lorenz afirma que talintersubjetividade no determinada culturalmenteou ideologicamente, mas sim pela razo. O ps-modernismo ir argumentar em outra direo, e aquientramos no que Lorenz identificou como a segundaposio crtica fundamental do ps-modernismo.

    O relativismo ps-modernista se baseia em doisargumentos fundamentais. O primeiro deriva domulticulturalismo e afirma que todas as formas de

    representao incluindo a cincia e aepistemologia so condicionadas pelas culturasparticulares, o que acabaria com a idia deconhecimentos universalmente vlidos restando-nos apenas saberes locais.

    O segundo argumento, muito prximo ao primeiro,vem da filosofia foucaultiana: todas as formas deconhecimento derivam de regimes de verdade

    especficos de cada sociedade. Desta forma,afirmando que o conhecimento depende, por umlado, das estruturas culturais, e por outro, dasestruturas de poder das diversas sociedades, o ps-modernismo afirma que impossvel a produo deum conhecimento objetivo e universal

    20.

    O relativismo epistemolgico no uma inveno

    ps-moderna, mas ganhou novos ares com este.

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    Enquanto o relativismo tradicional focava comocausa da impossibilidade do conhecimento objetivoa pessoa do historiador, necessariamente seletivo, ops-modernismo foca o problema da linguagem que

    o historiador se utiliza para abordar o passado condenada a uma posio inevitavelmente relativadevido ao seu condicionamento cultural e ideolgico.

    Analisando o primeiro dos elementos do

    relativismo ps-moderno, Lorenz percebe que talperspectiva nada mais do que uma radicalizaodos princpios da moderna hermenutica. Estapreconizava que toda interpretao parte de uma

    projeo de significado do interpretante sobre ointerpretado. Para Lorenz, o passo em falso dadopelo ps-modernismo transformar as dificuldadesde interpretao das diferentes culturas emimpossibilidade de interpretao destas. Acomprovao de que tal passo equivocado seria ofato de que as diferentes interpretaes no setransformavam arbitrariamente, como o argumento

    ps-moderno poderia nos fazer pensar. Lorenzafirma que o surgimento e a seleo de melhores

    interpretaes ao longo dos anos significamprogresso nas interpretaes, e no arbitrariedade.Seguindo Karl Popper, ele defende que talprogresso na qualidade relativa do conhecimento aobjetividade que podemos ter no conhecimento

    21.

    Percebemos, novamente, como o ps-modernismo

    constri proposies radicais devido a premissasepistemologicamente pobres. As dificuldades deinterpretao impostas pela pluralidade cultural sotransformadas em impossibilidade de conhecimentoobjetivo devido quela premissa dicotomizantepartilhada com o positivismo apontada acima.

    J na anlise do segundo elemento, a questo dos

    regimes de poder, Lorenz partilha de umainterpretao do argumento de Foucault diferentedaquele que vimos em Bunzl (a interpretao deLorenz poderia ser classificada no que Bunzlclassifica como a interpretao forte dosargumentos de Foucault). E a partir de talinterpretao, Lorenz critica a idia foucaultiana deque as circunstncias na qual o conhecimento produzido determinam completamente tal produo.

    A validade de um conhecimento no pode serrestringida as circunstncias de sua produo, poisdo contrrio se reduz a filosofia do conhecimento sociologia do conhecimento

    22.

    Resta a abordagem do problema da

    instrumentalizao da Histria. O ps-modernismoapontou os usos feitos pelos diversos interesses aolongo da Histria do passado como uma prova de

    que a Histria nunca objetiva. Lorenz acredita quemais uma dicotomia ultrapassada precisa serrebatida: seguindo Thomas Haskell, ele afirma que aobjetividade cientfica no exige do pesquisadorneutralidade, mas sim respeito s regras do jogo.Isto , pode-se produzir conhecimento histrico comobjetivos especficos muito claros, desde que no sesacrifique os instrumentos construdos pela Histria

    enquanto disciplina para a busca do conhecimentoverdadeiro e objetivo. Certamente o passado em sino determina a forma como ela ser utilizada poraqueles que a abordam, isto , as evidncias em si

    no determinam a escrita da histria (e sabe-sedisso desde a superao do positivismo nahistoriografia), mas essas evidncias, e os mtodosda disciplina historiogrfica, restringem as

    possibilidades de interpretaes e servem deparmetro para a comparao entre interpretaesconcorrentes (E.P. Thompson j afirmara isto hdcadas, em sua crtica Filosofia Althusseriana)

    23.

    A partir da contra-argumentao de Lorenz scrticas ps-modernas sobre a construo doconhecimento histrico podemos perceber algunsprincpios epistemolgicos bsicos defendidos porele. Os dois principais so a noo deinterpretaes da realidade concorrentes entre si isto , existem realmente diversas formas deinterpretao da realidade, mas isso no nos leva ao

    relativismo, pois essas interpretaes sonecessariamente melhores ou piores do que as

    outras e a defesa da intersubjetividade como aobjetividade possvel e, at certo ponto, satisfatria.

    Ambos os princpios so fundamentados pelaepistemologia realista de Hilary Putnam, auto-intitulada Internal Realism. Tal postura defendeque o consenso no pode ser visto como o resultado

    esperado da cincia j que a cincia em muitoscasos no constri consensos. Este fato, quepoderia ser vistos como uma falha ou fraqueza visto como inerente natureza do processo deproduo de conhecimento. A produo deconhecimento, e sua referencialidade ecorrespondncia dependem, para Putnam e Lorenz,

    de estruturas conceituais especficas. Esta umapremissa similar concepo de conhecimentodependente da linguagem, do ps-modernismo.Porm, para Putnam e Lorenz, no se pode derivarde tal premissa a tese ps-moderna de inexistnciade correspondncia e referencialidade entreconhecimento e realidade

    24.

    Mas como se d tal referencialidade, ento? Ummesmo evento pode ser descrito e interpretado de

    maneiras diferentes, e isto resultado da existnciade diferentes estruturas conceituais. A realidade emsi no pode ser vista como princpio veridictrio paracada interpretao, mas se mantm como elementogeral e fundamental. O que serve de elemento de

    verificao a verdade aceitvel, isto , aquilo queos horizontes de expectativa (seguindo aexpresso de Gadamer) da audincia esto

    dispostos a aceitar como verdade. E nestasexpectativas pesam no apenas questescognitivas, mas tambm questes normativas

    25.

    Tudo isto, porm, no significa que oshistoriadores escrevem sobre o passadoarbitrariamente, como sugere o ps-modernismo. Anoo de que a cincia precisa reprimir todo equalquer aspecto normativo fundamental para o

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    positivismo e ecoado anacronicamente pelo ps-modernismo que permite tal sugestoequivocada. A linguagem de uma maneira geralfunciona normativa e representativamente aomesmo tempo, o mesmo ocorrendo com asrepresentaes histricas. O fato de umainterpretao do passado possuir juzos de valoressobre o passado no nvel que for no a impede

    automaticamente de representar satisfatoriamente arealidade daquele passado26

    .Dito isto, podemos passar para os critrios que,

    para Lorenz, servem de critrios de competio

    entre as diferentes interpretaes da realidade:adequao aos dados factuais, coerncia interna,quantidade de hipteses geradas e a originalidadedessas hipteses. Esta competio entreinterpretaes fundamental por ser o que garantea objetividade histrica atravs daintersubjetividade

    27.

    A prova de que tal mecanismo funciona na

    produo do conhecimento histrico o fato de queos historiadores no se renderam ao argumento

    ps-moderno de ficcionalizao das interpretaes.A aceitao de tal argumento tornaria a pesquisahistoriogrfica simplesmente dispensvel. Mas porque a pesquisa histrica no foi ento dispensada?Por que ela fundamental na argumentao econtra-argumentao das interpretaes em

    competio. Percebemos desta forma, que oconhecimento em Histria, segundo Lorenz, no baseado em princpios fundamentais, mas sim naargumentao e competio entre argumentaes.

    Concluses

    Acreditamos que os trabalhos de Martin Bunzl eChris Lorenz aqui abordados, assim como o deoutros autores diversos, demonstraram ainadequao das respostas ps-modernas aosproblemas colocados por eles prprios Epistemologia da Histria. Da mesma forma,acreditamos que a abordagem destes autores

    mostra a necessidade de reflexo sobre taisquestes, e mesmo a urgncia em buscar novasrespostas reformulaes certas questes. Apenasisto poder reconstruir um paradigmaepistemolgico para a historiografia. Outracontribuio fundamental da abordagem destesautores a demonstrao da importncia dareflexo epistemolgica sob a luz da prtica

    historiogrfica.Porm, justamente neste ponto que podem

    surgir problemas. Uma abordagem realistapragmtica tem sido reivindica com certareincidncia na historiografia americana em respostaao desafio ps-moderno. Tal abordagem preconizauma prtica historiogrfica baseada naintersubjetividade e no respeito s regras do jogo.

    Porm, esta abordagem possui problemas. Um dosprincipais, como aponta Bunzl, a neglignciaontolgica de tal abordagem pragmatista. Masexistem duas objees mais frontais a ela

    28:

    1. A idia de usar os dados histricos, as fontesprimrias no jargo historiogrfico, comocritrio de competio entre diferentesinterpretaes se baseia numa concepo

    equivocada de distino entreteoria/interpretao e observao dos dados.2. A prtica historiogrfica mostra que duas

    teorias incompatveis entre si podem estar

    respaldadas pelo mesmo corpusdocumental.Bunzl reconhece as dificuldades impostas por tais

    objees, mas acredita que a posio defendida porele, assim como por Lorenz, de um realismopragmatista como terceira via entre relativismo epositivismo defensvel

    29.

    Frente primeira crtica, Bunzl afirma que spoderamos afirmar que diferenas tericas tornam

    as percepes empricas diversas entre si a pontode impedir o dilogo se acreditarmos que qualquer

    mera diferena entre as teorias resultem emdiferenciaes de abordagem da empiriacompletamente divergentes. Bunzl afirma que ahistria prtica cientfica e historiogrfica refuta talhiptese. Desta forma, mesmo com diferentespressupostos tericos resultando em diferentes

    abordagens empricas as evidncias empricascontinuam possuindo valor no debate argumentativoentre as diferentes interpretaes da realidade.

    Quanto segunda objeo, Bunzl argumenta nosentido de que nossas falhas epistemolgicas nopodem basear falcias ontolgicas. Desta forma, seduas interpretaes incompatveis entre si so

    possveis a partir de um mesmo material emprico,isto significa que nossa empiria falha, no quedevemos nos render a uma ontologia anti-realista.Desta forma, o realismo deve continuar sendo areferncia ontolgica para a prtica historiogrfica,mesmo que no consigamos sempre construirconhecimentos epistemologicamente absolutos.

    A Epistemologia da Histria, em seu estado atual,

    ainda no nos permite a visualizao de paradigmasholsticos. A crise desencadeada pela crtica ps-moderna ainda no foi completamente superada.Porm, a superao de certas encruzilhadas que huma dcada pareciam colocar em risco a

    historiografia enquanto disciplinaparece realizada, eas idias destes dois autores aqui discutidos foramimportantes para isso. O projeto de reavaliao

    epistemolgica da Histria, que se imps comurgncia no final do sculo passado, est sendorealizado e em muitos pontos, de forma muitobem-sucedida, como pretendemos mostrar aqui mas ainda no pode se considerar amadurecido.Muitas crticas ainda precisam ser respondidassatisfatoriamente at que possamos afirmar que aEpistemologia da Histria reencontrou um

  • 8/14/2019 Jose Knust - Por Uma Historiografia Realista e Objetiva

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    Scientiarum Historia UFRJ / HCTE

    UFRJ Scientiarum Historia 1 Congresso de Histria das Cincias e das Tcnicas e Epistemologia RJ / 2008 7

    paradigma que sustente a produo doconhecimento histrico.

    Referncias e Notas

    1Foucault, M. A microfsca do Poder, Rio de

    Janeiro: Graal Editora, 2005.2White, H. Metahistria, So Paulo: Edusp, 1995;Idem, Trpicos do Discurso, So Paulo: Edusp,2001.

    3Ankersmit, F.R. Historicismo, Ps-modernismo eHistoriografia. Em A Histria Escrita. Malerba, J.(org.), So Paulo: Contexto, 2006.

    4 Ibidem, p.111.5

    Bunzl, M. Real History. New York: Routledge,1997, p.2.

    6 Ibidem, p.28-29.7 Ibidem, p.32, p.38.8 Ibidem, p.40.9

    Thompson, E.P. A misria da Teoria ou um

    Planetrio de Erros. Zahar Editores, 1981.10 Bunzl, op.cit. p.49-56.11 Ibidem, p.57-61.12 Ibidem, p.65-74.13 Ibidem, p.75-77.14 Ibidem, p.78.15 Ibidem, p.86-89.16

    Lorenz, C. You got your History, I got mine. ZG,10, 1999, p.564-565.

    17 Idem, Can Histories be true? Narrativism,positivism and the Metaphorical turn. History &Theory, 37, 1998, p.312-317.

    18 Idem, You got your History..., op.cit. p.568.19 Ibidem, p.569.20 Ibidem, p.570.21

    Ibidem, p.573-574.22 Ibidem, p.578.23 Ibidem, p.581-583; Thompson, op.cit. p.27.24 Idem, Historical Knowledge and Historical Reality:

    a plea for Internal Realism. Em History andTheory. Contemporary readings. Fay, B. & Pom, P.(Eds.) Blackwell, 1998, p.351-352.

    25 Ibidem, p.364-365.26 Ibidem, p.358-362.27

    Anchor, R. The quarrel between historians andpostmodernists. History and Theory, 38, 1999,p.116.

    28Bunzl, op.cit., p.108.

    29 Ibidem, p.109-110.

    Agradecimentos

    Agradeo FAPERJ por concesso de bolsa deIniciao Cientfica. Agradeo tambm minhaorientadora, professora Dra. Snia Regina Rebel deArajo, e ao professor Ciro Flamarion Cardoso, sema ajuda dos quais este trabalho no seria possvel.